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INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO INDEPENDENTE

TRABALHO INDIVIDUAL DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA


ANGOLANA

RECENSÃO CRÍTICA DE TEXTO


Identificação do Texto sob recensão: «MESTRE TAMODA e outros contos» (Bola com
feitiço) de Uanhenga Xitu

Nome do(a) estudante: NELSON BANDU MUHALA


Nº do estudante: 200649
Ano curricular: 3º Ano | I Semestre
Turma: C2
Período: Pós Laboral

O Docente: Dr. Eduardo Carlos Rosa

Lubango
2022/2023
1. Considerações iniciais:
Agostinho André Mendes de Carvalho – Uanhenga Xitu, nome próprio, e não apenas
pseudónimo literário, conforme refere o autor a si mesmo na parte traseira do livro cujo
mesmo assina, nascido aos 29 de agosto de 1924, na sanzala de Calomboloca, no Icolo e
Bengo.
Pautando sempre a sua vida pela luta na defesa dos ideais nacionalistas, em
consequência desta postura ideológica, foi preso, em 1959, pela polícia política do
Estado colonial-fascista (PIDE/DGS), acusado de participar em actividades políticas
revolucionárias, consideradas subversivas e atentatórias à integridade do regime
colonial português. Cumpriu parte desta pena de prisão, no período entre 1962 e 1970,
no campo de concentração do Tarrafal, Cabo Verde.
Colaborou na página cultural do jornal A Província de Angola, página de feição
nacionalista. Depois da Independência, foi eleito membro do Comité Central do MPLA.
Foi Comissário Provincial de Luanda, Ministro da Saúde e Embaixador de Angola na
ex-República Democrática Alemã.

2. A recensão como tal


Uanhenga Xitu, mereceu destaque na página Sttopnews aos 20 de Outubro de 2022.
Dele descreve-se que “interessou-se pela arte da escrita em finais da década de 60, e nos
anos 70, ainda na prisão, dedicou-se a escrever, embora a sua obra incida numa
experiência vivencial de épocas anteriores, em especial das décadas de 40 e 50. Suas
obras contêm uma forte componente de crítica política e social, e assumem como uma
sátira ao culto da personalidade e ao comportamento dos políticos, destacadamente: O
Ministro e Cultos Especiais.
É um dos Membros fundadores da União de Escritores Angolanos (UEA), da qual foi
Presidente da Comissão Directiva. Escritor prestigiado em Angola e no estrangeiro, as
suas obras encontram-se traduzidas em várias línguas, escreveu os seguintes títulos: O
Meu Discurso (1974); Mestre Tamoda (1974); Bola com Feitiço (1974); Manana
(1974); Vozes na Sanzala (Kahitu) (1976); Mestre Tamoda e outros contos (1977);
Maka na Sanzala (1979); Sobreviventes da Máquina Colonial Depõem (1980);
Discursos do Mestre Tamoda (1984); O Ministro (1989); Cultos Especiais (1997).”
"Mestre Tamoda e Outros Contos" é um livro de Uanhenga Xitu composto por três
contos sensacionais: Mestre Tamoda, Bola com Feitiço e Vozes na Sanzala (Kahitu).O
segundo conto “Bola com Feitiço” começa com a saudosa lembrança de figuras
nacionalistas, uma augurada sublevação de sua marca, a angolanidade, para outros a
africanidade, como um do qual sempre devemos lembrar. Um verdadeiro espírito
nacionalista e amor profundo ao que se é, a essência, as lutas. Um amor genuíno pelas
raízes e pelos compatriotas na saudosa praça da vida. Rui Filipe Ramos, publica, aos 20
de Julho de 2020, um dado interessante: “Os nacionalistas HIGINO Aires Alves de
SOUSA, ILÍDIO José Tomé Alves MACHADO e André FRANCO DE SOUSA …
criaram, em 1958, em Luanda, a seguir às eleições presidenciais portuguesas, o
MOVIMENTO PARA A INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA (MIA), que fez sair um
«MANIFESTO AFRICANO», policopiado, defendendo a Independência de Angola. No
ano seguinte os três foram presos, tendo permanecido na prisão Higino de Sousa e Ilídio
Machado, enquanto Franco de Sousa beneficiou de liberdade condicional… na sua
residência sita na Avenida Marechal Carmona, em Luanda…”
Uanhenga Xitu nos remete a fazermos uma viagem à cidade onde nasceu, onde cresceu.
Assim cresce a construção frásica de “Bola com feitiço”:
«Depois de longos anos passados, pensará um dia a juventude presente
de algumas sanzalas que na mocidade dos seus pais e avós não se jogou
tão bem a bola como na época actual, área de Icolo e Bengo.
Talvez leve muitos anos para se poder igualar o futebol que se praticou
com tanto entusiasmo naquelas sanzalas.» Mestre Tamoda e outros
contos, Uanhenga Xitu, pág. 45
Marques Nganga, Professor e Membro do CE3L, na sua análise sobre “Conflitos de
Crenças e/ou Forças em «Bola Com Feitiço» de Wanhenga Xitu” destaca:
«No plano estético, segundo a retórica clássica, quanto ao estilo, em
sentido lato, percebemos que «Bola com Feitiço» foi tecida por um estilo
simples por se socorrer da linguagem corrente, variando, às vezes, com
algumas expressões idiomáticas. Aliás, o escritor já nos habituou a isso,
pois possuía a fundamental preocupação em estabelecer uma ligação
semiótica com o seu povo…
E, como lhe é característico em outras obras, Wanhenga Xitu, na obra
que nos oferecemos a analisar, introduz lexemas de elementos
enraizados na cultura dos povos em que a obra se insere, tal como:
manjika, mbezale, nduua, etc». MAYOMBE – REVISTA ANGOLANA
DE CRÍTICA LITERÁRIA, MAIO - SETEMBRO | 2021, EDIÇÃO Nº
001, pág. 37
Assim, dos registos literários que numa profusa encenação guardam cenários de um
tempo, de um lado desconhecidos por uma geração e, por outro, lembrado por outra,
Uanhenga Xitu nos permite ter um vislumbre do dia-a-dia das “sanzalas”, lá nos
musseques, onde a diversão fluía em imitação às cidades, além das marcas linguísticas
da época e próprias da angolanidade.
É presente na narrativa o conflito ideológico entre uma religião local e outra religião
herdada que se sobrepõe a local. Os povos africanos sempre tiveram uma religião
própria, politeísta, aferrada ao ocultismo, a magia, ao manuseio dos elementos da
natureza. No entanto, há aqui a influência do cristianismo e suas práticas, consideradas
práticas de gente civilizada, vista como um luxo, onde seus praticantes ganham certo
respeito. Doutro lado, assiste-se um ocultamento da religião local, considerada prática
de gente baixa.
«A cultura é o conjunto de formas adquiridas de comportamentos de que
um grupo de indivíduos unidos, por uma tradição comum transmite aos
seus filhos e empates aos emigrantes adultos que vêm incorporar-se
neste grupo.» (MEAD, 2005, pág. 164)
A cultura traz em si elementos materiais e espirituais e, para que exista cultura é
necessário que ambos se integrem dialecticamente. Esta influência cultural, onde a
imposta é mais valorizada e apreciada por quem domina e sobrepõe aos dominados a
aceitarem, forçosa e liberalmente, traz consigo a perda de identidade, acultura e permite
uma mistura de adaptação e adequação, resultando em uma simbiose ‘politeísta
animista-cristã’. Basta lembrar a história do povo hebreu, sua saída do Egipto para a
terra de Canaã, onde durante suas peregrinações foram implementando em seus hábitos
e costumes os hábitos e costumes alheios aqueles que os ligavam ao seu Deus.
«… toma também motivo de nos censurar por não termos estátuas e
figuras dos imperadores, como se esses príncipes pudessem ignorá-lo e
tivessem necessidade de ser avisados disso. Não deveria ele, ao invés,
admirar sua bondade e sua moderação, em não querer obrigar os que
lhes são sujeitos a violar as leis de seus antepassados, mas contentar-se
de receber deles as honras que lhes julgam poder prestar em
consciência, porque eles sabem que os gregos e os outros povos que
guardam com prazer as imagens de seus parentes e mesmo das pessoas
que não lhes têm parentesco algum e de seus servidores prestem essa
homenagem aos seus príncipes?» História dos Hebreus – De Abraão à
queda de Jerusalém – Obra Completa, Flávio Josefo, pág. 1520
Então, é notório esta imposição da parte de quem domina sobre o dominado. Assim, em
“Bola com feitiço” vemos uma acção mais secreta da parte dos líderes da religião local
em conluio com seu consultor “Kahima”. Será isto motivado por uma perseguição, ou
caça as bruxas?
«Ainda esqueci dizer-te, ó Silva, que nos «estrangeiro» onde existe o
dinami dos guarda-redes, hora antes do jogo vão as igrejas, onde
acendem velas e rezam para ganharem o desafio. Outros clubes fazem
promessas. Outros levam mesmo mukasso que chamam mascote. Isto
ouvi do meu patrão. O clube que eu pertenço no musseque e joga no
campo dos Ambuilas ganha quase sempre porque os nossos jogadores
costumam pôr mabunda nas meias e nos nastros dos calções ou você
pensa que o feitiço é para brincadeira?!
- Bem, Kahima, sabes que os quimbandas devem pedir muito dinheiro, e
para levantá-lo das mãos do nosso presidente é preciso uma justificação
muito forte. Porque sendo ele protestante não aceitará dar dinheiro para
feitiço. E se ele souber deste negócio é capaz de abandonar o clube, o
que faz muita falta dada a sua influência junto das autoridades e
moradores.
- É isso que eu tinha dito na reunião! … Eu tinha dito que nas coisas da
terra não dá para misturar homens das Missões, e mais estes homens das
Missões Americanas que andam com chatiça que não pode beber, não
pode fumar, nem dar uma lenha de fogo ou fósforo na pessoa que fuma!
Vá lá ainda os católicos …» Mestre Tamoda e outros contos, Uanhenga
Xitu, pág. 49-50
As autoridades coloniais em Angola nunca chegaram a produzir para a colónia um
corpo legal que sustentasse a perseguição sistematizada de feiticeiros ou crentes na
realidade do feitiço, como o fizeram as suas congéneres inglesas nos seus sucessivos
Witchcraft Supression Acts (Meneses, 2009, p. 185). Há, de facto, um espírito
antagónico em relação a prática da feitiçaria por parte de um certo grupo colonizador,
uma prática comum e parte integrante de modus vivendi dos autóctones.
A notável figura do personagem Kahima nesta obra remete a realidade muito vivida
entre muitas culturas africanas, particularmente no contexto sociocultural angolano.
Kahima aparece como um espião e, além disto, muito dado ao ocultismo, prática
predominante em muitos grupos étnicos angolanos. Tal como afirma Marques Nganga,
Professor e Membro do CE3L, na sua análise sobre “Conflitos de Crenças e/ou Forças
em «Bola Com Feitiço» de Wanhenga Xitu”:
«… tem como protagonista Kahima, caracterizado como «espião» do
clube Calomboloca, e com uma memória de ranger os dentes, pois
conseguia decorar todas as preces sem meter um lápis. Kahima também
era conhecido como um grande lutador.» MAYOMBE – REVISTA
ANGOLANA DE CRÍTICA LITERÁRIA, MAIO - SETEMBRO |2021,
EDIÇÃO Nº 001, pág. 37
Kahima ganha grande importância a medida que o conto vai se desenrolando, tanto por
sua postura, sua influência, seu envolvimento em práticas feiticistas e suas constantes
intervenções ao longo da narrativa. Este personagem é a mais notável representação do
que acontece em certos sectores, em certas ocasiões em que pessoas buscam
envolvimento com práticas ocultas com vista a alcançarem algum sucesso na vida e nos
seus labores.

3. Considerações finais
A literatura não é uma construção ininteligível, indecifrável ou inexplicável. Ela não
existe apenas para que os leitores a apreciem e sintam o seu valor artístico; existe,
também, para que os leitores a compreendam.
Portanto, ademais do que podemos referis, resta dizer, igual a Marques Nganga,
Professor e Membro do CE3L, na sua análise sobre “Conflitos de Crenças e/ou Forças
em «Bola Com Feitiço» de Wanhenga Xitu”, cito:
«Em suma, esta obra, escrita bem perto da independência de Angola, isto é, em 1974,
nos leva a acreditar que o seu autor pretendia admoestar a/os seus compatriotas sobre a
necessidade de estarem enraizados nos seus valores e/ou práticas culturais, alertando-os
para que o(a)s preservassem, para prevenir o desmoronamento do(a)s mesmo(a)s, que
constituem a sua forma de ser, estar e agir.»

“Eu organizo o nosso universo com a mesma força e criatividade que a possuo, tudo
numa desordem organizada.” Autor Desconhecido
4. Bibliografia.
Mayombe – Revista Angola de Crítica Literária, MAIO - SETEMBRO |2021, EDIÇÃO
Nº 001
MESQUITA, José Carlos Vilhena (),COMO SE FAZ UMA RECENSÃO CRÍTICA,
MNEME – REVISTA DE HUMANIDADES, 11 (29), 2011 – JAN / JULHO
Publicação do Departamento de História da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte Centro de Ensino Superior do Seridó – Campus de
Caicó. Semestral ISSN ‐1518‐3394 Disponível em
http://www.periodicos.ufrn.br/ojs/index.php/mneme
Uanhenga Xitu (1985), Mestre Tamoda e outros contos – 2K União dos Escritores
Angolanos
Uanhenga Xitu, s.d., Os Discursos do “Mestre” Tamoda, Luanda͗ UEA/INALD
Uanhenga Xitu, 1989, “Mestre” Tamoda e Outros Contos, Luanda͗: UEA
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