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A indústria musical dos anos 60

O início da década de 60 foi um período de transição para música popular, segundo Paul
Friedlander (2002) o rock clássico e o doo-wop estavam sendo substituídos por “uma
variedade de estilos que pouco tinham em comum além da ausência de uma batida forte”.
Friedlander enfatiza que o pop dessa época veiculava mais o amor romântico deixando de
lado o apelo sexual da década anterior. Quanto aos pioneiros dessa mudança, Paul enfatiza
que:

“Estes novos estilos de pop iam desde as iniciativas bem sucedidas dos
chamados ídolos da juventude até as novas tendências da emergente
música folk, do calipso ‘étnico’, de outros instrumentos do pré-reggae
caribenho (a maior parte apresentando guitarras), do surf sound californiano
e dos primeiros sucessos do soul e dos artistas da Motown”.
(FRIEDLANDER, 2002, P. 105)

De acordo com o autor da citação, estes ídolos adolescentes possuíam um perfil estético
que atraía o público com sua elegância, fazendo assim com que o rock clássico dos anos 50
fosse substituído por um estilo com pouco ou nenhum ritmo, com letras ingênuas e
românticas. Além disso, o processo de produção fonográfica retornou ao modelo anterior ao
rock, sendo assim sinalizado por Paul como de uma “linha de montagem do período anterior
ao rock, no qual as canções eram compostas por profissionais contratados, gravadas por
músicos de estúdio temporários e produzidas por grandes gravadoras ou pelos maiores
produtores independentes”. (FRIEDLANDER, 2002, P. 106)

Um exemplo de como era essa linha de montagem é o da gravadora norte-americana


Motown. Rita Aparecida da Conceição Ribeiro (2020), expõe que a gravadora Motown foi
criada no ano de 1960 por Barry Gordy Jr. na cidade de Detroit e “se transformaria na mais
importante gravadora da música negra”. A autora analisa que tal sucesso se deve à fórmula
de produção utilizada pela gravadora, qual seja:

“Gordy, ao lado de produtores como Brian e Eddie Holland e Lamond


Dozier, criou um estilo sofisticado baseado em ritmos fortes, orquestras e
um cuidado nas apresentações ao vivo [...], os lançamentos eram avaliados
por uma equipe antes de chegarem aos ouvidos dos fãs. Assim, a Motown
investiu na criação de uma aura de glamour para seus intérpretes. [...] A
fórmula de sucesso da Motown deve-se, sem dúvida, ao grande número de
estrelas descobertas por Gordy. Entre elas figuram os nomes de Marvin
Gaye, Diana Ross & The Supremes, Stevie Wonder, The Jackson Five e
posteriormente a carreira de Michael Jackson, entre os diversos nomes”.
(DA CONCEIÇÃO RIBEIRO, 2020, P. 100)

Assim sendo, esse primeiro período da indústria fonográfica dos anos 60 começa a ser
traçado pelas grandes gravadoras e seus processos de produção, com isso os artistas
tinham menos independência, o que resultava em um som com pouco ou nenhum ritmo. No
intuito de exemplificar melhor esta afirmação, Paul Friedlander cita:

O epicentro desse som foi a cidade da Filadélfia, onde três gravadoras


independentes - Cameo-Parker, Chancellor e Swan - produziam pop para
um novo público jovem. A Cameo produzia Bobby Rydell, enquanto a
Chancellor cuidava de Frankie Avalon e Fabian. Apresentando graus
variados de proficiência vocal, estes três ídolos cortejavam o público com
uma combinação de 39 hits nas top-40. O maior sucesso da Parker foi o rei
da dança Chubby Checker (Ernest Evans) que, com o seu cover de The
Twist, de Hank Ballard, provocou uma mania nacional pela dança no verão
de 1960. Subsequentemente, Checker popularizou uma profusão de novos
estilos de dança, com o Pony, o Fly, o Limbo e o Freddie. (FRIEDLANDER,
2002, P. 106)

A cena musical se completa com a presença do apresentador de TV Dick Clark, segundo


Friedlander (2002) o programa de Clark era exibido pela rede americana ABC e se chamava
“American Bandstand”. O autor nos conta que o programa fazia a publicidade de um rock
censurado, comportado. Outrossim, o apresentador tinha interesse econômico no mercado
musical e foi sócio de gravadoras, empresas de divulgação musical, fábricas de disco entre
outras. As investidas de Clark chegaram ao ponto de ser investigado por fraude em um de
seus programas pela assembleia legislativa em 1959. Dentre suas práticas estava o payola,
uma espécie de suborno feito para as rádios tocarem as músicas de gravadoras. Paul
afirma que:

“era uma prática bem comum - diretores de programação e DJs quase


sempre aumentavam seus salários com ‘taxas de consulta’, televisões no
Natal e créditos musicais nas gravadoras (que os colocavam como
compositores para que recebessem os royalties). [...] Clark admitiu ter
interesse pessoal em 27 por cento das gravações que ele apresentava em
seu show. (FRIEDLANDER, 2002, P. 107)
Os ídolos adolescentes eram estritamente homens para efeito de classificação, entretanto
haviam muitas intérpretes femininas, cujos trabalhos seguiam a mesma fórmula. Paul
Friedlander (2002) destaca nomes como o de Anette Funicello (do Mickey Mouse Club
Mouseketter) da gravadora da Disney, Branda Lee (intérprete de sucessos como I´m Sorry e
I Want to be Wanted), Lesley Gore que com apenas 17 anos cantou It´s My Party, produzida
por Quincy Jones. Segundo o autor, Connie Francis (da MGM) foi uma das mais populares,
emplacando 35 sucessos no top-40, dentre eles Everybody´s Somebody´s Fool, primeiro
lugar nas paradas de 1960. Conhecidas como grupos femininos, os maiores destaques
segundo Paul foram:

“as Crystals (He´s a Rebel e Da Doo Ron Ron [When He Walked Me


Home]), as Shirelles (I Met Him on a Sunday e Will You Love Me
Tomorrow), as Chiffons (One Fine Day), as Ronettes (Be My Baby e Walkin’
in the Rain), as Shangri-Las (Leader of the Pack e Walking’ in the Sand), as
Cookies (Chains e Don´t Say Nothing´Bad About My Baby) e muitas outras.
(FRIEDLANDER, 2002, P. 108)

Estes grupos femininos obtiveram muito reconhecimento, bem como deram mais
visibilidades às mulheres e negros, entretanto os artistas não recebiam por todo lucro que
davam, segundo Friedlander (2002) as gravadoras e as empresas de produção ficavam com
direito sobre as canções e o investimento. Um local ficou muito famoso por concentrar esse
tipo de empresa nos Estados Unidos, mais especificamente em Nova York surgiu o Brill
Building, um prédio comercial que abrigava nada mais nada menos que 165 empresas
relacionadas com a indústria fonográfica. Paul destaca que próximo deste prédio,
compositores podiam gravar demos de suas canções e vendê-las para as gravadoras em
poucos quarteirões. Muitos dos sucessos produzidos nesse lugar são de dois produtores
que ficaram bastante conhecidos, sendo eles Adom Music e Phil Spector, este último com
apenas 19 anos ficou milionário produzindo sucessos como Spanish Harlem e Stand By Me
(interpretado por Ben E. King), além de trabalhar com artistas como as Crystals, Darlene
Love e as Ronetter. Entretanto, Friedlander atribui boa parte do sucesso de Spector ao sua
técnica de gravação conhecida como Wall of Sound, segundo o autor:

“Sua técnica consistia na utilização de três canais de gravação e de vários


instrumentos em um mesmo canal. Por exemplo: no canal um, Spector
gravaria normalmente de três a cinco guitarras rítmicas; dois ou três pianos;
dois baixos elétricos; um naipe de metais com dois trompetes, dois
saxofones tenores e dois trombones; uma bateria e outros instrumentos de
percussão. No canal dois, todos os vocais, e a seção de cordas era gravada
no terceiro. Os três canais eram mixados posteriormente em um só canal
(mono), que era o produto final. [...] certa vez, Spector comentou: ‘Queria
que minhas gravações soassem como Deus golpeando o mundo e o mundo
batendo de volta.” (FRIEDLANDER, 2002. P. 109)

Cumpre destacar novamente que os artistas, independente do sucesso que geraram às


suas produtoras e gravadoras, não mudavam significadamente o seu status financeiro ou
artístico, isso afetava principalmente as mulheres. Isso se deve ao fato de que elas eram
enquadradas no processo de produção apenas como intérpretes e suas apresentações ao
vivo eram muito mal remuneradas. Os contratos eram abusivos e deixavam pouca
porcentagem à elas. Para que gerassem algum lucro aos artistas, a venda deveria ser muito
expressiva, salienta Friedlander (2002):

“Se um grupo tivesse uma venda milionária, de três a quatro por cento dos
royalties eram divididos pela banda, o que correspondia a um valor entre
trinta e quarenta mil dólares [...] Por isso, muitos integrantes de grupos não
conseguiam juntar muito dinheiro, apesar de ter emplacado uma série de
gravações de sucesso”. (FRIEDLANDER, 2002. P. 110)

Na já mencionada gravadora Motown, o catálogo se desenvolvia com artistas como


Smokey Robinson, Marvin Gaye, Marveletter e Mary Wells, enquanto começa uma
ascensão dos ritmos latino/caribenhos com destaque para Harry Belafonte (Jamaica
Farewell e Banana Boat Song, sucessos do jamaicano Millie Small no ano de 1962).
Outro estilo, como o folk dos grupos Kingston Trio os Highwaymen emplaca no top-40 as
músicas Tom Dooley e Michael, e através do trio Peter, Paul and Mary, Blowin’in the Wind
do até então desconhecido Bob Dylan, o folk marca sua presença na década de 60. Já na
ensolarada Costa Oeste, um estilo de vida refletia na surf music, que conforme análise de
Friedlander:

“As raízes musicais desse gênero estavam nas guitarras do rock clássico e
na batida vigorosa, mas a visão de mundo era de uma sociedade rica,
branca, suburbana e machista com as preocupações comuns de
adolescentes como garotas, carros e surfe. Os primeiros expoentes foram
grupos como Dick Dale and the Deltones (com o sucesso regional Let´s Go
Trippin’)”. (FRIEDLANDER, 2002. P. 111)

Um grupo de grande destaque da surf music composto pelos irmãos Brian, Dennis, Carl
Wilson, o primo Mike Love e o vizinho Al Jardine foram os Beach Boys, Paul Friedlander
(2002) destaca que eles foram responsáveis por criar “um dos poucos sons originais do
início dos anos 60. [...] Seus vocais [...] com ênfase nos tenores e pequenas e complexas
harmonias de fundo”. Brain era o produtor do grupo e por gostar muito de Phil Spector tinha
um estilo similar ao do produtor. O auge da carreira do grupo veio em 1967 com o single
Good Vibrations.
Assim sendo, o início dos anos 60 foi uma transição para um estilo jovem, com foco nos
temas adolescentes da época, além de uma abertura para músicas caribenhas como a
salsa e o reggae. O folk e o motown se apresentam como forma de resistência à invasão
inglesa, transformando assim os estilos da música popular que vinha da década anterior,
juntamente com as técnicas de produtores como Phil Spector e a sobrevivência dos
compositores ligados à Adon Music.

DA CONCEIÇÃO RIBEIRO, Rita Aparecida. O Quarteirão do Soul: Identidade e


Resistência no Asfalto. Editora Appris, 2020.
FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll: uma história social. Rio de Janeiro: Record, v. 65,
2002.

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