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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES


aproximações possíveis HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E
FORMAÇÃO DE PROFESSORES (Organizadores)

Book · January 2021

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4 authors, including:

Maria Célia Leme da Silva Thiago Pedro Pinto


Universidade Federal de São Paulo Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
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Maria Célia Leme da Silva
Thiago Pedro Pinto

A
s pesquisas em história da Educação Matemática têm contri- (Organizadores)
buído para uma reflexão sobre múltiplas histórias de práticas

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES


pedagógicas de professores que ensinam matemática e para se
analisar impactos das formações dadas a esses professores para ingresso
em um estilo de pensamento e ação docente na Educação Básica e Su-
perior, cujos resultados de pesquisas oferecem um rol mais diversificado
de temas relativos à História da Educação Matemática, tendo em vista o
avanço dos estudos nessa área na atualidade. Este livro é resultado de re-
flexões sobre debates estabelecidos durante e após a realização do IV En-
contro Nacional de Pesquisa em História da Educação Matemática ocor-
rido em 2018 na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e
tem como meta contribuir para que os docentes de matemática possam
HISTÓRIA DA
tomar a diretriz histórica como um elemento problematizador e reflexi-
vo acerca do desenvolvimento de ideias relativas às culturas matemáticas
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

aproximações possíveis
escolares, bem como sobre a complementação de uma compreensão
ampliada dos processos estabelecidos historicamente nas aulas de mate-
E FORMAÇÃO DE
mática e nos processos de objetivação de saberes matemáticos em cada
um dos níveis de ensino. PROFESSORES
Iran Abreu Mendes aproximações possíveis
Coordenador da Coleção

ISBN 978-65-5563-023-7

9 786555 630237
HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E
FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
aproximações possíveis
Coleção História da Matemática para professores
Conselho Editorial
Antonio Miguel – Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Antonio Vicente Marafioti Garnica – UNESP/Rio Claro; UNESP/Bauru, Brasil
Circe Mary Silva da Silva Dynnikov – Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Cláudia Regina Flores – Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Emmánuel Linzcano Fernandez – Universidad Nacional de Educación a Distância, Madrid/Espanha
Eva Maria Siqueira Alves – Universidade Federal de Sergipe, Brasil
Fulvia Furinghetti – Universidade de Gênova, Itália
Iran Abreu Mendes – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
José Manuel Matos – Universidade Nova de Lisboa, Portugal
Luis Radford – Universidade Laurentienne, Canadá
Maria Célia Leme da Silva – Universidade Federal de São Paulo, Brasil
Miguel Chaquiam – Universidade do Estado do Pará, Brasil
Sergio Nobre – UNESP/Rio Claro, Brasil
Ubiratan D’Ambrosio – Universidade Bandeirante de São Paulo, Brasil
Wagner Rodrigues Valente – Universidade Federal de São Paulo, Brasil
Maria Célia Leme da Silva
Thiago Pedro Pinto
(Organizadores)

HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E
FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
aproximações possíveis

2020
Copyright © 2020 Editora Livraria da Física/SBHMat
1ª Edição

Direção editorial: José Roberto Marinho


Editor assistente: Carlos Aldemir Farias

Coleção História da Matemática para professores


Coordenador da coleção
Iran Abreu Mendes – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Apoio
Sociedade Brasileira de História da Matemática

Projeto gráfico e diagramação: Fabrício Ribeiro

Edição revisada segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

História da educação matemática e formação de professores: aproximações possíveis / Maria


Célia Leme da Silva, Thiago Pedro Pinto, (organizadores). – São Paulo: Livraria da Física, 2020.
– (Coleção história da matemática para professores)

Vários autores.
ISBN 978-65-5563-023-7

1. Educação matemática - História 2. Matemática - Ensino - História 3. Professores - Formação


profissional I. Silva, Maria Célia Leme da. II. Pinto, Thiago Pedro. III. Série.

20-43854 CDD-510.7

Índices para catálogo sistemático:


1. Educação matemática 510.7

Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida
sejam quais forem os meios empregados sem a permissão da Editora.
Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107
da Lei Nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998

Editora Livraria da Física


www.livrariadafisica.com.br
Agradecimentos
À CAPES e ao CNPq que apoiaram a publicação deste Livro com o
financiamento para a realização do IV Encontro Nacional de Pesquisa em
História da Educação Matemática, cujos debates e reflexões originaram os
textos desta publicação.
Dedicatória
Dedicamos esta obra a todos aqueles que vieram antes de
nós e que tornaram esta empreitada possível.
A utopia está lá no horizonte.
Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
(Eduardo Galeano).
SUMÁRIO
Abertura: sob o signo do coletivo de pensamento ........................................... 13
Prefácio: História da educação matemática e educação matemática............. 19

1. Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del


magisterio.............................................................................................................. 53
2. A formação de professores que ensinam matemática – história e
perspectivas atuais ............................................................................................... 91
3. A história da educação matemática nos cursos de formação de
professores........................................................................................................... 125
4. Temas e problematizações: uma leitura das mesas-redondas submetidas ao
IV ENAPHEM .................................................................................................... 173
5. Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões coordenadas
do IV ENAPHEM: uso e mobilização de fontes ............................................ 195
6. Sessão memória do IV ENAPHEM: textualização da entrevista com a
professora Nilza Eigenheer Bertoni ................................................................. 229

Sobre os Organizadores ..................................................................................... 253


Sobre os autores .................................................................................................. 255
ABERTURA: sob o signo
do coletivo de pensamento
Iran Abreu Mendes

A Coleção História da Matemática para Professores teve sua origem no


ano de 2009 com a intenção de apostar na publicação de trabalhos sobre
História e Epistemologia da Matemática (HEpM), História da Educação
Matemática (HEdM) e História para o Ensino da Matemática (HEnM) resul-
tantes de pesquisas realizadas por docentes de instituições de ensino superior,
pesquisas desenvolvidas em níveis de pós-graduação (mestrado e doutorado),
dentre outros trabalhos que tenham as características de uma produção cien-
tífica voltada a mostrar informações histórias relativas à matemática e, prin-
cipalmente, à potencialidade de sua utilização no ensino da Matemática na
Educação Básica e no Ensino Superior.
Desde a sua criação contou com a chancela de publicação pela Editora
Livraria da Física, somada ao apoio da Sociedade Brasileira de História da
Matemática. A coleção avançou no objetivo de contribuir à divulgação e
à utilização das produções advindas de estudos e pesquisas em História da
Matemática, agrupadas em três modalidades de focalizações epistemológicas
que culminaram em caracterizações das seguintes linhas de abordagem inves-
tigativas (HepM; HEdM; HenM).
A partir de cada uma dessas modalidades epistemológicas são realiza-
das investigações acerca das histórias dos problemas e conceitos matemáticos,
das relações entre Matemática, Ciências Naturais e Técnicas, das biografias de
matemáticos e professores de Matemática, análise histórica de fontes literárias
matemáticas; história das organizações institucionais e história das discipli-
nas dos cursos de Matemática, dentre outros enfoques relacionados à pesquisa
nesse campo de estudos que tem se ampliado produtivamente no Brasil desde
a década de 1990 (cf. MENDES, 2019).
De acordo com as significações conceituais atribuídas por Mendes (2015),
as pesquisas em História da Educação Matemática (HEdM) são caracterizadas
pelas produções que abordam histórias relativas à vida e obra (biografias) de
professores de matemática e suas produções e ações docentes, história de insti-
tuições científicas e escolares, histórias de disciplinas escolares relacionadas ao
campo da matemática escolar, história da cultura matemática escolar, história
sobre a formações de professores de matemática, (auto)biografias de profes-
sores de matemática, além das contribuições feitas por eles para a formação
de professores de matemática e para a melhoria do ensino, bem como outras
produções que contribuem à catalogação de fontes documentais e outros
documentos que constituem acervos, memórias e o patrimônio da Educação
Matemática Brasileira.
Com base em meus estudos mais recentes reconheço que, de um modo
particular, as pesquisas em história da Educação Matemática, realizadas no
Brasil, têm envolvido fortemente conceitos referentes ao que se compreende
por coletivo de pensamento, à noção de genealogias em suas conexões com a
institucionalização de uma comunidade de pesquisa como na área de História
da Educação Matemática e à produção de conhecimento, concernentes à
memória da Educação Brasileira em seus aspectos conceituais, didáticos, epis-
temológicos, socioculturais e políticos, posto que a dinâmica dessa produção
de conhecimento leva em consideração o sujeito, o objeto e o estilo de pensa-
mento compartilhado pelo coletivo de pensamento (MENDES, 2018).
O estilo de pensamento é o direcionador do modo de pensar e de agir
de um grupo de pesquisadores (educadores) de uma determinada área do
conhecimento. O coletivo de pensamento compreende uma comunidade de
indivíduos que compartilham práticas, concepções, tradições e normas, no
qual a maneira própria de ver o objeto do conhecimento (o ver formativo), e

14 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


de interagir com o mesmo, determina o estilo de pensamento, conforme nos
enfatiza Ludwik Fleck (2010).
Na estrutura geral do coletivo de pensamento, Fleck distingue os círculos
esotérico e exotérico. O primeiro seria formado pelos especialistas, enquanto o
outro representaria os leigos e leigos formados. As pessoas poderiam pertencer
a vários coletivos simultaneamente, atuando como veículos na transmissão de
ideias entre os coletivos. Entre os círculos exotérico e esotérico estabelecem-
-se relações dinâmicas que contribuem para a ampliação da área de conhe-
cimento, denominadas de circulação intracoletiva e circulação intercoletiva.
Através da circulação intracoletiva de ideias, que ocorre no interior do cole-
tivo de pensamento, o sujeito individual se insere no coletivo de pensamento
e precisa aprender e compartilhar os conhecimentos e práticas do estilo de
pensamento vigente.
Assim, com base na epistemologia de Fleck é possível identificarmos
um caráter sócio-histórico-cultural nas pesquisas em História da Educação
Matemática de modo que se possa compreender a interação dos coletivos de
pesquisadores e professores matemática entre si e com outros grupos socio-
culturais, em movimento de explicitação do caráter sociológico da produção
e disseminação do conhecimento sobre cultura matemática escolar produzido
historicamente no interior desses coletivos. Esses estudos históricos manifes-
tam as diversidades de maneiras operacionalizadas na circulação intra e inter-
coletiva de ideias que possibilitaram e possibilitam caracterizar processos de
constituição, disseminação e modificação dos conhecimentos em dinâmicas
de institucionalização e objetivação como cultura escolar, bem como acerca do
pensamento e das práticas pedagógicas dos professores.
Neste sentido, as pesquisas em história da Educação Matemática têm
contribuído para se refletir a respeito dos processos coletivos da produção do
conhecimento, nos levando a compreender que as maneiras de um professor
realizar a sua prática pedagógica estão ligadas ao seu processo de formação,
suas ações e trajetória docente. Igualmente, permite identificar as condições
para a instauração de um estilo de pensamento ligado à Educação Matemática,
que propicia compreender a importância da comunicação intra e intercole-
tiva no estabelecimento e transformação de um estilo de pensamento. Além
disso, estimula compreender as formas de inserção da Matemática nos currí-
culos escolares em todos os seus níveis de ensino, nos mais diversos contextos

ABERTURA 15
históricos. Igualmente, incita uma reflexão sobre as histórias das práticas
pedagógicas de professores que ensinam matemática e contribui para anali-
sarmos impactos das formações dadas aos professores para o ingresso em um
estilo de pensamento e da ação docente na constituição da área de Educação
Matemática.
Portanto, considero importante salientar que os pesquisadores que inves-
tigam sobre História da Educação Matemática (HEdM) têm apresentado con-
tribuições importantes para a formação de professores que atuam na Educação
Básica e no ensino Superior, com os resultados de pesquisas oferecendo um
rol mais diversificado de temas relativos à História da Educação Matemática,
tendo em vista o avanço dos estudos nessa área na atualidade. Nessa perspec-
tiva, o livro organizado por Maria Célia Lema da Silva e Thiago Pedro Pinto,
intitulado História da Educação Matemática e Formação de Professores: aproxi-
mações possíveis inclui-se na coleção História da Matemática para Professores,
uma vez que tem como meta contribuir para que os docentes de Matemática
possam tomar a diretriz histórica como um elemento problematizador e refle-
xivo acerca do desenvolvimento de ideias relativas às culturas matemáticas
escolares, bem como sobre a complementação de uma compreensão ampliada
dos processos estabelecidos históricamente nas aulas de Matemática e nos pro-
cessos de objetivação de saberes matemáticos nos níveis de ensino.
Este livro é resultado de reflexões sobre debates estabelecidos durante
e após a realização do IV Encontro Nacional de Pesquisa em História da
Educação Matemática ocorrido em 2018 na Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS) e tem como principal finalidade oportunizar à comu-
nidade de pesquisadores e estudiosos desse campo acadêmico mais uma fonte
de conhecimento produzido que poderá contribuir em seus estudos futuros.
É assim que desejo aos leitores uma ampliação enriquecedora de seus
conhecimentos e avanços em seus estudos, em seus projetos de pesquisa, em
suas orientações acadêmicas, na formaçao de professores e em suas ações
docentes.

Referências
FLECK, Ludwik. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Ed.
Fabrefactum, 2010. (Coleção Ciência, Tecnologia e Sociedade).

16 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


MENDES, Iran Abreu. História da matemática no Ensino: entre trajetórias profissionais,
epistemologias e pesquisas. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2015.
MENDES, Iran Abreu. Grupos de Pesquisas em História da Educação Matemática do Brasil:
genealogias, conexões e difusões. Relatório de Pesquisa Produtividade CNPq.
Universidade Federal do Pará: Instituto de Educação Matemática e Científica, 2018.
269p.
MENDES, I. A. História para a educação matemática: apontamentos sobre as pesquisas
brasileiras. Revista Exitus, v. 9, p. 26-50, 2019.

ABERTURA 17
PREFÁCIO: História da Educação
Matemática e Educação Matemática
José Manuel Matos1

Aceitando o desafio dos organizadores do livro do ENAPHEM, propo-


nho-me apresentar algumas reflexões suscitadas da leitura dos textos inclu-
ídos neste livro. Trata-se essencialmente de aprofundamentos de ideias que
já exprimi anteriormente e que, com a interlocução das opiniões dos outros
autores, conhecem aqui novos desenvolvimentos.
Este texto tem o propósito de aprofundar a relação entre o campo da
Educação Matemática (EM) e o da História da Educação Matemática (HEM)2,
discutindo os modos como o estudo do passado pode ajudar à compreensão
dos problemas do ensino e da aprendizagem da matemática atual. O texto não
é, pois, sobre HEM. O leitor não encontrará aqui reflexões epistemológicas,
recomendações metodológicas ou revisões dos resultados mais importantes do
campo. A HEM tem relevância por si própria, é um campo em plena expansão,

1 Universidade Nova de Lisboa, Universidade Federal de Juiz de Fora – Programa de Pós-


Graduação em Educação Matemática da UFJF. E-mail: jmm@fct.unl.pt.
2 Procurando uma simplificação da escrita, utilizarei as abreviaturas EM e HEM para me
referir indistintamente quer aos respetivos campos, que deveriam estar em maiúsculas,
quer a atividades relacionadas com eles, que deveriam estar em minúsculas. Igualmente
utilizarei HM para me referir indistintamente à história da matemática como campo e ati-
vidade. Espero que o contexto ajude o leitor a destrinçar entre os dois tipos de significado.
mas não é esse o âmbito deste texto. Como consequência existem muitos tra-
balhos que, embora relevantes, não serão aqui referidos apenas porque não me
parece que contribuam para a discussão sobre o tema que pretendo debater.
Este trabalho constitui um olhar simultaneamente do exterior e do inte-
rior. Ele é do exterior, pois é de Lisboa que fui acompanhando a expansão da
produção na área da História da Educação Matemática no Brasil, e do inte-
rior, porque ao longo destes últimos 15 anos estive colocado na situação de
colaborador próximo do que foi sendo feito, quer através de projetos comuns,
participação em eventos, bancas, etc. quer, em particular, em muitas conversas
com os protagonistas. Não posso deixar de registar que num tempo em que a
Educação Matemática se expande em múltiplas direções, uma delas seja jus-
tamente a da investigação histórica e que neste livro se revela em toda a sua
pujança.
Antes de mais, de que lugar falo? Uso o termo lugar no sentido de Michel
de Certeau (1977), isto é, aquele sistema de referência ou “filosofia implícita”
que formata (isto é, dá forma) e..., deforma. Os meus comentários estão enqua-
drados no que é a minha matriz profissional, a EM, que está no centro da
minha prática, quer como professor do ensino secundário, quer como inves-
tigador e formador de professores trabalhando no nível de pós-graduação e
cujos interesses de pesquisa se iniciaram nas dimensões individuais da apren-
dizagem da matemática, passando depois para as sociais e culturais, todas
elas entremeadas com um interesse na história, na filosofia e na sociologia da
matemática. Filio-me, pois, no grupo de pesquisadores que se preocupam com
os problemas relacionados com o ensino e a aprendizagem da matemática.
É esse o meu lugar ou a minha tradição de investigação no sentido de Alan
Bishop (1992) – ou das práticas de investigação referidas por John Mason e
Andrew Waywood (1996) – e é a partir daí que abordo os estudos do pas-
sado. Poderia haver outras opções legítimas. Por exemplo, se a minha prática
se identificasse mais com a dos historiadores em educação ou com a dos histo-
riadores de matemática, naturalmente este meu texto seria diferente e refletiria
outras preocupações.
Antes de prosseguir, gostaria de clarificar o âmbito dos problemas sobre
os quais julgo que se deve debruçar a EM. Penso que a ela pertence o estudo de
todos os problemas relacionados com o ensino e a aprendizagem da matemá-
tica entendidos de uma forma muito ampla que integra dimensões cognitivas,

20 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


afetivas, individuais, sociais e culturais. Rejeito assim a visão de Guy Brousseau,
um dos proponentes da Didactique des Mathématiques francófona, segundo o
qual boa parte dos problemas do ensino e da aprendizagem da matemática são
“irredutivelmente” matemáticos:

Existem problemas em educação matemática que são irredutivelmente mate-


máticos – por exemplo, a escolha de problemas, a organização das atividades
matemáticas para fins didáticos, a análise da compreensão em matemática,
[e] ... a estruturação do discurso matemático. ... Não existe uma conjunção
de disciplinas clássicas que explique o funcionamento desta parte irreduti-
velmente matemática do ensino. ... Uma abordagem científica [a esta parte]
é e será essencialmente o trabalho de um matemático. (BROUSSEAU, apud
SIERPINSKA; KILPATRICK, 1998, p. 528, tradução do autor)

Segundo parece concluir-se das suas palavras, algumas das atividades


que se costumam considerar como sendo da responsabilidade dos docentes de
matemática no ensino primário e secundário deveriam ser “irredutivelmente”
atribuídas a matemáticos que explicitariam os conteúdos, a sequência e mesmo
os critérios de compreensão dos alunos. Penso, pelo contrário, que compete,
em primeiro lugar, aos professores e educadores matemáticos a escolha de pro-
blemas, a organização das atividades matemáticas para fins didáticos, a análise
da compreensão em matemática, ou a estruturação do discurso matemático.
Existem, claro, outros profissionais, como psicólogos, sociólogos, matemáticos
profissionais, etc., que podem também contribuir para estes tópicos, mas não
lhes compete a responsabilidade primeira, pois não são eles que têm uma visão
simultaneamente local e global das problemáticas envolvidas.
Mas onde e como deve o educador matemático procurar respostas para
as suas questões? O problema foi levantado e debatido devido à iniciativa de
Hans Georg Steiner que, entre meados dos anos 1980 até ao início de 1990,
liderou um grupo de estudo internacional chamado Theory of Mathematics
Education, que realizou cinco conferências e interveio regularmente em con-
ferências internacionais (FURINGHETTI; MATOS; MENGHINI, 2013). O
debate conduzido pelo grupo sobre a natureza, as possibilidades, os limites e a
legitimidade da EM como campo científico foi ampliando a discussão e envol-
veu pesquisadores de destaque de vários países. A relação entre EM e outros

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 21


campos do conhecimento (psicologia, educação, sociologia, matemática, etc.),
o poder explicativo de paradigmas concorrentes, a (in)viabilidade de teorias
caseiras (home-grown theories3), a relação entre teoria e prática e reflexões
sobre mudança curricular estavam entre as muitas contribuições deste grupo
(STEINER, 1984)4.
Todos os campos académicos têm um objeto, que, no caso dos profis-
sionais de EM, constitui o estudo de problemas do ensino e aprendizagem
da matemática. A EM é, pois, um campo de reflexão que desenvolve teorias,
modelos, paradigmas acerca do seu objeto e que também repousa na combina-
ção dos resultados de outras disciplinas, integrando perspectivas que permitam
uma visão conexa dos problemas do ensino e da aprendizagem da matemática.
Recorde-se que os campos científicos são cada vez menos estanques e hoje
todos experienciam um esbatimento de fronteiras. Frequentemente os cresci-
mentos na compreensão dos fenómenos advêm da aplicação de teorias, méto-
dos, ferramentas de áreas exteriores. Tal como todas as áreas didáticas, a EM
requer o atravessar de fronteiras entre disciplinas e depende dos resultados
e dos métodos de campos muito diversificados, competindo-lhe sistematizar
esse conhecimento em algo que se relacione com o seu objeto: o ensino e a
aprendizagem da matemática.
Esta reflexão sobre a melhoria das condições de ensino e aprendizagem
da matemática necessita, na minha perspectiva, de um confronto com a prá-
tica, e a EM é também uma disciplina de ação. Por um lado, é o seu próprio
objeto que exige que a reflexão seja interligada com a prática. É uma razão de
eficácia. Por outro, a sociedade volta-se para nós, procurando soluções para os
problemas de ensino e da aprendizagem. Possui, portanto, também um impe-
rativo ético. Não seria aceitável que a EM se encerrasse em temáticas interna-
mente definidas sem sair para o exterior e enfrentar os problemas do ensino. A
pesquisa em EM deve, assim, ter sempre em pano de fundo a realidade escolar
e a sua aplicabilidade a alunos, professores, escolas, sistemas educativos reais.

3 Steiner acreditava que a EM não deveria desenvolver teorias próprias (home-grown


theories) devendo antes apoiar-se em paradigmas desenvolvidos noutras áreas: psicolo-
gia, sociologia, etc. A prática veio desmenti-lo pois muitos dos resultados relevantes em
EM provêm precisamente de teorias próprias.
4 O tema continua a ser discutido. O leitor pode acompanhar os seus desenvolvimentos
em Sriraman e English (2010).

22 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


A articulação entre essas duas dimensões levou Bauersfeld a falar, em
1988, sobre “duas culturas” na pesquisa em EM (apud WITTMANN, 1998),
por um lado, o conhecimento teórico e, por outro, a intimidade com a prática.
Wittmann aproxima mesmo a natureza da EM ao design, característico das
engenharias, pela relevância que nela assume a necessidade de aplicação à prá-
tica. A metodologia recente de “investigação em baseada em design” aplicada à
EM articula precisamente a reflexão e a prática (MATOS; SERRAZINA, 2016).
A escolha da temática deste texto, a relação entre HEM e EM, não foi
apenas ditada pela minha experiência particular. Nessa escolha pesou a cons-
tatação de que a prática de pesquisa em HEM tem sido efetuada em todos os
países, predominantemente por pessoas com formação em EM, como apon-
tam Wagner Valente (2008) e Elisabete Búrigo (capítulo 3 deste livro). Imagino
que o quotidiano de boa parte dos leitores deste livro também se relaciona
com a formação de futuros professores em matemática e o seu ensino. Sintoma
disso mesmo é o facto de a problemática da formação de professores ser domi-
nante nos ENAPHEMs.
Poder-se-ia argumentar que, de alguma forma, a formação e a prática em
EM, com o consequente défice em formação em história, enviesaria uma boa
produção historiográfica. O problema coloca-se igualmente, quando os inte-
resses do educador matemático o conduzem para estudos sociológicos, antro-
pológicos, linguísticos, psicológicos, etc. Como já referia Steiner (1984), a
pesquisa em EM é atravessada por diversas áreas de especialidade, e a “arte” do
educador matemático5 consiste em saber navegar nessa Babel de influências.
Tal como no caso da pesquisa nas áreas que mencionei, não creio que o lugar
de educador matemático necessariamente restrinja a capacidade de investigar
em HEM. Isso apenas aconteceria se o investigador não tivesse refletido sobre
uma epistemologia da história ou adulterasse as suas opções metodológicas,
não respeitando critérios para um trabalho histórico de qualidade. A experi-
ência de boa parte dos leitores deste livro é a prova de que não existe necessa-
riamente uma incompatibilidade entre essas duas práticas.
Necessito de distinguir neste texto os professores de matemática dos
educadores matemáticos. Aqui a primeira denominação refere-se ao grupo
dos docentes que ensinam matemática, incluindo aos alunos mais novos,

5 Esta “arte” é discutida em Sierpinska e Kilpatrick (1998) ou mais recentemente em


Sriraman e English (2010).

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 23


enquanto a segunda abrange os docentes que formam os primeiros e que têm
como interesse a realização de investigação sobre os processos de ensino e de
aprendizagem da matemática. Embora muitos professores realizem trabalhos
de pesquisa e muitos educadores matemáticos também ensinem matemática,
existem metodologias de investigação, nomeadamente as colaborativas, que
esbatem essa diferença. Neste texto, esta distinção torna-se necessária, porque
envolve práticas relacionadas, mas diferentes.
Será, então, como educador matemático que colocarei as questões que
nortearão este texto: 1) A HEM é relevante para a EM? 2) Como pode a HEM
apoiar a reflexão em EM? 3) Como pode a HEM apoiar a ação em EM?

Relevância do olhar Histórico na Educação Matemática


Num texto recente, destinado à comunidade de educadores matemáti-
cos, lamentei a pouca importância que alguns deles dão ao conhecimento do
passado.

Segundo a minha experiência, é comum os educadores matemáticos reagirem


aos estudos históricos com um misto de curiosidade e de distanciamento. Para
muitos, é muito interessante conhecer os detalhes desta ou daquela reforma,
saber como uma corrente de pensamento influenciou formas de ensinar,
aprender como eram usados antigos materiais manipuláveis, ou apreciar os
modos como uma personalidade moldou de forma decisiva os métodos de
ensino, ou escreveu livros inovadores. Mas simultaneamente esses educadores
matemáticos não conseguem vislumbrar uma ligação entre esses temas e os
seus interesses investigativos contemporâneos. Os estudos históricos apare-
cem como uma galeria de retratos de antepassados ou objetos de museu, sem
dúvida interessantes, mas que não têm relevância para os problemas dos nos-
sos dias. Alguns vão mesmo mais longe, considerando a investigação histórica
como um tema a que não se deve dar grande atenção. (MATOS, 2018b, p. 631)

Existem razões para esta atitude. O facto de a investigação em HEM ser


muito recente e de apenas agora, com a publicação de textos de síntese, estar
em condições de poder passar a figurar como um tema curricular na formação
de professores e na formação avançada em EM, deve ser uma delas.

24 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


A valorização do passado é, pois, muito recente. Nos seus primeiros tem-
pos, a EM centrou-se no relato de experiências curriculares bem sucedidas
(FURINGHETTI; MATOS; MENGHINI, 2013) predominando a “tradição
pedagógica” focada na divulgação dos bons resultados de experiências curricu-
lares (BISHOP, 1992). As críticas às limitações desta abordagem feitas no final
dos anos 1960, bem como o alargamento das problemáticas do interesse dos
educadores matemáticos, levaram à criação, em 1976, no International Congress
on Mathematics Education de Karlsrühe, de dois grupo de estudo. O primeiro,
o International Group for the Psychology of Mathematics Education, tornou
dominante nos discursos da EM a “tradição do cientista empírico” assente em
conclusões resultantes estudos empíricos teórica e metodologicamente sus-
tentados (BISHOP, 1992). O segundo grupo criado foi o International Study
Group for the Relations Between the History and the Pedagogy of Mathematics
(HPM), cujo trabalho será relevante para as discussões deste texto.
Mais tarde, desde meados dos anos 1980, o campo da EM tem-se vindo
a alargar, deslocando o centro gradualmente de estudos de âmbito psicológico
sobre o aluno individual para abordagens sociais e culturais quer no domí-
nio da aula (interações em aula, cultura da aula, por exemplo), quer em situa-
ções mais amplas (contextos sociais e culturais do ensino e da aprendizagem,
etnomatemática, etc.) (FURINGHETTI; MATOS; MENGHINI, 2013). No
entanto, essa virada social dos investigadores não foi acompanhada por uma
valorização do passado. Até recentemente, mesmo em textos de reflexão sobre
EM é muito raro encontrar menções à investigação em HEM e, quando as há,
não é claro se os autores se referem à HEM ou à importância da reflexão his-
tórico-epistemológica sobre temas matemáticos (ver, por exemplo, BOERO;
SZENDREI, 1998; STEINER, 1984). Note-se que nem mesmo o grupo HPM,
que se centrou nos usos da pesquisa em história da matemática na formação
matemática, se preocupou com a HEM.
Na década de 2010, registra-se uma mudança e assistimos ao que pode-
ríamos denominar de uma virada histórica. É significativo, por exemplo, que a
intenção de valorização do passado esteja claramente expressa na introdução
ao Third International Handbook of Mathematics Education (CLEMENTS, M.
et al., 2013a), que começou a ser escrito em 2010. Nas palavras de Clements:

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 25


Também foi acordado que cada seção [do Handbook] seria estruturada com
base em aspectos passados, presentes e futuros. Assim, o primeiro capítulo de
cada uma das quatro seções se preocupa com análises de antecedentes histó-
ricos (“Como chegamos onde estamos agora?”); os capítulos “intermediários”
fornecem análises das principais questões e temas atuais (“Onde estamos agora
e que acontecimentos desde 2003 [ano da publicação do Handbook anterior]
foram especialmente significativos?”); e o capítulo final de cada seção reflete
sobre questões de política (“Para onde estamos indo e o que devemos fazer?”).
Até onde sabemos, este Handbook é a primeira publicação importante em
educação matemática a adotar, conscientemente, essa estrutura organizacio-
nal passado-presente-futuro. (CLEMENTS, 2013, p.vi, tradução do autor)

Tanto quanto sei, Clements tem razão, visto que, pela primeira vez, um
texto de grande relevância internacional em EM integra na sua estrutura a
necessidade de conhecer o passado para prospetar o futuro. Em rigor, quase 20
anos antes, um relatório escrito para a UNESCO por ele e por Nerida Ellerton
(1996) com o título Mathematics Education Research: Past, Present and Future
já defende a importância de uma visão histórica para agir sobre o presente.
Após questionar a falta de relevância da maioria da investigação em EM para a
realidade quotidiana das escolas, o relatório propõe um novo enquadramento
epistemológico para a investigação em EM que preste atenção a quatro áreas,
valorizando, logo em primeiro lugar, o conhecimento histórico. As áreas des-
tacadas são:

(a) as histórias da matemática e da educação matemática;


(b) entendimentos e realizações matemáticas em diferentes culturas;
(c) influências da cultura na concepção matemática da criança (pré-escolar); e
(d) o impacto da escolaridade nas concepções de matemática dos alunos.
(CLEMENTS; ELLERTON, 1996, p.184, tradução do autor)

Uma proposta semelhante é incorporada no texto de Erich Wittmann


(1998) sobre “Mathematics Education as a ‘Design Science’” que considera
que, dada a necessidade da sua aplicabilidade, a EM deveria ter um núcleo
(“core”) com profunda integração com a prática. Neste núcleo, Wittmann inte-
gra a HEM. Aproximadamente por essa época começa-se também a discutir no

26 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Brasil os modos de introdução da história da matemática nos cursos de forma-
ção de professores (para uma cronologia ver, por exemplo, BRITO; MIORIM,
2016).
Mas qual é, afinal a relevância da HEM para a EM? A questão também
podia ser colocada, como faz Wagner Valente (2013, p. 25), em: “para que serve
a HEM?”. Seja qual for a resposta, devemos resistir à tentação de procurar uti-
lidades imediatas. Se há áreas da ciência que estão muito próximas das suas
aplicações, a história não é uma delas. A utilidade do conhecimento histórico
mede-se no médio e no longo prazo, como a de outras áreas científicas ditas
fundamentais, e a utilidade para o presente, que discutirei mais à frente, não
deve ser confundida com utilidade imediata.
Anteriormente apresentei três tipos de justificações sobre a importância
de incluir um olhar histórico na EM (MATOS, 2018b). A primeira justifica-
ção argumenta sobre o que penso dever ser a identidade da EM e que articula
necessariamente, por um lado uma visão (ou, mais realisticamente, visões)
sobre o seu futuro, que lhe permite selecionar direções de pesquisa prioritá-
rias, teorias promissoras, intervenções frutíferas, etc., e deverá, por outro, inte-
grar uma visão do passado do campo académico Educação Matemática: como
se esboçou nos inícios do século XX, como foram evoluindo as problemáticas,
como, principalmente a partir dos anos 1960, se foi diferenciando, alargando
o âmbito, etc. Mas deverá igualmente integrar um conhecimento do passado
do ensino e da aprendizagem da matemática, abordando temas como: o que
era ensinar e aprender matemática? com que objetivos? quais os métodos de
ensino? que conteúdos? quem eram os professores? como se formavam? etc.
Só assim será possível ultrapassar quer uma visão que imagina a escola do pas-
sado como “os bons velhos tempos” (ou dos “maus velhos tempos”, conforme a
perspetiva), como também compreender que muito do que se imagina inova-
dor tem, na verdade, raízes profundas no passado.
A segunda justificação refere-se à qualidade da pesquisa. Não é possí-
vel conceber que investigadores que se centram sobre problemas humanos
(sociais, culturais, cognitivos, afetivos), no caso, os do ensino e da aprendiza-
gem da matemática, prescindam de uma compreensão temporal da sua área.
Como aponta Cláudia Alves (2012, p. 210),

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 27


quanto mais conhecemos do passado, melhor conhecemos o presente. Embora
nunca penetremos no passado, pois em sua inteireza ele nos é inacessível, os
elementos que conseguimos reunir, interpretar, relacionar nos dão pistas de
como certas experiências se tornaram possíveis. A intimidade que ganhamos
com essas experiências de outros tempos vão treinando nosso olhar para o
presente. Começamos a observar aspectos que antes passavam despercebidos,
ganham sentido gestos que pareciam desconexos, entendemos resistências e
tradições.

As palavras de Alves dirigidas a professores podem, com igual pertinên-


cia, ser aplicadas a investigadores. Só conhecimento do passado nos permite
compreender como o presente é apenas uma etapa de um longo processo de
evolução que já conheceu muitas realidades que antes pareceram tão naturais
como a do presente.
Wagner Valente argumenta no mesmo sentido. Embora o seu alvo seja
também a formação de professores, os seus comentários ajustam-se perfeita-
mente à importância de uma HEM para a qualidade de uma EM. O trabalho do
historiador da educação matemática refere-se à “construção de ultrapassagens
de relações ingênuas, míticas, românticas e memorialísticas sobre as práticas
do ensino de matemática realizadas noutros tempos” (VALENTE, 2013, p. 28).
Para compreender os métodos de ensino, os tópicos de matemática escolar, a
organização curricular, as opções de política educacional (finalidades, articu-
lação entre temas e entre subsistemas de ensino, etc.), a profissão de professor e
mesmo o próprio uso da tecnologia, apenas para citar algumas problemáticas,
os educadores matemáticos devem ter um conhecimento das evidências do
passado e de como elas se refletem no presente. Só assim a sua pesquisa conse-
gue ter densidade temporal.
A terceira justificação, a intervenção, diz respeito à dimensão de ação que
a EM deve conter e entronca muito bem com as propostas de Clements e as de
Whitmann. Só com uma boa compreensão do passado podem os educadores
matemáticos entender melhor as raízes profundas dos fenómenos que estu-
dam e, portanto, ser capazes de uma intervenção adequada no presente. Como
afirmam diversos escritores, entre os quais o próprio Clements, “os que não
conhecem o passado estão condenados a repeti-lo”.

28 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


História da Educação Matemática e
reflexão em Educação Matemática
Como referi no início, entendo a EM como um campo de reflexão e
ação. Mas como se relaciona a HEM com essa reflexão? Posto de outro modo,
como podem estudos sobre o passado apoiar o desenvolvimento do conhe-
cimento sobre o ensino e a aprendizagem da matemática e, reciprocamente,
como podem as respostas sobre o presente ajudar a compreender o passado do
ensino da matemática?
O estudo do passado é aceite como natural e mesmo imprescindível em
diversas áreas da Educação. Os estudos históricos não estão limitados pelo
presente, o que lhe permite alargar horizontes de pesquisa a outras épocas e,
portanto, a outras realidades, valores, quadros conceptuais, etc. Este confronto
com o que nos é estranho ajuda-nos a compreender melhor a nossa própria
realidade. Os estudos recorrendo apenas ao quotidiano têm mais dificuldade
em concretizar esse distanciamento. Por exemplo, em teoria de desenvolvi-
mento curricular, apenas a consideração de uma ampla visão temporal possi-
bilita apreciar a evolução dos modelos curriculares, seus valores, finalidades,
e articulação. O trabalho de José Pacheco (2001), por exemplo, propicia-nos
apreciar o modo de integração da dimensão histórica, quando se pretende
estudar diacronicamente os poderes de cada participante no processo de cons-
trução curricular (poderes públicos, editoras e autores de manuais, profes-
sores, alunos, pais, etc.). Apreciações similares poderiam ser feitas, quando
se deseja estudar os sistemas educativos e é necessário considerar um tempo
alargado. Os textos de Antonio Vinão Frago (2007) ou de Justino Magalhães
(2010) são ilustrativos.
Num texto anterior (MATOS, 2018b), procurei apresentar alguns exem-
plos de estudos em HEM que, simultaneamente, contribuíram para a reflexão
em EM e vice-versa. Tentarei agora adiantar uma sistematização dos tipos de
abordagem, através das quais isso pode ser concretizado. Devo alertar o lei-
tor para que não pretendo classificar todas as temáticas de trabalhos produzi-
dos em HEM, conforme afirmei no início. Embora, em última análise, todo o
conhecimento do passado do ensino e da aprendizagem da matemática con-
tribua para melhorar o nosso conhecimento da EM, apenas estou a considerar
aqui as abordagens que podem contribuir explicitamente para o conhecimento

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 29


em EM. Também não pretendo fazer um levantamento de trabalhos efetuados
em cada tipo de abordagem, mas tão somente ilustrar as minhas considerações
com exemplos que conheço melhor, omitindo necessariamente outros de boa
qualidade, mas que não conheço tão bem.
Proponho, assim, quatro tipos de abordagem, em que a HEM pode estar
diretamente relacionada com a EM:
1) estudo de problemáticas e teoria amplas;
2) estudo de modelos da Educação Matemática;
3) estabelecimento de genealogias;
4) estudos de intervenção.
Esta lista não tem o propósito de ser nem completa, nem composta por
categorias estanques e, na sequência do texto, a minha intenção vai ser a de
esclarecer as minhas ideias, recorrendo a exemplos. Distinguindo entre estes
tipos de abordagem, pretendo contribuir para uma clarificação de objetivos e
metodologias que ajude a tomar decisões sobre o conteúdo, a forma de apre-
sentação e organização da análise e das conclusões. Perceber as inter-relações
entre os diferentes tipos permite-nos obter novas ideias, expandindo traba-
lhos já efetuados ou vendo-os sob uma nova luz, estimulando, pois, outros
aprofundamentos.
Um primeiro tipo de trabalhos em HEM de grande significado para a
EM é o estudo de problemáticas amplas. Refiro-me a temas muito abrangentes,
para os quais já existem muitos estudos recorrendo a uma grande variedade
de paradigmas, metodologias e resultados, mas nos quais a introdução de uma
perspectiva histórica permite um olhar diferente. Falo de temas que, por vezes,
transcendem a EM, mas que enquadram frequentemente as suas pesquisas
como o ensino, a aprendizagem, a formação profissional dos professores e dos
educadores matemáticos e o seu saber profissional, a natureza da sua iden-
tidade, a relação da matemática ciência com a matemática escolar, o ensino
profissional, a reflexão sobre as finalidades da matemática escolar e sua relação
com as questões de igualdade e equidade. Nesta categoria coloquei essencial-
mente os trabalhos que aplicam os enquadramentos teóricos de outros campos
– frequentemente sociologia ou história da educação – no estudo do ensino de
matemática no passado.

30 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Observemos, em particular, o caso dos estudos de tempo longo que anali-
sam as raízes de problemas atuais. A introdução de uma visão sincrónica viabi-
liza obter novas respostas que não se conseguem através de estudos localizados
apenas nos tempos atuais. Um bom exemplo é o texto de Clements e outros
(2013b) que, num âmbito internacional, discute a aritmética para todos. A dis-
cussão desta problemática atual é enriquecida com a análise da sua génese,
das diferentes formas como foi sendo proposta ao longo dos tempos, de como
se concretizou (mal) e de como isso tem influência na procura atual de uma
matemática para todos. Para referir outro exemplo, apenas um estudo com um
âmbito temporal amplo permitiu detectar como o conhecimento pedagógico
do conteúdo, conceito proposto por Lee Shulman – um tema que não se res-
tringe à matemática escolar – foi sendo construído no tempo da Matemática
Moderna dos anos 1960, quer no caso da Telescola portuguesa (MATOS;
ALMEIDA, 2010), quer ao longo de dez anos no seio da comunidade profissio-
nal docente de um Liceu de Lisboa (MATOS;MONTEIRO, 2011). Foi possível
compreender como essa construção se iniciou através de uma recomposição
do conhecimento do conteúdo, passando depois para um processo criativo de
inventar e testar conceptualmente a nova linguagem, as sequências, as novas
representações, etc. antes de as aplicar na aula e num último período, a quando
das aplicações em aula, como ele assume uma forma mais consolidada ligada
à prática docente.
No Brasil, alguns trabalhos integrando problemáticas amplas, cuja impor-
tância não se restringe à matemática escolar, têm sido efetuados centrados em
quatro temas fundamentais. O primeiro é o estudo dos saberes profissionais
docentes. Existem muitos trabalhos sobre este tema, e Cristina Oliveira (2018),
por exemplo, baseada no conceito de profissionalidade docente, faz um levan-
tamento de produções brasileiras sobre o tema para o ensino de Geometria e
Desenho no ensino primário. O segundo tema é o de saber como se consti-
tuem as disciplinas escolares. Destaco apenas o trabalho de Claudia Frizzarini
e Célia Leme da Silva (2018) que analisam a constituição e a transformação,
na escola primária, dos Trabalhos Manuais como uma matéria escolar e da
segunda autora sobre a objetificação dos saberes (SILVA, 2019) e ainda como
a aspiração, quer da Psicologia, quer da Pedagogia a obterem o estatuto de
ciências (OLIVEIRA, 2017; PINHEIRO, 2017 respetivamente) impactou as
disciplinas escolares. Um terceiro tema é o da elaboração de políticas públicas.

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 31


Ana Carolina Pereira e Daniele Pereira (2017), por exemplo, contribuem
para sabermos como elas se foram constituindo no caso dos livros didáticos.
Finalmente um conjunto amplo de trabalhos enquadrado teórica e metodolo-
gicamente no paradigma da História Oral tem contribuído para a HEM brasi-
leira (GARNICA, 2019).
Podemos do mesmo modo considerar que a grande diversidade de traba-
lhos afiliados na história cultural, alguns deles já mencionados, se enquadram
também neste tipo de abordagem, pois, em última análise, contribuem para a
compreensão do que é ou foi a cultura escolar.
Refiro ainda mais dois exemplos mais antigos que ilustram bem como o
estudo histórico de problemáticas amplas possibilita adquirir conhecimento
sobre temas de EM. Um é o texto de Paul Dowling (1998) que não se assume
como uma historiografia. O seu livro expande as abordagens sociológicas de
Basil Bernstein e propõe um “espaço teórico” adequado ao estudo de padrões
de relacionamento entre indivíduos e grupos e a produção e reprodução desses
relacionamentos nas práticas culturais e na ação que aplica depois no “espaço
empírico” da coleção de livros de texto de matemática do ensino secundário
do School Mathematics Project, uma das propostas mais conhecidas no Reino
Unido na época da Matemática Moderna, tornando-o, assim, num trabalho
que recorre a um paradigma contemporâneo para estudar o passado. A análise
da atividade social incorporada nesses manuais permite-lhe estudar os modos
como a matemática escolar é estabelecida como um conjunto de práticas e,
especificamente, as divisões e as distribuições dentro da matemática e entre a
matemática e outras práticas.
Refiro ainda um último exemplo deste tipo de pesquisa, o trabalho per-
cursor de Elisabete Búrigo (1989). Num texto de reflexão posterior (BÚRIGO,
2017), ela indica que, na senda dos estudos curriculares pioneiros de Michael
Apple e Henri Giroux, pretendeu estudar o movimento da matemática
moderna como um exemplo da intervenção docente numa reforma curricular,
o que possibilitaria pensar na construção social do currículo como um pro-
cesso mais complexo do que a mera expressão das vontades dos governos ou
dos legisladores. Neste trabalho é muito clara a necessidade de um olhar sobre
o passado para responder a questões de desenvolvimento curricular com con-
sequências para o presente.

32 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Em todos esses casos, o estudo de problemáticas educacionais, socioló-
gicas ou linguísticas que transcendem a EM foi enriquecido com exemplos
obtidos em contextos do passado do ensino e da aprendizagem da matemática
que, por sua vez, melhora a nossa compreensão da HEM.
O estudo de modelos e teorias amplas da EM constitui um segundo tipo
de abordagem que pode se beneficiar de uma abordagem histórica. Refiro-me
aqui a teorias, modelos, e conceitos-chave que estimularam trabalhos de inves-
tigação por vezes durante décadas. Estão neste caso as teorias APOS, a de van
Hiele, a de Vergnaud, o modelo SOLO, o conceito de reificação de Sfard, a
transposição didática, a génese instrumental, a mediação semiótica, a etnoma-
temática, etc. O quadro conceptual desses modelos pode ser usado em docu-
mentação histórica com o duplo objetivo de testá-los em contextos para os
quais eles usualmente não foram pensados (falsificá-los, portanto, para usar a
terminologia de Popper) e simultaneamente de conseguir uma textualização
que aprofunde a nossa compreensão do passado.
Este tipo de abordagem não é muito comum no panorama brasileiro. Um
exemplo recente é o trabalho de Sam Riley (2020) que compara cinco livros
didáticos, pretendendo traçar as mudanças no ensino e na compreensão mate-
mática esperados dos logaritmos aplicando a teoria APOS.
Um segundo exemplo é uma parte de trabalho de Rui Candeias que envol-
veu a validação de um modelo atual sobre diferentes significados que as fra-
ções podem assumir em contexto escolar, aplicando-o a exemplos recolhidos
em livros didáticos do passado (CANDEIAS;MONTEIRO, 2016). Recorrendo
a uma análise de conteúdo, foram identificadas as ocorrências de “números
racionais” em livros de texto e desenvolvidas categorias sem cuidar de as fazer
corresponder com as categorias previstas no modelo. Só então, numa segunda
etapa, estas novas categorias foram confrontadas com os seis significados do
modelo. Se se tivesse invertido esta sequência, corria-se o risco de adulterar os
significados do passado, ao forçá-los numa categorização definida no presente.
Podia mesmo acontecer que o investigador se tornasse cego a modelos, pro-
cessos, argumentações do passado que conduzissem a significados distintos.
O terceiro tipo de abordagem envolvendo a HEM que pode contribuir
para o aprofundamento do conhecimento sobre o ensino e a aprendizagem é
o estabelecimento de genealogias. Refiro-me não ao estabelecimento de genea-
logias de pessoas, mas à construção de cronologias de tópicos relevantes para

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 33


a matemática escolar atual: legislação, métodos, conteúdos, materiais, filo-
sofias, entre outros. Pretende-se aqui explicar as raízes, as modificações, as
omissões sofridas por esses tópicos: onde se originaram, como evoluíram, e,
nalguns casos, como se extinguiram. É talvez o tipo de trabalho mais comum.
Entre muitos exemplos, destaco os trabalhos realizados no Brasil por Wagner
Valente, traçando uma primeira história do ensino da matemática (1999) ou
sobre a formação do professor do ensino primário (2011) e uma publicação
recente a partir da qual é possível compreender a genealogia de diversos temas
em HEM (OLIVEIRA; PINTO; VALENTE, 2020). Em Portugal, menciono as
produções do grupo de que faço parte na Unidade de Investigação Educação
e Desenvolvimento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
Nova de Lisboa que estabeleceu análises cronológicas de eventos relaciona-
dos com a matemática moderna e com programas de matemática e estudou a
formação de professores (ALMEIDA; MATOS, 2014; MATOS, 1985; MATOS,
2018a; respetivamente). Outros trabalhos do mesmo tipo têm sido realizados
noutros países, o primeiro dos quais talvez tenha sido o elaborado por Brian
Griffths e Geoffrey Howson (1974) sobre os programas ingleses.
Importa estabelecer aqui uma distinção. Com a intenção de discutir a
importância para a educação da pesquisa histórica em matemática, Ivor
Grattan-Guiness (2005) distinguiu duas tendências: investigação procurando
o património ou a herança (heritage) e pesquisa procurando a história (history).
A herança de um determinado assunto matemático N estuda

o efeito de N em trabalhos posteriores, durante qualquer período relevante,


incluindo o de seu lançamento. Algumas versões modernizadas de N pro-
vavelmente serão utilizadas, pois a herança está essencialmente preocupada
com a pergunta ‘Como chegamos aqui?’, ou seja, [preocupada] com alguma
versão atual do assunto em questão. (GRATTAN-GUINESS, 2005, p.7-8, tra-
dução do autor)

Grattan-Guiness contrasta esta perspectiva com uma outra que designa


de história e que consiste:

[n]o desenvolvimento de N durante um período específico: o seu lança-


mento e formas iniciais, o seu impacto e as aplicações dentro e/ou fora da

34 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


matemática, e assim por diante. [Esta perspectiva] aborda a pergunta “O que
aconteceu no passado?”, oferecendo descrições. Talvez alguns tipos de expli-
cação também sejam tentados para responder à pergunta complementar “por
que isso aconteceu?”. (GRATTAN-GUINESS, 2005, p.7, tradução do autor)

Enquanto na primeira os pesquisadores partem de tópicos matemáti-


cos contemporâneos e tentam recompor a sua origem, na segunda seguem o
movimento inverso e tentam compreender a matemática imersa no seu tempo.
Enquanto na primeira, as relações matemáticas são fundamentais e as histó-
ricas não são tão importantes, a segunda, estudando o desenvolvimento de
tópicos matemáticos, procura antes as suas formas primitivas, o seu impacto,
as aplicações dentro e fora da matemática. Segundo ele, a primeira tende a
ser adotada por matemáticos; e a segunda, por historiadores. Grattan-Guiness
argumenta ainda que essas duas correntes não são compatíveis, mas que a his-
tória da matemática necessita das duas.
Embora Grattan-Guiness se esteja a referir à história da matemática, esta
sua distinção tem um valor heurístico para tentarmos fazer um paralelo com
o estabelecimento de genealogias em HEM. De facto, uma das primeiras for-
mas de estudar a HEM foi precisamente a de tentar encontrar no passado as
raízes do presente, sem grande preocupação com os contextos de produção
dos saberes. Procurava-se a herança ou o património. Recorrendo a um exem-
plo fictício, um educador matemático possuía dois ou três livros antigos de
álgebra na sua coleção particular e tenta conjeturar como no passado eram
apresentadas as equações do 1.º ou do 2.º grau. Não havia preocupação (nem
conhecimento) com os requisitos metodológicos particulares do trabalho his-
tórico, os contextos de uso, a difusão dos livros estudados, os autores, o grau
de inovação, nem mesmo sobre os programas. No contexto de iliteracia usual
de muitos educadores matemáticos sobre o seu passado, a motivação para tal
trabalho seria o efetuar uma descrição crua do passado, ou recolher elementos
para usar em aula ou na formação de professores, usualmente encontrando
justificação para os seus pré-conceitos. Para estabelecer uma analogia, seria
como o “arqueólogo” que descobre umas ruínas e leva consigo um pedaço de
cerâmica que achou interessante, sem cuidar de fazer um estudo aturado do
contexto em que a peça for achada, registando cuidadosamente a sua posição,
escavando ao redor, estabelecendo analogias com peças encontradas noutras

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 35


estações arqueológicas, procurando datações, rotas de comércio, indícios de
uso, etc. Contrariamente ao que acontece em história da matemática, em que
Grattan-Guiness diz mesmo que este tipo de trabalho é essencial, o estudo tipo
património não é muito comum atualmente em HEM e não me parece de todo
necessário.
Quando refiro o estabelecimento de genealogias tenho antes em mente
uma pesquisa histórica informada, cuidadosa e sistemática, respeitando sig-
nificados, intenções e contextos de produção das fontes. Para mencionar mais
um exemplo, o trabalho de Rui Candeias pretende, entre outros objetivos,
estabelecer uma genealogia do conceito de número racional no ensino pri-
mário português (CANDEIAS; MONTEIRO, 2016). No entanto, o conceito
de número racional inserido na sequência naturais -> inteiros -> racionais ->
reais -> complexos apenas aparece em meados do século XX como consequ-
ência da valorização da unidade da matemática e do uso da linguagem dos
conjuntos trazidos pela Matemática Moderna. O termo é anacrónico antes do
século XX. Foi, pois, necessário estar atento a outras terminologias que se refe-
rissem às coleções de números que hoje designamos como racionais (“quebra-
dos”, “decimais”, “frações”, etc.). Foram assim identificadas as ocorrências em
livros de texto desta visão mais ampla de “números racionais”, de outro modo
podia mesmo acontecer que o investigador se tornasse cego a modelos, pro-
cessos, argumentações do passado que conduzissem a significados de “número
racional” distintos. Eliana Souza (2004) fez um trabalho semelhante. Em para-
lelo com a construção de metodologias adequadas à formação de professores,
faz um trabalho historiográfico sobre algoritmos na aritmética escolar.
O quarto tipo de estudos em que a HEM pode apoiar a reflexão em EM
é constituído por estudos de intervenção. Até agora neste texto optei por dis-
cutir separadamente a reflexão e a ação, as duas dimensões que argumentei
existirem na EM. No entanto, existem abordagens metodológicas que esbatem
essa distinção. Penso, em particular na investigação-ação (pesquisa-ação no
Brasil), nos estudos colaborativos e nos estudos baseados em design (design
based research em inglês). Este último tipo em particular, tem sido objeto de
reflexão entre os educadores matemáticos (uma revisão pode ser encontrada
em Matos e Serrazina, 2016) por integrar a componente de geração de teoria
com a de produção de resultados, exigindo um alto grau de envolvimento aos
responsáveis.

36 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Poder-se-ia pensar que os estudos históricos estariam muito afasta-
dos deste tipo de pesquisa. E, no entanto, um trabalho recente Using Design
Research and History to Tackle a Fundamental Problem with School Algebra da
autoria de Sinan Kanbir, Ken Clements e Nerida Ellerton (2018, p.xv, tradu-
ção do autor) integra precisamente a história num estudo baseado em design.
Como referem os autores:

Este livro é incomum, pois inclui uma análise histórica séria da história inter-
nacional da álgebra escolar e uma descrição de um estudo baseado em design
cujo objetivo era melhorar o ensino e a aprendizagem da álgebra do ensino
médio.

Não conheço nenhum outro estudo semelhante, no entanto, a longa


defesa da integração de uma dimensão histórica na pesquisa desenvolvida em
EM levada a cabo pelo casal Ken Clements e Nerita Ellerton que temos acom-
panhado neste texto merece que o seu trabalho seja estudado com atenção.
Neste momento ele constitui um verdadeiro suporte para aqueles de nós que
acreditam que a história é importante para o presente (“history matters”).
Receio que, nesta altura, o leitor possa ficar com a impressão de que ape-
nas considero relevante a investigação em HEM que tenha uma relação direta
e clara com temas de EM, o que não corresponde à verdade. Recordo que esta
secção se dedica a explorar como se relaciona a HEM com a reflexão em EM.
Existem muitos trabalhos em HEM (a maioria?) que, embora contribuindo
para o conhecimento dos problemas do ensino e da aprendizagem da matemá-
tica, não assumem de forma explícita essa relação, nem me parece que o deves-
sem fazer. Se nos exemplos que indiquei essa ligação é por vezes claramente
referida, existe muito espaço de questionamento do passado que não necessita
de citar a sua afiliação com problemáticas de EM, tal como não necessita de
referir as ligações com outros campos disciplinares, como a história da edu-
cação, a história da matemática, a sociologia ou a psicologia da educação, etc.
Note-se também que naturalmente a HEM pode alargar o seu âmbito ao
estudo de um ensino da matemática ocorrendo em ambientes não escolares.
Refiro-me aqui a ensino ocorrendo em coletividades populares ou indígenas,
organizações profissionais, prisões, etc. Por vezes mesmo em contextos de
resistência como os descritos por Rui Canário (2018).

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 37


Ocasionalmente ocorrem discussões sobre se a HEM é uma parte da EM
ou um campo autónomo. Não gosto de colocar a questão nesses termos. Discutir
o problema recorrendo a metáforas ligadas à teoria de conjuntos, recorrendo
a diagramas de Venn ou a termos como pertença, inclusão, exclusão, interse-
ção, dentro e fora, não me parece esclarecedor das relações entre esses cam-
pos. Hoje, cada vez mais os diferentes campos disciplinares se interpenetram,
inseminam e estimulam, e as fronteiras têm um valor mais indicativo do que
delimitador. A pluralidade da HEM brasileira que António Garnica destacou
no título do livro de reflexão sobre o II ENAPHEM (GARNICA, 2016) espelha
precisamente o caldo de cultura que é hoje a HEM. Prefiro discutir essa pro-
blemática em pesquisas concretas.

Como pode a História da Educação Matemática


apoiar a ação em Educação Matemática
São poucos os estudos sobre os modos como os materiais do passado
da matemática escolar podem ser usados para promover o ensino e a apren-
dizagem atuais. E, no entanto, como argumentei na segunda secção, uma das
razões para estudar o passado da EM é precisamente apoiar a sua capacidade
de intervenção. Esta secção pretende, pois, refletir como o uso de temas do
passado da matemática escolar podem ser usados para apoiar o ensino atual.
Não se trata agora de realizar investigação histórica, mas sim de estudar meios
de aplicação dessa pesquisa. Este problema é importante para a própria HEM,
em particular para os estudantes que realizam mestrados e doutoramentos
profissionais na área e que deverão desenvolver algum tipo de projeto educa-
tivo relacionado com os seus trabalhos investigativos. Esta secção destina-se,
portanto, também a contribuir para uma fundamentação desses projetos. Para
avançarmos neste tema, podemos encontrar algum apoio em trabalhos sobre
a introdução da história da matemática (HM) nas aulas de matemática em que
um bom exemplo brasileiro, entre outros, é a sistematização realizada por Iran
Mendes e Miguel Chaquiam (2016).
Embora quer a HM, quer a HEM, possam ser utilizadas para a melhoria
da qualidade da educação matemática, e história e matemática estejam pre-
sentes nos dois campos, existem diferenças que deverão ser tidas em conta

38 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


quando se pensa em ações de formação e, em particular, quando tentamos
adaptar as propostas de um campo para o outro.
Em primeiro lugar, existe uma diferença de práticas. Matemáticos e edu-
cadores matemáticos constituem duas comunidades de prática que visam
objetivos diferentes, tanto no campo da pesquisa quanto no da ação peda-
gógica, e que são condicionadas pela realização de práticas sociais distintas.
Embora matemáticos e professores de matemática ensinem, para os primeiros
é uma atividade secundária, enquanto para os segundos é o cerne de sua iden-
tidade (BELHOSTE, 1998). Note-se, no entanto, que, quando nos confronta-
mos com documentação concreta, por vezes é difícil estabelecer a separação
entre a ciência matemática e o seu ensino. Um livro usado numa Academia de
Marinha, por exemplo, que é estudado por historiadores da matemática, pro-
curando as inovações em conceitos, definições, articulação lógica, etc., pode
bem ser objeto de outro estudo focado na sua abordagem pedagógica, apre-
ciando sequências, representações, exemplos, exercícios, etc., tudo temas do
âmbito de uma história escolar. Para o mesmo documento, a HEM pode valo-
rizar elementos de um ponto de vista didático que são pouco significativos do
ponto de vista da HM. Esta proximidade revela-se também em intervenções
escolares. Por outro lado, alguns textos considerados “matemáticos” podem
ser também considerados textos didáticos (MATOS, 2006).
Noutros materiais, no entanto, as diferenças são palpáveis. Muitos textos
de matemática visam participar numa comunidade de colegas pesquisadores,
enquanto os livros escolares de matemática visam as práticas de alunos e pro-
fessores e apresentam o conhecimento de uma maneira “ensinável”, estabele-
cendo a sua sequência, articulando representações, exemplos e exercícios.
Em segundo lugar, precisamente por estarmos a falar de práticas diferen-
tes, a ação em EM decorre junto de um conjunto mais amplo de atores do que
os interessados diretamente em HM. Alunos, professores, outros educadores
matemáticos, responsáveis educativos (nos diferentes níveis da administração
pública incluindo escolas, em sociedades científicas, etc.), e a sociedade em
geral são interlocutores diretos dos educadores matemáticos. A intervenção
recorrendo à HEM deve, pois, ser mais diversificada tomando em conta os
vários atores.
Em terceiro lugar, há uma corrente entre os investigadores em história
da matemática (denominada de herança por Grattan-Guiness, 2005 e que já

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 39


referi) que tende a ver a evolução das ideias matemáticas como cumulativa,
isto é, construindo a sua narrativa histórica através do estabelecimento de
genealogias de conceitos, processos ou resultados atuais como vimos atrás.
Para eles, os conceitos atuais são essencialmente aperfeiçoamentos de alguns
conceitos do passado, e o conhecimento matemático resulta essencialmente
de acumulações. Não existe perspectiva semelhante nos estudos históricos de
materiais educacionais, já que dificilmente podemos falar de uma acumulação
de conhecimento didático. É possível, por exemplo, contrastar as abordagens
euclidianas com as da geometria das transformações, mas, em nenhum sen-
tido, as últimas podem ser consideradas uma acumulação de conhecimento.
São perspectivas distintas, refletindo visões diferentes da organização geral
e das finalidades do currículo de matemática, enraizadas em fundamentos
psicológicos diferentes e ocorrendo em momentos distintos, mas onde não
ocorre acumulação.
Em quarto lugar, existe uma diferença de âmbito. A HM pode estar pre-
ocupada com documentação que não tem uma relação direta com a matemá-
tica, especialmente se ela toma a forma de história, usando a terminologia de
Grattan-Guiness (2005). Essa perspectiva vê nesse material a possibilidade de
iluminar contextos da produção de conhecimento matemático, mas ele fica
normalmente na periferia da pesquisa. No entanto, em HEM, precisamente
porque se preocupa com as metodologias de ensino e as suas consequências,
essa documentação, por exemplo, textos sobre métodos de ensino, exames,
cadernos escolares, etc., pode constituir mesmo o objeto de pesquisa.
Estas diferenças reforçam a ideia de que para fazer uma história das dis-
ciplinas escolares deveríamos assumir a sua autonomia (CHERVEL, 1988),
entendida esta quer em relação às disciplinas científicas (no nosso caso a mate-
mática), quer em relação às historiografias gerais da educação. Essa autonomia
sustenta mesmo a afirmação de que na formação de professores se deveria
recorrer essencialmente a exemplos históricos de matemática escolar, porque
é esse o passado da matemática que os futuros educadores deverão ensinar: “o
professor de matemática do século XXI não se constitui como herdeiro dos
matemáticos, mas dos professores de matemática do século XX” (VALENTE,
2010, p. 133).
Tomando em conta estas diferenças, e usando heuristicamente trabalhos
de autores preocupados com a introdução da HM em aulas de matemática,

40 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


procurarei sistematizar algumas ideias sobre o recurso à HEM para apoiar a
ação em EM. Recorrerei em primeiro lugar à reflexão pioneira de Antonio
Miguel em As potencialidades pedagógicas da história da matemática em ques-
tão (1997), que identifica e discute 12 argumentos para a utilização da história
na formação em matemática e que menciona ocasionalmente problemáticas
relacionadas com o passado do ensino da matemática. Uma segunda fonte
decorre das publicações do movimento History and Pedagogy of Mathematics
(HPM), fundado em 1976, no ICME de Karsruhe, que nas últimas décadas
questionou os modos como a História da Matemática pode ser incorporada
na aula. Membros deste grupo desenvolveram material educativo, efetuaram
pesquisa empírica, que conduziu à produção e à aplicação de esquemas meto-
dológicos (um relato cronológico da pesquisa em HPM pode ser encontrado
em Jankvist, 2014). O trabalho deste grupo foi apresentado num ICMI Study,
coordenado por John Fauvel e Jan van Maanen (2002). Para além de alguma
reflexão teórica, o livro contém diversos exemplos de aula. Trabalhos poste-
riores (JANKVIST, 2009; TZANAKIS; THOMAIDIS, 2011, por exemplo) sis-
tematizaram argumentos apresentados nesse Study para integrar a história da
matemática no ensino de matemática (os porquês) e formas de realizar essa
tarefa (os comos). Recorrerei, essencialmente, à sistematização de Jankvist.
Tomando então como ponto de partida os trabalhos de Miguel e Jankvist,
quais podem então ser as razões para utilizar a HEM no ensino de matemática?
Uma primeira razão prende-se com (A) a melhoria da aprendizagem da
matemática. Espera-se que o confronto com exemplos de matemática esco-
lar do passado, em particular nos livros de texto, livros de exercícios ou nos
cadernos dos alunos, permita desvendar conceitos, métodos, teorias, etc.,
encontrando abordagens facilitadoras e apoiando mesmo uma visão crítica da
matemática. No caso da formação docente, este estudo de conceitos, métodos,
teorias propicia enriquecer o seu repertório didático, aumentando a sua capa-
cidade de explicar, abordar, entender partes específicas da matemática. Quer
Miguel (argumentos 3, 4, 7, 10 e 11) quer Jankvist (tópico a) referem razões
semelhantes.
Penso, no entanto, que o uso de temas e materiais da matemática esco-
lar pode ter vantagem relativamente ao de materiais históricos de matemá-
tica. Existe, por exemplo, uma diferença importante no que diz respeito aos
conceitos matemáticos elementares, como o são todos os relevantes para a

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 41


matemática escolar. Tomemos a aritmética elementar como exemplo. Se pre-
tendemos recorrer a textos matemáticos apenas, podemos utilizar documen-
tos com alguns milhares de anos. No entanto, existem múltiplos documentos
de matemática escolar sobre o mesmo tópico muito mais próximos de nós.
Tomemos um segundo exemplo para ilustrar o mesmo problema. Enquanto as
dificuldades encontradas por Descartes ou Fermat com coordenadas negativas
está explicitada em documentos do século XVII que, para uma utilização em
aula, necessitam ser duplamente traduzidos, em primeiro lugar para português
e, em segundo, explicando a terminologia e os conceitos adotados por cada
um deles, a mesma dificuldade com coordenadas negativas pode ser detectada
em livros de texto do final do século XIX ou de princípios do século XX numa
linguagem facilmente acessível aos alunos de hoje. A matemática escolar do
passado permite uma maior proximidade e, portanto, é de maior simplicidade
didática.
Uma segunda razão tem uma relação próxima com a primeira, mas incide,
não sobre tópicos curriculares específicos, mas sobre a matemática como um
todo. Pretende-se aqui (B) uma melhor apreciação da natureza da matemá-
tica e da atividade matemática escolar, olhando de um ponto de vista diferente
conceitos, representações, conjecturas, provas e sequências. Os materiais do
passado, incluindo modos diferentes de observar os objetos matemáticos bem
como outras lógicas de encadeamento, possibilitam-nos estudar variações no
conhecimento matemático que, por sua vez, autorizam alternativas ao conhe-
cimento escolar válido. De forma semelhante, Miguel aborda a importância da
“desmistificação da matemática” (p. 82, argumento 5; ver também o seu argu-
mento 6), bem como Jankvist (tópico b). Tal como na razão anterior, o estudo
de materiais didáticos do passado proporciona o estudo de variações da mate-
mática escolar sem necessitar de um grande investimento na compreensão de
terminologias muito distintas das atuais. Quando o público- alvo são docentes,
este questionamento é vital e está no cerne da sua função profissional. O con-
fronto com abordagens idiossincráticas da matemática permite aumentar a sua
tolerância em relação a processos matemáticos não convencionais, tornando
mais clara a dimensão social e cultural da matemática.
Uma terceira razão é (C) motivar para a aprendizagem da matemática,
despertando o interesse e vinculando o conhecimento atual e o processo de
aprendizagem ao conhecimento e problemas do passado. Este é o primeiro

42 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


argumento apresentado por Miguel que também o inclui na formulação do seu
argumento 4. Jankvist, do mesmo modo, lhe dá destaque (tópico d). Recordo
que se está aqui a falar de motivação, que, em última análise, depende da forma
como for organizada a aula.
Uma quarta razão consiste na possibilidade de, através do aprofunda-
mento histórico, levar à (D) apreciação do papel cultural da matemática.
Pretende-se que a matemática escolar seja vista como estando integrada nas
culturas e nas histórias locais e geral da humanidade. Os argumentos 4 e 12
de Miguel apoiam esta razão que também é um tópico (e) de Jankvist. Note-se
que alguns tipos de materiais do passado parecem ser uma boa fonte para
apoiar esta quarta razão, em especial edições locais de textos didáticos, cader-
nos de alunos, artigos em jornais. Por vezes estes documentos permitem uma
aproximação à cultura local que é obscurecida nos livros de grande circulação.
O estudo de materiais provenientes dos grandes reformas curriculares (pro-
postas de Klein, matemática moderna, etc.) viabilizam uma ligação com os
grandes movimentos sociais em que elas estão inseridas.
Para apreciar o papel cultural da matemática, devemos também extrava-
sar os muros da escola e incluir aqui objetos, temas, processos que apenas são
matemáticos para a cultura escolar, mas não o são nas comunidades de ori-
gem. Falo do recurso a conceitos, processos, ou materiais utilizados em comu-
nidades minoritárias, muitas vezes alternativos à matemática escolar oficial
e que, como no caso dos povos indígenas, já fazem parte do seu património
cultural há muito tempo. Neste tema, a HEM aproxima-se da Etnomatemática,
e o desenho da intervenção pode acompanhar as “atividades” propostas por
Alan Bishop (1988) que estariam na base da nossa matemática atual (contar,
localizar, medir, desenhar, jogar, explicar) e que são comuns a todos os grupos
humanos. Já o conceito de matemática escondida ou congelada, sugerido por
Paulus Gerdes (1988), não me parece adequado, pois é muito difícil distingui-
-la de uma visão platónica da matemática que contraria o próprio propósito
emancipatório da sua teoria.
Estas quatro razões adequam-se a intervenções no âmbito de todos os
atores que estiverem em formação: alunos e professores. No caso destes últi-
mos, bem como no da formação de educadores matemáticos, existem, no
entanto, mais duas razões que se relacionam com as suas responsabilidades
como formadores de matemática e do seu ensino e que permitem “imprimir

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 43


historicidade” à sua atuação profissional, na feliz formulação de António
Miguel e Arlete Brito (1996, p. 49).
A primeira é de âmbito formal e consiste no (E) conhecimento histórico
da matemática escolar, como tópico que regularmente deveria fazer parte da
formação profissional docente.

Considerar o trabalho do professor de matemática numa dimensão histó-


rica permite uma compreensão diferente do sentido das ações realizadas nas
salas de aula hoje. Ter ciência de contextos de outros tempos do ensino de
matemática possibilita o entendimento do que são novidades e continuida-
des, na tarefa cotidiana de ensinar matemática a crianças, jovens e adultos.
(VALENTE, 2008, p. 11)

Estuda-se a HEM por si própria. Quais os movimentos de reforma curri-


cular? Quais as suas intenções? Como evoluiu a visão do que constitui aprender
e ensinar matemática e qual a relação com visões mais gerais do ato educativo?
Cabe também neste tópico o estudo da história do campo académico EM.
Este tema tem sido intensamente discutido no Brasil e referirei aqui ape-
nas algumas das principais problemáticas abordadas. Uma delas é a perspectiva
epistemológica abordada por Wagner Valente (2013), considerando impos-
sível de separar as dimensões pedagógicas das mais ligadas aos temas mate-
máticos e mostrando como isso está no cerne da constituição da disciplina
escolar de matemática, temática acompanhada por Cristina Oliveira (2017).
Arlete Brito e Ângela Miorim (2016), que traçam um quadro global dos modos
como o tema vem sendo integrado na formação de professores. Também num
livro recente de reflexão sobre os ENAPHEMs (DASSIE;COSTA, 2018), pode-
mos encontrar textos de aprofundamento e, para este tema, apenas destaco
o capítulo de Iran Mendes, Cristina Oliveira, Elisabete Búrigo e David Costa
(2018), que adianta alguns elementos sobre a integração da pesquisa em HEM
na formação de professores. Neste livro, em particular, o leitor encontrará no
texto escrito por Elisabete Búrigo (capítulo 3) um conjunto de conselhos sobre
como este conhecimento pode ser ensinado, e uma visão atualizada de como
esta formação se está a processar no Brasil no trabalho de Maria Laura Gomes
(também no capítulo 3).

44 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Uma última razão consiste na (F) apreciação de modos distintos de ensino
de temas matemáticos, nomeadamente identificando motivações para as sequ-
ências curriculares, as definições (implícitas ou explícitas), as representações,
os exemplos, os exercícios, etc., eventualmente encontrando métodos que se
revelem adequados para situações particulares. Permitem também identi-
ficar as dificuldades e os obstáculos e os modos como eles foram contorna-
dos. Espera-se que os docentes tomem consciência do processo criativo do
“fazer matemática”, decifrando abordagens não convencionais da matemática.
Embora exista uma relação próxima com discussão sobre a natureza da mate-
mática (razão B), aqui o foco está nas alternativas didáticas.
Quer Miguel (razão 3) quer Jankvist (tópico c) referem a importância da
história na formação de professores em moldes semelhantes. Miguel, em par-
ticular, discute exemplos de produções de matemáticos especificamente elabo-
radas com uma intenção pedagógica em mente: os casos de Alexis Clairault e
de Felix Klein.
Existem, no entanto, dois motivos para alguma cautela no uso de mate-
riais provenientes da HM. Em primeiro lugar, analisando a sua experiência em
cursos de licenciatura em matemática, Miguel e Miorim (2004) alertam-nos
para a possibilidade de os formandos perderem o foco e se cativarem por um
estudo “muito mais associado aos novos conhecimentos obtidos através do
estudo da própria história da Matemática do que com a percepção da rele-
vância pedagógica de um tal estudo para o exercício da profissão docente”
(MIGUEL; MIORIM, 2004 , p. 153). Eventualmente, o uso de materiais de
HEM permitiria obviar a esse problema.
Em segundo lugar, Wagner Valente (2013) coloca o problema de saber
se a formação em HM usual nos cursos de formação de professores tende a
reforçar a ideia que a matemática escolar atual tem as suas raízes próximas
na ciência matemática e não na própria matemática escolar do passado. Esse
problema assume uma dimensão ainda mais preocupante se se optar por usar
o paradigma da transposição didática (que discuto na primeira secção) como
modelo para a constituição dos saberes escolares, negando a especificidade e a
autonomia à matemática escolar.
Antonio Miguel e Jankvist sistematizam ainda outros argumentos para a
inclusão da HM nas aulas de matemática, que não incluí porque, em geral, eles

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 45


se referem a objetivos de apreciação da matemática como ciência, que não é o
tema deste texto.
Também não incluí aqui como razão para a inclusão de temas de HEM
em cursos de formação de professores o despertar o interesse de futuros pro-
fessores para a pesquisa em HEM. Penso que, para os que demonstrarem inte-
resse pela área, haverá tempo de a aprofundarem mais tarde, quer através de
projetos de colaboração com instituições de ensino superior, quer de uma for-
mação em mestrados ou doutoramentos. A inclusão da HEM em cursos de
formação de professores deveria antes centrar-se em “imprimir historicidade”.
Notemos que a EM tem múltiplos interlocutores e, junto de cada um
deles, a intervenção pode assumir diferentes formas: aulas ou atividades extra-
-aula (com alunos), cursos de formação mais ou menos formais (com pro-
fessores e educadores matemáticos), elaboração de relatórios, informando as
políticas públicas, ou preparação de brochuras, realização de conferências ou
exposições ou atividades museológicas (destinadas à sociedade em geral). O
leitor pode procurar mais esclarecimentos no texto de Luzia Souza, Diogo Rios
e Heloísa Silva (2018).

E os comos?
Após ter abordado as razões para a introdução de materiais do passado
do ensino da matemática nas aulas atuais, faltaria agora discutir comos, isto
é, os métodos para o fazer. Caberá, no entanto, a outros autores aprofundar
no futuro o tema de como implementar uma HEM em contextos de ensino e
aprendizagem da matemática, eventualmente seguindo o caminho proposto
por Clements e Ellerton.

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Agradecimento: Cabe aqui um agradecimento especial à Maria Cristina


Oliveira pelos comentários que efetuou a uma versão preliminar do texto.

PREFÁCIO: História da Educação Matemática e Educação Matemática 51


1 Renovando las matemáticas
escolares por medio de la
formación del magisterio

Dolores Carrillo Gallego6

INTRODUCCIÓN
El título y el objeto de este capítulo es destacar que, cuando se ha querido
cambiar la escuela y, en particular, las matemáticas escolares, se ha utilizado
como medio la formación de los maestros, provocando cambios en los siste-
mas de formación de los mismos.
En este trabajo se presentan dos momentos de la Historia de la Educación
en España en los que se ha constatado que se quiso cambiar la enseñanza pri-
maria y, dentro de ella, la enseñanza de las matemáticas, y para ello se veía
necesario modificar el sistema de formación de maestros.
Esos dos momentos fueron la introducción de un sistema público de
enseñanza (1838) y la ampliación del currículo de la escuela primaria que se
produjo en 1901, ligado a un cambio administrativo de las escuelas primarias.

6 Facultad de Educación, Universidad de Murcia, ES. E-mail: carrillo@um.es.

53
“El maestro es, o hace, la escuela; esto es, buena o mala”, dijo Pablo
Montesino (1841, p. 38) y Manuel Bartolomé Cossío (2007, p. 218), en 1912,
“La escuela no son los ladrillos, ni los mapas, sino el maestro”. Son frases
de dos personas influyentes en los momentos que vamos a comentar: Pablo
Montesino y Manuel Bartolomé Cossío. Las dos ponen el acento en que lo
importante para cambiar la escuela y tener una buena enseñanza es que los
maestros sean buenos, que estén bien formados.
En este trabajo, las dos primeras partes están dedicadas a las dos etapas
históricas que se consideran, comentando, en cada una de ellas, algunas de
las condiciones sociales y políticas que influyeron en los cambios legislativos
sobre la enseñanza primaria y la formación de maestros; se presentan esos
cambios legislativos y se particularizan al ámbito de la enseñanza de las mate-
máticas. Por último, se considera la evolución de la formación de los maestros
para enseñar matemáticas en las escuelas primarias y el carácter de una nueva
asignatura, definida en el Plan de 1931, la Metodología de las Matemáticas.

EL NACIMIENTO DEL ESTADO LIBERAL EN ESPAÑA


Acontecimientos políticos
En España, en la primera mitad del siglo XIX, se vivió un tenso proceso
de paso del Antiguo Régimen a un Estado liberal. La invasión napoleónica
de 1808 provocó la guerra de la independencia (1808-1814). Pero también la
afirmación de la soberanía nacional pues, ante la ausencia del Rey, se convocó
a las Cortes que, reunidas en la ciudad de Cádiz, elaboraron una Constitución
(1812) que limitaba las prerrogativas reales y eliminaba instituciones del
Antiguo Régimen, como la Inquisición. El Conde de Toreno, miembro de las
Cortes de Cádiz, afirma:

Acompañó al sentimiento unánime de resistir al extranjero otro no menos


importante de mejora y reforma. [...] apenas hubo proclama, instrucción o
manifiesto de las Juntas en que, lamentándose de las máximas que habían
regido anteriormente, no se diese indicio de querer tomar un rumbo opuesto,
anunciando para lo futuro o la convocación de Cortes, o el establecimiento
de antiguos fueros, o el desagravio de pasadas ofensas. (PUELLES BENITEZ,
1980, p. 52)

54 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Puelles Benitez (1980, p. 52) considera que “de esta guerra surge el senti-
miento nacional moderno y, en consecuencia, la quiebra absoluta de las anti-
guas instituciones”..
El regreso del rey Fernando VII en 1814 supuso la derogación de la
Constitución de Cádiz y vuelta al Absolutismo hasta el fallecimiento del rey en
1833, con un paréntesis liberal entre 1820 y 1822 (el Trienio Constitucional),
tras el cual un gran número de políticos e intelectuales tuvieron que exiliarse.
A la muerte de Fernando VII, la Reina Regente pactó con los liberales y se
inició un periodo constitucional.

La educación en la legislación
La Constitución de 1812 sustituía la sociedad estamental de vasallos por
una sociedad de ciudadanos bajo el imperio de la ley. Para este cambio, tanto la
Constitución como las posteriores leyes liberales destacaban la importancia de
la educación, como ha señalado Puelles Benitez (1980, p. 55), “como sucesores
de nuestros ilustrados comparten con ellos la fe en la instrucción pública como
principal instrumento de renovación y de reforma”. Acorde con esa importan-
cia, el artículo 25 establece la necesidad de saber leer, escribir y contar para
poder ejercer los derechos ciudadanos, se dedica el título IX a la Instrucción
pública y, según el artículo 366, “En todos los pueblos de la Monarquía se esta-
blecerán escuelas de primeras letras, en las que se enseñará a los niños a leer,
escribir y contar, y el catecismo de la religión católica, que comprenderá tam-
bién una breve exposición de las obligaciones civiles”, y encarga a las Cortes
la legislación educativa (artículo 370). Sobre esta base, se elaboraron leyes y
reglamentos que definieron algo muy novedoso: el sistema educativo liberal.
Los primeros documentos que desarrollaron los principios constitucio-
nales fueron el Informe Quintana (1814), influido por el Rapport sur l’instruc-
tion publique de Condorcet, pero también por las Bases para la formación de
un plan general de Instrucción Pública de Jovellanos (PUELLES BENITEZ,
1980, p. 61-62), en el que se basó el “Reglamento de instrucción pública” de
1821, aprobado por las Cortes durante el Trienio liberal, pero que no pudo
entrar en vigor. En estos documentos se divide la enseñanza pública en pri-
mera, segunda y tercera, se afirma que la enseñanza pública debe ser universal,
gratuita y uniforme y, en lo que se refiere a la enseñanza primaria, la obligato-
riedad de establecer escuelas en todos los pueblos de más de 100 vecinos.

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 55


En 1834, tras la muerte de Fernando VII, las Cortes crearon una comi-
sión para elaborar un Plan general de instrucción primaria. En esta comisión
estuvo Pablo Montesino, a quien se atribuye “la mayor parte de los trabajos que
se hicieron en tan importante assunto” (GIL DE ZÁRATE, 1855, p. 248). Pablo
Montesino se exilió en Inglaterra en 1822, donde observó su sistema educativo
y reflexionó sobre la mejor forma de extender la educación pues consideraba
que la educación es “el remedio único de los males que estamos padecendo”
(MONTESINO, 1842, p. 11). Fue uno de los promotores de la “Sociedad encar-
gada de propagar y mejorar la educación del pueblo”, que creó las primeras
escuelas de párvulos de España; para esas escuelas, Montesino escribió el
“Manual para los maestros de las escuelas de párvulos” (MONTESINO, 1850).
Además, Montesino fue el primer director de la Escuela Normal Central
(1938).
En los trabajos de esta comisión de 1834 se apoya el Plan y Reglamento de
instrucción primaria de 1838. El Plan es un documento legislativo moderado,
que elimina la gratuidad de la enseñanza primaria, la divide en elemental y
superior, siendo la enseñanza primaria elemental la única que había que exten-
der a todos los niños. Contempla dos títulos de maestro, elemental y superior,
de acuerdo con la clasificación de las escuelas, y un título de maestra. Para la
formación de los maestros, establece que haya Escuelas Normales (EENN) en
todas las provincias y una Escuela Normal Central en Madrid, para formar
a los profesores del resto de las EENN. Los tipos de escuela que diferencia
son: escuela primaria elemental completa; escuela primaria superior; escuela
primaria elemental incompleta, para poblaciones con falta de recursos, y las
escuelas de niñas, elementales y superiores, para aquellas poblaciones en las
que haya recursos suficientes. Los tipos de escuela se diferencian por los con-
tenidos que se imparten en cada una de ellas; por ejemplo, en el artículo 4.º se
especifican los contenidos de la escuela primaria elemental, y en el 5.º los de la
primaria superior:

Artículo 4.º La instrucción primaria pública elemental ha de comprender


para ser completa:
1.º Principios de religión y de moral.
2.º Lectura.

56 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


3.º Escritura.
4.º Principios de aritmética, ó sea, las cuatro reglas de contar con números
abstractos y denominados.
5.º Elementos de gramática castellana, dando la posible extensión á la
ortografía.
Artículo 5.º La instrucción primaria superior comprenderá además:
1.º Mayores nociones de aritmética.
2.º Principios de geometría y sus aplicaciones más usuales.
3.º Dibujo lineal.
4.º Nociones generales de física y de historia natural, acomodadas á las nece-
sidades más comunes de la vida.
5.º Elementos de geografía y de historia, particularmente la geografía y la his-
toria de España. (PLAN DE 1938, 1856, p. 4)

Una novedad del Plan de 1838 es la mayor organización de los conteni-


dos de la enseñanza y su carácter prescriptivo, diferenciándolos en materias
escolares, lo que supone un cambio de estatus con respecto a las formulaciones
menos específicas de la legislación anterior.
La Ley de Instrucción Pública de 1857 (Ley Moyano), que estuvo vigente
hasta el final del siglo XIX, incorporó casi todo el Plan de 1838. En lo que se
refiere a los contenidos hubo pocos cambios; uno de ellos fue la incorporación
del aprendizaje del sistema métrico decimal, y otro la especificación de los
contenidos en las escuelas de niñas.
Para que las escuelas primarias se adaptaran al Plan de 1838, era necesario
que los maestros tuvieran una formación adecuada, y la opinión de los legisla-
dores era que eso no ocurría. Así Pablo Montesino (1845, p. 532) decía: “entre
los grandes obstáculos que se presentan para fomentar la instrucción y mejo-
rar la educación de la gran masa del pueblo, uno, el mayor sin duda, es la falta
de maestros que puedan cooperar á esta grande obra” . Por ello se publicó un
Reglamento de instrucción primaria cuya redacción se debe a Pablo Montesino.
El Reglamento se refiere, exclusivamente, a las escuelas primarias elementa-
les, que son las que “se establecen para la masa general del pueblo, y tienen
por objeto desarrollar las facultades mentales del hombre, suministrando los

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 57


conocimientos necesarios á todas las clases sin distinción” (REGLAMENTO
DE 1838, 1979, p. 157).
En el Preámbulo se justifica la necesidad de este documento por “estable-
cer algunas prácticas poco conocidas por el mayor número de los maestros que
han de adoptarlas” (REGLAMENTO DE 1838, 1979, p. 155); pues la mayor
parte de los maestros estaban “faltos de la conveniente instrucción y de medios
de adquirirla” (REGLAMENTO DE 1838, 1979, p. 155). Por tanto se detallaba
la organización de la escuela, el material necesario, el empleo del tiempo, la
enseñanza de cada una de las materias etc., pues el redactor consideraba “pre-
ciso no solo expresar las cosas que deben hacerse, sino la manera de hacerlas y
la razón en que se fundan, por mas obvias que parezcan” (REGLAMENTO DE
1838, 1979, p.155). Ante esta situación, se defiende la necesidad de la creación
de las escuelas normales.

Matemáticas en la escuela primaria según las leyes


En este apartado se recogen, sintéticamente, las indicaciones legislativas
sobre los contenidos matemáticos que se esperaba que los niños aprendieran
en la escuela primaria.

Constitución de 1812
se establecerán escuelas de primeras letras, en las que se enseñará a
(CONSTITUCIÓN
los niños a leer, escribir y contar
POLÍTICA, 1820, p. 103)
Proyecto de decreto
de 1814 (PROYECTO las reglas elementales de la aritmética
DE 1814, 1979, p. 383)
Escuela primaria elemental: Principios de aritmética, ó sea, las cuatro
reglas de contar con números abstractos y denominados.
Escuela primaria superior: 1º Mayores nociones de aritmética. 2.º
Principios de geometría y sus aplicaciones más usuales. 3.º Dibujo lineal.
Plan de instrucción Escuelas primarias de niñas: la enseñanza de estas escuelas á
primaria de 1838 las correspondientes elementales y superiores de niños, con las
(PLAN DE 1838, modificaciones sin embargo que exige la diferencia de sexo. Aunque
1856, p. 4, 11) haya menos concreción en los contenidos, el Plan de 1838 supuso
un cambio importante en las escuelas de niñas que las acercaba a las
correspondientes de niños; en esos momentos, las escuelas de niñas
se centraban en el aprendizaje de las labores y menos en la lectura y
escritura.
Recoge el Plan de 1838 con los siguientes cambios: En la enseñanza
elemental, estudio del sistema legal de medidas, pesas y monedas.
Ley Moyano (1857)
Se especifican las materias de enseñanza de las escuelas de niñas.
(LEY DE 1857, 1979,
En la primaria elemental, los contenidos matemáticos son iguales
244-245)
a los de los niños; no es así en la superior, con solo una materia
matemática: Elementos de dibujo aplicado a las mismas labores.

58 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


¿Qué se quería renovar en la enseñanza primaria?
La cuestión primera que está en el origen de los cambios legislativos en
lo que se refiere a la enseñanza primaria es el precepto constitucional que esta-
blece la extensión de la educación a toda la población. Dada la falta de escuelas
y la falta de maestros, ¿cómo hacerlo? Las sucesivas leyes y reglamentos propu-
sieron cambios en la organización de las escuelas, cambios en la organización
de las enseñanzas y cambios en las materias escolares.
Durante el reinado de Fernando VII, la Constitución y los documentos
basados en ella, solo establecen que tenía que haber escuelas y que los maestros
tenían que estar examinados. Pero la realidad es que había pocos maestros y
no estaban bien formados. Y, sobre todo, el sistema de enseñanza que se uti-
lizaba en las escuelas era poco eficiente, pues se usaba el sistema individual,
que suponía mucha pérdida de tiempo para los alumnos. Buscando una mayor
eficacia, a lo largo de estos años se fue formulando el problema del método, lo
que suponía un cambio en la organización de las escuelas; se quería eliminar
el sistema individual y sustituirlo por el sistema mutuo o el simultáneo, para
conseguir una organización del aula más eficiente y poder atender a un mayor
número de alumnos: la extensión de la educación necesitaba un cambio en los
métodos de organización y de enseñanza en las escuelas.
Esa necesidad se sentía más allá del precepto constitucional; en 1818,
en un momento absolutista, comenzaron ensayos del método de enseñanza
mutua. En las obras sobre este método se destacan las pocas exigencias que
requería a los maestros:

Como en estas escuelas primarias solo se enseña á leer y escribir, la aritmética


y la costura, no se requiere mas de los maestros y maestras sino que tengan un
conocimiento perfecto en estos ramos de instrucción; y tales son las grandes
ventajas de este sistema, que con pocos conocimientos que tenga el maestro
ó maestra, poseyendo las cualidades susodichas, puede muy bien dirigir una
escuela, siempre que siga al pie de la letra lo prescrito para la organización de
ella. (ANÓNIMO, 1820, p. 101)

El maestro dirigía, pero los encargados de la enseñanza eran los propios


niños, los instructores de clase. En el caso de la aritmética, prácticamente, podía
enseñar cualquiera pues “este ramo de la instrucción está tan simplificado, que

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 59


un niño que solo sepa leer puede enseñar las cuatro primeras reglas simples
y compuestas, aun cuando él mismo las ignore” (ANÓNIMO, 1820, p. 67).
Lancaster insiste en la misma idea:

Es indudable que un muchacho que supiese una de las cuatro reglas, y fuese
llamado a ejecutarla a mi presencia, no haría mas que repetir las operaciones
expresadas en la clave; y si por otra parte tuviese yo que enseñar esta misma
regla a un discípulo que no tuviese todavía conocimiento alguno de ella, la
clave contiene también en sustancia lo que yo podía explicarle. Este medio de
las claves puede sustituir en alguna manera al maestro. [...] Los muchachos
son por lo general excelentes agentes para todo lo que no está fuera de su
comprensión, y en este caso, no quedando nada abandonado a su solo dis-
cernimiento, no pueden errar a no ser que se duerman, o lo hagan de intento.
(LANCASTER, 1818, p. 61-62)

También cambió la organización de las enseñanzas; en esos momentos,


en la escuela primero se aprendía a leer, después a escribir y, por último, a
contar, y el precio que pagaban los padres iba aumentando al ir pasando de
clase. En el Reglamento de 1838, la organización del tiempo escolar es dife-
rente pues se estudiaban todas las materias escolares y había que organizar el
tiempo dedicado a cada una mediante un horario.
Estos cambios organizativos requirieron una mayor delimitación y
ampliación de las materias de enseñanza.
Hubo una progresiva toma de conciencia de la necesidad de cambiar la
formación de los maestros: antes de 1834, la legislación no aborda esa cuestión
pues se creía que el método era eficaz por sí mismo. Sin embargo, en 1838, para
Montesino era algo prioritario y así lo escribe en el Preámbulo del Reglamento
de 1838 (p.169): “Sabido es que la habilidad del maestro es el gran resorte de un
método, cualquiera que sea; y que no hay buen método para un mal maestro”,
opinión que era compartida, por otras personas relacionadas con la educación
primaria, como la Comisión provincial de instrucción pública de Guadalajara:

La mayor parte de los maestros que hay en el día no solo no se hallan en


disposición de plantear en sus escuelas un sistema regular de enseñanza, sino
que ni aun entender pueden por falta de principios ninguna obra que trate de
la materia. (CPIP GUADALAJARA, 1841, p. 26)

60 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Y para mejorar la formación del Magisterio, para pasar de un sistema
gremial de formación a un sistema más profesional, el Plan de 1838 obliga a
crear las Escuelas Normales en todas las capitales de provincia. De esa forma el
control del acceso a la profesión de maestro pasa de las asociaciones profesio-
nales de maestros a centros educativos controlados por el Estado; las revistas
profesionales registraron enfrentamientos entre las academias de profesores
(gremiales) y las Escuelas Normales. Pues, en el fondo, hay una cuestión de
control por parte del estado de la formación y el reclutamiento de maestros. De
esa forma se creó un colectivo de maestros que debía su título al gobierno y que
se había examinado con nuevas normas que debían poner en valor; las EENN
permitieron un mayor control de la enseñanza primaria por el gobierno.

La formación del Magisterio en las Escuelas Normales


En 1839 comenzó a funcionar la Escuela Normal Central, dirigida por
Pablo Montesino, con la finalidad de formar a los profesores de las EENN de
provincia. La primera promoción acabó en 1841 y, a partir de ese momento,
fueron creándose Escuelas Normales por toda España. Se trataba de centros
masculinos, los únicos que citaba el Plan de 1838; las Escuelas Normales feme-
ninas se fueron creando con el modelo de las masculinas, pero sin una regla-
mentación propia hasta la Ley de Instrucción Pública de 1857 (Ley Moyano).
La estructura de los estudios que se realizaban en las EENN fue cam-
biando durante estos años. El Reglamento de 1843 fijaba la duración de los estu-
dios en dos años y daba acceso al título de maestro superior, tras un examen.
El Reglamento de 1849 establecía dos niveles de estudios: maestro elemental,
con una duración de dos años y maestro superior, con duración de tres años.
La Ley Moyano (1857) diferenciaba tres títulos de maestro: maestro elemental,
con una duración de dos años; maestro superior, un año más, y maestro nor-
mal, un año más. En cuanto a los estudios en las Escuelas Normales femeninas,
no fijaba su duración.
En 1858 se publicó un Programa general de estudios de las escuelas nor-
males de primera enseñanza, que concretaba la Ley Moyano y que continuó
vigente, esencialmente, hasta 1914.
En las Escuelas Normales se estudiaban las materias escolares y alguna
asignatura pedagógica. En la figura 1 se recogen los contenidos matemáticos

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 61


que aparecen en las diferentes leyes y reglamentos; solo se refieren a las EENN
masculinas pues no se detallaron los contenidos de las femeninas.

Fuente: Carrillo Gallego, 2005, p. 205

62 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Para determinar las matemáticas que se estudiaban hay que tener en
cuenta el nivel que se asignaba a estos estudios y los libros de texto utilizados.
Según el Plan de instrucción primaria de 1838 y el Reglamento de EENN de
1843, las escuelas normales son escuelas primarias superiores y a ellas pueden
asistir alumnos de enseñanza primaria superior. Como estos estudios habilita-
ban para ser maestro de escuela superior, resulta que la preparación matemá-
tica que recibían era exactamente la misma que tendrían que impartir.
Pero la falta de preparación de los aspirantes al título de maestro impedía
que, en los dos años de estudio previstos, los alumnos alcanzaran ese nivel. Por
ello, según el Reglamento de 1849, tras dos años de estudio, lo que se podía
obtener era el título de maestro elemental, y el nivel de los estudios era el de
la enseñanza primaria elemental; para obtener el título superior era necesario
estudiar otro curso cuyo nivel se consideraba de enseñanza primaria superior.
La inclusión de Nociones de álgebra en estos estudios sobrepasa los contenidos
de la escuela primaria superior y constituye un primer acercamiento a la ense-
ñanza secundaria.
La Ley Moyano (1857) era una Ley general de educación que afectaba
a todo el sistema educativo. En ella, los estudios de magisterio están inclui-
dos entre las enseñanzas profesionales, aunque con menor nivel. El efecto de
esta ley fue acercar los estudios de maestro a los de enseñanza secundaria,
aunque continuó teniendo menos prestigio: menor prestigio de los profesores
de EENN con respecto a los de instituto de educación secundaria y, correla-
tivamente, había menor exigencia en el examen de ingreso en estos centros
(CARRILLO GALLEGO, 2005, p. 188).
Los libros de texto que se recomendaron para el estudio de las matemáti-
cas en las EENN son acordes con el nivel que se asignaba a estos estudios. En
principio, se usarían los libros aprobados para escuelas primarias; también hay
referencias al uso de apuntes del profesor. En 1852 y 1856 se aprobaron listas
de libros para las EENN. Uno de ellos era el Compendio de Matemáticas de José
Mariano Vallejo (1835), obra utilizada en el nivel de la enseñanza secundaria;
también estaba una Aritmética de Joaquín Avendaño (1852), escrita para las
EENN; el resto son obras para la enseñanza primaria.
De acuerdo con la Ley Moyano, el Gobierno podía aprobar, cada tres
años, hasta tres obras para Matemáticas en las EENN (sin diferenciar asignatu-
ras). Las obras aprobadas fueron similares a las de secundaria y otros estudios

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 63


profesionales. En la primera lista (1861) estaba el Compendio de Vallejo (1835).
En todas estuvieron los libros de Cortazar (1846) y de Picatoste Rodríguez
(1860); Fernández Vallín Bustillo (1855) sustituyó a Vallejo en los listados de
1864 y 1867 (CARRILLO GALLEGO, 2005, p. 376). Además, hubo profesores
de EENN que continuaron utilizando sus propios textos, a pesar de no estar
autorizados. El nivel de estas obras era el de la enseñanza primaria.

Materias pedagógicas y metodología de las matemáticas


Lo específico de estos estudios, lo que diferenciaba a los aspirantes a
maestro de los alumnos de enseñanza primaria superior, era el estudio de las
materias pedagógicas. El Director de la Escuela Normal de Almería, en un
Informe al Rector acerca de las reformas más urgentes de que son susceptibles las
Escuelas Normales de 30 de Enero de 1866 lo justificaba porque

no sólo deben adquirirse los conocimientos que abraza la enseñanza marcada


por la Ley, sino también la manera de trasmitirlos, imprimiéndoles esta con-
dición un sello espacial que los diferencia notablemente de los demás centros
de instrucción. (BALLARIN DOMINGO, 1987, p. 254)

En la figura 2 se han recogido los títulos de estas materias tal como apa-
recen en las leyes y los reglamentos.

64 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Fuente: Carrillo Gallego, 2005, p. 239

El primer profesor en impartir estas materias fue Pablo Montesino, como


Director de la Escuela Normal Central. En sus clases aprendieron los profeso-
res de las EENN de provincias. El título de la asignatura era Principios genera-
les de educacion moral, intelectual y física, con instrucciones especiales acerca de
los medios mas conducentes para conservar la salud de los niños y robustecerlos;
ó sea el modo de combinar los ejercicios gimnásticos ó corporales con los juegos
y ocupaciones ordinarias de la niñez. Al elaborarla, Montesino se enfrenta a
una situación nueva para él, para el sistema educativo y para la sociedad; y en
el largo título hace explícitos los principios en los que se basa. Con esta for-
mación, se pretendía preparar profesionalmente a los maestros en una triple
dirección:

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 65


En primer lugar, preparándolos no solo para instruir, sino para educar, al
estudiar nociones de educación. Montesino le dio su impronta como médico,
preocupado por la salud de los niños,

Nosotros entendemos por educación la aplicación de aquellos medios con


que procuramos criar hombres sanos, inteligentes y morales. El conservar la
salud y robustecer la constitución física del individuo, aumentar su capacidad
intelectual y formar su carácter moral, viene a ser el triple objeto, inmediato,
de la educación. Su objeto final, es o debe ser, proporcionar la felicidad tem-
poral y perpetua a las personas. (MONTESINO, 1988, p. 83)

Otro objetivo era proporcionar conocimiento de nuevas formas de orga-


nización de las escuelas, más eficaces, y que permitieran atender a un mayor
número de niños. Los conocimientos teóricos sobre esta materia se completa-
ban con la observación y las prácticas en escuelas primarias.
Por último, se procuraba el conocimiento de métodos de enseñanza de
las distintas materias escolares, entre ellas las relacionadas con las matemáticas.
En los Reglamentos de EENN de 1849 y 1850, las Nociones de Educación
se reservaron para el título de maestro superior, mientras que en los cursos
correspondientes al título elemental la asignatura era Sistemas y métodos de
enseñanza.
El libro de texto aceptado como referencia desde 1850, fue el Curso
elemental de Pedagogía de Joaquín Avendaño y Mariano Carderera (1850),
declarado de texto desde 1852. Estos antiguos alumnos de Montesino reco-
gen sus enseñanzas y, en lo que se refiere a la metodología de la aritmética,
también Montesino es su referencia fundamental, pero con menor extensión
(CARRILLO GALLEGO, 2005). Aunque la geometría era una materia de la
enseñanza primaria superior, no se recogen indicaciones metodológicas sobre
la misma.

Algunas luces y sombras de las EENN


La creación de las EENN, tanto femeninas como masculinas, supuso la
existencia de un marco común a nivel del Estado tanto en lo que se refiere
a la formación del Magisterio como al acceso a la profesión. El nuevo sis-
tema requería dominar las materias escolares y la inclusión de asignaturas

66 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


pedagógicas supuso un mejor conocimiento de la organización de la escuela,
los sistemas de enseñanza y de algunas características de la infancia, es decir,
una mejor preparación profesional.
Pero el desarrollo de las EENN a lo largo de estos años, no fue senci-
llo y no se alcanzaron los resultados que se esperaba de ellas. Como hemos
señalado, sufrieron ataques por parte de asociaciones del Magisterio, pero sus
mayores problemas provenían de su funcionamiento. Quizás el más impor-
tante era la falta de formación en las personas que ingresaban en las EENN, lo
que hacía que el tiempo de estudios en la escuela normal tuviera que dedicarse,
fundamentalmente, a la formación en las materias escolares que tendrían que
haber conocido previamente. En esas circunstancias, muchos maestros no
alcanzaban la formación prevista en los reglamentos.
La dificultad en el reclutamiento es una queja constante de los profesores
de las EENN durante todo el siglo XIX. Pablo Montesino, en 1842, consideraba
que la mayoría de los maestros,

carecen de los recursos necesarios para emprender y continuar estudio alguno;


pues a no carecer de ellos se dedicarían a otra carrera menos laboriosa y mejor
retribuida que la profesión de maestro de escuela primaria. Esto es tan obvio
que no necesita de pruebas; y llega a tal punto que gran parte de los maestros,
casi todos los que ejercitan su magisterio en los pueblos pequeños, atendido el
miserable estipendio que se les da por su trabajo, han debido ser tan pobres en
su juventud que ni aun han podido aprender algún arte u oficio mecánico de
mayor comodidad y provecho que la escuela. (MONTESINO, 1842, p.13-14)

Esta opinión fue repetida, por diversas personas a lo largo del siglo XIX
e, incluso, en el siglo XX. La profesión de maestro no estaba bien considerada:
los sueldos eran bajos, había retraso en el pago y una fuerte dependencia de las
autoridades locales: no merecía la pena ser maestro.

LA EDAD DE PLATA DE LA CULTURA ESPAÑOLA


Contexto político
Después de la Ley Moyano (1857), se acentuó el carácter conservador
de los Gobiernos (cuestiones universitarias, limitaciones a la libertad de

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 67


expresión); fue una época de menor atención a la enseñanza primaria y a las
EENN. Tras el derrocamiento de la reina Isabel II y el sexenio revoluciona-
rio (1868-1874) se produjo la Restauración monárquica, con un sistema de
gobierno pactado en el que se alternaban conservadores y liberales.
En lo que se refiere a la educación, esto supuso un estancamiento: era un
tejer y destejer; se producían pequeños cambios que revertían con el cambio de
gobierno. Continuaba la vigencia de la Ley Moyano, tanto en lo que se refiere
a la enseñanza primaria como a las EENN. Esto suponía que unos conteni-
dos y una organización de la enseñanza primaria, que en la primera mitad
del siglo XIX supusieron un avance con respecto a las escuelas del Antiguo
Régimen, se habían quedado obsoletos. Y la situación de los maestros, pagados
por los ayuntamientos (municipios), era penosa, con retrasos generalizados en
el cobro de los sueldos.
En las EENN, había una parálisis general: no se convocaban oposiciones
para ocupar las plazas de profesores; se contrataba, de forma interina, a dedo,
y el nivel de los estudios no progresaba, sino que descendía.
El desastre de 1898, con la pérdida de las colonias (Cuba, Puerto Rico,
Filipinas), produjo una reacción entre los intelectuales (la denominada gene-
ración del 98) que favorecía la introducción de cambios, en particular en la
escuela. Se trataba de modernizar España, de abrirla al mundo, de acercarla a
Europa.
Para este objetivo, fueron fundamentales las propuestas que se realizaron
desde la Institución Libre de Enseñanza (la ILE), creada en 1876 por Giner
de los Ríos, junto con un grupo de intelectuales, a raíz de su expulsión de la
Universidad por la llamada “cuestión universitaria”, relacionada con las limita-
ciones que se pusieron desde el Gobierno a la libertad de cátedra.

La Institución Libre de Enseñanza y la


renovación educativa en España
La importancia de la ILE en esos momentos ha sido destacada por el
profesor Antonio Viñao, quien señala que, entre 1876 y 1936, “solo existió un
modelo coherente de reforma del sistema educativo en su conjunto, que, por
tratarse de un proceso de reforma a largo plazo, mereciera tal nombre: el de la
Institución” (VIÑAO FRAGO, 2013, p. 434).

68 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


La ILE fundaba sus esperanzas de reforma social en la educación y, por
ello, en la educación centró sus esfuerzos. El mismo Viñao, en el trabajo citado
anteriomente, destaca, como uno de los rasgos de la ILE su reformismo gra-
dual, y con ello, la necesidad de una introducción gradual de las reformas, de
acuerdo con la identificación de los profesores con ellas. Además, los hombres
de la ILE trataron de influir en las políticas educativas y culturales del partido
liberal y algunos de sus miembros, y de lo que se llamó “la institución difusa”,
tuvieron cargos de responsabilidad política y pudieron poner en marcha pro-
yectos acordes con las propuestas institucionalistas.
Entre las acciones e instituciones en las que se reconoce la influencia
de la ILE están la organización del Congreso Pedagógico de 1882, que fue un
momento de encuentro y discusión entre profesorado, administradores y
personas interesadas en la educación, Otra fue el Museo Pedagógico Nacional
(1882), orientado fundamentalmente a la formación de los maestros y cuyo
director fue Manuel Bartolomé Cossío. Una institución muy influyente fue la
Junta para la Ampliación de Estudios e Investigaciones Científicas (JAE), creada
en 1907, presidida por el Premio Nobel Santiago Ramón y Cajal y cuyo secre-
tario fue José Castillejo. La JAE propició el conocimiento de instituciones, y
experiencias científicas, culturales y educativas mediante becas para estancias
en el extranjero de profesores e investigadores; estas estancias permitían el
conocimiento de otras experiencias educativas y es una actuación acorde con
el reformismo gradual que propugnaba la ILE. Se considera que la JAE fue la
agencia de renovación pedagógica y científica más importante de España en
esos momentos (VIÑAO FRAGO, 2010).
Otra característica de la ILE eran sus propuestas de introducir las innova-
ciones educativas por medio de instituciones de ensayo y reforma, mejor que
mediante decretos legislativos. Dependientes de la JAE se crearon algunas ins-
tituciones de este tipo como la Residencia de estudiantes (1910), la Residencia
de señoritas (1915), los diversos laboratorios científicos o el Instituto-escuela
(1918); y relacionado con la formación del magisterio, la Escuela de Estudios
Superiores del Magisterio (1909).

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 69


Las leyes educativas a comienzos del siglo XX.
Las matemáticas en la enseñanza primaria
El Real Decreto de 26 de octubre de 1901 es conocido por incluir el pago
de los sueldos a los maestros en los Presupuestos generales del Estado, dig-
nificando así la profesión de maestro, que dejaba de estar supeditada a los
municipios y a la arbitrariedad de sus alcaldes. Aunque este era el motivo fun-
damental y urgente, el Ministro considera que era necesaria “una completa
reorganización de la primera enseñanza” (REAL DECRETO, 1901, p. 497) y
redefinió la estructura y los contenidos de la misma. De esta forma, el Real
Decreto supuso un cambio significativo en la enseñanza primaria con respecto
al Plan Someruelos (1838) y la Ley Moyano (1857); y lo hizo en tres artículos.

Art. 2.º La primera enseñanza es privada o pública, dividiéndose esta última


en tres grados: de párvulos, elemental y superior.
Art. 3.º La primera enseñanza pública comprende las materias siguientes:
Primero. Doctrina Cristiana y Nociones de Historia Sagrada,
Segundo. Lengua Castellana. Lectura. Escritura. Gramática.
Tercero. Aritmética,
Cuarto. Geografía e Historia,
Quinto. Rudimentos de Derecho,
Sexto. Nociones de Geometría,
Séptimo. Idem de Ciencias físicas, químicas y naturales,
Octavo. Idem de Higiene y de Fisiología humana,
Noveno. Dibujo,
Décimo. Canto.
Undécimo. Trabajos manuales,
Duodécimo. Ejercicios corporales.
Art. 4.º Cada uno de los tres grados en que queda dividida esta enseñanza,
abrazará todas las materias indicadas, distinguiéndose únicamente por la
amplitud del programa y por el carácter pedagógico y duración de sus ejerci-
cios; y se aplicará, con las modificaciones necesarias, a la organización de las

70 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Escuelas Públicas y a los establecimientos de naturaleza análoga.La distribu-
ción y extensión de las materias, dentro de cada uno de estos grados, así como
la distribución y duración de las clases, serán las que fijen los reglamentos.
(REAL DECRETO, 1901, p. 498)

El Real Decreto, por tanto, amplía el currículo de la enseñanza prima-


ria, a la que divide en párvulos, elemental y superior y considera que deben
estudiarse las mismas materias en todos los grados, aunque con diferente
profundidad.
En este Real Decreto, elaborado por un Ministro liberal, se advierte la
influencia de la ILE por establecer una Escuela única, dividida en tres grados,
de los cuales los dos últimos tienen que ser cursados por todos los niños y
niñas, pues se amplía la obligatoriedad de la enseñanza hasta los doce años y
se incluye la enseñanza primaria superior en ese tramo de edad; la enseñanza
cíclica, pues los contenidos de cada grado son los mismos y hay que profun-
dizar en ellos. Además, con la inclusión de las nuevas materias se pretende
la instrucción integral de la persona: científica, física, estética, moral (REAL
DECRETO, 1901, p. 497).
Los contenidos de matemáticas son Aritmética y Nociones de Geometría.
No se especifica más, pero supuso, además de cierta unificación de los grados
elemental y superior, incluir la geometría en todos los niveles.
El problema era la preparación de los maestros para planificar las ense-
ñanza de este currículo ampliado, algo para lo que no habían sido preparados
en las EENN, cuyos Programas databan de 1858. Este Plan de Estudios de la
enseñanza primaria estuvo en vigor hasta 1945.

La formación de maestros (1900-1936)


Una de las prioridades de la ILE era la mejora de la enseñanza prima-
ria y de la formación del magisterio, pieza clave en la renovación de la edu-
cación primaria: “Dadme el maestro y o abandono la organización, el local,
los medios materiales; cuantos factores, en suma, contribuyen a auxiliar su
misión. Él se dará arte para suplir la insuficiencia o los vicios de cada uno de
ellos” dijo Giner de los Ríos (1880) en la apertura del curso de la ILE. Esta
frase destaca la importancia que, en la ILE, se le daba a los maestros y a su
formación. Sin embargo, en el último tercio del siglo XIX, hay testimonios de

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 71


que la formación que se recibía en las EENN era deficiente. Estos testimonios
y las opiniones a favor de un cambio en el sistema de enseñanza del magisterio
no fueron suficientes y, a pesar de la existencia de un nuevo currículo en la
educación primaria (Real Decreto de 1901) los cambios en la formación del
magisterio se retrasaron, pues un sector social opinaba que, dado el abandono
y descrédito en que estaba la profesión de maestro, no se podía exigir mayor
nivel académico a los aspirantes a esta profesión. Los cambios en la formación
del magisterio se produjeron en dos fases y, al igual que en 1839, se creó pri-
mero (en 1909) una institución para la formación de los profesores de EENN,
la Escuela Superior del Magisterio (ESM) para, posteriormente, en 1914, aco-
meter la reforma de los Planes de estudio de las EENN. Estas dos fases y el Plan
de estudios de Magisterio del tiempo de la República van a ser comentadas en
este apartado.

1. La Escuela de Estudios Superiores del Magisterio


Uno de los problemas de las EENN, tanto masculinas como femeninas,
era la inestabilidad de su profesorado pues no se habían convocado oposi-
ciones durante muchos años, y el profesorado era interino, seleccionado sin
criterios adecuados. La Escuela Superior del Magisterio (ESM) posibilitó la
renovación y estabilización de la plantilla de profesores de las EENN y de la
inspección de primera enseñanza.
La ESM estuvo en funcionamiento entre 1909 y 1932. Fue una de las ins-
tituciones dependientes de la JAE con influencia del pensamiento de la ILE; los
estudiantes estaban en régimen de internado y, al acabar los estudios, podían
optar a plazas de profesorado de EENN o de la Inspección de enseñanza pri-
maria. María del Mar del Pozo (1989) ha estudiado el tipo de actividades
formativas que se realizaban en la ESM destacando su variedad y su carácter
innovador. Este tipo de formación influyó en que la ESM fuera una caja de
resonancia de las propuestas de la Escuela Nueva. María de Maetzu, directora
de la Residencia de Señoritas, dijo en relación con la ESM:

Durante muchos años nutrió de elementos jóvenes y muy valiosos el pro-


fesorado de nuestras Normales. Toda la renovación que se ha hecho en la
enseñanza en los últimos veinticinco años se debía a la inteligencia y el brío de

72 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


aquellos alumnos, que llevaron a todas las provincias de España las enseñan-
zas de sus ilustres maestros. (MAETZU WHITNEY, 1936, p. 122)

Y es que, más que los Planes de estudio, los artífices de las reformas en
las EENN fueron los antiguos alumnos de la ESM, los cuales crearon una aso-
ciación profesional, la Asociación del Profesorado de Escuelas Normales, crea-
ron y dirigieron revistas profesionales de gran influencia como la Revista de
Escuelas Normales, publicada por la Asociación del Profesorado de Escuelas
Normales o la Revista de Pedagogía, dirigida por Lorenzo Luzuriaga y que
fue el órgano de difusión en España de la Liga Internacional de la Educación
Nueva; también difundieron en España las ideas y realizaciones de la Escuela
Nueva, a través de traducciones, libros y artículos. Antiguos alumnos de la
ESM fueron algunos políticos del periodo de la Segunda República, entre los
que destaca Rodolfo Llopis, que fue Director General de Primera Enseñanza
entre 1931 y 1933.
En los veintitrés años de funcionamiento de la ESM la denominación de la
institución experimentó algunos cambios y se sucedieron siete Planes de estu-
dio (1909, 1911, 1913, 1914, 1919, 1921 y 1931); en todos ellos, para la espe-
cialidad de Ciencias hubo dos asignaturas matemáticas cuya denominación
fue variando; algunos de los títulos fueron Aritmética y Álgebra; Geometría
y Trigonometría; Metodología de las Ciencias Matemáticas; Complementos
de Matemáticas o, simplemente, Matemáticas (SÁNCHEZ JIMÉNEZ, 2015, p.
137-138).
El profesorado que impartió esas asignaturas era de nivel universitario
pero, como señala la profesora Encarna Sánchez Jiménez (2015, p. 141),

Observamos que los profesores encargados de las asignaturas de matemáti-


cas tienen formación matemática muy elevada y méritos demostrados, y que
algunos habían obtenido y ocupado cátedras de institutos de segunda ense-
ñanza. Sin embargo, no se les conoce ningún trabajo ni actuación que ponga
de manifiesto su interés por la metodología de las matemáticas.

De hecho, entre los trabajos realizados por estudiantes que consigna


María del Mar del Pozo Andrés (1989) solo hay uno sobre matemáticas.

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 73


Profesores de EENN que fueron alumnos de la ESM y estaban interesa-
dos en la enseñanza de las matemáticas, como José María Eyaralar o Felipe
Sáiz Salvat, se lamentaron de que, aunque la formación matemática recibida
era buena, faltaba formación en los aspectos didácticos, tanto dirigidos a las
escuelas primarias como a la formación de maestros (SÁNCHEZ-JIMÉNEZ,
2015).
En 1932 se creó la sección de Pedagogía de la Facultad de Filosofía y
Letras de la Universidad de Madrid y se suprimió la ESM por considerar que
ya no era necesaria. Sin embargo, los estudios de Pedagogía no cubrían las
finalidades de la ESM y, en particular, no abordaban la formación en metodo-
logía de las matemáticas que necesitaba un profesor de EENN.

2. El Plan Bergamín (1914)


En 1914, cuando habían salido tres promociones de la ESM, se publicó
el Real Decreto de 30 de agosto que reformaba los estudios en las EENN. A
este Plan de estudios se le conoce como Plan Bergamín, por el Ministro de
Instrucción Pública que lo firmó.
En este Plan se consideraba un único título de magisterio, desapare-
ciendo la división en maestros elementales y superiores. En consecuencia,
también se unifican las EENN que pasan a ser de un único tipo. Los años de
estudio aumentan a cuatro. En el artículo 15 y 16 están las materias a estudiar:
se incorporan asignaturas acordes con el Real Decreto de 1901 que había refor-
mado la enseñanza primaria.
En lo que se refiere a las matemáticas, las asignaturas son similares a las
que se estudiaban en los Planes anteriores: Nociones y ejercicios de Aritmética y
Geometría en primer curso; Aritmética y Geometría en segundo, y Álgebra en
tercer curso. En cuanto a las asignaturas pedagógicas, también eran similares,
aunque se añadió una Historia de la Pedagogía en cuarto curso. Se hicieron
más explícitas las condiciones de las Prácticas de enseñanza, que se hacían en
los dos últimos cursos.
Una novedad importante es el artículo 19, dedicado a la metodología de
las enseñanzas en las EENN; en él se establece que “todos los Profesores debe-
rán enseñar a sus alumnos la Metodología de sus respectivas asignaturas apli-
cada a la Escuela Primaria”.

74 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


La principal dificultad que se reconocía a la aplicación de este Plan fue
el nivel de entrada de los alumnos a estos estudios, pues la profesión de maes-
tro, aunque había mejorado en sus condiciones económicas con respecto a la
situación en el siglo XIX, continuaba siendo poco valorada y a ella aspiraban
aquellas personas que no podían realizar otro tipo de estudios.
Los nuevos profesores de las EENN, formados en la Escuela de Estudios
Superiores del Magisterio, fueron especialmente conscientes de estas defi-
ciencias, y así lo manifestaron en repetidas ocasiones (SÁNCHEZ JIMÉNEZ,
2015). El bajo nivel de entrada de los alumnos hacía que hubiera que dedicar el
tiempo de la formación al estudio de las materias escolares, a nivel de la ense-
ñanza primaria, en detrimento de la formación en las metodologías específi-
cas. Parecía que a lo más que podían aspirar las enseñanzas en las EENN era
a acercarse a los estudios de la educación secundaria, olvidando los aspectos
específicos de esta institución: el estudio de la metodología de los contenidos
de la enseñanza primaria, tal como establecía el artículo 19 del Plan Bergamín.
Los libros de texto de matemáticas para las EENN que escribieron algu-
nos de estos profesores tampoco prestaron atención a las cuestiones de meto-
dología de las matemáticas, pues eran obras que también se recomendaban
para la enseñanza secundaria. Hubo algunas excepciones como José María
Eyaralar o Felipe Sáiz Salvat, que sí incluyeron esas cuestiones en sus obras. Y
en sus publicaciones en revistas profesionales, estos autores insistieron en la
defensa del carácter profesional específico de las EENN. Saiz Salvat alertaba
del peligro de olvidarlo:

La totalidad de los Profesores de Normal y a pesar de lo indicado en el Real


Decreto de 30 de agosto de 1914, hacemos todo lo posible para que la ense-
ñanza de nuestros centros apenas se distinga de la enseñanza secundaria, con
lo cual justificamos la absorción suicida. (SÁIZ SALVAT, 1925, p. 95)

Y, en otro escrito, recordaba la responsabilidad del profesorado en la apli-


cación de la legislación sobre los estudios en las EENN: “El Estado no es cul-
pable de que la Normal de hoy no sea todo lo profesional que debe ser” (SÁIZ
SALVAT, 1924b, p. 205).
La “Asociación del Profesorado de Escuelas Normales” realizó propuestas
de reforma de los estudios de Magisterio en las que se pedía elevar el nivel de

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 75


entrada a los estudios de Magisterio, acercándolos a los universitarios, reforzar
el carácter de enseñanza profesional de esos estudios y prestar mayor atención
a las metodologías específicas. Estas aspiraciones se consiguieron durante la
Segunda República, cuando Rodolfo Llopis fue nombrado Director General
de Primera Enseñanza, siendo Ministro de Instrucción Pública un maestro,
Marcelino Domingo.

3. El Plan de estudios de la República (1931)


El 29 de septiembre de 1931, cinco meses después de ser proclamada la
Segunda República en España, el Ministerio de Instrucción Pública y Bellas
Artes publicó un Decreto por el que se reorganizaban los estudios en las EENN,
recogiendo, en buena parte, las propuestas de la “Asociación del Profesorado
de Escuelas Normales”.
El Decreto conservaba la duración de los estudios en cuatro años, dedi-
cando el último a prácticas en escuelas primarias, prácticas que eran remu-
neradas. Pero elevaba el nivel de entrada en los estudios de Magisterio pues
exigía el título de Bachiller. El Decreto consideraba tres periodos en la forma-
ción del Magisterio (artículo 1): uno de cultura general, que se realizaba en los
institutos de segunda enseñanza y que culminaba con la obtención del título
de Bachiller; un segundo periodo de formación profesional, que tenía lugar en
las EENN; y un tercero de práctica docente en las escuelas primarias. Se unifi-
caban las Escuelas Normales masculinas y femeninas, pasándose a un régimen
de coeducación. Había un número de plazas limitado y se ingresaba según los
resultados de un examen de acceso.
Este Plan de estudios es conocido como el Plan Profesional; ya no se
estudiaba en las EENN las materias de la educación primaria, aspecto que era
fundamental en los Planes anteriores, sino que las asignaturas se referían a
las metodologías correspondientes, además de haber prácticas de enseñanza
ligadas a esas asignaturas metodológicas.
Hay que tener en cuenta que la Metodología de las Matemáticas tuvo un
peso reducido, en relación con otras asignaturas metodológicas, pues solo se
estudiaba durante un curso y no se diferenció entre la metodología de la arit-
mética y la de la geometría, por ejemplo, mientras que sí se hizo en otras mate-
rias, como Geografía e Historia que se dividieron en dos asignaturas.

76 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Ese Plan Profesional suponía un cambio muy importante en los estudios
de Magisterio, pues cambiaba la orientación de las asignaturas. Era lo que
habían propuesto grupos de profesores, ligados a la Asociación del Profesorado
de Escuelas Normales y que solían publicar en la Revista de Escuelas Normales;
estos profesores habían reflexionado sobre la situación de las EENN y los posi-
bles medios para mejorarlas, pero sus propuestas eran parciales, no se habían
planteado la organización de una asignatura. Y otros muchos profesores reco-
nocían que les faltaba preparación para planificar e impartir una asignatura de
este tipo.
En la configuración de las asignaturas de Metodología se dio un pro-
ceso interesante; en julio de 1932, el Director General de Primera Enseñanza
convocó unos Cursillos de información sobre cada una de estas asignaturas. A
esos cursillos asistieron profesores que las habían impartido el curso anterior
junto con profesores universitarios y otros expertos en las diferentes materias;
en el caso de la Metodología de las Matemáticas asistieron investigadores del
Instituto Matemático, dependiente de la JAE. En la reunión se comentaron
las experiencias con esa nueva asignatura y se elaboraron Cuestionarios para
cada una de ellas. Los Cuestionarios eran orientativos y, según el Reglamento
de Escuelas Normales de 1933, “Los profesores redactarán sus programas en
armonía con los cuestionarios oficiales, que se revisarán periódicamente por la
Dirección General de Primera Enseñanza, oyendo al profesorado de Escuelas
Normales”.
Los aspectos que, según los asistentes a los Cursillos, debían tratarse en la
asignatura de Metodología de las Matemáticas eran variados. Sanchez Jiménez
(2015, p. 320) los resume así:

el conocimiento de los problemas actuales de la disciplina, el “concepto de la


ciencia” y la psicología infantil, para elaborar una didáctica asimismo especí-
fica (métodos de enseñanza, procedimientos, material...), [...] pautas u orien-
taciones para elaborar los programas escolares de primaria. [El alumno] debía
tener, por un lado, una perspectiva de la matemática actual y de sus aplica-
ciones, y también un conocimiento de los métodos de la propia ciencia mate-
mática; por otro lado, conocimientos psicológicos, pedagógicos y específicos
de la didáctica de la matemática, lo que engloba técnicas didácticas, así como
dispositivos materiales, y elaboración de programas.

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 77


Al ser la Metodología de las Matemáticas una disciplina nueva, la inter-
pretación que los profesores dieron a estos aspectos fue diferente, como se
advierte en los libros de texto que algunos de ellos elaboraron para la asig-
natura. Alguno de los textos, los más completos, tuvieron en cuenta tanto
la experiencia previa de sus autores como profesores de Matemáticas en las
EENN y, en particular, de la asignatura de Metodología de las Matemáticas,
como las indicaciones de los Cuestionarios; son las obras de José María Eyaralar
Almazán (1933), Felipe Sáiz Salvat (1931) y Luis Paunero Ruiz (1935). Otros
profesores publicaron obras en las que se trataban aspectos parciales como en
las de Francisco Romero Carrasco (1933) y Manuel Xiberta Roqueta (1934);
otras eran más divulgativas, como las de Margarita Comas CAMPS. (1932a) o
Aurelio Rodríguez Charenton (1930)7.
La formación recibida en la ESM había preparado al profesorado de
EENN para dar importancia a los principios de la Escuela Nueva, a la intui-
ción y la experimentación, y habían visto, en algunas asignaturas, cómo se
podía llevar a la práctica estas propuestas en las escuelas primarias. Algunos
profesores comentaron sus ideas y experiencias en artículos de revistas, como
Margarita Comas Camps (1934), José María Eyaralar Almazán (1924, 1925a,
1925b, 1926a, 1926b, 1926c, 1927, 1928a, 1928b, 1930), Luis Paunero Ruiz
(1932, 1933) o Felipe Sáiz Salvat (1924a, 1924b, 1025); estas publicaciones
constituyen otro índice de la formación en Metodología de las Matemáticas
que recibía el alumnado de las EENN.
También publicaron algunos profesores de EENN libros de matemáticas
dirigidos a las escuelas primarias y a sus maestros, y en ellos se encuentran
indicaciones metodológicas de distinto tipo. Los libros de este tipo más inno-
vadores fueron los de Margarita Comas Camps (1928, 1932b) y los de Aurelio
Rodríguez Charentón (193?a, 193?b); esos libros se difundieron también entre
el profesorado de las EENN y pudieron servir de referencia en la planificación
de la asignatura de Metodología de las Matemáticas y, por ello, también son
indicativos de los contenidos que se impartieron en las EENN.
El Plan Profesional recibió críticas por parte del profesorado de las EENN,
incluso de aquellos que lo defendían. La ampliación de los años de estudio y la
exigencia del título de Bachiller hizo que, en muchas EENN, no se cubrieran

7 . Un análisis de estos textos se encuentra en Sánchez Jiménez (2015, p. 313-359).

78 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


las plazas ofertadas: el grupo social que había nutrido estas instituciones no
tenía el nivel suficiente; y tampoco estaban claras las ventajas de esta profesión.
Por ello, personas relacionadas con el Magisterio, opinaban que la formación
de cultura general debería volver a las EENN, ampliando el tiempo de perma-
nencia en las mismas (SÁNCHEZ JIMÉNEZ, 2015). Otro tipo de dificultad
fue la falta de preparación de un sector del profesorado de EENN que no sabía
cómo plantear una asignatura metodológica. En la asignatura de Metodología
de las Matemáticas el problema aumentaba por el escaso número de horas pre-
visto en los Planes de estudio.
Estas dificultades se podrían considerar normales en unos estudios y
unas asignaturas tan novedosas y el profesorado expresaba su confianza en
que se pondría remedio a las mismas. Pero la Guerra Civil de 1936 puso fin a
la República y a estos Planes de estudio, cuando solo habían terminado las dos
primeras promociones de estudiantes.

Las Matemáticas y la profesión docente


En este trabajo se han presentado dos momentos de la historia de España
en los que se ha cambiado el currículo y la organización de la enseñanza pri-
maria con el objetivo de mejorarla. En ambas situaciones, se han ligado estas
innovaciones con una reforma del sistema de formación de maestros. Y esa
reforma comenzó, en los dos casos analizados, con la creación de instituciones
para formar a los profesores de EENN (la Escuela Normal Central y la Escuela
Superior del Magisterio, respectivamente). Las propuestas para los planes de
estudio nuevos suponían cambios en el currículo de esos centros que indican
la evolución que han seguido los estudios de Magisterio en España entre 1838
y 1936.

Los saberes de la profesión docente


Para el análisis de la evolución de los estudios de Magisterio, o de cual-
quier otra profesión docente, hay que determinar qué saberes se consideraban
necesarios para la formación en esa profesión. Los trabajos de Shulman (1987),
que pusieron de relieve la existencia de siete categorías de conocimientos nece-
sarios para la profesión docente y, entre ellas, la importancia del conocimiento

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 79


pedagógico del contenido (Pedagogical Content Knowlwdge- PCK) han abierto
una línea de investigación sobre la que se puede encontrar un resumen en el
capítulo introductorio del libro de Hofstetter y Schneuwly (2007), “Savoirs en
(trans)formation. Au coeur des professions de l’enseignement et de la formation”.
Particularizado al ámbito de las matemáticas se encuentran las aporta-
ciones de Ball, Thames y Phelps (2008) que introducen la noción de conoci-
miento matemático para la enseñanza (Mathematical Knowledge for Teaching,
MKT), es decir, los conocimientos matemáticos necesarios para la enseñanza
de las matemáticas; Ball, Thames y Phelps han establecido cuatro dominios
dentro del MKT: el conocimiento común del contenido (common content
knowledge, CCK); el conocimiento especializado del contenido (specialized
content knowledge, SCK); el conocimiento del contenido y de los estudiantes
(knowledge of content and students, KCS); y el conocimiento del contenido y la
enseñanza (knowledge of content and teaching, KCT).
Desde la Teoría Antropológica de lo Didáctico se ha trabajado a partir de
la tesis de Cirade (2006), que diferencia entre entre Matemáticas a enseñar, es
decir las matemáticas que figuran en el currículum oficial; Matemáticas para el
enseñante, que son las que un profesor debe conocer para poder comprender
los contenidos del programa de estudios; y Matemáticas para la enseñanza, las
que construye el profesor cuando se cuestiona las razones de ser de un conoci-
miento del currículo escolar.
Por su parte, Valente (2018) afirma que los saberes profesionales han sido
construidos, históricamente, en el seno de la profesión y, por tanto, el interés
de conocer los procesos y las dinámicas mediante las cuales se han construido
los saberes específicos de la profesión de enseñante. En particular, a partir de
los trabajos de Hofstetter y Schneuwly (2007, p. 198), destaca el proceso de
constitución de la matemática a enseñar y de la matemática para enseñar y su
articulación en la formación de profesores que enseñan matemáticas: la mate-
mática a enseñar y la matemática para enseñar son categorías históricas.
Para estructurar este apartado del trabajo se han utilizado estas ideas. También
se ha tenido en cuenta que, en una institución de formación de profesores, viven,
en ausencia, otras instituciones educativas, aquellas en las que van a realizar su
actividad profesional como es la escuela en el caso de los maestros: su currículum
y organización sirve de referente. De acuerdo con Hofstetter y Schneuwly (2007) se
ha considerado que el saber a enseñar es el que deberán enseñar en la escuela. En

80 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


cuanto al saber para enseñar, se han utilizado las categorías de Baumert y Kunert
(2016, citado en HOFSTETTER; SCHNEUWLY, 2007), quienes consideran que
la tipología de Shulman puede ser reducida a un esquema triádico: saberes de las
ciencias disciplinares; saberes de las didácticas disciplinares; saberes pedagógicos.
Se consideran, por tanto, las siguientes categorías:
1) saber a enseñar: es decir, “los saberes que son objeto de su trabajo”
(HOFSTETTER, SCHNEUWLY, 2007, p. 17-18); están determinados
por las leyes, los planes de estudio, las indicaciones oficiales, los libros
de texto de la enseñanza primaria, los materiales complementarios.
2) saber para enseñar: los saberes que son “las herramientas de su trabajo”.
Se han diferenciado tres tipos:
2a) saberes de las ciencias disciplinares: matemáticas para enseñar:
profundización en los contenidos de la enseñanza primaria; razones
de ser de los conocimientos; técnicas alternativas y su justificación;
2b) saberes de las didácticas disciplinares: metodología de las
matemáticas;
2c) saberes pedagógicos: teoría e historia de la educación; organiza-
ción escolar; psicología infantil; psicología del aprendizaje; prácticas
de enseñanza (HOFSTETTER, SCHNEUWLY, 2007, p. 18).
Esta caracterización va a permitir detectar las líneas de desarrollo, en
España, de los saberes ligados a la profesión de maestro, en tanto que enseña
matemáticas en la escuela primaria, a partir de lo legislado para su formación
inicial. Es el objeto del siguiente apartado.

La formación del maestro para enseñar


matemáticas en España
Los saberes que, en España, se han considerado necesarios para ejercer la
profesión de maestro y, en particular, para enseñar matemáticas en las escuelas
primarias, han ido evolucionando desde el siglo XVIII.
En el siglo XVIII, los exámenes de maestro se referían, exclusiva-
mente, a los contenidos de la enseñanza primaria, es decir, al saber a enseñar
(CARRILLO GALLEGO, 2005).

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 81


A partir de 1838, los Planes de estudio de las EENN indican que se con-
sideraba que los maestros debían conocer, además de los contenidos de la
enseñanza primaria (el saber a enseñar), otros saberes profesionales que, por
primera vez, forman parte de su formación inicial. Y así, aparecen nuevas asig-
naturas cuyo título en los primeros Planes fue “Principios de educación, siste-
mas y métodos de enseñanza”. El contenido es estas asignaturas se refería a tres
aspectos: a) Principios de pedagogía; b) Organización escolar y c) Métodos de
enseñanza (p.e., metodología de la aritmética).
Las cuestiones relativas a la metodología de las matemáticas, aparecen en
el Curso de Educación de Montesino (1988) y se recogen, con igual o menor
extensión en los libros que se editaron posteriormente para las asignaturas
pedagógicas de las EENN. Estas cuestiones eran: a) consideraciones sobre el
interés de la enseñanza de las matemáticas; b) distribución de los contenidos
aritméticos en los sistemas simultáneo y mutuo; c) la iniciación en la aritmé-
tica, según Pestalozzi; d) descripción de una técnica de cada algoritmo de las
operaciones. Pero sin justificación.
Ni en las asignaturas matemáticas ni en las pedagógicas se abordaban
aspectos relacionados con las matemáticas para enseñar, pues no se estudia-
ban las razones de ser de los contenidos matemáticos de la escuela primaria
y las técnicas que se comentaban (por ejemplo, los algoritmos de las opera-
ciones aritméticas) se presentaban como la única forma posible de realizar
esa tarea, sin presentar técnicas alternativas ni estudiar la justificación de la
técnica propuesta.
En el Programa general de estudios de las EENN, de 1858, que adapta los
estudios de estos centros a la Ley de Instrucción Pública de 1857, se consolida
una cierta ampliación de los contenidos de la enseñanza primaria con la inclu-
sión de contenidos de Álgebra, lo que unido al tipo de libros de texto que se
aprobaron, supuso un acercamiento a la enseñanza secundaria. Pero no había
un estudio de la matemática para enseñar en la escuela primaria, pues no se
profundizaba en los contenidos matemáticos de ese nivel; siguen estudiándose
técnicas sin justificarlas ni ver posibles alternativas. En cuanto a los saberes
profesionales no hubo cambios con respecto a 1838.
En el Plan de estudios de 1914, las asignaturas matemáticas son simila-
res a las de Planes anteriores; sus contenidos son los correspondientes a las
materias de la enseñanza primaria con un agregado de Álgebra; son el saber

82 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


a enseñar. Pero las leyes introducen, como apéndice de cada asignatura mate-
mática, consideraciones metodológicas sobre la planificación de la enseñanza
correspondiente en la escuela primaria. Se amplían, por tanto, las cuestiones
relativas al saber para enseñar, aunque, en la práctica, esa parte del programa
no se implementase.
Algunos libros de texto de Matemáticas, escritos por profesores de EENN
que impartían estas asignaturas, inician un cambio en la orientación de la
formación matemática de los futuros maestros, en el saber para enseñar que
se podía estudiar en las EENN. Por ejemplo, Eyaralar Almazán (1922, 1932;
SÁNCHEZ JIMÉNEZ; CARRILLO GALLEGO, 2018) incluye consideraciones
sobre la metodología de las matemáticas en las escuelas primarias, tal como
establece el Plan de estudios de 1914; interesa destacar que apoya estas indi-
caciones en reflexiones sobre los contenidos, sobre las razones de ser de los
mismos; presenta técnicas alternativas de los algoritmos y justificaciones de las
técnicas; es decir, se plantea el estudio de cuestiones relativas a la matemática
para enseñar como base para las consideraciones metodológicas.
Según el Plan Profesional de 1931, no se estudiaba en las EENN las mate-
rias de la enseñanza primaria, el saber a enseñar, pues se suponía conocido. Los
estudios en las EENN están centrados en el saber para enseñar en sus diversas
dimensiones. Por un lado, aumentan las asignaturas de contenido psicopeda-
gógico, y, por otro, se introduce una asignatura específica sobre Metodología de
las Matemáticas; esta asignatura tiene objetivos muy diversos, pues en ella se
quería realizar una reflexión sobre los contenidos matemáticos de la enseñanza
primaria (razones de ser, análisis de las técnicas utilizadas), dar indicaciones
sobre la planificación de la enseñanza de las matemáticas en la enseñanza pri-
maria, y contrastar lo aprendido con actividades prácticas realizadas en las
escuelas primarias.
En resumen, en el periodo que consideramos (1838-1936) los saberes
profesionales de los maestros como enseñantes de matemáticas en las escuelas
primarias sufrieron una evolución.
En lo que se refiere al saber a enseñar, se dio una progresiva exigencia
de profundización en los contenidos matemáticos de la enseñanza primaria,
acercándolos a los de la enseñanza secundaria y proporcionando, así, mayor
prestigio a la profesión de maestro. A partir de 1931, el saber a enseñar no es

Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 83


un objetivo en las EENN, se da por supuesto, pues se debía haber adquiridos
en los institutos de educación secundaria.
El estudio del saber para enseñar, ausente en los exámenes de maestro
del Antiguo Régimen, fue una de las características propias de las EENN. A lo
largo del periodo, estos saberes evolucionaron en sus tres componentes (mate-
máticas para enseñar, metodología de las matemáticas, saberes pedagógicos).
La evolución fue más evidente en las dos primeras componentes, desde que el
Plan de 1914 incorporó aspectos metodológicos a las asignaturas matemáticas,
propiciando que, algunos profesores de EENN, plantearan cuestiones relativas
a las matemáticas para enseñar, hasta el Plan Profesional de 1931, en el que se
configuró la Metodología de las Matemáticas como asignatura autónoma. De
todas formas, al finalizar la vigencia del Plan de 1931 por la Guerra Civil, la
incorporación en los estudios de Magisterio de la matemática para enseñar o
de la metodología de las matemáticas era un proceso incipiente, no extendido a
la generalidad del profesorado de EENN.

El proceso de construcción de un campo


disciplinar; la Didáctica de las Matemáticas
Antonio Viñao Frago (2006, p. 267) considera que “el elemento clave,
que configura, organiza y ordena una disciplina es el código disciplinar”, que
controla la formación, la selección y el trabajo de los profesionales asociados
a dicha disciplina. En el código disciplinar se pueden diferenciar tres compo-
nentes: “un cuerpo de contenidos (saberes, conocimientos, destrezas, técnicas,
habilidades), un discurso o argumentos sobre el valor formativo y la utilidad
de los mismos, y unas prácticas profesionales” (VIÑAO FRAGO, 2006).
El proceso seguido por el saber para enseñar matemáticas en los estu-
dios de Magisterio, entre 1838 y 1931 en España, evoca el subtítulo de la obra
de Burke (2017), Cómo la información dispersa se ha transformado en saber
consolidado a lo largo de la historia pues la acumulación de conocimiento
y prácticas relacionadas con la enseñanza de las matemáticas en las escuelas
primarias y en la formación del magisterio, cristalizó en una nueva asignatura
en los estudios de las EENN, la Metodología de las Matemáticas. Podría ser
un proceso de constitución de una nueva disciplina (BURKE, 2017), con ese
título o con el, más actual, de Didáctica de las Matemáticas, y las acciones de

84 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


preparación y formulación de la asignatura por medio de discusiones entre los
profesores, elaboración de libros de texto y publicaciones en revistas, haber
dado lugar a un proceso de profesionalización (BURKE, 2017) de profesores
que enseñan matemáticas a los maestros.
Pero no se dieron las condiciones suficientes. El final abrupto del Plan
de estudios y su corta duración impidió el acuerdo del profesorado sobre los
contenidos del campo disciplinar en sus diferentes dimensiones y sobre las
prácticas docentes. Tampoco se había planteado las características de los pro-
fesionales y su selección. Antonio Viñao Frago (2006, p. 263) comenta que Ivor
F. Goodson,

distingue entre asignaturas o materias y disciplinas para indicar cómo la con-


versión de las primeras en las segundas constituye el rasgo fundamental del
proceso de academización, formalización y abstracción que, junto con la for-
mación de comunidades disciplinares, caracteriza la formación de las disci-
plinas escolares.

La evolución del saber a enseñar, comentada en este trabajo, tuvo como


resultado, no la formación de una disciplina escolar, sino de una asignatura,
una protodisciplina, en palabras de Antonio Viñao Frago.

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Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 85


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Renovando las matemáticas escolares por medio de la formación del magisterio 89


2 A formação de professores
que ensinam Matemática –
História e perspectivas atuais

Adair Mendes Nacarato8


Luzia Aparecida de Souza9
Maria Célia Leme da Silva10

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente capítulo tem por objetivo sintetizar a proposta de discussão
apresentada e debatida na mesa-redonda intitulada “A formação de profes-
sores que ensinam matemática – história e perspectivas atuais”, durante o IV
Enaphem. A ideia de retomar os temas – formação de professores que ensinam
matemática e história da educação matemática – já presentes no III Enaphem11

8 Universidade São Francisco. Programa de Pós-Graduação em Educação. E-mail: ada.


nacarato@gmail.com.
9 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Programa de Pós-Graduação em Educação
Matemática. Email: luapso@gmail.com.
10 Universidade Federal de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde
na Infância e na Adolescência. E-mail: celia.leme@unifesp.br
11 O III ENAPHEM – Encontro Nacional de Pesquisas em História da Educação Matemática,
realizado em 2016 com a temática “História da educação matemática e formação de

91
indica a complexidade em interlaçar estudos sobre as duas temáticas, conside-
radas ambas áreas de investigação num processo crescente de produção nas
últimas décadas, em particular, a partir do século XXI.
Para a quarta edição do evento, destacam-se o convite e a presença da
professora Adair Mendes Nacarato, especialista em formação de professores
que ensinam matemática e participante de projetos de âmbito nacional acerca
da temática desenvolvidos pelo Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação
de Professores − GEPFM, para dialogar mais proximamente com as pesqui-
sas em história da educação matemática. Do mesmo modo, considera-se rele-
vante a participação da professora Luzia Aparecida de Souza como integrante
do Grupo de Pesquisa História Oral e Educação Matemática − GHOEM, que
desenvolve projeto nacional sobre o mapeamento da formação e a atuação
de professores que ensinam matemática e coordenadora do Grupo HEMEP,
atuando especificamente no Mato Grosso do Sul. A contribuição da terceira
autora foi como mediadora da mesa, no propósito de ampliar o debate.
O capítulo está organizado pela ordem das respectivas falas, seguido
do debate desencadeado pela coordenação da mesa e, finalmente, algumas
reflexões.

DISSERTAÇÕES E TESES SOBRE A


FORMAÇÃO DO PROFESSOR QUE ENSINA
MATEMÁTICA NO BRASIL (1978 – 2012)
A pesquisa no campo da formação de professores que ensinam matemá-
tica vem crescendo de forma significativa nas últimas décadas. Os participantes
do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores – GEPFPM/
FE/Unicamp12 já realizaram dois grandes mapeamentos dos trabalhos de dis-
sertações e teses que têm como foco o professor que ensina matemática. No
primeiro mapeamento relativo ao período de 1978 a 2001, havia 112 traba-
lhos; no segundo, de 2001 a 2012 foram identificados 858 trabalhos, o que

professores”, título do livro organizado por Bruno Alves Dassie e David Antonio da Costa
e publicado em 2018.
12 Grupo interinstitucional, com sede na Faculdade de Educação da Universidade Estadual
de Campinas (FE/Unicamp), que congrega pesquisadores de cinco universidades pau-
listas: Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Universidade Estadual Paulista
(Unesp/Rio Claro); Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Pontifícia Universidade
Católica de Campinas (PUC-Campinas); Universidade São Francisco (USF).

92 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


evidencia o crescimento expressivo das pesquisas. De 2012 para cá, com cer-
teza, esse número é muito maior, dadas as seguintes hipóteses: aumento signi-
ficativo no número de programas de pós-graduação na área de Educação e de
Ensino; a maioria dos programas tem a linha de pesquisa voltada à formação
docente; e nos últimos anos programas como o Programa de Incentivo a Bolsa
de Iniciação à Docência (PIBID) e o Observatório da Educação (Obeduc) têm
gerado muitas pesquisas no campo da formação.
Por pesquisas de mapeamento entendemos

processo sistemático de levantamento e descrição de informações acerca das


pesquisas produzidas sobre um campo específico de estudo, abrangendo um
determinado espaço (lugar) e período de tempo. Essas informações dizem
respeito aos aspectos físicos dessa produção (descrevendo onde, quando
e quantos estudos foram produzidos ao longo do período e quem foram os
autores e participantes dessa produção), bem como aos seus aspectos teórico-
-metodológicos e temáticos. (FIORENTINI et al.,2016, p. 18)

Esses mapeamentos têm possibilitado compreender: como esse campo de


inquérito vem se constituindo; quais são as tendências dominantes; quais os
focos de investigação; quais os principais referenciais teóricos e metodológicos;
e quais os resultados apontados que poderiam contribuir para os programas de
formação inicial e continuada e as políticas públicas. Eles também possibilitam
compreender as lacunas existentes e as fragilidades metodológicas, alinhando-
-se a uma literatura mundial (ANDRÉ, 2011; ROLDÃO, 2007) que aponta as
dificuldades para um consenso sobre o objeto de pesquisa quando se trata da
formação docente.
Podemos destacar as dificuldades desse tipo de pesquisa: como fazer a
consulta no banco de dados; quais descritores utilizar; nem sempre os traba-
lhos estão disponíveis na íntegra, exigindo que se acesse a página de cada pro-
grama; a simples leitura do resumo não é suficiente para determinar se o texto
fará ou não parte do escopo da pesquisa.
Outro limitador de pesquisas de mapeamento que tomam as disserta-
ções e as teses como corpus de investigação acaba deixando de lado outras
modalidades de pesquisa, principalmente aquelas realizadas em grupos de
pesquisa e que são divulgadas em capítulos de livro ou artigos em periódicos.

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 93


No entanto, acabamos nos limitando a dissertações e a teses por serem textos
mais completos, visto que capítulos ou livros sempre têm um espaço reduzido
para produção, o que não possibilita uma descrição mais detalhada dos traba-
lhos considerados no corpus de investigação.
Finalmente, é sempre possível que trabalhos produzidos no período deli-
mitado na pesquisa fiquem fora do corpus por não terem sido localizados.
As reflexões aqui apresentadas são decorrentes dos dois mapeamentos rea-
lizados pelo GEPFPM. Com relação ao primeiro mapeamento (FIORENTINI
et al., 2002), o Quadro 1 traz uma síntese do total de trabalhos identificados
por décadas.

Quadro 1 – Trabalhos sobre formação de professores (1978-2001)

Década Total de trabalhos


1970 7
1980 22
1990 62
2000 21

Fonte: Fiorentini et al. (2002)

Os primeiros estudos tiveram início em 1978, e os 12 primeiros foram


produzidos no programa temporário (vigorou de 1975 a 1984) de Mestrado
em Ensino de Ciências e Matemática, realizado no IMECC/UNICAMP, em
convênio com o MEC-PREMEM-OEA13. Foram estudos que relataram e ana-
lisaram experiências e inovações na formação de professores, sendo cinco na
formação inicial e sete na continuada. Predominava nessa época a concepção
de cursos de treinamento de professores. Importante destacar que, nesse perí-
odo, ainda não existia a consolidação de linhas e grupos de pesquisas, como
se configuram atualmente, e as pesquisas ainda estavam atreladas a modelos

13 MEC/PREMEM-OEA: Ministério da Educação e Cultura/Programa de Expansão e Melhoria


do ensino e Organização dos Estados Americanos. “Fiorentini (1994) afirma que o mes-
trado em Ensino de Ciências e matemática foi um ‘divisor de águas’ para a Educação
Matemática. Apesar de ter sido temporário, formando quatro turmas, resultou na defesa
de 28 dissertações, contribuindo para a expansão e o fortalecimento da área” (CECCO
et al., 2017, p. 751 , grifo do autor).

94 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


positivistas, muitas delas ainda de abordagem quantitativa, com estudos de pré
e pós-teste.
No entanto, à medida que as décadas avançam, é possível identificar um
aumento significativo no número de pesquisas, provavelmente decorrente de
dois fatores: aumento do número de programas e pós-graduação e reconhe-
cimento do professor como elemento central nos projetos de reforma edu-
cacional. As pesquisas passam a ter abordagem qualitativa, articuladas com
o campo educacional. Isto é, as tendências que marcavam as pesquisas na
formação docente em geral eram apropriadas pelas pesquisas em educação
matemática.
Nesse período (1978-2001), havia um predomínio das dissertações de
mestrado; quanto às teses, as instituições de destaque foram: Unicamp, USP,
Unesp/Rio Claro e PUC-SP, todas no estado de São Paulo.
Tanto na formação inicial quanto na continuada, o maior foco foi na aná-
lise de projetos, programas e cursos. Na formação inicial, o segundo maior
destaque foi o Estágio Supervisionado; poucas pesquisas centradas em outras
disciplinas da formação inicial foram produzidas; e houve quase ausência de
pesquisas voltadas aos professores dos anos iniciais (apenas quatro). Na for-
mação continuada, a segunda maior ênfase foi nas pesquisas em grupos cola-
borativos. Sem dúvida, isso foi um reflexo das discussões a partir da segunda
metade da década de 1990, quando as ideias de grupos colaborativos emergi-
ram e ganharam força no País. No caso específico do GEPFPM, os pesquisa-
dores foram influenciados por trabalhos como os do Grupo de Trabalho de
Investigação − GTI, de Portugal14, além das publicações de Andy Hargreaves e
colaboradores. Coelho (2017) sistematiza algumas pesquisas que foram desen-
volvidas no período de 2002-2012 com foco em grupos colaborativos. Uma
evidência da força dos grupos colaborativos está na constituição do Simpósio
Nacional de Grupos Colaborativos e de Aprendizagem do Professor que ensina
Matemática, cuja quarta edição ocorreu em 2018, em Vitória da Conquista,
Bahia.

14 O texto de Ana Maria Boavida e João Pedro da Ponte, “Investigação colaborativa: po-
tencialidades e problemas”, publicado em Reflectir e investigar sobre a prática profis-
sional. Organização GTI – Grupo de Trabalho de Investigação. Lisboa: Associação de
Professores de Matemática, 2002, p. 43-55 foi referência para alguns trabalhos publica-
dos no início da década de 2000.

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 95


As principais sínteses desse mapeamento (1978-2001), no que diz res-
peito à formação inicial (FIORENTINI et al., 2002) foram:
• Desarticulação entre teoria e prática, entre formação específica e peda-
gógica e entre formação e realidade escolar.
• Menor prestígio da licenciatura em relação ao bacharelado.
• Ausência de estudos histórico-filosóficos e epistemológicos do saber
matemático.
• Predominância de uma abordagem técnico-formal das disciplinas
específicas.
• Falta de formação teórico-prática em Educação Matemática dos for-
madores de professores.
Quanto à formação continuada, os resultados sinalizaram para:
• Os trabalhos nas décadas de 1970 e 80 se baseavam em terminologias
como: treinamento, reciclagem e até “adestramento”.
• Forte influência da psicologia comportamentalista ou cognitivista.
• Uso de técnicas para a formação, como: uso de materiais concretos,
recursos audiovisuais, videoteipes, resolução de problemas.
• Preocupação em validar processos tidos como científicos, com estudos
experimentais, pré-testes e pós-testes, tratamento estatístico.
• Formação baseada no paradigma da racionalidade técnica.
As pesquisas desse primeiro período também possibilitaram a identifi-
cação da virada paradigmática nos anos 1990, com a emergência de conceitos
como: professor reflexivo, professor pesquisador, pensamento do professor.
Foi uma virada epistemológica e também em relação aos modos de produção
de conhecimentos para a prática pedagógica. Os professores das escolas pas-
saram a ser vistos como produtores de conhecimentos, detentores de saberes
experienciais. Já se anunciava a perspectiva de virada de pesquisas para profes-
sores para pesquisas com professores.
Em sua conclusão, o mapeamento de (1978-2001) apontou:

Esses estudos nos mostram que o campo de pesquisa ligado à formação con-
tinuada do professor a partir da prática profissional – o qual envolve saberes,

96 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


habilidades, competências, pensamento e práticas – é um terreno ainda
praticamente inexplorado, pois a maioria dos saberes didático-pedagógicos
veiculados pela Educação Matemática são saberes oriundos das ciências edu-
cativas, produzidos quase exclusivamente sob o paradigma da racionalidade
técnica. A sistematização de conhecimentos produzidos a partir da prática
profissional pode trazer contribuições relevantes para a formação inicial mais
articulada com as realidades escolares. (FIORENTINI et al., 2002, p. 158-9)

Para realização do segundo mapeamento, o GEPFPM coordenou um


projeto na linha de financiamento Universal/CNPq, intitulado “Mapeamento
e estado da arte da pesquisa brasileira sobre o professor que ensina Matemática
(2001–2012)”. O projeto teve por objetivo “mapear, descrever e sistematizar
as pesquisas brasileiras que têm como foco de estudo o Professor que Ensina
Matemática (PEM)”. Este projeto foi desenvolvido no período de 2013 a 2016,
tendo contado com a colaboração de 32 pesquisadores, envolvendo todas as
regiões do Brasil. O corpus de análise foi constituído de 858 estudos de disser-
tação/tese de mestrado/doutorado produzidos em programas de pós-gradua-
ção stricto sensu das áreas de Educação e Ensino, da Capes.
Esse segundo mapeamento, ao recortar o período 2001-2012, acabou pro-
vocando a sobreposição de alguns trabalhos pertencente ao primeiro mapea-
mento, mas o grupo considerou que seria mais prudente ter essa sobreposição
do que deixar trabalhos fora do corpus, pois como então era a equipe maior,
isso poderia ampliar as possibilidades de encontrar mais trabalhos produzidos.
Os trabalhos foram organizados em quatro eixos temáticos: formação
inicial, formação continuada, formação inicial e continuada e outros contex-
tos. A Figura 1 ilustra como os eixos foram organizados.

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 97


Figura 1: PEM (Professores que ensinam matemática) como campo de estudo
Formação inicial (FI), formação continuada (FC), formação inicial e continuada (FIC) e outros
contextos e aspectos e seus possíveis focos de estudo.

Fonte: Fiorentini et al., 2016, p. 27

A distribuição geográfica dos 858 trabalhos selecionados para compor o


corpus do mapeamento é apresentada no Quadro 2.

Quadro 2– Trabalhos distribuídos por Região

Região Total de trabalhos


São Paulo 349
Sul 131
Nordeste 110
Centro-Oeste 86
Rio de Janeiro/Espírito Santo 71
Minas Gerais 60
Norte 51
Total 858
Fonte: Fiorentini et al., 2016

98 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Esse total de trabalhos foi produzido em 85 diferentes instituições brasi-
leiras, nas seguintes modalidades:
• 96 dissertações de mestrado profissional;
• 584 dissertações de mestrado em programas de mestrado acadêmico;
• 178 teses de doutorado.
Na síntese final do mapeamento, Nacarato et al. (2016) destacaram os
principais resultados da pesquisa, sintetizados a seguir.
O mapeamento identificou que 32% dos trabalhos se referiam à formação
inicial; 26% à continuada; 4% à formação inicial e continuada articuladas (aqui
entram as pesquisas relacionadas a grupos colaborativos, envolvendo alunos
da graduação e professores em exercício ou pesquisas relacionadas ao PIBID);
e 38% foram pesquisas desenvolvidas em diferentes contextos.
O que chama a atenção na distribuição desses trabalhos é o número de
orientadores dessas investigações: total de 375. Isso nos dá um indicativo de
que nos diferentes programas de pós-graduação em educação ou em ensino
há orientadores que não são educadores matemáticos, mas orientam pesquisas
sobre o professor que ensina matemática.
Vale destacar que 90% dos estudos adotaram a abordagem qualitativa de
pesquisa; outros 2%, a abordagem quantitativa; e 6,5% a quali-quantitativa.
Houve um predomínio de pesquisas de natureza empírica ou de campo (82%),
além de pesquisas que combinaram estudos documentais com pesquisa de
campo, ou apenas a pesquisa documental, ou pesquisa bibliográfica – iden-
tificamos confusões dos autores entre pesquisa bibliográfica e revisão biblio-
gráfica para a produção da pesquisa. Também questionamos o entendimento
de pesquisas do tipo quali-quantitativa, pois, muitas vezes, o simples fato de
haver uma contagem dos dados e organização de tabelas ou gráficos induz o
pesquisador a qualificar sua pesquisa nessa abordagem.
Muitos trabalhos também não trazem a tipificação da pesquisa, o que
pode gerar vieses interpretativos dos pesquisadores responsáveis pelo mape-
amento. Isso suscita reflexões sobre as limitações a serem consideradas nessa
modalidade de pesquisa.
Uma tendência que se mostrava crescente no primeiro mapeamento
(1978-2001) não se concretizou nesse segundo (2001-2012), ou seja: pesquisa

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 99


em grupos colaborativos (apenas 6% do total, com predominância na região
Sul e São Paulo) e pesquisas sobre a própria prática (apenas 2%). Esse último
dado nos surpreendeu, pois esse não deveria ser o foco das pesquisas em mes-
trado profissional?
A maioria das pesquisas está intitulada como estudo de caso – o que
requer investigação mais ampla; e apenas o estado de São Paulo registrou pes-
quisas do tipo mapeamento ou estado da arte.
A entrevista foi o instrumento mais utilizado para a produção de dados,
embora o questionário ainda seja bastante utilizado e, às vezes, como único
instrumento. Outros instrumentos: uso de áudio e de videogravação de aulas e
diário de campo do pesquisador. No entanto, muitos pesquisadores não justi-
ficaram o uso do instrumento com o seu objeto de investigação.
No que diz respeito à formação inicial, há uma discrepância nos percen-
tuais por região: Norte (60%), Minas Gerais (50%), Sul (47%) – nas demais
regiões esse percentual situa-se entre 23% e 34%. Quanto à formação conti-
nuada, o maior número de produção se localiza no estado de São Paulo, com
106 trabalhos (43% do total de 246 trabalhos), seguido da Região Sul, com 61
trabalhos (25% do total).
Constatamos a ênfase no professor, em sua aprendizagem e em seu
desenvolvimento profissional, a partir de 2009/2010, reforçando a tendência
já apontada por André (2011, p.30) de que houve uma mudança de foco nas
pesquisas na formação inicial, deslocando-se do curso para o sujeito professor.
No entanto, a autora nos alerta para alguns cuidados com a pesquisa quando o
foco é o professor e não o contexto da formação e/ou as condições de trabalho.
Segundo ela,

Não há dúvida que o professor tem um papel fundamental na educação esco-


lar, mas há outros igualmente importantes como as condições de trabalho, o
clima institucional, a atuação dos gestores escolares, as formas de organização
do trabalho na escola, os recursos materiais e humanos disponíveis, a parti-
cipação dos pais, as políticas educativas. A pesquisa deve ajudar a superar as
crenças e a visão do senso comum, não pode submeter-se a eles.

No eixo que envolve formação inicial e continuada, havia expectativa


de um número maior de trabalhos, mas se conclui que, provavelmente, as

100 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


pesquisas envolvendo PIBID e Obeduc estariam fora do recorte temporal, por
serem programas mais recentes.
Um dado que nos chamou a atenção foi o representativo número de
pesquisas com foco em atitudes, crenças e representações e saberes e compe-
tências. Essas temáticas também predominaram no eixo “Outros Contextos”.
Questionamo-nos se essas pesquisas envolveram graduandos e professores em
processos formativos ou apenas sujeitos respondentes de questionários, entre-
vistas e protocolos. Roldão (2007) denomina pesquisas com essas temáticas
como sendo aquelas de conceitos adjacentes da formação docente, ou seja,
embora não estejam no núcleo da formação, estão diretamente relacionadas
a ele, como: as culturas da escola, as culturas escolares, o currículo, a didática,
o pensamento e as concepções dos professores, a identidade profissional e os
percursos profissionais. Para a autora, há que se elegerem, no campo da for-
mação docente, os “conceitos estruturantes”, ou seja, aqueles relacionados aos
processos de aprendizagem e desenvolvimento profissional: “como” aprender
e/ou desenvolver; o “ser professor”; o “saber ser professor”. Esses conceitos se
fazem presentes nas pesquisas brasileiras, visto que em torno de 50% das pes-
quisas têm como foco a formação, aprendizagem, desenvolvimento profissio-
nal e saberes e competências do professor.
Há que se destacar, também, os estudos que analisam pesquisas públicas.
Elas são imprescindíveis para se avaliar a eficácia dessas políticas, bem como
seus limites. No caso deste mapeamento, os cursos e/ou programa analisados
foram: Gestar, Mestrado Profissional, PDE (Programa de Desenvolvimento da
Escola), Pró-letramento, Teia do Saber, entre outros.
Uma síntese do mapeamento nos possibilitou a identificação de algumas
tendências:
• Predominância dos focos: saberes e competências; atitudes, crenças,
concepções e representações; e formação, aprendizagem e desenvolvi-
mento profissional.
• Focos mais reduzidos: identidade e profissionalidade docente do PEM;
características e condições de trabalho docente, inclusive saúde e
estresse do docente; histórias de professores que ensinam matemática;
e história da formação do professor que ensina matemática.

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 101


• Apenas 5% do total de trabalhos tem como sujeito o professor
formador.
Todo mapeamento tem os seus limites e problemas. Os principais iden-
tificados neste trabalho foram: de ordem técnica, decorrente do próprio for-
mulário de fichamento elaborado pela equipe; dificuldades de acesso aos
trabalhos na íntegra; e definição do recorte temporal, pois, ao término de uma
pesquisa de três anos, o corpus já está desatualizado.
O segundo mapeamento trouxe indícios de avanços na pesquisa no
campo da formação docente. A virada paradigmática dos anos 1990 foi se con-
solidando nos anos 2000, com algumas constatações: redução do número de
pesquisas quantitativas; quase inexistência de pesquisas experimentais com
pré-teste e pós-teste; foco maior no professor, sua constituição e seus saberes;
um maior equilíbrio entre pesquisas na formação inicial e continuada.
No que se refere à apresentação dos relatórios de pesquisa, alguns proble-
mas permanecem, como: resumos incompletos que não possibilitam a visua-
lização do conteúdo do relatório; processos metodológicos pouco descritivos,
não possibilitando a identificação de elementos necessários a um relatório de
pesquisa: problemática, questão de investigação, objetivos, descrição dos pro-
cedimentos de produção de dados, descrição do processo analítico e síntese
dos resultados.
Pode-se dizer que ainda temos muitos problemas para definição do
objeto de investigação desse campo de inquérito. Muitas pesquisas se qua-
lificam como de formação docente, mas o professor é apenas um sujeito da
pesquisa; inexiste clareza de que o foco precisa centrar-se nos processos for-
mativos. Toda pesquisa no campo da Educação Matemática traz contribuições
para a formação de professores, mas isso não significa que seja uma pesquisa
sobre formação.
Outra fragilidade das pesquisas continua no processo analítico; muitos
trabalhos se restringem, principalmente quando atuam em projetos ou grupos
de formação, a descrever como foi a prática de formação e não os processos
formativos adotados no grupo e seus indícios para aprendizagem docente,
desenvolvimento profissional etc.
Apesar dos limites e das lacunas, esse mapeamento deixa pistas para novos
pesquisadores, bem como incita a realização de ampliações desse trabalho. No

102 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


entanto, a pesquisa também apontou alguns pontos que merecem reflexão,
tanto no que diz respeito às abordagens metodológicas, que ainda apresentam
fragilidades, quanto à própria construção do objeto de investigação e do refe-
rencial teórico a ser adotado. Nesse sentido, concordamos com o questiona-
mento posto por André (2011, p.31):

Em termos gerais, os dados referentes aos autores mais citados e à tendência


teórica mais acentuada sugerem certo modismo, com influência de propostas
de autores estrangeiros, o que provoca alguns questionamentos: será que as
nossas pesquisas sobre formação de professores têm levado em conta a especi-
ficidade de nossos contextos? Será que os pesquisadores têm procurado adap-
tar propostas gestadas em outros países à nossa realidade?

Reconhecemos que toda pesquisa traz incompletudes e o viés interpreta-


tivo do pesquisador. Por isso, a temática encontra-se em aberto, além da neces-
sidade de continuidade.
Na segunda fase do projeto, grupos de pesquisadores selecionaram temá-
ticas que eram de seu interesse e os artigos foram submetidos à Zetetiké e,
os aprovados compuseram uma edição temática em 2017. Nesse volume, des-
taca-se o trabalho de Nacarato, Oliveira e Fernandes (2017) que analisou dois
focos temáticos presentes na pesquisa de mapeamento: “História da forma-
ção do professor que ensina Matemática” e “História do professor que ensina
Matemática”. Contando com um corpus de 45 pesquisas, as autoras identifica-
ram as abordagens metodológicas e os referenciais teóricos utilizados, a partir
de dois campos teórico-metodológicos: a história oral e o método biográfico.
Segundo elas:

os dois focos geraram pesquisas com a presença dessa metodologia: a histó-


ria oral é tomada como um dos modos de produzir, intencionalmente, fontes
com fins e propósitos diversos. As narrativas orais, tornadas escritas, configu-
ram-se como fontes historiográficas. São memórias registradas que se trans-
formam em objetos de investigação, possibilitando compreender os sentidos
do que foi vivido à luz das preocupações do tempo presente. É através do
trabalho da subjetividade contida nas narrativas orais que os indivíduos cons-
troem e atribuem significado à própria experiência e à própria identidade.
(NACARATO; OLIVEIRA; FERNANDES, 2017, p. 66)

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 103


As autoras concluem que o principal ponto de convergência entre esses
dois focos é colocar o professor no centro do processo formativo, dando visi-
bilidade à sua formação, considerando os cenários que lhe constituem, a partir
da voz desse sujeito e dos relatos das experiências por ele vividas.

A SUBJETIVIDADE NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA
O momento político em que vivemos traz consigo a necessidade de dis-
cussão acerca de uma perda de diferentes sensibilidades, e da necessidade
de novos modos de pensar. Walter Mignolo (2010) defende que, mais do
que uma visão de mundo, é fundamental falar em sensibilidades de mundo.
Apresentam-se, assim, alguns exemplos do que pode aparecer (e sua potência!)
quando interrogamos narrativas de docentes/discentes/gestores/analfabetos a
partir de interesses em afetos, quando se pensa de modo articulado a História
da formação do professor que ensina Matemática e a História do professor que
ensina Matemática.
Com roteiro de Luis Buñuel e Salvador Dali, o filme O cão andaluz (1928)
é considerado uma produção surrealista que rompe com a linearidade narra-
tiva trazendo múltiplas entradas sem necessária conexão. Ainda que esta obra
se apresente como uma quebra ao fluxo narrativo naturalizado, tentativas de
leitura do filme colocam-se na busca por uma articulação, por uma conexão,
por uma linha que na ação ou na intenção deveria amarrar as imagens apre-
sentadas em branco e preto. O filme provoca, pois, distintos movimentos, mui-
tos deles ligados a uma tentativa de racionalizar eventos e a sequência em que
estes são apresentados. O trecho que segue é a primeira cena deste filme, sua
inserção não é feita, contudo, com o intuito de racionalizar seu conteúdo e,
sim, como um apelo de que o leitor se atente a seu próprio corpo, aos movi-
mentos que ele faz durante a cena que se apresenta. Sugere-se ainda que não se
apresse em encontrar uma palavra para descrever esse movimento.
Segue a cena15:

15 Para acessar o QR Code é necessário baixar em seu celular um Leitor de códi-


go QR. Também pode acessar este trecho do filme em https://www.youtube.com/
watch?v=KYTUDztLvbI. Último acesso em: 02 out. 2019.

104 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Sinto, logo existo.

Há diversos autores que tratam da importância não somente de novos


modos de pensar (MIGNOLO, 2010; QUIJANO, 1992), mas de se considerar,
nesse processo, o sensível, os afetos. Tratam da importância de buscar outros
modos de se conectar com o outro (LARROSA, 1996), consigo mesmo e, ao
inventar outros modos de existir, cuidar de elaborar outros modos, múltiplos,
de pensar.
Aníbal Quijano (1992) denuncia uma colonialidade que sobrevive ao
“término” das administrações coloniais. Assim, temos o fim do colonialismo,
mas a colonialidade continua a operar em diferentes instâncias. O autor trata
da colonialidade do poder, do saber, do ser e da natureza. A colonialidade
do poder controla a subjetividade de povos colonizados, destruindo seu ima-
ginário a partir de um processo de ocidentalização e implementando uma
estrutura global de poder. A colonialidade do saber opera, como as outras,
em diferentes âmbitos; tanto na afirmação de uma perspectiva eurocêntrica de
conhecimento como global (por meio da negação da capacidade inventiva de
outros povos), quanto na própria prática de uma colonialidade naturalizada
socialmente como quando se toma o conhecimento produzido nas universida-
des como superior a outras formas de conhecimento. A colonialidade do ser
trata de um processo de apagamento do outro a partir de seu convencimento
de sua condição menor, de alguém em processo de humanização ou civiliza-
ção o que, portanto, justifica sua condição de dominado. A colonialidade da
natureza afirma o binarismo cultura/natureza e reforça um papel central ao
homem como aquele que tem o domínio entre plantas, minérios e animais. O
discurso humano versus selvagem sustenta essa narrativa que será questionada
por movimentos anticoloniais e pós-humanistas (a partir do questionamento
dos binarismos que estruturam nossa sociedade, da linearidade atribuída
ao tempo e do papel central atribuído ao humano, especialmente o branco
europeu).

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 105


Ainda que por meio desse rápido esboço, é possível perceber que toda
forma de colonialidade se estabelece em processos de negação ou “invisibili-
zação” do outro. Diante disso, Mignolo (2010) sinaliza para a necessidade de
uma desobediência epistêmica que leve à fuga da racionalidade moderna, à
negação de processos de inferiorização de outras formas de produzir conhe-
cimento, de outras sensibilidades de mundo. Se opor à colonialidade é, pois,
um movimento político de afirmação da diferença, e este movimento tem sido
chamado de decolonialidade.
A partir de Kafka, Safatle (2016, p. 15) afirma:

compreender o poder é uma questão de compreender seus modos de cons-


trução de corpos políticos, seus circuitos de afetos com regimes extensivos de
implicação, assim como compreender o modelo de individualização que tais
corpos produzem, a forma como ele nos implica. Se quisermos mudá-lo, será
necessário estar disposto a ser individualizado de outra maneira, a forçar a
produção de outros circuitos.

É impossível compreender esses modos de construção de corpos polí-


ticos presos a um tipo de pensamento racional que é excludente do sensível,
das contradições. Se, principalmente na realização de pesquisas acadêmicas,
temos nos movimentado entre conceitos e funções criados pela Filosofia e
pela Ciência, podemos dizer que, em muitos casos, há uma certa negligência
à potência das Artes na produção de afetos, na compreensão do sensível. As
pesquisas acadêmicas não podem ser tomadas somente como uma forma de
dar respostas a um problema, até porque os problemas que buscamos resolver
parecem, quase sempre, ser da mesma ordem. É importante que as pesquisas
acadêmicas sejam tomadas como um modo de problematizar, de organizar
o pensamento, como um enfrentamento à colonialidade e ao seu projeto de
apagamento do outro, das diferenças. Nessa direção, podem ser vistas as ini-
ciativas de reconhecimento dos professores das escolas como produtores de
conhecimentos e a própria virada, sinalizada anteriormente neste texto, de
“pesquisas para professores para pesquisas com professores”.
O que pode ser produzido diante de um exercício de escuta? Este texto
remete-se ao cenário político atual (em que uma narrativa perigosa sobre a
Educação e sobre a Universidade pública começa a delinear a figura da docência

106 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


como potencialmente danosa ao Estado) e sua produção foi orientada por um
percurso outro, pelo som de uma música a qual muitos têm feito referência
nesse momento histórico: “Admirável Gado Novo”, de Zé Ramalho. Em clara
referência ao livro Admirável Mundo Novo,de Aldous Huxley, o cantor e com-
positor retrata o conformismo que, no livro, é ofertado por uma droga cha-
mada “soma” que trata do esgotamento mental como impulso de raciocinar e
que impõe a obediência tranquila cumprindo as funções do Cristianismo e do
Álcool sem nenhum de seus efeitos colaterais. Se a comparação com o gado
vem da Música, na Literatura pode-se ficcionalizar um outro lugar de fala: em
“Conversa de Bois”, João Guimarães Rosa explora o que seria uma conversa
entre Bois-de-carro.

Nós somos bois… Bois-de-carro… Os outros, que vêm em manadas, para


ficarem um tempo-das-águas pastando na invernada, sem trabalhar, só
vivendo e pastando, e vão-se embora para deixar lugar aos novos que chegam
magros, esses todos não são como nós…
[...]
— Os bois soltos não pensam como o homem. Só nós, bois-de-carro, sabemos
pensar como o homem!…
Mas Realejo, pendulando devagar fronte e chifres, entre os canzis de madeira
esculpida, que lhe comprimem o pescoço como um colarinho duro, resmunga:
— Podemos pensar como o homem e como os bois. Mas é melhor não pensar
como o homem…
— É porque temos de viver perto do homem, temos de trabalhar… Como os
homens… Por que é que tivemos de aprender a pensar?…
— É engraçado: podemos espiar os homens, os bois outros…
— Pior, pior… Começamos a olhar o medo… o medo grande… e a pressa…
O medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho…
(ROSA, 1984, p. 311)

Entre a aproximação por um modo de vida e a negação dessa aproxima-


ção forçada, surge a caracterização do homem por meio do medo.

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 107


A sociedade é, em seu modo mais fundamental, um circuito de afetos.
Assim define Vladimir Safatle (2016, p.17), ao afirmar que o medo organiza a
vida política, enfatiza “[...] o medo como afeto político central é indissociável
da compreensão do indivíduo, com seus sistemas de interesses e suas frontei-
ras a serem continuamente defendidas, como fundamento para os processos
de reconhecimento”.

NARRATIVAS DE AFETOS EM PESQUISAS NA


HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
O Grupo História da Educação Matemática em Pesquisa − HEMEP16, ao
investigar histórias de formação de professores de Matemática no estado de
Mato Grosso do Sul, constrói inúmeras narrativas nas quais, neste momento,
são rastreados alguns atravessamentos que modelam ações por meio do medo.
Partamos do discurso de José Rangel17, defendido na Conferência
Interestadual de Ensino Primário que ocorreu em 192118. Como representante
do estado de Minas Gerais, Rangel enfatiza que a formação deveria ser limi-
tada à função docente, não excedendo

16 Grupo cadastrado na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e certificado pelo


CNPQ em 2011. Liderado pelos docentes Luzia Aparecida de Souza e Thiago Pedro Pinto,
esse grupo reúne pesquisadores e alunos do estado de Mato Grosso do Sul que investi-
gam História e Filosofia da Educação Matemática (www.hemep.org).
17 Citado nos documentos dessa Conferência como Professor José Rangel e, a partir desta,
como membro da Comissão de Ensino Normal, junto com Azevedo Sodré, Americo de
Moura, Victor Vianna e Corrêa de Britto.
18 Essa conferência foi organizada a partir do trabalho de diferentes grupos que sinaliza-
vam o alto índice de analfabetismo no país, assim como a “desnacionalização da infân-
cia nos Estados do Sul, onde inúmeras crianças brasileiras frequentam escolas, em que
o ensino é ministrado exclusivamente em idiomas exóticos, rendendo-se assim ã alheia
pátria o culto devido à nossa” (BRASIL, 1946, p.9); a necessidade de intervenção ou au-
xílio da União, a necessidade de uniformização dos métodos de ensino, entre outros.
A Conferência Interestadual de Ensino Primário teve início em 12 de outubro de 1921
com uma programação que envolvia: “a) Difusão do ensino primário. Fórmula para a
União auxiliar a difusão desse ensino. Obrigatoriedade relativa do ensino primário; suas
condições; b) Escolas rurais e urbanas. Estágio nas escolas rurais e urbanas. Simplificação
dos respectivos programas; c) Organização e uniformização do ensino normal do país.
Formação, deveres e garantias de um professorado primário nacional; d) Criação do
“Património do Ensino Primário Nacional”, sob ação comum entre os Municípios, Estados
e a União. Fonte de recursos financeiros; c) Nacionalização do ensino primário. Escolas
primárias nos municípios de origem estrangeira. Escolas estrangeiras, sua fiscalização; f)
Conselho de Educação Nacional: sua organização e fins” (BRASIL, 1946, p.9 -10).

108 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


ás exigencias da sua funcção, pois, de outra fórma, com mais amplas aptidões,
a outros misteres mais remuneradores se dedicarão os mestres, abandonando a
carreira, em busca de collocações vantajosas, no commercio, nas industrias ou
em outros cargos, no seio do proprio funccionalismo publico. (CONFERÊNCIA
INTERESTADUAL DE ENSINO PRIMÁRIO, 1922, p. 187)

Se uma visão linear de tempo nos coloca muito distante dessa perspec-
tiva, ações políticas educacionais atuais nos mostram que não. Em diversas
narrativas produzidas com professores de Mato Grosso do Sul (em situações
de ensino, pesquisa e/ou extensão), informações sobre o plano de carreira
emergem. Considerando a tabela de salários desse estado para professores,
vigente a partir de dezembro de 2018, tem-se, para o caso de 20 horas sema-
nais, o que segue:

Quadro 03: Níveis, Classes e Salários de Professores da rede estadual de ensino de Mato Grosso
do Sul

Fonte: Site da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul19

Há, portanto, oito classes nas quais se transita por tempo de serviço e qua-
tro níveis de formação: I- Habilitação específica de nível médio, II- Habilitação
específica de ensino superior, III- Habilitação específica de pós-graduação,
obtida por curso com mais de 360 horas, e IV- Habilitação específica, obtida
em curso de mestrado. A progressão na carreira é tomada como a passagem
de um nível para outro dentro de uma mesma classe, e a promoção é conside-
rada a mudança de classe. O curso de Doutorado é mencionado somente nos
casos de aceleração da promoção como quando, após o Estágio Probatório,
aquele que possui diploma de Doutorado pode migrar da Classe A para a C;

19 Disponível em: (https://www.fetems.org.br/Informacoes/mocoes/menu:3/submenu:11/)

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 109


ou da Classe B para a C pela apresentação do diploma de Doutorado indepen-
dente da data-base. Cabe ressaltar que esse tipo de aceleração após o Estágio
Probatório também acontece da Classe A para a B no caso do diploma de
Mestrado. Percebe-se, portanto, que o curso de Doutorado, para além dos
casos de aceleração de promoção, não é previsto dentro dos níveis considera-
dos para a progressão na carreira docente. O que persiste quando observamos
esses dois eventos históricos? Poderia ser chamado de medo esse “cuidado”
que se tem para não estimular a continuidade da formação docente qualifi-
cada? Por que essa certeza de que, com esta formação, o docente considera-
ria a possibilidade de mudar de profissão ou instituição não é suficiente para
fomentar um necessário debate sobre políticas públicas voltadas às condições
de trabalho nas escolas?
Se esse tipo de cuidado ou medo orienta a construção de políticas de
acesso à pós-graduação, delineia planos de carreira, a quais outros ele se arti-
cula? Qual mecanismo se tenta preservar?
Quando considerados os estudos realizados pelo HEMEP sobre a cria-
ção e a consolidação de cursos de formação de professores que ensinam
Matemática no estado de Mato Grosso do Sul, percebem-se muitas instabi-
lidades construídas sobre um afeto similar. Em entrevista, Antônio Canuto
Brandini que trabalhou como professor do curso de Ciências com habilitação
em Matemática da UEMS de Cassilândia-MS, afirma:

É, ela falava: “Gente, mais tem que trocar, essa Matemática tá antiga, vamos
tirar isso daí, vamos levar essa Matemática pra Campo Grande e a gente traz
outro curso semelhante ao de Letras”. Aí, a turma da Matemática ameaçava:
“Oh, se fizer isso nós não vamos trabalhar mais, nós vamos embora, por que
nós temos que mudar daqui pra Campo Grande? Não dá certo!” Porque se
falasse que o curso vinha pra Paranaíba não era problema. Um dia eu sugeri:
“Leva Matemática pra Paranaíba”, aí eles falaram: “Mas Brandini, lá é Direito,
não tem nada a ver!” Falei: “Manda o Direito pra Cassilândia, porque o pre-
feito está louco por esse curso!” Aí, eles: “Ah, mas aí vamos contrariar o pre-
feito de Paranaíba!” O prefeito de Paranaíba sempre deu verba pra eles, e o da
Cassilândia não dava nada. (GUEDES, 2018, p. 130)

110 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Investigar a criação de cursos de formação de professores de Matemática20
passa por um olhar para esta instabilidade política e para todas as tensões que
esta gera naqueles que percebem que a organização de sua vida privada passa
sempre pelas mãos daqueles que autorizam ou retiram a autorização para a
implantação de um curso.
Pode-se, ainda, citar narrativas de professores que buscaram por proje-
tos de formação estabelecidos em regime de carência e urgência (GARNICA,
2013, 2018), como o caso dos cursos modulares. Ana Maria Almeida (2017)
estudou o curso modular de Matemática da UCDB – Universidade Católica
Dom Bosco (atuante no período de 1999 a 2005) que foi responsável pela for-
mação de centenas de professores, inúmeros deles já em atuação antes da for-
mação. Este curso funcionava no período de férias escolares, portanto, nos
meses de janeiro (referente às disciplinas do primeiro semestre letivo) e julho
(referente às disciplinas do segundo semestre). Os professores que buscavam
e pagavam por esse curso, em geral o faziam movidos pelo medo de perder
seu emprego, já que a LDB de 1996 previa a formação em nível superior, mas
também buscavam por uma formação que nunca tiveram, por algo que lhes
ajudasse a exercer a função docente. Elvézios Campini Junior, que trabalhou
como professor nesse curso, fala desse movimento outro que surgia em meio à
busca por certificação exigida por lei.

Quanto à minha expectativa sobre essa formação, eu acho que foi até mais
positiva do que eu imaginava: quando eu falei que muitos vieram extrema-
mente motivados para aprender. Tomávamos como ponto de partida o nosso
próprio desgaste, vínhamos trabalhando o ano inteiro e ainda trabalhávamos
em julho e janeiro. Tínhamos ressalvas, muito medo nesse sentido, se seria
uma formação boa, uma formação ideal, se estaríamos bem para poder dar
essas aulas. (ALMEIDA, 2017, p. 81)

A busca, pois, por cursos emergenciais era orientada por necessidades


diferentes: a certificação e a qualidade da formação. A oferta desses cursos,
entretanto, parece ser pensada em nome do medo de perder o emprego como

20 Ação que atravessa os projetos de “Mapeamento da Formação e Atuação de


Professores que ensinam/ensinavam Matemática no Brasil” junto ao GHOEM e “Formação
e Atuação de Professores que ensinam/ensinavam Matemática: do sul de Mato Grosso a
Mato Grosso do Sul” junto ao HEMEP.

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 111


professor e, embora essas narrativas evidenciem demasiados esforços dos cor-
pos docente e discente na busca por uma qualidade de formação, há que se
considerar o foco de uma formação que condensa disciplinas semestrais em
dois dias ou uma semana. Segundo a pesquisadora Ana Maria de Almeida,
o discurso de um dos professores no dia de sua formatura garantia aos for-
mandos que, a partir daquele momento, ao pegar aquele diploma, nada mais
os diferenciava daqueles formados em um curso não emergencial. Aquele
diploma simbolizava, ao menos naquele momento, a morte da diferença.
Ainda com relação às questões articuladoras da função docente como
plano de carreira, criação dos cursos para sua formação, o movimento sindical
se coloca como uma parceria fundamental de luta pela/na profissão. No ano
de 2015, em Mato Grosso do Sul, especificamente em Campo Grande, movi-
mentos grevistas operaram nos três segmentos da educação: municipal, esta-
dual e federal. O trecho da narrativa que trago a seguir foi produzido naquele
momento por estudantes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência (PIBID) do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul de Campo Grande. Trata-se da entrevista
com Suely Veiga Melo, naquele momento vice-presidente da Federação dos
Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (FETEMS).

Precisa reformular o plano de carreira pra atender às necessidades, mas a gente


por enquanto não tá com muita vontade de mexer nele não, apesar de ter que
acrescentar algumas coisas, porque o nosso plano, é um plano bom e a gente
tem, inclusive, medo de tentar mexer, e os governos, invés de a gente melhorar, a
gente piorar. (Entrevista com Sueli Veiga Melo, 08 jun.2015).

Aqui o plano de carreira entra em questão, mas quem está à frente des-
ses movimentos de luta tem que pensar com quem estão negociando, qual o
perfil do governo com o qual precisa dialogar para decidir se uma luta que
se entende como necessária vale ou não a pena tendo em vista o que se pode
perder. As necessidades ou os direitos em si mesmos não são suficientes para
uma mobilização coletiva em Educação, esta é moldada, também, pelo medo
do retrocesso.
Quando o assunto é o ingresso nas escolas como docente, a tese em anda-
mento de Ana Carolina de Siqueira Ribas dos Reis aponta inúmeros afetos:

112 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


o professor Cravo, para citar um dos casos dos inúmeros apresentados pelos
entrevistados, afirma a existência de uma estrutura hierárquica nas escolas,
que começam com os cargos de gestão, passa pelos professores concursados,
secretaria e, somente então, os contratados. Cravo narra diferenças explícitas
no tratamento dado a cada um e problematiza a inexistência de autoridade do
professor contratado para tomar as próprias decisões pedagógicas, tendo em
vista que este já entende como parte do jogo não reprovar alunos para garantir
sua contratação no ano seguinte. Professor que reprova, segundo essa “lógica”,
contribui para diminuir os índices da escola.
Entendendo essa “lógica” e se sentindo forçado a trabalhar com a mesma
com medo de perder seu emprego como contratado, o professor Cravo relata
uma mudança completa de postura quanto este é aprovado no concurso
público para professor na rede municipal de Campo Grande/MS. Mudança
diante da comunidade escolar, mudança de postura quanto às suas decisões
didático-pedagógicas. O fato de ter sido professor contratado antes de se efeti-
var no cargo, torna-o sensível às causas desse grupo de docentes; a ponto de se
colocar como aquele que implementa o posicionamento do outro.

Também tem a questão do conselho de classe. Se eu tenho que procurar reter


um aluno ou dar uma nota baixa eu já falo para os colegas convocados “Eu
vou colocar tal aluno, se vocês quiserem aproveitem e coloquem”. Eu falo “Tem
algum aluno que você queira colocar? Se precisar eu ponho, sem problema”.
Nesse sentido, eu fico um pouco do lado dos convocados.

[... e quando uma professora contratada teve sua imagem exposta na rede
social por um aluno e sentiu medo em falar com a direção, Cravo se coloca
novamente]

“Não! Pode deixar que eu falo, então!”. Como fui eu quem falou, tomaram pro-
vidências, mas tive que ir lá e falar. Expliquei para a professora “Não, não vou
deixar você desamparada. Você está no seu direito, por que você tem que ficar
quieta? Se precisar de alguma coisa pode me dizer que eu falo”. Eu disse “Agora
eu não tenho o que temer”, pois eu já era concursado. (REIS, 2019)

Sentimentos de angústia também atravessam experiências formativas


em cursos de Licenciatura em Matemática. O trabalho de Adriana Barbosa

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 113


de Oliveira (2018) reúne diversas narrativas de licenciandos em Matemática
de diferentes Universidades públicas nas regiões Centro-Oeste, Norte, Sul
e Sudeste do País e, ao fazê-lo, imprime um misto de afetos na História da
Educação Matemática. Discursos excludentes e opressores disseminados nas
práticas de docentes formadores de professores emergem cotidianamente, evi-
denciando uma educação não libertadora. Considerando as entrevistas reali-
zadas com alunos da Licenciatura em Matemática da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul em Campo Grande, cito dois trechos, o primeiro da fala
de Leonardo e o segundo de Gleysson:

Essa é a questão, eu não critico ela como aula, só como tratamento das pessoas
no meio da aula. Pelo tratamento das pessoas que a turma ia se esvaziando
e também por ser uma matéria difícil, meio complicada, os alunos vinham
com dificuldade e lá no momento ela nem sempre sanava essa dificuldade e
ainda dizia: “se você não sabe essa dificuldade, que bom, seu lugar não é aqui”.
(OLIVEIRA, 2018, p. 146)

É que foi assim, a gente estava tendo Prática V na época, aquilo foi muito
novo, todo mundo estava gostando da aula, realmente era uma Prática de
Ensino que a gente estava aprendendo muito. Daí a gente queria aplicar isso
no Estágio, aplicar o que estava aprendendo, a gente estava montando um
plano de aula diferente, construtivista como ele estava falando, tentamos
escrever isso, montamos, revisamos bastante, aí a gente entregou para a pro-
fessora e ela não aceitou, acho que ela mal leu, a gente estava com ela na sala,
acho que ela leu uma linha, a gente foi acompanhando com ela, aí ela falava:
“aqui não faz sentido”, e a gente tentava explicar pra ela o que a gente queria
propor, mas mesmo assim ela não aceitava e ela descartou completamente
a ideia que a gente teve e falou pra gente remontar o plano de aula. A gente
estava tipo em uma reunião, quase brigando, aí ela soltou uma frase assim: “Se
fizer do jeito que eu quero vocês vão passar, então...” A gente ficou quieto e foi
lá fazer o plano de aula do jeito que ela queria e esse foi o Estágio que a gente
teve. (OLIVEIRA, 2018, p.161)

Práticas docentes que podem ser consideradas excludentes também são


encontradas nas narrativas de pessoas que não passaram por processo de

114 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


alfabetização, como a dona Quitéria e a dona Silvéria, ambas entrevistadas por
Endrika Leal Soares durante sua pesquisa de mestrado.

Meu nome é Quitéria Senhorinha da Silva, nascida no dia 7 de junho de 1948,


em Custódia, Pernambuco. Pra falar a verdade, eu frequentei essa escola aqui,
Arlindo Sampaio, acho que uns 2 mês. [...] Eu ia à noite, era tranquilo, eu tra-
balhava durante o dia. A professora não se interessou muito pelo meu causo e
eu fui me estressando com aquilo lá. Ela não ia me ensinar nada pra mim, ela
queria que eu copiasse dessa minha amiga, aí eu peguei, fui me estressando,
peguei e larguei mão! (SOARES, 2019, p. 78)

Eu sou de 29 de dezembro de 1942, tenho 75 anos e me chamo Silvéria


Carvalho Custódio.

[...]

A minha mãe, uma vez, entregou eu pra uma professora, eu tinha uns 12 ano
de certo. Ela deixou eu com essa professora pra eu trabalhar, ela não preci-
sava me pagar, mas era pra ela me ensinar a ler, escrever, fazer ao menos meu
nome. Eu trabalhei dois anos com essa dona, eu cuidava de uma criança pra
ela e ela nunca pegou um caderno pra falar pra mim fazer meu nome pra ela
ver, ela nunca me ensinou. Trabalhei tudo tempo com ela, mas eu num conse-
gui nada porque ela nunca me ensinou. (SOARES, 2019, p. 86; 87-88)

O que se está querendo, ao chamar a atenção para esses sintomas, para


todas essas subjetividades que trazem afetos que afloram cotidianamente
quando se está fazendo/estudando/pesquisando formação de professores?
Falar da importância de, em algum momento, tirar o foco das intenções des-
ses cursos de formação de professores e focar nas tensões que lá acontecem.
Tensões que são produtoras de subjetividades, de medos e de outros afetos.
Tensões que aparecem nas fontes das mais diferentes pesquisas, mas que quase
nunca são exploradas.
Vladimir Safatle (2016) afirma que a organização política da sociedade
se centra em dois tipos de afetos: o medo, que é a expectativa de que algo
ruim aconteça; e a esperança, que é a expectativa de que algo bom aconteça.
Esses afetos organizam um corpo político que pode ser um corpo crente em

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 115


uma providência prometida, ou um corpo depressivo, doente por uma provi-
dência perdida ou nunca obtida, por se encontrar em situação de desamparo.
Essa situação sempre é lida como um momento a ser superado, ao que Safatle
(2016, p. 21) alerta:

Faz-se necessário adotar outra estratégia e se perguntar qual corporeidade


social pode ser produzida por um circuito de afetos baseado no desamparo.
Pois o desamparo cria vínculos não apenas através da transformação de toda
abertura ao outro em demandas de amparo.

Segundo este autor, há, então, “[...] momentos em que os corpos precisam
se quebrar, se decompor, ser despossuídos para que novos circuitos de afetos
apareçam” (SAFATLE, 2016, p.36). O desamparo não seria, assim, algo a ser
evitado. É importante nos abrirmos a um outro que nos desestabilize e convi-
ver com a desestabilização, sem cair num movimento de buscar rapidamente
por uma situação que te faça novamente se sentir “seguro”, que te afaste de um
medo que de um modo ou outro está sempre presente.
Nesse sentido, há alguns desafios a serem pensados. Ao observar a pers-
pectiva aqui apresentada a partir de Vladimir Safatle, é importante pensar em
um abandono da noção de autonomia na docência e na formação de professo-
res, pois pensar em autonomia, no sentido de autogoverno, é falar de alguém
que opera no governo de si sem pensar que, para isso, essa pessoa já internali-
zou as normas e questões disciplinares. O autor propõe pensar em termos de
heteronomia, no sentido de uma abertura ao outro, ao que nos desconcerta,
nos despossui e nos faz reconstruir nossa própria ideia sobre nossos desejos e
afetos.
Nesse momento político em que é possível assistir à construção de uma
narrativa deturpada e perigosa sobre a Educação, a Docência e a Universidade
Pública, faz-se extremamente necessário trabalhar com/sobre/na formação de
professores, procurando abraçar o desamparo e fugindo de movimentos que
buscam invisibilizar o outro. É importante compreender que essa ação se faz
fundamental ou na formação ou na atuação de professores, em que o silêncio
opera como sinônimo de respeito ao professor, seja na pesquisa que, muitas
vezes, produz invisibilidade, ao desconsiderar certos tipos de fontes, narrativas
pessoais, subjetividades na academia.

116 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Por fim, é importante nos mobilizarmos na direção de desconstruir essa
narrativa do medo que tem sido alinhavada no momento político atual acerca
das práticas educativas.
É do escritor Mia Couto (2011) o posicionamento que segue e do qual se
compartilha.

Há nesse mundo mais medo de coisas más, do que coisas más propriamente
ditas. Para fabricar armas, é preciso fabricar inimigos e para fabricar inimigos
é imperioso sustentar fantasmas. Não há hoje no mundo um muro que separe
os que têm medo dos que não têm. Citando Eduardo Galeano, os que traba-
lham tem medo de perder o trabalho, os que não trabalham tem medo de
nunca encontrarem um trabalho. Quando não tem medo da fome, tem medo
da comida. Eu acrescento: há quem tem medo que o medo acabe. (COUTO,
2011)

Reforça-se: “há quem tem medo que o medo acabe(!)”, na esperança de


que este texto possa ecoar.

PROBLEMATIZANDO A SUBJETIVIDADE
COM PROCESSOS DE OBJETIVAÇÃO
As falas das professoras convidadas Adair e Luzia indicam similarida-
des ao apontarem tendências nos estudos sobre a formação de professores que
ensinam matemática cujo foco é ressaltar, valorizar, enfatizar a participação
dos professores nas pesquisas, com destaque para a análise e a compreensão
de suas atitudes, crenças, representações, saberes, competências, medos etc.,
elementos caracterizados pela subjetividade dos sujeitos. Com o intuito de
problematizar o conceito de subjetividade tratado nas duas abordagens, seja
na presença expressiva de número de estudos que evocam essa vertente, como
nos exemplos de estudos desenvolvidos pelo grupo HEMEP de Mato Grosso
do Sul, a coordenadora da mesa, professora Célia traz para o debate ponto de
vista distinto – estudo que discute processos de objetivação, em particular, o
editorial publicado na Revista Amazônia:

Bem mais recentemente, outras bases têm sido mobilizadas visando estudos
sobre os saberes profissionais. Esses recentíssimos estudos vêm destacando

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 117


que, se a admissão de que o saber docente tem caráter subjetivo, ao que
parece, com o passar do tempo, muitas dessas pesquisas realizadas nas últi-
mas décadas demonstram a necessidade da objetivação de saberes que pos-
sam ser sistematizados e que devem, com isso, fazer parte da nova formação
de professores. Em síntese, caberia a transformação dos conhecimentos dos
sujeitos em saberes objetivados. Tais pesquisas apontam para a longa duração
para a objetivação de saberes e sua institucionalização na formação de profes-
sores, o que demanda melhor conhecer os processos históricos aí envolvidos.
(VALENTE; MENDES, 2018, p. 1-2)

Na verdade, o contraponto do foco na objetividade pode ser mais bem


compreendido no artigo “Saber objetivado e formação de professores: refle-
xões pedagógico-epistemológicas” (VALENTE, 2019), em que o autor propõe
dois tipos de saberes: saberes da ação e saberes objetivados, argumentando na
relevância de bases teórico-metodológicas que tornem inteligíveis processos e
dinâmicas de produção dos saberes profissionais, problematizando os saberes
pedagógicos em termos de processos de objetivação, de modo a compreender
como, ao longo do tempo, se constituem os saberes objetivados em sua articu-
lação com saberes da ação. Ainda, de acordo com Valente (2019, p. 17):

a constituição de saberes objetivados envolve tempo relativamente longo,


situações de decantação, de estabilização, de consensos sobre determinados
saberes que vão ganhando formas sistematizadas para se tornarem referência
à formação de professores, em termos da constituição de matérias de ensino,
de disciplinas escolares e científicas.

Não se trata de desconsiderar a subjetividade, própria dos saberes da ação


e, sim, em “captar o movimento de sistematização de saberes da ação, em pro-
cesso histórico, de modo a que se tenha, para uma dada época escolar, a cons-
tituição de saberes objetivados em matérias e disciplinas escolares é o desafio
que pesquisas recentes têm enfrentado” (VALENTE, 2019, p. 18).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise do mapeamento das dissertações e teses entre 1978 e 2012 aponta
mudanças significativas, entre elas a virada paradigmática das investigações

118 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


expressa pelo movimento de pesquisas anteriormente com foco em estudos
sobre o professor e, portanto, reforçando a colonização e o poder do formador,
ditando modelos para as práticas de sala de aula, para o sentido de pesquisas
que destacam o sujeito professor, investigações com o professor, nas quais as
suas subjetividades, incluindo medos, crenças, saberes da ação passam a ser
considerados.
No entanto, as narrativas e os estudos citados nas pesquisas desenvol-
vidas pelo Grupo HEMEP no Mato Grosso do Sul evidenciam narrativas de
práticas colonizadoras de formadores, de poderes atribuídos a gestão esco-
lar, de medos diversos, entre eles a instabilidade profissional, sem, contudo,
indicar a virada paradigmática. Parece importante pontuar as duas dimensões
abordadas durante o debate, a primeira, trazida por Adair, expõe resultado de
pesquisa macro, ou seja, levantamento amplo e numeroso de pesquisas em
todo o Brasil, enquanto a segunda dimensão, explorada por Luzia, exibe falas
de professores, seja do passado, com o trecho do professor José Rangel de 1921,
como as narrativas de professores atuais no Mato Grosso do Sul. Neste sentido,
uma visão não exclui a outra, visto que os resultados de pesquisas acadêmi-
cas (dissertações e teses) não indicam obrigatoriamente mudança na realidade
educacional, as práticas pedagógicas incorporadas, em particular, na formação
de professores que ensinam matemática.
A aproximação dos dois contextos discutidos pelas convidadas está na
relevância de destacar, valorizar, focar o sujeito professor nas práticas peda-
gógicas, como participante do processo investigativo e, assim sendo, incor-
porando nos processos de ações formativas seu contexto mais amplo, suas
subjetividades, crenças, atitudes, medos etc. Assim sendo, no âmbito de pes-
quisas acadêmicas, ambas abordagens remetem para a necessidade de atenção
à voz e ao espaço praticado pelo sujeito professor.
Colocar-se à escuta do professor e possibilitar práticas de (auto)forma-
ção têm sido objetivos de investigação de pesquisadores que vêm adotando
pesquisas (com) narrativas. Essas pesquisas visam compreender os modelos
de formação docente e de práticas de ensino de matemática a partir das vozes
daqueles que vivenciam o cotidiano escolar. Identifica-se um número cres-
cente de produção nesse campo de inquérito, com a publicação de dossiês em
periódicos e a identificação de grupos de pesquisa que a ele tem se dedicado.
No último desses dossiês, publicado em 2019, na Revista Brasileira de Pesquisa

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 119


(Auto)Biográfica, o texto de Nacarato, Moreira e Custódio (2019) apresenta
esses dossiês e as autoras realizam uma revisão sistemática dos trabalhos
publicados de 2010 a 2018, tomando como referência os Anais do Congresso
Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica (CIPA) e do GT 19 Educação
Matemática no âmbito das reuniões nacionais da Associação Nacional da
Pesquisa em Educação (Anped), além de periódicos qualificados na área, nos
quais foram identificados produções com tal temática21. Ao buscar uma sis-
tematização da produção, as autoras concluem que se trata de um campo de
investigação em construção, marcado por uma polissemia de termos e a busca
dos pesquisadores pela compreensão dos processos metodológicos dessa
modalidade de pesquisa. Segundo as autoras, as narrativas, quando tomadas
como objetivo de problematização e reflexão, podem

contribuir para o rompimento de práticas e crenças tradicionais do ensino


da matemática, permitindo ao (futuro) professor (re)significar suas aprendi-
zagens e construir um repertório de saberes que subsidiam a sua atuação em
outra perspectiva, diferente daquelas que vivenciaram. Além disso, tais nar-
rativas trazem os sentidos que cada sujeito atribui ao vivido, como também a
história de um contexto específico, as ideias de uma coletividade profissional.
Seu compartilhamento – entre os pares ou com o próprio pesquisador – se
constitui em prática de formação que precisa ser valorizada. (NACARATO;
MOREIRA; CUSTÓDIO, 2019, p. 35)

Elas alertam para o compromisso ético do pesquisador para com os


depoentes da pesquisa, exigindo esclarecimentos quanto ao processo analítico
e às devidas devolutivas do trabalho, visto que as histórias narradas passam
pelo viés interpretativo do pesquisador e a interpretação é subjetiva, parcial e
situada.
O contraponto ao final, problematizado por Célia, sinaliza a perspec-
tiva de novos estudos, recentíssimos22, que apontam para um movimento de

21 Os periódicos foram: Boletim de Educação Matemática (Bolema – Unesp/Rio Claro),


Zetetiké (FE/Unicamp), Revista Eletrônica de Educação (Reveduc – UFSCar), Perspectivas
em Educação Matemática (UFMS), Revista Educação PUC-Campinas; Revista Brasileira
de Pesquisa (Auto)Biográfica (RBPAB); e Educar em Revista (UFPR).
22 Como exemplo, cita-se o Projeto de Pesquisa “A Matemática na formação de professo-
res e no ensino: processos e dinâmicas de produção de um saber profissional, 1890-1990”,
coordenado por Valente. Projeto temático na área da Educação Matemática, financia-
do pela FAPESP.

120 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


estudos de processos de objetivação de saberes profissionais dos professores
investigados do ponto de vista histórico. Mas, como já dito, trata-se de pers-
pectivas muito recentes e que será preciso aguardar os resultados de pesquisas
que caminhem nesta direção.
Outro aspecto ora identificado no debate diz respeito a pouca origina-
lidade de referenciais teórico-metodológico que valorizem a especificidade
de nosso país, ou ainda, a diversidade de nossas regiões, visto a dimensão do
Brasil. Por mais que tenhamos consciência dos problemas decorrentes de trans-
ferências culturais, de “modelos teóricos” importados, a circulação de ideias,
propostas pedagógicas é uma prática de muito tempo e não somente do Brasil,
as missões pedagógicas internacionais (viagens de estudo ao estrangeiro para
conhecer sistemas educacionais) do século XIX constituem papel relevante na
construção dos sistemas escolares modernos do século XIX, tanto na França
como em países ocidentais (MATASCI, 2015)23, assim como as Exposições
Internacionais. A ideia de conhecer “o outro” para melhor compreender “o
nosso” é uma aposta de longo tempo, não no sentido de importar ou copiar
modelos prontos, mas sim, de melhor compreender a nossa cultura, a partir do
contato, das trocas e das aprendizagens com outras culturas. O painel de dis-
cussão do PME 23, ocorrido em julho de 2019, teve como tema: What is proven
to work (according to international comparative studies) in successful countries
should be implemented in other countries?24
Por fim, poderíamos ainda ampliar as reflexões em debate no sentido
de questionar se tais resultados sobre pesquisas de formação de professores
que ensinam matemática se configuram como particularidades de sujeitos
que ensinam matemática ou comungam juntos com outras áreas de ensino,
ou ainda com desafios e estudos similares sobre formação de professores em
geral. Esse movimento pode contribuir para a construção de uma agenda polí-
tica à Educação, mas é importante cuidar para que não se torne um modo
de generalizar, de esconder as diferenças e os processos de diferenciação que
precisam ser compreendidos e problematizados.

23 A tese de Conceição (2019) analisa os saberes geométricos para a formação do profes-


sor presentes nos relatórios produzidos por três professores primários brasileiros que parti-
ram em missões pedagógicas para a Europa no final do século XIX.
24 O que é comprovado em pesquisas (em acordo com estudos internacionais comparati-
vos) de países de sucesso deve ser implementado em outros países?

A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 121


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A formação de professores que ensinam Matemática – História e perspectivas atuais 123


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124 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


3 A história da Educação
Matemática nos cursos de
formação de professores

Bruno Alves Dassie25


Elisabete Zardo Búrigo26
Maria Laura Magalhães Gomes27

Uma apresentação
Os textos que seguem “História da Educação Matemática e Formação de
Professores: reflexões, indagações, desafios”, de Maria Laura Magalhães Gomes,
e “Interrogações sobre o passado e o presente: aprendendo com a História da
Educação Matemática”, de Elisabete Zardo Búrigo, são frutos da mesa-redonda
“A História da Educação Matemática nos cursos de formação de professores”,
realizada no IV Enaphem em 2018. Como podemos contextualizar esses textos

25 Universidade Federal Fluminense. Programa Pós-graduação em Educação. E-mail: ba-


dassie@gmail.com
26 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Matemática. E-mail: elisabete.burigo@ufrgs.br
27 Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-graduação em Educação.
E-mail: laura@mat.ufmg.br

125
no debate sobre a temática da Mesa? Nessa pequena apresentação eu exponho
minhas interpretações sobre esse processo, a partir de considerações sobre a
inserção de questões historiográficas no curso de formação de professores.

***

A inclusão de temas e questões históricas na formação de professores de


Matemática no Brasil não é uma temática recente. Observa-se desde a cria-
ção dos primeiros cursos de licenciatura a existência uma disciplina desti-
nada à apresentação de tópicos relacionados à História da Matemática. Por
exemplo, na Universidade do Distrito Federal, criada em 1935, encontrava-se,
na grade curricular do curso de licenciatura, a disciplina História e Filosofia
da Matemática, como pode ser visto em Dassie (2009); e na Universidade de
São Paulo, a disciplina História das Matemáticas, citada por Gomes (2016b).
Nesses trabalhos, não há detalhes sobre os cursos devido à ausência de fon-
tes e, por consequência, não há evidências de quais foram os argumentos em
prol da criação dessas disciplinas e quais eram seus objetivos. Em ambos os
casos, pode-se perceber a valorização desse conteúdo na formação do profes-
sor, mas em uma perspectiva da História da Ciência, sem reflexões para fins
pedagógicos.
Com a emergência do campo da Educação Matemática, a relação entre
História da Matemática e formação do professor apresenta-se com outros con-
tornos. Segundo Miguel e Brito (1996, p.48), no texto denominado “A história
da matemática na formação de professores”,

Na década de 1980, com o refluxo [...] [do Movimento da Matemática


Moderna], assiste-se também um reavivamento do interesse pela história e
à tentativa de tornar explícitas as suas potencialidades pedagógicas. De fato,
nos vários congressos internacionais de educação matemática ocorridos a
partir da década de 1980, as discussões relativas às potencialidades pedagógi-
cas da história da matemática começaram a ganhar espaço. [...]

Em nosso país essa discussão é mais recente. Em alguns eventos voltados


para o ensino de matemática essa problemática tem sido levantada. Por
exemplo, no I Encontro Paulista de Educação Matemática, realizado em
outubro de 1989 na cidade de Campinas, ocorreu uma atividade coordenada

126 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


denominada “Aspectos Históricos no Processo de Ensino-aprendizagem da
Matemática”, na qual foi levantado o problema referente à função do estudo
da história da matemática na formação do professor de matemática. Nessa
ocasião, os participantes dessa atividade destacaram a “lamentável ausência
da disciplina História da Matemática, quer na quase totalidade dos currículos
da Licenciatura, quer na totalidade dos cursos de Magistério”.

A partir desses marcos apontados por Miguel e Brito, observa-se no


Brasil um crescimento em relação à implementação da disciplina História da
Matemática nos cursos de Licenciatura. Por exemplo, Stamato (2003, p. 38-39)
apresenta um levantamento acerca da implementação dessa disciplina em 43
instituições do ensino superior e o que se pode observar é que cerca de 84%
dessas IES instituíram a disciplina entre 1990 e 2005. Os argumentos apresen-
tados pelos responsáveis dos cursos e citados por Stamato (2003) são de diver-
sas naturezas e se pode considerar que se enquadram na síntese apresentada
por Miguel (1997) em relação às “potencialidades pedagógicas da história da
matemática”28.
Para Miguel (1997), os “argumentos reforçadores” em defesa da História
e suas relações com a Educação Matemática são: a história é uma fonte de
motivação para o ensino e aprendizagem da matemática; a história constitui-se
numa fonte de objetivos para o ensino da matemática; a história constitui-se
numa fonte de métodos adequados de ensino da matemática; a história é uma
fonte para a seleção de problemas práticos, curiosos, informativos e recrea-
tivos a serem incorporados nas aulas de matemática; a história é um instru-
mento que possibilita a desmistificação da matemática e a desalienação de seu
ensino; a história constitui-se num instrumento de formalização de conceitos
matemáticos; a história é um instrumento de promoção do pensamento inde-
pendente e crítico; a história é um instrumento unificador dos vários campos
da matemática; a história é um instrumento promotor de atitude e valores; a
história constitui-se num instrumento de conscientização epistemológica; a

28 Miguel (1997, p. 74) faz um levantamento “[...] a partir da leitura e análise de uma docu-
mentação básica construída de artigos publicados em revistas nacionais e internacio-
nais de Educação Matemática, súmulas contidas em Anais e Encontros nacionais e inter-
nacionais de Educação Matemática, capítulos de livros e referências esparsas contidas
nas obras de matemáticos, historiadores de matemática e educadores matemáticos”.
Cabe citar que este trabalho é uma síntese de parte da tese de doutorado desse pes-
quisador (MIGUEL, 1993).

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 127


história é um instrumento que pode promover a aprendizagem significativa
e compreensiva da matemática; a história é um instrumento que possibilita o
resgate da identidade cultural.
Além dos argumentos apontados por Miguel (1997), oriundos da produ-
ção do campo de pesquisa, pode-se citar que a criação da disciplina História da
Matemática nos cursos de Licenciatura foi potencializada também pela criação
de linhas de pesquisa e de grupos que passaram a se dedicar a investigações
dessa natureza, da Sociedade Brasileira de História da Matemática, em 1999,
e pela incorporação do debate sobre as relações entre História e Educação
Matemática em documentos oficiais. Em relação a esse último aspecto, por
exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais, dos anos finais do ensino
fundamental (BRASIL, 1998, p.42-43), consideram a História da Matemática
como um “caminho para ‘fazer Matemática’ em sala de aula” e as Diretrizes
Curriculares para os cursos de Matemática, em particular o Parecer CNE/CES
1302/2001, indicam que, na parte comum a todos os cursos de Licenciatura,
deve-se incluir “conteúdos da Ciência da Educação, da História e Filosofia das
Ciências e da Matemática” (BRASIL, 2002).
É interessante notar que ao longo do processo de implementação de uma
disciplina, a partir de argumentos baseados nas “potencialidades pedagógicas”
da História, já é possível observar, em menor escala, a problematização em
relação ao tipo de “participação” de reflexões historiográficas na licenciatura.
Sobre esse aspecto, Miguel e Brito (1996, p.48) retomam os Anais do I Epem e
destacam que a

inclusão de tal disciplina nos cursos de formação de professores, por si só, não
garantiria que a mesma se revertesse em um instrumento de apoio à prática
docente. Haveria necessidade de aprofundamento da discussão relativa aos
objetivos que uma disciplina dessa natureza viria a se cumprir na formação do
professor. (ANAIS I Epem, 1989, p. 241 apud MIGUEL; BRITO, 1996, p.48)

Assim, dentre os objetivos da reflexão de Miguel e Brito (1996, p. 49), eles


apontam que, naquele momento, desejam “destacar elementos que possam,
eventualmente, contribuir com a reflexão acerca da participação da história da
matemática na construção do conhecimento matemática do futuro professor”.
Além disso, eles afirmam:

128 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Não vamos [...] defender o ponto de vista de que a história da matemática deve
se constituir apenas em mais uma disciplina isolada das demais na formação
do professor de matemática, o que viria a reforçar entre os futuros professores
a indesejável separação radical entre matemática e história da matemática e
a oposição entre o lógico e o histórico. Ao contrário, defenderemos a tese de
uma participação orgânica da história da matemática nessa formação, o que
significa, primeiramente, a tentativa de se imprimir historicidade às discipli-
nas de conteúdo específico.

A proposta de uma “participação orgânica”, como relatada posterior-


mente por Miguel e Miorim (2004, p.153-154), também se relaciona com uma
proposta de “conexão entre domínios”, a saber, o da História da Matemática e o
da História da Educação Matemática. Na análise de Gomes (2010, p.xvi-xvii),
esses professores da Unicamp

se posicionam em favor de um trabalho de formação do licenciando que não


substitua o estudo da História da Matemática pelo da História da Educação
Matemática, mas que integre ambos no interior de sua concepção de proble-
matização da educação matemática escolar.

Um exemplo dessa articulação foi relatado em 1999 no III Seminário


Nacional de História da Matemática por Brito e Miorim (1999), no texto deno-
minado “A história na formação de professores de matemática: reflexões sobre
uma experiência”. Esse relato se baseia em uma experiência na disciplina deno-
minada Fundamentos da Metodologia do Ensino da Matemática, cujos objeti-
vos eram:

1. Conhecer/analisar as principais transformações ocorridas no ensino de


matemática em nível médio no Brasil, relacionando-as com os respectivos
momentos históricos; 2. Perceber as diversas alterações no modo de apresen-
tação matemática em livros didáticos e propostas curriculares de diferentes
épocas, analisando as implicações pedagógicas de cada uma dessas formas
de apresentação; 3. Discutir/analisar alterações no modo de apresentação
da matemática e de ensino e aprendizagem da matemática, na prática peda-
gógica do ensino de matemática (relação professor-aluno-conhecimento);
4. Repensar os fundamentos de conceitos matemáticos, normalmente

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 129


trabalhados em nível médio de ensino, a partir de aspectos históricos, filosó-
ficos, psico-sociológicos e didáticos desses conceitos; 5. Perceber, a partir das
histórias da matemática e do ensino da matemática, modos alternativos de se
encadear os tópicos de matemática tradicionalmente trabalhados na escola e
refletir sobre as implicações pedagógicas de cada um desses modos. (BRITO;
MIORIM, 1999, p.256-257)

E para atingir esses objetivos, essas professoras elencaram os seguintes


temas: 1. Habilidades matemáticas para o século XXI ou para hoje?; 2. História
da Educação Matemática; 3. Fundamentos histórico-filosóficos e psico-socio-
lógicos dos seguintes temas: 3.1. Funções ou Álgebra no ensino médio; 3.2.
Logaritmos; 3.3. Trigonometria; 3.4. Geometria Espacial; 3.5. Geometria
Analítica; 3.6. Análise Combinatória; 3.7. Probabilidade e Estatística (BRITO;
MIORIM, 1999, p.257-258). Um bom exemplo desta concepção encontra-se
no texto “Os logaritmos na cultura escolar brasileira”, de Miorim e Miguel
(2002).
Em paralelo a esse movimento de articulação proposto pelo grupo de
professores da Unicamp, observa-se outro ponto de vista sobre a inserção de
questões históricas na formação de professores de matemática. Trata-se da
proposta apontada por Valente (2002), considerando a emergência do campo
da História da Educação Matemática. Gomes (2010, p.xv) sintetiza as reflexões
de Valente (2002) da seguinte maneira:

Wagner Valente (2002), por exemplo, ao analisar a participação da História


da Matemática na formação inicial de professores, explicita sua visão de que,
da maneira como tem estado presente nas licenciaturas, a disciplina tende
a reforçar a ideia de que o saber que o professor utiliza diretamente em sua
prática é o “saber científico”, no caso o “saber dos matemáticos”, estando esse
tipo de inserção da História da Matemática na formação docente integrado a
tendências há muito ultrapassadas pelas pesquisas em Educação Matemática.
[...] Os modos de constituição da História da Matemática como disciplina
nos cursos de licenciatura seriam, segundo Valente, inadequados à formação
de um educador matemático. Em contraposição a eles, Valente defende que
a história da matemática que contribuiria de fato para formar um educador
matemático seria a história da matemática ensinada pelo futuro professor, ou
seja, a matemática escolar.

130 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Esse posicionamento também pode ser visto no texto de Valente (2010),
denominado “História da educação matemática: considerações sobre suas
potencialidades na formação do professor de matemática”. Nesse artigo,
Valente reafirma que as reflexões historiográficas na formação do professor
devem ser tratadas na perspectiva da História da Educação Matemática e
amplia seus argumentos apresentando os porquês e as potencialidades desse
saber na licenciatura a partir de elementos relacionados ao processo de profis-
sionalização. Para ele,

a dimensão formativa da história da educação matemática parece ser de outra


natureza àquela da História da Matemática. Ela aponta para a formação pro-
fissional do professor, para a sua necessidade de compreender que heran-
ças reelaboradas o seu ofício traz de outros tempos e que estão presentes na
sua prática pedagógica cotidiana. Além disso, o professor de matemática do
século XXI não se constitui como herdeiro dos matemáticos, mas dos profes-
sores de matemática do século XX, quando isso se analisa numa determinada
escala. (VALENTE, 2010, p.133)

Nesse debate, podemos retomar Gomes (2010), que nos apresenta o texto
de Garnica (2006), sobre as “potencialidades de uma vertente mais específica
da História da Educação Matemática”, a saber, “a interface da História Oral e
Educação Matemática”. Para Gomes (2010), Garnica argumenta a favor de uma
“participação da História na formação dos professores”, mas “não se detém em
uma discussão, como Valente e Miguel e Miorim o fazem, sobre uma opo-
sição ou integração entre História da Matemática e História da Educação
Matemática” (GOMES, 2010, p. xvii). Segundo essa pesquisadora,

Para o autor [Garnica (2006)], a compreensão histórica de diversos aspectos


ligados à formação e à atuação docentes, ou ainda, o conhecimento, a partir
de concepções passadas e presentes, da constituição da Educação Matemática,
seriam prioritários para a formação dos professores.

Cabe destacar que Garnica (2006) não defende a introdução de uma dis-
ciplina específica no curso de licenciatura em Matemática. Para ele,

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 131


Concebendo como elementos de abstração as teorias pedagógicas, os méto-
dos didáticos, os aspectos filosóficos, políticos e axiológicos da Educação e da
Educação Matemática, as atividades em História Oral e Educação Matemática
poderão articular, por exemplo, as disciplinas classicamente conhecidas como
“disciplinas pedagógicas” às situações concretas, visando a buscar, ao longo
da formação inicial, a tão decantada articulação teoria-prática. (GARNICA,
2006, p.159)

Mesmo sem constituir um inventário, ou estado da arte, do debate na


Educação Matemática sobre a inserção de questões históricas na formação
do professor, é possível perceber que a emergência do campo da História da
Educação Matemática potencializou outras reflexões sobre as formas de intro-
dução desses saberes na formação do docente. As temáticas sobre a matemá-
tica escolar tornam-se centrais no debate a partir de alguns pesquisadores,
novamente sendo defendida uma disciplina ou uma participação orgânica,
por exemplo, em espaços não disciplinares. Esse debate favoreceu, a partir dos
anos 2000, a realização de experiências envolvendo a inserção da História da
Educação Matemática na formação de professores, nas diferentes perspectivas
citadas acima. E é nesse contexto que se situam, por sua vez, as discussões
ocorridas nas duas últimas edições do Enaphem (2016 e 2018), por meio de
mesas-redondas que encerraram os eventos.
Os textos a seguir se destacam por não apresentar as diferentes perspec-
tivas que vêm sendo praticadas, institucionalizadas e consolidadas, sob a ótica
da polarização – como ocorrido no III Enaphem em 2016 –, mas possuem um
eixo comum que vem enriquecer o debate em tempos atuais: revisitar nossas
práticas de modo que possamos caminhar para a constituição de uma agenda
centrada na contribuição da História da Educação Matemática na formação de
professores como espaço de resistência.

História da Educação Matemática e formação de


professores: reflexões, indagações, desafios
O tema das relações da História da Educação Matemática com a forma-
ção de professores vem sendo discutido intensamente desde a segunda (Bauru,
São Paulo, 2014) e a terceira (São Mateus, Espírito Santo, 2016) edições do

132 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Encontro Nacional de Pesquisa em História da Educação Matemática, em
2014 e 2016.
No II Enaphem, na mesa de abertura do evento, intitulada “O Enaphem
e a História da Educação Matemática no Brasil”, proposta como discussão do
movimento de constituição do campo em relação ao encontro cuja quarta
edição se realizou em 2018, em Campo Grande, no campus da UFMS, um
dos eixos de minha participação29 foi o da problematização referida ao evento.
Naquele momento de 2014, abordar a problematização significou contemplar
a questão da contribuição possível da História da Educação Matemática nas
“práticas educativas mobilizadoras de cultura matemática” (MIGUEL, 2014b,
p. 29), sobretudo naquelas voltadas para a formação de professores. Tal con-
tribuição era pouco visível, ao que me parecia, nas produções registradas nos
anais do I Enaphem, realizado em Vitória da Conquista, na Bahia, em 2012.
Ficou-me a impressão de que discutir essa questão ultrapassou em muito o que
eu imaginava ao elaborar aquela fala, que completa cinco anos no momento
em que redijo o presente texto.
Essa impressão se acentuou quando fixei a atenção em alguns aspectos
das propostas para a terceira e a quarta edições do Enaphem. De fato, no site
do III Enaphem, entre as primeiras palavras sobre o evento estão as seguin-
tes: “O tema em destaque do 3.º Enaphem é História da educação matemática
e formação de professores. Espera-se que haja uma quantidade significativa
de propostas sobre o papel da história da educação matemática na formação
de professores”. Não é difícil constatar que a programação do evento de 2016
investiu de fato nesse tema, tanto na Conferência de Abertura, denominada
“História da Educação na Formação de Professores”, proferida pelo professor
Décio Gatti Júnior, quanto na proposição da mesa-redonda “História da edu-
cação matemática na formação de professores”, da qual participaram os pro-
fessores Iran Abreu Mendes (coordenador) e as professoras Maria Cristina de
Araújo Oliveira e Heloisa da Silva.
O livro relativo ao terceiro Enaphem (DASSIE; COSTA, 2018) recebeu
o título do tema em destaque e contém o texto da conferência de abertura
e dois capítulos específicos direcionados ao tema da História da Educação
Matemática na formação de professores. São eles: “A disciplina História da

29 A fala que então proferi foi publicada como um capítulo (GOMES, 2016) do livro alusivo
ao evento, que foi organizado por Garnica (2016).

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 133


Educação Matemática na formação de professores: experiências praticadas ou
em andamento”30 e “O que pode a História da Educação Matemática em espa-
ços não disciplinares?”31.
Essas observações evidenciam que a contribuição da pesquisa em
História da Educação Matemática para a formação de professores foi, efetiva-
mente, tema proeminente no III Enaphem. O histórico apresentado no site do
IV Enaphem, construído em 2018, voltou a focalizar o tema, informando que
“a temática foi tão instigante e potente que houve, por parte dos participantes,
a solicitação que o tema fosse mantido para a quarta edição do Enaphem”32.
Explicou-se, ademais, que “as drásticas mudanças que ocorreram no cenário
político e educacional brasileiro nos últimos anos”, relacionadas a cortes de
recursos financeiros para diversos programas de formação inicial e continuada
de professores e para pesquisas, “muitas relacionadas à formação de profes-
sores, seja para a educação básica ou superior” justificavam plenamente uma
nova abordagem da temática no evento de 2018. Com a formulação “Formação
de Professores: história, cultura e política”, nossa comunidade, representada
pela organização do IV Enaphem, buscou dar continuidade e ampliar as dis-
cussões que entrelaçam a História da Educação Matemática e a formação de
professores.
Certamente, após a escrita desse texto do site do IV Enaphem, os acon-
tecimentos políticos, que incluíram a eleição, em outubro de 2018, e a posse,
em janeiro de 2019, de um governo federal de extrema direita, confirmaram o
agravamento do quadro do País, trazendo muitas preocupações para o futuro
geral da educação e, particularmente, para a pesquisa em Educação e Educação
Matemática, assim como para a formação de professores. Desse modo, e con-
siderando também que a formação de professores de Matemática, como bem
escreveu o professor Pitombeira (CARVALHO, 1991), é o problema mais
importante da Educação Matemática no Brasil tanto por sua relevância social
como pelo seu potencial de integrar todas as tendências do campo, pensar e
discutir a respeito das relações da História da Educação Matemática com a
formação de professores representou um ato mais do que oportuno no evento

30 Texto assinado por Iran Abreu Mendes, Maria Cristina Araújo de Oliveira, Elisabete Zardo
Búrigo e David Antônio da Costa.
31 O capítulo foi escrito por Luzia Aparecida de Souza, Diogo Franco Rios e Heloisa da Silva.
32 Disponível em: https://enaphem.wordpress.com/historico/. Acesso em: 03 out. 2019.

134 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


e continua a ser pertinente depois, no ensejo da produção do livro referente ao
IV Enaphem.
Se o problema para o qual chamei a atenção em 2014 adquiriu tanto des-
taque, considero interessante fazer algumas considerações acerca da pertinên-
cia de acreditarmos que a História da Educação Matemática representa uma
contribuição potencialmente muito relevante na formação de professores.

Por que História da Educação Matemática


na formação de professores?
No texto que escrevi para a abertura do II Enaphem, lancei mão de um
trabalho da professora Cláudia Alves, denominado “O educador e sua relação
com o passado” (ALVES, 2012), no qual ela discute três aspectos da relação
entre educador e passado da educação: as sobrevivências do passado no pre-
sente, as diversas temporalidades que habitam um mesmo tempo e as múltiplas
formas de subjetivação do tempo. Busco, a seguir, sintetizar as conclusões da
autora no sentido da importância do conhecimento da história da educação.
Quanto ao primeiro aspecto, conhecer as formas do passado no que diz
respeito a concepções, práticas, valores, preconceitos, estar consciente do que
permaneceu e do que mudou conduziria o professor a uma maior possibili-
dade de avaliação crítica daquilo que frequentemente se apresenta como novo
e à compreensão do enraizamento, na escola, na família e na sociedade em
geral, de dimensões que impedem que caminhemos adiante ou que, se o possi-
bilitam em certos momentos, logo são alvo das reações. Podemos refletir sobre
isso, levando em conta os diversos tipos de discriminação que se manifestam
no âmbito geral da escola e do ensino da Matemática em particular. Talvez
seja ocioso enumerar tais discriminações, mas pode ser profícuo para as nos-
sas reflexões mencionar, por exemplo, a discriminação racial e a de gênero,
bem como avaliar formas como repercutem, ao longo do tempo, na educação
matemática.
Em relação às diversas temporalidades que habitam um mesmo tempo,
olhar com maior densidade de conhecimento histórico para os muitos passa-
dos que se manifestam no presente por meio de seus traços persistentes pode
significar um aporte à identidade e à atuação profissional do educador, espe-
cialmente, no que nos interessa, do professor que ensina Matemática (aqui

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 135


incluo tanto aquele que não tem uma habilitação específica para isso quanto o
que passa ou passou por uma formação acadêmica nessa direção).
É oportuno lembrar a advertência de Viñao (2012) sobre concepções
gerais dos professores quanto à história da educação, que seguramente se apro-
ximam das dos professores (e futuros professores) que ensinam Matemática.
Ele afirma que os docentes tendem a considerar

(a) que a história da educação começa com sua experiência – memória – pes-
soal e profissional dessa educação e que antes dessa experiência só existe um
magma mais ou menos confuso e invariável; (b) que tal história está centrada
ou gira em torno de seu campo disciplinar e do nível educacional a que per-
tencem; e (c) que qualquer tempo passado – em especial aquele em que fize-
ram seus estudos ou outro tempo mítico não concretizado – foi melhor que o
atual naquilo que se refere à educação. (VIÑAO, 2012, p. 105-106)

O autor espanhol continua e diz que é raro que os professores (e podemos


dizer também os futuros docentes) sejam conscientes de que

a configuração atual de seu nível ou modalidade de ensino e seu campo dis-


ciplinar, aquele que lhes proporciona sua identidade como professores, é o
resultado de um longo processo de construção social e cultural cuja dura-
ção excede sua experiência pessoal, temporal e profissionalmente limitada.
(VIÑAO, 2012, p. 106)

Voltando ao trabalho de Alves (2012), retomemos suas considerações


acerca das múltiplas formas de subjetivação do tempo. A autora alerta para
os tempos consolidados e internalizados na relação com a cultura escolar e as
novas formas de relação com o tempo, aceleradas intensamente pelas tecnolo-
gias da informação e comunicação. Não se trata de simplesmente modificar as
práticas procurando aproveitar o potencial dessas tecnologias, sem qualquer
reflexão de natureza crítica. Essas tecnologias trouxeram uma relação com o
tempo marcada pela fragmentação, que são apropriadas pelo individualismo,
pelo consumismo acrítico e pela possibilidade de moldar comportamentos.
Conhecer a história da educação e da educação matemática não teria o obje-
tivo de disponibilizar as lições do passado, já que hoje essa concepção talvez
não seja valorizada como o foi em outros momentos. A ideia principal estaria

136 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


em oferecer aos professores ferramentas para aguçar sua percepção do pre-
sente e auxiliar nas reflexões sobre o futuro.
Toda essa argumentação, dirigida para a relação do educador com o pas-
sado da educação, vale indubitavelmente para a formação do professor que
ensina Matemática e deve ser relacionada a uma característica própria da
Matemática como disciplina escolar: a de “ferramenta de segregação intelec-
tual que se utiliza como o mecanismo de seleção tanto dentro do âmbito esco-
lar quanto nos setores produtivos” (FARFÁN MÁRQUEZ; SIMÓN RAMOS,
2018). Nossa disciplina, priorizada historicamente nos planos de educação
escolar, nunca deixou de ser filtro para seleção, classificação e eliminação das
pessoas. Mais: considera-se que a Matemática tem o poder de revelar e ava-
liar o mérito individual e evidencia-se essa faceta quando se procura justificar
politicamente seu papel de destaque nos currículos. Mais recentemente, tem
sido posto em destaque o suposto caráter não doutrinário ou não ideológico
da Matemática atribuído à disciplina por alguns segmentos da sociedade bra-
sileira, de forma que, na conjuntura atual, tende a crescer a já antiga proemi-
nência. Todavia, uma expectativa realista é que também serão privilegiadas as
abordagens “antigas” centradas no conteúdo, e pouco serão considerados os
resultados das pesquisas do campo da Educação Matemática desenvolvidas
nos últimos 30 anos.
Como escreve Miguel (2018, p. 309-310), em referência à recente reforma
brasileira do Ensino Médio, a matriz do liberalismo meritocrático – e vale a
pena lembrar a constituição conjunta de processos de escolarização, meritocra-
cia e Matemática estudada por Silva (2013) – tem agora um formato neolibe-
ral, que “não é senão um catecismo cientificista, mercadológico, produtivista,
concorrencial, predatório, neocolonizador, racista e excludente, orientado
para a realização de uma avassaladora doutrinação de massas”. Ainda con-
forme Miguel (2018, p. 310), a religião imperialista, fundamentalista, secular
e belicista do neoliberalismo afirma-se como neutra, imparcial, apartidária,
laica e irreligiosa, e é fácil notar que essas características estão muito próximas
das atribuídas usualmente à Matemática tanto como disciplina escolar quanto
como campo científico.
Nesse contexto, situa-se, também, a proposição do projeto Escola Sem
Partido, “um movimento conservador que busca mobilizar princípios reli-
giosos, a defesa da família em moldes tradicionais e a oposição a partidos de

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 137


esquerda e de origem popular” (MACEDO, 2017, p. 509). A mesma autora
estuda as articulações desse projeto defendido por grupos religiosos conser-
vadores, principalmente igrejas neopentecostais e o movimento católico de
renovação carismática, com o neoliberalismo (MACEDO, 2018). Argumenta
que a ideia de uniformizar currículos escolares faz parte de uma reação racista,
sexista, discriminatória dos grupos sociais minoritários às poucas conquistas
desses grupos nos últimos anos. A incorporação da Escola Sem Partido à edu-
cação brasileira configura-se como um retrocesso inaceitável quando levamos
em consideração as diretrizes e as legislações estabelecidas no final do século
XX e nos últimos anos do presente século, que conduziram a mudanças e
avanços nem tão grandes assim. No momento da escrita deste texto, apesar de
ter sido considerado inconstitucional, esse projeto continuava a ser discutido
nos órgãos legislativos de estados e municípios brasileiros, atestando a exis-
tência de muitos adeptos de uma proposta completamente antidemocrática33.
Ademais, a educação escolar continua a ser objeto de outras propostas que
ameaçam a democracia, tais como a educação domiciliar34. É oportuna a refle-
xão de Cury (2019, p. 6, grifo do autor):

A escolaridade traz consigo o campo da convivência. Convivência que reabre


uma nova tensão: os diferentes se encontram em um espaço comum a fim de
conhecerem e praticarem “as regras do jogo”. Os diferentes se encontram para
que haja um reconhecimento recíproco da igualdade, da igualdade essencial
entre todos os seres humanos. Os diferentes se encontram para, em base de
igualdade, reconhecer e respeitar as diferenças. É nesse ir e vir de conheci-
mento comum, de aprendizado das regras do jogo, da consciência da igual-
dade e do reconhecimento do outro como igual e diferente que se efetiva a
“dignidade da pessoa humana”, princípio de nossa Constituição.

33 “O movimento Escola sem Partido defende que apenas a família e a religião podem
educar, e os professores devem se restringir a instruir os alunos com o único objetivo de
qualificá-los para o trabalho. Tal assertiva qualifica o projeto como uma iniciativa que
busca destruir o caráter educacional da escola e da sala de aula como espaço de de-
bate e aprendizado para a vida” (PENNA, 2018, p. 111).
34 Em abril de 2019, o poder executivo encaminhou à Câmara dos Deputados, via Ministério
da Mulher, Família e Direitos Humanos, o projeto n. 2401/2019, que se fundamenta no
direito de os pais escolherem o ensino pela família ou pela oferta escolar pública ou
privada (CURY, 2019).

138 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Nesse cenário, discutimos a defesa da presença, na formação docente, da
História da Educação Matemática, que não oferece “receitas, respostas e solu-
ções práticas de aplicação imediata aos problemas cotidianos do professor na
sala de aula”, mas pode contribuir com “propostas e abordagens que obrigam
a refletir, a pensar, que minam os alicerces do saber-poder em que se baseia
o trabalho docente em uma área ou campo determinados” (VIÑAO, 2012, p.
106), e pode oferecer, ainda, uma compreensão crítica da história da profissão
docente ao professor de Matemática.
Nesse contexto de retrocesso obscurantista, cabe, porém, situarmo-nos
quanto aos esforços recentes no sentido de incorporar a História da Educação
Matemática à formação de professores, especialmente nos cursos de licencia-
tura. Procuramos, portanto, problematizar as possibilidades de inserção das
propostas e produções do campo na formação de professores que ensinam
Matemática e focalizamos algumas realizações da comunidade de pesquisado-
res brasileiros no sentido de incorporar a História da Educação Matemática à
formação de professores.

Como a HEM tem sido inserida na


formação de professores?
Ao refletir sobre discussões ocorridas após a mesa-redonda “História da
educação matemática na formação de professores”, realizada no III Enaphem,
Garnica (2017, p. 28) considerou que, embora naquele evento a criação de uma
disciplina específica de História da Educação Matemática tenha sido “majori-
tariamente defendida como opção para consolidar, de forma mais nítida, esse
campo de pesquisa”, ele próprio não entendia que esse seria o único modo
para se trabalhar o campo na formação de professores. Assim, realçou que
existem outras possibilidades e que, mesmo que a implantação da disciplina
seja possível e desejável em algumas circunstâncias institucionais, “apenas se
tomados alguns cuidados, ela pode operar significativamente para a conso-
lidação e divulgação do campo” (GARNICA, 2017, p. 29). Essas ideias, que
compartilho com o autor, chamam a atenção para a possibilidade de se dissol-
verem as potencialidades da História da Educação Matemática na formação de
professores se alguns pressupostos não forem garantidos.

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 139


Entre eles, é fundamental que, no caso de ser efetivamente instituciona-
lizada curricularmente, a disciplina seja regida pela diversidade e pela plura-
lidade, precisamente porque, no campo da História da Educação Matemática,
existe uma enorme variedade de temas, referenciais, metodologias e estilos
de elaboração textual. Além da diversificação quanto a muitos aspectos, seria
importante “promover um contato mais ativo do aluno com as questões da
história, ou seja, usar, na disciplina, metodologias e formas de avaliação tam-
bém diferenciadas e plurais” (GARNICA, 2017, p. 31). Essas considerações
nortearam os comentários apresentados a seguir em relação aos dois capítulos
do livro História da Educação Matemática e Formação de Professores (DASSIE;
COSTA, 2018), referente ao III Enaphem.
Um deles, “A disciplina História da Educação Matemática na Formação
de Professores: experiências praticadas ou em andamento” (MENDES;
OLIVEIRA; BÚRIGO; COSTA, 2018), traz uma síntese de trabalhos concluí-
dos ou em andamento relacionados a uma abordagem disciplinar da História
da Educação Matemática nos cursos de licenciatura das universidades fede-
rais de Juiz de Fora (UFJF), de Santa Catarina (UFSC), do Rio Grande do Sul
(UFRGS) e do Rio Grande do Norte (UFRN).
Nessas instituições, percebemos padrões diferentes de instituciona-
lização disciplinar da História da Educação Matemática. Na UFRN, o texto
comenta “a implantação e o desenvolvimento de uma disciplina sobre história
da educação matemática” (MENDES et al., 2018, p. 88) a partir da reformula-
ção do projeto pedagógico do curso de licenciatura da universidade realizada
no início dos anos 2000. Esse projeto registra, na matriz curricular do curso, a
presença, também, de uma disciplina de História da Matemática, o que atesta
uma separação entre os dois campos. A lista de 10 temas investigados na dis-
ciplina História da Educação Matemática apresentada em Mendes et al. (2018,
p. 89) é composta por seis tópicos gerais e quatro relativos ao Brasil. No curso
da UFJF, a disciplina História da Matemática, que já existia desde a década de
1980, passou a ter uma configuração distinta da referente à “trajetória histórica
da construção da Matemática como um campo científico” (Idem, p. 92), com
uma separação em dois momentos: no primeiro, a caracterização é a anterior,
reservando-se ao segundo tópicos referentes ao percurso da matemática esco-
lar, sobretudo no Brasil. Assim, a história da educação matemática passou a

140 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


integrar o curso de licenciatura da UFJF por meio de uma inserção no interior
da disciplina mais antiga, a História da Matemática.
Na UFSC e na UFRGS, como na UFRN, já vem tendo lugar a oferta de
uma disciplina específica denominada História da Educação Matemática. No
caso dos dois estados do sul, as seções correspondentes do texto que comen-
tamos descrevem brevemente reformulações curriculares dos cursos que aca-
baram levando à criação da disciplina. Observa-se que, para a licenciatura do
Rio Grande do Sul, o texto acentua sua entrada na matriz curricular como
uma possibilidade entre outras inovações a serem incorporadas na reforma do
currículo e como um prolongamento de experiências anteriores desenvolvidas
no âmbito do mestrado profissional em Ensino de Matemática oferecido pela
instituição a partir de 2014. O texto salienta que a criação da disciplina não foi
antecedida por um amplo debate acerca de suas finalidades e evidencia que
sua implantação, muito recente (desde o primeiro semestre de 2017), está dire-
tamente relacionada à presença de três professoras pesquisadoras do campo
no corpo docente da licenciatura e a experiências desenvolvidas no Mestrado
Profissional em Ensino de Matemática da UFRGS. É importante frisar que
foram, sobretudo, os subsídios oferecidos pela pós-graduação que conduziram
à aprovação da proposta da disciplina no grupo maior de docentes que se res-
ponsabilizou pela mudança curricular na licenciatura.
A disciplina História da Educação Matemática na licenciatura da UFRGS
que, no momento da escrita deste texto registra seu quarto oferecimento, é
discutida detalhadamente mais adiante, neste texto, com algumas referências
ao contexto político brasileiro a partir de 2015.
Em Santa Catarina, a situação é diferente, no sentido de a seção do capí-
tulo dedicada à experiência da UFSC assinalar que a proposta de implemen-
tação de uma disciplina presencial optativa com carga de 72 horas-aula foi
precedida de muitos debates pelo Núcleo Docente Estruturante (NDE) dos
cursos de licenciatura e bacharelado em Matemática. A primeira oferta da dis-
ciplina também ocorreu no primeiro semestre de 2017.
Não me deterei na apresentação de uma síntese das atividades realizadas
na disciplina História da Educação Matemática nas quatro licenciaturas abor-
dadas, tendo em vista a necessidade de contemplar também outros aspectos35.
35 Os leitores interessados poderão conhecer detalhes acerca dos conteúdos e metodolo-
gias que vêm sendo usados em Mendes, Oliveira, Búrigo e Costa (2018).

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 141


O que salta aos olhos é a diversidade de abordagens, bibliografias e natureza,
nas quatro universidades, das atividades da disciplina, que ora parecem mais
próximas, ora se afiguram como mais distanciadas da perspectiva de uma his-
tória pedagogicamente vetorizada, conforme a proposição de Miguel e Miorim
(2004), fortalecida pelas considerações de Garnica (2017). Essa visão decorre,
evidentemente, da leitura que faço dos relatos referentes ao enfoque disciplinar
da história da educação matemática na UFJF, na UFRN, na UFRGS e na UFSC.
Ao contemplar essa primeira forma de inserção da História da Educação
Matemática na formação de professores, particularmente nas licenciaturas,
creio que é oportuno estabelecer relações entre os casos em que ela ocorre,
independentemente de pensarmos nas especificidades das quatro instituições
recém-focalizadas, e uma das importantes considerações de Viñao (2012)
acerca da presença da história das disciplinas na formação de professores.
O autor chama a atenção para a formação docente como um campo em que
necessariamente têm que trabalhar e colaborar pesquisadores e formadores
originários de campos disciplinares já constituídos, “cujos colegas veem a his-
tória das disciplinas como um novo campo competidor na hora de ocupar
o espaço acadêmico, necessariamente limitado, da formação de professores”
(VIÑAO, 2012, p. 109). Seguramente podemos pensar sobre isso no que con-
cerne aos cursos de licenciatura em Matemática no Brasil, que têm corpos
docentes extremamente diversificados. Estão usualmente presentes nesses
conjuntos de professores: matemáticos de diferentes áreas de pesquisa, docen-
tes da área de Educação também dedicados à investigação de campos variados,
e pesquisadores em Educação Matemática, cujos trabalhos vêm se fragmen-
tando em um espectro de tendências que parece crescer cada vez mais. Não
há qualquer dúvida de que as diferentes proporções com que cada categoria
se distribui nas instituições formadoras estão ligadas à presença mais forte ou
mais fraca ou mesmo à ausência de determinada frente de investigação e atua-
ção em Educação Matemática entre os membros de cada corpo docente.
Diversos exemplos parecem corroborar que a presença da História da
Educação Matemática como disciplina nos cursos de licenciatura, assim como
de outras disciplinas baseadas em outros focos da Educação ou da Educação
Matemática, “depende da existência ou não, em uma determinada instituição
formadora, de uma pessoa ou grupo de pessoas que investiguem nesse campo,
bem como de seu peso ou grau de influência na instituição” (VIÑAO, 2012, p.

142 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


109). Esse primeiro tipo de inserção da História da Educação Matemática está,
também, indubitavelmente atrelado ao percurso de cada instituição ao longo
do tempo, a uma maior ou menor proeminência da pesquisa em Matemática
nela; às relações estabelecidas acadêmica e administrativamente entre as moda-
lidades de licenciatura e bacharelado em Matemática, quando existe a segunda
dessas modalidades; às relações entre os docentes de diferentes áreas; às inter-
locuções entre os professores da Educação e os inseridos na Matemática ou na
Educação Matemática, entre muitos outros fatores que interferem nas disputas
em torno da necessariamente limitada matriz curricular dos cursos.
Voltemos o olhar agora para a segunda possibilidade de participação da
História da Educação Matemática na formação inicial de professores, represen-
tada pelo capítulo 4 do livro referente ao III Enaphem. O cerne desse capítulo
é constituído pela descrição e pela análise de quatro casos, apresentados por
Luzia Aparecida de Souza, Diogo Franco Rios e Heloisa da Silva, que atuam,
respectivamente na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), na
Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e na Universidade Estadual Paulista
(Unesp) – campus de Rio Claro, como práticas não disciplinares ligadas à
História da Educação Matemática. Essas práticas são, segundo os autores,
caracterizadas por ter como objetivo o desenvolvimento da historicidade dos
participantes, esta última vista como o caráter do histórico, que implica “a
necessidade de compreender algo, o outro e a si mesmo como produtores de
histórias/produções históricas, ou seja, algo impossível de ser compreendido
sem considerar as condições que possibilitam sua própria produção” (SOUZA;
RIOS; SILVA, 2018, p. 148).
Dos quatro casos estudados, três se relacionam a práticas desenvolvi-
das entre estudantes de cursos de licenciatura em Matemática no âmbito do
Programa Pibid-Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência,
do Ministério da Educação, que envolve conjuntamente professores univer-
sitários, docentes da Educação Básica e estudantes de licenciatura. O capítulo
relata detalhadamente atividades dos bolsistas que se sintonizam com o des-
pertar de uma sensibilidade histórica entre os diversos participantes, desta-
cando-se, entre essas atividades, o trabalho desenvolvido em comunidades
escolares específicas, como a Escola Estadual Professor Marciano de Toledo
Piza, em Rio Claro, no estado de São Paulo, e o Colégio Municipal Pelotense
e o Instituto Estadual de Educação Assis Brasil em Pelotas, no Rio Grande do

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 143


Sul. Nessas duas situações, a coleta e a organização de documentos de diversos
tipos, constituintes da memória das instituições, que poderão ser usados em
muitas investigações futuras em História da Educação Matemática, são apenas
um dos aspectos que contribuem/contribuíram para a formação dos futuros
professores no que diz respeito à conscientização da historicidade pessoal dos
sujeitos e da historicidade das instituições, mobilizando e problematizando
a história em processos formativos. Em que pesem instabilidades verificadas
mais recentemente na oferta e na gestão de bolsas do Pibid e dificuldades em
alcançar objetivos formulados inicialmente, nota-se que há um balanço posi-
tivo do que se fez. Um dos resultados foi despertar o interesse dos estudantes
pela pesquisa em História da Educação Matemática, inclusive na pós-gradu-
ação stricto sensu. Além disso, os coordenadores dessas propostas incorpo-
raram resultados das experiências a suas produções acadêmicas, o que, sem
dúvida, é outro aspecto positivo.
Ainda que apresentem diversidade em seu desenvolvimento, advindas
das condições locais e institucionais, das preferências e das circunstâncias pes-
soais dos professores responsáveis, as práticas não disciplinares comentadas
no trabalho de Souza, Rios e Silva (2018) mostram um ponto comum: a rea-
lização de propostas pedagogicamente vetorizadas, na linguagem de Miguel e
Miorim (2004), ou de uma abordagem ativa, conforme a expressão de Garnica
(2017), que me parecem avançar em uma direção mais relevante do que a de
simplesmente investir na formação de futuros pesquisadores. Como sublinha
Garnica (2017), a maior parte dos licenciandos não prosseguirá na pesquisa
nesse campo específico, de modo que as tramas da pesquisa não devem ser
protagonistas na participação da História da Educação Matemática na forma-
ção de professores, em práticas disciplinares ou não disciplinares.
Antes de prosseguir, creio que vale a pena comentar que a conquista de
um espaço como o Pibid para a realização de práticas não disciplinares de
História da Educação Matemática, bem como de outros espaços em que tais
práticas podem se efetivar, depende também da presença, da disponibilidade e
do peso de pesquisadores nos corpos docentes das instituições. Cabe lembrar
que todos os espaços são disputados pelos professores dos cursos, não somente
as disciplinas.
Ao terminar esta parte, devo reforçar que minha posição não é absoluta
em relação a um ou outro tipo de inserção da História da Educação Matemática

144 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


na formação de professores, pois avalio que ambas podem oferecer contribui-
ções positivas. Assim, ao comentar os dois capítulos do livro, minha intenção
foi apresentar ao leitor uma amostra do que tem sido realizado por pesquisa-
dores de nossa comunidade e enfatizar o meu convite especial à leitura desses
textos. Penso que eles oferecem subsídios fundamentais para a efetivação da
presença do nosso campo na formação docente. Para terminar, discorro sobre
algumas ideias quanto a possíveis avanços nas contribuições da História da
Educação Matemática na formação de professores que ensinam Matemática,
tomando como ponto de partida a conscientização geral quanto ao retrocesso
educacional indesejado que vivenciamos de maneira destacada na atualidade.
Podemos avançar no sentido de a HEM contribuir para a formação de
professores?
Nas pesquisas em que tenho investido e nos trabalhos de meus orien-
tandos, uma temática em relação ao passado da educação matemática escolar
que tem me chamado a atenção é a dos processos de exclusão e de inclusão
de diversos grupos sociais. Estou certa que já há pesquisas em relação a esses
processos, mas penso que um investimento maior em temas circunscritos ao
tema e claramente relacionados com o preconceito e a discriminação poderia
representar uma contribuição do nosso campo a ser usada de modo proveitoso
na formação de professores, em práticas disciplinares ou não disciplinares.
Assim, faço referência, por exemplo, à perspectiva de gênero, lembrando que
há um estereótipo que enxerga a Matemática como uma área de domínio mas-
culino que interfere consideravelmente nas carreiras e nos destinos das meni-
nas (FARFÁN MÁRQUEZ; SIMÓN RAMOS, 2018) e que esse estereótipo é
apenas um resultado de construções histórico-culturais. Apesar de as mulhe-
res representarem uma minoria nas carreiras científicas das ciências exatas,
sabemos que o magistério em Matemática se tornou um domínio feminino e
não apenas em nosso país. Muitos estudos em História da Educação se voltam
para o tema da profissão de professora, e podem contribuir significativamente
para que nos debrucemos sobre esse tema quanto ao ensino da Matemática.
Louro (1994, 1995) se refere à emergência do conceito de gênero para
indicar a construção social e histórica de sujeitos femininos e masculinos,
“buscando acentuar o caráter social das distinções baseadas no sexo” (LOURO,
1995, p. 103). O conceito é uma ferramenta teórica potencialmente fértil par-
ticularmente para a educação e a história da educação, que não apenas pode

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 145


provocar novas questões, mas produzir novas respostas para antigas questões,
“além de colocar como ativos e visíveis sujeitos que usualmente têm estado
escondidos nas análises mais tradicionais” (LOURO, 1994, p. 33). Existem
aspectos especialmente adequados às investigações históricas sobre mulheres
e educação matemática, vendo-se o gênero como uma categoria dinâmica, em
construção e passível de transformação, e considerando-se que ele tem história,
isto é, que o feminino e o masculino se transformam histórica e socialmente.
Um elemento fundamental a ser levado em conta quando se quer traba-
lhar na perspectiva de gênero está na proposta de Scott (1995) comentada por
Louro (1995): a historiadora estadunidense se posiciona em direção oposta à
de destacar a história das mulheres, defendendo o trabalho com o conceito de
gênero no sentido de observar as relações entre homens e mulheres, em vez
de se buscar construir um novo gueto. Nas palavras de Scott (1995, p. 75), “o
termo ‘gênero’ é também utilizado para sugerir que qualquer informação sobre
as mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que um implica
o estudo do outro”.
Outras categorias, como classe socioeconômica e etnia, também me
parecem raramente contempladas nas investigações do campo da História da
Educação Matemática, e precisam ser focalizadas de forma articulada com o
gênero para a construção de conhecimentos diversos que possam participar da
formação de professores que ensinam Matemática.
A vertente geral dos processos de inclusão ou exclusão referidos à educa-
ção matemática escolar abrange um campo que vem crescendo entre nós – o
focalizado no GT-13 da SBEM-Sociedade Brasileira de Educação Matemática,
Diferença, Inclusão e Educação Matemática, instituído em 2013, que apresen-
tou um número grande de trabalhos no Seminário Internacional de Pesquisa
em Educação Matemática realizado em 2018. Mais estudos históricos nessa
vertente seriam muito bem-vindos e representariam um aporte importante
para o campo da História da Educação Matemática a ser incorporado à forma-
ção docente, em espaços a serem conquistados, espaços de resistência e mobi-
lização a serem alimentados de forma especialmente consistente e articulada
nos dias atuais.

146 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Interrogações sobre o passado e o presente: aprendendo
com a História da Educação Matemática
As contribuições da História da Educação Matemática para a formação
de professores têm sido tema recorrente dos Encontros Nacionais de Pesquisa
em História da Educação Matemática (Enaphem).
Para que estudar História da Educação Matemática? Os pesquisadores
da área convergem no reconhecimento de que o estudo do passado só faz sen-
tido se articulado com a reflexão sobre o presente (GARNICA, 2014; MATOS,
2018; VALENTE, 2013, 2014). Mas, quais são as possibilidades de essas arti-
culações serem construídas por ou com estudantes em vias de se constituírem
como professores?
Desde o III Enaphem, realizado em São Mateus, em 2016, explicitaram-
-se visões diferentes acerca da oportunidade da institucionalização da História
da Educação Matemática pela criação de uma disciplina, nos cursos de
Licenciatura em Matemática. A discussão foi retomada em mesa-redonda no
IV Enaphem e em outros eventos, como o XIII Seminário Nacional de História
da Matemática, realizado em abril de 2019, em Fortaleza. No livro resultante
do III Enaphem, dois capítulos foram dedicados à reflexão sobre a contribui-
ção da História da Educação Matemática para a formação de licenciandos a
partir de experiências disciplinares e não disciplinares, relacionadas a projetos
de pesquisa, extensão ou ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência (PIBID) (MENDES; OLIVEIRA; BÚRIGO; COSTA, 2018; SOUZA;
RIOS; SILVA, 2018). Ainda em 2017, foi publicado na revista Cadernos de
História da Educação, da Universidade Federal de Uberlândia, um dossiê de
artigos, organizado por Wagner Valente, tratando de experiências de ensino da
História da Educação Matemática em cursos de Licenciatura.
Neste texto, dando prosseguimento à minha participação em mesa-
-redonda do IV Enaphem, discuto algumas dessas possibilidades a partir de
registros de aulas e atividades realizadas na disciplina de História da Educação
Matemática, do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS), instituída por reforma curricular aprovada
em 2016 e implementada desde 2017.
Práticas curriculares, como argumentam Alves e Oliveira (2002), são
necessariamente complexas, contraditórias e densas em imprevisibilidades. O

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 147


texto que segue apresenta, inicialmente, o contexto de institucionalização da
disciplina na UFRGS e as linhas gerais segundo as quais foi construído o plano
de curso. A dinâmica das aulas é organizada em torno de exercícios de estudo
de documentos do passado e de registros de memória, articulados à leitura e à
discussão de textos produzidos pela historiografia. A discussão aqui proposta,
contudo, não está centrada no planejamento, mas em fragmentos do cotidiano
das aulas da disciplina, quando as reflexões tomaram, frequentemente, rumos
inesperados pela professora.
O contexto de produção deste texto é de ameaça à autonomia das univer-
sidades e de pressão para a padronização dos cursos de Licenciatura, em ade-
quação à Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Nesse quadro, estão em
risco não apenas as inovações curriculares introduzidas desde 2016, mas duas
décadas de experimentações e avanços na construção de currículos dos cursos
de formação de professores, nas universidades, desde a aprovação da Lei n.º
9.394/96. Essa instabilidade acentua a importância de aprendermos com as
experimentações em curso, não para tomar este ou aquele caso como modelo
a ser seguido nas demais instituições, mas para construirmos repertórios de
relatos e de avaliações de inovações curriculares que possam inspirar outras
tantas.

História da Educação Matemática como uma


necessidade da Educação Matemática
A História da Educação Matemática é tratada, por alguns pesquisadores,
como um ramo da História da Matemática. Essa visão se explica, sobretudo,
pela trajetória de configuração do campo: eventos e publicações de História da
Matemática foram os espaços que alguns pioneiros da temática, nos anos 1990,
encontraram para divulgar e discutir seus trabalhos; disciplinas de História da
Matemática, nos cursos de Licenciatura, também têm se constituído em espa-
ços de debate e formação em História da Educação Matemática.
Valente (2014) participa de uma vertente que considera a produção de
um conhecimento histórico sobre a educação matemática como uma especifi-
cidade da História e, em especial, da História da Educação. Entretanto, são os
educadores matemáticos que se interessam pelo estudo histórico da educação

148 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


matemática. Daí a necessidade de os educadores matemáticos aprenderem
com os historiadores o ofício de produzir história.
Matos (2018, p. 14) argumenta que a História da Educação Matemática
é, sobretudo, uma necessidade do campo da Educação Matemática, constitu-
ído a partir dos anos 1960: “a identidade do campo educação matemática está
incompleta sem o conhecimento dos problemas do ensino e da aprendizagem
no passado”. E completa: “um saber filiado nas ciências sociais não pode deixar
de estabelecer pontos de contacto com as suas origens, tornando mais susten-
tadas as visões do presente. Apenas com esse conhecimento podemos vislum-
brar como as coisas são e porque são assim e não de outra forma”.
Sem necessariamente aderir a um dos pontos de vista elencados, pode-
mos reconhecer que a História da Educação Matemática tem se constituído
como prática de investigação empreendida por educadores matemáticos. São
os educadores matemáticos que se interessam pela história da disciplina e que
formulam perguntas e conjecturas, buscam e constituem fontes, interrogam
e confrontam documentos. Como advogam Matos (2018) e Valente (2008,
2013), a compreensão dos processos de constituição da matemática escolar é
um componente da identidade dos educadores matemáticos.
Do mesmo modo, considero que, quando propomos a inclusão da História
da Educação Matemática nos currículos das Licenciaturas, o fazemos como
educadores matemáticos ou como formadores de professores que ensinam
Matemática. Assim se deu no caso da UFRGS quando, em 2016, em meio a um
processo mais amplo de reformulação curricular, o grupo de professores enga-
jado na discussão do currículo optou por constituir uma sequência de discipli-
nas de iniciação às leituras e às discussões no campo da Educação Matemática,
substituindo e ampliando aquelas ofertadas até então. As novas disciplinas
Educação Matemática e Docência I e II, bem como a disciplina de História
de Educação Matemática, foram atribuídas aos docentes do Departamento de
Matemática Pura e Aplicada (DMPA), no Instituto de Matemática e Estatística,
enquanto a disciplina de Educação Matemática e Docência III foi assumida
como encargo dos docentes do Departamento de Ensino e Currículo (DEC),
na Faculdade de Educação.
A alteração decidida em 2016 inscreve-se em um movimento de longa
duração, desencadeado a partir dos anos 1990, de construção de um currí-
culo de Licenciatura com identidade própria, orientado desde o início para a

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 149


formação do professor que ensina Matemática na Educação Básica. Em refor-
mas anteriores, foram criadas disciplinas de formação matemática exclusivas da
Licenciatura, possibilitando o tratamento de tópicos da Matemática Elementar
em uma perspectiva mais avançada, mas assemelhada àquela desejável para o
Ensino Fundamental e o Ensino Médio; disciplinas de Laboratório de Ensino-
Aprendizagem foram incluídas, permitindo a vivência do planejamento, da
implementação e da prática de ensino desde o terceiro semestre de curso, e
preparando os estágios; disciplina de Pesquisa em Educação Matemática foi
instituída em 2004, como preparação e referência para a produção do Trabalho
de Conclusão do Curso, culminância e cruzamento de diversas aprendizagens.
Nesse percurso, foi decisiva a colaboração entre professores do DMPA e do
DEC identificados com o campo da Educação Matemática; dessa colabora-
ção, e com apoio de outros colegas, surgiu também o Mestrado em Ensino de
Matemática, iniciado em 2005.
As reformas foram construídas também em acordo com os demais cur-
sos de Licenciatura da Universidade, congregados pela Coordenação das
Licenciaturas; dentre as disciplinas compartilhadas com as licenciaturas de
Biologia, Geografia, História e muitas outras, estão a Organização da Educação
no Brasil e a História da Educação, que compõem o primeiro semestre do curso
de Licenciatura em Matemática. Enfim, como argumentamos em trabalho
anterior, a institucionalização da História da Educação Matemática na UFRGS
compõe uma tendência à valorização da Educação Matemática e da dimen-
são reflexiva da constituição do professor de Matemática na formação inicial
(BÚRIGO; DALCIN; FISCHER, 2017).
Esse processo de reconfiguração curricular, carregado de peculiaridades,
não pode ser compreendido se não considerarmos o contexto de fortaleci-
mento do movimento da Educação Matemática no Brasil, desde os anos 1980,
a autonomia didática conferida às universidades pela Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (Lei n.º 9.394/96), que extinguiu os currículos mínimos
(JUNQUEIRA; MANRIQUE, 2015), e as Diretrizes Nacionais Curriculares
emanadas pelo Conselho Nacional de Educação em 2002 (Resolução CNE/
CP n.º 1/2002), que incorporaram proposições dos formadores de professo-
res e, inclusive, dos educadores matemáticos representados pela Sociedade
Brasileira de Educação Matemática (SBEM) (BÚRIGO, 2019). Nesse cená-
rio, foram possíveis, nas universidades do país – e mais tarde também nos

150 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Institutos Federais –, constituições de currículos de Licenciatura que valori-
zam a formação do professor que ensina Matemática, associada à pesquisa
em Educação Matemática. Pensando em uma perspectiva ampliada, podemos
pensar que o próprio movimento da História da Educação Matemática e pela
sua institucionalização emerge em um contexto de fortalecimento da pesquisa
e da comunidade de educadores matemáticos.

Tanto a estudar: primeiras escolhas


Se, até os anos 1980, a História da Educação pouco se interessava pelas
disciplinas escolares, a virada da História Cultural, com seu interesse pelas prá-
ticas e pelas variações, abre um caudal de possibilidades de constituição de fon-
tes e de objetos de estudo. O movimento da História da Educação Matemática,
que emerge ao final dos anos 1990 no Brasil, com a constituição de grupos de
pesquisa, sessões em eventos e eventos próprios, de âmbito nacional e inter-
nacional, tem sido responsável por variada, continuada e crescente produção
acadêmica (GOMES, 2016a; MIGUEL, 2014a; VALENTE, 2014, 2016). Em
meio a esse amplo leque de temas, enfoques e publicações a serem tomados
como referências, que escolhas fundamentaram a organização da disciplina de
História da Educação Matemática na UFRGS?
Considerando que se trata de uma disciplina obrigatória para todos os
licenciandos, não seria o caso de incluir os estudantes em um determinado
projeto de pesquisa ou de extensão, mas de promover uma iniciação ao campo
da História da Educação Matemática. Em consonância com o fio condutor do
curso de Licenciatura, a opção foi a de enfocar a educação matemática escolar.
A súmula da disciplina foi definida em 2016 como: “Problemas, procedimen-
tos e fontes da pesquisa em História da Educação Matemática. Finalidades,
práticas e movimentos de inovação da Matemática Escolar. A profissionaliza-
ção dos professores de Matemática no Brasil”. O detalhamento dos objetivos
e do conteúdo programático foi atribuído às professoras do DMPA engajadas
em pesquisa na área: Elisabete Zardo Búrigo e Maria Cecília Bueno Fischer. Os
objetivos foram definidos, inicialmente, como:

Debater sobre as políticas curriculares e as práticas historicamente construídas


relacionadas ao ensino de matemática escolar, articulando passado e presente.

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 151


Estudar o processo de profissionalização dos professores que ensinam
Matemática e a constituição do campo da Educação Matemática. Apresentar
e discutir o campo de investigação História da Educação Matemática, deba-
tendo as interfaces com os campos da História da Educação, da História das
Disciplinas Escolares e da Educação Matemática. Reconhecer a História da
Educação Matemática como campo de investigação e estudar o processo de
constituição de fontes históricas a partir de documentos escritos, oralidade e
imagens. (UFRGS, 2017)

Os recortes temporal e de abrangência espacial, geográfica ou política


foram definidos a partir dessas escolhas iniciais. O primeiro marco temporal
foi definido como a segunda metade do século XIX, considerando que, no
Rio Grande do Sul e, mais particularmente, na região de Porto Alegre, onde
está situada a UFRGS, é nesse período que se multiplicam as aulas de pri-
meiras letras e são instaladas a Escola Normal de Porto Alegre e as primeiras
escolas secundárias (SCHNEIDER, 1993). Também é esse o marco temporal
mais antigo tomado por trabalhos que estudam a matemática escolar na região
(HAWAT; GIL, 2015; SILVA, 2016). Na outra direção, o recorte temporal se
estende até o tempo presente, marcado, de um lado, pelas demandas de imple-
mentação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), pelas avaliações em
larga escala e pelo descompromisso governamental com as metas estabeleci-
das pelo Plano Nacional de Educação; e, de outro lado, pela multiplicação de
eventos, pesquisas e iniciativas diversas, por parte de professores e educadores
matemáticos, que experimentam e debatem modos e sentidos diversos de ensi-
nar e aprender matemática na escola.
Quanto à abrangência geográfica e política, a escolha tem sido a de priori-
zar o olhar sobre a legislação e as práticas locais de ensinar e estudar Aritmética
e Geometria e, mais tarde, Matemática, na escola elementar ou primária, e no
ensino secundário. Entretanto, não é possível compreender as prescrições, as
práticas, nem mesmo a produção e a circulação local de livros didáticos e de
revistas pedagógicas, sem um olhar mais estendido a outras regiões do país e a
conexões variadas. Daí, temos a necessidade de variar as escalas, considerando
movimentações de âmbito nacional e mesmo internacional, como no caso do
método intuitivo ou da Matemática Moderna. Mas, como dar conta de todas

152 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


essas dimensões, em apenas um semestre letivo, e em uma disciplina de intro-
dução à História da Educação Matemática?
O caminho empreendido nos quatro primeiros semestres de oferta do
curso (2017/1, 2018/2, 2019/1 e 2019/2) tem sido o de entremear o estudo de
documentos produzidos no passado – passíveis de serem tomados como fon-
tes – com a discussão de interpretações e narrativas produzidas pelos historia-
dores. Comentários são registrados na plataforma Moodle e compartilhados
em seminários semanais. A abordagem dos temas segue, aproximadamente,
a ordem da cronologia dos eventos e documentos (UFRGS, 2017). A profes-
sora atua como mediadora dos seminários e, eventualmente, apresenta breves
exposições de introdução a um determinado tema.
Ao final da disciplina, cada estudante produz um texto mais elaborado,
com um dentre os seguintes formatos: um portfolio, trazendo reflexões sobre
algumas atividades e sobre o conjunto da disciplina; ou um artigo, consistindo
em exercício de iniciação à pesquisa historiográfica, envolvendo a escolha de
um tema, a construção de questões, a constituição e a interpretação de fontes.
Os textos de estudantes aqui citados foram extraídos dos portfolios.

Minerando fontes
O exame de programas, manuais escolares, livros didáticos, provas,
cadernos escolares, bem como a escuta de depoimentos registrados em tex-
tos, áudio e/ou vídeos, podem ser disparadores de provocações. O que diz o
documento ou o depoimento? Por quem e como foi produzido? Para quem?
Para quê? Por que foi guardado ou registrado? Os documentos tomados como
fontes são buscados em diferentes coleções.
A Biblioteca do Instituto de Matemática e Estatística da UFRGS tem um
amplo acervo de livros didáticos, publicados desde os anos 1940, herdados da
antiga Faculdade de Filosofia, muitos deles com uma dedicatória em primeira
página, ou rabiscos dispersos, anotados pelos doadores, antigos professores
ou alunos do curso de Matemática. Passear entre as estantes, observar livros
de diferentes tamanhos, encadernações, tipos de impressão, folhear as pági-
nas, observando a disposição dos textos, fórmulas, ilustrações e exercícios,
sentindo a porosidade do papel, cheirando as marcas do tempo, é um pre-
âmbulo interessante à análise de trechos ou capítulos, diferente das buscas na

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 153


internet às quais os estudantes estão habituados. Revistas impressas, dedicadas
ao ensino de matemática, acondicionadas em caixas recortadas, ou anais de
eventos encadernados, doados pelos professores que deles participaram, em
tempos passados, são outros exemplos de materiais que podem ser encontra-
dos e consultados na Biblioteca, próxima da sala de aula.
A coleção intitulada História da Educação Matemática, do Repositório
Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina36, também contém
variado acervo de digitalizações de programas, livros, manuais, revistas, cader-
nos e provas escolares, de diferentes níveis de ensino, épocas e regiões do país.
Convencidos do valor da coleção, permanentemente enriquecida, os estudan-
tes contribuem para a recolha e a digitalização de materiais.
Um terceiro repositório de fontes é constituído por vídeos, áudios e docu-
mentos disponibilizados pelo Grupo de Pesquisa de História da Educação
Matemática (GHEMAT-Sp) no Brasil, na página do Grupo37 e em coleções de
DVDs.
Ainda, temos os depoimentos orais coletados pelos próprios estudantes,
sobre memórias de alunos e professores, a partir de roteiro de entrevista cons-
truído em sala de aula.
Perceber a variedade de fontes possíveis é uma das aprendizagens espe-
radas na disciplina. Nas palavras de um estudante, ao final do semestre letivo:

Após algumas atividades de mineração e pesquisa na biblioteca avançamos


entre “eras” da educação matemática. [...] Acredito que essa disciplina nos
ensinou a pesquisar, “minerar” por diamantes e perceber que todas as fon-
tes históricas podem ser ótimas fontes desde que sejam bem exploradas. (M.,
2019/1)

Refletir sobre a autoria dos textos, as intenções com que foram produzi-
dos, a importância que a eles foi atribuída na época de sua produção e circu-
lação, também é um objetivo do estudo da História da Educação Matemática.
O distanciamento em relação ao passado permite aos licenciandos perceber,
com mais nitidez, que a educação escolar é um espaço marcado por conflitos
36 Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769 . Acesso em: 10 out.
2019.
37 Disponível em: http://www.ghemat.com.br/paginas/about_ghemat.htm . Acesso em: 10
out. 2019.

154 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


e por desigualdades. Nos documentos de maior circulação, encontramos as
vozes das autoridades e dos especialistas; nos documentos de circulação res-
trita, como diários de classe, provas e cadernos, encontramos a autoria de pro-
fessores e alunos. As próximas subseções reúnem comentários sobre os modos
como as vozes e os silêncios dos diferentes sujeitos da educação matemática
escolar do passado são interpretados pelos estudantes.

As vozes eloquentes das autoridades e dos especialistas


São muitos os caminhos possíveis para nos aproximarmos da educação
escolar do passado. Das aulas nas escolas isoladas de Porto Alegre, no início do
século XX, temos pistas por meio de atas de exames e de distribuição de livros
didáticos, analisadas por Hawat (2015). Por meio delas, sabemos da solenidade
dos exames finais; da prioridade atribuída ao ensino de Aritmética; da parti-
cipação do poder público na seleção e na circulação dos manuais. Sabemos,
também, que a maioria dos alunos não participava dos exames finais, porque
não eram considerados aptos; não progrediam para além da primeira classe do
ensino elementar, em que aprendiam a contar, somar e subtrair, com a ajuda
de tabuadas.
Os programas vigentes na República Velha, redigidos com a participação
de Souza Lobo, catedrático da Escola Normal de Porto Alegre, recomendam
o método intuitivo (RIO GRANDE DO SUL, 1897; 1899; 1910). Entretanto a
Segunda Aritmética, publicada por Souza Lobo desde 1870 e distribuída aos
alunos da segunda e terceira classe do ensino elementar, apresenta apenas
regras a serem aplicadas na resolução de longas listas de exercícios. A par-
tir de 1902, as escolas recebem também as Aritméticas de Antonio Trajano38.
Pelo confronto entre exemplares dos dois livros, disponíveis na Biblioteca e no
Repositório da UFSC, e pela leitura de textos como os de Oliveira e Mesquita
(2015), os estudantes percebem que, já no início do século XX, circulam dife-
rentes abordagens da Aritmética. Muitas interrogações surgem sobre a produ-
ção, a chancela governamental, e os usos de livros; leituras acerca do ensino
secundário suscitam a conjectura de que o livro de Souza Lobo, muitas vezes
reeditado, era organizado segundo a lógica de preparação para os exames:
38 Hawat (2015) esclarece que, durante sua pesquisa, não localizou uma referência direta
sobre o título do livro de Trajano, distribuído às escolas isoladas de Porto Alegre. Poderia
ter sido a Aritmetica Elementar Illustrada.

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 155


Era um “status” positivo para um livro ter muitos exercícios, abaixo dos
nomes de alguns dos livros minerados havia em destaque quantos exercícios
continham. Percebemos que, para um ensino focado nos exames e em deco-
rar, livros deveriam dar destaque para aquilo que deve ser decorado e ter uma
grande quantidade de exercícios de fixação de cada algoritmo apresentado.
(M., 2019/1)

Nos anos 1930, os programas do ensino primário, no Rio Grande do


Sul, são reformulados em consonância com os preceitos escolanovistas dos
métodos ativos, da valorização dos interesses e das vivências das crianças
(RIO GRANDE DO SUL, 1957). O exame de livros didáticos publicados por
autores riograndenses, nos anos 1950, mostra que coexistem traços das novas
orientações, com provocações à reflexão e à descoberta por parte dos alunos,
e persistências de um outro modelo, baseado na memorização e na aplicação
de regras.
A escola dos anos 1940 e 1950 era mais inclusiva do que aquela do início
do século? Sim, se pensarmos na expansão do ensino seriado, com a multipli-
cação de grupos escolares, o aumento da frequência e da escolaridade média da
população; ou se pensarmos na preocupação enunciada com as aprendizagens
dos alunos. Entretanto, textos como os de Búrigo (2015) e Quadros (2006)
e apontam que a seletividade era um componente da dinâmica de funciona-
mento da escola primária riograndense, sendo os alunos avaliados, ao final
de cada ano, por provas padronizadas, elaboradas pelos ditos especialistas, ou
técnicos do Centro de Pesquisas e Orientação Educacionais (CPOE). Ler, a
partir dos documentos oficiais da época, que a Matemática era responsável
pela maioria das reprovações, não surpreende os licenciandos; mas saber que,
a partir dessas provas, as turmas eram organizadas segundo a classificação dos
alunos em “fortes, médios e fracos”, provoca a indignação de muitos e fornece
algumas pistas explicativas para a ideia ainda hoje disseminada de que há alu-
nos mais ou menos dotados para a Matemática.
Nos anos 2000, a Matemática já não é, do mesmo modo como no pas-
sado, responsável por decidir sobre a duração dos percursos de escolarização,
e o acesso ao ensino médio. Entretanto, a lógica da classificação persiste por
meio dos sistemas de avaliação em larga escala. O exame de itens da Prova
Brasil e da prova de letramento matemático do Programme for International

156 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Student Assessment (PISA) é um suporte para a reflexão sobre os modos como
o cotidiano escolar não é considerado nessas avaliações.
O tempo presente impõe, enfim, a discussão sobre a Base Nacional
Curricular Comum (BNCC), sua produção e implementação. Conforme o
relato de um licenciando:

Diferente do que aconteceu na elaboração da BNCC, foi possível realizar uma


discussão em conjunto sobre o que se poderia esperar da educação brasileira
no futuro. De forma geral, a turma pareceu simpatizar com os pontos levanta-
dos por Bigode (2019) e também se mostrou bem aflita sobre a BNCC. Não é
de se admirar a preocupação existente na turma, pois como futuros profissio-
nais de educação, é o seu futuro que está sendo discutido, e as projeções não
são muito entusiasmantes. Embora as perspectivas não sejam muito anima-
doras, poder discutir essas medidas é uma tarefa importante de ser feita para
poder se preparar para o que pode vir pela. Frente. (L., 2019/1)

No trecho que segue, o mesmo estudante apresenta um comentário sobre


a BNCC em que estão presentes reflexões construídas ao longo do curso de
Licenciatura:

Uma conversa comum que se tem ao conversar com colegas, com professores
ou com qualquer pessoa envolvida no planejamento da aula é que, ao se usar
alguma tecnologia durante a aula, não se deve usá-la sem nenhum sentido
ou objetivo em mente, apenas com o fim de poder dizer que se está “fazendo
algo diferente”. [...] No entanto, a BNCC não dá orientações sobre o uso de
tecnologias em sala de aula. Ela é extremamente limitada no que diz respeito
a esse quesito, de modo que, como destacado no texto, a ideia que fica é que a
BNCC orienta a usar tecnologias apenas pelo propósito de poder dizer que as
está usando, sem nenhum objetivo final em vista. (L., 2019/1)

As vozes e os gestos imaginados dos professores


Nos registros do passado, encontramos, aqui e ali, a autoria dos
professores.

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 157


Nos diários de classe, recolhidos e analisados por Alvarez (2004) e por
Heidt (2019), encontramos indícios sobre os conteúdos ensinados em duas
escolas diferentes, respectivamente ao tempo da Reforma Francisco Campos,
decretada em 1931, e do movimento da Matemática Moderna, transcorrido
nos anos 1960 e 1970. Identificando-se, parcialmente, com os professores que
preencheram aqueles diários, os licenciandos observam que os registros pode-
riam corresponder aos programas e aos planos vigentes, sem necessariamente
refletir as práticas de sala de aula. Mecanismos de controle como o “caderno
comprovante”, mencionado em memórias dos anos 1950, podem ser consi-
derados, mesmo, indicativos de uma reiterada suspeição das autoridades em
relação à ação docente dos professores (BÚRIGO, 2015).
Nas provas do curso complementar do Instituto Júlio de Castilhos, reco-
lhidas por Esperança (2012), encontramos questões que demandam intrinca-
dos malabarismos algébricos ou a reprodução de extensas demonstrações. Por
esses documentos, e pelos resultados da aplicação das provas, vemos que aque-
les professores, muitos deles, também professores da Escola de Engenharia de
Porto Alegre, participaram da configuração da seletividade do curso secundá-
rio. Nas palavras de um licenciando:

É possível observar a importância que é dada para o cálculo diferencial, que


aparece em todas provas. Sei que para o curso de Farmácia tal assunto é impor-
tante e necessário, mas me pergunto sobre relevância para os futuros alunos
dos cursos de Medicina e Odontologia, tendo em vista que hoje não é neces-
sário que aprendam Cálculo para entrar no ensino superior. Sobre as notas,
nenhum aluno gabarita alguma das provas e apenas na última não há alunos
com notas abaixo de 30, lembrando que as notas são de 0 a 100. Portanto, não
eram fáceis, parece que os professores montavam as provas querendo que os
alunos fossem mal e tinham prazer com isso. (J., 2019/1)

Nos documentos mais solenes, os professores são frequentemente invisí-


veis. Brilham as autoridades, os especialistas. Nesses casos, frequentemente os
licenciandos fazem referência aos professores imaginados, atribuindo-lhes um
lugar na cena. Assim, por exemplo, ao se referir ao texto de Hawat e Gil (2015)
sobre as avaliações nas escolas isoladas de Porto Alegre, nos primeiros anos do
século XX, uma estudante comenta:

158 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Nos chamou atenção como as avaliações tinham objetivo de tornar públicas
as rotinas escolares, incentivando a vigilância do governo e da população em
relação às práticas da escola. [...] Podemos refletir aqui que essas avaliações
eram usadas não apenas para avaliar os alunos, mas também a professora. (V.,
2019/1)

Nos cadernos escolares, marcas de correção evocam o papel do professor.


Um caderno preenchido a caneta tinteiro, quase sem rasuras, contendo defi-
nições e demonstrações de teoremas, também suscita a questão sobre o papel
do professor e dos alunos na sala de aula. Os textos teriam sido elaborados
pelo professor ou copiados de um livro e reproduzidos no quadro-negro? E os
exercícios, teriam sido resolvidos em um caderno de rascunho ou as soluções
foram dadas pelo professor e então copiadas?
Ao confrontar cadernos escolares do curso ginasial com as Portarias n.º
966 e n.º 1.045/1951 do Ministério da Educação e Cultura, os estudantes podem
perceber que, em muitas escolas, o programa elaborado pela Congregação
do Colégio Pedro II – “mínimo”, mas obrigatório – era apenas parcialmente
cumprido, sendo comum a prática de postergar o estudo da Geometria para
o final do ano letivo ou, ainda, o uso de cadernos separados para a Álgebra e
Geometria, configurando um estudo compartimentado das duas disciplinas,
diferente do que previa a legislação. Mas os cadernos não indicam só ausên-
cias – também podem surpreender pela presença, por exemplo, do estudo de
funções na quarta série ginasial, um tópico não previsto pelo programa vigente
(Figura 1).

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 159


Figura 1 – Exercício de traçado de gráfico de função

Fonte: Zardo (1953, p. 13)

Prescrições e práticas escolares não coincidem, mesmo em tempos de


padronização do ensino. Por outro lado, também podemos observar, nos
cadernos, os modos pelos quais os professores interpretam os programas
vigentes. Nos anos 1940 e 1950, o programa de ensino do curso primário
determinava que os problemas aritméticos fossem elaborados em sala de aula,
pelos professores ou pelos próprios alunos. Pretendia-se abolir a prática, ainda
comum, de copiar dos livros existentes – como o de Souza Lobo, ainda reedi-
tado – longas listas de problemas assemelhados. No caderno de Juvenal Nunes
(1954), coletado por um estudante da disciplina, encontramos exemplos de
aplicação dessa orientação (ROSA; SILVA; BÚRIGO, 2017). Os enunciados
dos problemas, com referências variadas ao uniforme escolar, às festas juninas
ou ao cultivo de frutíferas e hortaliças, em uma escola primária da área rural,
evocam a autoria da professora e suscitam interrogações sobre suas possíveis
fontes de inspiração – as aprendizagens do Curso Normal, os livros, as revistas
pedagógicas.
O professor, ainda que anônimo, se faz presente no caderno escolar, pela
escolha dos conteúdos e de sua ordenação, pelo vocabulário e pelas represen-
tações adotadas, e até mesmo pelos seus eventuais erros:

160 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Outra parte do caderno que destaco é uma tentativa de demonstração da
igualdade entre ângulos opostos pelo vértice. [...] concluímos que ele estava
incorreto. Além disso, discutimos as possíveis causas de o registro ter sido
feito dessa maneira e entre elas a hipótese que acreditamos ser a mais possível
é acerca da formação e da trajetória da professora. (I., 2018/2)

A comparação entre as abordagens propostas pelos livros didáticos tam-


bém pode ensejar reflexões sobre o lugar atribuído ao professor:

No livro Aritmética e Geometria nota-se um cuidado em definir soma e par-


cela e explicar a regra da adição. Em contrapartida, no segundo livro [Curso
Moderno de Matemática para a Escola Elementar] não há explicações ou
definições, apenas exercícios com imagens em formas geométricas. Há tam-
bém diversos exercícios de completar lacunas e descobrir regras. O objetivo
consiste em proporcionar que o aluno seja um generalizador e descobrir de
ideias. Com esse livro os professores teriam um material para adaptar à reali-
dade de suas classes. (K., 2019/1)

Ao escutarem depoimentos de professores engajados no movimento da


Matemática Moderna, e ao cruzarem essa escuta com a leitura de livros didáti-
cos e de anais de eventos realizados à época, os estudantes também percebem
a possibilidade do protagonismo dos professores na proposição de mudanças.
No primeiro semestre de 2019, a professora Esther Pillar Grossi, presi-
dente do GEEMPA (originalmente Grupo de Estudos de Ensino de Matemática
de Porto Alegre), participou de uma roda de conversa com os estudantes. Pelo
depoimento, souberam que, na avaliação do GEEMPA, os alunos não apren-
diam mais com a Matemática Moderna. A consternação de alguns foi reparada
pelo testemunho de Esther sobre a continuidade das pesquisas sobre aprendi-
zagem, em que ela segue engajada, e pelo convite que ela formulou a que os
estudantes também se engajassem.
O protagonismo dos professores e a possibilidade de se construirem
caminhos para a educação matemática escolar pela pesquisa e pelo debate
também foram temas de exercício de exame dos anais do I Encontro Nacional
de Educação Matemática (I ENEM), realizado em 1987, precedendo a criação
da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM).

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 161


As escolas de nossos avós e bisavós
Imaginar aulas em espaços improvisados, em que não há quadro negro,
nem carteiras, em que alunos de diferentes idades realizam tarefas variadas,
rabiscando em pedaços de papel amassado ou numa pedra de ardósia, ou reci-
tam a tabuada sob o comando do professor, é um desafio para os licenciandos.
Também causa estranhamento, entre estudantes nascidos no século XXI, a
brevidade do percurso escolar mais comum até os anos 1960.
Analisar provas do exame de admissão ao Ginásio Estadual de São Paulo39,
aplicadas em diferentes épocas, é um exercício que aproxima os licenciandos
daqueles alunos que tentavam prosseguir estudos. Nos idos de 1931, encontra-
mos a seguinte questão: “De uma peça de fazenda, 2/5 foram inutilizados num
incêndio; venderam-se os 4/11 da peça, e ficaram 6,30 mts. Qual era o com-
primento da peça?”. Logo de início, os estudantes percebem que a resolução
não é imediata: é preciso observar que 6,30 metros de fazenda correspondem a
1 – 2/5 – 4/11 = 13/55 da peça. A partir daí, sugerem uma resolução utilizando
a regra de três. Mas essa não é a solução do único aluno que acertou a questão:
usando o método da redução à unidade, ele divide 6,30 por 13 e obtém o com-
primento de 1/55 da peça; depois, multiplica por 55 e obtém o resultado da
peça inteira. Os erros cometidos pelos demais atestam que, mesmo sendo um
problema assemelhado a muitos outros, constantes em livros didáticos como
a já mencionada Segunda Aritmética, de Souza Lobo, sua resolução não era
trivial para alunos que mal haviam concluído a escola primária.
A discussão de resoluções como essa põe em destaque o contraste entre
as finalidades e as práticas da escola primária, centrada na resolução de pro-
blemas considerados do cotidiano, usando apenas estratégias da Aritmética, e
a elitizada escola secundária, na qual o estudante seria iniciado à Álgebra. Na
turma de 2019/2, a discussão também suscitou a questão sobre as motivações
dos alunos para fazerem o exame de admissão, e sua preparação para as provas.
Entrevistar pessoas que frequentaram a escola até os anos 1960 – tempo
em que a escolaridade inicial consistia no curso primário e no curso ginasial,
de acesso regulado por um exame de admissão – é um dos exercícios propos-
tos aos licenciandos. No primeiro semestre de 2019, os roteiros de entrevistas

39 Coleção de CDs “Os Exames de Admissão ao Ginásio 1931 A 1969”, produzida pelo
GHEMAT-SP, pela digitalização de documentos do Arquivo da Escola Estadual de São
Paulo.

162 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


foram construídos coletivamente, a partir de questões formuladas por cada
estudante e de leituras sobre História Oral. A proposta era não entrevistar
professores de Matemática, evitando que memórias da docência se confundis-
sem com as reminiscências de alunos; apenas um estudante optou por entre-
vistar um professor do Instituto de Matemática e Estatística (SIBEMBERG;
BÚRIGO, 2019). A maioria optou por entrevistar seus familiares – avós, pais,
tios – ou pessoas conhecidas de suas famílias.
Caminhar quilômetros para chegar à escola, sem a companhia de um
adulto, improvisar cadernos com papel de embrulho, abandonar os estudos
para trabalhar, cuidar dos filhos ou dos irmãos, ou porque não havia curso
ginasial nas proximidades, foram traços comuns a vários depoimentos. Alguns
também registraram castigos físicos, como “dar de régua” ou beliscões. Uma
das entrevistadas relatou que ia para a escola com fome, em um tempo em que
não havia merenda escolar; outra, registrando a precariedade dos materiais
escolares, enfatizou que “não faltava comida em casa”. O compartilhamento
dos relatos foi tocante, possibilitando que os licenciandos percebessem que a
precariedade da escola primária e o elitismo do secundário marcaram as traje-
tórias de familiares e pessoas muito próximas.
As operações aritméticas, com seus intrincados algoritmos e o recurso
frequente à tabuada da multiplicação, foram o conteúdo mais lembrado pelos
entrevistados. Alguns lembraram-se das frações. O sentido dessas aprendiza-
gens é lembrado de modos diversos:

Ele relata que ia para o colégio “porque tinha que estudar” [...], que não viam
muita aplicabilidade naqueles conteúdos, mas como todos iam, eles enten-
diam que tinham que ir também e iam sem questionar. (V., 2019/1)

Pude perceber que naquela época a matemática se baseava praticamente nas


quatro operações fundamentais, entretanto era de muita utilidade para os alu-
nos no futuro, pois era o que usariam no dia a dia, como o caso da minha avó
que conseguiu administrar seu armazém. (R., 2019/1)

Poucos, dentre os entrevistados, cursaram o ginásio. Uma das entrevis-


tadas lembra-se de um “quadro cheio de equações”. É interessante a reflexão da

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 163


licencianda, futura professora, sobre a representação de uma escola que, na voz
da entrevistada, teria sido mais séria e eficaz:

[...] em vários momentos da nossa conversa ela fala que naquela época os
alunos realmente aprendiam a matéria. Isso me faz pensar se ela acredita que
atualmente os alunos não aprendem de fato os conteúdos vistos na escola,
e isso é um pensamento muito comum hoje em dia, as pessoas acreditam
mesmo que o ensino de anos atrás era melhor que o de hoje. E acredito que
as pessoas tenham essa impressão justamente porque o formato do ensino
mudou desde os anos 1960 e as pessoas já não sabem mais verdadeiramente
como é a escola dos dias de hoje. [...] Para ela o professor era sério e solene,
hoje em dia os professores também são sérios, mas sem dúvida existe uma
maior preocupação com o aluno de fato. (P., 2019/1)

Ao final do semestre, todos destacaram a realização da entrevista como


uma das tarefas mais importantes que haviam realizado no semestre, sem dei-
xar de registrar a ocorrência de imprecisões e até mesmo incoerências nos
depoimentos, pois “a memória se mistura e se confunde com outras memórias
do passado” (N., 2019/1).

Iniciação à pesquisa
Valente (2008, 2010) argumenta que o estudo do passado é necessário
para identificarmos, nas práticas correntes da educação matemática escolar,
as heranças dos nossos antepassados, como a ênfase nos exercícios a serem
realizados pelos alunos, ou as preocupações de articular o ensino com a vida
cotidiana. Matos (2018) observa que o estudo do passado nos ajuda não ape-
nas a identificar as permanências, mas também a valorizar as mudanças.
Interrogar representações que glorificam ou menosprezam as práticas
do passado, depreciando ou mistificando as realizações do presente, é uma
segunda motivação para o estudo da História da Educação Matemática, em
torno da qual convergem diferentes autores. Valente (2013, p. 28) argumenta
que a apropriação da história permite ao professor “se relacionar de modo
menos fantasioso e mais científico com esse passado”.
Uma terceira motivação para o estudo da História da Educação
Matemática seria a de construirmos uma memória coletiva da escola e da

164 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


matemática escolar, impregnada, mas não soterrada pelas nossas reminiscên-
cias pessoais, como propõe Nóvoa (2012). Articulada a essa motivação, estaria
também a preocupação em sensibilizar sujeitos que atuam nas escolas e futu-
ros professores para a importância de constituição e preservação de acervos
escolares.
Gomes (2016a, p. 100), citando a historiadora Claudia Alves, argumenta
ainda que “a história contribui para que escapemos das certezas fáceis e nos
apropriemos do direito à incerteza”.
Em que medida é possível contemplar cada uma dessas finalidades em
um semestre letivo de iniciação à História da Educação Matemática? A produ-
ção de interrogações, como propõe Gomes (2016a), é, certamente, crucial em
cursos de Licenciatura: mais do que eventuais lições que possamos aprender
com o estudo de usos, produções, eventos e movimentações de outros tempos,
a produção de estranhamentos, dúvidas, questões de investigação é constitu-
tiva da formação do professor como pesquisador da Educação Matemática e
de sua própria prática.
Como mencionamos anteriormente, o caminho construído para a
introdução à História da Educação Matemática, no caso da Licenciatura em
Matemática da UFRGS, tem sido o de articular a leitura de textos com exercí-
cios de constituição e análise de fontes.
A leitura e a discussão de resultados de pesquisa são relevantes para a sen-
sibilização dos estudantes em relação à complexidade do fazer historiográfico,
à relevância das questões que são formuladas pelo historiador, à necessidade
de compreender os contextos, de criticar e de cruzar documentos. A seleção de
textos para leitura implica necessariamente priorizar uma ou algumas narrati-
vas em detrimento de outras. Mas o texto historiográfico não é tomado como
a palavra final sobre o tema abordado: outras leituras são recomendadas, e a
referência textual é sempre complementada pelo exercício de crítica às fon-
tes, em alguns casos incluindo as próprias fontes discutidas no texto lido. O
exercício contribui para que o olhar seja refinado, e vice-versa: os estudantes
frequentemente percebem nuances que não foram comentadas pelo historia-
dor. Ao dialogarem com os colegas ou com o texto já publicado, os estudantes
percebem também que uma pesquisa, mesmo quando é empreendida por um
pesquisador experiente, não esgota as possibilidades de leitura de um conjunto
de fontes.

A história da Educação Matemática nos cursos de formação de professores 165


Desenvolver criticidade em relação aos documentos tratados como fon-
tes para a história da educação matemática escolar, considerando que são
produzidos, difundidos e preservados ou não por diferentes sujeitos, em dife-
rentes contextos e com intenções nem sempre explicitadas, tem sido um dos
caminhos pelos quais tentamos contribuir para a construção de novos olhares
sobre o presente e sobre os discursos que apresentam índices e receitas para as
mazelas da educação escolar.
Perceber que ideias circulam de modos diversos em diferentes documen-
tos, livros, revistas pedagógicas, e a importância de estudar as práticas, suas
variações, singularidades, retratadas em cadernos, provas, memórias de pro-
fessores e alunos, também é importante para que os estudantes reconheçam
que o estudo de um tema ou de um período não se esgota pelo estudo desse ou
daquele conjunto de documentos.
Identificar contradições, imprecisões, visões distintas nos textos histo-
riográficos, também ajuda a compreender que as narrativas já produzidas são,
sempre, construções, a serem nuançadas, aprofundadas, revisadas.
Enfim, o objetivo principal proposto para o estudo da História da
Educação Matemática não é tomar contato com esta ou aquela visão definitiva
sobre o que aconteceu e como, mas perceber a riqueza de possibilidades de
investigação sobre a educação escolar dos tempos passados. Entendemos que
estamos caminhando nessa direção quando os estudantes registram que foram
surpreendidos ao confrontarem textos e fontes. Quando, sensibilizados pela
importância de guardar e compartilhar documentos escolares, os estudantes
recolhem cadernos de familiares que enriquecerão o repertório de fontes à
disposição das próximas turmas. Quando, ao final da disciplina, comentam
que gostariam de estudar outros livros didáticos, escutar outras memórias da
escola, ou debater mais sobre a BNCC. Quando propõem a organização de um
curso de extensão, para que os debates sobre a história da educação matemá-
tica escolar transbordem a Universidade, alcançando as escolas de educação
básica. Quando escolhem tomar, como objeto de seu Trabalho de Conclusão
de Curso, a história de sua própria escola ou de seus professores. E assim por
diante...

166 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Resistindo ao esquecimento
Neste final de 2019, em que se completam três anos de vigência da
Emenda Constitucional n. 95/2016, que suspende a aplicação dos percentuais
mínimos de gastos com a educação pública, comprometendo o funcionamento
das instituições federais de ensino, e na iminência da aprovação de diretri-
zes curriculares que uniformizam a formação de professores, em adequação
à Base Nacional Curricular Comum (BNCC), assistimos ao estrangulamento
das possibilidades de preservação da autonomia e da diversidade curricular
conquistadas nos anos 1990. Seguirmos estudando a História da Educação
Matemática em um curso de Licenciatura, neste cenário, é de certo modo um
gesto de resistência aos recrudescimentos autoritários e homogeneizadores.
Aqueles que estudam o passado sabem que esquecimentos são produ-
zidos. Documentar a experiência também é um gesto de resistência contra o
esquecimento. Agradeço aos organizadores do IV Enaphem e aos editores do
livro por essa possibilidade. Agradeço ainda aos alunos das turmas de História
da Educação Matemática pelos bons momentos de estudo e debate e, especial-
mente, aos estudantes Ísis Sieverdt Arce, João Vitor Garcez Ferreira, Juliana
Paim Rocha, Lucas Vieira Lima, Marco Rodrigues Vargas, Maurício de Oliveira
Maciel Junior, Paloma Both Silva, Rodrigo Miliszewski Mette e Victoria Correa
Alves, que autorizaram transcrições de excertos de suas escritas.

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172 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


4 Temas e problematizações:
uma leitura das mesas-
redondas submetidas ao IV
ENAPHEM

Antonio Vicente Marafioti Garnica40

São dois os tipos de mesas-redondas que ocorrem nos Encontros


Nacionais de Pesquisa em História da Educação Matemática. As “mesas-
-redondas convidadas” são formadas por pesquisadores que, chamados pela
organização do evento, têm a função de debater aspectos relacionados direta-
mente ao tema geral que guia o encontro. Já as “mesas- redondas submetidas”
são formadas por três pesquisadores que se reúnem e propõem à organização
do evento conduzir uma discussão acerca de um tema específico. Os três textos
que compõem as mesas dessa modalidade têm, por certo, uma unidade, e tanto
a qualidade desses textos, separadamente, quanto essa unidade entre eles, são
os parâmetros para a avaliação da submissão. Essas mesas submetidas têm se
tornado usual nos Enaphems desde sua segunda edição, a de Bauru (SP), rea-
lizada no ano de 2011, e uma análise de cada uma das edições do Encontro,
desde então, mostra a importância dessa estratégia que não só distribui mais

40 Universidade Estadual Paulista. Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática.


UNESP. E-mail: vicente.garnica@unesp.br

173
democraticamente o protagonismo de pesquisadores – via de regra concen-
trado nas atividades desenvolvidas por convidados – como realça a vitalidade
de múltiplos olhares, vindos tanto de pesquisadores consagrados quanto de
pesquisadores com carreiras mais recentes, nos estudos realizados no campo
da História da Educação Matemática no Brasil. Comprovam claramente que o
conhecimento é, sempre, uma construção coletiva e em perspectiva, efetivada
por olhares que, mesmo sendo múltiplos e distintos, convergem na homoge-
neidade da tarefa que é compreender aspectos do movimento de ensinar e
aprender Matemática no correr dos tempos. Tendo uma duração estendida em
relação, por exemplo, às sessões orais de comunicação de pesquisa, as mesas
submetidas possibilitam também uma discussão mais aprofundada de seu
tema e, em seu conjunto, dão um panorama de alguns objetos e abordagens
que têm marcado ou frequentado a produção mais recente dos pesquisadores
ou são, digamos, inaugurais, isto é, foram recentemente introduzidos em algu-
mas práticas de pesquisa.
Na quarta edição do Enaphem, realizada em Campo Grande (MS), no
ano de 2018, foram aprovadas sete “mesas-redondas submetidas”, envol-
vendo diretamente, portanto, 21 pesquisadores, e nelas foram apresentados
temas variados de pesquisa que vão desde o ensino de Matemática em cursos
técnicos e as atividades escolares específicas marcadas pelo saber fazer – os
Trabalhos Manuais – em sua vinculação com o ensino e a aprendizagem de
Geometria, passando por questões de fundo metodológico – como é o caso
da História Oral praticada na pesquisa em História da Educação Matemática
–, até uma abordagem teórica e procedimental sobre os repositórios digitais
e acervos escolares, discussão essencial, pois vinculada à disponibilização de
fontes historiográficas. Conceitos que mais recentemente começaram a cir-
cular nos trabalhos brasileiros inscritos no campo da História da Educação
Matemática – como é o caso dos “saberes” e das ideias de expert e expertise –
também transitaram pelo espaço dessas mesas submetidas. Os textos integrais
que compuseram cada uma dessas atividades estão disponíveis nos Anais do
evento, mas um breve comentário – que é assumidamente interpretativo, pois
realizado pelo autor deste capítulo a partir da releitura dos textos e de seus

174 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


resumos – sobre cada uma delas pode ser feito, complementando o material
disponível nos Anais41.

A Educação Industrial no espaço da formação técnica


A Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial (CBAI) foi
efetivamente implantada no ano de 1947, no Governo Gaspar Dutra, como
resultado de uma parceria entre os governos brasileiro e americano que visava
a promover a formação de mão de obra especializada rumo à intensificação
da industrialização do País, vista como a principal – se não única – forma
de ultrapassar o nível de subdesenvolvimento nacional. Ideais dessa natureza,
buscando defender a necessidade de um mercado interno integrado e regulado
por um Estado intervencionista, se impõem e se espalham já na Era Vargas
(1930-1945), tendo o modelo estadunidense como guia. Segundo Amorim
(2007, p. 155):

A queda do Estado Novo não veio alterar tal situação. Se num primeiro
momento o governo Gaspar Dutra rompia com a concepção varguista de
nacionalismo econômico e intervencionismo, adotando o liberalismo econô-
mico, logo tal política foi refutada, devido ao esgotamento das reservas a ao
crescimento da dívida externa. Já a partir de 1947, adota-se um maior con-
trole cambial e das importações, privilegiando-se alguns setores tais como
a maquinaria, o que acabou beneficiando o setor industrial. [...] Ao mesmo
tempo, redefinem-se as condições da dependência brasileira em relação aos
E.U.A. Com o final da Segunda Grande Guerra e o advento da Guerra Fria,
verifica-se uma mudança no processo de construção da hegemonia estadu-
nidense junto aos países latino-americanos. O novo governo identificava-se
com a defesa dos “valores ocidentais”, colocando-se claramente ao lado dos
E.U.A. na polarização que se desenhava no mundo pós-guerra..

41 Os Anais do IV Enaphem podem ser integralmente acessados em https://periodicos.


ufms.br/index.php/ENAPHEM/issue/view/498. Nas sessões de apresentação oral de tra-
balhos, por exemplo, há registros dos comentários de um pesquisador-organizador sobre
o conjunto de trabalhos apresentados em cada sala, o que não ocorre em relação às
mesas-redondas submetidas. No caso dessas mesas, estão disponíveis as íntegras dos três
textos que as compuseram, e de cada um desses textos há um resumo. Não há, porém,
um resumo unificado ou comentário para cada uma das sete mesas.

Temas e problematizações: uma leitura das mesas-redondas submetidas... 175


O CBAI, eixo central em torno do qual transitam as três apresentações
da mesa-redonda, cujo título é “Matemática no Ensino Industrial em tem-
pos de CBAI”, foi responsável por capacitar profissionais, produzir materiais
didáticos e organizar toda uma estrutura de ensino técnico, e os responsáveis
por essa atividade do IV Enaphem discutem a centralidade da política edu-
cacional, promovida pela Comissão, particularmente, na Escola Industrial,
de Florianópolis (SC), e na Escola Técnica, de Curitiba (PR). O CBAI é, sem
dúvida, um episódio significativo no panorama da criação do ensino indus-
trial que, por sua vez, se inscreve no campo dos estudos sobre o ensino técnico
brasileiro. A escola técnica, com suas inúmeras modalidades, sofre a influência
de distintos movimentos e segue apoiada em concepções das mais variadas,
tendo, em decorrência, histórias diversas sobre sua criação e seu desenvolvi-
mento, bem como sobre as influências estrangeiras que atuaram nesse cená-
rio, elementos que certamente contaminam o ensino de Matemática praticado
nessas instituições. Estudar o CBAI e essas duas escolas industriais é, por certo,
parte essencial para a exploração dessa modalidade de formação – o ensino
técnico – que só recentemente vem ocupando com maior ênfase os pesquisa-
dores brasileiros que operam para o registro de histórias acerca do ensino no
País.
Até bem recentemente eram raros os estudos historiográficos sobre a
formação técnica e as práticas de ensino de Matemática nessas instituições.
Penso que dentre os primeiros estudos sobre esse tema, elaborados entre 2006
e 2007, está um ensaio relacionado ao estado do Espírito Santo42, seguido de
um estudo sobre as escolas técnicas agrícolas no estado de São Paulo. Hoje
esse universo é bem mais amplo, e temos investigações como essas, vinculadas
à presença do CBAI, bem como, entre outras, pesquisas sobre as Faculdades
de Tecnologia de São Paulo (as FATEC) e o Colégio Técnico da UFMG (o
COLTEC-UFMG)43. A mesa-redonda submetida, portanto, marca a presença
de um tema que até recentemente era pouco explorado, mas que já mostra
vitalidade bem distinta da de um estágio embrionário, quando os ensaios e as
abordagens são ainda muito frágeis, descontínuos e tímidos.

42 Cf., p.e., Martins-Salandim (2007) e Pinto (2006)..


43 Cf. p.e., Melillo (2018) e Prado (2018).

176 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Arquivos, Acervos, Repositórios:
vivos, mortos e agonizantes
Se os estudos históricos sobre o ensino técnico têm sido mais explora-
dos recentemente – o que ocorre não só no campo da História da Educação
Matemática, mas também no campo da História da Educação, campo este
cuja anterioridade cronológica em relação àquele é óbvia – o mesmo não se
dá quando vêm à cena os estudos sobre os acervos. Talvez uma atualização
dessa discussão ocorra como nítido sinal dos tempos, já que, até um passado
ainda recente, poderíamos apenas potencialmente (e não como experiência
posta, “real”, cotidiana) falar sobre informação digital ou sobre uma “era das
Humanidades Digitais”44, como fazem os pesquisadores, cujos textos com-
põem os registros da mesa-redonda submetida sob o título “Repositório de
Conteúdo Digital (RCD): possibilidades, limites e desafios para as pesquisas
em História da Educação Matemática”. Ainda assim, com ou sem as informa-
tizações que são partes essenciais do debate proposto por essa mesa, é ainda
bastante pertinente e atual a tematização dos acervos escolares ou pessoais –
foco da mesa-redonda submetida cujo título é “Arquivos Escolares e Pessoais:
desafios e possibilidades para a História da Educação Matemática”. Não é gra-
tuitamente, portanto, que em ambas as atividades sejam discutidos “desafios
e possibilidades” de forma tão marcante que esses mesmos dois vocábulos se
repetem, inclusive, nos títulos de ambas as mesas.
Não parece ser equivocado afirmar que desde muito se sabe que os acer-
vos em que se encontram fontes para os estudos historiográficos são, em nosso
país, com algumas raríssimas exceções, ou escassos e/ou malcuidados e/ou de
acesso restrito/restritivo. Mais grave é ainda a situação dos acervos necessários
aos estudos voltados ao mundo da Educação. Há artigos e livros em quan-
tidade suficiente para não ser polêmica a afirmação de que os acervos esco-
lares são criados sob a marca da precariedade e da urgência, bem como são
44 Usando a caracterização dessa expressão atribuída a Brett Bobley (da National
Endowment for the Humanities, organização americana) e mobilizada na apresentação
de Valente, na mesa-redonda relativa a este tema, as Humanidades Digitais definem
a pesquisa que “incorpora a tecnologia computacional a estudos em humanidades,
mas também aquela que usa as humanidades para estudar a tecnologia digital e sua
influência na sociedade e na cultura. [...] Não se trata, segundo Bobley, de uma nova
área do conhecimento, mas de uma gama de atividades que pode abranger o uso de
fotografias aéreas por arqueólogos para escanear sítios, o desenvolvimento de técnicas
de análise de dados que ajudam linguistas a estudar jornais antigos, o estudo da ética
da tecnologia por filósofo, entre outros exemplos”.

Temas e problematizações: uma leitura das mesas-redondas submetidas... 177


comuns os relatos sobre a extinção proposital ou o desmantelamento contínuo
e incessante de conjuntos de fontes institucionais sobre o universo escolar45.
As dificuldades relatadas, formal e/ou informalmente, tanto por pesquisado-
res iniciantes quanto por pesquisadores experientes sobre as vias-crucis para
acessar fontes para suas pesquisas reforçam nossa compreensão sobre esse
estado de coisas. O relato dos próprios pesquisadores que compuseram essas
duas mesas- redondas – todos eles próximos a exemplos bem-sucedidos de
criação e preservação de arquivos, mas nem por isso insensíveis aos desman-
dos de diretores e secretários que promovem insistentemente o descaso com a
História – reforça nosso incômodo.
Se, por exemplo, os relatos acerca do acervo físico do laboratório de
Matemática do Instituto de Educação General Flores da Cunha, de Porto Alegre
(RS) e do acervo pessoal Euclides Roxo (APER), bem como os relatos acerca
dos Repositórios Digitais, todos eles disponíveis nos textos que compuseram
as duas mesas-redondas submetidas das quais estamos tratando, nos dão certo
alento – posto serem iniciativas bem-sucedidas que geraram e ainda geram
trabalhos significativos para o campo da História da Educação Matemática –
eles não deixam menos nítidos os entraves e as dificuldades impostos a esses
empreendimentos que ainda constituem uma situação de exceção, sendo capi-
taneados por indivíduos ou grupos com pouco ou nenhum apoio contínuo das
agências de fomento e mesmo das instituições que os acolhem.
No que diz respeito aos acervos escolares, talvez alguns dos nossos pro-
blemas em relação ao acesso às fontes poderiam ser evitados ou minimiza-
dos se conseguíssemos, em retribuição, auxiliar os funcionários das escolas,
discutindo com eles formas mais eficientes e atualizadas para organizar seus
arquivos ativos a partir da nossa experiência com os arquivos escolares inati-
vos. O compromisso do historiador com o espaço e os atores sobre os quais ele
pesquisa não me parece, ainda, estar devidamente compreendido ou ser efeti-
vamente exercitado por um número significativo de pesquisadores. Enquanto
45 São vários os relatos sobre a destruição de acervos pelas próprias instituições responsá-
veis por preservá-los. Ressalto, aqui, uma obra, em especial, que de modo muito claro
dá conta de refletir sobre a extinção de arquivos e a proposta (em muitos casos de-
corrente do desejo de extinção) de criar imensos acervos virtuais, similares à biblioteca
de Borges: trata-se da obra de Robert Darnton (DARNTON, 2010). O conhecido diálogo
entre Umberto Eco e Carriere (ECO; CARRIERE, 2010) é também, segundo penso, exce-
lente referência sobre esse tema. Esses dois trabalhos mostrarão que a problematização
relacionada aos acervos é atualíssima, mesmo que, nesses casos, seus autores tratem de
arquivos americanos e europeus.

178 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


não firmarmos, massivamente, esse compromisso social com nossas escolas,
mantém-se a conversa de surdos entre nós, pesquisadores, e elas, as escolas.
Elas a conversarem com os vivos, em seus arquivos ativos, nós a tentarmos
conversar com o que se tem chamado inconvenientemente de arquivo morto.
Nisso certamente a digitalização dos acervos e as técnicas que vêm tanto do
arquivismo quanto das tecnologias digitais têm papel preponderante a desem-
penhar, ainda mais se pensarmos que ações dessa natureza podem envolver
não só funcionários, mas alunos e professores, dada a atualidade dessas prá-
ticas, o fascínio que elas exercem (ou poderiam exercer) e a pluralidade de
meios técnicos hoje disponíveis.
Tanto Valente quanto Costa (Enaphem, 2018), tratando das Humanidades
Digitais, trazem como exemplo o Repositório de Conteúdo Digital da UFSC,
criado e mantido pelo Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática
no Brasil, atualmente GHEMAT-Brasil. Além de disponibilizar uma quanti-
dade enorme de livros didáticos digitalizados, o acervo incorpora acervos pes-
soais, que Costa lista mais detalhadamente: “Reunidos em mais de 700 itens
como cartas, certificados, programas de ensino, recortes de jornal, rascunhos
de livros didáticos, o APER – Arquivo Pessoal Euclides Roxo foi um dos pri-
meiros arquivos pessoais sistematizados pelo GHEMAT”, havendo também
materiais de outros acervos pessoais, como o de Ubiratan D’Ambrosio, o de
Scipione Di Perro Netto, o de Oswaldo Sangiorgi e, mais recentemente, o de
Lucília Bechara Sanchez. Devem ser incluídas aqui, como exemplos, também
aquelas iniciativas discutidas na mesa-redonda submetida, cujo tema são
os arquivos escolares e pessoais, posto que todos os integrantes dessas duas
mesas- redondas – à exceção de um pesquisador – são membros de um mesmo
grupo de pesquisa. Esses exemplos mostram que o Repositório é um acervo do
qual não se pode questionar a importância, seja pela iniciativa de preservação,
seja pela possibilidade que abre para inúmeras pesquisas.
Entretanto, nessas exposições todas, que ressaltam a importância da exis-
tência do acervo e da incorporação desses acervos ao mundo digitalizado (que
sem dúvida amplia significativamente as perspectivas e as potencialidades de
estudos e pesquisas) escapam duas discussões que considero vitais: a possibi-
lidade de se implementar projetos conjuntos com repositórios e acervos dis-
poníveis – já que o Repositório que nos chega como exemplo não é a única
empreitada nesse sentido, no País, posto que todos os grupos de pesquisa

Temas e problematizações: uma leitura das mesas-redondas submetidas... 179


brasileiros no campo da História da Educação Matemática contam com acer-
vos open access, embora em diferentes graus e estados de conservação, organi-
zação e informatização –; e as questões técnicas, tão comezinhas quanto vitais
e usualmente impeditivas – para a criação e para manutenção desses acervos.
O artigo de Dassie, que também compõe a mesa-redonda relativa aos
Repositórios Institucionais, aborda questões de natureza, poderíamos dizer,
mais amplas, pois relacionadas, por exemplo, à importância dos acervos para
a criação e a consolidação da identidade de grupos de pesquisa, envolvendo
na discussão outros grupos de pesquisa além do GHEMAT, já citado, e incor-
porando à problemática, inclusive, os periódicos de pesquisa, atualmente
sujeitos às mais distintas formas de gerenciamento e controle, ainda que todas
essas formas tenham tornado obrigatória a divulgação digital – não neces-
sariamente em sistema de acesso aberto – de suas revistas. A diversidade de
documentos abordada nos seis textos que compõem essas mesas-redondas,
entretanto, ainda não escapa muito aos livros e outros textos escritos, sendo
que, por exemplo, as fontes orais e iconográficas – cujas criação, disponibili-
zação e manutenção exigem ações muito distintas –, à exceção de uma breve
menção em um dos textos46, não são minimamente exploradas nessa discus-
são. A importância da preservação de materiais escolares – como carteiras,
armários, mapas, quadros, apoios instrucionais vários (como sólidos geomé-
tricos, exames práticos de escolas industriais e de aulas de artes manuais) e
antigos materiais de escritório – é, também, apenas incidentalmente trazida

46 Além das referências – incidentais e naturais – a fontes de naturezas diversas que com-
põem os Acervos Pessoais exemplificados, em seu texto Valente aponta a importân-
cia dessa variedade, vinculando-a aos estudos em História da Educação Matemática:
“A pesquisa em história da educação matemática, desde os anos 1990, quando mais
incisivamente surgiram estudos que se propuseram a trazer reflexões sobre o passado
do ensino de matemática ao recente campo da Educação Matemática, pautaram-
-se por apropriações dos campos da História da Matemática, da História da Educação,
da Filosofia da Educação, dentre outras searas disciplinares. Pouco a pouco, tais es-
tudos foram alinhando-se aos estudos históricos em termos dos referenciais utilizados,
marcadamente dando destaque à História Cultural. Sob essa rubrica generalizadora, as
pesquisas em história da educação matemática privilegiaram tratamentos considerados
qualitativos na interpretação dos documentos utilizados como fontes de pesquisa. Não
raro, sejam esses documentos tidos como fontes orais ou como documentação textual,
fotográfica etc. a abrangência e extensão dos dados de pesquisa mostraram-se restritas:
um conjunto diminuto de depoentes; um, dois, três ou coleção de obras didáticas de um
dado autor etc. Nesse contexto de investigação, os resultados obtidos tenderam a ligar-
-se diretamente à restrição dada pelas fontes e à sua quantidade, o que é algo evidente
de se esperar. No mais, caberia a novos estudos definir outros contextos e grupos de no-
vas fontes a serem exploradas para, em momento futuro, haver possibilidade de diálogo
entre esses diferentes contextos sobre o tema tratado em cada monografia realizada”.

180 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


à cena. Como preservá-los senão em parceria com iniciativas, por exemplo,
da História da Educação que já conta com acervos relativos à cultura material
escolar? Como tornar esses materiais, de algum modo, virtuais, de modo a
incluí-los em projetos de digitalização?
A rápida alteração dos suportes digitais, softwares e mesmo hardwares47,
a problematização quanto às leis brasileiras que regem os direitos autorais,
além das formas – mais e menos sofisticadas e dispendiosas – de higienização,
organização e disponibilização desses tantos materiais de diferentes materia-
lidades, também não foram um ponto central nas discussões. Certamente os
pesquisadores enfrentaram questões relativas a esses temas e, de algum modo,
as ultrapassaram. Há mesmo, em outros eventos e textos, referências a isso.
Sabe-se, por exemplo, por algumas publicações, de um manual de preserva-
ção de acervos escritos que torna o cuidado com documentos antigos bastante
exequível e barato (BAEZA, 2003). Tal manual é disponibilizado gratuita-
mente, de forma digital, inclusive, pelo Centro de Referência em Educação
– CRE – Mário Covas, de São Paulo. Mesmo o árduo trabalho com acervos
pessoais, desenvolvido pelo GHEMAT, bem como o Repositório mantido por
esse grupo já foram intensa e detalhadamente tratados em outras ocasiões.
Devemos considerar que duas ou três mesas-redondas são insuficientes para
abordar todos os aspectos de um tema tão atual quanto importante e necessá-
rio. Isso nos mostra, mais uma vez, a potencialidade – e a possibilidade – de
iniciativas conjuntas, sistemáticas, mais amplas e abrangentes, relacionadas à
preservação, manutenção e divulgação de acervos. As iniciativas existentes,
embora meritórias e significativas, ainda engatinham quando se trata de pen-
sar e agir coletivamente, para compor os esforços dos vários grupos de pes-
quisa existentes.
Não devemos esquecer, entretanto – e por fim –, que essas discussões
sobre os acervos escolares e pessoais, digitalizados ou não, objeto dessas duas
mesas-redondas em discussão, ocorreram num momento em que apenas se
cogitava a situação política do País que hoje nos ataca frontalmente. A crueza
e a violência de que os dispositivos e as agências oficiais têm se servido para
desqualificar as Ciências, e mais enfaticamente as Ciências Humanas e Sociais,
transformando tanto o ódio às minorias e as oposições quanto o revanchismo

47 Sobre esse tema, impossível não fazermos mais uma vez referência a Darnton (2010) e
Eco e Carriere (2010).

Temas e problematizações: uma leitura das mesas-redondas submetidas... 181


e os ressentimentos em políticas de Estado, não nos permitem vislumbrar mui-
tas saídas em curto prazo.
Criar e manter acervos, higienizar e digitalizar materiais, negociar copyri-
ghts e criar sistemas informatizados, por exemplo, exige mais do que boa von-
tade e bons projetos: exige financiamento das agências e compromisso não só
dos pesquisadores, mas das instituições responsáveis pela pesquisa no País. As
iniciativas de sucesso relatadas nessas duas mesas- redondas são, é claro, exem-
plos exemplares de possibilidades que precisam ser divulgados, mas dentre os
desafios apontados pelos pesquisadores, nessas atividades, há que se incluir
a criação de estratégias para transcender um quadro de negatividades que,
embora estivesse se anunciando, ainda não estava em funcionamento pleno à
época do IV Enaphem.

Narrativas (orais): exercícios metodológicos possíveis


Ao propor a discussão de “Três propostas metodológicas de pesquisa
com História Oral”, as autoras responsáveis por essa mesa-redonda subme-
tida ao Enaphem enfocam mais centralmente a questão metodológica que, de
certo modo, mostra-se também em outras mesas. Tomemos, por exemplo, as
duas atividades das quais tratamos anteriormente, em que o tema central são
os acervos pessoais e a criação e a manutenção de arquivos físicos ou virtuais.
Não só é necessário um estudo de métodos voltados a criar esses acervos como
também é fundamental conhecer procedimentos específicos para mantê-los.
Pode-se, certamente, manter uma posição pragmática nesse sentido, redu-
zindo a um fazer meramente operacional ou procedimental as práticas de
formar, manter e divulgar os materiais de cada arquivo. Essa redução da meto-
dologia aos procedimentos de coleta, higienização, manutenção e disponibi-
lização, entretanto, são insuficientes – a julgar pelas discussões feitas durante
o Enaphem – para promover uma reflexão sobre o fazer historiográfico que
certamente deve estar no panorama dos seus pesquisadores. Isso implica con-
siderar, de forma fundamentada, o alcance, os limites e a potencialidade das
práticas de preservação e disponibilização de fontes o que certamente, por sua
vez, implica considerar uma acepção mais plena dos termos “metodologia” e
“método”, qual seja: um conjunto de procedimentos bem fundamentados que

182 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


visam não só permitir, mas também otimizar a compreensão sistemática sobre
determinados temas e contextos.
Se os textos que norteiam essas mesas relativas aos acervos, optando por
problematizar questões menos teóricas – mas nem por isso menos centrais –,
não se voltam enfática e especificamente à questão metodológica desse ponto
de vista mais ampliado (ainda que o façam incidentalmente, por meio de rela-
tos sobre experiências com arquivos), a mesa cujo tema é uma metodologia
específica – a História Oral –, por sua vez, propondo uma discussão em que
fundamentação filosófica e procedimentos estão vinculados, não problema-
tiza a criação de “acervos orais”, tema importantíssimo e que envolve aspectos
distintos daqueles que se mostram quando os acervos são constituídos para
preservar fontes escritas. Essa ausência de tratamento a questões que envol-
vem os acervos orais é, portanto, uma lacuna sensível no conjunto dos tex-
tos que compuseram as três últimas mesas aqui consideradas – aquelas que
tratam dos acervos e dos repositórios não incluem menção à necessidade de
preservação de fontes que não as escritas; e a mesa que trata da História Oral
– que, ressalve-se, não manifesta ter esse entre os seus objetivos – também
não aborda essa questão. Note-se ainda que um “acervo oral” deve incluir não
apenas gravações de áudios e vídeos, mas também fontes escritas que são ou
transcrições e textualizações dos materiais orais disponíveis ou resultados de
pesquisas que têm as fontes orais como ponto de partida ou de apoio. Assim,
a discussão sobre a criação, a manutenção e a disponibilização de fontes orais
engloba a discussão sobre os acervos de fontes escritas e vai além. A proble-
matização quanto aos acervos orais48, entretanto, não está minimamente posta
no que atualmente se tem produzido em História da Educação Matemática, e
colocá-la, ao menos de forma embrionária, é essencial principalmente dado o
estágio bastante avançado das pesquisas que, atualmente, se valem das narrati-
vas – criadas com ou sem o uso da História Oral – em Educação Matemática e,
de modo mais amplo, em Educação, na Literatura e nas Ciências Sociais.
Ao chamar a História Oral para o debate, os textos relativos à mesa_
redonda cujo título é “Três propostas metodológicas de pesquisa com

48 Note-se que tratar de acervos orais, como faço aqui, é, também, uma redução, já que
há fontes registradas em outros suportes – as fontes pictóricas ou, de modo geral, as
fontes materiais (bordados, maquetes...) como os trabalhos de estudantes em aulas de
Trabalhos Manuais, por exemplo – não foram mencionadas, se não acidentalmente,
quando tratando do tema dos arquivos e repositórios.

Temas e problematizações: uma leitura das mesas-redondas submetidas... 183


História Oral: diferentes caminhos analíticos” enfatizam, dessa metodologia,
o momento de análise das fontes constituídas a partir de entrevistas. Um dos
primeiros aspectos a ser ressaltado é a diversidade dos temas das pesquisas que
as autoras tomam como norte para discutir os caminhos analíticos dos quais
trata o título. Uma dessas investigações tem como foco o estudo dos Ginásios
Vocacionais – uma experiência de ensino público implantada no estado de São
Paulo nos anos de 1960, cuja vigência foi tão curta quanto inovadora. Pautados
em outras estratégias educacionais da época – como, por exemplo, as escolas
experimentais e alguns modelos estrangeiros para o ensino secundário – os
Ginásios Vocacionais operavam com certa independência administrativa em
relação às demais instituições paulistas de ensino secundário, e as Ciências
Sociais desempenharam papel preponderante no modo como se articula-
vam as disciplinas e eram promovidos diálogos entre os diversos conteúdos
escolares. É desse cenário didático que surge uma das propostas apresenta-
das nessa mesa-redonda do Enaphem: “a frisa do tempo”. Pensada como um
“varal de eventos”, no qual eram anotadas continua e constantemente situa-
ções, momentos e aspectos essenciais do mundo socio-histórico abordado nas
aulas, a frisa do tempo foi aproveitada pela autora do trabalho de doutorado
aqui relatado como uma estratégia para analisar os vários depoimentos orais
coletados por ela com ex-professores e administradores dos Vocacionais. O
que se caracterizava, em boa medida, como um recurso pautado numa versão
histórica hoje anacrônica – mas que, à época dessa experiência educacional se
mostrava inovadora para a historiografia escolar – a “frisa do tempo”, ressigni-
ficada – pois subvertida – permite a criação de uma narrativa sobre a história
dos Vocacionais a partir das perspectivas singulares dos atores que participa-
ram efetivamente dessa experiência. A “frisa do tempo”, ao operar com narra-
tivas criadas para essa pesquisa e narrativas disponíveis em outras pesquisas,
ao mesmo tempo em que se consideram estudos e fontes documentais espe-
cíficas, permitiu a criação de uma versão sobre o movimento dessas escolas
secundárias da década de 1960, ressaltando a possibilidade de outras versões e,
portanto, de outras frisas. Trata-se, assim, de uma iniciativa metodológica que
redimensiona uma abordagem didática mobilizada na própria instituição cuja
história é o tema da pesquisa em questão.
A potencialidade das narrativas é o tema do segundo texto apresen-
tado nessa mesa- redonda submetida, e a pesquisa a partir da qual essa

184 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


potencialidade é problematizada trata da história da formação de professores
no sul do Mato Grosso Uno, atual Mato Grosso do Sul. Resta claro que a con-
tribuição da História Oral para a História da Educação Matemática é criar
narrativas plausíveis sobre determinados contextos educacionais. No caso, a
autora discute o modo como nove entrevistas – feitas com professores e admi-
nistradores das instituições em que há, ou houve, cursos superiores de forma-
ção de professores Matemática – foram geradas e editadas de modo a apoiar a
criação de uma outra narrativa – a do pesquisador – sobre a história dessa for-
mação. Trata-se, pois, de oferecer ao leitor modos específicos (versões) de con-
ceber a formação docente numa determinada região, legitimando narrativas
específicas e singulares que, por sua vez, tornam legítima a criação de outras
narrativas. A aposta nessa cadeia de narrativas várias (orais, escritas, iconográ-
ficas, etc.) e variadas exemplifica uma norma, um modo de escrever história
que opera além do próprio exemplo, impondo-se como modelo segundo o
qual funcionam, ao fim e ao cabo, todas as operações historiográficas.
O sul do Mato Grosso Uno, atual Mato Grosso do Sul49, é também o espaço
geográfico tematizado pela terceira pesquisa abordada nessa mesa-redonda
submetida ao Enaphem. Não gratuitamente, essa terceira contribuição estuda
uma estratégia nacional de formação emergencial implantada para formar pro-
fessores de Matemática que é parte, portanto, da pesquisa anteriormente dis-
cutida: ambos os projetos estão inscritos numa mesma proposta panorâmica
de mapear a formação de professores que ensinam/ensinaram Matemática no
Brasil. Se aquela tematizava, de modo geral, a formação docente na região, esta
trata de uma modalidade específica de formação: as Licenciaturas Parceladas
para a formação de professores de (ou que ensinam/ensinaram)50 Matemática,
e as duas investigações, desenvolvidas segundo os parâmetros da História

49 Torna-se obrigatória essa referência, posto que a periodização dos trabalhos apresen-
tados nessa mesa, acerca do ensino de Matemática e da formação de professores de
Matemática sulmatogrossenses envolve, ao mesmo tempo, momento anterior e posterior
a 1979, quando ocorreu a divisão do estado Mato Grosso. O que antes de 1979 era o sul
do Mato Grosso passa a ser o estado do Mato Grosso do Sul.
50 Esse parêntesis justifica-se diante do modo como, atualmente, a literatura sobre forma-
ção de professores diferencia os professores formados em cursos de Licenciatura em
Matemática, que atuam ensinando Matemática no ensino secundário (os “profes-
sores de Matemática”) dos professores com formação mais genérica, em cursos de
Pedagogia, que trabalham com o ensino de Matemática e de outras disciplinas na esco-
laridade básica (os “professores que ensinam Matemática”). As Licenciaturas Parceladas
na região da qual tratamos aqui ocorreram em dois momentos distintos, cada um deles
voltado à formação desses dois perfis profissionais.

Temas e problematizações: uma leitura das mesas-redondas submetidas... 185


Oral, operam a partir de depoimentos/narrativas visando a criar uma narra-
tiva própria, articulando fontes das mais diversas naturezas. O que se mostra
como diferencial nesta pesquisa sobre as Licenciaturas Parceladas é o modo,
segundo o qual as narrativas coletadas foram analisadas, junto a outras docu-
mentações, para criar a narrativa do pesquisador. Aqui, optou-se por operar
segundo as diretrizes do referencial teórico-metodológico conhecido como
Hermenêutica de Profundidade. O diferencial, portanto, não está apenas na
mobilização desse referencial, mas também no fato de que ele tem sido empre-
gado, mais frequentemente, nos estudos em História da Educação Matemática,
para analisar materiais escritos, como livros e textos da legislação51.
Em termos gerais, a Hermenêutica de Profundidade pode ser apresen-
tada como um referencial teórico-metodológico proposto por John Thompson
como sendo radicado em dois territórios – a Sociologia e a Filosofia –, visando
à interpretação de formas simbólicas. Se à Filosofia cumpre nutrir o referencial
com considerações acerca dos limites e das potencialidades das interpretações
(ou leituras), à Sociologia cabe direcionar essa hermenêutica à compreensão
da ideologia que cerca/constitui as formas simbólicas52. Toda forma simbó-
lica opera, segundo esse referencial, para criar (ou manter) uma determinada
relação de poder de um grupo sobre outro. Vivemos num mundo de pode-
res e contrapoderes, num universo que é, forçosa e irremediavelmente, ide-
ologizado, e a manutenção ou imposição de uma determinada relação de
poder caracteriza as instituições53. Segundo a discussão proposta por John
Thompson (2011) em seu livro Ideologia e cultura moderna, estudar ideologia
implica estudar as maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar
relações de dominação. Particularmente, Thompson expõe alguns dos modos
pelos quais a ideologia opera. Ela opera por legitimação (já que relações de
dominação são sempre vistas como legítimas, ou seja, como justas e dignas

51 Até onde conhecemos, apenas duas investigações, até o momento, lançam mão da
Hermenêutica de Profundidade para analisar textos criados a partir de entrevistas (o que
temos chamado, de modo simplificado, de fontes orais, ainda que essas fontes tenham,
tanto como as outras, suporte escrito). Trata-se dos trabalhos de Bagio (2014) e Gonzales
(2017), desenvolvidos num mesmo Grupo de Pesquisa.
52 Forma simbólica é, em resumo, sinônimo de “construção humana intencional”.
53 Uma instituição é, sinteticamente, composta por um conjunto de indivíduos que opera
a partir de um conjunto de normas definidas, gerenciadas, validadas e avaliadas nesse
e por esse coletivo. Isso implica podemos considerar um Grupo de Pesquisa, por exem-
plo, como uma instituição do mesmo modo como o são a Igreja, a família, o Estado, os
Tribunais, a escola etc.

186 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


de apoio); por universalização (já que acordos institucionais globais – tidos
como os melhores para todos – são decorrência de interesses de alguns gru-
pos ou indivíduos); por dissimulação (relações de poder são sempre ocultadas,
obscurecidas, representadas de modo a desviar nossa atenção, visando a nos
fazer desconsiderar relações e processos existentes); por fragmentação (seg-
mentando grupos e pessoas de modo a evitar ideias que podem se tornar um
problema para os grupos dominantes); e por reificação (ao ser forjada uma
tradição artificial para que se acredite ser permanente e natural uma situação
que é transitória e histórica).
Assim, afirmar que se pretende mobilizar a Hermenêutica de Profundidade
para analisar determinada forma simbólica (seja um livro, uma pintura, uma
prática, um hábito, uma apresentação oral, uma legislação, uma coreografia,
um poema etc.) traz embutida a questão geradora essencial a esse referencial,
ou seja: “Qual ideologia essa forma simbólica cria ou ajuda a manter?”, ou,
traduzindo, implica perguntar “Como essa forma simbólica estabelece e sus-
tenta determinadas relações de dominação e quais relações de dominação são
essas?”. É, essa, segundo cremos, a contribuição desse terceiro e último texto
apresentado nessa mesa-redonda: discutir o movimento analítico que busca
compreender de que modo algumas relações de dominação (e quais) podem
ser lidas nas narrativas de determinados atores envolvidos com a criação e o
funcionamento das Licenciaturas Parceladas de Matemática num determinado
momento histórico e em uma região brasileira específica, cujos movimentos
de formação são, até hoje, em boa parte, fortemente tributários de mecanismos
transitórios e de ação emergencial no campo da Educação.

Saberes a ensinar, saberes para ensinar, experts e expertises


Três mesas-redondas estão radicadas num mesmo Grupo de Pesquisa e,
segundo penso, têm um conceito a interligar os trabalhos nelas apresentados,
a saber, o que se tem chamado “saberes” ou, por extensão, “saberes escolares”.
Ainda que essa terminologia não seja nova e ocorra amiúde na literatura em
Educação Matemática – principalmente, até onde vai minha compreensão,
em estudos relacionados à formação de professores – cabe aqui diferenciar os
modos como essa terminologia é compreendida e efetivamente mobilizada nos
trabalhos relacionados à História da Educação Matemática de outros modos

Temas e problematizações: uma leitura das mesas-redondas submetidas... 187


de concebê-la. Pois bem: aqui entramos em terreno que, para mim, como autor
dessa sistematização das mesas-redondas submetidas, é pantanoso, já que não
estudo propriamente essa temática nem me debruço, consequentemente, nes-
ses conceitos que nos são apresentados nesses trabalhos54. É importante, por-
tanto, afirmar que por isso – por meu total desconhecimento dos conceitos e
dos modos de mobilizar esses conceitos – sou forçosamente levado a citações
dos autores que compuseram essas mesas, ainda que, do meu ponto de vista,
haja uma certa flexibilidade no uso desses conceitos, por esses autores, que tor-
nam bastante árdua a tarefa de qualquer leitor que pretenda sumarizar ou ela-
borar, de um ponto de vista próprio, a partir desses trabalhos, esses conceitos.
Essa constatação tem duas implicações fundamentais para este meu
texto: a primeira diz respeito à função das mesas-redondas submetidas, que
tratam de apresentar as elaborações atuais de um determinado coletivo, sendo
natural que, num primeiro momento, ou nos momentos em que novos con-
ceitos estão sendo inseridos num campo de estudos, haja incompreensões ou
flexibilizações no uso deles de modo a um texto não legitimar integralmente as
discussões expressas em outros textos; a segunda diz respeito ao modo diversi-
ficado como os coletivos – no caso os Grupos de Pesquisa – produzem conhe-
cimento em História da Educação Matemática no Brasil. Há grupos que, como
é o caso do grupo em que se inscrevem esses textos em discussão, operam a
partir de um projeto comum, global e temático (o que implica compartilhar
conceitos, autores, perspectivas metodológicas e tema) ao qual se vinculam
vários projetos individuais que devem funcionar segundo as determinações
(conceitos e autores) globais desse coletivo e, de algum modo, contribuir para
responder a questões colocadas pelo projeto global. Por outro lado, há os gru-
pos que atuam segundo princípios gerais comuns, cujos projetos, ainda que
respondam a esses princípios, têm autonomia temática e podem apostar em
metodologias, autores e conceitos diversos. Essa pode parecer uma diferen-
ciação tênue, mas, na prática, esses modos de pesquisar são muito distintos,
podem ser claramente percebidos, e estão baseados, fundamentalmente, na
diferença entre “tema/aporte teórico comum” e “princípios comuns” (o que
implica poder haver temas/aportes teóricos diversificados operando num

54 Essa minha posição deve ser bem marcada: as demais mesas, ao contrário dessa que
passo a discutir, tratam de temas (no caso, o ensino técnico, os acervos e a História Oral)
que estão no meu leque de interesses e que, por isso, são a mim, de certo modo, mais
familiares.

188 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


mesmo grupo). Pois bem, o leitor perceberá claramente que os nove textos que
compõem as mesas-redondas “Orientações para ensinar: em busca da caracte-
rização do saber profissional do professor que ensina Matemática”; “Trabalhos
Manuais e o ensino de Matemática: histórias do Paraná, Rio de Janeiro e São
Paulo”; e “Os experts e a produção de saberes na formação de professores e no
ensino: uma análise de diferentes contextos” têm, em comum, uma questão
diretamente vinculada à dos “saberes” segundo a concepção de Hofstetter e
Schneuwly, pesquisadores europeus.
Até onde foi possível a mim, como leitor, perceber, a noção de sabe-
res ancora a diferenciação entre saberes a ensinar e saberes para ensinar.
Esses saberes, articulados e vinculados a um campo específico (no caso, o
da Matemática), constituem o saber profissional do professor (que ensina
Matemática) e, em consequência, criam uma expertise específica que investe
o professor de um reconhecimento profissional como especialista (no caso,
em questões relacionadas ao ensino de Matemática ou, de modo mais amplo,
à Educação Matemática). É assim que, como leitor, posso compreender o con-
junto de afirmações dentre as quais destaco algumas (todas as inclusões – entre
colchetes – e sublinhadas são meus):

[Segundo Hofstetter e Schneuwly] saberes profissionais se constituem a par-


tir da articulação entre os saberes a ensinar e para ensinar, sendo os saberes
a ensinar aqueles relacionados aos saberes disciplinares (neste caso aqueles
relacionados à matemática), como objeto de trabalho dos professores; e os
saberes para ensinar aqueles relacionados às Ciências da Educação, como
ferramentas de trabalho que envolveriam saberes sobre matemática, sobre o
aluno, sobre maneiras de ensinar e aprender, sobre o espaço de atuação, entre
outros. (Bertini, O que devem saber os professores sobre o uso de problemas nas
aulas de Matemática? Uma leitura dos prefácios de manuais pedagógicos. In:
Enaphem, 2018).

Os saberes a ensinar e os para ensinar estão inter-relacionados e se aproxi-


mam dos saberes da docência. (Giusti, Os saberes para ensinar aritmética nos
cadernos de normalistas (1920-1980). In: Enaphem, 2018).

Hofstetter e Schneuwly consideram que o saber profissional se constitui na


articulação de dois tipos de saberes, os “saberes a ensinar”, que tomam por

Temas e problematizações: uma leitura das mesas-redondas submetidas... 189


referência a matemática disciplinar, e os “saberes para ensinar”, que se refe-
renciam na “expertise” profissional, ou seja, é a posse dos saberes que o dife-
renciam como profissional da docência, dos “saberes para ensinar”, que lhe
dará o reconhecimento profissional como especialista de educação (Maciel,
Um “cálculo oral para ensinar” no Cours Pratique de Pédagogie de Daligault.
In: Enaphem, 2018).

“[...] saberes para ensinar [são] os saberes sobre o aluno, seus conhecimen-
tos, seu desenvolvimento e maneiras de aprender; saberes sobre a prática
de ensino e saberes sobre a instituição que define o seu campo de atividade
profissional. Em outras palavras, constituem saberes específicos da docência,
cuja referência é a expertise profissional de cada professor. Para Valente, se o
“saber a ensinar” constitui o objeto de trabalho docente, o “saber para ensi-
nar” traduz-se como um saber capaz de tomar esse objeto constituindo-se
como um ensinável, um saber como instrumento de trabalho. /.../ Ademais, a
produção destes saberes se dá pela via dos experts, sujeitos responsáveis pela
produção de novos saberes para o campo pedagógico. (Guimarães, O dese-
nho para ensinar na formação de professores primários paulistas: a expertise de
Cimbelino de Freitas. In: Enaphem, 2018).

O uso de uma terminologia comum e de frases que ressoam uma mesma


referência aponta uma unidade no discurso. Talvez aquela minha aproximação
anterior não seja totalmente equivocada: ela é, nos meus termos, uma aproxi-
mação plausível diante dos modos como esses conceitos são apresentados nos
diferentes textos que compõem essas mesas-redondas. Em resumo, é a cadeia
saberes/saberes para ensinar/saberes a ensinar/experts-expertise que apoia as
contribuições dessas três mesas-redondas.
Até então, eu entendia (e talvez também nesse caso eu não esteja total-
mente equivocado) que a noção de saberes servia para acionar como que
uma ampliação no seio do conceito de “disciplina escolar”. Explico: há certas
práticas (na escola, mas não apenas na escola) que, mesmo não constituindo
propriamente conteúdos disciplinares – e que, portanto, não estão neces-
sariamente caracterizados nos programas escolares – apoiam o ensino e a
apreensão de determinados conteúdos (ou saberes) disciplinares (que necessa-
riamente compõem os programas escolares). Isso é o que me permitia pensar,
por exemplo, nas atividades de montar, dobrar, desenhar, modelar, costurar,

190 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


fazer/desfazer, tecer, jogar, pontilhar/juntar pontos etc. como ações que pode-
riam apoiar a compreensão de saberes escolares do domínio da Matemática
não sendo, eles próprios, conteúdos ou ações “próprias” das salas de aula de
Matemática (são, na verdade, mais próximos das salas de aula dos Trabalhos
Manuais; do que ocorre nos pátios escolares ou nas atividades cotidianas,
incluindo obviamente aquelas externas à escola). Uma experiência escolar,
por mínima que seja, mostraria (e os estudos sobre manuais didáticos anti-
gos comprovam totalmente essa minha afirmação) quão importante é a prá-
tica de dobrar e desdobrar para a percepção, por exemplo, das propriedades
dos sólidos geométricos (um saber disciplinar da Geometria escolar); quão
interessante é pesar/medir para a compreensão de saberes disciplinares esco-
lares vinculados, por exemplo, à aritmética ou à álgebra; quão importante é o
desenho à mão livre para a aproximação dos alunos com as ideias de projeção
ou dimensão ou perpendicularidade/paralelismo ou mesmo para introduzir
uma discussão sobre proporcionalidade; ou, ainda, quão significativas são as
ações de ordenar/organizar/sistematizar/criar coleções para o aprendizado
de noções como a de classe de equivalência e conjuntos-quocientes (até hoje
mobilizadas para o ensino das operações com racionais e mesmo nas salas de
Álgebra Moderna do ensino superior).
Desse modo – se minhas apreensões têm algum sentido – a noção de
saberes amplia (e apoia) a noção, mais específica e restrita, de saberes disci-
plinares, o que dá não só sentido, mas importância vital, por exemplo, aos
trabalhos sobre a aproximação entre a disciplina Trabalhos Manuais e o ensino
de Matemática, objeto central da discussão de uma das mesas submetidas ao
Enaphem. Um outro exemplo poderia vir da defesa de Cimbelino de Freitas
– tema de um dos textos de uma das mesas aqui discutida – como expert no
caso do ensino de Matemática, sendo ele, na verdade, artista plástico55 (mais

55 É importante ressaltar a vinculação visceral existente entre a atuação de artistas plás-


ticos brasileiros – que dificilmente conseguiam manter-se apenas com sua produção
artística – em escolas públicas, principalmente Escolas Normais e Ginásios Estaduais. A
história da arte brasileira está repleta de exemplos desses pintores professores, alguns
dos quais, inclusive, criaram os primeiros cursos livres – não vinculados a instituições ofi-
ciais – de desenho e pintura no País – exemplos são Georgina de Albuquerque e Oscar
Campiglia, este um dos mais importantes incentivadores para a criação de pinacotecas
municipais no estado de São Paulo. Pouco se reconhece a importância fundamental
desses artistas para a educação de crianças, com ênfase nas iniciativas educacionais
voltadas aos meninos e às meninas menos privilegiados socialmente. Desses cursos para
crianças carentes saíram excelentes artistas, como por exemplo, Garcia Bento, que estu-
dou na escola criada por Levino Fânzeres. Essa vinculação entre o mundo da Arte e o da

Temas e problematizações: uma leitura das mesas-redondas submetidas... 191


especificamente pintor e, ainda mais especificamente, um reconhecido aqua-
relista) e vindas as informações relativas a ele e à sua expertise, em boa parte,
de textos relativos à História da Arte (no caso, o clássico texto do paraense
Theodoro Braga, autor de Artistas Pintores do Brasil, da década de 194056).
Ainda no que diz respeito à noção de expert, pergunto-me até que ponto
ela não seria potencializada se estivesse ancorada em abordagem minima-
mente sociológica, na qual a personalização e a singularização do expert (ou
do grupo de experts) fossem relativizadas diante do contexto da atuação e da
produção de saberes desses agentes; ou mesmo se propuséssemos (ressignifi-
cássemos) essa noção para ressaltar não o expert “em si”, mas os saberes que ele
produz e os modos como a escola e os demais aparelhos ideológicos cuidam de
criar e manter experts para, efetivamente, disseminar suas agendas com mais
eficiência, agilidade e autoridade.
O uso exaustivo de um conceito ou estratégia de pesquisa não garante
a imunidade desse conceito ou estratégia em relação a usos equivocados ou
interpretações plurais e contraditórias. Pelo contrário: o uso reiterado pode
esconder exatamente a precariedade dos esforços para a atribuição de signi-
ficados, digamos, mais estáveis57. A “estabilidade” no uso de conceitos (já que
não se poderia falar de definir conceitos, no campo das Ciências Sociais e da
Educação, do modo como se faz nas Ciências Exatas) surge exatamente de
exercícios frequentes e públicos como é o caso dessas mesas-redondas sub-
metidas, quando eles são trazidos à cena e questionados a partir de diferentes
pontos de vista.
Cumpre, ainda, destacar algumas das questões centrais das pesquisas
apresentadas nessas três últimas mesas aqui consideradas, com o que se ressal-
tará o extenso leque temático que vem vendo tratado a partir desse referencial
específico e seus conceitos: pergunta-se, por exemplo, se há transformações
em relação à justificativa para usar os problemas como estratégia de ensino
Educação escolar (alguns autores afirmam que TODOS os pintores brasileiros da primeira
metade do século XX foram professores – e não necessariamente professores de Artes,
mas também de Matemática e Desenho Geométrico – em escolas públicas) ainda está
para ser mais bem pesquisada, do meu ponto de vista.
56 ... e também de Desenho Linear Geométrico, uma “retomada” do seu Problemas usuais
de Desenho Linear Geométrico, da década de 1930.
57 Uma expressão do campo da Literatura é emblemática a esse respeito. Na análise lite-
rária, a noção de “desaparição pletórica” quer significar que um conceito pode perder
sentido, passando a não se referir a nada e, portanto, tornando-se inútil do ponto de vista
teórico, exatamente pelo uso reiterado e excessivo.

192 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


nas salas de aula de matemática, e o que deveriam saber os professores para
encarar mais consistentemente essa tarefa; ou, ainda, qual matemática esteve
presente nos cursos de formação de professores ao longo do século XX ou,
mais especificamente, qual aritmética emerge de uma análise de cadernos de
professores em formação?; como manuais pedagógicos de Geometria e de
Trabalhos Manuais produzidos no Brasil, no final do século XIX e início do
século XX, propõem a articulação entre os saberes geométricos a serem ensi-
nados na escola primária e os conhecimentos práticos advindos dos trabalhos
manuais? Quais saberes determinados experts – autores de livros didáticos,
professores, legisladores específicos – produzem?

Concluindo
Deve-se reconhecer que não há como encerrar este texto – que teve a
intenção e a pretensão de ser uma apresentação sintética e problematizada
das mesas-redondas submetidas e apresentadas durante o IV Enaphem – com
uma síntese ou com algumas questões. Pode-se dizer, sem dúvida, que todos os
temas focalizados nessas atividades têm a potencialidade de serem retomados
em outros momentos, dada a riqueza que os caracteriza e as questões que per-
mitem entrever. Finalmente, não custa reafirmar, à luz do que tentei elaborar
aqui, a importância e a necessidade, vitais para o desenvolvimento qualitativo
de qualquer campo do conhecimento, de momentos públicos e coletivos nos
quais conceitos, temas e estratégias de pesquisa sejam discutidos, apresenta-
dos, subvertidos ou ressignificados.

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Temas e problematizações: uma leitura das mesas-redondas submetidas... 193


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Técnico da UFMG-COLTEC (1969-1997). Tese (Doutorado em Educação)-
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.
MOTOYAMA, S. Educação Técnica e tecnológica em questão. 25 anos de CEETEPS: uma
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PINTO, A. H. Educação Matemática e Formação para o trabalho: práticas escolares na
Escola Técnica de Vitória. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 2006.
PRADO, R. C. As Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo: um histórico da
instituição e aspectos relativos ao ensino de Matemática nela praticado. Tese
(Doutorado em Educação para Ciência) – Universidade Estadual Paulista, Bauru,
2018.
THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 2011.

194 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


5 Um olhar múltiplo para os
trabalhos apresentados nas
sessões coordenadas do IV
ENAPHEM: uso e mobilização
de fontes

Thiago Pedro Pinto58


Carla Regina Mariano da Silva59
Edilene Simões Costa dos Santos60
Kátia Guerchi Gonzales61

Introdução
Os livros do Enaphem não são um compilado ou uma versão resumida
dos anais do evento. Ainda que cumpram, de alguma forma, também estas
funções, eles pretendem lançar um olhar reflexivo e sistemático sobre o pró-
prio evento ocorrido, algo impossível aos trabalhos que compõem os anais. Em

58 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Programa de Pós-Graduação em Educação


Matemática. E-mail: thiago.pinto@ufms.br
59 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Programa de Pós-Graduação em Educação
Matemática. E-mail: carla.silva@ufms.br
60 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Programa de Pós-Graduação em Educação
Matemática. E-mail: edilenesc@gmail.com
61 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Programa de Pós-Graduação em Ensino
de Ciências e Matemática. E-mail: profkatiaguerchi@gmail.com

195
sua quarta edição, o Encontro Nacional de Pesquisa em História da Educação
Matemática reuniu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, pesquisadores de
todo o País que submeteram trabalhos nas modalidades comunicação oral e
mesa-redonda, além de algumas palestras e mesas-redondas convidadas com
pesquisadores nacionais e internacionais. Coube-nos o difícil exercício de
lançar olhar para os trabalhos submetidos às Sessões Coordenadas que são,
em sua maioria, relatos de pesquisas de doutorado e mestrado. Os trabalhos
enviados para o encontro apresentaram discussões sobre pesquisas iniciais, em
desenvolvimento ou finalizadas e por essa diversidade de fases, o conteúdo
dos textos submetidos varia consideravelmente. Em alguns são apresentadas as
intenções de pesquisa, o que se pretende fazer, enquanto em outros, os dados,
a metodologia utilizada para a produção das fontes e os resultados de pes-
quisa. A diversidade não para por aí, mesmo entre aqueles que enunciaram em
seus textos uma determinada metodologia ou um determinado teórico havia
diferenças, uma consequência das distintas escolhas de cada pesquisador no
processo investigativo.
A submissão de artigos não dispunha de possibilidades de indicação para
qual Sessão o trabalho seria destinado, ou alguma outra temática ou metodo-
logia que pudesse aglutinar previamente, por parte dos autores, esses textos.
Tínhamos em mãos 24 Sessões Coordenadas e cada uma delas com a média
de três trabalhos que foram assim aglutinados pelos presidentes da Comissão
Científica do evento. Precisávamos, então, criar modos de proceder com a lei-
tura de tantos artigos e conseguir, a partir dela, lançar apontamentos sobre este
numeroso conjunto.
Referenciais teóricos, períodos de análise, grupos de pesquisa a que per-
tenciam foram logo sendo descartados como possibilidade de aglutinação/
divisão dos trabalhos, pois algumas dessas escolhas nos levariam para um
caminho que poderia ser percorrido sozinho quando da leitura desses tra-
balhos. Definimos olhar para as fontes, quais eram mobilizadas, como eram
mobilizadas e a quais perguntas elas respondiam no escopo dos trabalhos. Em
se tratando de pesquisas em História da Educação Matemática, olhar para o
modo como essas fontes têm sido trabalhadas poderia nos ajudar a compor
um panorama de como esse campo tem sido construído.
Nossa primeira triagem buscou elencar quais eram as fontes utilizadas
nas pesquisas, às quais os textos faziam referência, e em quais quantidades.

196 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Ao percorrermos todos os trabalhos submetidos, chegamos ao Quadro 1, com
categorias não disjuntas, que preferimos chamar de eixos:

Quadro 1 – Classificação das fontes

Quantidade de
Eixos
Trabalhos
Legislação 18
Materiais para o professor ou para a sala de aula 17
Entrevistas 20
Outros: trabalho com acervos pessoais ou institucionais; teses,
15
dissertações e artigos; cadernos de alunos; jornais
Fonte: elaborada pelos autores

Estes dados iniciais, levantados a partir de título, resumo e palavras-


-chave, foram sendo observados com mais atenção e sendo colocados em
xeque. Num movimento de questionamento da organização realizada, diver-
sos trabalhos foram sendo realocados e, ainda assim, a quarta categoria marca
grupos minoritários quantitativamente, inclusive grupos de um único traba-
lho e outros que, mesmo estando em um grupo maior, com um olhar mais
acurado, poderiam constituir, talvez, um novo grupo unitário.
Depois desta etapa, buscamos olhar para “como os trabalhos de cada eixo
olhavam para as fontes”, “que perguntas respondiam”, “como as mobilizaram”.
O caminho tomado teve como objetivo mapear os modos como as fontes têm
sido mobilizadas na História da Educação Matemática. Buscamos identifi-
car a forma como os pesquisadores que apresentaram seus trabalhos no IV
Enaphem mobilizaram as fontes em seus textos e não nas pesquisas às quais os
trabalhos faziam referência. Entendemos que os textos enviados para o evento
são um recorte do relato das pesquisas realizadas ou a serem realizadas, e,
portanto, os modos como as fontes são articuladas nessas investigações podem
ser diversos e não estarem ali representados. Ainda assim, são resultados de
uma escolha, do modo como os pesquisadores querem que seus trabalhos
sejam vistos perante a comunidade de pesquisadores em História da Educação
Matemática. A partir desse material, dos anais, apresentamos nosso olhar.

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 197


Eixos estabelecidos a partir das fontes
As categorias aqui definidas não esgotam todas as possibilidades, mas
são o resultado de um trabalho a muitas mãos. A dificuldade em chegarmos
a consensos foi grande, ainda que, logo de início, o trabalho com documen-
tos escritos e fontes orais nos saltou aos olhos como possibilidades distintas
de tornar documentos fontes historiográficas, até mesmo pela contraposição
entre o “encontrar” de fontes e o “produzir” fontes e pela existência de grupos
de pesquisa que, declaradamente, tem suas preferências62. Entre os documen-
tos escritos também foi fácil distinguir aqueles que trabalhavam com docu-
mentos como legislações, normativas e aqueles que tomavam o livro didático
como fonte de dados. As nuances, no entanto, são significativas e a existência
de trabalhos em mais de um eixo, bem como a existência de um eixo que não
é propriamente um eixo, mas o aglutinar de trabalhos diversos, que fogem às
classificações anteriores merece destaque e nos aponta o quão contingente e
provisório é este movimento. Ainda assim, como fluxo – estejam eles aumen-
tando ou diminuindo – estes eixos nos apontam coisas, podem ser tomados
como feixes luminosos63 que nos dão indicativos de movimentos maiores, de
modos de nos constituirmos diante do campo de pesquisa. Assim, nosso leitor
encontrará nas próximas páginas breves relatos dos movimentos de leitura de
cada um destes eixos.

Legislação
Os trabalhos que relataram ter mobilizado a legislação como fonte prin-
cipal para responder a questão de pesquisa, não explicitaram o que compre-
endem por lei ou legislação, sentimos, no entanto, a necessidade de tecermos
algumas possibilidades de entendimento. Se consultarmos o dicionário
Michaelis da Língua Portuguesa64, atribui-se à palavra lei, atualmente, uma

62 A título de exemplo, podemos citar os trabalhos de integrantes dos grupos GHOEM e


GHEMAT que, a partir de preferências teóricas e metodológicas, têm tomado ao longo
dos anos, ainda que não exclusivamente, fontes orais e escritas, respectivamente, como
prioritárias em seus trabalhos.
63 Pontuamos aqui nossa inspiração em diversos textos de Antonio Vicente M. Garnica, que
tomam a frase de Alfredo Bosi: “Datas são pontas de icebergs” (O tempo e os tempos,
1992) para problematizar usos destas datas em pesquisas que visam, muito mais que
levantar datas e nomes, problematizar a história.
64 1. Regra jurídica, de enunciado claro e conciso, estabelecida por uma autoridade
constituída, o legislador, que tem seu poder delegado pela soberania popular: Todos

198 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


série de significados. Da mesma forma, poderíamos proceder com o termo
legislação65. De forma geral, podemos relacionar estas palavras a textos que
tem o intuito de manter a ordem, estabelecer uma moral e uma norma de jus-
tiça e de conduta entre os homens. Estas leis são estabelecidas por um poder
social legitimado através dos tempos. Dessa forma, quando a lei está em pauta,
alude-se à discussão do direito e das normas, seja do cidadão, das instituições
ou do Estado.
No Brasil, a partir de 1827, depois da independência, é criada a primeira
lei nacional de educação, que alude ao ensino das primeiras letras, “ler, escrever
e contar”, dessa forma, como pontua Gomes (2014, p.15), “é nesse momento
que se pode situar a primeira colocação de educação como direito social, com
a descentralização que o governo central promoveu, em 1834, do encargo das
“primeiras letras” para as administrações provinciais [...]”.
Confirmando uma tendência nas pesquisas que se inserem na linha de
História da Educação Matemática, tivemos 18 trabalhos apresentados no IV
Enaphem que, de algum modo, mobilizaram legislações como uma das fontes
para sua produção historiográfica. Dentre as leis que constituem a legislação
educacional, para o Evento foram mobilizadas as seguintes: a constituição, os
decretos, os regulamentos, os estatutos, os regimentos internos, os pareceres
e outras decisões governamentais. É importante enfatizar que, embora alguns
desses documentos não sejam nomeadamente leis, têm força de lei, por exem-
plo, o decreto-lei n. 4.073, de 30 de janeiro de 1942, que organiza o ensino
industrial brasileiro, e a Lei Orgânica Industrial, tema discutido no texto “Os
rudimentos de Matemática no Ensino Industrial de Emergência brasileiro”
(RODRIGUES; COSTA, 2018). Outro exemplo é o Decreto-Lei 8.529, deno-
minada Lei Orgânica do Ensino Primário, sancionado pelo presidente José
Linhares, discutido no texto “O Ensino de Matemática nas Escolas Públicas

os cidadãos devem respeitar a lei. 2. Ordem, regra ou prescrição que tem autoridade
absoluta ou inquestionável. 3. O conjunto de costumes, práticas ou regras que cons-
tituem a lei orgânica, prescrevendo a natureza e as condições de existência de um
Estado ou de outra forma de comunidade organizada. 4. Tudo que é juridicamen-
te obrigatório. (MICHAELIS. UOL, 2019). Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/
busca?r=0&f=0&t=0&palavra=lei. Acesso em: 2 dez. 2019.
65 Ampliando nossas compreensões, conforme indicado no minidicionário Rideel da Língua
Portuguesa, legislação significa: “Conjunto de leis; ciência que estuda as leis” (ROSA,
2000, p. 166).

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 199


de Canoas/RS, década de 1950”, que regulamenta os currículos mínimos para
esse nível de ensino (HUFF; BAYER, 2018).
Nos trabalhos aqui elencados, o fio condutor dos textos foram as legis-
lações, o que não impediu que eles se utilizassem também de outras fontes,
geralmente escritas – ou ainda, dito de outro modo, oficiais –, como: relató-
rios, programas de ensino, atas, resoluções e portarias. A pesquisa de Ferreira
(2018) intitulada “A aritmética nas diretivas oficiais para a Escola Normal
de São Paulo na década de 1920”, é um exemplo, pois o autor, ao analisar o
Decreto n. 3.858 de 11 de junho de 1925 – que além de propor vários crité-
rios normativos, como remoção e promoção de professores, amplia para cinco
anos a duração dos cursos das Escolas Normais e apresenta o programa de
ensino, na qual explicita a forma de distribuição das disciplinas –, observa que
havia mais aulas destinadas à Álgebra e à Geometria do que as destinadas à
Aritmética, passando a ser necessária uma análise minuciosa dos programas
de cada uma dessas cadeiras.
Em alguns trabalhos, como por exemplo, o texto “A caracterização dos
saberes a ensinar aritmética a partir das finalidades do curso primário na
Escola de Aprendizes Artífices”, de autoria de Barbaresco e Costa (2018) é pos-
sível notar que o estudo a partir da legislação teve o papel de compreender
se em um determinado período de tempo as leis vigentes estavam, de algum
modo, sendo apropriadas e incorporadas nas aulas de Matemática. Nesse viés,
os pesquisadores lançaram mão de outras fontes como os livros didáticos que
permitiram uma confrontação entre fontes para tecer compreensões sobre
o ensino e a aprendizagem de Matemática66, no caso específico do referido
estudo, sobre as finalidades dos saberes em torno do ensino de aritmética.

66 Segundo Dassie (2018), o estudo do livro didático possibilita observar por meio da orga-
nização e da linguagem as intenções que se têm para os dois leitores principais, o aluno
e o professor. Acompanhando as ideias propostas por esse autor, pode-se dizer que essa
produção didática é tanto instrumento de aprendizagem para o aluno, como instrumen-
to de ensino para o professor. Assim, pode auxiliar o professor na organização da aula,
como também ser complemento no aprendizado dos temas, atividades e/ou exercícios
para os alunos. Proporciona, desse modo, diferentes formas de mediação na relação
do ensino e aprendizagem dentro de sala de aula e nas tarefas fora dela. Na História da
Educação Matemática, a análise do livro como um todo – capa, introdução, prefácio,
sumário, capítulos e referências – bem como o contexto de produção, apropriação,
propagação e as ideias dos autores e editores, auxiliam para a compreensão dessa rela-
ção. A forma de apresentar os capítulos, os conteúdos e as atividades também indicam,
na visão de Dassie (2018), as concepções que os autores dos livros didáticos têm a respei-
to do conhecimento escolar e das metodologias que, para eles, devem ser trabalhadas
no processo de aprendizagem.

200 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


De forma análoga, Pedroso e Santos (2018), com o texto “Um estudo da
matemática escolar a partir do caderno de Maria”, ao analisar as atividades
matemáticas presentes em um caderno de tarefas de 1962, confrontaram os
descritos com as orientações presentes na Lei 4.024/61, denominada Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. As autoras observaram que consti-
tuir fontes históricas, quando se trata de materiais escolares, é uma tarefa um
tanto quanto difícil para o historiador, pois em nosso país não há incentivos
à preservação. Neste sentido, pelo caráter oficial e pela ampla divulgação, as
normativas têm, materialmente, resistido ao tempo.
Outros trabalhos constituíram uma história a partir da legislação, bus-
caram fragmentos nestes documentos que possibilitaram discutir o objeto
em estudo, sempre articulando as interpretações com outras fontes. O traba-
lho intitulado “O Ensino de Matemática nas Escolas Públicas de Canoas/RS,
década de 1950”, de Huff e Bayer (2018) é um exemplo deste exercício, uma
vez que tentam compreender o ensino da Matemática nas escolas públicas de
Canoas/RS, na década de 1950 e, para isso, partiram de elementos dispostos
nas leis e articularam com textos da época e artigos de outros pesquisadores
que contextualizam, no período em foco, a sociedade gaúcha.
Alguns dos artigos submetidos para o IV Enaphem podem ser classifica-
dos em dois eixos por fazerem uso de legislações e fontes orais para compor a
escrita de uma história. Utilizando como metodologia de pesquisa a História
Oral, alguns deles nos parecem partir das legislações para um estudo mais
aprofundado sobre o tema de pesquisa antes de ir para a entrevista com os cola-
boradores. Nesse ponto há claramente uma distinção: a legislação é utilizada
como um disparador do trabalho, enquanto as entrevistas se constituem como
fontes. O texto de Santos e Baraldi (2018) é um exemplo desse movimento.
No texto “Educação especial e educação inclusiva: considerações históricas”, as
autoras, ao elaborarem uma compreensão do processo de reestruturação dos
cursos de Licenciatura em Matemática dos campi da Universidade Estadual
Paulista – UNESP e a inserção da discussão do tema educação inclusiva nas
grades curriculares, explicitaram, que para o artigo submetido, foi feito um
recorte com a pretensão de discutir o histórico da educação especial e da edu-
cação inclusiva e suas legislações.
Outros trabalhos, que também utilizam a História Oral para criação de
fontes, explicitaram que as histórias ali contadas foram compostas a partir das

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 201


narrativas dos colaboradores cotejadas com outras fontes, como jornais, mate-
riais, pareceres, relatórios institucionais e legislação. A ausência de discussões
sobre o motivo e os modos de se utilizar a legislação e, mesmo assim, ela se
fazer presente em grande parte dos trabalhos, nos aponta para uma naturaliza-
ção do seu uso no fazer historiográfico na Educação Matemática.
Se há um movimento que parte da legislação para disparar a pesquisa,
temos também aqueles que, no decorrer da pesquisa, vão incorporando a
legislação como uma voz possível dentre tantas outras. Roque e Gomes (2018),
no texto “História do primeiro curso de Licenciatura em Matemática em
Governador Valadares-MG: um panorama geral”, explicitaram que as fon-
tes orais constituídas como documentos históricos não existiriam senão por
estímulo, presença e papel ativo do historiador durante o momento de entre-
vista, que reforçam a ideia de que essas fontes são legítimas. A partir desses
dizeres, as autoras partiram então das narrativas dos colaboradores e a elas
foram incorporando outras fontes que permitiram tecer uma história possível
e plausível. É nessa junção que a legislação foi incorporada na versão consti-
tuída pelas pesquisadoras, contudo, é fundamental mencionar que nem nesse
momento as legislações ou outras fontes utilizadas pelas autoras foram menos
valorizadas do que as narrativas, mas sim, tornaram possível o diálogo entre
múltiplas perspectivas.
No texto “Algumas considerações sobre a formação matemática e os
últimos anos de funcionamento do curso de Ciência da Fundação de Ensino
Superior de São João del-Rei”, Paiva (2018) arrazoa em favor da ideia de que as
narrativas proporcionam acesso às experiências capazes de alumiar elementos
não explicitados em documentos escritos, contudo concorda com os demais
autores que apresentamos, de que não se deve valorar um tipo de fonte em
detrimento de outro. Para fazer essa afirmação, Paiva (2018) mencionou os
dizeres de Gomes (2012, p.128): “nenhum tipo de documento retrata o que
verdadeiramente se passou”. O diálogo entre as diferentes fontes é que será
capaz de tramar uma história cheia de pontos de vista presentes nas fontes
disponíveis ou nas constituídas via entrevista com o sujeito. É a partir dessas
interlocuções de fontes que Paiva (2018) fundamentou-se na LDB vigente e
nas resoluções da Universidade Federal de São João del-Rei, para compreender
a formação do professor de matemática e os últimos anos de funcionamento
do curso de Ciências.

202 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Outro grupo de trabalho enquadrado neste eixo mobilizou a legislação
em contextos muito diversificados. A título de exemplificação, a leitura desse
conjunto de trabalhos nos possibilitou conjecturar conexões que envolvem o
saber docente e a formação de professores, a cultura escolar e a própria noção
de historiografia, temas que trataremos brevemente a partir dos próprios arti-
gos analisados, a seguir.
Os trabalhos que envolveram o saber docente buscaram de alguma forma
associar os saberes ao ensino de matemática previstos na legislação em deter-
minado período e a história da formação docente, como é o caso de Rodrigues e
Costa (2018), já discutido neste texto, que tratou particularmente dos saberes a
ensinar e dos saberes para ensinar a partir das ideias de Hofstetter e Schneuwly
(2017). A partir dos saberes a ensinar, os pesquisadores buscaram identificar
quais seriam os saberes necessários aos professores para ensinar determinados
conteúdos, investigando, assim, aspectos da formação e da profissão docente.
Os saberes matemáticos, discutidos no texto intitulado “O processo de
disciplinarização do ensinar a ensinar a matemática escolar no Instituto de
Educação de Porto Alegre/RS”, de Silva e Dalcin (2018), podem ser identifica-
dos desde a implantação do Instituto de Educação General Flores da Cunha,
em 1869, por meio da grade curricular, que destaca a presença de Aritmética,
Álgebra e Geometria. Em 1909, a partir de uma reforma curricular, essa insti-
tuição, em específico, passou a integrar um currículo do curso de formação de
professores primários, iniciando um movimento de “preocupação em ensinar
a ensinar àqueles que estavam em processo de formação para atuar no magis-
tério primário” (SILVA; DALCIN, 2018, p.3). Em meio aos estudos das autoras,
pudemos notar que, em 1929, através do Decreto n.º 4.277 é que se intensifi-
cou a presença das disciplinas que têm a intenção de ensinar o docente em for-
mação a como se deve ensinar. Surgem, nesse momento, as palavras Pedagogia
e Didática com foco nesta atuação.
Libório e Traldi Júnior (2018) discutiram, em “Formação Inicial do
Professor de Matemática: um olhar aos documentos oficiais de âmbito fede-
ral (1961-1974)”, que os cursos destinados à formação de professores de
Matemática apresentam dois componentes que tentam se equilibrar nas
ementas dos cursos de formação, que são as disciplinas relativas aos conhe-
cimentos específicos da área e os conhecimentos específicos para a docência,
contudo, destacaram que ainda é comum termos as disciplinas em relativas aos

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 203


conhecimentos específicos em evidência. Pautados então na primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei Federal n.º 4.024/1961, os auto-
res notaram os saberes valorizados nos documentos oficiais e destacaram que
são estes os estudos que devem ser considerados, uma vez que são os aspec-
tos prescritos e regulamentos, “que consiste no ordenamento legal, elaborado
pelas instâncias políticas e administrativas e tem a função de normatizar e sub-
sidiar a construção dos currículos” (LIBÓRIO; TRALDI JUNIOR, 2019, p.4).
Esses autores buscaram então subsidiar suas interpretações a partir dos docu-
mentos oficiais utilizando as concepções de Hofstetter e Schneuwly (2017),
assim como Rodrigues e Costa (2018). Em leitura análoga, Huff e Bayer (2018)
também se dedicaram a compreender os saberes a ensinar e para ensinar, via
os estudos de Hofstetter e Schneuwly (2017), assim, destacaram ser fundamen-
tal no que diz respeito às instituições escolares, observar os planos de estudo,
os manuais, os textos prescritivos, os currículos e as legislações, pois eles con-
têm elementos do que se deve ensinar. Desse modo, via a legislação e esses
outros documentos citados, os autores concluíram que os saberes para ensinar
aritmética, presentes no programa de 1916, indicam uma formação geral, na
qual sebuscava instrumentar o aluno que viria a ser um contramestre ou um
operário.
Pedroso e Santos (2018) utilizaram os conceitos expressos por Julia (2001,
p. 2, grifos do autor) tomando a cultura como:

Um conjunto de normas que define conhecimentos a ensinar e condutas a


inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses
conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas
coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades
religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).

Nesta direção, a legislação escolar é um objeto rico, nem sempre efeti-


vado, para o estudo da cultura escolar.
Para Silva e Dalcin (2018), fontes históricas podem ser todos os vestígios
da ação humana deixados no passado e que nos possibilitem compreendê-
-lo, mesmo sem tê-lo vivenciado. Sob essa óptica, baseados em Le Goff, as
autoras indicaram a necessidade de se lançarem por caminhos e abordagens
metodológicas diversas, desde que fossem apropriadas aos diferentes tipos de

204 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


documentos analisados, sendo elas “um produto da sociedade que o fabricou
segundo as relações de forças que aí detinham o poder” (LE GOFF, 1990, p.
545 apud SILVA; DALCIN, 2018).
A noção de Historiografia, para Pedroso e Santos (2018), por exemplo,
parte da premissa de que não se pode reconstituir o passado, mas elemen-
tos como documentos, arquivos e relatos pessoais, auxiliam a compreensão de
como foi a constituição de diversos acontecimentos. Por esse prisma, Silva e
Dalcin (2018) mostraram-nos que não somente os documentos oficiais, mas
quaisquer vestígios de características diversas, que contenham resquícios das
ações humanas, podem contribuir para a interpretação do tema em estudo.
Morais (2018), no texto “Formação de professores de Matemática no RN: uma
análise histórica a partir da ótica dos espaços”, defendeu que a perspectiva
histórica na qual se inspira propõe lidar com os elementos históricos com a
finalidade de produzir sua escrita. Tais construções, na visão dele, são sempre
subjetivas e permeadas por verdades constituídas socialmente, seja na verdade
narrativa de colaboradores, na verdade do pesquisador que a torna plausível
seja na verdade daqueles sujeitos que construíram os documentos oficiais e as
leis.
Seria oportuno mencionar que dos 18 trabalhos analisados, todos
eram pesquisas de mestrado ou doutorado, com exceção a uma única pes-
quisa desenvolvida por licenciandas do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica – PIBIC, sob orientação de um doutor. Além disso, grande
parte dos documentos utilizados foi acessada nos sites e encontrada em acer-
vos institucionais e pessoais. As legislações, nosso enfoque principal neste
tópico, facilmente são encontradas nos sites governamentais e referenciados
pelos pesquisadores.
A partir das reflexões, proporcionadas por meio desses 18 artigos que
citaram, que se debruçaram nas legislações, podemos perceber que, mesmo
com referenciais teóricos e metodológicos diferentes, a noção de fonte é muito
próxima nos trabalhos. Contudo, o modo de debruçar sobre as fontes, em
nosso caso específico nas legislações, é muito particular, pois não leva em
conta somente os referenciais teóricos e metodológicos adotados, ou o per-
tencimento em uma determinada comunidade acadêmica ou outra, mas sim,
principalmente, a particularidade de cada objeto de estudo e a forma que cada

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 205


pesquisador, imerso em suas concepções, enxerga e consegue comunicar ao
leitor.

Materiais para o professor ou para a sala de aula


Neste eixo aglutinamos 17 trabalhos submetidos e apresentados no IV
Enaphem. A análise de como as fontes mobilizadas nos trabalhos pertencentes
a esta seção foram interrogadas e constituídas nos leva a compreender que elas
foram avaliadas não exclusivamente em seu conteúdo, mas em sua materiali-
dade. Um exemplo disso é a análise dos paratextos editoriais e da veiculação
da obra. Além destes, as mudanças nas edições e as diferenças entre obras de
um mesmo período e de períodos diversos também foram levadas em consi-
deração. Parece-nos plausível que os autores tenham partido da premissa que
textos didáticos (manuais, livros e revistas) guardem em seu bojo característi-
cas e concepções que foram negociadas em contextos políticos, econômicos e
sociais do espaço e tempo no qual foram produzidos. Por exemplo, podemos
citar o trabalho de Amorim e Gomes (2018), “Indicações metodológicas para o
ensino de matemática no Livro “The New Methods In Arithmetic” de Edward
Lee Thorndike: um estudo do exemplar presente na Biblioteca Pessoal Alda
Lodi”, que problematizou a produção de livros e, entre os trabalhos, é o que
mais aponta elementos paratextuais. A partir deles, as fontes foram inquiridas
em busca de permanências e transformações de conteúdos curriculares, pro-
cedimentos didáticos e pedagógicos, métodos, práticas, bem como difusão e
circulação da fonte, entres outros.
Percebemos que as perguntas feitas às fontes foram múltiplas, produ-
zindo diferentes interpretações, mas o foco entre os trabalhos analisados
parece ser o mesmo: encontrar elementos que denotem particularidades de
um determinado período da História da Educação Matemática. Para isso, dis-
correram sobre a estética da obra, forma de produção, editores, diagramação,
ilustrações, marcas, data, prefácios, sumários, autores, conteúdos abordados, e
formularam outras questões, jogando luz sobre algum tema em especial, como
formação do professor primário, a transformação de saberes matemáticos, a
análise de conteúdos matemáticos, as vulgatas e até mesmo as marcas deixadas
no livro pelo leitor.

206 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


As principais abordagens trazidas dialogam com a história cultural, a
história das disciplinas escolares e a hermenêutica de profundidade, a fim de
legitimar os objetivos do estudo. Um dos trabalhos elencados neste eixo se
utilizou da análise sócio-histórica, tendo como referência Thompson (2011),
os demais realizaram a análise das fontes no contexto sócio-cultural, tomando
como referência autores como Chartier (2002), Chervel (1990), Darnton
(1990), Julia (2001), entre outros.
Nos textos abordados, os livros e as revistas foram tomados como objetos
culturais, não só no sentido da produção como também em seus mecanismos
de recepção que, por sua vez, é um modo de produção. Essas fontes permiti-
ram sintonizar a cultura escolar de determinado período circuncidado pela
cultura popular, social, econômica e política.
As fontes adequaram a produção de “ideologias” entre as representações
sociais e os cotidianos escolares de determinados períodos, tomados como
movimentos pedagógicos. Nessa direção, na perspectiva da historiografia,
parece tratar-se de estudos “da produção, difusão e conservação de objetos
escritos” (CASTILHO GÓMEZ; SIERRA BLAS, 2008, p.19).
Esses objetos denotam particularidades de um determinado período da
História da Educação Matemática, como, por exemplo, um conteúdo curri-
cular; o modo de elaborar ou resolver exercícios, tarefas; o modo de utilizar
um instrumento didático, que podem apontar rupturas com ou não, pois são
atravessados por questões culturais e práticas discursivas que constituem ele-
mentos da vida social. Ainda podem apontar aspectos remanescentes anterio-
res à turbulência na disciplina matemática que deram origem a novas ideias
pedagógicas ou ainda, que apontam a transição para uma nova “vulgata”
(FORTALEZA; ROCHA, 2018, p.4), que será identificada em uma nova vaga
pedagógica. Fortaleza e Rocha (2018), no texto “Publicações de Geometria
para o ensino primário brasileiro: iniciando a verificação da possibilidade
de uma ‘vulgata’”, consideram que a pesquisa está no contexto da História da
Educação Matemática, com foco na construção de representações acerca da
produção matemática escolarizada, ensinada e aprendida ao longo do tempo.
As questões feitas às fontes produziram fatos históricos que apontam que
as fontes foram questionadas no sentido de compreender prescrições legais,
finalidade da escola em determinado espaço e tempo, informações da cons-
tituição da comunidade matemática, de processos de institucionalização de

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 207


disciplinas como a Álgebra Linear. Tais questões geram fatos que nos parece a
afirmação de Thompson (1979, p. 40 apud CURY, 2018):

Supõe que o historiador está empenhado em algum tipo de encontro com


uma evidência que não é infinitamente maleável ou sujeita à manipulação
arbitrária, que há um sentido real e significante no qual os fatos “existem”, e
que são determinantes, embora as questões que possam ser propostas sejam
várias e elucidem várias indagações.

Essas considerações foram trazidas por Cury (2018), no texto “Análise de


um livro de Geometria Plana”, que fez uso da Hermenêutica de Profundidade
(THOMPSON, 2011) para analisar a fonte em estudo. Kuhn (2018, p.3), por
sua vez, no texto “As frações nas edições da Segunda Aritmética da Série
Concórdia”, considera que “O trabalho do historiador, de acordo com Certeau
(1982), é fazer um diálogo constante do presente com o passado, e o produto
desse diálogo consiste na transformação de objetos naturais em cultura”. Logo,
os trabalhos apresentaram, em dada medida, a relação do historiador com as
fontes. Outra referência que podemos considerar é o conteúdo analisado nas
fontes em estudos, principalmente no que diz respeito à matemática. Santos
(2018), no texto “A Disciplina Álgebra Linear no Brasil antes de 1960: entre
textos e memórias”, apresentou Chervel para justificar o enfoque dado aos
conteúdos matemáticos nas fontes estudadas, “Dos diversos componentes de
uma disciplina escolar, o primeiro na ordem cronológica, senão na ordem de
importância, é a exposição pelo professor ou pelo manual de um conteúdo de
conhecimentos” (CHERVEL, 1990, p. 202 apud SANTOS, 2018, p. 2).
Outro aspecto que podemos considerar nos trabalhos foram os modos,
os critérios, os métodos determinados pelo pesquisador para analisar as fon-
tes e produzir suas narrativas. A título de exemplo, citamos as pesquisadoras
Caputo e Oliveira (2018), as quais no texto “O desenho como um saber para
ensinar no primário (1925 a 1932)”, afirmaram terem trabalhado as fontes fun-
damentadas na História da Educação Matemática na perspectiva da História
Cultural, pois essa permite identificar o modo pelo qual uma determinada rea-
lidade social foi construída, pensada e dada a ler de acordo com Chartier.
Como é possível perceber, as muitas abordagens analíticas realizadas,
bem como os fundamentos teóricos e práticos utilizados, permitiram emergir

208 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


elementos que possibilitaram aos pesquisadores tecer inferências relativas às
práticas pedagógicas de determinado período em estudo, funções instrucio-
nais, caráter ideológicos e culturais de determinado material didático, esque-
mas tácitos de condutas, convenções e relações sociais que apontam para
finalidades e normas sociais e culturais do sistema escolar em um dado tempo
e espaço. Logo, a análise das fontes aponta o espaço e o tempo regido por lin-
guagens, práticas, ideologias e representações.
Entendemos que os pesquisadores buscaram nas fontes pistas que permi-
tissem identificar e compreender a singularidade de uma determinada vulgata,
da transformação dos saberes matemáticos, inferindo sobre determinadas
convicções de autores de obras didáticas, como também a forma com a qual
determinado conteúdo foi articulado no ensino e na formação do professor.
Esses pesquisadores parecem ter buscado o “caráter eminentemente criativo
do sistema escolar” (JULIA, 2001, p.33) em cada período abordado no estudo.
Apenas dois trabalhos tomaram como fonte de pesquisa as revistas peda-
gógicas – Caputo e Oliveira (2018) e Santos (2018) – os demais tomaram
como fonte principal de suas investigações os livros ou os manuais pedagó-
gicos. Estes autores parecem ter tomado estes materiais como uma produção
da cultura escolar, atravessada por questões culturais, políticas, econômicas e
sociais mais amplas. As escolas, seus agentes e seus materiais, são resultados
de processos mais amplos, possíveis de serem rastreados por meio destes e de
outros materiais.
Aqui podemos retomar as considerações realizadas por Dassie e Costa
(2014) na análise de livros didáticos como fonte de pesquisas apresentadas no
I Enaphem. Estes autores iniciam o texto argumentando sobre a importância
de tais fontes para a escrita de uma História da Educação Matemática (2014, p.
200) e sobre os desafios metodológicos para a análise de tais fontes. O capítulo
é finalizado considerando que “os textos careciam de uma discussão teórico-
-metodológica ao tratar de livros didáticos” (p. 208).
Já no III Enaphem, Dassie et al. (2018, p. 168) dizem existir referências
teóricas nos trabalhos apresentados e publicados, mas sem a devida mobiliza-
ção no decorrer do trabalho:

Se, por um lado, identifica-se a predominância de referências teórico-meto-


dológicos nos textos, de outra parte, a maioria dos trabalhos não mobiliza

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 209


os autores ou os conceitos anunciados para a análise das fontes. Observa-se,
portanto, um número significativo de textos nos quais não se consegue com-
preender os complexos processos de articulação entre os aportes teóricos,
metodológicos, análises e resultados.

Estes autores tecem tais afirmações citando Garnica (2014) que discute a
complexidade entre teorização e metodologia.
A partir das observações e das análises retiradas do Livro do I e III
Enaphems e das observações com relação aspectos teórico-metodológicos com
os quais as fontes, principalmente livros, manuais e revistas, são tratadas nos
textos dos Anais do IV Enaphem, é possível inferir que os trabalhos apontam
para uma frágil, porém perceptível, mudança na análise das fontes. Na última
edição do evento, é possível observar um exercício de analisar os documentos
a partir do método explicitado ou dos conceitos e/ou categorias definidos.

Entrevistas
Na escrita da História da Educação Matemática, especificamente nos
trabalhos apresentados no IV Enaphem, 20 artigos apresentaram entrevistas
como fontes utilizadas ou, no caso de trabalhos iniciais, como fontes a serem
mobilizadas. A inclusão desses textos nesta categoria não significa harmonia
de métodos, metodologias e teorias. Apesar de terem muitas semelhanças,
outras categorizações poderiam ser feitas caso fosse desejável.
Se tomássemos à discussão o momento no qual a pesquisa a que o traba-
lho faz referência estava, teríamos pesquisas de mestrado e doutorado em fase
inicial que sequer apresentaram as fontes no texto, uma vez que essas ainda não
foram produzidas/encontradas (cinco trabalhos), outras já finalizadas (quatro
trabalhos), mas a maioria, no entanto, são pesquisas de mestrado e doutorado
em desenvolvimento. Há ainda aquelas que se constituem como pesquisas de
um grupo (três trabalhos), que não estão estritamente vinculadas a projetos
de mestrados ou doutorados. Se levássemos em conta a exclusividade ou não
do uso de entrevistas, teríamos pesquisas que dizem trabalhar com o coteja-
mento de fontes e aquelas que dizem serem as entrevistas algo complementar,
tendo o documento escrito/oficial como fonte principal. De fato, muitas outras

210 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


classificações poderiam ser criadas para encaixar cada um dos 20 textos, que
ora pertenceriam a uma categoria ora a outra.
Alguns autores optaram em seus textos por chamar as entrevistas de
“narrativas” como é o caso de Morais (2018), já discutido no item 2.2. Outros
como Costa e Gomes (2018) no texto “História do ensino de matemática no
Colégio de Aplicação da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de
Minas Gerais (1954-1968)”, afirmaram a importância de todo tipo de fon-
tes, mas reforçaram que os depoimentos são fundamentais. Silva e Martins-
Salandin (2018) entendem, por sua vez, que as fontes orais permitem outro
entendimento sobre o fenômeno estudado. Essas afirmações apontaram para
uma valorização explícita das fontes orais na pesquisa histórica e, ainda que
afirmem trabalhar com o cotejamento de fontes, as protagonistas parecem ser,
nesses trabalhos, as entrevistas. Há ainda trabalhos em que a valorização das
fontes orais aparece de modo implícito. O texto de Paiva (2018), já discutido
no item 2.1. constituiu-se como a apresentação de resultados parciais de uma
pesquisa de doutorado e tinha como objetivo apresentar aspectos da forma-
ção de professores em um curso de ciências após a criação das habilitações.
Entre narrativas, documentos gerais do curso, proposta pedagógica, jornais,
legislação educacional da época, diários, provas e notas de aulas dos docentes,
o autor trouxe para o IV Enaphem uma narrativa histórica costurada pelas
entrevistas. Os documentos (dois trazidos como imagem), por sua vez, são
mobilizados apenas para comprovar a extinção do curso estudado, o que ava-
liamos como um indício da prevalência de fontes orais nesse texto.
Por outro lado, no texto “O movimento da matemática moderna no litoral
paranaense: trajetória do professor participante”, para Simões, Pires e Portela
(2018, p. 3), é “importante uma metodologia que investigue documentos e
arquivos buscando entender como os fatos ocorreram. No entanto, entende-se
ser de grande importância a ampliação da pesquisa, por meio da narrativa de
pessoas envolvidas, com o fato pesquisado”. E afirmam ainda, que conhecer
a história pela perspectiva dos indivíduos envolvidos pode tornar a história
mais fiel ao que realmente aconteceu. Percebemos uma preocupação em con-
tar a verdadeira história, e aqui, a variabilidade de fontes ajuda na triangulação
dos dados, tal qual é recomendado em alguns textos sobre pesquisa qualita-
tiva. Esses autores investigaram a introdução do Movimento da Matemática
Moderna no litoral paranaense a partir da elaboração de uma única entrevista

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 211


e é essa a discussão apresentada no trabalho. Apresentam também um livro
citado na entrevista e utilizado pelo entrevistado durante seus estudos. Não há,
no entanto, nenhum apontamento, análise ou comentário acerca do conteúdo
interno do material, tendo o livro caráter apenas ilustrativo. Fica implícita a
utilização de outras fontes uma vez que há a afirmação de que outros docu-
mentos foram utilizados, mas não há menção direta a elas.
Já Oliveira e Martins-Salandim (2018), no texto “Estranhando uma escola:
Orlando, contribuições para a História da Educação Matemática Brasileira”,
entendem a investigação que praticam como um trabalho de provocar as
memórias e escrever sobre elas a partir da ótica daquele que investiga, consti-
tuindo, assim, um conjunto de eventos pelos documentos e pelas entrevistas.
Esse trabalho consiste em uma pesquisa de doutorado em fase inicial, mas que
já traz alguns apontamentos e documentos encontrados no acervo investigado
para contextualizar a pesquisa. Este é outro aspecto identificado em boa parte
das pesquisas que se utilizam de entrevistas como fontes históricas. Os docu-
mentos encontrados nos acervos são trazidos no texto para contextualizar o
tema a ser pesquisado e não compõem a narrativa histórica apresentada. Desse
modo, adquirem apenas o caráter informativo e não passam pela análise do
investigador. Por se tratar de um artigo enviado para um evento, não há como
afirmar se, na prática, na investigação que subsidia o texto, os documentos
terão o mesmo tratamento.
Com exceção dos cinco trabalhos que apresentam apenas a intenção de
tomar entrevistas como fontes, já que os dados ainda não foram produzidos, os
demais textos afirmam terem mobilizado as entrevistas em suas pesquisas para
compor uma história. A escrita dessa história apareceu de modos distintos nos
15 trabalhos restantes dessa classificação, ora através de excertos das falas, ora
a partir de paráfrases.
Alguns autores afirmaram ter como fonte entrevistas, documentos ofi-
ciais, pareceres, mas trouxeram ao IV Enaphem uma discussão histórica na
qual apenas as entrevistas eram explicitadas. Esse aspecto parece mostrar uma
soberania do uso de entrevistas e da subjetividade nelas contidas na produção
de fontes históricas nesses trabalhos. A maioria, no entanto, busca travar um
diálogo entre as fontes orais e escritas ao compor a história. As informações
obtidas a partir de vários tipos de documentos se complementam sem que
haja uma preocupação de se chegar à verdade dos fatos, ou ainda, tornar mais

212 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


fiel à pesquisa. A pergunta que encontramos em um dos textos parece dar o
tom de como foi feita a escolha de quais tipos de materiais seriam tomados
como fontes: “Quais fontes nos ajudariam a problematizar nosso tema de pes-
quisa?” (OLIVEIRA; MARTINS-SALANDIM, 2018, p.7). Tomar essa ques-
tão no horizonte de pesquisa amplia consideravelmente seu acesso a fontes
e possibilita um repensar das metodologias predeterminadas Se um trabalho
é iniciado trabalhando com uma metodologia que privilegia o uso de fontes
orais, mas no meio do caminho me deparo com um enorme acervo físico, será
necessário avaliar se a metodologia utilizada continua sendo suficiente para o
trabalho com as fontes produzidas.
Nos trabalhos de Souza et al. (2018) – “Uma estudante, uma professora:
o vir-a-ser de uma expert em Educação Matemática” – e no de Santos (2018),
já discutido no item 2.1., foram utilizadas entrevistas já realizadas em outros
momentos como fontes de pesquisa. No primeiro caso, a pesquisa tem caráter
biográfico, e além de ter sido produzida uma entrevista em 2018, utilizou-se
uma entrevista já produzida em 2006 para compor a história. Durante o texto
são trazidos excertos destas duas entrevistas como citações e há um diálogo
com a produção bibliográfica da entrevistada. As duas entrevistas foram con-
cedidas ao grupo do qual as autoras do trabalho pertencem, e apesar de não
ficar explícito, é possível que a entrevista de 2018 tenha sido feita especifica-
mente para o trabalho apresentado.
O outro caso apresenta uma peculiaridade, logo no título “A disciplina de
Álgebra Linear no Brasil antes de 1960: entre textos e memórias” (SANTOS,
2018), a palavra memória está em destaque, o que nos levava a crer na mobili-
zação de entrevistas no trabalho. No entanto, no decorrer do texto há excertos
citados como comunicações pessoais que parecem ser essas memórias citadas
no título. Além dessas comunicações, o autor trava um diálogo com outras
três entrevistas, produzidas por outros autores nos anos de 2002, 2003 e 2009.
De maneira geral, do grupo de 15 trabalhos finalizados ou em desenvol-
vimento em que se utilizam entrevistas, apenas 3 operam de um modo muito
distinto quanto ao entendimento de elaboração e produção de entrevistas. Um
deles, como é o caso de Santos (2018), não produz especificamente as entrevis-
tas, mas se utiliza de entrevistas produzidas por outrem. No caso de Simões,
Pires e Portela (2018), a existência de uma única entrevista é sem dúvida algo
peculiar quando comparado aos outros 15 trabalhos que produzem 5, 8 e até

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 213


20 entrevistas durante a investigação. Apesar de serem minorias, é importante
observamos que três trabalhos fazem uso de entrevistas em outro viés episte-
mológico. O processo de produção, a autoria, a textualização não são tomados
e nem explicitados, pois não parecem ser importantes para os pressupostos
teóricos assumidos. O que nos leva a conclusão de que o modo como as entre-
vistas estão sendo mobilizadas no texto parece ser o modo como certos gru-
pos de pessoas (e não estritamente de pesquisas) tem legitimado na escrita da
História da Educação Matemática.

Outras possibilidades
Como em todo processo de categorizar, houve aqueles que escaparam da
classificação aqui relatada. Trabalhos que com algum esforço conseguiriam ser
aglutinados nas categorias anteriores, mas que, a nosso ver, apontavam para
um “tópico à parte”. Assim, nesta seção lançaremos olhar para 15 trabalhos
que, ainda que toquem categorias anteriores, tomam como fonte principal
de suas produções: acervos pessoais ou institucionais; publicações científicas
(artigos, dissertações e teses); cadernos de alunos e jornais. Cabe lembrar que
estas categorias foram criadas com base em nossas leituras do título, resumo e
palavras-chave dos artigos, buscando, nestes, elementos que os autores decla-
raram utilizar como fonte(s) de seu trabalho.
Apenas dois trabalhos submetidos ao IV Enaphem tomaram como fonte
principal de investigação os cadernos escolares (PEDROSO; SANTOS, 2018;
SILVA; SOUZA; FLORES, 2018). Estes dois textos tomaram cadernos de alu-
nos como uma fonte de dados passível de identificação, ou seja, buscam iden-
tificar nestes cadernos determinados conteúdos escolares, como a matemática
financeira e os conteúdos estabelecidos no programa estadual de Mato Grosso
da década de 1960, respectivamente, para depois problematizar seus modos de
trabalho. A temática do primeiro texto busca corroborar a discussão da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), por esta trazer significativos aponta-
mentos para a Matemática Financeira como conteúdo a ser abordado na escola
de educação básica. Nele, as autoras buscam identificar a presença e os modos
de articulação deste conteúdo em cadernos de um aluno, datado de 1942. Já
o segundo, se figura como uma investigação sobre a cultura escolar, tentando
mapear conteúdos e modos de ensino de outros tempos, década de 1960.

214 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Neste sentido, o uso da fonte histórica serviu de respaldo e resposta a
questões do presente, que partem de uma questão inicial que poderia ser assim
formulada: (1) “estava presente efetivamente na sala de aula tais e tais conteú-
dos?”, seguida da questão: (2) “de que forma?”. Diferentemente das legislações
normativas, os cadernos apontam para temáticas efetivamente trabalhadas em
sala de aula e, mais do que isso, para o modo como estas tendências eram
trabalhadas. Estes dois trabalhos tentaram, a nosso ver, dar conta destas duas
questões, ora focando mais em uma ora focando mais em outra.
Mesmo apresentando uma fonte distinta, outros autores parecem atacar
fortemente a primeira questão supracitada. Heidt e Silva (2018), “Matemática
Moderna no Instituto Estadual de Educação Assis Brasil: vestígios encontra-
dos em diários de classe”, focaram diários de classe da professora Cecy da
Nova Cruz Sacco, entusiasta da Matemática Moderna (MM) na sua região e
verificaram, em suas anotações no diário de classe, quais conteúdos podem
ser relacionados com o que tem sido chamado de Matemática Moderna. Para
isso, elas utilizam a literatura em Educação Matemática, especialmente em
História da Educação Matemática para evidenciar aquilo que elas relacio-
nam ao Movimento da Matemática Moderna. Este tipo de proposta verifica-
cionista, segundo acreditamos, pode ser um movimento inicial de pesquisa,
especialmente em alguns contextos, neste caso, por exemplo, sendo a profes-
sora alguém fortemente envolvida com a MM, encontrar em seus diários de
sala manifestações deste envolvimento nos ajuda pouco na problematização
do passado e da própria MM, pois os motivos para tal ocorrência, as relações
e as tensões estabelecidas neste processo necessitam de outros movimentos de
pesquisa para serem evidenciados. No entanto, por certo, todo o movimento
de investigação sobre a personagem da história, a professora Cecy, já é, em si,
produção historiográfica, ainda que não figure como tema principal do texto
em voga. Assim também, o trabalho com os diários, para além de uma iden-
tificação de conteúdos, pode vir a indicar, acreditamos, investigações futuras,
modos próprios de entendimento sobre a MM, possíveis limitações de seu uso
– eventualmente por trazer elementos de fora dela para a sala de aula etc.,
enfim, os entendimentos múltiplos que se têm ou se tinham sobre o assunto.
Outra problematização possível é quanto àquilo que se trabalha em sala de
aula com aquilo que se anota nos diários. Não abordamos aqui possíveis des-
conexões, ainda que passíveis de ocorrer, mas o próprio entendimento daquilo

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 215


que se faz em sala de aula com um registro do tipo “partição. gráfico”, um dos
itens anotados por Cecy e trazidos por Heidt e Silva (2018, p.6), pode ser dis-
cutido e investigado.
Apenas um trabalho apresentado no IV Enaphem mobilizou notícias de
jornais mais do que uma fonte complementar, tomando-as como principal
movimento de análise. Pontello e Gomes (2018), inspirados na História Oral,
trazem para o evento um recorte de fontes, os jornais, para olhar para a Cades
no Ceará nas décadas de 1950 e 1960. No texto “A Cades no Ceará e a forma-
ção de professores de Matemática nas décadas de 1950 e 1960: o que diziam
os jornais?”, as autoras optaram por produzir uma narrativa a partir destas
notícias, inicialmente discutem a dificuldade em encontrar arquivos pessoais e
institucionais devidamente acondicionados, organizados, limpos e disponíveis
ao público. Os insucessos na busca por tais arquivos as levaram para as heme-
rotecas, nas quais obtiveram maior êxito. Ao molde colcha de retalhos, as auto-
ras vão compondo uma história sobre a temática estudada. A narrativa final
é composta essencialmente por notícias de jornais transcritas e encadeadas
pelas ideias e pelas leituras das autoras. Neste primeiro momento, a narrativa é
apresentada conforme as notícias, que são tomadas como documentos, verda-
deiros em si. No entanto, na parte final do texto as autoras trouxeram alguns
apontamentos sobre o paradigma indiciário e levantaram algumas hipóteses,
problematizando as fontes em questão, seus modos possíveis de tendenciar
as notícias, por exemplo. A partir das notícias, elas fizeram inferências sobre
o conteúdo dos cursos, e sobre alguns nomes importantes relacionados à
CADES no Ceará. Para finalizar, elas destacaram que se trata de um recorte da
pesquisa, a qual engloba diversas outras fontes, especialmente o uso de entre-
vistas, conforme preconiza a História Oral.
Quatro textos do evento se utilizam como fonte principal teses, disserta-
ções ou artigos científicos para a elaboração de suas narrativas ou sistematiza-
ções. O trabalho de Costa e Amaral (2018), intitulado “Teses, exames, sabatinas
e provas: uma tentativa de narrar a trajetória da avaliação da matemática esco-
lar no ensino primário paranaense (1900-1970)”, abordou, a partir de cinco
trabalhos submetidos ao XVI Seminário Temático do GHEMAT, a história
e os movimentos da avaliação em escolas de ensino primário do seu estado,
produzindo uma sistematização a partir deles, focando o movimento que vai
de uma avaliação individual com intuito de nivelamento ao estabelecimento

216 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


de padrões e normas de ensino. Como o foco deste texto é o uso de fontes,
não abordaremos a periodização proposta pelos autores, mas nos interessamos
aqui pelas discussões quanto ao uso de fontes históricas e os modos como os
autores as utilizam. Deste modo, cabe aqui ressaltar que os autores do texto em
voga optaram por tomar fontes atuais (textos de 2018) para a composição de
uma narrativa sobre os 70 primeiros anos do século passado. Este aspecto mos-
tra a importância de uma intencionalidade declarada de muitos trabalhos em
História da Educação Matemática: a produção intencional de fontes. Assim,
trabalhos que focam a HEM podem, eles próprios, constituírem novas fontes
para trabalhos que ampliem suas temáticas, proponham olhares transversais e,
assim, ampliem a discussão. Salientamos, no entanto, a inexistência de outras
discussões a esse respeito no texto, ou mesmo sobre as fontes originais utiliza-
das pelos autores consultados, apenas se utilizam de seus resultados, sem uma
problematização de suas produções.
Já o texto de Souza, Dassie e Andrade (2018), intitulado “Alguns aponta-
mentos acerca da mobilização da Hermenêutica de Profundidade como refe-
rencial teórico-metodológico em pesquisas em Educação Matemática”, nos
parece ter um duplo objetivo, por um lado registrar a presença e a ampliação da
Hermenêutica de Profundidade (HP) nas pesquisas em Educação Matemática,
especialmente em HEM; por outro lado os autores parecem estar interessa-
dos em discutir os modos de se usar a HP nestas pesquisas, apontando os
principais aportes metodológicos acionados nas pesquisas observadas em
complementação à HP. Este levantamento engloba 21 teses e dissertações que
foram indicadas por leituras prévias dos autores (que já trabalharam com
HP), referências em outros trabalhos, indicações de pesquisadores e buscas
no indexador Google Scholar. Os trabalhos vasculhados por eles trabalham
prioritariamente com dois tipos de fontes: entrevistas e livros. Não é intenção
dos autores discutir os modos de produção historiográfica destes materiais,
mas salientam que, pelo referencial adotado, as fontes são tomadas como for-
mas simbólicas, produções intencionais humanas, passíveis de um exercício
hermenêutico.
Os produtos educacionais, marcas características dos mestrados profis-
sionais, foram o foco do trabalho de Alvez e Gutierre (2018) que quiseram,
como seu próprio produto educacional, elaborar um panorama que facilitasse
o uso e a aplicabilidade destes. As autoras falam em triangulação de dados

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 217


(produtos, dissertações, entrevistas, questionários e normativas) e tomam os
produtos educacionais como documento/monumento, inspiradas em Le Goff.
O texto apresentado se configura como um projeto com alguns apontamen-
tos iniciais, pois o foco principal, a análise dos produtos, ainda não foi reali-
zado. As autoras argumentam, ao final do texto, sobre a pertinência deste no
evento por buscarem, em certo sentido, contribuir com a história do Mestrado
Profissional da UFRN por meio destes trabalhos. O que chama a atenção no
texto, no ínterim das fontes, é o modo das pesquisadoras apontarem para a
aplicabilidade, há uma pergunta que perpassa o trabalho: “estes produtos têm
aplicabilidade?”, com a triangulação proposta, a resposta parece caminhar para
uma valoração dos resultados por parte das autoras e não para o que estas fon-
tes dizem, elas mesmas, sobre a aplicabilidade proposta, aparecem palavras e
expressões como “confirmação de informações”, “confrontar fontes”, “apresen-
tar possíveis divergências entre as fontes” e identificar “possíveis falhas”. Neste
sentido, se assim procederem, há o perigo que ronda todo aquele que se põe ao
trabalho historiográfico, o anacronismo nas análises e apontamentos. Ainda
que numa história do tempo presente, há o distanciamento daqueles que pro-
duziram os trabalhos em questão, e as autoras que produzirão análises sobre
eles. Há aqui a marca da dificuldade de interação entre passado e presente. Se
por um lado nos debruçamos sobre o passado a partir de questões do presente,
as análises e o ferramental teórico, do presente, buscam desvelar significados
e possibilidades possíveis/plausíveis no passado. Neste caso, há uma explícita
indicação à priori das fontes analisadas colocadas em uma pergunta que dire-
ciona para tal recorte.
No movimento contrário, no texto “História da educação matemática:
um campo de lutas”, Hoffmann e Costa (2018) partem de uma questão mais
abrangente, relacionada a como se constitui a HEM no Brasil como campo
de pesquisa e, a partir daí, vão, das mais variadas formas, delimitando suas
fontes, ou seja, possíveis documentos que respondam a esta pergunta. Num
primeiro momento, os autores fazem um levantamento do quantitativo de
grupos de pesquisa que investigam a HEM e dialogam com trabalhos que fize-
ram levantamento e investigações próximas a esta questão. Na sequência, se
voltam para os eventos específicos da área, o levantamento apresentado nos
parece ter partido da experiência dos autores, não trazendo para a discussão
possíveis fontes ou meios de pesquisa. Estes dados novamente dialogam com

218 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


pesquisas na área, em especial aquelas que apontam para o crescimento da
produção na área. Outro ponto destacado pelos autores é a criação de disci-
plinas específicas, novamente mesclando literatura específica e a experiência
pessoal. Para a discussão dos dados evidenciados, eles chamam Bourdieu para
o diálogo, especialmente para estabelecer o que entendem por campo cientí-
fico. Ao tomar a problematização de Garnica, eles trazem diversos trabalhos
que exemplificam a multiplicidade destacada pelo primeiro, traçando assim
um diálogo entre as fontes. Ainda nesta direção, os autores questionam suas
fontes a partir da problemática buscada em Bourdieu e buscam, nas próprias
fontes, reforços e contrapontos para a argumentação, no sentido que alguns
pesquisadores chamam de “fazer as fontes falarem”.
Por fim, trazemos neste tópico os trabalhos que trazem como temática ou
fonte principal os acervos pessoais ou institucionais, três no total. Assim como
aconteceu com o subtópico “jornais”, inúmeras outras pesquisas trabalham
também com acervos, acreditamos que a grande maioria dos trabalhos do IV
Enaphem passou, em algum momento, por buscas em acervos. No entanto,
há um movimento de discussão sobre a conservação, manutenção e mesmo
criação destes acervos e outro que recorta um determinado acervo como locus
de pesquisa e trata de possíveis questões respondidas por este.
Encontrar um arquivo organizado e em boas condições de visitação é
um privilégio para poucos, Rosso e Bayer (2018) parecem ter encontrado algo
nesta direção, ao adentrarem a Fundação Escola Técnica Liberato Salzano
Vieira da Cunha, onde pesquisaram o currículo de Matemática de um curso
técnico. No texto “As relações do contexto histórico do Rio Grande do Sul
no Currículo Escolar: um estudo a partir da disciplina de matemática em um
Curso Técnico na cidade de Novo Hamburgo/RS (1967 – 1983)”, eles apresen-
taram os documentos encontrados dos quais se destacam as grades curricula-
res, nas quais conseguem identificar uma matemática própria para subsidiar
os cursos técnicos. O trabalho de Toillier (2018), pelo contrário, não parece
querer indicar matemáticas ou modos de manifestação da matemática, mas
sim, mostrar movimentos de uma professora de matemática (licenciada e
bacharel) a tornar-se uma “educadora matemática” e, para isso, discute modos
de constituir uma biografia, da professora Lourdes de la Rosa Onuchic, aliado
à História Oral e buscas em seu acervo pessoal. O texto intitulado “Uma pro-
posta biográfica aliada aos usos de História Oral e a pesquisa em um arquivo

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 219


pessoal” apresenta uma pesquisa em fase inicial, que organiza e produz leituras
sobre o acervo pessoal da professora e discute a ideia de arquivos pessoais, dos
modos e dos motivos desta guarda de materiais ao longo dos anos. Talvez, mais
do que o aspecto do acervo, a discussão sobre biografias toma grande impor-
tância em seu texto.
Ainda no uso de acervos particulares ou institucionais, Fernandes,
Araújo e Cosenza (2018) tomam o acervo da Faculdade de Filosofia de Minas
Gerais (atual UFMG). A partir destas buscas e de terem encontrado um anu-
ário de 1954, delimitam o período investigado de 1941 a 1954. Suas reflexões
apresentadas no texto “Didática Especial e História da Educação Matemática:
contribuições de um estudo sobre a formação de professores de matemática na
Faculdade de Filosofia de Minas Gerais (Belo Horizonte, 1941-1954)” passam
a caminhar em torno da disciplina Didática Específica, ofertada para o curso
de matemática, mas também para outras licenciaturas. A relação que esta esta-
belece com a matemática e com um modo de conceber a matemática é alvo de
seus inquéritos. O apartamento destes núcleos, a função social e acadêmica
que a instituição exercia, a limitação do ensino superior nestas décadas fazem
parte dos apontamentos dos autores. Este diálogo é realizado a partir de uma
relação entre anuário e trabalhos acadêmicos, majoritariamente, identificando
em suas fontes movimentos apontados nos referenciais teóricos.
Cenários multifacetados e modos decoloniais de produzir História da
Educação Matemática estão no bojo da discussão apresentada por Almeida
e Souza (2018), no texto “Colonialidade de poder: um olhar sobre discursos
naturalizados que atravessam a história da formação de professores de matemá-
tica no Brasil”. Na primeira parte do texto, as autoras discutem colonialidade e
mostram, por meio de referências acadêmicas e em dados levantados junto ao
MEC, modos que estas colonialidades operam. Já na segunda parte, defendem
o uso da história oral e as narrativas como possibilidade de produzir histórias
de um modo pós-colonial, que caminhe para a multiplicidade e para categori-
zações não hegemônicas, desnaturalizando discursos construídos e fixados ao
longo do tempo. Ainda que tragam elementos históricos e diversos trabalhos
que poderiam compor uma história do tempo presente quanto à produção em
HEM, entendemos que se trata de um estudo teórico que tenta propor modos
de leitura do passado, operando de maneira a se afastar da colonialidade.

220 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Comentários gerais
Ao escrever o presente texto, nós, quatro pesquisadores com diferentes
formações, participantes de diferentes grupos de pesquisa, sabíamos de ante-
mão de seus obstáculos e riscos. Obstáculos devido à quantidade de traba-
lhos analisados para a produção de um artigo com limitação de páginas, o que
impedia uma exposição mais minuciosa de todos os trabalhos; riscos, devido
às categorias que agrupamos, pois verificamos e reconhecemos que essa orga-
nização tem seus limites. Contudo, essa foi uma sistematização possível e
constituída por pesquisadores com óculos teóricos e metodológicos diversos,
tentando operar de forma conjunta.
A leitura aqui realizada concorda com Boaventura Souza Santos (1987,
p. 38) quando esse diz que o “comportamento humano, ao contrário dos fenô-
menos naturais, não poder ser descrito e muito menos explicado com base nas
suas características exteriores e objetiváveis, uma vez que o mesmo ato externo
pode corresponder a sentidos de ação muito diferentes”. Ao nos atrevemos a
apontar os modos como os autores mobilizaram fontes em seus textos, apre-
sentamos uma visão externa do relato de um trabalho que está, na maioria das
vezes, em fase de desenvolvimento. Temos em mente, no entanto, que qual-
quer análise se constitui como a visão do outro, que lê vidas a partir de sua pró-
pria vida. Nossas fontes para a sistematização aqui realizada se tornaram como
tal a partir de nossos questionamentos, primeiro feito ao título e ao resumo, e
depois de já classificados, aos textos na íntegra. Esses textos, no entanto, foram
inscritos com vistas à divulgação do material em um evento científico que,
como tal, tem como objetivo reunir pesquisadores de uma determinada área
para fomentar a divulgação e a produção de conhecimento. Foram em um
primeiro momento, avaliados por um par de pesquisadores, que deram anu-
ência à sua presença no evento, depois disso, sistematizados em Sessões por
um coordenador. E em mais um movimento analítico foram lidos e relidos na
busca de identificar modos de se mobilizarem as fontes históricas.
Um documento de qualquer natureza só se constitui como fonte a partir
de um pesquisador e de uma questão colocada a ele. Neste caso, a partir de
quatro pesquisadores e da pergunta: como foi o uso, a articulação e o papel das
fontes na produção do texto? As sistematizações são, assim, riscos em nossos
óculos teóricos que projetam estas divisões em tudo que olham. As divisões não

Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 221


são intrínsecas aos trabalhos, mas foram projetadas por nós em um processo
de leitura, como tal, violento, que mesmo com a maior sutileza pela busca “do
que apontam os trabalhos”, os fazemos responder a questões que, inicialmente
e por vontade própria, não respondiam. Poderíamos problematizar então nos-
sas visões epistemológicas, especialmente quanto ao passado, o que implica na
discussão de nossos meios de acesso/produção, entre outras palavras poderí-
amos também problematizar “leitura”, talvez uma unanimidade aqui seja que
as fontes sejam “lidas” (ou interpretadas), ainda que poucas vezes percebamos
movimentos que explicitem “como se lê” alguma coisa. Parece que esta discus-
são fica delegada a outros “GTs”, linhas de pesquisa, como a filosofia. Talvez
em momentos tão obscuros à ciência e às humanidades estas se dobrem ainda
mais a um pragmatismo que nos coloca a pular certas etapas da investiga-
ção científica, produzindo resultados tangíveis e, quanto melhor, aplicáveis a
algum contexto atual, como, por exemplo, a formação de professores – tema
dos dois últimos Enaphems.
Na sistematização aqui realizada percebemos em alguns autores certa
preocupação em trabalhar com fontes que os levassem o mais perto possível do
fato histórico. Assim, entrevistas, cadernos de alunos trariam uma dimensão
subjetiva à pesquisa e uma história mais próxima do “chão da escola”. Por outro
lado, a análise das leis de uma determinada época podem indicar mudanças
em longo prazo na educação, como o fato de haver mais aulas para Álgebra e
Geometria, do que para Aritmética, indicar uma ascensão de uma em conside-
ração a outra. Algo similar acontece ao uso de livros como fontes em pesquisas
históricas. Na maioria das vezes, não há certeza de seu uso efetivo, mas traz
aspectos do ideário de uma época. Se um livro assim existe e teve circulação
é porque ele manifesta ideários de um autor, um sujeito coletivo, aprovado e
financiado por outras pessoas, que de alguma forma manifestam ali também
concordâncias, se não com todo o conteúdo da obra, mas com a existência
dela e com a possibilidade de vendas dela. Neste sentido, uma unidade pode
ser o disparador de um movimento historiográfico, aos moldes da micro-his-
tória. Assim também podem ser pensados trabalhos que tomam de assalto
apenas uma entrevista e, a partir dela, criam ou recriam toda uma sociedade
da época que manifestam, naquela entrevista, seus valores e crivos. Estes cri-
vos, aliás, ainda pouco explorados no evento, muitos trabalhos evidenciam um
conteúdo, uma vontade, um problema manifesto em suas fontes, narram um

222 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


episódio, poucos problematizam que sociedade, quais crivos foram capazes de
produzir tais fontes. Assim, mais do que a presença da Matemática Moderna
em determinado caderno, lei, caderneta, há a possibilidade de uma investida
historiográfica na direção de que sociedade produziu uma Matemática dita
Moderna e, mais ainda, voltando para o contexto educacional, que sociedade
criou um movimento de disseminação deste ideário (modificado ou não) no
contexto escolar. Em outras palavras, quais crivos ou critérios, têm nos tor-
nado o que somos, quais discursos justificaram a existência de tais fontes?
Talvez cada pesquisa, individualmente, não responda diretamente a estas
questões, é possível que movimentos maiores, como os de grupos de pesquisa,
os chamados projetos guarda-chuvas, possam se colocar nesta empreitada,
talvez aqui a variação de fontes seja interessante, não como desvelamento
ou triangulação, mas como multiplicidade. Mas, sem dúvida, colocar a falar
uma fonte muda é um ato de violência, talvez elas merecessem o descanso dos
mortos ou talvez nós possamos nos assumir mais como produtores de saber
e menos como investigadores, e assim, abandonarmos a violência e partirmos
para a produção conjunta: o que é possível produzir com o passado?

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Um olhar múltiplo para os trabalhos apresentados nas sessões... 227


6 Sessão Memória do IV
ENAPHEM: textualização da
entrevista com a professora
Nilza Eigenheer Bertoni

Mônica Menezes de Souza67


Carmyra Oliveira Batista68

Introdução
Apresentamos nessa sessão um texto resultante de uma entrevista da
professora Drª Carmyra Oliveira Batista com a professora convidada Dr.ª
Nilza Eigenheer Bertoni, em 15 de novembro de 2018, que ocorreu durante
o 4.º Encontro Nacional de Pesquisa em História da Educação Matemática
(Enaphem). O tema desse Encontro foi a Formação de Professores, História,
Cultura e Política. Essa entrevista aconteceu no Teatro Glauce Rocha da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), na Sessão Memória,
espaço/tempo, que tem por objetivo socializar com os participantes do evento

67 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. E-mail: profmonicams@yahoo.


com.br
68 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. E-mail: carmyra.batista@gmail.
com

229
experiências de pessoas que contribuem de forma relevante para o desenvol-
vimento do campo Educação Matemática. A entrevista, com duração de cerca
de uma hora e meia, girou em torno de dois eixos: a constituição do “ser/estar”
professora e as inquietações e buscas geradas ao longo da experiência docente
da professora convidada.
O áudio dessa entrevista foi transcrito e, em seguida, textualizado por
integrantes do Grupo COMPASSODF69. Conforme Garnica (2018), a transcri-
ção e a textualização fazem parte do protocolo de pesquisa com história oral,
sendo que a transcrição é o registro escrito da fala gravada, e a textualização é
uma adequação do texto produzido, pois, em um diálogo, as ideias podem ser
superpostas, alternadas, interrompidas, retomadas mais a frente ou esqueci-
das. Ainda que na textualização se possa adequar a ordem dessas ideias, como
a intenção de dar melhor fluxo à leitura, nela mantém-se o registro sintético
das ideias tratadas e os modos de falar dos interlocutores. A textualização
que apresentamos a seguir foi enviada para a professora Drª Nilza Eigenheer
Bertoni e legitimada por ela para publicação.

Sessão Memória do IV Enaphem: professora


Nilza Eigenheer Bertoni é entrevistada pela
professora Carmyra Oliveira Batista

Professora Carmyra: Boa tarde. No meu modo de entender a Sessão


Memórias tem por objetivo socializar experiências de pessoas que contribu-
íram ou contribuem, de maneira relevante, com o nosso campo, a Educação

69 Membros do Grupo COMPASSODF: Carmyra Oliveira Batista, Edilene Simões Costa dos
Santos, Mônica Menezes de Souza e Rosália Policarpo Fagundes de Carvalho.

230 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Matemática. Nesse sentido, estar com a professora Nilza Eigenheer Bertoni
é uma alegria e uma honra. Em comum acordo, nós duas vamos iniciar a
conversa, mas como a vida dela é muito instigante, vamos ampliar a roda de
conversa para que a plateia possa participar. Sintam-se à vontade para fazer
questões e conversar com a professora Nilza, pois é uma oportunidade que não
podemos perder e considerei ser muito egoísmo só eu poder conversar com ela.
Eu gostaria de agradecer, em meu nome e em nome do Grupo Compasso-DF,
a oportunidade de estar compondo essa Sessão. Também parabenizo todas as
pessoas envolvidas neste evento, tanto pela fecundidade de ideias de debates
quanto pelo acolhimento. É muito bom pensarmos que estamos aqui agora,
como se estivéssemos em uma varanda, ao entardecer, com flores aqui e pes-
soas carinhosas nos ouvindo. Para começar eu vou ler um breve perfil da
professora Nilza, o currículo dela é extenso, mas darei alguns destaques para
sabermos com quem estamos conversando. Ela é paulista, normalista, con-
cluiu licenciatura e bacharelado em Matemática em 1962, na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro-SP, posteriormente incorporada pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Concluiu
seu mestrado em Matemática, pela Universidade de Brasília (UnB), em 1973,
instituição da qual recebeu, em 2010, o título de Doutora honoris causa. Tem
experiência na área de Matemática, com ênfase na Educação Matemática,
atuando principalmente nos seguintes temas: currículo, educação matemá-
tica, currículo no ensino fundamental, currículo de formação de professores,
formação continuada de professores e ensino-aprendizagem de números fra-
cionários. Ela foi a primeira dirigente da Sociedade Brasileira de Educação
Matemática (SBEM Nacional), é Presidenta Honorária da Regional SBEM-DF
e coordenadora, na área de Matemática, no Centro de Formação Continuada
de Professores da Universidade de Brasília (CEFORM), dentre outras inserções
dela no campo da formação continuada de professores no Brasil. Então, pro-
fessora Nilza, vamos iniciar nossa conversa, eu gostaria de puxar um assunto,
como um grande eixo da nossa conversa, que é essa constituição do ser/estar
professora, ao longo da sua vida, sabendo que esse eixo da nossa conversa vai
trazer subeixos, nuances muitos interessantes da formação, currículo. Então eu
gostaria que a senhora falasse dessa constituição de professora, da sua trajetó-
ria de estudante tornando-se professora.

Sessão Memória do IV ENAPHEM: textualização da entrevista com a... 231


Professora Nilza: Muito interessantes essas questões, estimulantes.
Mas antes eu tenho duas palavras: meu profundo agradecimento ao profes-
sor Wagner Valente, à organização desse evento, ao Grupo Compasso-DF
que solicitou essa Sessão Memória e foi atendida pela Comissão Científica do
evento. Quero dizer que é um momento muito especial para mim. Obrigada,
Carmyra. É muito especial, esse Grupo de Brasília, com o qual tenho contato
profundo – mas também tenho com outros, por causa da formação de profes-
sores – mas desse Grupo Compasso nenhum dos membros foi minha aluna.
A nossa aproximação foi gerada na SBEM, em projetos como o que a UnB fez
com o Acre e no próprio Grupo de Estudos Compasso que eu frequentei por
muito tempo e só saí por razões pessoais. Em relação à questão colocada aqui:
Eu gostava de matemática e era também a disciplina na qual eu mais tinha
dificuldade, não nas provas, graças a Deus! Mas em entender as coisas, tinha
muitas incongruências. Por exemplo: “jamais some sem alinhar os últimos
dígitos de cada parcela”, já na multiplicação “recua, recua, soma depois” – sem
nenhuma explicação. “Mas como eu vou somar, então vou alinhar os dígitos
primeiro...”. “Não.” “Mas por que posso fazer isso?” “Em Matemática é assim,
está certo. Se você fizer de outro jeito, está errado”. Chega nos números intei-
ros, sempre há dois sinais em jogo, um do próprio número e um da operação
soma ou subtração. Há um certo colapso nos dois, engole as duas pílulas juntas
e dá um jeito de digerir. Eu falava: “olha, vamos separar, vamos pôr um sinal
para o número”. Tão fácil, gente! Depois nós no Brasil colocamos entre parên-
teses, os americanos põem aquele sinalzinho em cima, pequenininho, que é
do próprio número e o da operação, até o aluno entender. Eu falo que eu tinha
bastante dificuldade, pois não me davam respostas. Sobre esse sinalzinho, eu já
usava, mas um dia a professora me corrigiu – porque fui eu quem inventei, eu
não conhecia livros americanos, nem lia naquela época – ela ficou muito brava
“Isso não existe em Matemática. Não faça assim. Isso não está certo. Você não
pode fazer assim”. Então, nem os processos próprios que nos serviam de res-
paldo eram possíveis de serem usados. Era uma matemática triste, eu quase
ouso dizer que era mais triste do que a atual. A atual tem algumas válvulas de
salvação, aquela eu acho que não tinha.
Outro momento foi ao terminar o ginásio, que era o ensino fundamental,
e ia fazer o Científico ou Normal, a família estava toda lá, “Normal, Normal,
mulher é Normal, homem é Científico”. Tinha oito pessoas, mas os homens

232 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


vão para o Científico e as mulheres para o Normal. E eu argumentei bastante,
mas no fim eu falei: “olha, eu soube uma coisa, que eu posso fazer o primeiro
ano Científico que já vai valer como pré-normal, e depois eu vejo”. E assim foi
feito, e no fim eu fiz o Normal e o Científico, os dois em três anos. Daí surgiu
um novo impasse: eu queria fazer faculdade, universidade, e não havia pen-
sado em fazer filosofia, que naquela época significava estudar na Faculdade de
Filosofia e Ciências e Letras. Eu queria cursar arquitetura, porque eu sempre
gostei de artes, literatura, cinema, arquitetura. Soube que só tinha o curso lá
na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), em São Paulo, e que eram
oito horas por dia. Porém, me dá aquele azar e sorte que a gente tem na vida:
eu termino o Normal e ganho, o que em São Paulo existia, a cadeira prêmio.
Quem se formasse em primeiro lugar na Escola Normal ganhava essa cadeira
do Estado. Aí lá no concurso de professores chamava-se “As cadeiras prêmios,
venham aqui e escolham”. Isso dava uma sensação, com tanta gente lá concor-
rendo... Já saía do Normal empregada.
Mas com esse emprego, adeus Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
não dava para compatibilizar esse trabalho em São Caetano do Sul/SP e o
curso na capital. E lá fiquei eu, dando aula durante três anos. Passaram aqueles
três anos de magistério, nos quais eu ensinei matemática, eu não sei se eu ensi-
nei, mas os alunos adoravam matemática. Passavam todos com 100 em mate-
mática e alguns não passavam em escrita. O inspetor escolar que ia na escola
aplicar os exames dizia: “Não, não é possível, acertou todos os problemas, mas
como escrevendo mal assim”? Porque a professora não sabia nada, não tinha
sabido ensinar, eu ensinei ler, mas não conseguia ensinar bem escrever, não dei
a atenção devida.
Eu já tinha percebido que eu gostava de lidar com a matemática. Eu não
sei se nesse tempo eu amadureci a questão da matemática, mas eu acabei deci-
dindo que queria fazer isso, eu queria tentar fazer a faculdade de Matemática
que parece que estava entrando na minha cabeça. Além disso, quem tinha
cadeira na escola pública podia se afastar para fazer uma faculdade oficial,
eu penso que tinha que ser na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Seria
uma prorrogação, uma continuidade da carreira de magistério. E eu fui fazer,
fui reprovada dois anos no exame de física no vestibular – eram orais e escritos
– mas então, abriu uma faculdade em Rio Claro/SP e minha família morava
em Limeira/SP. Eu já estava inscrita para prestar mais um vestibular na USP

Sessão Memória do IV ENAPHEM: textualização da entrevista com a... 233


(Universidade de São Paulo), mas meu pai, que queria todo mundo ali perto,
mandou meu irmão mais velho de carro para São Paulo me buscar: “Vai lá e
a traz para cá, porque eu já fui visitar a faculdade de Rio Claro”. E no fim foi
uma boa. Eu entrei em Rio Claro, houve lá uns ajustes administrativos, porque
aquela famosa licença para estudar vinha do tempo em que só existia a facul-
dade da Rua Maria Antônia70. Mas o governo acabou permitindo uma vaga
para cada uma das quatro carreiras que tinha lá e eu pude entrar na faculdade
de Rio Claro.
Então, fiz a faculdade e de lá ganhei uma bolsa para o IMPA (Instituto
de Matemática Pura e Aplicada), embora não houvesse pós-graduação oficial,
nem mestrado, nem doutorado. Mas lá fui eu, fiquei dois anos no IMPA, e lá
um professor alemão – Otto Endler, de saudosa memória – me convidou para
ir para a Alemanha. O IMPA encaminhava muito para os Estados Unidos,
quer dizer, ficavam lá um tempo e daí a maioria ia fazer doutorado naquele
país, que não precisava nem fazer mestrado naquela época. Minha adoração
pela Europa era tão grande, e esse professor alemão me falou: “Olha, infeliz-
mente você não vai conseguir fazer doutorado lá”. Eu falei: “Como não”? “Não,
é porque lá, para cada doutorado que você faz, você tem que fazer uma prova,
uma espécie de dissertação, numa matéria não afim”. Eu tinha que escolher
uma de humanas. Então, você imagine... Ele falou: “Não dá porque vocês
não têm tempo hábil para aprender a língua escrita”. Eu dominava assim, um
pouquinho de alemão, mas não para escrever essa dissertação. Eu falei: “Mas,
assim mesmo, eu vou”. Sem a possibilidade do título. O título também não era
tão importante na época. E fui para a Alemanha, fiquei lá um ano e meio, e
então voltei.
Eu tinha enveredado definitivamente pela pesquisa... se bem que, restava
alguma sementinha... Em algum momento, na Alemanha, eu me matriculei no
Seminário de Didática da Matemática. Fui ver o que era. Já fazia uns 30 anos
ou mais que o Félix Klein71, que introduziu essa disciplina na formação dos

70 A antiga sede da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São


Paulo (USP) funcionava nesse endereço. Atualmente, nesse espaço, funciona o Centro
Universitário Maria Antonia, órgão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da
USP.
71 Félix Klein foi pioneiro e expoente na conexão entre os conhecimentos matemáticos
do curso superior de matemática e os conteúdos escolares. Como ele próprio afirma
na introdução de seu livro Matemática elementar de um ponto de vista superior: “du-
rante muito tempo os universitários ocupavam-se exclusivamente da sua ciência, sem

234 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


professores, tinha morrido. Suas ideias e motivações não estavam mais pre-
sentes, apesar da boa vontade do velho professor que conduzia o Seminário:
“Vamos sugerir alguma coisa e alguém apresenta. Para o ensino médio, eu
sugiro o estudo e aplicação do teorema da convergência de Stone-Weierstrass”.
Bem próprio, não é? Bem próprio! Quer dizer, era cabeça de matemático, de
um matemático dando Didática da Matemática. E a gente sabe as implicações
disso.
Mas eu voltei da Alemanha e como eu tinha feito o curso de Matemática
em Rio Claro, a possibilidade de emprego... Eu falo: “Como era fácil, cartucho
na mão, emprego no dia seguinte”. Isso em qualquer área: odontologia, medi-
cina, engenharia, professor... Como mudou essa realidade. A faculdade de Rio
Claro, sabendo que eu ia voltar, me chamou, me contratou, eu tinha chegado
em julho e comecei a trabalhar no final de agosto, onde permaneci até o fim
do ano. Foi quando passou lá em Rio Claro um representante do Leopoldo
Nachbin72 – que foi um grande matemático do IMPA. É importante salientar
que a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) não existia. O IMPA era o
órgão que representava a matemática e nem pensava em ensino básico. Nem
permitia que se pensasse! E esse representante falou: “Vamos ter um curso de
verão dado pelo Leopoldo Nachbin, em Brasília. Haverá bolsas disponíveis”.
Porque a UnB estava naquela crise histórica. O curso ia acontecer em janeiro
de 1967.
Professora Carmyra: Então, a senhora chegou em Brasília/DF no con-
texto da ditadura militar, com a Universidade [UnB] interrompida, corrom-
pida, não é, passando por uma crise, inclusive muitos professores foram
mandados embora, não foram?

pensarem nas necessidades das escolas, sem se preocuparem em estabelecer cone-


xões com a matemática escolar” (Matemática elementar de um ponto de vista superior,
vol 1, Parte 1, ARITMÉTICA, Editora SPM-SOC, 2009) .
Nascido em (1849-1925) em Düsseldorf, realizou destacados trabalhos no campo da teo-
ria das funções, na teoria de grupos, na geometria não euclidiana e nas conexões entre
a geometria e a teoria de grupos. Disponível em: https://www.ecured.cu/Felix_Christian_
Klein. Acesso em: 28 jan. 2020.
72 Leopoldo Nachbin (1922-1993) nasceu em Recife/PE. Estudou na Escola Nacional de
Engenharia da Universidade do Brasil entre 1939 e 1943. Atuou nas seguintes linhas de
pesquisa: sistemas coordenados, topologia, análise funcional, análise complexa e ho-
lomorfia. Foi o primeiro matemático a incentivar o desenvolvimento da pesquisa ma-
temática no País. Disponível em: http://www.compassodf.com.br/wp-content/uploa-
ds/2017/08/MONICA-MENEZES_-Tese_Uma-historia-di-DEP-de-Matematica-da-UnB.pdf.
Acesso em: 28 jan. 2020.

Sessão Memória do IV ENAPHEM: textualização da entrevista com a... 235


Professora Nilza: Foram. Teve grande demissão, e a UnB não se recupe-
rava, daí a razão do Nachbin conclamar e mandar procurar em Belo Horizonte,
São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia, gente para fazer o curso e, quem sabe,
se animavam e ficavam por lá. Fiz, em janeiro de 1967, e fui convidada por
Nachbin para ficar dando aula na UnB. Nossa! Eram os tempos áureos da UnB,
com uma política de muitas contratações, e eu formada apenas há cinco anos.
O salário era bem melhor, mas depois só houve perda de valor aquisitivo e o
meu salário nunca foi igual ao que atingiu naqueles três primeiros anos.
Vim para Brasília e comecei a dar aula também. Um professor do IMPA
falou: “Olha, você foi minha aluna de análise, você pode dar cálculo”. Mas,
é uma grande diferença ser uma aluna de análise e dar aulas. Esse professor
foi um grande expoente também na Educação Matemática, o Roberto Ribeiro
Baldino73 – eu acho que todos nós sentimos muito que ele tenha se afastado da
SBEM. Ele era muito aberto a responder perguntas. Como, no Rio, eu morava
perto do antigo IMPA, eu tirava dúvidas com ele no contraturno. E era muito
bom ter alguém para me explicar, porque na faculdade quando eu perguntava:
“Olha, eu não estou entendendo isso” – as respostas eram assim: “Não se pre-
ocupe, essas coisas a gente só entende uns três anos depois de formado”. E eu
tinha perguntado sobre sequências e séries, era fácil explicar.
Professora Carmyra: Neste momento, a senhora já estava trabalhando
com a licenciatura em matemática...
Professora Nilza: Não. Só com bacharelado no início, só cálculo e álgebra.
A Educação Matemática praticamente não existia, nem livros. Então, comecei
a ver as dificuldades dos alunos. E me falaram assim: “Ah, mas é muito por
caso da simbologia, eles não entendem álgebra”. Eles não entendem álgebra,
mas depois entra uma simbologia grande no cálculo diferencial e integral. Mas
tudo era dado tão memorizado. Você fazia uma demonstração formal. Mas
eles não alcançavam ou não se interessavam, não era algo que se fosse percor-
rer lá as raízes e eu mesma me indagava: “sim, mas por que quiseram definir
essa coisa aí, o limite de uma razão incremental? Pelo amor de Deus!” E no fim

73 Possui graduação em Engenharia Civil e Eletricista pela Universidade Federal do Rio


Grande do Sul (1961), mestrado em Matemática – Stanford University (1965) e doutora-
do em Matemática pela Associação Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada
(1972). Atualmente é professor doutor da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, no
Curso de Engenharia de Computação. Disponível em: https://bv.fapesp.br/pt/pesquisa-
dor/90100/roberto-ribeiro-baldino/. Acesso em: 28 jan. 2020.

236 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


dá certo disso aí servir como coeficiente angular da tangente. Como sabiam
que ia servir? Aquelas coisas. Então, enfim, comecei a me interessar mais e a
ficar angustiada, porque quase não encontrava respostas. Mas daí aconteceu
esse momento em que falei “Olha, mas não está nada mal, é boa essa profissão
porque, principalmente, tem coisa à beça a resolver, tem desafio aqui”! Logo
percebi não podia atuar de uma maneira retilínea como atuavam muitos dos
meus professores.
Depois, cheguei às disciplinas para os licenciandos, com ementas não
claras e sem bibliografia. Então, eu me aproximei desses alunos e comecei a
descobrir outros tipos de dificuldades. Porque muitos já davam aula, claro,
não eram concursados e tinham dificuldades. Eles perguntavam, pergunta-
vam muito mais do que os bacharelandos. Aliás, a gente dava aula para todos
os cursos da UnB, com exceção de Letras e Relações Internacionais. Pegava
Medicina, Física, Química, Educação Física, Nutrição e muitos mais. Em todos
os cursos, e o mesmo Cálculo. Como é possível, se os interesses são tão dife-
rentes e as atuações profissionais também? Mas, a par disso, veio principal-
mente aquela relação com os licenciandos, eles me transmitiam suas dúvidas
e eu percebi, claramente, a dissonância entre o curso e o que eles iam fazer
depois como professores.
Professora Carmyra: Então, aí a senhora já se autoafirmou como profes-
sora. Nessa sua posição como professora universitária, o que gerou inquieta-
ções e buscas sobre a formação de professores e as aprendizagens matemáticas?
Professora Nilza: Bom, foram as aulas que eu dava, percebendo o não
entendimento dos estudantes, pois eles olhavam os conteúdos como se esti-
vessem vendo grego, entende? E as dificuldades dos licenciados, que levaram
a constituir um Grupo dos Sábados, um grupo quinzenal, eles já davam aulas,
se dispunham a vir aos sábados na UnB para a gente conversar sobre as dúvi-
das da prática deles. Eu chamo de Grupo de Egressos, porque eram egressos
da nossa licenciatura. E lá a gente bolava estratégias. Mas as discussões foram
chegando num nível de mais exigências, já não dá mais para saber o que fui
eu e o que foi cada um deles que problematizou, mas de lá saiu claramente
a necessidade de dois projetos, dois programas de reformulação. Saiu um

Sessão Memória do IV ENAPHEM: textualização da entrevista com a... 237


projeto de reformulação do ensino de 1.ª a 8.ª série, que seria de 1.º ao 9.º ano,
atualmente.74
O projeto da Licenciatura tinha “Álgebra para o Ensino Médio”, “Geometria
para o Ensino Médio” e “Estágio” – está formado o professor. E me falaram: “Mas
está bom, tem universidade que não tem essas disciplinas para o ensino”. E eu
fui perguntar como tinham sido dadas essas disciplinas, se tinham relatórios,
não tinha. A sugestão que eu recebi foi usar um livro de Teoria dos Números,
de um matemático, em inglês, super formal, daqueles que nem os bacharéis
aguentam. Eu agradeci e decidi pensar em outras possibilidades para atuar
nessas disciplinas da licenciatura. E daquele Grupo de Egressos surgiu a ideia
de um projeto de reformulação para o ensino Fundamental e também de uma
reformulação para a Licenciatura em Matemática. “Olha, mas também precisa
reformular o curso que nós fizemos, porque nós discutimos, mas foi pouco
ainda para o que precisamos”. O primeiro projeto encontrou uma oportuni-
dade ideal, que eram os editais do programa SPEC (Subprograma de Educação
para a Ciência) da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior), e que podíamos fazer os projetos para serem aplicados nas
universidades. Esse projeto saiu na Capes, mas na UnB, no Departamento,
houve dificuldades, demorou três anos Alguém falou “Isso de trabalhar com
ensino fundamental é para as faculdades mais fracas, essas faculdades particu-
lares, elas cuidam de ensino, nós cuidamos de um ensino bem rigoroso, bem
sólido”. E eu complementava “E que uns 20% aprende”. Pois essa era a média
de aprovação nas disciplinas. Além disso, professores afastados solicitavam
que não se votasse o Projeto da Licenciatura antes de seus retornos, dentre
outras alegações. Até que eu percebi e solicitei que se votasse naquele ano, por-
que, caso contrário, eu teria que recorrer aos órgãos superiores sobre a exis-
tência de um projeto que não estava tramitando. Com muito esforço passou
no Departamento de Matemática, dali para o Decanato de Graduação e para
outros órgãos, os quais apoiaram o projeto, ainda que em algumas instâncias
o representante do Departamento de Matemática tenha votado contra. Enfim,
o projeto saiu e parece que vou contar um conto de GRIMM, porque eu não
falo contos da Carochinha. Foi uma coisa maravilhosa, porque envolveu mais

74 Embora a demanda inicial do grupo fosse a reformulação da 5.ª a 8.ª série, a constata-
ção de falhas e foco na memorização, no ensino das séries iniciais, levou à decisão por
um currículo integral.

238 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


dois professores75 do Departamento de Matemática da UnB, envolveu egressos,
envolveu outros professores da rede pública e alunos da licenciatura. E a gente
discutiu o que a gente já sabia que não estava bom. Discutimos aquilo e aca-
bamos pensando numa metodologia de trabalho que seria: elaborar propostas
novas a partir do que sabíamos que era importante ficar no currículo, mas
também a partir de uma verificação se aquilo estava à altura da cognição e do
interesse do aluno e se aquilo era demanda da sociedade ou uso da sociedade.
E, com isso, nós elaborávamos as propostas, aplicávamos em alunos do labo-
ratório, que eram filhos, irmãos ou parentes de funcionários e de professores.
Tínhamos turmas diferenciadas, de um a cinco alunos e percebíamos que a
maioria do que estava sendo trabalhado era do interesse deles. A gente tinha
turmas diferenciadas e sabia o que estava sendo do interesse. Na cognição, eles
chegaram a nos ensinar. Eu falei: “ai, não era só eu que queria ensinar os meus
professores de matemática, olha esses pirralhinhos aì”
Em situações que acabariam envolvendo “multiplicação com dois algaris-
mos”, houve confrontos com o procedimento escolar76.
Contudo, o caso mais emblemático de um procedimento novo para nós,
trazido pelas crianças, eu não sei se vocês conhecem, foi o caso da subtração.
A gente, até hoje em Brasília, tenta convencer os professores a aplicarem a sub-
tração que os alunos nos ensinaram. Porque eles eram expostos a situações que
tinham sentido e eles tinham materiais nos quais podiam agir, fosse dinheiro,
fosse material mais abstrato. A criança lida com figurinha, com bolinha – era o
suporte para o pensamento. Olha a situação: você tem 27 de tal coisa e ele está
pedindo 15. Nem dava tempo de perguntar como eles iam fazer, e a criança
já ia resolvendo usando os materiais. E nós pensamos que estávamos dificul-
tando: “Olha agora, você tem 35 e ele está te pedindo 28. A criança disse: “Ah,

75 Ana Maria Gomide Taube e Maria Terezinha de Jesus Gaspar.


76 Os alunos entendiam como somas de produtos parciais, por exemplo 12x24= 6x24 + 6x24
e calculavam informalmente, sem nenhum algoritmo. Começaram a registrar as somas
que faziam. Demos um estímulo para chegarem ao registro formal da escola, sugerindo
que registrassem 10 vezes 24 e 2 vezes 24 e somassem. De qualquer forma, no laboratório
acabavam somando 240 + 48, sem problema. Um dia me chega uma professora e diz:
“Nilza, pelo amor de Deus, me explica o que é isso, que esse menino está me pergun-
tando todo dia”. O menino questionava a recomendação da escola de escrever os pro-
dutos parciais em certa ordem estabelecida – 2x24 antes – deixar sempre de pôr o zero
final no segundo produto, e então “recuar uma casa” para escrevê-lo e depois somar. A
intolerância maior do aluno era com o recuo do segundo produto parcial. Sua argumen-
tação com a professora era que aquilo era impossível, pois, para somar, as casas finais
das parcelas deviam estar alinhadas.

Sessão Memória do IV ENAPHEM: textualização da entrevista com a... 239


tá”. E comentamos: “Mas você não tem os 8”...Ela: “Não, mas eu tenho mais,
eu tenho mais. Aqui, um monte de 10 que eu desmancho e dou 8 palitos lá
para ele”. E ainda dou os dois 10 que ele quer. “E quanto sobrou?”. “Olha, do 10
sobrou 2, mas sobrou aqueles no qual eu não mexi”. A novidade para nós era a
questão de não juntarem o dez a que recorriam ás unidades que tinham. Uma
vez recorrido a um dez, de lá tiravam todas as unidades pedidas. Eu apresen-
tei isso num ICME de 1988, na Hungria, e houve muitas perguntas. Eu tinha
sempre a curiosidade de saber “Será que a primeira vez na história foi aqui?”
Eu sempre procurava respostas. Então, descobri que isso aí está na Aritmética
de Treviso77, esse é o método com que era ensinado subtração – tirar do 10 e a
sobra avaliar melhor, quer dizer, juntar com alguma outra que houvesse.
Essa busca por materiais também ocorreu quando fomos ensinar frações.
Fomos procurar de onde veio e o que não estava bom. E o que não estava bom
era: os livros indicavam assim, números naturais vai da unidade, dezena, cen-
tena, milhar etc., daí chega no 3.º ano o capítulo vai em uma unidade, parte
e começa a dar nomes para aquelas partes e chega a certas quantidades que
não existem em uma unidade. “Mas você pode pegar outra unidade.” Mas os
exemplos são sempre com uma unidade. Depois descobri um livro de que gos-
tei, não era de Didática da Matemática, mas era A História da Matemática
Elementar, de Johannes Tropfke [matemático alemão]78. Eu suei para conse-
guir esse livro, mas consegui de um conhecido que foi para a Alemanha. O
livro mostrava uns ritos, assim, muito legais, de que as frações tinham apare-
cido quando os homens recolhiam alimentos e, ao fim, tinham que dividir. Ele
dá um exemplo de sete peixes que tinham pescado para dividir pelos dez pes-
cadores. Olha, uma boa ideia é dividir u peixe em dez, cada peixe em dez. Cada
um vai levar sete partes, uma de cada peixe. Isso é o resultado da divisão de
sete por dez, e é também sete vezes aquela unidade básica que você obteve, um
sétimo. Era assim que a gente tratava, isso mostrava que a divisão da unidade,
em partes iguais, havia nascido de situações reais. A gente olhava muito o que a
sociedade usava antes de começar um item. Nas frações, por exemplo, foi meio
espantoso, porque, quando os participantes do projeto fizeram uma pesquisa
do que era utilizado em sociedade – em folhas de revista, jornais, rótulos, o uso

77 ARITMÉTICA de Treviso. Texto anônimo publicado em Treviso, Itália, 1478.


78 TROPFKE, Johannes. Geschichte der Elementarmathematik. Berlin-New York: Walter de
Gruyter, 1980.

240 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


do decimal resultou numa montanha de informações, enquanto a fração apa-
receu em um livrinho de receitas e em uma manchete assim: “governo dá um
terço das terras indígenas”. Tinha um terço escrito em fração. Então, nós per-
cebemos que não era para ensinar fração primeiro, mas sim, o decimal. Mas
depois, vimos que havia motivos para um ensino das frações num contexto de
coleções. E você pedia: “escreva um número com uma centena, duas dezenas,
tantas unidades e uma fração que você quiser”. Aí o aluno escrevia. Então, inte-
grou o ensino dos naturais com as frações. Estou escrevendo um capítulo de
livro, sobre uma aprendizagem coesa, concatenada dos conjuntos numéricos,
que foi o que a gente explorou depois no projeto. Por isso, realmente o projeto
foi uma menina dos meus olhos. Nele, tanto olhamos quanto sugerimos aos
professores mudanças para o currículo do 1.º grau. E as mudanças foram acei-
tas. Não sugeri assim... de eu mandar, não. Havia uma fruição, porque vinham
professores e coordenadores da Secretaria, eles levavam as ideias e pediam
para eu ir falar. Chamavam até de “o currículo da UnB”79.
Professora Carmyra: A senhora estava olhando para o currículo, o qual
as pessoas chamavam de currículo da UnB e que influenciou o currículo da
educação básica, e também o currículo de formação, isto é, o da licenciatura.
Eu queria que a senhora falasse um pouco das disciplinas que a senhora intro-
duziu na licenciatura, quais eram as referências?
Professora Nilza: Eu não sei se eu cheguei a falar, mas os alunos pediram
também uma reformulação na licenciatura. Então, num primeiro momento,
nós aumentamos as disciplinas necessárias para a sala de aula. Ainda não
tinham as diretrizes do começo desse século. Nós criamos Álgebra para o
ensino do 1.º grau, Álgebra para o ensino do 2.º grau, Geometria para o ensino
do 1.º grau e Geometria para o ensino do 2.º grau. Todas com duração de um
semestre. E excluímos três disciplinas de conteúdo matemático mais avançado.
Depois criamos o Estágio em laboratório de ensino e incluímos a Pesquisa
bibliográfica. Ainda não havia tanto material sobre o tema educação matemá-
tica, então a pesquisa era sobre o ensino de matemática. Era solicitada, nessa
disciplina, a elaboração de uma monografia, pois ainda não se fazia o trabalho
de conclusão de curso (TCC). Essa disciplina chamava-se Estágio de Redação
sobre o Ensino de Matemática e foi aprovada com esse nome pelo Conselho,

79 Havia também um contexto favorável, que era o da Secretaria de Educação do DF estar


desenvolvendo uma reformulação curricular.

Sessão Memória do IV ENAPHEM: textualização da entrevista com a... 241


o nome é um pouco estranho, mas ninguém sugeriu outro. Nela, o estudante
fazia uma pesquisa, escrevia um texto e, ao longo de um semestre, fazia apre-
sentações semanais. Era como um TCC mesmo, com orientação.
Professora Carmyra: Fale um pouco sobre o estágio.
Professora Nilza: Eram três etapas, duas ocorrendo no laboratório de
ensino. Nós aproveitamos o laboratório que era conduzido por mim, auxiliada
pela equipe do projeto. Os alunos de graduação, aos pares, preparavam uma
aula, uma oficina para ministrar, no laboratório de ensino, a um ou dois alunos
do ensino básico, tudo era gravado. Eles observavam e percebiam as dificul-
dades, como, por exemplo: o cubo de mil unidades da Maria Montessori os
alunos não conheciam, eles já tinham visto a placa, visto que tinha 100 uni-
dades. “E o cubo, tem quantas placas?” “Seis”. “Seis?”. E os graduandos foram
na minha sala, pedindo ajuda com essa questão. Porque eu falava que eles não
deviam dar a resposta direto, tem que saber onde estava a dificuldade. Eu che-
guei lá e falei “Eu acho que tem dez. Eu vou mostrar”. E empilhei dez placas
“E vocês, quantas placas acham que tem no cubo?”. Eles pegaram um cubo
e foram recobrindo, cada face, com uma placa, o que conseguiram com seis
delas. E era isso mesmo que tinha que ocorrer para o obstáculo ficar bem claro.
Então, havia essa etapa do estágio. Depois havia os minicursos, que eram a
segunda etapa. A gente imprimia a propaganda em mimeógrafo, minicursos
para alunos de tal série ou o nome do minicurso, o assunto e distribuía nas
escolas. Os estagiários davam os minicursos, na universidade, em turmas de
12 a 20 alunos, que se inscreviam previamente por telefone. Já era uma expe-
riência para lidar com mais alunos e, só depois disso tudo, é que eles iam para
a sala de aula. Eu estava muito entusiasmada. Lendo muito mais! Eu ia nas
livrarias, mesmo havendo poucas referências. Pena que o livro, na atualidade,
está acabando. Uma belíssima e importante livraria de Paris fechou e agora só
vende por encomenda, via catálogo. O exemplar encomendado é impresso em
uma máquina moderna e o prazo de entrega vai depender do livro.
Professora Carmyra: Eu vou trazer um outro assunto. A senhora viveu
momentos de embate na universidade, com as ideias dos matemáticos puros do
Departamento, que entendiam que a licenciatura era um bacharelado; e viveu
o retorno do professor, que saiu da formação, cheio de dúvidas. A senhora
pensou no currículo de formação do professor e no currículo da educação
básica?

242 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Professora Nilza: Sobre esse ponto, eu queria chamar a atenção, porque
acho que é o princípio fundamental no que faço: sempre que eu penso em
currículo para a escola básica, eu penso, também, no currículo de formação
do professor; para mim, é uma coisa que não pode ser feita sem a outra. Pode
até sair uma e depois outra, mas você tem que ter em mente que o seu objetivo
é chegar nas duas.
Professora Carmyra: Certo dia, a senhora falou assim: “Olha, naquele
momento, eu estava no tempo moderno! O ser humano em que se pensava era
o da modernidade”.
Professora Nilza: Eu não sabia que eu estava produzindo material e pro-
jeto para um tempo chamado moderno. A escola era monótona, recebia os
alunos, tentava impor. Mas quando os alunos, membros do projeto, iam desen-
volver alguma proposta, ela era aberta a isso. A escola era estável, ela não tinha
violência, não tinha tráfico de drogas. A escola já era uma construção social,
mas este século mudou muito. As coisas que vieram para o Brasil demoraram
a chegar. Agora seria necessário um currículo apropriado ao pós-moderno.
Professora Carmyra: Eu queria saber da senhora o seguinte, naquela
época, pensou esse currículo dentro da modernidade?
Professora Nilza: Não, era um currículo para a época, que eu conside-
rava moderno. Me dei conta, depois, de que ele tinha sido pensando numa
escola estável, para alunos quase que sem televisão e sem celular, seguramente.
Os alunos do ensino fundamental, que participavam das oficinas, tinham
poder de concentração por exemplo, se era uma oficina de que eles gostavam,
ou se era sexta-feira à tarde, que tinha jogos, eles não iam embora, eles que-
riam jogar todos os jogos, perguntavam para que serviam os outros, como se
jogava os que ainda não tinham aprendido. Então, era um interesse... quando
você começa a olhar de novo a escola, percebe que as coisas estão um pouco
diferentes.
Professora Carmyra: Com relação às bases do currículo anterior, o que a
senhora mudaria hoje, o que a senhora tem pensado?
Professora Nilza: Eu vi, quando eu já era aposentada, que, quando eu
aplicava aqueles jogos com as crianças da família, de amigos, antes os alu-
nos diziam “Oba, tem outro”. Nos tempos mais recentes passaram a jogar dois
ou três e falavam “Vamos fazer outra coisa, tem filme na televisão?”. Pois é,

Sessão Memória do IV ENAPHEM: textualização da entrevista com a... 243


sintetizando, nosso currículo anterior foi centrado na cognição, no interesse,
nas demandas sociais e na autenticidade matemática compreensível para os
alunos. Então, eu percebi que a matemática tinha a mostrar seus jardins sub-
terrâneos, seu enraizamento de tudo com tudo. Por exemplo, como a fração se
desenvolveu ao longo dos tempos, não ficaram uns cem anos estudando como
é que se somava aqueles pedaços de uma unidade. Não é nada disso. Então,
eu acho que essa maneira de passar a matemática pode ser chamada de rigor
substancial. É um sentido muito coeso, muito consistente de matemática. No
IMPA eu aprendi a sentir quando uma ideia não estava bem explicada, sem
base. Então, o que eu explicava para os alunos tinha que ter essa coesão firme e
grande no que estávamos ensinando. E o que a sociedade nos mostrou: que os
decimais eram mais usados, que as grandezas não eram usadas assim, homo-
geneamente, que a unidade mais usual de medida era o centésimo ou, às vezes,
era o milésimo da unidade padrão. Quanto mililitro a gente achou por aí, não
é, nas pesquisas. E não tinha centilitro. Nós ensinávamos as unidades mais
usuais, quilômetro, metro e centímetro. Já quando chegava no litro, ia litro e
mililitro. Quilolitro? Teve uma vez que eu ouvi uma receita italiana que falava
um hexo de manteiga. Aí eu imaginei, mas, meu Deus, um hexo! Eles usam lá,
um hexograma, que é 100 gramas. Então esse ainda é o uso social, mas tem que
passar para o novo. O novo não existe, o novo está em elaboração. Mas o que
muda? A demanda social é bem diferente. A sociedade é até chamada moder-
nidade líquida, ela ficou fragmentada, multifacetada, ela é rápida, ela muda. O
interesse dos alunos é igual ao interesse que eles têm no celular, muda para lá,
volta para cá. É assim. Então, há essa fragmentação.
A escola não é mais estável como era, a escola tem violência. Então, a
cognição do aluno manifesta-se de outro modo. A escola vai ter que considerar
essa redução do poder de concentração do aluno médio. Eu ainda entro em sala
de aula, quando me dão chance, e percebo, às vezes, que a atenção é zero... E o
maior temor que sinto nos ambientes que eu vou, seja de cinema, num filme,
seja de show, uma música, seja de concerto, é: que atenção, que elã aquilo está
criando? Quer dizer, eu nunca fui ao Rock in Rio, daí eu acho que, eu penso
que... Então, o poder de concentração diminuiu, mas há interesse, só que não
é concentrado. E os livros? Esse ano eu tive a oportunidade de fazer análise
de um livro do 8.º ano. Tinha um “tratado” de estatística, incluindo moda,
mediana etc. Eu falei: “Olha só, ele vai aprender isso se fizer uma pesquisa e

244 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


na análise começar aparecer”. Tinha também um “tratado” de geometria sobre
triângulo e figuras planas muito sem aplicação. Não dá!
E eu entrava em certas aulas, e o professor estava falando sozinho! Eu
tenho uma exceção na família, que presta atenção em tudo. É um neto que fala
para os colegas de sala: “Fiquem quietos que eu quero aprender aqui, na aula,
eu venho aqui para aprender, em casa eu não quero ter que estudar mais nada.
Eu quero é aqui!”. Mas, isso é uma raridade atualmente. Então, a escola tem
que considerar a fragmentação, a diminuição da duração do interesse, não é a
diminuição do interesse. Agora, a matemática com raízes, com os seus jardins,
funciona! É só eu dar uma palavrinha: “E vocês sabem por quê? Ninguém visi-
tou um marceneiro, conhece como conserta tal coisa?”. Os alunos estranham
porque são coisas que não se pergunta na sala. Por exemplo, a relação entre um
triângulo materializado num papel suspenso pelo baricentro. Chame um físico
para ele explicar porque aquilo é um centro de massa e, não apenas porque,
na Matemática, é o encontro das medianas, é porque tem uma relação com a
Física. Eu acho que o currículo vai ter que ser interdisciplinar. Se vocês pergun-
tarem o que eu acho da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), é análoga
a uma excrecência do final do século XVIII, um rol de assuntos para alunos.
Não dá, tem que ser diferente! Mas aí vocês vão falar, “Mas vai ficar tudo frag-
mentado?”. E tem a questão da linguagem. Como a linguagem importa! Vocês
conhecem a carta de 207080? É linda, maravilhosa, escrita seriamente. Eu a
conheci por meio de dois blogueiros, dois jovenzinhos, pedindo desculpas,
mas que eles iam falar umas coisas que achavam importante; eu peguei um
pedaço da carta já em rap. Em resumo, a carta de 2070 fala que ele tinha nas-
cido em 2020, agora tinha 50 anos e já era bastante idoso, porque essa era a
idade média que as pessoas viviam. Que houve uma época de muitos drones
e carros voadores, que passou rápido, e em outra época em que ele tinha de
beber oito copos de água por dia, mas que agora ele não podia beber mais do
que meio copo, pois não havia mais água potável. E outras coisas como o ozô-
nio, a elevação do clima, os agrotóxicos... Então, o que isso tem a ver? Se puser
isso, desse jeito, na frente de uma sala de 8.º ano, eles ouvem até o fim e ficam
comentando depois. Como eu gosto de alternar linguagens, eu gosto muito
daquele músico Leonard Cohen, da música Aleluia (Hallelujah). Eu falo assim:

80 Carta publicada pela revista Crónica de los tiempos, em abril de 2002. Disponível em:
https://pt.calameo.com/read/000421034003bc66e9831. Acesso em: 28 jan. 2020.

Sessão Memória do IV ENAPHEM: textualização da entrevista com a... 245


“Deveria ter alguém lendo essa carta com essa música no fundo, como con-
traponto”. Eu estou pensando nessas coisas que tocam a maioria das pessoas.
Professora Carmyra: Bem a fala da professora Luzia81 pela manhã, não
é?
Professora Nilza: Em geral, uma linguagem toca mais. Então eu penso
que vai ficar tudo fragmentado, não dá mais para colocar tratados nos tex-
tos. Então, eu penso num currículo com fragmentações em várias linguagens
e súmulas, não assim que acaba porque o semestre acabou. Não, gente, ele
aprendeu uma porção de coisas, lá um ano e meio depois: “Olha, lembra aque-
las coisas? Elas se casam um pouco assim”. Elas casam porque eu acredito nesse
conhecimento matemático. Agora, poderiam me perguntar: “Você acha que
vai desaparecer o interesse mais duradouro em um conhecimento?” Não, acho
que ele vai aparecendo na medida em que a pessoa cresce e vai definindo os
seus gostos, as suas tendências. Daí ele quer, ele quer ser, quer ler mais, quer
saber, quer entender. Só que, em geral, não há bons livros.
Professora Carmyra: Professora Nilza, eu vou agora pedir licença para
senhora, para a gente ampliar a roda de conversa. Se alguém quiser conversar
com ela, vamos ficar todos juntos.
Professora Elizabete82: Muito obrigada, professora. Eu leio os seus textos
há muito tempo, então, é muito emocionante vê-la e ouvi-la. Eu também me
emocionei quando a senhora contou que fez o Normal e o Científico. Isso é
muito especial. E o meu pedido é para a senhora falar um pouquinho sobre
como essa experiência de ter feito os cursos Normal e o Científico fez parte da
sua trajetória.
Professora Nilza: Olha, em parte eu acho que a Escola Normal preparava
mais o professor para dar aula de 1.ª a 4.ª série, e o motivava a procurar, não
eram todos que procuravam não, mas se falava em teorias novas, falava-se em
Dewey83, incentivava-se a leitura de capítulos. Em linguagem, já havia muitas
propostas novas de alfabetização. Não apresentavam extensamente, mas você
sabia que aquela proposta tinha criticado isso, que aquela outra era mais base-
ada naquilo. Em Matemática, nada de novo. Você tinha aula de sociologia,

81 Mesa-redonda realizada no IV ENAPHEM, na qual a professora Luzia Aparecida de Souza


da UFMS tratou de outras linguagens e diferentes sensibilidades.
82 Elizabete Zardo Burigo.
83 John Dewey (1859-1952) nasceu em Nova Iorque/EUA. Foi filósofo e pedagogista.

246 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


biologia, de prática de ensino, elas falavam coisa com coisa. Eu escutava muito
as aulas do Normal, embora eu as achasse incompletas. E, como eu fazia o
Científico, eu aproveitei as ligações. Então, eu ia para o professor de Matemática
e falava assim: “Parece que tem um problema na formação dos números que as
crianças aprendem”. O professor respondeu que elas podem aprender a contar
sem entender bem o número. Pois o danado do meu professor de matemática
do Científico, Argante Dimenco, até me emprestou dois livrinhos de argenti-
nos falando na elaboração do conceito de número pela criança. Em Ciências,
eu achava assim: “Ah, mas ensinam muito raso, muito por cima para dar aulas
de Ciências Naturais!”, mas o professor do Científico era um espetáculo, eu
perguntava e usava no Normal tudo o que ele falava. Os colegas e professo-
res babavam: “Nossa, quanto ela leu a mais?”. Leu nada! Aprendia lá no outro
curso, entende? Então, eu vi que tem duas vertentes diferentes, mas que, para
mim, ali, elas não entraram em choque. Elas me ajudaram, uma ajudava a
completar a outra.
Professor Luiz Carlos84: Muito obrigado, professora, pela sua presença
e a sua disponibilidade em contribuir, isso é importante. Eu acho que você
tem uma contribuição importantíssima na organização da área, no Brasil, e
gostaria de pedir a sua gentileza de mencionar alguma coisa que aconteceu na
década de 1980, a qual precedeu a organização, a criação da área, do ponto de
vista institucional, lembrando dos colegas que já partiram, como o professor
Damasceno85, se você pudesse falar uma palavrinha sobre ele, ele já não está
aqui mais entre nós. E ele foi importante. E o Araújo86, do Rio Grande do
Norte. É lógico que a sua riquíssima trajetória foi percorrida com vários cole-
gas. Eu queria que você falasse um pouquinho desses companheiros nossos
que já não estão entre nós.
Professor Nilza: Oi, grande amigo Luiz. Sobre as pessoas com as quais
convivi na SBEM, como o Baldino que eu já mencionei. O Damasceno chegou
a ser meu colega pelo menos de universidade. Ah, o Araújo, com quem eu
compartilhei a Diretoria, eu era diretora e ele era secretário, com muito pro-
fissionalismo e amizade. Ambos, Damasceno e Araújo, faleceram devido ao
câncer, doença insidiosa, foi muito triste. E Damasceno era nossa esperança de

84 Luiz Carlos Pais.


85 José Antônio Elias Damasceno.
86 Antônio Pinheiro de Araújo.

Sessão Memória do IV ENAPHEM: textualização da entrevista com a... 247


ajuda para uma pós-graduação continuada, boa, sabe. Mas infelizmente não
deu! A vivência de SBEM foi uma coisa assim: “Queria isso na vida? Tome”.
Caindo do céu. Só tinha livros em inglês. Eu lembro do 4.º ENEM87 em que teve
uma sala para publicações em português. Foi um arrepio de ver. Eram umas
20 publicações, mas que tinham sido publicadas aqui no Brasil. Esses com-
panheiros dos primeiros tempos, a gente não esquece, porque foi uma coisa
muito boa. O Damasceno eu conheci depois, já em Brasília. Ele foi professor
de escola pública, exerceu cargo de coordenador na escola pública e depois
ele fez doutorado. Daí ele fez um concurso para a Faculdade de Educação da
UnB e esteve lá. E você imagina o que é ganhar uma pessoa como ele. Ele tinha
aquele brilho que a gente sabia, eu tinha esperança de que uma pós-graduação
tivesse duas pessoas profundamente envolvidas, ele e Cristiano. Porque em
Brasília, em termos de Educação Matemática, temos um carma! – Tem gente
trabalhando? Tem. Gente boa? Sim. Fazendo mestrado? Doutorado? Sim. Mas
também muitos fazem mestrado e doutorado fora. Houve uma pós-graduação
em Educação Matemática forte? Houve, na era Cristiano Muniz, na Faculdade
de Educação da UnB, antes de ele se aposentar. Vocês sabem a produção e o
número de orientações dele? Foi a época de ouro! Quem trabalhava com ele?88
O Departamento de Matemática da UnB está começando agora a constituir
a área de Educação Matemática, pelas gerações novas, porque antes só tinha
matemática pura, demoraram muito e puseram matemática aplicada, demo-
raram mais e puseram estatística. Agora há uns três anos pode ter Educação
Matemática. O Departamento de Matemática da UnB tem tido uma postura
mais recente de chamar a área de Educação Matemática para a escola de verão.
A escola de verão é de altíssimo nível, mas eu acho que nesse altíssimo nível
faltam raízes à beça, faltam jardins subterrâneos. E parece uma Matemática
para estocar.
Professor Célia89: Eu queria parabenizar vocês e queria ouvir um
pouco mais, até porque a gente teve recentemente no SIPEM (Seminário

87 IV Encontro Nacional de Educação Matemática realizado em janeiro de 1992 na cidade


de Blumenau/SC.
88 O professor Dr. Cristiano Alberto Muniz da Faculdade de Educação da Universidade de
Brasília (FE/UnB), entre 2002 e 2017 orientou 76 trabalhos de pesquisa em nível de ini-
ciação científica, mestrado e doutorado. Alguns dos orientandos deste professor junta-
mente com a SBEM regional DF foram os responsáveis pela divulgação da Educação
Matemática em escolas públicas e particulares do DF.
89 Maria Célia Leme da Silva.

248 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Internacional de Pesquisa em Educação Matemática) uma retrospectiva, uma
tentativa de fazer um balanço dos 30 anos da Sociedade Brasileira de Educação
Matemática, e acho que, como a gente ouviu muito o seu relato, a constitui-
ção de professora, de pesquisadora, a senhora poderia falar um pouco mais
sobre esse movimento e essa sua atuação, e como é que foi esse constituir-se
enquanto grupo de educadores de matemáticos ao longo desse tempo?
Professora Nilza: Olha, eu lembro bem que, no início, duas coisas foram
muito importantes, foram coirmãos da Educação Matemática, da SBEM, que
foi o Projeto SPEC90, o qual multiplicou o interesse pela educação matemática
e pelo ensino de ciências no Brasil inteiro e a CAPES ter financiado os primei-
ros centros de pesquisa91, que começaram a pipocar. Essas duas coisas que sur-
giram logo depois da SBEM. Para mim, com mais cinco anos, a gente estaria
com o ensino de matemática resolvido no Brasil. Nós tínhamos juntado todos
os experts que já trabalhavam, que tinham participado de congressos no exte-
rior. Havia o programa SPEC esparramando a educação matemática. Mas eu
via aquele futuro lindo, que não foi acontecendo. E teve um momento acirrado
da pesquisa acadêmica ficar muito evidente na Educação Matemática, porque
a área queria o seu lugar na pesquisa e ela não tinha dentro da universidade.
Então ela acirrou tanto a metodologia da pesquisa e quando me perguntam:
“O professor do projeto SPEC da UnB foi investigativo”? Foi. “Teve metodo-
logia da pesquisa no projeto”? Teve. “Qual foi”? Eu explico que foi investiga-
tivo, interventivo e mostro um esquema de elipses que apresentam o que foi
alimentado, o que foi retroalimentado. Mas não teve essa coisa de se amarrar
à pesquisa em detalhes de normas e quesitos tão exigentes para o qual evo-
luiu a maioria das pesquisas em Educação matemática. E foi aí que começou
a definhar nossa alma de busca de um ensino vivo, consistente, apropriado
aos alunos e à sociedade. Eu acho que isso começa a ser ultrapassado, como
as pesquisas que o Cristiano orientou em Brasília, e que são nitidamente para
a escola. O Seminário “Nilza Bertoni” também. E até agora nós estamos pra-
ticamente no mesmo. E vamos fundar outra SBEM, por que agora já estamos

90 Subprograma de Educação para a Ciência da CAPES (Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
91 A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) foi criada em
1951 com a finalidade de aperfeiçoar o pessoal de nível superior. Em 1970, a CAPES pas-
sou a atuar junto aos centros regionais de pós graduação. Disponível em: https://www.
capes.gov.br/historia-e-missao. Acesso em: 28 jan. 2020.

Sessão Memória do IV ENAPHEM: textualização da entrevista com a... 249


reconhecidos? Porque a educação matemática, o ensino de matemática nós
ainda não resolvemos no Brasil.
Professora Carmyra: Como nós somos muito pontuais, eu gostaria de
terminar contando para vocês uma fala da nossa convidada numa entrevista
dada ao grupo COMPASSODF, que nos deixou muito emocionadas. Era um
final de tarde meio chuvoso, a gente ali conversando, a Edilene92 pelo Skype, e
ela disse: “Meu Deus, se eu pudesse ser feliz, se gostarem dessa fala, que bom,
eu vou agradecer. Mas se não gostarem, se detestarem, mas se ela servir para
alguma coisa em sala de aula, se alguém pegar e levar, se algum pensamento
pegar e voltar a florescer, já valeu”! (aplausos e Carmyra cantou a música Luzes
da Ribalta93, acompanhada pelo professor Odair Marques ao violão). Ontem
falaram aqui: “Não vamos largar as mãos”! E eu digo para vocês: “Não perca-
mos a esperança”! Muito grata pela presença, um bom final de tarde.
Professora Nilza: Então, interrompendo um pouquinho esse elã que a
Carmyra nos deu, eu queria chamar atenção, quem não entendeu, é isso que
eu estou chamando de novas linguagens. Elas construíram o mesmo pensa-
mento. Essa música que a Carmyra cantou, Luzes da Ribalta, consolidou numa
outra linguagem o que conversamos. É isso que eu tenho acreditado também
quando eu falo em uso das linguagens. Obrigada. Obrigada a todos.
Professora Carmyra: A professora Nilza encerra esse momento de a
gente pensar o tema do evento. É perfeito! Formação de professores, história,
cultura e política.

Considerações finais
A Sessão Memória é realizada em todos os Enaphem e tem como objetivo
socializar com os participantes do evento experiências de pessoas que contri-
buem ou contribuíram de forma relevante para o desenvolvimento do campo
Educação Matemática.
No 4º Enaphem, a professora Carmyra Oliveira Batista convidou a pro-
fessora Nilza Bertoni a falar sobre seu caminho profissional, suas ideias sobre

92 Edilene Simões Costa dos Santos, professora da UFMS.


93 Música do filme Luzes da Ribalta, em inglês Limelight, escrito, dirigido e interpretado por
Charles Chaplin. Estreou em 23 de outubro de 1952. Disponível em: https://pt.wikipedia.
org/wiki/Luzes_da_Ribalta. Acesso em: 28 jan. 2020.

250 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


o ensino e a aprendizagem da matemática escolar no passado, no presente e
no futuro.
Ao final da entrevista, a professora Carmyra Batista cantou a música
Luzes da Ribalta a fim de exemplificar e ressaltar a importância do uso de
outras linguagens na promoção das aprendizagens e sintetizar algumas pala-
vras da professora Nilza.

Meu Deus, [...] se gostarem dessa fala, que bom, eu vou agradecer. [...] Se ela
servir para alguma coisa em sala de aula, se alguém pegar e levar, se algum
pensamento pegar e voltar a florescer, já valeu! (BERTONI, 2018).

...o ideal que sempre nos acalentou renascerá em outros corações. (Música do
filme Luzes da Ribalta).

Por fim, é possível perceber, na relação de intertextualidade entre a fala


da entrevistada e a letra da canção, o desejo de uma educadora, sua mais pro-
funda esperança em que o jardim floresça e traga frutos à nossa sociedade.

Sessão Memória do IV ENAPHEM: textualização da entrevista com a... 251


Sobre os Organizadores

Maria Célia Leme da Silva


Bacharel e Licenciada em Matemática pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1988), Mestre em Educação Matemática pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (1997), Doutora em Educação (Currículo)
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002). Realizou estágio
pós-doutoral na Universidade Nova de Lisboa (2006) e na Université Paris
11 (2015). É pesquisadora do GHEMAT – Grupo de Pesquisa de História da
Educação Matemática no Brasil desde 2005. Professora Associada da UNIFESP
– Universidade Federal de São Paulo. Professora permanente do Programa
de Pós-Graduação em Educação e Saúde da UNIFESP. Editora Adjunta da
HISTEMAT – Revista de História da Educação Matemática desde 2015.

Thiago Pedro Pinto


Professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS;
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática do
INMA; Graduado em Licenciatura em Matemática pela Faculdade Estadual de
Filosofia Ciências e Letras de Jacarezinho – PR (2005) atual UENP. Mestre em
Educação Matemática pela UNESP – Rio Claro (2009). Doutor em Educação
para a Ciência UNESP – Bauru (2013). Desde 2006 está vinculado ao GHOEM,
Grupo de História Oral e Educação Matemática. Desde 2011 está vinculado ao
Grupo História da Educação Matemática em Pesquisa (HEMEP). Editor da
Revista Perspectivas da Educação Matemática (2020).
Sobre os Autores

José Manuel Matos


Iniciou a sua carreira na Escola do Magistério de Beja no sul de Portugal
e durante alguns anos foi professor de matemática do ensino secundário.
Concluiu o mestrado na Universidade de Boston, em 1985, e o doutoramento
na Universidade da Geórgia, em 1999, ambos na área de Educação Matemática
e durante 20 anos lecionou na Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade Nova de Lisboa. Atualmente é professor visitante na Universidade
Federal de Juiz de Fora, Brasil. Desempenhou diversos cargos na Associação de
Professores de Matemática, na Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação
e na Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática. Foi edi-
tor da primeira revista de investigação portuguesa em Educação Matemática
e coordenador de um centro de investigação em educação. Até ao momento
orientou 18 dissertações de doutoramento. Integrou equipas de investigação
centradas na aprendizagem da matemática, na cultura da aula de matemática,
no sucesso escolar e em estudos de carácter histórico e é autor e editor de
diversos livros de investigação sobre estes temas.

Dolores Carrillo Gallego


Ees Licenciada en Ciencias Matemáticas por la Universidad de Zaragoza
y Licenciada y Doctora en Pedagogía por la Universidad de Murcia. En la
actualidad es profesora titular del Área de conocimiento “Didáctica de las
Matemáticas”, y su docencia ha estado dirigida a la formación del profeso-
rado en ese ámbito. Sus líneas de investigación prioritarias son la Historia de
la Educación Matemática y la Didáctica de las Matemáticas en la Educación
Infantil. Ha sido subdirectora de la Escuela de Magisterio de la Universidad
de Murcia y vicedecana de la Facultad de Educación. Es miembro del Centro
de Estudios sobre la Memoria Educativa (CEME) de la Universidad de Murcia
desde su fundación y forma parte del equipo que gestiona el funcionamiento
del Museo Virtual de Historia de la Educación (MUVHE). Ha sido secretaria
del CEME (2013-2017) y, en la actualidad, es directora del mismo.

Antonio Vicente Marafioti Garnica.


Livre-docente pela Faculdade de Ciências da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) – Câmpus de Bauru e doutor pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP – Câmpus
de Rio Claro. Pós-doutorado na Indiana University Purdue University at
Indianapolis, Estados Unidos. Professor Associado do Departamento de
Matemática da Faculdade de Ciências da UNESP – Câmpus de Bauru, cre-
denciado no Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência
(UNESP-Bauru) e no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática
(UNESP-Rio Claro). É coordenador do Grupo de Pesquisa História Oral e
Educação Matemática (GHOEM).

Elisabete Zardo Búrigo


Licenciada em Matemática e Mestre em Educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e Doutora em Educação pela Universidade
de São Paulo (2004). Realizou estágio pós-doutoral no Service d’Histoire de
l’Éducation do Institut National de Recherches Pédagogiques, em Paris, 2011.
Professora Associada do Instituto de Matemática e Estatística e do Programa
de Pós-Graduação em Ensino de Matemática da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Participa do GHEMAT Brasil – Grupo Associado de Estudos e
Pesquisas sobre História da Educação Matemática. Coordena o projeto CNPq
“Estudar para Ensinar: Práticas e Saberes Matemáticos nas Escolas Normais do
Rio Grande do Sul (1889-1970)”.

256 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


Kátia Guerchi Gonzales
Possui graduação em Licenciatura em Matemática pela Universidade
Federal da Grande Dourados (UFGD), mestrado em Educação Matemática
pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e doutorado em
Educação para a Ciência pela Unesp. Atua como docente do ensino superior
na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) – Nova Andradina
e como professora do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e
Matemática da Uniderp. É membro do Grupo de História Oral e Educação
Matemática (Ghoem). Desenvolve pesquisas na área da Educação Matemática,
atuando principalmente na História da Educação Matemática.

Maria Laura Magalhães Gomes


Licenciada e Mestre em Matemática pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e Doutora em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas. Professora titular aposentada da Universidade Federal de Minas
Gerais, em que atua como voluntária no Departamento de Matemática e no
Programa de Pós-Graduação em Educação. Bolsista de Produtividade do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
e editora associada do periódico Bolema-Boletim de Educação Matemática
(IGCE-UNESP-Rio Claro). Suas pesquisas atuais se desenvolvem em temáticas
da História da Educação Matemática.

Mônica Menezes de Souza


Possui graduação em Ciências com Habilitação em Matemática pelo
Centro de Ensino Unificado de Brasília (1989), mestrado em Educação
pela Universidade de Brasília – UnB (2003), mestrado em Educação pela
Universidade Católica de Brasília – UCB (2002) e doutorado em Educação
Matemática pela Universidade Anhanguera de São Paulo – UNIAN (2015).
Atualmente é professora aposentada da Secretaria de Estado de Educação
do Distrito Federal – SEEDF. Tem experiência na área de Matemática, com
ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: geome-
tria, atividade interdisciplinar, ensino e aprendizagem, educação matemática
e lúdico. Participa do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Matemática
– COMPASSODF e do Grupo Associado de Estudos e Pesquisas sobre História
da Educação Matemática – GHEMAT Brasil.

Sobre os Autores 257


Carmyra Oliveira Batista
Doutorado em Educação pela Universidade de Brasília – UnB (2008),
mestrado em Educação pela Universidade de Brasília – UnB (2003), espe-
cialização em Educação Matemática pela Universidade do Sul de Santa
Catarina – UNISUL (2005), especialização em Fundamentos Educacionais
para a Formação dos Profissionais para a Educação Básica – início de esco-
larização pela Universidade de Brasília – UnB (2003). Professora aposentada
da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal – SEEDF. Participa
do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Matemática – COMPASSODF
e do Grupo Associado de Estudos e Pesquisas sobre História da Educação
Matemática – GHEMAT Brasil.

Luzia Aparecida de Souza


Possui graduação em Licenciatura em Matemática pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003), mestrado e doutorado
em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista, campus de
Rio Claro. Atualmente realiza Pós-Doutorado na Escola de Educação da
Universidade de Cape Town na África do Sul. É coordenadora do Grupo
História da Educação Matemática em Pesquisa- HEMEP e membro do Grupo
História Oral e Educação Matemática- GHOEM. É professora associada do
Instituto de Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, cam-
pus de Campo Grande. Atualmente trabalha principalmente com os seguintes
temas: História da Educação Matemática, Narrativas e História Oral.

Adair Mendes Nacarato


Licenciada em Matemática pela PUC-Campinas, Mestra e Doutora pela
FE/Unicamp. Atua no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação
da Universidade São Francisco, campus Itatiba, na linha de pesquisa Educação
Sociedade e Processos Formativos e no curso de Pedagogia. É líder dos grupos
de pesquisa Histórias de Formação de Professores que Ensinam Matemática
(Hifopem) e Grupo Colaborativo em Matemática (Grucomat). Pesquisadora
Produtividade CNPq nível 2.

258 História da Educação Matemática e formação de professores: aproximações possíveis


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