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SEMESTRE
2022.1
REALIZAÇÃO APOIO
GRUPO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA - JUNIOR
CALENDÁRIO DE REUNIÕES 2022.1
Dia/Horário: Terça às 17h
Local: LABMATEN/UECE e Zoom
CRONOGRAMA DE REUNIÕES
Resumo
Este texto traz algumas reflexões para orientar os caminhos a serem seguidos por um
investigador iniciante em Educação Matemática. Chamamos a atenção para a dicotomia entre teoria e
prática e a necessidade de sua articulação. Escolhemos as perguntas discutidas na Conferência de
Estudos do ICMI em Washington, em 1994, como norteadoras do presente artigo. Apresentamos uma
lista de questionamentos orientadores de um projeto de pesquisa e apontamos as principais linhas de
pesquisa no Brasil, identificadas por Fiorentini (1993). A seguir, colocamos algumas sugestões para
serem incorporadas em cursos de formação inicial e continuada de professores de Matemática, bem
como mencionamos a necessidade de socialização do saber produzido nas pesquisas.
Como aproximar esses dois mundos tão distantes da teoria e da prática? Como aproximar o
pesquisador do professor em sala de aula? Essas questões não são nada simples e não acreditamos ter
um caminho pronto e definitivo no momento. Todavia, estamos conscientes, como pesquisadores, de
que é nosso dever fornecer ao professor informações básicas para que ele possa dar os primeiros
passos na direção da pesquisa em Educação Matemática. É possível preparar um professor-
investigador de sua prática docente que articule as informações da teoria com a sua prática.
Se olharmos para nossa própria formação profissional e prática, percebemos que foi necessário
um longo tempo para o aprendizado na pesquisa. O olhar do professor e o do pesquisador não são
exatamente o mesmo. Enquanto professor, procurávamos entender e tentar resolver os dilemas
diretamente ligados ao processo de ensino e aprendizagem de Matemática. As tentativas de resolução
dos problemas de sala de aula baseavam-se principalmente na intuição e experiência prática. Não
possuíamos uma sistematização e não dispúnhamos de metodologia de trabalho adequada, quer seja
para registrar, quer seja para analisar e entender o fenômeno de ensino. Com esse olhar intuitivo e sem
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sistematização do que observávamos em aula, perdemos muitas oportunidades de aprender com nossa
prática.
Acreditamos que um passo inicial pode ser dado, se olhar mos o que pesquisadores da área
estão pensando sobre o assunto. Esses questionamentos e outros têm preocupado a comunidade
científica nas últimas décadas. Escolhemos as perguntas discutidas na Conferência de Estudos do
ICMI em Washington, em 1994, como norteadoras da presente reflexão. As questões são:
1. Qual é o objeto específico de estudo em Educação Matemática?
2. Quais são os propósitos (os objetivos) da pesquisa em Educação Matemática?
3. Quais são as perguntas específicas de pesquisa ou quais são as problemáticas de pesquisa
em Educação Matemática?
4. Quais são os resultados de pesquisa em Educação Matemática?
5. Quais são os critérios que devem ser usados para avaliar (apreciar) os resultados de
pesquisa em Educação Matemática?
Começaremos refletindo sobre a primeira pergunta que é crucial para a área de Educação
Matemática e que diz respeito a sua caracterização enquanto domínio de conhecimento.
Não podemos esquecer que satisfazer a curiosidade do pesquisador sobre alguma situação é
um objetivo importante de qualquer pesquisa. É essa curiosidade que funciona como um motor
propulsor para a compreensão da situação. Em muitos casos, os estudos envolvem o ensino e
aprendizagem da Matemática em sala de aula. Nesse sentido, é uma grande expectativa do pesquisador
poder contribuir para uma melhor compreensão da situação e melhorar assim a prática escolar. Para
atingirmos uma compreensão de qualquer situação educacional, é necessário considerarmos a
diversidade de aspectos que influem no estudo. Para ilustrarmos, usamos um esquema extraído do
livro Mathematics education as a research domam: a search for identity, p. 17.
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Cada um desses aspectos precisa ser levado em conta quando formulamos os objetivos de uma
investigação. Mesmo havendo diversidade de objetivos, os estudos precisam e devem focalizar a
Matemática. Todavia, é necessário termos bem clara a diferença entre a natureza da pesquisa em
Educação Matemática de uma pesquisa em Matemática, quer pura ou aplicada.
Educação Matemática está entre os cruzamentos de várias áreas de domínios científicos bem
estabelecidos, tais como: Matemática, Psicologia, Pedagogia, Sociologia, Epistemologia,
Antropologia, Ciência Política, Ciência da Cognição, Semiótica, e Economia, e pode estar preocupada
com problemas que são provenientes desses domínios. Existem dois tipos distintos de questões:
aquelas diretamente ligadas à prática de ensino e aquelas geradas pela pesquisa. Em relação à primeira
questão, listaremos dois exemplos:
• Como motivar os estudantes a aprender um determina do tópico de Matemática?
• Como identificar as dificuldades de aprendizagem dos alunos?
Uma forma de articular a teoria com a prática seria refletir mos sobre a natureza de dois tipos de
conhecimento: o conhecimento teórico da comunidade de pesquisadores e o conhecimento prático útil
para professores e alunos. Precisamos pensar e refletir sobre as relações existentes entre eles e
procurar, se possível, um corpo de conhecimento que articule ambos.
baseado o trabalho e à metodologia através da qual o resultado foi obtido. Essa relatividade de
resultados, embora seja de senso comum nas ciências, é esquecida quando se realizam pesquisas
(Sierpinska e Kilpatrick, 1998, p.7). Além disso, esses autores comentam que, em Educação
Matemática, procura-se compreender, levantar constatações e sugerir caminhos. Essas constatações
não são verdades absolutas e podem ser diferenciadas em dois tipos. Existem constatações baseadas
em observações experiências desenvolvidas a longo prazo e outras fundamentadas em estudos que
foram planejados essencialmente para levantar esses dados.
Que critérios deveriam ser usados para avaliar os resultados de pesquisa em Educação
Matemática?
Antes de continuarmos com nossos argumentos sobre os passos que um iniciante deve seguir,
apresentamos algumas perguntas que podem auxiliar no processo de planejamento de uma
investigação. Em cursos de licenciatura, de especialização para professores e pós-graduação, Santos
(1994, 1997) tem feito com os iniciantes em trabalhos de investigação questionamentos do tipo:
• Por que é relevante e importante fazer esta investigação?
• O que eu já sei sobre este tema a partir de minha experiência como aluno e/ou como
professor?
• Que motivação eu tenho para fazer esta investigação?
• O que já foi investigado sobre este tema?
• Como foram desenvolvidas estas investigações? Existem aspectos desses trabalhos com os
quais eu concordo? Quais aspectos são esses e por que eu concordo com eles? Existem
aspectos dos estudos já realizados dos quais eu discordo? Quais são esses aspectos e por que
isso ocorre?
• Afinal, o que eu quero investigar e que hipóteses e/ou idéias eu já tenho sobre a investigação a
ser realizada? O que eu quero de fato explorar, compreender, identificar, conhecer, verificar,
investigar?
• Que referencial teórico eu vou utilizar? O porquê dessa escolha?
• Que metodologia será útil para desenvolver o estudo? Essa metodologia poderá auxiliar a
responder às questões da investigação? O referencial teórico do estudo e a metodologia
planejada são compatíveis?
Como está sendo planejada a coleta e análise de dados no trabalho? Que critérios estão sendo
pensados pelo investigador para validar as análises e interpretações que serão feitas e verificar se as
mesmas poderiam ser reproduzidas em outros estudos?
• Que implicações esta investigação poderá ter para a sala de aula de Matemática?
• Que implicações poderá ter para a área de Educação Matemática?
Não podemos oferecer um manual nem uma bíblia para os que quiserem ingressar neste campo
da pesquisa, mas procuramos lançar algumas luzes nesse túnel às vezes escuro, longo e cheio de
obstáculos. E o olhar de curiosidade e indagação do investigador acompanhado de sistematicidade,
planejamento, avaliação contínua ao longo do processo de pesquisa, coerência no interpretar, analisar
e categorizar dados à luz dos questionamentos da pesquisa que permitem que o processo seja árduo,
intenso e muito interessante. Ao encerrarmos uma pesquisa, precisamos estar levantando questões para
uma próxima investigação. Precisamos mostrar as potencialidades bem como as limitações do estudo.
Esse caráter de pesquisador possibilitará que o professor passe a atuar em sala de aula com um olhar
mais crítico, mais indagador e mais reflexivo.
Não podemos nos esquecer da importância da divulgação dos estudos realizados tanto na
comunidade científica como na comunidade escolar. Se as investigações ficarem encadernadas e
confinadas em prateleiras de bibliotecas, pouco teremos contribuído para o processo de melhoria e de
compreensão do processo de ensino-aprendizagem de Matemática. É necessário e urgente socializar o
conhecimento produzido na área de Educação Matemática.
No Brasil, Fiorentini (1993) publicou um levantamento das pesquisas produzidas na área. Para
facilitar a consulta desse material, o autor classificou a pesquisa acadêmica brasileira em Educação
Matemática em treze focos temáticos: currículo; materiais didáticos e meios de ensino; erros,
problemas e dificuldades do ensino e da aprendizagem; cotidiano escolar; etnomatemática e educação
de adultos; relação da Matemática com outras disciplinas; formação do professor de Matemática;
prática docente; psicocognição e aprendizagem; fundamentos histórico filosóficos e epistemológicos;
ideologia e/ou concepções e significados; história do ensino da Matemática; e políticas oficiais sobre o
ensino da Matemática (Fiorentini, 1993, p. 67). Infeliz mente, o autor constatou que a pesquisa
brasileira ainda se mantém dispersa, desconhecida e inacessível para a maioria dos professores. E
como fica a sala de aula de Matemática?
Comparando a produção acadêmica nas últimas décadas, Fiorentini e Sader (1999) concluíram
que a maioria dos estudos da década de 80 priorizaram aspectos político-pedagógicos muito amplos e
gerais do ensino da Matemática, enquanto, a partir da década de 90, houve um esforço mais
sistemático de investigar aspectos mais pontuais e cognitivos do processo de ensino-aprendizagem em
sala de aula (Fiorentini e Sader, 1999, p. 14).
Não basta apenas conhecer o que está sendo produzido em Educação Matemática, mas é preciso
avaliar essas produções. Essa é uma tarefa primordial para os pesquisadores que já atuam na área e
também para os novos investigadores. É necessário que existam fóruns de discussão desse saber
envolvendo pesquisadores, professores de sala de aula e gerenciadores das políticas educacionais. Só
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assim é possível alcançarmos algum êxito para superarmos a dicotomia entre teoria e prática. Assim
estaremos de fato contribuindo na construção de conhecimento.
Uma forma eficaz de socializar os resultados dessas pesquisas é introduzir disciplinas e/ou
seminários de Educação Matemática nos cursos de formação inicial e continuada de professores de
Matemática. “Os currículos não podem continuar fechados, restritos às disciplinas tradicionais de
conteúdos, mas devem possibilitar espaço para que os recentes resultados de pesquisa cheguem até os
futuros professores” (Silva, 1998, p.59). Os professores regentes precisam de tempo e de grupos
suporte em suas escolas e nos locais de formação continuada. Só assim, os professores podem
questionar sua prática e podem experimentar mudanças na mesma se o desejarem. Podem aprender a
conduzir investigações em sua sala de aula e sentir prazer e desejo de divulgar suas experiências,
descobertas e frustrações entre seus pares (Santos-Wagner, 1999). Ou seja, os professores precisam
sentir que o processo de tornarem-se professores-pesquisadores é possível e que é fundamental
socializar o conhecimento produzido nessa caminhada.
Referencias bibliográfica
KILPATRICK, J. Fincando estacas: uma tentativa de demarcar a educação matemática como campo
profissional e científico. Zetetiké, v.4, n.5, p.99-120,jan./jun. 1996.
—. Roteiro de estudos para alunos graduandos e pós- graduandos para a elaboração de um projeto de
pesquisa em educação matemática. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
SILVA, C.M. A formação de professores de matemática: preocu pações recentes e antigas. Caderno de
Pesquisa, v.4, n.7, fev.1998.
ANOTAÇÕES
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Wagner Rodrigues Valente
Figura 1
PONTO 1º
SÃO AS DEFINIÇÕES
Volume é o espaço que ocupa um corpo.
Área é a porção de superfície plana limitada por linhas retas
que se encontram duas a duas ou limitada por uma curva fe-
chada.
Linha reta é a linha cuja direção marca o mais curto caminho
entre dois pontos; entendendo-se que linha é a extensão con-
siderada com uma só dimensão: o comprimento.
A linha reta é inextensível e inflexível.
TEOREMA
No mesmo círculo ou em círculos iguais, os ângulos centrais
são proporcionais aos arcos que os medem (segue a demonstra-
ção pelo autor).
Roxo, Jacomo Stávale e Ary Quintella são alguns desses autores que se
tornaram clássicos. Contudo, o fato mais marcante no trabalho de nos-
so avô foi ter acompanhado o nascimento de uma nova disciplina esco-
lar: a Matemática. Nossa primeira estruturação do ensino, que põe fim
aos preparatórios, faz nascer essa disciplina até então inexistente. Re-
sultado da fusão da aritmética, com a álgebra e a geometria, nasce a
Matemática a partir da Reforma Francisco Campos, no primeiro go-
verno de Getúlio Vargas (Valente, 2004a).
Pelo país, a partir dos anos de 1930, começaram a proliferar os
ginásios e liceus públicos. A população escolar, antes quase que exclusi-
vamente formada por uma elite, é mais e mais engrossada por filhos de
uma classe média que não pára de crescer. Aumenta a produção editorial
de livros didáticos, surgem as coleções de obras para serem usadas pelos
alunos em cada uma das séries escolares; acirram-se os debates sobre
conteúdos e metodologias a serem seguidos por nosso avô profissional.
Como ensinar matemática como fusão de geometria, álgebra e aritméti-
ca? Como substituir antigas práticas pedagógicas pelo modo heurístico?
Como começar o curso de matemática pela geometria espacial? Como
introduzir o cálculo diferencial e integral no ensino secundário?
Às propostas absolutamente revolucionárias para conteúdos e
métodos da nova disciplina, nosso avô optou pela herança de seus an-
cestrais de profissão: dividiu as aulas semanais em partes separadas. As-
sim, o curso de matemática acabou reunindo – e não fundindo – a
aritmética, a álgebra e a geometria. Segunda-feira lecionava aritmética;
terça, álgebra... (Valente, 2004b). Dentro dos compêndios, era fácil lo-
calizar, em capítulos diferentes, essas matérias. Nosso avô, aos poucos,
também foi ficando especialista numa determinada série escolar.
A seguir, parte do índice de um dos campeões de venda de li-
vros didáticos, ao tempo de nosso avô profissional: Ary Quintella. Tra-
ta-se do livro Matemática – primeiro ano ginasial, publicado no início
dos anos de 1940.
Figura 2
Figura 3
Referências
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ANOTAÇÕES
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CAPÍTULO 04
Principais motivações
Muito se tem discutido sobre a dificuldade da apren-
dizagem dos alunos no nível fundamental e médio. Pesquisas
apontam que dentre as disciplinas escolares, a matemática é
considerada a mais difícil. Um dos motivos por parte dos estu-
dantes é que a matemática é estudada fora de um contexto real
e está cheia de fórmulas para decorar. No ponto de vista do
professor, essa dificuldade está relacionada à falta de interesse
dos estudantes, principalmente em relação ao modo como a
Matemática é apresentada em sala de aula. Segundo Mendes
(2009) é através de um ensino mais prático e dinâmico por
parte do professor e dos estudantes, relacionado com brinca-
deiras, atividades práticas e experimentais que o aprender da
matemática se tornam mais eficaz.
Devido a esses motivos, cresce um movimento que
busca inovações metodológicas de ensino para que o profes-
108
sor torne sua aula mais atrativa, denominado Movimento de
Educação Matemática. Dentre essas metodologias, a história
da matemática pode auxiliar na construção do conhecimento
e na evolução de conceitos matemáticos. Segundo Groenwald
(2004, p. 47):
109
percebemos que esse recurso inclui citações históricas no de-
senvolvimento de seus textos de maneira imprópria. Segundo
Bianchi (2006, p. 03) “muitas vezes esta inserção se resume na
apresentação de biografias de alguns matemáticos, de datas ou
curiosidades históricas, sem a devida compreensão ou adequa-
ção desta abordagem”. Notamos que, mais uma vez, o uso da
história da matemática na sala de aula poderia agregar outros
recursos e atingir objetivos que podem ir além de “contação
de histórias”.
Nesse sentido, a união entre esses “fatos” sobre a his-
tória da matemática e outros artifícios, como por exemplo, a
confecção de quadrinhos, construção de instrumentos mate-
máticos, etc, podem fornecer uma ferramenta que pode ser uti-
lizada no entendimento de conteúdos matemáticos. De acordo
com D’Ambrósio (1996, p. 31):
110
Esse fato histórico pode ser inserido, por exemplo, a
partir de episódios históricos da matemática, verdades e/ou
mentiras (ou interpretações errôneas), que estão em livros,
textos de história da matemática e que chegam às salas de aula.
Segundo Nobre (2004, p. 531) “é tradição na história
do conhecimento científico o batismo de determinadas teorias
com o nome de seu descobridor, ou do cientista que teve a
maior dose de contribuição para se chegar a determinado re-
sultado”. Muitas histórias são contadas sem provas concretas,
como é o caso da história antiga da Matemática como, por
exemplo, os feitos de Tales de Mileto, a autoria de Os Ele-
mentos por Euclides, e até o caso de Arquimedes, gritando nu
pelas ruas: Eureca! Eureca!
111
Todos esses fatos históricos que entram na sala de aula
permitem ao aluno uma viagem ao passado, e, adicionando a
ele outro recurso, permitirá ao professor abordar conteúdos
empregando estratégias diferenciadas, atingindo os objetivos
propostos. Atrelado a esses fatos ou episódios, nomenclatura
que iremos adotar, pode-se propor uma sequência de ensino
por meio de atividades ligadas a história preservando as expe-
riências manipulativas e visuais do estudante.
Nesse sentido, iremos propor sequências de atividades
construídas por meio do episódio histórico e do quadrinho, vi-
sando promover uma aprendizagem significativa e autônoma.
112
Percebemos que em ambos os dicionários, episódio tem
sua finalidade relacionada a aspectos culturais voltados para a
ação. Dessa maneira, iremos adotar como episódio uma nar-
rativa que apresente um acontecimento solto ou fato isolado,
relacionado com uma série de outros fatos. Ele pode ser cons-
truído de diversas maneiras: na forma de um texto curto, num
vídeo produzido, em uma peça teatral, em forma de uma pa-
ródia ou música, ou mesmo em uma história em quadrinhos.
Um episódio ocorrido na história da matemática é um
fato que conta uma descoberta matemática em uma extensão
menor, podendo ser uma história ou estória, verdade ou fic-
ção, que mostre um momento em que a sociedade teve ideias
que deram forma a nossa cultura e ao seu desenvolvimento.
Nesse sentido, um episódio de história da matemáti-
ca pode estar presente na sala de aula de diversas formas. Ele
pode ser apresentado de forma lúdica e com problemas curio-
sos, como uma fonte de pesquisa, como introdução de um
conteúdo ou atividades. Também podemos apresentar a mate-
mática de uma forma mais filosófica, com atividades diferen-
ciadas que vão além de exercícios de memorização e fórmulas,
que possibilita ser vista de uma forma mais contextualizada.
O uso do episódio ajuda a fazer uma integração entre
conteúdos de matemática e outras disciplinas, uma vez que
acompanha o desenvolvimento da sociedade, pois ele mostra a
forma na qual os homens construíam suas ideias, devido uma
necessidade prática, cultural, econômica, política ou social.
Corroborando com D’Ambrósio (1999, p. 97), “acredito que
um dos maiores erros que se pratica em educação, em particu-
lar na Educação Matemática, é desvincular a Matemática das
outras atividades humanas”.
113
Essa relação entre episódios históricos e ensino de ma-
temática pode contribuir para uma experiência docente e dis-
cente no sentido de possibilitar mais ferramentas (recursos)
direcionadas ao ensino e a aprendizagem da matemática.
Assim sendo, vincular a Matemática com aconteci-
mentos que foram importantes no decorrer de sua história
pode torná-la mais viva, que não se limita a um sistema de
regras e verdades rígidas, mas é algo humano e envolvente. A
seguir, apresentaremos alguns episódios construídos com fatos
ocorridos durante a história da matemática.
114
Dentre as formas de inserção do uso de quadrinhos nas
aulas de matemática podemos contabilizar pelo menos quatro
delas: a construção de quadrinhos com os alunos, a própria
confecção do quadrinho pelo professor, utilizar quadrinhos
expostos nas mídias ou utilizar quadrinhos confeccionados
para o fim educacional.1
Nas duas primeiras alternativas um elemento dificul-
tador seria a técnica de construir o quadrinho. Embora exis-
tam vários vídeos disponibilizados na internet para ajudar a
ultrapassar esse obstáculo, ainda assim é um fato que pode
retrair o uso desse possível recurso metodológico.
Nossa experiência com a utilização do quadrinho no
ensino de matemática voltado principalmente para a forma-
ção inicial de professores nos tem mostrado que já não é uma
barreira o não saber desenhar. Dependendo do que será pro-
posto um “bonequinho com a cabeça grande e com o corpo
e pernas feitos de pauzinhos” já é o suficiente para empregar
esse recurso. Na figura 2 apresentamos uma tirinha de traçado
simples do renomado Luis Fernando Veríssimo:
115
Entretanto, mesmo com a habilidade para o desenho
ou com a falta dela, sem um roteiro bem elaborado, dificil-
mente obteremos êxito no produto desenvolvido. O roteiro
de uma tirinha é uma ferramenta necessária para o desenvol-
vimento da história na qual irá ser apresentada, tendo ele a
função de passar uma mensagem de forma clara e específica.
Ele é um guia no qual leva o criador da tirinha a não
se perder do conteúdo que está sendo programado. Ele deve
ser bem elaborado e seguir alguns passos, contendo pontos
que jamais poderão ser esquecidos para a elaboração da tira.
Um dos pontos que é essencial para um tirinha bem feita é a
escolha da história.
Nesse sentido, podemos relacionar o roteiro da tirinha
com o episódio discutido anteriormente. O episódio, já cons-
truído, facilita o processo de criação do quarinhos, pois en-
tendemos que é a partir da uma história pronta que se define
melhor as ideias e os detalhes da narrativa que se pretende
criar. Dessa maneira é de extrema importância ter uma ideia
geral da história e o episódio servirá como suporte para a cria-
ção de um material.
116
artigos, revistas científicas, sites ligados a universidades, ou ou-
tros. Em relação à narrativa, não deve conter uma linguagem
“pesada”, nem ser longa, porém deve chegar ao leitor de forma
compreensível e direta.
Nossa sugestão é escolher temas que, no cotidiano es-
colar, apresentem dificuldade de aprendizagem para o aluno e
favoreçam ultrapassar alguns obstáculos epistemológicos his-
tóricos. Outro ponto é o título do episódio que deve estar em
consonância com o tema e o conceito desenvolvido.
Dessa maneira, construímos nossos primeiros episó-
dios pautados nos seguintes conteúdos: introdução ao sistema
de numeração, probabilidade, proporcionalidade, frações e
introdução às potências. As fontes utilizadas foram os livros
clássicos de história da matemática: Eves (2004), Katz (2010),
Boyer e Merzbach (2012) e Cajori (2007); sites de história da
matemática: MacTutor History of Mathematics2; vídeos produ-
zidos pela BBC - British Broadcasting Corporation e traduzidos
pela UNICAMP3 e a M3 - Matemática Multimídia4 desenvol-
vido pela UNICAMP.
A seguir, apresentaremos dois exemplos de episódios
construídos em conjunto com os quadrinhos confeccionados.
2 http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/.
3 Todos os vídeos estão disponíveis no canal do youtube da univesptv: https://www.you-
tube.com/user/univesptv.
4 O portal principal da coleção M³ Matemática Multimídia, que contém recursos educacionais
multimídia em formatos digitais desenvolvidos pela Unicamp: http://m3.ime.unicamp.br/.
117
Pastor de ovelhas... em uma necessidade de contar!
Há muito tempo, um pastor sentiu a necessidade de
controlar o seu rebanho. Ele percebeu que precisava saber a
quantidade de ovelhas que voltavam do pasto, então pensou:
“por que eu não utilizo pedrinhas para controlar o meu re-
banho?” Ele soltou suas ovelhas no pasto e para cada uma
que passava, ele colocava uma pedra dentro de um saquinho.
Quando o pastor ia buscar suas ovelhas, ele retirava do saqui-
nho uma pedra por ovelha que passava. Com esse processo, se
sobrassem pedras, ele ficaria sabendo que havia perdido ove-
lhas. Caso contrário, se tivesse pedras a menos, o pastor ficaria
feliz, pois teria ganhando mais ovelhas para o seu rebanho!
Dessa forma ele conseguiu manter o controle.
F
Figura 3 - Pastor de ovelhas... em uma necessidade de contar!
Sem contar... Não dá!
Fonte: Elaborada pelas autoras.
118
um problema: qual é a altura da grande pirâmide de Quéops
construída por volta de 2500 a.C. Partindo do princípio de
que existe uma razão entre a altura do objeto e o comprimento
da sua sombra, Tales teve uma brilhante ideia. Ele fixou uma
vara no extremo da sombra da pirâmide, surgindo assim, a
sombra da vara, formando triângulos semelhantes. Tales pôde
calcular a altura da pirâmide.
119
to e tornará as aulas do professor mais organizadas e alinha-
das as diretrizes atuais. Segundo Zabala (2008, p. 18) uma
sequência didática é “um conjunto de atividades ordenadas,
estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos
educacionais, que têm um princípio e um fim conhecido tan-
to pelo professor como pelos alunos”.
Dentro do campo da pesquisa, a sequência didática
pode ser encontrada na Teoria das Situações Didáticas de Guy
Brousseau (1986) e na segunda fase da Engenharia Didática
de Michele Artigue (1988)5 como elemento da análise a priori.
Segundo Teixeira e Passo (2013, p. 162):
120
que a atividade pode possibilitar, estruturando a construção
do conhecimento de modo a experimentar, a generalizar, a
abstrair, e a formar significados a partir dos conceitos estu-
dados.
Essas sequências, nesse estudo, elucidam uma escola
de concepção de aprendizagem do professor, uma vez que ele
reflete o modo de ver como os alunos se apropriam de um de-
terminado conhecimento matemático, a partir de atividades
organizadas e orientadas.
Partindo da elaboração dos episódios e da confecção
das tirinhas, propomos a construção de uma sequência didá-
tica com o objetivo de posteriormente aplicá-la na educação
básica. Utilizamos a estrutura de roteiro de atividade escolar
para facilitar a padronização. Dessa maneira alguns elementos
foram considerados: cabeçalho; objetivos do roteiro de ati-
vidade; providências para a realização das atividades; pré-re-
quisitos; descrição dos procedimentos; observações; material
utilizado; referências adicionais; descrição da atividade para o
professor e para o aluno.
No cabeçalho, consideramos importante conter eixo
temático, tema, tópico, título e ano. No que se refere ao eixo
temático, iremos utilizar o que os Parâmetros Curriculares
Nacionais definem como blocos de conteúdos: números e
operações; espaço e forma; grandezas e medidas; e tratamento
da informação. O tema é o conteúdo geral da sequência didá-
tica, enquanto o tópico é um subtema. O título é o nome da
atividade que deverá ser realizada e o ano é o nível escolar em
que o aluno pode desenvolver as atividades.
121
As demais sessões serão: objetivos do roteiro de ati-
vidade; providências para a realização das atividades; pré-re-
quisitos; descrição dos procedimentos; observações; material
utilizado; e referências adicionais.
Para as atividades, orientamos que na estrutura tenha
inicialmente um texto referindo-se ao professor, apresentando
o objetivo central e um resumo da atividade. Em seguida, que
seja apresentada a descrição da atividade para o professor e
para o aluno.
Na produção das sequências didáticas para os episódios
“Pastor de ovelhas... Em uma necessidade de contar” e “Tales
em... O desafio da pirâmide”, tivemos focos em segmentos
educacionais diferenciados: ensino fundamental I e ensino
fundamental II.
No primeiro episódio, “Pastor de ovelhas... Em uma
necessidade de contar”, tivemos como eixo temático: Núme-
ros e Operações; tema: Sistemas de numeração; tópico: Intro-
dução ao princípio de contagem; e ano: pode ser utilizado de
4o ao 6o ano. Os objetivos foram pautados em: Apresentar a
história da origem dos números; Mostrar a ideia de número e
numeral; Explorar diferentes representações para os números
decimais; Decomposição dos algarismos de base decimal.
O professor poderá iniciar a aula perguntando aos alu-
nos o que eles sabem sobre a história dos números, em segui-
da, entregará o episódio, Pastor de ovelhas... Em uma necessi-
dade de contar!. Posteriormente, o professor fará uma leitura
junto aos alunos e questionará que ideias eles extraíram. A
seguir, fará uma leitura do quadrinho e iniciará uma discus-
são sobre a importância dos números para a sociedade. Após
122
as leituras e discussões, o professor entregará aos alunos uma
atividade6 utilizando o modo de contagem correspondente a
esse episódio, no qual poderá usar pedrinhas ou outros itens
disponíveis em sala de aula.
Em relação às atividades propostas, sugerimos quatro,
mas iremos expor apenas uma delas.
Atividade
Após a reflexão da leitura do episódio e da tirinha, o
professor pode dar a ideia do que é número e como é chamado
e representado. Além de ficar ao seu critério mostrar aos seus
alunos outras formas de representação. Em seguida, o profes-
sor pode aplicar o exercício abaixo:
Considere o grupo de dedos de uma mão e o grupo das
vogais do alfabeto:
(I) (II)
123
Na tirinha “sem contar... não dá!” no primeiro quadro
do quadrinho, podemos observar a quantidade de ovelhas que
já estão no pasto. Em seguida, responda:
• Que nome você dá à quantidade de ovelhas do pri-
meiro quadro?
• Qual símbolo que associamos a quantidade de
ovelha?
7 Nesse momento o professor pode direcionar sua aula para a atividade 01 do roteiro.
124
Após a discussão, ele pode explicar o método pensado
por Tales para resolver o problema e indicar algumas ativida-
des teóricas, aplicada e experimental para os alunos realizarem
em sala ou em casa.
Sugerimos três atividades a serem trabalhadas sobre o
conteúdo, disponibilizamos também orientações para o pro-
fessor e para o aluno.
Atividade 01
Após a leitura e discussão do episódio e da tirinha, o
professor pode aprofundar mais um pouco sobre a história do
desafio da pirâmide. Em seguida, ele pode aplicar a atividade
abaixo:
1. De acordo com a tirinha, Tales teve outra ideia.
Que ideia foi essa? Como ele a executou? Com
ela, Tales conseguiu vencer o desafio? Em segui-
da o professor poderá dar início à parte teórica do
conteúdo.
2. Considerado que Tales foi desafiado a medir a pi-
râmide de Quéops e que hoje já sabemos que sua
medida original é de 149,9m de altura e sua base
tinha aresta 230,28m, desafio você agora a medir
o comprimento da sombra “Y” relativa à altura da
pirâmide, partindo do pressuposto de que a vara
tinha 2m e a sombra da vara tinha 3m.
Utilize como recurso a representação a seguir (Figura 6):
125
Figura 6 - Esquema de semelhança da pirâmide de Quéops.
Fonte: Elaborada pelas autoras.
126
Figura 7 - Esquema de semelhança da estátua de Iracema.
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Atividade 02
Após a leitura do episódio “Tales em... O desafio da
pirâmide”, realize uma experiência prática com os alunos, pe-
dindo para eles calcularem a altura do mastro da bandeira ou
posto da escola. Realize a atividade em um dia ensolarado,
pois é necessário ter a sombra dos objetos. Iremos precisar de
um bastão de madeira (cabo de vassoura e fita métrica).
Problema a resolver: Calcule a altura do mastro da
bandeira ou posto da escola. Para isso vocês podem utilizar
esse bastão de madeira e uma fita métrica, sem subir no poste.
Remonte os passos feito por Tales, personagem do episódio e
do quadrinho para resolver esse problema.
Ao final, o professor deve discutir as possíveis soluções
encontradas pelos alunos.
127
Atividade 03
Após a leitura e discussão do episódio “Tales em... O
desafio da pirâmide”, leve os alunos ao laboratório de infor-
mática da escola e apresente o objeto de aprendizagem: Me-
dindo Objetos através de Semelhança de Triângulos, disponí-
vel na página http://rived.mec.gov.br/atividades/matematica/
medindo_objetos/. Desenvolva com eles as etapas do objeto,
escolhendo como opção a cidade do Egito para realizar as me-
dições. Relembre com eles o episódio e a tirinha discutida na
aula e deixe-os resolverem as perguntas, orientando as dúvidas
quando surgirem. Essa atividade pode ser realizada em duplas.
Percebam que as atividades são, na maioria das vezes,
de forma questionadora e discursiva, direcionando a perspec-
tiva de educação atual, que mobilize o aluno a ser agente ati-
vo nesse processo, assim como questionador da sua própria
aprendizagem. Nossa intenção é suscitar uma iniciativa nessa
potencialidade didática e possibilitar ao professor a construção
de outras atividades em forma de vídeos, textos, histórias em
quadrinhos, entre outros.
Considerações Finais
A junção do estudo de episódios da história da mate-
mática com quadrinhos ainda é embrionário. Nossos primei-
ros estudos nos levaram a uma aplicação por meio de um cur-
so de extensão universitária ofertado no primeiro semestre de
2015 na Universidade Estadual do Ceará – UECE, intitulado:
“Utilizando a interfase dos quadrinhos para estudar história
da matemática” que objetivava propor roteiros de atividades
com quadrinhos confeccionados exclusivamente para inserir o
128
estudo da história da matemática, marcando assim nosso pri-
meiro contato com o assunto. A partir disso, buscamos funda-
mentações mais estruturadas que pudessem embasar pesquisas
futuras.
Percebemos que existe uma grande potencialidade nes-
sa proposta, porém precisamos ampliar o uso desse o material
e aplicar empiricamente com professores que estão atuando
em sala de aula e com seus alunos. Ressaltamos que o professor
deve apreender a proposta e assumir uma postura inovadora
ao trabalhar com o uso de episódios da história da matemática
com quadrinhos no ensino.
Dessa maneira, o professor pode confeccionar seus
próprios episódios e consequentemente seus quadrinhos para
qualquer conteúdo desejado e aplicar em algum momento de
sua aula: introdução, discussão, ou finalização de conteúdo
estudado; enunciado de exercícios ou provas; ou mesmo como
proposta de trabalhos interdisciplinar, feiras culturais, semi-
nários, etc.
Nossa pretensão é explorar mais esse assunto e fazer
chegar esse tipo de pesquisa às mãos dos professores, princi-
palmente para que proporcione diferentes recursos metodoló-
gicos para o uso na sala de aula.
Almejamos que se torne mais frequente o uso dos
quadrinhos nas aulas de matemática, não só como um
elemento motivador, mas como uma ferramenta didática
que articule diferentes domínios da Matemática, assim como
expor interrelações entre a Matemática e outras disciplinas.
129
Referências
BIANCHI, Maria Isabel Zanutto. Uma reflexão sobre a presença da
história da matemática nos livros didáticos. 2006. 103 f. Disserta-
ção (Mestrado) - Curso de Programa de Pós-graduação em Educação
Matemática, Matemática, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro-sp,
2006.
130
PEREIRA, Ana Carolina Costa. A utilização de quadrinhos no ensino da
matemática. In: PEREIRA, Ana Carolina Costa (Org.). Educação Ma-
temática no Ceará: os caminhos trilhados e as perspectivas. Fortaleza:
Premius, 2014, p. 28-39.
131
ANOTAÇÕES
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Tecnologia e Aprendizagem de Conceitos Matemáticos
a
Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira. CE. Brasil.
Universidade Federal do Ceará, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Virtual e PROATIVA. CE. Brasil.
b
c
Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação e Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática. CE. Brasil.
*E-mail: aires@virtual.ufc.br
Submetido em: maio - 2017
Aceito ago. - 2017
Resumo
Os avanços e a disseminação do uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) trouxeram novas perspectivas para a área da psicologia
e da educação matemática. Este artigo pretende discutir as abordagens usuais das tecnologias para a educação matemática e a aprendizagem de
conceitos matemáticos. Será abordado um histórico de como os primeiros softwares ligados à matemática contribuíram para o desenvolvimento
de pesquisas na área da psicologia da educação matemática, depois como essas tecnologias avançaram para concepções de desenvolvimento
de recursos que pudessem ser acessados pela Internet. Ainda será apresentado pesquisas que mostram novos rumos para a utilização destas
tecnologias em processo educacional interativo que propicia a produção de conhecimento individual e grupal em processos colaborativos
favorecidos pelo uso de ambientes digitais e interativos de aprendizagem.
Palavras-chave: Conceitos Matemáticos. Tecnologias da Informação e Comunicação. Psicologia da Educação Matemática.
Abstract
Advances and the spread of the use of information and communication technologies have brought new perspectives to psychology and
mathematics education. This article is discussed as usual approaches to mathematical education technologies and mathematical learning
concepts. A history of how mathematics software has contributed to the development of research in the field of mathematics education
psychology has been discussed, as technologies have advanced to the conceptions of resource development that could be accessed through the
Internet. Nevertheless, the results show that the new directions for the use of the technologies in interactive educational process that propitiates
a production of individual and group knowledge in collaborative processes favored by the use of digital and interactive learning environments.
Keywords: Mathematical Concepts. Information and Communication Technologies. Psychology of Mathematics Education.
apontar conexões entre o aprendizado dessa linguagem e o estudo de geometria nas figuras, mas principalmente o de
a compreensão de ideias matemáticas na Geometria e na levantamento e teste de conjecturas.
Álgebra (Hoyles & Sutherland, 1992, Hoyles & Noss, 1992, Trabalhos também foram desenvolvidos na Álgebra.
Abelson & Disessa, 1987, Noss, 1987). Hoyles e Sutherland Inicialmente foram realizado estudos com o uso de
(1992) pesquisaram como o ambiente LOGO proporcionou calculadoras gráficas. Estas permitiam a construção dinâmica
um ambiente capaz de simular experiências que seriam difíceis de gráficos, a partir de equações. Os estudos envolvendo as
se realizadas no lápis e papel. Além do mais, as atividades calculadoras gráficas mostraram ganhos na compreensão de
propostas envolviam professores e alunos em atividades conceitos de função (Kaput, 1992, Schwarz & Hershkovitz,
colaborativas de pensamento. Hoyles e Noss (1992) abordaram 1999). Esses estudos lançaram base para o desenvolvimento
como inserir conceitos do currículo da matemática através do de softwares que permitem múltiplas representações de
uso da Linguagem. Abelson e DiSessa (1987) propuseram o funções (principalmente equações, tabelas e gráficos), dentre
estudo de uma geometria própria, denominada de Geometria os quais pode-se citar o Function Probe (Confrey, 1996,
da Tartaruga, uma versão da geometria computacional, usada Confrey & Smith: 1992). Estudos apontaram diferentes
para trabalhar com diversos assuntos desde polígonos simples abordagens utilizadas pelos alunos na resolução de problemas
até fractais complexas. com o Function Probe que iam além do escopo inicial do
Estudos sobre o uso da Linguagem LOGO para o software (Confrey, 1994, Borba, 1993, Confrey & Maloney,
desenvolvimento de conceitos geométricos também foram 2008, Borba & Villareal, 2005).
desenvolvidos no Brasil. Magina (1988) investigou a Outro software com ambiente dinâmico que explora as
aquisição do conceito de ângulo em crianças de 2ª série1, em múltiplas representações é o SimCalc3, que utiliza o potencial
que diferentes grupos resolveram tarefas envolvendo ângulos das tecnologias como ferramenta de visualização interativa
usando ou não jogos com a linguagem LOGO. Os resultados e simulações ligadas às representações matemáticas, tendo
indicaram que o grupo que participou do treinamento com sido desenvolvido com o objetivo de democratizar ideias
jogos teve um desempenho superior nas tarefas de comparação matemáticas, muitas vezes inacessíveis devido às dificuldades
e estimação de ângulo. Meira (1987) analisou a influência que os estudantes possuem com a álgebra (Kaput, 1994).
de LOGO sobre o desenvolvimento do conceito de ângulo, O SimCalc possui diversos cenários (background) e
comparando-se sujeitos com e sem treino na linguagem. permite aos alunos interagir com objetos animados, cujo
Os resultados apontaram uso de geometrias em ação, que o movimento pode ser simulado e revisto pelo estudante
atuam semelhantemente aos Teoremas-em-ação propostos conforme feedback gráfico mostrado na tela do software.
por Vergnaud (1982) em sua teoria dos campos conceituais. Os resultados de estudos com o SimCalc apontaram que,
Essas pesquisas mostram como a linguagem Logo auxilia o ao utilizá-lo para criar animações, os estudantes passaram a
aluno a observar uma realidade e representá-la por meio da compreender conceitos pré-algébricos, como localização de
construção de sólidos comandando a tartaruga. números em quadrantes e interpretação de gráficos (Roschelle
O aumento da capacidade de realizar transformações & Kaput, 1996, Nickerson, Nydam & Bowers, 2000).
computacionais de forma dinâmica deu margem ao Esta seção mostrou como o desenvolvimento dos primeiros
desenvolvimento de softwares de construção geométrica, softwares proporcionou uma base para o conhecimento da
tais como Cabri-géomètre2 (Baulac, Belleiman & Laborde, contribuição da tecnologia no desenvolvimento de conceitos
1990) e Geometric Supposer. O desenvolvimento desses matemáticos, principalmente quando sua utilização permite a
softwares deu origem a uma área de estudos denominada de ligação entre múltiplas representações de um conceito e sua
Geometria Dinâmica. Ao usar tais softwares, os alunos podem manipulação (Gomes et al., 2002, 2003). Todos esses estudos
levantar e testar hipóteses sobre os desenhos construídos, a contribuíram para respaldar estudos na área da educação
partir de regras pré-estabelecidas, sem se preocupar com a matemática nos quais defendem que a aprendizagem de
imprecisão de desenhos feitos a mão. Além disso, é possível conceitos matemáticos deve envolver um conjunto de
que os estudantes verifiquem o que muda e o que permanece situações. Além disso, esses softwares podem trabalhar
constante quando uma transformação acontece. com diversas representações simbólicas que favorecem
Segundo Dennis e Confrey (1998), a geometria aos estudantes uma melhor compreensão das propriedades
dinâmica favorece o estabelecimento de relações entre dos conceitos, estabelecendo diferenças entre significados
geometria e álgebra, na medida em que compreendem que envolvidos nas situações (Vergnaud, 1990).
as representações geométricas de gráficos são consistentes Apesar dessas contribuições, muitos desses softwares são
com a experiência física geométrica. Hoyles e Jones (1988) de difícil assimilação tanto por parte dos professores como
defendem que a geometria dinâmica possibilita não apenas por parte dos alunos. Além disso, sua utilização nas escolas
enfrentou dificuldades técnicas, como contratar licenças, Com o surgimento da internet, esses OA puderam ser
instalar e utilizar esses programas. Ao final da década de armazenados em repositórios educacionais, os quais estão
1990, verificam-se grandes transformações nas concepções alinhados a uma perspectiva de aprendizagem aberta,
de desenvolvimento de recursos que pudessem ser acessados colaborativa e de apoio para que o professor possa desenvolver
pela internet, trabalhassem com conceitos específicos, práticas de utilização destes recursos (Silva, Café, & Catapan,
contextualizados, de fácil utilização e com baixo custo 2010).
de produção quando comparados a softwares educativos. Inicialmente a web tinha características limitadas, já que
Esses recursos receberam várias denominações até ficarem devido a sua estrutura estática, a participação do usuário
conhecidos como objetos de aprendizagem (OA) (Wiley, era reduzida, pois necessitava do domínio de linguagens
2000). Na próxima seção serão discutidas a linha de pesquisas de programação, estimulando o modelo emissor-meio-
em torno da utilização desses recursos. mensagem-receptor (Cormode, & Krishnamurthy, 2008).
Atualmente, devido às evoluções que vêm passando, tem
3 Objetos de Aprendizagem e Conceitos Matemáticos
como característica principal os canais colaborativos,
Uma série de pesquisas tem sido conduzida para identificar nos quais os usuários podem ser emissores e receptores,
a contribuição efetiva de OA na aprendizagem de conceitos alimentando a interatividade e a socialização, requisitando
matemáticos. Dentre estas pode-se citar o conjunto de estudos a necessidade de compreender como as mudanças sociais e
realizados com o OA Balança Interativa4, que visa introduzir também as pedagógicas são também propiciadas pelo seu uso.
conceitos algébricos como equação e incógnita (Freire, 2007, Por intermédio da internet, alunos e professores podem
Castro-Filho et al, 2008, Castro-Filho, Freire, & Fernandes, acessar e explorar diferentes recursos, acessar e publicar
2010). O OA usa uma metáfora da balança de dois pratos vídeos, construir páginas e blogs para registrar os resultados
com pesos conhecidos e desconhecidos para representar de projetos ou atividades desenvolvidas. Além do mais, a web
conceitos algébricos de forma icônica. O desafio é encontrar social, permite que essas atividades sejam compartilhadas,
o valor dos pesos desconhecidos, através de comparações apresentadas e comentadas para outros professores e alunos
com os pesos conhecidos. As atividades favorecem um de qualquer lugar do mundo.
suporte representacional para o desenvolvimento de conceitos Essas mudanças na Internet estão retratadas na próxima
algébricos, como a noção de incógnita. Essas constatações seção que discute a tendência atual de utilização das
também foram encontradas em outros estudos da área da tecnologias no ensino da matemática.
psicologia da educação matemática, no entanto, sem o uso
4 Panorama Atual da Tecnologia e Aprendizagem de
de tecnologias (Falcão, 2003, Lins & Gimenez, 2005). A
Conceitos Matemáticos
grande diferença nos achados com o Balança Interativa é a
possibilidade de integrar noções de equação e inequação em Na seção anterior, percebemos que a experimentação de
um mesmo contexto. OA pode permitir, aos alunos, reformular e rejeitar hipóteses,
Os resultados das pesquisas com esse OA têm mostrado lançar novas questões e constatar dúvidas em situações não
que os alunos desenvolvem diversas estratégias ao resolver previstas pelo professor. Sendo assim, pode-se observar
as situações problemas propostas. Além disso, apresentam que, nos últimos anos, o computador tem favorecido o
ganhos quando comparados com o uso de situações desenvolvimento e as experimentações matemáticas,
semelhantes usando uma balança de dois pratos real (Castro- potencializando formas de resolução de problemas e produção
Filho, Freire & Fernandes, 2010). Macêdo, Lautert & Castro- colaborativa. Tais recursos têm sido cada vez mais utilizados
Filho (2011) mostraram que os estudantes possuem melhores na escola para apoiar diferentes situações de aprendizagem.
desempenhos na resolução de problemas e equações algébricas No entanto, é preciso avançar em pesquisas que tragam
quando submetidos a uma sequência didática baseada no OA indícios de como a tecnologia pode contribuir na criação de
quando comparados aos estudantes de um grupo controle que ambientes de aprendizagem significativos e propícios para a
não usou o OA. produção coletiva.
Barreto e Castro-Filho (2008) investigaram como o OA Pesquisas como Castro (2012), Castro e Castro-Filho
Desafio Funções5 auxilia na aprendizagem de conhecimentos (2015) e Castro (2016), através desta cultura digital e dentro
sobre interpretação de gráficos. O OA trabalha com localização de uma linha sociocultural da aprendizagem, mostram
de pontos no plano cartesiano em situações envolvendo como a exploração de ferramentas da web e de dispositivos
despesas, receitas e lucros de uma empresa. A partir desse móveis, por exemplo, contribuem para o desenvolvimento de
contexto, os conceitos ligados a funções como crescimento e atividades em que os sujeitos constroem conceitos, resolvem
decrescimento puderam ser explorados em atividades de sala problemas e socializam soluções de forma conjunta.
de aula. Em pesquisa de intervenção realizada por Castro (2012)
investigou-se como um conjunto de atividades baseada no uso situações reais por meio de fotografias, textos, áudios, tabelas,
de OA e outras ferramentas da web, como blog, pode contribuir gráficos, desenhos, dentre outras formas de representação.
na aprendizagem de conceitos envolvidos no tratamento da O referido aplicativo também foi utilizado para incentivar
informação6 como construção e interpretação de gráficos de a interpretação de gráficos, sendo importante espaço para
barras e de setores. Para isso, os conceitos matemáticos foram a socialização de diferentes estratégias utilizadas pelas
inseridos em situações vinculadas ao cotidiano, relacionando crianças na interpretação. Segundo Castro (2016), as
os gráficos (de barras e de setores) ao conhecimento diário, atividades propostas na intervenção com o uso do WhatsApp
além da exploração de outros conhecimentos curriculares contribuíram para a construção de significados e para a
como Ciências, Língua Portuguesa, Geografia, História e produção de conhecimento, proporcionando o engajamento
Música. dos estudantes às atividades, o que pode ser constatado pela
Ao analisar o projeto Um Mundo de Informações7, mudança de postura e comportamento frente ao processo de
desenvolvido por Castro (2012), verificou-se a combinação aprendizagem.
de diferentes linguagens e tecnologias integradas ao currículo A produção dos vídeos também contribuiu para a construção
escolar, favorecendo a construção e compreensão de gráficos. de significados e um melhor entendimento conceitual, já que
Castro & Castro Filho (2015), ao analisarem o processo de durante o processo de produção, os grupos (re)definiam os
construção de notícias e o jornal digital produzido neste temas; (re)construíam a história que seria contada no vídeo;
projeto, ainda constataram o desenvolvimento do pensamento escolhiam personagens, dentre outros elementos, de modo
estatístico a partir de situações de coleta de dados, de a contextualizar e dar sentido a situação criada por eles. Os
classificação, de escolha da amostra, de cruzamento de grupos precisaram ter bem claro os aspectos matemáticos que
variáveis e da definição do gráfico; favorecidos pela mediação estariam nas situações criadas.
e a combinação de tecnologias. Podemos inferir que a forma Analisando estas atividades desenvolvidas por Castro
como as tecnologias foram usadas enfatizou a exploração dos (2016) durante intervenção, constata-se as possibilidades
dados, as simulações, as investigações de problemas com do uso de tecnologias digitais no contexto escolar, já que
dados reais e envolvimento dos alunos em ferramentas para proporcionou diversificação de experiências concretas,
o trabalho coletivo. propiciando a transposição dos conceitos estudados para
Castro (2016) realizou uma intervenção, explorando contextos reais, ou seja, vivenciados diariamente. Fazer
uma linha sociocultural de aprendizagem, por meio de um essa transposição significa explorar a matemática, não de
projeto intitulado Pensar, Conectar e Fazer8 com objetivo forma superficial e artificial, mas permitindo que adaptem
de investigar as contribuições de abordagens com o uso de os conceitos aprendidos a novos cenários. Essas atividades
tecnologias digitais no desenvolvimento do conceito de trouxeram reflexões sobre o desenvolvimento de um conceito
covariação9 presente nas estruturas multiplicativas. Dentre em um contexto sociocultural significativo similar ao que
as atividades mais relevantes, têm-se: (1) a construção Vygotsky (1990) encontrou em seus estudos sobre conceitos
e interpretação de gráficos com o software Geogebra; espontâneos e conceitos científicos.
(2) a criação de infográficos com o aplicativo Cacoo10; Estas pesquisas (Castro, 2012, 2016; Castro & Castro-
(3) discussões no aplicativo de mensagens instantâneas Filho, 2015) apresentam indícios que extrapolam o uso da
WhatsApp11; e (4) produção de vídeos. tecnologia para a visualização ou representação de situações
A combinação de tecnologias possibilitou a exploração em múltiplas representações, mas o entendimento do uso
de múltiplas representações de situações reais, criadas pelos de tecnologia para possibilitar a produção de conteúdo
alunos a partir de pesquisas em supermercados, mercados pelos estudantes, ampliadas com as novas características da
e outros contextos sociais. Os infográficos continham internet. Essa possibilidade de produção vai muito além da
representações icônicas, tabulares e gráficas e, em alguns exploração de informações contidas em sites para a realização
casos, textos; contribuindo para a interpretação e compreensão de um trabalho, pois as tecnologias amplificam as formas de
das relações de covariação. comunicação; de produção, de representação e, principalmente,
Outra ferramenta que incentivou descobertas dentro e, da integração de tecnologias que a web permite aos usuários.
fora da escola, foi o Whatsapp que possibilitou o registro de A exploração de ferramentas da web tem contribuído para o
6 Bloco de conteúdo dos Parâmetros Curriculares Nacionais que tem como um dos objetivos o desenvolvimento da transversalidade, do espírito cien-
tífico e da formação cidadã dos estudantes.
7 http://1mundodeinformacoes.blogspot.com.br.
8 http://pensar-conectar-fazer.blogspot.com.br/
9 Conceito que possui vínculo com o raciocínio multiplicativo, já que está ligado ao estabelecimento de uma relação fixa entre duas quantidades de
mesma natureza ou distinta e uma relação constante entre elas. Desta forma, a “covariação envolve a coordenação entre essas duas relações, funcionais
e escalares, já que, para compreender como a relação entre duas grandezas varia em conjunto, é preciso entender que a relação entre elas permanece
constante, ou seja, que a relação funcional é a mesma para esse conjunto de variáveis” (CASTRO, 2016, p. 209).
10 https://cacoo.com/
11 https://www.whatsapp.com/?l=pt_br
desenvolvimento de atividades em que os sujeitos constroem Barreto, A. L. O., & Castro Filho, J. A. O estudo de funções
conceitos, resolvem problemas e socializam soluções de mediado por um objeto de aprendizagem. In: Anais do II
Simpósio Internacional De Pesquisa E Educação Matemática
forma conjunta, permitindo a reflexão das diferentes situações – SIPEMAT. Recife: Universidade Federal Rural de
que surgem em determinados contextos. Pernambuco, 2008.
Baulac, Y., Belleiman, F., Laborde, J.-M. (1990). Cabri-
4 Conclusão
géomètre© [Programa de Computador]. Berlin: Cornelsen.
Os Estudos trazidos neste artigo apontam para um Borba, M. (1993). Students’ understanding of transformations
entendimento sobre como as tecnologias colaboram para of functions using multi-representational software. Ithaca:
um avanço na compreensão de conceitos matemáticos. Em Cornell University.
conjunto, os dados discutidos apontam que as tecnologias Borba, M. C., Villarreal, M. E. (2005). Humans-with-Media and
the Reorganization of Mathematical Thinking: Information
devem estimular o raciocínio matemático e a resolução
and Communication Technologies, Modeling, Visualization
de problemas de uma forma que os alunos possam utilizar and Experimentation. Springer Books.
diversas representações, compreender processos e resultados
Britto, M. R. F. (2011). Psicologia da Educação Matemática: Um
matemáticos. Devem ainda permitir aos alunos a exploração ponto de vista. Educar em Revista, 29-45.
de diversas vertentes como as orais e a escrita para interpretar, Castro Filho, J. A., & Freire, R. S. (2010) Fernandes, A. C.
compreender e apresentar não somente suas ideias, mas Development of Early algebra concepts through the use
também as ideias dos outros, participando de forma construtiva of digital learning objects. In: 34th Conference of the
International Group for the Psychology of Mathematics
e colaborativa com seus pares.
Education, 2010, Belo Horizonte. Proceedings of the 34th
O desenvolvimento da capacidade de comunicação e conference of the International Group for the Psychology of
utilização de diversas ferramentas da web pode ser considerada Mathematics Education.
um aspecto cognitivo importante para aprendizado de Castro Filho, J. A., Freire, R. S., Fernandes, A. C. & Leite, M.
conceitos matemáticos, uma vez que a matemática escolar A. (2008). Quando objetos digitais são efetivamente para
aprendizagem: o caso da matemática. In: XIX Simpósio
é um conjunto de iniciativas estruturadas e atividades
Brasileiro de Informática na Educação (SBIE), 2008,
matemáticas voltadas para a negociação, em contexto cultural Fortaleza. Anais do XIX SBIE. Porto Alegre: Sociedade
específico, a sala de aula. brasileira de Computação (pp. 583-592).
A aprendizagem é um fenômeno social, por isso atenta-se Castro Filho, J. A., Leite, M. A., Freire, R. S., & Macêdo, L.
para a importância que pesquisadores da matemática escolar N. (2008). O desenvolvimento de conceitos matemáticos e
científicos com o auxílio de Objetos de Aprendizagem. In:
possam avançar em ideias que explorem todo o potencial das
Lopes, C. R., & Fernandes, M. A. Informática na educação:
ferramentas da web como forma de trazer novos avanços e elaboração de objetos de aprendizagem. Uberlândia:
compreender a aprendizagem de conceitos matemáticos EDUFU.
nesses contextos. De acordo com esta perspectiva, conceitos Castro, J. B. (2016). Construção do conceito de covariação por
e representações matemáticas são construídos e comunicados estudantes do Ensino Fundamental em ambientes de múltiplas
representações com suporte das tecnologias digitais. Tese
em interações sociais e práticas culturais específicas, que são
(Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Ceará,
aspetos importantes para a aprendizagem matemática. Fortaleza.
A utilização de diversas ferramentas da web oportuniza Castro, J. B. (2012). A utilização de objetos de aprendizagem
o que Britto (2011) chama atenção sobre a aprendizagem de para a construção e compreensão de gráficos estatísticos.
conceitos matemáticos. Segundo a autora, o conhecimento Dissertação (Mestrado em Educação Universidade Federal
do Ceará).
deve ser construído pelo sujeito através de formas significativas
próprias a partir do estabelecimento de elos significativos Castro, J. B., & Castro Filho, J. A. (2015). Desenvolvimento do
pensamento estatístico com suporte computacional. Educ.
entre os materiais utilizados em sala de aula e os elementos já
Matem. Pesq., 17(5), 870-896,
presentes na estrutura cognitiva. Além do mais, para a autora,
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O “SETOR TRIGONAL” E O “SABER-FAZER” MATEMÁTICO NOS
SÉCULOS XVI E XVII
Fumikazu Saito
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
fsaito@pucsp.br
1 Introdução
Em 1650, John Chatfeild (fl. 1638) publicou um opúsculo intitulado The Trigo-
nall Sector. Este tratado, como muitos outros que saíram das prensas a partir do
século XVI, apresenta a descrição da construção e do uso de um instrumento
matemático para resolver problemas de ordem prática [Daumas, 1972; Hack-
mann, 1989; Turner, 1998].1 Denominado “setor trigonal”, este “instrumento
geométrico”, tal como Chatfeild o designou, propiciava estabelecer diferentes
relações encontradas entre os lados, os ângulos e as alturas de triângulos.
Sobre John Chatfeild, pouco sabemos. Segundo Taylor [1954, 236], com base
na informação encontrada no postcript desse tratado, observa que ele é conhe-
cido apenas por ter descrito o setor trigonal, vendido por Anthony Thompson
(fl. 1638–1665), um famoso fabricante de instrumentos que residia em Hosier
Lane, em Smithfield, Inglaterra. Além disso, embora o postcript mencione que
Chatfeild teria desenvolvido outro instrumento, denominado “esfera horográ-
fica” (Horographicall Spheare) — útil para se compreender a arte de medir o
1 Denominamos “instrumentos matemáticos”, aqueles concebidos para medir o que Aristó-
teles [1952, 9] denominava “quantidades” (distância e ângulos). Estudos a esse respeito podem
ser consultados em: [Bennett, 1991, 1998, 2003; Saito, 2012, 2013]. Sobre os praticantes de mate-
máticas, consulte: [Taylor, 1954; Bennett 1991, 2003; Hill, 1998; Higton, 2001; Mosley, 2009].
Por outras palavras, o instrumento possui três escalas “lineares” que se en-
contram divididas em 100 partes iguais. Essas escalas podem ser ajustadas uma
sobre a outra, ou seja, sobre os marcadores, tal como podemos observar na fi-
gura 3. Além disso, as lâminas do lado esquerdo e superior do instrumento
encontram-se marcadas em “graus” (a da esquerda até 45° e a superior, 90°).
Soma-se ainda, a inscrição de um quarto de círculo em seu interior, graduado
de 0 a 90°, cujo centro coincide com o centro do marcador do lado esquerdo.
E na superfície desse quarto de círculo são traçadas linhas paralelas ao “Raio”
(denominadas “linhas de plano”), isto é, à lâmina inferior, que se encontra gra-
duada de 1 a 10, tal como uma das escalas lineares. A distância dessas linhas pa-
ralelas corresponde exatamente às divisões da escala linear e são numeradas
de 1 a 10 como na figura 3.
O instrumento, dessa maneira, possibilitava “construir” nele diferentes tri-
ângulos pela simples sobreposição das lâminas móveis, tais como podemos
observar na figura 4. A construção desses triângulos, ou melhor a “representa-
ção de diferentes triângulos (retângulo, acutângulo, obtuso)”, tal como se refere
Chatfeild, parece ser a característica principal desse setor. Por meio da repre-
sentação de diferentes triângulos, o instrumento permitia realizar diferentes
tipos de cálculo.
O setor trigonal, como muitos outros do mesmo tipo fabricados naquela
época, era um instrumento que possibilitava realizar cálculos laboriosos. Em
seu tratado, Chatfeild descreve quatorze operações que poderiam ser executa-
das utilizando-se o instrumento.6 Essas operações incluem o cálculo de tan-
gente, de secante, de seno, de medidas de áreas de triângulos, divisão de nú-
meros, extração de raízes quadrada e cúbica etc. Entretanto, diferentemente de
outros setores comuns naquela época, que continham variadas linhas e escalas
(lineares, trigonométrica, de planos, de volumes, de polígonos etc.), o setor tri-
6 Chatfeild fornece em seu tratado quatorze instruções para manusear o instrumento. Vide:
[Dias e Saito, 2014].
Figura 4: Diferentes triângulos podem ser “construídos” por meio das lâminas
(figura nossa)
gonal parece ser um instrumento mais simples, visto que traz inscrito apenas
dois tipos de escalas: linear e angular.
Se considerarmos o frontispício da obra que anuncia que este instrumento
“. . . é muito mais adequado para resolver [problemas] em todos os triângulos
retângulos com maior facilidade e deleite. . . ” (figura 1), poderíamos concluir
que se tratava de um instrumento mais fácil e mais “prático” de ser manuseado,
comparado aos setores disponíveis a navegadores, astrônomos e agrimensores
naquela época. Contudo, uma primeira análise desse tratado revelou-nos que
o setor trigonal provavelmente nunca foi utilizado, efetivamente, pelos pra-
ticantes de matemáticas. Como veremos a seguir, embora seja possível rea-
lizar cálculos razoavelmente precisos com bastante facilidade, há indícios de
que esse instrumento era utilizado para iniciar os estudantes nas matemáticas,
principalmente ao estudo das propriedades dos triângulos, e instruir navega-
dores, agrimensores, e outros interessados em matemáticas no uso de setores.
2 Setores e compassos
O setor é um instrumento composto por “duas pernas” e geralmente é confun-
dido, por causa de sua semelhança, com o compasso de proporção (proportio-
nal compass), inventado no século XVI. A confusão de terminologia tornou-se
mais acentuada à medida em que novos atributos começaram a ser incorpora-
dos a esse instrumento. Alguns fabricantes de instrumentos ao longo dos sé-
culos XVI e XVII passaram a combinar alguns aspectos do setor aos compassos,
mantendo, entretanto, o mesmo nome.
Utilizados para realizar diversas operações aritméticas, principalmente
multiplicação e divisão, e também trigonométricas, os setores eram instru-
mentos muito úteis e populares até o século XVIII, quando então foram grada-
tivamente substituídos pelas réguas de cálculo [Hopp, 1999]. Esses instrumen-
tos surgiram numa época em que a navegação, a artilharia, a agrimensura e a
crescente exigência de cálculos mais sofisticados para atender os estudiosos de
filosofia natural e astronomia demandavam por métodos mais eficientes para
realizar cálculos bastante laboriosos.
Embora não se tenha notícias da origem dos setores, sabe-se que foram in-
ventados por diferentes fabricantes de instrumentos e praticantes de matemá-
ticas no século XVII. Estudiosos ingleses atribuem-no a Thomas Hood (fl. 1577–
1598), médico e fellow do Trinity College, Cambridge [Taylor, 1954, 179]. Hood
publicou, em 1598, um tratado intitulado The Making and use of the Geome-
tricall Instrument called a sector, em que descreveu o instrumento e os seus
diferentes usos, organizados em diversos “exercícios” [Hood, 1598].
Por outro lado, no continente europeu, a invenção do instrumento é atri-
buída aos italianos. De fato, o setor mais conhecido e famoso, certamente, é
o compasso geometrico e militare de Galileu Galilei (1564–1642). Esse instru-
mento, que não era um invento original, mas um aperfeiçoamento de antigos
compassos, foi dirigido para facilitar operações em problemas práticos de en-
genharia e de arquitetura militar. A esse respeito, é bem conhecido dos histo-
riadores da ciência a controvérsia entre Galileu e Baldassare Capra (1580–1626)
que alegou que Galileu o tinha plagiado [Drake, 1995, 120–121].
É difícil reconstruir as circunstâncias pelas quais Galileu e Hood desenvol-
veram seus instrumentos. Os setores têm por base técnicas e dispositivos an-
tigos que já eram bastante conhecidos e disseminados entre artesãos e alguns
filósofos naturais e matemáticos [Camerota, 2000]. Na península itálica, por
exemplo, encontramos a squadra de Niccolò Tartaglia (1499–1557), descrito em
Della nova scientia (1550) e Qvesiti et inventioni diverse (1554)7 . A squadra foi
utilizada por Tartaglia e pelos artilheiros para medir a inclinação do canhão de
modo a encontrar o melhor ângulo de disparo. Esse instrumento, que era uma
combinação de esquadro de carpinteiro com um quadrante (um quarto de cír-
culo) dividido em 12 arcos iguais, com um fio de prumo anexado ao seu vértice,
era bem conhecido por Galileu [Drake, 1995, 38]. Segundo Drake, Galileu te-
7 Consultamos a edição fac-símile organizada por Arnaldo Masotti [Tartgalia, 1959] e a edição
[Tartaglia, 1606]. A squadra encontra-se descrita em Tartaglia [1606, “Epistola”] e em Tartaglia
[1606, I, 8; 1558, I, 5r].
No que diz respeito ao setor de Hood, este parece ter sido inspirado pelo
instrumento em forma de um compasso plano e achatado encontrado na obra
de Petrus Ramus (1515–1572), intitulado Arithmeticae libri duo, publicado em
1569. Nessa obra, Ramus descreve um compasso com as pernas achatadas
nas quais se encontram inscritas escalas de medida [Ramus, 1569, I, 2]. Além
disso, o setor parece ter sido um instrumento bem conhecido dos pratican-
tes de matemáticas ingleses. Estudos em história da ciência têm revelado que
tanto Hood, quanto Edmund Gunter (1581–1616), conhecido professor de astro-
nomia de Gresham College entre 1619 e 1626, tinham conhecimento dele na-
quela época. Segundo Taylor [1954, 196], Gunter já havia publicado um tratado
em latim descrevendo o setor e seu uso por volta de 1607. Esse tratado teria
circulado pouco naquela época, diferentemente da versão em vernáculo, inti-
tulada Description and vse of the Sector, publicada em 1623, que ganhou ampla
repercussão.
Galileu e Hood utilizaram de forma intercambiável o termo “compasso” e
“setor”. Isso porque esses dois instrumentos se assemelhavam em vários as-
pectos e eram descritos em diferentes tratados dedicados à astronomia, nave-
gação, arquitetura, desenho e agrimensura. O que aproximava esses dois ins-
trumentos, entretanto, não era apenas a sua forma, mas também o propósito
para o qual foram desenvolvidos.
Um dos fatores que impulsionou o desenvolvimento desses instrumentos
foi a necessidade de encontrar meios para medir pequenas grandezas. Assim,
em meados do século XVI, compassos de proporção (proportional compass)
foram inicialmente concebidos para aprimorar os astrolábios e outros instru-
mentos utilizados na observação astronômica, permitindo medir com mais
precisão a mínima fração de grau [Camerota, 2000, 9].
É difícil também rastrear a origem desses compassos, mas pode-se dizer
que ele era muito utilizado por desenhistas e arquitetos, pois, além de ser útil
para reduzir ou aumentar as dimensões dos desenhos proporcionalmente, o
instrumento possibilitava inscrever polígonos regulares em círculos e calcular
as raízes quadradas e cúbicas de números.
No que diz respeito a sua composição, o compasso de proporção (propor-
tional compass) é constituído de “duas pernas” como um compasso comum.
Entretanto, o pino que une as “duas pernas”, que pode ser móvel ou não, era
localizado no centro do compasso (figura 6). Quando o compasso era aberto,
os dois pares de “pernas” (as de cima e as debaixo), se estendiam, permitindo
medir a distância entre dois pontos. Dependendo da posição do pino, a distân-
cia de dois pontos (os debaixo, por exemplo) encontrava seu correspondente
proporcional nos outros dois pontos (os de cima).
Embora fosse bastante versátil, o compasso de proporção (proportional
compass) era, entretanto, limitado. O instrumento tinha uso restrito, visto que
o fabricante não podia inscrever nele diferentes escalas, além daquelas permi-
tidas pelas estreitas “pernas”. Desse modo, ele foi modificado, mantendo, en-
tretanto, sua concepção básica, tal como mencionamos no caso do compasso
geometrico e militare de Galileu. Ou seja, as “duas pernas” do compasso foram
achatadas e receberem diferentes “linhas” ou escalas, permitindo-lhe realizar
diferentes operações aritméticas, tais como a multiplicação e a divisão.
Podemos dizer que a principal diferença entre o setor e o compasso de pro-
porção (proprotional compass) está no maior número de escalas que o setor
permite que nele se inscreva. Os dois instrumentos têm por base o princípio
da semelhança de triângulos, porém as diferentes escalas geométricas empa-
relhadas nas duas pernas do setor fazem dele um instrumento muito mais ver-
sátil.
Contudo, o setor também sofreu modificações, recebendo novas e diferen-
tes escalas e outros atributos ao longo ao século XVII. Surgiram variadas ver-
sões do instrumento que adotaram recursos adicionais com vistas a desenvol-
ver um instrumento universal que permitisse medir e realizar todos os tipos
de cálculo. O instrumento dessa maneira se tornou cada vez mais complexo
e sofisticado de modo que o seu manuseio passou a requerer conhecimentos
técnicos e matemáticos mais sólidos para poder operá-lo. Assim, é nesse con-
texto em que o uso de setores se disseminava entre os diferentes segmentos da
sociedade, requisitando cada vez mais recursos da arte de medir e de calcular,
que o setor trigonal de Chatfeild deve ser compreendido.
3 O setor trigonal
Como já mencionamos, há fortes razões para supor que este instrumento foi
concebido para instruir navegadores, agrimensores e outros interessados em
São várias as razões que nos faz suspeitar que o setor trigonal era um ins-
trumento utilizado para introduzir o agrimensor, astrônomo ou navegador no
uso do setor. Um dos primeiros indícios é a inexistência (pelo menos até o
momento) do instrumento em museus. Muitos setores sobreviveram e estão
depositados em museus ou fazem parte de coleções particulares. Isso parece
indicar que este instrumento, se foi construído e efetivamente utilizado, não
sobreviveu porque não era comum utilizá-lo. Isso não significa, entretanto,
que ele não tenha sido fabricado. Provavelmente, foi construído e utilizado
por aqueles que buscaram instrução na obra de Chatfeild para aprender a ma-
nusear setores, tal como o de Gunter, por exemplo. Assim, não seria forçoso
afirmar que o Trigonall sector de Chatfeild era uma espécie de livro-texto.
Convém aqui observar, entretanto, que devemos tomar o cuidado de não
considerar o Trigonall sector como um “manual faça-você-mesmo”, visto que
os diferentes tratados publicados até o século XIX não eram ainda manuais
práticos [Saito, 2012; Saito e Dias, 2011; 2013]. Além disso, é importante ter em
mente que naquela época os livros não eram acessíveis a qualquer pessoa, nem
se encontravam dispostos em uma prateleira tal como os encontramos nas li-
vrarias nos dias de hoje. Os livros eram encomendados ao livreiro, o que signi-
fica que o leitor do Trigonall sector fazia parte de um público que conhecia as
potencialidades do instrumento.
De fato, o tratado era vendido na oficina de Anthony Thompson (fl. 1638–
1665), um famoso fabricante de instrumento em Londres naquela época. Se-
gundo Taylor [1954, 220–221], Anthony sucedera John Thompson (fl. 1609–1648)
que, segundo Set Patridge (1603–1686), outro bem conhecido agrimensor e pra-
ticante de matemáticas, era o artífice de Samuel Foster (fl. 1619–1652), professor
de geometria no Gresham College em 1648. Além disso, Anthony esteve envol-
Considerando-se que o raio (a lâmina fixa inferior) tem 100 partes e que o
ângulo de abertura do setor (lâmina que se move) é, por exemplo, 45°, a tan-
gente pode ser encontrada na lâmina do lado esquerdo, assim como a secante,
conforme figura 8.
No caso do ângulo de abertura do setor exceder os 45°, Chatfeild instrui
que é necessário tomar o seu complemento para poder encontrar a tangente e
a secante:
8 Cf. [Chatfeild, 1650, 9–10].
4 Considerações finais
Para concluir, queremos observar que o nome John Chatfeild pode ser um
pseudônimo embora nada possamos afirmar a esse respeito. Entretanto, isso é
de pouca relevância. O que temos que considerar é o fato de que a publicação
do Trigonall sector atendia a crescente demanda por técnicas que permitissem
realizar operações cada vez mais laboriosas. No que diz respeito ao conheci-
mento matemático, esse instrumento mobiliza diferentes conceitos geométri-
cos (e trigonométricos), bem como aritméticos. A aproximação entre grande-
zas geométricas e aritméticas é assim um aspecto que necessita ser melhor ex-
plorada, visto que naquela época essas duas expressões da matemática eram
consideradas distintas. Além disso, atenção especial deve ser dada à ordem
dos assuntos que nos revela um conjunto de ideias que pode nos dar acesso à
organização dos conteúdos matemáticos daquela época. Se o tratado era des-
tinado aos aprendizes, a sequência e a organização dos assuntos pode reve-
lar outros aspectos interessantes da construção do conhecimento matemático
seiscentista. Dentre esses aspectos é necessário considerar a aproximação en-
tre a geometria e aritmética na resolução de problemas ligados ao cômputo dos
números. Do ponto de vista epistemológico, esse setor aponta para uma nova
noção de “cálculo” (ou logística, como era mais conhecido), preparando o ca-
minho que se desdobraria nas concepções de base das máquinas aritméticas
de calcular e nas réguas de cálculo a partir do século XVII. Diferentemente de
um “ábaco”, o setor trigonal sintetiza não só o conhecimento matemático com-
partilhado por eruditos e práticos, mas também o seu movimento no contexto
da ciência moderna. O setor trigonal é um dos belos exemplares que ilustram
o processo de difusão e apropriação de conhecimentos de diferentes ordens
na medida em que veicula diferentes saberes no “saber-fazer” matemático de
uma época.
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