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APOSTILA

SEMESTRE
2022.1
REALIZAÇÃO APOIO
GRUPO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA - JUNIOR
CALENDÁRIO DE REUNIÕES 2022.1
Dia/Horário: Terça às 17h
Local: LABMATEN/UECE e Zoom

As reuniões do GPEHM Junior têm o intuito de complementar a formação inicial e


continuada do professor de matemática, assim como, contribuir com a formação dos
licenciandos em matemática por meio de discussões sobre as pesquisas em educação
matemática desenvolvidas no âmbito nacional e internacional.

CRONOGRAMA DE REUNIÕES

DATA Evento Local


09.03 XIV Jornada de Estudos do GPEHM Híbrido
15.03 Introdução as reuniões do GPEHM Junior 2022.1 UECE/Zoom
MARÇO

Discussão do Texto: SILVA, Circe; SANTOS-WAGNER, Vânia


dos. O que um iniciante deve saber sobre a pesquisa em
29.03 educação matemática? Caderno de Pesquisa do Programa de UECE/Zoom
Pós-Graduação em Educação da UFES, n. 10, p. 10-23, 1999.
(Baixe Aqui)
Discussão do Texto: VALENTE, W. R. Quem somos nós,
05.04 professores de matemática? Cad. Cedes, Campinas, v. 28, n. UECE/Zoom
74, p.11-23, jan. /abr. 2008. (Baixe aqui)
11 e 12/04 V Seminário Cearense de História da Matemática Híbrido
ABRIL

Discussão do Texto: PEREIRA, A. C. C.; PINHEIRO, A. C. M.;


SANTOS, J. N. DOS. A concepção de laboratório de
19.04 matemática de licenciandos: repensando conceitos, uso e UECE/Zoom
formação. Educação Matemática em Revista, v. 26, n. 73, p.
24 - 43, 30 dez. 2021. (Baixe Aqui)
Discussão do Texto: PEREIRA, A. C. C.; SANTIAGO, L. A.;
MORAIS, W. M.. O uso de episódios históricos no ensino de
matemática: uma sequência didática utilizando quadrinhos.
03.05 UECE/Zoom
In: PEREIRA, A. C. C.; CEDRO, W. L. (org.). Educação
MAIO

matemática: diferentes contextos, diferentes abordagens.


Fortaleza: EdUECE, 2015. p. 108-131. (Baixe aqui)
Discussão do Texto: CASTRO-FILHO, J. A. de; FREIRE, R. S.;
CASTRO, J. B. de. Tecnologia e Aprendizagem de Conceitos
17.05 UECE/Zoom
Matemáticos. Jornal Internacional de Estudos em Educação
Matemática, [S.L.], v. 10, n. 2, p. 93, 31 ago. 2017. (Baixe Aqui)
Discussão do Texto: SAITO, F. O “setor trigonal” e o “saber-
fazer” matemático nos séculos XVI e XVII. In: ENCONTRO
07.06 LUSOBRASILEIRO DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, 7, 2014, UECE/Zoom
JUNHO

Óbidos (Portugal). Anais [...] Lisboa: Sociedade Portuguesa de


Matemática, 2018a, 2 vol. v. II, p. 191-210. (Baixe Aqui)
Apresentações GPEHM
21.06 UECE/Zoom
Devolutiva das Reuniões do GPEHM 2022.1
28.06 Arraiá do GPEHM Pracinha do CED
Obs. Os textos estarão disponíveis na sede do GPEHM e/ou nos sites veiculados as
revistas e livros.
REFERENCIA: SILVA, Circe; SANTOS-WAGNER, Vânia dos. . O que um iniciante
deve saber sobre a pesquisa em educação matemática? Caderno de Pesquisa do Programa
de Pós-Graduação em Educação da UFES, n. 10, p. 10-23, 1999.

O QUE UM INICIANTE DEVE SABER SOBRE A PESQUISA EM EDUCAÇÃO


MATEMÁTICA?

Circe Mary Silva da Silva

Vânia Maria Pereira dos Santos-Wagner

Resumo

Este texto traz algumas reflexões para orientar os caminhos a serem seguidos por um
investigador iniciante em Educação Matemática. Chamamos a atenção para a dicotomia entre teoria e
prática e a necessidade de sua articulação. Escolhemos as perguntas discutidas na Conferência de
Estudos do ICMI em Washington, em 1994, como norteadoras do presente artigo. Apresentamos uma
lista de questionamentos orientadores de um projeto de pesquisa e apontamos as principais linhas de
pesquisa no Brasil, identificadas por Fiorentini (1993). A seguir, colocamos algumas sugestões para
serem incorporadas em cursos de formação inicial e continuada de professores de Matemática, bem
como mencionamos a necessidade de socialização do saber produzido nas pesquisas.

Palavras-chave: Pesquisa em Educação Matemática, formação de pesquisador, formação de


professores.

Neste artigo, queremos compartilhar algumas reflexões sobre a preparação de um pesquisador


em Educação Matemática. Tem sido muito difícil para o professor que atua na escola do ensino
fundamental, médio e mesmo superior tornar-se um professor pesquisador. Para aqueles que aspiram a
ingressar num curso de pós-graduação, quer seja stricto sensu ou lato sensu, não se constitui numa
tarefa fácil elaborar um projeto de pesquisa nem tornar-se um investigador. Discute-se muito sobre as
dificuldades do ensino e sobre as necessidades de sua melhoria. As revistas divulgam artigos cada vez
mais especializados, com termos desconhecidos para a maioria dos professores, e comentam
resultados interessantes que parecem que dão certo. Porém, esses estudos ficam cada vez mais
distantes da prática de sala de aula e não oferecem ao professor idéias concretas. Esse professor
também aspira a um ensino mais eficaz e atraente, mas sente-se muitas vezes impotente por não
compreender nem perceber a relação dessas pesquisas com a sua prática docente.

Como aproximar esses dois mundos tão distantes da teoria e da prática? Como aproximar o
pesquisador do professor em sala de aula? Essas questões não são nada simples e não acreditamos ter
um caminho pronto e definitivo no momento. Todavia, estamos conscientes, como pesquisadores, de
que é nosso dever fornecer ao professor informações básicas para que ele possa dar os primeiros
passos na direção da pesquisa em Educação Matemática. É possível preparar um professor-
investigador de sua prática docente que articule as informações da teoria com a sua prática.

Se olharmos para nossa própria formação profissional e prática, percebemos que foi necessário
um longo tempo para o aprendizado na pesquisa. O olhar do professor e o do pesquisador não são
exatamente o mesmo. Enquanto professor, procurávamos entender e tentar resolver os dilemas
diretamente ligados ao processo de ensino e aprendizagem de Matemática. As tentativas de resolução
dos problemas de sala de aula baseavam-se principalmente na intuição e experiência prática. Não
possuíamos uma sistematização e não dispúnhamos de metodologia de trabalho adequada, quer seja
para registrar, quer seja para analisar e entender o fenômeno de ensino. Com esse olhar intuitivo e sem
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sistematização do que observávamos em aula, perdemos muitas oportunidades de aprender com nossa
prática.

Os estudos de pós-graduação nos forneceram os meios necessários para repensar e analisar


nossa prática docente e nos apontaram caminhos novos para o mundo da investigação. Pai ram no ar
ainda algumas perguntas: que questões podem ajudar ao iniciante a refletir sobre o que é a Educação
Matemática? O que envolve a pesquisa nesse campo de saber? Que conhecimentos iniciais sobre a
área de Educação Matemática no Brasil e no mundo precisam ter um investigador iniciante? Como e
em quanto tempo preparar um professor para começar a fazer investigações em Educação Matemática?
(Santos, 1997).

Acreditamos que um passo inicial pode ser dado, se olhar mos o que pesquisadores da área
estão pensando sobre o assunto. Esses questionamentos e outros têm preocupado a comunidade
científica nas últimas décadas. Escolhemos as perguntas discutidas na Conferência de Estudos do
ICMI em Washington, em 1994, como norteadoras da presente reflexão. As questões são:
1. Qual é o objeto específico de estudo em Educação Matemática?
2. Quais são os propósitos (os objetivos) da pesquisa em Educação Matemática?
3. Quais são as perguntas específicas de pesquisa ou quais são as problemáticas de pesquisa
em Educação Matemática?
4. Quais são os resultados de pesquisa em Educação Matemática?
5. Quais são os critérios que devem ser usados para avaliar (apreciar) os resultados de
pesquisa em Educação Matemática?
Começaremos refletindo sobre a primeira pergunta que é crucial para a área de Educação
Matemática e que diz respeito a sua caracterização enquanto domínio de conhecimento.

Qual é o objeto especifico dos estudos em Educação Matemática?

Percebe-se mundialmente que o foco de interesse da Educação Matemática dirige-se ao


estudo:
• do ensino da Matemática;
• da aprendizagem da Matemática;
• das situações de ensino-aprendizagem da matemática; das situações didáticas;
• a das relações entre o ensino, a aprendizagem e o conhecimento matemático;
• da avaliação em Matemática;
• da realidade das aulas de Matemática; a das visões de Matemática da sociedade;
• dos sistemas educacionais;
• das concepções e atitudes de professores e alunos.

Claramente, o objetivo último da pesquisa é a melhoria da aprendizagem de Matemática.


Mesmo que não haja consenso entre os pesquisadores sobre a questão acima, algumas tentativas de
responder foram apresentadas num dos grupos de trabalho do ICMI- Study, na Conferência “What is
Research in Mathematics Education and what are its results? [que é a pesquisa em Educação
Matemática e quais são seus resultados], que aconteceu em Washington, DC, em maio de 1994
(Sierpinska e Kilpatrick, 1998) . Para ilustrar as posições dos pesquisadores, selecionamos algumas de
suas falas:

• Um dos objetivos específicos do estudo da Educação Matemática é a transformação ou


adaptação do conhecimento matemático para as diferentes instituições de ensino, de um ponto
de vista descritivo e prescritivo (Godino,Espanha, p.13).
• A Educação Matemática como uma disciplina científica tem que iniciar das inter-relações
entre o conhecimento matemático e as demandas sociais (contextos, exigências, etc.). Tem-se
que perguntar quais são as perspectivas teóricas desse conhecimento ‘socialmente
contextualizado’ que leva em conta sistematicamente a relação dialética. O problema não é
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reduzir o aspecto social ao aspecto do conhecimento matemático nem vice-versa e, portanto a


questão é. como se pode operacionalizar tal perspectiva na pesquisa? (Steinbring, Alemanha,
p.l 3).
• O objetivo último [Educação Matemática] é a melhoria da aprendizagem de Matemática.
Entretanto, como pesquisadores, nós estamos produzindo conhecimento (sobre como as
pessoas criam matemática para elas próprias) e, como educadores, nós estamos induzindo
certo conhecimento aos outros. Portanto, nós temos que enfrentar a questão crucial: o que é
conhecimento, e em particular; o que é conheci mento matemático para nós?Aqui nós nos
encontramos presos entre dois paradigmas incompatíveis: o paradigma das ciências humanas
(ao qual nós pertencemos enquanto pesquisadores de Educação Matemática) e o paradigma da
Matemática. Esses dois são completamente diferentes: enquanto a matemática é um baluarte
de objetividade, de clara distinção entre Verdadeiro e Falso (para matemáticos no mínimo),
não existe nada semelhante a isso para nós. Para nós, matemática é um conhecimento social,
construído intersubjetivamente. ... Mas nós temos uma sensação um tanto esquizofrênico entre
esses dois paradigmas por causa de nossa obrigação de ensinar matemática que que nos torna
de algum modo dependentes de filosofias de matemática sustentadas pelos matemáticos.
Portanto, nós devemos tornar o problema explícito e curar a doença deixando claro onde nós
estamos com respeito ao questionamos sobre o conhecimento matemático (Sfard, Israel, p.
14).

Percebe-se, a partir da leitura dessas falas, a diversidade de enfoques e a complexidade da


tarefa de definir o objeto da Educação Matemática. Enquanto Steinbring chama a atenção para a
questão do contexto social e d suas exigências, Sfard deixa bem clara a necessidade de explicitarmos o
que entendemos por conhecimento matemático e a situação de estarmos na interface entre dois
paradigmas incompatíveis. Godino, por sua vez, remete-nos à questão da transformação do
conhecimento matemático para a instituição escolar. Não podemos esquecer o que a escola quer e do
que precisa em termos de conhecimento matemático, com relação à existência de paradigmas e ao
contexto social.

Quais são os objetivos das pesquisas em Educação Matemática?

Tendo delineado a complexidade que envolve o objeto de estudo em Educação Matemática,


passamos a refletir sobre os objetivos das pesquisas nessa área. Os objetivos podem ser classificados
em dois grandes grupos: os pragmáticos e os teóricos. Os primeiros estão diretamente vinculados à
prática de ensino, enquanto os segundos estão preocupados com o desenvolvimento da área de
Educação Matemática como campo de pesquisa científica. Assim sendo, ao primeiro grupo pertencem
as pesquisas que se desenvolvem apoiadas em teorias e ao segundo estariam ligadas as investigações
que procuram gerar teorias.

Não podemos esquecer que satisfazer a curiosidade do pesquisador sobre alguma situação é
um objetivo importante de qualquer pesquisa. É essa curiosidade que funciona como um motor
propulsor para a compreensão da situação. Em muitos casos, os estudos envolvem o ensino e
aprendizagem da Matemática em sala de aula. Nesse sentido, é uma grande expectativa do pesquisador
poder contribuir para uma melhor compreensão da situação e melhorar assim a prática escolar. Para
atingirmos uma compreensão de qualquer situação educacional, é necessário considerarmos a
diversidade de aspectos que influem no estudo. Para ilustrarmos, usamos um esquema extraído do
livro Mathematics education as a research domam: a search for identity, p. 17.
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Figura 1: aspectos a considerar sobre os objetivos de um estudo.

Cada um desses aspectos precisa ser levado em conta quando formulamos os objetivos de uma
investigação. Mesmo havendo diversidade de objetivos, os estudos precisam e devem focalizar a
Matemática. Todavia, é necessário termos bem clara a diferença entre a natureza da pesquisa em
Educação Matemática de uma pesquisa em Matemática, quer pura ou aplicada.

Quais são as perguntas especificas da pesquisa ou as problemáticas da pesquisa em Educação


Matemática?

Educação Matemática está entre os cruzamentos de várias áreas de domínios científicos bem
estabelecidos, tais como: Matemática, Psicologia, Pedagogia, Sociologia, Epistemologia,
Antropologia, Ciência Política, Ciência da Cognição, Semiótica, e Economia, e pode estar preocupada
com problemas que são provenientes desses domínios. Existem dois tipos distintos de questões:
aquelas diretamente ligadas à prática de ensino e aquelas geradas pela pesquisa. Em relação à primeira
questão, listaremos dois exemplos:
• Como motivar os estudantes a aprender um determina do tópico de Matemática?
• Como identificar as dificuldades de aprendizagem dos alunos?

Em relação ao segundo tipo, temos como exemplo: a questão de classificar dificuldades


tentando ver qual seria a sua abrangência, ou a questão de localizar suas origens ou construir um
esquema teórico para analisar as dificuldades.

Uma forma de articular a teoria com a prática seria refletir mos sobre a natureza de dois tipos de
conhecimento: o conhecimento teórico da comunidade de pesquisadores e o conhecimento prático útil
para professores e alunos. Precisamos pensar e refletir sobre as relações existentes entre eles e
procurar, se possível, um corpo de conhecimento que articule ambos.

Quais são os resultados da pesquisa em Educação Matemática?

Enquanto a pesquisa no campo da Matemática envolve abstrações e generalizações que podem


ser realizadas por métodos dedutivos ou indutivos, a pesquisa em Educação Matemática “não
demonstra teoremas” e usa métodos das ciências sociais humanas (Kilpatrik, 1996). Qualquer
resultado é relativo a uma problemática, à fundamentação teórica na qual direta ou indiretamente está
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baseado o trabalho e à metodologia através da qual o resultado foi obtido. Essa relatividade de
resultados, embora seja de senso comum nas ciências, é esquecida quando se realizam pesquisas
(Sierpinska e Kilpatrick, 1998, p.7). Além disso, esses autores comentam que, em Educação
Matemática, procura-se compreender, levantar constatações e sugerir caminhos. Essas constatações
não são verdades absolutas e podem ser diferenciadas em dois tipos. Existem constatações baseadas
em observações experiências desenvolvidas a longo prazo e outras fundamentadas em estudos que
foram planejados essencialmente para levantar esses dados.

Que critérios deveriam ser usados para avaliar os resultados de pesquisa em Educação
Matemática?

Antes mesmo de iniciarmos a elaboração de um projeto de pesquisa, já deveríamos nos


preocupar com as questões de validade, de relevância, de objetividade e/ou subjetividade, entre outras.
O pesquisador deve começar a levantar os seus próprios critérios de validade e de apreciação do
estudo que pretende implementar. Deixar que o estudo seja apreciado e julgado a posteriori pela
comunidade científica é um passo tardio nessa jornada. Por outro lado, enquanto comunidade,
precisamos estabelecer algumas normas para a apreciação de nossa pesquisa. Alguns pesquisadores já
procuraram estabelecer alguns critérios para discutir a qualidade e a relevância da investigação na
área. Kilpatrick (1996) comenta que, em 1993, Sierpinska e ele próprio listaram oito critérios comuns:
relevância, validade, objetividade, originalidade, rigor e precisão prognóstico, reprodutibilidade e
relacionamento. Esses critérioS eram freqüentemente aplicados em ciências naturais, mas precisamos
pensar sobre a relevância ou não dos mesmos para a área educacional. Assim sendo, sugerimos a
leitura dos textos já relacionados desses autores nas referências, para um maior aprofundamento e
compreensão dos critérios e das reformulações.

Antes de continuarmos com nossos argumentos sobre os passos que um iniciante deve seguir,
apresentamos algumas perguntas que podem auxiliar no processo de planejamento de uma
investigação. Em cursos de licenciatura, de especialização para professores e pós-graduação, Santos
(1994, 1997) tem feito com os iniciantes em trabalhos de investigação questionamentos do tipo:
• Por que é relevante e importante fazer esta investigação?
• O que eu já sei sobre este tema a partir de minha experiência como aluno e/ou como
professor?
• Que motivação eu tenho para fazer esta investigação?
• O que já foi investigado sobre este tema?
• Como foram desenvolvidas estas investigações? Existem aspectos desses trabalhos com os
quais eu concordo? Quais aspectos são esses e por que eu concordo com eles? Existem
aspectos dos estudos já realizados dos quais eu discordo? Quais são esses aspectos e por que
isso ocorre?
• Afinal, o que eu quero investigar e que hipóteses e/ou idéias eu já tenho sobre a investigação a
ser realizada? O que eu quero de fato explorar, compreender, identificar, conhecer, verificar,
investigar?
• Que referencial teórico eu vou utilizar? O porquê dessa escolha?
• Que metodologia será útil para desenvolver o estudo? Essa metodologia poderá auxiliar a
responder às questões da investigação? O referencial teórico do estudo e a metodologia
planejada são compatíveis?

Como está sendo planejada a coleta e análise de dados no trabalho? Que critérios estão sendo
pensados pelo investigador para validar as análises e interpretações que serão feitas e verificar se as
mesmas poderiam ser reproduzidas em outros estudos?

• Como posso verificar se de fato respondi às perguntas da pesquisa?


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• Que implicações esta investigação poderá ter para a sala de aula de Matemática?
• Que implicações poderá ter para a área de Educação Matemática?

As respostas iniciais a essas questões e o seu refinamento ao longo da investigação permitem ao


investigador obter algumas evidências sobre a validade, a relevância, a reprodutibilidade e as
implicações do trabalho desenvolvido, dentre outras. Os iniciantes precisam pensar sobre essas
questões e outras que os auxiliem a elaborar o projeto de investigação. É necessário também que os
docentes envolvidos no processo de orientação de trabalhos de investigação conversem e discutam
com seus orientandos sobre essas questões, as respostas que estão sendo propostas e as possíveis
dificuldades que podem surgir durante o processo de implementação da pesquisa. Ao mesmo tempo,
os investigadores iniciantes precisam estar cientes de que os critérios de apreciação do trabalho que
irão elaborar estarão diretamente vinculados com o projeto que eles criarem. Se o projeto estiver claro,
se o problema de investigação estiver bem delimitado, se a metodologia escolhida estiver bem
fundamentada e adequada, se o plano de ação for viável, se a fundamentação teórica de fato oferecer o
suporte necessário para a problemática a ser investigada e para a análise das informações obtidas,
pode-se dizer que uma grande parte do caminho foi percorrido e a pesquisa está bem encaminhada.

Não podemos oferecer um manual nem uma bíblia para os que quiserem ingressar neste campo
da pesquisa, mas procuramos lançar algumas luzes nesse túnel às vezes escuro, longo e cheio de
obstáculos. E o olhar de curiosidade e indagação do investigador acompanhado de sistematicidade,
planejamento, avaliação contínua ao longo do processo de pesquisa, coerência no interpretar, analisar
e categorizar dados à luz dos questionamentos da pesquisa que permitem que o processo seja árduo,
intenso e muito interessante. Ao encerrarmos uma pesquisa, precisamos estar levantando questões para
uma próxima investigação. Precisamos mostrar as potencialidades bem como as limitações do estudo.
Esse caráter de pesquisador possibilitará que o professor passe a atuar em sala de aula com um olhar
mais crítico, mais indagador e mais reflexivo.

Não podemos nos esquecer da importância da divulgação dos estudos realizados tanto na
comunidade científica como na comunidade escolar. Se as investigações ficarem encadernadas e
confinadas em prateleiras de bibliotecas, pouco teremos contribuído para o processo de melhoria e de
compreensão do processo de ensino-aprendizagem de Matemática. É necessário e urgente socializar o
conhecimento produzido na área de Educação Matemática.

No Brasil, Fiorentini (1993) publicou um levantamento das pesquisas produzidas na área. Para
facilitar a consulta desse material, o autor classificou a pesquisa acadêmica brasileira em Educação
Matemática em treze focos temáticos: currículo; materiais didáticos e meios de ensino; erros,
problemas e dificuldades do ensino e da aprendizagem; cotidiano escolar; etnomatemática e educação
de adultos; relação da Matemática com outras disciplinas; formação do professor de Matemática;
prática docente; psicocognição e aprendizagem; fundamentos histórico filosóficos e epistemológicos;
ideologia e/ou concepções e significados; história do ensino da Matemática; e políticas oficiais sobre o
ensino da Matemática (Fiorentini, 1993, p. 67). Infeliz mente, o autor constatou que a pesquisa
brasileira ainda se mantém dispersa, desconhecida e inacessível para a maioria dos professores. E
como fica a sala de aula de Matemática?

Comparando a produção acadêmica nas últimas décadas, Fiorentini e Sader (1999) concluíram
que a maioria dos estudos da década de 80 priorizaram aspectos político-pedagógicos muito amplos e
gerais do ensino da Matemática, enquanto, a partir da década de 90, houve um esforço mais
sistemático de investigar aspectos mais pontuais e cognitivos do processo de ensino-aprendizagem em
sala de aula (Fiorentini e Sader, 1999, p. 14).

Não basta apenas conhecer o que está sendo produzido em Educação Matemática, mas é preciso
avaliar essas produções. Essa é uma tarefa primordial para os pesquisadores que já atuam na área e
também para os novos investigadores. É necessário que existam fóruns de discussão desse saber
envolvendo pesquisadores, professores de sala de aula e gerenciadores das políticas educacionais. Só
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assim é possível alcançarmos algum êxito para superarmos a dicotomia entre teoria e prática. Assim
estaremos de fato contribuindo na construção de conhecimento.

Uma forma eficaz de socializar os resultados dessas pesquisas é introduzir disciplinas e/ou
seminários de Educação Matemática nos cursos de formação inicial e continuada de professores de
Matemática. “Os currículos não podem continuar fechados, restritos às disciplinas tradicionais de
conteúdos, mas devem possibilitar espaço para que os recentes resultados de pesquisa cheguem até os
futuros professores” (Silva, 1998, p.59). Os professores regentes precisam de tempo e de grupos
suporte em suas escolas e nos locais de formação continuada. Só assim, os professores podem
questionar sua prática e podem experimentar mudanças na mesma se o desejarem. Podem aprender a
conduzir investigações em sua sala de aula e sentir prazer e desejo de divulgar suas experiências,
descobertas e frustrações entre seus pares (Santos-Wagner, 1999). Ou seja, os professores precisam
sentir que o processo de tornarem-se professores-pesquisadores é possível e que é fundamental
socializar o conhecimento produzido nessa caminhada.

Referencias bibliográfica

FIORENTINI, D. Memória e análise da pesquisa acadêmica em educação matemática no Brasil: o


banco de teses do CEMPEMI FE-UNICAMP. Zetetiké, v. 1, n. 1, p. 55-76, mar. 1993.

FIORENTINI, D. e SADER, P. M. A. Tendências da pesquisa brasileira sobre a prática pedagógica


em matemática: um estudo descritivo. Palestra apresentada na ANPED e publicada no CD da Reunião
da ANPED de 1999.

KILPATRICK, J. Fincando estacas: uma tentativa de demarcar a educação matemática como campo
profissional e científico. Zetetiké, v.4, n.5, p.99-120,jan./jun. 1996.

SANTOS, V. M. Notas de aula de seminário sobre elaboração de monografia de final de curso de


Especialização de Professores de Matemática. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.

—. Roteiro de estudos para alunos graduandos e pós- graduandos para a elaboração de um projeto de
pesquisa em educação matemática. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.

SANTOS-WAGNER, V. The development of teachers’ awareness of the process of change: Brazilian


experiences with practising teachers. In: N. Elierton (Ed.). Mathematics teacher development.
International perspectives, West Perth, Australia, l999. p.217-256.

SIERPINSKA, A. K1LPATRICK, J. (Eds.) Matbematics education as a research domam: a search for


identity. Dordrecht, Boston e London. Kluwer Academic Publishers, 1998.

SILVA, C.M. A formação de professores de matemática: preocu pações recentes e antigas. Caderno de
Pesquisa, v.4, n.7, fev.1998.
ANOTAÇÕES

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Wagner Rodrigues Valente

QUEM SOMOS NÓS, PROFESSORES DE MATEMÁTICA?

WAGNER RODRIGUES VALENTE*

RESUMO: Ao saber quem são seus avôs, bisavôs e mesmo tataravôs


profissionais, o professor de matemática passa a ver o trabalho de seus
colegas contemporâneos, e seu próprio fazer docente, de outro modo.
Dá a seu ofício uma dimensão histórica. Considerar o trabalho do
professor de matemática numa dimensão histórica permite uma com-
preensão diferente do sentido das ações realizadas nas salas de aula
hoje. Ter ciência de contextos de outros tempos do ensino de mate-
mática possibilita o entendimento do que são novidades e continui-
dades, na tarefa cotidiana de ensinar matemática a crianças, jovens e
adultos. Este breve texto tem a intenção de apresentar ao professor
de matemática alguns de seus antepassados profissionais. Ao conside-
rar de modo bastante sumário essa genealogia, quem sabe seja possí-
vel encontrar aqueles familiares que foram deixando heranças às prá-
ticas e saberes atuais da Educação Matemática.

Palavras-chave: Educação Matemática. História da educação mate-


mática. História da matemática.

WHO ARE WE, MATHEMATICS TEACHERS?

ABSTRACT: Knowing about one’s professional grandparents, great-


grandparents and even great-great-grandparents enables a math-
ematics teacher to see the work of his or her contemporary col-
leagues, as well as his or her own practice, in the light of a new per-
spective. It gives one’s job a historical dimension. Considering the
work of a mathematics teacher within a historical dimension allows
an understanding of the sense of actions taken in today’s classrooms.

* Pós-doutor em Educação e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemá-


tica da Universidade Bandeirante de São Paulo (UNIBAN). E-mail: wagner.valente@pq.cnpq.br

Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 74, p. 11-23, jan./abr. 2008 11


Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
Quem somos nós, professores de matemática?

Learning about past-time experiences in the context of mathematics


teaching allows the understanding and identification of what is new
and what is a continuous experience in the day-to-day task of teach-
ing mathematics to children, youngsters and adults. This short text
is aimed at introducing some of their professional ancestors to math-
ematics teachers. In considering this genealogy in a concise way, per-
haps it will be possible to find relatives who left an inheritance to
current practices and knowledge in mathematics education.
Key words: Mathematics education. History of mathematics educa-
tion. History of mathematics.

Um pouco de história não faz mal a ninguém...


s preocupações com o ensino e aprendizagem da matemática, tão
fortemente ligadas ao presente e às projeções para o futuro, tão
ciosas daquilo que realmente interessaria ensinar e aprender, de
modo que a matemática faça sentido hoje e amanhã aos alunos, têm des-
cuidado da dimensão histórica. Esse descuido, não raro, faz subtrair à
análise e às propostas de transformação as heranças que todos os ofícios
carregam consigo. Sem ter presente essa dimensão histórica, os projetos
de melhoria do ensino de matemática tendem ao fracasso.
O ofício de ser professor de matemática, como a maioria das pro-
fissões, é herdeiro de práticas e saberes que vêm de diferentes épocas.
Amalgamados, reelaborados, descartados, transformados, eles constitu-
em a herança através da qual é possível a produção de novos saberes e a
criação de novas práticas presentes no cenário pedagógico atual. Afinal
de contas, por que ensinamos o que ensinamos aos nossos alunos, e da
maneira como ensinamos? Por que valorizamos determinadas práticas e
não outras? Quem somos nós, professores de matemática? São questões
basilares que uma análise histórica pode ajudar a responder.
Este breve estudo tem a intenção de apresentar alguns dos ante-
passados profissionais dos professores de matemática atuais. Trata-se,
pois, de uma genealogia profissional, dentre tantas outras possíveis de
serem elaboradas. Atém-se, sobretudo, àqueles profissionais ligados ao
ensino secundário, àquele nível de escolaridade que está presente ime-
diatamente às séries iniciais (ensino primário), e anteriormente aos es-
tudos superiores.

12 Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 74, p. 11-23, jan./abr. 2008


Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
Wagner Rodrigues Valente

O professor de matemática para a guerra: nosso tataravô profissional


Corre o ano de 1699. Preocupada com a defesa da Colônia, a Co-
roa Portuguesa decide impulsionar a formação de militares em terras de
além-mar. Era preciso ter, no Brasil, oficiais bem treinados no manuseio
das peças de artilharia e com competência para construírem fortes. A costa
brasileira, imensa, exigia inúmeras construções para preservar as terras con-
quistadas e proteger as riquezas que dela se iam extraindo. Cria-se, então,
a Aula de Artilharia e Fortificações. Apesar dessa deliberação, muitas dificul-
dades surgiram para que o curso de pronto tivesse início. A principal delas
era a falta de livros para a instrução militar. Mais precisamente, livros ade-
quados ao curso criado. Ainda em 1710, tem-se notícia de que a Aula de
Fortificações não havia iniciado. Em matéria de artilharia, morteiros e bom-
bas nada existia escrito em português (Valente, 1999). Que tipo de livros
eram esses? Verdadeiros tratados, pesados e sob a forma de volumosos to-
mos, que tinham como conteúdo um curso de matemática, seguido de
instruções de manuseio de armas. Pode-se imaginar quão inviável teria sido
trazer à Colônia caixas desses tratados estrangeiros, caríssimos, e confiá-los
às mãos de alunos que mal sabiam ler.
As intenções portuguesas, relativamente à formação de militares,
construtores de fortificações e adestrados na artilharia, puderam final-
mente ser realizadas quando do deslocamento de um militar português,
José Fernandes Pinto Alpoim, ao Brasil. É justamente graças à Ordem
Régia de 19 de agosto de 1738 que o ensino militar conhece uma nova
fase: torna-se obrigatório a todo oficial. Em outros termos, nenhum mi-
litar poderia ser promovido ou nomeado se não tivesse aprovação na Aula
de Artilharia e Fortificações.
Alpoim ministrou o curso desde 1738 até sua morte em 1765.
Nascido em Portugal, em 14 de julho de 1700, seguiu os passos do pai,
iniciando os estudos militares na Academia de Viana do Castelo, prosse-
guindo-os, posteriormente, em Lisboa. Acumulando experiência peda-
gógica, em suas aulas ministradas desde a época em que foi lente – pro-
fessor – substituto na Academia de Viana do Castelo, Alpoim escreveu
duas obras que se tornaram os primeiros livros didáticos de matemática
escritos no Brasil: Exame de artilheiros e Exame de bombeiros, respectiva-
mente em 1744 e 1748 (Valente, 1999). A análise dessas obras revela
como nosso tataravô profissional retirava da guerra, da necessidade de
proteção, o sentido de seu ofício.

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Vamos à sala de aula desse nosso parente distante.


Entretido com um grupo hoje considerado para nós reduzido de
alunos – em torno de quinze –, nosso ancestral de profissão tem como
uma de suas tarefas maiores, a partir da geometria, ensinar como é pos-
sível calcular o número de balas de canhão que um determinado lugar
pode conter. Ou, ainda, à vista de uma pilha de balas de canhão, saber
quantas balas a pilha tem. Esse longínquo professor de matemática pra-
tica seu magistério ditando curso, isto é, fazendo com que seus alunos
anotem parte de sua obra didática. À explicação, segue o exemplo.
Abaixo, uma das páginas do livro de Alpoim, Exame de artilheiros:

Figura 1

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Este e outros problemas de natureza semelhante justificam o


ensino de rudimentos de geometria e, também, de aritmética. Tra-
tam-se dos conteúdos matemáticos dos livros de nosso tataravô pro-
fissional.

Aulas de geometria: nosso bisavô profissional trabalhando em cur-


sinhos preparatórios
Com a Independência do Brasil, não fazia mais sentido enviar os
filhos da elite brasileira para estudos em Portugal. Era preciso criar
aqui uma universidade. Depois de muitas marchas e contramarchas,
são criados os Cursos Jurídicos, em 1827. A partir da criação, fica pos-
to o problema dos exames de ingresso a esses cursos. As discussões na
Câmara e no Senado são acaloradas quando, em pauta, têm início os
debates sobre as condições de ingresso dos alunos aos cursos que for-
mariam a maior parcela da elite dirigente. Terminadas as discussões,
ficou estabelecido que os candidatos deveriam prestar exames de lín-
gua francesa, gramática latina, retórica, filosofia racional e moral e geo-
metria. Com a entrada da geometria como um dos exames parcelados
aos Cursos Jurídicos, a matemática muda oficialmente de status. Inici-
almente considerados como conteúdos de caráter técnico-instrumen-
tal, servindo prioritariamente ao comércio e à formação militar, os con-
teúdos matemáticos, por meio da geometria, ascendem à categoria de
saber de cultura geral (Valente, 1999).
Definidas as condições de ingresso aos cursos jurídicos, por toda
parte, aulas avulsas de francês, latim, retórica, filosofia e geometria pas-
sam a constituir o embrião de cursos preparatórios. A tais cursos cabe-
ria a preparação dos candidatos ao ensino superior; a preparação dos
futuros bacharéis, médicos, engenheiros. Serão esses cursos a origem de
um sistema que perdurou por cerca de 100 anos, atravessando o Im-
pério e as primeiras décadas da República.
A criação do Colégio Pedro II revela o esforço de introduzir no
país a referência de formação do homem culto, saído de um curso de
formação geral, bacharel. A partir de então, várias são as tentativas de
exigência do bacharelado como condição de acesso aos cursos superio-
res. Isto é, diversos projetos acenavam com a obrigatoriedade do diplo-
ma do secundário seriado para ingresso nas faculdades. Reformas e mais

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reformas do ensino, que ora propunham rigor máximo nas exigências


para entrada no superior, ora queriam deixar o ensino livre de qualquer
amarra oficial, de algum modo intentavam organizar o ensino secundá-
rio. Essas batalhas, quase sempre, no século XIX, foram causas perdidas.
Via de regra, os alunos permaneciam no Colégio Pedro II estudando as
disciplinas dos preparatórios e, ao cabo dos exames, abandonavam a ins-
tituição, com os exames parcelados realizados, rumo à matrícula no ensi-
no superior. O ensino secundário seriado não se difundia. As exigências
de escolaridade de nossas classes favorecidas estavam voltadas para a for-
mação do doutor – deferência social dada a todo aquele que tivesse cursa-
do estudos superiores. E, quanto mais rápido isso pudesse se realizar, tan-
to melhor. O caminho dos preparatórios era muito mais rápido do que
o da seriação escolar secundária. Preparar-se para o ensino superior, para
o ingresso nas faculdades, representava estudar os pontos dos exames. Es-
ses pontos organizavam, por exemplo, toda a matemática escolar e seu
ensino.
Os pontos dos exames parcelados seriam referência, também,
para a elaboração de toda uma literatura escolar. Através dela, seria pos-
sível dizer algo sobre o trabalho de nosso bisavô profissional – o pro-
fessor de matemática dos cursos preparatórios.
É o caso, por exemplo, do texto de Jeronimo Pereira Lima, intitu-
lado Pontos de Geometria para provas escritas nos exames da instrução públi-
ca da Corte. A obra, rara, pertence ao acervo da Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro. O material, com 45 páginas, foi impresso em 1869 pela
Tipografia de Pinheiro (RJ), na forma de um livreto-apostila. Na primei-
ra página da obra, Pereira Lima adverte:

(...) os dez pontos constantes do presente trabalho foram escritos com


pressa para aproveitar a meus ouvintes nos exames que correm. Não dis-
cuto um programa que respeitei, nem responsabilizo meu conceito por
todos os títulos que nos pontos fui obrigado a consignar por prescrição
do mesmo programa. Procurei ser claro e conciso sem omissão ao com-
pêndio adotado. Partilha da responsabilidade de qualquer falta o tempo
que foi escasso para melhor reflexão.

No livreto, após a advertência ao leitor, começam os pontos de


geometria para os exames, estruturados como segue:

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PONTO 1º

Volume, área, linha reta, linha quebrada, linha curva, superfí-


cie plana, superfície curva, circunferência, círculo, arco, raio,
diâmetro, setor, segmento. Determinar a medida comum de
dois arcos do mesmo círculo ou de círculos iguais e sua relação
numérica. No mesmo círculo ou em círculos iguais, os ângu-
los centrais são proporcionais aos arcos que os medem.

Consta este ponto de definições, de um processo por aplicação


prática e de um teorema.

SÃO AS DEFINIÇÕES
Volume é o espaço que ocupa um corpo.
Área é a porção de superfície plana limitada por linhas retas
que se encontram duas a duas ou limitada por uma curva fe-
chada.
Linha reta é a linha cuja direção marca o mais curto caminho
entre dois pontos; entendendo-se que linha é a extensão con-
siderada com uma só dimensão: o comprimento.
A linha reta é inextensível e inflexível.

PROCESSO POR APLICAÇÃO PRÁTICA


Determinar a medida comum de dois arcos do mesmo círculo
ou de círculos iguais é achar um terceiro arco que aplicado nos
dois, neles se contenha certo número de vezes exatamente.
Para se achar esse terceiro arco, o processo é o seguinte: (segue a
descrição pelo autor)

TEOREMA
No mesmo círculo ou em círculos iguais, os ângulos centrais
são proporcionais aos arcos que os medem (segue a demonstra-
ção pelo autor).

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A estrutura das apostilas destinadas aos preparatórios pode bem


ser observada nesse exemplo. Depois do enunciado do Ponto, seguem
as observações do autor sobre o que é necessário saber (quantas defini-
ções, aplicações, teoremas). A seguir, vem o texto sintético, pronto para
ser decorado pelo candidato, com pouca linguagem simbólica. O ex-
pediente parece bastante próprio também para as provas orais.
O trabalho didático-pedagógico de nosso bisavô profissional con-
sistia, então, de fazer com que seus alunos fixassem os pontos. Com a
lista deles, o candidato preparava-se para as provas escritas e orais. A
preparação lançava mão das apostilas elaboradas a partir dos pontos.
Saber cada um deles de cor era o modo de ser bem sucedido no ingresso
ao ensino superior. Essa era a tarefa maior de nosso parente profissio-
nal dos tempos de preparatórios. Cada faculdade selecionava os pontos
a serem estudados pelos candidatos dentro do conjunto das discipli-
nas. Um a um, os exames deveriam ser eliminados. A cada um deles,
um certificado. De posse do conjunto de certificados, que atestavam a
conclusão das disciplinas, o candidato ganhava o direito de matrícula
no ensino superior.
Nesse sistema, o professor de matemática permaneceu e sedimen-
tou sua prática por cem anos!

Nosso avô profissional e o nascimento da disciplina Matemática


A formação profissional de nosso avô é diferente daquela do
tataravô e bisavô professores de matemática. Saídos dos cursos milita-
res, das escolas de engenharia, esses nossos distantes parentes de pro-
fissão viram o nascimento das faculdades de filosofia constituir o berço
de nosso avô profissional. Surgidas nos anos de 1930, essas faculdades
tinham como tarefa a formação de professores. É também por essa épo-
ca que, finalmente, depois de um século, o Brasil conseguiu implantar
o sistema seriado de ensino e os preparatórios foram desaparecendo.
Nosso avô profissional passaria gradualmente a não mais lançar mão
de pesados compêndios franceses, ou de suas traduções de aritmética,
álgebra e geometria, para ditar pontos aos candidatos aos exames pre-
paratórios, ou mesmo para utilizar apostilas. Surgem mais e mais li-
vros didáticos nacionais, de autores que acumulam experiência de en-
sino e elaboram os textos com os quais trabalha nosso avô. Euclides

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Roxo, Jacomo Stávale e Ary Quintella são alguns desses autores que se
tornaram clássicos. Contudo, o fato mais marcante no trabalho de nos-
so avô foi ter acompanhado o nascimento de uma nova disciplina esco-
lar: a Matemática. Nossa primeira estruturação do ensino, que põe fim
aos preparatórios, faz nascer essa disciplina até então inexistente. Re-
sultado da fusão da aritmética, com a álgebra e a geometria, nasce a
Matemática a partir da Reforma Francisco Campos, no primeiro go-
verno de Getúlio Vargas (Valente, 2004a).
Pelo país, a partir dos anos de 1930, começaram a proliferar os
ginásios e liceus públicos. A população escolar, antes quase que exclusi-
vamente formada por uma elite, é mais e mais engrossada por filhos de
uma classe média que não pára de crescer. Aumenta a produção editorial
de livros didáticos, surgem as coleções de obras para serem usadas pelos
alunos em cada uma das séries escolares; acirram-se os debates sobre
conteúdos e metodologias a serem seguidos por nosso avô profissional.
Como ensinar matemática como fusão de geometria, álgebra e aritméti-
ca? Como substituir antigas práticas pedagógicas pelo modo heurístico?
Como começar o curso de matemática pela geometria espacial? Como
introduzir o cálculo diferencial e integral no ensino secundário?
Às propostas absolutamente revolucionárias para conteúdos e
métodos da nova disciplina, nosso avô optou pela herança de seus an-
cestrais de profissão: dividiu as aulas semanais em partes separadas. As-
sim, o curso de matemática acabou reunindo – e não fundindo – a
aritmética, a álgebra e a geometria. Segunda-feira lecionava aritmética;
terça, álgebra... (Valente, 2004b). Dentro dos compêndios, era fácil lo-
calizar, em capítulos diferentes, essas matérias. Nosso avô, aos poucos,
também foi ficando especialista numa determinada série escolar.
A seguir, parte do índice de um dos campeões de venda de li-
vros didáticos, ao tempo de nosso avô profissional: Ary Quintella. Tra-
ta-se do livro Matemática – primeiro ano ginasial, publicado no início
dos anos de 1940.

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Figura 2

O drama de nosso pai profissional: esquecer a herança do tataravô,


bisavô e avô e ensinar a matemática moderna
Têm início os anos de 1960 e nosso pai profissional, que come-
çou sua carreira como professor de matemática na década anterior, é sur-
preendido por notícias cada vez mais freqüentes sobre mudanças no en-
sino de matemática: na TV, nos jornais, em conversas com colegas de
trabalho, por toda a parte notícias sobre uma nova matemática, uma ma-
temática moderna. Finalmente chega à sua escola um convite para parti-
cipar de cursos de treinamento: é preciso esquecer tudo o que sabia an-
tes e aprender novamente o que irá ensinar. As notícias e o convite vêm
bem no momento em que nosso pai profissional ficou muito tocado ao
ver estampada na primeira página da Folha de S. Paulo, do dia 12 de
julho de 1963, a foto de uma sala de aula com os dizeres: “Professores
secundários voltam novamente às carteiras para revolucionar o ensino da

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Matemática com 50 anos de atraso entre nós”. No mesmo jornal, nosso


parente profissional ainda pôde ler explicações sobre o que deverá apren-
der para ensinar:

Conjunto e Estrutura são os conceitos que permitirão, desde o ensino pri-


mário, com muito menos esforço do que o despendido atualmente pelo
aluno, compreender a unidade existente na interpretação de fatos que
constituem não só o que é ensinado na Matemática propriamente dita,
mas também os que são apresentados no estudo da língua pátria e da His-
tória, através de relações que guardam e que não têm sido reveladas.

Surgem novos livros didáticos. O primeiro deles passa a ser utiliza-


do por todo o Brasil e, também, por nosso parente de profissão: o livro de
Osvaldo Sangiorgi. Lançado em 1963, o primeiro de uma série de quatro,
faz escola entre os professores e constitui guia para o trabalho de ensinar a
matemática moderna. Em cena, nas aulas, os conjuntos, as estruturas al-
gébricas. Acompanha cada exemplar um “Guia para uso dos professores”.
Afinal, tudo é divulgado como novidade, era necessário reaprender mate-
mática, uma nova matemática, a matemática moderna. (Valente, 2008).

Figura 3

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Quem somos nós, professores de matemática?


Começamos nossa carreira profissional, de professores de mate-
mática, quando o sonho já havia acabado. Toda a expectativa de uma
nova matemática, de um ensino de conteúdos com métodos totalmen-
te inovadores parece ter frustrado o final da carreira docente de nosso
pai de profissão. Passamos a advogar, para o ensino da disciplina, um
sentido para o aprendizado dos conteúdos matemáticos, um modo de
articular a vida real e nosso trabalho cotidiano, um ensino menos for-
mal, mais intuitivo.
Temos lembrança de nosso tataravô sobre o uso a dar para o que
ensinamos. Parecia tão clara para ele, no século XVIII, a função da mate-
mática, da geometria. Era um tempo em que o ensino aplicava-se à de-
fesa, a geometria como um conteúdo de aparelhamento para a guerra.
Contudo, à matemática escolar estava reservado um lugar mais nobre
que aquele prático-utilitário-militar. Ela deveria ajudar-nos a pensar e,
com seu ensino, levarmos nossos alunos a desenvolverem o raciocínio.
Voltamo-nos, hoje, para nosso mais longínquo ancestral e, de modo
persistente, queremos ver um sentido para o que ensinamos. Quere-
mos que nossos alunos saibam usar a matemática que ensinamos.
Ao longo do tempo, a herança da unidade da matemática foi sem-
pre objeto de desejo de todos. Desde a época de Getúlio Vargas, pelo
menos, nossos parentes profissionais vêm pregando a necessidade de ver
a matemática de modo único e não fragmentado em conteúdos que não
se relacionam na escola. Assim também ocorreu durante o período da
matemática moderna.
E o que podemos dizer de nossas práticas, de nosso trabalho com
os alunos? Os tempos de ditar curso passaram. Ficaram os de ditar ou
escrever exercícios a serem resolvidos pelos alunos. Esses tempos têm
origem precisa: o momento em que, no início do século XX, chegam ao
Brasil as congregações católicas francesas, com seus livros didáticos
cheios de exercícios. Eles passam gradualmente a substituir os compên-
dios, os livros de lições. Trocava-se, naquela altura, a pedagogia das li-
ções pela dos exercícios. O professor de matemática nunca mais aban-
donou essa prática. A lição era a escrita da aula dada pelo professor. A
memória, o passar a limpo a atividade do mestre, representava o apren-
dizado da matemática. Com as escolas, impera o exercício, o reiterativo,
a atividade. Resolver o exercício de modo correto passa a significar

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aprender matemática: uma herança que já tem um século em nossas


práticas.
Tataranetos do profissional militar, bisnetos do preparador de
cursinhos, netos do pensar a matemática como unidade e filhos de um
desencantado modo de ver a matemática como moderna, seguimos o
nosso caminho profissional na expectativa de melhor utilizar a herança
que esses parentes nos deixaram profissionalmente, construindo novas
práticas e saberes com esse legado.

Recebido em dezembro de 2007 e aprovado em março de 2008.

Referências

LIMA, J.P. Pontos de geometria para provas escritas nos exames da


instrução pública da Corte. Rio de Janeiro: Tipografia de Pinheiro,
1869.
VALENTE, W.R. Uma história da matemática escolar no Brasil, 1730-
1930. São Paulo: Annablume; FAPESP, 1999.
VALENTE, W.R. (Org.). Euclides Roxo e a modernização do ensino de
matemática no Brasil. Brasília, DF: UNB, 2004a.
VALENTE, W.R. (Org.). O nascimento da matemática do ginásio. São
Paulo: Annablume, 2004b.
VALENTE, W.R. (Org.). Osvaldo Sangiorgi: um professor moderno.
São Paulo: Annablume; CNPq, 2008. (no prelo)

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ANOTAÇÕES

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CAPÍTULO 04

O USO DE EPISÓDIOS HISTÓRICOS NO ENSINO


DE MATEMÁTICA: UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA
UTILIZANDO QUADRINHOS

Ana Carolina Costa Pereira


Laura Andrade Santiago
Wendy Mesquita de Morais

Principais motivações
Muito se tem discutido sobre a dificuldade da apren-
dizagem dos alunos no nível fundamental e médio. Pesquisas
apontam que dentre as disciplinas escolares, a matemática é
considerada a mais difícil. Um dos motivos por parte dos estu-
dantes é que a matemática é estudada fora de um contexto real
e está cheia de fórmulas para decorar. No ponto de vista do
professor, essa dificuldade está relacionada à falta de interesse
dos estudantes, principalmente em relação ao modo como a
Matemática é apresentada em sala de aula. Segundo Mendes
(2009) é através de um ensino mais prático e dinâmico por
parte do professor e dos estudantes, relacionado com brinca-
deiras, atividades práticas e experimentais que o aprender da
matemática se tornam mais eficaz.
Devido a esses motivos, cresce um movimento que
busca inovações metodológicas de ensino para que o profes-

108
sor torne sua aula mais atrativa, denominado Movimento de
Educação Matemática. Dentre essas metodologias, a história
da matemática pode auxiliar na construção do conhecimento
e na evolução de conceitos matemáticos. Segundo Groenwald
(2004, p. 47):

o enfoque histórico é uma proposta


metodológica que permite ao alu-
no descobrir a gênese dos conceitos e
métodos que aprenderá em aula. Em
outras palavras este enfoque permitirá
ao aluno fazer relação das ideias mate-
máticas desenvolvidas em sala de aula
com suas origens. O conhecimento da
história da matemática proporciona
uma visão dinâmica da evolução dessa
disciplina, buscando as idéias originais
em toda sua essência.

A busca pelas origens dos conceitos pode levar o estu-


dante a conhecer a matemática sob um ponto de vista diferen-
te do que tradicionalmente lhe é ensinado, levando-o a perce-
ber que a matemática não é uma ciência pronta e acabada, mas
que sofre modificações ao longo de sua história.
Atualmente a história da matemática, na maioria das
vezes, é utilizada em sala de aula apenas como elemento mo-
tivador ao desenvolvimento do conceito, principalmente na
introdução de conteúdos resumindo-se a contar histórias “en-
graçadas” focado em fatos e datas decorrentes das biografias
dos matemáticos.
No que se refere a inserção da história da matemática
nos livros didáticos de Matemática do Ensino Fundamental,

109
percebemos que esse recurso inclui citações históricas no de-
senvolvimento de seus textos de maneira imprópria. Segundo
Bianchi (2006, p. 03) “muitas vezes esta inserção se resume na
apresentação de biografias de alguns matemáticos, de datas ou
curiosidades históricas, sem a devida compreensão ou adequa-
ção desta abordagem”. Notamos que, mais uma vez, o uso da
história da matemática na sala de aula poderia agregar outros
recursos e atingir objetivos que podem ir além de “contação
de histórias”.
Nesse sentido, a união entre esses “fatos” sobre a his-
tória da matemática e outros artifícios, como por exemplo, a
confecção de quadrinhos, construção de instrumentos mate-
máticos, etc, podem fornecer uma ferramenta que pode ser uti-
lizada no entendimento de conteúdos matemáticos. De acordo
com D’Ambrósio (1996, p. 31):

é muito difícil motivar com fatos e si-


tuações do mundo atual uma ciência
que foi criada e desenvolvida em outros
tempos em virtude dos problemas de
então, de realidade, de percepções, ne-
cessidades e urgências que nos são estra-
nhas. Do ponto de vista de motivação
contextualizada, a matemática que se
ensina hoje nas escolas é morta. Poderia
ser tratada como um fato histórico.

Essa motivação contextualizada referida por D’Am-


brósio (1996), não necessariamente deve vir de momentos no
cotidiano do aluno, mas como ele mesmo menciona, pode ser
“um fato histórico” que foi importante dentro do desenvolvi-
mento de um conceito.

110
Esse fato histórico pode ser inserido, por exemplo, a
partir de episódios históricos da matemática, verdades e/ou
mentiras (ou interpretações errôneas), que estão em livros,
textos de história da matemática e que chegam às salas de aula.
Segundo Nobre (2004, p. 531) “é tradição na história
do conhecimento científico o batismo de determinadas teorias
com o nome de seu descobridor, ou do cientista que teve a
maior dose de contribuição para se chegar a determinado re-
sultado”. Muitas histórias são contadas sem provas concretas,
como é o caso da história antiga da Matemática como, por
exemplo, os feitos de Tales de Mileto, a autoria de Os Ele-
mentos por Euclides, e até o caso de Arquimedes, gritando nu
pelas ruas: Eureca! Eureca!

Figura 1 - Cena de Arquimedes na banheira.


Fonte: http://www.ahistoria.com.br/arquimedes/.

Além de informações históricas, sem provas concretas,


ainda existem informações históricas distorcidas (disputa aca-
dêmica – Newton x Leibniz), informações históricas ocultas
(Idade Média - Período das Trevas) que fazem parte do univer-
so científico da história da matemática.

111
Todos esses fatos históricos que entram na sala de aula
permitem ao aluno uma viagem ao passado, e, adicionando a
ele outro recurso, permitirá ao professor abordar conteúdos
empregando estratégias diferenciadas, atingindo os objetivos
propostos. Atrelado a esses fatos ou episódios, nomenclatura
que iremos adotar, pode-se propor uma sequência de ensino
por meio de atividades ligadas a história preservando as expe-
riências manipulativas e visuais do estudante.
Nesse sentido, iremos propor sequências de atividades
construídas por meio do episódio histórico e do quadrinho, vi-
sando promover uma aprendizagem significativa e autônoma.

Entendendo o que é um episódio e sua utilização no en-


sino de matemática
Ao perguntar o que é um episódio, a primeira ação é
ir a um dicionário, para entender seu conceito. No dicionário
Aurélio Buarque de Holanda (2015), encontramos que um
episódio é um “Incidente acessório, mas intimamente relacio-
nado com a ação principal de uma produção literária. Cena
acessória num quadro. Aventura; fato; passo; lance. Parte ou
divisão de uma obra literária, de uma série de televisão, de um
filme, etc”.
No dicionário Michaelis (2015) um episódio é um “In-
cidente relacionado com a ação principal numa obra literária
ou artística. Cena acessória que se junta à ação principal dum
quadro. Variedade ou incidente no tema de alguma composi-
ção musical. Fato acessório”.

112
Percebemos que em ambos os dicionários, episódio tem
sua finalidade relacionada a aspectos culturais voltados para a
ação. Dessa maneira, iremos adotar como episódio uma nar-
rativa que apresente um acontecimento solto ou fato isolado,
relacionado com uma série de outros fatos. Ele pode ser cons-
truído de diversas maneiras: na forma de um texto curto, num
vídeo produzido, em uma peça teatral, em forma de uma pa-
ródia ou música, ou mesmo em uma história em quadrinhos.
Um episódio ocorrido na história da matemática é um
fato que conta uma descoberta matemática em uma extensão
menor, podendo ser uma história ou estória, verdade ou fic-
ção, que mostre um momento em que a sociedade teve ideias
que deram forma a nossa cultura e ao seu desenvolvimento.
Nesse sentido, um episódio de história da matemáti-
ca pode estar presente na sala de aula de diversas formas. Ele
pode ser apresentado de forma lúdica e com problemas curio-
sos, como uma fonte de pesquisa, como introdução de um
conteúdo ou atividades. Também podemos apresentar a mate-
mática de uma forma mais filosófica, com atividades diferen-
ciadas que vão além de exercícios de memorização e fórmulas,
que possibilita ser vista de uma forma mais contextualizada.
O uso do episódio ajuda a fazer uma integração entre
conteúdos de matemática e outras disciplinas, uma vez que
acompanha o desenvolvimento da sociedade, pois ele mostra a
forma na qual os homens construíam suas ideias, devido uma
necessidade prática, cultural, econômica, política ou social.
Corroborando com D’Ambrósio (1999, p. 97), “acredito que
um dos maiores erros que se pratica em educação, em particu-
lar na Educação Matemática, é desvincular a Matemática das
outras atividades humanas”.

113
Essa relação entre episódios históricos e ensino de ma-
temática pode contribuir para uma experiência docente e dis-
cente no sentido de possibilitar mais ferramentas (recursos)
direcionadas ao ensino e a aprendizagem da matemática.
Assim sendo, vincular a Matemática com aconteci-
mentos que foram importantes no decorrer de sua história
pode torná-la mais viva, que não se limita a um sistema de
regras e verdades rígidas, mas é algo humano e envolvente. A
seguir, apresentaremos alguns episódios construídos com fatos
ocorridos durante a história da matemática.

Episódios e Quadrinhos: conectando ideias


O uso de quadrinhos voltados para o ensino de Mate-
mática embora um pouco incipiente, vem ganhando forças no
cenário brasileiro, sobretudo com o aparecimento desse artifí-
cio em avaliações conhecidas nacionalmente: ENEM, SAEB,
Prova Brasil e as próprias provas de vestibulares. Esse fato im-
pulsionou o uso de quadrinhos na sala de aula, em particular
nas aulas de matemática.
Antes conhecida apenas como forma de lazer, hoje
estampadas em enunciados de provas. Muitas já conhecidas
por nós leitores desse gênero literário, outras confeccionadas
por amadores, direcionadas estritamente ao uso na educação.
Mas utilizar o quadrinho se reduz a encontrá-lo apenas como
elemento secundário em um texto? A resposta é não, pois a
função do quadrinho na educação perfaz outras dimensões
inerentes ao próprio saber, seja ele construído ou não.

114
Dentre as formas de inserção do uso de quadrinhos nas
aulas de matemática podemos contabilizar pelo menos quatro
delas: a construção de quadrinhos com os alunos, a própria
confecção do quadrinho pelo professor, utilizar quadrinhos
expostos nas mídias ou utilizar quadrinhos confeccionados
para o fim educacional.1
Nas duas primeiras alternativas um elemento dificul-
tador seria a técnica de construir o quadrinho. Embora exis-
tam vários vídeos disponibilizados na internet para ajudar a
ultrapassar esse obstáculo, ainda assim é um fato que pode
retrair o uso desse possível recurso metodológico.
Nossa experiência com a utilização do quadrinho no
ensino de matemática voltado principalmente para a forma-
ção inicial de professores nos tem mostrado que já não é uma
barreira o não saber desenhar. Dependendo do que será pro-
posto um “bonequinho com a cabeça grande e com o corpo
e pernas feitos de pauzinhos” já é o suficiente para empregar
esse recurso. Na figura 2 apresentamos uma tirinha de traçado
simples do renomado Luis Fernando Veríssimo:

Figura 2 - Exemplo de quadrinho com traçado simples.


Fonte: Veríssimo (2010).

1 Ver mais detalhes dessas inserções em Pereira (2014).

115
Entretanto, mesmo com a habilidade para o desenho
ou com a falta dela, sem um roteiro bem elaborado, dificil-
mente obteremos êxito no produto desenvolvido. O roteiro
de uma tirinha é uma ferramenta necessária para o desenvol-
vimento da história na qual irá ser apresentada, tendo ele a
função de passar uma mensagem de forma clara e específica.
Ele é um guia no qual leva o criador da tirinha a não
se perder do conteúdo que está sendo programado. Ele deve
ser bem elaborado e seguir alguns passos, contendo pontos
que jamais poderão ser esquecidos para a elaboração da tira.
Um dos pontos que é essencial para um tirinha bem feita é a
escolha da história.
Nesse sentido, podemos relacionar o roteiro da tirinha
com o episódio discutido anteriormente. O episódio, já cons-
truído, facilita o processo de criação do quarinhos, pois en-
tendemos que é a partir da uma história pronta que se define
melhor as ideias e os detalhes da narrativa que se pretende
criar. Dessa maneira é de extrema importância ter uma ideia
geral da história e o episódio servirá como suporte para a cria-
ção de um material.

Episódios de história da matemática


Construir um episódio voltado para a história da ma-
temática requer leitura e dedicação para quem está propondo
esse recurso. Primeiramente, devemos escolher o conteúdo do
qual o episódio irá tratar e a partir dele fazer um levantamento
sobre sua história, sob um ponto de vista social/cultural, de
aplicação ou mesmo puramente matemático. Nesse ponto é
importante pesquisar em fontes “confiáveis”, sejam em livros,

116
artigos, revistas científicas, sites ligados a universidades, ou ou-
tros. Em relação à narrativa, não deve conter uma linguagem
“pesada”, nem ser longa, porém deve chegar ao leitor de forma
compreensível e direta.
Nossa sugestão é escolher temas que, no cotidiano es-
colar, apresentem dificuldade de aprendizagem para o aluno e
favoreçam ultrapassar alguns obstáculos epistemológicos his-
tóricos. Outro ponto é o título do episódio que deve estar em
consonância com o tema e o conceito desenvolvido.
Dessa maneira, construímos nossos primeiros episó-
dios pautados nos seguintes conteúdos: introdução ao sistema
de numeração, probabilidade, proporcionalidade, frações e
introdução às potências. As fontes utilizadas foram os livros
clássicos de história da matemática: Eves (2004), Katz (2010),
Boyer e Merzbach (2012) e Cajori (2007); sites de história da
matemática: MacTutor History of Mathematics2; vídeos produ-
zidos pela BBC - British Broadcasting Corporation e traduzidos
pela UNICAMP3 e a M3 - Matemática Multimídia4 desenvol-
vido pela UNICAMP.
A seguir, apresentaremos dois exemplos de episódios
construídos em conjunto com os quadrinhos confeccionados.

2 http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/.
3 Todos os vídeos estão disponíveis no canal do youtube da univesptv: https://www.you-
tube.com/user/univesptv.
4 O portal principal da coleção M³ Matemática Multimídia, que contém recursos educacionais
multimídia em formatos digitais desenvolvidos pela Unicamp: http://m3.ime.unicamp.br/.

117
Pastor de ovelhas... em uma necessidade de contar!
Há muito tempo, um pastor sentiu a necessidade de
controlar o seu rebanho. Ele percebeu que precisava saber a
quantidade de ovelhas que voltavam do pasto, então pensou:
“por que eu não utilizo pedrinhas para controlar o meu re-
banho?” Ele soltou suas ovelhas no pasto e para cada uma
que passava, ele colocava uma pedra dentro de um saquinho.
Quando o pastor ia buscar suas ovelhas, ele retirava do saqui-
nho uma pedra por ovelha que passava. Com esse processo, se
sobrassem pedras, ele ficaria sabendo que havia perdido ove-
lhas. Caso contrário, se tivesse pedras a menos, o pastor ficaria
feliz, pois teria ganhando mais ovelhas para o seu rebanho!
Dessa forma ele conseguiu manter o controle.

F
Figura 3 - Pastor de ovelhas... em uma necessidade de contar!
Sem contar... Não dá!
Fonte: Elaborada pelas autoras.

Tales em... O desafio da pirâmide


Um famoso matemático e filósofo grego, também co-
merciante, chamado Tales de Mileto, era um homem cheio
de contatos com outros povos. Por conta disso, decidiu viajar
para o Egito e, nessa viagem, Tales foi desafiado. Deram-lhe

118
um problema: qual é a altura da grande pirâmide de Quéops
construída por volta de 2500 a.C. Partindo do princípio de
que existe uma razão entre a altura do objeto e o comprimento
da sua sombra, Tales teve uma brilhante ideia. Ele fixou uma
vara no extremo da sombra da pirâmide, surgindo assim, a
sombra da vara, formando triângulos semelhantes. Tales pôde
calcular a altura da pirâmide.

Figura 4 - Tales em... O desafio da pirâmide


O Desafio
Fonte: Elaborada pelas autoras.

A partir do episódio e do quadrinho é possível cons-


truir sequências didáticas para que esse material possa ser apli-
cado como um recurso didático nas aulas de matemática.

Construindo sequências didáticas


Uma sequência didática é o conjunto de atividades
conectadas, delineadas para ensinar um determinado conteú-
do, passo a passo, estruturada e ajustada com os objetivos que
estão sendo propostos pelo professor de modo a alcançar a
aprendizagem de seus alunos. É uma maneira de planejamen-

119
to e tornará as aulas do professor mais organizadas e alinha-
das as diretrizes atuais. Segundo Zabala (2008, p. 18) uma
sequência didática é “um conjunto de atividades ordenadas,
estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos
educacionais, que têm um princípio e um fim conhecido tan-
to pelo professor como pelos alunos”.
Dentro do campo da pesquisa, a sequência didática
pode ser encontrada na Teoria das Situações Didáticas de Guy
Brousseau (1986) e na segunda fase da Engenharia Didática
de Michele Artigue (1988)5 como elemento da análise a priori.
Segundo Teixeira e Passo (2013, p. 162):

uma sequência didática é uma série de


situações que se estruturam ao longo
de uma quantidade prefixada de aulas.
Devidamente estruturadas, essas situa-
ções têm como objetivo tornar possível
a aquisição de saberes bastante claros,
sem esgotar o assunto trabalhado. Des-
se modo, uma sequência didática não
pode, a priori, ter seu tempo de dura-
ção estipulado de acordo com o progra-
mado, pois o seu cumprimento leva em
conta as necessidades e as dificuldades
dos alunos durante o processo.

Nesse sentido, estruturar sequências didáticas pode


propiciar uma melhoria no ensino e na aprendizagem da ma-
temática, pois necessariamente envolve os três eixos base da
educação: o professor, o aluno e o saber – o conhecimento do
conteúdo matemático. Outro ponto é o caráter investigativo
5 Ressaltamos que a Teoria das Situações Didáticas é à base da metodologia da Engenharia
Didática.

120
que a atividade pode possibilitar, estruturando a construção
do conhecimento de modo a experimentar, a generalizar, a
abstrair, e a formar significados a partir dos conceitos estu-
dados.
Essas sequências, nesse estudo, elucidam uma escola
de concepção de aprendizagem do professor, uma vez que ele
reflete o modo de ver como os alunos se apropriam de um de-
terminado conhecimento matemático, a partir de atividades
organizadas e orientadas.
Partindo da elaboração dos episódios e da confecção
das tirinhas, propomos a construção de uma sequência didá-
tica com o objetivo de posteriormente aplicá-la na educação
básica. Utilizamos a estrutura de roteiro de atividade escolar
para facilitar a padronização. Dessa maneira alguns elementos
foram considerados: cabeçalho; objetivos do roteiro de ati-
vidade; providências para a realização das atividades; pré-re-
quisitos; descrição dos procedimentos; observações; material
utilizado; referências adicionais; descrição da atividade para o
professor e para o aluno.
No cabeçalho, consideramos importante conter eixo
temático, tema, tópico, título e ano. No que se refere ao eixo
temático, iremos utilizar o que os Parâmetros Curriculares
Nacionais definem como blocos de conteúdos: números e
operações; espaço e forma; grandezas e medidas; e tratamento
da informação. O tema é o conteúdo geral da sequência didá-
tica, enquanto o tópico é um subtema. O título é o nome da
atividade que deverá ser realizada e o ano é o nível escolar em
que o aluno pode desenvolver as atividades.

121
As demais sessões serão: objetivos do roteiro de ati-
vidade; providências para a realização das atividades; pré-re-
quisitos; descrição dos procedimentos; observações; material
utilizado; e referências adicionais.
Para as atividades, orientamos que na estrutura tenha
inicialmente um texto referindo-se ao professor, apresentando
o objetivo central e um resumo da atividade. Em seguida, que
seja apresentada a descrição da atividade para o professor e
para o aluno.
Na produção das sequências didáticas para os episódios
“Pastor de ovelhas... Em uma necessidade de contar” e “Tales
em... O desafio da pirâmide”, tivemos focos em segmentos
educacionais diferenciados: ensino fundamental I e ensino
fundamental II.
No primeiro episódio, “Pastor de ovelhas... Em uma
necessidade de contar”, tivemos como eixo temático: Núme-
ros e Operações; tema: Sistemas de numeração; tópico: Intro-
dução ao princípio de contagem; e ano: pode ser utilizado de
4o ao 6o ano. Os objetivos foram pautados em: Apresentar a
história da origem dos números; Mostrar a ideia de número e
numeral; Explorar diferentes representações para os números
decimais; Decomposição dos algarismos de base decimal.
O professor poderá iniciar a aula perguntando aos alu-
nos o que eles sabem sobre a história dos números, em segui-
da, entregará o episódio, Pastor de ovelhas... Em uma necessi-
dade de contar!. Posteriormente, o professor fará uma leitura
junto aos alunos e questionará que ideias eles extraíram. A
seguir, fará uma leitura do quadrinho e iniciará uma discus-
são sobre a importância dos números para a sociedade. Após

122
as leituras e discussões, o professor entregará aos alunos uma
atividade6 utilizando o modo de contagem correspondente a
esse episódio, no qual poderá usar pedrinhas ou outros itens
disponíveis em sala de aula.
Em relação às atividades propostas, sugerimos quatro,
mas iremos expor apenas uma delas.

Atividade
Após a reflexão da leitura do episódio e da tirinha, o
professor pode dar a ideia do que é número e como é chamado
e representado. Além de ficar ao seu critério mostrar aos seus
alunos outras formas de representação. Em seguida, o profes-
sor pode aplicar o exercício abaixo:
Considere o grupo de dedos de uma mão e o grupo das
vogais do alfabeto:

(I) (II)

Figura 5 - Representação de números.


Fonte: Elaborada pelas autoras.

• Os dois grupos têm a mesma quantidade?


• Qual o nome e símbolos que associamos a quanti-
dade dos elementos dos dois grupos?
6 Essa atividade foi confeccionada previamente, porém, devido a sua extensão, não iremos
inserí-la no texto, citaremos apenas alguns exemplos.

123
Na tirinha “sem contar... não dá!” no primeiro quadro
do quadrinho, podemos observar a quantidade de ovelhas que
já estão no pasto. Em seguida, responda:
• Que nome você dá à quantidade de ovelhas do pri-
meiro quadro?
• Qual símbolo que associamos a quantidade de
ovelha?

No segundo episódio “Tales em... O desafio da pirâ-


mide”, tivemos como eixo temático: Grandezas e Medidas;
tema: Semelhança; tópico: Semelhança de triângulos; e ano:
pode ser utilizado de 9o ano. Os objetivos foram pautados em:
Apresentar as contribuições de Tales para a matemática; Dis-
cutir a forma que historicamente foi estudado semelhança de
triângulo; Estudar semelhança de triângulo; Fazer aplicações
sobre semelhança de triângulo.
O professor iniciará a aula indagando aos alunos o que
eles sabem sobre um objeto ser semelhante a outro, ou o que
é semelhança. Nesse momento ele pode enfatizar a ideia de
semelhança na vida real e fazer o questionamento: como sa-
bemos qual é a altura no mastro da bandeira sem medi-la?
Em seguida, ele entregará o episódio “Tales em... O desafio
da pirâmide”, e discutirá7 com os alunos de qual forma Ta-
les conseguiu resolver o problema. Será que tinha fita métrica
na época? Será que ele subiu na pirâmide? Nesse momento o
professor pode falar um pouco sobre a biografia de Tales e sua
contribuição para a matemática.

7 Nesse momento o professor pode direcionar sua aula para a atividade 01 do roteiro.

124
Após a discussão, ele pode explicar o método pensado
por Tales para resolver o problema e indicar algumas ativida-
des teóricas, aplicada e experimental para os alunos realizarem
em sala ou em casa.
Sugerimos três atividades a serem trabalhadas sobre o
conteúdo, disponibilizamos também orientações para o pro-
fessor e para o aluno.

Atividade 01
Após a leitura e discussão do episódio e da tirinha, o
professor pode aprofundar mais um pouco sobre a história do
desafio da pirâmide. Em seguida, ele pode aplicar a atividade
abaixo:
1. De acordo com a tirinha, Tales teve outra ideia.
Que ideia foi essa? Como ele a executou? Com
ela, Tales conseguiu vencer o desafio? Em segui-
da o professor poderá dar início à parte teórica do
conteúdo.
2. Considerado que Tales foi desafiado a medir a pi-
râmide de Quéops e que hoje já sabemos que sua
medida original é de 149,9m de altura e sua base
tinha aresta 230,28m, desafio você agora a medir
o comprimento da sombra “Y” relativa à altura da
pirâmide, partindo do pressuposto de que a vara
tinha 2m e a sombra da vara tinha 3m.
Utilize como recurso a representação a seguir (Figura 6):

125
Figura 6 - Esquema de semelhança da pirâmide de Quéops.
Fonte: Elaborada pelas autoras.

3. Tales foi desafiado, agora será você! Logo, desa-


fio a calcular a altura da estátua de Iracema que
se encontra na Praia de Iracema, com as seguintes
condições:
• Você irá imaginar que, assim como Tales, terá uma
vara de 3 metros.
• Você irá fixar a vara e ir se distanciando dela até
dois metros.
• Você já sabe que sua distância até a estátua é de 8
metros.
Agora resolva o desafio que foi lhe dado, podendo usar
como recurso a figura a seguir (Figura 7):

126
Figura 7 - Esquema de semelhança da estátua de Iracema.
Fonte: Elaborada pelas autoras.

Atividade 02
Após a leitura do episódio “Tales em... O desafio da
pirâmide”, realize uma experiência prática com os alunos, pe-
dindo para eles calcularem a altura do mastro da bandeira ou
posto da escola. Realize a atividade em um dia ensolarado,
pois é necessário ter a sombra dos objetos. Iremos precisar de
um bastão de madeira (cabo de vassoura e fita métrica).
Problema a resolver: Calcule a altura do mastro da
bandeira ou posto da escola. Para isso vocês podem utilizar
esse bastão de madeira e uma fita métrica, sem subir no poste.
Remonte os passos feito por Tales, personagem do episódio e
do quadrinho para resolver esse problema.
Ao final, o professor deve discutir as possíveis soluções
encontradas pelos alunos.

127
Atividade 03
Após a leitura e discussão do episódio “Tales em... O
desafio da pirâmide”, leve os alunos ao laboratório de infor-
mática da escola e apresente o objeto de aprendizagem: Me-
dindo Objetos através de Semelhança de Triângulos, disponí-
vel na página http://rived.mec.gov.br/atividades/matematica/
medindo_objetos/. Desenvolva com eles as etapas do objeto,
escolhendo como opção a cidade do Egito para realizar as me-
dições. Relembre com eles o episódio e a tirinha discutida na
aula e deixe-os resolverem as perguntas, orientando as dúvidas
quando surgirem. Essa atividade pode ser realizada em duplas.
Percebam que as atividades são, na maioria das vezes,
de forma questionadora e discursiva, direcionando a perspec-
tiva de educação atual, que mobilize o aluno a ser agente ati-
vo nesse processo, assim como questionador da sua própria
aprendizagem. Nossa intenção é suscitar uma iniciativa nessa
potencialidade didática e possibilitar ao professor a construção
de outras atividades em forma de vídeos, textos, histórias em
quadrinhos, entre outros.

Considerações Finais
A junção do estudo de episódios da história da mate-
mática com quadrinhos ainda é embrionário. Nossos primei-
ros estudos nos levaram a uma aplicação por meio de um cur-
so de extensão universitária ofertado no primeiro semestre de
2015 na Universidade Estadual do Ceará – UECE, intitulado:
“Utilizando a interfase dos quadrinhos para estudar história
da matemática” que objetivava propor roteiros de atividades
com quadrinhos confeccionados exclusivamente para inserir o

128
estudo da história da matemática, marcando assim nosso pri-
meiro contato com o assunto. A partir disso, buscamos funda-
mentações mais estruturadas que pudessem embasar pesquisas
futuras.
Percebemos que existe uma grande potencialidade nes-
sa proposta, porém precisamos ampliar o uso desse o material
e aplicar empiricamente com professores que estão atuando
em sala de aula e com seus alunos. Ressaltamos que o professor
deve apreender a proposta e assumir uma postura inovadora
ao trabalhar com o uso de episódios da história da matemática
com quadrinhos no ensino.
Dessa maneira, o professor pode confeccionar seus
próprios episódios e consequentemente seus quadrinhos para
qualquer conteúdo desejado e aplicar em algum momento de
sua aula: introdução, discussão, ou finalização de conteúdo
estudado; enunciado de exercícios ou provas; ou mesmo como
proposta de trabalhos interdisciplinar, feiras culturais, semi-
nários, etc.
Nossa pretensão é explorar mais esse assunto e fazer
chegar esse tipo de pesquisa às mãos dos professores, princi-
palmente para que proporcione diferentes recursos metodoló-
gicos para o uso na sala de aula.
Almejamos que se torne mais frequente o uso dos
quadrinhos nas aulas de matemática, não só como um
elemento motivador, mas como uma ferramenta didática
que articule diferentes domínios da Matemática, assim como
expor interrelações entre a Matemática e outras disciplinas.

129
Referências
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Um pouco da teoria das situações didáticas (tsd) de Guy Brousseau.
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ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre:


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131
ANOTAÇÕES

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Tecnologia e Aprendizagem de Conceitos Matemáticos

Tecnologia e Aprendizagem de Conceitos Matemáticos

Technology and Learning of Mathematical Concepts

José Aires de Castro-Filhoa*; Raquel Santiago Freireb; Juscileide Braga de Castroc;

a
Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira. CE. Brasil.
Universidade Federal do Ceará, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Virtual e PROATIVA. CE. Brasil.
b

c
Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação e Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática. CE. Brasil.
*E-mail: aires@virtual.ufc.br
Submetido em: maio - 2017
Aceito ago. - 2017

Resumo
Os avanços e a disseminação do uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) trouxeram novas perspectivas para a área da psicologia
e da educação matemática. Este artigo pretende discutir as abordagens usuais das tecnologias para a educação matemática e a aprendizagem de
conceitos matemáticos. Será abordado um histórico de como os primeiros softwares ligados à matemática contribuíram para o desenvolvimento
de pesquisas na área da psicologia da educação matemática, depois como essas tecnologias avançaram para concepções de desenvolvimento
de recursos que pudessem ser acessados pela Internet. Ainda será apresentado pesquisas que mostram novos rumos para a utilização destas
tecnologias em processo educacional interativo que propicia a produção de conhecimento individual e grupal em processos colaborativos
favorecidos pelo uso de ambientes digitais e interativos de aprendizagem.
Palavras-chave: Conceitos Matemáticos. Tecnologias da Informação e Comunicação. Psicologia da Educação Matemática.

Abstract
Advances and the spread of the use of information and communication technologies have brought new perspectives to ​​psychology and
mathematics education. This article is discussed as usual approaches to mathematical education technologies and mathematical learning
concepts. A history of how mathematics software has contributed to the development of research in the field of mathematics education
psychology has been discussed, as technologies have advanced to the conceptions of resource development that could be accessed through the
Internet. Nevertheless, the results show that the new directions for the use of the technologies in interactive educational process that propitiates
a production of individual and group knowledge in collaborative processes favored by the use of digital and interactive learning environments.
Keywords: Mathematical Concepts. Information and Communication Technologies. Psychology of Mathematics Education.

1 Introdução Educação Matemática e o uso de tecnologias. Em seguida,


serão discutidos trabalhos recentes e apontados tendências
A utilização das tecnologias na aprendizagem de conceitos
matemáticos já vem sendo investigada por pesquisadores nas pesquisas sobre essa relação. A última seção traz as
da área há algumas décadas (Papert, 1985, Laborde, 2002, considerações finais, indicando os desafios e oportunidades
Confrey & Maloney, 2008). Softwares, como LOGO, Cabri que estão por vir.
Géomètre, Simcalc e Funcion Probe, foram desenvolvidos 2 Breve Histórico das Tecnologias na Educação Matemática
para favorecer estudantes na resolução de problemas, no
levantamento e teste de hipóteses, e na reflexão a partir dos Os estudos sobre a relação entre tecnologia e a Psicologia
resultados observados através de manipulações simbólicas. da Educação Matemática remontam à década de 1970. Uma
O desenvolvimento de softwares possibilitou a realização das primeiras linhas de investigação foi realizada com o uso
de inúmeras pesquisas com foco nos processos cognitivos da Linguagem de Programação LOGO, desenvolvida em 1968
relacionados ao pensamento matemático (Kaput, 1992, pelo pesquisador Seymour Papert. O Logo é uma linguagem
Confrey, 1992, Borba, 1993, Dennis & Confrey, 1998). de programação em que o usuário comanda um objeto na tela
As pesquisas apontam a possibilidade das tecnologias em do computador (uma tartaruga) através de comandos simples
utilizar múltiplas representações e de realizar transformações como andar, girar e desenhar. A proposta do LOGO trás em
dinâmicas. sua essência, uma influência da teoria Piagetiana, em especial,
Partindo deste contexto, o presente artigo tem por objetivo a ideia de que a ação de controlar um objeto (a tartaruga) por
discutir a relação entre Tecnologia e a aprendizagem de meio de comandos, leva os alunos a refletirem sobre ideias
conceitos Matemáticos. Primeiramente, será apresentado um matemáticas (Papert, 1985).
panorama histórico dos estudos envolvendo a Psicologia da Diversas pesquisas conduzidas com o LOGO buscaram

93 JIEEM v.10, n.2, p. 93-98, 2017.


CASTRO-FILHO,J.A.; FREIRE,R.S.; CASTRO,J.B.

apontar conexões entre o aprendizado dessa linguagem e o estudo de geometria nas figuras, mas principalmente o de
a compreensão de ideias matemáticas na Geometria e na levantamento e teste de conjecturas.
Álgebra (Hoyles & Sutherland, 1992, Hoyles & Noss, 1992, Trabalhos também foram desenvolvidos na Álgebra.
Abelson & Disessa, 1987, Noss, 1987). Hoyles e Sutherland Inicialmente foram realizado estudos com o uso de
(1992) pesquisaram como o ambiente LOGO proporcionou calculadoras gráficas. Estas permitiam a construção dinâmica
um ambiente capaz de simular experiências que seriam difíceis de gráficos, a partir de equações. Os estudos envolvendo as
se realizadas no lápis e papel. Além do mais, as atividades calculadoras gráficas mostraram ganhos na compreensão de
propostas envolviam professores e alunos em atividades conceitos de função (Kaput, 1992, Schwarz & Hershkovitz,
colaborativas de pensamento. Hoyles e Noss (1992) abordaram 1999). Esses estudos lançaram base para o desenvolvimento
como inserir conceitos do currículo da matemática através do de softwares que permitem múltiplas representações de
uso da Linguagem. Abelson e DiSessa (1987) propuseram o funções (principalmente equações, tabelas e gráficos), dentre
estudo de uma geometria própria, denominada de Geometria os quais pode-se citar o Function Probe (Confrey, 1996,
da Tartaruga, uma versão da geometria computacional, usada Confrey & Smith: 1992). Estudos apontaram diferentes
para trabalhar com diversos assuntos desde polígonos simples abordagens utilizadas pelos alunos na resolução de problemas
até fractais complexas. com o Function Probe que iam além do escopo inicial do
Estudos sobre o uso da Linguagem LOGO para o software (Confrey, 1994, Borba, 1993, Confrey & Maloney,
desenvolvimento de conceitos geométricos também foram 2008, Borba & Villareal, 2005).
desenvolvidos no Brasil. Magina (1988) investigou a Outro software com ambiente dinâmico que explora as
aquisição do conceito de ângulo em crianças de 2ª série1, em múltiplas representações é o SimCalc3, que utiliza o potencial
que diferentes grupos resolveram tarefas envolvendo ângulos das tecnologias como ferramenta de visualização interativa
usando ou não jogos com a linguagem LOGO. Os resultados e simulações ligadas às representações matemáticas, tendo
indicaram que o grupo que participou do treinamento com sido desenvolvido com o objetivo de democratizar ideias
jogos teve um desempenho superior nas tarefas de comparação matemáticas, muitas vezes inacessíveis devido às dificuldades
e estimação de ângulo. Meira (1987) analisou a influência que os estudantes possuem com a álgebra (Kaput, 1994).
de LOGO sobre o desenvolvimento do conceito de ângulo, O SimCalc possui diversos cenários (background) e
comparando-se sujeitos com e sem treino na linguagem. permite aos alunos interagir com objetos animados, cujo
Os resultados apontaram uso de geometrias em ação, que o movimento pode ser simulado e revisto pelo estudante
atuam semelhantemente aos Teoremas-em-ação propostos conforme feedback gráfico mostrado na tela do software.
por Vergnaud (1982) em sua teoria dos campos conceituais. Os resultados de estudos com o SimCalc apontaram que,
Essas pesquisas mostram como a linguagem Logo auxilia o ao utilizá-lo para criar animações, os estudantes passaram a
aluno a observar uma realidade e representá-la por meio da compreender conceitos pré-algébricos, como localização de
construção de sólidos comandando a tartaruga. números em quadrantes e interpretação de gráficos (Roschelle
O aumento da capacidade de realizar transformações & Kaput, 1996, Nickerson, Nydam & Bowers, 2000).
computacionais de forma dinâmica deu margem ao Esta seção mostrou como o desenvolvimento dos primeiros
desenvolvimento de softwares de construção geométrica, softwares proporcionou uma base para o conhecimento da
tais como Cabri-géomètre2 (Baulac, Belleiman & Laborde, contribuição da tecnologia no desenvolvimento de conceitos
1990) e Geometric Supposer. O desenvolvimento desses matemáticos, principalmente quando sua utilização permite a
softwares deu origem a uma área de estudos denominada de ligação entre múltiplas representações de um conceito e sua
Geometria Dinâmica. Ao usar tais softwares, os alunos podem manipulação (Gomes et al., 2002, 2003). Todos esses estudos
levantar e testar hipóteses sobre os desenhos construídos, a contribuíram para respaldar estudos na área da educação
partir de regras pré-estabelecidas, sem se preocupar com a matemática nos quais defendem que a aprendizagem de
imprecisão de desenhos feitos a mão. Além disso, é possível conceitos matemáticos deve envolver um conjunto de
que os estudantes verifiquem o que muda e o que permanece situações. Além disso, esses softwares podem trabalhar
constante quando uma transformação acontece. com diversas representações simbólicas que favorecem
Segundo Dennis e Confrey (1998), a geometria aos estudantes uma melhor compreensão das propriedades
dinâmica favorece o estabelecimento de relações entre dos conceitos, estabelecendo diferenças entre significados
geometria e álgebra, na medida em que compreendem que envolvidos nas situações (Vergnaud, 1990).
as representações geométricas de gráficos são consistentes Apesar dessas contribuições, muitos desses softwares são
com a experiência física geométrica. Hoyles e Jones (1988) de difícil assimilação tanto por parte dos professores como
defendem que a geometria dinâmica possibilita não apenas por parte dos alunos. Além disso, sua utilização nas escolas

1 atual 3° ano do ensino fundamental.


2 http://www.cabri.com/
3 http://www.simcalc.umassd.edu

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Tecnologia e Aprendizagem de Conceitos Matemáticos

enfrentou dificuldades técnicas, como contratar licenças, Com o surgimento da internet, esses OA puderam ser
instalar e utilizar esses programas. Ao final da década de armazenados em repositórios educacionais, os quais estão
1990, verificam-se grandes transformações nas concepções alinhados a uma perspectiva de aprendizagem aberta,
de desenvolvimento de recursos que pudessem ser acessados colaborativa e de apoio para que o professor possa desenvolver
pela internet, trabalhassem com conceitos específicos, práticas de utilização destes recursos (Silva, Café, & Catapan,
contextualizados, de fácil utilização e com baixo custo 2010).
de produção quando comparados a softwares educativos. Inicialmente a web tinha características limitadas, já que
Esses recursos receberam várias denominações até ficarem devido a sua estrutura estática, a participação do usuário
conhecidos como objetos de aprendizagem (OA) (Wiley, era reduzida, pois necessitava do domínio de linguagens
2000). Na próxima seção serão discutidas a linha de pesquisas de programação, estimulando o modelo emissor-meio-
em torno da utilização desses recursos. mensagem-receptor (Cormode, & Krishnamurthy, 2008).
Atualmente, devido às evoluções que vêm passando, tem
3 Objetos de Aprendizagem e Conceitos Matemáticos
como característica principal os canais colaborativos,
Uma série de pesquisas tem sido conduzida para identificar nos quais os usuários podem ser emissores e receptores,
a contribuição efetiva de OA na aprendizagem de conceitos alimentando a interatividade e a socialização, requisitando
matemáticos. Dentre estas pode-se citar o conjunto de estudos a necessidade de compreender como as mudanças sociais e
realizados com o OA Balança Interativa4, que visa introduzir também as pedagógicas são também propiciadas pelo seu uso.
conceitos algébricos como equação e incógnita (Freire, 2007, Por intermédio da internet, alunos e professores podem
Castro-Filho et al, 2008, Castro-Filho, Freire, & Fernandes, acessar e explorar diferentes recursos, acessar e publicar
2010). O OA usa uma metáfora da balança de dois pratos vídeos, construir páginas e blogs para registrar os resultados
com pesos conhecidos e desconhecidos para representar de projetos ou atividades desenvolvidas. Além do mais, a web
conceitos algébricos de forma icônica. O desafio é encontrar social, permite que essas atividades sejam compartilhadas,
o valor dos pesos desconhecidos, através de comparações apresentadas e comentadas para outros professores e alunos
com os pesos conhecidos. As atividades favorecem um de qualquer lugar do mundo.
suporte representacional para o desenvolvimento de conceitos Essas mudanças na Internet estão retratadas na próxima
algébricos, como a noção de incógnita. Essas constatações seção que discute a tendência atual de utilização das
também foram encontradas em outros estudos da área da tecnologias no ensino da matemática.
psicologia da educação matemática, no entanto, sem o uso
4 Panorama Atual da Tecnologia e Aprendizagem de
de tecnologias (Falcão, 2003, Lins & Gimenez, 2005). A
Conceitos Matemáticos
grande diferença nos achados com o Balança Interativa é a
possibilidade de integrar noções de equação e inequação em Na seção anterior, percebemos que a experimentação de
um mesmo contexto. OA pode permitir, aos alunos, reformular e rejeitar hipóteses,
Os resultados das pesquisas com esse OA têm mostrado lançar novas questões e constatar dúvidas em situações não
que os alunos desenvolvem diversas estratégias ao resolver previstas pelo professor. Sendo assim, pode-se observar
as situações problemas propostas. Além disso, apresentam que, nos últimos anos, o computador tem favorecido o
ganhos quando comparados com o uso de situações desenvolvimento e as experimentações matemáticas,
semelhantes usando uma balança de dois pratos real (Castro- potencializando formas de resolução de problemas e produção
Filho, Freire & Fernandes, 2010). Macêdo, Lautert & Castro- colaborativa. Tais recursos têm sido cada vez mais utilizados
Filho (2011) mostraram que os estudantes possuem melhores na escola para apoiar diferentes situações de aprendizagem.
desempenhos na resolução de problemas e equações algébricas No entanto, é preciso avançar em pesquisas que tragam
quando submetidos a uma sequência didática baseada no OA indícios de como a tecnologia pode contribuir na criação de
quando comparados aos estudantes de um grupo controle que ambientes de aprendizagem significativos e propícios para a
não usou o OA. produção coletiva.
Barreto e Castro-Filho (2008) investigaram como o OA Pesquisas como Castro (2012), Castro e Castro-Filho
Desafio Funções5 auxilia na aprendizagem de conhecimentos (2015) e Castro (2016), através desta cultura digital e dentro
sobre interpretação de gráficos. O OA trabalha com localização de uma linha sociocultural da aprendizagem, mostram
de pontos no plano cartesiano em situações envolvendo como a exploração de ferramentas da web e de dispositivos
despesas, receitas e lucros de uma empresa. A partir desse móveis, por exemplo, contribuem para o desenvolvimento de
contexto, os conceitos ligados a funções como crescimento e atividades em que os sujeitos constroem conceitos, resolvem
decrescimento puderam ser explorados em atividades de sala problemas e socializam soluções de forma conjunta.
de aula. Em pesquisa de intervenção realizada por Castro (2012)

4 Disponível em: http://www.proativa.virtual.ufc.br/oa/balanca/balanca.html.


5 O OA remodelado e denomina-se Desafio Empresarial -http://www.proativa.vdl.ufc.br/oa/desafio/desafio.html.

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CASTRO-FILHO,J.A.; FREIRE,R.S.; CASTRO,J.B.

investigou-se como um conjunto de atividades baseada no uso situações reais por meio de fotografias, textos, áudios, tabelas,
de OA e outras ferramentas da web, como blog, pode contribuir gráficos, desenhos, dentre outras formas de representação.
na aprendizagem de conceitos envolvidos no tratamento da O referido aplicativo também foi utilizado para incentivar
informação6 como construção e interpretação de gráficos de a interpretação de gráficos, sendo importante espaço para
barras e de setores. Para isso, os conceitos matemáticos foram a socialização de diferentes estratégias utilizadas pelas
inseridos em situações vinculadas ao cotidiano, relacionando crianças na interpretação. Segundo Castro (2016), as
os gráficos (de barras e de setores) ao conhecimento diário, atividades propostas na intervenção com o uso do WhatsApp
além da exploração de outros conhecimentos curriculares contribuíram para a construção de significados e para a
como Ciências, Língua Portuguesa, Geografia, História e produção de conhecimento, proporcionando o engajamento
Música. dos estudantes às atividades, o que pode ser constatado pela
Ao analisar o projeto Um Mundo de Informações7, mudança de postura e comportamento frente ao processo de
desenvolvido por Castro (2012), verificou-se a combinação aprendizagem.
de diferentes linguagens e tecnologias integradas ao currículo A produção dos vídeos também contribuiu para a construção
escolar, favorecendo a construção e compreensão de gráficos. de significados e um melhor entendimento conceitual, já que
Castro & Castro Filho (2015), ao analisarem o processo de durante o processo de produção, os grupos (re)definiam os
construção de notícias e o jornal digital produzido neste temas; (re)construíam a história que seria contada no vídeo;
projeto, ainda constataram o desenvolvimento do pensamento escolhiam personagens, dentre outros elementos, de modo
estatístico a partir de situações de coleta de dados, de a contextualizar e dar sentido a situação criada por eles. Os
classificação, de escolha da amostra, de cruzamento de grupos precisaram ter bem claro os aspectos matemáticos que
variáveis e da definição do gráfico; favorecidos pela mediação estariam nas situações criadas.
e a combinação de tecnologias. Podemos inferir que a forma Analisando estas atividades desenvolvidas por Castro
como as tecnologias foram usadas enfatizou a exploração dos (2016) durante intervenção, constata-se as possibilidades
dados, as simulações, as investigações de problemas com do uso de tecnologias digitais no contexto escolar, já que
dados reais e envolvimento dos alunos em ferramentas para proporcionou diversificação de experiências concretas,
o trabalho coletivo. propiciando a transposição dos conceitos estudados para
Castro (2016) realizou uma intervenção, explorando contextos reais, ou seja, vivenciados diariamente. Fazer
uma linha sociocultural de aprendizagem, por meio de um essa transposição significa explorar a matemática, não de
projeto intitulado Pensar, Conectar e Fazer8 com objetivo forma superficial e artificial, mas permitindo que adaptem
de investigar as contribuições de abordagens com o uso de os conceitos aprendidos a novos cenários. Essas atividades
tecnologias digitais no desenvolvimento do conceito de trouxeram reflexões sobre o desenvolvimento de um conceito
covariação9 presente nas estruturas multiplicativas. Dentre em um contexto sociocultural significativo similar ao que
as atividades mais relevantes, têm-se: (1) a construção Vygotsky (1990) encontrou em seus estudos sobre conceitos
e interpretação de gráficos com o software Geogebra; espontâneos e conceitos científicos.
(2) a criação de infográficos com o aplicativo Cacoo10; Estas pesquisas (Castro, 2012, 2016; Castro & Castro-
(3) discussões no aplicativo de mensagens instantâneas Filho, 2015) apresentam indícios que extrapolam o uso da
WhatsApp11; e (4) produção de vídeos. tecnologia para a visualização ou representação de situações
A combinação de tecnologias possibilitou a exploração em múltiplas representações, mas o entendimento do uso
de múltiplas representações de situações reais, criadas pelos de tecnologia para possibilitar a produção de conteúdo
alunos a partir de pesquisas em supermercados, mercados pelos estudantes, ampliadas com as novas características da
e outros contextos sociais. Os infográficos continham internet. Essa possibilidade de produção vai muito além da
representações icônicas, tabulares e gráficas e, em alguns exploração de informações contidas em sites para a realização
casos, textos; contribuindo para a interpretação e compreensão de um trabalho, pois as tecnologias amplificam as formas de
das relações de covariação. comunicação; de produção, de representação e, principalmente,
Outra ferramenta que incentivou descobertas dentro e, da integração de tecnologias que a web permite aos usuários.
fora da escola, foi o Whatsapp que possibilitou o registro de A exploração de ferramentas da web tem contribuído para o

6 Bloco de conteúdo dos Parâmetros Curriculares Nacionais que tem como um dos objetivos o desenvolvimento da transversalidade, do espírito cien-
tífico e da formação cidadã dos estudantes.
7 http://1mundodeinformacoes.blogspot.com.br.
8 http://pensar-conectar-fazer.blogspot.com.br/
9 Conceito que possui vínculo com o raciocínio multiplicativo, já que está ligado ao estabelecimento de uma relação fixa entre duas quantidades de
mesma natureza ou distinta e uma relação constante entre elas. Desta forma, a “covariação envolve a coordenação entre essas duas relações, funcionais
e escalares, já que, para compreender como a relação entre duas grandezas varia em conjunto, é preciso entender que a relação entre elas permanece
constante, ou seja, que a relação funcional é a mesma para esse conjunto de variáveis” (CASTRO, 2016, p. 209).
10 https://cacoo.com/
11 https://www.whatsapp.com/?l=pt_br

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Tecnologia e Aprendizagem de Conceitos Matemáticos

desenvolvimento de atividades em que os sujeitos constroem Barreto, A. L. O., & Castro Filho, J. A. O estudo de funções
conceitos, resolvem problemas e socializam soluções de mediado por um objeto de aprendizagem. In: Anais do II
Simpósio Internacional De Pesquisa E Educação Matemática
forma conjunta, permitindo a reflexão das diferentes situações – SIPEMAT. Recife: Universidade Federal Rural de
que surgem em determinados contextos. Pernambuco, 2008.
Baulac, Y., Belleiman, F., Laborde, J.-M. (1990). Cabri-
4 Conclusão
géomètre© [Programa de Computador]. Berlin: Cornelsen.
Os Estudos trazidos neste artigo apontam para um Borba, M. (1993). Students’ understanding of transformations
entendimento sobre como as tecnologias colaboram para of functions using multi-representational software. Ithaca:
um avanço na compreensão de conceitos matemáticos. Em Cornell University.
conjunto, os dados discutidos apontam que as tecnologias Borba, M. C., Villarreal, M. E. (2005). Humans-with-Media and
the Reorganization of Mathematical Thinking: Information
devem estimular o raciocínio matemático e a resolução
and Communication Technologies, Modeling, Visualization
de problemas de uma forma que os alunos possam utilizar and Experimentation. Springer Books.
diversas representações, compreender processos e resultados
Britto, M. R. F. (2011). Psicologia da Educação Matemática: Um
matemáticos. Devem ainda permitir aos alunos a exploração ponto de vista. Educar em Revista, 29-45.
de diversas vertentes como as orais e a escrita para interpretar, Castro Filho, J. A., & Freire, R. S. (2010) Fernandes, A. C.
compreender e apresentar não somente suas ideias, mas Development of Early algebra concepts through the use
também as ideias dos outros, participando de forma construtiva of digital learning objects. In: 34th Conference of the
International Group for the Psychology of Mathematics
e colaborativa com seus pares.
Education, 2010, Belo Horizonte. Proceedings of the 34th
O desenvolvimento da capacidade de comunicação e conference of the International Group for the Psychology of
utilização de diversas ferramentas da web pode ser considerada Mathematics Education.
um aspecto cognitivo importante para aprendizado de Castro Filho, J. A., Freire, R. S., Fernandes, A. C. & Leite, M.
conceitos matemáticos, uma vez que a matemática escolar A. (2008). Quando objetos digitais são efetivamente para
aprendizagem: o caso da matemática. In: XIX Simpósio
é um conjunto de iniciativas estruturadas e atividades
Brasileiro de Informática na Educação (SBIE), 2008,
matemáticas voltadas para a negociação, em contexto cultural Fortaleza. Anais do XIX SBIE. Porto Alegre: Sociedade
específico, a sala de aula. brasileira de Computação (pp. 583-592).
A aprendizagem é um fenômeno social, por isso atenta-se Castro Filho, J. A., Leite, M. A., Freire, R. S., & Macêdo, L.
para a importância que pesquisadores da matemática escolar N. (2008). O desenvolvimento de conceitos matemáticos e
científicos com o auxílio de Objetos de Aprendizagem. In:
possam avançar em ideias que explorem todo o potencial das
Lopes, C. R., & Fernandes, M. A. Informática na educação:
ferramentas da web como forma de trazer novos avanços e elaboração de objetos de aprendizagem. Uberlândia:
compreender a aprendizagem de conceitos matemáticos EDUFU.
nesses contextos. De acordo com esta perspectiva, conceitos Castro, J. B. (2016). Construção do conceito de covariação por
e representações matemáticas são construídos e comunicados estudantes do Ensino Fundamental em ambientes de múltiplas
representações com suporte das tecnologias digitais. Tese
em interações sociais e práticas culturais específicas, que são
(Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Ceará,
aspetos importantes para a aprendizagem matemática. Fortaleza.
A utilização de diversas ferramentas da web oportuniza Castro, J. B. (2012). A utilização de objetos de aprendizagem
o que Britto (2011) chama atenção sobre a aprendizagem de para a construção e compreensão de gráficos estatísticos.
conceitos matemáticos. Segundo a autora, o conhecimento Dissertação (Mestrado em Educação Universidade Federal
do Ceará).
deve ser construído pelo sujeito através de formas significativas
próprias a partir do estabelecimento de elos significativos Castro, J. B., & Castro Filho, J. A. (2015). Desenvolvimento do
pensamento estatístico com suporte computacional. Educ.
entre os materiais utilizados em sala de aula e os elementos já
Matem. Pesq., 17(5), 870-896,
presentes na estrutura cognitiva. Além do mais, para a autora,
Confrey, J. (1992). Using computers to promote students’
investir no aprendizado de conceitos matemáticos significa inventions on the function concept. In: L.R., Malcom, &
que devemos oportunizar fatores ambientais como a cultura, a K., Scheongold. The year in school science. (pp.141-174).
tecnologia e as práticas educacionais. Washington: American Association for the Advancement of
Science.
Este trabalho mostra ainda que apesar de todo avanço das
tecnologias, as bases teóricas e experimentais da pesquisa Confrey, J., & Maloney, A. (2008). Research-design interactions
on building function probe software. In W., Glendon, M.K.H.,
em tecnologias na aprendizagem da matemática foram Blume. (Org.). Research on technology and the teaching and
estabelecidas desde os pioneiros estudos comentados na learning of mathematics: Vol. 2, Cases and perspectives.
introdução do artigo. Information Age Publishing.
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as a medium for exploring mathematics. Cambridge: MIT. representational software for learning about functions.

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ANOTAÇÕES

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O “SETOR TRIGONAL” E O “SABER-FAZER” MATEMÁTICO NOS
SÉCULOS XVI E XVII
Fumikazu Saito
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
fsaito@pucsp.br

Resumo: Neste trabalho apresentamos o instrumento como suporte que vei-


cula conhecimentos do “saber-fazer” matemáticos dos séculos XVI e XVII,
tendo por foco o “setor trigonal” (trigonal sector) de John Chatsfeild (fl. 1638).
Os setores, muito utilizados por artesãos e artilheiros, eram verdadeiras “cal-
culadoras” que ajudavam a simplificar cálculos bastante laboriosos a partir de
finais do século XVI. As diferentes escalas que os compõem permitiam realizar
variados cálculos não só aritméticos, mas também geométricos e trigonomé-
tricos. Entretanto, diferentemente dos tradicionais setores, que comumente
são compostos de duas “pernas”, o “setor trigonal” incorpora num quadrante
de círculo dois diferentes tipos de escalas e duas réguas por meio dos quais
são realizados diferentes cálculos. Um estudo preliminar das partes desse ins-
trumento, bem como de seu uso, tem revelado diversos aspectos das práticas
matemáticas nos séculos XVI e XVII em que “matemáticos” e “praticantes de
matemáticas” compartilharam não só técnicas, mas também conhecimentos
matemáticos.
Abstract: This work deals with instrument as a material supporting knowl-
edge of “knowing by doing” mathematics in sixteenth and seventeenth cen-
turies, by focusing on the “trigonal sector” by John Chatsfeild (fl. 1638). The
sectors, widely used by artisans and gunners, were authentic “calculators” that
helped them to simplify laborious calculations from late sixteenth century on-
ward. The different scales that made up these sectors allowed artisans and gun-
ners to perform different types of operations such as arithmetic, geometric and
trigonometric calculations. However, unlike the traditional sectors which usu-
ally have two “legs”, the “trigonal sector” embodies a quadrant and two dif-
ferent types of scales along with two rulers by which different types of calcu-
lations can be performed. A preliminary study considering the parts of trigo-
nal sector and its use has revealed different facets of mathematical practices
at that time, when “mathematicians” and “mathematical practitioners” shared
not only technical skills, but also mathematical knowledge.

Apoio: CAPES e CNPq/Projeto Universal (proc. no. 484784/2013-7).

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


192 O “SETOR TRIGONAL” E O “SABER-FAZER” MATEMÁTICO

1 Introdução
Em 1650, John Chatfeild (fl. 1638) publicou um opúsculo intitulado The Trigo-
nall Sector. Este tratado, como muitos outros que saíram das prensas a partir do
século XVI, apresenta a descrição da construção e do uso de um instrumento
matemático para resolver problemas de ordem prática [Daumas, 1972; Hack-
mann, 1989; Turner, 1998].1 Denominado “setor trigonal”, este “instrumento
geométrico”, tal como Chatfeild o designou, propiciava estabelecer diferentes
relações encontradas entre os lados, os ângulos e as alturas de triângulos.

Figura 1: Frontispício da obra [Chatfield, 1650]

Sobre John Chatfeild, pouco sabemos. Segundo Taylor [1954, 236], com base
na informação encontrada no postcript desse tratado, observa que ele é conhe-
cido apenas por ter descrito o setor trigonal, vendido por Anthony Thompson
(fl. 1638–1665), um famoso fabricante de instrumentos que residia em Hosier
Lane, em Smithfield, Inglaterra. Além disso, embora o postcript mencione que
Chatfeild teria desenvolvido outro instrumento, denominado “esfera horográ-
fica” (Horographicall Spheare) — útil para se compreender a arte de medir o
1 Denominamos “instrumentos matemáticos”, aqueles concebidos para medir o que Aristó-
teles [1952, 9] denominava “quantidades” (distância e ângulos). Estudos a esse respeito podem
ser consultados em: [Bennett, 1991, 1998, 2003; Saito, 2012, 2013]. Sobre os praticantes de mate-
máticas, consulte: [Taylor, 1954; Bennett 1991, 2003; Hill, 1998; Higton, 2001; Mosley, 2009].

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


FUMIKAZU SAITO 193

tempo — não temos, entretanto, notícias do insturmento, nem da existência


de um tratado que versasse sobre ele.
No que diz respeito ao setor trigonal, não encontramos também registro
dele em museus. Referências existentes a seu respeito, portanto, reduzem-se
apenas a esse pequeno escrito que, à primeira vista, parece tratar-se mais um
instrumento de medida utilizado por praticantes de matemáticas, particular-
mente agrimensores.2
De fato, sua forma e seus atributos são muito semelhantes aos diferentes
quadrantes que foram utilizados desde a Idade Média. Tendo por base o título
da obra, o instrumento foi concebido para resolver problemas “planimétricos”
(planimetrical) e “altimétricos” (altimetrical), ou seja, problemas que, desde a
Idade Média, vinham se ocupando agrimensores e outros praticantes de ma-
temáticas, que lidavam com a medida no plano (comprimento e largura) e a
elevação, no sentido de altura de uma construção (ou monte), ou de profundi-
dade de um poço (ou vale). Esses dois aspectos “planimétricos” e “altimétricos”
empregavam diferentes técnicas de medida que sempre estavam relacionados
a diferentes tipos de instrumentos matemáticos.3
Podemos dizer que o setor trigonal perpetuava ainda a antiga tradição da
practica geometriae que remontava ao século XI4 . Entretanto, ele incorpora ou-
tros atributos que não estavam presentes nos instrumentos medievais. Nesse
instrumento, as escalas angulares e lineares5 são dispostas de tal maneira a per-
mitir o cálculo de relações trigonométricas, tais como senos, tangentes, secan-
tes e comprimentos de cordas para diferentes ângulos. Além disso, vem equi-
pada com “linhas de plano” que auxiliam no cálculo da medida de áreas de
diferentes tipos de triângulos (figura 2).
Chatfeild descreveu o instrumento da seguinte maneira:

Ele consiste de uma placa quadrada de metal, ou de madeira, em


cujos lados são fixadas lâminas, ou longos filetes, que se projetam
um pouco além da placa nas beiradas dos lados. Além disso, con-
tém dois marcadores que são fixados em duas extremidades de um
dos lados da placa. Estes marcadores movem-se em torno de seus
respectivos centros (ou extremidades) e podem ser aplicados um
sobre o outro de modo a cruzarem-se e a formarem um ângulo en-
tre si. Este ângulo deverá completar 180 gr. juntamente com os ou-
2 Sobre os agrimensores consulte, [Lewis, 2001; Vitrúvio, 1999; Thulin, 1913].
3 Vide, por exemplo, os tratados de [Bartoli, 1564; Fineo, 1556; Danti, 1586].
4 Sobre a practica geometriae, consulte [Zaitsev, 1999; Hugh of Saint Victor, 1961; 1991].
5 Denominamos essas escalas “lineares” apenas para distingui-las de outras que se encon-
tram marcadas em “graus”, aos quais doravante serão referenciadas por “angulares”.

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194 O “SETOR TRIGONAL” E O “SABER-FAZER” MATEMÁTICO

Figura 2: O setor trigonal [Chatfield, 1650, “contracapa”]

tros dois ângulos formados pelos dois marcadores e o Raio, isto é,


o lado do quadrado que contém os dois centros onde são fixados
os marcadores (...). [Chatfeild, 1650, 1–2, tradução nossa].

Por outras palavras, o instrumento possui três escalas “lineares” que se en-
contram divididas em 100 partes iguais. Essas escalas podem ser ajustadas uma
sobre a outra, ou seja, sobre os marcadores, tal como podemos observar na fi-
gura 3. Além disso, as lâminas do lado esquerdo e superior do instrumento
encontram-se marcadas em “graus” (a da esquerda até 45° e a superior, 90°).
Soma-se ainda, a inscrição de um quarto de círculo em seu interior, graduado
de 0 a 90°, cujo centro coincide com o centro do marcador do lado esquerdo.
E na superfície desse quarto de círculo são traçadas linhas paralelas ao “Raio”
(denominadas “linhas de plano”), isto é, à lâmina inferior, que se encontra gra-
duada de 1 a 10, tal como uma das escalas lineares. A distância dessas linhas pa-
ralelas corresponde exatamente às divisões da escala linear e são numeradas
de 1 a 10 como na figura 3.
O instrumento, dessa maneira, possibilitava “construir” nele diferentes tri-

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


FUMIKAZU SAITO 195

Figura 3: As partes do setor trigonal (figura nossa)

ângulos pela simples sobreposição das lâminas móveis, tais como podemos
observar na figura 4. A construção desses triângulos, ou melhor a “representa-
ção de diferentes triângulos (retângulo, acutângulo, obtuso)”, tal como se refere
Chatfeild, parece ser a característica principal desse setor. Por meio da repre-
sentação de diferentes triângulos, o instrumento permitia realizar diferentes
tipos de cálculo.
O setor trigonal, como muitos outros do mesmo tipo fabricados naquela
época, era um instrumento que possibilitava realizar cálculos laboriosos. Em
seu tratado, Chatfeild descreve quatorze operações que poderiam ser executa-
das utilizando-se o instrumento.6 Essas operações incluem o cálculo de tan-
gente, de secante, de seno, de medidas de áreas de triângulos, divisão de nú-
meros, extração de raízes quadrada e cúbica etc. Entretanto, diferentemente de
outros setores comuns naquela época, que continham variadas linhas e escalas
(lineares, trigonométrica, de planos, de volumes, de polígonos etc.), o setor tri-
6 Chatfeild fornece em seu tratado quatorze instruções para manusear o instrumento. Vide:
[Dias e Saito, 2014].

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196 O “SETOR TRIGONAL” E O “SABER-FAZER” MATEMÁTICO

Figura 4: Diferentes triângulos podem ser “construídos” por meio das lâminas
(figura nossa)

gonal parece ser um instrumento mais simples, visto que traz inscrito apenas
dois tipos de escalas: linear e angular.
Se considerarmos o frontispício da obra que anuncia que este instrumento
“. . . é muito mais adequado para resolver [problemas] em todos os triângulos
retângulos com maior facilidade e deleite. . . ” (figura 1), poderíamos concluir
que se tratava de um instrumento mais fácil e mais “prático” de ser manuseado,
comparado aos setores disponíveis a navegadores, astrônomos e agrimensores
naquela época. Contudo, uma primeira análise desse tratado revelou-nos que
o setor trigonal provavelmente nunca foi utilizado, efetivamente, pelos pra-
ticantes de matemáticas. Como veremos a seguir, embora seja possível rea-
lizar cálculos razoavelmente precisos com bastante facilidade, há indícios de
que esse instrumento era utilizado para iniciar os estudantes nas matemáticas,
principalmente ao estudo das propriedades dos triângulos, e instruir navega-
dores, agrimensores, e outros interessados em matemáticas no uso de setores.

2 Setores e compassos
O setor é um instrumento composto por “duas pernas” e geralmente é confun-
dido, por causa de sua semelhança, com o compasso de proporção (proportio-
nal compass), inventado no século XVI. A confusão de terminologia tornou-se
mais acentuada à medida em que novos atributos começaram a ser incorpora-
dos a esse instrumento. Alguns fabricantes de instrumentos ao longo dos sé-

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


FUMIKAZU SAITO 197

culos XVI e XVII passaram a combinar alguns aspectos do setor aos compassos,
mantendo, entretanto, o mesmo nome.
Utilizados para realizar diversas operações aritméticas, principalmente
multiplicação e divisão, e também trigonométricas, os setores eram instru-
mentos muito úteis e populares até o século XVIII, quando então foram grada-
tivamente substituídos pelas réguas de cálculo [Hopp, 1999]. Esses instrumen-
tos surgiram numa época em que a navegação, a artilharia, a agrimensura e a
crescente exigência de cálculos mais sofisticados para atender os estudiosos de
filosofia natural e astronomia demandavam por métodos mais eficientes para
realizar cálculos bastante laboriosos.
Embora não se tenha notícias da origem dos setores, sabe-se que foram in-
ventados por diferentes fabricantes de instrumentos e praticantes de matemá-
ticas no século XVII. Estudiosos ingleses atribuem-no a Thomas Hood (fl. 1577–
1598), médico e fellow do Trinity College, Cambridge [Taylor, 1954, 179]. Hood
publicou, em 1598, um tratado intitulado The Making and use of the Geome-
tricall Instrument called a sector, em que descreveu o instrumento e os seus
diferentes usos, organizados em diversos “exercícios” [Hood, 1598].
Por outro lado, no continente europeu, a invenção do instrumento é atri-
buída aos italianos. De fato, o setor mais conhecido e famoso, certamente, é
o compasso geometrico e militare de Galileu Galilei (1564–1642). Esse instru-
mento, que não era um invento original, mas um aperfeiçoamento de antigos
compassos, foi dirigido para facilitar operações em problemas práticos de en-
genharia e de arquitetura militar. A esse respeito, é bem conhecido dos histo-
riadores da ciência a controvérsia entre Galileu e Baldassare Capra (1580–1626)
que alegou que Galileu o tinha plagiado [Drake, 1995, 120–121].
É difícil reconstruir as circunstâncias pelas quais Galileu e Hood desenvol-
veram seus instrumentos. Os setores têm por base técnicas e dispositivos an-
tigos que já eram bastante conhecidos e disseminados entre artesãos e alguns
filósofos naturais e matemáticos [Camerota, 2000]. Na península itálica, por
exemplo, encontramos a squadra de Niccolò Tartaglia (1499–1557), descrito em
Della nova scientia (1550) e Qvesiti et inventioni diverse (1554)7 . A squadra foi
utilizada por Tartaglia e pelos artilheiros para medir a inclinação do canhão de
modo a encontrar o melhor ângulo de disparo. Esse instrumento, que era uma
combinação de esquadro de carpinteiro com um quadrante (um quarto de cír-
culo) dividido em 12 arcos iguais, com um fio de prumo anexado ao seu vértice,
era bem conhecido por Galileu [Drake, 1995, 38]. Segundo Drake, Galileu te-
7 Consultamos a edição fac-símile organizada por Arnaldo Masotti [Tartgalia, 1959] e a edição
[Tartaglia, 1606]. A squadra encontra-se descrita em Tartaglia [1606, “Epistola”] e em Tartaglia
[1606, I, 8; 1558, I, 5r].

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


198 O “SETOR TRIGONAL” E O “SABER-FAZER” MATEMÁTICO

ria adicionado ao quadrante da squadra outras escalas, dividindo-o em vários


graus de modo a ser útil em observações astronômicas. Além disso, ele teria
anexado uma dobradiça ao vértice e incluído ainda outras escalas nas duas lâ-
minas do esquadro, tal como fizera Guidobaldo del Monte (1545–1607) em ou-
tro instrumento por ele inventado [Drake, 1995, 39, 44–45]. Assim, com essas
mudanças e a introdução de novas escalas, Galileu teria transformado o antigo
instrumento num “instrumento de calcular” ao qual ele denominara compasso
geometrico e militare [Drake, 1977].

Figura 5: Setor de Gunter [Gunter, 1623].

No que diz respeito ao setor de Hood, este parece ter sido inspirado pelo
instrumento em forma de um compasso plano e achatado encontrado na obra
de Petrus Ramus (1515–1572), intitulado Arithmeticae libri duo, publicado em
1569. Nessa obra, Ramus descreve um compasso com as pernas achatadas
nas quais se encontram inscritas escalas de medida [Ramus, 1569, I, 2]. Além
disso, o setor parece ter sido um instrumento bem conhecido dos pratican-
tes de matemáticas ingleses. Estudos em história da ciência têm revelado que
tanto Hood, quanto Edmund Gunter (1581–1616), conhecido professor de astro-
nomia de Gresham College entre 1619 e 1626, tinham conhecimento dele na-
quela época. Segundo Taylor [1954, 196], Gunter já havia publicado um tratado
em latim descrevendo o setor e seu uso por volta de 1607. Esse tratado teria
circulado pouco naquela época, diferentemente da versão em vernáculo, inti-

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


FUMIKAZU SAITO 199

tulada Description and vse of the Sector, publicada em 1623, que ganhou ampla
repercussão.
Galileu e Hood utilizaram de forma intercambiável o termo “compasso” e
“setor”. Isso porque esses dois instrumentos se assemelhavam em vários as-
pectos e eram descritos em diferentes tratados dedicados à astronomia, nave-
gação, arquitetura, desenho e agrimensura. O que aproximava esses dois ins-
trumentos, entretanto, não era apenas a sua forma, mas também o propósito
para o qual foram desenvolvidos.
Um dos fatores que impulsionou o desenvolvimento desses instrumentos
foi a necessidade de encontrar meios para medir pequenas grandezas. Assim,
em meados do século XVI, compassos de proporção (proportional compass)
foram inicialmente concebidos para aprimorar os astrolábios e outros instru-
mentos utilizados na observação astronômica, permitindo medir com mais
precisão a mínima fração de grau [Camerota, 2000, 9].
É difícil também rastrear a origem desses compassos, mas pode-se dizer
que ele era muito utilizado por desenhistas e arquitetos, pois, além de ser útil
para reduzir ou aumentar as dimensões dos desenhos proporcionalmente, o
instrumento possibilitava inscrever polígonos regulares em círculos e calcular
as raízes quadradas e cúbicas de números.
No que diz respeito a sua composição, o compasso de proporção (propor-
tional compass) é constituído de “duas pernas” como um compasso comum.
Entretanto, o pino que une as “duas pernas”, que pode ser móvel ou não, era
localizado no centro do compasso (figura 6). Quando o compasso era aberto,
os dois pares de “pernas” (as de cima e as debaixo), se estendiam, permitindo
medir a distância entre dois pontos. Dependendo da posição do pino, a distân-
cia de dois pontos (os debaixo, por exemplo) encontrava seu correspondente
proporcional nos outros dois pontos (os de cima).
Embora fosse bastante versátil, o compasso de proporção (proportional
compass) era, entretanto, limitado. O instrumento tinha uso restrito, visto que
o fabricante não podia inscrever nele diferentes escalas, além daquelas permi-
tidas pelas estreitas “pernas”. Desse modo, ele foi modificado, mantendo, en-
tretanto, sua concepção básica, tal como mencionamos no caso do compasso
geometrico e militare de Galileu. Ou seja, as “duas pernas” do compasso foram
achatadas e receberem diferentes “linhas” ou escalas, permitindo-lhe realizar
diferentes operações aritméticas, tais como a multiplicação e a divisão.
Podemos dizer que a principal diferença entre o setor e o compasso de pro-
porção (proprotional compass) está no maior número de escalas que o setor
permite que nele se inscreva. Os dois instrumentos têm por base o princípio
da semelhança de triângulos, porém as diferentes escalas geométricas empa-

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


200 O “SETOR TRIGONAL” E O “SABER-FAZER” MATEMÁTICO

Figura 6: proportional compass [Barrow, 1792].

relhadas nas duas pernas do setor fazem dele um instrumento muito mais ver-
sátil.
Contudo, o setor também sofreu modificações, recebendo novas e diferen-
tes escalas e outros atributos ao longo ao século XVII. Surgiram variadas ver-
sões do instrumento que adotaram recursos adicionais com vistas a desenvol-
ver um instrumento universal que permitisse medir e realizar todos os tipos
de cálculo. O instrumento dessa maneira se tornou cada vez mais complexo
e sofisticado de modo que o seu manuseio passou a requerer conhecimentos
técnicos e matemáticos mais sólidos para poder operá-lo. Assim, é nesse con-
texto em que o uso de setores se disseminava entre os diferentes segmentos da
sociedade, requisitando cada vez mais recursos da arte de medir e de calcular,
que o setor trigonal de Chatfeild deve ser compreendido.

3 O setor trigonal
Como já mencionamos, há fortes razões para supor que este instrumento foi
concebido para instruir navegadores, agrimensores e outros interessados em

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


FUMIKAZU SAITO 201

matemáticas no uso de setores. De fato, na introdução à obra, em Ao leitor,


Chatfeild observa que a obra é útil para aprendizes e para mestres na arte de
medir e calcular:

Tu tens aqui apresentado, para tua apreciação, a descrição e o uso


de um Instrumento Geométrico por meio do qual (se tu és ainda
um aprendiz) podes compreender, corretamente, a doutrina dos
triângulos com maior facilidade: mas se tu já avançaste nas maio-
res dificuldades, e és um Mestre nessa arte, sem dúvidas, mesmo
assim, tu encontrarás algo aqui que te interessará e que, talvez,
possa ajudar-te a realizar aquelas coisas com maior rapidez e fa-
cilidade do que costumavas a fazê-las (...). [Chatfeild, 1650, “To the
Reader”, tradução nossa].

São várias as razões que nos faz suspeitar que o setor trigonal era um ins-
trumento utilizado para introduzir o agrimensor, astrônomo ou navegador no
uso do setor. Um dos primeiros indícios é a inexistência (pelo menos até o
momento) do instrumento em museus. Muitos setores sobreviveram e estão
depositados em museus ou fazem parte de coleções particulares. Isso parece
indicar que este instrumento, se foi construído e efetivamente utilizado, não
sobreviveu porque não era comum utilizá-lo. Isso não significa, entretanto,
que ele não tenha sido fabricado. Provavelmente, foi construído e utilizado
por aqueles que buscaram instrução na obra de Chatfeild para aprender a ma-
nusear setores, tal como o de Gunter, por exemplo. Assim, não seria forçoso
afirmar que o Trigonall sector de Chatfeild era uma espécie de livro-texto.
Convém aqui observar, entretanto, que devemos tomar o cuidado de não
considerar o Trigonall sector como um “manual faça-você-mesmo”, visto que
os diferentes tratados publicados até o século XIX não eram ainda manuais
práticos [Saito, 2012; Saito e Dias, 2011; 2013]. Além disso, é importante ter em
mente que naquela época os livros não eram acessíveis a qualquer pessoa, nem
se encontravam dispostos em uma prateleira tal como os encontramos nas li-
vrarias nos dias de hoje. Os livros eram encomendados ao livreiro, o que signi-
fica que o leitor do Trigonall sector fazia parte de um público que conhecia as
potencialidades do instrumento.
De fato, o tratado era vendido na oficina de Anthony Thompson (fl. 1638–
1665), um famoso fabricante de instrumento em Londres naquela época. Se-
gundo Taylor [1954, 220–221], Anthony sucedera John Thompson (fl. 1609–1648)
que, segundo Set Patridge (1603–1686), outro bem conhecido agrimensor e pra-
ticante de matemáticas, era o artífice de Samuel Foster (fl. 1619–1652), professor
de geometria no Gresham College em 1648. Além disso, Anthony esteve envol-

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


202 O “SETOR TRIGONAL” E O “SABER-FAZER” MATEMÁTICO

vido com a fabricação de setores tendo, inclusive, modificado o setor de Gunter


nas últimas edições de Workes of Gunter.
Assim, considerando-se essa rede de relações de Chatfeild, podemos dizer
que o Trigonall sector era uma obra destinada a um público que não só era ver-
sado em matemáticas e envolvidos com a fabricação e o uso de instrumentos
matemáticos, mas também àqueles que buscavam instrução para aprender a
usar os setores. Um dos indícios a esse respeito encontra-se no próprio ins-
trumento descrito por ele. Embora o setor trigonal seja bem simples em sua
composição, o instrumento, entretanto, sintetiza os principais atributos e fun-
ções de um setor. Apresentamos a seguir três dessas funções e seus respectivos
atributos.

3.1 Encontrando tangentes e secantes8


Depois de discorrer sobre os diferentes tipos de triângulos (equilátero, isósce-
les e escaleno), Chatfeild fornece instruções para representação de um triân-
gulo retângulo no setor, movendo a lâmina do lado direito, conforme figura 7.

Figura 7: representação de triângulos retângulos (figura nossa)

Considerando-se que o raio (a lâmina fixa inferior) tem 100 partes e que o
ângulo de abertura do setor (lâmina que se move) é, por exemplo, 45°, a tan-
gente pode ser encontrada na lâmina do lado esquerdo, assim como a secante,
conforme figura 8.
No caso do ângulo de abertura do setor exceder os 45°, Chatfeild instrui
que é necessário tomar o seu complemento para poder encontrar a tangente e
a secante:
8 Cf. [Chatfeild, 1650, 9–10].

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


FUMIKAZU SAITO 203

Figura 8: tangente e secante de ângulo inferior a 45° (figura nossa)

Assim suponha que os ângulos conhecidos sejam 90 e 63 gr 300.


Pois, se eu colocar o marcador direito em 63 gr. 300, ele não cruzará
o marcador esquerdo; eu, portanto, tomarei o seu complemento
(1) 26 gr. 300 e, aplicando o marcador direito até esse grau na Tan-
gente, o Triângulo compreendido, como no exemplo anterior, será
o triângulo procurado, e as partes descobertas em todas as inter-
secções ou ângulo mostrarão a proporção do Raio, da Tangente,
e da Secante. Como aqui o Raio, que é representado pelo marca-
dor esquerdo, deverá ser 500, a Tangente representada pelo Raio
do instrumento [será] 1000, e a Secante representada pelo marca-
dor direito [terá] 1120 partes que, reduzido a um Raio de 1000, a
proporção manter-se-á assim: o raio de 1000, a tangente de 2000,
a secante 2240, que está de acordo com as tabelas de Tangentes e
Secantes, para uma Unidade, que está tão próximo como se pode
esperar pelo Instrumento.9

Em outros termos, a tangente e a secante de 63° 300 é encontrada redu-


zindo-se ao seu complementar, isto é, 26° 300, tal como podemos constatar na
figura 9.
Convém aqui observar que, se tomarmos o complementar de 63° 300, o raio
agora será 500, visto que a lâmina do marcador direito cairá sobre 5 na lâmina
do marcador esquerdo. O ângulo formado entre as lâminas será 63° 300. Por-
tanto, a tangente encontra-se na lâmina fixa na parte inferior do instrumento
9 Cf. [Chatfeild, 1650, 9–10].

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


204 O “SETOR TRIGONAL” E O “SABER-FAZER” MATEMÁTICO

Figura 9: tangente e secante de ângulos superiores a 45° (figura nossa)

e a secante na lâmina do marcador do lado direito. Como o raio foi reduzido


pela metade, logo a tangente será 2000, a secante 2240.

3.2 Multiplicando e dividindo dois números10


Chatfeild observa que: “Como 1 [está] para o multiplicador, assim, o multipli-
cando, [está] para o produto” [Chatfeild, 1650, 13]. As “linhas de planos”, isto é,
as linhas paralelas inscritas no interior do quadrante, são os multiplicadores.
Os números na escala da lâmina do marcador esquerdo (graduada de 1 a 10)
são os multiplicandos. Desse modo, o produto será dado na intersecção en-
tre o número da lâmina do marcador direito com “a linha de plano”, conforme
figura 10.
Por exemplo, para multiplicarmos 5 por 5, devemos proceder da seguinte
maneira: 1) posicionar o multiplicador, isto é, girar a lâmina até a “linha de
plano” 5. Em seguida, deve-se buscar na própria lâmina o multiplicando, isto
é, o número 5. O produto será indicado pela “linha de plano” que, neste caso,
é 2,5.
No caso da divisão de dois números, o procedimento é inverso, pois, se-
gundo Chatfeild, “... Porque, como o divisor é 1; assim, o dividendo, [está] para
o quociente” Chatfeild, 1650, 14]. Os divisores são as “linhas de plano” e o di-
videndo os números na lâmina. Desse modo, o quociente é encontrado na in-
tersecção no número da lâmina do marcador com “a linha de plano”.
10 Cf. [Chatfeild, 1650, 13–15].

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


FUMIKAZU SAITO 205

Figura 10: multiplicação de dois números (figura nossa)

Por exemplo, para dividirmos 9 por 3, tomemos inicialmente o divisor que é


dado pela “linha de plano” 5. Em seguida, devemos localizar o dividendo, 8, na
escala da lâmina. Desse modo, posicionamos o dividendo sobre o divisor, isto
é, movemos a lâmina até o número 8 encontrar-se com a “linha de plano” 5. O
quociente estará sempre na intersecção entre a “linha de plano” 1 e a lâmina,
conforme figura 11.

Figura 11: divisão de dois números (figura nossa)

Convém observar que Chatfeild não justifica matematicamente cada pro-


cedimento em seu tratado. A operação artimética de multiplicação e divisão

Actas/Anais do 7.º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, II, 191–210


206 O “SETOR TRIGONAL” E O “SABER-FAZER” MATEMÁTICO

no setor estava baseada nas semelhança de triângulos e seria facilmente de-


monstrada naquela época, visto que os Elementos de Euclides já se encontra-
vam publicados.
A ausência de demonstrações, desse modo, é outro indício de que o setor
trigonal era destinado aos aprendizes e a outros interessados em matemáticas.
Isso significa que o público a quem se destinava esse tratado tinha bons co-
nhecimentos de geometria. Ou, se não os tinha, poderia ser iniciado ao estudo
dos triângulos e suas propriedades por meio desse instrumento. Além disso,
é preciso considerar que esse instrumento era bastante impreciso comparado
aos setores que existiam naquela época, aspecto este que reforça a ideia de que
o setor trigonal não era efetivamente utilizado.

3.3 Calculando a medida da área de qualquer triângulo11


O setor trigonal permite a representação de diferentes triângulos em seu qua-
drante. Para calcular a medida da área de qualquer um desses triângulos basta
apenas recorrer a tradicional relação de cálculo de medida de área. Desse
modo, se tivermos um triângulo conforme figura 12, basta apenas multiplicar
a altura dada pelas “linhas de plano” por 5, visto que a base sempre mede 10.

Figura 12: Calculando a medida da área de um triângulo (figura nossa)

Embora o setor trigonal ilustre de forma simplificada as operações básicas


de um setor, fornecendo o princípio matemático em que ele está baseado, o
instrumento traz, entretanto, algumas inovações. Note que nesse último caso
11 Cf. [Chatfield, 1650, 13].

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aqui apresentado, o da representação da área de um triângulo qualquer, o ins-


trumento mobiliza duas lâminas (o da direita e o da esquerda). Esta segunda
lâmina, o da direita juntamente com o quadrante e o raio (a lâmina fixa na base
do instrumento) formam um segundo setor. O setor trigonal, dessa maneira,
sobrepõe dois setores que permite construir todos os tipos de triângulos e cal-
cular nele as relações entre lados e ângulos. Foi provavelmente pela possibi-
lidade de manusear os três ângulos de um triângulo num único setor que o
instrumento recebeu a designação “trigonal”.

4 Considerações finais
Para concluir, queremos observar que o nome John Chatfeild pode ser um
pseudônimo embora nada possamos afirmar a esse respeito. Entretanto, isso é
de pouca relevância. O que temos que considerar é o fato de que a publicação
do Trigonall sector atendia a crescente demanda por técnicas que permitissem
realizar operações cada vez mais laboriosas. No que diz respeito ao conheci-
mento matemático, esse instrumento mobiliza diferentes conceitos geométri-
cos (e trigonométricos), bem como aritméticos. A aproximação entre grande-
zas geométricas e aritméticas é assim um aspecto que necessita ser melhor ex-
plorada, visto que naquela época essas duas expressões da matemática eram
consideradas distintas. Além disso, atenção especial deve ser dada à ordem
dos assuntos que nos revela um conjunto de ideias que pode nos dar acesso à
organização dos conteúdos matemáticos daquela época. Se o tratado era des-
tinado aos aprendizes, a sequência e a organização dos assuntos pode reve-
lar outros aspectos interessantes da construção do conhecimento matemático
seiscentista. Dentre esses aspectos é necessário considerar a aproximação en-
tre a geometria e aritmética na resolução de problemas ligados ao cômputo dos
números. Do ponto de vista epistemológico, esse setor aponta para uma nova
noção de “cálculo” (ou logística, como era mais conhecido), preparando o ca-
minho que se desdobraria nas concepções de base das máquinas aritméticas
de calcular e nas réguas de cálculo a partir do século XVII. Diferentemente de
um “ábaco”, o setor trigonal sintetiza não só o conhecimento matemático com-
partilhado por eruditos e práticos, mas também o seu movimento no contexto
da ciência moderna. O setor trigonal é um dos belos exemplares que ilustram
o processo de difusão e apropriação de conhecimentos de diferentes ordens
na medida em que veicula diferentes saberes no “saber-fazer” matemático de
uma época.

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208 O “SETOR TRIGONAL” E O “SABER-FAZER” MATEMÁTICO

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