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A INICIAÇÃO

Ir.'. Guido Bakos

Desde tempos imemoráveis, o homem percebeu que sua sobrevivência na terra


somente seria possível se unisse esforços com outros semelhantes. Para se
defender da natureza, para sobreviver aos animais, para providenciar alimentos e
vencer o desafio da vida, deveria se juntar a outros homens, em esforço
múltiplo, formando um agrupamento capaz de garantir a sobrevivência da própria
espécie, num mundo cheio de insídias.

Numa sociedade pluralista, como a dos estados modernos, muitos são os interesses
e os pensamentos, formando um mosaico de tendências, em torno das quais os
homens se associam por afinidade. Existem inúmeras entidades de caráter
político, social, religioso, assistencial, profissional, mercantil, etc., que
agrupam homens afins por pensamentos e interesses. Todas elas dão ênfase à
entrada de um novo elemento em suas hostes, manifestando-se de forma diversa.
Desde o simples aplauso na assinatura da ficha partidária até à admissão formal
nos clubes de serviço; desde o batismo nas religiões até a cerimônia atual de
ingresso em uma sociedade iniciática. A Maçonaria não é exceção.

Mas por que motivo a Maçonaria dá tanta ênfase ao ingresso de um novo Irmão na
Ordem, através da Iniciação, que é considerada a cerimônia mais importante para
o novo adepto? Que tipo de perfil ele tem e qual o modelo de homem que se
encaixa na descrição antropológica do Maçom? Para procurar a resposta, nos
socorremos da obra "FILOSOFIA DA MAÇONARIA", de autoria do professor Di Bernardo
G. M. I. Logo aparece a diferença entre a antropologia maçônica e as
antropologias que derivam de uma religião: a VERDADE. Diz o autor: "De fato,
para as religiões, a verdade é absoluta, eterna e imutável, e é revelada
diretamente por DEUS e o homem não deve fazer mais nada a não ser aceitá-la.
Para o verdadeiro Maçom, a verdade é um ponto de referência ideal para o qual
ele converge, através do processo de aperfeiçoamento iniciático. E é um caso
limite, de fato, poderá se aproximar gradativamente dela, mas nunca alcança-la
Se o fizesse, transformaria a Maçonaria em religião, o que a Maçonaria não é".

Portando, o sentido global da antropologia filosófica maçônica se adquire


somente através do ritual da Iniciação, ou seja, apenas ingressando na Ordem.
Esta é a profunda e fundamental diferença entre a sociedade iniciática e
qualquer outra sociedade.

Mas esta análise não é suficiente a caracterizar os requisitos que o Maçom deve
assumir para pertencer à Ordem, enquanto sociedade de homens diferenciados. Ele
deve integrar-se num conjunto de normas que se obriga a respeitar, normas que
comportam a obrigação de ater-se à concepção maçônica do homem, sem exaurir-se
nela. Para isso, ele necessita da Luz maçônica, que só lhe pode ser entregue
através da Iniciação. Só na iniciação ele compreenderá ter entrado numa dimensão
ética nova, num liame simbólico com outros homens diferenciados, a quem foram
revelados os mesmos "segredos". Tornar-se-á uma "pedra bruta" única, no meio de
todas as demais pedras brutas. Ele desbastará a SUA pedra bruta, com, a
colaboração dos outros Irmãos, de forma reciprocamente essencial e pessoal.

Ao ser iniciado, o neófito adquire os meios para diferenciar os conceitos


profanos das coisas do seu significado maçônico, passando a agir em conformidade
com este último. A Iniciação é a linha demarcatória entre o mundo profano e o
maçônico, no qual o Irmão ingressa naquele momento. Assim, percebe que, por
exemplo, os conceitos de LIBERDADE, TOLERÂNCIA e FRATERNIDADE adquirem novos
significados, quando vistos à luz da Doutrina Maçônica.

1 . A LIBERDADE é o requisito principal e imprescindível do iniciado que traz


sua imagem da vida profana, mas, maçonicamente, pressupõe não apenas a SUA
liberdade, mas, também, a liberdade alheia. No conceito profano, a liberdade é
sinônimo de "libertação", pois conceitua a superação de uma situação negativa do
indivíduo, em sentido estático (liberdade DA), por exemplo: da escravidão, da
fome, da miséria, da ditadura, etc.

No conceito maçônico, a liberdade tem concepção positiva e dinâmica,


significando ação e devolvendo a capacidade do homem de escolher e agir, livre e
responsavelmente, com base em sua própria vontade (liberdade DE), exemplo: de
fazer, de estudar, de pensar, etc.

A Maçonaria concebe um ordenamento moral comum, compartilhado subjetivamente,


como a mais alta realização da perfeição iniciática do imanente. E, sendo a
LIBERDADE a fonte originária da vida ética do homem, ela é, para os maçons, um
conceito fundamental.

2. Por outro lado, vemos que o tema de liberdade individual é estritamente


conexo com o princípio da TOLERÂNCIA, ou seja, o respeito à liberdade dos
outros. Para o maçom, a tolerância é uma atitude que o induz a respeitar o
pensamento de outro homem, embora não concorde com ele, em atenção ao princípio
de tolerância à liberdade dos outros, permitindo assim a coexistência de um modo
de pensar próprio, com a negação de qualquer forma de integralismo.

A Grande Loja Unida da Inglaterra, em documento de 21 de junho de 1985, proclama


textualmente: "... Não existe qualquer DEUS maçônico. O DEUS do maçom é o mesmo
DEUS da religião que ele próprio professa".

Este é um exemplo extremo de tolerância, em que a Maçonaria, sem interferir na


liberdade religiosa de seus membros, recomenda que os mesmos mantenham suas
próprias convicções, respeitando-as.

De fato, o G.'.A.'.D.'.U.'. é o IDEAL, um ZENITH regulamentar, em sentido


não-exclusivo e, portanto, premissa indispensável do princípio da TOLERÂNCIA.

3. Na Maçonaria, intimamente conexo à TOLERÂNCIA está o conceito de


FRATERNIDADE. Ele está ínsito na história do homem desde os tempos mais remotos,
primeiro como simples vínculo de sangue e, após, como vínculo de família, de
tribo e de comunidade. Retorna mais tarde com a mensagem cristã, na qual todos
os homens existem em relação de dependência do ato criador, portanto filhos de
Deus e, por conseguinte, irmãos entre si.

Para o maçom, entretanto, a fraternidade está estritamente conexa com a


TOLERÂNCIA, pois admite que outros homens possam ter ideias diferentes das suas
e, assim mesmo, em nome da tolerância, os considera dignos de sua convivência e
de seu respeito, sem realçar quaisquer características subjetivas e individuais,
como educação, cultura, inteligência, etc.

Ao fazer isso, o maçom os iguala a si próprio, considerando-os afins a ele e,


portanto, IRMÃOS.
Portanto, vimos que a FRATERNIDADE está intimamente conexa com a TOLERÂNCIA e
esta, por sua vez, conexa com a LIBERDADE. Mas cabe-nos fazer uma pergunta: será
que o maçom poderá desbastar sua pedra bruta e subir pelo caminho da
auto-realização apenas com esses elementos, sem recorrer ao elemento
TRANSCENDÊNCIA? Entendemos que não. Mas para chegar a isso, o caminho é longo e
árduo, especialmente para quem recém inicia sua viagem maçônica, como o neófito.

Esta viagem, simbolizada pelas três caminhadas da cerimônia, inicia-se na noite


de seu ingresso na Ordem, quando percebe não passar espiritualmente de uma pedra
bruta ou, como diria de maneira mais própria nosso Venerando Ir:. SAMUEL HERBERT
JONES: uma "PEDRA EM BRUTO.

A Loja, na mesma ocasião, através do "catecismo", lhe entrega as "ferramentas"


com as quais desbastará suas imperfeições e anomalias, a começar pela parte
material de sua personalidade. Tais "ferramentas" estão nas primeiras instruções
que recebe e compreendem regras básicas e materiais sobre disciplina, ordem,
hierarquia, comportamento, postura pessoal em Templo e fora dele, respeito,
obediência e, sobretudo, OBRIGAÇÕES.

Surge aí, para os incautos, o primeiro choque e, por fim, a pergunta: Será que a
Maçonaria é uma organização anacrônica e superada, que numa época em que todos
reclamam por seus direitos, aponta e exigem do maçom apenas DEVERES e
OBRIGAÇÕES?

A resposta é simples: no enfoque da ÉTICA maçônica, ninguém pode exigir seus


direitos ANTES de ter cumprido com seus deveres, sob pena de inversão da ordem
de valores, o que levaria ao CAOS, que é o oposto do que se propõe a Ordem, cujo
lema filosófico é: ORDO AB CHAO (Ordem do caos).

Cumprindo suas obrigações para com os Irmãos, com a Loja, com a Maçonaria e com
a sociedade, o neófito poderá abstrair-se do material e perscrutar seu interior,
no qual a Iniciação já jogou, por intermédio da luz de seus ensinamentos, a
semente da especulação, da procura da VERDADE.

Depois de superado o período de formação material, num lento disciplinamento de


sua personalidade profana e gradual adaptação à personalidade maçônica,
adquirida pela Iniciação, o Irmão começará a construção de seu templo interior,
num lento caminhar em direção à VERDADE. Mas, terá ele forças e estímulo
suficientes para conseguir o que pretende?

No mundo profano em que vive, o homem se encontra em estado de INDIGÊNCIA, pelas


frustrações da vida diária e pela falta, cada vez mais acentuada, de aspirações
fundamentais de caráter espiritual e moral.

O acesso a tais aspirações, quando as têm, somente se lhe afigura possível


através da intervenção da religião e da fé, pois suas capacidades são cada vez
mais limitadas, não lhe permitindo o acesso à VERDADE, a não ser pela revelação.

Como explica o professor Di Bernardo, na obra já citada, para o maçom a


concepção de indigência está conexa com um transcendente regulador, limite
realmente inacessível, em direção ao qual o maçom se esforça aproximar, com a
intenção de melhorar e aperfeiçoar a si próprio. A base para isso são as
condições intrínsecas do indivíduo e não a intervenção salvadora da divindade,
ou seja: a VERDADE concebida como ponto de referência ideal para o qual
dirigir-se gradualmente através do aperfeiçoamento iniciático, sem jamais
declarar alcança-Ia. Se o maçom assim não agisse, daria à noção de VERDADE um
conteúdo de revelação, reduzindo toda a filosofia maçônica a simples religião.

Na Maçonaria, a TRANSCENDÊNCIA justifica a moral e confere sentido à realidade


humana, representando o fim supremo para o qual o homem se dirige na realização
contínua de seus ideais. Diria portanto, concluindo, que LIBERDADE, TOLERÂNCIA e
FRATERNIDADE expressam propriedades do homem projetado num processo de
auto-realização, orientado pela TRANSCENDÊNCIA que, por sua vez, regula o
IMANENTE e este tende em direção à TRANSCENDÊNCIA, nos levando a interminável
caminhada que nos propormos, em direção à VERDADE que, fundamentalmente, começou
com a Iniciação quando, pela primeira vez, nos foi dada a LUZ.

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