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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE ENGENHARIA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL
SECÇÃO DE HIDRÁULICA E RECURSOS HÍDRICOS

CURSO DE ENGENHARIA CIVIL

HIDROLOGIA
MANUAL DA DISCIPLINA

Álvaro Carmo Vaz


ÍNDICE

Capítulo 1 – INTRODUÇÃO À HIDROLOGIA

Capítulo 2 – CARACTERIZAÇÃO DUMA BACIA HIDROGRÁFICA

Capítulo 3 – REVISÃO DE CONCEITOS DE PROBABILIDADES E ESTATÍSTICA

Capítulo 4 – PRECIPITAÇÃO

Capítulo 5 – EVAPORAÇÃO E EVAPOTRANSPIRAÇÃO

Capítulo 6 – INFILTRAÇÃO

Capítulo 7 – ÁGUA SUBTERRÂNEA

Capítulo 8 – ESCOAMENTO SUPERFICIAL

Capítulo 9 – CHEIAS

BIBLIOGRAFIA
Nota introdutória

O presente Manual resultou da vontade de colocar à disposição dos estudantes da disciplina


de Hidrologia do curso de Engenharia Civil da Universidade Eduardo Mondlane elementos
de estudo que lhes permitisse uma melhor aprendizagem dos conceitos e métodos e lhes
pudesse ser útil nesta área nos seus primeiros anos de profissionais de Engenharia.

O engenheiro Herco Jansen, docente holandês que trabalhou comigo durante vários anos,
teve um papel muito importante na edição deste manual, pondo-o em forma apresentável e
contribuindo para o seu melhoramento. É da sua particular lavra a revisão do capítulo
dedicado ao estudo da água subterrânea.
Introdução à Hidrologia 1-1

1 INTRODUÇÃO À HIDROLOGIA

1.1 IDEIAS GERAIS SOBRE A HIDROLOGIA

1.1.1 Objecto da hidrologia

A Hidrologia trata da ocorrência, circulação e distribuição da água na Terra, das suas


propriedades físicas e químicas, da sua interacção com o meio, de acordo com a definição
apresentada em 1982 pela Organização Meteorológica Mundial e que é aceite de forma
generalizada.

Embora a Hidrologia abranja o conhecimento da água tanto nos continentes como na atmosfera e
nos oceanos, o estudo dos ramos aéreo e oceânico é feito nas disciplinas específicas de
Meteorologia e Oceanografia, ficando a Hidrologia propriamente dita dedicada ao ramo terrestre.

A Hidrologia da Engenharia (Engineering Hydrology na terminologia inglesa corrente) é uma


parte restrita da Hidrologia que inclui as áreas pertinentes ao planeamento, projecto e exploração
de obras de engenharia visando o controlo e a utilização da água para satisfação das necessidades
humanas. O seu enfoque é, por isso, o da aplicação da ciência na solução de problemas de
engenharia.

1.1.2 A Hidrologia como disciplina do curso de Engenharia Civil

A Hidrologia da Engenharia, apesar do seu carácter aplicado, apresenta diferenças muito


significativas no seu tratamento em relação à maioria das restantes disciplinas do curso de
Engenharia Civil. Se, a título de exemplo, quisermos confrontar a Hidrologia com as
disciplinas da área de Estruturas (Resistência de Materiais, Teoria das Estruturas, Pontes),
podemos constatar:

a) o objecto de estudo das disciplinas de Estruturas engloba estruturas artificiais construídas


em grande medida com materiais fabricados pelo Homem, sendo bastante bem previsíveis
os comportamentos quer dos materiais quer das estruturas. No caso da Hidrologia, o
objecto de estudo é o ciclo hidrológico nas suas várias componentes, que são fenómenos
da Natureza e, por conseguinte, processos essencialmente aleatórios.
b) as diferenças no objecto de estudo traduzem-se em grandes diferenças no controlo sobre o
mesmo que é grande no caso das Estruturas e pequeno ou nulo no caso dos processos que
integram o ciclo hidrológico.
c) no que se refere aos métodos de análise, as disciplinas de Estruturas utilizam uma teoria
matemática formal, baseada em hipóteses próximas da realidade, e ainda recorrem à análise
experimental relativamente pouco dispendiosa. No caso da Hidrologia, há (ainda) um peso
grande de empirismo para enfrentar fenómenos demasiado complexos para serem
analisados com métodos matemáticos relativamente simples. Verifica-se a necessidade
duma grande acumulação de informações (dados hidrológicos). A experimentação é, em
geral, muito dispendiosa.

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Introdução à Hidrologia 1-2

d) no que respeita aos processos de cálculo, ambas as áreas têm beneficiado imenso do acesso
a computadores cada vez mais potentes que, por sua vez, possibilitam o desenvolvimento e
a utilização de programas de cálculo sempre mais sofisticados e o tratamento de
quantidades crescentes de informação. No caso da Hidrologia, as ferramentas mais
utilizadas são a análise estatística e os modelos de simulação hidrológica das componentes
da fase terrestre do ciclo hidrológico, desde a precipitação até ao escoamento.

1.1.3 Objectivos da disciplina de Hidrologia

Os objectivos do estudo da disciplina de Hidrologia correspondem às necessidades de:

• aprofundar o conhecimento do ramo terrestre do ciclo hidrológico;


• utilizar os conhecimentos adquiridos em aplicações práticas como, por exemplo,
- no dimensionamento de obras hidráulicas (descarregadores de barragens, secções de
vazão de pontes, etc.);
- no dimensionamento de sistemas de drenagem de regadios e áreas urbanas;
- na determinação de necessidades de rega;
- na gestão dos recursos hídricos;
- na protecção do meio ambiente.

Nas aplicações, a Hidrologia liga-se estreitamente às disciplinas antecedentes de Hidráulica


Geral e às disciplinas subsequentes de Abastecimento de Água, Drenagem e Saneamento, Obras
Hidráulicas.

1.1.4 Breve referência à História da Hidrologia

Sugere-se a leitura do excelente livro de A.K. Biswas, "History of Hydrology", no qual o autor
faz uma interessante recapitulação dos principais marcos no progresso da Hidrologia, desde a
Antiguidade aos fins do século XIX. Os elementos que a seguir se apresentam foram extraídos
desse livro e do "Handbook of Applied Hydrology" de Ven Te Chow.

1.1.4.1 A Hidrologia na Antiguidade Oriental (Egipto, Mesopotâmia, China)

A civilização egípcia floresceu à volta do Nilo. Para além das extensivas obras de irrigação do
tempo dos Faraós, há a referir a barragem de Saad-El-Kafara, datada de cerca de 2800 a.c. e
cujos encontros permaneceram até aos nossos dias.

A importância dada à água, em particular às obras de irrigação e controle de cheias, na China


Antiga era tão grande que, diz a lenda, um engenheiro que dirigiu grandes obras hidráulicas
acabou por se tornar o imperador Yü, o Grande.

Se a Hidráulica, pelo impacto directo das obras, ocupava o primeiro plano, a necessidade de
conhecimentos sobre a ocorrência e a distribuição da água tornava-se também muito importante.
Sendo a irrigação no Nilo feita por inundação, a medição dos níveis nesse rio foi desde logo

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Introdução à Hidrologia 1-3

sendo feita, através dos "nilómetros" (cisternas com escalas graduadas ligadas ao rio por
condutas subterrâneas). O nilómetro de Roda, próximo do Cairo, tem um registo contínuo de
níveis de 641 d.c. a 1890 d.c., constituindo a mais longa série hidrológica do mundo.

A Mesopotâmia (nome que significa "entre rios") era uma região fértil, atravessada pelos rios
Tigres e Eufrates, ambos de regime muito irregular, obrigando a grandes cuidados com os diques
de protecção contra cheias e obras de irrigação. Essa preocupação aparece bem explícita no
famoso Código de Hamurabi, imperador da Babilónia (cerca de 1700 a.c.)

1.1.4.2 A Hidrologia na Antiguidade Clássica - Grécia e Roma

As primeiras tentativas de explicação da circulação da água (donde surgem os rios?) aparecem


com os filósofos gregos. Platão apresenta o conceito dum mar subterrâneo (Tartarus) com
inúmeras ligações à superfície, dando origem aos rios, lagos e mares. Aristóteles defendia que o
frio transformava o ar em água e isso acontecia tanto nas altas montanhas como no interior da
terra, sendo essa a origem dos rios. Note-se que os Gregos dispunham de observações limitadas
de muitos fenómenos e da sua interligação o que de certa forma explica a sua incapacidade de
descobrirem o conceito do ciclo hidrológico. Apesar disso, filósofos como Anáxagoras e
Teófrasto apresentaram hipóteses próximas da concepção moderna do ciclo hidrológico,
infelizmente caídas no esquecimento devido à influência dominante de Aristóteles.

A civilização romana não foi tão fértil como a grega em pensadores, tendo no entanto produzido
grandes obras de engenharia através da aplicação empírica da experiência adquirida. Apesar
disso, Vitruvius apresenta no seu livro "De architectura libridecem" um conceito bastante claro
do ciclo hidrológico, com a precipitação dando origem ao escoamento e a evaporação como
fonte das nuvens. Há a referir ainda Hero de Alexandria que escreve que o caudal depende da
área e da velocidade mas este conceito não se impôs até ao século XVI.

1.1.4.3 A Hidrologia na Idade Média

A Idade Média na Europa foi dominada ideologicamente pela Igreja que se opôs fortemente à
pesquisa experimental, baseando-se nos dogmas e na escolástica, para evitar o aparecimento de
heresias. Foi um período de cerca de 13 séculos de fraco desenvolvimento científico com o
correspondente reflexo na Hidrologia.

1.1.4.4 A Hidrologia no Renascimento - Século XVI

O Renascimento corresponde ao desabrochar definitivo do pensamento científico e da


experimentação. A partir do século XVI, a Hidrologia, com as ciências irmãs da Hidráulica e da
Meteorologia não parou de se desenvolver.

Leonardo da Vinci, conhecido sobretudo como um pintor de génio, tinha nos seus cadernos de
notas conceitos essencialmente correctos sobre o ciclo hidrológico, sobre o escoamento em
superfície livre e sobre a distribuição de velocidades numa secção.

Bernard Palissy, um cientista francês, apresentou a primeira formulação clara e completa do ciclo

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Introdução à Hidrologia 1-4

hidrológico, baseada em observações. Apresentou também ideias sobre o escoamento


subterrâneo.

1.1.4.5 A Hidrologia nos Séculos XVII e XVIII

O século XVII é o século de Galileo, Kepler, Newton, Harvey, Descartes, Van Leeuwenhoek.
No domínio da Hidrologia salientam-se os nomes de Perrault e Halley.

Benedeto Castelli apresenta uma explicação clara da relação entre caudal, secção transversal e
velocidade, sistematizando ideias anteriores de Hero e Leonardo da Vinci.

Perrault, no seu livro "Da origem das fontes", demonstra brilhantemente que o escoamento no rio
Sena (cabeceiras) podia ser totalmente explicado a partir da precipitação, apresentando um
balanço hídrico rudimentar.

Mariotte realizou experiências similares e outras respeitantes à medição de velocidades. Halley,


muito conhecido pelos seus trabalhos de Astronomia, tomou como exemplo o mar Mediterrâneo
e mostrou que a evaporação dos mares era amplamente suficiente para justificar os escoamentos
dos rios.

Os desenvolvimentos dos conceitos do ciclo hidrológico no século XVII e seguintes estão


ligados às medições de precipitação, evaporação e caudal. É assim que começam a surgir os
primeiros instrumentos hidrométricos modernos: udómetros, tinas de evaporação.

O século XVIII testemunha o florescimento das medições hidrológicas e do desenvolvimento


teórico. Podem referir-se como marcos fundamentais a medição de velocidade com o tubo de
Pitot, a equação de Bernouilli (conservação de energia) e a fórmula de Chézy para o cálculo do
caudal numa secção transversal dum escoamento.

1.1.4.6 A Hidrologia no Século XIX

A ciência da Hidrologia avançou muito rapidamente durante o século XIX. Verificaram-se


progressos importantes na medição de variáveis hidrológicas, nomeadamente com a introdução
de udógrafos para registo contínuo da precipitação e de molinetes para a medição de velocidades
em rios e canais. Nos países mais industrializados, iniciou-se a colheita sistemática de dados
hidrológicos e a sua análise.

Em termos de conceptualização teórica, os marcos mais significativos a registar são:


- o estudo de perfis de velocidade em canais, por Darcy e Bazin;
- a equação de Manning para o cálculo de caudais em escoamentos turbulentos
uniformes;
- a fórmula racional para a determinação de caudais de cheia, por Thomas Mulvaney;
- a teoria do escoamento em meio poroso por Darcy, Dupuit, Thiem e Forcheimer;
- o diagrama de Rippl para cálculo de capacidades de albufeiras;
- a fórmula de Hagen – Poiseuille para o escoamento laminar.

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1.1.4.7 A Hidrologia na actualidade

Os progressos alcançados na Hidrologia durante o século XX são numerosos e representam um


avanço qualitativo na direcção dum conhecimento científico dos fenómenos. Ven Te Chow
considerou três períodos para caracterizar o desenvolvimento da Hidrologia no século XX até à
actualidade:
- período do empirismo (1900-1930) com uma grande abundância de fórmulas
empíricas, criação de organismos para a recolha sistemática de dados hidrológicos,
criação da Associação Internacional de Ciências Hidrológicas (nome actual);
- período da racionalização (1930-1950), caracterizados pelo aparecimento das teorias
fundamentais da Hidrologia moderna, nomeadamente as teorias do hidrograma
unitário, de Sherman; da infiltração, de Horton; do escoamento em meio poroso para
poços em regime variável, de Theis; a análise estatística de fenómenos extremos,
proposta por Gumbel; e do transporte de sedimentos, de Einstein;
- finalmente, um período de teorização (1950 - ), em que a Hidrologia faz cada vez
mais uso de métodos matemáticos avançados e dos modernos conceitos de Mecânica
de Fluidos e da Termodinâmica, em paralelo com uma utilização massiva de
computadores como ferramenta básica de trabalho.

A moderna Hidrologia, e em particular a Hidrologia da Engenharia, faz uma integração que se


procura sempre mais perfeita, entre as teorias dos processos hidrológicos e a informação
disponível, em termos de registos de precipitação, caudais e de outras variáveis hidrológicas
fundamentais.

1.2 RESERVAS HÍDRICAS NA TERRA

A água é o líquido mais abundante na Terra. De facto, existe uma quantidade enorme, estimada
em cerca de 1,600 x 106 km3. Aproximadamente 15 % desta água está quimicamente “presa” na
crusta terrestre. A quantidade de água livre é cerca de 1,386 x 106 km3 (1,386 x 1015 m3). Poderia
parecer que a quantidade de água na Terra fosse quase ilimitada. Contudo, esta imagem muda
bastante se considerar a possibilidade de utilizar essa água. Para tal, pode-se analisar o Quadro
1.1, que mostra a importância das diferentes reservas hídricas.

Deste quadro ressalta imediatamente a pequeníssima fracção de água utilizável pelo Homem em
relação à totalidade da água existente no planeta. Vê-se que cerca de 97.5 % é água salgada e 1.7
% corresponde às zonas polares. Além disso, uma boa parte da água subterrânea está situada a
enormes profundidades o que torna o seu aproveitamento antieconómico nas condições actuais.

A parcela correspondente às águas superficiais e ás águas subterrâneas pouco profundas, aquela


que efectivamente pode ser utilizada com mais facilidade, é de facto bastante pequena, apenas
cerca de 0.3 % da água que existe na Terra!

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Quadro 1.1. Importância das diversas reservas hídricas (cf. UNESCO, 1978)

Volume (103 km3) Volume de água Volume de água


total (%) doce (%)

Oceanos e mares 1,338,000 96.5 -

Lagos:
doce 91.0 0.007 0.26

salgados 85.4 0.006 -

Pântanos 11.5 0.0008 0.03

Rios 2.1 0.0002 0.006

Humidade do solo 16.5 0.0012 0.05

Água subterrânea:
doce 10,530 0.76 30.1

salgada 12,870 0.93 -

Gelo e neve 340.6 0.025 1.0

Calotes polares 24,023.5 1.7 68.6

Água na atmosfera 12.9 0.001 0.04

Água biológica 1.1 0.0001 0.003

TOTAL DE ÁGUA 1,385,985 100


ÁGUA DOCE 35,029 2.5 100

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O tempo de residência é o valor que se obtêm dividindo o volume da reserva pelo volume
médio do correspondente fluxo de renovação. Assim, o tempo de residência representa o tempo
médio que uma gota de água permanece numa certa reserva de água antes de passar para uma
outra reserva. O quadro 1.2 apresenta valores do tempo de residência para as várias reservas
hídricas.

Quadro 1.2. Tempo de residência para as várias reservas hídricas

Volume Tempo de residência (ordem


(103 km3) de grandeza)
Oceanos e mares 1,338,000 ≈4000 anos

Lagos e albufeiras 176.4 ≈10 anos

Pântanos 11.5 ≈1-10 anos

Rios 2.1 ≈2 semanas

Humidade do solo 16.5 ≈2 semanas - 1 ano

Água subterrânea: 23,400 ≈2 semanas - 10,000 anos

Gelos e glaciares 24,364 ≈10 - 1000 anos

Atmosfera 12.9 ≈10 dias

Note-se que, enquanto para as águas superficiais, especialmente para os rios, esses tempos são
curtos, para os oceanos, glaciares e águas subterrâneas profundas esses tempos contam-se por
centenas ou milhares de anos. Note-se também que as reservas representam uma imagem
estática, um "instantâneo" das disponibilidades de água e pouco tem a ver com a sua importância
para o ciclo hidrológico (que representa uma imagem dinâmica) onde a contribuição dos rios ou
da atmosfera, por exemplo, é muito superior ao seu volume total instantâneo.

O tempo de residência também tem relevância no âmbito de poluição de recursos hídricos. Por
exemplo, um rio com água poluída poderá, em princípio, ser limpo em relativamente pouco
tempo (teoricamente, em apenas algumas semanas), quando as fontes poluentes deixam de
existir. No caso dum lago grande, a sua limpeza já será um processo de muitos anos.

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1.3 O CICLO HIDROLÓGICO

1.3.1 Conceito de ciclo hidrológico. Diagrama de Horton

O conceito de ciclo hidrológico é extremamente útil para se iniciar o estudo da Hidrologia. O


ciclo hidrológico pode ser descrito como um conjunto de arcos que representam os diversos
caminhos através dos quais a água na natureza circula e se transforma, constituindo um sistema
de enorme complexidade.

O ciclo hidrológico não tem início ou fim mas é habitual partir-se da evaporação da água dos
oceanos e sua incorporação na atmosfera. Os processos que em seguida se desenrolam estão
apresentados sob forma gráfica no diagrama de Horton, figura 1.1.

Figura 1.1 Diagrama de Horton

O vapor de água resultante da evaporação nos oceanos acumula-se na atmosfera e é transportado


por massas de ar em movimento. Sob condições adequadas, o vapor condensa-se para formar
nuvens que, por sua vez, podem dar origem a precipitação, quer sobre a terra quer sobre os
oceanos.

A precipitação que cai sobre a terra pode seguir caminhos diversos:


- parte evapora-se durante a queda;
- parte é interceptada por árvores, vegetação ou telhados de casas e volta a evaporar-se;
- parte atinge a superfície do solo, infiltrando-se ou ficando retida em depressões
superficiais.

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A parte retida em depressões superficiais divide-se numa componente que se evapora e noutra
que origina escorrimento superficial. A parte que se infiltra contribui, por um lado, para
alimentar o processo de transpiração das plantas e de evaporação a partir do solo; por outro, por
efeito da gravidade, vai alimentar as toalhas de água subterrânea. As águas subterrâneas
contribuem para alimentar a vegetação, a evaporação a partir do solo e os escoamentos dos rios.
Por efeito da gravidade, parte das águas subterrâneas vai ter directamente ao oceano.

O escorrimento superficial sobre o solo dá origem a linhas de água que se fundem em rios os
quais, devido à gravidade, vão descarregar no oceano, alimentando no seu percurso lagos,
pântanos e albufeiras. Em todo este processo, há continuamente evaporação da água da mesma
forma que pode haver precipitação directamente sobre os rios e lagos. Também os rios
contribuem muitas vezes para alimentar as toalhas de água subterrânea com que comunicam.

Com a descarga da água no oceano por escoamento superficial ou escoamento subterrâneo fecha-
se o ciclo hidrológico. O "motor" deste ciclo é a energia solar que, no processo de passagem de
partículas de água para atmosfera por evaporação, lhes transmite a energia potencial necessária
para o seu regresso ao oceano, actuadas pela gravidade a partir da precipitação.

A figura 1.2 faz uma outra representação do ciclo hidrológico. Aí estão indicadas os três ramos
normalmente considerados no ciclo hidrológico: o ramo oceânico, objecto da Oceanografia; o
ramo aéreo ou atmosférico, objecto da Meteorologia; e o ramo terrestre, objecto da Hidrologia.

Figura 1.2 O Ciclo Hidrológico

A figura 1.3 é ainda uma representação descritiva do ciclo hidrológico mas na qual se faz já uma
avaliação quantitativa das variáveis envolvidas. P, E, ET, I, G e Q representam respectivamente a
precipitação, a evaporação, a evapotranspiração, a infiltração, o escoamento subterrâneo e o
escoamento superficial. As percentagens estão expressas em termos da precipitação total anual
média que se estima em cerca de 860 mm.

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Figure 1.3 Representação quantitativa do Ciclo Hidrológico

1.3.2 Irregularidade espacial e temporal

É preciso salientar que as quantidades de precipitação, evaporação, escoamento e outras


variáveis hidrológicas apresentam enormes irregularidades quer na sua distribuição geográfica
quer na sua distribuição temporal. O facto de poder haver grandes variações destas quantidades
de ano para ano num mesmo local significa que a sua caracterização apenas é possível numa base
estatística a partir de longas séries de valores observados.

Em Moçambique, há dois organismos que desempenham um papel central na recolha e registo


de dados relativos às variáveis hidrológicas. São eles:

- O Instituto Nacional de Meteorologia de Moçambique (INAM) que colecta dados de


precipitação e evaporação, para além de outros relativos a variáveis climáticas
(temperatura, humidade relativa, vento, radiação solar, etc.) que influem nas grandezas
hidrológicas;
- a Direcção Nacional de Águas (DNA) que recolhe dados de precipitação, evaporação,
água subterrânea e escoamento superficial.

Outros organismos como o Instituto Nacional de Investigação Agronómica (INIA) e algumas


grandes empresas do sector agrícola possuem também informação hidrológica com interesse,
sobretudo registos de precipitação, evaporação, evapotranspiração.

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1.4 BALANÇO HÍDRICO

Se se considerar uma certa região geográfica durante um determinado período de tempo, o


movimento da água obedece ao princípio da conservação da massa traduzido pela equação da
continuidade. Essa equação pode escrever-se como

ds
I -O= na sua forma contínua
dt

ou como

(I - O) Δt = Δs na sua forma discreta

em que I representa a entrada de água no sistema por unidade de tempo, O é a saída de água do
sistema também por unidade de tempo e ΔS é a variação do volume armazenado no interior do
sistema. Designa-se por balanço hídrico a equação da continuidade aplicada a uma certa região
e escrita em função das variáveis do ciclo hidrológico.

Figure 1.4 Representação conceptual do balanço hídrico

As regiões em que fazem estudos de balanços hídricos são definidas normalmente em função do
objectivo que se pretende alcançar, podendo, no entanto, existir restrições de carácter político e
administrativo à livre definição dessas regiões.

A figura 1.4, uma versão mais abstracta do ciclo hidrológico duma região, é útil porque permite
uma tradução fácil do balanço hídrico em termos matemáticos. Na figura 1.4, as variáveis têm o
seguinte significado:

P precipitação;
Q1, Q2 escoamento superficial que entra e sai da região;
G1, G2 escoamento subterrâneo que entra e sai da região;
Ss, Sso, Saq volume armazenado à superfície, no solo e no aquífero (água
subterrânea);
E evaporação a partir de águas superficiais e do solo;

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T transpiração das plantas;


rso, raq água do solo e água subterrânea que reaparecem à superfície
(ressurgência);
I infiltração (no solo);
R recarga (percolação para os aquíferos).

Conforme a região que se considere, assim se podem estabelecer os correspondentes balanços


hídricos. Por exemplo, se se considerar toda a região representada na figura 1.4, ter-se-á a
seguinte equação:

(P + Q1 + G1) - (Q2 + G2 + E + T) = ΔS

em que ΔS representa a variação total do volume armazenado. Note-se que nesta equação não
aparecem a infiltração, a recarga e a ressurgência que, por serem processos "interiores" à região
em estudo, não afectam o respectivo balanço hídrico.

Se agora se considerar apenas a superfície da terra, o balanço hídrico será:

(P + Q1 + r) - (Q2 + E + T + I) = ΔSs

O balanço hídrico para um (único) aquífero será:

(G1 + R) - (G2 + raq) = ΔSaq

É um exercício relativamente simples estabelecer os balanços hídricos para outras regiões como,
por exemplo, a camada superficial do solo ou do aquífero. Tenha-se em atenção que todas as
variáveis que intervêm nas equações de balanços hídricos são expressas como volumes por
unidade de tempo.

A equação do balanço hídrico pode ser consideravelmente simplificada quando a região


considerada é a bacia hidrográfica e quando se adoptem longos períodos de tempo (pelo menos
um ano). Numa bacia hidrográfica, não há, em condições naturais, outra entrada de água além da
precipitação e há uma única saída de água. Por outro lado, num longo período de tempo a
variação do volume armazenado pode ser desprezada perante os valores acumulados das outras
variáveis. Assim, a equação do balanço hídrico passa a ser nessas condições:

P - (Q2 + E + T) = 0

O maior obstáculo na resolução de problemas práticos com utilização do balanço hídrico reside
principalmente na dificuldade de medir ou estimar adequadamente as variáveis intervenientes.
Por exemplo, a precipitação é medida pontualmente fazendo-se depois a extrapolação para toda a
área envolvida1. Os caudais em rios podem ser medidos com razoável precisão excepto durante
as cheias. As maiores dificuldades surgem, no entanto, associadas à medição ou estimação dos
valores de infiltração, recarga, escoamento subterrâneo, evaporação, transpiração e volumes
armazenados no solo e em aquíferos.
1
Ver o capítulo sobre precipitação

Manual de Hidrologia
Introdução à Hidrologia 1-13

O balanço hídrico é uma ferramenta muito útil e que pode ser utilizada numa grande variedade
de situações como, por exemplo:
• determinação do valor duma variável hidrológica quando todas as restantes que entram no
balanço são conhecidas;
• estimação do erro global cometido na medição ou estimação das variáveis hidrológicas,
quando todas as que entram no balanço hídrico são conhecidas;
• operação de albufeiras;
• avaliação das necessidades de rega.

O balanço hídrico é também a componente central dos modelos de simulação hidrológica -


modelos matemáticos em que se procura reproduzir as características principais do movimento
de água numa região a partir do momento em que ela precipita.

1.5 ANO HIDROLÓGICO

As variáveis hidrológicas, como a precipitação, o escoamento ou a evaporação, são claramente


influenciadas por uma ciclicidade anual. Em Moçambique, isto é bem evidente nas duas mais
importantes variáveis do ciclo hidrológico, a precipitação e o escoamento. Com efeito, tanto a
precipitação como o escoamento atingem valores elevados nos meses de Dezembro a Março ao
passo que no período de Junho a Setembro os seus valores são bastante baixos.

Em muitas aplicações, interessa utilizar os valores acumulados anuais de precipitação e


escoamento, por exemplo para balanços hídricos anuais. Nesses casos, não se pode adoptar como
período de registo o ano civil (1 Janeiro - 31 Dezembro) pois isso corresponderia a repartir por
dois anos uma mesma época de chuvas. Considera-se por isso um ano especial designado por
ano hidrológico.

Toma-se para início do ano hidrológico o fim da época de estiagem o que tem a vantagem de
evitar a divisão duma mesma época de chuvas. Tem também vantagens para a efectivação de
balanços hídricos anuais:

P - (R + E + T) = ΔS

pois no fim da época de estiagem pode aceitar-se que o armazenamento é sempre bastante
pequeno pelo que ΔS é aproximadamente nulo. Procura-se, portanto, que os anos hidrológicos
sejam (estatisticamente) independentes uns dos outros, o que obviamente não aconteceria se, por
exemplo, se se usasse o ano civil.

O procedimento adoptado para a definição do início do ano hidrológico procura, de facto,


minimizar a dependência estatística dos sucessivos anos hidrológicos. Ele consiste em formar
séries anuais de escoamentos adoptando, alternativamente, diferentes meses para o seu início
(Setembro, Outubro, Novembro, etc.) e determinar, para cada alternativa de início, o valor do
coeficiente de autocorrelação. O mês que origine o mais baixo coeficiente de autocorrelação
deve ser o adoptado para início do ano hidrológico.

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Introdução à Hidrologia 1-14

Em Moçambique, verifica-se que os escoamentos em dada região dão coeficientes de


autocorrelação mais baixos tomando o ano hidrológico com início em 1 de Outubro ao passo que
noutras regiões o mínimo coeficiente de autocorrelação corresponderia a um início em 1 de
Novembro. Por razões de ordem organizativa, a Direcção Nacional de Águas adoptou como ano
hidrológico o período que vai de 1de Outubro dum ano a 30 de Setembro do ano seguinte.

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Introdução à Hidrologia 1-15

EXERCÍCIOS

1. Numa albufeira com uma área de 10 km2 verificaram-se durante um período de 5 dias os
seguintes valores:
- Caudal afluente = 15 m3/seg.
- Caudal efluente = 3 m3/seg.
- Nível da água no 1º dia = 25,0 m.
- Nível da água no 6º dia = 25,4 m.
- Precipitação = 0 mm.

a) Calcule o volume da água perdida por evaporação na albufeira, durante estes 5 dias
b) Calcule a altura média diária de evaporação da albufeira.

2. Considere um lago com uma saída natural. A área do lago é de 500 km2 e a da bacia
drenante de 2800 km2. Durante um ano verificou-se que a precipitação na região foi de 600 mm e
a evaporação no lago de 800 mm, não se tendo verificado uma variação sensível do nível do
lago. O caudal médio descarregado ao longo do ano foi de 9 m3/s.

a) Calcule o caudal drenado da bacia para o lago.


b) Calcule a evaporação na bacia drenante.

3. Em que condições é que a precipitação numa bacia não produz

a) Nenhum escoamento superficial


b) Nenhum escoamento subterrâneo
c) Nenhum escoamento

4. Explique a presença e a ausência de água superficial e água subterrânea numa zona com
dunas (p. ex. a ilha de Inhaca) e numa planície dum rio (p. ex. o rio Incomati).

5. Construiu-se uma barragem numa secção dum rio com uma bacia drenante de 1800 km2.
A albufeira tem uma área inundada média de 35 km2 e uma capacidade de armazenamento de
600 milhões m3. O caudal médio (afluente) do rio é de 5,6 m3/s. A precipitação anual média
ponderada sobre a bacia é de 700 mm. O enchimento da albufeira depois da sua construção levou
5 anos. Durante esse período o caudal médio descarregado pela albufeira foi de 0,5 m3/s. Logo
depois da construção da barragem (durante e depois do enchimento da albufeira) começou-se a
tirar, anualmente, 12 milhões de m3 de água da albufeira para o abastecimento duma vila e para
um regadio.

a) Calcule o caudal médio descarregado pela albufeira depois do seu enchimento (numa
situação de equilíbrio o nível médio da albufeira mantêm-se constante).
b) Calcule as perdas anuais na albufeira por evaporação.

Manual de Hidrologia
Introdução à Hidrologia 1-16

6. Na secção de saída (secção de referência) duma bacia hidrográfica de 1600 km2 foi
construída uma barragem com uma albufeira com uma superfície de 35 km2 e uma capacidade de
armazenamento de 600 milhões m3. A albufeira é alimentada por um rio que drena a bacia. O
caudal médio no rio é de 4,5 m3/s. A precipitação anual média naquela zona é de 700 mm. O
enchimento da albufeira depois da sua construção levou 5 anos.

a) Calcule as perdas anuais na albufeira por evaporação (assuma que a superfície da


albufeira é constante).
b) Calcule a evapotranspiração anual (em mm) na bacia.

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-1

2 CARACTERIZAÇÃO DUMA BACIA HIDROGRÁFICA


2.1 BACIAS HIDROGRÁFICAS

Uma bacia hidrográfica é uma região definida topográficamente, drenada por um curso de água
ou um sistema interligado de cursos de água, tal que a única entrada de água na região seja a
precipitação e todos os caudais efluentes sejam descarregados através de uma única saída (secção
de referência da bacia).

Quando o balanço hídrico é realizado na região correspondente a uma bacia hidrográfica, ele
torna-se consideravelmente simplificado já que a única entrada de água corresponde à
precipitação e a saída de água se faz numa única secção. Também para a gestão dos recursos
hídricos a bacia hidrográfica constitui a unidade mais conveniente pois é a nível da bacia que se
verificam as relações mais estreitas entre:

• recursos hídricos a montante e a jusante;


• recursos de água superficiais e de águas subterrâneas;
• consumos a montante e disponibilidades a jusante, em termos de quantidade e qualidade;
• modificações na ocupação do solo ou obras hidráulicas no rio e nas margens e modificações
morfológicas ou das características do escoamento a montante e a jusante, por vezes a
distâncias de dezenas de quilómetros.

Tudo isto justifica o papel privilegiado desempenhado pelas bacias hidrográficas em estudos
hidrológicos e de gestão de recursos hídricos. A figura 2.1 representa as principais bacias de
Moçambique e a figura 2.2 a bacia do rio Malema, afluente do rio Lúrio.

A bacia hidrográfica é limitada pela linha de separação das águas. Esta linha passa pelos
pontos de máxima cota entre bacias, seguindo pelas linhas de cumeada, podendo no entanto
existir pontos mais altos no interior da bacia. A linha de separação divide a região onde a
precipitação caída vai dar origem a escoamento drenado através da secção de referência das
regiões vizinhas, drenadas por outros cursos de água.

A definição dos limites da bacia hidrográfica torna-se menos precisa quando se considera o
escoamento subterrâneo. Assim, distingue-se por vezes a linha de separação topográfica ou
superficial da linha de separação freática ou subterrânea. Na situação ilustrada pela figura 2.3,
a precipitação que se infiltra acima da camada geológica impermeável acaba por se escoar numa
bacia vizinha.

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-2

Figura 2.1 Principais bacias de Moçambique

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-3

Figura 2.2 - Bacia do rio Malema

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-4

Figura 2.3 - Limites duma bacia hidrográfica

Nesta situação, a definição dos limites da bacia hidrográfica não se pode fazer sem ambiguidade
visto que apenas uma parte da precipitação caída acima da camada geológica impermeável se
infiltra enquanto outra parte se transforma em escoamento superficial na bacia. Por outro lado, os
níveis freáticos variam ao longo do ano o que tem como consequência a variação da linha de
separação freática. Por isso, normalmente e para efeitos práticos, despreza-se o efeito introduzido
pelo escoamento subterrâneo, junto aos limites da bacia. A incorreção cometida é negligenciável
com a excepção das bacias com muito pequena dimensão ou com características geológicas
particulares.

O comportamento hidrológico duma bacia hidrográfica é essencialmente uma função das


características climáticas da região (precipitação, evaporação) e das características fisiográficas
da bacia. As características fisiográficas podem ser agrupadas da seguinte maneira:

• características geométricas - área de drenagem;


- perímetro;
- índice de compacidade;
- factor de forma.

• características do sistema de drenagem - constância do escoamento;


- ordem;
- densidade de drenagem.

• características do relevo - curva hipsométrica;


- altitude média;
- altura média;
- perfil do rio;
- inclinação média do leito;
- declividade dos terrenos;
- rectângulo equivalente;
- declive médio
- índice de declive de Roche;

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-5

- curva hidrodinâmica;
- coeficiente de massividade;
- coeficiente orográfico.

• características de geologia, solos e vegetação

2.2 CARACTERÍSTICAS GEOMÉTRICAS

2.2.1 Área de drenagem

A área de drenagem é a área da projecção horizontal da superfície da bacia hidrográfica, sendo


normalmente determinada por planimetria ou por utilização de GIS (Sistema de Informação
Geográfica), em cartas com escalas (no caso de Moçambique) entre 1:250,000 e 1:50,000.

A área de drenagem tem uma importância enorme nos valores dos escoamentos, que se podem,
duma maneira geral, considerar funções crescentes da área. A área da bacia do rio Malema
(centro-norte de Moçambique) é de 2,600 km2.

2.2.2 Perímetro

O perímetro da bacia é o perímetro da projecção horizontal da superfície da bacia hidrográfica.


O perímetro da bacia do rio Malema é de 342 km.

2.2.3 Índice de compacidade

O índice de compacidade ou índice de Gravelius, Kc, é a relação entre o perímetro da bacia e o


perímetro dum círculo de área igual à da bacia:

Kc = P/(2πR), em que A = πR2 define o valor de R. Então:

P 0.282 P
Kc = =
A A

π

Kc é sempre maior ou igual à unidade apenas se tendo Kc = 1 para uma bacia de forma circular.
Kc é um valor adimensional que não depende da área mas da forma da bacia sendo tanto maior
quanto mais essa forma se afaste da circular. Note-se que quanto maior fôr Kc menos compacta é
a bacia. Apresentam-se na figura 2.4 algumas formas esquemáticas de bacias e os respectivos
índices de compacidade. A título de exemplo, a bacia do rio Malema tem um valor de Kc = 1.89.

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-6

Figura 2.4 - Índices de compacidade para várias formas de bacias

Se imaginarmos uma precipitação instantânea e uniforme sobre a bacia, o escoamento a que ela
dá origem surgirá concentrado na secção de saída ou mais distribuído ao longo do tempo
conforme a forma da bacia seja próxima da circular ou irregular. Assim, em igualdade de outros
factores, a tendência para grandes cheias será tanto mais acentuada quanto mais próximo da
unidade for o valor de Kc.

2.2.4 Factor de forma

O factor de forma, Kf, é a relação entre a largura média e o comprimento da bacia, definido
como o comprimento, L, do seu curso de água mais longo. A largura média, l, é definida como a
largura dum rectângulo com o mesmo comprimento e com a mesma área:

l = A/L

Kf = l/L = A/L2

Se se considerar as primeiras três bacias representadas na figura 2.4, os seus factores de forma
são aproximadamente 0.25, 0.50 e 1. As bacias com factores de forma baixos são as que têm
formas estreitas ou irregulares. Nestes casos, é menos provável a ocorrência de chuvas intensas
cobrindo simultaneamente toda a sua extensão e, por outro lado, os escoamentos resultantes
surgem na secção de saída mais distribuídos ao longo do tempo pelo que, em igualdade de outros
factores, bacias com Kf baixos terão menos tendências para grandes cheias do que bacias com Kf
elevados. O valor de Kf para a bacia do rio Malema é de 0.1 aproximadamente.

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-7

2.3 CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA DE DRENAGEM

2.3.1 Constância do escoamento

Os rios e seus afluentes podem classificar-se como perenes, intermitentes e efémeros, de


acordo com o critério da constância do escoamento.

Os rios perenes são os que, em condições naturais1, escoam água durante todo o ano quer por
terem afluentes com diferentes regimes de alimentação quer por terem uma alimentação contínua
de águas subterrâneas. É normalmente o caso dos rios mais importantes de Moçambique, como o
Maputo, o Umbelúzi, o Incomáti e o Limpopo, na região sul.

Os rios intermitentes são os que em geral têm água durante a época húmida e secam na estiagem.
Durante a época húmida beneficiam da precipitação e dum nível freático alto enquanto que,
durante a época seca, o lençol freático desce a um nível inferior ao do leito do rio, não
permitindo fazer a sua alimentação. Podem referir-se como exemplo os rios Mazim’chopes e
Govuro.

Os rios efémeros apenas têm água durante e imediatamente a seguir aos períodos de precipitação,
não recebendo escoamento subterrâneo. Podem citar-se como exemplo os rios Movene e
Impamputo.

2.3.2 Ordem

A ordem dos cursos de água é uma classificação que reflecte o grau de ramificação da rede
hidrográfica da bacia. Pode ser feita a partir dum mapa em que estejam representados todos os
canais naturais suficientemente bem definidos quer correspondam a cursos de água perenes,
intermitentes ou efémeros.

Um critério de ordenação que por vezes tem sido seguido é o de considerar como de ordem 1 os
cursos de água que não são afluentes de qualquer outro; de ordem 2 os que são afluentes dos rios
de ordem 1; de ordem n+1 os que são afluentes dos cursos de água de ordem n. Este critério é de
aplicação simples e quase nada dependente do pormenor com que a rede hidrográfica está
representada no mapa. No entanto, apresenta como significativas desvantagens o facto de
poderem surgir como tendo a mesma ordem rios de dimensão totalmente distinta. Em
Moçambique, tanto o Zambeze como o Infulene seriam rios de ordem 1 por este critério.

Um critério mais seguido actualmente é o de Horton-Strahler: são considerados de ordem 1 as


linhas de água iniciais, que não recebem quaisquer afluentes; a junção de duas linhas de água de
ordem 1 origina uma linha de água de ordem 2; a junção de dois rios de ordem n gera um rio de
ordem n+1. Assim, os troços terminais dos grandes rios têm números de ordem bastante altos.

A figura 2.5 ilustra a utilização destes dois critérios.

1
É necessário referir o rio “em condições naturais” por causa das grandes modificações de regime de escoamento introduzidas por tomas
de água e por albufeiras de armazenamento.

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-8

Figura 2.5 - Critérios de ordenação de cursos de água

2.3.3 Densidade de drenagem

A densidade de drenagem, λ, é a relação entre o comprimento total dos cursos de água duma
bacia, sejam eles perenes, intermitentes ou efémeros, e a área da bacia:
∑i l i
λ=
A
λ é dado em km-1 e varia normalmente entre 0.5 e 3.5 km-1. A densidade de drenagem é também
um indicador da tendência para a ocorrência de cheias numa bacia hidrográfica. Com efeito,
numa bacia bem drenada o escoamento superficial é rapidamente canalizado para linhas de água
bem definidas e pode surgir concentrado na secção de referência da bacia. Naquelas bacias mal
drenadas (λ baixo), a precipitação vai originar sobretudo escoamento sub-superficial e
subterrâneo que se processam com muito mais lentidão, não originando por isso picos de cheia
elevados.

2.4 CARACTERÍSTICAS DO RELEVO

2.4.1 Curva hipsométrica

A curva hipsométrica é a curva A(z) em que A é a área da bacia que se situa acima da altitude ou
cota z referida ao nível do mar. A área pode ser expressa em km2 ou em percentagem da área
total da bacia. A curva hipsométrica é obtida a partir da carta hipsométrica, carta onde a
representação das altitudes é feita por curvas de nível ou por qualquer outro processo de
representação gráfica. A figura 2.6 apresenta um exemplo de curva hipsométrica. A figura 2.7
apresenta a curva hipsométrica da bacia do rio Malema.

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-9

Figura 2.6 - Curva hipsométrica

Figura 2.7 - Curva hipsométrica do rio Malema

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-10

2.4.2 Altitude média

A altitude média da bacia, Z, é dada pela expressão:


Atotal

∫ 0
z ⋅ da
Z=
Atotal

O integral dá a área limitada pela curva z(A) e pelos eixos coordenados, podendo ser facilmente
calculado por uma fórmula de integração numérica a partir da curva hipsométrica. Um processo
mais expedito é o de assimilar o integral a um somatório:

Atotal n

∫ z ⋅ da = ∑ z i Ai
0 i=1

em que Ai é a área da bacia entre as curvas de nível i e (i+1) e zi a média das altitudes dessas duas
curvas de nível.

A altitude média é uma característica com grande influência em variáveis hidrometeorológicas


como a precipitação e a temperatura. Em Moçambique, as zonas de maior altitude (Gurué,
Milange, Angónia, Lichinga) são as regiões de maiores precipitações anuais médias e mais
baixas temperaturas mínimas.

2.4.3 Altura média

A altura média, H, é dada pela expressão:

Atotal

∫0
h ⋅ da
H=
Atotal

em que h é a cota acima da secção de referência ou de estudo, em vez de z que é a altitude ou


cota referida ao nível do mar. Assim, se estivermos a tomar como secção de referência a foz no
oceano, as alturas h coincidem com as altitudes z; se a secção de referência fôr, por exemplo, a
secção de confluência do afluente com o rio principal, então para esse afluente ter-se-á:

h = z - zconf
ou h = z - z100

já que toda a bacia (100%) do afluente se situa acima de zconf. Daqui se tira imediatamente que

H = Z - z100

A altura média da bacia dá-nos uma ideia se a bacia é muito ou pouco acidentada. Normalmente,
as bacias com maiores alturas médias apresentam quedas mais importantes que podem por vezes

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-11

ser aproveitadas para a produção de energia hidroeléctrica.

2.4.4 Perfil do rio

O perfil do rio é a representação gráfica da função z(L) em que z é a cota duma dada secção do
rio e L a respectiva distância à foz.

A figura 2.8 apresenta a título de exemplo o perfil do rio Malema e dos seus afluentes Namparro,
Mutivasse, Nataleia e Lalace. Note-se que a marcação de distâncias para os afluentes em sentido
contrário ao rio principal, a partir da confluência, torna o gráfico mais legível do que seria se
todas as distâncias fossem marcadas no mesmo sentido. O perfil dum rio dá uma noção imediato
das zonas de quedas importantes, grandes extensões quase planas e mais facilmente inundáveis,
etc.

2.4.5 Inclinação média do leito

A inclinação média do leito obtem-se dividindo a diferença entre as cotas máxima e mínima do
leito pelo comprimento do rio. É também possível determinar de modo análogo a inclinação
média dum troço do rio.

A partir da figura 2.8, pode-se calcular que a inclinação média de todo o leito do rio Malema é de
0.00859 mas que o troço de 135 km de jusante tem uma inclinação de apenas 0.00278.

2.4.6 Declividade dos terrenos

Quanto maior a declividade dos terrenos maior será a velocidade com que se dá o escorrimento
superficial e, consequentemente, menor será o tempo que a água leva a atingir o sistema de
drenagem, facilitando o aparecimento de maiores pontas de cheias. Para tal contribui também o
facto de maior declividade corresponder a uma menor infiltração de água no solo. Por outro lado,
as maiores velocidades agravam o problema da erosão do solo.

A declividade dos terrenos duma bacia é normalmente obtida por amostragem:

• marcam-se, por exemplo a partir duma quadrícula aposta ao mapa da bacia, um número
elevado de pontos no interior da bacia;
• para cada ponto determina-se a declividade a partir das duas curvas de nível entre as quais o
ponto se situa;
• fica-se assim com uma distribuição estatística das declividades o que permite igualmente
obter a declividade média da bacia.

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-12

Figura 2.8 - Perfis do rio Malema e afluentes

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-13

Um outro método para determinar a declividade média dos terrenos é o método do Alvord.

Suponha-se a bacia representada numa carta com curvas de nível espaçadas de D (por exemplo,
D = 20 metros). A figura 2.9 representa as curvas de nível às cotas n-D, n, n+D.

Figura 2.9 - Método de Alvord

Considere-se a curva de nível à cota n. A faixa de terreno entre as curvas de nível à cota n-D/2 e
n+D/2 está representada a tracejado na figura.

Se se designar por dn a largura média dessa faixa, a declividade média dos terrenos nessa faixa
será dada por in = D/dn.

Se o comprimento da curva de nível à cota n for Ln, então:


D Ln = D L n
in =
d n Ln An

em que An é área da faixa a tracejado.

Este raciocínio é aplicável a qualquer faixa de terreno correspondente a uma curva de nível da
carta. Portanto, pode-se definir a declividade média dos terrenos da bacia como a média
ponderada das declividades médias de todas as faixas que compõem a bacia.

∑ An i n ∑ DL
I= = D Ln =
∑ An ∑ An A

em que L é o comprimento total das curvas de nível de equidistância D existentes na bacia e A é


a área da bacia.

Este método é, assim, bastante prático pois, conhecido D, basta determinar A com um planímetro
(ou GIS) e medir L com um curvímetro (ou GIS). Note-se que, sendo I um valor adimensional,
se deve exprimir tanto L como D em km e A em km2.

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-14

2.4.7 Rectângulo equivalente

O rectângulo equivalente é o rectângulo com área e perímetro iguais aos da bacia, isto é:

2(Le+le) = P
Le * le = A

Pode-se resolver as duas equações para obter Le e le:

2
P
Le = + P -A Só é válida para P 2 ≥ 16 A
4 16
2
P
le = - P -A
4 16

A bacia do rio Malema tem A = 2,600 km2 e P = 342 km, donde se tira para o rectângulo
equivalente:

Le = 154 km;
le = 17 km.

Figura 2.10 - Rectângulo equivalente do rio Malema

A figura 2.10 faz a representação do rectângulo equivalente para a bacia do rio Malema. Nele
marcaram-se as várias curvas de nível espaçadas de formas a representarem as correspondentes
áreas. Por exemplo, a área entre as curvas de nível de 700 e 800 m é de 20 x 17 = 340 km2. As
áreas são obtidas a partir da curva hipsométrica.

2.4.8 Índice de declive médio

O índice de declive médio, Ii, entre as curvas de nível de cotas Zi e Zi-1 é dado pela relação:
Z i - Z i -1 2,
Ii =
Xi
em que Xi é a distância entre as duas curvas de nível no rectângulo equivalente. Por exemplo, no
caso da bacia do rio Malema, o índice de declive médio entre as cotas 1,300 e 1,400 m é:

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-15

1,400 - 1,300
I= = 0.0159
6,300

enquanto que ele é apenas de 0,0024 entre as cotas 600 e 700 m.

2.4.9 Índice de declive de Roche

O índice de declive de Roche, Ip, é o índice de declive médio para toda a bacia. No exemplo do
rio Malema, o rectângulo equivalente permite calcular

1,900 - 465
I p= = 0.00932
154,000

2.4.10 Índice de declive global

O índice de Roche é muito afectado se a bacia tiver pequenas áreas de grande altitude. Afim de
representar mais fielmente as características médias da bacia, o índice de declive global, Ig,
exclui as áreas correspondentes aos 5% mais altos e aos 5% mais baixos da bacia:

Z 5 - Z 95
Ig=
Le

Para a bacia do Malema, obtem-se:

1,400 - 540
Ig= = 0.00558.
154,000

Como é evidente, Ig é sempre inferior a Ip. Os valores de Z5 e Z95 são obtidos a partir da curva
hipsométrica.

2.4.11 Curva hidrodinâmica

A curva hidrodinâmica representa, a menos dum factor constante, as possibilidades energéticas


da bacia.

Se se considerar um volume de água V caindo duma altura h, a energia potencial que lhe
corresponde é

En = ρ ⋅ g ⋅ V ⋅ h Joules (com as unidades do Sistema Internacional), ou


En = 2,722 ⋅ V ⋅ h KWh (com V em Mm3 e h em m).

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-16

Considere-se agora o caso dum rio sem afluentes onde estão identificadas diversas secções
(figura 2.11) e marquem-se os pontos (Vi, hi).

Figura 2.11 - Curva hidrodinâmica

h é a cota da secção e V o volume anual médio que nela se escoa. A área delimitada pela curva
V(h) multiplicada pelo factor 2,722 dá a energia potencial total correspondente ao escoamento do
rio, designando-se por potencial fluvial bruto.

h max
En = 2,722 ∫ Vdh
0

Considere-se agora o caso dum rio com afluentes como se representa na figura 2.12. O processo
de representação da curva V(h) pode ser repetido para o rio principal e para os afluentes, à
semelhança do caso anterior, permitindo determinar o potencial fluvial bruto de cada afluente e
da totalidade da bacia.

Figura 2.12 - Curva Hidrodinâmica para um rio principal e os afluentes

A determinação do potencial fluvial bruto implica o conhecimento dos volumes escoados nas
diversas secções. Quando tal não acontece e se dispõe apenas de cartas topográficas com a
indicação da rede de drenagem, pode utilizar-se a curva hidrodinâmica para uma primeira ideia
do potencial energético da bacia.

A curva hidrodinâmica baseia-se na hipótese da proporcionalidade entre áreas drenadas e


volumes escoados:

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-17

V 1 = V 2 = V 3 = ... = K,
A1 A2 A3

hipótese válida em primeira aproximação desde que toda a área tenha características climáticas,
geológicas e de solos homogéneas. Então:
h max h max
En = 2,722 ∫0
V ⋅ dh = 2,722 K ∫
0
A ⋅ dh

Portanto, se se traçar uma curva semelhante às das figuras 2.11 e 2.12 mas em que os volumes
escoados são substituídos pelas correspondentes áreas de drenagem, teremos a curva
hidrodinâmica.

Para se obter o valor do potencial energético multiplica-se a área delimitada pela curva
hidrodinâmica pelo factor (2,722 * K). O valor de K pode ser estimado por uma das seguintes
vias:

• se numa secção (de preferência, a jusante) se conhecer o valor do volume anual médio V e
sendo A a respectiva área drenante, virá K = V/A, com K em m se V em Mm3 e A em km2.
• se não houver quaisquer dados de escoamento na bacia, utilizar o valor de K calculado para
uma bacia vizinha com características similares.

As figuras 2.13 e 2.14 apresentam as curvas hidrodinâmica e do potencial fluvial bruto da bacia
do Malema. As curvas diferem entre si porque a bacia não tem características homogéneas de
precipitação e, por isso, os escoamentos não são proporcionais às áreas.

2.4.12 Coeficiente de massividade

O coeficiente de massividade é o quociente entre a altura média da bacia, em metros, e a sua


área, em km2. O coeficiente de massividade da bacia do rio Malema é de 340/2,600 = 0.13. Este
coeficiente toma valores elevados para pequenas bacias com grandes desníveis e valores baixos
para grandes bacias de relevo pouco acentuado. No entanto, os respectivos valores podem ser os
mesmos para bacias muito diferentes. Por exemplo, uma bacia pequena com relevo pouco
acentuado e uma bacia grande com grandes desníveis podem ter valores muito próximos de
coeficiente de massividade.

2.4.13 Coeficiente orográfico

O coeficiente orográfico é o produto da altura média pelo coeficiente de massividade. O


coeficiente orográfico permite fazer a distinção de situações em relação às quais o coeficiente de
massividade dá indicações dúbias. Admite-se que a fronteira entre relevo pouco acentuado e
relevo acentuado é marcado pelo valor do coeficiente orográfico igual a 6. O coeficiente
orográfico da bacia do rio Malema é de 44.

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-18

Figura 2.13 - Curva hidrodinâmica do rio Malema e alguns afluentes

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-19

Figura 2.14 - Curvas do potencial fluvial bruto da bacia do rio Malema

Manual de Hidrologia
Caracterização de uma Bacia Hidrográfica 2-20

2.5 CARACTERÍSTICAS DE GEOLOGIA, SOLOS E VEGETAÇÃO

A geologia duma bacia hidrográfica e o tipo de solos dela resultante têm uma grande influência
no movimento da água na bacia, em particular no que toca ao escoamento, superficial e
subterrâneo.

A geologia define a existência de formações permeáveis e impermeáveis e de aquíferos bem


como a forma como os aquíferos são alimentados e contribuem para alimentar o escoamento dos
rios. A geologia condiciona a localização do nível freático que tem grande importância para o
fenómeno da evapotranspiração. Os rios que comunicam com importantes lençóis freáticos são
normalmente rios perenes, com caudais significativos mesmo durante as estiagens.

O tipo de solos e das camadas geológicas superficiais condicionam fortemente a permeabilidade


dos terrenos e, consequentemente, a infiltração, fenómeno que está na base da recarga dos
aquíferos. Terrenos pouco permeáveis dão origem a que toda a precipitação se transforme
rapidamente em escoamento superficial, gerando por isso cheias mais intensas e de menor
duração.

A geologia e os solos duma bacia são também importantes factores condicionantes da erosão
superficial. As formações mais recentes (do Holoceno e Pleistoceno) assim como formações
calcárias e graníticas muito alteradas são as mais facilmente erodíveis. A erosão superficial nos
terrenos da bacia hidrográfica constitui a fonte do caudal sólido que tem de ser transportado pelo
rio.

A cobertura vegetal também tem bastante importância para os fenómenos hidrológicos. Duma
maneira geral, terrenos com florestas e matas têm maiores infiltrações e menores velocidade de
escoamento superficial do que terrenos nus ou cultivados. Isso ajuda a diminuir a erosão
superficial dos terrenos e origina cheias mais prolongadas e menos intensas. Por outro lado, o
tipo de vegetação influencia fortemente o fenómeno de evapotranspiração.

A geologia, os solos e a vegetação têm importância não apenas em grandes bacias hidrográficas
mas mesmo em pequenas bacias urbanas, como é evidenciado pelos grandes problemas de
erosão que se verificam em algumas das principais cidades de Moçambique como Maputo,
Nampula, Nacala e Pemba.

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-1

3 REVISÃO DE CONCEITOS DE PROBABILIDADES E


ESTATÍSTICA
3.1 DEFINIÇÕES

Uma variável aleatória χ é um variável que toma valores não resultantes de processos e leis
físicas ou relações matemáticas bem determinadas, sendo por isso atribuídos à sorte (acaso). Por
exemplo: o número de pontos no lançamento dum dado.

Uma variável aleatória pode ser discreta ou contínua. É discreta se só pode tomar valores
descontínuos, por exemplo, o número de dias de chuva num ano. A variável aleatória diz-se
contínua quando, num determinado intervalo de valores, limitado ou não, puder tomar qualquer
valor desse intervalo, por exemplo, a precipitação anual.

A população Ω é o conjunto de todos os valores que podem ser assumidos por uma variável
aleatória. Designa-se por amostra a parte observada da população.

Um acontecimento Ai é qualquer subconjunto da população.

A frequência (ou frequência relativa) dum acontecimento Ai é definida por f = n/N em que n é
o número de vezes em que o acontecimento Ai ocorre e N o tamanho da amostra. Por exemplo,
se há um registo de 10 anos de precipitação e se considera o acontecimento de Pano > 1200 mm,
pode acontecer que tal acontecimento ocorra 2 vezes na amostra, então f = 2/10 = 0.2.

A probabilidade P dum acontecimento Ai é P(Ai) = limN→∞f

A moderna teoria das probabilidades baseia-se numa axiomática desenvolvida por Kolmogorov
da qual se deduzem as seguintes consequências:

P(Ai) ≥ 0;
P(Ω) = 1;
P(A ∪ B) = P(A) + P(B) - P(A ∩ B);
P(A ∩ B) = P(A | B) x P(B) = P(B|A) x P(A);
Se P(A ∩ B) = P(A) x P(B), os acontecimentos são independentes.

3.2 FUNÇÕES DE DISTRIBUIÇÃO, DURAÇÃO E DENSIDADE DE PROBABILIDADE

Considere-se uma amostra de N valores duma variável aleatória e classifique-se essa amostra por
ordem crescente:
x1 ≤ x2 ≤ ... ≤ xN

A probabilidade de que a variável aleatória χ assuma um valor não superior a xi é

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-2

P (χ ≤xi) = i/N = F(xi)

F(xi) é a função de distribuição empírica (FDE).

Se se classificar a amostra por ordem decrescente:

x1 ≥ x2 ≥ ... ≥ xN

A probabilidade de que a variável aleatória χ assuma um valor não inferior a xi é

P (χ ≥xi) = i/N = G(xi)

G (xi) é a função de duração.

Note-se que P(χ ≤xi) + P (χ ≥xi) = P (χ ≤xi) + P(χ >xi) + P(χ =xi) = 1 + P (χ = xi) = F(xi) + G(xi)

Para variáveis aleatórias contínuas, P (χ =xi) = 0 ⇒ F(x) + G(x) = 1


Para variáveis aleatórias discretas, F(x) + G(x) = 1 + P(χ =xi)

Para uma variável aleatória contínua, define-se a função densidade de probabilidade f(x):
dF(x)
f(x) =
dx

dx dx
f ( x ) = Pr ob( x − ≤χ ≤ x+ )
2 2

Há definições paralelas para as variáveis aleatórias discretas.

Figura 3.1 - Funções de distribuição, duração e densidade de probabilidade

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-3

A figura 3.1 ilustra as relações entre F(x), G(x) e f(x) para uma variável aleatória contínua.

Pode verificar-se teoricamente que o estimador i/N para a probabilidade do acontecimento (χ ≤


xi) é um estimador com viez, i.e., quando a dimensão da amostra cresce indefinidamente o valor
do estimador não tende para o valor correcto da probabilidade. Assim, é preferível utilizar para
as funções de distribuição e de duração.

F (xi) = Prob (x ≤xi) = i/N+1


G (xi) = Prob (x ≥xi) = i/N+1

3.3 PERÍODO DE RETORNO E RISCO HIDROLÓGICO

Considere-se uma série de 50 valores, por exemplo de precipitação anual, ordenados por ordem
crescente. O valor de ordem i = 41 é igualado ou excedido 10 vezes na série correspondendo-lhe
uma probabilidade de não excedência F = 0.804. O intervalo médio entre ocorrências
sucessivas do acontecimento (χ ≥x41) seria então de cerca de 5 anos. Este intervalo médio entre
ocorrências sucessivas dum acontecimento é designado por período de retorno T.

O período de retorno do acontecimento (χ ≥xi) relaciona-se com a probabilidade de excedência,


G(xi), ou de não excedência, F(xi), pelas expressões:

T(xi) = 1 / G(xi) = 1 / {1-F(xi)}

Assim, no exemplo anteriormente referido, ter-se-ia

F(x41) = P(χ ≤x41) = 0.804


G(x41) = P(χ ≥x41) = 0.196
T(x41) = 1 / 0.196 ≈ 5 anos

Importa deixar bem claro que o conceito de período de retorno não está associado a qualquer
ideia de repetição cíclica e regular do acontecimento. Se, por exemplo, um acontecimento tem
um período de retorno de 10 anos, isso não quer dizer que tal acontecimento ocorre regularmente
de 10 em 10 anos: ele pode ocorrer em dois anos consecutivos assim como pode não ocorrer
durante trinta anos. Se, porém, dispusermos duma série suficientemente longa, então o intervalo
médio entre ocorrências consecutivas do acontecimento seria de 10 anos.

Considere-se agora o acontecimento (χ ≥x) com uma probabilidade de ocorrência G(x)


relativamente baixa. A probabilidade de não ocorrência do acontecimento em 2 anos sucessivos
será [F(x)]2 e a de não ocorrência em N anos sucessivos será [F(x)]N.

Então, a probabilidade de que o acontecimento ocorra pelo menos uma vez em N anos
sucessivos será dada por 1-[F(x)]N. Essa probabilidade designa-se por risco hidrológico R(x, N),
conceito com bastante interesse prático como se pode ver pelos exemplos seguintes.

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-4

1º Exemplo) Uma barragem levará 6 anos a ser construída. A sua construção far-se-á com a
protecção de ensecadeiras e desvio do rio através de galerias (como se fez, por exemplo, com a
barragem de Cahora-Bassa). Se adoptar como caudal de dimensionamento das galerias o
correspondente a uma cheia com o período de retorno T = 20 anos, qual é a probabilidade das
ensecadeiras serem galgadas durante a construção?

A probabilidade de galgamento durante a construção corresponde à situação de insuficiência das


galerias de desvio para passagem o caudal afluente. A probabilidade pedida é, pois, o risco
hidrológico do acontecimento (Qafl > Q20) para N = 6:

R = 1 - F(x)6 = 1 - [1 - G(x)]6 = 1 - [1 - 1/T(x)]6

Como T = 20, R = 0.265.

A probabilidade de galgamento durante a construção é de 0.265, ou seja, aproximadamente 1


possibilidade em 4.

2º Exemplo) Se no exemplo anterior se pretender que a probabilidade de galgamento das


ensecadeiras durante a construção (i.e., o risco hidrológico) não exceda 10%, qual deverá ser o
caudal de dimensionamento das galerias?

R = 0.10 = 1 - [1 - 1/T(x)]6 ⇒ T = 57.4 ≈ 60 anos.

As galerias deveriam ser dimensionadas para um caudal com um período de retorno de cerca de
60 anos.

3.4 PARÂMETROS ESTATÍSTICOS DA POPULAÇÃO E DA AMOSTRA

3.4.1 Introdução

Na Estatística, a população ou a amostra com que se está a lidar são representadas por um
número relativamente pequeno de parâmetros estatísticos. Trata-se de uma forma sintética de
apresentar as principais características da população ou da amostra, em relação às quais interessa
definir:

- a tendência central;
- a dispersão;
- a assimetria;
- os quantis.

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-5

3.4.2 Momentos da população e da amostra

Define-se momento de ordem r em relação à origem como


-∞
μ = ∫x ⋅ f ( x )dx
'
r
r
para a população
+∞

1 N
m r' =
N
∑x
i =1
r
i para a amostra

A média da população, μ, ou da amostra, x , são os momentos de ordem 1 em relação à origem:

μ = μ1'

x = m1'

Define-se momento centrado de ordem r como o momento de ordem r tomando a média como
origem:
-∞

μ r = ∫ (x - μ )r f(x) ⋅ dx para a população


+∞
N

∑( x - x ) i
r

mr =
i=1
para a amostra
N

3.4.3 Tendência central

Os parâmetros que caracterizam a tendência central indicam à volta de que valor se distribuem os
valores da população ou da amostra.

Os parâmetros mais utilizados são a média μ ou x e a mediana, xm .

A média da população e da amostra são dadas respectivamente por


+∞
μ= ∫ x f(x) dx
-∞

1 N
x=
N
∑x
i =1
i

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-6

A mediana é o valor que divide a população ou a amostra em duas partes de igual probabilidade
acumulada. Para uma população, a mediana é definida tal que:
μ ∞


-∞
f(x) dx = ∫ f(x) dx = 0.5
μ

Para uma amostra a mediana, xm é definida tal que (amostra ordenada)

- se N ímpar, m = int(N/2) + 1

por exº: N=25 ⇒ m=13

- se N par:
1
x m = (x N + x N )
2 2 +1
2

por exemplo, se N=24, xm = (x12 + x13)/2

3.4.4 Dispersão

Os parâmetros que caracterizam a dispersão indicam se os elementos da população ou da


amostra estão muito ou pouco concentrados em torno da média. Os parâmetros mais utilizados
são:

- Variância σ2, s2;


- Desvio padrão σ, s;
- Coeficiente de variação ηv, cv.

A variância é o momento centrado da 2ª ordem:


-∞

σ = ∫ (x - μ )
2 2
f(x)dx
+∞
N N

2
∑ ( xi - x )2
i=1 N ∑( x - x )
i=1
i
2

s = * =
N N -1 N -1

N/N-1 é um factor de correcção do viez. Diz-se que um estimador dum parâmetro apresenta viez
quando o seu valor não tende para o valor correspondente da população quando a dimensão da
amostra cresce indefinidamente.

O desvio padrão é a raiz quadrada da variância. Note-se que o desvio padrão é expresso nas
mesmas unidades que a média e que os elementos da amostra ou da população.

O coeficiente de variação é a relação entre o desvio padrão e a média:

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-7

σ s
ηv = cv =
μ x

É um parâmetro adimensional.

A figura 3.2 apresenta duas séries com as mesmas médias mas com diferentes desvios padrão.

Figura 3.2 Distribuições do mesmo tipo, com as mesmas médias e variâncias


diferentes

3.4.5 Assimetria

As populações e as amostras (e as distribuições que as caracterizam) podem ser simétricas


(assimetria nula) ou assimétricas (assimetria positiva ou negativa). A figura 3.3 apresenta três
distribuições com assimetria nula, negativa e positiva.

Figura 3.3 Distribuições com diferentes assimetrias

Quando a assimetria é nula, a média e a mediana coincidem; quando a assimetria é positiva, a


média é superior à mediana e, quando é negativa, a média é inferior à mediana. A média é muito
mais influenciada pelos valores extremos que a mediana.

O parâmetro que caracteriza a assimetria é o coeficiente de assimetria, γ ou g, que é o momento


centrado de 3ª ordem transformado em parâmetro adimensional pela divisão por σ3.

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-8

+∞

∫ (x - μ )
3
f(x) dx
γ= -∞

σ3
N N

∑( x - x )
i=1
i
3

N
2 ∑( x - x )
i=1
i
3

N
g= 3
* = 3
*
Ns (N - 1)(N - 2) s (N - 1)(N - 2)

N2/{(N-1)(N-2)} é o factor de correcção do viez.

3.4.6 Quantis

O quantil da ordem p é o valor ξp ou xp definido por:


ξp

ξ p = ∫ f(x) dx = p
-∞

Numa amostra ordenada o quantil xp é o valor de ordem j = N * p.

0≤p≤1

A mediana é o quantil de ordem 0.5.

3.5 AJUSTAMENTO DUMA AMOSTRA A UMA DISTRIBUIÇÃO TEÓRICA

3.5.1 Metodologia

A partir duma dada amostra é possível definir a sua função de distribuição empírica. A FDE é, no
entanto, afectada pela dimensão limitada da amostra e, por outro lado, não permite extrapolar
para períodos de retorno superiores à duração da amostra.

Por essa razão, faz-se o ajustamento da amostra a uma função de distribuição teórica (ou lei de
probabilidades ou simplesmente distribuição), procurando-se de entre as várias que têm sido
propostas aquela que melhor se adapte à FDE.

A sequência de cálculo que se adopta para a extrapolação de valores com altos períodos de
retorno, necessários para o dimensionamento de obras hidráulicas, é então a seguinte:

- selecção de uma de entre as distribuições teóricas;


- especificação ou ajustamento da distribuição;
- avaliação do ajustamento;
- utilização da distribuição para a previsão de valores (extrapolação).

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Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-9

As distribuições teóricas mais utilizadas em Hidrologia são a Normal (ou de Gauss), a Log-
Normal de 2 parâmetros (Lei de Galton), a Log-Normal de 3 parâmetros, a de Gumbel, a Gama,
a Pearson tipo III e a Log-Pearson tipo III. Neste capítulo apenas se estudará a distribuição
Normal, estudando-se algumas das restantes no capítulo dedicado às cheias.

A especificação ou ajustamento da distribuição consiste na estimação dos respectivos


parâmetros a partir da informação contida na amostra. Existem diversos métodos para fazer o
ajustamento sendo os mais correntes o método dos momentos, o método da máxima
verosimilhança e o método dos mínimos quadrados. Embora nem sempre seja o mais eficiente,
ir-se-á estudar apenas o método dos momentos que é o de mais simples aplicação.

A estimação pelo método dos momentos consiste em seleccionar os valores dos m parâmetros
da distribuição por forma a que os primeiros m momentos da distribuição sejam iguais aos
correspondentes momentos da amostra.

3.5.2 Distribuição Normal ou de Gauss

A distribuição Normal é a lei de probabilidades que melhor tem sido estudada do ponto de vista
teórico. Tem um enorme campo de aplicação não apenas em Hidrologia mas em muitas outras
áreas de Engenharia como a caracterização de solicitações em estruturas ou o controle de
qualidade dos materiais.

A função densidade é:

1 -(x -b )2
f(x) = e 2a 2
a 2π

A função de distribuição é:

x
dF(x)
F(x) = ∫ f(x) dx f(x) =
-∞
dx

A distribuição é simétrica, não sendo integrável analiticamente. F(x) é obtida por integração
numérica e dada em tabelas. A distribuição tem 2 parâmetros: a, b.

Os momentos da distribuição são obtidos em função dos parâmetros:

- média μ = b;
- variância σ2 = a2;
- coeficiente de assimetria γ = 0.

Por tal razão, é frequente escrever a expressão de f(x) substituindo a, b, por σ e μ:

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-10

1 -(x - μ )2
f(x) = e 2σ 2
σ 2π

Demonstra-se que a distribuição Normal goza da propriedade de invariância linear: Se x é uma


variável aleatória com distribuição Normal, média μx e desvio padrão σx, então y = c1x + c2 é
também uma variável aleatória normal, com média μy = c1μx + c2 e desvio padrão σy= c1σx.

As tabelas da distribuição Normal são construídas para uma variável z, variável normal
reduzida, definida por

z = (x – μx)/σx

Com esta definição e atendendo à propriedade da invariância linear da distribuição Normal, é


imediato que μz = 0 e σz = 1. Diz-se então que z é uma variável N(0,1).

A tabela 3.1, reproduzida de Lencastre e Franco (1984), dá os valores de F(z) para z de 0.00 a
3.49 em intervalos de 0.01. Atendendo à simetria da distribuição, a tabela permite obter valores
de F(z) para –3.49 ≤ z ≤ 0.

Esta tabela pode ser utilizada para qualquer distribuição Normal mesmo que não tenha μ=0 e
σ=1, bastando para isso fazer a transformação (x-μx)/σx. Da tabela tira-se que as probabilidades
de x estar entre μ+σ e μ-σ; μ+2σ e μ-2σ; μ+3σ e μ-3σ são respectivamente de 68.3%, 95.4% e
99.7%. As probabilidades de 90%, 95% e 99% correspondem aos intervalos μ ± 1.645σ, μ ±
1.96σ, μ ± 2.575σ.

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Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-11

Lei Normal ou de Gauss Função de distribuição


(μ=0; σ= 1)

Tabela 3.1 – Função de distribuição Normal ou de Gauss

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-12

Existem métodos analíticos para testar se o ajustamento duma série à Distribuição Normal (ou a
outra distribuição teórica) é aceitável. Estes métodos, como o teste do qui-quadrado e o de
Kolmogorov-Smirnov, serão vistos no capítulo dedicado à estatística de cheias. Um processo
também muito utilizado para verificar se o ajustamento é aceitável é a utilização de papel de
probabilidade, papel com os eixos construídos de tal maneira que, se uma série se ajusta bem à
distribuição representada nesse papel, os seus pontos alinham-se aproximadamente segundo uma
recta. Os pontos têm coordenadas (F(xi), Yi) em que F(xi) é o probabilidade de não excedência
do valor i da série ordenada em ordem crescente ("plotting position") e Yi o valor i da série.

Existem muitas expressões para o cálculo da "plotting position":

- Califórnia i/N;
- Hazen (2i-1)/2N;
- Weibull i/(N+1);
- Chegadayev (i-0.3)/(N+0.4);
- Blom (i-0.375)/(N+0.25);
- Tukey (3i-1)/(3N+1).

A fórmula mais eficiente e a mais utilizada é a de Weibull.

3.6 CORRELAÇÃO E REGRESSÃO LINEARES

3.6.1 Correlação e regressão linear simples

A correlação e regressão lineares constituem uma das ferramentas mais utilizadas em Hidrologia,
essencialmente para:

- preencher falhas numa série de registos;


- estender uma série hidrológica a partir de outras mais longas.

A figura 3.4 representa genericamente o domínio das variáveis aleatórias x e y com funções de
distribuição de probabilidade respectivamente f(x) e g(y).

Figura 3.4 - Correlação entre duas variáveis aleatórias


Ter-se-á então:

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-13

dx dx
P(x - ≤ x ≤ x + ) = P(x) = f(x)dx
2 2
P(y) = g(y)d(y)
dx dx dy dy
P(x - ≤ x ≤ x + ∩ y - ≤ y ≤ y + ) = P(x, y) = f(x)g(x)dx dy se os
2 2 2 2
acontecimentos forem independentes.

Se os acontecimentos não forem independentes, diz-se que há entre as varáveis uma dependência
estocástica. Quando essa dependência é linear, ela é medida pelo coeficiente de correlação
linear ρxy:
y x

∫ ∫ (x - μ x )(y - μ y ) f(x)g(y) dxdy


ρ xy = para a população;
σ xσ y
N N

∑ ( x - x )( y - y ) ∑ x y - N x y
i i i i

r xy = i=1
= i=1
para a amostra.
(N - 1) s x s y (N - 1) s x s y

Demonstra-se que ⎮rxy⎮, ⎮ρxy⎮ ≤ 1. Quando o coeficiente de correlação iguala a unidade, a


correlação é perfeita e os pontos (x,y) alinham-se segundo uma recta. Quando a apresentação
dos pontos (x,y) sugere uma "nuvem" (figura 3.5), o coeficiente de correlação aproxima-se de
zero.

Figura 3.5 - Coeficiente de correlação

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-14

O coeficiente de correlação exprime o grau de associação, mais ou menos elevado, entre duas
variáveis aleatórias. Quando a correlação é elevada, pode estabelecer-se uma regressão linear
duma variável (dependente) sobre a outra (independente), isto é, tentar explicar a variação da
variável dependente como uma função linear da variação da variável independente. Por exemplo,
pode tentar-se estabelecer uma regressão linear do escoamento anual numa bacia em função da
precipitação ponderada sobre a bacia.

Figura 3.6 - Regressão linear

A expressão da regressão linear é y = ax + b em que a,b são os coeficientes da regressão (figura


3.6), determinados pelo método dos mínimos quadrados.

Como se sabe, o método dos mínimos quadrados determina os coeficientes por forma a
)
minimizar a soma dos quadrados dos desvios. Designando por y a estimativa de y fornecida
pela regressão linear, ter-se-á:
)
Z = Σi (yi – y i)2 = Σi [yi – (axi + b)]2
= Σi [yi2 – 2 axiyi – 2 byi + (axi + b)2]
= Σi [yi2 – 2 axiyi – 2 byi + a2xi2 + 2axib + b2]

Escolhe-se a e b para ter o Zmínimo

Zmin. ⇒ δZ/δa = 0 e δZ/δb = 0.

1007 δZ/δa = - 2 Σi xiyi + 2 Σi axi2 + 2 Σi b xi = 0;


e δZ/δb = - 2 Σi yi + 2 Σi axi + 2 Σi b = 0,

chegando-se às equações normais.


N

∑x
i=1
i yi - N x y
a= N

∑x
i=1
i
2
- N x2

b= y - ax

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-15

É fácil de ver que a = rxy sy/sx.

Chama-se erro padrão da estimativa, se, ao desvio padrão dos resíduos


ei = y i - yˆ i

Como ŷ = y , e = 0.

Pode verificar-se a seguinte relação entre sy e se:

se2 = sy2 (1-rxy2)

Esta relação evidencia como a variância residual varia com o coeficiente de correlação. Quando
a correlação é perfeita, r=1, os pontos alinham-se todos segundo uma recta e a variância residual
ou variância não explicada pela regressão é nula. À medida que r diminui, se2 vai tendendo para
sy2, ie, a regressão “explica” cada vez menos a variância de y.

Na expressão de se2 é conveniente introduzir um factor de correcção do viez:

se2 = (1-r2) sy2 (N-1)/(N-2).

A variância explicada pela regressão é


2 2
s yˆ = s y r 2

Se, por exemplo, r = 0.80, a regressão explica 64% da variância total de y.

O coeficiente de determinação, cd, dá a percentagem da variância total que é explicada pela


regressão. Então cd = r2.

Importa notar que, normalmente, a regressão de y sobre x não coincide com a regressão de x
sobre y. Isso só acontece se sy = sx.

Por outro lado, interessa ter uma regra prática que indique quando é que vale a pena utilizar
regressão linear, ou seja, qual o limite inferior para o coeficiente de correlação. Chow (1964)
sugere que se pode usar regressão linear quando ⎮r⎮ > 0.60, o que corresponde a explicar cerca
de 1/3 da variância de y através da regressão. Talvez seja preferível, no entanto, adoptar como
limite inferior para ⎮r⎮ um valor um pouco mais alto como 0.70 (cerca de metade da variância
de y explicada pela regressão) ou 0.80 (variância explicada é cerca de 2/3 da variância total).
Para além disso, importa sempre ver se há uma base física para o estabelecimento da regressão
afim de evitar as correlações espúrias (fruto do acaso, do tamanho limitado da amostra ou da
transformação de variáveis).

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-16

Exemplo: Considerem-se as séries de precipitações anuais nos postos udométricos P621 e P705,
ambos situados na bacia do rio Monapo. Pretende-se estender as duas séries.

Ano 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

P621 (mm) 1162 1069 957 1058 1108 1155 805 936 921 732
P705 (mm) - - - - - - - - - 600
Ano 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

P621 (mm) 858 1094 1027 1139 1047 972 1212 1354 876 -
P705 (mm) 923 1087 1166 1064 1298 931 1121 1249 697 976

Ano 21 22 23 24 25 26 27 28

P621 (mm) - - - - - - - -
P705 (mm) 1316 766 1129 1187 794 1125 890 880

A série P621 tem 19 valores e a P705 também tem 19 valores, sendo o período comum de 10
anos. Pretende-se estender a série P705 para os primeiros nove anos por regressão sobre P621 e
estender esta para os últimos nove anos por regressão sobre P705.

Tomando o período de 10 anos comuns (anos 10 - 19), obtem-se:

variável x (P621): x = 1031 mm; sx = 183 mm.


variável y (P705): x = 1014 mm; sy = 227 mm.

r = 0.80 ; cd = 0.64

Então a regressão irá explicar 64% de sy2

A regressão linear de y sobre x dá a seguinte equação:

y = 1.01x – 28,

donde se podem obter os valores de y (≡ P705) para os primeiros 9 anos:

1146 / 1052 / 939 / 1041 / 1091 / 1139 / 785 / 917 / 902.

A variância residual é se2 = sy2 (1-r2) = 18,550 ⇒ se = 136.

Para estender agora a série P621 para os últimos 9 anos, estabelece-se uma outra regressão
linear:

x = cy + d, mantendo-se x ≡ P621 e y ≡ P705.

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-17

O coeficiente de correlação é obviamente o mesmo. Obtem-se x = 0.65y + 372 (note-se o


afastamento entre as duas rectas de regressão na figura 8.7).

Os valores de P621 para os últimos 9 anos serão:

1007 / 1228 / 870 / 1106 / 1144 / 888 / 1104 / 951 / 944

A variância residual é se2 = 1832(1- 0.82) = 12,056 ⇒ se = 110.

Figura 3.7 Exemplo de regressão linear simples

Um aspecto importante a notar quando se utiliza regressão linear para estimar um número grande
de valores em falta é que a variância da série estendida se reduz em relação à série original,
devido ao facto da regressão não entrar com a variância residual (os valores estimados situam-se
sobre a recta de regressão e não à volta dela). Por exemplo, para a série P705 o desvio padrão da
série original (19 valores) é 205 enquanto a série estendida é 180. A média praticamente não
varia (de 1010 para 1008). Assim as características estatísticas da série mudam, o que não é
desejável.

Para obviar a esse inconveniente, pode-se modificar a expressão da regressão linear para:
y = ax + b + s e z = ax + b + s y 1 - r 2 z

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-18

A nova parcela é uma componente aleatória, obtida por multiplicação do erro padrão da
estimativa por uma variável aleatória z ≡ N(0,1). É possível obter sucessivos valores de z
recorrendo a uma tabela de números aleatórios ou utilizando rotinas de computador (gerador de
números aleatórios). Esta parcela adicional faz com que a variância de y se mantenha (coloca os
pontos fora da recta de regressão).

Não é possível nestas notas introdutórias aprofundar este tema que é, no entanto, extremamente
importante por ser a base dos chamados modelos autoregressivos de geração sintética.

3.6.2 Transformação de variáveis

Considere-se o exemplo representado na figura 3.8. O coeficiente de correlação anteriormente


definido é uma medida da associação linear entre x e y. Se se fizesse a sua determinação para o
exemplo da figura 3.8, obter-se-ia um valor baixo embora o gráfico evidencie que x e y estão
fortemente associados.

Figura 3.8 - Correlação e regressão não lineares

Em situações como esta, uma transformação das variáveis x e y permite mudar uma associação
não linear para uma associação linear a que se podem aplicar as técnicas de correlação e
regressão lineares descritas no tópico anterior. A transformação mais correntemente utilizada em
Hidrologia é a logarítmica que pressupõe que x e y estariam ligados por uma relação do tipo:

y = axb,

que, logaritmizada, origina:

ln(y) = ln(a) + b ln(x),

ou seja, uma relação linear entre os logaritmos de x e y. Pode dar-se como exemplo a equação da
curva de recessão dum rio alimentado por um aquífero, Qt = Qo e -αt.

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-19

3.6.3 Correlação e regressão lineares múltiplas

Quando se considera a associação apenas entre duas variáveis, x e y, a correlação e regressão


linear dizem-se simples. É possível, no entanto, generalizar o conceito para a associação entre
uma variável dependente, y, e m variáveis independentes x1, x2, x3, ......., xm.

A expressão da regressão linear múltipla é:

y = c0 + c1x1 + c2x2 + .... + cmxm.

Se o número de valores da amostra for N, m deve ser bastante inferior a N, não devendo como
regra prática exceder N/5. Pode-se então escrever:

y1 = c0 + c1x11 + c2x21 + .... + cmxm1


y2 = c0 + c1x12 + c2x22 + .... + cmxm2
................. etc.
yN = c0 + c1x1N + c2x2N + .... + cmxmN

Assim temos N equações com m+1 incógnitas (N > m+1), nomeadamente c0, c1, c2, ...., cm.
Determinam-se os coeficientes c0, c1, c2, ...., cm de tal maneira que a soma dos quadrados dos
desvios entre y e a estimativa de y seja minimizada (método dos mínimos quadrados). Da mesma
maneira que no caso da regressão linear simples, minimiza-se o valor de

Σi (yi -y,^ i)2 = Σi [yi - (c0 + c1x1i + c2x2i + .... + cmxmi)]2.

Assume-se que f(x1,x2,....,xm) = c0 + c1x1 + c2x2 + .... + cmxm.

Assim deve-se minimizar o valor de

z = Σi [yi - f(x1i,x2i,....,xmi)]2.

A minimização de z implica que as derivadas parciais de z em ordem aos ci se anulem. Obtem-se


assim m+1 equações lineares com m+1 incógnitas, as equações normais da regressão linear
múltipla. A sua resolução permite calcular os valores dos coeficientes da regressão.

As medidas de correlação linear múltipla mais utilizadas são o erro padrão dos resíduos, o
coeficiente de correlação múltipla, o coeficiente de determinação e os coeficientes de
correlação parciais.

Erro padrão dos resíduos

O erro padrão dos resíduos calcula-se da mesma forma que para a regressão linear simples:
ei = y i - yˆ i , e = 0

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-20

N −1 N
s e2 = ∑
( N − 1) ⋅ ( N − m ) i =1
ei2

em que (N-1)/(N-m) é um factor de correcção do viez.

se2 dá a variançia residual ou não explicada.

Coeficiente de correlação múltipla

O coeficiente de correlação múltipla, R, é definido como


s
R = ŷ
sy

Verifica-se imediatamente que se2 = (1-R2) sy2.

Coeficiente de determinação

O coeficiente de determinação, Cd = R2 dá a variância explicada em percentagem da variância


total de y.

Coeficientes de correlação parciais

Os coeficientes de correlação parciais ri medem o grau de associação de y com cada uma das
variáveis xi e determinam a parte da variância de y explicada por cada xi.

Para calcular um dado ri, começa-se por se determinar o coeficiente de correlação múltipla, R-i,
obtido sem incluir xi na regressão. Então:
2 R
2
- R -i 2
ri =
1 - R -i 2

R2 - R-i2 dá o acréscimo da variância explicada originado pela inclusão de xi na regressão.


Quanto maior for, maior será ri e mais importante a inclusão de xi na regressão.

A obtenção dos coeficientes de correlação parciais é trabalhosa mas bastante útil pois permite
excluir da regressão variáveis que não ajudam a aumentar a variância explicada.

Manual de Hidrologia
Revisão de Conceitos de Probabilidades e Estatística 3-21

EXERCÍCIOS

1) Calcule a média e o desvio padrão das seguintes séries de precipitações anuais (em 2
zonas diferentes).

Série 1: 805 903 875 867 912 849 815 882


Série 2: 1014 1209 480 720 545 512 984 1444

Comente os resultados.

2) Reactores nucleares, grandes barragens, diques altos, etc. devem ser projectados de tal
maneira que a probabilidade da sua danificação / galgamento seja da ordem de 1 vez em 10,000
anos (período de retorno de 10,000 anos).

a) Calcule o risco de danos num reactor nuclear assim dimensionado nos primeiros 50 anos
do seu funcionamento.
b) Repita o cálculo para um período de retorno de 1000 anos.

3) Qual é o risco que um acontecimento com período de retorno de N anos ocorra (pelo
menos uma vez) em N anos.

4) O valor da precipitação anual numa zona pode ser caracterizada pela distribuição
Normal. A precipitação anual média é de 723 mm. O desvio padrão é de 212 mm.

a) Calcule a probabilidade duma precipitação anual maior que 1000 mm.


b) Calcule a probabilidade duma precipitação anual menor que 300 mm.
c) Determine a precipitação com probabilidade de excedência de 1 e 10 %.
d) Determine a precipitação com probabilidade de não-excedência de 1 e 10 %.
e) Determine a precipitação com probabilidade de não-excedência de 50 %.
f) Determine a precipitação com período de retorno de 30 anos.

5) Dada a seguinte série de 23 valores de precipitação anual num posto udométrico,


expressa em mm,

a) Ajuste a distribuição Normal à série dada. Trace o gráfico em papel de probabilidade.


b) Calcule a precipitação anual correspondente aos períodos de retorno de 10 e 50 anos.
c) Determine os períodos de retorno teóricos a que correspondem as precipitações anuais de
1000 mm e 2015 mm (maior valor da série).

Série: 1803 1295 1118 1626 1120 1116 1473 1194 1016 1372 2015 1662 1549 1448
1753 1914 1422 1346 1092 1489 1397 1245 1219

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-1

4 PRECIPITAÇÃO
4.1 ALGUNS ELEMENTOS SOBRE A CIRCULAÇÃO ATMOSFÉRICA

Dos muitos processos meteorológicos ocorrendo contínuamento na atmosfera, a precipitação e a


evaporação, aqueles em que a atmosfera interactua com a água superficial, são da maior
importância para a Hidrologia.

Muita da água que precipita deriva da evaporação nos oceanos e do transporte a longa distância
pela circulação atmosférica. As duas forças motrizes fundamentais da circulação atmosférica
resultam da rotação da Terra e da transferência de energia entre o Equador e os Polos.

A Terra recebe permanentemente calor do sol através da radiação solar e emite calor por re-
radiação ("back radiation") para o espaço. Estes processos estão balanceados em média ao valor
de 210 W/m2. O aquecimento da Terra é, no entanto, desigual: enquanto que, no Equador, a
radiação solar é quase perpendicular à superfície e tem um valor médio de cerca de 270 W/m2, na
região polar, ela atinge a superfície segundo um ângulo oblíquo e tem um valor médio de apenas
cerca de 90 W/m2.

A radiação emitida é uma função da temperatura absoluta da superfície, a qual varia pouco entre
o Equador e os Polos (mais cerca de 20% no Equador). Portanto, a radiação emitida pela Terra é
bastante mais uniforme do que a radiação recebida, provocando assim um desequilíbrio. O
equilíbrio é reposto essencialmente através da circulação atmosférica que transfere energia do
Equador para os Polos (valor médio de cerca de 4 * 109 MW).

Figura 4.1 - Circulação numa terra imóvel

Se a Terra fosse uma esfera imóvel, a circulação atmosférica corresponderia à figura 4.1. Junto
do Equador haveria uma ascensão de massas de ar que viajariam na parte superior da atmosfera
em direcção aos Polos, arrefecendo e descendo para as camadas inferiores e voltando para o
Equador (a chamada “ circulação de Hadley”).

A rotação da Terra no sentido Oeste – Leste modifica este modelo simplificado de circulação.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-2

Se se considerar um anel de ar à volta do Equador, quando ele se move em direcção a um Polo o


seu raio diminui. Para manter o momento angular, a velocidade do ar em relação à superfície da
Terra aumenta, criando um vento com o sentido de Oeste para Leste. Passa-se o oposto com um
anel de ar que se move dum Polo para o Equador. Estes efeitos são o resultado da chamada “
força de Coriolis”.

Na realidade e de acordo com os conhecimentos actuais, a circulação atmosférica é caracterizada


por três células em cada hemisfério: célula tropical, célula intermédia e célula polar, figura 4.2.

Figura 4.2 - Circulação atmosféica

Na célula tropical, o ar aquecido sobe no Equador, dirige-se para o Polo pela camada superior da
atmosfera, arrefece e desce para a superfície próximo da latitude 30º. Junto da superfície divide-
se em dois ramos, um seguindo em direcção ao Polo e o outro retornando ao Equador. Na célula
polar, o ar ascende próximo da latitude 60º, dirigindo-se para o Polo pela camada superior da
atmosfera. Depois arrefece, desce e regressa, próximo da superfície, à latitude 60º.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-3

A célula intermédia é o resultado da fracção das outras duas. Próximo da superfície, o ar dirige-
se para o Polo, originando ventos de Oeste.

A distribuição irregular das superfícies dos oceanos e dos continentes, com as correspondentes
diferenças de propriedades térmicas, cria uma variação especial adicional na circulação
atmosférica.

A mudança anual do Equador térmico devido á rotação da Terra à volta do Sol causa uma
correspondente oscilação no padrão de circulação das três células. Quando há uma grande
oscilação, as trocas de ar entre células vizinhas são mais frequentes e completas, possívelmente
resultando numa sequência de anos muitos húmidos. Quando a oscilação é pequena, podem-se
gerar centros estáveis de altas pressões próximos das latitudes 30º, originando extensos períodos
secos.

É preciso notar também que, enquanto na troposfera a temperatura decresce regularmente com a
altitude (a troposfera varia de cerca de 16 km de altura no Equador para cerca de 8 km nos
Polos), junto à ionosfera (que separa a troposfera da estratosfera) há variações muito bruscas de
pressão e temperatura que produzem fortes correntes de ar, designadas como " jet streams", com
velocidades entre 15 e 50 m/s, que se mantêm em movimento durante milhares de quilómetros e
têm uma importante influência no movimento das massas de ar.

A circulação atmosférica é extremamente complexa pelo que só é possível apresentar uma


caracterização bastante genérica.

O estudo do transporte do vapor de água pela circulação atmosférica às várias altitudes mostra
que o seu fluxo é mais intenso na baixa atmosfera, com um máximo na vizinhança de 1 km de
altitude, sendo práticamente desprezável acima de 6 km de altitude. Para a análise do fluxo de
vapor de água, a Meteorologia utiliza os conceitos matemáticos de divergência dum campo de
vectores: quando há divergência do fluxo numa dada região, isto significa que aí existe uma
fonte de humidade, isto é, em média a evaporação excede a precipitação; quando há
convergência, há um sumidouro de humidade, ou seja, em média a precipitação excede a
evaporação.

Determinando os valores médios da divergência e da convergência ao longo de várias latitudes


(ver figura 4.3), verifica-se que em média, há:

• convergência na zona equatorial, em que há grande precipitação;


• convergência nas latitudes médias e elevadas;
• divergência nas regiões subtropicais.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-4

Figura 4.3 - Distribuição mundial das zonas de convergência e divergência

Portanto, as fontes primárias e mais importantes da humidade para toda a atmosfera encontram-
se nas regiões subtropicais, principalmente sobre os oceanos, onde a evaporação corre
contínuamente. A humidade fornecida é transportada pela circulação atmosférica para as regiões
de convergência onde precipita.

Assim, a teoria de formação da precipitação a partir da evaporação local não é correcta. O


transporte pela circulação atmosférica pode atingir muitas centenas ou mesmo milhares de
quilómetros de distância.

Exercício: Explique pelos mecanismos da circulação atmosférica a presença de desertos


extensos às latitudes aproximadas de 30º Norte e Sul, como o Sara, o Arizona, a península da
Arábia, o Kalahari e o interior da Austrália.

4.2 CIRCULAÇÃO ATMOSFÉRICA SOBRE MOÇAMBIQUE

Moçambique estende-se aproximadamente entre os paralelos 10°5' S e 27° S, e entre os


meridianos 30° E e 41° E, situando-se na zona intertropical e na zona subtropical do hemisfério
Sul.

Os principais factores que condicionam a circulação atmosférica sobre Moçambique são:


- as baixas pressões da zona intertropical;
- as células anti-ciclónicas do Índico e do Atlântico Sul;
- a depressão de origem térmica que se forma na estação quente sobre o planalto
continental africano;
- os ciclones tropicais no Canal de Moçambique.

O esquema da circulação atmosférica regional pode ser melhor compreendido através das figuras
4.4 e 4.5 que esquematizam as cartas da pressão atmosférica média, reduzida ao nível médio do

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-5

mar, nos meses de Janeiro (estação quente) e Julho (estação fria).

Figura 4.4 - Carta da pressão atmosférica média (mbar) em Janeiro

A = anti-ciclone;
B = baixas pressões;
E = massa de ar equatorial;
Tmu = massa de ar tropical marítimo;
Tc = massa de ar continental.

Em Janeiro, época do ano em que o sol está para sul do Equador, devido ao forte aquecimento da
massa continental, passam a predominar na região as baixas pressões. A zona intertropical de
baixas pressões é uma zona de convergência, alimentada por massas de ar equatorial e tropical
marítimos e limitada a norte e a sul por camadas de ar tropical continental. As camadas de
transição nos limites da zona de convergência são designadas por frentes intertropicais, norte e

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-6

sul (FITN e FITS).


A partir de Setembro/Outubro, a FITS move-se para sul alcançando em Janeiro/Fevereiro a
posição sul extrema, cerca dos paralelos 19°-20° S, até ao norte das províncias de Manica e
Sofala. Também nesta época do ano, os anticiclones do Índico e do Atlântico movem-se para sul,
fixando-se cerca de 38 °S, e a depressão térmica estabelece-se sobre o planalto continental
africano.

A parte de Moçambique a norte do paralelo 20° S fica sob a acção de massas de ar equatorial, E,
e a sul, de massas de ar tropical marítimo instável, Tmu.

Durante a época do ano em que o sol está para norte do Equador, a massa do continente africano
situada ao sul arrefece, o que provoca o avanço e o predomínio dos sistemas de altas pressões. A
FITS passa a estar bastante a norte de Moçambique a partir de Abril e o anticiclone do Índico
migra para norte, fixando-se em cerca de 30° S. Gera-se ainda uma célula anti-ciclónica sobre a
África Austral (deserto do Kalaari).

Assim, a parte de Moçambique a norte do paralelo 20° S fica sob a acção de massas de ar
tropical marítimo, Tmu. A sul desse paralelo, a influência é principalmente de massas de ar
tropical continental, Tc, constituídas por ar quente e seco.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-7

Figura 4.5 - Carta atmosférica média (mbar) em Julho

4.3 O PROCESSO FÍSICO DA PRECIPITAÇÃO

4.3.1 Mecanismos de formação da precipitação

O conhecimento actual da Meteorologia diz-nos que são necessárias quatro condições para
produzir as quantidades de precipitação que se verificam:

- um mecanismo que produza o arrefecimento do ar;


- um mecanismo que origine a condensação;
- um mecanismo para produzir o crescimento das gotas;
- um mecanismo para produzir a acumulação de humidade suficiente para justificar
as intensidades de precipitação observadas.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-8

Alguns destes mecanismos estão inter-relacionados, por exemplo o arrefecimento e a


condensação.

a) Mecanismo para produzir o arrefecimento do ar

O único mecanismo conhecido para produzir um arrefecimento suficiente para corresponder às


precipitações observadas é a redução da pressão quando o ar sobe desde a superfície do solo até
às camadas superiores da atmosfera. O arrefecimento diminui a quantidade de vapor de água que
pode estar contido num certo volume de ar, originando formação de gotas de água por
condensação.

b) Mecanismo para a condensação

A formação de gotas por condensação faz-se à volta de pequenas partículas de diversas


substâncias, designadas como núcleos de condensação. Estas partículas têm diâmetros
normalmente entre 0.1 e 10 μm sendo, portanto, muito mais pequenas que partículas de poeira.
Os núcleos de condensação consistem habitualmente de produtos de combustão, sais, dióxido de
carbono, iodeto de prata, cloreto de sódio, trióxido de enxofre. Além de gotas, formam-se
também minúsculos cristais de golo.

A condensação origina microgotas cujo diâmetro não excede 200 μm, conforme se determinou
teóricamente. Este diâmetro é muito inferior ao das gotas de chuva, razão pela qual se estudam
os mecanismos que permitem o crescimento das microgotas.

c) Mecanismos para o crescimento das gotas

Existem dois mecanismos fundamentais para o crescimento das microgotas: coalescência e


condensação de vapor de água sobre os cristais de gelo.

Designa-se por coalescência um processo em que as microgotas se aglomeram para dar origem a
gotas maiores. Essa junção pode ter causas diversas como a atracção electrostática, atracção
hidromecânica, indução magnética, colisões de microturbulência, mas todas elas são
consideradas muito fracas para terem uma influência significativa no crescimento. A causa mais
importante é a diferença de velocidades entre gotas pequenas e grandes o que origina choques e a
absorção das gotas pequenas pelas maiores que assim continuam a crescer.

A importância da existência de cristais de gelo resulta da diferença na tensão de saturação do


vapor entre o gelo e a água. Isso leva à vaporização de microgotas e á sua condensação sobre os
cristais de gelo. Os cristais de gelo desempenham o papel fundamental para o início do
crescimento das gotas enquanto que depois é o choque entre partículas que justifica a
continuação do crescimento e o início da precipitação. A diferença entre as tensões de saturação
do vapor em gotas de água a diferentes temperaturas tem um efeito similar ao da condensação
sobre cristais de gelo.

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Precipitação 4-9

d) Mecanismo para a acumulação de humidade

A quantidade total de água (sob a forma de vapor, gotas ou cristais de gelo) contida na atmosfera
num dado instante é muito reduzida. Se toda ela fosse condensada e distribuída uniformemente
sobre a Terra, daria uma camada com apenas cerca de 25 mm de altura. Para justificar as
quantidades de precipitação que constantemente se observam é, por isso, necessário que numa
dada região onde se iniciou a precipitação, haja um afluxo de massas de ar húmido que
alimentam a continuação desse precipitação. Este processo é denominado de convergência. As
grandes precipitações só ocorrem em zonas de baixas pressões sobre as quais convergem ventos
que transportam humidade de vastas regiões adjacentes.

4.3.2 Precipitação artificial

Embora grande número de civilizações e culturas conheçam de longa data "o homem que fazia
chover", datam do século passado os esforços mais sérios e sistemáticos para provocar
artificialmente a ocorrência de precipitação. No presente estado de conhecimentos, a precipitação
artificial é originada lançando sobre as nuvens cristais de gelo seco ou iodeto de prato que
actuam como núcleos de condensação e crescimento das gotas.

Os resultados até agora obtidos não evidenciam significativos sucessos mesmo porque se torna
difícil distinguir um eventual aumento de 10 - 15% da precipitação da variabilidade natural da
mesma. Também não se conhecem que efeitos é que a sua aplicação em longa escala terá no
ciclo hidrológico à escala regional e mundial. No entanto, em fins da decada de 70 a precipitação
artificial já era usada nos Estados Unidos em cerca de 7% do território.

Por outro lado, é preciso notar que a precipitação artificial procura estimular os mecanismos da
condensação e do crescimento das gotas mas não tem qualquer efeito no mecanismo de
acumulação de humidade, já que não é possível criar artificialmente um centro de baixas
pressões.

Embora o maior interesse da precipitação artificial seja para as regiões áridas, ela tem sido
utilizada em outras regiões para dissipar nuvens, evitando a queda de granizo ou geada.

4.3.3 Efeito da evaporação local na precipitação

Existe muito difundida a ideia de que áreas onde há grande evaporação têm grande precipitação.
Esta ideia é errada pois, embora a evaporação sobre os continentes corresponda a cerca de 2/3 da
precipitação que sobre eles ocorre, a precipitação não tem apenas essa fonte mas
fundamentalmente a humidade transportada pelos ventos que convergem para as zonas de baixas
pressões.

A humidade que se evapora em dado local é normalmente transportada a milhares de


quilómetros de distância antes de precipitar, como se verificou em estudos feitos nos Estados
Unidos.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-10

4.4 TIPOS DE PRECIPITAÇÃO

De acordo com a forma a precipitação ocorre, definem-se vários tipos de precipitação. Em


Moçambique, verificam-se quatro tipos de precipitação:

- convectiva;
- orográfica;
- frontal;
- ciclónica.

4.4.1 Precipitação convectiva

A precipitação de origem convectiva é causada pela subida duma massa de ar quente, menos
denso, para as camadas superiores da atmosfera, mais frias, onde arrefece, condensa o vapor de
água e precipita. Está associada a um fenómeno de instabilidade provocado por um aquecimento
desigual da superfície do solo (ver a figura 4.6).

Figura 4.6 - Precipitação convectiva

Normalmente, origina chuvadas intensas e de curta duração, frequentemente acompanhadas de


trovoada.

4.4.2 Precipitação de origem orográfica

A existência duma montanha constitui uma barreira à deslocação da massa de ar húmido,


obrigando à sua subida com o consequente arrefecimento e condensação (ver a figura 4.7). A
precipitação em Moçambique é muito influenciada pelas características do relevo. A região ao
sul do rio Save tem relevo pouco acentuado de forma que as massas de ar marítimo vão originar
precipitação nas regiões montanhosas de África do Sul, Suazilândia e Zimbabwe.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-11

Figura 4.7 - Precipitação orográfica

Nas regiões Centro e Norte, o relevo é acentuado e torna-se evidente a correlação entre os
valores elevados de altitude e de precipitação, veja-se as figuras 4.14 e 4.15. É de notar que a
vertente exposta ao vento tem uma precipitação bastante superior à outra vertente.

4.4.3 Precipitação de origem frontal

Diz-se que há uma frente quando uma massa de ar frio contacta uma massa de ar mais quente,
sendo a superfície de contacto mais ou menos bem definida (figura 4.8). As regiões Centro e Sul
de Moçambique são frequentemente afectadas pelas frentes frias: massas de ar frio provenientes
das regiões temperada e polar deslocam-se e encontram sobre o continente massas de ar quente,
forçando-as a subir. O movimento ascensional induz o arrefecimento da massa de ar quente com
posterior condensação e precipitação. A frente fria pode originar precipitações intensas e
prolongadas sobretudo junto à superfície frontal, podendo a região coberta pela precipitação
estender-se de 50 a 100 km a partir dessa superfície.

Figura 4.8 - Frente fria

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-12

4.4.4 Precipitação de origem ciclónica

O Oceano Índico a nordeste de Madagascar é origem de numerosos ciclones. Os ciclones são


sistemas de baixa pressão acompanhados de ventos com velocidades superiores a 120 km/h e
dotados de movimento turbilhonar. Estes ciclones deslocam-se para sudoeste absorvendo no seu
percurso grandes quantidades de humidade. Ao atingirem o continente, comportam-se como uma
frente quente originando precipitação numa faixa de 150 a 300 km e dissipando-se à medida que
progridem para o interior.

As chuvas intensas e os ventos fortes dão aos ciclones tropicais características muito destrutivas.
Moçambique, apesar de relativamente protegido pela barreira que Madagáscar constitui, tem
sofrido graves prejuízos com os ciclones, casos do Claude (1966) e Domoína (1984), que
afectaram a região Sul, Felícia (1978) que assolou a Zambézia e Sofala e Nadia (1996) que
provocou grandes destruições na província de Nampula.

4.5 MEDIÇÃO DA PRECIPITAÇÃO

4.5.1 Aspectos gerais

A precipitação é caracterizada pela altura e pela intensidade.

A altura de precipitação sobre uma dada área é igual ao volume da precipitação sobre essa área
a dividir pelo valor da área. É normalmente expressa em mm ou em l/m2.

1 mm = 1 l/m2 = 10 m3/ha

A intensidade da precipitação é definida como a quantidade de precipitação ocorrida por


unidade de tempo:
∂h
i=
∂t

A intensidade é normalmente expressa em mm/hora. A intensidade não é medida directamente


mas obtida a partir do conhecimento da altura, função h(t). Eventualmente, o radar permitirá no
futuro a medição directa da intensidade. A medição da altura de precipitação faz-se em intervalos
discretos de tempo, através dos udómetros ou pluviómetros, ou em registo contínuo, através de
udógrafos ou pluviógrafos.

4.5.2 Udómetros

Para se garantir a consistência a nível nacional e regional dos valores medidos, os instrumentos
de medição são padronizados quer em relação às suas dimensões quer em relação à sua
localização no terreno.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-13

Os udómetros utilizados em Moçambique (veja-se a figura


4.9) têm as seguintes características:
- diâmetro da boca: ≈ 16 cm;
- superfície receptora: 200 cm2;
- altura da boca acima do solo: 1.50 m.

A precipitação é recolhida no depósito, sendo o volume


medido numa proveta graduada. A altura de precipitação é
dada por:
Vol
h=
Arec

Se o volume for medido em ml. (1 ml. = 1 cm3) e a área de


recepção igual a 200 cm2, a altura em mm. será:

h = 0.05 Vol. Figura 4.9 - Udómetro

O valor medido é registado diáriamente em impresso próprio por um agente (leitor). O impresso
abrange normalmente o período de 1 mês sendo ao fim desse tempo recolhido e enviado para os
serviços regionais ou centrais para análise (detecção de anomalias), processamento e arquivo. As
medições são feitas sempre à mesma hora, no caso de Moçambique às 9 horas da manhã.

4.5.3 Udógrafos

Os udógrafos são instrumentos que permitem conhecer a variação da precipitação em função do


tempo utilizando um sistema de registo contínuo. Obtem-se assim numa folha de papel um
gráfico h(t). O papel roda num tambor ou num sistema de rolos a uma velocidade constante
regulada por um mecanismo de relojoaria. Há diversos tipos de udógrafos conforme o
mecanismo que quantifica a precipitação. O gráfico resultante chama-se udograma ou
pluviograma.

4.5.3.1 Udógrafo de sifão

A figura 4.10 representa um udógrafo de sifão. A água é


recolhida num depósito munido duma boia e dum sifão. A boia
é solidária com uma haste vertical à qual está associada um
braço horizontal munido duma caneta que vai registando no
papel o nível atingido pela água.

Quando a caneta atinge a altura máxima, ocorre


automaticamente a descarga pelo sifão e a caneta volta à
posição zero. O percurso total da caneta entre o zero e o
máximo corresponde habitualmente a 10 mm de chuva.
Figura 4.10 -
Udógrafo de Sifão

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-14

A água proveniente do sifão é recolhida num depósito que serve para controlar a quantidade total
de água registada no período de observação. A figura 4.11 representa um exemplo dum
udograma.

Figura 10 - Udograma

Deste udograma é possível obter, por exemplo, a intensidade média da precipitação entre as 3 e
as 6 horas do dia 1/2 como sendo:

h6 - h3 = (10 + 1.6 − 3.6 ) = 2.7 mm/h


i 3-6 =
Δt 3

e que a intensidade máxima instantânea foi de cerca de 4.2 mm/h por volta das 4 horas do dia
1/2.

4.5.3.2 Udógrafo basculante

A figura 4.12 representa um udógrafo basculante. A água recolhida vai enchendo o receptáculo
A e quando este tem uma certa quantidade de água (por exemplo equivalente a 2.5 mm) bascula
bruscamente em torno do eixo, começando o enchimento do receptáculo B. De cada vez que há
uma mudança é marcado um traço vertical no gráfico.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-15

Figura 4.12 - Udógrafo baculante

4.5.4 Localização dos udómetros

A principal fonte de erro na medição da precipitação é o vento. A aceleração vertical para cima
imposta ao ar junto dum udómetro transmite uma aceleração semelhante à precipitação,
reduzindo a quantidade que entra no udómetro. Este efeito é mais significativo para pequenas
gotas e, portanto, para chuvisco. Quanto mais alto estiver o udómetro maior será o efeito do
vento pelo que se deve evitar instalar o equipamento nos telhados dos edifícios ou em zonas
muito batidas pelo vento.

A melhor localização é ao nível do solo, com árvores ou sebes para quebrarem o vento desde que
não estejam tão próximas que interceptem a precipitação. Para tal, esses obstáculos devem estar a
uma distância do udómetro superior a metade da sua altura (ver a figura 4.13).

Figura 4.13 - Localização de udómetros

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-16

4.5.5 Utilização de radar

Um radar transmite um impulso de energia electromagnética sob a forma dum feixe emitido por
uma antena móvel. Essa onda que viaja com a velocidade da luz é parcialmente reflectida pelas
nuvens ou pelas partículas que precipitam e volta ao radar, sendo captada pela mesma antena. A
energia retornada é o alvo, a quantidade de energia retornada é a potência de retorno e a sua
visualização no ecran do radar é o eco.

A intensidade do eco é uma indicação da grandeza da potência de retorno que, por sua vez,
mede a reflectividade do radar nos hidrometeoros. Essa reflectividade depende da distribuição
dos tamanhos das partículas, do número de partículas por unidade de volume e da forma das
partículas. No entanto, geralmente a reflectividade é tanto maior quanto mais intensa for a
precipitação.

O intervalo de tempo entre a emissão do impulso e o eco mede a distância a que se encontra o
alvo, enquanto que a direcção do alvo corresponde à orientação da antena na altura da emissão.
Assim, rodando a antena torna-se possível definir a extensão superficial duma chuvada.

Teóricamente, é possível converter (por calibração) as potências de retorno em intensidades de


precipitação que podem ser, então, integradas ao longo de tempo dando as alturas de precipitação
em 1 hora, 3 horas, etc. em cada local.

O radar apresenta, portanto, um enorme potencial para utilização em Hidrologia. Na prática,


existem dificuldades ainda não superadas, a principal das quais tem a ver com o facto da relação
entre potência de retorno e intensidade de precipitação não ser biunívoca. Assim, a utilização dos
valores do radar exige a prévia calibração a partir dos valores registados em udógrafos ou
udómetros para a mesma chuvada. Possivelmente obter-se-á um progresso significativo quando
se ligar o radar a uma rede de udógrafos por um sistema de telemetria.

4.5.6 Rede udométrica

A densidade de udómetros e udógrafos numa região deve depender essencialmente da maior ou


menor variabilidade espacial da precipitação nessa região e da utilização mais ou menos
intensiva que se queira fazer da água. Há sempre que balancear por um lado a informação
adicional obtida com mais postos udómetricos e o valor dessa informação adicional e, por outro,
os custos de instalação, manutenção e operação desses postos. Os erros derivados duma rede
pouco densa são mais importantes para uma dada chuvada intensa do que para os valores
mensais ou anuais.

Em 1974, a WMO (Organização Meteorológica Mundial) recomendou as seguintes densidades


mínimas para fins hidrológicos gerais:
- para regiões de clima temperado ou mediterrânico e zonas tropicais em áreas com
relevo pouco acentuado: 600 - 900 km2/estação;
- idem, mas em áreas montanhosas: 100 - 250 km2/estação;
- pequenas ilhas montanhosas com precipitação irregular: 25 km2/estação;
- zonas áridas e polares: 1,500 - 10,000 km2/estação.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-17

Segundo um relatório da Direcção Nacional de Águas (DNA) de 1984, a rede udométrica de


Moçambique era constituída por 487 postos, sendo 263 da DNA, 118 do Serviço Meteorológico
(SMM) e 106 de outras entidades, sobretudo de empresas agrícolas. Deste total, apenas cerca de
30 estavam equipados com udógrafos. A densidade média era de 1,600 km2/estação, com
variações entre 300 km2/estação e 10,000 km2/estação. A província de Maputo tinha a densidade
mais elevada e a do Niassa a mais baixa. Infelizmente estes dados foram muito alterados pela
guerra que reduziu significativamente a rede em operação, estando a recuperação da rede a ser
feita muito lentamente.

O mesmo relatório da DNA fornecia os seguintes dados sobre a extensão dos registos,
considerando apenas as estações da DNA (quadro 4.1):

Quadro 4.1 Rede udométrica da DNA em 1984.


Nº de anos de registo Nº de estações
> 30 97
21 - 30 82
11 - 20 58
≤ 10 26
263

Alguma informação adicional sobre as redes udométrica e hidrométrica vem contida em Ataíde
(1974):

Quadro 4.2 Evolução da rede udométrica em Moçambique.


Ano: 1950 1955 1960 1965 1970 19841
Nº de estações: 202 389 694 733 787 487
Km2/ estação: 3,860 2,005 1,124 1,064 991 1,602

Apenas 41 estações das 787 de 1970 estavam equipadas com udógrafos. Tomando 1970 como
ano de referência, o número de anos de funcionamento era o seguinte:

1
Dados da DNA

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-18

Quadro 4.3 Rede udométrica em 1970


Nº de anos de registo Nº de estações
> 30 111
21 - 30 43
11 - 20 299
≤ 10 334
787

4.5.7 A precipitação em Moçambique

Faltam em Moçambique os estudos de caracterização da precipitação que ocorre no País e nas


suas diversas regiões. Os estudos globais existentes são demasiado incipientes e datam do início
da década de 70. Existem estudos dispersos referentes a várias bacias que se torna necessário
integrar e homogeneizar.

Com base nos dados registados pela rede hidrométrica, foi possível determinar as precipitações
médias nos vários postos e, a partir daí, traçar a carta de isoietas da precipitação anual média em
Moçambique (figura 4.14), apresentada num estudo de Gonçalves (1974). A precipitação
ponderada anual média sobre Moçambique é de cerca de 950 mm, ou seja de 740 biliões de
metros cúbicos. A análise da carta de isoietas permite evidenciar os três factores que influenciam
mais fortemente a ocorrência da precipitação em Moçambique: o relevo, a distância ao litoral e a
latitude.

A latitude influencia a precipitação pois a região Norte tem um regime de chuvas diferente do
das regiões Centro e Sul. Nestas, a precipitação tem origem principalmente a partir de frentes
frias e ciclones ao passo que na região Norte é o movimento (para sul, na época das chuvas) da
zona de convergência intertropical, criando centros de baixas pressões, que é o factor principal a
ter em conta.

O relevo tem enorme influência na distribuição da precipitação em Moçambique: as maiores


precipitações anuais médias registam-se exactamente nas zonas de maior altitude (Alta
Zambézia, interior da província de Manica, planaltos da Angónia, Marávia e Lichinga; ver a
figura 4.15).

A distância ao litoral é importante na medida em que as massas de ar húmido marítimo vão


perdendo humidade à medida que progridem para o interior. Este efeito é muito sensível na
região Sul do Save (interior das províncias de Gaza e Inhambane) e no sul da província de Tete.

A figura 4.16 ilustra a variabilidade temporal das precipitações através do registo das
precipitações anuais em Chokwé entre 1923/1924 e 1981/1982. A precipitação anual média é de
638 mm e o coeficiente de variação da precipitação anual é de 0.28. Os índices de humidade
extremos no período considerado foram de 1.9 em 1949/1950 e de 0.47 em 1939/1940 e
1951/1952. A figura 4.17 ilustra a distribuição ao longo do ano das precipitações mensais média
nos postos P154 (Gurué) e P783 (Malema) evidenciado o semestre húmido e o semestre seco. Na
figura apresentam-se também os coeficientes pluviométricos mensais.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-19

Figura 4.14 - Isoetas de precipitação anual média em Moçambique

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-20

Figura 4.15 - Carta hipsométrica de Moçambique

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-21

Figura 4.16 - Variabilidade temporal da precipitação anual em Chockwé

Figura 4.17 - Precipitações mensais médias em Gurué e Malema

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-22

4.6 DETERMINAÇÃO DA PRECIPITAÇÃO SOBRE UMA REGIÃO

A precipitação registada num udómetro é um valor pontual do ponto de vista geográfico. Há


diversos métodos que permitem, a partir dos valores registados nos postos udométricos,
determinar a precipitação sobre uma região, nomeadamente o método da média aritmética, o
método de Thiessen e o método das isoietas.

4.6.1 Método da média aritmética

O método da média aritmética consiste em igualar a precipitação sobre a região à média


aritmética dos valores registados nos vários postos existentes na região e próximos dela. É um
método muito grosseiro que apenas deve ser usado se os postos se distribuirem uniformemente
na região e o valor de cada um não se afastar muito do valor médio.

4.6.2 Método de Thiessen

A partir duma carta onde está delimitada a bacia ou a região cuja precipitação se pretende
calcular e marcados os postos udométricos (dentro da região e à volta), executam-se os seguintes
passos:

i) Liga-se cada posto com todos aqueles que lhe ficam próximos, definindo
segmentos de recta;
ii) Traçam-se mediatrizes desses segmentos. Essas mediatrizes, juntamente com os
limites da região definem polígonos à volta dos vários postos - são os polígonos
de Thiessen;
iii) Medem-se as áreas dos polígonos e a área total da região;
iv) Calculam-se os coeficientes de Thiessen para os vários postos:
Ai
ci =
Atotal

v) Calcula-se a precipitação na região através de:


P = ∑i ci Pi

O polígono respeitante a um dado posto é o lugar geométrico dos pontos da região que estão
mais próximos desse posto do que de qualquer outro. O método atribui a todos os pontos dum
polígono uma precipitação igual à registada no respectivo posto o que equivale a admitir que a
variação da precipitação entre dois postos contíguos é linear.

Note-se que mesmos postos fora da região podem ter um polígono dentro dela. A figura 4.18
esclarece o traçado dos polígono e o cálculo de P.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-23

Figura 4.18 - Polígonos de Thiessen

4.6.3 Método das isoietas

O método das isoietas é, como o método de Thiessen, um método de base gráfica. Para se
calcular a precipitação na região, é necessário começar por traçar as isoietas (linhas de igual
precipitação). Para tal, pode utilizar-se o seguinte procedimento (ver também a figura 4.19):

- consideram-se estações próximas 2 a 2;


- admite-se que entre 2 estações próximas a precipitação varia linearmente;
- determinam-se assim pontos de ocorrência de determinados valores de
precipitação P1, P2, etc.;
- as isoietas traçam-se unindo por curvas pontos com o mesmo valor de
precipitação.

Designando por Ai a sub-área da região localizada entre as isoietas Pi e Pi+1, a precipitação


ponderada na região é dada por:

∑i Ai ( Pi + Pi+1 )/2
P=
Atotal

No traçado das isoietas, um hidrologista experiente pode ir além do procedimento atrás indicado,
afeiçoando-as de maneira a entrar em conta com o relevo e a distância ao litoral.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-24

Figura 4.19 - Traçado das Isoietas

A figura 4.20 apresenta a carta de isoietas na região sul do país, abrangendo as bacias do
Maputo, Tembe, Umbelúzi e Incomati (incluindo as áreas na África do Sul e Suazilândia) do dia
29/01/84 quando ocorreram as chuvadas mais intensas do ciclone Domoína.

4.6.4 Comparação entre o método de Thiessen e o método das isoietas

A principal vantagem do método de Thiessen sobre o método das isoietas é que os polígonos de
Thiessen não dependem dos valores da precipitação registados nos postos e, portanto, o cálculo
da precipitação ponderada na região faz-se sempre com os mesmos coeficientes. Apenas é
necessário recalcular os polígonos se algum dos postos não tiver registos para a precipitação
ponderada que se pretende calcular.

As isoietas dependem dos valores das precipitações. Isso torna o método muito trabalhoso para
aplicação rotineira, razão pela qual se reserva a aplicação do método das isoietas ao cálculo de
precipitações ponderadas para precipitações médias (anuais, semestrais, mensais), precipitações
com determinada probabilidade de excedência (p.exº 80%) ou para chuvadas extremas.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-25

Figura 4.20-Isoietas na região sul do País no dia 29/1/84 (Ciclone Domoina)

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-26

Uma outra desvantagem do método das isoietas relativamente ao método de Thiessem é a dose
de subjectividade com que as isoietas são traçadas. Por outro lado, isso permite a um hidrologista
experiente traçar as isoietas entrando em linha de conta com a influência do relevo, distância à
costa e exposição aos ventos húmidos, o que constitui uma vantagem sobre o método de
Thiessen.

O método das isoietas apresenta sobre o método de Thiessen as seguintes vantagens:

- desde que as isoietas sejam traçadas por um hidrologista experiente, o metódo


conduz a um valor da precipitação ponderada mais rigoroso do que o obtido pelo
método de Thiessen;
- a carta de isoietas dá uma imagem visual da distribuição espacial da precipitação.

Normalmente, as isoietas serão traçadas para situações particulares como, por exemplo, os
valores anuais ou semestrais médios ou para uma chuvada particularmente intensa. Para os
cálculos de rotina, será utilizado o método de Thiessen.

4.6.5 Cálculo da precipitação ponderada em computador

A utilização do computador permite eliminar a parte mais trabalhosa dos dois métodos,
facilitando a sua utilização.

No método das isoietas, poder-se-á utilizar os programas que fazem o traçado de isolinhas (Z =
constante) a partir do conhecimento de valores Z(x,y) num número discreto de pontos como se
faz já com o traçado de curvas de nível a partir do conhecimento dum número de pontos
contatos.

Para o método de Thiessen existem já diversos programas operacionais que fazem o traçado dos
polígonos e calculam os coeficientes Thiessen a partir das coordenadas dos postos udométricos e
dos pontos que definem a fronteira da região, coordenadas essas que se obtêm facilmente se se
dispuser duma mesa digitalizadora.

Um programa disponível na Faculdade de Engenharia da UEM calcula os coeficientes de


Thiessen sem fazer o traçado dos polígonos. A partir duma malha rectangular de pontos
sobreposta à região, determina-se:

- o número total de pontos no interior da região, valor proporcional à área total da


região (N);
- o número de pontos ni atribuídos ao posto i, na base de que estão mais próximos
desse posto do que de qualquer outro. Evidentemente, Σi ni = N;
- os coeficientes são dados por ci = ni/N.

4.6.6 Influência da dimensão da área na precipitação ponderada

A experiência indica que, numa dada região, precipitações muito intensas não se verificam

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-27

simultâneamente em todos os pontos. Quando numa região apenas se dispõe de medições num
posto udométrico, a precipitação ponderada deve corresponder a multiplicar a precipitação
pontual por um factor de redução inferior a 1. Óbviamente, esse factor será tanto mais pequeno
quanto maior fôr a área em consideração e mais curta a duração da chuvada.

Estudos feitos nos Estados Unidos pelo US Weather Bureau permitiram a elaboração do gráfico
apresentado na figura 4.21. Este gráfico é apresentado apenas para efeitos ilustrativos e não deve
ser utilizado para cálculos em Moçambique, para cujas condiçoes não foi aferido.

Figura 4.21 - Factor de redução da precipitação pontual

4.7 VALORES CARACTERÍSTICOS DAS PRECIPITAÇÕES

Determinados valores calculados a partir dos registos de precipitação permitem fazer uma
caracterização sumária da precipitação.

- Precipitação anual média Pano: é a média aritmética dos valores da precipitação


anual.
- Índice de humidade do ano, Iano = Pano/Pano: indica se o ano foi húmido ou seco.
- Ano médio: ano fictício tal que o valor que uma determinada grandeza
hidrológica apresenta numa época qualquer do calendário no ano médio é igual à
média aritmética dos valores assumidos pela grandeza na mesma época dos
diferentes anos do período considerado. Por exemplo, em ano médio as
precipitações mensais são as precipitações mensais médias.
- Cartas de isoietas em ano médio (precipitação anual, no semestre seco e no
semestre húmido).
- Precipitação mensal média Pi no mês i: média dos valores registados da
precipitação no mês i, Pi.
- Precipitação mensal média fictícia Pf = Pano/12: seria o valor da precipitação

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-28

mensal média se a precipitação anual média se distribuisse uniformemente ao


longo do ano.
- Coeficiente pluviométrico do mês i, Cpi = Pi/Pf: indica se trata dum mês húmido
ou dum mês seco.
- Índice de humidade do mês, Imês = Pi/Pi: indica se o mês foi húmido ou seco.

4.8 CONSISTÊNCIA DUMA SÉRIE DE REGISTOS

Não é invulgar que uma série de registos de precipitação acuse, na sua análise, inconsistência,
i.e., uma subsérie contendo os anos terminais regista características (como a média e o desvio
padrão) muito distintas da subsérie dos anos iniciais. Isso pode ter origem, por exemplo, na
mudança de localização do udómetro, na construção duma habitação demasiado próxima ou na
substituição do aparelho de medida.

Quando isso acontece, é necessário rectificar a série, tornando-a consistente. O método mais
utilizado para a detecção de inconsistência é o método da dupla massa o qual permite que se
faça posteriormente a correcção da série.

O método da dupla massa consiste no seguinte:

- escolhe-se um certo número de estações (normalmente, cerca de 10)


geográficamente próximas de estação de cuja série de registos se pretende testar a
consistência;
- calculam-se as médias dos valores dessas estações para o período correspondente
à estação em estudo;
- marca-se num gráfico em abcissas os valores acumulados das médias das
estações e em ordenadas os valores acumulados da estação em estudo.

Se neste gráfico os pontos se alinharem ao longo duma recta não se detecta inconsistência. Se, no
entanto, se verificar uma situação como a da figura 4.22 em que, a partir dum dado ano, há uma
clara mudança de inclinação que se mantém (verificada pelo menos nos últimos 5 anos), então
pode suspeitar-se de haver inconsistência na série em estudo.

Nesse caso, é preciso verificar o que aconteceu com a estação, se houve uma mudança do local
ou outra causa que possa ser a origem da inconsistência.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-29

Figura 4.22 - Teste de consitência duma série pelo método da dupla massa

É necessária muita cautela na utilização do método da dupla massa. Em primeiro lugar, é preciso
que o desvio se mantenha durante uma série de anos (cinco ou mais); depois, é preciso que as
estações de apoio tenham todas séries de registos consistentes. É igualmente necessário encontrar
a causa física que possa ter originado a inconsistência.

Quando estas condições se verificam, pode rectificar-se a série de forma a torná-la consistente:
pega-se nos valores da subsérie anterior à mudança de declive e multiplica-se os seus valores
pela relação das tangentes. No exemplo da figura 4.22, ter-se-ia de multiplicar os valores
anteriores a 1981 por 0.84/1.40 = 0.60.

Finalmente há que referir que o método da dupla massa só deve ser aplicado para durações
suficientemente longas, ou seja, para séries de precipitação semestral ou anual.

4.9 PREENCHIMENTO DE FALHAS

Frequentamente, os registos de precipitação para uma dada estação têm faltas de 1 ou mais dias
e, por vezes, até de períodos mais longos. Para não se perder totalmente a continuidade dos
registos, utilizam-se métodos para estimar os valores em falta, permitindo assim reconstituir os
totais mensais, semestrais e anuais. Os mais utilizados são o método da razão normal, o método
do US National Weather Service e o método da regressão linear múltipla.

4.9.1 Método da razão normal

Escolhem-se 3 estações muito próximas da estação com registos em falta e distribuidas


regularmente à volta dela. Designando essas estações por A,B,C, a estação em estudo por X, a
precipitação anual média por P e a precipitação no período em falta por P, a estimativa do valor
em falta faz-se pela expressão:

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-30

P x [( P A ) + ( P B ) + ( PC )]
Px =
3 PA PB PC

4.9.2 Método do US National Weather Service

Considera-se o espaço à volta da


estação X dividido em quatro
quadrantes pelo traçado de eixos N-S e
E-O (figura 4.23).

Toma-se em cada quadrante a estação


que estiver mais próxima de X. Então o
valor na estação X será dado pela
expressão:
4
l
∑ Pi i2 Figura 4.23 - Método do US NWS
PX = i =14 d i
li

i =1 d i
2

Se um ou mais quadrantes não contiverem nenhuma estação, como pode acontecer se a estação
X se localizar na costa, o somatório estende-se apenas aos restantes quadrantes.

4.9.3 Método da regressão linear múltipla

Os métodos atrás referidos, embora bastante práticos, só são válidos quando a densidade das
estações é elevada. Quando isso não acontece, é preferível utilizar o método da regressão linear
múltipla.

Consideram-se n estações geograficamente próximas da estação X com valores em falta e


estabelece-se a expressão da regressão linear múltipla:

PX = co + c1P1 + c2P2 + ...... + cnPn

Determinam-se os coeficientes de correlação parcial e eliminam-se da regressão as estações em


que esses coeficientes são baixos (p.ex, inferiores a 0.50). A expressão final da regressão permite
então obter o valor de PX. Normalmente é difícil obter uma boa regressão para períodos
inferiores a 15 dias ou um mês.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-31

4.10 PRECIPITAÇÕES INTENSAS DE CURTA DURAÇÃO

4.10.1 Introdução

O dimensionamento de obras hidráulica como sistemas de drenagem urbana e agrícola, diques de


protecção contra cheias e descarregadores de barragens é feito para caudais com pequena
probabilidade de serem ultrapassados, i.e, caudais com uma baixa frequência, i.e, para grandes
períodos de retorno. O período de retorno que se toma é tanto maior quanto fôr a importância da
obra e os prejuízos decorrentes da sua destruição ou danificação. A estimação dos caudais de
dimensionamento é frequentemente feita a partir de valores da precipitação com dada duração,
em função do período de retorno adoptado.

A duração a considerar para a precipitação varia consoante o objecto do estudo, podendo ir desde
poucos minutos em obras urbanas (colectores pluviais) a algumas horas (obras urbanas ou em
rios com pequenas bacias hidrográficas) ou mesmo alguns dias (obras em rios com grandes
bacias hidrográficas).

Procura-se então obter relações entre as seguintes grandezas: a altura de precipitação (ou a
intensidade), a duração da chuvada e a frequência (ou o período retorno).

4.10.2 Curvas de possibilidade udométrica

Uma das relações mais utilizadas envolvendo a altura, a duração e o período de retorno é:

h = a.t n .T m

em que h é a altura de precipitação, t é a duração, T o período de retorno e a, n e m são


parâmetros. Estas relações são designadas por curvas de altura - duração - frequência (ver a
figura 4.24).

Para um dado período de retorno, obtem-se a relação

h = a.t n

que se designa como curva de possibilidade udométrica.

Chama-se a atenção que estas relações não são dimensionalmente homogéneas. Por isso, há que
especificar as unidades em que se expressam h e t.

Em termos de intensidade, ter-se-á


dh
i = = n a t n −1
dt

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-32

Como se sabe, a intensidade descrece com a duração da chuvada o que implica que o parâmetro
n tenha um valor inferior a 1. A figura 4.24 representa a variação de h e i com t.

Figura 4.24 - Curvas de altura-duração-frequência e intensidade-duração-


frequência

De salientar que i é a intensidade da precipitação no instante t. A intensidade média no período


entre 0 e t será

h 1
i= = at n −1 =
t n

Aplicando logaritmos à expressão da curva de possibilidade udométrica obtem-se:

ln(h) = ln (a) + n ln (t)

que é a equação duma recta no espaço logarítmico. Curiosamente, e reforçando a ideia de que as
curvas de possibilidade udométrica constituem uma expressão adequada para as precipitações
intensas, o registo das máximas precipitações registadas no mundo para diferentes durações (ver
o quadro 4.4) adapta-se perfeitamente a uma recta num gráfico com eixos logarítmico como se
pode ver na figura 4.25, retirada de LINSLEY et al. (1977). Estes máximos mundiais (a que se
poderia associar empiricamente o período de retorno de 150 anos, considerando o tempo de
existência de registos fiáveis) correspondem à seguinte relação:

h = 417 t 0.48

com h em mm e t em horas.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-33

Figura 4.25 - Alturas máximas de precipitação registadas no Mundo para


várias durações

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-34

Quadro 4.4 Precipitações máximas mundiais.

Duração Altura Local Data


(mm)
1 min. 38 Barot, Guadalupe 26/11/70
8 126 Füssen, Bavaria 25/05/20
15 198 Plumb Point, Jamaica 12/05/16
20 206 Curtea-de-Arges,Roménia 07/07/1889
42 305 Holt, Mo. 22/06/47
130 483 Rockport, W. Va. 18/07/1889
165 559 D´Hanis, Texas, USA 31/05/35
4.5 h. 782 Smethport, Pa 18/07/42
9 1087 Belouve, Ilhas Reunião 28/02/64
12 1340 " 28/02/64
18.5 1689 " 28-29/02/64
24 1870 Cilãos, I. Reunião 15-16/03/52
2 dias 2500 " 15-17/03/52
3 3240 " 15-18/03/52
4 3721 Cherrapunji, India 12-15/09/74
5 3854 Cilãos, I. Reunião 13-18/03/52
6 4055 " 13-19/03/52
7 4110 " 12-19/03/52
8 4130 " 11-19/03/52
15 4798 Cherrapunji, India 24/06-8/07/31
31 9300 " 07/1861
2 meses 12767 " 06-07/1861
3 16369 " 05-07/1861
4 18738 " 04-07/1861
5 20412 " 04-08/1861
6 22454 " 04-09/1861
11 22990 " 01-11/1861
12 26461 " 8/1860-7/1861
2 anos 40768 " 1860-1861

4.10.3 Derivação de curvas de possibilidade udométrica

O processo mais directo para se obter curvas de possibilidade udométrica para diversos períodos
de retorno é o seguinte.

Suponha-se que se dispõe duma série de registos de precipitação com uma duração de N anos.
Indo buscar a essa série os maiores valores de precipitação registados para diferentes durações
(15 m, 30 m, 1h, 6 h, etc.) fica-se com um conjunto de pares de valores (hi,ti) ligados a um
período de retorno T = N já que esses valores são igualados ou excedidos uma vez em N anos.
Os parâmetros a, n da correspondente curva de possibilidade udométrica podem ser obtidos

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-35

implantando os pontos (hi,ti) num gráfico com eixos log-log ou através duma regressão linear
simples de ln h sobre ln t.

Se agora se repetir o processo indo buscar à série de registos os segundos maiores valores para as
diversas durações, pode construir-se a curva de possibilidade udométrica para o período de
retorno T = N/2 já que os referidos valores de h são igualados ou excedidos 2 vezes em N anos.

De forma similar se obteriam as de possibilidade udométrica para T = N/3, N/4, N/5, .... as quais
poderiam ser todas representadas num mesmo gráfico como se exemplifica na figura 4.26. Um
gráfico deste tipo permite fácilmente obter por interpolação a altura de precipitação que
corresponde a uma determinada duração para certo período de retorno T, T ≤ N. Chama-se a
atenção que todas estas curvas têm de ter o mesmo valor de n.

Quando se pretende extrapolar para períodos de retorno superiores a N, pode adoptar-se um dos
seguintes procedimentos:

a) Com o conjunto de ternos de valores (h, t,T), ajustar à expressão h = atnTm, calculando os
parâmetros a,n,m por regressão linear múltipla dos logaritmos:

log(h) = log (a) + n log (t) + m log T;

b) para a duração que se pretende estudar, obter os pares de valores (h,T). Isto é equivalente
a atribuir a cada valor de h uma probabilidade empírica de não excedência F = 1 - 1/T . A
partir daí, é possível ajustar a distribuição empírica a uma distribuição teórica que
permite extrapolar para valores altos de T. A distribuição normal adapta-se mal ao estudo
de precipitações intensas sendo, por isso, preferível utilizar uma distribuição de
extremos, como por exemplo Log-Normal ou Gumbel.

Figura 4.26 - Determinação dos parâmetros de curvas de possibilidade


udométrica

Quando não se dispõe dum registo de pluviógrafo, a análise de precipitações intensas fica
limitada a durações não inferiores a 1 dia pois este é o intervalo com que se fazem as leituras. No

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-36

entanto, se se conseguir um bom ajustamento duma curva de possibilidade udométrica h = atn (t


≥ 1 dia), pode-se extrapolar para durações inferiores a 1 dia, determinando o valor de h para t =
12 horas ou mesmo para t = 6 horas, não se devendo utilizar a curva para durações muito
pequenas onde a extrapolação já não seria válida.

4.10.4 Precipitações intensas ponderadas sobre uma região

O estudo de precipitações intensas através das curvas de possibilidade udométrica é geralmente


feito para estações udométricas tomadas isoladamente. O problema torna-se mais complicado
quando se pretende fazer o estudo de precipitações intensas sobre uma região pois isso exige um
método de ponderação como o dos coeficientes de Thiessen.

Suponha-se que se dispõe nos vários postos udométricos da região de séries simultâneas de N
anos de registos e que se pretende obter para a região a curva de possibilidade udométrica para
T=N. A forma correcta para se obter a curva seria:

1a) obter o pluviograma ponderado, multiplicando cada pluviograma dum dado posto pelo
respectivo coeficiente de Thiessen e, posteriormente, somando-os;
1b) no caso (vulgar) de não se dispôr de pluviogramas, obter a série de N anos de precipitações
diárias ponderadas na região, multiplicando cada série de registos diários de um dado posto
pelo respectivo coeficiente de Thiessen e, posteriormente, somando-os;
2) obter as curvas de possibilidade udométrica para a região por análise do pluviograma
ponderado (obtido em 1a) ou da série de precipitações diárias ponderadas (obtida em 1b).

A menos que os pluviogramas (por digitalização) e as séries de dados diários existam numa base
de dados em computador, o processo referido é extremamente trabalhoso. Utiliza-se, por isso,
frequentemente um processo mais expedito que consiste em obter a curva de possibilidade
udométrica para a região para um dado período de retorno por ponderação das curvas de
possibilidade udométrica dos diversos postos para o mesmo período de retorno. Assim, a altura
de precipitação para cada duração seria obtida multiplicando a altura em cada posto para essa
duração (dada pela respectiva CPU) pelo correspondente coeficiente de Thiessen e somando os
valores assim obtidos. A CPU para a região seria ajustada aos pares (h,t) assim obtidos.

Este processo expedito é, em geral, pessimista, i.e., fornece valores excessivos de precipitação
visto pressupor a ocorrência simultânea dos valores máximos da precipitação em todos os postos
o que normalmente não se verifica. O método dará valores tanto mais pessimistas quanto menor
fôr a correlação entre as precipitações nos postos udométricos.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-37

EXERCÍCIOS

1. VALORES CARACTERÍSTICOS DA PRECIPITAÇÃO

Calcule e interprete valores característicos da precipitação, usando uma série de precipitações


mensais de 5 anos hidrológicos (tabela).

a) Calcule a precipitação anual média, Pano.


b) Calcule a índice de humidade, Iano, dos anos hidrológicos '78/'79, '80/'81 e '81/'82. O que
significam estes valores?
c) Calcule a precipitação mensal média do mês de Janeiro e Julho, respectivamente PJaneiro e
PJulho.
d) Calcule a precipitação mensal média fictícia, Pf.
e) Calcule o coeficiente pluviométrico do mês de Janeiro e Julho, respectivamente Cp,Janeiro
e Cp,Julho. O que significam estes valores?
f) Calcule a índice de humidade do mês de Janeiro dos anos hidrológicos '77/'78, '78/'79 e
'79/'80, respectivamente IJaneiro 77/78, IJaneiro 78/79 e IJaneiro 79/80. Calcule também a índice de
humidade do mês de Julho dos anos hidrológicos '77/'78 e '81/'82, respectivamente IJulho
77/78 e IJulho 81/82. O que significam estes valores?

N.B. Na realidade usa-se sempre uma série mais longa do que 5 anos para calcular valores
característicos.

TABELA. PRECIPITAÇÕES MENSAIS DE 5 ANOS HIDROLóGICOS


(estação 9801000-P 8 Maputo)

Ano hidrológico
Mês: '77/'78 '78/'79 '79/'80 '80/'81 '81/'82
Out. 43 61 57 50 115
Nov. 17 89 56 99 189
Dez. 78 87 87 43 56
Jan. 304 129 48 230 27
Fev. 120 24 62 205 22
Mar. 211 153 75 98 60
Abr. 36 37 115 10 194
Mai 41 8 29 159 19
Jun. 1 16 0 12 3
Jul 61 8 8 7 3
Ago. 11 22 32 22 14
Set. 10 14 97 78 12

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-38

2. PRECIPITAÇÃO PONDERADA NUMA REGIÃO

Calcule pelo método de Thiessen as precipitações ponderadas na região apresentada na figura.


São dados
- os valores da precipitação média anual de 11 postos udómetricos A-L;
- os valores da precipitação do mês de Junho de 1980 para 10 postos (A-J).

O posto L não tem dados desde 1970 enquanto os postos A-J têm séries praticamente completas
até hoje.

a) Construa os polígonos de Thiessen, só para os postos udómetricos em funcionamento.

b) Calcule a precipitação na área para o mês de Junho de 1980, usando o método de


Thiessen. Compare o resultado com o método da média aritmétrica. Explique.

c) Pretende-se calcular as precipitações mensais da área para o período 1975-1992 a partir


dos dados dos postos udómetricos A-J. Que método seria preferível usar: o método de
Thiessen, o método das isoietas, ou seria indiferente? Justifique a sua resposta.

Posto Precipitação (mm) Posto Precipitação (mm)


média anual Junho de 1980 média anual Junho de 1980

A 908 45 F 885 45
B 1021 42 G 933 50
C 870 40 H 927 40
D 1140 60 I 1217 50
E 855 40 J 1020 40
L 948 -

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-39

Área esquematizada com postos udométricos.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-40

3. PREENCHIMENTO DE FALHAS

Utilizando os dados da pergunta 2,

a) Estime a precipitação do posto L para o mês de Junho de 1980, usando os dados de


postos vizinhos (tome em conta as distâncias mútuas).

b) Estime a precipitação do posto L pelo método da razão normal.

c) Comente os resultados.

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-41

4. CURVAS DE POSSIBILIDADE UDOMÉTRICA

Analize precipitações intensas de curta duração, usando uma série de valores diários da
precipitação no 1º ano hidrológico (tabela 2) e os valores críticos anuais da precipitação dos 19
anos seguintes (tabela 1).

a) Complete a tabela 1 para o primeiro ano hidrológico da série (1ª linha).

b) Obtenha as curvas de possibilidade udométrica para períodos de retorno de 5, 10 e 20


anos e durações até 7 dias (em papel log-log). Apresente também as tabelas que lhe
permitiram obter estas curvas.

c) Determine as alturas de chuvas de 12 horas, 1 dia e 2 dias com períodos de retorno de 5 e


10 anos (6 valores).

TABELA 1. VALORES CRÍTICOS ANUAIS DA PRECIPITAÇÃO.


Duração:
Ano: 1 dia 2 dias 3 dias 4 dias 5 dias 6 dias 7 dias
1 ... ... ... ... ... ... ...
2 114 160 210 313 335 376 389
3 123 123 144 161 181 189 189
4 25 36 37 37 37 42 43
5 111 111 143 145 147 181 182
6 282 401 484 550 596 661 692
7 98 169 250 250 265 268 270
8 160 170 201 201 233 256 265
9 48 80 89 89 110 114 115
10 139 145 150 201 275 285 301
11 128 164 221 221 260 299 305
12 76 76 85 89 89 106 112
13 101 141 159 203 203 251 280
14 33 39 40 40 40 47 48
15 60 98 131 143 180 195 204
16 204 221 221 230 245 245 245
17 91 156 203 203 220 247 267
18 121 144 156 212 252 252 252
19 115 148 176 176 204 223 237
20 135 269 339 394 427 452 507

Manual de Hidrologia
Precipitação 4-42

TABELA 2. PRECIPITAÇÃO NO ANO HIDROLÓGICO Nº 1.

___ Mês: _

Dia: Out. Nov. Dez. Jan. Fev. Mar. Abr. Mai Jun. Jul. Ago. Set.
1 0 0 0 0 0 0 4 0 0 0 0 4
2 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0
3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
4 2 0 71 34 0 0 0 0 0 0 0 0
5 0 0 13 15 0 0 0 0 0 0 0 0
6 0 0 25 0 0 8 0 0 0 6 0 0
7 0 18 18 9 0 21 0 0 0 0 0 0
8 0 0 0 3 0 3 0 0 0 4 0 0
9 0 0 1 62 0 0 0 0 0 0 0 0
10 0 17 0 83 0 0 0 9 0 0 0 28
11 0 0 0 31 0 0 0 11 0 0 0 12
12 0 0 0 18 0 0 0 0 0 0 0 12
13 0 0 0 0 12 0 0 0 0 0 0 0
14 1 0 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0
15 0 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
16 0 0 8 0 0 0 0 0 4 0 0 0
17 0 0 0 13 0 0 0 0 3 0 0 0
18 0 0 55 0 0 0 0 0 0 0 0 0
19 8 0 49 0 0 0 0 0 0 0 0 0
20 12 139 42 4 19 0 0 0 0 0 0 0
21 21 4 44 0 6 17 0 0 0 0 0 0
22 1 0 20 0 2 0 0 6 0 0 0 0
23 7 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 0
24 2 0 45 5 0 0 2 0 0 10 0 0
25 6 0 15 5 0 0 0 0 0 0 0 5
26 12 0 0 9 0 0 0 0 0 0 12 0
27 4 0 0 13 0 0 0 0 0 0 15 0
28 0 0 9 0 0 0 0 0 0 0 3 4
29 0 0 4 0 - 0 0 0 0 0 0 1
30 0 0 0 0 - 0 0 0 0 0 0 0
31 0 - 0 0 - 0 - 0 - 0 0 -

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-1

5 EVAPORAÇÃO E EVAPOTRANSPIRAÇÃO
5.1 CONCEITOS BÁSICOS

5.1.1 Evaporação a partir duma superfície líquida

Em qualquer superfície líquida, há um incessante movimento de moléculas de água que passa da


fase líquida para a fase gasosa e vice-versa, sendo a primeira forma a dominante em condições
atmosféricas normais. Há, portanto, simultâneamente evaporação (líquido → vapor) e condensação
de água (vapor ← líquido).

Do ponto de vista prático e correspondendo àquilo que de facto se pode medir, o que nos interessa
é o excedente da evaporação sobre a condensação. Assim, chamaremos evaporação ao excedente
da transformação líquido → vapor em relação à situação oposta.

5.1.2 Evaporação a partir do solo nu

A evaporação que se verifica a partir do solo nu depende de um certo número de factores entre os
quais os mais importantes são o estado de humidade do solo, o tipo de solo e a localização da
toalha freática. Se o solo se encontra saturado, a evaporação que lhe corresponde é próxima da
evaporação a partir duma superfície líquida, sugerindo-se multiplicar esta última por 0.9 para se
obter a evaporação a partir do solo.

À medida que o solo vai perdendo a humidade, a água remanescente vai sendo retida com
intensidade crescente por forças de capilaridade e adsorção, dependendo do tipo de solo. A
evaporação torna-se geralmente desprezável depois de se terem evaporado os primeiros 10-15 mm.
Se a toalha freática estiver suficientemente alta para que a água possa atingir a superfície do solo
por capilaridade, a evaporação a partir do solo é elevada e semelhante à situação do solo saturado.

5.1.3 Transpiração

Transpiração é a água perdida pelas plantas através dos estomas (poros) das folhas por
evaporação para a atmosfera. Esta água é substituida pela que a planta vai buscar ao solo através
das raízes.

Numa região em que o solo está revestido de vegetação, é praticamente impossível analisar em
separado a transpiração das plantas e a evaporação a partir do solo, linhas de água e lagoas. Os
dois processos tomados em conjunto designam-se por evapotranspiração.

5.1.4 Importância do fenómeno da evaporação

Pode-se ficar com uma ideia da importância destes fenómenos considerando o exemplo da
albufeira dos Pequenos Libombos, construida, como se sabe, para reforçar o abastecimento de
água à cidade de Maputo.

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-2

Considerando que a albufeira tem uma superfície inundada com uma área média de cerca de 30
km2 e que a evaporação anual na albufeira é de cerca de 1700 mm, então o volume evaporado
anualmente em média é de

Vevap. = 30 * 106 * 1.7 = 51*106 m3

O abastecimento de água de Maputo é de aproximadamente 150,000 m3/dia, ou seja, cerca de 55 *


106 m3/ano. Portanto o volume evaporado na albufeira equivale a quase 1 ano de abastecimento a
Maputo.

Do ponto de vista para a utilização da água para o homem, a evaporação constitui uma perda que
interessa minimizar. Várias vias têm vindo a ser consideradas para este efeito:

- utilizar reservatórios cobertos (só possível em pequenos reservatórios);


- utilizar reservatórios subterrâneos (é necessário que existam condições naturais para
o efeito);
- construir reservatórios com área superficial mínima (na escolha dum local para uma
barragem, é preferível optar pelo que apresenta a menor superfície para um dado
volume de armazenamento);
- utilizar produtos químicos especiais na superfície da água. Certos compostos
orgânicos como o hexadecanol e o octodecanol formam películas monomoleculares à
superfície da água que inibem a evaporação. Estudos indicaram ser possível reduzir a
evaporação a pouco mais de 1/3 da evaporação natural. No entanto, a aplicação
destes produtos em grandes lagos é consideravelmente menos eficiente devido ao
vento e às ondas que quebram a camada monomolecular e a arrastam para as
margens. Estudos realizados nos EUA e Austrália indicam que se pode obter
reduções de ordem de 30% na evaporação para pequenos lagos (<5 km2) e da ordem
de 10% para lagos com cerca de 10 km2 (Dunne e Leopold, 1978). É duvidoso que o
processo tenha qualquer rendimento para lagos de maior dimensão;
- utilizar cortinas de árvores como quebra-ventos (para pequenos reservatórios).

5.1.5 O processo físico da evaporação. Lei de Dalton

Considere-se o recepiente fechado representado na figura 5.1 e que contém uma certa quantidade
de água a uma dada temperatura. A situação é estável o que se manifesta pelo nível constante da
água. Isto significa que o número de moléculas de água que passa para a fase de vapor é, em média
ao longo de um intervalo de tempo curto, igual ao número de moléculas que passa da fase de vapor
para a fase líquida. Diz-se então que o ar está saturado e não pode conter mais vapor de água.

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-3

Admitamos agora que no recipiente da figura 5.1


se fez inicialmente o vácuo e depois se introduziu
uma certa quantidade de água. Verifica-se que a
água começa imediatamente a vaporizar. Isto
deve-se ao facto de que a força estabilizante das
moléculas no seio do líquido, que é a atracção
molecular, é insuficiente para contrariar a forca de
repulsão devido a energia cinética das moléculas.
Como é sabido, as moléculas de vapor de água
dispõem de maior energia cinética do que as
moléculas de água no estado líquido. Por outro
Figura 5.1 – Processo físico da
lado, na fase inicial da vaporização, há muito evaporação
poucas moléculas gazosas e a pressão de vapor de
água é baixa.

À medida que a vaporização da água se vai processando, aumenta a pressão de vapor, aumentam
as colisões entre moléculas gasosas e algumas destas, ficando com energia cinética reduzida,
voltam ao estado líquido. A certa altura atinge-se a estabilidade: a evaporação cessa e a pressão do
vapor mantem-se constante. A pressão do vapor não saturado designa-se por e.

Designa-se por tensão do vapor saturado ew a pressão do vapor quando o espaço já não comporta
mais vapor de água. ew aumenta com a temperatura como é fácil de constatar experimentalmente.
Com efeito, se no recipiente fechado onde a evaporação cessou se produzir um aquecimento, a
evaporação reinicia-se e a pressão do vapor aumenta. Isto deve-se ao facto do aumento da
temperatura conduzir a uma aumento da energia cinética das moléculas da água. A tabela 5.1,
adaptada de FAO 1977, dá os valores da tensão do vapor em função da temperatura do ar, com
pressão atmosférica normal.

Tabela 5.1. Tensão do vapor saturado em função da temperatura do ar


T (°C) ew (mbar) T (°C) ew (mbar) T (°C) ew (mbar)
0 6.1 14 16.1 28 37.8
1 6.6 15 17.0 29 40.1
2 7.1 16 18.2 30 42.4
3 7.6 17 19.4 31 44.9
4 8.1 18 20.6 32 47.6
5 8.7 19 22.0 33 50.3
6 9.3 20 23.4 34 53.2
7 10.0 21 24.9 35 56.2
8 10.7 22 26.4 36 59.4
9 11.5 23 28.1 37 62.8
10 12.3 24 29.8 38 66.3
11 13.1 25 31.7 39 69.9
12 14.0 26 33.6 40 73.8
13 15.0 27 35.7

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-4

A diferença (ew - e) chama-se défice de saturação. A tensão ew iguala à pressão atmosférica no


ponto de ebulição.

Os principais factores que afectam a evaporação são:

a) a radiação solar, que é a principal fonte da energia necessária para a vaporização das moléculas
de água. Por sua vez, a radiação solar é uma função da latitude, dia do ano, hora do dia e
nebulosidade. Outras fontes de energia podem dar um importante contributo local para a
evaporação, por exemplo a entrada num lago de água quente proveniente da refrigeração duma
central térmica.
b) as temperaturas do ar e da água, a pressão atmosférica e a humidade. Todos estes factores
influenciam o défice de saturação. Ora a evaporação é obviamente uma função crescente do défice
de saturação.
c) o vento. Numa situação sem vento, o vapor de água concentrado numa camada da atmosfera
muito próxima da superfície livre da água, camada que se designa por camada evaporante, atinge
o estado de saturação e a evaporação cessa. Para que a evaporação continue, é necessário que essa
camada já saturada seja removida e substituida por ar não saturado. Esse é o papel desempenhado
pelo vento.

A Lei de Dalton, apresentada em princípios do século XIX, diz que a evaporação E varia
linearmente com o défice de saturação do ar [ew(Th) - e(Ts)]:

E = a [ ew(Th) – e(Ts) ]

em que a é uma constante, e é a tensão do vapor não saturado (mbar), ew é a tensão do vapor
saturado (mbar), Th é a temperatura média da camada evaporante, chamada temperatura húmida
(oC) e Ts é a temperatura do ar ambiente, chamada temperatura seca (oC).

5.1.6 Humidade relativa

A medição directa da tensão do vapor e não é fácil pelo que ela é obtida por via indirecta através
de medição nas estações meteorológicas da humidade relativa U, definida por:

U = e/ew

Para se compreender o processo da medição de U, há que recorrer à Lei de Dalton,

E = a [ew(Th) - e(Ts)]

Por cada grama de água evaporado, é necessário um número l de calorias, em que l é o calor
latente de vaporização = 590 cal./g. O calor retirado ao líquido pela evaporação seria então:

Qe = ρlE

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-5

em que Qe é o calor gasto na evaporação (cal/cm2), ρ é a densidade da água, l é o calor latente de


vaporização (cal/g) e E é a evaporação (cm).

A temperatura da camada superficial da água vai baixando até que se atinge o equilíbrio entre a
quantidade de calor Qe que o líquido gasta na evaporação e a quantidade de calor Qh que o meio
ambiente comunica ao líquido.

Qh é directamente proporcional à diferença entre a temperatura do ar, Ts, e a temperatura da


camada evaporante, Th:

Qh = b (Ts-Th)

Como E é proporcional a Qe e Qe = Qh, ter-se-á:

E = cQh = c'(Ts-Th)

Por comparação com a Lei de Dalton, obtem-se

[ew(Th) - e(Ts)] = A (Ts-Th)

Como a tabela 5.1 fornece valores de ew para a pressão atmosférica normal, p = 1000 mbar, a
expressão acima foi modificada para outros valores de p:

p
[ew(Th) - e(Ts)] = A (Ts-Th)
1000
p
⇒ e(Ts) = ew(Th) - A (Ts-Th)
1000

U = e/ew = e(Ts)/ew(Ts)

1 p
⇒U = [ ew ( T h ) - A( T s - T h )] (Fórmula do psicrómetro)
ew ( T s ) 1000

Assim, para se determinar U, usa-se um aparelho designado por psicrómetro (figura 5.2) que é
composto por dois termómetros: o termómetro seco, que mede a temperatura do ar ambiente, Ts, e
o termómetro húmido que mede a temperatura da camada evaporante, Th. O termómetro húmido
tem o depósito de mercúrio envolvido por um pano que se mantém constantemente húmido por
ligação com um depósito de água. Obtidos Ts e Th, p é lido num barómetro e ew(Th) e ew(Ts) são
obtidos através da tabela 5.1.

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-6

O factor A chama-se constante do psicrómetro e


depende do tipo e da colocação do aparelho:

• psicrómetro de ventilação natural: colocado num


abrigo meteorológico, a ventilação do
termómetro húmido é a ventilação natural do
abrigo. Toma-se A = 0.79 mbar/°C;
• psicrómetro de funda: o termometro húmido
dispõe dum cordão com comprimento de 0.5 m.
Antes de medir Th, o operador movimenta-o à
velocidade de 2 rotações/segundo. Nessas
condições, toma-se A = 0.66 mbar/°C;
• psicrómetro de ventilação forçada: um ventilador
faz passar o ar sobre o termómetro húmido à A = termómetro seco
velocidade de 6 m/s. A = 0.67 mbar/°C. B = termómetro húmido
C = plano de humedecimento
D = depósito de água
Em Moçambique usam-se psicrómetros de ventilação
E = suporte
natural.
Figura 5.2 - Psicrómetro

Note-se que foi considerada apenas a troca convectiva do calor, Qh, entre o meio ambiente e o
psicrómetro. Como adiante se verá, verifica-se sempre também troca de calor por radiação. Pode-
se evitar a recepção de radiação da atmosfera (de ondas curtas) colocando o psicrómetro num
abrigo. Para evitar a emissão de radiação (de ondas longas) pelo próprio psicrómetro, seria
necessário utilizar um tipo de psicrómetro com 'cortina polida'. A maioria dos psicrómetros em
Moçambique não tem uma tal protecção, razão pela qual se deve contar com um erro de medição
de cerca de 5% para valores normais de humidade.

5.2 DETERMINAÇÃO DA EVAPORAÇÃO EM SUPERFÍCIES LÍQUIDAS

5.2.1 Introdução

Para a determinação da evaporação em superfícies líquidas existem vários métodos, dos quais os
mais importantes são:

• método de balanço hídrico;


• método do balanço energético;
• método da transferência da massa;
• método de Penman;
• medição directa.

Estes métodos são abordados nos pontos seguintes deste capítulo.

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-7

5.2.2 Método do balanço hídrico

Este método pode ser utilizado em lagos e albufeiras. A equação do balanço hídrico em termos de
volumes de água escreve-se:

E = I + P - O - ΔS - G,

em que E é o volume evaporado, I o volume afluente ao lago, P o volume de precipitação, O o


volume que sai do lago (efluente), ΔS a variação do volume armazenado e G o volume
correspondente à infiltração e escoamento subterrâneo.

Desde que todos os termos do 2º membro da igualdade se possam medir com precisão, o método
fornece bons resultados. Normalmente, o termo mais difícil de obter é G (infiltração e escoamento
subterrâneo). Sempre que se estime que G possa tomar valores da mesma ordem de grandeza que a
evaporação, o método do balanço hídrico não deve ser utilizado pois o erro relativo com que a
evaporação é estimada é grande.

Surgem também, por vezes, problemas de ordem prática: nas albufeiras de Cahora- Bassa,
Massingir e Corumana, o regolfo das albufeiras chega à fronteira pelo que uma estação de medição
do volume afluente I teria de ser instalada já num país vizinho com todas as dificuldades que isso
implica. Assim, nessas albufeiras a evaporação é estimada por outros métodos e o balanço hídrico
é utilizado para calcular o volume afluente.

5.2.3 Método do balanço energético

5.2.3.1 Equação do balanço energético

Assim como o balanço hídrico exprime a equação da continuidade aplicada ao volume de água
contido num domínio, o balanço energético exprime a equação da continuidade aplicada à
quantidade de energia num domínio como um lago ou uma albufeira.

O balanço energético avalia os seguintes fluxos de energia:

• radiação solar
• energia armazenada
• troca de energia entre a água e a atmosfera
• troca de energia entre a água e a terra
• energia gasta na evaporação.

Considere-se então a figura 5.3 e as seguintes grandezas expressas em cal/cm2: Qs, Qsr, Qlw, Qh, Qe,
Qv e ΔQ. A equação do balanço energético para a água para um dado intervalo de tempo escreve-
se:

Qs - Qsr - Qlw - Qh - Qe + Qv = ΔQ

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-8

Figura 5.3 – Balanço energético

5.2.3.2 Radiação solar incidente

Qs é a radiação solar incidente ou radiação global. A quantidade de energia solar que atinge o
topo da atmosfera terrestre chama-se constante solar e designa-se por I0. A tabela 5.2 dá os
valores de I0 em função da latitude e do mês (Dunne e Leopold, 1978). Qs é uma fracção de I0 que,
após atravessar a atmosfera, incide sobre a superfície da água e é composta na sua quase totalidade
por radiações com comprimentos de onda entre 0.3 e 3 μm.

Tabela 5.2 Radiação solar média recebida num plano horizontal no limite superior da
atmosfera, I0 (cal/cm2/dia).

Latitude Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
70°N - 65 255 540 800 1000 870 670 400 140 5 -
60°N 75 205 400 655 860 975 925 750 500 275 110 55
50°N 200 350 540 750 910 985 950 820 620 430 155 175
40°N 355 490 650 820 880 985 960 870 740 550 395 325
30°N 500 620 750 870 945 975 955 900 795 670 540 365
20°N 640 725 820 895 930 930 930 900 850 760 660 610
10°N 755 820 870 895 885 870 870 885 880 830 770 730
0 855 885 895 870 820 790 795 840 880 885 860 840
10°S 930 930 885 810 730 685 705 770 845 900 920 930
20°S 985 940 855 740 630 570 595 680 790 900 965 990
30°S 1015 930 800 640 505 445 465 575 725 870 985 1030
40°S 1020 895 715 525 375 305 335 450 630 810 960 1045
50°S 1000 835 620 400 240 175 200 315 505 735 950 1040

Qs pode ser medido directamente através de instrumentos como o pirheliómetro ou o piranómetro


(ver descrição e funcionamento em Lencastre e Franco, 1984). No entanto, são poucos frequentes
as estações meteorológicas em que essa medição é feita. Faz-se então a determinação de Qs a partir
de fórmulas obtidas a partir dos dados de medições directas de Qs. Duas das fórmulas mais
utilizadas são as fórmulas de Angström e de Black.

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-9

A fórmula de Angström é:

n
Qs = I0 (a + b )
N

em que n é o número de horas de insolação no período considerado, N é o número máximo


possível de horas de insolação nesse período e a, b são parâmetros de ajustamento local.

n é medido diariamente através dum


heliógrafo (figura 5.4). Este aparelho é
constituido por uma esfera de vidro óptico que
concentra os raios solares sobre uma banda de
papel fotosensível. Quando o sol brilha, a
temperatura no foco é suficiente para
carbonizar o papel o que não acontece com
tempo nublado. O comprimento total de papel
carbonizado indica o número de horas de sol
nesse dia. O Instituto Nacional de
Meteorologia (INAM) dispõe dum grande
número de estações equipadas com heliógrafo.
A partir dos registos de n é possível, por
exemplo, obter valores médios da insolação
Fig. 5.4 - Heliógrafo
em dados períodos do ano.

O número máximo possível de horas de insolação num certo intervalo de tempo, N, é função da
latitude e da época do ano. A tabela 5.3 dá os valores mensais de N.

A n/N chama-se insolação relativa. Considera-se que o seu valor é elevado se for superior a 0.8
(céu limpo); é baixo se for inferior a 0.6 (céu pouco nublado).

Tabela 5.3 Duração da insolação mensal máximo possível (horas)

Latitude Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
50°N 265 280 366 415 480 490 495 450 380 330 274 252
40°N 303 300 370 400 445 450 455 425 375 345 300 290
30°N 324 314 370 388 425 420 430 410 370 353 320 316
20°N 341 324 370 378 407 400 410 400 366 360 335 338
10°N 360 327 370 370 390 380 390 385 366 366 352 356
0 375 340 375 363 375 363 375 375 363 375 363 375
10°S 388 350 378 355 363 346 360 364 360 380 378 396
20°S 410 360 378 350 346 328 340 344 360 388 393 414
30°S 430 370 380 342 330 306 328 345 360 404 410 435
40°S 466 380 385 334 310 280 302 330 360 415 432 463
50°S 490 403 387 320 276 242 266 315 356 427 465 508

A tabela 5.4 dá alguns valores dos parâmetros a e b apresentados por diversos autores. Para
Moçambique recomenda-se usar os parâmetros segundo Glover et al (1958).

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-10

Tabela 5.4 Valores das constantes empíricas a, b da fórmula de Angström

Local a b Fonte
Mundo 0.23 0.48 Black e tal. (1954)
Mundo 0.29 0.52 Glover et al.(1958)
Camberra 0.25 0.54 Penman (1948)
África Ocid. 0.12-0.26 * 0.39-0.50 * Davies (1996)
* Varia com o mês

A fórmula de Black é:

Qs = I0 (0.803 -0.340C - 0.458C2)

em que C representa a nebulosidade média, expressa em décimos. A tabela 5.5 relaciona C, em


décimos, com n/N.

Tabela 5.5 Relação entre a nebulosidade e a insolação relativa


_________________________________________________________________
C 0.0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1.0
n/N 0.95 0.85 0.80 0.75 0.65 0.55 0.50 0.400.30 0.15 0.00

5.2.3.3 Radiação solar reflectida

Qsr é a radiação solar reflectida. É uma fracção pequena da radiação solar incidente. A parte que
é reflectida depende da superfície sobre a qual a radiação incide. Essa característica de
reflectividade duma superfície chama-se albedo, a. Qsr é dada por

Qsr = a Qs

Normalmente, considera-se para a água um valor entre 0.05 e 0.10, sendo o valor mais usual 0.06.

5.2.3.4 Radiação de ondas longas

Qlw é a radiação de ondas longas ("long wave radiation"). Esta é a forma pela qual a Terra irradia
para a atmosfera o calor acumulado.

Parte desta radiação é absorvida pela atmosfera (pelo vapor de água, nuvens e dióxido de carbono)
e enviada novamente para a Terra. Como é muito difícil medir esta radiação, tem-se procurado
desenvolver expressões que a relacionem com variáveis medidas à superfície da Terra, das quais a
mais influente é a temperatura.

Uma dessas expressões é a equação de Brunt:

Qlw = σ [Ts4 - (c+d√e2)T24] (1 -aC),

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-11

em que
σ = constante de Stefan-Boltzmann = 1.17*10-7 cal/cm2 K4 dia;
Ts = temperatura da superfície da terra (K);
T2 = temperatura do ar a 2 metros do solo (K);
e2 = tensão do vapor a 2 metros do solo (mbar);
C = nebulosidade, em décimos;
a = constante dependente do tipo de nuvens: 0.25 para nuvens altas, 0.6 para
nuvens médias, 0.9 para nuvens baixas;
c, d = coeficientes empíricos que variam conforme o local (ver tabela 5.6).

Tabela 5.6 Valores das constantes da equação de Brunt

Local Suécia Áustria Argélia Califórnia Inglaterra França Índia


c 0.43 0.47 0.48 0.50 0.53 0.60 0.62
d 0.082 0.061 0.058 0.032 0.065 0.042 0.029

Se não se dispuser de dados para o tipo de nuvens, pode-se tomar a = 0.8 ou, em alternativa,
substituir o factor (1 - aC) por (0.1 + 0.9 n/N) em que n/N é a insolação relativa. Para c e d podem
tomar-se os valores médios de 0.53 e 0.052 respectivamente.

Uma outra equação empírica é a de Chang:

Qlw = σ T24 (0.56 - 0.08√e2) (1 - aC)

Também aqui se pode substituir (1 - aC) por (0.1 + 0.9 n/N). Segundo Dunne e Leopold (1978), os
erros destas equações excedem frequentemente ± 25% em valores diários mas reduzem-se a ± 15-
20% para valores mensais.

5.2.3.5 Radiação útil

A radiação útil, Qn, é a radiação efectivamente disponível para a evaporação. É a radiação global
subtraída da radiação reflectida e da radiação de onda longa:

Qn = Qs - Qsr - Qlw = Qs(1 - a) - Qlw

A radiação útil pode ser medida directamente utilizando um radiómetro mas esse equipamento
apenas existe num número restrito de estações meteorológicas.

5.2.3.6 Coeficiente de Bowen

Viu-se já que a evaporação, ao provocar um abaixamento da temperatura, origina trocas de calor


entre a superfície evaporante e a atmosfera. A relação entre a quantidade de calor transferida por
trocas turbulentes com a atmosfera, Qh, e a quantidade de calor gasta na evaporação, Qe, é dada
pelo coeficiente de Bowen, R.

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-12

A energia gasta na evaporação, Qe, é igual ao produto da massa evaporada pelo calor latente da
vaporização (l = 590 cal./g). Qe pode ser expresso por unidade de área.

Qe = ρ l E cal/cm2 (com E = altura da água evaporada, em cm).

Porque Qh = b(Th-Ts)

Qe = ρ l E = a'[ew(Th) - e(Ts)]

Qh p Th -Ts
R= =A
Qe 1000 ew ( T h ) - e( T s )

Note-se que numa situação de equilíbrio, quando não há radiação, seria Qh = -Qe e R = -1, como se
viu ao deduzir a fórmula do psicrómetro. A definição e as grandezas das variáveis que intervêm no
cálculo de R são as mesmas da referida fórmula do psicrómetro.

5.2.3.7 Energia aduzida

A energia aduzida, Qv, representa a quantidade de calor transportada pelas massas de água que
entram ou saem do lago. Qv é calculado a partir da massa m e da temperatura T do caudal afluente
(ou efluente) em relação a uma temperatura arbitrada de referência (normalmente 0 °C). Como o
calor específico da água, c, é, para as temperaturas normais, igual a 1 cal./g./°C, a energia aduzida
será:

Qv = c ρ Vaf (T - T0) = ρ Vaf (T -T0) cal

em que Vaf é o volume da água que entra (se sai, toma-se V negativo), T a temperatura dessa água e
T0 a temperatura de referência. Dividindo Qv pela área do lago, obtem-se o seu valor em cal/cm2.

5.2.3.8 Variação da energia armazenada

ΔQ é a variação da energia armazenada no lago. Este valor é calculado em função da variação


do volume e da temperatura da água:

ΔQ = Qt+1 - Qt = c ρ [Vt+1 (Tt+1-T0) - Vt (Tt-T0)] cal

Dividindo pela superfície do lago, obtem-se ΔQ expresso em cal/cm2.

5.2.3.9 Cálculo do balanço energético

Como o que nos interessa é calcular E (altura de evaporação), pode-se reescrever a equação do
balanço energético:

Qs - Qsr - Qlw - Qh - Qe + Qv = ΔQ
⇒ Qe + Qh = Qs - Qsr - Qlw + Qv - ΔQ
⇒ Qe(1+R) = Qs - Qsr - Qlw + Qv - ΔQ

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-13

Q n + Q v - ΔQ
Qe =
1+ R

Porque Qe = ρlE:

Q n + Q v - ΔQ
E=
ρl(1 + R)

O método do balanço energético aplicado a períodos de um mês com medição cuidadosa das
várias grandezas pode conduzir a estimativas da evaporação com uma precisão de 5 a 10%. Trata-
se, porém, dum processo muito dispendioso. Quando se utilizam equações empíricas, com
períodos mensais, o erro andará na ordem de 10-20% o que é aceitável para aplicações práticas.

5.2.4 Método da transferência de massa

O vento é um dos factores que exerce grande influência na evaporação. Então, por generalização
da lei de Dalton, pode escrever-se:

E = C f(u) [ew(Th)-e(Ts)]

em que C é uma constante a determinar localmente, f(u) é uma função da velocidade do vento. C e
f(u) têm de ser calibrados através dum outro método (balanço hídrico ou balanço energético).
Dunne e Leopold (1978) apresentam um método simples para essa calibração em pequenos lagos e
reservatórios, admitindo que:

f(u) = u2,

em que u2 é a velocidade do vento a 2 m de superfície.

Fazendo medições de u2, Th e Ts e das variações de nível do lago apenas devido à evaporação (i.e.
subtraindo os efeitos dos escoamentos afluente e efluente), o gráfico de Δh (cm/dia) versus u2[ew
(Th)-e(Ts)] dá aproximadamente uma recta cujo declive é C. Com u2 em m/s, ew e e em mbar,
Viessman et al. (1977) sugerem que C pode ser calculado por:

C = 0.0146/A0.05,

em que A é a área da superfície líquida (km2).

5.2.5 Método de Penman

Penman apresentou em 1948 um método de cálculo da evaporação combinando as aproximações


do balanço energético e da transferência da massa. Devido às hipóteses restritivas que o método
introduz, ele só deve ser aplicado a reservatórios e lagos poucos profundos.

Penman desenvolveu o método para um lago tal que seja aceitável dizer que:

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-14

ΔQ - Qv = 0

Se não houvesse energia aduzida, conviria tomar intervalos de tempo relativemente curtos (7 - 10
dias), para que ΔQ ≈ 0. Se houvesse energia aduzida, significaria que ΔQ = Qv, pois mudanças na
energia acumulada no lago devem-se apenas ao calor aduzido pelas massas de água que entram ou
saem do lago. Assim, a água evaporada é substituida pela mesma quantidade de água à mesma
temperatura (ou por outra combinação volume-temperatura que apresente a adução da mesma
quantidade de calor).

A equação do balanço energético fica, nessas condições, simplificada

Qn = Qh + Qe = Qe (1 + R) (cal/cm2),

em que Qn = Qs - Qsr - Qlw.

Dividindo por ρl (cal/cm3), virá em altura de água (em cm):

N = E (1 + R),

em que N = Qn/ρl

Esta equação traduz o facto óbvio de que, não havendo variações na energia armazenada, a
radiação útil é distribuida pela radiação necessária para a evaporação e pela radiação transferida
para a atmosfera por trocas turbulentas.

Penman considerou:
( )- ( )
Δ = dew ≈ ew T h e w T s
dT s Th -Ts

sendo Δ a inclinação da curva de tensão do vapor à temperatura Ts.

Já se sabe que (para uma pressão atmosférica de 1000 mbar):


Q H Th -Ts
R= h = = A
Qe E ew ( T h ) - e( T s )

H A ew ( T h ) - ew ( T s ) A ⎛ ew ( T s ) - e( T s ) ⎞
⇒ R= = = ⎜1 - ⎟
E Δ ew ( T h ) - e( T s ) Δ ⎜⎝ ew ( T h ) - e( T s ) ⎟⎠

com E = C f(u) [ew(Th)-e(Ts)] .

Se Th = Ts ⇒ ew(Th) = ew(Ts). Neste caso verifica-se evaporação isotérmica Ea. Então Ea é a


evaporação hipotética que ocorreria se a temperatura da água fosse igual à do ar. Pela lei da
transferência da massa seria:

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-15

Ea = C f(u) [ew(Ts)-e(Ts)]

O valor de C f(u) pode calcular-se com várias fórmulas empíricas. Penman propôs:

Ea = 0.35 (0.5 + 0.54 u2) [ew(Ts) - e(Ts)],

em que

Ea = evaporação isotérmica (mm./dia.);


u2 = velocidade do vento à altura de 2 metros do solo (m./s.);
ew(Ts) e e(Ts) em mm Hg.

ou
Ea = (0.13 + 0.14 u2) [ew(Ts) - e(Ts)]

com ew(Ts) e e(Ts) em mbar.

Thornthwaite e Holzman desenvolveram uma fórmula mais sofisticada, com uma base física,
analizando o processo de transporte turbulento:

ρaε κ 2 uz
C f(u) = 2
P ⎡ ⎛ z ⎞⎤
⎢ln⎜⎜ ⎟⎟⎥
⎣ ⎝ z0 ⎠⎦
em que
ρa = densidade do ar (g./cm3);
ε = ratio entre os pesos moleculares do vapor de água e do ar (= 0.622);
κ = constante de Von Kármán (= 0.41);
uz = velocidade do vento à altura z (m/s);
z0 = rugosidade da superfície (para água cerca de 0.05 cm, se não há vento).

Da termodinámica e da meteorologia sabe-se que:

P P kg g
ρa = = 0.3484 * ( 3 ) = 0.3484 * 10-3 ( 3 )
RT T m cm

com P em mbar e T em K.

Substituindo a última equação na fórmula de Thornthwaite-Holzman, obtem-se a fórmula de Van


Bavel:

3.64 uz
Ea = 2
[ ew ( T s ) - e( T s )]
T s ⎡ ⎛ z ⎞⎤
⎢ln⎜⎜ ⎟⎟⎥
⎣ ⎝ z o ⎠⎦

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-16

em que

Ea = evaporação isotérmica (cm/dia);


Ts = temperatura do ar (K);
uz = velocidade de vento (km/dia) medida a uma altura z acima do solo
(normalmente 2 m.);
zo = rugosidade da superfície (m.);
ew = tensão do vapor saturado (mbar);
e = tensão do vapor (mbar).

Então:
E a = ew ( T s ) - e( T s )
E ew ( T h ) - e( T s )

H A
= (1 - E a )
E Δ E

Substituindo H por N - E, pode reescrever-se a fórmula:

Δ
N
+ Ea
E= A
Δ
+1
A
que é a fórmula de Penman para P = 1,000 mbar.

Δ
é o parâmetro adimensional de Penman, dado na tabela 5.7.
A

Tabela 5.7 Parâmetro adimensional de Penman.

T (°C) 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Δ/A 0.67 0.90 1.23 1.61 2.14 2.77 3.57 4.57 5.70 7.10 8.77

A fórmula de Penman é válida para P = 1,000 mbar. Para P ≠ 1,000 basta substituir na fórmula A
P Δ +
por A' = A . é calculado para uma temperatura T= T h T s .
1000 A 2

De todos os métodos analíticos, o método de Penman é aquele que oferece o melhor compromisso
entre uma base teórica suficientemente sólida e a facilidade de aplicação prática. O método deve
ser usado para períodos da ordem de 7-10 dias e nunca em períodos superiores a 1 mês (para que
ΔQ ≈ 0).

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-17

5.3 MEDIÇÃO DIRECTA DA EVAPORAÇÃO

Para além dos métodos analíticos referidos nos pontos anteriores, a evaporação pode ser medida
directamente. Os instrumentos mais usados para esse efeito são o evaporímetro ou atmómetro e a
tina evaporimétrica.

5.3.1 Medição com evaporímetro

O evaporímetro é um instrumento que mede a evaporação latente, i.e., o poder evaporante da


atmosfera. A evaporação latente é definido como a evaporação máxima duma superfície saturada,
plana, horizontal e negra, exposta às condições meteorológicas (energia solar, vento, temperatura,
humidade relativa) naturais do meio onde se pretende estudar a evaporação.

O evaporímetro não mede, portanto, directamente a evaporação da superfície líquida embora esta
esteja certamente relacionada com a evaporação latente.

Figura 5.5 - Evaporímetro

A figura 5.5 representa dois tipos de evaporímetros frequentemente usados: "Black Bellani" e o
"Piche". O "Black Bellani" segue a definição dada para a evaporação latente. Tem uma placa de
porcelana porosa e negra, com 7.5 cm de diâmetro, permanente humidecida através do seu
contacto com um recipiente que é alimentado por um reservatório graduado. É possível ler
diariamente no reservatório a altura da água evaporada através da placa porosa.

O evaporímetro "Piche" utiliza um disco de papel poroso (papel de filtro) em lugar da placa negra.
O disco está preso por uma mola a um tubo graduado com água que mantem o disco
permanentemente humidecido. A perda de água evaporada através do disco pode ser lida
diariamente no tubo graduado. Em Moçambique, apenas se tem utilizado o evaporímetro "Piche".

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-18

5.3.2 Medição com tina evaporimétrica

A tina evaporimétrica permite medir directamente a evaporação duma superfície líquida,


simulando (embora com algumas limitações importantes que adiante se verão) a situaçáo real. A
tina é um reservatório aberto, cheio de água e exposto às condições atmosféricas.

Existem vários padrões de tina, sendo os mais conhecidos:

• a tina de classe A do US Weather Bureau, EUA;


• a tina GGI-3000 da União Soviética;
• a tina Symons, utilizada na RAS;
• a tina Colorado, utilizada nos EUA;
• a tina flutuante, utilizada pelo United States Geological Survey (USGS), EUA.

De todas elas, a mais frequentemente utilizada


nos países ocidentais é a tina de classe A que é
também a utilizada em Moçambique.

A tina GGI-3000 é uma tina enterrada no solo,


tem uma forma composta cilídrico-cónica,
com uma área à superfície de 3,000 cm2 (D =
61.8 cm.) e uma altura da parte cilídrica de
0.60 m.

A tina Symons é também uma tina enterrada,


cilíndrica, com 1.83 m. (6 pés) de diâmetro e Figura 5.6 – Tina evaporimétrica
0.61 m de profundidade.

Também a tina Colorada é uma tina enterrada, de secção quadrada, com 0.914 m de lado (3 pés) e
0.457 m de profundidade.

A tina flutuante do USGS tem dimensões iguais às da tina Colorado.

A tina de classe A do USWB está representada na figura 5.6. Trata-se de um tanque circular,
construido em chapa de aço galvanizado, assente sobre um estrado de madeira, com as dimensões
constantes da figura. O nível da água na tina deve ser sempre mantido a uma distância de 5 a 7.5
cm do bordo superior da tina.

Cada tipo de tina apresenta determinadas desvantagens:

a) Tinas enterradas
- as tinas enterradas (com a boca aproximadamente ao nível da superfície do terreno)
recolhem muito lixo;
- quaisquer perdas de água (devido a um furo na chapa) não se detectam facilmente;
- as trocas de calor através das paredes da tina dependem do solo circundante e das
suas condições de humidade.

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-19

b) Tinas flutuantes
- a tina flutuante pode receber ou perder água devido à ondulação;
- a sua operação é difícil.

c) Tinas acima do solo


- a tina acima do solo indica uma evaporação que é muito influenciada pela radiação
solar recebida através das paredes e pelas trocas de calor através delas.

No entanto, a experiência indica ser preferível a utilização de tinas colocadas acima do solo, como
a tina de classe A do USWB.

A medição da evaporação numa tina é feita normalmente uma vez por dia, sendo o processo de
medição o seguinte:

- instala-se na tina uma escala graduada à qual fica ligado um estilete móvel. O zero
da escala corresponde à posição em que a ponta do estilete toca na superfície da
água;
- após o período em que se registou a evaporação (um dia), a superfície da água terá
baixado. Esse abaixamento é medido deslocando o estilete até a ponta tocar
novamente na superfície da água e lendo o deslocamento na escala graduada. Essa
altura é a altura da evaporação;
- caso nessa altura se tenha registado precipitação, é preciso somar à altura
determinada anteriormente o valor da precipitação. Note-se que, neste caso, pode
acontecer que a superfície da água esteja acima e não abaixo do nível de referência.

Como se disse anteriormente, a evaporação medida numa tina evaporimétrica simula melhor a
realidade da evaporação a partir duma superfície líquida do que a medição num evaporímetro
como o “Piche”, sendo por isso preferível utilizar dados de tina, sempre que possível. Como
principais dificuldades à utilização da tina podem apontar-se:

- o problema do seu transporte para os lugares mais distantes;


- os problemas de manutenção (pintura metálica para protecção contra a ferrugem);
- o problema de evitar que pássaros e outros animais utilizem a tina como bebedouro,
assim falseando os resultados das medições.

Em relação a este último aspecto, usa-se por vezes uma rede metálica a cobrir a tina. Esta solução
traz, porém, o inconveniente de alterar o valor da radiação recebida pela tina.

A evaporação medida na tina pode, no entanto, diferir significativamente da evaporação numa


superfície líquida dum lago ou duma albufeira sujeita às mesmas condições climáticas. Há um
conjunto de factores que explicam essa diferença:

- a radiação que a tina recebe pela superfície lateral e pelo fundo é uma proporção
muito mais elevada da radiação recebida pela superfície líquida do que no caso dum
lago;

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-20

- a evaporação numa superfície líquida cria o chamado “efeito de oásis” (efeito local
de diminuição da temperatura e aumento da humidade relativa). Se a camada
saturada que se forma é removida pelo vento, o processo de evaporação recomeça. A
remoção da camada saturada acontece muito mais facilmente na tina do que num
lago em virtude da pequena dimensão da superfície da tina;
- os bordos da tina criam uma turbulência adicional, aumentando o efeito do vento na
remoção da camada saturada;
- devido ao pequeno volume de água que a tina contem, a temperatura da água na tina
é homogénea, não existindo a estratificação térmica característica dos lagos e
albufeiras.
Todos estes factores induzem a que a evaporação na tina seja bastante superior à evaporação que
se verifica no lago. Por este motivo, a evaporação medida na tina deve ser multiplicada por um
coeficiente de redução para se obter a evaporação num lago ou albufeira. Este coeficiente é
chamado de “coeficiente de tina” e é inferior à unidade. Pode-se aferir o valor do coeficiente da
tina (que varia conforme o local e a época do ano) se se dispuser de algum outro método preciso
para a determinação da evaporação como, por exemplo, o método do balanço energético.

Lencastre e Franco (1984) referem os seguintes valores do coeficiente da tina utilizados em


Portugal:

- Outubro, Novembro: 0.7;


- Dezembro a Março: 0.6;
- Abril, Maio: 0.7;
- Junho a Setembro: 0.8.

Ainda não foi feita (1996) nenhuma aferição em Moçambique. Sugere-se por isso a adopção do
valor médio de 0.7 para o coeficiente da tina, valor comummente adoptado para a tina de classe
“A” em zonas onde tal coeficiente não foi determinado.

5.3.3 Rede evaporimétrica

Segundo dados de Loureiro (1984), existiam em Moçambique 132 estações dispondo de tina
evaporimétrica ou evaporimetro “Piche” ou ambos, com a seguinte distribuição:

Total >20 anos 10-20 anos <10 anos


Tina de classe “A” 14 4 7 3
Evaporimetro “Piche” 82 43 31 8
Tina + evaporimétro 36 10 21 5

122 estações pertenciam ao INAM e 10 à DNA. Tomadas em conjunto, elas conduziam a uma
densidade de 5,900 Km2/estação, o que se pode considerar uma densidade bastante baixa.

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Evaporação e Evapotranspiração 5-21

Devido ao pequeno número de estações dotados de tina (50), há todo o interesse de tentar
correlacionar os dados de tina com os de evaporimetro para se poder estimar a evaporação de
superfícies líquidas a partir da evaporação latente medida pelo evaporimétro. A correlação teria de
ser estabelecida usando as estações comuns (dispondo de tina + evaporimetro). Tal estudo foi
realizado por Carvalho e Loureiro (1974) mas usando poucas estações (9) e dispondo de poucos
anos de dados comuns (4 a 6). Obtiveram-se coeficientes de correlação iguais ou superiores a 0.7
em 7 dos 9 casos. Interessa, portanto, retomar e estender o estudo realizado.

5.4 O PROCESSO FÍSICO DA TRANSPIRAÇÃO

Os seres vivos transpiram, ie, perdem água por evaporação a partir de poros microscópicos
situados na pele ou nas folhas. A transpiração é um processo quantitativamente importante quando
se considera a abundância geral da vegetação.

O sistema de raízes duma planta absorve água do solo, a maior parte da qual não é utilizada pela
planta, perdendo-se para a atmosfera através dos poros nas folhas.

A transpiração é, portanto, afectada pelos mesmos factores que influenciam a evaporação (radiação
solar, temperatura, vento, humidade relativa). No entanto, para além destes factores, a transpiração
depende também de:

- características da planta (sistema de raízes, tipo de folhas, etc);


- densidade das plantas;
- teor de humidade do solo.

No que respeita ao teor da humidade do solo, verifica-se que a transpiração duma planta vai
decrescendo com o teor de humidade do solo a partir da situação de capacidade de campo e cessa
quase totalmente quando se atinge o ponto de emurchecimento.

A capacidade de campo é o teor de humidade dum solo inicialmente saturado após ter cessado a
percolação, correspondendo à quantidade de água que fica retido no solo contra a acção da
gravidade.

O ponto de emurchecimento é o teor de humidade mínimo para o qual as plantas ainda


conseguem ir buscar água no solo, correspondendo a tensões de sucção da ordem de 15
atmosferas. Quando o teor de humidade é inferior, as plantas já não conseguem exercer a sucção
necessária e murcham.

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Evaporação e Evapotranspiração 5-22

5.5 EVAPOTRANSPIRAÇÃO

5.5.1 Aspectos gerais

É quase impossível medir a componente da transpiração a não ser em condições restritas de


laboratório. Por isso, procura-se estimar conjuntamente a água perdida para a atmosfera por
transpiração das plantas e por evaporação do solo e superfícies líquidas circundantes, fenómeno
que se designa por evapotranspiração.

Distingue-se a evapotranspiração potencial e a evapotranspiração efectiva ou actual.

A evapotranspiração potencial é a evapotranspiração que se registaria se não houvesse carência de


água. Neste caso a transpiração das plantas atinge o seu valor máximo. A evapotranspiração
potencial então depende de:

- factores climáticos (radiação solar, temperatura, vento, humidade relativa, pressão


atmosférica);
- características da planta (sistema de raízes, tipo de folhas, estádio de crescimento,
etc);
- densidade das plantas.

Sempre que o teor de humidade do solo se encontra abaixo da capacidade de campo, a


evapotranspiração que se verifica é inferior à evapotranspiração potencial. Designa-se por
evapotranspiração efectiva aquela que se regista nas condições actuais de humidade do solo.
Depende então, além dos factores que influenciam a evapotranspiração potencial, também da
humidade do solo.

A evapotranspiração efectiva, ETe, é sempre inferior à evapotranspiração potencial, ETp, podendo


considerar-se a seguinte formulação genérica:
⎛ nw - n0 ⎞
ET e = ET p f ⎜⎜ ⎟⎟
⎝ nr - n0 ⎠
em que nw, n0 e nr, são respectivamente o teor da humidade do solo, o ponto de emurchecimento e
a capacidade de campo.

5.5.2 Determinação da evapotranspiração potencial

Tal como para a evaporação, também se usam métodos analíticos e medições para determinar a
evapotranspiração potencial. No entanto, devido à maior complexidade do fénomeno da
evapotranspiração, verifica-se um maior recurso a métodos semi-empíricos.

Os métodos abordados nos próximos parágrafos são:

- método do balanço energético;


- método de Penman;
- medição directa com lisímetros ou medição indirecta com tina evaporimétrica;
- métodos semi-empíricos, como o método de Thornthwaite e de Blaney-Criddle.

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Evaporação e Evapotranspiração 5-23

5.5.2.1 Método do balanço energético

O método do balanço energético referido em 5.2.3 pode também ser utilizado para a determinação
da evapotranspiração potencial. A equação do balanço energético para uma superfície revestida de
vegetação e para um dado intervalo de tempo escreve-se:

Qs – Qsr – Qlw – Qh – Qet + Qv = ΔQ

em que
Qs = radiação solar incidente;
Qsr = radiação solar reflectida; Qsr = aQs em que a é o albedo;
Qlw = radiação de ondas longas;
Qh = calor transferido por trocas turbulentas;
Qet = energia gasta na evapotranspiração;
Qv = energia aduzida ao solo e plantas; é habitualmente desprezável;
ΔQ = variação da energia armazenada no solo e vegetação; pode-se considerar
nula para períodos de tempo não inferiores a 1 dia.

Desprezando Qv e ΔQ, a equação do balanço energético torna-se:

Qn = Qs – Qsr – Qlw = Qh + Qet = Qet (1+R),

em que R é o coeficiente de Bowen.

Dividindo por ρl, obtemos ETp = N/(1+R), com ETp = Qet/ρl e N = Qn/ρl.

Tabela 5.8 Valores médios diários de albedo para diversos tipos de cobertura do solo

Tipo de superfície Albedo Local


Água 0.05-0.10 Vários
Solo nu (humedecido) 0.11 Europa Ocidental
Solo nu (seco) 0.18 Europa Ocidental
Floresta de abetos 0.05-0.08 Europa Ocidental
Pinhal 0.10-0.12 Europa Ocidental
Bambus 0.12 Quénia
Florestas de resinosas 0.14 Quénia
Floresta tropical de folhosas 0.18 Quénia
Ananás 0.05-0.08 Havai
Cana de açucar 0.05-0.18 Havai
Chá 0.16 Quénia
Batata 0.15-0.27 Europa Ocidental
Centeio e trigo 0.10-0.25 Europa Ocidental
Milho 0.12-0.24 América do Norte
Beterraba sacarina 0.14-0.25 Europa Ocidental
Ervas de pequeno porte 0.14-0.25 Vários
Algodão 0.17-0.25 Vários

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Evaporação e Evapotranspiração 5-24

Luzerna 0.19-0.25 Vários


Couve Lombarda 0.19-0.28 Europa Central
Culturas hortícolas diversas 0.25 América do Norte

No caso das culturas, as variações dos valores do albedo resultam da variação do poder reflectivo
durante o período vegetativo das culturas.

5.5.2.2 Método de Penman

Também o método de Penman pode ser aplicado para a estimação da evapotranspiração potencial.
Partindo da equação do balanço energético referida no parágrafo anterior, chega-se a
Δ
N + Ea
ET p = ΔA
+1
A

em que N, Δ/A e Ea têm o significado já anteriormente definido.

Para o cálculo do valor da evaporação isotérmica Ea pode-se utilizar a fórmula de Van Bavel:

3.64 uz
Ea = 2
(1 - U) ew ( T s )
T s ⎡ ⎛ z ⎞⎤
⎢ln⎜⎜ ⎟⎟⎥
⎣ ⎝ z o ⎠⎦

em que
Ea = evapotranspiração isotérmica (cm/dia);
Ts = temperatura do ar (K);
uz = velocidade de vento (km/dia) medida a uma altura z acima da vegetação.
Normalmente, a medição faz-se 2 m acima do solo;
zo = rugosidade da superfície. Toma-se zo ≈ 0.1 da altura da vegetação;
U = humidade relativa (adimensional);
ew = tensão do vapor saturado (mbar).

5.5.3 Medição da evapotranspiração

5.5.3.1 Medição com evapotranspirómetros ou lisímetros

Os evapotranspirómetros ou lisímetros são tanques com fundo semi-permeável, enterrados no


chão e contendo solo e vegetação nas mesmas condições que o terreno circundante. Para minorar o
efeito da fronteira e evitar restringir o crescimento das plantas, o tanque deve ser tão grande e
profundo quanto possível, sendo normal que os lisímetros possuam capacidades que podem ir
desde cerca de 1 m3 até cerca de 150 m3. A figura 5.7 representa diversos tipos de lisímetros.

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-25

Figure 5.7 - Tipos de lisímetros

O lisímetro do tipo a) determina a evapotranspiração a partir da equação de balanço hídrico:

Evapotranspiração = (Precipitação + Irrigação) - Drenagem

Nesta equação não se tem em conta a variação do armazenamento de água no solo pelo que estes
lisímetros devem ser usados quanto esta variação for pequena.

Os lisímetros dos tipos b) e c) medem a variação do peso registado o que equivale a uma variação
do volume de água armazenada no solo, entrando seguidamente com a equação do balanço
hídrico:

Evapotranspiração = (Precipitação + Irrigação) - Drenagem + Variação do armazenamento

Através da irrigação, o solo é mantido em condições próxima da saturação, pelo que o valor
determinado corresponde a evapotranspiração potencial. Os lisímetros são instrumentos pouco
práticos e apenas são utilizados normalmente em grandes explorações agrícolas e centros de
investigação.

5.5.3.2 Medição com tina evaporimétrica

Embora a tina meça a evaporação duma superfície líquida, é possível usar os seus valores para
estimar a evapotranspiração potencial multiplicando-os por determinados factores de correcção.

A tabela 5.9 (adaptada a partir de FAO, 1977) apresenta esses factores de correcção em função da
colocação da tina no terreno, humidade relativa e velocidade média diária do vento. Os
coeficientes apresentados variam de 0.35 a 0.85.

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Evaporação e Evapotranspiração 5-26

Tabela 5.9 Coeficiente de tina evaporimétrica classe "A" para diferentes coberturas do
solo, diferentes valores de humidade média relativa e velocidade média do
vento.

Tina
Caso A: Tina num terreno com uma Caso B: Tina num terreno inculto e
evaporimétrica
cultura verde de pequeno porte seco *)
classe “A”
Humidade média Baixa Média Elevada Baixa Média Elevada
relativa (%) <40 40-70 >70 <40 40-70 >70
Extensão da Extensão do
Velocidade media cultura a terreno a
do vento (km/dia) barlavento da tina barlavento da
(m) tina (m)
1 0.55 0.65 0.75 1 0.7 0.8 0.85
Fraco 10 0.65 0.75 0.85 10 0.6 0.7 0.8
(<175) 100 0.7 0.8 0.85 100 0.55 0.65 0.75
1000 0.75 0.85 0.85 1000 0.5 0.6 0.7

1 0.5 0.6 0.65 1 0.65 0.75 0.8


Moderado 10 0.6 0.7 0.75 10 0.55 0.65 0.7
(175-425) 100 0.65 0.75 0.8 100 0.5 0.6 0.65
1000 0.7 0.8 0.8 1000 0.45 0.55 0.6

1 0.45 0.5 0.6 1 0.6 0.65 0.7


Forte 10 0.55 0.6 0.65 10 0.5 0.55 0.65
(425-700) 100 0.6 0.65 0.7 100 0.45 0.5 0.6
1000 0.65 0.7 0.75 1000 0.4 0.45 0.55

1 0.4 0.45 0.5 1 0.5 0.6 0.65


Muito forte 10 0.45 0.55 0.6 10 0.45 0.5 0.55
(>700) 100 0.5 0.6 0.65 100 0.4 0.45 0.5
1000 0.55 0.6 0.65 1000 0.35 0.4 0.45
*
) Para áreas extensas de terrenos incultos, o coeficiente de tina deve ser reduzido em
20% em condições de temperaturas elevadas e ventos fortes, e da 5 a 10% em
condições de valores moderados de velocidade de vento, temperatura e humidade.

5.5.3.3 Método de Thornthwaite

O método de Thornthwaite é um método semi-empírico que foi derivado por correlação entre
temperaturas do ar e evapotranspiração potencial a partir dum grande número de medições das
mesmas. O procedimento é o seguinte:

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-27

a) determina-se o índice de calor mensal ji de cada mês:


1.5
ji = ( T i ) em que Ti é a temperatura média mensal do mês i (°C);
5
b) determina-se o índice de calor anual:
12
J = ∑ ji
1=1
c) determina-se a evapotranspiração potencial no Equador, ETp,0 (cm/mês):
a
⎡ 10T ⎤
ET p,0 = 1.6 ⎢
⎣ J ⎥⎦
em que T é a temperatura média do mês (°C); e
a = 0.49 + (17900J - 77.1 J2 + 0.675 J3) * 10-6.

d) determina-se a evapotranspiração potencial no local de latitude φ através de:

ETp,φ = K ETp,0,

em que K é função da latitude e da época do ano, conforme se apresenta na tabela 5.10.

Tabela 5.10 Factor de correcção da duração mensal de insolação, K (fórmula de


Thornthwaite).

Latitude Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
60°N 0.54 0.67 0.97 1.19 1.33 1.56 1.55 1.331.07 0.84 0.58 0.48
50°N 0.71 0.84 0.98 1.14 1.28 1.36 1.33 1.211.06 0.90 0.76 0.68
40°N 0.80 0.89 0.99 1.10 1.20 1.25 1.23 1.151.04 0.93 0.83 0.78
30°N 0.87 0.93 1.00 1.07 1.14 1.17 1.16 1.111.03 0.96 0.89 0.85
20°N 0.92 0.96 1.00 1.05 1.09 1.11 1.10 1.071.02 0.98 0.93 0.91
10°N 0.97 0.98 1.00 1.03 1.05 1.06 1.05 1.041.02 0.99 0.97 0.96
0 1.00 1.00 1.00 1.00 1.00 1.00 1.00 1.001.00 1.00 1.00 1.00
10°S 1.05 1.04 1.02 0.99 0.97 0.96 0.97 0.981.00 1.03 1.05 1.06
20°S 1.10 1.07 1.02 0.98 0.93 0.91 0.92 0.961.00 1.05 1.09 1.11
30°S 1.16 1.11 1.03 0.96 0.89 0.85 0.87 0.931.00 1.07 1.14 1.17
40°S 1.23 1.15 1.04 0.93 0.83 0.78 0.80 0.890.99 1.10 1.20 1.25
50°S 1.33 1.19 1.05 0.89 0.75 0.68 0.70 0.820.97 1.13 1.27 1.36

5.5.3.4 Método de Blaney - Criddle

O método de Blaney - Criddle foi desenvolvido para a região ocidental dos Estados Unidos e
depois foi sendo aplicada a outras regiões áridas no mundo, registando-se resultados favoráveis.

O método determina a evapotranspiração potencial num dado mês através da fórmula


ETp = C [p (0.46 T + 8)] + d,

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Evaporação e Evapotranspiração 5-28

em que

ETp = evapotranspiração potencial (mm/dia);


T = temperatura média diária do mês considerado (°C);
p = valor médio diário de horas de insolação (% do número anual de horas, ver
a tabela 5.11);
C, d = factores que introduzem a influência das condições locais de humidade
relativa, horas de insolação e vento.

Tabela 5.11 Valor médio diário (em percentagem, p, do número total anual de horas de
insolação) para diferentes latitudes.

Norte Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
Latitude
Sul *) Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. Jan. Fev.Mar. Abr. Mai. Jun.
60° 0.15 0.20 0.26 0.32 0.38 0.41 0.40 0.340.28 0.22 0.17 0.13
58° 0.16 0.21 0.26 0.32 0.37 0.40 0.39 0.340.28 0.23 0.18 0.15
56° 0.17 0.21 0.26 0.32 0.36 0.39 0.38 0.330.28 0.23 0.18 0.16
54° 0.18 0.22 0.26 0.31 0.36 0.38 0.37 0.330.28 0.23 0.19 0.17
52° 0.19 0.22 0.27 0.31 0.35 0.37 0.36 0.330.28 0.24 0.20 0.17
50° 0.19 0.23 0.27 0.31 0.34 0.36 0.35 0.320.28 0.24 0.20 0.18
48° 0.20 0.23 0.27 0.31 0.34 0.36 0.35 0.320.28 0.24 0.21 0.19
46° 0.20 0.23 0.27 0.30 0.34 0.35 0.34 0.320.28 0.24 0.21 0.20
44° 0.21 0.24 0.27 0.30 0.33 0.35 0.34 0.310.28 0.25 0.22 0.20
42° 0.21 0.24 0.27 0.30 0.33 0.34 0.33 0.310.28 0.25 0.22 0.21
40° 0.22 0.24 0.27 0.30 0.32 0.34 0.33 0.310.28 0.25 0.22 0.21
35° 0.23 0.25 0.27 0.29 0.31 0.32 0.32 0.300.28 0.25 0.23 0.22
30° 0.24 0.25 0.27 0.29 0.31 0.32 0.31 0.300.28 0.26 0.24 0.23
25° 0.24 0.26 0.27 0.29 0.30 0.31 0.31 0.290.28 0.26 0.25 0.24
20° 0.25 0.26 0.27 0.28 0.29 0.30 0.30 0.290.28 0.26 0.25 0.25
15° 0.26 0.26 0.27 0.28 0.29 0.29 0.29 0.280.28 0.27 0.26 0.25
10° 0.26 0.27 0.27 0.28 0.28 0.29 0.29 0.280.28 0.27 0.26 0.26
5° 0.27 0.27 0.27 0.28 0.28 0.28 0.28 0.280.28 0.27 0.27 0.27
0° 0.27 0.27 0.27 0.27 0.27 0.27 0.27 0.270.27 0.27 0.27 0.27
*
) Latitude de hemisfério Sul: desfasar de 6 meses, como indicado.

A figura 5.8 permite obter directamente o valor de ETp a partir do conhecimento de p (0.46 T + 8).

Quer o método de Thornthwaite quer o método de Blaney-Criddle foram derivados para condições
específicas que, quando não verificadas, podem originar erros grosseiros.

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-29

Figure 5.8 - Ábaco de cálculo para o método de Blaney-Criddle

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-30

5.6 DETERMINAÇÃO DA EVAPOTRANSPIRAÇÃO EFECTIVA

5.6.1 Método de Thornthwaite-Mather

O cálculo da evapotranspiração efectiva torna-se muito complexo devido à interacção de


condições meteorológicas com as condições do solo e as características da vegetação. Recorre-se
por isso a métodos simplificados, sendo um dos mais utilizados o método de Thornthwaite-Mather.

Em casos especiais ainda pode-se aplicar o método do balanço hídrico ou o método do balanço
energético.

No que diz respeito ao método de balanço energético, pode-se referir que foram recentemente
desenvolvidos métodos para determinar a evapotranspiração efectiva a partir de imagens de
satélite. Trata-se porém dum método bastante dispendioso por necessitar dum grande número de
imagens.

O método de Thornthwaite-Mather pode ser aplicado para estimar a evapotranspiração efectiva


em áreas onde o nível da água subterrânea é profundo. O método baseia-se na equação do balanço
hídrico aplicado à camada superficial do solo:

P - ETe - Q - R = ΔSs + ΔSso,

em que
P = precipitação;
ETe = evapotranspiração efectiva;
Q = escoamento superficial;
R = recarga da água subterrânea;
ΔSs = variação do armazenamento superficial;
ΔSso = variação do armazenamento no solo.

O método parte da seguinte hipótese: só há escoamento superficial e/ou recarga da água


subterrânea e/ou variação do armazenamento superficial quando o teor de humidade do solo
atingiu a capacidade de campo e a evapotranspiração efectiva igualou a evapotranspiração
potencial.

A fracção da humidade do solo utilizável pelas plantas designa-se por nu = nw - n0, em que nw e n0
são respectivamente o teor da humidade do solo e o teor de humidade no ponto de
emurchecimento. nu é um valor adimensional (fracção). Se se multiplicar pela profundidade do
solo atingida pelas raízes, esse valor passa a se expresso em altura de água, Nu.

A evapotranspiração efectiva é dada em cada peródo de tempo por

ETe = ETp se P ≥ ETp


ETe = P - ΔSso se P < ETp (Obs: note-se que ΔSso < 0)

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-31

Quando P ≥ ETp diz-se que há superavit hídrico SH:

SH = P - ETp - ΔSso

Esta equação significa que a precipitação garante a evapotranspiração potencial e o aumento do


armazenamento no solo; o excedente constitui o SH, que resulta em escoamento superficial e/ou
recarga da água subterrânea e/ou armazenamento superficial.

ΔSso = P - ETp (ou seja, SH = 0)

até Sso = Nr (Nr é a capacidade de campo, expressa em altura, sendo o limite superior de Sso). A
tabela 5.12 apresenta alguns valores característicos da capacidade de campo, nr, e o ponto de
emurchecimento, n0, para vários solos.

Tabela 5.12 Valores característicos da capacidade de campo e do ponto de


emurchecimento

Solo: Capacidade de campo (%) Ponto de emurchecimento (%)


Argila 45 30
Argila siltosa 40 25
Areia siltosa 28 18
Areia fina 15 8
Areia 8 4

Quando P < ETp diz-se que há défice hídrico DH:

DH = ETp - P + ΔSso (ΔSso < 0)

Neste caso não há escoamento nem recarga da água subterrânea. Numa sucessão de i períodos com
défice hídrico, ΔSso é calculado do seguinte modo:
i
L(i) = ∑ [P(j) - ET p (j)] L(i) < 0
j=1

L(i) representa o valor da excedência acumulada da evapotranspiração potencial sobre a


precipitação num período com défice hidrico.
L(i)
Nu
S so (i) = N u e
L(i)

Δ S so (i) = N u e
Nu
- S so (i - 1)

A aplicação sequencial ao longo do tempo do método de Thornthwaite - Mather (também


chamado de método do balanço sequencial) permite assim calcular a evapotranspiração efectiva.

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-32

As figuras 5.9 e 5.10, extraídas de Gonçalves (1974), representam a evapotranspiração potencial


calculada pelo método de Thornthwaite e a evapotranspiração efectiva calculada pelo método de
Thornthwaite-Mather, para valores climáticos anuais médios de Moçambique. Para este último
caso, o autor adoptou os valores de Nr = 75 mm para solos arenosos, Nr = 100 mm para solos
areno-argilosos e Nr = 150 mm para solos argilosos.

A comparação das duas figuras mostra que a ETe se aproxima de ETp em zonas de precipitação
elevada, afastando-se bastante dela e assemelhando-se aos valores de precipitação em zonas de
baixa precipitação como o interior da Província de Gaza e o sul da Província de Tete.

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-33

Figure 5.9 - Evapotranspiração potencial calculada em Moçambique

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-34

Figure 5.10 - Evapotranspiraçao efectiva, calculada pelo método de


Thornthwaite-Mather

Manual de Hidrologia
Evaporação e Evapotranspiração 5-35

EXERCÍCIOS

1. As temperaturas lidas num psicrómetro foram Ts = 35 °C e Th = 31 °C. P = 1000 mbar.


Calcule U.

2. Calcule o valor médio da radiação global em Maputo em Maio, sabendo que n/N = 0.70 e
C = 0.35

3. Calcule a radiação de ondas longas em Maputo em Maio sabendo que:

- a temperatura média do ar é de 20 °C;


- a humidade relativa média é de 0.75;
- a temperatura média da superfície da terra é de 24 °C.

4. Enumere todos os instrumentos necessários para determinar a evaporação com o método


de Penman.

5. Calcule a evaporação média dum pequeno reservatório em Maputo, durante o mês de


Maio, sabendo que a velocidade do vento a 2 m de solo é de 12 km/hora. Utilize os dados
dos exemplos 2 e 3.

6. Calcule a evapotranspiração potencial para uma cultura hortícola em Maio de Maputo.


Utilize vários métodos e compare os resultados.

- altura da vegetação = 25 cm;


- albedo = 0.25;
- latitude (Maputo) = 26°S;
- n/N = 0.4;
- humidade relativa = 0.75;
- u2 = 10 km/h.;
- temperatura de Outubro a Setembro (°C): 23/24/25/26/26/25/24/21/19/19/20/22.

7. Um solo tem uma capacidade de campo de 25% e um ponto de emurchecimento de 15%,


enquanto a zona de raízes tem uma profundidade de 100 cm. Num dado ano, verificaram-
se os seguintes valores mensais da precipitação e evapotranspiração potencial:

Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set
P(mm) 87 105 142 232 195 136 76 66 38 18 13 46
ETp (mm) 96 135 146 160 142 91 62 29 18 22 34 68

a) Estime os valores mensais da evapotranspiração efectiva.


b) Qual é o mês mais crítico para as plantas?
c) Qual é o mês mais crítico para o sistema de drenagem?

Manual de Hidrologia
Infiltração 6-1

6 INFILTRAÇÃO
6.1 O PROCESSO FÍSICO DA INFILTRAÇÃO

Define-se infiltração como sendo o movimento de água para dentro do solo por efeito da
gravidade e da acção capilar. O movimento de água já no interior do solo designa-se por
percolação.

Quando ocorre uma chuvada, parte ou


totalidade da água penetra no solo. A equação
do balanço hídrico na superfície do terreno é:

P - I - Q = ΔS

em que ΔS é a variação do armazenamento à


superfície do terreno. A equação pode ser
escrita como:
Figura 6.1 – O processo da infiltração
Q = P - I - ΔS,

o que significa que apenas ocorre escoamento superficial quando P > I + ΔS, ou seja, quando a
precipitação excede a infiltração e se encheram as depressões superficiais. Como a capacidade de
armazenamento à superfície do terreno é normalmente bastante pequena, pode-se aceitar que
ocorre escoamento superficial quando a precipitação excede a infiltração.

Define-se capacidade de infiltração como sendo a máxima intensidade de precipitação que o


solo pode absorver sem que se inicie o escoamento superficial. Exprime-se em mm/h. A
capacidade de infiltração dum solo varia com o tempo, decrescendo durante a chuvada.

A água que atinge o solo penetra nele através do poros devido à acção da gravidade. A entrada
da água faz-se mais facilmente pelos poros de maiores dimensões onde a resistência ao
escoamento é mais pequena. Por outro lado as forças de capilaridade provocam o movimento da
água verticalmente, para baixo ou para cima, ou horizontalmente sendo a sua acção tanto mais
importante quanto menor for o diâmetro dos poros. Assim, a acção da capilaridade permite
retirar água dos poros maiores para os mais pequenos.

A infiltração envolve, portanto, três processos interdependentes: entrada da água no solo,


armazenamento no solo e percolação. Note-se que, como o movimento da água no interior do
solo (percolação) é bastante lento, a capacidade de infiltração fica bastante reduzida quando o
solo se aproxima da saturação na camada logo abaixo da superfície.

Manual de Hidrologia
Infiltração 6-2

6.2 FACTORES QUE INFLUENCIAM A CAPACIDADE DE INFILTRAÇÃO

A capacidade de infiltração tem normalmente um valor alto no início da chuvada e decresce


substancialmente à medida que a precipitação vai ocorrendo em virtude da progressiva saturação
do solo. Se a chuvada for prolongada, a capacidade de infiltração tende para um valor constante
que corresponde à velocidade de percolação da água no solo, valor esse bastante baixo.

A figura 6.2 representa a evolução da infiltração e do escoamento superficial durante uma


chuvada longa de intensidade constante.

Figura 6.2 – Evolução da infiltração durante uma chuvada

Há uma série de factores que influenciam a capacidade de infiltração dum solo ao longo duma
chuvada. Os princípios são os seguintes:

a) textura do solo – se um solo tem uma textura grosseira, como os solos arenosos, os poros são
grandes pelo que a entrada da água no solo é fácil e a velocidade de percolação é grande,
significando uma elevada capacidade de infiltração. Pelo contrário, num solo de textura fina,
como uma argila, os poros são muito pequenos e dificultam a entrada da água e o movimento da
água no interior do solo.

O quadro 6.1 apresenta valores mínimos (constantes) da capacidade de infiltração, f, para vários
tipos de solos e após longos períodos de humedecimento (solos cultivados), cf. Ven Te Chow
(1964);

Manual de Hidrologia
Infiltração 6-3

Quadro 6.1 Capacidade de infiltração para vários tipos de solos (cultivados)

Grupo de Características do solo fmin


solos (mm/h)
A Areias profundas, loesses profundos, solos 8-12
agregados com matéria orgânica

B Loesses pouco profundos e solos franco-arenosos 4-8

C Solos francos-argilosos, franco-arenosos pouco 1-4


profundos, solos com baixo teor em matéria
orgânica, solos com elevado teor de argila

D Solos com grande percentagem de matérias 0-1


expansíveis, argilas plásticas pesadas, alguns solos
salinos

b) duração da chuvada - se uma chuvada durar bastante tempo, a capacidade de infiltração vai-
se reduzindo devido à progressiva saturação da camada superficial do solo;

c) retenção superficial - a retenção da água em pequenas depressões à superfície do terreno


retarda o início do escoamento superficial e, deste forma, aumenta a infiltração (embora não
influencie directamente a capacidade de infiltração);

d) humidade do solo no início da chuva - quanto mais húmido está o solo no início da chuvada
menor é a capacidade de infiltração e a infiltração. Se o solo estiver muito seco, não só o efeito
do armazenamento da água na camada superficial do solo é mais importante mas também o
humedecimento inicial provoca um forte efeito de capilaridade que reforça a acção da gravidade
para facilitar a infiltração;

e) compactação devido à chuva - o impacto das gotas de água em solos de textura fina destrói
os agregados estruturais de partículas e origina uma crosta superficial em que as partículas finas
preenchem os poros maiores, reduzindo substancialmente a capacidade de infiltração;

f) compactação devido ao tráfego - o tráfego pode ser de veículos, homens ou animais (como
em estradas de terra, campos de jogos, pastos muito utilizados). A consequência é uma grande
redução da capacidade de infiltração;

g) cobertura vegetal - tem um efeito importante no aumento da infiltração. Primeiro, porque


amortece o impacto das gotas de chuva; segundo, porque favorece a actividade de escavação do
solo pelos insectos que se movem ao longo das raízes das plantas; terceiro, porque retarda o
início do escoamento superficial, funcionando como uma retenção. Nem todos os tipos de
cobertura vegetal são igualmente eficientes: a substituição de áreas de floresta por áreas de
culturas normalmente reduz bastante a capacidade de infiltração;

Manual de Hidrologia
Infiltração 6-4

h) urbanização - introduz largas zonas impermeáveis (estradas de asfalto, passeios de cimento,


coberturas de edifícios), onde a capacidade de infiltração é nula. A mesma precipitação origina
maior volume de escoamento superficial (menor infiltração) e maior caudal de pico (porque o
escoamento encontra menor resistência e converge mais depressa na secção de saída) como se
ilustra na figura 6.3.

Figura 6.3 – Impacto da urbanização na infiltração e no escoamento


superficial

6.3 MEDIÇÃO DA CAPACIDADE DE INFILTRAÇÃO

A capacidade de infiltração pode ser medida com infiltrómetros que são tubos abertos nas
extremidades, com 10 a 30 cm de diâmetro, que se enterram entre 5 e 50 cm no solo. Coloca-se
água no tubo com uma altura de 1 a 2 cm que se mantêm a nível constante, através da ligação a
um reservatório graduado. A água necessária para manter o nível constante define a capacidade
de infiltração. Os valores obtidos são pouco rigoroso sendo 2 a 10 vezes superiores aos que se
verificam durante uma precipitação nas mesmas condições do solo.

No caso de pequenas bacias hidrográficas, pode-se estimar a capacidade de infiltração durante


uma chuvada medindo a precipitação (ponderada) sobre a bacia e medindo o caudal
correspondente. O volume de precipitação não escoado corresponde à infiltração. A capacidade
de infiltração (média) durante a chuvada será o volume de infiltração dividido pela área da bacia
e pela duração da chuvada.

Manual de Hidrologia
Infiltração 6-5

6.4 CÁLCULO DA INFILTRAÇÃO

Diversas fórmulas têm sido propostas para a determinação da infiltração, como as fórmulas de
Horton e Philip.

6.4.1 Fórmula de Horton

A fórmula de Horton descreve o decréscimo da capacidade de infiltração com o tempo pela


expressão:

f = fc + (f0-fc)e-kt,

em que
f0 = valor inicial da capacidade de infiltração, para t=0;
fc = valor mínimo da capacidade de infiltração;
k = constante característica do solo;
t = tempo desde o início da chuvada.

Embora simples, a fórmula de Horton não é de fácil aplicação devido à dificuldade de se


conhecerem os valores de f0 e k. O quadro 6.2 apresenta alguns valores da capacidade de
infiltração ao fim de 1 hora de chuva.

Quadro 6.2 Valores da capacidade de infiltração.

Características do solo Infiltração f1 (mm/h)


Solos arenosos Elevada 12.5 - 25.0
Solos francos e siltosos Média 2.5 - 12.5
Solos argilosos e franco-argilosos Baixa 0.25 - 2.5

O volume infiltrado desde o início da chuvada obtem-se por integração:


t
f -f
F = ∫ fdt = f c t - 0 c ( e-kt - 1)
0
k

6.4.2 Fórmula de Philip

A fórmula de Philip escreve-se como:

1 1
f = S t- 2 + A
2

A fórmula parece ajustar-se melhor às observações do que a fórmula de Horton, sem no entanto
resolver a dificuldade principal que é a determinação dos parâmetros que nelas intervêm.

Quer a fórmula de Horton quer a de Philip são válidas apenas enquanto a intensidade de
precipitação excede a capacidade de infiltração. Quando isso não acontece, a capacidade de

Manual de Hidrologia
Infiltração 6-6

infiltração deixa de decrescer e aumenta novamente porque a percolação da água no solo faz com
que este deixe de estar saturado.

6.5 CÁLCULO DA PRECIPITAÇÃO ÚTIL PELO MÉTODO DO ÍNDICE Φ

Designa-se por precipitação útil aquela parcela da precipitação que origina escoamento
superficial sendo a parte restante da precipitação aquela que se infiltra.

Um método pouco rigoroso mas prático e por isso muitas vezes utilizado é o do índice-φ. Este
método assume que a infiltração se processa a uma taxa constante durante toda a chuvada,
hipótese que se torna mais válida para chuvadas longas ou chuvadas em que o solo já se encontre
muito húmido.

Para se determinar o índice-φ para uma dada


chuvada, determina-se a altura total de
infiltração (por diferença entre a altura total
de precipitação e a altura correspondente ao
volume total escoado). Em seguido divide-se
o diagrama da intensidade da precipitação
(hietograma) em duas partes (por uma linha
horizontal), de tal maneira que a parte do
hietograma acima da linha corresponde à
altura do escoamento superficial e a parte
abaixo da linha corresponde à altura total da
infiltração (ver a figura 6.4). A linha
horizontal representa uma intensidade φ, que
é, portanto, a intensidade média (constante)
de infiltração. Figura 6.4 – Determinação do índ
Figura 6.4 – Determinação do índice-φ

Calculando o índice-φ para várias chuvadas, pode-se obter um valor médio. Esse valor médio
pode ser usado para o problema inverso: dada uma precipitação, saber qual a precipitação útil.
Para tal, basta subtrair ao hietograma o valor constante do índice-φ.

6.6 PERCOLAÇÃO E DRENAGEM

A partir da água infiltrada, a humidade no solo vai aumentando. À medida que o solo se torna
mais húmido, aumenta a sua capacidade para propagar a humidade até que consegue propagá-la
à mesma velocidade com que ela entra no solo. Quando se atinge esta situação, o teor de
humidade da camada superficial mantem-se constante e esse teor vai-se propagando para baixo,
pondo sucessivas camadas com um teor de humidade tal que a condutividade hidráulica (será
definida mais tarde) iguala a capacidade de infiltração. Podem ser consideradas as seguintes
zonas (ver a figura 6.5):

Manual de Hidrologia
Infiltração 6-7

- zona de saturação, à superfície, com


solo saturado. A espessura desta zona é
pequena (≈ 1 cm);
- zona de transição, com grande
variação do teor de humidade. A
espessura desta zona é pequena (≈ 5 cm);
- zona de transmissão, não saturada, em
crescimento constante. O teor de
humidade varia pouco;
- zona de humedecimento. O teor da
humidade aumenta com o avanço da
infiltração. Essa zona é separada do solo
seco pela frente de humedecimento.
Figura 6.5 – Propagação da humidade no solo

Quando a infiltração cessa, o solo começa a drenar e reduz a velocidade de percolação que tende
para zero à medida que o teor de humidade se aproxima da capacidade de campo. Nas camadas
em que se atingiu a capacidade de campo, cessa o escoamento de água para baixo. A água que
entretanto percolou e drenou vai atingir uma zona inferior saturada, que constitui uma reserva de
água subterrânea ou aquífero. Esta quantidade de água percolada representa a recarga do
aquífero. A figura 6.6, retirada de Dunne e Leopold (1978), mostra a evolução do teor de
humidade do solo a partir do momento de cessação da chuva e consequentemente da infiltração.

Figura 6.6 Evolução do teor de humidade após a cessação da chuva.


A medição do teor de humidade dum solo pode fazer-se por diversos processos:

Manual de Hidrologia
Infiltração 6-8

por secagem: recolhem-se várias amostras de solo; cada amostra é pesada, secada e novamente
pesada; a diferença de pesos corresponde ao volume de água contida no solo;
através duma sonda de neutrões: a sonda emite neutrões rápidos; parte deles colide com os
átomos de hidrogénio de água e são retardados; um aparelho mede a percentagem de neutrões
lentos que será tanto maior quanto maior a humidade do solo;
através do tensiómetro: o tensiómetro é um bolbo de porcelana porosa, cheio de água, ligado a
um manómetro; colocando o bolbo em contacto com o solo não saturado, a água passa do bolbo
para o solo, reduzindo a pressão medida no manómetro.

Pode-se estimar a capacidade de absorção do solo para uma dada chuvada. Conhecendo o teor de
humidade do solo ou admitindo que este está à capacidade de campo, o volume de poros vazios
por unidade de área (expresso em altura) é igual ao produto da profundidade do solo não
saturado pela diferença entre a porosidade e a capacidade de campo. Este volume representa a
capacidade de absorção do solo. O mesmo princípio pode ser aplicado para o estudo da absorção
pelo solo de efluentes de fossas sépticas.

Manual de Hidrologia
Infiltração 6-9

Exercício

Numa área de 250 hectares foram registadas 3 chuvadas (as alturas foram medidas em mm).

Hora 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Chuvada 1 2 6 7 10 5 4 4 2 0
Chuvada 2 4 9 15 12 5 0 0 0 0
Chuvada 3 3 8 11 4 12 3 0 0 0

O volume total do escoamento superficial resultante destas chuvadas foi respectivamente de


35,000; 57,500; e 46,250 m3. Calcule o valor médio do índice φ.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-1

7 ÁGUA SUBTERRÂNEA
7.1 INTRODUÇÃO

Na Engenharia o conhecimento da ocorrência, comportamento e qualidade da água


subterrânea não só é importante para o planeamento, projecto e operação de projectos de
abastecimento de água e sistemas de drenagem urbana e agrícola, mas também para obras
hidráulicas (por exemplo barragens, diques), obras de construção (pontes, edifícios) e para a
gestão de recursos hídricos e o meio ambiente.

7.1.1 Importância para o abastecimento de água

A água subterrânea tem grande importância para o abastecimento de água para fins
domésticos e industriais e água para a rega. A utilização da água subterrânea apresenta
algumas vantagens em relação à água superficial. As reservas de água subterrânea são muito
superiores às de água superficial (cerca de 300 vezes maiores; ver o capítulo 1). Além disso a
disponibilidade da água subterrânea geralmente mostra menor variabilidade temporal, devido
à maior quantidade de armazenamento e a menor exposição às perdas (como por exemplo a
evaporação nas albufeiras). A água subterrânea também se distribui por áreas extensas em
lugar de estar concentrada (como a água superficial). Finalmente, a água subterrânea é
geralmente de melhor qualidade que a água superficial, visto beneficiar dum sistema natural
de filtração e tempos de residência (no solo) relativamente longos, que asseguram a ausência
de bactérias e vírus.

Uma desvantagem em relação à água superficial é que o acesso pode ser mais difícil (por
razões técnicas ou económicas), que exige pesquisas mais complexas e dispendiosas. Ainda
de salientar que muitas das vezes (em Moçambique) o caudal só permita pequenos
aproveitamentos.

7.1.2 Importância para construções

Uma vez que a água subterrânea tem uma importância numa perspectiva da utilização da
mesma, a maior parte da bibliografia sobre água subterrânea trata da localização de recursos
hídricos subterrâneos e a sua exploração. Porém, em projectos de construção, mesmo que não
directamente visem a exploração da água subterrânea, não se pode ignorar aspectos
geohidrológicos.

Na construção de obras de Engenharia Civil muitas das vezes encontram-se problemas


relacionados com água subterrânea, como níveis de água subterrânea altos (por exemplo no
caso da construção de fundações), problemas de estabilidade do solo e de taludes e problemas
de qualidade da água subterrânea (que pode causar prejuízos às construções, por exemplo ao
betão).

No que segue são tratados alguns assuntos da Geohidrologia. O parágrafo 7.2 trata das
definições e conceitos básicos da Geohidrologia. A ocorrência de água subterrânea é
abordada no parágrafo 7.3. Parágrafo 7.4 trata da hidráulica do escoamento subterrâneo. Nos

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-2

parágrafos 7.5, 7.6 e 7.7 são abordados respectivamente os escoamento em aquíferos


confinados, freáticos e semi-confinados. Uma introdução na problemática da intrusão salina é
apresentada no parágrafo 7.8, enquanto o parágrafo 7.9 apresenta algumas informações sobre
água subterrânea em Moçambique. O Anexo I aborda sistemas de controlo de níveis da água
subterrânea em projectos de construção, bem como a qualidade da água subterrânea e os
processos hidroquímicos relevantes para obras de construção.

7.2 DEFINIÇÕES E CONCEITOS FUNDAMENTAIS

7.2.1 Introdução

No vasto domínio do conhecimento que é a Hidrologia, a parte dedicada ao estudo da água


subterrânea designa-se por Geohidrologia. O geohidrólogo é, portanto, um hidrologista que
se especializa no estudo de água subterrânea.

Por seu lado, a Hidrogeologia é a parte da Geologia que se preocupa com a ocorrência da
água subterrânea. Em princípio, a Geohidrologia tem um carácter mais quantitativo do que a
Hidrogeologia mas frequentemente as duas disciplinas confundem-se.

7.2.2 Água subterrânea e aquíferos

O conhecimento da ocorrência da água subterrânea requer um estudo da distribuição vertical


da água nos materiais ou formações geológicas da subsuperfície. A subsuperfície pode-se
dividir numa zona de aeração e a zona de saturação. Na zona de aeração a água fica retida
pelas forças da capilaridade e pela atracção molecular, agindo contra a força da gravidade.
Designa-se esta zona também como 'zona não-saturada', pois contem material da formação,
água, água e ar.

Na zona de saturação a água fica sob pressão hidrostática. Esta zona designa-se também
como 'zona saturada'. Apenas a água da zona saturada constitui a água subterrânea.

O lençol ou toalha ou nível freático é o nível do solo abaixo do qual os poros estão
completamente preenchidos por água. O solo então está saturado e a pressão da água iguala a
pressão atmosférica.

O nível piezométrico é o nível imaginário que corresponde com o nível da pressão


hidrostática da água no aquífero. Para um aquífero freático o nível freático coincide com o
nível piezométrico (como logo se verá).

Um aquífero é uma unidade geológica saturada que fornece água a poços, furos e nascentes
em proporção suficiente, de modo que possam servir como proveitosas fontes de
abastecimento. Pode-se também definir um aquífero simplesmente como uma camada de solo
permeável que contém água e pode cedê-la com facilidade. A grande maioria dos aquíferos
em exploração é constituída por materiais de textura grosseira (areia, areão, cascalho), rocha
calcária (onde a água forma cavidades por dissolução do material), rocha fracturada ou

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-3

falhas. As formações argilosas são aquíferos fracos. A água subterrânea pode ser encontrada
num único aquífero contínuo ou em várias aquíferos, separados por aquicludos ou aquitardes.

Um aquícludo é uma camada impermeável que não deixa passar água embora possa contê-la,
como acontece nos sedimentos com poros não-ligados ou sedimentos com poros não-ligados,
ou sedimentos com poros muito pequenos (por exemplo estratas de argila compacta). Outros
exemplos de aquicludos são rochas ígneas e metamórficas não fracturadas.

Um aquitardo é uma camada de solo semi-permeável que só deixa passar um fluxo de água
relativamente baixo. Toma-se em conta apenas o fluxo de água na direcção vertical, pois o
escoamento na direcção horizontal é desprezável (comparado com o fluxo de água nos
aquíferos).

Normalmente, consideram-se 4 tipos de aquíferos, conforme se ilustra na figura 7.1:


confinado, semi-confinado, freático e suspenso.

Um aquífero confinado é um aquífero limitado superior e inferiormente por camadas


impermeáveis. O nível piezométrico excede o nível da camada superior. Quando se abre um
poço ou um furo, a água sobe acima do limite superior do aquífero. Um caso particular é o do
furo ou poço artesiano em que a pressão da água a faz subir acima do nível da superfície do
terreno, como acontece em algumas zonas do vale do Infulene em Maputo e da zona costeira
norte de Maputo (Mahotas).

Figura 7.1 Tipos de aquíferos

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-4

Um aquífero semi-confinado é um aquífero limitado por uma camada impermeável e por


uma semi-permeável ou por duas camadas semi-permeáveis. Normalmente, as camadas semi-
permeáveis são apenas no sentido vertical (perpendicular à sua espessura).

Um aquífero freático é um aquífero limitado inferiormente por uma camada impermeável ou


semi-permeável e não limitado superiormente. O limite superior do aquífero freático é
definido pelo próprio nível freático. Um caso particular do aquífero freático é o aquífero
suspenso em que o aquífero se forma isolado de outros aquíferos, por cima duma camada
impermeável de pequena extensão.

7.2.3 Características dos materiais subterrâneos

7.2.3.1 Características relacionadas com o armazenamento de água

As duas propriedades dum aquífero relativo à sua função de armazenamento de água são a
porosidade e o rendimento específico.

A porosidade (n) é um valor adimensional definido como a relação entre o volume de


aberturas e poros, e o volume total de solo. Distingue-se normalmente a porosidade
primária, formada durante a constituição da rocha ou do solo (Figura 7.2) e que é
determinante para solos (areias, argilas, siltes) assim como para certas rochas como os
basaltos. A porosidade secundária é gerada após a constituição da rocha por fracturação,
alteração e, no caso das rochas calcárias, por dissolução do carbonato de cálcio pela água
(carsificação). A figura 7.3 mostra exemplos de porosidade secundária. O quadro 7.1 mostra
para as várias rochas e sedimentos o tipo de porosidade mais determinante, enquanto o
quadro 7.2 apresenta valores representativos da porosidade. Também na figura 7.4 são
representados esses valores.

Figura 7.2 Porosidade primária

Figura 7.3 Porosidade secundária

A porosidade diminui com o aumento do diâmetro médio das partículas (argila é mais porosa
que areia grossa), porque materiais grosseiros são menos uniformes, resultando em menor
espaço vazio entre os grãos. A figura 7.5 mostra a relação entre a porosidade e a
granulometria.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-5

Quadro 7.1 Porosidade determinante para as várias rochas e sedimentos

Porosidade primária Porosidade primaria e Porosidade secundária


Tipo de rocha
(predominante) secundária (predominantemente)
granito
Rochas ígneas
rocha meteorizada diorito
intrusas (plutónicas)
gabro
tufo vulcânico riolito
Rochas ígneas cinza
escória basalto
extrusas (vulcânicas) ejecções vulcânicas
pomes andesito
quartzito
gneisse
xisto
Rochas metamórficas
filito
micaxisto
mármore
calcário zoogénico
calcário
Carbonatos calcário oolítico
dolomite
grés calcário
argelito, grés
Outras rochas conglomerado
sedimentares ardósia
brechia
argila
Formações não silte
consolidadas areia
aerão

Quadro 7.2 Valores estimativos da porosidade para vários materiais

Material Porosidade (%)


areão grosseiro 25 - 35
areão fino 25 - 40
areia grossa 30 - 40
areia fina 25 - 50
silte 35 - 50
argila 40 - 60
grés 5 - 30
calcário 0 - 35
dolomite 0 - 20
calcário carsificado 5 - 50
xisto argiloso 0 - 15
rocha cristalina fracturada 0 - 10
rocha cristalina compacta 0-5
basalto 3 - 35
granito meteorizado 35 - 55

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-6

Figura 7.4 Porosidade de vários materiais

Embora a porosidade represente a quantidade de água que um aquífero pode conter, não
indica quanta água possa fornecer. Quando a água é drenada num material pela acção de
gravidade, só parte do volume total armazenado nos seus poros é libertada. A quantidade que
a unidade de volume do material fornece chama-se rendimento específico, sendo um
parâmetro adimensional. Então o rendimento específico Sy (em inglês 'specific yield') é
definido como a relação entre o volume de água drenada por gravidade num solo inicialmente
saturado e o volume total do solo. Também se chama cedência específica. O quadro 7.3
apresenta alguns valores representativos para o rendimento específico de varias rochas.

Figura 7.5 Relação entre o diâmetro dos grãos e alguns parâmetros dos materiais subterrâneos

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Água Subterrânea 7-7

Quadro 7.3 Valores estimativos da porosidade para vários materiais

Material Porosidade (%)


areão grosseiro 22 - 23
areão médio 23 - 24
areão fino 25
areia grossa 27
areia média 26 - 28
areia fina 21 - 23
silte 8
argila arenosa 7
argila 2-3
grés 21 - 27
calcário 14

Note que a argila e o silte têm um rendimento específico bastante baixo, embora a porosidade
seja normalmente alta.

A retenção específica (em inglês 'specific retention') (r) é também um parâmetro


adimensional, definido como o volume de água que fica retido no solo (por forças
moleculares / adsorção e capilaridade) inicialmente saturado depois de terminada a drenagem
por gravidade, como percentagem do volume total de solo. A retenção específica é o mesmo
que a capacidade de campo.

Com estas definições, é evidente que n = r + Sy.

Exemplo:

Um aquífero com uma superfície livre de 50 km2 e 12 m de espessura média ocupa um


volume total de 600 milhões de m3. Com uma porosidade de 25% pode armazenar 150
milhões de m3 de água. Se o rendimento específico é de 10 % e se os 1.5 m superiores do
aquífero forem drenados pelo abaixamento de 1.5 m da superfície do lençol freático, o
fornecimento total será da ordem de 7.5 milhões de m3 de água (verifique!). Essa quantidade
equivale a 4 furos bombeando cada um 30 m3 por hora continuamente, durante 12 horas por
dia, funcionando 5208 dias (verifique!). Então essa bombagem poderia ser mantida durante
um período de quase 15 anos, apenas graça à água subterrânea armazenada nos 1.5 m
superiores do aquífero (ainda sem tomar em conta qualquer reabastecimento - recarga)!

Esse simples exemplo mostra como a função de armazenamento dum aquífero torna possível
o uso da água subterrânea com uma taxa constante, embora possa ser intermitente ou
irregular a recarga do aquífero. Sob este ponto de vista, os reservatórios de água
subterrânea são muito mais eficientes que os de água de superfície, dada a sua enorme
capacidade.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-8

Outros parâmetros relacionados com a função de armazenamento do aquífero são o


armazenamento específico e o coeficiente de armazenamento. O armazenamento específico
Ss, com dimensões [L-1] é o volume de água que pode ser libertado por unidade de volume do
aquífero para um abaixamento unitário da altura piezométrica. O coeficiente de
armazenamento S é um parâmetro adimensional que é o volume de água libertado por uma
coluna de aquífero de secção transversal unitária para um abaixamento unitário da altura
piezométrica.

A relação entre o armazenamento específico e o coeficiente de armazenamento é dada por:


- aquífero confinado: S = h * Ss, em que h é a espessura do aquífero.
- aquífero freático: S = h * Ss + Sy, em que h é a espessura saturada do aquífero
e Sy é o rendimento específico.

Figura 7.6 Coeficiente de armazenamento

Normalmente, Sy >> h * Ss. Por isso, o coeficiente de armazenamento é muito maior num
aquífero freático do que num aquífero confinado.

O significado do armazenamento específico é o seguinte: quando o nível piezométrico


diminui, diminui a pressão sobre os grãos que constituem o esqueleto sólido do aquífero; o
volume da fase sólida aumenta pelo novo arranjo dos grãos, a porosidade diminui e a água
tem de sair.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-9

Exercício 1)

Considere o aquífero do exemplo anterior. Qual seria o volume de água que retiraria do
aquífero se o nível piezométrico sofresse um abaixamento de 2 m, supondo que Ss = 5 * 10-5
m-1, S = 0.20, e que o aquífero era:
a) freático;
b) confinado.

7.2.3.2 Características relativas à conductividade de água

A propriedade dum solo relacionada com a sua capacidade de transportar água é chamada
permeabilidade (em inglês 'permeability').

A permeabilidade ou condutividade hidráulica K é uma característica do aquífero que


define a sua capacidade de transmitir água subterrânea. Tem as dimensões duma velocidade
(geralmente dada em metros por dia). A permeabilidade depende das características do solo e
do líquido (note-se que certas características da água como a viscosidade e densidade variam
com a temperatura). A permeabilidade de formações rochosas depende essencialmente do seu
grau de fracturação.

Para obter uma permeabilidade alta não é suficiente que o aquífero tem uma porosidade alta.
Os poros (e fissuras) também devem ser ligados. Uma porosidade alta então não sempre
corresponde com uma permeabilidade alta.

Quadro 7.4 Valores da permeabilidade K para alguns materiais aquíferos

Permeabilidade (ordem de grandeza)


Material
(m/dia) 1)
areão 100 - 1000
areia grossa 20 - 100
areia média 5 - 20
areia fina 1-5
silte 0.1 - 1
argila (superfície) 0.01 - 0.2
argila (profunda) 10-8 - 0.1
grés 0.2 - 3
calcário 1
dolomite 0.001
basalto 0.01
granito meteorizado 1.5
Grano meteorizado 0.2

1) Ainda depende muito do tamanho e uniformidade dos grãos no caso de formações


não-consolidadas e do grau da alteração e fracturação das formações consolidadas.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-10

A permeabilidade K é determinada no campo através de ensaios de bombagem (ensaios de


aquífero) ou ensaios de furos simples. Aplica-se também análises da granulometria do
aquífero, mas este método é pouco rigoroso. O quadro 7.4 apresenta valores de K para os
mais frequentes materiais de aquíferos

O potencial dum aquífero não só depende da sua permeabilidade, mas também da sua
espessura. A capacidade dum aquífero para transportar água é caracterizada pela
transmissividade (em inglês ‘transmissivity’). A transmissividade (T) dum aquífero é o
produto da sua permeabilidade pela espessura (H). Tem as dimensões dum ‘caudal
específico’ (geralmente em m2/dia);

T = K * H (em m2/dia)

No caso dum aquitardo é mais comum falar sobre a sua resistência hidráulica em vez de a sua
permeabilidade. A resistência hidráulica (c) duma camada semi-permeável (que
principalmente deixa passar a água na direcção vertical) é a razão entre a espessura H da
camada e a sua permeabilidade K. As suas unidades são [T], expressando-se normalmente em
dias. Pode-se notar que a resistência hidráulica aumenta com a espessura da camada e
diminui com a sua permeabilidade:

H
c= (em dias)
K

7.2.3.3 Homogeneidade e isotropia

Para a caracterização dum aquífero, importa conhecer a variação das suas características
(principalmente a permeabilidade) em diversas direcções e de ponto para ponto.

Diz-se que um aquífero é isotrópico se, em qualquer ponto, as suas características hidráulicas
não variam com a direcção. Caso isso não se verifique, o aquífero diz-se anisotrópico.

Diz-se que um aquífero é homogéneo se as suas características hidráulicas não variam de


ponto para ponto, caso contrário diz-se que é heterogéneo. A figura 7.7 apresenta diversos
exemplos relativos a homogeneidade e isotropia.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-11

Figura 7.7 Homogeneidade e isotropia

7.2.4 Recarga e resurgência

Define-se como recarga (R) a fracção da precipitação que se infiltra e percola até ao lençol
freático. A recarga depende das características da zona não-saturada (camadas superficiais),
da zona de recarga e da forma como ocorre a precipitação.

Define-se como resurgência a água que sobe de um aquífero para as estratas mais
superficiais. Ocorre quando o nível piezométrico dum aquífero mais profundo é mais alto que
o dum aquífero mais superficial (ou do nível freático).

7.3 OCORREÊNCIA DE ÁGUA SUBTERRÂNEA

7.3.1 Tipos de rochas

As características dum aquífero dependem do material de que é composto, a sua origem, a


relação entre os grãos e os poros, a profundidade, a recarga a que está sujeito, bem como mais
factores. Contudo, a estrutura geológica, a litologia e a estratigrafia de rochas e sedimentos
numa zona já podem dar uma primeira ideia sobre o potencial dos aquíferos.

Distinguem-se rochas de sedimentos (materiais não-consolidados).

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-12

As rochas podem ser subdivididas em:


- rochas ígneas;
- rochas sedimentares;
- rochas metamórficas.

As rochas ígneas são formadas a partir de magma vindo do interior da terra. Existem rochas
ígneas intrusas ou plutónicas, formadas subterraneamente (exemplos: granito, sienito,
diorito), e rochas ígneas extrusas ou vulcânicas, formadas na superfície por vulcões
(exemplos: riolitos, basaltos). Os minerais mais importantes nas rochas ígneas são o quartzo,
alcali-feldspato, plagioclase e mica.

Rochas sedimentares são o resultado da meteorização de rochas ígneas ou metamórficas,


seguidas pelo transporte e deposição do material meteorizado num outro lugar e, finalmente, a
cimentação do mesmo. São exemplos grés (origem: areia), calcário (origem: argila) e
conglomerado (origem: areão).

Rochas metamórficas são formadas, quando a composição mineralógica de rochas ígneas ou


rochas sedimentares muda, devido à sua exposição a altas pressões ou altas temperaturas. São
exemplos gneisse, quartzito (origem: grés), migmatito (mistura), filito (origem: argilito) e
mármore (origem: calcário).

Os sedimentos (materiais não-consolidados) são formados da mesma maneira que as rochas


sedimentares, excepto a cimentação. Podem ser subdivididos em:
- sedimentos terrestres (depositados na terra);
- sedimentos marinhos (depositados no mar);
- sedimentos fluvias (depositados pelos rios);
- sedimentos eólicos (depositados pelo vento);

Quadro 7.5 Classificação dos sedimentos

Material Tamanho dos grãos (mm)


argila < 0.004
silte 0.004 – 0.062
areia muito fina 0.062 – 0.125
areia fina 0.125 – 0.25
areia média 0.25 – 0.50
areia grossa 0.50 – 1.0
areia muito grossa 1.0 – 2.0
areão muito fino 2.0 – 4.0
areão fino 4.0 – 8.0
areão médio 8.0 – 16.0
areão grosseiro 16.0 – 32.0
areão grosseiro 32.0 – 64.0

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-13

A classificação dos sedimentos baseia-se principalmente na granulometria do material (ver


quadro 7.5).

7.3.2 Caracterização dos aquíferos

Rochas ígneas e metamórficas

Rochas ígneas e metamórficas não-perturbadas são péssimos aquíferos (permeabilidade e


porosidade muito baixas).

Basicamente existem dois tipos de aquíferos nas rochas ígneas e metamórficas:


- aquíferos em vales;
- aquíferos em zonas de fracturação e falhas.

Aquíferos em vales são formados durante o processo de meteorização. Existem


principalmente nas estratas superficiais (até uma profundidade de 50m). São geralmente
sistemas limitados, devido à baixa transmissividade (baixa permeabilidade e espessura
limitada). A figura 7.8 mostra um perfil típico destes aquíferos. Interessa escolher as zonas
com maiores espessuras do regolito, que assim podem permitir pequenos aproveitamentos.

Figura 7.8 Perfil típico dum aquífero numa rocha ígnea ou metamórfica

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Água Subterrânea 7-14

No caso de aquíferos em zonas de fracturação e falhas é muito importante analisar o


sistema da fracturação bem como o processo da recarga. A profundidade de falhas em rochas
ígneas e metamórficas raramente ultrapassa 150 metros. A zona adjacente a falha pode ser
fracturada, mas este tipo de aquíferos ainda continua sendo limitado em termos de
produtividade.

Contudo, uma excepção é o mármore carsificado, que pode ter características hidráulicas
muito boas. Também algumas rochas ígneas extrusas como basaltos podem, as vezes, ter boas
características hidráulicas, dependendo da presença de fracturas de refrigeração e da
meteorização das várias estratas. Riolitos são geralmente menos permeáveis que basaltos.

Rochas sedimentares

Rochas sedimentares podem ter características hidráulicas muito variáveis. A permeabilidade


e porosidade do grés dependem muito da composição original do material arenoso cimentado
(granulometria e uniformidade) e da sua fracgturação. O argilito pode ter uma porosidade
alta, mas geralmente tem uma permeabilidade muito baixa. Conglomerado muitas das vezes é
um bom aquífero, porém a sua distribuição na terra é limitada. De salientar que as
características hidráulicas do grés e conglomerado são menores que no material original não-
consolidado (areia, areão).

Calcários e dolomitos bem carsificados podem constituir aquíferos excelentes com


porosidades altas e permeabilidades altíssimas. Se não existe uma porosidade secundária, as
características dependem muito da composição do material, que pode variar muito. Assim a
porosidade (primária) e permeabilidade também podem variar muito.

Os aquíferos em rochas sedimentares consistem geralmente de camadas com uma porosidade


primária (e muita das vezes também secundaria). Assim os sistemas aquíferos podem ser
extenso desde que sejam contínuos. A ocorrência de água subterrânea não é limitada às
camadas superficiais. Podem encontrar-se aquíferos em rochas sedimentares até
profundidades de 1000 m.

Sedimentos

A maioria dos aquíferos no Mundo são desenvolvidos em sedimentos, principalmente areias e


areões. A argila pode ter uma porosidade alta, mas a sua permeabilidade é quase sempre
baixa.

Aquíferos em sedimentos quase sempre consistem de camadas, principalmente com uma


porosidade primária. Bem como no caso dos aquíferos em rochas sedimentares, os sistemas
aquíferos em sedimentos podem ser extensos (contínuos) e a água subterrânea pode
encontrar-se até grandes profundidades.

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Água Subterrânea 7-15

7.3.3 Qualidade de água

Quase todos os elementos podem estar presentes na água subterrânea, dependendo do tipo de
aquífero, os processos hidroquímicos nele, bem como a quantidade e qualidade da recarga,
intrusões salinas, métodos de rega, contaminações, etc. Para cada elemento existem normas
para as várias finalidades da água, das quais as normas para o consumo humano (por exemplo
as normas da OMS) são as mais rigorosas. Essas normas também incluem limites para a
presença de bactérias na água.

Um parâmetro muito importante é a salinidade, que pode facilmente ser determinada no


campo com a ajuda dum electrocondutivímetro. A electrocondutividade pode ser dada em
µS/cm (1000 mg/l).

A maioria dos elementos na água subterrânea estão presentes como iões. Obviamente a soma
dos catiões (em equivalentes) deve ser igual à soma dos aniões. Os catiões mais abundantes
na água subterrânea são sódio (Na+), potássio (K+), cálcio (Ca2+) e magnésio (Mg2+). Os
aniões mais abundantes são o cloreto (Cl-), hidrocarbonato (HCO3-), carbonato (CO32-),
sulfato (SO42-) e nitrato (NO3-). Esses são chamados os iões principais na água subterrânea.
Outros iões e moléculas podem existir em quantidades reduzidas, mas ainda podem ter uma
importância para a saúde (por exemplo fluórido, nitrito, metais pesados), a agricultura (boro)
e a projecto d furos (ferro e manganês).

Como o tipo de aquífero é só um aspecto, não é possível avaliar profundamente a qualidade


da água apenas na base da formação em que existe. Somente pode-se dar algumas
observações gerais.

Muitas rochas ígneas, como granitos e basaltos, são rochas que por si mesmas quase não
contribuem para sais na água, que portanto, podem ter água de muita boa qualidade. O
mesmo pode-se dizer sobre quartzitos e grés (com muito quartzo). A salinidade pode ser da
ordem de 300-500 mg/l. Por outro lado, pequenos sistemas aquíferos (superficiais) em rochas
muito sensíveis a contaminações, a jusante de centros populacionais, a água subterrânea pode
ter um teor alto de nitrato. Em áreas irrigadas aquíferos superficiais podem sofrer de
salinização.

Carbonatos, como os calcários e dolomitos, podem contribuir com elementos para a água
subterrânea, mas a qualidade mantém-se a um nível apropriado. Contudo, esta água é
geralmente muito dura, devido a solução de carbonato de cálcio e (também no caso de
dolomitos) e magnésio. A salinidade pode ser na ordem de 500-800 mg/l.

Evaporitos, como gipso, podem enriquecer a água subterrânea com sais dissolvidos, que
muitas das vezes resulta em água não potável, atingindo salinidades até 4000 mg/l.

Como já foi mencionado, a composição mineralógica pode mudar bastante, devido a recarga
com água duma composição diferente, bem como processos hidroquímicos na zona não-
saturada e no próprio aquífero. Um dos processos mais importantes é a salinização, que pode
acontecer por:
- transgressões;

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-16

- intrusão salina (horizontal e vertical), por exemplo por bombagem;


- sistemas de irrigação e drenagem não adequados;
- evapotranspiração excessiva.

Processos hidroquímicos que podem ocorrer na zona não-saturada e no aquífero são:


- troca de catiões (nas argilas);
- oxidação de material orgânico;
- dissolução do material do aquífero;
- dissolução e desorção.

A composição mineralógica da água subterrânea ainda pode mudar bastante devido a


contaminações (por exemplo nitrato e águas residuais).

Como exemplo duma mudança da composição de água subterrânea pode-se referir muitos
aquíferos em Gaza e Inhambane, contendo grés ou calcário, que hoje em dia têm água
salobra, devido as transgressões marinhas no Cretácio, Eoceno, Oligoceno e Mioceno (entre
há mais que 100 milhões e cerca de 15 milhões de anos). A posterior fraca recarga não foi
suficiente para substituir toda a água salgada por doce.

7.4 HIDRÁULICA DO ESCOAMENTO SUBTERRÂNEO

7.4.1 Introdução

O tratamento que se apresenta da teoria do escoamento subterrâneo tem carácter introdutório


visto tratar-se de matéria complexa. A hidráulica do escoamento subterrâneo baseia-se
fundamentalmente em duas leis: Darcy (§ 7.4.2) e a equação da continuidade (§ 7.4.3).

7.4.2 A lei de Darcy

O movimento da água entre um ponto e outro sucede sempre que entre esses se estabelece
uma diferença de pressão. Henry Darcy, engenheiro francês, investigou o fluxo de água
através de camadas de areia, publicando o resultado de suas pesquisas em 1856. Mostrou que
o escoamento da água através duma coluna de areia ou outro material permeável saturado é
proporcional à diferença de pressão hidráulica nos extremos da coluna e inversamente
proporcional ao comprimento da coluna (ver figura 7.9). Esta é conhecida como Lei de
Darcy, ainda hoje utilizada como princípio básico da hidráulica do escoamento subterrâneo.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-17

Figura 7.9 A Lei de Darcy

É expressa matematicamente pela fórmula:

ν = −K
(ϕ 2 − ϕ1 )
L
em que,
v velocidade de escoamento (m/dia);
φ2- φ1 diferença de pressões hidráulicas (m);
L distância entre os pontos onde as pressões φ2 e φ1 foram medidas (m);
K constante de proporcionalidade (m/dia);

O valor de (φ2- φ1)/L chama-se gradiente hidráulico (i = grad(φ)) que é adimensional. Assim
pode-se escrever:
v = −K ⋅ i

Pode-se logo ver que a constante de proporcionalidade tem as dimensões duma velocidade
(m/dia). De facto, esta constante de proporcionalidade é a permeabilidade (K). Quando se
introduzir areia mais grossa (que tem maior permeabilidade) na coluna, registar-se-á uma
velocidade maior de escoamento. O sinal negativo exprime que o escoamento vai no sentido
contrário ao do gradiente hidráulico.

De salientar que v representa a velocidade aparente de filtração. A velocidade das próprias


gotas de água no subsolo é maior, porque uma parte da secção é ocupada por partículas
sólidas. Então nem toda a área está disponível para o escoamento, mas só a parte porosa. A
velocidade média efectiva das gotas de água é v/ne, em que ne é a porosidade efectiva, a
parte da porosidade usada pelo escoamento subterrâneo.

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Água Subterrânea 7-18

Para areão, areia, silte e argila o valor da porosidade efectiva é aproximadamente igual a o
rendimento específico.

Em geral, o caudal é de maior interesse que a velocidade, sendo também conveniente


exprimir a Lei de Darcy pela fórmula:

q = −K ⋅ H ⋅ i

em que,
q fluxo unitário - caudal específico (caudal por metro de largura, m2/dia)
H espessura do aquífero (m)

Uma vez que o valor K · H representa a transmissividade (T) do aquífero, pode-se escrever:

q = −T ⋅ i

Na realidade, o gradiente hidráulico depende do lugar e da direcção. Assim é mais


conveniente generalizar a Lei de Darcy como:

vx = −K x ⋅ ix

em que
vx velocidade do escoamento no sentido x (m/dia)
Kx permeabilidade no sentido x (m/dia)
ix ∂ϕ / ∂x , gradiente hidráulico no sentido x (adimensional)

Expressões análogas podem-se estabelecer para vy e vz. Note que no caso dum aquífero
isotrópico Kx = Ky = Kz = K.

Tem interesse considerar a situação do meio estratificado, i.e., meio composto por camadas
paralelas, cada uma delas homogénea e isotrópica, mas com diferenças de permeabilidade
entre as várias camadas.

A estratificação pode verificar-se numa direcção perpendicular ao fluxo ou numa direcção


paralela ao fluxo.

Estratificação em direcção perpendicular ao fluxo

Neste caso o caudal por unidade de superfície (velocidade) da ág’ua subterrânea é igual em
todas as camadas atravessadas, sendo v (ver figura 7.10, 1ª imagem). Para ca’da uma das
camadas j pode-se escrever:

v = − K j ⋅ i j = − K j ⋅ Δh j H j
⇒ Δh j = −v ⋅ H j K j

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Água Subterrânea 7-19

Figura 7.10 Permeabilidade em aquíferos estratificados

A perda de carga total do escoamento ao atravessar as várias camadas, Δh, calcula-se como:

Δh = ∑ j Δh j = −v∑ j (H j / K j )

Para todo o sistema aquífero (com comprimento total H e no qual o fluxo v se processa com a
mesma perda de carga total Δh) pode-se escrever a lei de Darcy:

v = − K eq. ⋅ i = − K eq. ⋅ Δh H = − K eq. ⋅ ∑ j Δh j ∑ j


Hj

em que
Keq permeabilidade equivalente de todo sistema aquífero

⇒ K eq. = −v ⋅ H / Δh = ∑ j H j ∑ (H
j j / K j )=∑j H j ∑C
j j = Kv

em que
cj resistência hidráulica da camada j (dias)
Kv permeabilidade no sentido vertical (m/dia)

Pode-se tratar o aquífero estratificado na direcção perpendicular ao fluxo como um aquífero


homogéneo isotrópico com permeabilidade Keq. = Kv.

Dado que a resistência hidráulica de todo o sistema aquífero na direcção vertical igual a
H/Kv, pode-se também concluir que um caudal que atravessa um aquífero estratificado
enfrente (na direcção do caudal) uma resistência hidráulica igual ao somatório das
resistências hidráulicas das estratas atravessadas.

[Note que existe uma equivalência com a lei de Ohm, no tocante a resistências em série].

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-20

Estratificação em direcção paralela ao fluxo

Neste caso o gradiente do escoamento subterrâneo é igual em todas camadas (ver figura 7.10,
2ª imagem). Para cada uma das camadas j pode-se escrever:

q j = − K j ⋅ H j ⋅ i = − K j ⋅ H j ⋅ ΔH L

em que
qj caudal específico (caudal por metro de largura) na camada j (m2/d)

o caudal total ao atravessar as várias camadas, q, calcula-se como:

q = ∑ j Δq j = −∑ j (K j ⋅ H j ) ⋅ Δh L = − Δh L ⋅ ∑ j (K j ⋅ H j )

Para todo o sistema aquífero (com espessura total H) e no qual o fluxo q se processa com a
mesma perda de carga total (Δh) pode-se escrever a lei de Darcy:

q = − K eq. ⋅ H ⋅ i = − K eq. ⋅ ∑ j H j ⋅ Δh L

em que
Keq. Permeabilidade equivalente de todo o sistema aquífero

⇒ K eq. = − (q ⋅ L ) (Δh ⋅ H ) = (∑ K
j j ⋅Hj )∑H
j j = ∑jTj ∑ j
H j = Kh

em que
Tj transmissividade da camada j (m2/d)
Kh permeabilidade no sentido horizontal (m/dia)

Pode-se tratar o aquífero estratificado na direcção paralela ao fluxo com um aquífero


homogéneo isotrópico com permeabilidade Keq. = Kh.

Dado que a transmissividade de todo o sistema aquífero na direcção horizontal é igual a


K h ⋅ H , pode-se também concluir que a transmissividade dum aquífero estratificado (na
direcção do caudal) é igual ao somatório das transmissividades das estratas.

[Note que existe uma equivalência com a lei de Ohm, no tocante as condutividades].

Exercício 2)

Temos um subsolo com 5 estratas:


Camada 1: areia média, K = 5 m/dia, espessura 10 m;
Camada 2: argila, K = 0.01 m/dia, espessura 5 m;
Camada 3: areia grosseira, K = 20 m/dia, espessura 15 m;

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-21

Camada 4: argila, K = 0.005 m/dia, espessura 10 m;


Camada 5: areia fina, K = 1 m/dia, espessura 30 m;

O subsolo tem o comprimento de 1 km (gradiente horizontal, ihor = 0.001). A perda de carga


total (na direcção vertical) é de 1 m.

Calcule para cada camada:


a) a perda de carga Δh;
b) a resistência hidráulica horizontal;
c) a resistência hidráulica vertical;
d) a transmissividade;
e) o caudal específico(horizontal);
f) a permeabilidade equivalente(horizontal);
g) a resistência hidráulica vertical;
h) a transmissividade (e ao escoamento).

Solução:
Camada Δh chor cver T q
2
(m) (dias) (dias) (m /dia) (m2/d)
1 0.008 200 2 50 0.05
2 0.197 100000 500 0.05 0.00005
3 0.003 50 0.75 300 0.3
4 0.79 200000 2000 0.05 0.00005
5 0.012 1000 30 30 0.03

Esse exercício mostra muito bem a diferença entre os aquíferos (camada 1, 3 e 5) e os


aquitardos (camada 2 e 4). Neste caso mais que 99.9 % do escoamento total, atravessa os
aquíferos. Geralmente o escoamento (horizontal) nos aquitardos pode ser desprezado, razão
pela qual se diz muitas vezes que ‘nos aquitardos só se verifica escoamento na direcção
vertical’. Uma conclusão análoga pode-se tirar para as transmissividades. Note que a camada
3 é o aquífero principal (maior transmissividade e maior caudal).

Para todos os aquíferos do exemplo, o escoamento vertical é menos que 0.02% do que o
escoamento horizontal. Geralmente o escoamento vertical nos aquíferos pode ser desprezado
em relação ao escoamento horizontal, razão pela qual se diz muitas vezes que ‘nos aquíferos
só se verifica escoamento na direcção horizontal’.

Os aquitardos, neste exemplo, contribuem em quase 99% para o total da resistência hidráulica
vertical. Geralmente a resistência hidráulica vertical nos aquíferos pode ser desprezada.
Assim, quase não se verifica uma perda de carga nos aquíferos na direcção vertical. Isso tem
uma vantagem na instalação de piezómetros para registrar níveis piezométricos. A
profundidade do filtro não é muito critica no caso de um bom aquífero; basta instalar o filtro
dentro do aquífero.

O exemplo do escoamento através da fundação permeável duma barragem de terra ilustra


bem o interesse do estudo dos meios anisotrópicos e estratificados.

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Água Subterrânea 7-22

Figura 7.11 Exemplo de escoamento através de uma barragem de terra


Exercício 3)
A figura 7.12 representa um corte esquemático da encosta entre a zona de Laulane e o mar.
sabendo que a perda de carga é de cerca de 30m, L=5km e K=8m/d, calcular:
a) a velocidade;
b) o volume escoado durante 1 ano, sabendo que o aquífero tem cerca de 6km de
largura.
Resolução:
i = Δh / L = −30 / 5000 = −0.006
v = − K ⋅ i = 0,04 m/d (para a direita)
Q = l ⋅ b ⋅ v = 6000 ⋅ 30 ⋅ 0.048 = 8640m 3 / d = 3.15 × 10 6 m 3 / ano

Figura 7.12 Corte esquemático entre Laulane e o mar

7.4.3 Equação da continuidade

A equação da continuidade (lei de conservação de massa) aplicada a um aquífero diz que o


fluxo de entrada no aquífero (incluindo a recarga) menos o fluxo de saída será igual à
variação do volume armazenado por unidade de tempo.

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Água Subterrânea 7-23

A aplicação da equação da continuidade em conjugação com a lei de Darcy dá origem a


equações diferenciais cuja integração será mais ou menos complexa como se verá se
estudarem os escoamentos nos diferentes tipos de aquíferos.

Como as variações de nível nos aquíferos são bastante lentas, é possível estudar muitos
problemas práticos numa situação de regime permanente. Noutros casos, porem, terá de se
fazer o estudo considerando regime variável.

Duma maneira geral, a equação da continuidade implica que

→ ∂v x ∂v y ∂v z
div v = + + =0
∂x ∂y ∂z

(para um fluxo permanente e um líquido considerado incompressível).

Exercício 4)

Consider-se a situação representada na figura 7.13. A divisória AB representa uma linha de


separação de águas de forma que a única água que entra. No aquífero é a que se infiltra a
partir da precipitação. A permeabilidade é de 10m/d, Δh=16m e a precipitação anual média
é P=975mm (considere uma situação de regime permanente).
a) Calcular o caudal médio Q que se escoa pela fronteira de jusante do aquífero;
b) Calcular a recarga anual do aquífero;
c) Sabendo que o caudal superficial médio anual é Q’=0.3m3/s, determinar a
evapotranspiração efectiva anual media.

Figura 7.13 Exemplo da aplicação da Lei de Continuidade

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Água Subterrânea 7-24

7.5 ESCOAMENTO SUBTERRÂNEO EM AQUÍFEROS CONFINADOS

7.5.1 Escoamento tridimensional. Equação de Laplace

Considerando a situação do escoamento tridimensional, a equação da continuidade escreve-


se:
∂v x ∂v y ∂v z
+ + = 0 (fluxo permanente)
∂x ∂y ∂z

A lei de Darcy na sua forma geral escreve-se:


∂ϕ ∂ϕ ∂ϕ
vx = −K x vy = −K y vz = −K z
∂x ∂y ∂z

Substituindo a Lei de Darcy na equação da continuidade:

∂ ⎛ ∂ϕ ⎞ ∂ ⎛ ∂ϕ ⎞ ∂ ⎛ ∂ϕ ⎞
⎜− Kx ⎟+ ⎜⎜ − K y ⎟⎟ + ⎜ − K z ⎟=0
∂x ⎝ ∂x ⎠ ∂ y ⎝ ∂y ⎠ ∂ z ⎝ ∂z ⎠

Pois:
∂K x ∂ϕ ∂ 2ϕ ∂K y ∂ϕ ∂ 2ϕ ∂K z ∂ϕ ∂ 2ϕ
− − Kx 2 − − Ky 2 − − Kz 2 = 0
∂x ∂x ∂x ∂y ∂y ∂y ∂z ∂z ∂z

Esta equação representa a forma geral de escoamento subterrâneo num aquífero confinado
(heterogéneo e anisotrópico) em regime permanente.

No caso dum aquífero homogéneo:


∂K x ∂K y ∂K z
= = =0
∂x ∂y ∂z

Substituindo:
∂ 2ϕ ∂ 2ϕ ∂ 2ϕ
Kx 2 + Ky 2 + Kz 2 = 0
∂x ∂y ∂z

Esta equação representa a forma geral de escoamento subterrâneo num aquífero confinado
homogéneo e anisotrópico em regime permanente.

No caso dum aquífero homogéneo e isotrópico também Kx = Ky = Kz = K, pois


∂ 2ϕ ∂ 2ϕ ∂ 2ϕ
+ 2 + 2 = 0, ou ∇ 2ϕ = 0
∂x 2
∂y ∂z

sendo a equação de Laplace, valida para um aquífero confinado homogéneo e isotrópico em


regime permanente.

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Água Subterrânea 7-25

No caso dum aquífero confinado homogéneo e isotrópico em regime variável deduz-se que:

∂ 2ϕ ∂ 2ϕ ∂ 2ϕ S f ∂ϕ
+ + =
∂x 2 ∂y 2 ∂z 2 Kh ∂t

em que Sf é o coeficiente de armazenamento e h a espessura saturada do aquífero (constante’


para um aquífero confinado e semi-confinado).

Mesmo no caso mais simples dum aquífero confinado homogéneo e isotrópico com regime
permanente, a equação de Laplace muita das vezes não se consegue integrar analiticamente,
fazendo-se a integração por métodos numéricos, como o método dos elementos diferenciais,
elementos finitos, elementos analíticos, bem como por outros métodos.

7.5.2 Escoamento bidimensional. Função potencial e função de corrente

Em muitas situações, o escoamento subterrâneo pode ser tratado como um escoamento


bidimensional se as características do aquífero e as condições de fronteira se repetem em
planos paralelos (escoamento plano) ou em planos todos concorrentes num mesmo eixo
(escoamento radial).

No caso do escoamento plano, a equação diferencial do escoamento em regime permanente


num meio homogéneo e isotrópico é:
∂ 2ϕ ∂ 2ϕ
+ =0
∂x 2 ∂y 2
Também neste caso se pode fazer a integração numérica da equação diferencial por um dos
métodos numéricos. Um outro processo que neste caso é possível utilizar é o traçado de redes
de fluxo compostas por linhas equipotenciais (Ф constante) e por linhas de corrente (Ψ
constante).
Define-se a função potencial Ф como:
Φ = −K ⋅ ϕ

Como K é constante (meio homogéneo e isotropico), pode-se escrever:



⇒ v = grad Φ (= ∇Φ )

Como se tem ∇ 2ϕ = ∇ 2 Φ = 0 , Ф é uma função harmónica.

A função de corrente Ψ é definida por:


→ ∂ Φ ∂Ψ → ∂ Φ ∂Ψ
vx = = vy = =
∂x ∂y ∂x ∂y

Definindo-se desta forma Ф e Ψ, pode-se mostrar que as duas funções são ortogonais em
qualquer ponto.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-26

Assim a rede de fluxo resulta num conjunto de quadrados (aproximados) e dela se podem
calcular velocidade, caudais e perdas de carga. A figura 7.14 mostra um exemplo duma tal
rede para escoamento subterrâneo abaixo de uma barragem, com as funções de potencial e de
corrente. Refer-se também às disciplinas de Hidráulica e Mecânica de Solos.

Mais adiante se tratará do caso do escoamento radial.

Figura 7.14 Exemplo duma rede com linhas equipotenciais e linhas de corrente

Exercício 5)

Demonstrar que as funções potencial e de corrente são ortogonais.

7.5.3 Exemplos de resoluções analíticas de escoamento subterrâneo em aquíferos


confinados

7.5.3.1 Introdução

Como já foi mencionado no paragrafo 7.4.1, as equações diferenciais do escoamento


subterrâneo muita das vezes não se consegue integrar analiticamente, mesmo no caso mais
simples dum aquífero homogéneo isotrópico com regime permanente, razão pela qual é
comum resolver problemas de escoamento subterrâneo com métodos numéricos.

Para casos simples ainda podem ser utilizados métodos analíticos. Assim, ir-se-á tratar
essencialmente de escoamento em regime permanente, em aquíferos confinados, que são
homogéneos e isotrópicos.

7.5.3.2 Escoamento no plano unidimensional num aquífero confinado

Em variadas situações, o escoamento pode processar-se num aquífero confinado cujo


comprimento é muito maior que a espessura. Nesses casos, o escoamento torna-se
unidimensional (excepto em zonas restritas próximas das fronteiras do aquífero) e a
integração da equação de Laplace simplifica-se ao extremo.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-27

Com efeito, se v ≡ v x (Figura 7.15),


∂ 2Φ d 2Φ
= =0
∂x 2 dx 2

= c1
dx
Φ = c1 x + c 2 = − Kϕ
c1 c
ϕ=− x− 1
K K

As duas constantes de integração, c1 e c2, são determinadas a


partir das condições de fronteira: Figura 7.15 Exemplo
x = 0; ϕ = ϕ1 da aplicação da Lei de
x = 0; ϕ = ϕ1 Continuidade

⇒ ϕ1 = − c 2 K ⇒ c 2 = − K ⋅ ϕ1
⇒ ϕ 2 = − c1 L K − c 2 / K = −c1 L / K + ϕ1 ⇒ c1 = − K ⋅ (ϕ 2 − ϕ1 ) / L

ϕ = ϕ1 + (ϕ 2 − ϕ1 )x / L (a linha piezométrica é uma recta)

v = − K dϕ dx = K (ϕ1 − ϕ 2 )L

O caudal por metro de largura do aquífero será


q = vH = KH (ϕ1 − ϕ 2 ) / L = T (ϕ1 − ϕ 2 ) / L

Exercício 6)

Num aquífero confinado como o ilustrado na figura 7.15, com φ1=45m, φ2=40m, L=1000m,
H=30m e K=10-4m/s, determine o caudal que se escoa por metro de largura.

Exercício 7)

A figura 7.16 esquematiza o escoamento através da fundação duma barragem de terra. A


permeabilidade da fundação é K=5m/d.
a) calcule o caudal que se escoa através da fundação e trace a linha piezométrica. O
nível de água a jusante é nulo (0m);
b) para diminuir o caudal escoado através da fundação, resolveu-se fazer uma cortina
de impermeabilização com um material de permeabilidade K’=0.1m/d. Determine a
largura l da cortina que é necessária para reduzir o caudal escoado a 20% do valor
inicial. Trace a nova linha piezométrica.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-28

Resolução:

a) q = KH (ϕ1 − ϕ 2 ) / L = 5 × 30 × (40 − 0) / 200 = 30m 3 / d / m

Se a barragem tivesse 1km de largura, o volume escoado durante 1 ano (e perdido em


termos de armazenamento) seria de

Vol = 30 × 365 × 100 × 11 ⋅ 10 6 m 3 (suficiente para regar cerca de 700 hectares).


A linha piezométrica está traçada na figura (LP1).

b) a situação é agora a dum aquífero estratificado na direcção perpendicular ao fluxo.

q = 0.20 × 30 = 6m 3 / d / m
q = K eq H (ϕ1 − ϕ 2 ) / L ⇒ K eq = (6 × 200) / (30 × 40) = 1m / d
H 200
= =1 ⇒ l = 16.3m
Hj l 200 − l
∑j K 0.1 + 5
j

A perda de carga em cada camada é dada por


Hj
Δh j = q
K jH

Então a perda de carga na camada impermeabilizante será:


Δh1 = 6 × 16.3 / (0.1 × 30 ) = 32.6m; i1 = 32.6 / 16.3 = 2

A perda de carga no aquífero será:


Δh2 = 6 × (200 − 16.3) / (5 × 30 ) = 7.3m; i2 = 7.3 / 183.7 = 0.04

A linha piezométrica está traçada na figura (LP2).

Figura 7.16 Impacto duma cortina de impermeabilização

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-29

7.5.3.3. Escoamento radial em aquíferos confinados


Considere-se a situação representada na figura 7.17 dum poço cilíndrico no centro duma ilha
circular em que o poço atravessa toda a espessura do aquífero confinado.

Figura 7.17 Escoamento radial num aquífero confinado


Abrange-se aqui na designação de poço quer os poços quer os furos. Um poço que atravessa
toda a espessura dum aquífero diz-se um poço completo, ou poço de penetração completa.
A situação hipotética representada na figura 7.17 é uma idealização de uma situação pratica
dum furo num aquífero extenso que não sofre a influência de outros furos.
Na situação da figura 7.17 existe no aquífero um escoamento radial dirigido da periferia para
o centro. Como o sistema apresenta simetria radial, as superfícies equipotenciais são
cilíndricas, concêntricas com o poço, e as linhas de corrente são semi-rectas horizontais
radiais.
A uma distância r do centro do poço, a cota piezométrica é φ < φ0. A diferença de φ - φ0 = s
designa-se por rebaixamento. No poço (r = rp), a cota piezométrica é φp e o rebaixamento é
sp. Do poço extrai-se um caudal constante Q0.
Devido à simetria radial, o escoamento pode ser estudado como unidireccional na direcção
radial. Considere-se uma superfície cilíndrica com raio r. O caudal que atravessa qualquer
superfície cilíndrica concêntrica com o poço é um caudal constante Q. a equação de
continuidade escreve-se simplesmente como: Q = -Q0, dado que o sentido de Q é contrario ao
caudal de bombagem. Será também:
Q = 2π ⋅ H ⋅ v r

em que vr é a velocidade do escoamento na direcção radial. Note-se que a velocidade


tangencial é nula visto que a superfície cilíndrica é uma superfície equipotencial. Pois:
Q 1
vr = − 0
2πHr r

A lei de Darcy diz que v r = − K em que o sinal negativo indica que o escoamento se
dr
processa no sentido de φ decrescente, ou seja, para o centro do poço. Assim:

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-30

dϕ Q 1 dϕ Q0 1 Q0 1
vr = − K =− 0 ⇒ = =
dr 2πH r dr 2πKH r 2πT r

Por integração obtem-se:


ϕ = 0 ln (r ) + c
Q
2πT

A condição de fronteira é r = r0:


Q Q0
⇒ ϕ 0 = 0 ln (ro ) + c ⇒ c = ϕ0 − ln (r0 )
2πT 2πT

Chega-se portanto a:
Q0 ⎛ r0 ⎞
ϕ0 − ϕ = s = ln⎜ ⎟ (eq. de Thiem)
2πT ⎝ r ⎠

Da equação de Thiem obtem-se imediatamente o velor do rebaixamento no poço, sp:


Q ⎛r ⎞ Q0 ⎛r ⎞
s p = 0 ln⎜ 0 ⎟ s p = s1 + ln⎜ 1 ⎟ (curva característica do poço)
2πT ⎜⎝ rp ⎟⎠ 2πKH ⎜⎝ rp ⎟⎠

Se se considerarem dois pontos a distâncias r1 e r2 do centro do poço, como indicado na


figura 7.18 ter-se-á:
Q ⎛r ⎞ Q ⎛r ⎞
s1 = 0 ln⎜⎜ 0 ⎟⎟ s 2 = 0 ln⎜⎜ 0 ⎟⎟
2πT ⎝ r1 ⎠ 2πT ⎝ r2 ⎠
Q0 ⎛ r2 ⎞
s1 − s 2 = Δs = ln⎜ ⎟
2πT ⎜⎝ r1 ⎟⎠

Como na prática não se está no centro de uma ilha circular, toma-se para r0 (raio de influência
do poço) a distância para a qual já se faz sentir muito pouco a acção do poço, i.e. o
rebaixamento é negligenciável. Se se instalarem vários piezómetros (poços ou furos onde se
pode medir o nível de água) a distâncias ri e se medirem os rebaixamentos si para um dado
caudal extraído em regime permanente, é possível marcar num gráfico em papel semi-
logarítmico os pontos [si, ln(ri)] e traçar a recta que melhor se ajusta a esses pontos. Para s=0
obter-se-á o valor de ln(r0). Para r = rp obtem-se o rebaixamento teórico no poço, sp. Este
valor pode diferir do valor real medido no poço, spr, devido às perdas de carga à entrada do
poço. Chama-se raio equivalente do poço, re, ao valor de r que corresponde a spr na equação
de Thiem. Após o traçado da recta, é possível obter o valor da transmissividade T e da
permeabilidade K a partir de
Q
T = 0 Δ ln (r )
2πΔs
T
K=
H

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-31

O ensaio de bombagem para determinar a permeabilidade dum aquífero consiste


precisamente em bombar um dado caudal em regime permanente dispondo de dois ou mais
furos de observação para medição dos níveis da água, usando-se as equações anteriores para
calcular K.

Figura 7.18 Ensaio de bombagem num aquífero confinado

Exercício 8)

Num aquífero confinado, está a ser bombado dum furo um caudal constante de 100 l/s
verificando-se rebaixamentos de 10 m e 7 m em dois poços de observação, situados a
distâncias de 10 m e 30 m do furo de bombagem. Sabendo que o raio do furo é de 0.15 m e
que a espessura do aquífero é de 40 m, determinar a permeabilidade do aquífero, o
rebaixamento teórico no poço, a distância a partir da qual o rebaixamento é inferior a 2 m e
o raio de influência do poço.

Resolução: 12.6 m/dia; 21.46 m; 187 m; 389 m.

Exercício 9)
Utilizando os dados relevantes do exemplo anterior, calcular o caudal que se poderia extrair
se se limitasse o rebaixamento no poço a 10 m.

Muitas das vezes a espessura do aquífero é suficientemente grande para que o furo ou poço
não abranja a totalidade da espessura, figura 7.19. Apenas num certo comprimento menor que
H se estabelece uma zona filtrante por onde se processa a entrada de água no poço. As linhas
de corrente já não são horizontais e há um afastamento em relação à teoria dos poços
completos.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-32

Estes poços, chamados de penetração parcial,


devem ser estudados usando redes de fluxo ou
métodos numéricos. Com base na experiência tem
sido propostas diversas formulas. Para mais
pormenores sobre poços de penetração parcial
refer-se às aulas de Geohidrologia e ao manual de
projecto de furos.

No caso de se ter um campo de furos com n furos


relativamente próximos uns dos outros por
comparação com r0, pode usar-se em primeira
aproximação a seguinte fórmula para calcular o
rebaixamento num ponto qualquer do aquífero:
Figura 7.19 Duas configurações de
um poço de penetração parcial
1 n
⎛ r0 ⎞
s=
2πT
∑ Q ln⎜⎜ d
i
⎟⎟
i =1 ⎝ i⎠

em que di é a distância do ponto ao furo i. Assim calcula-se o rebaixamento, aplicando o


princípio de sobreposição (ver figura 7.20).

Figura 7.20 Rebaixamento num campo de furos

7.6 ESCOAMENTO SUBTERRÂNEO EM AQUÍFEROS FREÁTICOS

7.6.1 Introdução

O estudo do escoamento subterrâneo em aquíferos freáticos é algo mais complexo que o


relativo aos aquíferos confinados visto que o limite superior do aquífero (que é o nível
freático) é alterado pelo próprio escoamento. Um outro factor que aumenta a complexidade é
que nos aquíferos freáticos há que considerar a recarga no estudo do escoamento.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-33

7.6.2 Hipótese de Dupuit

O engenheiro francês Jules Dupuit apresentou em 1863 a seguinte hipótese para permitir
determinar uma equação do escoamento subterrâneo em aquíferos freáticos que se pudesse
analisar com mais facilidade:
- numa secção transversal qualquer, a distribuição de velocidades é uniforme;
- a componente vertical da velocidade em qualquer ponto é desprezável, portanto vz = 0. O
que não é válido em zonas do aquífero onde a curvatura da toalha freática seja acentuada
como acontece na vizinhança de valas ou poços para onde se dá o escoamento.

A figura 7.21 mostra essas hipóteses. Se se admitir que vz = 0 então as superfícies


equipotenciais são verticais.

Figura 7.21 Hipóteses de Dupuit

Sem fazer as restrições da hipótese de Dupuit, considerando a situação do escoamento


tridimensional num aquífero freático com recarga R, mas sem alimentação de aquíferos mais
profundos, a equação da continuidade escreve-se:
∂q x ∂q y ∂q z
+ + +R=0 (fluxo permanente)
∂x ∂y ∂z

Para caudais específicos qx, qy e qz pode-se escrever (aplicando a Lei de Darcy):


∂h ∂h ∂h
qx = −K x h q y = −K y h qz = −K z h
∂x ∂y ∂z

Substituindo estas expressões na equação da continuidade:


∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂ ⎛ ∂h ⎞
⎜ − K x h ⎟ + ⎜⎜ − K y h ⎟⎟ + ⎜ − K z h ⎟ + R = 0
∂x ⎝ ∂x ⎠ ∂y ⎝ ∂y ⎠ ∂z ⎝ ∂z ⎠

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-34

Pois:
2 2 2
⎛h⎞ ⎛h⎞ ⎛h⎞
∂ ⎜ ⎟
2
∂2⎜ ⎟ ∂2⎜ ⎟
∂K x ∂h 2 ∂K y ∂h 2 ∂K z ∂h 2
− h − Kx ⎝ 2⎠ − h − K y ⎝ 2⎠ − h − Kz ⎝ 2⎠ + R = 0
∂x ∂x ∂x ∂y ∂y ∂y ∂z ∂z ∂z
∂K x ∂h 1 ∂ h
2 2
∂K y ∂h 1 ∂ h
2 2
∂K z ∂h 1 ∂ h
2 2
− h − Kx − h − Ky − h − Kz +R=0
∂x ∂x 2 ∂x 2
∂y ∂y 2 ∂y 2
∂z ∂z 2 ∂z 2

Esta equação representa a fórmula geral de escoamento subterrâneo num aquífero freático
(heterogéneo e anisotrópico) em regime permanente, com recarga R mas sem alimentação de
aquíferos mais profundos.

No caso dum aquífero homogéneo:


∂K x ∂K y ∂K z
= = =0
∂x ∂y ∂z

Substituindo:
∂ 2h2 ∂ 2h2 ∂ 2h2
Kx + K y + K z +R=0
∂x 2 ∂y 2 ∂z 2

Esta equação representa a forma geral de escoamento subterrâneo num aquífero freático
homogéneo e anisotrópico em regime permanente, com recarga R, sem alimentação de
aquíferos mais profundos.

No caso dum aquífero homogéneo e isotrópico também Kx = Ky = Kz = K, pois


∂ 2h2 ∂ 2h2 ∂ 2h2
+ + +R=0
∂x 2 ∂y 2 ∂z 2

Note-se que num aquífero freático a cota piezométrica n é dada por h, altura da toalha freática
acima da camada impermeável suposta horizontal.

Com a hipótese de Dupuit (vz = 0) e num aquífero homogéneo e isotrópico em regime


permanente, sem recarga, chega-se a:

∂2h2 ∂2h2
+ =0
∂x 2 ∂y 2

Sendo a equação de Dupui-Forchheimer, válida para um aquífero freático homogéneo e


isotrópico em regime permanente, com componente vertical da velocidade desprezável em
qualquer ponto e sem recarga de outros aquíferos.

Tal como no caso dos aquíferos confinados esta’s equações podem ser integradas usando
métodos numéricos embora com a dificuldade adicional da fronteira superior do domínio
(que é a superfície freática) não estar definida a priori.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-35

Nos parágrafos seguintes, apresentam-se resoluções da equação de Dupuit-Forchheimer para


escoamentos unidireccionais (plano e radial).

7.6.3 Exemplos de resoluções analíticas de escoamento subterrâneo em aquíferos


freáticos

7.6.3.1 Escoamentos no plano unidimensional num aquífero freático sem recarga

Considerando-se o aquífero freático representado na figura 7.21 o escoamento processa-se da


vala 1 para a vala 2 onde os níveis se mantêm constantes (regime permanente). Não se
verifica recarga.

Com a hipótese de Dupuit, as equações do escoamento são:


dh
Lei de Darcy: v = v x = − K ⋅
dx
Continuidade: q = q x = v x ⋅ h = cons tan te

Substituindo a lei de Darcy na equação da continuidade, resulta em:


− K ⋅h⋅
d h2 ( )
= cons tan te
dx
⇒− K
1 d h2 ( )
= cons tan te ;
d 2h2
=0
2 dx dx 2

A integração conduz-nos a:
d h2 ( )
= c1 ⇒ h 2 = c1 x + c 2
dx

x = 0 : h = h0
Condições de fronteira:
x = L : h = h1

h02 = c 2

h12 = c1 L + c 2 ( )
⇒ c1 = h12 − h02 / L

h02 − h12
h =h −
2 2
0 x
L

Note-se que a variação de h com x não é linear, contrariamente ao que acontece com os
aquíferos confinados. De facto a forma é parabólica.

Para o caudal deduz-se:


q=− K
1 d h2
=
( )
K 2
h0 − h12( )
2 dx 2L

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-36

Exercício 10)
Considere um aquífero freático como o representado na figura 7.21, com L=500m, h0=20m,
h1=15m, K=7.5m/d. Não há recarga. Calcule:
- o caudal que se escoa da vala 1 para a vala 2;
- a velocidade aparente na secção x=250m.

7.6.3.2 Escoamentos no plano unidimensional num aquífero freático com recarga


Considere o aquífero freático representado na figura 7.22, em que se tem de considerar a
recarga R por metro de comprimento do aquífero. Os níveis nas valas mantêm-se constantes
(regime permanente). Determinam-se as expressões do nível freático e do caudal que se escoa
para as valas.

Figura 7.22 Escoamento para valas num aquífero freático

Se se considerar uma secção a uma distância x da origem, o caudal que atravessa essa secção
é (pela condição da continuidade em regime permanente):

Continuidade: q x + dx = q x + dq ⇒ dq = q x + dx − q x = R ⋅ dx ⇒ q = R ⋅ x + c1

Condição de fronteira: x = 0; q = 0 (linha de separação da água; gradiente do nível freático


é nulo)
⇒ c1 = 0
⇒ q = R⋅x

Lei de Darcy: v = v x = − K ⋅ dh / dx (com a hipótese de Dupuit)

Substituindo a lei de Darcy na equação de continuidade resulta em:


q = R ⋅ x = −K ⋅ h
dh 1 d h2
=− K
( )
dx 2 dx


dh 2
( )
=−
2R
x ⇒
R
h 2 = − x 2 + c2
dx K K

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-37

Condição de fronteira: x = L/2; h = h1


R L2 R ⎡⎛ L ⎞ 2 ⎤
⇒ h12 = − + c2 ⇒ h 2 = h12 + ⎢⎜ ⎟ − x ⎥
2

K 4 K ⎣⎢⎝ 2 ⎠ ⎦⎥

É fácil obter a expressão de hma:

RL2
2
hmax = h12 +
4K

O caudal escoado para cada uma das valas é q = R ⋅ L / 2

Exercício 11)

Na situação representada na figura 7.22 considere que a recarga durante uma chuvada
muito intensa é de 15 mm/dia. Supondo que se trata de uma área agrícola em que o máximo
nível freático deve estar pelo menos 0.75 m abaixo da superfície do terreno, determine o
valor correspondente de h1.

Solução: h1 = 5.19 m.

Exercício 11)

Considere o aquífero freático representado na figura 7.22, porém com níveis nas valas
diferentes (h1 e h2). Determine as expressões de cálculo de L, hmax, h, e dos caudais que se
escoam para as valas. (Obs: Os exemplos anteriores constituem casos particulares deste
para h1 = h2 ).

7.6.3.3 Drenagem dum aquífero freático com ressurgência

Considere um sistema de aquíferos como representado na figura 7.23. A camada semi-


permeável permite a passagem da água na direcção vertical, neste caso de baixo para cima em
virtude da linha piezométrica do aquífero semi-confinado (que aqui se considerou constante)
estar acima do nível freático do aquífero superior. Esta situação então corresponde com um
sistema de drenagem instalado num aquífero superficial (freático) que alem da recarga ainda
deve descarregar uma quantidade de ressurgência vinda do aquífero semi-confinado.
Parâmetros de projecto são então a distancia entre os drenos e o nível a ser mantido nos
drenos a fim de garantir um nível máximo no aquífero superficial aceitável.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-38

Figura 7.23 Escoamento para valas num aquífero freático com ressurgência

Para a obtenção da equação do escoamento no aquífero semi-confinado, admite-se a seguinte


simplificação relativamente ao aquífero freático: admitir um nível freático constante h :

h = h1 + 0.8(h0 − h1 ) = 0.8h0 + 0.2h1


h − ϕ 0.8h0 + 0.2h1 − ϕ
⇒ vz = =
c c

Pela lei de Darcy: q = − K ⋅ h ⋅ dh dx (caudal na direcção x do aquífero freático)

A equação da continuidade exprime-se através de

q = R ⋅ x − vz ⋅ x

Substituindo a equação de Darcy na da continuidade (considerando escoamento ‘pseudo-


bidimensional’):
dh
⇒ R x − v z x = − Kh ⇒ Rx 2 − v z x 2 = − Kh 2 + C1
dx

Condição de fronteira: x = L/2; h = h1

L2
⇒ C1 = (R − v z ) + Kh12
4
⎛ L2 ⎞
(
⎜⎜ − x 2 ⎟⎟(R − v z ) = K h 2 − h12 )
⎝ 4 ⎠

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-39

Pretende-se determinar h0 e vz.


L2
x=0 ⇒ h = h0 ⇒ h02 = h12 + (R − v z )
4K

Mas vz é por sua vez função de h0:


0.8h0 + 0.2h1 − ϕ
⇒ vz =
c
2
L ⎛ 0.8h0 + 0.2h1 − ϕ ⎞
⇒ h02 = h12 + ⎜R − ⎟
4K ⎝ c ⎠
⎛ 0.8L2 ⎞ L2 R ϕ ⋅ L2 + 0.2h1 L2
⇒ h02 + ⎜⎜ ⎟⎟h0 = h12 + −
⎝ 4 Kc ⎠ 4K 4 Kc

Nesta equação, R, hs, h1, c, K e L são dados pelo que a única incógnita é h0 (que se determina
facilmente visto tratar-se duma equação do 2º grau). A substituição do valor de h0 na fórmula
permite calcular o valor de vz, valor importante para dimensionar os drenos (o caudal a
descarregar é de R ⋅ L / 2 − v z ⋅ L / 2 por metro de comprimento do dreno).

7.6.3.4 Escoamento radial num aquífero freático com recarga


Considere-se a situação de um poço completo num aquífero freático extenso (ver a figura
7.24). Do poço está a ser bombado um caudal constante Q0. o aquífero está sujeito à recarga
constante R.

Figura 7.24 Escoamento para um poço num aquífero confinado com recarga

Neste caso existe uma superfície cilíndrica concêntrica com o poço à distância r0, sendo o
divisor de águas (gradiente de nível freático é nulo), que então não é atravessado por nenhum
caudal. A distância desse divisor de águas (r0) está sendo determinada pelo caudal bombado
do poço em relação à recarga. Pode-se tomar rp ≈ 0. As superfícies equipotenciais são
cilindros (figura 7.25). Devido à recarga, na figura 7.25 Qp > Q1 > Q2 (se Q for definido no
sentido do poço).

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-40

Figura 7.25 Escoamento radial

Considere-se uma superfície cilíndrica com o poço a uma distância genérica r do poço, com
espessura dr. O caudal que atravessa essa superfície é (pela condição de continuidade em
regime permanente):

Continuidade: dQ / dr = 2π ⋅ r ⋅ R ⇒ dQ = 2π ⋅ r ⋅ dr ⋅ R (se Q é definido no sentido de


r; note que neste caso Q é negativo; dQ/dr é positivo)
⇒ Q = π ⋅ r 2 ⋅ R + c1

Condição de fronteira: r = 0; Q = -Q0 (caudal bombado, na direcção do poço)


⇒ c1 = −Q0
⇒ Q = −Q0 + π ⋅ r 2 ⋅ R

Lei de Darcy: v r = − K ⋅ dh dr ;
q r = − K ⋅ h ⋅ dh dr
Q = −2π ⋅ r ⋅ K ⋅ h ⋅ dh / dr

Substituindo a equação de Darcy na equação da continuidade resulta em:


− Q0 + π ⋅ r 2 ⋅ R = −2π ⋅ r ⋅ K ⋅ h ⋅ dh / dr

Somando as variáveis:
Q dr R
− 0 + rdr = −hdh
2πK r 2 K

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-41

Integrando (e multiplicando por 2):


Q R 2
− 0 ln(r ) + r = −h 2 + c2
πK 2K
Condição de fronteira: r = r0; h = h0
Q R 2
⇒ − 0 ln(r0 ) + r0 = − h02 + c 2
πK 2K
Q0 R 2
⇒ c2 = − ln(r0 ) + r0 + h02
πK 2K
Q
⇒ h 2 = h02 + 0 ln( ) +
πK r0
r R 2
2K
(r0 − r 2 )

Sendo a equação geral que define o nível freático em função do caudal bombado.
A distância da linha de separação das águas, r0, calcula-se assim:
Q = 0 ⇒ π ⋅ r02 ⋅ R − Q0 = 0
Q0
⇒ r0 =

Escoamento radial sem recarga


Se não houver recarga, a solução será
Q ⎛r⎞
h 2 = h02 + 0 ln⎜⎜ ⎟⎟
πK ⎝ r0 ⎠
Esta expressão pode ser utilizada para a determinação da permeabilidade num aquífero
freático através de um ensaio de bombagem em que se conheçam os rebaixamentos s1 e s2 em
dois piezómetros situados a distâncias r1 e r2 do poço onde se bomba o caudal Q0 (ver figura
7.26). De salientar que não se deve verificar recarga nenhuma, razão pela qual é necessário
tomar precauções adequadas para evitar que a água bombada se infiltre e retorne ao aquífero.

Figura 7.26 Ensaio de bombagem

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-42

s1 = h0 − h1
s 2 = h0 − h2
Q0 ⎛ r0 ⎞
h02 − h12 = ln⎜ ⎟
πK ⎜⎝ r1 ⎟⎠
Q ⎛r ⎞
h02 − h22 = 0 ln⎜⎜ 0 ⎟⎟
πK ⎝ r2 ⎠
Q0 ⎛ r1 ⎞
⇒ h12 − h22 = ln⎜ ⎟
πK ⎜⎝ r2 ⎟⎠
Q0 ⎛r ⎞
⇒ K= ln⎜⎜ 1 ⎟⎟
( )
π h1 − h2 ⎝ r2 ⎠
2 2

Características do poço

( )( )
O rebaixamento no poço, sp, é dado por s p = h0 − h p . Como h02 − h p2 = h0 − h p ⋅ h0 + h p ,
então
Q ⎛r ⎞
Sp = ln⎜ 0 ⎟
( )
πK h0 + h p ⎜⎝ rp ⎟⎠

Esta equação que relaciona o rebaixamento no poço com o caudal chama-se curva
característica do poço.

Por outro lado, como h p = h0 − s p , pode-se escrever


Q ⎛ rp ⎞
= q e = πK (2h0 − s p )ln⎜⎜ ⎟⎟
sp ⎝ r0 ⎠

em que qe é o caudal específico ou o caudal por metro de rebaixamento no poço. A partir


desta última expressão verifica-se que:
sp = 0 ⇒ Q = 0
s p = h0 ⇒ Q = Qmax (como se pode demonstrar facilmente)
⎛ rp ⎞
⇒ Qmax = πKh02 ln⎜⎜ ⎟⎟
⎝ r0 ⎠
Q s p (2h0 − s p ) (h0 − h p )(h0 + h p ) h p2
= = = 1− 2
Qmax h02 h02 h0

hp Q
⇒ = 1−
h0 Qmax

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-43

A experiência indica que se deve explorar um poço num aquífero freático com valores de
rebaixamento sp entre 0.5h0 e 0.75h0. Isso corresponde a extrair um caudal Q entre 0.75 e
0.94 do caudal máximo.

Pequenos rebaixamentos

Para pequenos rebaixamentos e numa zona afastada do poço tem-se


h02 − h 2 = (h0 − h )(h0 + h ) ≈ s ⋅ 2h0 = 2h0 s
Q ⎛r ⎞
⇒s= ln⎜ 0 ⎟
2πKh0 ⎝ r ⎠
Expressão semelhante à encontrada para o aquífero confinado.

No caso de se verificarem grandes rebaixamentos no poço, o valor de sp a considerar para o


cálculo do caudal difere do sp medido, devido às restrições impostas pela hipótese de Dupuit.
Sendo sp o valor medido e sp’ o valor corrigido, pode-se utilizar a fórmula de JACOBS para
obter o valor corrigido:
s 'p = s p − s 2p / 2h0

Exercício 13)

Num aquífero freático com r0=2000m, h0=30m, K=5m/d, rp=0.4m, determine os


rebaixamentos no poço e a distâncias de 100 e 1000m, quando está a ser bombado um
caudal de 50 m3/h. Não há recarga.

Exercício 14)

Considere um poço completo num aquífero freático sujeito a recarga (constante). Num
piezómetro a 100m do poço regista-se um nível freático de 22.30m (acima da base do
aquífero). Supondo que rp=0.2m, Q0=90m3/h, K=25m/d, recarga R=170mm/ano, determine:
a) qual o nível atingido pela água no poço;
b) qual a distância do divisor da água subterrânea;
c) qual o nível da superfície freática no divisor da água.

Solução:
a) 18.07m;
b) 1215m;
c) 23.50m.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-44

7.7 ESCOAMENTO SUBTERRÂNEO EM AQUÍFEROS SEMI-CONFINADOS

7.7.1 Equações gerais

Considere-se um aquífero semi-confinado que se encontra entre duas camadas semi-


permeáveis (aquitardos). A camada semi-permeável de cima tem uma resistência hidráulica
de cc, a de baixo cb. Os níveis piezométricos no aquífero de cima e de baixo são
respectivamente φc e φb.

A lei de Darcy diz que v z = − K s ⋅ dϕ dz = − K s ⋅ Δϕ / H s = − Δϕ / c , em que c = Hs/Ks é a


resistência hidráulica da camada semi-permeável, exprimindo-se em dias.

Assim pode escrever-se a equação da continuidade para um aquífero semi-confinado, com


espessura H, como:
∂v ∂v y (ϕ − ϕ c ) (ϕ − ϕ b )
H x +H + + = 0 ( fluxo permanente)
∂x ∂y cc cb

Substituindo a lei de Darcy na equação da continuidade:


∂ ⎛ ∂ϕ ⎞ ∂ ⎛ ∂ϕ ⎞ (ϕ − ϕ c ) (ϕ − ϕ b )
H ⎜− Kx ⎟ + H ⎜⎜ − K y ⎟+ + =0
∂x ⎝ ∂x ⎠ ∂y ⎝ ∂y ⎟⎠ cc cb

Da mesma maneira como no caso de um aquífero confinado, pode-se derivar a equação geral
de escoamento subterrâneo num aquífero semi-confinado, homogéneo e isotrópico em regime
permanente:
∂ 2ϕ ∂ 2ϕ (ϕ − ϕ c ) (ϕ − ϕ b )
− KH 2 − KH 2 + + =0
∂x ∂y cc cb

É mais comum escrever essa equação como:


∂ 2ϕ ∂ 2ϕ (ϕ − ϕ c ) (ϕ − ϕ b )
+ − − =0
∂x 2 ∂y 2 KH ⋅ cc KH ⋅ cb
∂ 2ϕ ∂ 2ϕ (ϕ − ϕ c ) (ϕ − ϕ b )
⇒ + − − =0
∂x 2 ∂y 2 λ2c λb2

Define-se o factor λ, sendo KHc , como factor de dispersão.

Vê-se logo que para uma aquífero confinado (cb e cc infinitésimos) esta equação deduz-se à
equação de Laplace para escoamentos bidimensional.

A resolução analítica de equações do escoamento subterrâneo em aquíferos semi-confinados


ainda é mais complicada que no caso de aquíferos freáticos ou confinados. Quase sempre
dever-se-á usar métodos numéricos para integrar. Nas resoluções analíticas geralmente
surgem funções hiperbólicas, funções de Bessel ou integrais elípticas. No paragrafo seguinte
apresenta-se apenas um caso simples.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-45

7.7.2 Exemplos de resoluções analíticas de escoamento subterrâneo em aquíferos


semi-confinados

7.7.2.1 Escoamento no plano unidimensional num aquífero semi-confinado

Uma situação relevante na prática é a ressurgência de água subterrânea a jusante duma


barragem, vinda do escoamento subterrâneo através da sua fundação (ver figura 7.27). A
montante da barragem a água da albufeira infiltra no aquífero (φ > h0), enquanto a jusante a
água sai do aquífero para aí dar ressurgência (φ > h).

Figura 7.27 Escoamento abaixo duma barragem


Considere um aquífero semi-confinado com uma base impermeável. Neste caso, o
escoamento torna-se unidimensional. A equação geral do escoamento subterrâneo
unidimensional em aquíferos semi-confinados pode escrever-se como:
∂ 2ϕ (ϕ − h )
− =0
∂x 2 λ2
em que λ = KHc e h é o nível freático.

Se a jusante o nível freático h for constante e uniforme, h1, a equação será:


∂ 2ϕ (ϕ − h1 )
− =0
∂x 2 λ2

Obtem-se por integração:


x x

ϕ = C1e + C 2 e λ + h1
λ

(verifique por substituição na equação anterior)

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-46

Os valores de C1 e C2 obtem-se como sempre através das condições de fronteira. São a


jusante da barragem:
x = ∞; ϕ = h1 (eventualmente: x = ∞; q = 0) ⇒ C2 = 0
x = xj (limite da barragem a jusante): φ = φj
xj xj

C1 = (ϕ j − h1 )e λ

⇒ ϕ j = C1e λ
+ h1 ⇒

Assim:
x− x j

ϕ = (ϕ j − h1 )e

λ
+ h1

Porque q = − KH dϕ dx :
x − x1 x − x1
λ
q = (ϕ j − h1 ) = (ϕ j − h1 ) e
KH −
λ

λ
e
λ c

Se a barragem for impermeável, o caudal abaixo da barragem será constante, q0. No ponto
x = x j ainda q = q0, então pode-se escrever:
λ
q0 = (ϕ − h1 ) ⇒ ϕ j = h1 + q0
c
λ
j
c
x − x1
c −
⇒ ϕ = q0 e λ
+ h1
λ
x − x1

e q = q0 ⋅ e λ

Da mesma maneira obtem-se as equações para montante da barragem (neste caso C1=0):
c
ϕ m = h0 − q 0
λ
xm − x
c −
⇒ ϕ = −q0 e λ
+ h0
λ
x − xm

e q = q0 ⋅ e λ

Para o escoamento abaixo da barragem, pode-se aplicar a lei de Darcy (aquífero confinado),
que resulta em:
⎛ c⎞
⎜ h1 − h0 + 2q 0 ⎟
dϕ (ϕ j − ϕ m ) λ⎠
q = − KH = − KH = − KH ⎝
dx L L

(h0 − h1 )KH
⇒ q0 =
L + 2λ

Quando o aquífero não tiver outras fontes de descarga, o q0 representa a ressurgência total a
jusante da barragem (por metro de comprimento).

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-47

Ainda pode-se calcular a intensidade da ressurgência a jusante (bem como a infiltração a


montant) como:
x− x
q0 − λ j
v ressurgencia = e (sendo positivo), e
λ
xm − x j
q0 −
vinf iltr = − e λ
(sendo negativo)
λ
As equações supracitadas são conhecidas como as de Mazure.

Exercício 15)

Verifique as equações.

Exercício 16)

Considere uma barragem construída numa zona com aquífero semi-confinado. Pretende-se
instalar um sistema de drenagem a jusante para manter aí o nível freático em 1.5m abaixo da
superfície do terreno. Assuma este nível freático uniforme. Também assuma o nível da
albufeira constante, sendo 10m acima do terreno. A transmissividade do aquífero é
100m2/dia, a resistência hidráulica da camada semi-permeável é de 50 dias. A largura da
barragem é de 70m. Calcule:
a) o nível piezométrico a 50m a jusante da barragem;
b) a intensidade da ressurgência a 50m;
c) repita essas perguntas para outros valores de transmissividade e resistência
hidráulica e avalie o significado do ‘factor de dispersão’.
Solução:
a) 0.40m (acima da superfície do terreno)
b) 37.9mm/dia
c) se λ fosse alto, implicaria que as linhas de corrente são mais dispersadas, e a
ressurgência atinge uma maior distancia.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-48

7.7.2.2 Estabilidade de escavações


O estudo dos aquíferos semi-confinados também interessa num problema de escavações,
como representado na figura 7.28.

Figura 7.28 Análise de forças nas escavações

O equilíbrio das forças verticais ao nível da base da camada semi-permeável traduz-se pela
seguinte equação:
(H t − H e )ρ t g + H s ρ s g = (ϕ + H s )ρg
ρs ρ
⇒ He = Ht + Hs − (ϕ + H s )
ρt ρt

He deve ser sempre inferior ao valor dado pela expressão acima visto que se for superior o
peso do terreno não é suficiente para resistir à subpressão da água e a camada semi-
permeável rompe. Habitualmente, toma-se um factor de segurança de 1.5, isto é, adopta-se
He’=He/1.5, sendo He dado pela expressão acima.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-49

7.8 INTRUSÃO SALINA EM AQUÍFEROS COSTEIROS

7.8.1 Introdução

Os aquíferos costeiros apresentam problemas delicados na sua exploração por causa da


interface com a água salgada e da alteração que a extracção de água introduz nessa interface.
Não raras vezes uma exploração descuidada dum aquífero costeiro tem provocado a intrusão
de água salgada, inutilizando o aquífero por um longo período de tempo ou obrigando a
custosos trabalhos de recuperação.

7.8.2 Teoria de Badon Ghyben-Herzberg

A teoria de Badon Ghyben-Herzberg apresenta uma situação bastante simplificada mas


suficiente para ilustrar o problema e permitir uma aproximação à sua resolução. Considere-se
então a situação representada na figura 7.29. Na sua teoria, apresentada em fins do século
XIX, Badon Ghyben e Hezberg admitiram que:
- o escoamento da água doce era horizontal;
- não existia escoamento da água saldada;
- a interface entre os dois tipos de água era uma superfície, não existindo uma zona de
mistura.

Figura 7.29 Esquema da intrusão salina segundo Badon Ghyben-Herzberg

Nessas condições, o equilíbrio estático num ponto genérico da interface é expresso por:
(h + z )ρ d g = zρ s g

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-50

ρd é praticamente igual a 1000 kg/m3 enquanto para ρs se pode tomar o valor médio de 1025
kg/m3. Chega-se então à relação:
ρd
z= h ≈ 40h
(ρ s − ρ d )
Portanto, a interface situa-se a uma profundidade, sob o nível do mar, igual a cerca de 40
vezes a altura da água doce sobre o nível do mar, na mesma vertical.

A penetração máxima da cunha salina é limitada pelo fundo impermeável do aquífero.

Note-se que a teoria de Badon Ghyben-Herzberg, mesmo aceitando que não haja uma zona
de mistura, não descreve correctamente a posição da interface junto ao afloramento do
aquífero no mar por não considerar a aceleração do escoamento devido ao estreitamento da
secção, nem o surgimento de componentes verticais da velocidade.

7.8.3 Problemas de exploração


Se se fizer um furo ou poço num aquífero costeiro e se se começar a extrair um certo caudal,
cria-se imediatamente um cone de rabaixamento, figura 7.30, 1ª imagem. Devido à relação
z=40h, o rebaixamento provoca uma subida grande da interface (40m por cada metro de
rebaixamento). Se o rebaixamento for grande (o que pode acontecer se Q for grande), a
interface pode atingir o poço que passará a fornecer água salgada em vez de doce (figura
7.30, 2ª imagem).

Figura 7.30 Intrusão salina por superbombagem

Também em Moçambique já se tem verificado situações como esta, por exemplo com os
campos de furos para o abastecimento de água a Pemba.

Depois de criado o problema, a sua resolução é difícil e lenta podendo referir-se os seguintes
métodos:
- redução do caudal bombado;
- recarga artificial da água doce;
- manutenção duma barreira à intrusão salina por uma linha de poços de injecção;
- construção de barreiras físicas subterrâneas.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-51

7.8.4 Exploração da água subterrânea em ilhas marítimas

Na exploração de água subterrânea em ilhas marítimas (como Inhaca, Bazaruto, etc.) deve-se
tomar todas as precauções para evitar a salinização do aquífero, dado o equilíbrio muito
crítico entre a água doce e a água salgada. Considere-se por exemplo uma ilha circular, cujo
subsolo consiste dum aquífero freático, que está sujeito à recarga R (ver a figura 7.31).

Figura 7.31 Água doce salga numa ilha marítima

Da mesma maneira que no parágrafo 7.6.3.4 aplica-se a equação de continuidade para obter a
uma distância r do centro da ilha:
Qr = πr 2 R (escoamento na direcção do mar)

Lei de Darcy: v r = − K ⋅ dh / dr = − K ⋅ dz / dr (com hipótese de Dupuit)


dh dz
q r = − K (h + z ) = − K (γz + z )γ
dr dr
dz
⇒ Qr = −2πK (γz + z )γ
dr
(ρ − ρ d )
em que γ = s
ρd

Substituindo a equação de Darcy na equação de continuidade resulta em:


dz
πr 2 R = −2πK (γz + z )γ
dr
dz
⇔ rR = −2 K (γz + z )γ
dr
Rrdr
⇔ = − zdz
2 K (1 + γ )γ
Rr 2
⇒ = − z 2 + c1
2 K (1 + γ )γ

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-52

Condição de fronteira: x = r0; h = 0 e z = 0

Rr02
⇒ = c1
2 K (1 + γ )γ

⇒z =
(
R r02 − r 2
2 )
2 K (1 + γ )γ

Assim a profundidade da interface é basicamente uma função da recarga, da permeabilidade e


do tamanho da ilha. Note que na prática aquíferos de ilhas podem ter uma permeabilidade alta
(areia, calcário), que resulta numa interface pouco profunda. Note também que na realidade a
situação pode ser ainda mais crítica, dado que ainda não foi tomada em conta uma zona de
mistura.

7.8.5 Exploração de água subterrânea numa faixa de terra no mar

Da mesma maneira que no caso de ilhas, a exploração da água subterrânea em faixas de terra,
circundadas pelo mar (como por exemplo a península de Macaneta) deve ser realizada com
muito cuidado. Considere-se uma faixa infinita cujo subsolo consiste dum aquífero freático,
que está sujeito a recarga R, neste caso por metro de comprimento do aquífero (ver também a
figura 7.31, substituindo r por x e r0 por L). Determina-se a expressão da superfície freática
no aquífero, limitado pelo mar (escoamento unidireccional).

Da mesma maneira que no parágrafo 7.5.3.2 aplica-se a equação de continuidade para obter:
q = R⋅x

Lei de Darcy: v = v x = − K ⋅ dh / dx (com hipótese de Dupuit)


dh ⎛ h ⎞ dh
q = − K (h + z ) = − K ⎜⎜ h + ⎟⎟
dz ⎝ γ ⎠ dx
(ρ s − ρ d )
em que γ =
ρd

Substituindo a equação de Darcy na equação da continuidade resulta em:

⎛ h ⎞ dh K
Rx = − K ⎜⎜ h + ⎟⎟ ⇒ Rxdx = − Khdh − hdh
⎝ γ ⎠ dx γ
K
⇒ Rx 2 = − Kh 2 − h 2 + c1
γ

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-53

Condição de fronteira: x = L; h = 0
⇒ RL2 = c1

⇒ h2 =
(
Rγ L2 − x 2 )
K (γ + 1)

Assim calcula-se z como:


z2 =
R L2 − x 2 ( )
Kγ (γ + 1)

7.9 ÁGUA SUBTERRÂNEA EM MOÇAMBIQUE

7.9.1 Introdução

O conhecimento que se tem da água subterrânea em Moçambique é bastante mais limitado do


que o das superficiais. Esse conhecimento tem-se baseado essencialmente em informação
geológica, dados dos furos executados e pesquisas geofísicas.

O conhecimento dos aquíferos encontra-se actualmente sistematizado numa carta ‘carta


hidrogeológica’ elaborada pela DNA contendo, numa escala 1:1.000.000, elementos sobre a
extensão, profundidade, tipo, material e permeabilidade dos aquíferos, furos realizados,
produtividade (caudal) e qualidade da água. A biblioteca da faculdade dispõe duma cópia
desta carta.

A DNA dispõe duma base de dados com a informação sobre a litologia dos furos realizados e
outros dados como a produtividade e a qualidade da água. No entanto, nem a DNA nem
nenhuma outra autoridade do País (ainda) fazem a monitoria sistemática dos aquíferos
(qualidade e níveis). A DNA não tem informação sobre quantos furos estão de facto em
exploração, qual o caudal médio extraído, etc. Ainda não existe uma rede de piezómetros de
observação, nem para os principais aquíferos identificados. Apenas os aquíferos de Pemba e
de Infulene são monitorados por estarem ligados a sistemas de abastecimento urbanos.

7.9.2 Ocorrência de água subterrânea em Moçambique

As unidades geológicas fundamentais do território, representadas na figura 7.32 são:


- rochas sedimentares do Cretácio, Terciário e Quaternário (Pós-Karroo), rochas
sedimentares do Karroo, com representação apenas nas províncias de Tete e Niassa;
- rochas ígneas intrusas e extrusas do Primário Paleoóico, Secundário Mesozóico e
Terciário (Karroo e Pós-Karroo), constituindo parte importante da zona montanhosa;
- rochas ígneas e metamórficas e do Pré-câmbrico, correspondendo à zona de planaltos
e parte da zona montanhosa, predominando na região norte do País.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-54

No que respeita aos recursos de águas subterrâneas, a informação existente é insuficiente para
uma avaliação precisa do seu potencial. Moçambique pode ser dividido em três unidades
hidrogeológicas que coincidem com as três unidades geológicas principais, incluindo:
- os aquíferos que ocorrem nas formações geológicas do Complexo Cristalino (rochas
ígneas e metamórficas pré-câmbricas);
- os aquíferos que ocorrem nas formações do Karroo;
- os aquíferos englobados nas formações sedimentares pós-Karroo.

A primeira unidade ocorre no centro e norte do país correspondendo a zonas de falhas e


fracturação. Os aquíferos podem surgir quando a espessura da camada de alteração excede os
30m. Normalmente, obtem-se caudais modestos, 0.5 a 6m3/h, embora pontualmente se
possam obter caudais bastante superiores, como na região de mármores fracturados de
Montepuez (até 40-70m3/h). A qualidade de água é razoável a boa, permitindo abastecer
pequenos centros populacionais.

A unidade correspondente às formações do Karroo pode ser dividida em duas categorias.


- Aquíferos nos arenitos argilosos e sedimentos xistosos nas províncias de Tete e
Niassa. Há muito pouca informação sobre estes aquíferos, sendo natural que apenas os
localizados em áreas altamente fracturadas tenham razoável produtividade. Os furos
existentes têm revelado baixos caudais e má qualidade da água.
- Aquíferos nas formações basálticas e riolíticas, nas províncias de Maputo, Inhambane,
Sofala, Manica e Tete. A qualidade da água é geralmente boa mas os caudais são
relativamente pequenos, 1-3m3/h, embora em áreas de grande fracturaçao e com
espessuras das estratas de basalto na ordem dos 100m se tenham obtido caudais de 25
a 30m3/h.

A unidade hidrogeológica correspondente às formações sedimentares pós-Karroo abrange a


quase totalidade da região a sul do Save, parte importante da província de Sofala, o baixo
Zambeze e o litoral da província de Cabo Delgado. Destacam-se pelo seu potencial e pela
aceitável qualidade de água, a formação de Jofane (calcários e arenitos) na província de
Inhambane, com caudais de 5 a 40m3/h, os calcários em terraços marinhos no troco final do
rio Incomáti, com caudais de 50 a 120m3/h e alguns aquíferos profundos (150 a 200m) na
província de Maputo, originando caudais de 15 a 25m3/h, embora por vezes com teor de
salinidade alto.

As formações do Quaternário são formações dunares e aluvionares, ocorrendo ao longo da


costa. As formações dunares consistem quase sempre de materiais finos, obtendo-se caudais
de 5 a 10m3/h. As formações aluvionares encontram-se não apenas nos trocos médios e
terminais dos rios mais importantes, mas até mesmo de rios não perenes. Em certos casos, os
caudais obtidos chegam a ultrapassar os 200m3/h.

A partir da informação actualmente disponível, considera-se que apenas os aquíferos desta


última unidade hidrogeológica (formações sedimentares pós-Karroo) pode fornecer caudais
suficientes para utilizações como a irrigação e o abastecimento a centros urbanos, enquanto
as restantes podem ser utilizadas para abastecimento a pequenos povoados ou para criar
pontos de abeberamento de gado.

Manual de Hidrologia
Água Subterrânea 7-55

Figura 7.32 Geologia de Moçambique

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-1

8 ESCOAMENTO SUPERFICIAL

8.1 O PROCESSO FÍSICO DO ESCOAMENTO SUPERFICIAL


Designa-se por escoamento superficial o escoamento que ocorre sobre a superfície do
terreno ou na camada do solo superficial. Este escoamento tem inicialmente características
laminares (pequena altura de água sobre uma grande superfície de terreno) tendendo depois a
concentrar-se em linhas de água cada vez mais bem definidas e com percursos estáveis.
Como já se viu anteriormente, quando ocorre precipitação esta começa por infiltrar-se no solo.
À medida que a precipitação prossegue, a capacidade de infiltração do solo vai diminuindo
exponencialmente até que passa a ser inferior à intensidade da precipitação. A água que não
se infiltra começa por preencher as pequenas depressões do terreno (armazenamento em
depressões, “depression storage”) donde irá mais tarde evaporar ou infiltrar-se. Quando esta
capacidade de armazenamento se esgota, começa a formar-se uma lâmina de água com alguns
milímetros de altura que, por acção da gravidade, começa a escoar-se com velocidades
relativamente baixas (10 a 500 m/hora). Este escoamento designa-se por escoamento
superficial laminar (“overland flow”). À medida que ele se vai concentrando (em linhas de
água, ribeiros, rios), deixa de ter características laminares e passa a ser um escoamento
unidimensional, com maiores velocidade e alturas de água.
À medida que a precipitação prossegue, ela transforma-se quase totalmente em escoamento
superficial laminar em virtude do estado de saturação do solo. Aumenta a espessura da lâmina
de água que funciona como um armazenamento que mantém o escoamento superficial por um
curto período de tempo após a cessação da precipitação (inclui-se aqui também o efeito do
armazenamento na própria rede hidrográfica) – armazenamento superficial, “surface
detention”.
Para além, do escoamento superficial laminar e do armazenamento superficial, também
contribuem para o escoamento superficial em linhas de água duas outras componentes: o
escoamento sub-superficial ou hipodérmico; e o escoamento subterrâneo.
O escoamento sub-superficial surge em áreas de solo permeável mas com declive apreciável
que faz com que a água infiltrada percole através do solo em direcção paralela à superfície; ou
em áreas permeáveis que têm subjacente um estrato impermeável a pequena profundidade.
Tratando-se de escoamento através do solo, a velocidade é mais baixa do que a do
escoamento superficial laminar.

Finalmente, a água infiltrada que atinge o nível freático constitui a recarga do aquífero,
elevando o nível freático ou a carga piezométrica. Se o aquífero é interceptado por uma linha
de água, ele escoa para essa linha de água um caudal superior ao anterior à recarga.

As figuras 8.1 a 8.4 ilustram estes conceitos. Na figura 8.1, i(t) é a intensidade de precipitação
e f(t) é a capacidade de infiltração que vai decrescendo com o tempo, tendendo para um valor
constante. Nem toda a precipitação que excede a capacidade de infiltração origina escoamento
superficial: a área a sombreado escuro corresponde a precipitação que preenche o
armazenamento em depressões. A parte a tracejado corresponde à precipitação útil que
origina o escoamento superficial.
Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-2

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-3

Em termos da utilização da água superficial, o maior interesse reside nos caudais que se
escoam nas linhas de água permanentes, embora o escoamento superficial laminar tenha
também importância para diversos problemas (simulação hidrológica, rega por gravidade,
erosões).

8.2 MEDIÇÃO DE CAUDAL

O escoamento superficial exprime-se como um caudal ou um volume. O caudal é


normalmente expresso em m3/s (ou em l/s para caudais muito pequenos).

O volume de escoamento num dado período de tempo T é dado por

V = ∫T Q dt

O volume expressa-se normalmente em m3, utilizando-se 103 m3 ou 106 m3 quando se trata de


grandes volumes escoados.

Designa-se por caudal específico o caudal por unidade de área de bacia de drenagem da
secção onde o caudal é observado.

Existem diversos processos para a medição do caudal numa dada secção dum rio ou dum
canal. Os que se utilizam em Moçambique são o método da secção – velocidade e o método
estrutural. Para além destes, podem referir-se ainda o método da diluição e o método de ultra-
sons.

8.2.1 Método da secção-velocidade

O método consiste em determinar a área da secção da vazão e as velocidades num certo


número de pontos dessa secção de vazão de forma a poder fazer-se uma aproximação
numérica do integral que define o caudal que atravessa a secção

Q = ∫A v dA

Este é o método normalmente mais utilizado, não apenas em Moçambique mas em todo o
Mundo.

Na prática, o método da secção-velocidade consiste na execução dos seguintes passos (veja-se


a figura 8.5):

a) mede-se a largura superficial L da secção transversal


b) divide-se essa largura L em n faixas iguais de largura l = L/n , sendo nmin ≅ 15-20 e
lmax ≅ 10-20 m, procurando-se que o caudal em cada faixa não seja superior a 10% do
caudal total Q
c) faz-se o levantamento da secção medindo as alturas de água h1, h2, .... hn-1 (ho = hn = 0)

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-4

d) determina-se a velocidade média em cada uma das verticais 1 a n-1 pelo processo que
será explicado mais adiante
e) obtem-se o caudal qi em cada faixa multiplicando a área da faixa pela velocidade
média vi na respectiva vertical
f) o caudal total é dado por Q = ∑ qi

Figura 8.5 – Medição de caudal

Utilizam-se diversas expressões para a aproximação numérica do integral Q = ∫A vdA.

1ª) qi – caudal que passa entre as verticais i -1 e i

qi =
l
[ 2 (hi −1 v i −1 + hi v i ) + hi v i −1 + hi −1 v i ]
6

i = 1, n ho = hn = vo = vn = 0
n
Q = ∑ qi
i =1

Esta fórmula é considerada a mais precisa para o cálculo do caudal mas é pouco utilizada.

2ª) A seguinte fórmula dá normalmente resultados com boa precisão

v i (hi −1 + 2hi + hi −1 )
l
qi =
4

Q = ∑ qi
i

i = 1, n-1 h o = hn = 0

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-5

As duas seguintes fórmulas dão aproximações menos rigorosas:

3ª) Fórmula de HERSCHY

qi = l vi hi

Q = ∑ qi
i
i = 1, n-1

4ª) Fórmula de LENCASTRE

v i + v i −1 h + hi −1
qi = l ( ) ( i )
2 2

Q = ∑ qi
i

i = 1, n ho = hn = vo = vn = 0

Normalmente, as diferenças nos resultados são muito pequenas pelo que se podem usar as
fórmulas mais simples.

8.2.2 Medição de velocidade

Para a utilização das fórmulas anteriormente referidas há que se fazer a determinação da


velocidade média em cada vertical. Com efeito, a distribuição de velocidades numa secção
transversal está longe de ser uniforme – em termos genéricos pode dizer-se que a velocidade
pontual cresce com o afastamento em relação ao leito e às margens, como se pode ver na
figura 8.6.

Figura 8.6 – Distribuição de velocidade numa secção transversal

Embora se pudesse esperar que a velocidade pontual máxima se registasse num ponto da
superfície livre da água, medições rigorosas têm mostrado que ela se regista um pouco abaixo
da superfície livre, por causa da tensão tangencial criada pela resistência do ar ao escoamento.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-6

Assim, em cada vertical existe um perfil de velocidades como o da figura 8.7, em que a
velocidade cresce desde junto ao leito até um valor máximo próximo da superfície. O
aumento da velocidade é rápido junto ao leito e lento junto à superfície.
Teóricamente, para se obter a velocidade média em cada vertical teria de se traçar o perfil de
velocidades a partir da determinação das velocidades pontuais num certo número de pontos; e
obter o valor médio v. Como, no entanto, a determinação de cada velocidade pontual é um
processo trabalhoso e moroso, procurou-se minimizar esse trabalho, fazendo medições de
velocidade apenas em 1 ou 2 pontos em cada vertical.

Para isso, admite-se que o perfil de velocidades segue uma lei parabólica, hipótese que tem
uma base teórica e uma boa correspondência com os dados de observação.

y = b v2

v=a y

v max = a h max

2 2 3
Área = v max h max = ah max 2 = h max v
3 3
2 1 2
v = ah max 2 = v max
3 3
Figura 8.7 – Perfil de velocidades

Pode-se determinar o valor de y0 tal que


v( y 0 ) = v
2 4
a y 0 = a h max ⇒ y 0 = h max = 0.44hmax
3 9

Se se medir a velocidade a uma profundidade de (1-0.44) hmax = 0.56 hmax ≅ 0.6 hmax, o valor
obtido é igual à velocidade média.

Por vezes, opta-se por obter a velocidade média a partir das medições das velocidades em 2
pontos, a profundidade 0.2 hmax e 0.8 hmax.

Com efeito,

v (0.2 hmax ) = a 0.8 hmax = 0.894 a hmax

v (0.8 hmax ) = a 0.2 hmax = 0.447 a hmax

A média das duas velocidades é praticamente igual à velocidade média.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-7

A medição da velocidade pontual é feita com um aparelho chamado molinete. O molinete é


um instrumento provido duma hélice ou duma roda de copos cuja rotação é proporcional à
velocidade do escoamento, figura 8.8.

Figura 8.8 – Molinetes de hélices e de copos

Para medir a velocidade num certo ponto da secção transversal, basta colocar o molinete nesse
ponto e medir o número de rotações efectuado em certo tempo. Convém que o intervalo do
tempo não seja muito curto, nunca inferior a 1 minuto. A velocidade é dada por:

v = a + b·n

em que v – velocidade pontual, m/s


n – nº de rotações medido, rpm
a,b – parâmetros cujos valores são fornecidos pelo fabricante ou resultados do
processo de calibração.

Os parâmetros a, b devem ser periodicamente aferidos (p.ex, uma vez por ano) visto que o
próprio funcionamento em condições normalmente turbulentas de escoamento altera os seus
valores. Essa aferição exige uma estrutura de calibração onde se segue um processo inverso
do da medição: a velocidade é conhecida e os parâmetros a e b não são.

Para isso, é preciso dispôr dum bom canal de calibração de molinetes. Neste canal move-se
um carro cuja velocidade é rigorosamente controlada por equipamento electrónico. O
molinete a calibrar está solidário com o carro. A água no canal está parada pelo que a
velocidade medida pelo molinete é a velocidade do movimento do carro. O carro pode
deslocar-se a uma velocidade pré-fixada (normalmente entre 0.1 e 10 m/s). Fixando uma certa
velocidade, regista-se o número n de rpm dado pelo molinete; repete-se o processo para vários
valores de velocidade. Finalmente os parâmetros a e b são obtidos a partir da recta de
regressão linear simples de v sobre n.
Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-8

Um outro processo para medição da velocidade é a utilização de flutuadores. Como o próprio


nome indica, flutuador é qualquer objecto que flutua e que se desloca com a corrente. Este
processo de medição é pouco rigoroso e só se utiliza:

• para medições expeditas quando o rigor não é muito importante


• quando não se disponha dum molinete
• quando não haja condições para medir com molinete (p.exº durante uma cheia)

O flutuador mede a velocidade na superfície livre (y = hmax). Embora teoricamente se tenha


estabelecido que

2 2
v= v max ≅ v sup
3 3

toma-se na prática

v = 0.75v sup

visto vsup ser na realidade inferior a vmax devido à tensão tangencial criada pela resistência do
ar.

Para se fazer uma medição com flutuador, escolhem-se duas secções num troço recto do rio
ou canal e a uma distância L entre si; lança-se o flutuador a montante da primeira secção e
mede-se o tempo t que ele leva a percorrer a distância L. Ter-se-á então

L − L
vsup = e v = 0.75
t t

A medição de velocidades pode fazer-se

• a vau: este processo é bastante prático quando o escoamento se processa com pequenas
alturas e baixas velocidades, não devendo ser utilizado se a altura do escoamento for
superior a 1 metro
• de barco: este processo torna-se bastante mais moroso pela necessidade de posicionar o
barco na posição correcta para cada medição de velocidade pontual
• a partir de um teleférico: para secções largas e sujeitas a cheias de rios importantes pode
ser vantajosa a instalação dum teleférico do qual se suspende o molinete. Este processo é
expedito, preciso e funciona durante as cheias (o que não acontece com os dois métodos
anteriores) mas o investimento inicial necessário é alto.
• A partir duma ponte: as pontes são secções privilegiadas de medição, podendo esta ser
feita com rapidez e rigor mesmo durante cheias.

Durante as cheias o escoamento é fortemente turbulento pelo que convém medir a velocidade
em vários pontos em cada vertical de forma a que os perfis de velocidades fiquem bem
definidos.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-9

8.2.3 Método estrutural para a medição de caudal

O método estrutural para a medição de caudal toma esse nome porque assenta na utilização
duma estrutura hidráulica, como o descarregador duma barragem ou um canal Parshall, em
que há uma relação fixa entre altura e caudal, obtida teoricamente ou por modelo reduzido em
laboratório (p. exº o LEM obteve essa relação para o descarregador situado em Goba através
de ensaios em modelo reduzido). Além do canal Parshall e dos descarregadores de barragens e
açudes (descarregadores de soleira espessa) também se utilizam por vezes descarregadores de
soleira delgada, os quais são construídos especificamente para a medição de caudais.

Constituem condições para a utilização do método estrutural:

- que se disponha duma estrutura permanente e estável


- que a estrutura não modifique senão localmente as condições de escoamento
- que a estrutura tenha altura suficiente para não ser afectada pelas condições do
escoamento a jusante
- que a estrutura tenha uma forma adequada para permitir que as medições se façam
com boa precisão. Na figura 8.9, o descarregador triangular permite melhor precisão
que o rectangular na medição de caudais pequenos.

Figura 8.9 – Estruturas descarregadoras para medição de caudal

Como se disse atrás, o método estrutural utiliza a relação biunívoca entre caudal e altura do
escoamento através da estrutura para obter o caudal a partir duma simples medição da altura:
h → Q = f (h). A relação Q = f (h) pode ser estabelecida teoricamente para as estruturas com
formas estudadas e por via laboratorial, utilizando modelos reduzidos, nos outros casos.

Por exemplo, para um descarregador onde o escoamento se processa sem afogamento tem-se:

Q = μ B 2g h3 / 2

em que μ é o coeficiente de vazão, B o comprimento equivalente do descarregador e h a


altura de água acima da soleira lida a alguma distância (para montante) do descarregador. Nos
casos mais correntes, μ varia entre 0.40 e 0.55 o que faz com que μ√2g esteja entre 1.8 e 2.5.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-10

No caso dum canal Parshall, ter-se-ia

Q = (μ + η B) h ξ

O método estrutural apresenta algumas limitações:

- devido ao seu custo, só se instalam estruturas destinadas especificamente à medição


em secções relativamente apertadas o que exclui os troços terminais dos rios onde as
secções são habitualmente muito largas;
- os custos de instalação são elevados (construção da estrutura) em comparação com o
método da secção-velocidade, embora os custos de operação sejam mais baixos;
- frequentemente, a relação Q = f (h) deixa de ser válida durante as cheias (afogamento
do descarregador).

De qualquer forma, sempre que uma estrutura esteja disponível (como é o caso dos
descarregadores das barragens) ela deve ser aproveitada para a medição de caudais.

Em Moçambique, para além da utilização dos descarregadores das grandes barragens


(Pequenos Libombos, Corumana, Massingir, Cahora Bassa), foram montados descarregadores
para medição de caudais (p. exº em Goba e Movene) e canais Parshall (p. exº no rio Bobole,
próximo de Marracuene).

8.2.4 Método da diluição para a medição de caudal

O método da diluição tem uma utilização restrita e não tem sido aplicado em Moçambique.
Ele consiste na injecção dum caudal constante q duma solução muito concentrada dum
determinado produto químico (inexistente ou com pequena concentração na água em
condições naturais) numa secção a montante e na medição da concentração desse produto a
jusante, após se completar o processo de difusão.

O cálculo do caudal Q é feito considerando que a concentração inicial do produto químico era
ci, a concentração final medida a jusante era cf e co era a concentração natural do produto na
água.

Então, a equação da continuidade aplicada ao produto permite escrever.

ci − c f
q ci + Q co = (q + Q) c f → Q=q
c f − co

Isto implica que ci deve ser bastante alto para que cf seja claramente superior a co.

Os traçadores mais utilizados são o dicromado de potássio que é vermelho (a intensidade do


vermelho é proporcional à concentração); o cloreto de sódio; e elementos radioactivos

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-11

(luminóforos – as amostras de água recolhidas a montante e a jusante e sujeitas emitiem


radiação luminosa proporcional à concentração).

O método da diluição apresenta sérias limitações:

- ci tem de ser elevado o que implica bastantes custos (instalação de injecção, material)
- tem de se manter a injecção durante bastante tempo para garantir o estabelecimento de
regime permanente
- os traçadores utilizados apresentam impactos ambientais negativos (cor, radiação) e são
caros. Tal não é o caso do cloreto de sódio mas este tem a desvantagem de existir em
concentrações relativamente elevadas na água, dando resultados pouco precisos.

É possível aplicar o método sem se ter regime permanente mas tal obriga a aceitar hipóteses
sobre o processo de difusão, introduzindo uma fonte adicional de erro no cálculo do caudal.

8.2.5 Método dos ultra-sons para medição de caudal

O método dos ultra-sons permite determinar a velocidade (média) a uma dada profundidade y.
Fazendo essa determinação para diversos valores de y, o caudal é obtido somando os caudais
parciais obtidos através dos produtos das velocidades pelas respectivas áreas de influência.

Este método está ainda numa fase que se pode considerar experimental e a sua utilização
presente está limitada a canais artificiais com fundo horizontal, secção simétrica não erodível
e sem vegetação e num alinhamento rectilíneo. Tem custos elevados de investimento e de
O&M.

A velocidade da água a uma certa profundidade y é determinada a partir dos tempos de


propagação de impulsos sonoros através da água emitidos e recebidos por emissores e
reflectores de som colocados nas paredes do canal, figura 8.10.

Figura 8.10 – Medição de caudal com ultra-sons

Quando há escoamento, a velocidade de propagação do som na água no sentido de 1 para 2


difere da velocidade no sentido de 2 para 1. Designando por c a velocidade de propagação do
som na água parada, chega-se às seguintes expressões em função da composição de
velocidades:

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Escoamento Superficial 8-12

L L L ⎛1 1⎞
t1 = t2 = → V= ⎜⎜ − ⎟⎟
c + V cos θ c − V cos θ 2 cos θ ⎝ t1 t 2 ⎠

Este método nunca foi utilizado em Moçambique.

8.3 CURVA DE VAZÃO

O conhecimento das disponibilidades de recursos hídricos superficiais exige a determinação


diária do caudal que atravessa uma dada secção transversal dum rio. Em períodos em que o
caudal pode variar bastante ao longo dum dia, como acontece durante as cheias, torna-se
necessário dispôr de mais do que um registo diário do caudal, frequentemente requerendo-se
3, 4 ou mesmo 6 medições diárias.

Com a excepção do método estrutural (que, como se viu, está limitado às situações pouco
frequentes em que se dispõe duma estrutura descarregadora), os restantes métodos de medição
de caudal (secção-velocidade, diluição) exigem pessoal especializado a nível médio
(hidrometrista) e cada medição demora horas. Não é portanto viável medir diariamente
caudais nas muitas secções dos rios do país em que tal seria necessário.

Procura-se então estabelecer em cada secção de interesse uma relação entre o caudal Q que
passa na secção e a altura do escoamento h, relação que é, em certas condições, biunívoca.
Designa-se por curva de vazão a função Q (h) que permite obter o caudal a partir da
correspondente altura do escoamento. Note-se que a utilização do método estrutural exige o
estabelecimento da relação Q = Q (h).

Uma vez definida a curva de vazão, o problema da medição de caudal transforma-se num
problema bastante mais simples que é o da medição do nível da água do rio - medição que
pode ser feita por uma pessoa bastante menos qualificada que um hidrometrista. Mede-se
então diariamente (ou várias vezes por dia durante as cheias) o nível no rio, obtendo-se a
altura do escoamento; a função Q (h) determina os correspondentes valores de caudal.

8.3.1 Estabelecimento duma curva de vazão

O estabelecimento da curva de vazão numa dada secção dum rio é feito a partir duma série de
medições de caudal, feitas ao longo dum ano hidrológico. As medições devem ser executadas
em períodos onde se verifiquem diferentes alturas do escoamento, desde alturas muito
reduzidas em época de estiagem até alturas elevadas durante cheias, cobrindo assim uma
grande gama de caudais.

Ao conjunto de pares (Q, h) resultante dessas medições ajusta-se uma expressão geral do tipo

Q = a (h – ho)b

em que a, b – parâmetros de ajustamento

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-13

ho – leitura da escala hidrométrica que corresponde a caudal nulo, chamado zero da


escala

Esta função Q (h) de tipo exponencial corresponde bastante bem às observações de campo.

Os parâmetros a e b são obtidos com relativa facilidade por meio de regressão linear
trabalhando no espaço logarítmico.

ln Q = ln a + b ln (h-h0) que é a equação duma recta em espaço logarítmico.

Figura 8.11 – Estabelecimento de uma curva de vazão

Caso a secção de medição e o troço do rio imediatamente a montante e a jusante sejam


estáveis (não sofrendo processos de erosão e deposição de sedimentos) a mesma curva de
vazão pode manter-se válida para vários anos hidrológicos. No entanto, é preciso que se
façam medições de caudal em cada ano hidrológico que permitam verificar se a curva de
vazão ainda continua a ser válida.

Não é demais salientar a importância de se medirem caudais tão altos quanto possível e da
necessidade de rigor na execução das medições.

A utilização da curva de vazão para o cálculo de caudais a partir da medição de alturas de


escoamento não levanta nenhumas dificuldades quando essas alturas (e portanto os
correspondentes caudais) não excedem os máximos valores das medições utilizadas para
derivar a curva de vazão; no entanto, a extrapolação da curva de vazão para além dos valores
medidos (que é necessária nas situações de cheias) colocam algumas dificuldades.

8.3.2 Extrapolação da curva de vazão para caudais altos (cheias)

É muito difícil medir caudais durante cheias: a medição é perigosa por causa da grande altura
e velocidade do escoamento, além de dificuldades agravadas de acesso à secção de medição.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-14

A curva de vazão estabelecida para uma determinada gama de caudais não deve ser
extrapolada para um caudal muito superior ao máximo caudal medido, por um lado porque
podem verificar-se mudanças bruscas na forma da secção, figura 8.12; por outro, porque
haver grandes modificações na rugosidade do leito, sobretudo quando o escoamento ultravaza
o leito menor, figura 8.13.

Figura 8.12 – Mudança brusca de secção Figura 8.13 – Alteração da rugosidade

Diversas vias têm sido propostas para estender a curva de vazão para caudais e alturas
superiores aos máximos medidos. Apresentam-se de seguida algumas dessas vias.

1º Processo) Para o domínio da curva de vazão em que há medições de caudal, determinam-se


as funções U(h) e R(h). A conjunção destas duas curvas permite determinar a função U(R),
representada aproximadamente por uma recta em papel log-log.

Verifica-se que esta relação U(R) em papel log-log se mantém aproximadamente linear para
caudais altos.

Então, conhecido o nível h da cheia, pode-se determinar o correspondente raio hidráulico R, e


daí U = U(R) e Q = UA.

Infelizmente, a relação U(R) não se mantém linear no espaço logarítmico quando a secção
inclui a planície de inundação.

2º Processo) Consiste essencialmente em utilizar a fórmula de Manning- Strickler

Q = Ks A R2/3 J1/2

Neste processo aceita-se como aproximação suficiente que J = Jo. No caso de haver
inundação das margens, a secção é dividida em partes, obtendo-se uma rugosidade
equivalente neq. O valor de Ks é calibrado para os mais altos valores de Q medidos.

3º Processo) Consiste em estimar o caudal duma cheia real a partir das marcas deixadas pela
cheia em árvores, casas, etc. Tomam-se 2 secções distanciadas de pelo menos 75 vezes a

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-15

profundidade média do escoamento. A capacidade de vazão (“conveyance”) duma secção é


dada por

2 2
1
K = AR 3 = K s AR 3
n

utilizando-se neq em vez de n quando há inundação das margens.

O caudal da cheia é obtido pela seguinte expressão

h1 − h2
Q = K2
K 2 ⎡ ⎛ A2 ⎞ ⎤
2 2
K2
L+ ⎢1 − ⎜ ⎟ ⎥ (1 − r )
K1 2 gA22 ⎢ ⎜⎝ A1 ⎟⎠ ⎥
⎣ ⎦

sendo L a distância entre secções, r = 0 ou 0.5 conforme se tenha uma contracção ou uma
expansão do escoamento e hi, Ai, Ki são a altura do escoamento, a área e a capacidade de
vazão da secção i

4º Processo) Método de RIGGS – proposto em 1970, trata-se duma fórmula semi-empírica


obtida por regressão linear múltipla a partir de dados de inúmeras cheias em todo o Mundo.

O caudal é calculado através de.

log Q = 0.191 + 1.33 log A + 0.05 log Jw – 0.056 (log Jw)2

com Q – m3/s; A – m2; Jw – inclinação da superfície da água.

Assim, conhecido o nível atingido por uma cheia, é fácil obter A e Jw e daí o caudal máximo
da cheia.

8.3.3 Medição de alturas hidrométricas

Com o estabelecimento da curva de vazão, o problema da medição regular (diária ou mais


frequente) do caudal fica reduzido ao da medição em períodos correspondentes da altura do
escoamento ou altura hidrométrica.

A medição da altura hidrométrica num rio ou curso de água é feita habitualmente com recurso
a escalas. As escalas são réguas graduadas que se colocam por troços verticais, figura 8.14, de
forma a permitir uma fácil leitura do nível da água no rio, donde se obtém a altura do
escoamento (por subtracção do “zero” da escala). Por vezes, a escala é colocada inclinada
sobre a margem, alterando-se a graduação de forma a fazer-se uma leitura directa
considerando essa inclinação.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-16

Figura 8.14 – Escalas hidrométricas

Instalada a escala e determinado o seu “zero”, o leitor faz uma leitura diária a uma hora fixa e,
em período de cheias, várias leituras por dia.

Para se obter um registo contínuo de caudais, sobretudo durante as cheias, pode-se instalar em
secção de rios importantes um limnígrafo, aparelho que faz um registo contínuo de níveis,
figura 8.15

Figura 8.15 – Limnígrafo

Com o avanço da tecnologia e principalmente da electrónica digital, têm sido propostos


aparelhos registadores de nível, de funcionamento contínuo, baseados em medição da pressão.
Tais aparelhos estão mergulhados no fundo do leito e ligados por um cabo eléctrico a um
registador digital. A este registador está associado um barómetro para medição da pressão
atmosférica.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-17

Tem-se então
pleito = γh + patm

→ h = (pleito - patm) /γ

O registador digital armazena os valores de h (que ele próprio calcula) em intervalos de tempo
fixo, p. ex. 5 minutos. Os registos, sendo digitais, podem depois ser transferidos directamente
para computador, evitando o processo de transcrição que é sempre fonte de erros.

8.4 ESCOLHA DUMA ESTAÇÃO HIDROMÉTRICA

Designa-se por estação hidrométrica a instalação numa dada secção dum rio para se
proceder à medição de alturas do escoamento e caudais e onde, em princípio, ficará
estabelecida uma curva de vazão.

A escolha duma secção para implantar uma estação hidrométrica deve ser bastante criteriosa.
Em condições ideais, tal secção deve obedecer cumulativamente às seguintes condições:

a – deve situar-se na parte média dum troço rectilíneo do rio, com um comprimento
mínimo de 3 vezes a largura da secção e inclinação constante;
b – ser estável (sem erosão nem sedimentação acentuada);
c – não ser afectada por regolfo, marés, confluências;
d – não ter vegetação;
e – o escoamento deve processar-se num leito bem definido;
f – o local deve ser sempre acessível, mesmo com mau tempo e durante cheias;
g – deve haver possibilidade de recrutar localmente um observador/leitor.

Como é óbvio, estas características raramente se conjugam na totalidade. Por exemplo, é


frequente haver vegetação nos taludes da secção e o acesso nem sempre ser fácil (sobretudo se
se pensar nas áreas rurais de Moçambique).

8.5 ESTIMATIVA DE ESCOAMENTOS QUANDO NÃO HÁ MEDIÇÕES DE CAUDAL

É frequente a situação em que, sendo necessário conhecer os escoamentos numa determinada


secção dum rio, não existem medições de caudal ou elas são muito escassas.

Podem adoptar-se diversos processos para estimar esses escoamentos, de acordo com a
informação disponível. O problema coloca-se igualmente para preenchimento de falhas em
séries de registos de escoamento.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-18

8.5.1 Método da proporcionalidade das áreas

Por vezes, não se dispõe de dados de escoamento numa dada secção dum rio (onde, por
exemplo, se quer construir uma pequena barragem ou localizar uma toma de água) mas eles
existem numa outra secção do rio, não muito afastada, a montante ou jusante.

Nessas condições, poderá admitir-se que o caudal específico (caudal por unidade de área,
Q/A) é o mesmo nas duas secções.

Q1 Q A1
= 2 → Q1 = Q2
A1 A2 A2

Esta relação mostra-se válida quando as duas secções têm as mesmas características
fisiográficas e de precipitação. Se, por exemplo, a precipitação ponderada sobre as bacias das
secções 1 e 2 é bastante diferente, deverá modificar-se a expressão acima para entrar em conta
com esta variação:

Q1 Q2 A P1
= → Q1 = 1 Q2
A1 P1 A2 P2 A2 P2
Note-se que esta última expressão corresponde a considerar que o coeficiente de escoamento
é o mesmo nas duas bacias drenantes, entendendo-se como coeficiente de escoamento a
relação entre o volume precipitado e o volume escoado.

8.5.2 Escoamento afluentes a albufeiras

Os escoamentos afluentes a albufeiras são normalmente obtidos através do balanço hídrico da


albufeira. Em Moçambique, isso é feito nas barragens de Cahora Bassa, Chicamba, Pequenos
Libombos, Corumana e Massingir. Nestas duas últimas, é mesmo o processo mais expedito
visto que os regolfos das albufeiras atingem a fronteira com a África do Sul.

A equação geral do balanço hídrico em albufeiras é:

St+1 = St + IΔt - OΔt + PΔt - EΔt

em que

St – volume armazenado no instante t


Δt - intervalo de tempo entre t e t + 1
I – escoamento afluente durante Δt
O – descarga da barragem durante Δt
P – volume precipitado na albufeira durante Δt
E – volume evaporado da albufeira durante Δt

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-19

Nas albufeiras existem registos (diários) dos volumes armazenados (normalmente, registam-
se alturas de água na albufeira e transformam-se em volumes através da curva de volumes
armazenados); descargas (descargas de fundo, toma de água, circuito para central
hidroeléctrica, descarregador de cheias); precipitação e evaporação. A única incógnita da
equação do balanço hídrico é então, o escoamento afluente.

8.5.3 Estimativa de escoamentos utilizando a fórmula de Turc

A fórmula de Turc é uma fórmula semi-empírica que poderá ser utilizada caso não se
disponha de nenhumas medições de caudal na bacia em estudo.

A fórmula escreve-se:

DE = P – R

em que DE é o défice de escoamento, P a precipitação ponderada sobre a bacia drenante e R o


escoamento superficial na secção de referência da bacia, sendo todas as variáveis expressas
como alturas anuais, em mm.

Turc apresentou a seguinte expressão para o cálculo de DE:

P
DE =
P2
0.9 +
L2

em que L é o poder evaporante da atmosfera. Ainda segundo Turc:

L = 300 + 25T + 0.05 T3

onde T é a temperatura média anual na bacia, em oC.

Assim, a partir dos valores anuais de T e P, pode-se calcular facilmente L e DE e daí obter a
série de valores anuais de escoamento R.

Para se obter de forma expedita a série de escoamentos mensais a partir da série de


escoamentos anuais R, pode-se utilizar o seguinte processo:

• escolher uma bacia próxima (bacia B) com características fisiográficas e climáticas


similares e onde haja registos de escoamentos no período em causa da bacia em estudo
(bacia A);
• determinar na bacia B para cada ano a percentagem do escoamento anual que ocorre em
cada mês;
• utilizar essas mesmas percentagens na bacia A.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-20

8.5.4 Método do balanço hídrico sequencial

Em pequenas bacias hidrográficas, com relevo pouco acentuado e solos permeáveis com
grande capacidade de infiltração, pode-se utilizar-se o método do balanço hídrico sequencial,
proposto por Thornthwaite e Mather.

A equação do balanço hídrico num dado intervalo de tempo escreve-se:

P - ETe - ΔSs = R + ΔS + G + ΔSg

onde P é a precipitação, ETe é a evapotranspiração efectiva, ΔSs é a variação da quantidade de


água armazenada no solo, R é o escoamento superficial, ΔS é a variação da quantidade de
água armazenada à superfície, G é o escoamento subterrâneo e ΔSg é a variação da quantidade
de água do armazenamento subterrâneo.

Após um episódio de precipitação suficiente para saturar o solo, este começa a drenar. Depois
dum período de tempo suficientemente longo, a drenagem cessa e uma certa quantidade de
água permanece na camada superior do solo, sendo a acção da gravidade contrariada pelos
efeitos de capilaridade e absorção.

Designa-se por capacidade de campo, nr, a relação adimensional entre o volume de água vr
que fica retido contra a acção da gravidade e o volume total do solo vt.

vr
nr =
vt

Nas condições de capacidade de campo, a tensão da água no solo é relativamente baixa, da


ordem de 0.1 a 0.3 atmosferas. À medida que a quantidade de água armazenada diminui, a
tensão aumenta. Quando a tensão atinge o valor de aproximadamente 15 atmosferas, as
plantas já não conseguem criar sucção suficiente para retirar água do solo, atingindo-se o
ponto de emurchecimento, a partir do qual as plantas morrem.

O ponto de emurchecimento é caracterizado pelo parâmetro adimendional no que é a relação


entre o volume de água ainda existente no solo e o volume total de solo.

vo
no =
vt

A capacidade útil de armazenamento de água no solo é então definida pelo parâmetro


adimensional nu = nr - no . Se se multiplicar nu pela espessura da camada de solo, o valor vem
expresso como uma altura.

O método do balanço hídrico sequencial pressupõe o conhecimento dos valores de


precipitação P, da evapotranspiração potencial ETp e da capacidade útil nu, sendo normalente
aplicado numa base diária ou mensal.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-21

O método considera que, em cada intervalo de tempo, se pode registar um superavit hídrico,
SH, ou um défice hídrico, DH.

Haverá superavit hídrico se, nesse período, se tiver P ≥ ETp.

SH = P - (ETp + ΔSs ), sendo ΔSs ≥ o

Haverá défice hídrico num período se P < ETp.

DH = ETp - ETe = ETp - (P - ΔSs)

sendo, neste caso, ΔSs negativo.

Durante períodos com superavit hídrico (períodos húmidos),

ΔSs = P - ETp

até que Ss iguale nu, correspondendo ao limite superior da capacidade de armazenamento no


solo.

Nos períodos com défice hídrico (períodos secos), o solo vai perdendo água por
evapotranspiração. O método de Thornthwaite-Mather apresenta as seguintes equações:
L

S s = nu e nu

∑ [P ( j ) − ET ]
i
L(i ) = p ( j) L<0
j =1

L(i )

Δ S s = nu e nu
− S s (i − 1)
sendo i para o período em estudo e j os períodos secos anteriores.

O escoamento superficial R é determinado admitindo que o escoamento subterrâneo G é nulo


e a seguinte fórmula empírica:

Ri = 0.5 [ SHi + ( S + Sg)i-1 ]

O balanço hídrico sequencial deve começar a ser aplicado no fim do período de estiagem
quando se pode admitir que os armazenamentos de água são nulos.

O método tem como base a hipótese de que o “input” precipitação irá, em primeiro lugar,
satisfazer o consumo de evapotranspiração e o armazenamento de água no solo. Isso só é
válido quando se tem precipitações cuja intensidade não excede a capacidade de infiltração
nos solos, o que nem sempre acontece nos climas tropicais.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-22

8.6 PREENCHIMENTO DE FALHAS E EXTENSÃO DE SÉRIES DE ESCOAMENTO

Com bastante frequência, os registos de escoamento numa dada secção apresentam falhas.
Existem diversos métodos para se preencherem falhas, apresentando-se alguns de fácil
aplicação.

8.6.1 Regressão linear a partir de precipitações anuais

Nas bacias hidrográficas, a correlação entre a série de precipitações ponderadas anuais Pi e a


série dos escoamentos anuais virgens (i.e., não afectados por abstracções de água ou por
albufeiras de regularização) Ri é normalmente elevada.

Pode então estabelecer-se a equação de regressão de Ri sobre Pi para os anos em que não há
falhas:

R= a+bP

em que a, b são os parâmetros da regressão.

A equação pode depois ser utilizada para determinar os escoamentos anuais nos anos com
falhas a partir das precipitações anuais nesses anos.

Com os escoamentos anuais, pode-se fazer a estimação dos escoamentos mensais nos meses
com falhas, utilizando-se, por exemplo, para esses meses as percentagens do escoamento
anual correspondentes a um ano médio.

Como as séries de precipitação são, geralmente, mais extensas que as séries de escoamento, o
mesmo método pode ser usado para fazer a extensão das séries de escoamento. No entanto,
nesse caso a equação deve ser acrescida duma componente aleatória para que se mantenha a
variância da série de escoamentos.

8.6.2 Regressão linear a partir de outra série de escoamentos

Caso noutra bacia hidrográfica, com características fisiográficas e climáticas similares, se


disponha duma série de escoamentos sem falhas e mais longa, pode-se também fazer o
preenchimento de falhas e a extensão da série de escoamentos na bacia em estudo por
regressão linear a partir da série de escoamento da outra bacia.

RA = a + b RB

É necessário começar por verificar se o coeficiente de correlação entre as duas séries é


suficientemente alto para a regressão produzir resultados com significado.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-23

8.7 VALORES CARACTERÍSTICOS DE CAUDAL E ESCOAMENTO

8.7.1 Séries cronológicas de caudais e escoamento

Cada estação hidrométrica produz uma série cronológica de caudais, calculados por um dos
processos indicados anteriormente. A representação gráfica duma série cronológica de caudais
designa-se por hidrograma.

Poderá haver um valor diário, vários valores por dia ou um registo contínuo de limnigrafo.
Uma primeira série que se estabelece é a do caudal médio diário ou, simplesmente, caudal
diário. É uma série com 365N valores, sendo N o número de anos com medições.

A média dos caudais diários dum mês dá o caudal médio mensal ou, apenas, caudal mensal,
definindo-se assim a correspondente série cronológica, com 12N valores. A média dos
caudais diários dum ano hidrológico dá o caudal médio anual ou, só, caudal anual, permitindo
obter a respectiva série cronológica, com N valores.

Para além destas três séries cronológicas de caudais, há duas outras com interesse para as
aplicações de Hidrologia:

• caudal máximo anual


• caudal mínimo anual

ambas com N valores.

A partir dos registos de caudais, obtêm-se as séries cronológicas de escoamentos diários,


mensais e anuais. O escoamento diário é o volume correspondente ao caudal diário a escoar-
se durante 24 horas; o escoamento mensal é a soma dos escoamentos diários desse mês; e o
escoamento anual é a soma dos escoamentos mensais desse ano hidrológico.

As séries cronológicas de caudais e escoamentos ilustram bem a variabilidade natural dos


rios, reflectindo a influência do clima (regime de precipitação, evaporação e
evapotranspiração) e das características fisiográficas da bacia drenante (área, froma, relevo,
geologia, solos, vegetação).

Rios de bacias com grandes áreas ou com aquíferos importantes apresentam normalmente um
regime de escoamento mais regular que rios de bacias pequenas e não alimentados por água
subterrânea.

A figura 8.16 apresenta hidrogramas de escoamentos mensais de algumas estações


hidrométricas na bacia do rio Malema onde são bem visíveis as influências do regime de
precipitações (época húmida, época seca) e de características das bacias (altitude).

Neste exemplo, a altitude é um factor mais importante que a área da bacia visto que a
precipitação é, sobretudo, de origem orográfica: nas cabeceiras, zona de altitude elevada, a
precipitação anual média é de cerca de 2,000 mm ao passo que na bacia intermédia e no Baixo
Malema ela ronda os 900 mm.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-24

8.7.2 Curva de duração

Para além das séries cronológicas, um bom processo de caracterizar o regime de escoamento
dum rio é o de traçar a curva de duração dos caudais diários.

Dispondo-se duma série cronológica de N anos, ou seja, 365N valores de caudais diários, a
curva de duração obtém-se pelo seguinte processo:

• a série de caudais diários é ordenada por ordem decrescente, sendo Q1 o valor máximo
registado e Q365N o valor mínimo;
• para um caudal Qi o número médio de dias por ano em que esse caudal é igualado ou
excedido é i/N

Coutagne propôs uma expressão genérica para as curvas de duração:

365 − t n
Q t = Q 365 + (Q − Q 365 ) ( n + 1) (
)
365
sendo n um parâmetro de ajustamento e t o número médio de dias por ano em que Qt é
igualado ou excedido.

A figura 8.17 representa a curva de duração dos caudais médios diários do rio Mondego em
Coimbra em 1970-71 (extraído de Lencastre e Franco 1984), apresentando a forma
característica das curvas de duração que é uma exponencial negativa. Sobrepôs-se a curva
teórica de Coutagne.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-25

Figura 8.16 – Escoamentos mensais em estações hidrométricas na bacia do


rio Malema
Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-26

Figura 8.17 – Curva de duração de caudais diários do rio Mondego em Coimbra

8.7.3 Valores característicos

Dispondo das séries cronológicas e da curva de duração, é possível fazer análises estatísticas
que permitam determinar certos valores característicos que sintetizem os valores médios e a
variabilidade dos caudais e escoamentos.

Os valores característicos habitualmente mais requeridos são:

a) caudais diários médios (365 valores)


b) caudais mensais médios (12)
c) caudal anual médio (1)
d) escoamentos diários médios (365)
e) escoamentos mensais médios (12)
f) escoamento anual médio (1)
g) desvios padrão de b, c, e, f
h) caudal característico máximo = Q10 (da curva de duração)
i) caudal característico mediano = Q182.5 (idem)
j) caudal característico mínimo = Q355 (idem)

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-27

Atendendo à forma da curva de duração, o caudal anual médio é sempre superior ao caudal
característico mediano, sendo essa diferença tanto maior quanto mais irregular for o regime de
escoamento do rio.

8.8 HIDROGRAMA DO ESCOAMENTO SUPERFICIAL

8.8.1 Componentes

O caudal que se regista numa dada secção dum rio resulta de 4 componentes correspondentes
aos processos que, a partir da precipitação, conduzem a água até ao rio. Essas componentes
são:

• escoamento directo – resulta da precipitação útil sobre a bacia, cessa algum tempo após o
fim da precipitação:
• escoamento de base – resulta da alimentação do rio por água subterrânea, pode continuar
por longos períodos em que não há precipitação;
• escoamento intermédio ou sub-superficial – resultante da água que se escoa na camada
superficial do solo, cessa com pouco atraso em relação ao escoamento directo;
• escoamento resultante da precipitação sobre a rede hidrográfica – cessa rapidamente após
o fim da precipitação.

Na generalidade dos casos de bacias de média e grande dimensão, o escoamento intermédio


tem pouca importância. O mesmo acontece com a última componente se a bacia drenante não
tiver áreas importantes de lagos e pântanos.

Assim, em primeira análise, pode-se considerar que um hidrograma de caudais diários resulta
da sobreposição do escoamento directo com o escoamento de base.

Em períodos sem precipitação, em que o aquífero interceptado pelo rio não está a receber
recarga, o nível (em aquíferos freáticos) ou a carga (em aquíferos confinados) vai decrescendo
e, consequentemente, diminui o caudal com que o aquífero alimenta o rio. Este efeito é
traduzido por uma exponencial negativa do tipo

Qt = Q0 ⋅ e −αt

em que Qt é o caudal no instante t, Qo é o caudal no início do período considerado e α um


coeficiente característico do aquífero e da sua interacção com o rio. Esta equação é designada
como curva de esgotamento.

Aplicando logaritmos, esta equação escreve-se:

ln Qt = ln Qo - αt

ou seja, representa uma recta. Desta forma, se se traçar o hidrograma dos caudais em papel
semi-logarítmico, aqueles períodos em que apenas existe escoamento de base aparecem no
gráfico como troços rectos de inclinação - α , paralelas entre si.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-28

8.8.2 Separação das componentes do hidrograma

A separação das componentes principais dum hidrograma (escoamento directo e escoamento


de base) tem interesse, sobretudo, para o estudo de cheias, como se verá no capítulo dedicado
a esse tópico.

A figura 8.18 ilustra um processo relativamente expedito para se fazer essa separação das
componentes.

Figura 8.18 – Separação das componentes do hidrograma

O processo consiste em representar o hidrograma em papel semi-logarítmico o que permite


definir as curvas de esgotamento antes e após o escoamento directo. Estendendo para trás a
segunda curva de esgotamento (até ao ponto de inflexão da curva) e ligando à primeira curva
de esgotamento obtém-se o hidrograma do escoamento de base. Como o ponto de inflexão
está próximo da cessação do escoamento directo, não se comete um grande erro se se ligar as
duas curvas de esgotamento.

Conhecido o hidrograma do escoamento de base e desenhando-o no espaço normal, o


hidrograma do escoamento directo é obtido por diferença.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-29

8.8.3 Forma do hidrograma

O hidrograma resultante da precipitação numa bacia tem uma forma bastante característica,
representada na figura 8.19. É um hidrograma assimétrico, com assimetria positiva.

Figura 8.19 – Forma e características do hidrograma

O troço AB do hidrograma é designado como curva de crescimento, desde o ponto A, que


marca o início da subida do hidrograma, até o ponto B, que corresponde ao caudal de pico ou
caudal de ponta. O troço BD chama-se curva de decrescimento, sendo o ponto D o que
marca o fim do escoamento directo (C, ponto de inflexão) e do escoamento resultante da
precipitação sobre a rede hidrográfica. A partir de D, tem-se apenas escoamento de base,
pelo que o troço DE representa a curva de esgotamento.

tr é a duração da precipitação útil.


tl é o tempo de reposta (“time lag”), tempo que decorre entre o centro de gravidade da
precipitação útil e o pico do hidrograma.
tc é o tempo de concentração, tempo necessário para que a gota de água caída na secção
cinematicamente mais distante chegue à secção de saída. È uma característica importante da
bacia para o estudo de cheias.
te é o tempo de esvaziamento, normalmente pequeno, corresponde ao escoamnto do volume
armazenado na rede hidrográfica.
tp é o tempo para o pico, corresponde à curva de crescimento.
td é o tempo de decrescimento, corresponde à respectiva curva.
tb é o tempo base do hidrograma.

Da figura, tira-se imediatamente que


tr
tp = + tl
2

Manual de Hidrologia
tb = t p + td = tr + tc + te
Escoamento Superficial 8-30

Diversos factores influenciam a forma do hidrograma, sobretudo as características da


precipitação e da bacia drenante. A precipitação influi obviamente no caudal de ponta e
também na curva de crescimento, através da sua intensidade e duração, distribuição na bacia e
direcção da propagação da chuva.

Entre as características da bacia, têm particular importância a área, a forma da bacia, a rede
hidrográfica, o declive dos terrenos e das linhas de água, os armazenamentos naturais e
artificiais, a geologia, os solos e a cobertura superficial.

Os hidrogramas dos escoamentos podem sofrer modificações profundas por acção do


Homem, sobretudo através das abstracções de água, das albufeiras de regularização e da
alteração da cobertura superficial.

As abstracções de água para utilizações diversas afectam principalmente os caudais de


estiagem e alteram, portanto, as curvas de esgotamento.

As albufeiras de regularização alteram profundamente o regime de escoamento natural,


principalmente aumentando os caudais de estiagem e alterando-os para valores que procuram
atender às utilizações a jusante.

As alterações da cobertura superficial podem representar impactos muito significativos na


bacia. Merecem referência especial a floresta plantada, o abate das florestas naturais e a
urbanização.

A floresta plantada significa que, numa grande área da bacia, um certo coberto vegetal foi
substituído por outro. A floresta plantada vai dar origem a:

• maior intercepção da precipitação


• maior infiltração da água precipitada, maior recarga de aquíferos
• maior evapotranspiração, visto que habitualmente a floresta plantada é composta por
espécies de crescimento rápido como o eucalipto

Consequentemente, o escoamento directo diminui, reduzindo-se assim o caudal de ponta das


cheias de pequena e média dimensão. A irregularidade do escoamento diminui.

Por outro lado, a floresta faz com que a velocidade do escoamento laminar seja baixa,
diminuindo o seu potencial de erosão.

O abate das florestas naturais, que se vem processando a ritmos elevados em quase todos os
países do Terceiro Mundo (e Moçambique não é excepção), seja para utilização como
combustível doméstico seja para abertura de novas áreas agrícolas, tem os resultados opostos:
menor infiltração, menor recarga de aquíferos, maiores caudais de ponta nas pequenas e
médias cheias e, principalmente, maior facilidade de erosão.

A urbanização pode também ter um impacto forte quando abrange uma percentagem
significativa da área da bacia. A urbanização traduz-se pela transformação da cobertura
natural (vegetal), que permitia a infiltração e oferecia grande resistência ao escoamento

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-31

laminar (diminuindo-lhe a velocidade), por áreas impermeáveis, em que toda a precipitação se


transforma em escoamento directo, aumentando desta forma o caudal de ponta e o volume da
cheia, diminuindo o tempo de resposta e criando um grande potencial de erosão sempre que o
escoamento encontre zonas menos resistentes à erosão.

Estes efeitos – aumento do caudal de ponta, erosão – estão a tornar-se bem visíveis em
algumas das principais cidades de Moçambique como Maputo, Nampula, Nacala e Pemba.

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-32

EXERCÍCIOS

1. Numa secção transversal dum rio, fez-se o seu levantamento e mediram-se as velocidade
médias nas respectivas verticais, conforme se apresenta na tabela seguinte

x(m) 0 3 6 9 12 15 18 21 24 27 30 33 36
h(m) 0 0.3 0.7 1.0 1.4 2.1 2.4 3.0 1.6 1.5 1.4 0.6 0
v(m/s) 0.1 0.3 0.6 0.8 1.1 1.2 1.5 1.0 1.0 0.9 0.4

a) desenhe a secção transversal


b) calcule o caudal na secção, utilizando as 4 formulas propostas. Admitindo que a 1ª
aproximação dá a resposta correcta, determine os erros relativos das outras 3 fórmulas.

2. Admita que o perfil de velocidade numa vertical se ajusta a uma parábola do 3º grau.
Indique a que profundidade a velocidade pontual iguala a velocidade média.

3. A concentração natural de cloreto de sódio num rio era de 50mg/l. Supondo que o máximo
caudal injectável duma solução concentrada de cloreto de sódio era de 25 l/s, que cf devia ser
pelo menos igual a 2 co e que se pretendia medir caudais na ordem de 0.5 – 2 m3/s, qual seria
a concentração da solução a injectar?

4. Numa secção cujo zero da escala é ho 0.115 m, obtiveram-se ao longo dum ano hidrológico
os seguintes resultados de medições de caudal.

h (m) 0.272 0.303 0.334 0.393 0.402 0.463 0.548 0.580


Q(m3/s) 2.463 2.923 3.841 5.410 5.883 7.376 11.321 11.825

h (m) 0.626 0.739 0.796 1.041 1.526 2.010 3.265 3.340


Q(m3/s) 14.102 19.790 21.204 36.242 67.327 110.783 227.60 236.60

Obtenha uma expressão analítica para a curva de vazão.

5. Determine o caudal médio que entrou na barragem da Corumana num período de 24 horas
em que se registaram os seguintes dados:

• área da albufeira – 12 km2


• níveis no início e no fim do período – 105.2 m e 105.6 m
• precipitação – nula
• evaporação medida em tina classe A (USWB) – 6 mm
• descarga da barragem – 14 m3/s durante 16 horas

Manual de Hidrologia
Escoamento Superficial 8-33

6. Utilizando a fórmula de Turc, estime os escoamentos anuais na bacia do rio Infulene, na


região de Maputo, nos anos 1981/82 a 1984/85. As temperaturas anuais médias e as
precipitações anuais para os anos em causa podem ser obtidas no INAM.

7. Calcule os escoamentos mensais num dado ano numa pequena bacia hidrográfica,
utilizando o método do balanço hídrico sequencial (Thornthwaite-Mather), com os seguintes
dados:

nu = 100 mm

P (Out-Set): 87/105/142/132/95/132/76/79/38/13/18/48 mm

ETp (Out-Set): 62/29/18/22/34/68/96/135/146/169/142/91 mm

8. Numa pequena bacia hidrográfica, dispõe-se das seguintes séries de valores anuais de
precipitação ponderada e de escoamentos.

Ano 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
P (mm) 1,162 1,069 957 1,058 1,108 1,155 805 936 921 732
R (mm) - - - - - - - - 223 150

11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
858 1,094 1,027 1,139 1,298 972 1,212 1,354 876 965
234 272 291 240 197 217 - 312 205 182

a) utilizando os anos comuns, calcule o coeficiente de correlação e estabeleça a regressão


linear dos escoamentos sobre as precipitações.

b) utilize a regressão linear para preencher a falha da série de escoamentos (ano 17)

c) utilize a regressão linear para estender a série de escoamentos para os anos 1-8

d) calcule as médias e os desvios padrão da série de escoamentos antes e depois de estendê-


la. Comente os resultados.

9. Obtenha na DNA a série de caudais diários da estação E 400 (Namparro). Determine a


curva de duração e os correspondentes caudais característicos máximo, mediano e mínimo.

10. Compare qualitativamente os hidrogramas que se obteriam numa bacia hidrográfica se


uma chuva forte progredisse de montante para jusante ou de jusante para montante.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-1

9 CHEIAS
9.1 INTRODUÇÃO

Do ponto de vista da Hidrologia, considera-se que há uma cheia sempre que o caudal dum rio
extravasa o leito menor, onde corre normalmente, e inunda áreas mais ou menos extensas.

As cheias são uma das calamidades naturais que maiores prejuízos materiais e perda de vidas
humanas têm provocado em diversas regiões do Mundo. Moçambique tem sofrido bastante com
este fenómeno, ilustrado nos anos mais recentes com as grandes cheias dos rios Zambeze (1978),
Limpopo (1977, 1981, 1996, 2000), Incomati (1976, 1984, 1985, 1996, 2000), Umbelúzi (1984,
1996, 2000) e Maputo (1984). Naturalmente, tem-se dedicado grande atenção quer ao estudo do
próprio fenómeno quer às medidas que permitam minimizar os seus impactos negativos.

Existe uma variedade de medidas destinadas a esse fim as quais são habitualmente agrupadas em
medidas estruturais e medidas não estruturais.

Entre as primeiras incluem-se:

• as albufeiras que permitem encaixar uma parte do volume da cheia afluente, diminuindo os
caudais máximos para jusante;
• os diques de protecção de áreas inundáveis;
• a regularização fluvial, tendente a permitir que a um mesmo nível de água corresponda um
maior caudal escoado;
• a utilização de zonas de encaixe de cheias, áreas para onde parte do escoamento é dirigida e
cuja inundação não provoca danos materiais apreciáveis, reduzindo assim os caudais para
jusante.

Entre as medidas não estruturais podem citar-se:

• os sistemas de aviso cheias;


• o ordenamento físico das bacias hidrográficas, em particular o controle da ocupação dos
leitos de cheias, da cobertura vegetal e da conservação das linhas de drenagem.

Quer para o dimensionamento de obras hidráulicas de protecção contra cheias (caso de diques e
barragens) quer para o planeamento de medidas não estruturais torna-se necessário analisar a
distribuição de frequências dos caudais de cheias para se poder determinar um caudal de
dimensionamento. Definida essa distribuição de frequências, cada valor de caudal fica associado
a uma certa probabilidade de não excedência e, portanto, a um risco de que a estrutura
dimensionada com esse valor se revele insuficiente para cumprir a finalidade a que se destinava.

Há por isso, que adoptar valores bastante altos de probabilidades de não excedência que se
considerem socialmente aceitáveis. No entanto, quanto mais alto a probabilidade de não
excedência, maior será o valor do caudal e, portanto, mais cara será e estrutura. Torna-se, assim
necessário estabelecer um compromisso entre o desejo dum nível mais alto de segurança e o dum
custo dentro de limites aceitáveis.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-2

Os valores de probabilidade de não excedência normalmente adoptados são função da


possibilidade de haver ou não perda de vidas humanas e da importância dos prejuízos materiais.
Podendo haver risco para vidas humanas, é corrente adoptarem-se valores de probabilidade de
não excedência de 0.99 (em média, uma excedência em 100 anos, ou seja, um período de retorno
T = 100 anos) e superiores enquanto que, se isso não acontece, podem adoptar-se conforme os
casos valores que vão desde 0.80 (período de retorno T = 5 anos) a 0.98 (período de retorno T =
50 anos).

No caso de grandes barragens situadas a montante de zonas povoadas tomam-se geralmente


valores de 0.999 a 0.9999 (períodos de retorno T = 1,000 anos e T = 10,000 anos,
respectivamente) para definir os caudais de dimensionamento dos descarregadores de cheias. A
necessidade dum nível de segurança muito alto é particularmente sentida no caso de barragens de
terra onde um descarregador de cheias que se revelasse insuficiente para passar o caudal afluente
provocaria o galgamente da barragem com a sua consequente destruição, originando, devido à
água em armazenamento, uma cheia de proporções muito superiores à cheia original.

9.2 MÉTODOS DE CÁLCULO

Para o estudo hidrológico das cheias, é necessário determinar o caudal de pico da cheia, que é
o valor utilizado para o dimensionamento de muitas obras hidráulicas. Existem, no entanto,
situações em que não é suficiente conhecer apenas o caudal de pico mas também o
hidrograma da cheia, por exemplo, no estudo de propagação de cheias em albufeiras ou em
rios.

Diversos métodos de cálculo são utilizados para fazer essa determinação. Far-se-á aqui a
apresentação dos seguintes:

• fórmulas empíricas
• fórmulas cinemáticas
• métodos estatísticos
• método do hidrograma unitário

Não cabe no âmbito deste manual a apresentação de modelos mais complexos baseados na
simulação em computador das várias componentes do ciclo hidrológico – precipitação,
infiltração, evaporação e evapotranspiração, recarga de aquíferos, escoamento superficial e
escoamento de base.

9.3 FÓRMULAS EMPÍRICAS

Diversas fórmulas empíricas foram apresentadas para a estimação de caudais de cheias. Essas
fórmulas foram derivadas com base em experiências de determinadas regiões do globo pelo que
a sua aplicação a outras regiões deve ser feita com muita cautela.

9.3.1 Fórmulas de Pagliaro, Whistler e Iskowski

Duas dessas fórmulas são as de Pagliaro e de Whistler. A fórmula de Pagliaro escreve-se

Manual de Hidrologia
Cheias 9-3

⎛ 2900 ⎞
Q p = A⎜ ⎟ com Qp em m3/s e A em km2
⎝ 90 + A ⎠

A fórmula é válida para bacias com áreas inferiores a 1,000 km2. A fórmula de Whistler
escreve-se

⎛ 1538 ⎞
Q p = A⎜ 0.054 + ⎟
⎝ 259 + A ⎠

e é válida para bacias com áreas entre 1,000 e 12,000 km2.

Estas duas fórmulas associam o caudal de pico apenas à área da bacia. A fórmula de Iskowski
inclui, para além da área da bacia, também a precipitação anual média sobre a bacia.

Q p = KmPA

sendo P a precipitação anual expressa em m, A em km2, m um parâmetro função da área e K um


parâmetro função das características da bacia. A tabela 9.1, reproduzida de Lencastre e Franco
1984, apresenta os valores do parâmetro K a ser utilizado na fórmula.

Quanto aos valores de m, eles podem ser estimados a partir da tabela seguinte.

A(km2) 100 200 600 1000 2000 3000 4000 5000 10000
M 7.40 6.87 5.60 4.70 3.78 3.45 3.25 3.13 3.02

9.3.2 Fórmula de Francou-Rodier

Uma das fórmulas mais utilizadas na África Austral e, particularmente na África do Sul, é a

Manual de Hidrologia
Cheias 9-4

fórmula de Francou-Rodier, apresentada por estes investigadores em 1967 e baseada em mais de


1,000 caudais de pico registados por todo o mundo. A fórmula dá uma envolvente desses
máximos, correspondendo portanto a períodos de retorno muito elevados (T=10,000 anos).

A fórmula escreve-se

1− 0.1 K
⎛ A ⎞
Q p = 10 ⎜ 8 ⎟
6

⎝ 10 ⎠

em que Qp é expresso em m3/s, A em km2 e K é um coeficiente regional que varia entre 0 e 6.


Estudos realizados na África do Sul (Kovacs 1989) sugerem valores de K entre 2.8 e 5.6,
podendo esses valores ser utilizados igualmente para o Sul e Centro de Moçambique, figura 9.1.
Por outro lado, o valor proposto para as sub-bacias da bacia do Zambeze é de cerca de 3.

A fórmula de Francou-Rodier dá melhores resultados para bacias com áreas entre 300 e 10,000
km2, não devendo ser utilizada para bacias com menos de 100 km2.

9.4 FÓRMULAS CINEMÁTICAS

9.4.1 Determinação do tempo de concentração

As fórmulas cinemáticas entram em consideração com o processo do movimento da água na


bacia. Um dos parâmetros fundamentais para caracterizar esse processo é o tempo de
concentração, tc. Diversos processos têm sido propostos para se fazer a determinação de tc.

9.4.1.1 Método do Soil Conservation Service

O método proposto pelo SCS consiste em determinar o tempo total do escoamento da água
precipitada, considerando a fase do escoamento laminar e a do escoamento unidimensional em
linhas de água. A velocidade do escoamento laminar pode ser obtida por consulta dum gráfico
preparado pelo SCS, em que as variáveis são o declive do terreno e o tipo de cobertura vegetal
ou revestimento. A velocidade no escoamento unidimensional pode ser determinada usando a
fórmula de Manning-Strickler.

Trata-se dum processo bastante trabalhoso e que exige bastante informação para que da sua
aplicação se obtenham melhores resultados do que com outros processos de cálculo.

9.4.1.2 Fórmula de Giandotti

A fórmula de Giandotti escreve-se

4 A + 1.5L
tc =
0.8 H

Manual de Hidrologia
Cheias 9-5

Figura 9.1 – Valores de K da fórmula de Franco-Rodier na África do Sul

Manual de Hidrologia
Cheias 9-6

em que tc vem expresso em horas, A em km2, L é o comprimento da principal linha de água da


bacia em km, e H é a altura média da bacia em m. A fórmula de Giandotti só deve ser usada para
bacias com áreas superiores a 500 km2.

9.4.1.3 Fórmula de Kirpich

A fórmula de Kirpich escreve-se

L1.155
t c = 0.95
Δh 0.385

com tc em horas, L em km, e Δh (diferença de cotas entre as extremidades do rio principal) em m.

9.4.2 Fórmula Racional

Contrariamente a muitas outras fórmulas utilizadas, a fórmula Racional é dimensionalmente


homogénea, escrevendo-se

Qp = c i A

em que Qp é o caudal de pico, c é um coeficiente, i é a intensidade média de precipitação com


duração igual ao tempo de concentração e período de retorno desejado, e A é a área da bacia.

A fórmula Racional dá bons resultados para pequenas bacias onde é admissível que a
precipitação intensa atinja simultaneamente toda a bacia.

Na África do Sul, a fórmula Racional é aplicada a uma gama muito extensa, desde pequenas
bacias urbanas até bacias com áreas de 5,000 km2, considerado o limite superior de aplicação
deste método. O coeficiente c é uma função de diversos factores. O DWAF da África do Sul
considera os seguintes aspectos na determinação do valor de c:

a) para áreas urbanas

- em áreas relvadas
- arenosas, declive < 2% 0.05 – 0.10
- arenosas, declive > 7% 0.15 – 0.20
- solos pesados, declive < 2% 0.13 – 0.17
- solos pesados, declive > 7% 0.25 – 0.35
- em áreas residenciais com moradias 0.30 – 0.50
- em áreas residenciais com prédios 0.50 – 0.70
- em áreas industriais 0.50 – 0.90
- em áreas de comércio concentrado 0.70 – 0.95
- em áreas de comércio disperso 0.50 – 0.70
- em ruas e avenidas 0.70 – 0.95

Manual de Hidrologia
Cheias 9-7

b) para bacias em áreas não urbanizadas (rurais)

Precipitação anual média (mm)


Componente Categoria
<600 600 – 900 >900
<3% 0.01 0.03 0.05
Declive dos 3 – 10% 0.06 0.08 0.11
terrenos 10 – 30% 0.12 0.16 0.20
cy 30 – 50% 0.22 0.26 0.30
>50% 0.26 0.30 0.34
muito permeável 0.03 0.04 0.05
Permeabilidade
permeável 0.06 0.08 0.10
dos solos
pouco permeável 0.12 0.15 0.20
cp
impermeável 0.21 0.26 0.30
floresta, mata densa 0.03 0.04 0.05
Coberto vegetal área cultivada 0.07 0.11 0.15
cv pastos 0.17 0.21 0.25
solo nu 0.26 0.28 0.30

O DWAF recomenda que, em zonas de floresta, se considere o solo como muito permeável. O
valor de c é a soma de cy, cp, e cv.
c) efeito do período de retorno
Quanto maior for o período de retorno considerado, tanto maior tenderá a ser o valor de c, devido
à saturação dos solos e à maior velocidade do escoamento. Para tomar esse efeito em conta, o
DWAF propõe ajustar o valor de c para áreas rurais multiplicando o coeficiente por um factor fT
inferior à unidade.

Período de retorno (anos) fT


2 0.50
5 0.55
10 0.60
20 0.67
50 0.83
100 1.00

Para áreas urbanas, considera-se que o valor de c para períodos de retorno iguais ou superiores a
50 anos é igual a 1.
Quando uma bacia inclua áreas urbanas e rurais, o DWAF diz que o valor de c se obtém
ponderando os valores de curb e de crur tomando como pesos as respectivas áreas relativas.

9.4.3 Fórmula de Giandotti


A fórmula de Giandotti é muito utilizada, sendo até por vezes incluída em regulamentos de
países diversos. A fórmula escreve-se

Manual de Hidrologia
Cheias 9-8

λAh
Qp =
tc
em que Qp é dado em m3/s, A em km2, h é a altura de precipitação em mm correspondente a uma
duração igual à do tempo de concentração e para um período de retorno T, tc é o tempo de
concentração em horas, e λ é um parâmetro função da área da bacia.

Área da bacia km2 300-500 500-1,000 1,000-8,000 8,000-20,000


λ 0.277 0.197 0.100 0.076

9.4.4 Método do Soil Conservation Service


O SCS propôs a seguinte fórmula
0.277 KAhu
Qp =
tp

com Qp em m3/s, A em km2, hu (precipitação útil) em mm, tp (tempo para o pico) em horas. K é
um factor de ponta que assume os valores de 0.5 para bacias muito planas, 0.75 para bacias com
declive médio e 1 para bacias com declive forte.

A altura útil, hu, é calculada pela seguinte expressão

hu =
(h − h0 )2
h + 4h0
em que h0 corresponde às perdas iniciais (por infiltração e armazenamento superficial) antes de
se iniciar o escoamento superficial laminar. Para o cálculo de h0, o SCS apresenta a seguinte
fórmula
5080
h0 = − 50.8
N

N é o chamado número do escoamento. O valor de N a ser utilizado em cada caso pode ser
obtido a partir da tabela 9.2 extraída de Lencastre e Franco 1984. N depende das características
da bacia e também do estado de humedecimento do solo anteriormente à chuvada.

Quando h for inferior a h0, a precipitação útil hu é nula.

O cálculo do tempo para o pico, tp, é feito da seguinte maneira:

t p = 0.5t r + 0.6t c

h0
tr = t −
h/t
em que tr é a duração da chuvada útil.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-9

Manual de Hidrologia
Cheias 9-10

9.5 MÉTODOS ESTATÍSTICOS

9.5.1 Metodologia

Um dos processos mais utilizados para o cálculo de caudais de dimensionamento associados a


uma certa probabilidade de não excedência é a aplicação de modelos de distribuição de
extremos a séries de caudais instantâneos máximos anuais.

Normalmente, as séries disponíveis, obtidas a partir de registos de observação, têm durações


bastante inferiores aos períodos de retorno pretendidos, não permitindo uma estimação directa do
valor do caudal pretendido. Por exemplo, em Moçambique é difícil arranjar séries com mais de
35 anos.

A sequência de cálculo que se adopta é então a seguinte:

- selecção dum modelo de distribuição de extremos de entre as distribuições teóricas;


- especificação do modelo a partir da amostra;
- avaliação do modelo;
- utilização do modelo para a previsão de caudais de cheia.

Estes passos de cálculo irão ser vistos mais em pormenor na sequência do presente capítulo.

9.5.2 Testes de aleatoriedade

Na análise admite-se que a série de caudais instantâneos máximos anuais constitui uma amostra
aleatória, isto é, que os elementos da série são independentes e têm a mesma distribuição de
probabilidades. Com efeito, geralmente os factores naturais que determinam a ocorrência dos
caudais instantâneos máximos anuais podem ser considerados independentes, nos diferentes anos
hidrológicos. No entanto, esta situação pode ser alterada quer devido a modificações nas
condições físicas das bacias hidrográficas (p.ex. pelo desenvolvimento de actividades humanas
como a urbanização, agricultura intensiva, deflorestação, etc.) quer devido a modificações
relacionadas com o sistema de medição dos caudais (p.ex. mudança do equipamento ou do local
da medição) ou outras.

A aleatoriedade das séries de registos não pode ser provada mas a hipótese de aleatoriedade pode
ser rejeitada se a série mostrar desvios sistemáticos tais como:

- persistência no tempo: os elementos da série não são independentes;


- os elementos da série não tem todos a mesma distribuição;
- efeito de tendência: os elementos da série parecem ir aumentando (ou diminuindo) com o
tempo.

Para analisar a aleatoriedade duma série utilizam-se diversos testes estatísticos dos quais se irão
referir apenas os seguintes:

Manual de Hidrologia
Cheias 9-11

- testes do coeficiente de autocorrelação;


- teste de Wald-Wolfowitz;
- teste da ordenação.

9.5.2.1 Teste do coeficiente de autocorrelação

O teste do coeficiente de autocorrelação procura identificar a existência de persistência no


tempo, i.e., se o valor xi+1 da série X é independente do valor de xi. A persistência pode ser
detectada através do coeficiente de autocorrelação de ordem 1, r1, dado pela seguinte equação:

∑ ( x - x )( x
i=1
i i+1 - x)
N
r1 = N
*
N -1
∑( x - x )
2
i
i=1

Passando de r1, para a variável transformada Z:

1 (1 + r1 )
Z = ln
2 (1 - r1 )

A distribuição da varável Z é aproximadamente Normal com média nula e variância 1/N. Se


⎮Z⎮ tiver um valor elevado, tal significa que existe uma autocorrelação linear significativa na
série X. A hipótese de independência no tempo pode ser rejeitada para um nível de confiança de
95% se ⎮Z⎮> 1,96 / √N.

9.5.2.2 Teste de Wald-Wolfowitz

O teste de Wald-Wolfowitz verifica-se os elementos da série X têm todos a mesma distribuição,


constituindo um teste geral de homogeneidade da série.

Considere-se a série Y obtida por ordenação da série X e considere-se a série X dividida em duas
subsérie X1 e X2, em que X1 contem a primeira metade da série X, e X2 a segunda metade.
Considere-se agora a série Z definida da seguinte maneira (i = 1, 2, ....., N):

zi = 1 se yi é um elemento de X1
zi = 2 se yi é um elemento de X2

A estatística do teste é R = número de vezes em que zi+1 ≠ zi. Se a série X for homogénea, os
sucessivos elementos de Y estarão bem repartidos pelas subséries X1 e X2 e o valor de R será
médio.

Se a série X não for homogénea, os elementos sucessivos de Y aparecerão concentrados numa


das subséries X1 ou X2 (dando um valor de R baixo) ou com uma dispersão excessiva pelas duas
subséries (dando um valor de R alto). O quadro que se apresenta corresponde a um nível de
confiança de 95% e dá os valores limite de R em função do número de valores N da série X.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-12

N 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35
Rinf. 6 6 7 8 9 10 11 11 12 13 13
Rsup. 12 13 14 15 16 17 18 20 21 22 24

Sempre que o valor de R não steja entre os limites definidos neste quadro pode rejeitar-se a
hipótese de homogeneidade da série X com um nível de confiança de 95%.

9.5.2.3 Teste de ordenação

O teste da ordenação procura detectar a presença dum efeito de tendência na série X.

Considere-se a série ordenada Y e defina-se o índice de posicionamento Ki da variável xi na série


Y como sendo o número de elementos de X não superiores a xi. Se se verificar a presença duma
correlação significativa entre o índice de posicionamento Ki e o índice cronológico i isso indica a
existência dum efeito de tendência na série X.

A estatística de teste é o coeficiente de correlação de Spearman:


N
6 ∑ ( K i − i )2
i=1
RT = 1 -
( N 3 − N)

Um valor alto de RT indica a existência dum efeito de tendência. Para o teste, utiliza-se uma
transformação de RT:

1
⎛ N −2 ⎞2
Z = RT ⎜⎜ 2


⎝ 1 − RT ⎠

Z segue uma distribuição de Student com N-2 graus de liberdade. O quadro seguinte dá valores
limite superiores para ⎮Z⎮ para diversos valores de N, considerando um nível de confiança de
95%.

N-2 10 15 20 25 30
Zsup. 2.228 2.131 2.086 2.060 2.042

Quando a hipótese de aleatoriedade fôr rejeitada em mais do que um dos testes pode-se
considerar que a série não é aleatória ao nível de confiança de 95% e não pode ser utilizada para
se fazer o ajustamento a uma distribuição de extremos.

No entanto, pode ser possível através duma análise mais profunda da série determinar as causas
da não aleatoriedade e, a partir daí, transformar por meio duma modificação adequada a série
dada numa outra, aleatória. Poderá então utilizar-se a série transformada para se fazer o
ajustamento a uma distribuição de extremos.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-13

9.5.3 Distribuições teóricas

Os modelos teóricos de distribuições de extremos a que se procura ajustar as séries de caudais


máximos anuais devem, por um lado, ser compatíveis com as condicões físicas que determinam
as cheias e, por outro lado, reproduzir as caracteristicas genéricas das funcões de distribuição
empíricas dessas séries. As características mais importantes a considerar são, do ponto de vista
físico, a continuidade e o limite inferior não negativo; do ponto de vista das funções de
distribuição empíricas das séries, a assimetria positiva e a unicidade da moda.

De entre o grande número de modelos de distribuições de probabilidades teóricas, alguns são


habitualmente mais utilizados para ajustamento às séries de caudais de cheias, satisfazendo na
generalidade as características referidas no parágrafo anterior:

c) distribuições derivadas a partir da distribuição Normal;


d) distribuição de Gumbel;
e) distribuições baseadas na função Gama.

A distribuição Normal ou de Gauss é a distribuição mais conhecida e estudada em Estatística.


Apresenta, no entanto, dificuldades para a utilização em estudos de cheias devido a não ter limite
inferior e, mais importante do ponto de vista prático, ter assimetria nula. Para resolver estas
dificuldades, utilizam-se distribuicões derivadas a partir da distribuição Normal:

- distribuição Log-Normal de 2 parâmetros (Lei de Galton), que corresponde a ajustar uma


distribuição Normal aos logaritmos dos valores da série;
- distribuição Log-Normal de 3 parâmetros, semelhante à anterior mas introduzindo um
terceiro parâmetro correspondente ao limite inferior da série.

A distribuição de Gumbel é um caso particular da distribuição de Fisher-Tippett generalizada


(trata-se da distribuição de extremos de Fisher-Tippett tipo 1). A distribuição de Gumbel tem
sido muito utilizada até devido à sua relativa simplicidade matemática.

As distribuições baseadas na função Gama são assimétricas e mostram grande flexibilidade no


ajustamento às séries de caudais máximos anuais. As mais utilizadas são:

- distribuição Gama de 2 parâmetros;


- distribuição de Pearson tipo 3, obtida da anterior por introdução dum terceiro parâmetro,
sendo um parâmetro de localização;
- distribuição Log-Pearson tipo 3 – corresponde a ajustar a distribuição de Pearson tipo 3 aos
logaritmos dos caudais.

Embora tenham sido apresentados muitos argumentos teóricos em favor de cada uma destas
distribuições, todos se baseiam em premissas que são violadas nas aplicacões. Assim, tem-se
adoptado uma atitude mais pragmática de aceitar todas estas distribuições como modelos
possíveis, fazer a especificação do modelo e posteriormente a sua avaliação estatística.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-14

9.5.4 Especificação de modelos

9.5.4.1 Métodos para a especificação de modelos

A especificação ou ajustamento do modelo de distribuição de extremos consiste na estimação


dos respectivos parâmetros a partir da informação contida na série de caudais instantâneos
máximos anuais. Os métodos mais correntes para a estimação dos parâmetros são

- o método dos momentos;


- o método da máxima verosimilhança;
- o método dos mínimos quadrados.

f) Método dos momentos

A estimação pelo método dos momentos é a mais simples de se fazer e consiste em seleccionar
os valores dos m parâmetros da distribuição por forma a que os primeiros m momentos da
distribuição (ou suas transformações) sejam iguais aos correspondentes momentos ou
transformações da amostra. Normalmente, pretende-se que a média a e variância (e o coeficiente
de assimetria, no caso de distribuições com 3 parâmetros) da distribuição e da amostra sejam
iguais.

g) Método da máxima verosimilhança

O método da máxima verosimilhança consiste em estimar os parâmetros da distribuição por


forma a maximizar a função de verosimilhança L(θ⎮x), definida por:
N
L( θ | x) = ∏ f( xi | θ )
i=1

em que f(x⎮θ) é a função de densidade da probabilidade de x com parâmetros θ. Com efeito, a


probabilidade de se obter um valor no intervalo [xi-dx/2; xi+dx/2] é proporcional a f (xi⎮θ) e a
probabilidade conjunto de se obterem n valores xi, x2,... xn é proporcional ao produto:
N

∏ f( x | θ )
i=1
i

que é a função de verosimilhança. A estimação dos parâmetros faz-se tomando derivadas parciais
da função de verosimilhança ou da sua transformação logarítmica em relação a cada um dos
parâmetros e igualando a zero o que dá um número de equações igual ao número de parâmetros.

h) Método dos mínimos quadrados

O método dos mínimos quadrados consiste em estimar os parâmetros da distribuição por forma
a minimizar a soma S dos quadrados dos desvios entre as probabilidades empíricas, Yi, e as
probabilidades teóricas indicadas pelo modelo F(xi⎮θ):
N
S = ∑ [ Y i - F( xi |θ ) ] 2
i=1

Manual de Hidrologia
Cheias 9-15

A estimação dos parâmetros faz-se tomando derivadas parciais de S em relação a cada um dos
parâmetros e igualando a zero.

Embora geralmente a estimação pelo método da máxima verosimilhança seja a mais eficiente, a
derivação dos estimadores é morosa e frequentemente torna-se necessário recorrer a processos
iterativos para a sua determinação.

O método dos momentos conduz a bons resultados quando a amostra tem uma grande dimensão
mas em pequenas amostras os erros de amostragem originam estimadores de fraca qualidade,
particularmente para distribuições de mais de 2 parâmetros.

Feitas estas reservas, ir-se-á utilizar no que se segue apenas o método dos momentos para a
estimação dos parâmetros.

9.5.4.2 Distribuição Log-Normal de 2 parâmetros (LN2)

Diz-se que uma variável se ajusta a uma distribuição Log-Normal de 2 parâmetros ou Lei de
Galton quando é possível ajustar uma distribuição Normal à transformação logarímica dessa
variável.

A distribuição Normal tem a seguinte expressão:

z
1 z2
F(z) = ∫ e 2 dz - ∞ < z < +∞
-

-∞ 2π

em que z é a variável normal reduzida, com média nula e variância unitária. Definida desta
maneira, a distribuição Normal é padronizada e não tem parâmetros.

Se x é uma variável normal com média μx e desvio padrão σx, a função de distribuição terá 2
parâmetros (μx e σx):

x
1 1 x-μ x
2

F(x) = ∫ e
- (
2 σx
)
dx - ∞ < x < +∞
- ∞ σ x 2π

que se poderia ter obtido da distribuição de z pela transformação de padronização:

x - μx
z=
σx

A função de distribuição Normal não pode ser integrada analíticamente, razão porque se utilizam
aproximações numéricas (alternativa bastante conveniente para o cálculo em computador) ou
tabelas de valores da distribuição padronizada como a que se reproduziu no capítulo 3 deste
manual.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-16

Se x ajustar a uma distribuição LN2 isso significa que y = ln(x) se ajusta a uma distribuição
Normal. O domínio da variável x será 0 < x < +∞, ie, x é sempre positivo. Por outro lado, a
distribuição LN2 tem assimetria positiva. A função de distribuição LN2 é:

x 2
1 1 ln (x)- μ y
F(x) = ∫ e
- (
2 σy
)
dx - 0 < x < +∞
0 x σ y 2π

tendo como parâmetros μy e σy:


2
σy
μ y = ln( μ x ) -
2
2
σx 1
σ y = [ ln(1 + 2 ) ] 2
μx

Obtidos os parâmetros estatísticos da amostra, μx e σx, obtêm-se os parâmetros da transformada


logarítmica y, μy e σy, com os quais se trabalha facilmente no espaço normal utilizando a variável
normal reduzida z.

Tendo apenas 2 parâmetros a distribuição LN2 permite o ajustamento a uma variável com dadas
média e variância e com assimetria positiva mas não permite garantir que a assimetria da
distribuição iguale a assimetria da variável. O coeficiente de assimetria da distribuição LN2 é
obtido em função do coeficiente de variáção de x, cv:

γ = Cv3 + 3 Cv

9.5.4.3 Distribuição Log-Normal de 3 parâmetros (LN3)

Diz-se que uma variável se ajusta a uma distribuição Log-Normal de 3 parâmetros quando é
possível ajustar uma distribuição Normal à variável transformada y:

y = ln (x – x0)

A distribuição LN3 permite normalmente uma maior flexibilidade no ajustamento graças à


introdução do parâmetro adicional x0. O dominio da variável x será x0 < x < +∞. O ajustamento à
distribuição LN3 apenas é possível quando x tem assimetria positiva. A função de distribuição
LN3 é:
x
1 1 ln (x - x 0 )- μ y 2
F(x) = ∫ - (
e 2 σy
)
dx x0 < x < +∞
x0
(x - x0 σ y
) 2π

Sendo os três parâmetros x0, μy e σy calculados através de:

1
- γ + ( γ 2x + 4 )2
G= x
2

Manual de Hidrologia
Cheias 9-17

2
1 - G3
C= 1
G3
1
σ y = [ ln(1 + C 2 ) ] 2
σ2
μ y = ln( σ x ) - y
C 2
σx
x0 = μ x -
C

Os 3 parâmetros permitem garantir a igualdade da média, variância e coeficiente de assimetria da


amostra e da distribuição.

Obtidos os parâmetros estatísticos da amostra, μx, σx e γx, obtêm-se os parâmetros da distribuição


LN3, x0, μy, σy, a partir dos quais se trabalha fácilmente no espaço Normal utilizando a variável
normal reduzida z. Com efeito, neste caso

y - μy ln(x - x0 ) - μ y
z= =
σy σy

Se, por exemplo, se pretender obter o valor de x correspondente a determinado período de


retorno T, basta calcular:

F = 1 – 1/T
z = z(F)
y = z σy + μy
x = ey + x0

Se, ao invés, se quiser determinar o período de retorno T que corresponde a certo caudal x, basta
seguir o caminho inverso:

y = ln(x-x0)
z = (y-μy)/σy
F = F(z)
T = 1/(1-F)

Óbviamente, os mesmos procedimentos aplicam-se à distribuição LN2.

9.5.4.4 Distribuição de Gumbel

A distribuição de Gumbel tem a seguinte expressão:


− a ( x − x0 )
F(x) = e-e -∞< x<∞

sendo, portanto, uma distribuição com apenas 2 parâmetros.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-18

Os parâmetros a e x0 podem ser estimados pelo método dos momentos pelas seguinte expressões:

a = π/(√6*σx) = 1,2825/σx

x0 = μx – 0,57721/a = μx – 0,4500σx

O ajustamente iguala a média e a variância da distribuição às da amostra mas não permite impôr
um dado valor do coeficiente de assimetria. Este é constante para o caso da distribuição de
Gumbel:

γ = 1,29857

Para se determinar o caudal correspondente a um deteminado período de retorno T basta inverter


a expressão da função de distribuição de Gumbel:

ln [- ln(F)]
X =- + x0
a

O calculo da probabilidade de não excedência, F(x), (ou do correspondente período de retorno T)


para um dado valor de caudal x faz-se substituindo o valor de x na expressão da função de
distribuição.

9.5.4.5 Distribuição Gama de 2 parâmetros

A distribuição Gama de 2 parâmetros (G2) tem a seguinte expressão:


x x
β -1 -
F(x) = ∫ β -1x e
α
dx 0< x<∞
0 α | α | Γ( β )

sendo α e β os seus parâmetros e Γ(β) a função gama definida por:



Γ( β ) = ∫ t β -1 e −t dt
0

a qual é dada em tabelas ou pode ser obtida por um método de aproximação numérica.

Os parâmetros da distribuição G2 são estimados pelo método dos momentos igualando a média e
a variância da distribuição às da amostra, chegando-se às seguintes expressões:
2
α=σx
μx
2
μ μ
β = x2 = x
σx α

O coeficiente de assimetria da distribuição não pode ser ajustado ao da amostra, tomando um


valor sempre positivo.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-19

2
γ=
β

A complexidade da expressão matemática da função de distribuição G2 leva a utilizar-se uma


transformação para passar duma variável gama para uma variável normal, trabalhando depois no
espaço normal. Essa transformação é a transformação de Wilson-Hilferty:

1 1 3
x = αβ (1 - +z )
9β 9β

em que x é a variável gama e z a variável normal reduzida de igual probabilidade. Note-se que a
transformação de Wilson-Hilferty só se mantem válida para γ ≤ 3, devendo usar-se a
transformação de Kirby para valores de γ superiores a 3.

Desta forma, para se calcular o caudal x correspondente a um determinado período de retorno T


e probabilidade de não excedência F(x), basta determinar:

- z = z(F) na tabela da distribuição Normal;


- substituir z na expressão da transformação de Wilson-Hilferty.

O problema oposto de determinar a probabilidade ou o período de retorno correspondente a um


caudal x exige a inversão da transformação de Wilson-Hilferty:

x 1 1
( )3 - 1 +
αβ 9β
z=
1

donde se obtem imediatamente F = F(z).

9.5.4.6 Distribuição de Pearson tipo 3

A distribuição de Pearson tipo 3 pode obter-se a partir da distribuição G2, através da introdução
dum parâmetro adicional de localização, x0:
x - x0
(x - x0 )β -1 e- α
x
F(x) = ∫ β -1 dx x0 < x < ∞
0 α
| α | Γ( β )

Os três parâmetros da distribuição são então α, β e x0. A sua estimação pelo método dos
momentos faz-se igualando a média, a variância e o coeficiente de assimetria da distribuição aos
correspondentes valores da amostra, através das seguintes expressões:

γx
α=σx
2

Manual de Hidrologia
Cheias 9-20

4
β= 2
γx
2σ x
x0 = μ x -
γx

Também para a distribuição de Pearson tipo 3 se torna mais simples trabalhar no espaço normal
através da transformação de Wilson-Hilferty (ou, no caso de γ > 3, através da transformação de
Kirby). A transformação de Wilson-Hilferty é neste caso:

3
⎛ 1 1 ⎞
x = αβ ⎜⎜ 1 - +z ⎟ + x0
⎝ 9β 9 β ⎟⎠

em que x é a variável Pearson tipo 3 com parâmetros α, ß e x0, e z é a variável normal reduzida
de igual probabilidade.

Assim, calculados os parâmetros, a determinação do caudal x que corresponde a um certo


período de retorno T e probabilidade de não excedência F(x) torna-se bastante simples:

- obtem-se z = z(F) na tabela da distribuição Normal;


- substitui-se z na expressão da transformação de Wilson-Hilferty.

Para o problema oposto, a inversão da transformação conduz a

x - x0 1 1
( )3 - 1 +
αβ 9β
z=
1

e é imédiato obter F = F(z) na tabela da distribuição Normal.

9.5.4.7 Distribuição Log-Pearson tipo 3

Uma variável x ajusta-se a uma distribuição Log-Pearson tipo 3 se a sua transformada


logarítmica se ajusta a uma distribuição de Pearson tipo 3. Assim, basta fazer:

y = ln(x)

e proceder ao ajustamento de y à distribuição de Pearson tipo 3.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-21

9.5.5 Avaliação dos modelos


9.5.5.1 Metodologia de avaliação dos modelos
Depois de se ter seleccionado um modelo de distribuição de extremos para o ajustamento a uma
dada série histórica é feito a especificação do modelo através da estimação dos seus parâmetros,
é necessário avaliar o modelo, i.e., verificar se ele se ajusta bem à série dada. Os testes de
ajustamento mais utilizados são:
- gráficos, com base em papel de probabilidade;
- métodos analíticos, entre os quais os testes do qui-quadrado (χ2) e de Kolmogorov-Smirnov.

Os testes apoiam a tomada da decisão sobre se a hipótese de que determinada função de


distribuição se ajusta à amostra deve ser aceite ou rejeitada. Nessa decisão pode cometer-se um
de dois tipos de erros:

- rejeitar a hipótese de ajustamento quando ela é correcta e deveria ter sido aceite; erro do tipo
I;
- aceitar a hipótese quando ela é errada e deveria ter sido rejeitada; erro do tipo II.

Em geral, não é possível minimizar simultâneamente os dois tipos de erros e, no estudo do


ajustamento de distribuições de extremos, pretende-se minimizar a probabilidade de ocorrência
do erro do tipo I. Para tal, exige-se que a rejeição da hipótese de ajustamento se faça com um
nível de confiança n = 1-α elevado, normalmente n = 0,95. α é o nível de significância.

9.5.5.2 Ajustamento gráfico e papel de probabilidade


É possível para funções monótonas duma variável, como é o caso das funções de distribuição de
probabilidades, adoptar um sistema de eixos coordenados tal que a função apareça nessa sistema
de eixos como uma recta.

Veja-se, por exemplo, o caso da função y = x2 que é uma parábola do 2º grau. Se no entanto, a
função for implantada num sistema de eixos log-log ela aparece como uma recta. A função
também aparece como uma recta se o eixo dos xx for linear e, no eixo dos yy, valores de y forem
marcados a distância √y.

Torna-se assim possível desenhar os chamados papéis de probabilidade: papeis onde estão
implantadas quadrículas correspondentes a sistema de eixos tais que a representação neles de
deteminadas funções de distribuição aparece como uma recta. São especificalmente utilizados
papeis de probabilidade para as seguintes distribuições:
- Normal;
- Log-Normal;
- Gumbel;
- Log-Gumbel.
Se uma variável aleatória x segue a distribuição Normal, então a implantação dos pontos com
coordenadas (Pi ,xi) aparecerá no papel de probabilidade Normal com um alinhamento

Manual de Hidrologia
Cheias 9-22

praticamente rectilíneo. Pi é a probabilidade de não excedência do valor xi da amostra, em que os


xi são ordenados por ordem crescente. O cálculo do valor de Pi, probabilidade empírica, pode ser
feito por várias fórmulas (“plotting position”) sendo a fórmula de Weibull uma das mais
correntes.
Pi = i / N+1

em que N é a dimensão da amostra.

Caso a implantação dos pontos origine uma configuração rectilínea, pode-se fazer o traçado
duma recta que minimize as distâncias (ou os seus quadrados) aos pontos e utilizar essa recta
para obter o caudal que corresponde a um certo período de retorno e vice-versa. Se a
configuração dos pontos não é rectilínea isso constitui um indicativo que a distribuição Normal
não é um modelo que se ajusta bem à série em estudo.

O papel de probabilidade Log-Normal apenas difere do papel de probabilidade Normal por o


eixo dos caudais ser logarítmico e não linear. Se a implantação dos pontos neste papel resultar
aproximadamente num alinhamento rectilíneo será provável que a amostra se ajusta bem a uma
distribuição LN2. Tal como no caso anterior, pode-se traçar a recta que “passa” pelos pontos e
utilizá-la para calcular o caudal para um certo período de retorno ou para resolver o problema
inverso.

O papel de probabilidade Log-Normal pode ainda ser utilizado para testar o ajustamento a uma
distribuição LN3. Surge, no entanto, neste caso uma dificuldade: no eixo das ordenadas devem
ser marcados os valores de (x-x0) o que obriga ao cálculo analítico de x0 ou a traçarem-se
gráficos com diversos valores de x0 a ver se algum se configura como uma recta.

O papel de probabilidade Gumbel usa um eixo (das ordenadas) linear para os caudais e o outro
eixo (das abcissas) com escala duplamente logarítmica para as probabilidades. Se o eixo dos
caudais for logarítmico em vez de linear, o papel permitirá testar o ajustamento a uma
distribuição Log-Gumbel, distribuição em que é a amostra logarítmizada que se ajusta a uma
distribuição Gumbel.

A grande variedade de formas possíveis com as distribuições baseadas na função Gama não
permite que haja um papel de probabilidade para estas distribuições embora seja possível
construir um papel de probabilidade específico para uma amostra com um dado valor do
coeficiente de assimetria.

O ajustamento gráfico apresenta em relação aos testes analíticos a grande desvantagem de


introduzir uma certa dose de subjectividade e ser por isso menos rigoroso.

9.5.5.3 Teste do qui-quadrado (χ2)


O teste do qui-quadrado consiste em dividir o dimínio da função de distribuição em M
intervalos e comparar o número de elementos da amostra contidos em cada intervalo, Oj, com a
esperança matemática expressa pelo modelo do número de elementos correspondentes a cada
intervalo, Ej. Assim, define-se a estatística χ2:

Manual de Hidrologia
Cheias 9-23

M
( O j - E j )2
χ2= ∑
j=1 Ej

Os intervalos não têm de ser iguais embora haja vantagem em que o sejam. Quando os intervalos
são iguais, Ej é constante para qualquer j, Ej = N/M.

M
M
χ2= − N +
N
∑O
j=1
2
j

Os valores de Oj são obtidos calculando os valores limites de x que correspondem aos limites dos
intervalos em termos de probabilidades, i/M, e contabilizando os elementos da amostra contidos
em cada intervalo.

A estatística χ2 tem aproximadamente uma distribuição χ2 com um número de graus de liberdade


v=M-np-1 em np é o número de parâmetros da distribuição estimados a partir da amostra. O teste
do qui-quadrado diz que se deve rejeitar a hipótese do ajustamento com um nível de confiança n
= 1-α se χ2 > χ1-α2 em que χ1-α2 é o quantil 1-α da distritbuição χ2 com v graus de liberdade.

O número de intervalos M aconselhável é função da dimensão da amostra N. Apresentam-se


duas propostas frequentemente adoptadas para os valores de M:

N 15-20 21-25 26-30 31-40


M 5 6 7 8

N 15-25 26-30 31-35 36-40


M 5 6 7 8

O quadro seguinte apresenta valores da distribuição χ2 para 1-α = 0.95 em função do número de
graus de liberdade:

v 1 2 3 4 5 6
χ0,952 3.841 5.991 7.815 9.488 11.070 12.592

9.5.5.4 Teste de Kolmogorov-Smirnov


O teste de Kolmogorov-Smirnov consiste em determinar a estatística D que é a maior
“distância” entre a função de distribuição teórica e a função de distribuição empírica.

Considere-se que a série X é ordenada por ordem crescente (x1 < x2 < ... < xN) e que
probabilidade empírica de não excedência do valor xi é dada pela “plotting position” de Weibull:
Pi = i / N+1

A função de distribuição empírica é uma função em escada e por isso a “distância” entre ela e a
função de distribuição teórica deve ser medida à esquerda e à direita de cada ponto. A expressão

Manual de Hidrologia
Cheias 9-24

para o cálculo de D é:
i -1 i
Di = max [| - F( xi ) | ;| - F( xi ) |]
N +1 N +1

em que F(xi) é o valor da função de distribuição teórica.

D = max [Di] i = 1, 2, ..., N

O teste pode formular-se da seguinte maneira: a hipótese de que a distribuição teórica se ajusta à
série em estudo é rejeitada com nível de confiança 1-α se D > D1-α, em que D1-α é o valor crítico,
máximo aceitável para esse nível de confiança.

Para o caso das distribuições Normal e Log-Normal com os parâmetros estimados pelo método
dos momentos, o valor crítico para um nível de confiança de 95% é dado por

1.094
D0.95 = 0.85
N - 0.01 +
N

No caso da distribuição de Gumbel com os parâmetros estimados pelo método dos momentos, o
valor crítico para o nível de confiança 1-α = 0.95 é dado por

0.935
D0.95 = 0.85
N - 0.01 +
N

Para as distribuições baseadas na função Gama não é possível definir com rigor o valor crítico
mas apenas um limite superior desse valor crítico. Esse limite superior é dado por:

1.358
D s,0.95 = 0.11
N + 0.12 +
N

Os valores de Ds, 0.95 devem ser reduzidos entre 20% e 35% para se ter uma melhor estimativa
dos valores críticos.

9.5.6 Utilização do modelo para previsão dos caudais de cheia

Se um modelo de distribuição de extremos não é rejeitado nem pelo teste do χ2 nem pelo teste de
Kolmogorov-Smirnov então ele pode ser utilizado para a previsão de caudais de cheia.

Se tratar do problema de dimensionar uma obra hidráulica, será necessário definir os períodos de
retorno e, a partir daí, seguir os procedimentos de cálculo apresentados nos capítulos dedicados a
cada uma das distribuições teóricas.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-25

Uma questão que pode surgir é quando se experimenta ajustar diversas distribuições teóricas a
uma dada série e mais do que uma dessas distribuições não é rejeitada por nenhum dos testes de
ajustamento. Nessas condições, torna-se necessário discriminar entre as distribuições não
rejeitadas para escolher aquela que proporcina o melhor ajustamento. Um dos processos para se
fazer esta escolha é a utilização dos chamados “índices de adaptabilidade” de que a seguir se
apresenta um exemplo:

2
⎡ i
N

IA j = ∑ ⎢ - F j ( xi )⎥
i=1 ⎣ N + 1 ⎦

em que a série X está ordenada por ordem crescente, Fj é a j-ésima distribuição não rejeitada
pelos testes de ajustamento e IAj o correspondente valor índice de adaptabilidade. Como é
evidente, deve ser escolhida a distribuição que apresenta o menor valor do índice de
adaptabilidade.

9.6 MÉTODO DO HIDROGRAMA UNITÁRIO

9.6.1 Introdução

O método do hidrograma unitário foi proposto por SHERMAN nos Estados Unidos em 1932 e
tornou-se a partir de então um dos métodos mais utilizados para a obtenção do hidrograma de
escoamento directo resultante de precipitação intensa, aplicando-se fundamentalmente ao estudo
de cheias.

A principal razão da grande popularidade do método reside na sua simplicidade matemática


resultante do processo de convolução linear com que se faz a transformação da precipitação em
escoamento. No entanto, as hipóteses em que o método se baseia impõem algumas limitações
sérias na sua aplicação como adiante se verá.

No estudo de cheias, principalmente quando estão envolvidos aspectos como a propagação de


ondas de cheia em rios ou a sua passagem em descarregadores de barragens, o método do
hidrograma unitário apresenta uma significativa vantagem em relação a outros métodos usados
como a análise estatística ou as fórmulas cinemáticas.

O método do hidrograma unitário não só dá o caudal de pico mas dá também todo o hidrograma
da cheia, enquanto que os outros métodos citados se limitam a dar o caudal de pico.

Nos pontos seguintes far-se-á o estudo dos conceitos principais do hidrograma unitário e suas
aplicações; formas de obtenção do hidrograma unitário a partir de registos hidrometeorológicos;
derivação do hidrograma unitário na ausência de registos de escoamentos e a precipitação de
projecto a ser considerada.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-26

9.6.2 Revisão de alguns conceitos


Para o estudo da teoria do hidrograma unitário, há que ter presente alguns conceitos como os de
precipitação útil e escoamento directo.

Sabe-se que, da precipitação que atinge a superfície do solo:


- uma parte fica retida em depressões superficiais e volta para a atmosfera por evaporação;
- uma parte infiltra-se e fica retida na camada superficial do solo, sendo devolvida à atmosfera
pela acção conjunta do solo e da vegetação pelo processo designado por evapotranspiração;
- uma parte infiltra-se para zonas profundas do subsolo onde vai reforçar as reservas da água
subterrânea;
- por fim, uma parte escorre à superfície do terreno (escoamento laminar) ou imediatamente
abaixo da superfície (escoamento sub-superficial ou hipodérmico), acabando por se
concentrar em linhas de água.

Este tipo de escoamento superficial que resulta imediatamente a partir da precipitação é chamado
escoamento directo enquanto que o escoamento superficial alimentado por aquíferos constitui o
escoamento de base. A componente da precipitação que origina o escoamento directo designa-
se por precipitação útil.

Já se viu anteriormente como um hidrograma de escoamento total pode ser decomposto nas suas
componentes de escoamento directo e escoamento de base.

Na teoria do hidrograma unitário apenas se estabelecem relações entre a precipitação útil e o


escoamento directo. Assim, utilizando o hidrograma unitário pode-se obter um hidrograma de
escoamento directo ao qual depois se tem de adicionar o escoamento de base para obter o
escoamento total.

No estudo de cheias é frequente a componente do escoamento de base ser relativamente pequena


em comparação com o pico do escoamento directo, podendo nessas condições o escoamento de
base ser negligenciado.

A duração do escoamento directo é designada por tempo base, tb. O tempo base é a soma do
tempo de crescimento, tp (desde o início do escoamento directo até ao pico do hidrograma) e do
tempo de decrescimento, td (desde o pico até ao fim do hidrograma). O tempo base é também
igual à soma de três outros tempos:
- o tempo de precipitação, tr (duração da precipitação útil);
- o tempo de concentração, tc (tempo necessário para que a gota de água caída no ponto da
bacia hidraulicamente mais distante da secção de saída chegue a essa secção; é uma
característica constante de cada bacia);
- o tempo de esvaziamento, te (duração do escoamento armazenado na rede hidrográfica
desde a cessação da precipitação até ao fim do escoamento directo).

9.6.3 Definição e postulados


Para uma dada bacia hidrográfica, define-se hidrograma unitário para uma chuvada útil com

Manual de Hidrologia
Cheias 9-27

duração tr e uma altura de precipitação unitária (normalmente 1 cm) como sendo o hidrograma
de escoamento directo resultante dessa chuvada útil. O hidrograma unitário está portanto
associado a uma certa duração da chuvada útil.

O hidrograma tem uma forma bem definida, normalmente traduzida por ordenadas/caudais em
intervalos de tempo iguais. O hidrograma unitário é caracterizado também pelo caudal de pico e
pelo tempo base.

A teoria do hidrograma unitário baseia-se em dois postulados fundamentais: o da


proporcionalidade e o da sobreposição.

O postulado da proporcionalidade significa que as ordenadas/caudais do hidrograma de


escoamento directo resultantes duma chuvada útil com a duração tr e altura h são iguais às
ordenadas de hidrograma unitário para a mesma duração multiplicadas por h.

O postulado da sobreposição significa que as ordenadas/caudais do hidrograma de escoamento


directo resultantes de diversas chuvadas úteis são obtidas pela soma das ordenadas dos
hidrogramas correspondentes a cada uma das chuvadas.

Estes dois postulados implicam uma relação de linearidade entre a precipitação útil e o
escoamento directo. Esta relação não é inteiramente válida sobretudo para bacias hidrográficas
muito grandes. Não se aconselha por isso a utilização do hidrograma unitário em bacias que
excedem os 1,000 km2. Uma das maiores dificuldades práticas é a determinação da precipitação
útil a partir da precipitação total.

Todas as aplicações do método do hidrograma unitário derivam directamente a partir da


definição e dos postulados.

9.6.4 Transformação de hidrogramas unitários


No campo das aplicações, interessa frequentemente transformar o hidrograma unitário de que se
dispõe e que corresponde a uma dada duração tr da chuvada útil num outro hidrograma unitário
que corresponda a uma chuvada útil com duração αtr. O problema resolve-se com facilidade para
valores de α inteiros mais o processo é um pouco mais complexo para α não inteiro, situação que
tem bastante interesse prático sobretudo para α < 1.

Vejamos em primeiro lugar como, dado Hutr, se pode obter Huntr. Se virmos que o Hutr
corresponde a uma chuvada com a duração de tr horas, para obtermos o Huntr vamos considerar
n chuvadas consecutivas de tr horas e cada uma delas com uma altura de precipitação de 1 cm. O
hidrograma resultante obtem-se facilmente aplicando o princípio da sobreposição.

O hidrograma resultante ainda não é Huntr pois embora corresponda a uma chuvada com duração
de ntr horas, a altura da precipitação que o origina é n cm e não 1 cm como implica a definição de
hidrograma unitário. Para obter o Huntr basta então aplicar o princípio da proporcionalidade e
multiplicar todas as ordenadas do hidrograma resultante por 1/n.

Como se disse atrás, a obtenção dum hidrograma unitário para uma chuvada com duração αtr

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Cheias 9-28

com α < 1 é mais complicada. Para esse efeito usa-se o método da curva em S.

A curva em S é o hidrograma resultante duma precipitação com intensidade constante i = 1/tr e


duração infinita. O hidrograma tem de facto a forma característica dum S.

Como se dispõe do Hutr, pode-se considerar uma sucessão de chuvadas com duração tr e altura
unitária (donde i = 1/tr) e obter o hidrograma resultante pela sobreposição de sucessivos Hutr
desfasados de tr (figura 9.2).

Figura 9.2 – Traçado da curva em S

O valor máximo da curva em S corresponde à situação de ter toda a bacia a contribuir em


simultâneo para o escoamento directo: Q = i * Abacia.

A partir da curva em S de intensidade 1/tr é simples obter o hidrograma unitário para a duração
αtr:
- consideram-se duas curvas em S, idênticas mas desfasadas de t1 = αtr. Esta situação equivale
a considerar que a segunda curva em S foi originada por uma chuvada que se iniciou t1 após
a primeira (figura 9.3);
- subtrai-se a 2ª curva em S da primeira, obtendo-se assim um hidrograma que resulta duma
chuvada com duração t1 e altura t1 * 1/tr. Não é ainda o hidrograma unitário visto que
h=t1/tr≠1;
- o HUt1 é obtido dividindo as ordenadas do hidrograma anterior por t1/tr = α.

Note-se que este processo não deve ser utilizado para α muito pequeno (α < 0.25) porque, como
o HUtr é dado de forma discreta, a curva em S tem de ser afeiçoada: quanto mais pequeno fôr t1,
maior será o erro derivado desse afeiçoamento.

Note-se que embora um hidrograma seja uma função contínua de tempo ele é dado de forma
discreta em intervalos de tempo iguais à duração da chuvada.

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Cheias 9-29

Figura 9.3 – Obtenção do hidrograma para uma duração t1 a partir da curva em S

9.6.5 Obtenção do hidrograma unitário


Para se obter um hidrograma unitário para uma dada bacia é necessário dispôr de informação
diversa como os registos de precipitação e escoamento, características da bacia e conhecimento
do estado de humidade do solo antecedendo a precipitação.

Deve procurar obter-se registos simultâneos de precipitação e escoamento de chuvadas


relativamente intensas, isoladas e com distribuação aproximadamente uniforme sobre toda a
bacia.

Considere-se então uma chuvada com duração, por exemplo, de 6 horas sobre uma dada bacia e
que originou um pico de escoamento. Admitamos, para começar, que a intensidade da
precipitação era constante ao longo das 6 horas.

Então os passos a dar para obter HU6 seriam os seguintes:

- no hidrograma do escoamento total fazer a separação do escoamento directo e do escoamento


de base;
- determinar o volume do escoamento directo e, a partir daí, a altura da precipitação útil que
lhe corresponde;
- dividir o hidrograma do escoamento directo pela altura útil.

Por vezes, a informação hidrográfica disponível não inclui chuvadas isoladas mas sequências de
chuvadas com intensidade variável, originando um hidrograma complexo. Nesses casos, pode-se
tentar determinar um hidrograma unitário utilizando o método da convolução discreta.

Admitamos que a precipitação e o hidrograma de escoamento de que se dispõe correspondem já


à precipitação útil e ao escoamento directo. O método consiste no seguinte:

- divide-se a chuvada em n intervalos Δt, com intensidade constante em cada intervalo → h1,
h2,... hn;

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Cheias 9-30

- divide-se o hidrograma em (m-1) intervalos Δt, definindo as ordenadas Q1, Q2, ..., Qm;
- designam-se as ordenadas do hidrograma unitário HUΔt por u1, u2,...É fácil de ver que o
HUΔt terá (m-n+1) ordenadas.
- a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da sobreposição origina um sistema de m
equações lineares a (m-n+1) incógnitas, permitindo obter as ordenadas do HUΔt (apesar do
sistema de equações ser sobredeterminado, como adiante se verá).

As equações são as seguintes:

h1u1 = Q1
h1u2 + h2u1 = Q2
h1u3 + h2u2 + h3u1 = Q3
.....
h1um + h2um-1 + h3um-2 + ..... + hnum-n+1 = Qm

n
Ou então: ∑h u
i=1
i j -i+1 = Q j (j = 1,..., m)

O sistema é sobredeterminado porque tem m equações e (m-n+1) incógnitas, logo (n-1) equações
em excesso. Assim, as últimas (n-1) equações confirmam os valores já obtidos ou conduzem a
um sistema impossível, sem solução.

Pode-se tentar desenhar o hidrograma e depois corrigi-lo à mão para eliminar os erros. De facto,
o que acontece é que, como as medições bem como as transformações para se obter a
precipitação útil e o escoamento directo não são exactas, há um erro em cada equação que se vai
transmitindo e acumulando de equação para equação.

Uma das vias para tentar resolver o problema é escrever as equações incluindo os erros e
utilizando o método dos mínimos quadrados, como se segue.

As equações escrever-se-iam então como


n

∑h u
i=1
i j -i+1 + ei = Q j (j = 1,..., m)

Então cada erro é dado em função de uj, podendo escrever-se:


n
ei = Q j − ∑ hi u j −i +1 (j = 1,..., m)
i =1

Pode-se agora determinar os uj de tal forma que minimizem


m

∑e
i=1
i
2
=z.

∂z
Para tal, terá de se verificar = 0 (j = 1, ..., m-n+1). Obtem-se agora um sistema de (m-n+1)
∂uj

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∂z
equações = 0 a (m-n+1) incógnitas uj, donde o sistema é determinado.
∂uj
m
∂ ∑ ei 2
∂z m

= i=1 = 2 ∑ ei ei (j = 1, ...., m - n + 1)
∂uj ∂uj i=1 ∂uj

Existem métodos mais sofisticados para se obter um melhor hidrograma unitário, nomeadamente
evitando o aparecimento de ordenadas negativas e formas incorrectas.

9.6.6 Hidrogramas unitários sintéticos


Pode acontecer que em determinadas bacias hidrográficas não exista informação
hidrometeorológica suficiente para derivar o hidrograma unitário, sobretudo por falta de
medições de escoamentos. Para essas situações, foram sugeridos hidrogramas unitários
sintéticos, definidos a partir de características físicas da bacia.

Hidrogramas unitários sintéticos foram propostos por diversos autores como Snyder e Clarke.
Em seguida apresentam-se os hidrogramas sintéticos propostos pelo Soil Conservation Service
(SCS) e por Mockus.

9.6.6.1 Hidrograma unitário sintético do SCS


O HUtr do SCS, proposto em 1972, é definido da seguinte maneira:

tr +
tp= t l ( t p , t r , t l em horas)
2
649.8 l 0.8 (0.03937 S + 1 )0.7
tl =
1900 i0.5
5080
S = 5 h0 , h0 = - 50.8
N
0.208 A
qp =
tp
em que
l = comprimento do rio principal (km);
i = declive médio da bacia (%);
S = retenção potencial (mm);
h0 = perdas iniciais por infiltração e armazamento (mm);
N = número do escoamento ('curve number') do SCS;
A = área da bacia (km2);
qp = caudal de pico correspondente a uma precipitação útil de 1 mm (m3/s).

q t
O SCS definiu um hidrograma adimensional = f( ) que se apresenta na tabela seguinte.
qp tp

Manual de Hidrologia
Cheias 9-32

t/tp 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9
q/qp 0.0 0.015 0.075 0.16 0.28 0.43 0.60 0.77 0.89 0.97
t/tp 1.0 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 1.8 2.0 2.2
q/qp 1.0 0.98 0.92 0.84 0.75 0.66 0.56 0.42 0.32 0.24
t/tp 2.4 2.6 2.8 3.0 3.5 4.0 4.5 5.0
q/qp 0.18 0.13 0.098 0.075 0.036 0.018 0.009 0.004

Este HUtr corresponde a uma altura de precipitação útil de 1 mm. Para ser transformado num
hidrograma unitário não adimensional é necessário calcular tp e qp pelas fórmulas anteriores,
obtendo-se depois o HU como q = f(t).

9.6.6.2 Hidrograma unitário sintético de Mockus


O HU sintéticos de Mockus, proposto em 1957, tem a forma simplificada dum triângulo (figura
9.4) que, apesar da sua esquematização, conduz frequentemente a bons resultados. Também
corresponde a uma altura de 1 mm.

Figura 9.4 – Hidrograma unitário sintético de Mockus

tb = 2.67 tp
tp, qp calculados da mesma maneira que para o hidrograma unitário sintético do Soil
Conservation Service.

9.6.7 Hietograma de projecto


Sendo já conhecido o hidrograma unitário HUtr, quando se pretende estudar uma cheia de
projecto é necessário conhecer a precipitação que lhe dá origem, o hietograma de projecto.

Uma questão que se coloca é a relação entre o período de retorno da precipitação e o período de
retorno do escoamento. Devido ao efeito de armazenamento da bacia, o período de retorno da
cheia é inferior ao da precipitação, efeito tanto menos sensível quanto maior for o período de
retorno. O National Environmental Research Counsil, do Reino Unido, indicava em 1975 a
seguinte relação:

Tcheia = 0.6 Tchuva, para Tchuva < 50 anos.

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Cheias 9-33

Para períodos de retorno iguais ou superiores a 100 anos, os dois períodos do retorno são
aproximadamente iguais.

Para definir o hietograma de projecto para um dado período de retorno pode-se utilizar a
metodologia proposta pelo Corps of Engineers em 1975:

- obtem-se a curva de possibilidade udométrica para o período de retorno pretendido, h = atn;


- considera-se uma chuvada com duração total igual ao tempo de concentração da bacia;
- divide-se a duração total em m períodos de tr horas cada;
- calcula-se um hietograma decrescente composto por m chuvadas de tr horas cada, da seguinte
forma:

h1 = a trn
h2 = a (2tr)n - h1
h3 = a (3tr)n - (h1 + h2)
.....
m -1

hm = a ( mt r ) - ∑ hi
n

i=1

- a partir deste hietograma decrescente, constroi-se o hietograma equilibrado: o maior valor


de h na posição central, o segundo maior à esquerda, o terceiro maior à direita, a quarto
maior à esquerda e assim sucessivamente (figura 9.5).

Figura 9.5 – Hietograma equilibrado

Um problema complicado que se coloca no cálculo do hietograma de projecto é a transformação


da precipitação total em precipitação util. Um método que se pode utilizar é o do Soil
Conservation Service que considera a curva de infiltração (exponencial decrescente) aproximada
por uma perda inicial h0 e uma perda constante a seguir. Os valores de h0 e de hu são calculados
de acordo com a metodologia apresentada no ponto 9.4.4.

Um outro método, mais prático mas exigindo dados para o seu cálculo, é o método do índice-Φ
(ver também o capítulo 5). Se para várias chuvadas se obtiver o hidrograma do escoamento
directo, pode-se calcular para cada uma delas a precipitação útil e daí a perda por infiltração e
armazenamento. Calculando o valor médio da perda para as várias chuvadas (que é o índice-Φ),

Manual de Hidrologia
Cheias 9-34

admite-se que esse valor médio será a perda em qualquer chuvada. O índice-Φ corresponde,
portanto, a uma intensidade constante que se subtrai à intensidade da precipitação total para se
obter a intensidade da precipitação útil.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-35

EXERCÍCIOS

1. Dada uma bacia com uma área de 2,000 km2, determinar o caudal de pico para um
período de retorno de 100 anos. A curva de possibilidade udométrica é dada por h = 8 t0.4 T0.2.
Tome um coeficiente c = 0.45 para a fórmula Racional; o nº de escoamento é 85; o comprimento
do rio principal é de 80 km e a altura média é 250 m. Utilize as fórmulas de Giandotti e Racional
e o método do SCS.

2. Determine os caudais de cheia do rio Pungoé para certos períodos de retorno e calcule
riscos hidrológicos, usando vários modelos estatísticos. É dada uma série de caudais instantâneos
máximos anuais do rio Pungoé (estação E65) de 25 anos. O coeficiente de assimetria da série foi
calculado, sendo 1.956.

a) Ajuste à série as distribuições Normal, Log-Normal de 2 e 3 parâmetros e Gumbel.


b) Determine os caudais de cheia correspondentes a períodos de retorno de 100 e 1000
anos. Compare os resultados das várias distribuições.
c) Calcule o período de retorno para um caudal de 5000 m3/s. Compare os resultados das
várias distribuições.
d) Qual é o risco hidrológico dum caudal de 5000 m3/s acontecer nos próximos 100 anos?

Caudais instantaneos máximos anuais da estação E65 no rio Pungoé (m3/s)

Ano Caudal Ano Caudal Ano Caudal


1953 450 1961 2724 1969 637
1954 672 1962 700 1970 510
1955 824 1963 553 1971 1626
1956 896 1964 485 1972 218
1957 699 1965 723 1973 851
1958 948 1966 1609 1974 1104
1959 483 1967 195 1975 2924
1960 789 1968 930 1976 853
1977 1219

3. Numa dada bacia hidrográfica, o hidrograma unitário para uma chuvada útil com a
duração de 6 horas (HU6) é definido pelas seguintes ordenadas (em m3/s) dadas em intervalos de
6 horas [Nota: As ordenadas de qualquer HU em princípio devem ser dadas com intervalos de
tempos iguais ao da chuvada útil para o qual o HU é definido]

t (h) 0 6 12 18 24 30 36 42 48
HU6 (m3/s) 0 7.5 38.5 32 25 19 12 5 0

a) Obtenha o hidrograma do escoamento directo resultante duma precipitação útil com a


duração de 6 horas e intensidade de 10 mm/h.

Manual de Hidrologia
Cheias 9-36

b) Na mesma bacia do exemplo anterior, registaram-se em sucessivos períodos de 6 horas


as seguintes precipitações úteis: 40 mm; 70 mm; 0 mm; 30 mm. Determine o hidrograma
do escoamento directo resultante.
c) Na mesma bacia dos exemplos anteriores, registaram-se sucessivamente as seguintes
precipitações:
• durante 6 horas com intensidade média de 12 mm/h;
• durante 12 horas com intensidade média de 5 mm/h.
Determine o hidrograma do escoamento directo resultante.
d) Sendo dado o HU6 do exemplo 1, obtenha o HU12 para a mesma bacia hidrográfica.
e) Resolva a alínea c) trabalhando com os hidrogramas unitários HU6 e HU12.
f) Utilizando os HU6 e HU12 dos exemplos anteriores, determine a área da bacia
hidrográfica.
g) A partir do HU6 dado obtenha o HU3 pelo método da curva em S.

4. Numa bacia com uma área de 300 km2 registou-se durante 6 horas uma chuvada com
uma intensidade de 6 mm/h. Os caudais medidos de 6 em 6 horas desde o início da precipitação
foram, em m3/s, 18 / 36 / 105 / 93 / 81 / 69 / 57 / 45 / 36 / 33 / 30 / 27 / 25 / 23 / 22 / 20. Obtenha
o HU6.

5. Uma precipitação (útil) definida por três chuvadas de 6 horas cada, com altura de 6 cm, 1
cm e 12 cm, originaram o seguinte hidrograma de escoamento directo (ordenadas de 6 em 6
horas):

(h) 0 6 12 18 24 30 36 42 48 54 60
Qd (m3/s) 0 47 230 290 610 500 375 250 145 60 0

Determine o HU6 pelo método da convolução discreta.

6. Determine o hietograma de projecto para ser usado com um HU6 numa bacia com tempo
de concentração de 24 horas. A curva de possibilidade udométrica é h = 1.75 t0.4 (com h em cm, t
em horas) para um período de retorno de 50 anos. Admita que se trata já de precipitação útil.

7. Calcule o hidrograma de cheia (escoamento directo) de projecto numa bacia em que o


tempo de concentração é de 24 horas. A curva de possibilidade udométrica para um período de
retorno de 100 anos é h = 8 t0.4 (com h em cm, t em horas). Considere o HU 6 do exercício 5.
Compare o hidrograma obtido com o hietograma de projecto do Corps of Engineers com o
hidrograma resultante de ter a precipitação total de 24 horas distribuida uniformamente ao longo
desse periodo.

Manual de Hidrologia
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