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Veias da Baixada/ Org.

Perla de Castro/Ilustração capa: Pietro Pe-


res/Revisão de Paula Dias
— Rio de Janeiro: Editora Litere-se, 2020/ 1ª edição; 80 p.
ISBN: 978-85-93945-33-7

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Prólogo

Por mais um ano as veias por onde vagueia vida, re-


siste na Baixada. Mais uma vez um livro tão importante re-
úne escritores de toda Baixada Fluminense que gritam pelo
mesmo ideal.
Em cada página vamos conhecer talentos, visões de
mundo, as faces mais lindas e incríveis da imaginação. Não
são Jorge Amado, nem Drummond, mas são Vanessas, Ve-
ronicas, Alans, Andrés, Dulces, Giselles, Lisis e tantas ou-
tras faces e mãos que escrevem todo dia a nossa Baixada
Fluminense. São nomes que ecoam por aqueles que não
conseguem falar. Somos tantos representados por esses
21 escritores aqui, que de repente nem sabem a magni-
tude e importância da revolução que juntos estão cau-
sando nesse 30 de abril.
Em momento marcante em nossa história mundial,
em isolamento estamos mais juntos que nunca, e hoje, es-
tamos ajudando através da nossa escrita, o coração do
mundo pulsar, porque tudo isso vai passar e logo todo o
mundo estará reunido num único abraço de vida.
Até lá, iremos te provar e já estamos provando que arte é
tão vital quanto respirar. E que os livros conectam pessoas,
pensamentos e almas.

Juntos estamos fazendo a roda do mundo girar.

Perla de Castro
CEO da Litere-se
Todos os subúrbios e quebradas poéticas
Escritor Alan Salgueiro
Rascunhos de Revolução

Palavra democratizada
Não cabe na página
De quem vende violência
E miséria na manchete

Vão acinzentar a primavera


E quaisquer esquinas de quimera
Além do lugar que você mora
Só pra divulgar que lá não presta

Vão perder a praça pro mato


E o ano letivo pro vício
Vão perder o menor para o tráfico
Se o ódio virar seu ofício

Não haverá Via Light


Nem quem lute
Nem quem lide
Nem a Leste, nem Baixada

Nem sequer qualquer quebrada


Enquanto gente for tratada
Como o cão que vira a lata
E implora pelo lixo do dia seguinte

Nossas Áfricas e vielas


E favelas e calçadas
Até as Faixas de Gaza
E malocas e subúrbios
Estão cheias de cultura
E lições de vida de gente digna
Que sai na última fila da corrida
Mas é a primeira a meter a cara
Desencontros
Escritora Ana Beatriz Bernardo

ÍSIS — 18 de SETEMBRO DE 2018


I.

Ísis sentiu as paredes do quarto agora ficarem mais pró-


ximas, seu corpo reconheceu a cama e a proximidade do corpo
de Matheus sempre a fez relaxar, havia sido um dia cansativo e
tentava dormir a todo custo antes de permitir que sua mente
vagasse no que aquela data significa para ela, Ísis odeia o fato
de não a esquecer. Se concentrou propositalmente no quadro
ao seu lado direito que emoldurava as mãozinhas de sua filha,
em sua mente tentava se teletransportar para aquele dia, era
um de seus dias prediletos, porém, na sua mente só ecoava o
nome de Diogo, Ísis repelia esta data com muita veemência e só
se permitia desabar por alguns minutos a cada ano.
Eu queria do fundo do meu coração poder dizer que não
sinto nada por você ou que quando eu penso em grandes histó-
rias de amor você não me vem à cabeça. — desabafou em sua
mente, com lágrimas em seus olhos cansados. — Eu odeio estas
noites Diogo, odeio as noites onde posso sentir seu cheiro e ouvir
a sua voz me chamando por aquele apelido que só você usava.
Nestas noites, eu geralmente costumo digitar o número do seu
telefone que ficou incrustado na minha mente, mesmo dez anos
depois, e me lembrar da promessa que fez de nunca mudá-lo,
para eu sempre poder te encontrar. Ou, eu rio de mim mesma
porque é ridículo acreditar que aquele romance possa ser vivido
e tento me convencer que foi apenas um delírio e que com o pas-
sar dos anos eu me lembrava com mais amor do que realmente
houve. Em algumas noites eu entro nas suas redes para ver como
está sua vida e me lembro que nunca mais me procurou e que
isso era um indicativo forte o suficiente para fazer o mesmo.
Odeio sentir isto, odeio as noites em que quase posso te tocar,
mas acima de tudo, eu odeio você por ter feito isso comigo. É
como se faltasse algo em mim, mesmo na minha vida estando
tudo completo...
Ísis se permitiu chorar, sua alma precisava derramar es-
tas lágrimas. Foi quando sentiu o corpo de seu marido a envol-
vendo num abraço, sabia que ele estava em um sono pesado
demais para entender o que estava acontecendo, mas se sentia
agradecida por tê-lo feito, porque assim poderia dormir em paz.

DIOGO — 18 DE SETEMBRO DE 2019


II.

No Rio de Janeiro fazia mais calor do que Diogo gostaria


de estar sentindo, seu corpo demorou um pouco para assimilar
a temperatura e mesmo sendo apenas sete da manhã, o sol já
brilhava no céu. A última vez que esteve neste estado, foi há
onze anos trás. Seus olhos vislumbravam os grandes prédios que
se instalaram com o passar dos anos, o imenso movimento de
pessoas e a massiva quantidade de ambulantes que vendiam de
celulares de procedência duvidosa à remédios ilegais sem recei-
tas. A Central do Brasil para Diogo era a perfeita definição de
caos controlado. Sua sorte é que sabia exatamente onde preci-
sava ir e por isto, esperou pacientemente na plataforma o trem
parador que o levaria até Marechal Hermes, porque lá estava
Ísis.
No último mês, após sua namorada Carine lhe pedir em
casamento, Diogo percebeu que na verdade não era com ela
que queria estar casado, tinha passado anos negando e tentado
miseravelmente seguir em frente, quando tudo que queria era
estar com Ísis, o amor de toda a sua vida, sentia aquele amor em
seus ossos, não podia mais negá-lo. E independente de saber
que Ísis estava casada e que aquela atitude seria a coisa mais
insana que faria em toda a sua vida, Diogo não conseguia mais
ignorar o vazio em seu peito, queria se sentir completo nova-
mente. Lutaria por ela e não via uma data melhor para tal coisa.

MATHEUS — 18 DE SETEMBRO DE 2019


III.
Hoje estava sendo um dia bem incomum para Ísis, ape-
sar de ser a semana mais conturbada possível em seu escritório,
ela não estava atrasada, todos os documentos que precisaria já
estava na bolsa, ela estava maquiada, calçando um salto alto
preto que combinava de bom grado com seu terninho e tinha
acordado cedo o suficiente para ter um momento a sós com seu
marido no chuveiro antes que sua filha acordasse. Pela primeira
vez em anos, Ísis não tinha acordado com o peso daquela data,
pelo contrário, ainda não havia nem passado pela sua cabeça
que naquele dia fazia exatamente treze anos que deu seu pri-
meiro beijo em Diogo e teve o sentimento que mudou inteira-
mente a forma como via o amor dali em diante. Naquela manhã
Ísis estava apenas feliz por sua filha de seis anos estar termi-
nando o café da manhã, porque significava também que, seu
marido não se atrasaria para o trabalho.
— Michelle, a mamãe tem que ir. Amo você, bom dia na
escola.
Ísis deu um beijo leve na testa da pequena e recebeu um
sorriso em retorno.
— Você está linda hoje, mamãe.
Um sorriso forte tomou conta de todo o rosto de Ísis e
se dirigiu ao seu esposo que estava ao lado dando um beijo em
sua boca e tirando com delicadeza a marca de batom.
— Eu te amo, bom trabalho. — disse Matheus como um
mantra que recitava todas as manhãs.
— Amo vocês, até mais tarde.
Matheus olhou de relance a saída de sua esposa, real-
mente estava mais linda ainda, hoje. Ouviu o carro sair da gara-
gem e retornou sua atenção para o celular checando suas últi-
mas mensagens antes de sair. — Papai... — a sua atenção se vol-
tou à vozinha relutante que mostrava o suco derramado na ca-
miseta da escola. Precisava ser trocada. Matheus quase riu, não
seria hoje que ele sairia na hora, porém por ele estava tudo
bem.
— Tudo bem princesa, o papai vai buscar outra e nós
vamos.
Michelle sorriu ao perceber tranquilidade na voz do pai,
não ouvira sequer um alerta para não brincar com o copo en-
quanto estivesse cheio, como certamente Ísis o teria feito. Para
Matheus aquela menina poderia ter sujado toda a cozinha de
suco que ele ainda não ficaria zangado, Michelle era a fiel defi-
nição de princesinha do papai. Matheus subiu rapidamente as
escadas torcendo mentalmente para a blusa estar passada e
suspirou aliviado quando a encontrou. Trocou rapidamente a fi-
lha e se surpreendeu ao ouvir a campainha.
— Mi, pega a mochila e vamos.
A campainha soou mais uma vez e Matheus se limitou a
gritar um JÁ VAI! Imaginava que encontraria alguém vendendo
algo que ele não tinha interesse e aproveitaria para sair. Pegou
Michelle no colo e colocou sua mochila no outro ombro. Se sur-
preendeu ao abrir a porta e encontrar um homem limpo e
arrumado, mas ainda sim se adiantou. — Oi amigo, a gente já
conhece a palavra de Deus, eu estou atrasado pro trabalho e
não vou poder te dar muita atenção. — disse rapidamente que-
rendo se livrar de qualquer sermão sobre o fim do mundo que
fossem dar as oito da manhã numa quarta-feira.
— Na verdade, Matheus, eu vim aqui para falar com a
Ísis.
— A mamãe já foi trabalhar, ela estava muito linda hoje.
— declamou Michelle com ternura.
Pela primeira vez Diogo tirou os olhos de Matheus,
aquela figura que representava o seu maior obstáculo e se diri-
giu para a pequena menina que estava em seu colo, sorriu ao
vê-la pela primeira vez, ela era uma cópia fiel de Ísis, os olhos
castanhos sorridentes, cabelo enrolado e a franqueza inocente
de sua mãe. Matheus tirou a filha do colo e pediu para que en-
trasse. Apesar daquele homem pálido claramente saber quem
ele era, Matheus não se lembrava de o conhecer.
— Desculpa, mas a gente se conhece, amigo?
Diogo sorriu. — Não, mas eu realmente preciso falar
com a Ísis. Meu nome é Diogo, eu sei que pode parecer muita
loucura, mas eu vim de muito longe para conversar com ela. Se
puder ligar para ela e me deixar falar com ela, seria ótimo para
mim.
Matheus não o reconheceu de cara, mas agora, ouvindo
aquele nome se lembrou da foto que Ísis tinha escondido e ele
tinha encontrado certa vez. Não sabia bem como reagir. Ele ten-
tava juntar todos os fatos que conhecia sobre aquele homem
em sua porta e apesar dele ter sido uma sombra bem presente
no início do seu relacionamento, Matheus não tinha muitos fa-
tos concretos, sabia que ele era militar e que Ísis nunca gostou
de falar sobre ele, algumas vezes o citava, mas nunca fora algo
grande demais, sentia ciúmes quando ouvira as histórias pela
boca das amigas da esposa, mas só isto. Logo, concluiu que ele
não seria uma ameaça para sua filha, mas se posicionou forte-
mente entre a porta e aquele homem.
— Eu poderia ao menos ligar para ela e ela decidir o que
quer fazer? — Diogo disse trazendo Matheus de volta.
— Eu posso ligar, talvez ela possa voltar em casa e resol-
vemos isto. — disse amargamente.
Matheus fez a ligação, torcendo para que Ísis não o
atendesse, assim poderia conversar com a esposa sobre o que
estava acontecendo ali antes dela o encontrar, entretanto ela o
atendeu, estava bem surpresa com o que lhe contou, mas pediu
para deixá-lo entrar, disse que amava o marido mais que tudo e
que compreenderiam aquilo juntos.

ÍSIS — 18 SETEMBRO DE 2019


IV.

A ligação se encerrou do outro lado e Ísis ainda estava


perplexa com o que seu marido lhe disse, nem em sonhos mais
bizarros ela poderia ter previsto aquele cenário, nunca acredi-
tou que de fato, um dia, Diogo bateria em sua porta. A adrena-
lina tomava conta de todo o seu corpo, imaginou como estaria
os sentimentos de seu marido encontrando alguém de seu pas-
sado tão repentinamente e se sentiu desconfortável, Matheus
era uma ótima pessoa e ficaria no meio de algo que ela nem sa-
bia do que se tratava e também não queria saber porque uma
coisa era sonhar com uma alternativa, outra coisa era de fato
vivê-la, em vez disso sua mente se sentiu melhor vagando pelas
piores alternativas do que poderia estar acontecendo para levar
Diogo em carne e osso à sua casa e se recusando a criar expec-
tativas.
Entrou no primeiro desvio que encontrou e nem ao me-
nos notou que acabara de entrar em Barros Filho, apenas conti-
nuou seguindo as placas que sinalizavam seu retorno para Ma-
rechal Hermes e continuou a quarenta quilômetros por hora, re-
duziu a velocidade quando no visor do seu carro, a data lhe cha-
mou atenção. Hoje era dia dezoito de setembro, aquela data di-
zia tudo que Ísis negava e precisaria para entender o motivo de
Diogo estar na sua porta, seu coração começou a bater mais
forte que o habitual e Ísis podia sentir as lágrimas chegando. Po-
rém, não percebeu que passava rapidamente por ela um carro
preto com vidros fumês, só o notou quando ele parou abrupta-
mente em frente ao seu carro a fechando, ela se assustou ao ver
dois homens encapuzados saírem dali com armas grandes que
ela nem saberia nomear.
— Bora madame, sai do carro! Vamo tia, agora, sai logo
daí! Sai! Sai! — gritava o homem vindo em sua direção.
Ísis imediatamente levantou as mãos extremamente as-
sustada, um segundo homem tentava abrir a porta do passa-
geiro, que estava trancada e batia fortemente nas janelas que-
rendo chamar atenção de Ísis para a trava, mas suas mãos tre-
miam demais para ao menos soltar o cinto de segurança. Ísis
queria sair do carro, mas seu corpo estava travado, sua mente
só conseguia pensar Michelle e Matheus, precisava criar cora-
gem para fazer aquilo e nem ao menos percebeu que estava gri-
tando também, da sua boca saia uma súplica para não atirarem,
abaixou a mão devagar para destrancar a porta quando um ter-
ceiro encapuzado saiu do carro parado à frente começou a atirar
para o alto, no segundo disparo, Ísis se assustou o suficiente
para que seu pé fosse em direção ao acelerador assustando os
assaltantes. Foi o necessário para os encapuzados abrirem fogo
contra o carro, e ali, Ísis parou de respirar.
Renascimento
Escritor: André Uchôa

Hoje o sol não pediu licença e invadiu meu quarto.


Lá fora os pássaros voavam e cantavam.
O tempo era propício para ficar em frente
a praia observando a natureza.
Do outro lado as plantas e árvores, ambas,
dando flores e frutos.

A natureza é um ciclo.
Um ciclo de amor, união e compaixão.
Essa estação nos ajuda a interpretar que
a vida passa por momentos de produções
e não reproduções.
De altos e baixos.
Alegrias e tristezas.
Conquistas e derrotas.
Perdas e ganhos.

É preciso nisso tudo vencer todo esse ciclo


e olhar para frente e seguir.
Parar não é a melhor opção.
Desistir é impossível.
É necessário militar!
Sim, lute!

Corra, abrace e conquiste.


Não espera de outros o incentivo: seja você mesmo.
Pausei, refleti e retomei minha vida e consciência.
Na verdade, essa é a estação do renascimento
Já fui
Escritor André Uchôa

E é por aqui
dentre os espaços: entre eu e você.
Aos poucos vamos nos ajeitando.
Sem pensar, estamos juntos.
Movimentos são inatos,
a busca do prazer é constante.

Consigo fugir, sem mirar algo.


Você me impõe, e eu aceito.
É pura imaginação: Cinquenta Tons de cinzas?
Aos poucos somos semelhantes.
Nossas carnes se combinam.
Ou parecem fazer isso,
a busca do prazer é constante.

Sigo com pensamentos intrínsecos.


Sem ao menos crer que eu sou o louco.
Aos poucos somos semelhantes.
Ao encontrarmos um ao outro a pele queima.
Eu sinto a dor, ela é leve.
De repente paramos,
a busca do prazer é constante.

Ao sair da escola você está parado.


Porta direita aberta e adentro.
Aos poucos somos semelhantes.
Poucas palavras pronuncio ao seu lado.
Seu beijo vem a mim: foi insano,
a busca do prazer é constante.

Vamos pouco a pouco dando tempo.


Eu ainda tenho medo, seu nervo é maior.
Aos poucos somos semelhantes.
Quando dou a oportunidade
você ataca.
A busca do prazer é constante.

Sem perceber, sou machucado.


Sinto a dor. Sem perceber:
não somos semelhantes.
Corro, desesperado. Ainda sinto a dor.
Dói, não como prazer, e sim como ferida.
A busca do prazer não é constante.

Cabeça com turbilhões de pensamentos.


Sem contar, sofro depressão.
Cada dia dói mais. Não poderia prever isso.
Ou poderia?
A dor é maior do que qualquer vontade de viver,
sonhar e esperançar.
É tudo difícil.

Entre os dois espaços: eu e o infinito.


Ao me aproximar, nada prevejo.
Não me controlo, sou irracional.
Ainda dói, e os pensamentos vêm e
tudo vai ficando cada vez pior.
Ao perceber, já fui.
Real ou sobrenatural?
Escritora: Angela Camelo

Cheguei depois de um dia de trabalho bem cansativo,


deixei os meus sapatos do lado de fora, peguei o chinelo, beijei
o meu filho, no momento de descanso com meu filho fui repou-
sar, de repente os meus olhos começaram a ficar embaçados e
cansado senti um vento forte no meu rosto, o som nos meus
ouvidos, algo me puxou como se o meu corpo tivesse fios. Foi
muito rápido eu entrei em um tubo em uma outra dimensão e
quando eu abri os olhos, o local era enorme eu não tinha menor
noção da dimensão, e se aproximou uma pessoa com uma apa-
rência de uma mulher, e lhe perguntei onde eu estava e a res-
posta foi que era um lugar em que as pessoas deixavam a vida
terrena, eu pensei que havia morrido. Tomei uma coragem an-
gustiante e perguntei com muito receio se eu havia de fato mor-
rido. Ela respondeu que não era a minha hora, então fiquei com
sensação de alívio, fui andando acompanhado por ela. Era um
lugar tão grande e com vários repartimentos, as pessoas eram
chamadas pelo nome, cada um tinha que dar conta do que fez,
do que falou, até mesmo do que pensou e tudo era documen-
tado. Passavam relances da vida como filme, no próximo repar-
timento era onde as pessoas tinham acabado de chegar, o que
me chamou atenção foi um rapaz que estava alterado, xingando
e muito revoltado com o corpo cheio de feridas abertas como
escaras, mas o que eu observei tinha indício de tatuagem, até
mesmo no rosto tinha e eu perguntei para a mulher o motivo
daquelas feridas no corpo dele, se ali não existia a matéria car-
nal, sendo que se era alma, como era possível? E ela me respon-
deu de forma simples “Foi sem marca e volta sem marca”. E fi-
caria ali até voltar ao que era antes.
O rapaz estava muito nervoso, queria sair dali de qual-
quer jeito e o seguravam porque ele estava extremamente
agressivo e o diziam que não poderia voltar mais, pois estava
morto. E com raiva ele dizia que queria voltar para matar quem
havia feito aquilo com ele. Todos tentavam explicar a ele que
não tinha volta, e que ele deveria aceitar a nova condição.
Ver aquela cena e o desespero do homem me angusti-
ava. E por curiosidade perguntei como ele havia morrido e a his-
tória seria que ele tinha sido assassinado, no caso um acerto de
contas. Senti um vento no meu rosto e fui puxado para outro
lugar e quando me dei conta estava na Terra e vi o homem que
seria o assassino, eu observava, mas ele não me via... Estava
sentado com os amigos com uma arma de prata no cós da calça,
bebendo e dando gargalhadas como se nada tivesse acontecido,
num papo descontraído, uma boa aparência e tranquilo. A mu-
lher que estava me acompanhando dizia que era ele que tinha
tirado a vida do rapaz, eu perguntei como isso ficaria, ela me
respondia que mesmo que o rapaz tivesse feito algo que tivesse
a sentença da morte o assassino não tem permissão de tirar vida
de ninguém e que no dia do julgamento ele prestaria conta da-
quela vida.
Novamente sinto o vento no rosto e voltei para o meu
corpo, senti o meu coração disparado, tinha acabado de acordar
no susto, mas o que mais temia aconteceu. A sensação, tudo de
novo, acabei voltando.
Sem entender perguntei o que estava acontecendo por-
que estava de novo naquele local, a resposta era que eu preci-
sava saber de tudo. E como eu já estava no local, optei por saber
dos detalhes.
No repartimento um rapaz falava que sabia que iria
para o inferno. Não queria nem mesmo entrar na sala restrita
onde ficar o “todo poderoso” que determinava o destino de
cada um após o julgamento. E eu já estava com uma curiosidade
tremenda de saber se poderia ser Deus, pedi para ver, mas fui
barrado. Alegaram que somente os julgados após morte
poderiam adentrar o espaço. E mais uma vez sinto aquele vento
em meu rosto e quando me dou conta, estou novamente em
minha cama com o coração disparado e respiração ofegante.
Meus olhos foram se fechando e rapidamente senti me puxa-
rem de novo, quando eu vi estava de novo no local de antes.
Revoltado comecei a questionar se estavam tentando
me matar. Pois era desagradável sair e voltar com essa rapidez,
me acelerando o coração, eu ia acabar infartando. E a mulher
outra vez bem serena me dizia que eu não me preocupasse, pois
eu não morreria. E me levou onde havia uma figura masculina
saindo do julgamento e foi condenado ao tormento. No canto
do chão havia um buraco, quando foi sugado agarrou em minha
perna e caí junto dele. No meu desespero fiquei chutando a mão
dele para me largar até que soltou e quando eu olhei para trás,
um fogo imenso, um calor absurdo, os gritos eram de desespero
e cansado de tanto gritar e pedir socorro, eu pensei que dessa
vez não conseguiria voltar...
Deparei-me com uma escada e a mulher pediu que eu
subisse, em minha frente avistei uma porta enorme que foi se
abrindo lentamente...Um clarão incomodava os meus olhos. Dei
um passo e vi um longo percurso e o ambiente era tão branco!
Não sentia o vento, não escutava absolutamente nada. Era
como se os meus ouvidos estivessem tampados, ou seja, a sen-
sação que eu estava surdo.
Era outro plano, eu nunca tinha visto nada igual e uma
paz total com plenitude. Perguntei onde eu estava, ela me res-
pondeu que era onde as pessoas terminavam a missão quando
na vida tivesse feito o bem. Ali era o reino do céu. Sem choro,
doenças, tristezas, violência entre outras coisas que passamos
na vida que fazem parte, de repente aquela sensação voltou e
eu retornei para minha cama.
Passei o restante da noite em claro analisando o que eu
tenho feito da minha vida, muitas coisas acontecerem no
decorrer até hoje, outras aprendi, outras sofri... Não sei se o
ocorrido foi um sonho ou mesmo o meu inconsciente gritando
para uma mudança ou se eu realmente vivi na terra prometida...
Cada um vai interpretar de acordo com a sua experiên-
cia, dar palpite a partir da própria vivência e do julgamento da
existência.
A importância da leitura no seio familiar
desde a concepção
Escritora: Cilene Cavalcante

Iniciamos dando um breve esclarecimento sobre a Teo-


ria do Behaviorismo. Termo inglês “behavior”, que significa
“comportamento”: Devido aos conceitos que explicam as análi-
ses dos comportamentos produzidos pelo homem a partir das
diferentes condições vividas no cotidiano. Essa teoria foi impor-
tante para que a psicologia alcançasse “status” de ciência, rom-
pendo definitivamente com a sua tradição filosófica. Este con-
ceito sobre o homem, afirma que este “é uma tábua rasa”, e
tudo o que vier a ser, será em resposta aos estímulos que lhes
foram apresentados ao longo da sua formação. Cita a análise ex-
perimental do comportamento através do reforço, afirmando
que é o elemento-chave na teoria S-R de Skinner, 1945. Um
exemplo em família seria um elogio verbal ao filho (a). Esta teo-
ria também cobre reforços negativos – uma ação que evita uma
consequência indesejada. O comportamento correspondente é
explicado através de reflexos involuntários, como: a contração
das pupilas quando uma luz forte incide sobre os olhos, a saliva-
ção quando uma gota de limão é colocada na ponta da nossa
língua, etc. Explica o comportamento através de uma experiên-
cia onde uma determinada criança é condicionada a não gostar
de ratos. Pois, na experiência, o indivíduo, ao ver os ratos, brinca
com os mesmos. Em seguida, surge um ratinho com um som as-
sustador para a criança. Repete-se esta experiência várias vezes
até que o rato entra sem o barulho e, mesmo assim, a criança se
assusta.

O comportamento operante através de exemplos do co-


tidiano e da experiência de Skinner, afirma que agimos ou ope-
ramos sobre o mundo em função das consequências que nossa
ação cria. Ou seja, se recebemos aprovação em uma determi-
nada ação tendemos a repeti-la e, caso contrário, tendemos a
não mais praticar. Isto define os principais tipos de reforços, de-
nominados: positivo, negativo, extinção e punição.
O Behaviorismo para a educação dos nossos filhos (as)
é importante a partir do momento em que os responsáveis te-
nham a exata noção de que nem sempre uma recompensa ou
punição podem funcionar como reforçadores.
Segundo Skinner, cada indivíduo tem suas próprias ne-
cessidades. Por isso, tem que se descobrir, experimentando, o
reforço que funciona, ou não, em cada pessoa específica – a isso
se dá o nome de arranjo de contingências. São apresentadas
ações como: ler para as crianças desde os primeiros anos de
vida, presenteá-las com livros de acordo com a faixa etária e le-
var os filhos para visitarem museus, que podem facilitar a inte-
ração deles, com a leitura. E assim, chegar-se ao interesse pela
mesma.

A generalização, segundo a Teoria Behaviorista, explica


que ao utilizarmos determinados conhecimentos em nossa vida
cotidiana, estamos vivenciando a generalização. Cita como
exemplo: a capacidade em darmos “o troco” e recebê-lo numa
compra, escrever uma carta para a namorada distante e aplicar
conceitos de física para consertar aparelhos eletrodomésticos.
A leitura é um fornecedor de conhecimentos.

O último conceito é a determinação. Este é o processo


inverso da generalização. É a capacidade de perceber diferenças
entre estímulos e responder diretamente a cada um deles. Por
exemplo: normas e regras de condutas que aprendemos para
festas. No entanto, as festas podem ser diferentes (formais e in-
formais), mas somos capazes de discriminar diferentes estímu-
los e nos comportar de maneira diferente em cada uma das si-
tuações. A determinação é construída desde à concepção. Pois,
o feto é capaz de “sentir” às diversas reações da mãe (boas ou
más).
Para finalizar, algumas críticas à teoria Behaviorista.
Como: o excessivo diretivismo na educação, a não preocupação
em explicar os processos a partir dos quais a criança raciocina e
que estariam presentes na forma como ela se apropria do co-
nhecimento, nos traz a crença de que cada indivíduo, apesar de
ser uma “tábua rasa”, constrói o conhecimento a partir de estí-
mulos que lhes são oferecidos: sendo estes positivos ou negati-
vos. Considero que os responsáveis tenham oportunidade de se
apropriarem e discutir os processos de desenvolvimento e de
aprendizagem humanos e seus desdobramentos no trabalho
educativo, observando então, as perspectivas científicas acerca
do comportamento do ser humano de forma a superar concep-
ções de senso comum presentes no cotidiano familiar e que tem
comprometido sobremaneira o desenvolvimento cognitivo e só-
cio-emocional de qualidade e efetivamente possibilitar a eman-
cipação dos sujeitos.

Enfim, enfatiza-se o quanto a ciência deve adentrar as


famílias e superar visões educativas de senso comum lá presen-
tes. Ao mesmo tempo, evidencia-se o papel crítico e transfor-
mador dos pais, o qual pode desenvolver através de: práticas
críticas, atividades educativas de caráter emancipatório, reser-
vando à educação que valoriza o prazer de ler e seus benefícios
para a vida.
Voar
Escritora: Danny Chagas

Vou voar para bem longe de você


Vou aprender a viver
Seguir a vida sem você
Parei de insistir
Vou começar a viver para mim
Esqueci de ti
Vou começar a sorrir
Parei de sofrer por aqui
Ontem foi a gota d'água
Sonhar
Escritora: Débora Alice

Todos nós temos sonhos e devemos correr todos os dias


atrás deles. Podemos sonhar alto sim, é só se esforçar e ter fé
que tudo irá se realizar!
Muitas das vezes chegam pessoas negativas em nossas
vidas, dizendo que não iremos conseguir, mas na verdade, para
tudi se realizar, só depende de você, não é?!
Então, Não ligue para as opiniões alheias.
Nunca desista dos seus sonhos e seja feliz!
Solo
Escritora: Débora Alice

Eu te amava, mas eu não podia amar por nós dois, eu


precisava que fosse recíproco.
E já que não foi, preferi seguir carreira solo.
Pois como diz o ditado: " melhor sozinha do que mal
acompanhada."
Des(conquistando)
Escritora: Dulce Ornilo

E ele apareceu de repente com aquelas flores na mão.


Não via sinal de vergonha.
Ele queria mesmo era chamar atenção.
Mulheres todas eufóricas com tamanha ousadia e disposição.
E ela? Morrendo de vergonha por ele mas, feliz pela dedicação.
Suou frio. Sorriu. Meio sem graça mesmo.
Boba, talvez!
Ah, quantas mulheres também gostariam de tal admiração?
Um presente à luz do dia, bem no meio do trabalho,
era fatal aceitação.
Foi assim que ela acabou o amando.
Pelo que ele representou para conquistá-la:
que realmente se importava!
O tempo passou!
Não mais com flores chegou.
Achou que não precisava.
Já havia conquistado o amor da mulher amada.
Para que demonstrar agora que ela é admirada?
Foi assim que ela acabou desamando.
Pelo que ele deixou de fazer para reconquistá-la:
pois ele já não mais se importava!
Não desistir
Escritora: Dulce Ornilo

Eu não quero desistir.


Mas, está difícil acreditar que haverá final feliz...
Eu não quero desistir.
Porém, não receber afeto é bem difícil de aceitar.
Eu não quero desistir.
Todavia, a sua ausência tem me feito acreditar
que não haverá um outro jeito
Eu não quero desistir.
Conquanto eu tenho sentido que não fará mais diferença...
Minha presença...
Eu não quero desistir.
Mas, os fatos tem apresentado
que não se pode viver só hoje sem pensar no amanhã.
Eu não quero desistir
De modo que, ainda estou aqui.
Eu não quero desistir.
O fato é que o amor trabalha a razão
E a razão me diz que eu vou me ferir mais uma vez
Porque eu ainda estou aqui.
Passagem...
Escritora: Dulce Ornilo

Por que se irritar com bobagem?


Falar do que não se sabe?
Estamos aqui de passagem...
Por que negar o afeto?
No amigo, no irmão.
Estamos aqui de passagem
Por que estressar-se à toa?
Melhor viver numa boa
Aprender com cada lição
A vida é uma passagem.
Uma aprendizagem.
Uma nova missão.
Por que, então, não fazer o que é certo?
E buscar melhorar cada gesto.
Estamos aqui de passagem...
Cardioplegia
Escritora: Ellen Telácio

Prende. Solta. Contrai. Relaxa. Tem calor, até que esfria.


Tem ritmo, até que enfim, para. Nada é como era antes. Nem
hiper, nem hipo ou normotenso. Só está parado. Quieto. Silên-
cio. A vida não é um morango, então não tem porque receber
massagem. E se receber vai ser perda de tempo, ainda assim é
necessário que ele passe por isso. Intacto. Nos vasos e tubos o
sangue para de correr. Nos pulmões não chegam oxigênio e no
cérebro já não há som e nem imagem. É como o fim de uma
peça teatral. As luzes se apagam e as cortinas se fecham. Todas
as emoções ficam ali registradas. Não tem mais nada para ver.
Não há mais nada a fazer. É peso carregado por todos. É lem-
brança de fim de tarde. É cirurgia mal feita ou organismo em mal
estado. Não há recuperação. É súbito. E assim se despede. Vira
saudades. E que saudade...

cardio.plegia (coração parado)


Meu Amor
Escritor: Gabriel Avelino

Como dizer em um simples olhar o quanto gosto de você?


Às vezes fico imaginando o quanto quero cuidar de você.
Não importa o que existiu no passado. Eu só quero que se sinta
bem no seu presente e que no seu futuro você seja muito feliz.
Sabe quando você quer que um momento dure para sempre?
Então, é assim quando estou com você. É com você que quero
estar e coisas lindas com você compartilhar.
Amor não é eterno. Eterna é a capacidade que temos de amar.
Não quero que você fique presa a mim, e muito menos vire mi-
nha prisioneira. Busco alguém, que não seja apenas minha na-
morada, mas que também seja minha melhor amiga.
A melhor parte dos meus versos são você.
Quando fecho os olhos, imagino você. Imagino meus dedos se
entrelaçando entre seus cabelos, buscando como expressar o
que sinto. Cada toque que dou, é como se eu sentisse seu cora-
ção batendo junto ao meu, em um ritmo mais profundo.
Não vejo palavras que possa descrever tudo o que sinto por
você.
Sorria
Escritor: Gabriel Avelino

Às vezes colocamos um sorriso no rosto,


escrevemos mensagens que faça parecer que está tudo bem.
Mas, por dentro está um caos sem fim.
Às vezes só o que precisamos é de um abraço sincero
e apertado que nos conforte.
Graça de mim
Escritora: Georgeane Lima

Eu quero mesmo é sentar-me à mesa de um bar.


Beber num copo de cerveja,
as minhas dúvidas,
os meus sonhos e os meus medos.
Ser igual aos que vejo tão distante de mim,
de pernas para o alto, de riso solto,
que a qualquer um conta sua vida, seus segredos.
Eu quero mesmo é te amar
por uma só vez, não tentar compreender
nem destilar o sentimento,
ter o relógio apenas como acessório,
e com o guardanapo jogar fora os sentimentos.
Eu quero mesmo é achar interessante
a conversa fiada, aquela que não vai dar em nada,
ter paciência, escutar mentiras,
e não ver o vácuo dos que riem de
si mesmo até a madrugada.
Mas eu sei é ser eu mesma, sei ser assim,
e quero em teus beijos beber minhas dúvidas,
os meus sonhos e os meus medos.
Continuar guardando os meus segredos,
e poder achar graça de mim.
Mãe
Escritora: Giselle de Souza Maria

Não sou, mas quem é às vezes diz:


O filho? É da mãe!
O filho é da mãe!?
Sobra sempre pra mãe...
Um lado meu adora ser mãe;
O outro quer sair correndo.
Ser mãe é viver um misto de emoções
Se por perto está o rebento
Menino barulhento!
Se dá descanso com o pai
A paz se vai
Vem alívio, descanso
A mãe pensa: vou voltar à vida!
Liberdade
Senta-se ao sofá
Começa a pintar as unhas
Chora de saudades.
Matriarca
Escritora: Giselle de Souza Maria

Cochila no sofá
Pra acordar balança suas pernas cruzadas.
Seu pescoço meneia
Acorda
Olha o celular
Investiga a TV
Nem sempre foi assim
Atravessava a roça de Lajinha
Levava comida e café pro padrasto
Ele plantava o que ela ia comer
Sua mãe lavadeira
Menina estudadeira
Sonhadeira...
Foi pro Rio com a família
Da favela pras casas de família
das casas de família pra Baixada
Da Baixada pro trabalho no Rio
Anos, anos e anos
De trabalho na indústria têxtil
Duas filhas pra criar sozinha
Parou de estudar
Voltou a estudar
Viu uma das filhas se formar
A outra Deus chamar
Prestou vestibular...
É pra acreditar!
Depois de se aposentar
Vai se graduar!
Quando acabou
Escritora: Giselle de Souza Maria

Tive vontade de sair correndo


de não encarar a dor
de fugir
de desviar do olhar piedoso
de mudar de assunto
de sair da tristeza
de abraçar a saudade
de ser confortada pelo sol
de desangustiar pela voz das lágrimas do rosto.
Girassol vs Realidade
Escritora: Lauryellen Silva

Se a vida fosse fácil como a gente quer


Se o futuro a gente pudesse prever
Eu hoje estaria tomando um café
Sentado com os amigos em frente à TV
Eu olharia as aves como eu nunca olhei
Daria um abraço apertado em meus avós
Diria “eu te amo” a quem nunca pensei
Talvez seja o que o universo espera de nós
Eu quero ser curado e ajudar curar
Eu quero ser melhor do que eu nunca fui
Fazer o que eu posso pra ajudar
Mais como nem tudo é como a gente quer
Temos que olhar para a nossa realidade
Nos orgulhar de nossas essências
Pensar como se não houvesse o dia de amanhã,
para todos é só mais um dia qualquer
Olhar, pensar, ouvir, respeitar é tudo que precisamos fazer
para viver bem diante de vários problemas.
Será que isso vai acabar?
Escritora: Lauryellen Silva

Procurei palavras para me expressar, mas em meus


pensamentos não conseguia encontrar. Tudo que eu sinto,
nada vai ser fácil de entender. Pois tudo que quero é ape-
nas ser compreendida nesse lugar. Se coloca no meu lugar.
Não é fácil, eu sei disso, mas se se esforçasse ficaria tudo
mais fácil, para aqueles que ao meu redor pudessem des-
cobrir minha forma e meu jeito de ser e de pensar. Tudo é
estranho no meu mundo dos pensamentos, perguntas,
questionamentos, querendo resposta aonde não há ne-
nhuma solução para chegar ao que eu sou. De dentro pra
fora tento me descobrir diante desse meu mundo!
Nas veias e vielas da Baixada
Escritora: Lisi de Castro

Este meu povo que acorda de madrugada, pega a mar-


mita e corre para pegar a minhoca de metal. Em cada vagão lo-
tado de trabalhadores, uns dormem, outros leem jornal... Será
que os que dormem sonham? Será que os estão em silêncio es-
tão pensando em melhorar suas vidas?
A luta do trabalhador que mora na Baixada é árdua. Le-
vanta cedo e dorme tarde. Estes ainda têm a sorte de estarem
trabalhando, pois vários estão desempregados e vão perdendo
a vontade de lutar, se entregam ao caminho escuro.
Lutamos nas veias da Baixada. Lutamos espalhando
arte, rima e prosa. Alguns fazem artesanato e vendem pelas
veias da Baixada. As veias que pulsam o sangue guerreiro do
povo que anseia por vencer, chegar em algum lugar e ser ou-
vido. Ter sossego e uma cama para deitar...
Na Baixada nosso povo brinca, sorri e é feliz um esten-
dendo a mão ao outro. Na Baixada os movimentos de cultura
onde muitos soltam do fundo do coração aquela poesia enta-
lada, para lavar a alma. Na Baixada existe muita coisa boa, mas
o melhor é o sorriso da criança correndo pelas vielas.
Por isso não desisto de ti! Por isso lutarei por ti! Por isso bato no
peito com orgulho “Sou da Baixada e por ela sou apaixonada!”
O que escrevo, o que sai do peito são gritos que ecoam
em meus ouvidos, que vem dos corações aflitos que lutam cada
dia buscando mostrar seu valor, sua luz interior.
Ah! Ainda bem que meu povo não se deixa abater e resiste por
um lugar ao Sol!
Aprender
Escritora: Lorrany Ferreira

Aprender é infinitamente infinito.


Para aprender é preciso pensar e ser criativo.
É como se até o céu construíssemos uma escada,
Onde podemos ajudar o outro, mas cada um com sua escalada.
Nessa escada teremos diversas etapas, mas não teremos um
ponto final, nem um ponto de largada.
A cada degrau, uma aprendizagem
E a cada aprendizagem, um novo eu
Porque aprender não modifica só o externo,
Mas também transforma tudo o que é meu.

Aprender é como explorar as profundezas do mar.


Mas não só observar e, sim criar e imaginar.
Criar e construir além do que se vê.
Imaginar e construir à frente do que se pode ter.
É olhar o que já compõe o mar e construir
com ele um novo mundo.
É saber apreciá-lo, mas saber também
que sempre podemos ir mais fundo.
É ter em mente que podemos ter muito ou até tudo.
É ter ciência que explorando e construindo agora,
influenciamos nosso futuro.

Construir é aprender.
Aprender é construir.
Pois é aprendendo que se constrói.
E é construindo que se aprende.
Mesmo que a construção seja devagar,
Uma hora chegaremos lá
Mas se não chegarmos, o importante
é nunca pararmos de construir.
Porque ao longo dessa vida,
Finalmente eu entendi,
Que aprender nunca terá fim.
Infinitas invenções
Escritora: Lorrany Ferreira

Somos máquinas de invenções.


Criamos diversas versões nossas.
Tantas versões que nos perdemos dentro de nós mesmos.
Criamos demônios internos.
Criamos inimigos.
Criamos monstros.
Criamos guerra.
E no final, lutamos contra nosso próprio eu.
Entre essas e outras
Me conheci.
Desconheci.
Me conheci novamente.
Me perdi.
Me encontrei de novo.
Me desfiz.
Me refiz.
No fim?
Me achei.
Me visualizei inserida em diversas versões.
Finalmente entendi que não sou imutável.
Que uma noite pode me mudar completamente.
E que sempre devo estar preparado para
me conhecer novamente.
Sempre apto a apresentar-me
para o meu novo eu e recebê-lo de braços abertos.
Com amor, às minhas infinitas invenções.
Oportunidades
Escritora: Lorrany Ferreira

Oportunidade, a vida é composta de oportunidades,


umas perdemos, outras tomadas sem lealdade,
pela sociedade, algumas até fogem da nossa realidade.
Dignidade, honestidade, humildade e integridade,
não interessa todas essas suas qualidades,
nem que você tenha responsabilidade.
Elas são raras e possuem prioridades.
Essa é a mais pura verdade, falta igualdade e disponibilidade.
O pobre luta e não conquista,
e se conquista foi com muita luta e dificuldade.
Portas, no caminho encontramos diversas portas!
Em algumas queremos entrar, em outras queremos ficar,
mas advinha? Sempre tinha alguém na frente para fechar.
Tempestade
Escritora: Meirellen Fernandes

Aquele mar me fazia bem, algo nele me fazia navegar,


procurei o que faltava na minha vida, procurava a calma, e era
tudo o que eu tinha. Aquele momento o mundo parecia não ter
limites, as coisas pareciam estar em seu devido lugar, mas me vi
perdido em meio a tempestade que chovia em minha frente.
Cuidado
Escritora: Meirellen Fernandes

Cuidado com as voltas que o mundo dá, hoje é você que


está indo embora e amanhã por essa mesma porta você pode
voltar, e talvez eu não esteja aqui pra te esperar. Até porque,
toda saudade que vou sentir, o mundo vai lhe retribuir.
Mesma estação
Escritora: Perla de Castro

Um abraço no vazio do tempo


E seus passos rápidos no vagar do nada
As horas tilintando na taça dos anseios
Um. mergulho no breu da tua retina
Tão distante
Tão próximas minhas lembranças
Tão prolixas de sentidos
Tão inebriante o perfume dos teus passos
Tuas mãos estendidas e não alcanço
Tu dá passos atrás
Enquanto caminho sentido renovação
Troco de pele
E tu não sai da mesma estação
Ligação
Escritora: Perla de Castro

Olho por dentro da calma e tento me agitar feito liqui-


dificador pra ver se embaralha uma memória ou outra que me
ativa e liga em ti. Parece que daí você ouve o que pensei e me
caça enquanto eu presa em memórias...relembro como é pisar
o chão.
Máscara
Escritora: Perla de Castro

Os olhos vazados da máscara na parede olham fixos pro


que pulsa por dentro. Fitam os gritos altos nos ouvidos do que
antes era sossego. Olham os soluços descompassados de silên-
cio. Olhos vazados que observam atentos o tilintar dos alfinetes
que espetam o discernimento que se queda fadado ao tor-
mento. Olham para a inquietação do que antes era calmaria. Fi-
xam em reprovação a ironia da tirania. Desnudar uma alma da
calma é arte dos sem sanidade. Seria possível estabilidade para
um ser sempre circundado de tempestades? Uma gota a menos
não diminui o veneno. Uma gota a mais não faz diferença no
alagar do terreno. Um escorrer a menos das horas não diminui
a ferrugem causada por águas tão tempestivas. Os olhos vaza-
dos que sussurram... O que não tem remédio, remediado está.
Remediado está. Jogado às traças estará. A vela de ontem não
irá recompor sua parafina para sua chamar voltar a pulsar. Re-
mediado está. Sem volta o que foi cometido está. Uma gota a
menos de veneno não faz um coração voltar a saltar. Diante a
tempestade não há o que se fazer a não ser como papel, perecer
para diante dos mesmos olhos vazados acordar atordoado re-
novado com o calor do Sol. Todo dia é de viver e morrer quando
nasce e morre o Sol. Morremos e renascemos juntos deste farol.
Cada dia é uma gota a mais que nos transborda no alagar.
Carla... Ainda é tão cedo...
(Conto de: Se a vida fosse música)
Escritor: Pietro Peres

Como sinto falta de Carla. Nossos tempos de amor aca-


baram tão repentinamente... Sinto-me muito triste por isso.
Aqueles momentos em que nós éramos somente um, eram re-
almente especiais. Aquela garota terminava tudo o que eu nem
tinha começado... Tudo o que eu sei foi ela que me ensinou, in-
clusive tinha me ensinado a usar a frase: “Ainda é cedo”.

Ela me tratava como um rei. Sempre queria estar ao seu


lado... Ouvindo seus planos e recebendo todo seu amor. Ela es-
tava perdida, e por isso se agarrava a mim, mas eu fui egoísta...
Fiquei tão cego que me esqueci de ajudá-la.

Começamos a ter uma crise em nosso amor. Ela me per-


guntava diversas vezes se eu tinha medo do que estava aconte-
cendo conosco e eu retrucava com a mesma pergunta... Isso a
magoou... Eu não resolvia aquela situação, eu só piorava tudo...
Estava sendo egoísta mais uma vez.

Nós brigamos. Falamos o que não devia nunca ser dito.


Principalmente eu. Ela me disse que não sabia mais o que sentia
por mim, e que queria dar um tempo daquilo tudo, outro dia nós
nos veríamos e resolveríamos aquela situação.

Dias se passaram e finalmente nos vimos. Ela triste, cho-


rando... E eu... Na mesma situação.

Carla disse que queria terminar... Mas egoísta que eu


sou, não quis me separar... Mas não adiantou... Eu realmente
percebia o quão mal eu fazia para ela... Sentia que não podia
ajudar no que ela precisava.
Hoje sou sozinho.

Não sei qual a razão, mas a última frase que eu disse a


ela ainda ecoa no meu subconsciente: “Ainda é cedo Carla,
cedo...”.
Quem inventou o amor?
(Conto de: Se a vida fosse música)
Escritor: Pietro Peres

Larissa questionava-se toda noite:


— Quem inventou o amor?
Pobre Larissa. Sofria por um amor não correspondido de
um rapaz de sua escola.
Observava constantemente seus passos, observava
quem acordaria primeiro durante seus sonos nas carteiras do
colégio. Larissa realmente o amava.
Ela só queria que ele perguntasse como ela estava,
como tinha sido seu dia. Ela só queria que ele dissesse para ela
dormir bem. Ela queria tanto... E se decepcionava por receber
absolutamente nada.
E os dias se passavam... Larissa ia morrendo aos poucos.
Aquele amor tão puro virara teu câncer mais obscuro.
Larissa tentara encontrar alguém durante toda aquela
sua pequena existência.
Fracassara em todas.
Pobre Larissa.
Quem inventou o amor, não é mesmo?...
A história de uma mártir
Escritora: Vanessa Amaral

Naquele dia eu levantei decidida a conhecer alguma re-


serva, horto ou floresta. Já conhecia o Parque Natural de Nova
Iguaçu, visitei várias cachoeiras, caminhei muito e tirei várias fo-
tos lindas. Tinha feito trilhas em Japeri em um dia de sol escal-
dante e voei de asa delta. Nadei na reserva do Tinguá, com
águas geladíssimas. Acampei em Guapimirim e quase congelei
minhas bochechas nas águas cristalinas e geladas. As cachoeiras
que conheci foram fenomenais.

Eu tinha vinte e dois anos, no auge da minha disposição


física e mental. Era alta, de pele retinta e cabelos compridos, li-
sos e escuros. Cursava faculdade de Engenharia Florestal, tinha
o sonho de ser uma profissional ética e cumpridora do dever.
Proteger as florestas de empresas que desmatam sem dor na
consciência ou punição, trabalhar com reflorestamento ou até
fiscalização. Eu era uma menina de muitos sonhos.

Morava em Cabuçu, e descobri que em Queimados ha-


via inaugurado um Horto municipal. Como minha amiga morava
próximo, resolvi fazer uma surpresa. Eu iria convidar para passar
a tarde comigo conhecendo o espaço.

Peguei o carro e dirigi até a casa dela. Estacionei e cami-


nhei até o portão. Apertei a campainha e a mãe dela atendeu,
cumprimentamo-nos e perguntei se a filha dela estava:

― Não, ela saiu com o namorado. Você avisou a ela que


viria? Ela não sairia se soubesse.
― Não… Era uma surpresa. Tudo bem. Pode dizer a ela
que eu vim? ― Dona Maria confirmou e nos despedimos com
beijos no rosto.

Resolvi deixar o carro naquela rua, já que era próximo


ao horto e fui caminhando. Tirei fotos de duas árvores logo na
entrada e subi a trilha que dava vista para a cidade.

Sentei no gramado e estiquei as pernas de frente para


cidade. Estranhei que não havia pessoas por lá. Nenhuma cri-
ança correndo solta pela grama. Sem pais segurando seus bebês
que tentavam dar passos mais firmes. Sem namorados tirando
milhares de selfies para gostarem apenas uma foto. Sem adoles-
centes rindo de simplesmente qualquer frase dita por eles mes-
mos. Afinal, era um sábado ensolarado. Por que aquele lugar
mágico estava vazio?

Foi então que tudo ficou escuro.

O céu perdeu o brilho do sol e deu lugar a escuridão da


noite. Sem Lua ou estrelas para iluminar. A cidade também não
brilhava. As casas não tinham lâmpadas acesas. Os postes sem
refletores. Carros sem faróis. Foi assim por longos três minutos.
E eu ali, sozinha, sentada no gramado e com um pedaço de bolo,
que tinha levado para comer com minha amiga, nas mãos. Cata-
tônica por três minutos. Quando ouvi um som em uma moita
próxima...

Meus ossos congelaram e da minha mão caiu o bolo.


Um frio que subia pela espinha e parava no pescoço, paralisando
o circular de sangue do meu corpo. Me virei lenta e atenta. Uma
fumaça subia do local, mas não havia fogo, eu sabia que não ha-
via.

Um corpo humanoide emergiu da escuridão em meio a


fumaça. Eu via, mas não assimilava o rosto. Ora um tatu, ora um
peixe, ora uma cobra… A coisa caminhava em minha direção,
não bem um andar humano, era com um flutuar misturado a um
arrastar. Até que se fixou na minha frente. O rosto agora osci-
lava entre um veado campeiro e um homem branco, como uma
nuvem. Seus olhos ardiam em chamas de fogo e suas feições
eram indígenas.

O meu corpo não obedecia a minha ordem de correr. Ele


começou a falar. Um som alto e grave:

― Os homens estão queimando as florestas dos Puris.


Você foi escolhida para deter. Caso contrário, toda terra dos Pu-
ris sucumbirá. ― Disse o ser fantasmagórico.

― Eu? O quê? Floresta? ― Eu balbuciava, tentando fugir


do meu algoz.

― A morte e a destruição serão levadas a toda área. ―


Eu não conseguia me mexer, mas forcei a minha mente a se con-
centrar nas palavras daquela coisa.

― Eu não estou entendendo. Quem é você?

― Eu sou Anhangá.

Assim que ele deu sua última frase, eu gritei e consegui


me pôr de pé. Aquilo tinha sumido. E o sangue voltou a circular
pelo meu corpo. O Sol apareceu e até crianças que antes eu não
vi, surgiram por ali. Juntei minhas coisas e saí daquele lugar.
Acreditando que tudo aquilo foi alguma alucinação causada
pelo calor.

Já em casa, eu tentei dormir, mas o sono não vinha, e a


imagem do ser bestial voltava a minha mente. Mesmo não acre-
ditando que o que eu vi era real, abri meu notebook e pesquisei
sobre os Puris somente por curiosidade. Assim que liguei um
ponto ao outro, pesquisei sobre incêndios em florestas da Bai-
xada Fluminense. Naquele momento senti um aperto no peito e
aflição subir por meus ossos. Imediatamente enviei e-mails aos
devidos órgãos responsáveis. Criei uma conta em uma rede so-
cial para mostrar as pessoas os crimes que estavam aconte-
cendo na nossa casa e bem a nossa vista. Escrevi textos e colo-
quei imagens. Meus olhos se fecharam pesadamente.

Sonhei que estava no meio da mata, sentia calor e mi-


nha visão embaçada, ardia. Até que o Anhangá apareceu nova-
mente, segurou minha mão e me levou para o meio das matas.

Acordei suada e cansada. Levantei, preparei meu café e


liguei a tevê. As notícias eram as piores possíveis. Desliguei o
aparelho. Verifiquei que nenhuma das mensagens foram res-
pondidas e a página não cresceu o suficiente para surtir efeito.
Meu coração apertou.

Fui à faculdade, cheguei mais cedo que o normal e con-


versei com todos os alunos que consegui. Tentando dar voz
àquela causa. Pedi para mandarem e-mails para as autoridades
e seguirem minha página, fazer barulho era melhor do que não
fazer nada. Os estudantes me olhavam espantados, como se eu
estivesse louca. Acredito hoje que só eu não estava louca.

Naquele dia eu não consegui assistir a aula.

Fui para casa, na minha mente vinha fogo e guinchos de


animais. Minha cabeça doía e meu corpo tremia. Abri as notícias
e vi que o APA Gericinó Mendanha começou a queimar naquela
noite. Li que era incêndio criminoso e que duraria alguns dias, já
que não estávamos em época de chuva. Lágrimas desceram pelo
meu rosto. A voz da besta veio a minha mente. ‘’Se a floresta
dos Puris queimar, toda a área sucumbirá”. O que aquilo queria
dizer? Eu ainda não queria acreditar, mas o pavor crescia em
meu peito. Será que aquele ser do inferno teria coragem de aca-
bar com toda Baixada? Ele era um Deus do inferno… Mas
mesmo assim. Abri as redes e criei um encontro para pessoas
irem ao APA tentar controlar o fogo no outro dia. Os comentá-
rios cresceram. Professores da faculdade, alunos de engenharia
e outros cursos aderiram a causa. Aquela noite eu não fechei os
olhos. Acompanhava cada comentário, cada curtida, cada con-
firmação de presença. Quando amanheceu, éramos cinquenta
confirmados.

Preparei um café, calcei botas, peguei as chaves e dirigi


em direção ao ponto de encontro.

Para minha decepção foram apenas dez pessoas.


Mesmo assim não desisti. Conversamos com os guardas flores-
tais que não nos deixaram entrar, disseram que uma medida se-
ria tomada por eles, mas infelizmente, não naquele dia.

As pessoas que estavam comigo iam perdendo o ânimo


desistindo pouco a pouco da luta. Convenci duas pessoas a ficar
e entrar comigo escondido.

Entramos e a situação era medonha. Copas de árvores


mesclando em cores laranjas. Animais correndo. O calor forte
de encontro a nossa pele. Percebemos que um dos córregos es-
tava próximo a um dos focos principais. E que a água era desvi-
ada por rochas, de tamanho de caixas de sapato, empilhadas
formando uma barreira natural. Começamos a tirar as rochas do
local. Dez, quinze e vinte quilos sendo levantado por três pes-
soas. Eu precisava fazer aquilo, sabia que se aquela floresta
queimasse, muito mais iria morrer além das árvores e animais.
Conseguimos desviar um pouco a água, que diminuiu o fogo da-
quela área, mas muito mais ainda ardia. Meus companheiros,
cansados e feridos, resolveram ir embora. A situação não seria
resolvida por três pessoas. Tentaram me convencer a sair,
tentaram me puxar, mas eu não fui. Então me deixaram sozinha
dizendo que chamariam os bombeiros para me tirar daquele in-
ferno.

Então, me vi sozinha. Olhei para cima, procurando o ca-


minho das águas. E vi outra barreira no alto. Decidi subir. Se eu
fosse cuidadosa não morreria no fogo. E corri, meus membros
já não obedeciam a meu cérebro. Cada parte do meu corpo de-
cidia por conta própria o que fazer. Então me vi diante de uma
árvore que queimava há muito tempo, pronta para tombar. E
passar por ela era o único caminho para chegar na barreira
acima. Fechei os olhos e caminhei a passos largos.

Eu não senti dor. Somente o impacto e o calor. O laranja


cobriu minha visão por segundos. Depois tudo se transformou
em negro.

Foi assim que eu morri.

Encontrei Anhangá, ele me levou aos deuses indígenas.


Eu vi Tupã sorrindo para mim. E permaneço até hoje em uma
floresta com lagos, frutas e pessoas comendo e brincando com
os animais.

***

Após a minha morte, os e-mails que enviei foram divul-


gados e minha página cresceu exponencialmente. Com muita
pressão popular, e com meu nome muito usado, foram criadas
leis de medidas de proteção a incêndios florestais na Baixada
Fluminense. A conscientização aumentou nas escolas. Projetos
de reflorestamento foram criados. A população falava meu
nome quando falava de proteção ambiental.

Foi assim que virei uma mártir.


Arroz fresco de ontem
Escritora: Vanessa Simões Ferreira

Às vezes parece que se eu me concentrar bastante no


cheiro, no som e na temperatura vou conseguir imergir integral-
mente na memória.

Após três semanas de chuva fina, umidade e céu nu-


blado, o ar morno que entra pela janela traz o cheiro do arroz
da vizinha da casa debaixo. A casa em que morei com minha avó
e minha mãe. A minha velha casa, que aluguei para essa mulher
que — não faço ideia de como — vive no mais profundo silêncio:
não deixa um copo se espatifar no chão porque estava com a
mão escorregadia de sabão; não fecha as portas com força de-
mais; não fala alto. Mas cozinha bem. E o cheiro do arroz e o
som do rádio e o clima morno me lembraram as tardes da minha
infância.

Muitos elementos precisam ser combinados para trazer


a memória perfeita. Não uma lembrança, uma memória. Daque-
las que nos fazem flutuar entre o passado e o presente. Nos sen-
timos naquela tarde remota, vemos o ambiente com nossos
próprios olhos, ouvimos os ruídos com nossos próprios ouvidos,
sentimos o cheiro de lá, quase podemos tocar os objetos. Hoje
muitas sensações confluíram e ocupei novamente meu dimi-
nuto corpo de criança. Vivi a memória: de dentro. Não como
acontece na lembrança, em que nos vemos de fora, sendo ex-
pectadores da cena em vez de protagonistas.

Protagonizei uma memória nesta tarde morna, ensola-


rada e cheirando a alho refogado. Tinha também a iluminação
difusa e o ruído rouco de rádio. Estive tanto no presente quanto
no passado.

Me concentrei para tentar mergulhar mais naquela


tarde, sabe-se lá de qual mês, qual dia da semana, há talvez
quinze ou dezessete anos atrás. Talvez eu estivesse com o uni-
forme vermelho e cinza da escola, esperando o almoço ficar
pronto enquanto mexia nos carretéis de linha que ficavam ba-
gunçados no gabinete da máquina de costura. Minha avó estava
na cozinha, certamente. Acho que minha mãe chegaria do cen-
tro de Nova Iguaçu em alguns minutos ou estava no quintal co-
locando roupa no varal. O pastor atende um telefonema e pede
para a pessoa na linha abaixar o volume do aparelho de rádio e
ouvi-lo apenas pelo telefone. Tentei me concentrar no silvo que
o rádio emite por causa da interferência. Mas aí comecei a ima-
ginar e a memória me escapou, emergi para a lembrança.

O arroz do meu almoço não está no fogo, vou comer o


de ontem requentado no micro-ondas. Não preciso esperar pela
comida e não visto um uniforme de escola há sete anos. Sei exa-
tamente que dia da semana é hoje, que mês e que ano. A reali-
dade é tão concreta, métrica. Mas às vezes ela se rompe, como
se um número da sua régua estivesse apagado. Então ficamos à
deriva até lembrar o número anterior ou identificar o seguinte.
Enfim, mesmo contra nossa vontade, identificamos onde esta-
mos, qual número falta. Aportamos.

Achei que hoje seria um dia com número bem marcado


na escala, definido, talvez um dia ímpar. Tinha planejado coisas
simples: limpar, arrumar, ler. Mas a memória me fez perder a
rota. Senti saudades. Vaguei pela casa. A casa de cima, com as
últimas memórias, as mais recentes. A casa nova, com três quar-
tos, cinza, limpa, moderna. Esta casa parece menor do que a
casa debaixo porque não tem as histórias da minha infância,
porque não está gasta pelo tempo, com azulejos já foscos e o
piso antiquado da cozinha.

Entrei incansavelmente no quarto, na cozinha, no


quarto, na cozinha. Deitei na cama, abri a geladeira. Procurava
algo. Não vou achar, eu sei. Então, o ar me escapa. Aliás, ele en-
tra mas é como se não penetrasse meus pulmões, não abaste-
cesse minhas células. Preciso irromper em choro. Contudo, sou
uma represa. Criou-se um dique dentro de mim, o choro não
passa, não escoa. Fica congestionado na garganta. Não seria tão
ruim se eu estivesse virando um açude que gerasse energia, ou
que contivesse água para beber, se esbaldar. Mas sinto que sou
uma barragem de rejeitos, mal arquitetada, sobrecarregada.

O ar que entra, mas não penetra. Entro e saio da cozi-


nha. Deito na cama. Levanto. Começo a procurar um objeto,
uma ferramenta ou um amuleto. Algo para romper a barreira,
deixar escoar o choro que foi mantido ali com tanta irresponsa-
bilidade. Tudo bem a sujeira que virá junto, o estrago, dor, má-
goa, arrependimento. Pior é deixar esse pequeno solo entre o
estômago e a garganta absorver tudo, saturar. Melhor que um
choro de lama se espalhe e distribua pelo corpo todas as impu-
rezas.

Não encontro nada. Exatamente por isso, gotejo. Uma


lágrima escoa. Quase não causa danos, vaza praticamente des-
percebida. Mas alivia imensamente essa represa. Respiro. O ar-
roz da vizinha está pronto.
O que sabem sobre Maria?
Escritora: Vanessa Simões Ferreira

Miguel, o escrevente do cartório, sabe que ela nasceu


no dia 8 de agosto de 1973, filha de Rosa da Silva Prado e pai
desconhecido.
Arthur, o primo, sabe que foi criada pela avó, numa casa
pequena do subúrbio, com pouco dinheiro e muito trabalho.
Rosana, a vizinha velha, sabe que ela leva umas bofeta-
das do marido de vez em quando.
Tadeu, o marido, sabe que ela tem medo de denunciar
as bofetadas.
Joana, a vizinha nova, sabe que ela faz escondida um
curso online de recursos humanos.
Patrícia, a filha, sabe que ela ficaria horrorizada se sou-
besse que a filha não é mais virgem.
Tadeu Júnior, o filho, sabe que ela vai lavar as roupas
sujas que ele deixa espalhadas pela casa.
Dona Ana, a avó, sabe que ela tem mágoa do pai que a abando-
nou.

O que sabem sobre Maria?

Marcos, o corretor das provas do curso online, sabe que


ela é um número de matrícula que está tendo um ótimo desem-
penho.
IRPF, o imposto de renda, sabe que ela é dependente de
Tadeu.
Suzana, a gerente do banco, sabe que ela tem uma pou-
pança há três anos.
Beatriz, a amiga, sabe que ela acatou seu conselho de
abrir uma poupança escondida de Tadeu e colocar lá todo o tro-
cado que ela conseguisse economizar.
Todos da rua F, seus vizinhos, sabem que ela faz reparos
em roupas por um preço bom.
Seu Manoel, o padeiro, sabe que ela gosta de pães mo-
reninhos.

O que sabem sobre Maria?

Augusto, o jornaleiro, sabe que ela fica sozinha em casa


das três às cinco, que ela coloca o som alto para abafar a con-
versa dos dois e que ele deve entrar pelos fundos.
Augusto, o jornaleiro, sabe que ela gosta de fumar um
cigarro depois do sexo e que não vai deixá-lo ir embora sem con-
ferir meticulosamente se ele esqueceu algo.
Augusto, o jornaleiro, sabe que das primeiras vezes ela
se sentiu culpada, que insistiu que parassem de se encontrar,
que tinha medo do marido descobrir.
Augusto, o jornaleiro, sabe que eles se desencontraram
quando ele foi servir o exército, que ela se casou com Tadeu por
pressão da família, que ela é infeliz no casamento e pretende
largar o marido assim que terminar o curso de RH e arrumar um
emprego.

O que sabem sobre Maria?

Rosana, a vizinha velha, agora sabe sobre Augusto.


Joana, a vizinha nova, agora sabe que a traição de Maria
foi descoberta por Rosana e pretende avisá-la.
Seu Manoel, o padeiro, sabe do boato antes de Joana e
conta para Tadeu.
Tadeu, o marido, sabe que honra de homem se lava com
sangue.
Patrícia, a filha, sabe que a raiva do pai é implacável e
liga para a polícia.
Peixoto, o policial, sabe que as denúncias dos vizinhos
sobre violência doméstica na casa 28 da rua F não dão em nada
e demora a atender a ocorrência.
A certidão de óbito sabe que Maria morreu jovem, re-
sultado de um ferimento de 12 centímetros de profundidade,
cumprimento de uma faca de cozinha, que perfurou seu intes-
tino.
Os visitantes do cemitério público de Nova Iguaçu sa-
bem que ela morreu no dia tal do mês tal, que era mãe, amiga e
neta querida, que deixou saudades eternas.

Afinal, o que sabem sobre Maria?


Das mestras-lavradoras
Escritora: Veronica Cunha

Dona Vitalina, mais uma Lina na minha vida, fazia flores-


cer almas-semente. Regava com suas lágrimas, pois a vida não
era fácil na terra-ventre sergipana que gerou vinte e dois reben-
tos, sendo o meu pai o mais novo destes e que nos apresentou
a história que fala mais de resistência do que de dor.
Lina, vó VitaLINA que conseguiu superar as agruras de
ser mulher na década de 20. Ainda não é fácil ser mulher. Você
pode imaginar o que era ser mulher pobre e nordestina na dé-
cada de 20? Todavia, a neta da lavradora está aqui escrevendo,
não está? Devemos muito às nossas mais velhas que não se ren-
deram e sussurravam abafadas no travesseiro: VAI PASSAR...
Mulher de braços fortes! Meu pai sempre os chamava
de muque. Era uma mistura boa de força com ternura. Sabia
usá-los para arar com força, semear com destreza e acariciar os
cabelos dos filhos no anúncio da hora de ir à escola. Sim, a escola
para ela era fundamental. Os filhos deveriam sair ainda no es-
curo, caminhar pelas picadas. Ela achava isso fundamenta! FUN-
DA MEN-TAL! Ela tinha certeza!
Com os olhos marejados, papai conta que perdeu a
conta das vezes que a viu chorar porque a aridez da roça e do
coração do vovô fazia trovejar palavras que não traziam a chuva
esperada à alma-flor da vovó. Ele insistia que não precisavam
estudar ’us mininu”. As meninas-botão, nem em questão. Ah, a
Lina... A minha Vitalina, fazia doces também. Seus braços fortes
faziam queijadas, cocadas e tantos outros quitutes que fariam
com que àquele que seria um dia o meu doce pai, conseguisse
comprar seus cadernos e seguir na caminhada que o seu Isaac
não apoiava, mas a Dona Lina, a minha VitaLINA mestra-lavra-
dora, vislumbrava como a sua melhor semeadura que faria.
Os longos cabelos aos poucos indo perdendo cor e ga-
nhando raios brilhantes. A pele tão cheia de viço, mostrava as
marca-linha daquelas que trazem muitas escrevivências, como
diria a outra mestra-feiticeira das letras Conceição Evaristo. Ti-
nha um andar firme, ágil. Contudo, quando sentava com as per-
nas abertas, jogava a saia entre elas e, ralando seus cocos, cozia
sonhos. Sonho de que seus doces e lavraduras seriam frutos-se-
mente de suas mãos. Esses frutos gerariam mãos que escreve-
riam outras histórias e lavrariam outras terras, germinando pro-
tagonismos femininos que transformariam corações-lavoura em
berçários com mudas de netas fazedoras de amanhãs.
Sangue quente
Escritora: Veronica Cunha

Veia que pulsa


Veia.

Veia que sangra


Veia.

Veia que vive


Veia.

Veia que luta


Veia.

Veia voraz
Veia sagaz
Veia vital
Veia imortal
Veia.

Veia
Veia
Veia
Veia
Veias

Veias que pulsam da Baixada


Quem são eles?
Aguarde bônus do livro em breve!
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