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Assim morreu Bayard

Fonte: Marcel Brion. Revista Historia, n. 329. Paris, abril de 1974.

Uma poderosa aliança formava-se na Itália nesse ano de 1524 contra a


França. Carlos V tinha prometido seu apoio aos príncipes italianos e lhes enviou
doze mil soldados. De outro lado, os venezianos tinham engajado os melhores
mercenários.
O marquês de Pescara, Ferdinando Francisco de Avalos, comandava o
exército espanhol, no qual os arcabuzeiros bascos distinguiam-se por uma tática
ousada: com muita boa pontaria, eles atiravam unicamente nos chefes, os
atingiam no primeiro tiro de arcabuz e fugiam a toda pressa, antes que alguém
tivesse tempo de responder a seu tiro.
Entre os coligados, havia até um príncipe francês, o condestável de
Bourbon, que tinha passado ao serviço dos alemães. Como calcular o número
desse exército? Os melhores capitães alemães e italianos o comandavam. Tinham
tudo para ganhar: dinheiro, munições, a superioridade numérica e, também, a
excelência dos combatentes que os capitães tinham selecionado um por um.
De seu lado, o vice-rei francês de Nápoles e o marquês de Marignan
tinham trazido seus esquadrões. Mas às poderosas tropas inimigas, eles só
podiam opor regimentos insuficientes, mal alimentados e com poucas munições.
Além disso, estavam mal comandados, pois, desde o inicio das operações,
Bonnivet e Bayard tinham se enfrentado.
O almirante Bonnivet, orgulhoso de seu título, não admitia que alguém
discutisse suas instruções. Assim, o bom cavaleiro Bayard, ficou magoado por
servir de subalterno às ordens de um cortesão que nunca tinha sido provado na
guerra, e que tinha acumulado os mais graves erros.
Bonnivet era corajoso, mas nesta guerra em que ele devia enfrentar os
melhores estrategistas da época, a coragem não podia substituir o talento. Ele
subestimou irrefletidamente as forças de seus adversários que tinham montado
um dos exércitos mais poderosos da época. Enfim, cometeu o erro, imperdoável
para um comandante, de não compreender o valor do capitão que servia sob suas
ordens, Bayard.

Os erros de Bonnivet
Foi um engano de Francisco I, rei da França, deixar a Bayard num posto
subalterno e, ainda mais, de tê-lo colocado ao lado de um homem frívolo,
vaidoso e ressentido, decidido a comandar como mestre absoluto, sem receber
conselhos de ninguém. Em lugar de pedir as sugestões de Bayard, que tinha
tantas vezes combatido na Itália, deu-lhe suas instruções com uma empáfia, como
se o tivesse feito para um jovem oficial acabado de chegar de Paris.
O caso de Robecco mostrou bem as dissensões entre Bonnivet e Bayard.
Foi necessário que a incompetência e o autoritarismo do almirante chegassem ao
cúmulo, para que o cavaleiro, sempre tão respeitoso e fiel à disciplina, ousasse
nesse dia discutir uma ordem.
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Bonnivet tinha lhe dado a ordem de trancar-se nessa pequena cidade com
duzentos soldados. Bayard observou que para defender Robecco seria necessário
a metade do exército francês. - Portanto, Monsenhor - acrescentou ele -, eu vos
suplico que penseis bem onde vós quereis me enviar.
A discussão esquentou-se rapidamente e foi com grande desgosto que o
mais fraco foi então ocupar Robecco. Tudo aconteceu como tinha sido previsto.
Os inimigos concentraram-se em torno da cidade, cada vez mais numerosos.
Bayard escreveu a Bonnivet e pediu socorro: o almirante ficou surdo aos mais
prementes apelos.
A guarnição de Robecco era tão fraca que eram necessários todos os
homens disponíveis para fazer guarda. Bayard não saía das muralhas. Era visto
andando pelos caminhos de ronda, noite e dia, esgotado pela falta de sono,
tremendo de febre. Durante esse tempo, os espanhóis de Avalos, conduzidos
pelos habitantes da região que conheciam os caminhos seguros, tomavam conta
de todas as proximidades da cidade.
Uma noite, enfim, em que o bom cavaleiro, caindo de cansaço e de
doença, tinha se deitado para dormir um pouco, os vigias gritaram o alarme.
Bayard levantou-se de um salto e como sempre dormia revestido de sua
armadura, enfrentou o adversário.
Mas era tarde demais. Os tambores dos espanhóis faziam grande barulho
nas ruas da cidade. - Salvemos as pessoas, se for possível! - disse Bayard.
Recuou até Abbiategrasse, onde estava acampado a maior parte das forças de
Bonnivet.
Este fracasso não diminuiu a arrogância de Bonnivet, que não queria
depender de ninguém. Perdeu-se Vercelli, depois Novara. Estas e outras
decepções fizeram com que as tropas, já mal-humoradas, ficassem indispostas
com essa absurda campanha. Bonnivet manobrava a esmo, pouco ao par das
estradas e dos rios.
Foi assim que ele acabou conduzindo suas tropas ao rio Sésia, em plena
enchente pelas neves dos Alpes, numa noite de tempestade. Os cavalos perdiam
pé e se afogavam na correnteza. Os homens procuravam seus chefes. A
tempestade impedia de escutar as ordens, de reconhecer as bandeiras.
Quando o resto do exército que tinha podido sair são e salvo da torrente
passou do outro lado do rio, encontraram em boa ordem os cavaleiros e soldados
de Pescara, prontos para atacar. Foi ali que um tiro de arcabuz quebrou o ombro
de Bonnivet. Sentindo que perdia a vida com seu sangue, o almirante fez chamar
Bayard.
- Monsenhor de Bayard, disse-lhe, vós vedes o meu estado. Eu vos entrego
o comando de todo o exército do rei. Em nome da honra da França, eu vos
conjuro de salvar a artilharia e as insígnias, que entrego inteiramente a vosso
valor e a vossa boa conduta.
Era bastante tarde para reconhecer seu erro, mas Bayard não era
rancoroso. Quando viu seu rival assim desfeito, perdoou-lhe todas as
mesquinharias e respondeu: - Monsenhor, eu teria querido que vós me tivesses
feito essa honra numa ocasião em que a fortuna nos fosse menos contrária. Mas,
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não importa, eu vos dou minha fé de as defender tão bem que elas não cairão no
poder dos inimigos, enquanto eu estiver vivo.

Bayard, comandante do exército


Bayard tomou o exército a seu comando; ergueu a moral dos soldados
desanimados, reuniu os desertores e deu uma certa coesão a esses restos de
regimentos em debandada. Enviou a Ivrea a artilharia e as cargas, organizou a
retirada permanecendo ele próprio na retaguarda com um punhado de suíços que
serviam a Jean de Diesbach. Partiram assim, acossados pelos espanhóis que os
seguiam de perto, feridos pelos tiros de arcabuz dos bascos.
Porém, não se tratava mais de um exército vencido em debandada, mas
uma tropa altaneira e corajosa, caindo de cansaço e morrendo de fome que,
apesar de sua inferioridade numérica e seu estado de fraqueza, enfrentava com
coragem a todos os assaltos.
A partir do momento em que Bayard tomou o comando, dir-se-ia que uma
alma nova havia entrado nesse corpo esgotado. A dignidade da retirada, a audácia
com a qual a retaguarda resistia aos mais violentos ataques, inspiraram aos
espanhóis um respeito tão grande que os chefes do exército imperial se reuniram
em conselho para saber se era o caso de persegui-los mais longe.
A simples presença de Bayard era para alguns uma garantia de vitória e foi
necessária toda a energia de Pescara para persuadir os capitães de continuar a
luta. “Ainda um esforço, dizia ele, e conseguiremos vencer!”
Enquanto isso, o bom cavaleiro, “seguro como se estivesse em casa, fazia
andar seus soldados, retirava-se lentamente, com a face sempre voltada para seus
inimigos, a espada em punho, dando-lhes mais medo do que cem outros juntos”.

A última batalha
Chegaram então ao vilarejo que os cronistas chamam de Ravisingo, na
região de Ivrea. Acamparam na noite de 29 de abril de 1524, para permitir um
descanso aos homens e aos cavalos. Mas Bayard, que se sentia perseguido de
perto pelos espanhóis, fez levantar acampamento no meio da noite e retirou-se
detrás de uma elevação de terreno, onde pensava que o inimigo não podia
surpreendê-lo.
Dessa vez, não foram concedidas à tropas extenuadas senão algumas horas
de sono e em seguida retomaram o caminho, na aurora cinzenta. De seu lado,
Pescara queimava as etapas. Reuniu a cavalaria ligeira, mais rápida do que os
soldados pesadamente armados. Os arcabuzeiros bascos, atiradores infalíveis,
subiram nas garupas dos cavalos.
Os dois adversários encontraram-se frente a frente na hora do amanhecer.
O ataque da cavalaria ligeira e dos arcabuzeiros bascos foi tão violento que a
retaguarda francesa cedeu. Os espanhóis tinham começado a pilhar as bagagens,
das quais Bayard não se preocupava muito; mas no momento em que o bom
cavaleiro viu que estavam levando embora duas peças de artilharia, não pôde
suportar ver esses belos canhões caírem nas mãos do inimigo.
- Vou retomá-los! - gritou. E lançou-se na melée.
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- Irei convosco! - respondeu Jean de Chabannes, Senhor de Vandenesse,


irmão de La Palisse, o velho companheiro de guerra de nosso cavaleiro.
Lamentavelmente, os arcabuzeiros bascos tinham boa pontaria. Das duas
balas atiradas, uma matou Vandenesse na hora. A outra atingiu Bayard nas costas
e lhe quebrou a espinha dorsal. - Jesus! - gritou, e agarrou-se à sela para não cair.
Aqueles que o acompanhavam o ouviram gritar depois: “Hélas, meu Deus,
estou morto! Apressaram-se em socorrê-lo, mas qualquer ajuda dos homens não
podia mais nada por ele. Sentindo que suas forças o abandonavam, Bayard
desembainhou sua espada que desde há tanto tempo esteve em sua companhia em
todas as campanhas, nas quais ele tinha batalhado tão bem pela França; levantou-
a diante de seus olhos, osculou a cruz que formava a empunhadura como se ele
tivesse querido associar nesse gesto a devoção por nosso Redentor e o amor que
devotava a arma do cavaleiro.
- “Miserere mei, Deus, secundum magnam misericordiam tuam”, disse
ainda. De repente, calou-se. Tinha ficado pálido e vacilava sobre a sela. Um
jovem ajudou-o a descer do cavalo. Era um delfinês, Jacques Joffrey, que desde
alguns anos o servia fielmente e o acompanhava em todas as suas aventuras.
Bayard abriu os olhos. Com um gesto, mostrou um carvalho que se erguia
perto de lá e indicou que queria repousar sob a sombra dessa arvore venerável. -
Colocai-me de maneira a que eu tenha a face voltada para os inimigos - disse
num murmúrio -; eu nunca lhes dei as costas e não quero neste último momento
que seja a primeira vez, pois estou acabado.
Jean de Diesbach, chefe dos lansquenets, aproximou-se e suplicou a
Bayard que se deitasse na maca que os soldados tinham fabricado com suas
picas, mas ele recusou de ir com eles.
As aventuras tinham terminado. As belas cavalgadas e as nobres batalhas
ficavam para outros. Bayard queria morrer em paz, com a face voltada a Deus. -
Deixai-me, eu vô-lo peço, preciso pensar um pouco na minha consciência. Tirar-
me daqui não servirá senão para encurtar cruelmente a minha vida, pois com a
mais pequena mexida, sinto todas as dores que é possível sentir, salvo a da morte
que sentirei em breve.
Jacques Joffrey chorava ajoelhado perto de seu senhor. Bayard sorriu para
ele e acariciou sua cabeça que se inclinava sobre o moribundo. - Jacques, meu
amigo, deixa de lado a tua dor; é vontade de Deus tirar-me desse mundo. Por sua
graça, fiquei longamente nele e recebi mais bens e honras do que merecia. O que
mais lamento ao morrer, é de não ter feito meu dever tão bem quanto devia. Era
minha esperança, se tivesse vivido mais tempo, reparar as faltas passadas. Mas
como isto não pode mais ser, suplico a meu Criador, pela sua misericórdia
infinita, que tenha pena de minha pobre alma. Tenho confiança que Ele o fará, e
que por sua grande e incompreensível bondade, Ele não aplicará sobre mim uma
rigorosa justiça.
Ao longe, uns esquadrões espanhóis apareceram galopando em direção ao
grupo de homens reunidos em torno do carvalho e do cavaleiro. Para poupar a
seus companheiros a vergonha de cair nas mãos do inimigo, Bayard suplicou-lhes
que se afastassem, mas eles não quiseram. Então, o bom cavaleiro pediu que seu
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ajudante o ouvisse em confissão, pois no campo não havia padre para fazê-lo e
dar-lhe a absolvição.
Depois de ter-se confessado a Deus, afastou de si suavemente os que o
acompanhavam. - Meus senhores, eu vos peço, ide! Caireis nas mãos dos
inimigos e isto não será de nenhuma utilidade, pois minha vida acabou. Adeus,
meus bons senhores e amigos, eu vos recomendo minha pobre alma.
Prenderam-se às suas vestes, e como pareciam querer continuar a resistir,
ele, como uma afetuosa insistência, fez um gesto significando: “Eu o mando!”
Docilmente despediram-se dele. Oscularam-lhe as mãos com lágrimas, enquanto
o grupo de cavaleiros inimigos aumentava de tamanho no horizonte. Viam-se já
brilhar os capacetes e flutuar os estandartes. Só Joffrey ficou perto dele.
Bayard, esgotado, tinha fechado os olhos. Quando as lamentações e os
gemidos cessaram, os pássaros recomeçaram a cantar. Bayard abriu os olhos, e
viu na sua frente um cavaleiro revestido de uma esplendida armadura, brilhando
no meio de sedas e penachos. Era um adversário digno dele, um valente soldado,
um grande general: o marquês de Pescara.
O general espanhol tinha ficado surpreso ao ver um homem deitado contra
uma árvore, ao lado de quem chorava um jovenzinho. Quando reconheceu o
cavaleiro “sans peur et sans reproche”, o marquês saltou de seu cavalo e
aproximou-se cheio de respeito e de compaixão.
- Queira Deus, gentil senhor de Bayard, ainda que isto me custasse um
quarto de meu sangue e que eu não coma carne durante dois anos, mas que eu
vos guarde em boa saúde como meu prisioneiro! Pois, pelo tratamento que eu vos
daria, vós veríeis quanto eu estimo a alta proeza que vós representais. Desde que
estou no serviço das armas, nunca ouvi falar de nenhum cavaleiro que nem de
longe se parecesse convosco.
Assim falou ele, por causa da grande glória que Bayard tinha conquistado,
depois de toda uma vida de coragem e dedicação que obrigava mesmo seus
inimigos a admirá-lo e amá-lo.
- Eu deveria estar bem contente de vos ver assim moribundo, sabendo bem
que nas guerras do rei meu mestre, ele nunca teve maior, nem mais terrível
inimigo. Mas, quando eu considero a grande perda que sofre hoje toda a
cavalaria, que Deus não mais me ajude se não for verdade que eu gostaria de dar
a metade do que possuo para que isto não aconteça! Mas, uma vez que para a
morte não há remédio, eu peço Àquele que nos criou à sua semelhança, que
receba vossa alma junto d’Ele.
Em seguida, insistiu para que aceitasse de deixar-se conduzir à sua casa,
assegurando-lhe que seus cirurgiões o curariam tão bem que o guardariam em
vida. Mas Bayard sorria ouvindo esses dizeres, pois ele havia escutado a voz da
morte e entendeu que ela já estava perto, prestes a conduzi-lo ao paraíso dos
soldados valorosos!
Nunca um gentil-homem fez convites mais atraentes e insistentes para
receber em casa um hóspede principesco. Bayard sabia que Pescara era sincero
em seus protestos e que ele seria tratado como cavaleiro por esse generoso
inimigo. Mas, para que perder tempo de disputar com a morte um corpo sobre o
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qual ela já havia pousado a sua mão? A alma é o que importa, e ela pertence a
Deus.
- Deixai-me no mesmo campo onde combati - respondeu o moribundo -
para que eu morra aqui como homem de guerra, como sempre o desejei. Pescara
aceitou. Para comprazer os desejos do cavaleiro, fez montar sua própria tenda em
torno da árvore, instalou um leito e, com suas próprias mãos, colocou ali o
inimigo ferido.
Não eram mais dois soldados ao serviço de causas opostas que estavam
frente a frente, mas dois cavaleiros unidos fraternalmente pelo rito da cavalaria,
animados pelo mesmo ideal, que as circunstâncias da vida tinham levado a
combater-se, mas que tinham sido feitos para compreender-se e amar-se.
Bayard não quis receber os médicos que se apresentaram para curá-lo.
Aceitou, isto sim, muito devotamente, o capelão do marquês, ao qual renovou a
confissão que tinha feito há pouco ao pequeno Joffrey. Depois disso, pediu que o
deixassem sozinho.
Enquanto ele se recolhia, Pescara ordenou seu exército para um desfile. As
ordens de comando ressoavam de uma ponta à outra dos esquadrões, ouviam-se
os cavalos galopar, tocar os tambores e os trompetes. Todos estes barulhos
familiares se entrecruzavam em torno do moribundo. De repente, uma grande
fanfarra começou: o passo cadenciado dos cavalos, a pesada marcha dos
lansquenets.
O exército espanhol desfilava na frente do cavaleiro que morria,
inclinando seus estandartes no momento que chegavam à altura do carvalho. Era
o último adeus de Pescara, a última homenagem de um valente a outro valente. -
A França não sabe o que perde hoje com esse bom cavaleiro.
A noite chegava. O rumor do exército em marcha se apagava ao longe.
Novamente, a calma e o silêncio do crepúsculo circundaram o carvalho. Bayard
rezava...
Uma voz familiar o tirou de sua meditação. - Ah! Capitão Bayard, vós a
quem sempre amei por vossa grande proeza e lealdade, tenho grande pena de vos
ver nesse estado. O rosto de Bayard ficou triste e severo. Por que ter sido
incomodado por um tal homem, em tal momento? O condestável de Bourbon
estava na frente dele. Em seus olhos via-se uma compaixão e uma admiração
sincera, talvez um remorso.
Não era o momento de dar explicações. Bayard não queria saber quais
eram as razões que tinham movido esse homem a combater num exército
estrangeiro contra o seu rei. Provavelmente, Bourbon estava vindo justificar-se,
para explicar-se, mas Bayard não queria ouvi-lo. Não queria saber nada das crises
de consciência que o levaram a isto, nem de seu ideal falido, nem da noção mais
ou menos quimérica que ele tinha da honra e de seus deveres de soldado.
Bourbon esperava uma palavra, um julgamento ou um perdão. Queria sair
absolvido por esse homem de honra. Mas Bayard não quis discutir. - Monsenhor,
eu vos agradeço. Não tenhais pena de mim, pois morro como homem de bem,
servindo a meu rei. Mas deveis ter pena de vós mesmo, que tomais as armas
contra vosso príncipe e vossa pátria. Depois disto calou-se e não disse mais uma
palavra a nenhum homem. Bayard pertencia agora a Deus.
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Era para Ele que iam seus últimos pensamentos; à medida que se afastava
da terra, aproximava-se da luz pura da grande verdade evidente, das certezas
definitivas. Bayard rezava...
- Meu Deus, Vós o dissestes, eu o sei, que qualquer um que de bom
coração se dirija a Vós, por maior pecador que seja, Vós estais sempre prestes a
recebê-lo na Vossa graça e a perdoá-lo. Hélas, meu Deus, Criador e Redentor, eu
vos ofendi gravemente durante minha vida, mas me arrependo de todo meu
coração.
Reconheço ainda, que se ficasse nos desertos durante mil anos, a pão e
água, isso não seria suficiente para ter o direito de entrar no Reino de vosso
Paraíso, se por vossa grande e infinita bondade, Vós não Vos dignais de me
receber; pois nenhuma criatura pode neste mundo merecer tão alta recompensa.
Meu Pai e Salvador, eu vos suplico que vos digneis não considerar as
faltas que cometi. Julgai-me segundo vossa grande misericórdia e não segundo os
rigores de tua justiça.
O sol havia se posto, a noite chegava. A oração de Bayard ficou
incompleta. “Le chevalier sans peur et sans reproche” entrou na grande paz de
Deus.

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