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Simon de Montfort, gládio da Igreja


IIª Parte: Vitórias e milagres

Fontes: Pierre Belperron, La Croisade contre les Albigeois, Librairie


Académique Perrin, Paris, 1967; Henri Martin, Histoire de France, Furne, Jouvet
et Cie, Paris, 1878; Achille Luchaire, Innocent III, la Croisade des Albigeois,
Hachette, Paris, 1906; Dominique Paladilhe, Les grandes heures cathares,
Librairie Académique Perrin, Paris, 1969; Pascal Guébin e Henri Maisonneuve,
Histoire Albigeoise, Librairie Philosophique J. Vrin, Paris, 1951.

O perfeito cavaleiro
O conde Simon de Montfort acabava de instalar-se no seu novo feudo
quando a Cruzada dispersou-se. Haviam transcorrido os quarenta dias
obrigatórios, prescritos pelo Papa para a obtenção das indulgências, e os cruzados
não pensavam senão em voltar para suas casas. “O conde ficou só e desolado;
restaram-lhe apenas trinta cavaleiros, - com suas respectivas gentes de armas -
que tinham vindo da França e que colocavam acima de tudo o serviço de Deus e
do conde”.
Congregados em torno de seu chefe, esses cavaleiros formarão um grupo
coeso que o seguirá com um só coração e um só élan. Entre eles não haverá uma
só defecção ou traição. O novo chefe da Cruzada era católico fogoso, conhecido
por seu ódio à heresia e por seu zelo em cumprir todas as vontades da Igreja.
Cavaleiro de Ile-de-France, região onde as paixões religiosas eram ardentes e
exprimiam-se freqüentemente pela combustão dos hereges.
Pierre de Vaux-de-Cernay descreveu-o assim: “Era de elevada estatura,
fisionomia distinta, corpo de um vigor e uma agilidade surpreendentes. Muito
eloqüente, afável com todos, excelente para seus amigos, de uma castidade rígida
e de uma rara modéstia”. Sabedoria e prudência consumadas, firmeza nas
decisões, ousadia no ataque, obstinação nas determinações tomadas; nada faltava
a esse homem “devotado por inteiro à obra de Deus”.
Simon de Montfort, ao longo da guerra, será admirável na resistência e na
energia. Jamais vencedor algum mereceu tanto o sucesso. Acossa o inimigo sem
tréguas, não lhe permitindo um instante de repouso; está presente por todas as
partes, cavalga no inverno e no verão de uma extremidade à outra do Languedoc,
de cidade em cidade, de fortaleza em fortaleza; rechaça assaltos sem abandonar a
ofensiva. O vigor desse barão ultrapassa o limite das forças humanas.
E quantos atos de bravura pessoal! Ao chegar diante do castelo de Foix, de
tal modo está tomado pela impaciência das batalhas que se lança à carga,
acompanhado de um único cavaleiro, contra os soldados que defendem a porta.
Trata-se, mais tarde, de ocupar o castelo de Muret: ele cruza o Garonne a nado
com seus cavaleiros e entra na praça, mas percebe que a infantaria ficou indefesa
na outra margem, não ousando cruzar o rio, cujo caudal foi aumentado pelas
chuvas. Eis que chama seu marechal:
- “Vou buscar o resto do exército” - declara. - “O que estais pensando,
Senhor? - responde-lhe o outro - Só restou a infantaria além do rio. A torrente é
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tão violenta que não podereis voltar a cruzá-la. Isto sem contar com que os
tolosanos podem sobrevir e matar-vos”.
- “Mau conselho! - atalha Simon - Permanecerei eu em segurança na
fortaleza, enquanto os pobres de Cristo estão expostos ao ferro inimigo? Irei lá e
ficarei com eles!” Atravessa ele novamente o rio com cinco cavaleiros e
permanece do outro lado durante vários dias protegendo a infantaria, até à
reconstrução da ponte.
E em que condições deploráveis ele prossegue sua campanha! Repetidas
vezes os cruzados que terminaram sua “quarentena” o abandonam durante um
cerco ou no meio de uma expedição. Em vão suplica que fiquem por mais algum
tempo; esses peregrinos só têm uma preocupação: voltar às suas terras, uma vez
ganha a indulgência.
Animado por uma Fé profunda e convencido da santidade de sua missão,
Simon não conhece o medo ou o desânimo. É um guerreiro que luta pela
Religião, sem pena de si nem dos outros. Num domingo, após haver assistido a
Missa e comungado, parte para o combate. Um monge cisterciense julga
necessário dirigir-lhe algumas palavras de alento. “Pensais que tenho medo? - diz
Simon - Trata-se da obra de Jesus Cristo: a Igreja inteira reza por mim. Não
seremos derrotados!”
Tal confiança torna-o invencível e atrai os milagres. Durante o cerco de
Termes, o chefe dos cruzados conversa com um de seus cavaleiros, com a mão
apoiada no seu ombro. Uma enorme pedra cai sobre eles, destroça a cabeça do
cavaleiro, e Montfort nem é tocado. Num outro dia ele assiste ao ofício de pé,
quando uma flecha mata o soldado que se encontrava exatamente nas suas costas.

A conquista
Após ser nomeado chefe militar da Cruzada, Simon de Montfort
empreende a conquista da região, com método eficaz e terrível: cada passo do
exército invasor é marcado por uma chacina. Dois hereges são presos em Castres,
um deles abjura seus erros. Será sincero? Duvida-se, discute-se... Deus decidirá!
Simon ordena que ele seja queimado: se for sincero, o fogo purificá-lo-á de seus
pecados; se não o for, “receberá o justo castigo de sua perfídia”. Em Lavaur
ordena à queima mais de quatrocentos “perfeitos”.
Após a conquista dessa última cidade, o senhor Aimery de Montréal e
oitenta cavaleiros são levados às forcas, mas estas, mal plantadas, caem por terra.
Simon, com pressa de acabar, ordena que aqueles que não puderam ser
enforcados sejam simplesmente degolados. Num instante os peregrinos efetuam o
massacre. Uma velha dama cátara “muito caridosa”, Giraude de Lavaur, é
precipitada viva num poço, que depois os cruzados enchem de pedras.
O monge Pierre encerra essa narração dizendo: “Com extrema alegria,
nossos peregrinos queimaram ainda uma grande quantidade de hereges”. Quando
deitam mão sobre os “perfeitos”, a alegria é redobrada. Em Cassés é detido um
numeroso grupo deles; os bispos querem pregar-lhes a boa doutrina e arrancá-los
de seu erro, mas não convertem um só. Então, os cruzados massacram-nos “com
imenso gáudio”.
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O barão meridional Giraud de Pépieux, após submeter-se a Simon,


aproveita-se da dispersão da Cruzada para entrar em dissidência: apodera-se do
castelo de Puyserguier, defendido por dois cavaleiros de Montfort e cinqüenta
soldados, joga estes últimos no fosso e enterra-os até à metade do corpo. Quanto
aos dois cavaleiros, arranca-lhes os olhos, corta-lhes as orelhas, o nariz e o lábio
superior, e envia-os a Simon.
O sangrento desafio é respondido condignamente. Pouco mais tarde o
conde de Montfort ataca o castelo de Bram, conquistando-o em três dias. Toda a
guarnição, de mais de cem homens, sofre a mesma sorte dos dois cavaleiros
franceses. Somente a um é deixado um olho, para poder conduzir “o ridículo
cortejo de nossos inimigos” ao castelo de Cabaret, distante de vinte quilômetros.
Para Simon de Montfort, as represálias são imediatas e a lei do talião é aplicada
na proporção de cem por dois.
Implacável com os hereges, Simon não o é menos com os traidores. Um
clérigo francês, ao qual havia confiado o castelo de Montréal, tem a desgraça de
mancomunar-se com Aimery, senhor herético, e de entregar-lhe a praça. Pouco
depois, esse clérigo é preso por Montfort, degradado pelo Bispo de Carcassonne,
amarrado ao rabo de um cavalo, arrastado por toda a cidade e, por fim,
enforcado.
Após a rendição do castelo de Minerve, o legado Arnaud-Amaury
determina que todos os crentes e perfeitos cátaros terão a vida salva se abjurarem
sua heresia e se reconciliarem com a Igreja, mas esta solução pacífica levanta
uma tempestade entre os cruzados. Um dos cavaleiros, o catolicíssimo Robert
Mauvoisin, braço direito de Simon de Montfort, indigna-se ao ver que deixarão
escapar os cátaros, e em nome de todos declara “em face” ao legado que o
exército não aceita essa decisão. Porventura não tinham eles tomado a Cruz
expressamente para degolar os hereges?
Note-se que Robert Mauvoisin era homem de uma fé profunda, vida
exemplar e grande ponderação, sem nada de aventureiro ou de mercenário. Sua
atitude não é senão uma amostra do ódio que a Idade Média tinha à heresia. -
“Levados pelo medo, - diz ele - prometerão tudo o que exigirmos, para renegar
novamente quando estiverem livres!”
O legado acalma o furor dos cruzados: - “Tranqüilizai-vos - responde -,
creio que muito poucos se converterão”. O abade Guy de Vaux-de-Cernay,
“varão zeloso pela obra de Cristo”, dirige-se ao local onde os “perfeitos” estão
reunidos e tenta convertê-los, mas logo às primeiras palavras, estes o
interrompem: “Para que nos admoestais? Nós renunciamos à Igreja de Roma.
Nem a vida nem a morte poderão fazer-nos abandonar nossa crença”. Ele vai
então à casa das perfeitas, esperando obter melhores resultados, mas encontra
aquelas mulheres ainda mais obstinadas do que os homens.
O próprio Simon tenta converter os hereges, mas não tendo maior êxito
que o abade, fá-los conduzir às aforas do castelo, onde uma imensa pira está
preparada. São mais de cento e quarenta e acrescenta o monge cronista: “Os
nossos não tiveram o trabalho de empurrá-los, pois, obstinados em seu erro, eles
próprios se precipitaram no fogo”.
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Milagres
O exército tem certeza de praticar um ato religioso massacrando os
hereges; é ao cântico do Veni Creator Spiritus que se destroem os castelos e se
acendem as fogueiras. Como não poderiam eles estar persuadidos de que Deus os
acompanha?
Os milagres acontecem por toda parte. O corpo do mártir Pierre de
Castelnau, no momento de sua transladação, é encontrado intacto como se
acabasse de ser enterrado, e exalando um suave perfume. A multiplicação dos
víveres é operada em favor dos cruzados: os cinqüenta mil homens da primeira
expedição têm pão em abundância, num país onde não há mais moinhos.
Alguns cruzados recebem flechas no peito sem sofrer o menor dano.
Quando um de seus contingentes se instala para sitiar um castelo inimigo, as
fontes de água, antes insuficientes, jorram com abundância; após sua partida,
retomam seu fluxo natural. Cruzes luminosas são vistas pelos católicos sobre os
muros de uma igreja. Uma coluna de fogo baixa sobre os cadáveres de cruzados
mortos em emboscada e são encontrados jazendo com os braços em cruz.

A batalha de Castelnaudary
Entretanto, o conde Raymond de Toulouse decide-se finalmente a agir e
convoca todos seus vassalos, amigos e mercenários.
Assim narra a Chanson de la Croisade: “Imenso era o exército do conde de
Toulouse! Vieram os homens de Moissac, de Montauban, de Castelsarrasin e de
Agenais. Ninguém permaneceu em sua casa! Lá estão também os de Comminges
e de Foix, e todos ameaçam o “conde Forte”, chamando-o de traidor. Afirmam
que irão até Carcassonne e quando o prenderem esfolá-lo-ão vivo”.
Simon percebe o perigo e imediatamente reúne seus barões em conselho.
O que fazer? Um cruzado irlandês, Hughes de Lacy, adianta-se, dizendo:
“Senhor, se vos refugiardes nas cidades mais fortes, Carcassonne ou Fanjeaux,
parecerá que tendes medo do conde de Toulouse e sereis desonrado. Fazei o
contrário: avançai e escolhei a cidade mais débil para esperar o inimigo. Ele virá
procurar-vos e então, em campo raso, vencê-lo-eis”.
Simon adota essa tática sensata e audaciosa, e decide esperar o combate na
orla de suas terras, em Castelnaudary. Apenas se instala na fortaleza, Raymond
vem sitiá-la. As hostes de Montfort são reduzidas, por isto ele apela a todos os
que podem vir em seu auxílio: o fiel cavaleiro Bouchard de Marly, que guarnecia
o castelo de Lavaur, deixa uns poucos homens na praça e põe-se em marcha; no
caminho encontra-se com Mathieu de Marly, seu irmão, e Guy de Levis que
vinham de Carcassonne com seus homens.
No campo de Toulouse soube-se da chegada dos reforços. O conde
Raymond-Roger de Foix, um dos mais resolutos e intrépidos soldados da causa
meridional, decide atacá-los sem demora: ele arrasta atrás de si todos os bandidos
mercenários e os principais cavaleiros de Toulouse e posta-se em emboscada, a
uma légua da vila. Tem esperança de poder surpreender a coluna, mas na planície
inundada pelo sol de setembro não é possível esconder-se por muito tempo.
Além do mais, os irmãos de Marly e Guy de Levis estão vigilantes. Assim
que vêem aparecer os primeiros soldados do conde de Foix, alinham-se em
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ordem de batalha, prontos para resistir a um inimigo muito mais numeroso e


melhor armado.
De seu lado, Raymond-Roger exorta suas tropas: “Barões, já é tempo de
acabar com este bando de estrangeiros! Que ninguém repouse até haver matado o
último deles!” E erguendo a lança, brada: “Toulouse!” Imediatamente os
besteiros lançam seus dardos, toda a cavalaria inclina suas lanças e atira-se
impetuosamente a galope, gritando mil vezes: “Toulouse! Foix! Comminges!”
Bouchard de Marly e os seus adotam a única tática possível: esporeiam seus
cavalos e lançam-se também à carga contra o centro do inimigo, respondendo aos
gritos com o brado: “Montfort!”
Num instante, em meio a um aterrador clamor de brados, relinchos, tinir
de armas, galopes e lanças partidas, começa o combate. No entanto, os cruzados
estão na proporção de um contra trinta e vêem-se obrigados a ceder. A cavalaria
francesa recua em boa ordem; Raymond-Roger parece vitorioso...
Simon de Montfort permanecia tranqüilamente na fortaleza de
Castelnaudary, quando percebe que se trava batalha. Foi avisado por um
mensageiro? Viu ou escutou algo de suspeito? Não se sabe. O certo é que ele não
perde um segundo. Dando-se conta de que chegou a hora de arriscar tudo num
lance decisivo, convoca seus homens: “Deste combate depende toda a obra de
Jesus Cristo. Quero vencer com os meus ou morrer com eles. Avante, nós
também!”
Deixando apenas cinco cavaleiros e a infantaria custodiando as muralhas,
sai do castelo e voa à rédea solta em socorro de Bouchard. Com grandes brados
precipita-se ladeira abaixo, sobre a retaguarda do inimigo. Guy de Levis e os
irmãos de Marly, ao ver aparecer o pendão vermelho com o leão dourado de
Montfort, fazem meia volta e contra-atacam ao brado de “Montfort! Montfort!”
Os meridionais, já ocupados em despojar os mortos, são surpreendidos
pela carga. Num instante a vitória do conde de Foix se transforma em derrota.
Sua numerosa e elegante tropa, tomada de pânico, foge em todas as direções.
Raymond-Roger, com o escudo fendido e a espada quebrada, defende-se com
bravura, mas Montfort derruba tudo diante de si e os fugitivos, para salvar a vida,
gritam por sua vez: “Montfort!” Ao ouvir isto, os vencedores dizem: “Se for
assim, matemos todos os que estiverem à nossa frente!”
Enquanto o conde de Foix perdia a batalha, Raymond de Toulouse tentava
assaltar o castelo e era rechaçado pelos cinco cavaleiros e pela infantaria.
Montfort é um chefe decidido e clarividente; na primeira batalha campal
acaba de esmagar, por sua audácia, forças muito superiores. De volta à fortaleza,
ele dirige-se à igreja, onde faz cantar o Te Deum.
No dia seguinte o conde de Toulouse levanta seu acampamento e retira-se,
após incendiar suas máquinas de guerra. A insurreição em massa do Languedoc
não tinha podido dar conta de um punhado de cavaleiros franceses. Insofismável
prova da superioridade daqueles homens de ferro, que viviam em armas, sobre os
barões meridionais habituados à vida fácil, que chamavam os bandidos para lutar
em seu lugar e que não sabiam mais o que era o sofrimento.

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