Você está na página 1de 5

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS RAFAEL BORDALO PINHEIRO

Escola Básica de Santa Catarina


Ano Letivo 2014/2015 FICHA DE PORTUGUÊS LÍNGUA 2 – 9.ºAno

Nome: _____________________________________
Lenda
Turma:________ Nº:_____ Data: ____/____/____

Como certamente sabes, os mouros designam os muçulmanos que ocuparam a Península Ibérica entre os séculos
VIII e XV.
Para «evocar a existência das gentes mouriscas entre nós», contam-se inúmeras lendas de mouros e mouras. Só
Gentil Marques reuniu quarenta e quatro lendas no volume de onde retirámos a que agora vais ler.

A PONTE – A famosa ponte romana de Chaves foi construída no tempo do imperador Trajano com os seus possantes arcos
formados à maneira etrusca, e conservada tal como tinha sido construída até ao ano de 1880. Nesse ano, por se ter julgado
necessário aumentar a sua largura, foram substituídas as antigas e primitivas guardas de pedra por grades de ferro. A ponte
é considerada monumento nacional e ostenta dois padrões romanos.

(Nota de Gentil Marques)

Lenda da Moura da Ponte de Chaves

Há muito tempo, quando os mouros reocuparam Chaves(1), era alcaide do castelo um guerreiro que tinha um filho
a quem adorava e uma sobrinha muito bela, que fizera noiva do filho. A jovem deixava-se amar, pois não encontrara entre
os da sua raça quem lhe despertasse o coração. Um dia, porém...

A algazarra dos cristãos já se ouvia do lado de lá da ponte. O alcaide chamou o filho:


— Abed, como se explica o que está acontecendo? Não me disseste que o rei Afonso (2) andava longe daqui?
O jovem guerreiro olhou o pai com frieza e afirmou:
— O ataque de que somos alvo não vem da parte do rei Afonso.
— Não é dos cristãos portugueses?
— É, sim.
— Então?
— Mas não foi feito por ordem do rei português.
— Quem o faz então?
— Dois irmãos que têm andado aqui.
— Quem são eles?
— Não sei bem. Chamam-lhe os irmãos Lopes(3).
— Pois preparemo-nos para os apanhar!
— Assim faremos.
O tilintar das armas ouviu-se ainda mais perto. Abed gritou:
— Fuja, meu pai! Eu os receberei!

1
Mas o alcaide, não querendo deixar o filho só com o inimigo, preparou-se para combater, esquecendo-se da
segurança da jovem sobrinha. O burburinho era enorme. Para cá e para lá corriam os mouros na ânsia de tapar as abertas
feitas pelas espadas cristãs. As mulheres choravam, tentando fugir como podiam e levando alguns haveres e os filhos
pequenos. Porém, a jovem moura sobrinha do alcaide não fugiu. Para ela, a vida nunca mais tivera verdadeiro significado
desde que num recontro com homens da sua fé e do seu sangue ficara subitamente órfã. Desde então, considerava a vida
sem sentido. A ambição dos homens pela glória de mandar enojava-a. Passavam por ela homens e mulheres, atropelando-a
quase, tão vagaroso era o seu andar. Nem sabia bem o que ia fazer. Sentia a imperiosa força da sua vontade a impeli-la
para a direção tomada. Se ali estivesse Abed, decerto a impediria de se expor assim. Mas ele, como o alcaide e os outros
homens válidos, estava assoberbado com a defesa do castelo.
A jovem moura parou à vista do castelo. Os cristãos haviam já penetrado por uma brecha e os mouros acorreram
ao local mais desprotegido. Entre os cristãos, destacava-se um guerreiro que, apesar de tudo, suscitava a admiração da
jovem moura. Alto, bem proporcionado, de extraordinária destreza, esgrimia com tal fúria que a sua espada nunca caía em
vão. Em breve os cristãos estavam senhores dessa ala direita. Na esquerda, porém, a luta continuava indecisa. Foi então
que o guerreiro alto e bem proporcionado, depois de colocar os seus homens de forma a garantirem o lugar conquistado,
se encaminhou para a ala esquerda do castelo. Mas o seu olhar caiu sobre a jovem moura que o fitava numa calma quase
perturbante. Ele suspendeu o combate e encaminhou-se para ela.
— Que faz aqui sozinha uma jovem tão formosa?
Ela não sorriu. Mas respondeu:
— Pergunto a mim mesma para que hão-de os homens lutar entre si, como se fossem feras!
Ele tentou gracejar.
— Bela pergunta, mas feita em má altura.
— Não sei de melhor ocasião para a fazer.
Ele encolheu os ombros.
— Senhora, é difícil discutir com mulheres qualquer assunto, e muito menos assuntos de homens!
— Porquê, de homens?
— Porque as coisas da guerra só a nós dizem respeito.
— Sim? E porquê?
— Porque nela jogamos a vida.
— E nós? Não a jogamos também, sem sequer a promovermos nem lucrarmos com as vossas vitórias? Foi a guerra
que me tornou órfã.
— Sois órfã?
— De pai e mãe!
— Lamento. Estais aqui sozinha?
— Vivo com meu tio, o alcaide deste castelo.
Ouvindo falar no alcaide, o guerreiro cristão compreendeu que o momento não era para jogo de palavras. Fitou a
sua interlocutora e gritou para um dos homens:
— Ramiro! Leva esta jovem para a minha tenda. A tua vida responde pela dela!
E sem mais olhar para a moura, correu para o lado donde a luta parecia mais acesa.
O castelo foi tomado pelos cristãos e feita a sua oferta a D. Afonso Henriques pelos seus conquistadores. Mas não
foram entregues certos despojos de guerra com os quais o rei português premiou tão grande feito. Também não se efetuou
a troca da sobrinha do ex-alcaide por certos prisioneiros de guerra. Lado a lado, como num delicioso sonho de amor, a
jovem moura vivia feliz com o cavaleiro cristão que um dia a mandara raptar. Encontrara uma razão para viver. Porém Abed

2
não lhes perdoou. Recomposto de um grave ferimento recebido, conseguiu voltar a Chaves disfarçado de mendigo. Como a
sua bem-amada, porém, estivesse sempre bem rodeada, esperou-a certa vez sobre a ponte, quando ela e duas damas
cristãs regressavam de um passeio. Então caminhou ao seu encontro e pediu-lhe esmola. A jovem moura estendeu a mão
para o pedinte. E foi nesse momento que Abed lhe recitou a frase fatídica, olhando-a bem nos olhos:
— Para sempre ficarás encantada sob este terceiro arco da ponte que pisamos. Só o amor de um cavaleiro cristão,
não este que te roubou, poderá salvar-te. Mas esse cavaleiro não chegará jamais!
Soou um grito estridente de aflição. A jovem reconhecera Abed no mendigo. Mas nada mais pôde dizer. Como
fumo, ela desaparecera no espaço e Abed fugira antes de ser descoberto. Do caso, só as damas cristãs puderam falar.
Deu urros de furor o guerreiro português, vendo-se sem a sua amada. Mas a jovem moura não mais apareceu.
Levava o cavaleiro horas seguidas sobre a ponte, na ânsia de ver a moura encantada. Distribuiu dinheiro para que lhe
trouxessem Abed vivo, no intuito de o obrigar a desencantar a sobrinha do ex-alcaide. Mas tudo foi em vão. E a sua dor foi-
se empedernindo, até que morreu sem tornar a vê-la.
Mas o povo continuava a recordar o estranho acontecimento. O povo, que todos os anos ouvia suspiros e
lamentos de uma jovem encantada, pedindo ao transeunte a esmola de um beijo libertador...
E diz ainda o povo...
Certa noite, um cavaleiro cristão passou por ali. Era noite de S. João. Havia luar. Ouviu murmúrios. Desceu do
cavalo e perguntou:
— Quem está aí?
Uma voz doce respondeu:
— Preciso que me ajudes!
— Onde estás? Não te vejo!
— Aqui em baixo, na ponte, sob o terceiro arco!
O cavaleiro debruçou-se. Achou estranha aquela voz de mulher naquele lugar insólito, a uma hora daquelas.
— Estás ferida?
— Não. Sou moura encantada.
— E que devo fazer?
— Vem ter comigo!
— Mas eu não te vejo!
— Se desceres, ver-me-ás.
— E depois?
— Terás de beijar-me. É tudo!
— Beijar-te?...
Houve um silêncio, O cavaleiro olhou o crucifixo que trazia no fio de ouro colocado ao pescoço. Pensou um
momento. Ouviu como em surdina a voz da mãe a contar-lhe contos de fadas e de princesas mouras, quando ele era
pequeno. Relembrou o feito de antigos cavaleiros que perderam a alma por se entregarem ao feitiço das mouras
encantadas. E montou no cavalo, e galopou para não mais passar ali à meia-noite...
Desde essa hora, a moura do terceiro arco da ponte ficou ali encantada para sempre. Somente os seus queixumes,
os seus soluços magoados se elevam em noites de S. João, a atestar a sua eterna presença, como castigo de ter amado um
cavaleiro cristão.

Fonte Biblio MARQUES, Gentil Lendas de Portugal Lisboa, Círculo de Leitores, 1997 [1962] , p.Volume III, pp. 383-387

3
Glossário:
1. Foi em 712 que os Mouros tomaram Chaves, de onde foram expulsos em 888. No ano de 1129 os
mouros voltaram a apoderar-se da cidade, sendo finalmente vencidos pelos cristãos portugueses em
1160.
2. Trata-se do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques.
3. Eram os cavaleiros Rui e Garcia Lopes, os quais deliberam conquistar Chaves aos Mouros e oferecer essa
conquista a D. Afonso Henriques. Diz-se que estes dois irmãos foram sepultados na igreja matriz de
Chaves.

I – Leitura / Ed. Literária

1. Lê a seguinte definição de lenda:

Lenda s.f. 1. Relato oral ou escrito de acontecimentos reais ou fictícios do passado, aos quais a imaginação popular
ou o poder criador do poeta contador de histórias acrescentam novos elementos e cuja memória faz parte do
património cultural do povo; tradição popular.

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, 1.ª ed.,


Academia das Ciências de Lisboa, Verbo Ed., 2001

1.1 Distingue o que será real e o que será fictício nesta lenda.
1.2 Em que época ocorreram os acontecimentos narrados?
1.3 Transcreve expressões que referem a transmissão oral e popular da lenda.
2. Resumimos esta lenda em doze frases que baralhámos:

a) Numa noite de S. João, um cavaleiro cristão passou sobre a ponte e ouviu uma voz de mulher, pedindo-lhe
que se aproximasse e a beijasse para a libertar do encantamento que a mantinha ali presa.
b) Vencidos os mouros, o guerreiro cristão e a jovem moura enamoraram-se um do outro e ficaram juntos.
c) No tempo da reocupação de Chaves pelos mouros o alcaide do castelo tornou noiva do seu filho Abed uma
jovem sobrinha muito bela.
d) A jovem foi condenada a ficar encantada sob o terceiro arco da ponte de Chaves , até que o amor de um outro
cavaleiro cristão a salvasse.
e) Temendo perder a alma, o cavaleiro cristão não atendeu aquele pedido e afastou-se.
f) Muitas mulheres fugiram, mas a jovem moura decidiu aproximar-se do local onde se travava a luta entre os
mouros e os cristãos.
g) Quando soube que a jovem moura era sobrinha do alcaide do castelo, o guerreiro mandou que levassem a
jovem para a sua tenda.
h) Desde então, nas noites de S. João, ouvem-se os soluços e os queixumes da jovem moura, que para sempre
ficou encantada.
i) Um dia, tendo-a visto sobre a ponte, Abed aproximou-se, lançando-lhe uma maldição.
j) Foi então que um guerreiro cristão a viu e lhe falou.

4
k) Porém, Abed não perdoou à sua antiga noiva ter sido abandonado.
l) Um dia, os portugueses atacaram Chaves e o alcaide e o filho correram a defender o castelo.

2.1 Depois de numerares as frases pela ordem correta, copia-as e ficarás com um resumo desta lenda.

II – Gramática

1. «Pois preparemo-nos para os apanhar!» [linha 22]


«Eu os receberei!» [linha 25]
1.1 Classifica a palavra os nas duas frases.
1.2 Reescreve as frases, colocando a palavra os depois da forma verbal.
1.3 A que tipo de conjugação pertence a forma verbal destacada na primeira frase?

2. Relê a fala de Abed, entre as linhas 100 e 103.


2.1 Sublinha todos os pronomes aí presentes e indica a sua subclasse.

Você também pode gostar