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-d.i64 T A Deus, pelos sopÍos no ouvido, por

B --r
me carregar no colo ê por tôdas
as segundas chances,
À minha mãe e sua caridade,
por ser para sempre a minha
maior certeza e por fazer de mim
,l sua eterna Josephina.
À meu pai e sua garra, por todas as
liçoes e oportunidades.
Ao João, por me dar chao e âsâs,
pelos Halloweens e Natais.
Aos meus Íilhos, pelo renâscimento.
Sem vocês estas palavras não
passariam de letrinhas -rist,tradas.

l
Srn w Ele é Quem Não Lembrâ
106
104
110
O Caos da Gratidào Lt2
lúágico Lt4
Todo o Mês de Agosto 116
a OSimeoSêxo 118
lJm Exceiente Corneço 10 720
12 722
AVedade por Trás da Foto 74 Mãe sem Mãe 124
60 Dias de Neblinâ 16 t26
Um Filho Pára Fazer Enterdê. 20 L28
lrá Se Abrir 22 É lsso quê as l\,lães Fazem 130
26
2A AGÍande €stação L34
Afianhâ Será Mars Fácil 30 Mllagres
Ei. se cuidâl 32 O Nlergulho fa Neblina 138
34 A Éssência BA
36 É Por Causa do AmoÍ 142
Do Simples ao Conrplicâdo 38 144
O Tapete 40 Da Escuridão ao Píesenle 746
42 A Louca Varridã e A Í\4âlucâ lnsuportável 148
Gula da Troca 46 Oporiunidâdes no Apocalipse 752
No Colo da tulãê 48 É Porto 154
50 Benditos 156
Gratuito 52 154
Devagar 54 A Gota 160
FoíÇa Cósmica da Huínildade l\,,laterna 56 162
Em Sllêncio eu Choro 58
Feircidade noCaminho 62 RELAÍoS DE UMAVIDA EM FAMíLIA
64
66 168
Na Períeita Slntonia 6a A Saga da lúemória Curta 172
7A 174
As lúáês quê Eu Sou 74 Dor nas Costas Mâsculina lúutante- a76
78 No BanheiÍo fia
HernoÍroldas Romantliadês 80 Ancorou 140
O Ladrão dâ Felicidâdê a4 Se Comunicandocom Planlas ta2
otha 1ál 184
8A 188
90 792
O Oásis das Dez e Meia s2 196
Nào Pula Do Barco 94 0s Hormônlos da Sincêridêde 194
96 Ah se Fosse lúeu Frlho 200
98 Que Nolo 204
100 lníe(ilidade Vol!ntáíia 206
0 Lado EscuÍo !o2 270
2a2
Os adolescentes e a lncrivelFalt€ de Percepção 276
274
Torcida de Pé N4âsculina N4utante 220
Dor de Ouvido Mas.'rlina N4ltante
22A

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fir" ,"escuta do obstetra nem do pediatra. Passa balido
- L pelo chá de bebê. Nào está nos livros. nào se aprende nas
classes. Até a mais incrilvel das amigas falha ao tentar explicar. Não,
não vim falâr do amor. É sobre a importância.
Bem-vinda à maternidade, onde um ser de 50 centímetros,
que não aguenta segurar o próprio pescoço, precisa de você.
Você... Você com o abdômen recém-cortado ou com o perÍneo
extremamente magoado (leia-se puto da cara). Você sem saber se-
gurar direito, amameôtar direito, trocar fralda direito, dormir direito.
O bebê precisa de você.
Você... Você com baby b/ues no coração, nas olheiras, no ca-
belo preso de qualquer jeito. Você admirando a perfeição do rosto
adormecido, com medo da falta de liberdade, soluçando ao sentiÍ o
vazio. 0 bebê precisa de você.
Você... Você com o seio mais duro do que o seu bumbum ja-
mais será, morrendo de medo dâ primeira ida ao banheiro (n'2), e
com o coração transbordando amor. Você dormindo em pé, torcen-
do para o coÍpo voltar, e para "pelamordedeus" pararem de palpitar.
0 bebê precisa de você.
Você... Você fazêndo arrotar, andando de lá pra cá, embalando
depois da mamada das 3:48. Cansada, frustrada, completa. Você
sem saber como sobreviveu a noite passada, a primeira semana, o
P,rídrtê primeiro mês, o primeiro ano. O bebê precisa de você.
Você... Você tentando consolar, e amar, e Íotografar, e viver, e
lembrar. A cólica precisa de você, o choro, o trocar, o alimentar, o
banhaÍ, o cuidar. O bebê precisa de você.
Você... Você rezando para que a madrugada acabe, mas implo-
rando para que o Lempo passe mais devagar. Ah o tempo... É ele que
devagarinho trâz outras coisas que precisam de você.
O sorriso precisa de você, o abraço, o olho no olho, as garga-
lhadas precisam de você. O "mamãe, eu te amo" precisa de você,
o dividir alegrias, o soprar as velinhâs, o "olha mamãe" precisa de
você. O amor precisa de vocé, as emoções. os primeiros passos, o
frio na baÍriga precisa de você.
E como nos Íilmes, onde no Íinal tem uma reviravolta, a gente
cai na real. A partir do momento em que você segura o seu bebê no
colo, na eternidade do sopÍo no ouvido "tá tudo bem, a mâmãe tá
aqui", acontece: você precisa do bebê.
Você!
Este livro é isso.
A lvlaternidade, em todas âs suas fases, o amor, o câôs e todo
o resto, narrados de uma forma que você nunca viu!

ú&c*do"ul$,a, 9
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r vocé, grávida do seu primeiro filho! Eu tenho um segre-
(/ do importantÍssimo para te contar. Algo tào fenomenal
que toda grávida deveria saber, mas que por motivos que eu não sei
explicar, nâo consta em nenhum dos livros para gestantes que já li.
Está preparada? Lá vai: seu bebê terá adoração por você. Absoluta.
Adoração. Por. Você.
E você nâo precisa fazer nada de especial para que isso acon-
teça. Não importa se você terá cesariana, parto normal, parto hu-
manizado, ou parto com golÍinhos. Se vai ser no hospital, em casa,
ou na grutâ sâgrada de um monte tibetano. Seu bebê vaiter absolu-
ta adoração por você.
Não importa se você vai amamentar ou dará fórmula. Se será
em livre demanda ou cronometrado no relógio. Não importa se você
preparou um quartinho lindo, se optou por cama compartilhada, ou
se o bebê irá dividir o quarto com outros sete irmãos. Seu bebê vai
ter absoluta adorâÇão por você.
Não importa se você engordou g ou 35 quilos. Se correu uma
maratona com 8 meses ou se ficou prostrada no soÍá por 40 sema-
nas. Não importa se ele terá um armário com roupas penduradas
em cabidinhos de pérolas ou se o enxoval veio do ílho da prima da
sua amiga. Seu bet ê vai ter absoluta adoração por você.

ü,w íyneleús CoW Não importâ se ele foi concebido na sui'le presidencial do
Copacabana Palace, no banco de trás do carro, ou se Íoi na noite de
lua cheiâ em que Saturno estava alinhado com Plutão. Não importa
se você é casada, solteiÍa, viúva ou se você já não é capaz de expli-
car o seu estado civil. Seu bebê vai ter absoluta adoração por você.
Não importa se você pretende usar Pampers, fralda de pano,
Desitin ou óleo de coco. Não importa se você bordou as iniciais em
todas as frâldinhas ou se ainda nem escolheu o nome. Seu bebê vai
ter absoluta adoração por você.
Não importa se você leu 47 livÍos sobre cuidados com o re-
cém nascido ou se você nunca tevê jeito com criança. Não importa
se você vai ter que trabalhar em dois empregos ou se será dona de
casa. O seu bebê vai teÍ absoluta adoraÇão por você.
Simplesmente porque você é aquele ser iluminado, lindo, ange-
lical que atende pelo nome de mamãe. E quando o dia tão esperado
chegar, o dia do primeiro encontro de vocês, quando o seu bebê te
olhar nos olhos, ele terá absoluta adoração por você.
E você há de convir que estejá é um excelente começo!

11
/).
I lamo, que uma mãe sente por um Íilho não vem do coração.
V a^u, ào "oruçào é fácil, qualquer casalzinho novo, desses
que a gente vê por aí, ama com o coração. O amor de mãe vem do
núcleo de câda célula. Vem da alma, dos ossos, de todos os pedaços.
Quando uma mãe diz ao filho que o ama, ela não está ape-
nas dizendo o quanto se sente bem por ele existir. No "eu te amo"
de uma mâe mora uma inÍinidade de juras escondidas: você é meu
mundo, meu Sol. E não há vida ou morte que possa isso mudar.
Aonde quer que você vá, o meu amor iÍá com você. Ele atraves-
sa paredes, continentes e mundos só para encontrar o seu coraÇão.

íatWktw í,,w
Ele irá te procurar no horizonte, no oceano, nas estrelâs, e é capaz
de te achar mesmo quando você estiver perdido dentro de si.
Por você eu me transformo em luz, em caminho, em chama, em
nascente. Se há perigo, o meu amor vira escudo. Se há insegurança,
ele se torna porto. E se houveÍ medo, ele se faz seguro. Quando você
se sente sozinho, o meu amor cria tato, que é para poder acariciar
os seus cabelos, enquanto no seu ouvido ele sopra a nossa cantiga.
Não perca tempo me procurando com os olhos, meu amor é
invisível e nào tem dimensão. Você é o meu começo. meu meio e
jamais meu flm. Por você eu vivi até aqui e por você eu sou eternâ.

to,tra*{oulfuw 13
lí "n"rnoo
orinat da gravidez. hora de pubticar nas redes
f sociais aquelafoto linda do ensaio fotográfico de gestante. A
legenda é algo assim: "Curtindo cadâ segundinho das últimas sema-
nas de gravidez. Desde já com saudades da barriga..."
0 que realmente está por trás da foto: estou cansada, ansiosa,
inchada. Nove meses uma ova, gravidez pode ter até 42 semanas, o
que é mais de 10 meses. Elefantes. Sim, somos elefantes.
Não tenho mais roupas que me sirvam, Íica tudo esturricado.
A essa altura do campeonato eu me recuso a comprâr novas rou-
pas de grávidâ. Tudo o que eu queria era estar de calÇa de mole-
tom e camiseta. l\4as e esse caloÊ lvloletom nesse calor nâo tem
como. Começo a ter dúvidâs se realmente há um bebê dentro da
minha barriga ou se há uma usina geradoÍa de energia. Esqueça
o moletom, tudo o que eu quero é andar por aÍ de calcinhâ e sutiã.
Calcinha com essa buzânfâ enorme? Não tenho nem coragem de
olhar para a minha buzanfa.
Falando na minha buzanfa, meu marido é o único ser humano

qv?iilailo dessa casa que ainda consegue pensar na palavra sexo. Boatos de

W, írA ú* fúp que sexô pode ajudaÍ a entrar em tÍabalho de parto... Sendo assim,
acho que vou dar uma pequena chance. Será que pega mal se eu
ver que parar para fazer xixi no meio do ato? Sim, porque preciso uri-
ti
nar a cada cinco minutos. Sem contar que quando espirro, rezo para
nâo fazer xixi na calça (e neste caso nem sempre Deus me escuta).
Estou comeÇando a achar que serei a única mulher do mun-
do que ficará grávida para sempre, para toda â eternidade. As
pessoas me mandam mensagens perguntando quando o bebê
irá nâscer. Vou salvar uma resposta automática: "Não sei, mas
também adoraria saber".
Dizem que devo marcar cesariana, pois é melhor. Dizem que
devo fazer parto normal, pois é melhor. Melhor mesmo é pedir para
que todo esse pessoal me encaminhe suas sugestões paÍa o e-mail
conselhosquenaopedi@rafaela.com.br.
Falando em conselho, acho que vou choraÍ, esses hormônios
estão de sacanagem comigo, sinto até um nó na minha garganta.
Ahhh não, tá tranquilo, não é choro. É só azia mesmo.
lÁ. t ouviu falar no ditado "Neblina baixa, sol que racha ?
/ Su nrnau ouviu, vou explicar. Dizem que quando o dra ama
nhece com muita neblina é porque será um dia lindo, de muito sol.
Este texto é sobre isso, sobre a neblina que chega antes do sol e do
céu azul.
Ahh, os primeiros 60 dias com um bebê recém-nascido em
casa! O leite que Íinalmente desce, deixando o seu seio do tamanho
de um melão transgênico, duros como pedras. 0s hormônios, que
em questão de segundos te fazem ir do gatinho foÍo do Shrek para a
esposa do Chuck, o boneco assassino.
Se você teve parto cesariana a cicatriz incomoda. Se você teve
parto normal sentar incomoda. A barriga que Íica igualzinha uma
bexiguinha "murcha", bem "murchinha".
Se quando grávida você tinha uma linha êscura na bâíiga (r'-
nea nigra), saiba que ela consegue ficar ainda mais escura depois
do parto (tcharam, surpresa!). O umbigo que Íica igual ao olho es-
querdo do Nestor Cerveró.
Sangue, sangue, sangue e mais um pouquinho de sangue.
Leite, leite, leite e mais um pouquinho de leite.
j
Logo você, que odiava usar absorvente, agora tem que usar
não somente na calcinha mas também no sutiã. E para Íechar com
il ütry {r,?kl(i',* chave de ouro, ainda temos a famosa cinta pós-parto, calcinha âlta,
chame como quiser. Este item completa o visual e garante um ar
I todo sexy à nova mãe.
Ah, e não para por aí. Ainda temos: uma mistuÍa de sentimen-
tos que ninguém consegue explicar, felicidade plena misturada com
cansaço, amor, euforia, tristeza. Noites geralmente mal dormidas. E
quando a noite é bem dormida, bem, nesse caso você acorda boian-
do em um mar de leite... azedo.
Seus mamilos, que a essa altura já estão mais do que indigna-
dos, te perguntam: "Escuta aqui mulher, que porcaria de palhaÇada
é esta que você está tentando Íazer?"
Cólica. Choro. l\4uito choro. Chora o bebê, chorâ você.
Mil pessoas palpitando na sua vida. E na do bebê. Nâo pode co
mer tal coisa porque dá cólica. l\4as você precisa se alimentar bem,
pois está amamentando. Chá de camomila é excelente para cólica.
l
lvlas não pode dar na mamadeiÍa para não ter confusâo de bicos. o
bebê está dormindo demais, de menos. Mamando demais, de me-
nos. Agasalhado demais, de menos.
E claro, não poderia Íaltar... quebrante. Atençáo senhores pas-
sagleiros, sejam bem-vindos ao mundo do quebrante. Sempre vai
I
ter uma para tê dizer: "Quebrânte é comum. A gente mesmo coloca

17
quebÍante nos filhos.". E se este livro tivesse os mesmos emojis ela. Olha parã o bebê. E tenta se lembrâr: como erâ a sua rotina
do celular, tenha certeza que eu colocaria uma Íileirinha de emojis quando o seu Íilho tinha aquele tamanho? Você procura na memÓria'
virando os olhinhos para cima. Quer saber? Mande todo mundo ir não encontrâ. Como assim? Seu bebê tem só sete meses, não faz
catar coquinho com esse papo de quebrante. Quebrante enlouque- tanto tempo. Por que você não lembra? É como se houvesse uma
cel E enlouquece nós, mães, não os bebês! Não vou amarrar fitinha fumaÇa, uma neblina cotrrindo â memória.
vermelha no meu Íilho e ponto Íinal. ôo dias de neblina. Se você ainda está no seus 60 dias de
Cocô explosivo. De madrugada. neblina, tenha paciência. Curta os dias de pijama Não caia nessa
Vacinas que doem mais em você do que nele. pressão tola de ter que sair da sala de parto como se nada tivesse
E durante uma madrugada qualquer, já no auge da privâção de acontecido. A vida úudou. Você mudou. Não se force a nada, absolu-
sono, você ergue o tom de voz. lmploÍando para que o bebê durma. tamente nada. Você já tem novidades suÍiciente para pÍocessar' Não
seja tâo dura com você. Não permita que sejam tão duros com
você'
Ele Íinalmente dorme, você olha aquele rostinho lindo e se pergunta:
As visitas podem esperaÍ. O mundo pode esperar' Leve as coisas no
"Como fui capaz de erguer a voz para esse anjinho que eu amo mais
seu ritmo e se deixe levar rumo ao sol. Porque depois da neblina '
do que tudo na vida? Bruxa! A pior mãe do mundo. Vífrora. Devo
Ah! Depois da neblina sempre vem o sol.
arder no fogo do inferno."
A quarentena acaba e você fca pensando como irá informar ao
seu marido que â última coisâ que passa na sua cabeça é sexo. E
saiba que quando finalmente rolar, há grandes chances de ser uma
merda. Eu não sei explicar, mas independente do tipo de parto, algo
estranho acontece na região dos países baixos que milagrosamente
voltamos a ficar virgens. Ou será que é o pinto do maridô que resolve
virar estrela de Íilme pornÔ?
Você cuida do bebê e acaba esquecendo de você. E Íica dias
sem ao menos se olhar no espelho. Não que você não queira, mâs
porque não lembra. Falta de tempo, falta de memória, falta de tudo.
Só sei que um dia você irá se olhar no espelho e irá se deparar com
uma sobrancelha mais peluda do que a perna do maridão. E vai lem-
braÍ que, além de mãe, você também é mulher, e esposa, e Íilha, e
amiga. A essas alturas você já está igual àquele vídeo famoso no
Youtube, do David depois do dentista: "ls this real life?!"
E os diâs passam. E entre um choro e outro aparecem os sor-
risos. Sorrisos que fazem seu coração explodir de amor e alegria.
Alimentar o bebê, seja pelo seio ou pela mamadeira, vai ficando
mais fácil. Você se sentê mais segura e não se deixa abalar por
palpites de terceiros.0s hormônios dão uma trégua. O bebê co-
meça a dormir melhor. Você e o seu bebê vão se conhecendo e
entrando em sintonia.
E não é que você está pegando o jeitinho dessa tal materni-
dade? Você até começa a se cuidar um pouco mais. Sexo volta a
ser algo interessante, bem interessante. A vida vai voltando ao
normal. Um novo normal.
Até que um belo dia você entra no elevador do prédio e encon-
tra uma vizinha. No colo dela um bebê de 10 dias. Você olha para

18
WhC^ 11ü
fr twto,.l,Ú,,,, 19
o
\ ó a maternidade nos faz entender.
U Entender a ferocidade. a onda de âdrenalina que taz
com que mães desaÍiem a ciência, a fisica e a lógica, simplesmente
porque um fllho está em perigo. Mães que lutam com leões, que se
fazem de escudo, que segurâm o teto com o próprio corpo.
Entender o desejo de mudar o mundo. De acabar com a guerra.
A revolta para com os motoristas que dirigem alcoolizados.
Entender o que é acreditar que poderia ter se doâdo mais e, ao
mesmo tempo, sentir que não há mais nenhum pedacinho sobrando.
Entender que Deus conectou o coração das mães. E qual-
queÍ trâgédia no noticiário envolvendo uma cÍiança fa rá com que você
sinta na própria pele um pouco da dor daquela mãe. AÍinal, aquele
poderia ser o seu Íilho, o seu bebê. É tentar imaginar o inimaginável.
Entender que toda definiÇão de quem você é, o seu "eu", irá
se transformar no momento em que você presenciar o seu filho res-
pirar pela primeira vez. E como num passe de mágica você busca
a sua melhor versão.
ü* í,(ú* Po,,w f^Aw ídu,'ú(r, Entender o que é ter um espaÇo no coraçâo preenchido sem
que vocêjamais tivesse notado que esse buraquinho estivesse vazio.
Entender que todos os cartôes de dia dâs mães que você escre-
veu para sua própria mãe, que nada daquilo foi o suficiente. Porque
antes da maternidade, você jamais conseguiu compreender todo o
sacrifÍcio. O quanto ela chorou ao ver você chorar. O quanto elâ so-
freu ao ver você sofrer. O verdadeiro significado de "dói muito mais
em mim do que em você".
Entender como um sorriso, ou até mesmo uma piscadinha, te
dá ÍorÇas para mover montanhâs, abrir mares, juntar continentes.
Entender a Íé. A fé que brota no peito quando você implora para
que seu filho esteja sempre sob proteção. A fé que você tem ao supli-
car que qualqueÍ mal atinja você, mas nâo ele.
Entender o amor na sua real magnitude. O amor que faz parte
da alma e que [e acompanha aonde quer que você vá. É esse tal de
illnor incondicional que tanto falam por âí.

2L
t)lotun.
I o baby blues- o vazio. o buraco que se forma no
L/ pos-pa.to. e óue ninguém fala.
Eu chorei tanto e me senti tão sozinha. Nunca ninguém me
falou dessa sombra que faz com que a gente se sinta fora da pró-
pria alma. E porque nunca ninguém havia me contado, eu acredita-
va que era só comigo.
As pessoas chegavam para visitar, pegavam o bebê no colo,
comentavam com quein ele se parecia. E pâravam pôr aÍ. Enquanto
a minhã vontade era de sacudir as mulheres que estavam na minha
frente e gritar: "Pelo amor de Deus, me diÉa que foi assim com você
também. Me diga que você também sentiu!".
Lembro que a minha cabeça girava toda vez que alguém co-
mentava o quanto é maravilhoso, ê me perguntavâ se eu estava
amândo. E eu pensava: "Amando o meu bebê ou a vida no puerpé-
rio?" Sim, porque são duas coisas completamente diferentes.
é
A verdade que ninguém quer falar respeito. Por a
isso eu te peÇo: veja!
olhe para a mãe com o bebê nos braÇos. Enxêrgue â mu lher que
não se reconhece. Cinta pós-parto, sutiã amamentação, absorvente
seio explodindo, abdômen metade inchado e metade macio.

Iw,So qlü,
XXG,
Tâlvez ela não esteja vivendo um momento difícil, e nesse caso
ótimo! L'las, talvez sim. Talvez tudo o que ela pÍecisa é saber que
é normal. A insegurança, as lágrimas que caem ao zelar o bebê
que dorme, a sensaçâo de que a vida acabou com a alegria dela
ter apenas comeÇado.
Por favor, fâle! Valide esse sentimento, essa brecha de escuri-
dâo que, por alguns segundos cobre a luz que está por vir.
Eu quero que você a olhe nos olhos e diga que o bebê even-
tualmente irá dormir por mais de duas horas. Que o seio irá parâr
de doer, que o coração se âquieta, a vida se encaixa. Diga que é
normal sentir raivinha do mârido quando ele chega em casa e co-
rnenta sobre a serenidade do bebê que dorme. Quando na verdade
o llebê literâlmente acâbou de fechar os olhos, e antes disso chorou,
(lefecou, mamou e regurgitou o dia todo. E que você está exausta, e
(lue nem em sonho é tão fácil quanto se imagina.
A maternidade transfoÍma. Só que esquecem de mencionar
(lue existe uma linhâ muito tênue entre se transformar e se per-
(lor. Ou talvez seja parte do processo. Para nos transformarmos,
os perdemos um pouco.
Ivlas é possível sê rêinventar, ainda tem espaÇo. A individuali-
(lirde que durante o puerpério parece desaparecer, ela volta. Pode

I )?
ser que agora a porta de acesso não esteja visível, mas
ela está ali,
logo aii. E é você quem pooe guiar.
E você quem pode contar que também esteve
.
viu o vazio, que também sentiu o peso. Você, diante Oa
lá, que também
mulner, Oás
olheiras, da insegurança, pode secar as lágrjmas,
apontar o cami_
nho e dizer "tá vendo, ela está lá,'. Talvez ainda um pouco
distante,
mas a porta está lá. E acredite, no tempo certo
ela irá se abrir.

24
&&*l^ C"*"{.1"
I
f-sta é a história de um menino e a sua kombi. LJma kombi
Ç mintatura. dessas simples que a gente compra em qual-
quer loja de brinquedos. Onde estava o menino, lá estava a kombi.
Todo dia era a mesma coisa. Eu o carregava no colo, enquânto
ele segurava a kombi. E foi assim por muito tempo. Até que aca-
bou. Não lembro quando foi que ele deixou a kombi de lado. lncrível
como â gente esquece. como passa despercebido.
Outro dia, no primeiro dia da pré-escola, ele apertava a minha
mão forte. Como se o porto seguro estivesse ali, entrelaçado em
cada um dos meus dedos. Até que ele a soltou. E não a segurou
mais. Não do mesmo jeito. Já não sei quando Íoi a última vez que
senti aqueles dedinhos segurando os meus.
Você vê só? Existe sempre uma última vez. E a gente nem imâ-
gina que a última vez pode ser âgora. Eu não estou me referindo
à morte, ou tragédias, mesmo sabendo que elas existem e acon-
tecem. Falo do tempo, do crescimento natural dos Íilhos. Do não
sabeÍ, do não conseguir adivin har quando será a última vez. Você só
terá consciência depois que já tiver passado. Ficamos tão focados
nos primeiros... Os primeiros passos, as primeiras refeições, as pri-
meiras palavras, que simplêsmente esquecemos dos últimos.
Houve um tempo em que nos deitávamos juntos no soÍá. Eu
cantava, ele ouvia. Até que um dia ele parou de sentar no meu colo.
I E então eu parei de cantar.
Existe um dia marcado no calendário que será a última vez em
que você irá segurar o seu Íilho apoiadinho no quadÍil. Será a última
vez em que os seus braÇos se encaixarão perfeitamente em volta
daquela criança, da sua crianç4. E assim, nessa mesma târde, você
.r colocará no chão e nunca mais irá caffegá-la no colo novamente.
Nunca mais. Deixando uma saudade absurda, a saudade de todas
ossas últimas vezes. Essas que passam sem que a gente perceba.
As coisas corriqueiras que se vão e que não voltam mais.
Até as madrugadas em claro vão embora. E é impossível re-
capturar a imagem da última vez em que você tirou o seu bebê
(lo berÇo. Sempre há uma última vez. Nós é que não damos
ir devida importância.
Um dia eu estava diante de bíacinhos que se esticavam para
cirna. E agora tudo o que vejo são olhos nivelados na mesma altura
(los meus. E assim, o meu menino há muito tempo iá nâo cabe nos
ll]cus braÇos. Já se foi a nossa última vez. Já não o seguro mais.
Norn ele e nem a kombi.
íanros sâo os motivos que a chegada de um filho pode te

!í ,ornu, uma péssima namorada Filho transÍorma náo só o


ponta cabeÇa Mudaasprio
corpo ã o coração. Vira a vida, a casa de
ridades, redireciona os Planos.
É bem provável que eu não me pareça muito com a mulher
gente se
por quem o mêu marido se apaixonou, e vice-versa Mas a
pelo homem amadurecido' que coloca
reapaixona. Caio de amores
que segura nossos filhos pelas mãos'
a família em primeiro lugar,
Brigamos, perdemos a paciência (iá gasta com o constante
lidar coà as crianças)' dormimos de "mal" E no dia seguinte'
en-
passado, uma troca de fÍalda, um esbarrar para
tre um café sendo
escovar os dentes, um grito pedindo para desligar o
fÔgão antes
que o pão queime, não sobra tempo para lembrar o motivo da raivi-
nha da tarde anterior.
Há também noites onde as crianças vão
para cama cedo Nos
empolgamos com tamanha liberdade e vamos doÍmir depois

meia-noite. E acordamos zurnbis.


Nossas conversas foram substituidas por frases soletradâs
para que as crianças não entendam' lvlarcâmos de N-A-N4-O-R-A-R'
avisamos que tem C'H-O C-O L-A-T-E no armário'
Eu vejo marcas de expressão surgirem no rosto dele Ele enxer-
ga o mesmo em mim. Eu pergunto se ele vê a ruguinha no meu lado
que
ãsquerdo, ele nega. AÍinal, tem amor à vida Ívlas nós sabemos
pele de quem ri demais, chora demais' se
êla está lá. Desgâstes na
se preocupada demais EnfÍentamos
estressa demais, vive demais,
problemas, damos as mãos, discordamos, Íazemos funcionar'
parquinho'
Beijos, carinhos, um sorriso de longe no caminho do
pâpo de fim de tarde recordamos momentos e Íica-
Íudo múou. No
dÔs dias que não voltam Passou' e sem-
n]os nostálgicos. Saudade
pre acho qie deverÍamos ter aproveitado mais' Eu sei' coisa boba
anos direi o mesmo dessa fase que
iia minna cabeça. Em alguns
ostamos vivendo agora. Mas eu sei bem o por quê disso tudo E por-
(tue é bom. Viver eÀ família é B-O-l\'4 demais! Os problemas' pedras'
independente
tirdo Íica pequeno. Porque quando acordo de manhã'
(las ciÍcunstâncias, sei que o que mais importa dorme aqui' no Íinal
i: (lo corredor, no lar que construímos juntos'

29
fr r.n
" "r"urur'No
parto vaginal, depois que o bebê nasce,
- lrtudo volta ao normal. A màe sai do hospital pronta paÍa
correr uma maralona."
Olha, eu ainda prefiro a recuperação do parto vaginal compa-
rada com a de uma cesariana, mas eu estaria mentindo descara-
dâmente se dissesse que depois de pariÍ eu poderia correr a São
Silvestre. E não é só pelo fato de que eu não corro maratonas, mas
porque toda a regiâo do meu períneo.já teve dias melhores, aliás,
muito melhores. E nem que a vaca tussisse em alemão eu levaria a
minha vaginâ, acompanhada do meu respectivo ânus naquele esta-
do, para sair correndo por aí.
Parir é um sonho, uma sensação tão mágica que chega a seÍ
viciante. Mas é ilusão, ou melhor, é uma puta de uma sacanagem
fazer com que uma mulher acredite que um parto nâo exige recupe-
raÇão. Não é todo dia que um bebê de 3kg sai de dentro de você. E
r]ão importa qual foi o caminho de saída.
São estas frases prontas, como â da maratona, que nos
"obrigam" a agir como se nada tivesse acontecido. Mesmo com
o períneo berrando ou com umâ série de camadas abdominais
tentando cicatrizâr.
q,r,r,lrÍfr Sew Na minha primeira semana de pós-parto eu sentava de ladinho
Wo* f^$.1 o andava estranho. Por quê? Porque toda a região dos países bai-
xos estava magoadíssima com a minha pessoa. No bom português,
l]]inha vagina e meu ânus me odiavam! E nas minhas cesârianas,
irlém do desconforto, a cada levantar da cama oú cada vez que exis-
liir uma possibilidade de ter que tossir, eu segurava a cicatriz com
nrcdo dela abrir. Quem vocês querem enganar com esse papo de
(x)rrer uma marâtona?
A única frase pronta que deveríamos falar para toda grávida e
Irire que acabou de parir é que amanhã será mais fácil. Sim, ama
rrlrir. Não será na semana que vem, nem daqui a um mês, ou daqui
,r Urn ano. Amanhã você já vai se sentir melhor. Amanhã será bem
nriris fácil do que foi hoje.
É incrÍvel o poder que um período de 24 horas tem durante o
lr)ri l)arto. Um dia após o outro, é assim que a sensação de atrope-
l, lonto vai Íicando para trás. E cada pedacinho vai (ao pé da letra)
ví)llilndo ao seu devido lugar.
Tempo. O famoso tempo. É desse jeitinho, quâse inÍame, que a
p,r'Ilo aprende que esse tal de tempo é para sempre o maior aliado
l, o pior inimigo na maternidade.

n,l,t* lo qlh,a, 31
/y'| tuturu.sobre mamadeiras, chupetas e carrinhos. t\4e
"
' Lcontaram sobre marcas de fraldas, pomadas e lenÇos
umedecidos. Me pediram para dormir quando o bebê dorme, para
começar a amamentação em livre demanda e para não comer feüão
ou chocolate.
lvle avisaram que eu deveria usar cinta pós-parto, beber muita
água e acostumar o bebê com barulho. Foi discutido até mesmo mé
todos anticoncepcionais e a importância de implantaÍ uma rotina.
Porém, o conselho que eu desesperadamente precisava rece-
ller, as palavras que eu tinha sede de ouvir, demoraram para che-
gar. Algo simples, e tão óbvio, que fica no esquecimento: "Se cuida".
Cuide de você. Tome banho, lave o cabelo, tire o pijama, se vêja.
Permita-se ouvir os próprios medos e essa mistura maluca de emo
Çôes que habita o corpo de quem acabou de dar à luz. Fale de ou-
lros assuntos. Fale sobre o tempo, sobre novela, sobre a greve dos
l)ancários, sobre aquela receita deliciosa que alguém publicou no
I acebook. Fale sobre quâlquer coisa. l\4as fale. Fale dessa inquietu-
(le que toma conta do coração. Entenda que é ok nâo se sentir ok.
Você é a melhoÍ mãe que seu filho pode ter, e isto basta.
lk)spire. Respire novamente. Feche os olhos. Escute seu coração.
ohore. Chore um pouco mais. É normal. Sim, esqueceram de te con-
íq Y, c"lfiqr! lirr dessa parte, mas saiba, é normal. E vai passar.
Saia de dentro de casa. Vá à padaria, ao parque, à casa da sua
, rvó, da mãe Joana, vá para qualquer lugar, mas vá!

Esses dias longos, que se misturam com noites, e que se fa-


/o r dias novamente, eles ficarão para trás. E vocêjá nem sequer irá
I rrrbrar se foi um sonho, se estava anestesiada, ou que raio foi esse
írrracão que invadiu a sua vida.
Daqui a alguns anos, quando você menos esperar, irá aconte
r (.r. Talvez em uma quarta-feirâ qualquer, perto do Natal, remexendo

,rllluns objetos antigos, você encontrará uma foto. Lá estava você,


r,rl)elo preso de qualquer jeito, olheiras aparentes, rosto cansado,
( . r irha arredondada. No colo aquela pessoinha.
Quanto amor!
Você então se olha novamente ê reconhece a fragilidade e o
rrr|tlo no olhar daquela menina/mulher. Tão forte e tão indeÍesa.
se lhe fosse dada a opoÍtunidade de voltar por cinco segundos
^lrlr,
p,rrr aquele momento. Você iria correndo. E ajeitâria os cabelos,
., rxrlocando delicadamente atrás da orelha. Lavaria o rosto can-
,,,rk), daria um abraço apertado, um beüo e sopraria no seu ou-
virlo: "Ei, Se cuida".

,a.t:-, 33
f
t)
Imedo do primeiro cocô. Nào o do bebê, o seu mesmo. Algo
Ç/que assombra todas as mães. lndependente do tipo de
paÍto, mesmo tomando o ''laxante natural" que o médico prêscreveu,
o primeiro cocô é o pesadelo da vida pós-parto.
Para quem teve cesáreâ, a ideia de fazer qualquer forcinha já
lraz a certeza de que todos os pontos irão arrebentaÍ como fogos
(le artifício. Já para quem teve parto normal, bom, não pÍeciso nem
(lizer que o * (eÍeito sonoro de assovio) não parece estar pronto
l)ara abrir passagem.
l\4as eis que trago a boa notÍcia. Não dói. Por que não te falâ-
rirn antes? Não dói, não arrebenta ponto, não termina de destruir
ir{tuilo que já não está muito bem nâ Íita, não acontece nada. Aliás,
0 P,;rrra1* Cogê , roontece, Junto com o cocô vai embora um alívio imenso de ter se

livrado desse pesadelo. E é por isso que Íiz questão de escrever esse
lr:xtinho. Porque não teve uma alma piedosa para me avisar que nâo
t,r doer. Não teve um único serzinho que me falou dessês medos
lx)l)os que Ícam como urubu atrás da gente.
Fica a dica para as enfermeiras e doulas. Poxa, nâ hora da alta
rl|ÍarQa e cochicha no ouvido da mãe: o períneo e todos os seus
lrlolÍantes voltâm ao seu estado normal. Ahh, e fica sussi que o
t)rin rciro cocô não dói.
Uma frase tão simplesinha mas que faz toda â diferença.

,(hedo,,./,ú*e 35
r
fsó olhar nos arQuivos
l/,/ Màes são as que
do celular ou da máquina ÍotogÍáÍlca.
menos possuem fotos com seus Íiilhos.
Até tiramos uma ou outra, mas dificilmente gostamos. Não damos
valor. Afinal, sempre tem algum problema. O rosto não fica simétrico,
a roupâ que nem sêmpre favorêce, o ângulo que nos deixa mais chei-
nha, o cabelo que não Íica tão bom, a cara lavada sem maquiagem.
Hoje, revirando o meu próprio celular, achei algumas imagens.
Fotos minhas com os meus pequenos. Fotos que por pouco não foram
parar na lixeira do meu telefone. E pela pÍimeira vez olhei pâra essas
fotos com outros olhos. Elas me fizeram lembrar das minhas próprias
imagens de infância com a minhâ máe, quejá partiu há alguns anos.
De todas as vezes que admirei minhas fotos com ela, não lem-
bro de um único episódio em que eu tenha visto rugas, manchas,
quilos extras ou a menos. É bem provável que esses elementos es-
tivessem lá, presentes. Mas para mim eles passaram despercebi-
dos. Sempre irão passar.
Escutem com atenção, eu falo como filha. Como filha que
teve que se despedir cedo demais. Nada disso vale. Não será isso
que seu filho irá procurar quando em uma noite qualquer, quando a
saudade parecer querer pular para fora do peito, com âs mâos trê-
mulas ele segurar uma foto de vocês. lsso tudo será pequeno, invisÊ
vel, tão insignificante.
lh,s a, úa,rr*, Acreditem, mais vale a gargalhada com queixo duplo. lvlais vale
o abraço de urso que faz o braço pârecer maior do quê realmente
é. l\4âis vale os pés de galinha de um sorriso sincero que aperta os
olhos. Mais vale o cabelo no rosto, no olho, na boca. Seja ele branco
ou devidamente pintado.
O ângulo errado, o ângulo certo, tanto faz. Registre os momentos
de vocês. Eles sâo tão, tão importantes. Talvez não agora. Mas lá na
Írente. Deixe transparecer a alegria genuína, aquela que vibra dentro
do coração de mãe. Aquela que só quem ama por inteiro conhece.
Algo que deve ser celebrado, registrado, recordado. E que não mere-
ce, de maneira nenhuma, ir para a lixeira do seu telefone.
Entre na foto. Vire a câmera para vocês. Não espere a fotógrafa,
a festa de aniversário, o Natal, a apresentaçâo da escola. Fotografe o
oarinho que é construído no ordinário, no dia a dia, na rotina ou na Íal-
la dela. Registre aquilo que é único de vocês. Congele as imagens dã
vida real, linda, corrida, bagunçada. As manhãs de quinta no chão da
oozinha. O caos antes do jântar. O domingo no parque. Descabelada,
com roupa de gala ou com a mesma calça capri de ontem.
É aí que mora o amor. E acredite, é aÍ que morará a saudade.
lk)gistre o amor. Todo o resto não terá a menor importância.

fr,t1^t4oql,t4 37
A* oru umaternidade é tão cansativa? Por que no final do
f dia. nós mães, estamos sempre táo esgotadas? Você pode
estar pensando que é porque cuidamos de crianças, e esta é, obvia-
mente, uma atividade exaustiva. Mas este não é o motivo.
Alimentar, trocar fraldas, colocar para dormir, brincaÍ. Esta é a
parte fácil, coisas que qualquer pessoa pode fazer. O que nos deixa
literalmente exaustas é o amor.
É o amor que te faz levantâr e ir conferir se seu bebê está res-
pirando. Que te faz analisar a cor do cocô. Que te faz ficar horas
pesquisando sobre jntrodução êlimentar.
É o amor que faz com quê você cante, assopre, beüe, dance,
faça careta, se transforme em cavalinho, fada do dente e professora.
É o amor que faz com que você fique inquieta se preocupando
com a pessoa que o seu Íilho é hoje, com o que ele será no futuro, e
com o que você nào queÍ que ele seja.
É o amor que faz com que você atravesse a cidade para levá-
-lo ao campeonato de judô. Que te faz encarar â enorme Íila para
tirar foto com o Papai Noel. Que te faz pesquisar os melhôres méto-
dos de alfabetização.

0e Sh^To(ru qp Co*Tulíaaile É o amor que te leva a fazer trancinhas nos cabelos e que
te dá energia para convidar três amiguinhos pãra dormir em casa
em plena sexta-feira.
É o amor que faz com que você fique com o braÇo amortecido
por estar segurando o Íilho que dormiu no colo. Que faz com que
você vire a noite fazendo pegadas de Coelhinho da Páscoa, e que te
faz encostar sêm nojo êm qualquer tipo de excreção humana.
É o amor que te leva a planejar férias que englobâm tudo me-
nos o seu descanso. Que te faz dormir sentada no quarto com um
bebê febril e que te transforma em colecionadora de dentes de leite.
É o amor que faz com que você tomê a tabuada, estude
para a prova de geografia e corra para levar a lancheira que ficou
no bâlcâo da cozinha.
É o amor que faz com que você se preocupe com alimentos
orgânicos, homeopatia, florais, meditação, o sal rosa do Himalaia,
óleo de coco e tudo que pâreça fazer bem.
E por Íim, é o amor que faz com que decisões que antes eram
simples, bobas, se tornem absurdamente complicadas.

m ,lw qllt a 39
ürr",rrrr'^Tu#:';trJ:::u*i,:u:ff ,,;;::
Não dou mesmo. Seleciono prioridades, foco no que dá, varro o resto
para debaixo do tapete. No dia seguinte levanto a beirãdinha do tape-
te, retiro umas coisas, escondo outras.
Se hoje as crianças forâm dormir sem escovar os dentes, ama
nhã isso será prioridade. Se hoje o jantar foi o chinês "okesorobo",
amanhã um almoQo fresquinho é a missão número um.
Meu tapete nunca Íica vazio. Nuncâ. Aliás, tem dias que entu-
Iho tanta coisa lá debâixo que derruba o que tiver em cima. Brigo
com o mundo, choro um pouquinho, me sinto a mais desequilibrada
das mulheres, espero pelo dia seguinte.
Mas há manhãs em que acordo cheia de amor próprio. Dou
risâdâ desse auê todo. lgnoro o tapete, já pau a pau com o l\4onte
Everest, e vou bela e formosa (cansâda e de piranha no cabelo) to-
mar um banho demorado.
Algumas tardes viro a ÍevolucionáÍia do tapete. Brota no corpo
uma energia que sabe-se lá de onde veio (provavelmentê do briga-
ú í%o-1, deiro de colher que comi escondido três noites atrás). E lá vou eu
disposta a colôcar tudo em dia. E não é que eu quase consigo? Se
não fosse pelo quase... E é assim. Frustrante, âlegre, desesperador,
leliz. Um eterno varre, esconde, esvâzia.
Não se deixe enganar, tem sempre um tapete. Na câsâ de algu-
rnas ele fica mais visivel, Iogo na sala. Já outrâs preferem usar o do
corredor. l\4as ele está lá. Tem que estar. Se não a gente enlouquece.
Por trás dessas imagens existe uma mãe comum. De carne e
osso, querendo emagrecer no mÍnimo 3kg, e jurando que âmanhã
rào irá esquecer de cortar as unhas das crianças. Com dias bons pra
rarambâ, no estilo: "A vida é bela, podeÍia ter sete Íilhos, viver numa
oasinha de sapê, e seí feliz paÍa sempÍe".
E com dias de "quem sou, onde estou, quem são essas pes-
Loas"? O denominador comum é o amor, que quando colocado na
l)irlanÇa quebra o ponteiro. Vira o jogo. Não dá nem chance. O cora-
r.riro é invadido por gratidão. E com lágrimas nos olhos agradecemos
tx)r tudo. Até mesmo pelo tapete GG.
P*u .,*. o *ds difícil de ser máe de três filhos nos meus
í tÍinta e poucos anos nào é exatamente o que eu pensava
que iria ser.
Nãoé o choro. Nãoéa birrâ. Nãoéo "eu sou odonôda ra-
zão" de um adolescente. Não é a bagunÇa constante. Nem mesmo o
desconforto de ter que segurar o próprio xixi para lidâr com uma mi-
nipessoa que precisa desesperadamente de ajuda para descascar
uma banana neste momento, agora, para ontem, já.
Não são as noites em claro. Nâo são as mudanças no meu cor-
po. Nâo são as despesas que só aumentam. Nem mesmo o teste de
nervos que é dirigir no centro da cidade com um bebê choÍando na
cadeiÍinhâ do carro. Não é o sentimento de culpa. Nem â obrigâção
de ter que preparar pelo menos três refeiçôes balanceadas todos os
dias, sete dias por semana (incluindo feriados e dias santos).
A minha minicrise dos trinta não foi, nâo é, e nem será por nada
disso, Hoje o meu maior desafio é encarar a certeza de que eu nunca
mais mê sentirei completamente livre. Tem horas em que eu sinto
tanta, mas tanta falta da minha liberdade e do meu tempo sozinha!
Eu sinto falta de poder sair de casa para ir para qualquer lugar
sem me preocupar a que horas irei voltar.
Eu sinto falta de conversar por horas sem precisar parar para
fazer o janlal ou para acalmar um menino que berra como se al-
Q %/ytd{il$e guém o estivesse enforcando, pois o adesivo que ele ganhou no dên-
lista insiste em não Íicar no lugar que ele deseja.
Eu sinto falta de não ter planos e de poder deixar a vida me
levar para onde ela bem quiser.
Eu sinto falta das inúmeras possibilidades de uma sexta-feira à
rroite, ou melhor, de um feriado prolongado.
Eu sinto falta até de coisas imbecis como Íicar gripada na cama
rxrm a cabeça vazia.0u de poder me dopar para dormir durante
llrna viagem de avião. Ou de tomar banhos sem ser assombrada
tx)r choros imagináveis.
Eu sinto falta de perder a noção do tempo, seja numa pista de
íl,rnÇa, ou em uma manhá de sol na areia da praia.
Eu sinto falta de não ter medo da mortê, das viagens de última
lror{,r, dos dias de pijama, pipoca e eu mesma.
Eu sinto falta de nâo ter nada em mente, apenas o momento.
Eu sinto falta de fazer o que eu quero, sem ter que me prêo- I

i ot)irr se as minhas atitudes irão refletir nas pessoinhas que


rr,ris amo nesse mundo.
A minha famí'lia, de uma forma ou de outra, está sempre pre-
',r.rlo nos meus pensamentos. E mesmo que indiretamente, são

43
eles que moldam as minhas decisôes. É pensando neles que decido
onde morar, onde trabalhai para onde ir e o que fazer. É estranho
admitir, mas não sou mais dona do meu destino. E mesmo que eu
tenha a última palavra, o bem-estar da minha familia será para sem
pre a minha balança, inÍluenciando quase todas as minhas decisões.
Esta minha minicrise é por perceber que eu nunca mais irei
conseguir sair pelo mundo sem sentir essa forÇa mâiôr que me puxa
de volta para eles. Como se existisse um cordão umbilical que não
foi e jamais será cortado. Algo que me enche de alegria, mas que
ainda assim me traz um estranho sentimento de perda.
Estou no processo de me acostumar com o fato de que um
pedaço das minhas asas foi cortado no momento em que o meu
coração se expandia. E enquanto a minha família é a melhor coisa
que já me aconteceu, a falta de liberdade que um amor como esse
implica é, sem dúvida nenhuma, a parte mais difícil desses meus
trinta e poucos anos.

44 fuh"l* C,*"fio
(
n
,o^o lroca, a Íralda de uma crianÇa de um ano. a verdade.
V Deite a crianÇa. Encontre resisténcia. Entregue a po-
madâ de assadura e o pacote de lencinhos. A criança não âguenta
mais bÍincar com estes itens e pÍaticamente ri da sua cara.
Chute, chute, c h ute. Calcânhar no cocô da fralda suja. CalcanhaÍ
no cocô é clássica. Perninhas agitadas e o calcanhar agora esbarra
na panturrilha da outra perna. Cocô na panturrilha. OÍicialmente há
cocô nas duas pernas.
E quando você pensa que não pode piorar, lá vem ela, a tão
temida... jogada de quadril. O escape de quadril é o método de fuga
mais comum entre os bebês. Ninjas. Jiu-jiteiros. Andersons Silvas.
Você tenta segurar, mas elesjogam o quadíil paÍa cima e pârâ o lado.
Piscou e agora você segura pezinhos de um bebê voador,
de barriga para bâixo. De "merdas", ops, de "pernas", para o ar.
O bumbum sujo agora balança na sua cara, quase que te dando
um tchauzinho. O momento é crÍlico, bastâ um único movimento
orrado e será a festa do cocô. Vai espalhar por tudo. Foco. Afinal,
rluem é que manda aqui?
Vocé respira fundo e volta com a crianÇa para a posicão ori
ú" Íwc" 11irral. É agora ou nunca. Lá está você entregando todos os objetos
rlue vê na frente. Os mesmos objetos que você passa o dia todo
roDetindo que não pode mexer. Celular, chave do carro, controle da
lolevisão. Nesta horâ você vende até a alma. Aima esta que também
,,r dcve conteí vestrgios de cocó. É praLicamente um assâlto. t\4àos
, ro alto! Aliás, mâos na fralda. O tempo é curto.

Você então percebe uma inquietaÇão nas suas prÓprias per-


rr;rs. É você quem está quase Íazendo xixi nas câlÇas. l\4ães estão
,,f; lpre apuradas. Quem tem tempo paÍa urinar?
No desespero você puxa 40 lencinhos de uma vez. OstentaÇão,
'rl, r,rlrnente pASSando dinheiro no COCô.
Ei, agora a criança se acalma? Como assim? Agora que
rr lrurr-rbum já está limpo, que não temos cocÔ em volta, finâl
llrrIlle há colaboração?
Criança feliz, risonha. E você? Tá lá toda derretida. l\4as é uma
,rlrol)ada mesmo. Só resta aguardar até a próxima refeição e re-
lll,lr lodo o processo.

n .!,.. ,t".,"1.1t'^. 47
Vl, *,rda màe cabe um porto. uma ponte. um caminho,
' L uma feÍrovia. E passagem para onde mora toda calmaria.
No colo da mâe cabe o que nâo tem espaço no coração. E se
extravasa o que parece não ter solução.
No colo da mâe o mundo desabafa, desmonta e se reconstrói.
É lá onde os caquinhos já não doem.
Colo de mãe é continuação de nós, como um pedaÇo da gente.
É lá que elas fazem dos filhos inteiros novamente.
colo de mãe é confiança, moradia da paz, da esperança. É es-
cudo, ninguém te alcanç4.
colo de màe é Superbonder, mecânica, oficina. É onde mora o
conserto do meu coÍação de menina.
Colo de màe é esparadrapo, bússola, binóculo, cobertor. É a
casa do mais llndo amor.

W Crh ú*7Q* colo de màe é exército, muro, barreira. É incondicional


e não tem fronteira.
Colo de mãe é força. armadura, segurança. É o refúgio para
minha alma dê criançâ.
Colo de mãe é portal. passagem. telepatia. É onde Deus
chega mais perto, ao som de poesia, nos abenqoando com
sua sublime companhia.
No colo da mãe tudo volta a fazer sentido. E mesmo se há anos
ela já tenha partido, ainda assim o consolo é garantido.
Colo de mãe nâo tem forma, nem cor, nem validade. É lar de
Loda a saudade. E refresco para minha ansiedade.
Colo de mãe é invisível, disponível, sempre acessÍvel. Basta crer.
Se imaginar pimpolho. E lembrar que o essencial é invisÍvel ao olho.

n,lw,!oqll,,* 49
f
(/
r ml>ora eu vá para sempre carregar esse pequeno luto da
minha liberdade que partiu. eu passo a encontrar novas for-
mas de me sentir livre.. Uma sensaÇão diferente, e que chega todâ vez
que enxergo a vida pelos olhos dos meus lilhos. E o sorriso no rosto
que não consigo conter ao ver o cabelo ondulado da minha menina
balançando com o vento. É a leveza que extravasa quando o meu mais
velho corre comemorando o seu gol em plena finâl de câmpeonato.
A minhâ novâ liberdade vem ao sons de ''uhuuu" quando o meu
menino dispara no seu patinete. l\,4e sinto livre quando escuto a gar-
galhada despreocupada da minha bebê brincando na areia. E com
o bârulho da criançada batendo palmas enquanto eu tiro os pães
de queUo do forno. A minha liberdade também mora no brilho dos
olhos curiosos dos meus pequenos enquanto eu conto uma história
sem pé nem cabeça. Eu vejo liberdade no meu menino bronzeado
e seu bumbum branco correndo em um fim de tarde de verão, e na
minha dancinha de comemoraÇão quando finalmente coloco todas

fr.Vt ,* l,lrril^il, as criançâs para dormir.


Há liberdade no amor, na solidariedade, na compaixão do meu
coraÇão de mãe e na minha alma que cresceu tanto que me aÍastou
de alguns sentimentos vazios. Sinto liberdade na minha empatia e
na forma como hoje eu consigo me colocar no lugar de outra mulher.
Seja por um momento de grande alegria ou de imensa tÍisteza.
A minha liberdade está até no meu coração, pois tênho um
enorme pedaÇo dele morando fora do meu corpo. Sem falar na liber-
(lade de segurar um Íilho nos braços pela pÍimeira vez, é como um
cncontro com Deus. Nâquele segundo o mundo Íicâ pequeno. Não há
lillerdade maior do que a certeza de que a vida é maior, tão incrivel-
rnente maior. E de que Deus existe, Ele existe aqui pertinho da gente.
Há inúmeras formas de liberdade, e mesmo sentindo falta de
irlgumas, venho aos poucos descobrindo outras. E por ironia do des-
lino, já percebi que o que mais me aprisiona é também o que mais
ll1e libertâ: os meus filhos.

n,/*,,/",n l,"^ 51
í)
/ ,ompra-se aquele brinquedo caro que, mesmo quem tem a
L/ poupanÇa gorda, no fundo sabe que o preço é um absurdo.
Propagandas dizem que precisamos fazer da infância um momento
grandioso. Brinquedos que fâlam, dançâm, fazem xixi, dão piruetas,
só nâo arÍumam a casa. E esquecemos de que a inÍância acômpa-
nhada de âmorjá é mágica por si só. Que um balde com água em um
dia quente, ou uma caixa de papelão, ou até mesmo plástico bolha,
pode sim Íazer mais sucesso do que aquilo que você parcelaria em
seis vezes no cartão.
Ao nosso redor a mensagem é que criânças só terão sucesso
na vida se Íorem estimuladas. E talvez estejamos criando crianças
que sâbem o bê-a-bá com três anos, mas que não tiveram tempo
de pular corda e, acima de tudo, que não apreciam o simples. Eu
mesma, quantas vezes me encontro perdida diante do simples?
Reclamo, tenho a sensação de que está faltando alguma coisa.
A alegria em família não é necessariamente como nos comer-
ciais de margarina. Crianças comportadas, a mãe sorrindo com
suas pernas mâgras e compridas, biquíni branco, caminhando na
areia tão brancâ quanto.

fr,rt* Precisamos mostrar para os pequenos (e pâra nós mesmas)


que momentos inesquecíveis aparecem no quintal, na praça, ou em
parques temáticos. Que uma ida à praia mais próxima, com direito
a ver o lanchinho que você empacotou se transformar em "à mi-
lanêsa", tâmbém pode ser inesquecível. Chegar em casa e passâr
Caladryl nas crianças porque, apaÍentemente, o protetor solar não
foi o suficiente. Ver os priminhos/amiguinhos gritâÍem "primeiro no
banho". Esperâr a tarde passar no embalo da rede. Assistir a um
filme com pipocâ de panela. O tão esperado passeio de noitinha com
direito a sorvete no cascão.
Aindâ estão para inventar algo que aumente mais a autocon-
fianÇa, que faÇa crescer a âutoestima, do que o convívio. O simples
tempo de qualidade (seja duas ou doze horas por dia) quê passa-
rnos com nossos filhos.
Não encane se você nâo puder/nâo quiser comprar ãquele
brinquedo que "mamãe, mas todo mundo tem". No flnal das con-
tas não há brinquedo ou cabo USB que estimule mais o coração
do que âquilo que já temos para oferecer em casa, de graça, com
irmor: nossa atenção.
0r"rnatenÇão no devagaÍ. Na torma mansa como etes
X uÍam as páginas do livro e exploram o mundo, atencio-
samente, sem olhar no relógio. Logo terão pressa. Pressa para ver o
amiguinho, pressa para o ba//et, para o futebol.
Pare. Preste atenção. Deixe o colo ser tomado por perninhas
inquietas bem no meio.da ligação importante. Acredite, isso pode
esperar. Ele não. Em urn futuro não tão distante, os abraços, os bei-
jos, as cócegas, nada disso será de livre acesso. Serão os amigos,
a vergonha, a escola.
Haverá dias em que a saudade será tão imensa que moverá
não só montanhas, mas o coração. Ah, a saudadê, locomotivã do
coraÇão! Lá se vai ele, voltândo no tempo. EIe volta com a maturida-
de de quem sabe que tudo acaba. Largando as ligaçóes, a louça, os
compromissos, a pilhâ de roupa, o computador.
Íudo fica tão pequeno, sem importância, perto da saudade. E
quando ele volta, há o reencôntro. Com o bebê, o seu bebê. Aquele
que não hesitava em se jogar nos seus braços. Lá está ele senta-
dinho na sala. Fica difícil saber se é realjdade, sonho, ou segunda
chance. Falta ar. Ele sorri. E volta a brincar, sem perceber a grandio-
sidâde daquele momento. Você respira o cheiro de inocência que
vem dos cabêlos finôs. Vê a perfeição no pezinho descalço. Coisa de
Deus. Só pode ser coisa de Deus. Você o beija mil vezes. E o abraça
com todo amor que há no mundo. Um abraço que carrega a certeza
de quem agora entende que o tempo é curto. Tão. lnjustâmente.
Curto. Tâo limitado, tão impiedoso.
E desaba em lágrimas, baixinho, que é para ele não notar.
Desaba pelo tempo que passou. Desaba por causa dos olhos curio-
sos. Desaba por ele ser tão pequeno, tão seu. Desaba pelos anos
que voarâm em um piscar Pela tolice que insiste em nos cegar dian-
le do tesouro que temos êm mãos. Todos os dias, dentro de casa, no
simples, no cotidiano. No abraço no intervalo do fllme. No "upa" ao
l)ular no colo. No enxugar de cada pedacinho com a toalha.
Por isso diminua. Desacelere. Não se cobre tanto. Seja gentil
r:om você, com o seu maternar, com o seu bebê.0 tempo não reduz
ir rnarcha, nós sim. Nós podemos. Nos foi dada essa dádiva. E Ele
cnr sua sabedoria, de quem tudo enxerga, tudo compreende, tudo
ircalenta, sabiamente a chamou de presente 0 mais incrível pre-
ricnte: o nosso tempo,
r%u
Lde^^t"rnto"oe
cnamá-la de
exisle uma lei ainda não nomeada. costo
ForÇa Cósmica da Humildade l\4aterna. No
bom português, seria como um tapa na cara de qualquer mãe que
sinta umâ gota de orgulho das suas habilidades ou das habilidades
do filho.
É a forma que a mãe natureza encontrou paÍa nos mostrar
quem está no comândo e deixar claro que ela sim é phodástica, nós
somos meras mortais.
Você abriu a boca para falar que seu Íilho já dorme a noite
Loda? Pode esperar para vê-lo passar uma longa semana acordando
Lodas as noites, de hora em hora.
Anda toda orgulhosinha porque a Íilha saiu da fralda e nunca
teve um acidente noturno? Prepare-se para ser acordada às três da
manhã com uma criança gÍitando e o colchão encharcado.
Você encheu a boca para dizer que seu filho come qualquer
coisa que está no prato? Fique prontâ pâra assistir o seu menino
implicar e sepârar todos os verdinhos da refeiÇão.
íoW* Cóy,nfu, úrt, il,,,,úWailo Andou se gabando por aí que sua filha nunca Íicôu dôen-
le? lá pode passar na farmácia comprâr o termÔmetro porque
núüü,,, a virose logo chega.
contou para a família inteira que seu bebê bate palminhas
(
luando escuta pârabéns? Não preciso nem dizer que no dia da festi-
Iha de aniversário a crise de choro em frente ao bolo será garantida.
O pior é que a força cósmica da humildade materna não per-
{loa nem os pensamentos, por mais inocentes que eles pareÇam
rior. Enquanto você cozinha o jantaÍ, passa pela sua mente que
ir sua câçula foi o seu único bebê que nunca fez cocô na banhei-
rir. Ahh, já é fato que em poucos lias você estará lá, trocando a
irllua no meio do bânho.
Não tem escapatória, quando o assunto é maternidadê deve'
Iros andar nâ sombra, de cabeça baixa, piâninho, porque quando a
ll)nte menos espera... tcharam; acontecel
llr" coisa de máe, mãe chora. No cano, taten-
I f io o"tchorei.
almoÇo, no chuveiro, assistindo o noticiário. ouvindo
música. Choro acumulado, que vamos guardando em um cantinho es-
condido. Até que uma lágrima escapa. E desmorona, como correnteza
que sai limpando o caminho.
É, minha criança, em silêncio eu choro. Em silêncio eu choro
por causa do cheiro nos seus cabelos, e o brilho nos seus olhos, e os
seus dedinhos pequenos.
Em silêncio eu choro por causa da pureza e da inocência que
você carrega no coragão.
Em silêncio eu choro porque você me Íaz ter esperança, pie-
dade, empatia, compaixão. E sentimentos que não pârecem caber.
Em silêncio eu choro por todas as mães de crianÇas doentes.
Aquelâs êm que agulhadâsjá virâram rotina. Pensando nelas eu ber-
ro, peço socorro, sinto vergonha do meu próprio choro. E por isso eu
choro um pouco mais.
Em silêncio eu choro por causa dessa fé desbravadora que você
Íne trouxe, junto com a sede de me tornar um ser humano melhor.
Em silêncio eu choío porque queÍo o colo da minha mãe. Quero
êla me segurando enquanto seguro você.
íw S'k'rt* ?, úflprp Em silênclo eu choro porque tenho tanto pâra aprender, tanto
que já nào sei se consigo ensinar.
Em silêncio eu choro porque me sinto encolhida, frágil, incapaz
de carregar a responsabilidade que mê foi confiada.
Em silêncio eu choÍo porque esse amor, essa mistura de senti-
rnentos. é muito, Demais para levar.
Em silêncio eu choro porque tenho medo. l\4edo do futuro, dos
inevitáveis tombos no seu caminho, dos possíveis perigos.
Em silêncio eu choro porque cumprir o meu papel pode ser tão
pesado e meus ombros são tão frâcos que eu temo.
Em silêncio eu choÍo por mim, e por você, e por outras mães, e
l)or outros filhos. Portudo o que veio antes e portudo o que virá depois.
Em silênciô eu choro porque sinto saudade de quem eu era,
uma intensa falta de mim mesma.
Em silêncio eu choro porque você conta comigo, e eu já nem
sei se dou conta de mim.
Em silêncio eu choro porque a sua simples existência me trazÍeli-
cidade, paz, plenitude. E sensaçÕes que ainda não foram nomeadas.
Em silêncio eu choro portantasetantas razões. lMotivosquevocê
iamais consegu irá compreender, não a ntes de ter o seu próprio bebê.

59
Em silêncio eu choro como filha. Quando aperta, é para Ele que
eu corro. E âs portas estão sempre abertas a me esperâr. Mesmo
que eu nem sempre volte paÍa agradecer.
Em silêncio eu choro e Ele me escuta. Deixa as lágrimas cai
Íem. Sem perguntas, sem condiçÕes.
Em silêncio eu choro e, devagarzinho, Ele vai aquietando o
meu coraÇão de menina, de mãe, de mulher.
Em silêncio eu choro porque Ele assopra no meu ouvido dizen-
do que tudo daÍá certo. De uma forma ou de outra tudo sempre se
encaminha para o seu devido lugar, e por isso, minha criança, por
isso em silêncio eu choro.

bl,k ú*"^l/,
Ora
{f
UJ osso a^o, prOprio e condicional. Alinal. existem séries para
- Lendurecer o bumbum em 30 dias e dietas para aÍinar a
silhueta em 10. Existem 32 maneiras de fazer abdominais com um
saco de arroz e um cabo de vassoura e cremes infalilveis pâÍâ acabar
com a celulite. Existem técnicas pâra ficaÍ sem bârÍigâ e nove receitas
//ght usando apenas três ingredientes.
E no meio disso tudo existe nós. l\4ulheÍes. De carne, osso e
uns quilos que queremos perder. Existe uma indústriâ que repete no
nosso ouvido que jamais seremos o suficiente. É claro que é preciso
se cuidar. Viver largada não é amor. Se exercitar, cuidar da aparên-
cia, assim como cuidar da saúde mental e da alma, é cuidar de si.
O que não vale é colocar isso como impedimento, como condição:
"Quando eu emagÍecer eu serei feliz."; "Quando minhas celulites su-
rnirem eu entro no mar com meu Íilho.",
No que a indústÍia da beleza falha feio não é só nesse padrâo
quase impossível de se atingir, mas também na mensagem de que
não há felicidade no caminho. Na qual a falta de resultados imedia-
tos gera falta de alegria. E é quando mais precisâmos do nosso amor.
Se amar mesmo depois de afundar o pé na jaca no quarto dia
da dieta. Se amar mesmo quando os resultados do tratamento não
aparecem na velocidade esperada, Se âmar no carnaval, ano novo
c em dia santo. Se amar vestindo 36, 40, 48. Se amar na manicure,,
om casa, no consultório da nutÍlcionista. Se amar sem condiÇóes. Sé
sentir bem nos próprios sapatos" Sãpâtos que só servem nos seus
l)és. Não há ninguém que conheça o peso dos seus passos-
Cada corpo conta um história de transformação, dor e amor
que só você conhece. Coisas que as revistas nâo publicam. Lutas
que enfrentamos em silêncio, de dentro das nossas casas, quando
choramos embaixo do edredom.
A imagem que reflete no espelho nem sempre mostra a baga-
rrem que a gente caríega lá dentro. L onde reside o amor próprio. No
poder de enxeÍgar o todo, ao invés de olhar apenas paÍa aquilo que
llos programaram para ver. Tá aÍ um gÍande desejo que eu tenho
l)ara os meus filhos, e principalmente para minha Íilha. O presente
(lo amor próprio. Que cada um deles saiba respeitar e amar não so-
r)rente o próximo, mas a si mesmo. E esta, assim como quase todas
,rs liÇões, eles irão aprender com o exemplo.
Então a quem mesmo eu devo ensinar?

m,lwtznelli,,a 63
{)urante ocurso de adoÇáo. a patestrànte se aproxima dos
Í*/ tr,rro. pais com a seg;inte pergunta: 'Quais caracteristi-
cas você gostaria que o seu filho tivesse"?
Bom, eu não sei você, mas eu poderia citar algumas. Afinal,
sonhamos com â maternidade muito antes delâ acontecer. E pro
jetamos parte desses àonhos para aqueles que serâo nossos
filhos, biológicos ou não. Traçamos planos, dos mais simples
até os mâis complexos.
"Tomara que tenha os olhos do pai. Será pianistâ como a avó.
Vaijogar futebol como o padrinho..."
Sonhamos com caracterÍsticas fisicas, emocionais.
ldealizamos hobbies e habilidades. E durânte um curso de adoÇão
não seria diÍerente.
Depois de ouvir a todos com atenÇão, a palestrante apresenta
uma pilha de papéis. São cartâs, escritâs por crianças reais, que
esperam poÍ um lar. Para estas crianças foi feita a mesma pergunta.
Que característicâs elas esperam de uma mãe ou de um pai? Em
Oada carta, a curta resposta: nadal Eles não esperam nâda. Não

AÁ, Políw úe fr,,,,ot, esperam por nada fenomenal, por nada diferente. Não há pré-con-
oeitos. Querem apenas uma mãe, um pai. E é assim com qualquer
(:riànça. náo so com aquelas que esperam a adoçáo. É assim com o
seu filho, com o seu bebê, na sua casa.
Nossas crianças nos aceitam exatamente da forma qqe so-
nros. Enxergam amor onde vemos fraquezas. Eles nos escolheram
irinda lá de cima. l\4esmo conhecendo todas as nossas imperfeiçôes.
0nde carregamos expectativas, cobranças, eles trazem confianÇa,
ontrega. Sonham com uma mãe em qualquer formato, que goste de
rtuàlquer coisa. que seja ela. que seja mãe. que seja amor.
Nossos Íilhos nos enxergam mães, nos enxergam humanas,
t]os admiram muito antes do nosso primeiro encontro fÍsico. E talvez
ricja isso, seja esse amor livre, desprovido de idealizaÇões bobas,
osse amor puro que os nossos Íilhos carregam antes mesmo de sen-
lir o nosso abraço, talvez seja ele que abra as portas para o nosso
i[nor, o amoÍ incondicional.
** N.A.: Texto inspirado em uma história real, um relato da mi-
llra prima Julieta Vareschini, mãe de coraÇão e alma de três meninos.

oo,(t"x,lo *ellto. 65
t\
u,
f 1f tnternet estd recheada de fotos de crianÇas Íelires. edu-
VÚcaOinnas e contentes. Fazemos questáo de exibir para o
rnundo imagens dos nossos Íilhos fazendo as coisâs certas, sorrindo
para a foto, lendo, cooperando, ganhando troféu na Íinal do campec
nato. É uma sensação maravilhosa quando vivemos esses momentos,
afinal, trabâlhamos durd todos os dias do ano pâra que eles aconte-
Çam. E queremos sim exibir a inteligência, a maravilha que são os nos-
sos pequenos. lvlâs a grande verdade é que esses momentos refletem
somente uma pontinha da realidade. E talvez seja justamente por isso
que nos agarramos tanto a eles.
Porque o outro pedaço, o outro pedação, ele é assim, um pou-
co mais intenso. EIe é uma parceria de sucesso entre os melhores
lrlrnes de comédia e o clássico "Sextâ-feiÍa 13 '. É choro, é grito para
calçar o tênis, é UFC valendo cinturão para trocar a fralda de cocô.
E birra para colocar a fantasia de tigre-de-bengala feita com mate-
rrdrs recicláveis que a escola pediu para amanhã. É a terceira guerra
rrundial contra o sono, é confusão para guardar os brinquedos que
\e reproduziram na calada da noite. É comida que vai pêra o chào,
são pequenos grandes acidentes da esfera gastrointestinal no mo-
A 0,,{ip Pdatp rnento de sair de casa.
Em resumo, são cenas de crianças apertando o botâo do li-
rrrile da paciência pela 10" vez antes das 11 da manhà. É quando
Iica cansativo. Nós sabemos que existe uma enorme lista de coisas
rlue deveríamos fazer. Que se deve escovar os dentes das crianças
irpós cada refeiQão. Que é importante separar 30 minutos para lei-
Iura. Que devemos promover a independência deixando que eles
se vistam sozinhos. Sabemos de tudo isso e muito mais. E mesmo
irssim, há noites em que colocamos as crianÇas na cama sem ter
k)ito um terço da listâ.
Dias nos quâis você procura aquela gotinha, aquele chorinho
oxtra de energia, de paciência, de disposição, mas ele não vem. Você
náo o encontra mais em você. E isso não fica registrado em foto,
rrcnr em vÍdeo. Não é publicado nas redes sociais. Mas eu te prome-
lo, acontece com todo mundo, em cada família que sorri na fotinho
oÍicial em frente à árvore de Natal. Pôrque isso minha amiga, isso
lr)m nome e se chama vida real. Bêm-vinda à vida real!

n,tq,k ql,(r,. 67
f)".0" "timite da paciência já se esgotou às 8:28 da ma.
\{ nhã. Quando vocé está em dúvida se a mancha na manga
da sua blusa é chocolate ou vestrgios de uma troca de fralda. Quando
você já está prestes â arrancar os últimos Íios de cabelo que lhe res-
tam 0á que todos os outros caíram durante os meses pós-puerpério).
Quando o café já esfriou. Quando você já não sabe qual é o dia da
semana. Quando íca difícil lembrar qual foi a última vez em que você
tomou um banho sem ouvir choros imaginários. Quando as crianças
estão chorando por tudo e para tudo e o Íeijão queima ao ponto de
desgraÇar a panela.
São nesses momentos de caos, quando já estamos prestes a
iogar a toalha, que pequenos acontecimentos redirecionam nosso
olhar e são capazes de salvâr o dia. Como se um anjo tivesse pieda-
de e enviasse uma tão necessária dose extra de energia.
São gargalhadas inesperadâs, daquelas onde se podê ver a
rnocéncia escrita na Íace. a pureza estampada no rosto. É um "ma-
rnãe, eu te amo", um abraço de urso, uma dancinha sem graça.
São brâcinhos pedindo colo, se esticando para cima, em direção
ao céu. É quando você percebe que, para a sua crianÇa, o céu é
nada mais nada menos do que você. E a vida ganha significado.
Vtn Pez(aÍw &/,{p,,ta, Vivemos por momentos assim.
Empilhamos roupas, juntamos brinquedos, Íicamos acordadas
poÍ noites e noites, choramos no carro, sentimos culpa, fazemos
planos. Pesquisamos sobre alimentação, protetor solar, carrinhos e
chupetas. Perdemos a tranquilidade obcecadas pôr aquilo que antes
cra pequeno, mas que agora possui outra dimensão.
E então às duas da manhã, trocando uma frâlda que vazou não
só na roupa mas também no lençol, o seu presente chega em forma
de riso nos olhos. Olhos que iluminam qualquer escuridâo que um
(lia te amedrontou. E te bate de frente. Te desarmâ, te amolece, te
derruba. Toma conta.
Pequenos episódios que duram pouquÍssimos minutos no reló-
gio, mas que se eternizam na memória de quem ama. E como num
t)asse de mágica as diÍiculdades se transformâm em purpurina. Que
a gente joga pâra cima e faz festa. E momentaneamente Íica fácil
esquecer que você está mal vestida, mal banhada, um pouco calva,
levemente maluca, completamente surtada e sem dormir.
Presente divino? É mais do que isso. É quando o amor de mãe
c o amor de Deus entram na mals perfeita sintonia.

ba ,$ry,!",q1ú',4, 69
rt$u,un "uma timpeza nos armários vocé encontra atgumâs
ftl mldut soltas. Deixa de tado para doaçdo. sua caçula ja
não usa.
Na semana seguinte o mais velho vai na pÍimeiÍa festinha onde
os paisjá não precisam ficar. E de uma hora para outÍa some â nebli-
na que estava diante dos olhos.
A gente sempre fala que passa ràpido. E como Íalar sobre o
lempo, dâr bom dia, deseiar um excelente final de semana. Temos
a real intenção de dize( mas não necessariâmente sentimos o
efeito das palavras.
lvlas é diante de momentos simples, quando você vê com os
olhos do coração o seu menino amarrando o cadarÇo do tênis sozi-
nho, ou quando você tira do guarda-roupa o último tip top de botão,
são nessas horas quê a realidade do tempo invade pelâ porta da
frente. E Íica claro que essa fase, essa fase de amor e caos, ela
está indo embora, escorrendo pelos dedos de pouquinho, em pou-
quinho, em pouquinho.
"Não cresça tão rápido, meu bebê." - você sopra baixinho no
ouvido. "Nâo mamãe, preciso crescer para andar de bicicleta sem ro-
dinha, lemllra?" Você então o enche de abraços, beüos e cheirinhos
no pescoço, afinal é a única forma de explicar o amor.
A alma parece dar um pulinho no futuro e volta apressada gri-
lando: "Corral Beije um pouco mais!".
É preciso congelar os momentos. As manhãs nubladas no
chão da sala. Congele. Olhe para o rosto da sua crianÇa.olhe mais.
l\4ais pÍofundamente. Por mais tempo. Perceba a curva desenhada
do lábio inferior perfeitamente cor de rosa. Veja como os dedinhos
seguram os brinquedos. Observe os cabelos Íinos. Sinta o cheiro.
Ahh, esse cheiro dos cabelos! Memorize os cílios longos, os olhos
curiosos e a maneira que te olham Íixamente, como se você fosse
o mundo, afinal, agora você ainda é. Afaste a interminável lista de
afazeres, os planos, as preocupaÇões. Varra todo o excesso para
trás e coloque esse momento na primeira Íileira, dando a mais alta
prioridade possível.
Em um piscãr de olhos esta mesma crianÇa estará conversan-
do sobre polÍtica e planos de carreira. E ao escutar a voz animada
de quem está prestes a bater as asas, você irá desesperadamente
buscar no banco de memória esses dias assim. O dia comum, senta-
dos no chão da sala, fazendo coisas simples.
Acredite, não será a festa de aniversário, o batizado, o grande
evento com gel no cabelo ou vestido rodado, não será isso que o
seu côração irá procurar. Quando o assunto é o meu mâis velho, eu

ttt d/a*,laqll,"- 7t
tenho sede de lembrar com clareza o cabelo tigelinha que balan
çava enquanto ele corria pela grama. O sorriso dado, â pele lisa e
perfeita, os lábios caÍnudinhos que falavam tudo bagunÇado.
E por mais que eu procure, revire a mente, eu nem sempre
encontro as imagens que procuro. Eu me pergunto o que eu esta-
va pensando por todos aqueles anos. Problemas, medos, dilemas,
que por diversas vezes eram os donos da minha atenção. Eu fazia
planos, me preocupava com coisas que me pareciam ser tão im-
ponantes. Enquanto eu deveriâ estar presente, não só fisicamente
mas por inteira, exatamente ali, no châo da sala, na manhâ nubla-
da, com o meu menino.
Perdemos muito tempo buscando dias espetaculares, oca-
siões especiais para celebrarmos a vida. Enquanto o comum, este
sim é extraordinário.
Por isso paÍe. Olhe para a sua crianÇa. Congele. Marque com
canetinhâ. Armazene. Porque eu te pÍometo, um dia você irá procurar
por esses momentos e eu quero que você seja capaz de encontrá-lôs.

t2 WkC,*"llo
f u já fui a mae que chega com as un has feitas. cabelo pen-
Ql rcado e outíit irnpecável, e já fui a màe que chega atrasa-
ia, com calÇa de ginástica, callelo oleoso e blusa manchada.
Eu já fui a mãe que amamenta feliz e já fui ã mâe que levanta
esmungado por ter que dar de mamar.
Eu já fui a mãe que cozinha tudo em casâ, apenâs com in-
lredientes orgânicos, e já fui a mâe que pede fast food por pura
) absoluta preguiça.
Eu já fui a mãe que se voluntaria para ir ao passeio com a tuÍma
ja escola e já fui a mãe que esquece de mandar o lanche do filho.
Eu já fui a mãe que leva ao parquinho e inventa brincadeiras e
á fui a mãe que liga a televisão para ter sossego.
Eu já fui a mãe que conta até dez e permanece calma e já fui
) mãe que dá ataques histéricos.
Eu já fui a mãe que guârda para o filho a melhor colhe
ada da sobremesa e já íui a mãe que come chocolâte escon
jido para não d ividir.
Eu já fui a mãe que conta os segundos para colocar as crian'
)as para dormir ejá fui a mãe que fica pedindo mais um beüinhô.

fuV\^r* qro f, Eo* Eu já íui a mae que trabalha, cuida da casa e dos filhos, e já fui
r mãe que não tem forÇas paÍa sair do sofá.
Eu já fui â mãe que mantém a lucidez, mesmo em situações
)nlouquecedoras, e já fui a mãe que grita com os filhos.
Eu já fui a mãe que cede aos pedidos de "mais cinco minuti-
rhos" e já fui a mãe que leva o filho embora arrastado e gritando.
Eu já fui a mãe que precisa de conselhos e já fui a mãe que
iá abraÇos apertados.
Eu já fui a mãe que faz cabanas na sala e já fui a mãe que
inge que está dormindo, só para não ter que responder.
Eu já fui a mãe que salva o filho de um tombo, e já fui a mãe
)ue perde o filho de vista, em pleno parque temático.
Eu já fui todas estas mães e muitas outras. l\4uitas vezes fui
/árias delas em um dia só. Talvez você tenha me visto no meu me-
hor momento, e acreditou que eu erâ uma mãe exemplar, Talvez
/ocê tenha me visto em um momento ruim, e por isso pensa que
;ou um total fracasso. Não importa, pois uma única atitude nem
;empre consegue representar com precisão aquilo que acontece
iiariamente durante uma vida toda.

n .!t.,..t" */^1.,. 75
l\4ães fazem aquilo que precisa ser feito, usando os recursos
que poSSUem naquele determinado momento. Uma roupa, uma re-
feiÇão, uma palavra, um instante não te define. Nem na essência,
muito menos no amor.
Caso você esteja precisando sabeÍ, você é uma excelente mâe
e está fazendo um fantástico trabalho.

16
&,hr(, C**ll,o
I

ürr,nrrrrnx.:.Ti-:ft [x:?;:'i:ix:::'**-
que
O adolescente, para
esqueceu de dar bom dia a funcioná-
ria da escola, pode sim estar sendo cÍiado em um lar onde existe
gentileza e respeito.
0 menino que não quer emprestar o bÍinquedo, muitas vezes,
faz parte de uma família que incentiva a dividir ê ajudar.
É claro que nós somos os principais educadores, os ver-
dadeiÍos espelhos dos nossos filhos. Porém, também é verda-
de que testar, provar outros caminhos, faz paÍie do crescer, da
formação do caÍáter.
Escute com atenção, píepare a alma, seu filho vai te decep-
cionar uma hora ou outra. E não será apenas uma ou duas vezês.
Haverá escorregadas pequenas, algo como uma birra cinema-
tográÍica na frênte da família toda, bem na festa de bodas de ouro
da bisavó. E tropeços mais sérios. Uma mentira mais grave, uma
Fofoca não muito legal em um grupo de amigos. É como um soco
no estômago. Chega, derruba e te tranca na sua própria salinha
escura. É Iá que nos autoquestionamos. Onde errei, o que faltou,
o que deixei de fazer. lncrível como é íácil se culpar, culpar os pais
diante de uma atitude incorreta de uma crianÇa. lúas acredite, nem
Co,úrrr,qlrde sempre mâu comportamento é sinônimo de má-educâção.
É inevitável. Não impoÍta o quão presente, mãe dedicada, reli-
giosa, quartel generâ1, doce, compreensiva você seja. Vai acontecer.
E dói. lvlinha amiga, dói na alma. Ofende muito mais o seu coraÇão
de mãe do que os olhos da plateia que te assiste.
Eu adoraria ter um conselho para te dar. Passar umâ receita
de como se levantar depois desses tombos. lvlas eu não sei. Eu
também fico aqui, olhando para o teto branco, deixando a cabe
Ça rodopiar, enquanto rebobino mentalmente todas as imagens do
meu maternar. E eu enxergo tanta falha, tanto erÍo. Provavelmente
na mesma dosagem que você enxerga ou irá enxergar em uma
fase ou outra da vida.
Até que o silêncio é quebrado, te arrancândo bíuscamente dos
seus questionamentos. É um Íilho que entra no quarto dizendo que
está com íome. O outro chama o seu nome, precisa de âjuda na
liÇão de casa. Você olha no relógio, já passou da hora de comeÇaí
a preparar o jantar.
É assim. Este e o meu conselho. É assim que nos levanta-
nros. Continuando. Dia após dia. Dando exemplo, sendo exemplo.
Educando, guiando, Íeprimindo. É claro que os tropeços iíão existir.
lvlas a semênte que é regada com amoÍ, inevitavelmente, irá cres-
cer. E crescerá segura, forte, voltada para o sol.

79
I
I

dade é romantizada. Totalmente com'


fJ;:J;Y:"i que ela vai ser. É por causa do saldo
al, do resultado. Vej eu não sei nem por onde comeÇar a
rarrar os desafios. Eles são sim gigantes, não tem como negar.
A sua vida já não é mais só sua, nem suas decisôes, seu cora-
rão, ou sua alma. Há ocasiões em que a gente já não se encontÍa,
rão se reconhece. Às vezes é Írustrante, parece sobrecarregar. A
)az de espírito, a leveza nas decisôes, o sono, tudo muda. Até mes-
no as coisas que dão vergonha, e por isso não escutamos muito a
espeito. Hemorroidas, por exemplo. E olha que há grandes possibi-
dades de que eu tenha deletado e Íeescrito esta Última fÍase inú-
neras vezes. lvlas é a realidade. Até hemorroidas eu ganhei depois
je ter ficado grávida e parido tantas vezes. Leitoras gestantes, não
;e preocupem, esse não é o destino de toda mâe, só acontece com
rlgumas, e eu sou uma delas.
Pois bem, agora que já contei detalhes do meu querido perÊ
reo que êu jamais imaginei âdmitir em público, me deixe concluir.
)uando eu coloco minha câbeça no travesseiro, quando faço um
)alanço dâ minha vida, quando falo da maternidade, a última coi-
ia oue me vem à mentê são as Dorcarias das hemorroidas. "PeÍa"

ffennuPtda4 Kor,calúí,áailW oo pi maternidade repr


re os meus filhos fize ram por mim, iss(
itam( nte maior
sos que n

lê lem
dê ou

)u o oue discutir

n,er*,tr,*lÜ,, 81
njnguém consegue te parar. E acredite, esse é um sentimento que
está sempre iá. Até quando choramos em silêncjo no chuveiro
e nos
sentimos indefesas. 0u quando pensamos ser a última das
Amélias. I
Ainda asslm, existe sempÍe essa garra que brota de onde parecia
nâo ter mais nada. É uma mjstura de fragilidade com a certeza
de
que por eles, pelos nossos filhos, ficamos gigantes, podemos
tudo.
E podemos mesmo. Às vezes morrendo de medo, às vezes sor-
rindo, às vezes em prantos, às vezes com hemorroidas,
mas sempre
em frente. Esse é o tal empoderamênto que tanto se fala. A
capaci_
dade de resiliência, de superação, que só um filho consegue te
dar.
Somos nós quem damos a vida, e há mães que dão a ãhance
de
uma nova vida. l\4as eles, bom, eles nos dão muito mais. por isso
romantizamos tudo, até mesmo as hemorroidâs-

82 &&"h c^*4k
r
fu
L/
sei, seu Íilho de quase quatro ainda nào dorme a noite
intetru, enquanto o recém-nascido da vizinha dorme doze
horas seguidas. Eu sei, seu bebê não come mais do que três colhera-
dâs da papinha, enquanto o filho da cunhada do seu tio come treze
brócolis por dia.
Comparação é o ladrão da felicidade.
Eu sei, você não lava o cabelo direito há três dias, enquanto
a fulana que você segue no lnstagram vai para academia, salâo,
dentista, mercado e ainda publica dicas sobre moda. Eu sei, seu
bebê ainda não engatinha, mas o menino de oito meses da prima do
seu maridojá ânda, dá piruetas e, se duvidar, já até nada de costas.
Comparaqão é o ladrão da felicidade.
Eu sei, você mal entrâ nos seus jeans antigos, enquanto a
mãe de trigêmeos na salinha do pediatra parece ter a bunda mais
dura do que o seu cotovelo. Eu sei, você está sempre atrasada,
esquecida, cansada. E suâ sogra te lembra, mais uma vez, de que
fazia tudo o que você faz e ainda usava fralda de pano e algodâozi-
nho com água e sabâo.
Comparação é o ladrâo da felicidade.
0 !,,ilnÃp útu ío(it&qilo Eu sei, você ficou 39 horas em trabalho de parto, enquanto
a Íilha da dentista, que nem sabia que estava grávida, foi usar o
banheiro e pariu. Eu sei, seu marido não acorda de madrugada, en-
quanto o mârido da enteada do motorista do Uber faz questão de
deixar a esposa descansar.
Comparação é o ladrão da felicidade.
Eu sei, você só lembra de descongelar o peito de frango 20
minutos antes do jantar, enquanto a mãe da coleguinha do bal/et
cozinha cenouras em formato do castelo da Elsa. Eu sei, você não
tem forças para sair de casa no domingo de manhã, enquanto a irmã
da sua concunhada leva os filhos na felÍa, no pârque, na praia, na
chuva, na rua, na fazenda.
Comparação é o ladrão da felicidade.
Eu sei, você chora no banho com a certeza de que está Íazendo
tudo errado, enquanto todas as outras mães citadâs acima também
choram no banho com a certeza de que estão fazendo tudo errado.
E ainda assim, comparação é o ladrão da felicidade.

n l*,,1",,,11u 85
1 I

!l

maror )habita esse mun


dff-i".'::H na alma.
pesado
Extrapola pelo cor
tl
Escapâpelos dedos E ) pesado.
Não faz parte ( a gente. de antês
lais antigo. lvlais puro.
Nâo pertence a essa t, OS -Tem outrã es
ência. Vibra de formâ difer( Base da empa
a. da comoaixão. da ternur
de combus
Q Cr,Írd* ntenso, o Í
E has. Se multiplica. Nel(
do ânimo, do estimulo
o a cura não é possível
e. llumina, traz ( É âcâlento. É certeza. t
erteza, Talvez ur las que se tenha nessá
la. A mais docere a mais bela r io amor. A de ser ama
OI mâe.

II

Ilxl

n,0"*4o-.cllt* a7
.n otem que essa situação parece não ser justa.
,/l^, No^o
fundo vocé sabe que ela não é. l\4as você se mantém
I
firme mesmo assim, já que ser forte é a sua única opção.
Existem dias em que você se questiona se irá dar conta de
tudo. E por mais que você tenhâ dúvidas, você continua em frente,
já que seguir em Írente é a sua única opção.
Há noites em que a casa Íica calma e quieta e você sente uma
deliciosa sensação de alivio, acompanhada pelo estranho vazio do
silêncio ensurdecedor. Pode parecer impossível que alguém possa
sentir essas duas coisas ao mesmo tempo, mas você sabe que não é.
Você é uma só, enfrentando um trabalho que exigiria no mínimo dois.
lvluitos são os que te admiram e que te dizem o quanto se or-
gulham de todos os sacrificios que você Íaz em nome do bem-estar
dos seus filhos. Mas você não enxerga dessa forma. Porque não é
você quem está se sacriflcando. Pelo contrário. Você está vivendo
os dias mais doces da vida da sua crianQa. Enquanto o outro genitor
arruma desculpas, você constrói histórias. E se tem alguém que sâi
perdendo. esta pessoa nào é você.
Afinal, é você quem tem o prazer de abraçâr umâ criança re-
cém-acordada, ainda com rostinho amassado de sono.
É você quem vê os olhinhos curiosos te procurando na plateia

Sw P* em t-o-d-a-s as apresentaçÕes da escola.


É você quem conhece cada pinta, cada mancha e cada dobrinha.

É você quem sabe os nomes dos melhores amigos, as co-


res favoritas, as atividades, o que ele quer ser quando crescer,
o que lhe causa medo.
É você quem lê os recados da professora e quem recebe as
mais lindas e simples declaraçÕes de amor.
É você quem tem a oportunidade de dar inÍinitos beUos naque-
le espacinho onde a bochecha encontra o pescoço.
É você quem escuta as tiradas engraçadâs e quem presencia
os sorrisos que parecem fâzer o mundo parar.
É você quem pode vibrar com cada conquista e chorar
junto de cada tropeço.
É você quem se depara com bracinhos esticados pedindo colo.
É você quem sente o cheiro. Ahhh, o cheiro!
É você quem está cumprindo a mais bela mis-
são que Deus pode dar.
Ter um filho é ter a vida transformadâ. Alguns sentem essa mu-
dança como uma benção, outros como um problema, e ainda há
outros que nem mesmo conseguem sentir. E só existe uma coisa pior
do que não ser amado: não saber amar.

il {t^*,h,,,4l,lke 89
,\
,a
fVLu^u
,[ maternuaae é uma ponte que a gente atravessa sozinha.
ponle coberta por esse amor rouco que nos preen-
che, mas ao mesmo tempo dolorosamente solitária. Uma sensaçâo de
isolamento que bate quando a gente menos espera. Ela vem durante
uma festa, quando estão todos lá fora conversando e você está quieti-
nha em um quârto, nâ penumbra, ninando o seu bebê.
A solidão aparece numa tarde de sábado, sentada no cháo da
sala, lendo o mesmo livrinho mais uma vez, com o som da sua prG
pria voz já ecoando em um pedaço da mente.
AsensaÇão de isolamento pode chegar às 2:58 da manhã, quan-
do, no silêncio da noite, você anda pelo corredor de um lado para o
outro, tentando acalmar um bebê gripado que não consegue dormir.
A solidão dã maternidade maÍca presença até mesmo nâ
simplicidâde do dia a dia. É tão fácil se sentir só, durante a in-
terminável sequência de acorda, troca, limpa, suja, tira, põe e
repete tudo outÍa vez.
0 mais incrÍvel é que esse sentimento de isolâmento bate de
frente com outra reâlidade. A maternidade é o maior equalizador
que existe. Rico, pobre, branco, amarelo, no oriente ou no ocidente.
q Porúo
Uma mãe é sempre uma mãe. Não interessa de onde você vem ou
onde você vive. Se você é mãe, eu posso apostar que hoje você está
cansada, que você conhece o que é medo, que sabe bem o que é
culpa. E acima de tudo isso, eu coloco a mão no fogo que você leva
na alma o maior amor que já se ouviu falar.
Por isso, veja bem, na verdade nós nunca estamos sozi-
nhas. Não é libertador imaginar que, mesmo percoÍrendo pontes
diferentes, uma vez que o meu caminho jamais será igual ao seu,
não somos as únicas?
Enquanto eu digito este texto, com uma bebê tentando esca-
lar a minha perna, repetindo "mamãe" pela milésimâ vez no dia,
Íico pensando que em algum lugãr do mundo, está você. Segurando
o lencinho umedecido, procurando a chupeta que caiu no chão do
carro, apagando fotos no celular para liberar mais espaço, juntando
brinquedos quê fazem barulho no meio da noite, fazendo com que
você desconÍie de que sua casa é mal-assombrada.
Caminhos diferentes mas todas iguais, pois no íntimo somos
movidas pelo mesmo nobre motivo: por coraçóes alimentâdos pelo
mais feroz do amor. 0 amor de mãe.

n ,t^",!z wlfiio 91
I

,,,\
IVI qut ia sào quase onze horas da noite e eu estou prestes a
lro^ , u mesma decisào crucral de quase todas as nortes:
ir dormir ou aproveitar essa paz maravilhosa? Nenhuma criança gÍi-
tando, chorando, ou me chamando. Nenhum bumbum para limpar.0
marido não precisa de nenhum favor. O telefone não toca. Nenhuma
notifrcação de e-mâil. Silêncio total e absoluto. Em outras palavras, o
oásis das dez e meia.
Sabe aqueles restaurantes onde o cardápio é tâo longo, com
tantas opçóes, que dá até um nervosinho, uma gastura? Pois então,
a minha casa depois das 22 horas fica assim. Um cardápio de várias
páginas. É como se um mundo de possibilidades desabrochasse na
minha fÍente. São tântas opÇôes maravilhosâs que me dá até um
friozinho na barriga. Posso ler textos interessantes. Posso assistir
novas séries. Posso fuçar na internet. Posso perder tempo nas re-

0 0W ú"t 002 oFqeí^, des sociais. É como férias em miniaturâ (bem mini, mas que não
deixa de ser férias).
E como na vida tudo que é bom ou mata, ou é ilegal, ou en-
gorda, claro que esta liberdade toda tem que têr um preço. Um pre-
Ço caro. Bem caro. Caríssimo. Chama-se: a manhã seguinte. Com
direito a participação especial dos Íilhos, marido, casa e trabalho.
Um dia inteiro para bocejar, se rastejar e se arrepender da minifé-
rias da noite anterioÍ.
A dúvida persiste. Dormir ou miniférias? l\4iniférias ou dormir?
O pior (ou o melhor) é que sempre fico com a miniférias. lvlesmo que
isso signifique virar um zumbi na manhã seguinte. AÍinal, foi para
isso que inventâram as bebidas cafeinadas. Para nos recuperarmos
de escolhas mal feitas, não é mesmo?
Tim tim, um brinde com café preto, expresso.

dh,t {n , fi,.^ 93
ln
ú",
I luer saber o que diferencia uma mãe de qualquer oulía
§ pessoa do universo? Nào ê o fato de gerar por nove meses
ou dar à luz, a maternidade não precisa ter laÇo sanguíneo. Não tem
a veÍ com amamentar, muito menos com cuidados básicos como lla-
nho, troca de fraldas, horários de sono.
Sabe o que faz com que mâes sejam seres únicos? Mãe naô
pulâ do bârco. Não abandona o navio. O mundo pode estar desaban-
do, incendiando, as paredes caindo. A mãe está lá.
Não importa o vendaval, crise econômica, emocional, Íinan-
ceirâ. A mãe está lá.
O choro pode estar preso na garganta, o medo tomândo conta,
culpa, inseguranÇa, seja lá o que estiver passando no coração ma-
terno, ainda assim ela está lá. De pé, ao lado do Íilho.
Solteira, câsada, divorciada, complicada. A mâe está lá"
Dupla ou tripla jornada, desempregada, devendo até as cal-
cinhas. A mãe está lá.
lvlãe é presenÇa, é luta até o Íim. lvlãe se âgarra no último Íio
de esperanÇa. E quando acaba, ela ainda está lá. Lá está a mãe.
Desmoronando por denlÍo, firme por fora.
Até quando as atitudes do filho não condizem com aquilo
que êla ensinou. A mãe está lá, nem que seja para brigar, reprimir,

?1^o P,l" 6r,,rt*


gritar. Ela está lá.
Ela está lá quando o mundo inteiro viÍa as costas.
Ela está lá para abraÇâr, para secar as lágrimas, para dar a
mão, pâra carregaÍ no colo. Ela está lá.
Ela está lá acariciando os cabelos ou puxando as orelhas.
Ela está lá.
Ela está lá dando lição de moral, dando de dedo no rosto, dan-
do tapas merecidos, mas defendendo do mundo. Sim ela está lá.
Quando o filho já desistiu de si mesmo, a mãe ainda não. A
mae está lá. Mãe faz o impossível virar só mais uma palavra no di-
cionário. Só para estar lá.
Quando tudo parece não ter soluÇâo, perdido, desacredita-
do, a mãe é a certeza. Se faz certeza. Em casa, no Japâo, em um
quarto de hospital, na poÍta do tribunal, no trânsito, na Íila da
creche. Ela está lá.
Náo existe parede, fronteira. oceano que segure uma mãe.
Mãe se tÍansforma, se teletransporta, voa, dirige, levita, só para se i

fazer presente. Só para estar lá.


Então, se o navio estiver afundando, por favor entregue o cole-
Le. Porque mãe... mãe não pula do barco.

n ,lu",l" *lln 95
f ,om um ano ela ama colo. Chega o final do dia eu já estou
lg/ exausta. Ela me abraÇa forte. me olha fundo, como se im-
)lorasse por mais cinco minutos.
Com cinco anos ela brinca com a vizinha. Eu aviso quejá é hora
lo jantar. Ela reclama, bate o pó, e implora por mais cinco minutos. I
Com nove ela faz trabalho de escola na casa da coleguinha.
:u ligo avisando que já vou buscá-la. Ela faz charme, diz que não
erminou, e implora por mais cinco minutos.
Com 15 já é tempo de festinhas nas sextas'feiras. Vai chegan-
lo meia-noite, nosso horário combinado. Toca o meu telefone, com
) voz doce ela implora por mais cinco minutos.

Curwmtuípü, Com 17 todo sábâdo é dia de jantar com o namorado. Eu man-


lo mensagem, digo que é hora de vir para casa. Ela responde e
mplora por mais cinco minutos.
Com 20 ela mora longe, foi fazer faculdade em outro estado.
Jma vez por mês vem para casa passar o final de semana. Na sexta
neu coração já sorri. lvlas pâssa rápido, e num piscar de olhos já é
lomingo. Ela avisa que precisa ir. Ainda tem prova para estudar. Ela
iorri do sofá, do mesmo cantinho onde costumava brincar com as
)onecas. Eu digo que ainda é cedo, que não deu tempo para matar
oda a saudade. Eu a olho nos olhos e imploro por mais cinco minutos.

n ,fi".v,tt ul/;*, 97
f)ra""ion"*"nto mudou. o tempo é pouco. A pêciência é
11/ curta. E nós estamos sempre esgotados.
Acabaram-se os sábados de gordices e maratona de seriados.
I
Acabaram-se os dias de praia onde conseguíamos facilmente carre-
gar tudo aquilo que precisávamos levar.
Saudades da época em que nossas mensagens incluÍam:
surpresa, sexo e vinho. E que hoje foram substituídas por:
mercado, frutas e oB.
Antes dos Íilhos as declaraÇões de amor precisavam ser
grandiosas. Com fllhos pequenos, o amor moÍa em pequenos ges-
tos. Amar pode ser sair cedo com as crianças só para quê o outro
durma um pouco mais.
Quando se tem Íilhos pequenos o amor pode estar numa
rapidinha duÍante a soneca das crianças. E também rio olhar de
indignação e na risada engasgada quando um deles acorda du-
rante o acontecimento.
Quândo se tem Íilhos pequenos o amor está em um copo d'água
com gelo e no esforço mútuo em tentar colocar o relacionamento de
volta ao topo da lista de prioridades.
Eu sei, às vezes nos perguntamos se realmente é tão difícil, ou

0AwQw, se somos g único casal que não sabe lidar com a responsa de ter
uma fami'lia. E me fascina pensar que em meio a tantas variáveis,
ainda conseguimos íeencontrâr o nosso amor.
Eu te amo nas decisões difíceis, nas manhãs frenéticas, nas
preocupaÇões ÍinanceiÍas, nas irritações do dia a dia (ok, talvez nas
irritações eu não te ame tanto assim).
Eu te amo no nosso estado de êxtase quando as crianÇas dor-
mem e temos a vida só para nós.
Eu te amo no caos da hora do jantar e nâs piadas internas.
Eu te amo quando tiramos par ou ímpar para decidir coisas bo-
bas, e quando você anuncia pela casa que peÍdeu a carteira, apenas
para encontrá-la na gaveta do armário.
Eu te amo quando você abraça nossos Íilhos e diz que os ama.
Éu te amo às seis da manhã quando estamos deitados de cos
tas, silenciosamente torcendo para que o outro levânte para acudir
a criança que acordou.
Eu te amo nas menores coisas, pois são elas que continuam a
confirmar o seu caráter inabalável, e todas ãs outras qualidades que
fizeram com que eu mê apaixonasse. Porque não importa o quão
difíceis as coisas Íquem, só existe uma pessoa que me faz encarar
tudo isso, e esta pessoa é você.

u {,w,kd{,^o ee
fr^a. au
VÜeitinho. ^a.rcrÍl
as portas abertas. Liberdade, intimidade,
É coadjuvante da novidade, doadora silencrosa do
amor. Cúmplice de uma nova mãe que merece e precisa da sua pre'
sença. Mas e a mâe do paa? Quão difÍcil deve ser mãe do pai. Achar a
brecha, encon[rar o luga( se chegar.
A mãe do pai nâo tem a quem ajudar nas posições das mama-
das, não tem em quem fazer compressas pré-amamentação. Para
isso já existe a mãe da mãe. É ela que o coração de Íilha pede. E
assim, a mãe do pai fica ali, obseÍvando de perto mâs de longe.
A mãe do pai não tem desculpas para visitas demasiadamente
prolongadas. PÍecisa ir na coragem, na boa câra de pâu, na fé. A
mãe do pai não pode ligar três vezes ao dia para saber como está o
toquinho de gente que fez seu coração explodir mais uma vez.
Ser mãe do pai é presenciar o Íilho se descobrir na paternidade
e ao mesmo tempo, ter relances do garotinho que ontem segurava
sua mão e agora segura um bebê.
Ser mãe do pai é querer beijar, abraçar, palpitar na vida de um
bebê que é tào seu, mas nem tanto. É o amor incondicional que não
pode chegar arrombando, precisa ser manso, bater na porta.

ü74* úe Pw
Ser mâe do pai é ter que aprender a respeitar a ordem do
tempo e, princlpalmente, das coisas. É o amor resiliente, humilde,
paciente. Tenho a impressão de que ser mãe do pai é o mais pa-
ciente dos amores. É â união do amor com a espera. EspeÍa pelo
momento, pela sua hora. É falar, já que às vezes o amor fala demais,
e se arrepender. A verdade, que não se pode negar, é que a mesma
frase dita pela mãe da mâe é recebida de forma diferente, quando
dita pela mãe do pai.
Ser mãe do pai é enxergar em outra mulher não somente a
esposa do Íilho, mas a guardiã e mâe do novo ser que é tão im-
portante na sua vida.
SeÍ mãe do pai é um papel tão complexo que assusta. E mê
traz uma ponta de tristeza, pois um dia será â minha vez. E uma
ponta de vergonha, já que lembro da minha sogra e da sua jor-
nada como mãe de pai.
Pensando assim meu coraçâo me pede mais paciência, com-
preensâo, tolerância. Me pede para lembrar que quando o assunto
é amor parâ os meus filhos, seja da mãe da mãe, ou da mãe do
pai, nunca é demais.

n ,lt^.,L *lh^. 101


y'la noÍ"t qu" parecem nunca terminaí. o Íelógio para. entra
If gr"r" uestaciona. Lá fora tudo quieto. De tempos em
"* é quebrado por um carro que passa, acelerando, ou
tempos, o silêncio
por um alarme que insiste em disparar.
A verdade é que a madrugada tem o imenso poder de intensifi-
car as coisas. Tudo é muito mais difícil às 3:48 da manhã. Noites em
que o choro do bebê tem outra magnitude. E todos os morrinhos que
escalamos durante o diá, todo o esforço parece acumular, transfor-
mando-se em um cansaQo complicado de descrever. Fica difícil ver a
luz no fim do túnel. Difícil ver qualquer luz. E qualquer túnel.
Noites em que o bebê chora mesmo trocado, mamado, no colo,
balançando. Você tenta solucionar o problema, encontrar o erro. lvlas
aparentemente ele nâo existe. E sem saber aisaída, com o coraÇão
exausto, frustrado, você chora junto. Tudo o que você mais quer são
míseras quatro horas de sono. Vinte minutos para um banho. Fazer
uma refeição completa. Sem pressa.
Na mente, as cenas de como deveriâ ser. Há sempre essa
sombra, a imagem de como você esperava que fosse. AÍinal, a bebê
da sua prima dorme como um anjo a noite toda, desde sempre.
lnformações e reflexÕes que, durante a luz do dia, não têm a mesma
importância, o mesmo peso. lvlas na quinta mamada da noite, esses

0 !r,to-fiaw pensamentos aterrorizam. Entram nas veias. E se espalham.


O lado escuro da maternidade. Aquele que tentamos esconder
porque não condiz com nossa essência materna. lvlomentos em que
a gente não se reconhece. Uma mistura de sentimentos que usa a
madrugada como fermento.
Até que, em um dia qualquer, essas noites longas âcâbãm. Elâs
misteriosamente desaparecem. Porque é assim. Na vida tudo tem
um fim. Não há madrugada, dia, dificuldade, alegria, que dure para
sempre. Tudo passa. É finito. Momentos que vão emboÍa, somem
até mesmo da memória.
E por isso, quando os gritos do bebê estiverem te levando para
um redemoinho escuro, revire no seu intimo. Procure, remexa. E lá
dentro encontre aquela última gotinha de paciência. Ela fica escon-
dida, mas está lá. A última dose. Deus a guarda em um lugar quie-
tinho, que é para que nessas horas possamos encontrar. Agarre-a.
Segure Íirme. Coloque o bebê no berço, mesmo que aos prantos.
Saia do quarto, sente no corredor. Se apoie na parede gelada.
Respire. Respire de novo, e de novo, e de novo. Chore. Chore um
pouco mais. Porque vai passar. Eu prometo que vai.
Não faÇa as contas de quantas noites você já está assim, ou
quantas noites ainda faltam para que o seu bebê durma por cinco

103
horas. Deixe isso para lá. Pelo menos por agora. Pense apenas no
momentô que está na sua frente. Nâ sua realidade ali, do lado de
fora do quarto. Hoje, agora, tudo o que você precisa é sobreviver
mais uma noite. Uma única noite, este é o desaÍio. Você consegue
tudo por uma noite. Seu bebê só precisa que você aguente essa
madrugada. Só por hoje. Erga a cabeça, esvazie a mente, recomece
de onde você parou, vá lá e acredite: vai passar!

to4 &&"hú"*"1/*
r
fpreciso
l,/
uma aldeia para criar uma criança. Um ditado an-
igo qu" anda um pouco esquecido. A aldeia é muito mais
do que parentes. É uma amiga que segura o seu bebê enquanto você
almoça. É a vizinha que leva o seu mais velho para passearjunto com
o dela. É a madrinha que enche bexigas para a festinha de aniversá-
rio. É a mãe do coleguinha que reveza quem leva e quem buscâ nâ
natação.
Mães nascem com uma mania boba de quereÍ provar que dão
conta de tudo. l\4as depois de bater a cabeÇa algumas vezes, apren-
demos que ninguém ganha o Prêmio Nobel da Paz pot não pedir
ajuda. E descobrimos que as pêssoas à nossâ volta não estão apos-
tando para ver quanto tempo iremos resistir. Pelo contrário. Acredite,
as pessoas ao seu Íedor estão ansiosas para fazer parte do seu cír-
culo. Você só precisa dar o sinâl de que está pronta, pedir a mão e
abrir a porta da frente.
Para encontrar a sua aldeia você terá que fazer novos amigos,
peÍder alguns, se surpreender com outros, se decepcionar. Faz parte
do processo, um processo que vale a pena, sempre vale.
É com as mâes da sua aldeia que você irá falar sobre cocô
verde, cocô amarelo, excesso de cocô, falta de cocô, assaduras e
penicos. São elas que escutam o relato de quem perdeu a paciên-

Q EwqkÁ* cia, de quem falou o que não devia, de quem pegou muito pesado.
São elas que chegam trazendo vinho, comida e risos. Sâo elas que
fazem â vida ficar mais leve, a maternidade mais divertida. São elas
que presenciam a birra cinematográfica de um filho que te desa-
Íia e te tira do sério. E quando você estiver chegando perto do seu
limite, são elas que irâo dizer que você não é a única. E que é difi
cil. E que vai passâr.
Temos a tendência de pensar que todas as mães que vemos
por aí conseguem manter a vida sob controle, e quê o "fracasso"
é somente nosso. Mas são elas, sâo as mães da sua aldeia, essas
irmãs que você nem sequer sabia que tinha, que irão te dizer que
a vida delas também é um pouco caótica. Que todo mundo se es-
forÇa para fazer o melhor e que ninguém, absolutamente ninguém,
tem tudo sob controle.
A suâ aldeia sempre se fará presente nos dias dificeis. Seja
através de uma mensagem, de uma caixa de lenços, um abraço
apertado, ou uma lata de leite condensado.
A verdade é que nós precisamos da nossa aldeia. Eu preciso da
minha. Você precisa da sua. E nós todâs precisamos uma das outras.

n ,/u",t" LO7
%ut "oro"u^otas cÍianÇas na cama, cobrimos até o peito e
(.conÍerimos os pe/inhos estáo quentes.
'Nós enchemos sea bânheira, lavamos bumbuns e limpâmos
dobrinhas.
Nósjuntamos brinquedos do chão, hoje, amânhã e depois, sem-
pre nos perguntando como conseguem fâzer tanta bagunça.
Nós esticamos as mãos, pegamos no colo, peÍmitindo que perni-
nhas se entrelacem nas nossas cinturas, enquanto secamos lágrimas
e dizemos que vai ficar tudo bem.
Nós fazemos liçôes de casa, ensinamos subtração e escÍevemos
iniciais em etiquetas de uniforme.
Nós coÍtamos laranjas enquanto falamos ao telefone e sentimos
mãozinhas agarrâÍem nossas pernas.
Nós virâmos a noite, cantamos baixinho e ândamos na pontinha
dos pés que é para não acordar mais ninguém.
Nós fazemos "papá", assopramos e levamos o aviãozinho
para o destino final.
Nós usâmos a ponta do dedo para balançar o dente mole e pen-
teamos cabelos embaraÇados, segurando perto da raiz paÍa não doer.
Nós abÍaÇamos crianças no bânheiro, na fila do pronto-socorro,
na beirada da cama e repetimos no ouvido que já já vai melhorar.
Nós usâmos secadoÍes de cabelo para secar roupas de
fo$w ouá, Coíw bal/et e uniformes de futebol, já que nunca secam a tempo do
dia da apresentaoão.
Nós usamos lápis de ôlho pârâ fazer sardinhas e bigodes juninos
e colocamos gel b fazemos tranças.
Nós moRtamos árvores de Natal, enchemos bexigas
e enrolamos docinhos.
Nós ajudamos a levantar, damos beijos analgésicos, enÍo-
lamos pedras de gelo em panos de prato e aplicamos nos dodóis
que é para não inchâÍ.
Nós amassamos bananas, lemos Íótulos e escondemos verdu-
ras embaixo do arroz.
Nós levamos ao oftalmologista, ao parque, à escola.
Nós ficamos nâ fila do brinquedo, da estreia do filme, da
sorveteria na praia.
Nós fazemos coisas que parecem tão simples. l\4as que carre-
gam todo amor. Todo carinho. Todâ dedicação. Como se cada gesto,
cada aÇão, levâsse um pedacinho da alma. Da nossa essência.
Nosso grande segredo. O motivo pelo quâl tudo de mãe é mais
gostoso. Colo, cama, carinho, abraço. Pois o nosso amor, o maior amor
desse mundo, mora ali. Todos os dias, em todas as coisas.

m ,t*" ,t" ,"ll/t *, 1og


t\
t,
Í, dolescência nada mais é do que a porta de entrada para
V ll12 porta de saÍda. Adolescéncia tem sido aceitar que não
sou mais o primeiro ponto de refeÍência. Há várias opiniões mais im-
portantes do que a minha. E do dia para noite aquele menino que me
dchava a pessoa mais inteligente do univeÍso, passou a me ver como
apenas "mais alguém'. E dói.
Dói porque tem coisas que eu preciso que ele entenda agora.
Preciso desesperadamente que ele me olhe nos olhos e escute cada
palavra do que eu tenho pa ra dizer. Sabe poÍ quê? Para ele não sofrer.
Tombos que a gente enxerga lá na frente. Coisa de mãe.
Coisa que adolescentes não entendem. Não querem entender.
Mas eu preciso tanto que ele saiba que eu sei. Que posso não
saber de muitas coisas. Mas qlando o assunto é ele, sim eu sei.
Ele é quem não lembra.
Ele não lembra do frio na barriga que eu estava na noi-
te antes dele nascer.
Ele não lembra do nosso primeiro encontro e da forma como eu

ílu O Q',"*Vtae lwlw cochichei no seu ouvido "0i, meu amor".


Ele não lembra do diâ em que ele chorou no dentista. E das
lágÍimas que eu sequei quando elê brigou com o amiguinho. il
Ele não lembra da angústia que sentimos no primeiro dia de
aula. E de como ele Ievanta â sobrancelha quando está tímido. E da
euforiado primeiro gol no jogo de futebol.
Ele não lembra dasvezes nasquals brincamos de power ranger,
e das noites com viÍose que espeÍamos abraÇados na Íila do hospital.
Ele não lembra dãs festasjuninas e do bigode feito com lápis, e
do brilho no olhar quando êle ganhou a bicicleta nova.
Ele não lembrâ que acompanhei a grande maioria dos passos,
por todos os lados. E que observei olhares por todos os cantos. E que
admirei gestos por todos esses anos. E que ouvi choro, grito, cantoria
ê sussurro. E que senti o cheiro, ôs beijos, os abraÇos e os dodóis. E
que por isso tudo, eu sei. Eu sei dele.
E por mais que ele não lembre, no fundo não tem problema,
porque eu guardo essas lembranças por mim e por ele também.

111
,
lfinalmente pêrei. Exausta. A verdade é que ser uma boa
f mâe, muitas vêzes. significa que você tem andando cansa
da, que está cansada e que continuará cansada. Uma doação solitá-
ria. Silenciosa. Humilde.
Ninguém entra no livro dos recordes por encarar um cam
peonato de futebol do mais velho depois de três noites mal
dormidas com a caçula.
Não é dado PÍêmio Nobel por Íepetir inúmeras vezes que não
pode morder o amiguinho. Que é importante dizer por favor, obriga-
do, com licença. Que se deve seÍ gentil e bom pâra com os outros.
Não existe medalha de honra para a recuperação de um parto,
ou para os desâÍios da amamentação, muito menos para a batalha
conÍÍa o baby blues-
Não vemos nossos nomes em plaquinhas de funcionárias do
mês. Não somos promovidas. Não iemos nem mesmo horário de
almoÇo, quem dirá fériâs, descanso.
Privacidade é algo que há muito já se foi. olhinhos curiosos e

0 C^,ry {ru frr,,úíúdp mãozinhas inquietas insistem em abrir a porta do banheiro. E é de lá


que respondemos as mais importantes perguntas: a localização geo-
gráÍica daquele brinquedo especial, quantos dedos tem umâ lagar-
tixa e até se estamos fazendo o número um ôu o dois. Coisas que já
são normais, rotineiras. E não importa o quão doente, preocupada,
cansada, triste estamos. Ainda assim, batemos o cartão. Bâtemos
perna, bátemos coração.
E quantas vezes em silêncio engolimos o choro? Um choro
que já nem sequer conhecemos o motivo. Alegria, amor, frustraÇão,
medo, solidão. Um mix que desce junto com o café, que a essas
alturas provavelmente já esfriou.
o curioso é que, apesar de tudô, de fato, eu não consigo
achar nesse mundo uma única funÇão, um único títulô, que seja
tão imenso, tão completo e tào gratiÍcante. E é com essa simples
lembrança que hoje eu escolho pegar todo o meu cansaço e trans-
formar em gratidão. Um coração cheio do mais sincero amor e da
mais profunda gratidão.

$,(/at íê -.c10.'.. 113


-
o
\aOe o que é mágico, totalmente incrivel? O fato de que você
U saoe.úo." rroã o" cada cicatÍiz, cada dobrinha. cada vÍr'
gula da sua crlança. Temos dúvidas sobrê tantos e tantos temas...
Educaçao, vacinaqão, crlaçâo. Mas o essencial, esse a gente sabe.
Conhecemos o cheiro, a pintinha que poderia passar desperce-
bida. Sabemos das manias, dos gostos, dos olhares. Ahh, os olhares.
olhares que só uma mãe recebe, que só ela reconhece, que só ela
entende. Ser máe é saber.
Veja só, para você o meu meninô poderia ser um garotinho
comum, como outro qualque( Não para mim. Para o meu coração,
ele é o menino que eu enxergo no meio de uma multidão. Quem eu
sei que terá os dedinhos dos pés encolhidinhos quando está tÍmido.
Quem eu sei que aperta os olhinhos para sorrir. Quêm eu sei que
só aceita cortar as unhas se for para jogá]as para os passarinhos.
Quem eu sei que de manhá. precisa ter meia banana em cada mâo.
Quem pede para colocar a coberta "bem devagarinho mamãe".
Quem gosta de carinho perto da sobrancelha. Quem mais poderia
saber dessas coisas, senão eu?
Detalhes que para você, ou para qualquer outra pessoa desse
planeta, seriar.h insignificantes, bobos, sem a menor importância.
Não para mim. Para mim eles são tesouros, aquilo que realmente
vale, que faz a diferenQa no brilho da minha alma.
O coração de uma mãe guarda detalhes e histórias que só
ela conhece. Só ela tem nôção do valor, do peso, do signiÍicado.
Pedacinhos de diamantes que ninguém nos tira, que ninguém apa-
ga, nem mesmo o tempo que insiste em voar diante dos olhos.
Sou tâo pequena para algumâs coisas, imatuÍa, tenho muito a
aprender. lvlas sobre eles, sobre os meus, eu sei. Sim, a gente sabe.
l\4ãe é aquêla que sabe. Esta é a dádiva, isto é ser mâe, isto é mágico.

u,lqt,h,qlb"" 115
,
I l^" u" mâe tem dias bons ê dias que demoram todo o
V[ mês de aSosto. Dias de conquistas e dias de inúmeras ten-
tativas. Dias de supermãe e dias dê mãe mais ou menos. Dias cheios
de leveza e dias de culpa. Dias de sacudir a poeira, dias de sorriso
no rosto e dias com vontade de gritar todos os palavrões da lÍngua
portuguesâ.
É assim. Tem dias em que faço tudo no piloto automático.
Cuido das crianças como um robô. Íroco fraldâs, preparo refeiçóes,
levo ao banheiro, corrUo mau comportamento. E só na metade do dia
percebo que não dei um único beüo nos meus Íilhos. lvluitas vezes
nem mesmo os olhei nos olhos com atenção. Dias em que cumpro
com as minhas obrigações como Íigura materna, mas sem a minha
real presença. Como se meu corpo estivesse ali e o resto de mim es-
tivesse descansando, tomando um drink em algumâ ilha caribenha.
Acontecê, é claro que acontece. Aqui e na maioria dos lares
desse planeta. lsso é ser uma mãe... humana. A parte boa é que
também existe o oposto. Nluitos são os dias em que me perco nas
risadas. Corremos pela sala em plena segunda-feira, lârgo os meus
projetos, meus e-mails, minhas metas. Sentamos no chão e con-
tamos histórias. Belisco bundicas peladas que Íogem às gargalha-
foúe e%e* {n ü04r{p das. Brinco de aviãozinho, jantamos algo improvisado, modelamos
massinha, colorimos desenhos, deixo tudo para lá. Dias em que sou
a mãe que sempre sônhei ser.
Todas as noites vou dormir sem saber como será o diê seguin-
te. Se serei r?bô ou supermãe. E há muito deixei de me sentir cul-
pada. 0 motiy'o é simples. Eu estou sempre aqui. De um jeito ou de
outro. Às vezes eu tenho muito pâra dar. Sou fonte, sou nascente.
lvlas há dias em que sou rasa, escassâ.
E mesmo nos dias assim, mesmo quando sou pouca, quando
a paciência já se foi, eu ainda não. Eu escolho sempÍe ficar. Uma
decisão que o meu coração jamais hesita em tomar. Algo nâtural,
automático, atitude que só quem ama incondicionalmente conse-
gue ter. Se dar mesmo quando não há quase nadâ. Pols enquan-
to buscar melhorar é um objetivo nobre, buscar a perfeição pode
ser uma missão tola.
Mãe se faz presente, dê um jeito ou de outro. O que para al
guns é visto como derrota, para outros é uma incrÍvel prova de amor.
Sim, o nosso amor. Porque este, este não varia. Não é humano, não
é desse mundo, é sempre pleno.

o .h, .t. 117


%rn*uu*." porque sonha em ter uma lista enorme de
"u"a
(,tarefas e obrigaÇões. Nos casamos porque o coraÇão pula
'
para fora do peito, gira em torno da Terra e volta para casa toda vez
que os olhâres se encontram. Nos casamos porque o toque dá frio na
barriga, calafrio, sorriso no rosto. Pelo menos um dia foi assim. Íalvez
ainda seja, só é preciso relembrar.
A verdade é que entre prendeÍ as crianças na cadeirinha, tirar
os pratos da mesa e pagar as contas do mês, é Íácil deixar o amor, e
principalmente o sexo, de lado. Já aviso desde já que eu não tenho
uma história só de romance, sexo e rock & roli para contar para vocês.
Emborâ meu casamento tenha dessês momentos, ele não é
assim o tempo todo. Casamento é como livro. Algumas páginas sáÔ
marcadas poí lágrimas que êscorreram, brigas que râsuÍaram. Mas
há também os parágrafos cheios de amor, destacados com mâr-
ca-texto, canetinha. Páginas que devem ser relidas de tempos êm
tempos paÍa lembrar o caminho que nos trouxe até âqui. E o sexo faz
pârte desse caminho.
Veja bem, eu não sou a assanhada da turma, a taradona do
bairro e estou longe ser uma palestrante sobre o assunto. Assim
0,9*oeSe,y,e como você, eu também estou exausta no fim do dia. E entre sexo
e doÍmir, há grandes chances que eu morra de amores pelo meu
pijaminha velho de moletom. Mas a verdade é que um "sim" muda
muita coisa. Sexo tem um peso enorme nâ harmonia do lar. Algo
inexplicável. l\4udanÇa mÚtua de humor, de perspectiva em relação
aos problema§. Portas que se abrem parâ importantes discussÔes
de relacionamento. l\4ais companhêirismo. compreensão
Sexo muda a energia, equilibra aquilo que nem sequer sa-
bíamos que estava Íora de linha. Jurâs silenciosas, piadãs inter-
nas, coisas de casal. É isso. São as coisas de casal. É isso que o
sexo faz. Ele separa a bagagem. 0 maternar, a rotina, os deveres,
o estresse. Sexo faz lembrar que começamos como um casal. Um
casal que já se perdeu tantas vezes no caminho, mas que sempre
escolheu se reencontrar.
E o sexo? o sexo éo começo ou a celebração dê cada
um desses reencontros.
Por isso ele é amor, por isso a importância, por isso vale a penâ

*t lw,to,r!,lw LLg
utinha em mente quando, às quatro da manhã,
/Jrnruu^
' Leles acordaram novamente.
Ninguém escreveu todo o amor que ela já deu.
Ninguém prêsenciou quando no chuveiro ela chorou.
Ninguém notou quando no jantar ela esperou.
Ninguém a ouviu quando o cansaço a seguiu.
Ninguém nem contou quantas vezes ela embalou. E quantos
band-aids ela colou. E quantas fraldas ela trocou. E quanto caos ela
arrumou. E quanta luz ela espalhou.
Ninguém a viu quando das gracinhas ela sorriu.
Ninguém a segurou quando ô medo a atacou.
Ninguém enxergou quândo mais uma vez ela limpou.
Ninguém estava lá quando ela sentava para brincar.
Ninguém testemunhou os beüinhos que ela ganhou.
Ninguém escutou as histórias que ela contou. E as lágrimas
Qru,^*Vow que ela secou. E asjuras que ela falou. E as músicas que ela cantou.
E a culpa que ela calou.
Ela acha fácll, pois faz tudo por um abraço. E quando Íica
perdida, vem Deus e mostra a saída. E quando já pensa que não
aguenta, vem o amor e a arrebenta. E para os que não dão bola, a
maternidade é uma escola.
Po§ nessa jornada atrevida, sãô as mães que dão â vida. E dâÍ
a vida nâo é só parir, já que algumas acabam por partir. Dar a vida
é dâr amor. criar é dar raiz. É isso que Íaz de uma criança mais feliz.
E se você pensa que escolheu, na verdade foi escolhida. Pois
essa alma, ao renasce( apontou para você. E que benção mais ca-
rinhosa saber que de todas as rosas, você, apenas você, foi vista
como a mais maravilhosa.

121
Jf"u nun"rmais será amada dessa ÍoÍma.
! Leia mais uma vez. Deixe a frase ancorar. fazer sentido.
Você nunca mais será amada dessa forma.
A incessântê necessidade do toque, do contato físico. Acaba. 0
constante chamar, o querer dividir todas as mais simples, minúscu-
las coisas: "Olha o que eu consago fazeí mamãe!". Acaba.
Você nunca mais será amada dessa Íorma.
0 cobrirtodas as noites antes de dormir, os pezinhos quete esca-
lam durante as reÍeições, os beijos molhados pós-banho. lsso acaba.
Você nunca mais será amada dessa forma.
Os pulos na sua cama, o corpo que vira pista de cârrinho,
os giros de dança que bagunçam o tapete da sala, o pentear dos
cabelos úmidos. Acaba.
Você nunca mais será amada dessa forma.
0s sanduíches às sete da manhã de domingo, os desenhos
debaixo das cobertãs, o âbraço na madrugada após um pesadelo, o
contar histórias. Acaba.
Você nunca mais será amada dessa forma.
Esse amor, a vontade de estar tão perto que às ve-
zes nos sufoca. Acaba.
Você nunca mais será amada dessa forma.
A verdade é que quando os Íilhos são assim, pequenos, é a
fase da vida em que nossâ adoraçao é quase que recíproca. Mas
passa. Eles crescem e cresce a necessidade de viver outras histô
rias, outras pessoas, outros sonhos. É a lei da vida, o caminho certo,
é saudável. lvlas ainda assim, mesmo sabendo que criar asas é um
dos atos mais lindos da maternidade, ver voar é um "doce amargo".
Será semprç a alegriâ mâis estranha que já se ouviu fâlar. Uma feli
cidade difeênte que, ao chegar, forma buracos. Um misto de vazio
com a sensação de missão cumprida.
Ver voar é aplâudir cada conquista, mas ainda querer sentir as
mãozinhas pequenas que te a gafiavam pelas pernas. É se orgulhar,
apoiar, mas com um eterno gostinho de saudade. Saudade do tempo
que passou. Saudade de ter os filhos sempre ao âlcance dos olhos. E
acima de tudo, saudade dessa fase. Desse amor. Esse que você tem
agora, tão próximo, palpável, bem aÍ ao seu lado.
PoÍ isso, quando o chamar, o tocar, o pedir, quando tudo estiver
te levando à beira de um colapso nervoso, lembre-sê: você nunca
mais será amada dessa forma

K",;j* Tt-x+o ry*fuJ-s "l


'2/r\z- +.' o .r-r1tt-,t-
L*"k^!L - ,>z ,'íoú^ tv.úl.,.t.- /rréÀ.. /X'1ar
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nl o,-r----**t- U^Jô' n,Aryhwl$w L23a;
f
t embro do dia em que ela morreu. Eu no carro. olhando pela
7 janela. Para minha surpresa as pessoas continuavam le-
vando suas vidas noÍmalmente. É como se nadâ estivesse diferente.
Logo percebi que o mundo não andaria mais devagar durante o meu
luto. E é assim com todo mundo.
Dia das mães, Natal, aniversário. Estas datas já não mais me
afetam. Pequenos acontecimentôs do cotidiano são muito mais du-
ros e impiedosos. É como se estivesse sempre faltando algo, algu-
ma coisa, em cada experiência positiva da vidâ. E por outro lado, é
como se houvesse uma solidão maior em cada momento de triste-
za e em cada derrota.
Desde que ela partiu eu já me divorciei, mudei de pãís, casei
novamente, tive filhos, mudei de profissão, viajei, conheci lugares e
pessoas, fiz tantas e tantas coisas. Íudo isso sem a presençâ fÍsi-
ca dela. E é desses momentos que estou falando. Não poder com-
partilhar a sua história com a única pessoâ desse planeta que te
ama incondicionalmente.
Perder a mãe faz com que você adquira uma certa resistência
a futuros problemas emocionais. Nâo é fácil te derrubâr. O fundo do
W*wrVfuon seu poço é lá embaixo e você conhece bem o caminho para subir.
Você aprende a se resgatar, quantas vezes for necessário. Você Íica
independente e se torna uma grande conhecedora dos seus pró-
prios medos e inseguranças.
Não me leve a mal, eu repudio o fato dela ter sido "arÍancada"
de mim. l\4as é iom essa mesma ferocidade que me agarro naquilo
que me foi presenteado com a partida dela. E por diversas vezes me
pego pensando: "Como a pior coisê que já me aconteceu também
pode ser a melhor coisa sobre mim?"
Se â sua mãe partiu há pouco tempo, saiba que os dias Íicarão
mais fáceis. É que mesmo você querendo socar âs pessoas que te
dizem que o tempo sê encarrega de tudo, saiba que é verdade. O
tempo vai amenizar todos esses sentimentos que estão apertando o
seu coraÇão. E um dia você cria consciência do quanto mudou e do
quanto você cresceu como ser humano. E assim como eu, você irá
para sempre se esforÇar para se tornar uma pessoa que a sua mãe
teria o prazer de conhecer.

il,frqe4o-.ellb* 725
l/^ot "o o,n^ruma coisa? Desde que o seu Íilho esteja
Í saudável e em seguranÇa, as decisões que você toma como
mãe não são da minha conta. Não são da conta da sua colega de
trabalho, nem mesmo da sua concunhada, da vizinha, ou da blogueira
de maternidade.
Ninguém tem que achar bom ou ruim se o seu filho vai para
uma escola montessoriana, ou para uma escola católica. Se o pedia-
tra dele é o mais famoso da cidade ou se você optou por um médico
que só trabalha com medicina alternativa.
Não afeta a vida de ninguém se a sua criança só come comi-
da caseira, ou se âma as papinhas prontâs. Se ela sabe cantar as
músicas do desenho, ou se na sua casa é proibido televisão. Se ela
dorme no seu quarto, no quaÍto dela, ou no sofá da sala. Se sua
menina faz bal/et, o menino futebol ou vice-versa.
Sabe o que realrnente importa? lmporta que o seu filho é ama-
do, é acompanhado poÍ um profissional da área de saúde, é alimen-
tado, brinca, dorme em local seguÍo e pratica atividade física.
Ser mãe já é uma missão tão difÍcil. Todo coração de mãe car-
rega dúvidas e medo. E ainda tem mãe por aí que se acha no direito
dejulgar as escolhas de outra mãe? Vâmos erguer a bandeira bran-
câ, rosa, amarela, azul, seja lá qual for a sua cor.
Eu quero você como aliada, quero você jogando no meu time.
Para que juntas possamos falar das nossas inseguranças. Parâ que
você chore de rir quando eu te contar sobre o meu último fracasso
tentando ensinar meu filho a comer com gaÍfo e faca. Para que você
possa me ofefecer o seu ombro amigo, quando eu me sentir ã pior
mãe do mundo, e para que eu possa lhe oferecer o meu quando foÍ
a sua vez. Para que eu possa te levar um café forte, depois de uma
noite mal dormida, e para que você me traga brigadeiros depois de
uma semana difícil com o meu mais velho.
Quero ouvir suas palavras de conforto, quando eu achar que
estou no meu limite, e te oíeÍecer o mesmo, nos dias em que você
estiver à beirâ de um ataque de nervos. Quero que você salve o meu
filho de cair da balança quando eu me distrair com o cêlulâr, e quero
salvar o seu, quando ele se sujar e você tiver esquecido a roupa
reserva. E acima de tudo. quero que você jamais esqueça que a ma
ternidade é tão difícil para você quanto é para mim.

121
I
f fuando você pensa que já não tem forÇas para levantar pela
U( milésima vez seguida na mesma madrugada. e a alma de
mãe que aparece. E sem saber explicar como, você se vê de pé, em
frente ao berço.
Quando você tem certeza de que já não possui mais energia
paía atender mais um chamado, pâra tÍocar mais uma fralda, para
dar mais um colo, para responder mais uma pergunta, lá vem ela, a
alma de mãe. Pronta para fazer o que precisa ser feito.
É a alma de mâe que encontra disposiÇâo para colocar as
crianças no banho depois da bagunça do jantar, quando a vontade
é de se jogar naquele chuveiro e deixar a água quente cair na nuca.
É a alma de mãe que acha ânimo para encher mais um copinho
de água, mesmo depois dejá tertirado o sutiã e ajeitado o travesseiro.
A/r* úu74* Nesses dias dificeis penso que só pode ser a alma de mãe, só
pode ser ela que invade, que executa até as mais simples tarefas.
Que entra no comando quando o corpo já não mais responde e a
mente há muito já apertou o botão de reset.
É a alma de mâe que continua Íirme até o Último minutinho do
dia, até o momento de cobrir pessoinhas e dar o beijo de boa noite.
É a alma de pãe que tem coragem de Íazer coisas que você
jamais imâginou ctrnseguir, e mais algumas.
É ela o nosso superpoder. Nossa arma secrêta. Nossa fonte
inesgotável de amor, de boa vontade. É ela que nos empodera.
Quando dizem que quando nasce um filho, nasce uma mãe,
acredito que vai além. Nasce uma alma. E é ela, é a alma de mãe.

,".t-. .r" L29


terça-Íeira. você com os pés descatços no chão
/y'\^nrde
' Lgelado da cozinha. Preparando o 740.001' misto-quente
do seu filho mais velho. Amassando a banana número doze mil tre-
zentos e vinte três do seu do meio. Lavando â quinquagésima nona
mamadeira da quinzena.
Do minuto em que você abre os olhos alguém já precisa de
você. Talvez seja por isso que as pessoas dizem que a maternidade
é tão difícil. Não porque é Íisicamente cansativo, quero dizer, é claro
que ela é, mas nâo é só por isso. É porque é pesado emocionalmen-
te. É porque tem dias que te suga. Te tira tudo. E não sobra nada
l
para você. Nem paciência, nem energia, nem motivação.
Há dias em que sentimos que todos os esforços, tarefas, sacri-
fÍcios, passâm em vão. Que ninguém aprecia. Eu faço, faço e Íaço,
constantemente, e nada é o suficiente.
Eu não estou procurando elogios. Não estou pedindo premia-
çôes. Eu nem sequer estou procurândo um " muito obrigado". Hoje
eu só queria um pouco de colaboração. Um pouco de respeito por

í 4e+ fi'o wtVtt^r* ía,5u,, regrinhas simples, de paz, de sobrevivência. Coisas como, por favor
me deixe te vestir sem que isso se torne um esporte olÍmpico. Não
acorde sua irmã que acâbou de fechar os olhos. Não coloque moe'
das dentro do buraco do painel do carro. lúe deixe trocar sua fralda
que está cheia de cocô.
Sabe, nesse mundo de hoje é difícil admitir essas coisas. Todo
mundo quer falar como a maternidade é linda e maravilhosâ. como
completa, pÍeenche, ilumina. Sim, claro que a maternidade é tudo
isto. É o mais incrível papel que eu já preenchi na vida. Mas êinda
assim, às vezes ela é pesada. Bem pesada.
Agora há pouco, antes de escrever este texto, minha caçula teve
um momento de birra. Daqueles de Hollywood. Eu fui dura. A ignorei,
saí de perto. PÍecisava respirar. Voltei minutos depois e a encontrei
no châo. Descabelada, tristonha, com o naÍiz escorrendo e o catarro
quase quê chegando na boca. Quem você acha que a tirou do chão,
limpou o seu rosto, penteou os cabelos e a fez dormir? Você já sabe
a resposta. AÍinal, você também é mãe, e é isso que as mães fazem.

a rt-, .t. 737


q
/rabalhar em casa em tempo integral desaÍia não só o corpo
V e o fÍsico. mas, o emocional. a mente. Nem sempre é fácil
sentir orgulho do que fazemos. l\4uitas vezes o esforço passa desper-
cebido, até por nós mesmas. Afinal, quândo chega o Íinal do dia, a
pia continua cheia e os brinquedos recolhidos, tantâs e tantas vezes,
continuam espalhados pelo chão. E no geral a casa continua bagunça-
da. Não temos material, resultado imediato para exibir.
O pai ou a mãe que sai de casa diariamente para trabalhâr
mantém uma espécie de individuâlidade, faz refeiÇões em paz (mes-
mo que seja uma marmita), tem pausa para um caÍé rápido, pode ir
fazer cocô sozinho (e em silêncio). No trabalho fora de casa, existe a
chânce de se sentir um adulto comum, uma pessoa normal que lida
com outros adultos e que tem o mínimo de vida social, de contato
Íosto no rosto foÍa da bolha.
No trabalho a gente fala de outras coisas, mesmo que seja com
o colega da mesa âo lado que não é dos mais simpáticos. O pai ou
a mãe que sai pâra trabalhar tem chance até de sentir saudade de
uma troca de fralda. Tem a chance de apertar o reset no botão da
paciência e voltar para casa cansado, mas com vontâde genuÍna de
estar com os filhos.
Para quem trabalha em casa, todas essas coisas que parecem
PouYocs f^nlé,r, normâis, básicas do seÍ humano, se escondem, A rotina consome e,
por mais que vocé queira. é impossivel recarregar só com os filhos. É
umã daquelas promessas irreais, do tipo emagreça comendo.
Para poder doar, doar, doar, também é preciso ter. E enquanto
o amor materno é inesgotável, a energia, a paciência, o vigor, estes
precisam de reposiÇão. Não se vive somente da alegria dos outros.
Por maior gue seja a felicidade diante do sorriso de um filho. ainda
assim preoisamos ter nossas próprias ra,/ões. Criar e recriar o riso
particular. Aquilo que dá ritmo ao coÍação Íora da maternidade.
Por isso eu te peço: faÇa algo por você. Vá correr, vá para o
clube do livro, yoga online, tÍicô nas quartas-feiras. Reescreva seus
sonhos. Os seus. 0s que moram em você. Encontre-os. Aliás, faÇa
mais. Vá buscálos. Vá atrás daquilo que lhe trará um senso de nor-
malidade. O bem que isso traz em todas as esÍeras da vida é imen-
surável. É sua obrigaÇão cuidar de você, da sua sanidade.
É tão fácil lutar pelos Íilhos, amigos, parentes. Somos tão de-
dicadas e persistentes quando se trata daqueles que tanto ama-
mos. Mas, se faça um favoí nem que seja em nome da sua família,
lute por você também.

& dat ,h. ul,l,'a 133


r
fnessa
a/
estaÇào que descobrimos o mel e o fel de um casa-
mento com filhos.
É nessa estação que sair de casa é uma missão, atraso garan-
tido, estresse, discussões conjugais no banco da frente.
É nessa estação que enchemos bexigas, trocamos fraldas, cor-
rigimos tarefas, temos reuniões de trabalho.
É nessa estação que vemos nossos pais envelhecerem e vive-
mos a mágica de vê-los com nossos filhos nos braÇos.
É nessa estação que viajamos com o carro totâdo. lvlalas, brin'
quedos, piscininha inÍlável.
É nessa estação que temos crises, nos redescobrimos, nos re-
inventâmos e juramos estar perdidos.
É nessa estação que viramos dindos, e dindas, e tios, e tias.
É nessa estação que tomâmos decisões que parecem ser tão
importantes, mas ao mesmo tempo tão difíceis.
É nessa estação que vemos nossos fllhos brincarem com os
filhos de quem fez parte da nossa história.
É nessa estaçãoquetemosa falsa impressãodesolidão, devazio.
É nessa estação que nos preocupamos com escola, âtividâdes
extracurriculares, educação.
É nessa estação que exigimos muito de nós, nos cobramos,
ft frw,{,g írfutÃp nos culpâmos e sofremos.
É nessa estação que falla o ar. o choro vem na garganta. E
bâstante. l\4uito. Tudo de uma vez.
É nessa estação quê temos as mãos cheias. Tão pesadas que
os dias são curtos. lvlâs â cada ano que passa, um item da listâ
escorre pelos dedos. E vai ficando leve. Leve por demais. E é por isso
que toda sÊnhorinha grisalha, todo senhorzinho daqueles que gos-
tam de ler,b jornal na poltÍona da sala, todos falam dessa estação. E
contam repetitivamente as mesmíssimas histórias.
A sâudosa estaÇâo em que as mãos não param. E carregam,
e carregam, e carregam. A estação na qual somos importantes, e
estressados, e amados, e apressados, e felizes, e complicados, e
inteiros, e inseguros.
Quando não se é tão jovem ao ponto de ser imaturo, nem tão
velho, ao ponto de não fazêr um milhão de planos para o futuro.
Quando pode se sonhar por si, e pelos filhos. e por todos junlos. E
quando carregamos o nosso mundo nas costas.
E assim, quando chêgar a nossa vez de repetir sempre os mes-
mos contos, falaremos docemente desse peso. Pois aÍinal, quem iria
adivinhar que o bom da vida mora justamente no carregâr.

fi {/"*{a,ql,(!., 135
r
Ir nquanto eu empurro ela no balanço de novo, e novamente,
11/ e mals uma vez, me vêm à cabeça todas as màes que tive
ram que se despedir dos seus filhos cedo demais. E em silêncio meu
coraÇão aperta.
De madrugada, quando o meu filho do meio decide que quatro
da manhã é um bom horário para comeÇar o dia, eu respiro fundo.
Eu reviro o meu corpo em busca de disposição. E eu o faço pensan-
do nelas. Nessas mães.
Nos longos fins de tarde, com uma criança chorando e esca-
lando as minhas pernas enquanto eu corto cenourâs em finas rode-
Iinhas, eu procuro sorrir. Em homenagem a elas.
De manhã cedo, quando minha caÇula se revolta mais uma vez
contra a cadeirinha do carro, eu respiÍo. Respiro fundo. E penso nelas.
Quando o Íejjão queima, quando eu chego em casa e encontro
a lancheira com a lição em cima da mesa, quando o xixi vaza na rou-

kt'l^{.w pa, quando me perguntam a mesma coisa pela décima vez, quando
tudo parece ser um complô contra a forma que eu quero maternar.
Quando nada sai do jeito quê eu programei. Em todos estes mo-
mentos eu me esforço bravamente para lembrar delas. Todas essas
mães que dariam cada pedacinho da alma para estar vivendo tudo
isso. E rque por motivos que ainda não conseguimos compreender,
nâo tiveram esta chance.
Que presente é esse que nos é dado! Que oportunidade é esta
que temos em nossas mãos! De criar nossos Íilhos. De viver com
eles os dias de neblina com todas as frustÍações, o caos, o cansaço,
o choro, as brigas, as batalhas. Assim como os dias de sol, repletos
de sorrisos e instântes que fazem o coraÇão bater pelo ano inteiro.
Criar nossos Íilhos não passa de uma gÍande bençâo. Milagres.
Nossos problemas nada mais sâo do que milâgres.

e ,(4,(o-21fu,* r37
I
f ncrível como nossa percepÇào de tempo muda de acordo
JL com a situaçào que eslamos vivendo. Quando se está há
diâs sem dormiÍ, diante de choro, fraldas, dúvidas, banhos, medos,
cólicas e mais dúvidas, cada minuto é uma eternidade.
Quando se está de novo acordada, às quatro da manhã, emba-
lando um bebê que não dorme, o tic-tâc do relógio atíopela a sanida'
de de qualquer um. E a gente tem pressa.
Pressa para que o bebê durma. Pressa para terminar a ma-
mada dâs duas. Pressa para que êle aprendâ â se distrair por mais
de cinco minutos, pressa para que os dias difíceis passem. E quan-
do eles passam, bom, quando eles pãssam seguimos apressadas.
PÍessa pâra que ô bebê sorria, pressa para que ele sente, para intro-
duzir alimentos, para vê-lo engatinhando, pressa para que fale, pres-
sa para que ande. Como se abríssemos mâo do agora esperando
pelo que vem depois.
Temos pressa até no que diz respeito a nós mesmas. Pressa
parâ que â amamentaçâo se estabeleça, pressa para que o corpo
volte, pressa para usar as antigas roupas. Todos estes pensamentos
são tão pequenininhos quando comparados à falta de ar que a gente
sente ao perceber que o bebê, há muito tempo, não é mais bebô.
A minha bebê, que ontem chorava inconsolável, agora está
prestes a dar os primeiros passos.0s primeiros de muitos em di-
reÇão a um mundo do qual eu nem sempre fârei parte. E vários
momentos que eÍam só nossos agoía serão disputados com uma
imensidão de descobertas e possibilidades. Daqui para Írente o meu
placar hessas disputas só diminui.
lvlaldita pÍessa. Maldita. Estúpida. Pressa.
E para aquelas que acabaram de ganhar bebê e que ainda es
tão saindo dos 60 dias de neblina, acrêditem: as coisas âinda vão
se encaixaÍ. E a vida acaba entrando em compasso. E fica a sau-
dade. A saudade dâquilo que roubamos de nós mesmas por causa
da pressa. A saudade de deitar na cama não feita, com um bebê
recém-nascido sobre o peito dolorido. Sim, acredite, deixa saudade.
Que mania é essa que temos de acreditâr que precisamos che-
gar a um destino? Quando na verdade, a grande mágicâ e as mais
maravilhosas bênçãos moram bem aqui, no caos do nosso caminho.
lvlergulhe na neblina que desce de tempos em tempos. Ela faz
parte da nossa jornada. Ela nos enriquece, fortalece o vínculo. Faz
parte da nossa história. Não tenha pressa.

a {at,kql'!,^* 139
t-"Í'

ürr,,,,,Iix;I"il#r?T,*,ii,!::"::::;r*::::i,:
portante, útil? lvlas tem horas que desnorteiâ, chega ao ponto de ser
desesperador. E Íica difícil.
Tem momentos em que eu me quero só para mim. Eu, inteiri-
nha, apenas para mim. So/a. l\4inha. Quero tomar um bânho pensan
do em mim. E sentar na beira da cama, ainda de toalha. Olhar para o
celular, fuÇâr no lnstagram, ver a píevisão do tempo, o site do joÍnal,
ler aquela matéria interessante, não ver nada. Nadinha. Apreciar o
brânco do teto pensando nos planos que tenho para a vida, na morte
da bezerra, nâ gilete que eu esqueci de comprar e que poÍ isso terei
que usar shorts com a perna peluda. Quero me ter como companhia.
Nâo quero me dividir com ninguém. Só eu me encosto, só eu me Íaço
perguntas, só eu me chamo.
Na verdade, a essas alturas, eu já não me faÇo perguntas, mui-
t( ítái/,tru to menos me chamo, que é para não me incomodar. Eu me entendo.
Porque da mesma forma que eu sou o mundo para eles, há minu-
tos em que eu preciso ser o meu, Dias em que eu descontrolada-
mente necessito de mim.
Para tomar fôlego do amoÍ. Subir para respirar. Buscar ar. Só
assim eu consigo voltar inteira, ou quase inLeira. E que um pedaci-
nho, uma'pontinha, por menor que ela seja, eu reservo para mim.
Eu aprendi. Aprendi do jeito difÍcil, mas finalmente absorvi a lição.
Essa pitadinha dâ âlma que eu deixo Íeservada, ela é fundamental.
Porque é lá que eu guardo um pouco da minha essência. Aquela que
é só minha. A que resistiu mesmo depois de todas as transforma-
Ções. Ela existe. nunca foi realmente embora. Às vezes ela grita cha-
mando o meu nome. Outras vezes fica lá quietinha me esperando.
lvlinha fiel escudeira. E paÍa encontrá-la eu só preciso queÍer, eu só
preciso me dâr a chance de procurar.

r47
I
,- u lulo, tomo decisóes diÍÍceis, eu choro. Eu esquento mama
(1/ deias, acordocom o sol e fico acordada aLé bem mais tarde
do que deveria só para aproveilar o siléncio. É por causa do amor,
Eu perco o sono poÍ uma febre que não baixa. Eu checo a res-
piraÇão. Eu pesquiso, pergunto, aprendo, e às vezes acho que estou
fazendo tudo errado. É por causa do amor.
Eu coloco na cadeira do carro, prendo o cinto, solto o cinto, tiro
da cadeira. Agora, e de novo, e mais uma vez. Eu prepâro o banho,
faço malabarismo com sacolas de mercado, preparo o jantar com
crianças brincando no chão da cozinha. É por causa do amor.
Éu faço a dançâ do "comeu tudo" todos os dias quando me
deparo com o pratinho vazio. Eu prendo cabelos finos, guardo meias
enroladinhas nas gavetas e ajeito o cobertor que é para cobrir bem
os pezinhos. É por causa do amor.
Eu vejo meus pequenos conquistando independência, enquan
to sinto saudades de quando eles ainda cabiâm em apenas um dos
meus braÇos. E seguro o choro para ninguém ver. L por causa do amor.
Eu puxo assunto com um âdolescente que responde com pala-

í Pr, C*w úe Ctw? vras monossilábicas. Eu me afasto, respeito, me aproximo de novo.


Quanlas veTes forem necessárias. E por causa do amor.
Eu limpo a mesa dojantar com umâ criança no colo, faço cóce-
gas, digo que não pode. Eu vou para o parque, faço torres de Lego e
lavo montanhas de roupas. É por causa do amor.
Eu estipulo regras sobre eletrÔnicos, sou paranoica com ali-
mentos orgânicos, com os beneÍÍcios do alho, com a ação antioxi-
dante da canela e o poder dos óleos essenciais. E por causa do amor.
Eu tomo café enquanto corro para o banheiro com uma criança
que precisa fazer xixi. Eu uso a minha mão de escudo, bem no ins-
tante em que a cabeÇa está prestes a bater na quina da mesa. Eu
pego no colo. canto. íaÇo cafuné. É por causa do amor.
Eu me questiono, sinto medo, ansiedade, cânsaço, solidão.
É por causa do amor.
Eu agradeço, olho para o céu como quem procura olhar nos olhos
de Deus e me pergunto como consegui ser tão abenÇoada. E choro
de alegria. Tudo por um simples, nobre motivo. Por causa do amor.

n,{.qe,h,,rlq',. 743
[/)o, n" náo vem das circunstãncias da vida, náo
fJ u"^ "on""rencia
das consequencras dos nossos atos. e murlo menos
da opinião dos outros. Sabe de onde vem o sentimento de culpa? De
nós mesmas e da mania boba que temos de criar imagens de como
deveria ser, ao invés de celebrarmos o incrivel trabalho que estamos
fazendo.
lvinha mãe sempre trabalhou, não por necessidade mas,
por escolha. Era algo que a íazia Íeliz, que a completava de uma
forma única. Nunca, nem por um instante, pensei que poderia ser
diÍeÍente. lvlinha adoração por ela nunca dependeu do número de
horas que ela passava em casa. Mas sim da qualidade dos nossos
momentos. Da sinceridade no sorriso, do carinho nas entrelinhas,
da constante preocupação com o meu bem-estar, da capacidade
de participar de todos os meus momentos, mesmo quando ela não
estava lá fisicamente.
Amor de mâe e filho é sempre presente, não depende do tic-tac
do relógio. Amor de mãe e filho Íica na roupa, no âÍ, no pensamento,
no coração. Minha mãe partiu há 12 anos e até hoje sinto o amor
p^nío
útu //táÍlúa, dela. E se pudesse redesenhar a nossa história, não tiraria nem mes-
mo um minuto da suâ vida proÍissional. Porque aquilo fazia paÍte de
quem ela era- Fazia parte da mulher que reconheço como minha
mãe. Fez parte da nossa história, que foi linda, única, só nossa.
Nossos filhos nos dão, de graça, ensinamentos que mui-
tos pagam caro para receber. Eles nos aceitam do jeitinho que
somos. Se pudéssemos nos enxergar com os olhos deles, quan-
to respeito, ãdmirâção e amor próprio teríamos. Como serÍamos
gentis com nós mesmas.
Aceite sua decisâo de voltar ou não a trabalhar. Viva em paz
com ela. Seja ela feita por necessidade, por opção, ou por uma
combinação dos dois. FaÇa da sua realidade a mais bonita e a
mais feliz possÍvel.
E sâiba de uma coisa: se todos os dias, todas as mees do mun-
do formassem uma Íila e seu filho pudesse escolher só uma, uma
única mamãe, sabe o que iria acontecer? Ele te encontraria com
aqueles olhinhos doces, abriria um sorriso e iria de bracinhos aber-
tos ao seu encontro. Ele escolheria você. Hoje e todos os dias.

,a.rtt-. .r. 745


- I ão tantas coisas da maternidade quê não são ditas.
(l oiÍicutoaoes em siléncio. Problemas no mudo. Fazer uma
criança dormir, quando há dias você tâmbém não dorme, é uma delas.
CIaro, â gente Íaz um comentário aqui, outro ali. Diz que está exausta,
que o bebê não dormê bem. Brinca que faria tudo por uma noite de
sono. Mas o que rêalmente passa dentro da gente, lá no Íntimo, du-
rante aquelas incansáveis horas com a criança acordada, isto é tabu.
E ninguém comenta.
A verdade pode não ser tão bela, mas ela é real. Real o suÍicien-
te para virar desespero. Aquela vontade de chorar que vem até a gaÍ-
ganta, e que nem sempre dá para segurar. No quarto do bebê você
sente todas as células do corpo implorando para que ele durma.
O contraste do rosto doce, inocente, com o semblante de quem já
extrapolou o limite do cansaço. É nesse momento que nos perdêmos
em um redemoinho de pensamentos, nâo tão bacanas, e cochichos
que não pertencem ao nosso coração dê mãe.
Por que a gente não fala sobre isso? Que quando a privâção de
sono fica fora de controle saímos do normal. E pensamos coisas que
fazem mal para a alma, e que não reÍletem em nada a imagem de
0w fiMapqs Prr,á&úo quem somos ou de como agimos,
Às três da manhã, enquantô faço cafuné para minha filha dor-
mir, eu me pêrgunto o que Íiz da minha vida. A resposta vem em
lágrimas. Que são recheadas de culpa e cobertas por autopiedade.
Eu sei que é momentâneo. Eu sei que amo a maternidade e que
esse é o papel mais incrível que eu já desempenhêi. l\4as às três da
manhã, ah, como é difícil manter a positividade. As três da manhã
não é táo fácil lembrar que, eventualmente, â criança irá dormir. Às
três da manhã a porta da gratidào se camuÍla. Às três da manhà não
há placa que indique â saída do labirinto, mesmo você sabendo que
o seu caminho é ÍloÍido por demais. Às três da manhà tudo parece
estar fora do seu devido lugar.
Mas quando o dia já está querendo amanhecer, a paz e o silên-
cio invadem a casa. Uma pequena sensação de noÍmalidade chega
de mansinho. E como num passe de mágica, o corâção acalma. A
mente, até então apressadâ, dá uma trégua. A neblina mais umâ vez
se ergue, como um presente. Um inevitável presente, que aparece
nâ dor ou no amor. É a benção do novo dia.

,a.o^, -t" 747


-Crocê tr,aoarna, vocé está perdendo a infància do seu filho.
(rl Se vocé tica em casa, você estájogando sua caíreira no lixo
e não será exemplo de mulheÍ independente.
Se você amamenta, pÍecisa ser em livÍe demanda, caso contÍá-
rio você está "regulando" o amoÍ. Se você dá fórmula, então seu Íilho
nunca irá entender o amor dâ amamentâção,
Se você disciplina e coloca o seu filho de castigo, você é uma
bruxa que está destruindo o emocionaldessa pobre criança. Se você
não coloca o seu filho de castigo, você é uma irresponsável que está
criando um assassino em série.
Se você coloca o seu Íilho para dormir no quarto dele, você
é uma egoísta insensível. Se você compartilha a sua cama, ele
será uma pessoa completamente dependente e jamais irá se
ajustar na sociedade.
Se você vacina o seu Íilho, você está infestando o corpo da
crianQa com químicos tóxicos que podem causar autismo. Se você
não vacinâ o seu Íilho, você é uma descompensada que está deixan-
do a porta âberta para graves doenças.
Se você treina o seu filho para dormir sozinho, você é cruel e
desumana. Se você faz o seu Íilho dormir no colo, você está estra-
gando a criança e o futuro de ambos será duro.
Ct totqrrYa,,,rdq, e Q f4^1,,0" Se você deixa seu Íilho com os avós e vai viajar com o marido,
você não tem coração. Se você nunca viaja só com o marido, você é
insensâtâ e está abrindo mão do seu casamento.
Se você tem parto vaginal, você gosta de sofrer e sua vagina
nunca mais será a mesma. Se você tem parto cesariana, você é me-
drosa e jamais conhecerá a emoção de dar à luz.
Se você se exercita durante a gravidez, sinal de que é umâ neu-
rótica superficial. Se você passa a gravidez sonolenta e cansada,
certeza de que vai "embarangâr"-
Que grande ironiâ, justo nós, mães, os seres mais altruístas
do planeta, criarmos uma guerra estúpida, onde somos as maiores
vitimas dos nossos preconceitos. A Íorma como eu crio o meu filho
não é para todo mundo. E a forma como você cria o seu filho também
não é para todo mundo. A maternldade não pode ser tamanho único.
Famílias diferentes, mães diferentes, realidades diferentes e, acima
de tudo, crianças diferentes.
Por que é tão difícil apoiarmos umas às outras? Quer sa-
ber? Você compartilha cama? Eu te apoio. Seu Íilho dorme no
quârto dele? Eu te âpôio. Você quer mandar sua Íilha para a es-
cola de princesas? Eu te apoio. Você quer matricular suâ filha no
judô? Eu também te apoio.

n lw,!e,ql,li,,o 749
E mesmo que eu te ache umâ louca varrida, e mesmo que
você me ache uma maluca insuportável, nós duas sempre teremos
algo em comum. Algo que nos une muito mais do que qualqueÍ dife-
rença de opiniào possa nos separar. E esse amor louco que faz com
que a gente mova montanhas em busca do bem-estar dos nossos
filhos. E isto, por si só, já merece todo o nosso apoio.
í%ot
Lde "rde
febrão e nari./ entupido, de virose. de sequência
fratdas e*plosivas, de dentes nascendo.
Dias de negociação paÍa entrar no banho, negociaÇão para
sair do banho. Negociação para colocar o sapato, negociação
para tiÍar o sapato.
Dias em que d feUão quêima ao ponto de desgraçar a panela,
enquanto ao som de gÍitos por causa de uma pecinha de Lego você
tenta improvisar um novojântar.
Tardes em que há uma real sensação de estar presenciando
o apocalipse. Sim, o fm do mundo chegou e, aparentemente, se
iniciou dentro da sua sala de estar.
Não existe frase pronta, do tipo "aproveita que passa rápido",
que evite o desespero quando o caos se instala e senta para tomar
um cafezinho. Você pode ser uma mãe zen, a mestre dos mestres
na meditaÇão. tem dias que é punk.
Existe um único conselho que li por aí e que realmente Íaz a
diferenÇa. Preste atenção, ele não acâba com a frustração, nem
mesmo te garante hora extra de sono. Iúas alivia, tira o nosso
,to foco do olho do furacão. Funciona asslm, durante os dias difÍceis,
toda vez que você falar ou pensar "eu preciso", substitua por "eu
tenho a oportunidade".
Eu preciso cozinhar para os meus Íilhos todo santo dia. Eu te-
nho a oportunidade de cozinhar para os meus filhos todo santo dia.
Eu preciso acalmar o meu bebê que chora inconsolavelmente
todas as noites. Eu tenho â oportunidade de acalmar o meu bebê
que chora inconsolavelmente todas as noites.
Eu preciso estar sempre educando, corrigindo, ensi-
nando. Eu tenho a oportunidade de estar sempre educando,
corrigindo, ensinando.
Eu preciso ir ao mercado e ainda preciso levar as crian-
ças comigo. Eu tenho a oportunidade de ir ao mercado e de le'
var as crianÇas comigo.
lMêsmo nos mais longos dos dias temos sempre a oportu-
nidade de viver o amor, o mais lindo deles. E não há apocalipse
ou complô de obstáculos nessa vida que tire a grandeza des-
se incrÍvel presente.

u lade,zlltq. 153
fi"*
' LNão,""^oru
nasce um filho. nasce um pai.
oue
nâo. Nào é o DNA. Nem mesmo o nome escrito na
certidão de nascimento. Ser pai é se Íazer poÍto. Algo que não vem
entregue embrulhadinho com cheiro de rêcém-nascido. Talvez ve-
nha do caráter, ou talvez de um traço especial que apenas os ho-
mens de bem cârregam no coração.
O fato é que o paternar nem sempre é nato ou instintivo.
São as escolhas diárias, a dedicação. Um objetivo de vida nobre
e que não estaciona no primeiro obstáculo. Que não procura des-
culpas, razões para existir ou desistir. E é isso que faz do âmor de.
pai incrível, único. É o que irá te diferenciar de qualquer outro ser
humano desse planeta.
Porque. aos olhos da sua criança, você nâo é apenas mais
um na multidão. Você não é o empresário, o taxista, o ganhadôr do

I Pelíe Prêmio Nobel da Paz, ou o cara que há meses procura por um em-
prego. lsso é detalhe, coisa pequena. Para o seu menino, para a sua
menina, você é maior. Você é afeto, colo, âbraço. Você é a coragem
para andar no escuro, desde que suas mâos possam ser tocadas,
sentidas. Você é o passo certo, o caminho de ida mas também o da
volta. Você é o olhar de confianÇa que transforma as pedras da vida
em montinhos de areia. Você é o abraÇo que compaÍtilha aquilo
que às vezes parece ser tão pesado. Você é o sorriso que multiplica
todas as conquistas, que muda o sabor de todas as vitórias. Você é
a força perante a inseguranÇa. O amor diante das dúvidâs.
Pal, você é porto. Você é o porto inabalável, firme, indestruti
vel. Feito de aço. Construído minuciosamente por suas escolhas,
por suâs renúncias, todos os dias, em conjunto com pequenas e
inquietas mãozinhas. E, como um presente de Deus, cria-se um mi-
lagre. O milagre da vida, o milagre do amor, da conexão, da cumpli-
cidade que existe entre um pai e o seu Íilho.

u úat,laqê(tw 155
í%^ot "o o"r".
Nào se compare nào só pelo de fâto de ser
Lfrustrante, triste. Mas por ser rnlusto.
A mãe de um só jamâis irá compartilhar dos desaÍios da mãe
de dois, três ou quatro. E o oposto tâmbém é verdade.
A mãe que trabalha em casa pode carregar alguns
sentimentos que a mãe que trabalha fora dêsconhece. E o
oposto também é verdade.
A mãe que faz tudo sem ajuda, sem diarista, cozinheira, babá,
se sobrecarrega sim, mais do que aquelas que podem contar com a
ajuda de mãos amigas.
Mães solteirâs, mães de crianças especiais, mães de múl-
tiplos, mães que moram longe dâ famflia, mães que estudam.
A lista nâo tem fim. Cada qual com suâ realidade. Cada qual
com suas dificuldades.
Não adianta se colocar para baixo ao ver cenas de mães ma-
quiadâs às oito da manhã, enquanto você aindâ de pijama tira o
frango do freezerjá tendo que pensar no almoço.
Não tem razão para se culpar ao ver imagens de mãês len-
do inúmeros livrinhos, enquanto você faz hora extra para pagar o
Uu,$úoy financiamento da casa. Sem contar com a personalidade de cada
criança. Existem crianças inÍinitamente mais difíceis do que outras,
e nem sempre é culpa dos pais como prêgam por aÍ. Quem duvida é
porque não teve um recém-nascido que chorâva horas a Íio, ou poÍ-
que nâo conviveu com uma cÍiança de pêrsonâlidade desafiadora.
A grande verdade é que a sua realidade jamais será igual a
minha e vice-versa. É mais leve para umas do que para outrâs. Algo
I que evita-se falar, como se Íosse ofensa dizer. lvlas é. Nem todas
escalam as mesmas montânhas. Talvez por circunstâncias da vida,
talvez por escolha, talvez até mesmo pelo jeito de levar. A explicação
nem sempre é tão fácil de encontrar.
O importante é lembrar que são as nossas batalhas, únicas,
particulares, que fazem de nós exatamente a pessoa e a mãe
que somos hoje" Aquela que nossos filhos precisam teí e vice-
-versa. É o motivo pelo qual o seu filho chegou até vôcê e não até
mim. E isso, bom, isso não muda só a forma de encarar as difi-
culdades, isso muda tudo. Absolutamente tudo. Bênditas diferen-
Qas. Benditos problemâs.

I
il
il
I 167
Aoo. a"^orur ou anos, mas é quase inevitável. Há mo-
aias

I mentos em que bate aquela saudade da vida sem Íilhos.


A vida pÍé-maternidade tem uma leveza que é só dela. Não
existe vale n,ght, viagem a dois, final de semana sem crianças que
possa comparar. O amor de mãe instala um chumbinho que fica
pendurado pâra sempre no coraÇão. Aonde quer que o corpo vá, o
pesinho acompanha. Por isso sentimos falta, porque pêrdemos a
chance de ter o coração leve, passeando solto, se embalando por ai.
Claro que deixa saudade. e das boas! É besteira pensar que
saudade equivale a tristeza ou arrependimento. E gostoso demais
sentir saudade. O que seria dos momentos que construímos, das
coisinhas corriqueiras, das grandes comemorações, se não fosse a
íutura saudade? As lembranças dependem da saudade para terem
valor. A verdade é que a saudade nãda mais é do que um imenso
amor por aquilo que foi bem vivido. Não precisa ser sinÔnimo de
I
insatisfação com o presente.
A saudade dos meus dias pré-maternidade não diminui, nem
mesmo em uma pitada, o amor intenso que sinto pelos meus filhos.
l
Su,úailo Pelo contrário, eu querô mais é que eles saibam que a vida é feita
de fases. Fases que deixam saudades. Etâpas que possuem seu
próprio encanto, seu próprio peso.
Houve um tempo em que eu tinha toda a liberdade do mun-
do, mas nâo conhecia a resiliência. lvleu coracão não era tomado
por empatia, compaixão. Hoje sou mais conÍiante, segura, mas já
nâo consigo sentir a brisa forte bater nos meus cabelos. Não com a
mesma intensidâde. E será sempre assim, esse gostinho especial
de saudade dâquilo que passou.
Quando eu ficar mais velha sentirei saudade disso aqui. Do
caos, dos meus Íilhos agora pequenos, da neblinâ que cai e vai em-
bora, do limpa e arruma, do leva e busca, do cheiro de infância que
corre pela minha casa. Da loucura boa que é a vida com filhos.
E no Íinalzinho da minha vida, espero que â saudade Íique tão
grande que me trâga o sentimento de missão cumprida. De gratidão
por dias intensos. Quero que a sâudade seja tão linda e tão forte
que possa me tÍansportar para onde eu queira ir, e que possa ir
comigo para onde Deus quiser me levar!
ín
I luanto cabe na gota? o choro, o chamar. o constante
(X despertar.
É para a gota que vão os banhos mal tomados, o cabelo mal
lavado, o jeans já âpenado. Na gota cabe o eco dos pedidos e tudo
que é constantemente repetido.
É para a gota que vai a bâgunça do jantar, o cansaÇo no ninar
e a mania de calar. Cabe na gota o cadarQo desamarrado, o quarto
bagunÇâdo, o sofá já riscado.
É para lá que vai o grito de impaciéncia que pesou na cons
ciência. E para quem chega sem ver fica diÍícil entender como um
problema corÍiqueiro, como a sujeira do banheiro, faz transbordar
um copo inteiro. É a gota que pesou e o copo transbordou. O cora-
Ção tremeu e a lágrima escorreu.
E para lá que foi a gota. Passando pelo rosto, já
indo para o pescoÇo.
A gota esvazia, mas esperanÇa ela cria. Porém, em outro dia,
4,frú* a gota é de alegria.
Nela cabe o menino a nanar. ô sorriso a brilhar, a calma no olhâr'
Na gota cabe o jeito errado de falâr, a cÍiança a pular, o
instrumento a tocaÍ.
É para a gota que vão as bênÇãos de todo dia, o som do riso, a
melodiaeadocepoesia.
Na gota cabe o cheiro do cabelo, o deitar no travesseiro,
um amor poÍ inteiro,
E a gota enche mais uma vez, trazendo lucidez. Tanto amor
que não cabe nela, ela vaza e nem espera. l\4ais uma vez, lá vai ela.
Escorre pela alma, lava e acalma. Já não importa por quê encheu,
se sorriu ou se sofreu.
Gota vaziâ sempre traz calmaria. Gotas de paz que só escor-
rem porque o amor é demais.

761
j.i,ii;,mamosasma,as,en.
fr,"*rrrrrri,1,"",?:[Í
trâmos ao som de serenata pela porta da lgrela, pegamos a chave
da casa nova, embarcamos no aviâo.
A gente nunca sai de perto da mãe. Com 25,33, 42,54-
A gente nunca sai de perto da mãe.
Até chegâmos â acreditar que não precisamos mais delas.
Segulmos novos rumos, caminhos que elas nunca traçaram e que
por isso jamais compreenderiam. l\4as mãê disfarÇa bem, encora-
ja, nos fâz acreditar que podemos caminhar sem olhar pâra trás.
Porque é isso que as mães fazem, nos dâo força mesmo quando
querem nos puxar para perto. Só que no fundo uma mãe nunca
deixa de estar ali, correndo pela retaguarda, sem perder o filho de
vista. E é só o tempo do primeiro tombo. Ainda do chão a gente a
procura. Em meio às lágrimas. o toque inconfundÍvel. É claro que
é ela, segurando pelos braços, pegando no colo, colocando de pé.
Algumas coisas não mudam.
A gente nunca sai de perto da mâe.
Temos nossos próprios flhos, começamos a vida proÍissional,
saímos de casa. lvlas basta um único momento de frustração, da'
queles que chegam arrancando o chão, que é para ela que quere-

Poí,e ú*fttt* mos correr. Se nào para os braços, ao menos para o teleÍone. É sem-
pre assim. Fâlamos, choramos, Íalamos. E elas escutam. Validam,
prestam atenção. Coisa que só mãe faz.
A gente nunca sai de perto da mãe.
Nâs grandes alegrias, nas pequenas vitórias. Pode reparar.
Depois da primeira consulta do bebê com o pediatra, nos avanÇos
da vida profissional, até no acertar daquelâ receita difícil. É com
a mãe que queremos dividir. Ninguém vibra como ela. l\4érito do
amor incondicional. Algo que nâo encontramos em outro lugar, em
nenhuma outra pessoa.
A gente nunca sai de perto da mãe.
Nas primeiras brigas conjugais, nas derrotas, no quebrar a
cara com aquilo que ela já tinha avisado, corremos para a barra
da saia. Tentamos esconder, dizemos que só viemos bater papo.
Elas lingem que acreditam e nos deixam sacudir a poeira. E nâo
pedem nada em troca.
A gente nunca sai de perto da mãe.
Em qualqueÍ doença, pós-cirúrgico, no primeiro febrão do fi-
lho, na dúvida de qual caminho seguir. nas decepÇões da vida. É
atenção de mãe que a alma pede. Não existe enfermeira, pediatra,

m,(**,\t.,q ,* 163
conselhelro, psicólogo que consiga suprir o olhar, o simples, forte
olhar. A segurança da presença física de uma mãe.
A gente nunca sai de perto da mãe.
Até mesmo quando chega a hora e aos prantos a vemos ir em-
bora, ainda assim continuamos pertinho. Perto em oração, na sau-
dade, ao som de um conselho soprado no cantinho do ouvido, ou
por sentir o secar das lágrimas no silêncio da noite. Existe uma co-
nexâo, um cordão umbilical que a ciência desconhece, feito do mais
puro e mais incrível sentimento. Talvez seja o motivo. Sim, é por isso.
A gente nunca sai de perto da màe.

764 K,f,*k C^*,,llu


T
lr ngravidei do Cae. meu mais velho, com 18 anos. Casei grávi-
f1r da, me separei poucos anos depois.
Meu pai faleceu inesperadamente quando o Cae tinha dois
meses. Minha mãe se foi em seguida.
O processo de sepaíaçâo do meu ex-marido levou tempo.
Quando sê é nova, imaturâ e no meio do olho do Íuracào, clareza
nào é algo fácil de encontrar. Até que criei coragem. me separei e
fui viajar. Literalmente no mesmo dia. ArÍumei âs malas e fui direto
para o aeroporto. PÍecisâva sair da cidade, dos meus problemas, de
mim mesma. E enquanto dizem por aíque não interessa aonde você
vá, os problemas te acompanham. Viajar renova a esperança. E era
disso que eu desesperadamente precisava.
Depois de mais de um mês viajando, cheguei na Califórnia. Foi
onde conheca o João. lncrível como as pessoas que chegam para
mudar âs nossas vidas apârecem quando a gente menos procu-
ra. De cara elejá conheceu o Cae, que estava comigo.
l\4eses depois me mudei para San Diego. De mala, cuia e fi-
lho. O que parecia irresponsabilidade e loucura (e era mesmo) deu
certo. Anos depois veio o Dom e em seguida a Zara.
Cae hoje tem 14 anos, Dom quase 3, Zara quase 2. Estou grá-
vida do quarto bebê, um menino.
Yo í'd,rrulo No começo de 2017 alugamos nossa casa e nos mudamos
para um motorhome ano 2005, de 26 pés. Por sete meses viajamos
por 35 estados dos EUA.
Descobri que estava grávida novamente, Cae foi acei-
to em uma excelente high school, e assim voltamos para San
Diego antes do planejado.
Entre cuidar dos filhos, cozinhar, limpar e fazer tudo aquilo que
todas nós fazemos todos os dias, sem grandes anúncios, eu gravo
sentimentos e tento colocálos no papel. 0 resultado vai parar em
uma página do lnstagram, no Facebook e neste livro.
Sou muito grata pela oportunidade de compartilhar meus de-
sabaÍos, alegrias, anseios. Se eu não respondo todas as mensa-
gens que recebo nas redes sociais é porque estou trocando fraldas,
beijando dodóis, ou trancada no banheiro contando até um milhão
(o dez já parou de servir quando nasceu o segundo filho).
Parâ quem acompanha o meu trabalho há mais tempo, o mÍni-
mo que posso dizer é muito obrlgada. Para quem chegou agora, vá
entrando, jogue no chão o brinquedo que esqueci em cima do sofá,
se acomode e seja bem-vinda.
Esta parte do livÍo foi reseÍvada para as crÔnicas dâ minha
vida, da vida real, onde os personagens têm nomes, onde o meu

ú,tr"*,(..qlh,a, 169
amor é sem Íim e a minha paciência nem tanto. Muitos dos textos
foram escritos durante a viagem de motorhome e serão para sem-
pre as melhores lembranças da viagem. Outros foram escritos da
minha casa, em momentos de desabafo, ou de extrema alegria.
A mesma mãe, a mesma familia, situaçôes bem diferentes.
Assim é a vida, e aqui compartilho um pouco da minha com vocês.

fio &WC"*d/*
ároa a ,, ,"a,aurante tomar café da manhá. Pessoas com
í titnor pequenos têm memória curta. as noites mal dormi
das explodem os neurônios. Veja bem, sempre que decidimos comer
fora, milagrosamente esquecemos os inúmeros momentos caóticos
que passâmos em restaurantes.
PoÍ tudo que já vivi com os meus tÍês, e pelo o que já presen
ciei por aú chego a conclusão que existem dois tipos de crianças.
As que são tranquilas em restaurantes. E as que não são tranquilas
em restaurantes. Dom e Zara se encaixam na segunda categoria. E
funciona mais ou menos assim: a garçonete se aproxima- Penso em
segurar suas mãos, fazer minha melhor cara de gatinho do Shrek
e dizer: "l\4eus filhos possuem prazo de validade na mesa. Passado
o prâzo todos nós iremos sofrer. Tenha piedade, avise o cozinheiro.
lvlarque nosso pedido com canetinha. Por favor, gostarÍamos de três
cafés combo completos. Oremos."
Mas para não parecer louca, apenas dou um sorriso
l\4onalisa e faço o pedido.
Enquanto a comida não chega muita coisa acontece. Zara ten-
ta subir na mesa. Dom mexe em todos os saquinhos de sal, açúcar,
adoçante, pimenta. Zara quer suco. Dom também. Zara derruba o
suco.0 suco molha os saquinhos do Dom. Ambos choram. O ado-
A 8W úq,ffuü,,úüa, C',rí* lescente me olha com cara feia (vergonha familiar). Zara quer o gelo
do suco. Zara chupa o gelo. O gelo cai. Na tentativa de evitar o choro
entregamos a ela todo o gelo da mesa. Para ser sincera, eu entrega-
ria todo o gelo da Antártica para que naquele momento ela licasse
tranquila. Zara enlão chupa gelo descontroladamente. Zara vê um
bebê na mesa ao lado. Zara grita "neném, neném" enquanto o gelo
cai da sua boca. Dom pula no seu assento.
A comida chega. Pareço uma maluca cortando e organizando
pratos que claramente não cabem na mesa. Dom não espera e co-
meça a comer ovos mexidos com a mão. O adolescente pede para
passar o mel. Zara se atravessa e rouba a panqueca do adolescen-
te. Em um ato de desespero grito com todos. Meu marido me olha
assustado: "Calma amor, por que você está assim?" Delicadamente
eu mostro ã faca e dou o meu mais singelo sorriso meigo.
Todos comem. Todos encostam seus rostinhos sujos no meu
ombro. Tento lembrar qual foi a última vêz em que fiquei mêio perío-
do com uma blusa limpa. Desisto. lVe afundo nas panquecas doces.
Panquecas não fazem perguntas. Panquecas entendem.
Pagamos a conta. Juramos nâo voltar tão cedo. Leia
isso três vezes ao mês.

fr ,(a,* tlo.z{,/}in fi3


r Um cansaço que só màes entendem. Nâo màes
fxausta.
lL/ nõo me levem a mal, esse é um desabafo escrito em uma
lÍngua diferente. Me bateu uma vontade enorme de ficar pequenini-
nha, sair sem rumo, correndo por aÍ. Só não fui porque estava tão
podÍe que não duraria 3OO metros. E ainda teria que voltar resmun-
gando. Então Íiquei. Fiz o jantar. Servi. Comemos.
Na primeira oportunidade fui deitar quietinha. Barriga parâ
baixo, Íosto afundado no travesseiro. Quanto alÍvio mora em alguns
segundos agaÍrada ao travesseiro.
A maternidade não vem com botão de "pause". Não faz distin-
ção de local, feriado, horário de Íefeiçâo. Não estaciona para que
você limpe, se limpe, planeje, respire. E é aí que bate o desespero.
Cresce a frustração. Basta uma faísca para virar pânico. Um filho
chora porque a banana foi cortada no meio. Todos os outros dias
do ano bânanas devem ser cortadas. Aparentemente hoje deve
ria ter sido diferente. Você reprime, coÍrige, ensina. E te desgas-
ta. Ah, como desgasta.
A caçula pede (insistentemente) pelo brinquedo. O mais velho

Q C',w quer bater papo. É panela queimando no fogão, e'mails da semana


passadâ e a eterna lista de afazeres que nunca acaba. E você joga
a toalha, pois não dá conta de nada.
No coraÇão fervem todos os momentos de "fracasso". Como
se os inúmeros acertos não tivessem valor. Uma jogadâ ingrata da
mente. Pequenas coisas rotineiras de toda mãe, mas que, depen-
dendo do dia, pesam toneladas. E vamos empilhando, cârregando,
arrastando até o dia terminar. E Íica fácil esquecer que há também
dias bons, cheios de alegrias e sensação de missâo cumprida.
Meu silêncio é interrompido. Dom bate a cabeça, chora.
Desancoro o rosto do travesseiro e me deparo com ele ao meu lado.
Vejo no oihar marejado o quanto ele precisa de mim. O quanto o
simples fato de eu estar ali é importante. Como se tudo ao meu
redor fosse seguro, certo. l\4esmo que neste instante eu esteja sen-
tindo exâtamente o oposto. Eu o puxo paÍa perto, digo que está tudo
bem, beüo o dodói. lncrível como as crianças acreditam que nossos
beüos curam. Nos abraÇamos, o coração âcalma. Percebo que há
mesmo cura nesses beijos. Só que não vem de nós, mas sim deles.

,^ J'.,..11,-- 175
Thrrl,Tff JTr,ffi ::t'B';:x'"ri§:*.:ii:
"1"Jffsó atinge seres do sexo mas-
masculina mutânte. lvlasculina porque
culino. Mutante por ser bem diferente e mais intensa do que a dor
nâs costas comum, aquela que ocorre em mulheres e gestantes.
Um sintoma interessante da dor nas costas mascuiina mu-
tante é a incrível necessidade de verbaliza( a dot. Repetitivamente.
Assim, logo pela manhã todos da casa precisam ficar cientes do
altíssimo nível de desconforto que o paciente sentiu durante a noite.
Outro sintoma intrigante, cuja causa ainda não foi explicada
pela ciência, é que a doenÇa impede o paciente de buscar ajuda
pÍoÍissional. Portanto, há uma forte recusa em marcar médico ou
massagista, diÍicultando a melhora do quadro clínico.
Uma peculiaridade dessa doenÇa gravíssima é o alto número
de massagens que o paciente pede para receber da esposa. lvlesmo
depois de ambos constatarem que a mâssagem feitâ por ela nâo
está sendo eflcaz na melhora dos sintomas. Durante o ato da mas-
sagem o paciente insiste em perguntar se a esposa sente o "nó" na
0w w C.Í,ryfq^,á4,,(iru, região afetâda. Nlesmo sabendo que a resposta será negativa.
A dor nas costas masculina mutante atrapalha a realizaçáo
de târefas simples, como dirigir ou dormir a noite inteira. Poíém,
ffu,úq/río. a mesma não interfere na capacidade de executar exercícios mais
intensos como surf, jiu-jitsu e sexo.
O risco de contágio da doença, de pessoa para pessoa, é bem
baixo e, caso aconteÇa, os níveis de dor nunca chegarão perto da
dor do paciente original. A doenÇa pode durar dias e até mesmo
anos. É hereditária e diretamente ligâda ao cromossomo Y.
Curiosamente, quem precisa receber o tratamento para a doen-
Ça é a esposa do paciente, para quem é prescrito: pacienciamol,
paciencialax, pacienciador. Ou o genérico: pacienciaÍlex e paciencia
mid. Todos em 25mt (microtoneladas), de 6 em 6 horâs, por 30 dias.
Não desaparecendo os sintomas, em uma panela despeje
uma lata de leite condensado, êdicione uma colher de manteiga
e cinco colheres de achocolatado em pó. Leve ao fogo e misture
bem por 10 minutos. Espere esfriar ou coma quente mesmo, você
merece. Aprecie sem moderação.

n ,l-,u,h w ,t*, 177


I

n
/irando o Dom da fralda. Primeira tentativa. Dia 1, o resumo.
{ Dom sentou no penico várias vezes durante o dia.
Obtivemos sucesso zero vezes. Zerinho. Nem uma Única gota, nem
mesmô um átomozinho de xixi dentro do penico. Nada. Niente.
Por outro lado, quase todos os outros móveis da casa foram
regados. Sofá, mesa de jantar, tapete e por aí vai. Aparentemente
meu filho faz xixi em doses homeopáticas. O que está causando um
pouco de ansiedade na nossa pobre cachorra.
Hoje vi ao vivo e a cores o signiÍicado da expressão cagando
e andando. Sim, é possível. Compramos várias cuecas do Mickey
para incentivar o Dom. Posso gaÍantir que o Mickey nunca tomou
tanta mijada na vidâ.
Meu marido já quer desistir. 0 filho adolescente ri e pensa que
Ue 6anld4p somos todos loucos. lvleu repertório de histórias criativas para man-
ter sentado no penico um menino que não está acostumado a ficar
mais de cinco minutos parado, já se acabou.
Lisobre um método quê promete tirar a criança da fralda com
o mÍnimo de acidentes. Para isto deve-se levar a criança ao banhei-
ro a cada 20 minutos. Considerando que meu filho Íicâ acordado
10 horas por dia, estamos falando de aproximadamente 35 idas ao
banheiro. Trinta-e-cinco. 1, 2, 3,4, 5, 6, 7, 8... Já cansei.
Comprarei uma joelheira para me acomodar com mais confor-
to em frênte ao vaso. Ou quem sabe uma almofada, assim já sento
de uma vez. Se precisar de mim, já sabe ondê me encontÍar.

u,t'atícqllr"a' L79
,,,\
fvf s primeuas semanas com a Zara em casa foram muito di-
lfíceis. Uma alegria misturada com cansaço e a sensação
de que a minha vida nunca mais voltaria ao normal.
Foram noites e noites têntando acalmar uma bebê que gritava
de cólica, dê sono, de sabe-se lá Deus o quê. I\4inha bebê choÍava
todos os dias das 18 às 22 horas sem folga, nem para pegar um
arzinho.
E apesar de ter a certeza de que eu a amava com todo o meu
coração, esse amor todo ainda não tinha se encaixado dentro de
mim. A vida naquelas primeiÍas semanas estava em piloto automá-
tico. Amamentar, trocar fraldas, dar atenção para os meus outros
Íilhos, cozinhar, arrumar brinquedos, dar banho, repetir tudo outra
vez e sobreviver. Nas primeiras semânas com um bebê recém-nas-
cido a gente sobrevive.
Foi então que em um dia, que parecia como outro qualquer,
aconteceu.
Eu estava sentada no sofá da sala, com os pés apoiados na
mesa em frente, osjoelhos dobrados lado a lado e a Zara deitadinha
de barriga para cima sobre as minhas pernas. Eu a olhei nos olhos
e os olhos dela quase se fechâram, ficâram apertadinhos, e ela sor-
ürao*, riu. Sentei-me um pouco mais reta e a olhei nos olhos mais uma vez.
E ela sorriu novamente. Um sorriso real. De propósito. lntencional.
Só para mim. Ela sorriu para mim. lndescritível sensaÇão. Como se
eu estivesse testemunhando um milagre. Foi quando o amor, em
forma de âncora, aÍundou dentro do meu corpo. E como um soro
que é colocado na veia, foi se espalhando por todas as células. 0
meu peito parecia explodir de plenitude. E eu choÍei.
Chorei por lembrar de todas as vezes em que acordei de ma-
drugada reclamando. Chorei por todos os momêntos de choro in-
cessante em que pensei e disse coisas tolas e até ruins. Chorei de
alegria por acÍeditar que dias melhores estavam por vir. Chorei em
âgradecimento a Deus por ser mãe dessa meninâ linda, e por EIe
ter me ajudado a chegar até aqui. Chorei porque uma sensação de
felicidade dominava a minha alma.
A melhor parte é que esses momentos e sensaçÕes se repe-
tem inúmeras vezes e nos atingem quando a gente menos espera.
Toda vez em que um dos meus bebês sorri para mim, e pode ser o
! meu mais velhojá adolescente ou o meu bebê, o mêu coração salta
de novo, exatamente da mesma maneira. E é sempre um milagre.

n.t:-, .t" 181


,.,\
Í ,l n do Dom aprender a usar o banheiro ele já sabia "re-
VLC,"" plantinhas- do quintal de casa. Para meninos é
",
mais fácil começâr'pelo quintal do que pelo banheiro.
Adiantando o tempo pâra o dia de hoje. Eis que estamos no
mecânico pegando um orÇamento. Meu marido conversa com o
moço e eu corro atrás da Zara, enquanto observo de longe o Dom
brincando no pátio da oÍicina. Nisso vejo o Dom rebolando as perni-
nhas e dizendo alguma coisa que não consigo ouvir. Ele se remexe
novamente e dessa vez grita entusiasmado: "l\4amãaaaaae, o Dom
vai molhar a plantinha aqui, tá bom?"
lmediatamente ele já começa com as mãozinhas tentando
abaixar a calça. No pátio da oficina. Movimentada. Com pessoas
passando. Em plena civilizaÇão. l\4eu Íilho natureba está prestes a
múar no pátio da oÍicina mecânicâ.
Vou correndo na direção dele, largo zara pelo caminho, vou de
0-100km em 3 segundos. l\4e aproximo, olho para o chão e lá está:
80 Cor'rw'üaq/í&e urt, P(q/ríq|, uma miniplanta. Daquelas que crescem no meio do piso rachado,
sabe? Menor do que um broto de Íeijão. Quase que uma alga. Fungo,
trepadeirã, sei lá o nome daquilo. Só sei que era tão pequena que
qualquer gota de xixi afogaria a miniplanta nível arca de Noé.
Pego o Dom no colo ê saio em disparada para o banheiro. Ele
segue repetindo no meu ouvido, como se não houvesse amanhã,
que quer regar a plantinha. E eu repetindo, também como se não
houvesse amanhà, que a plantinha me disse que não estava com
sede. Quase que um rap: "Eu fui regar a plantinha. Mas â plantinha
não estava com sede"!
Pois bem, agora além de curar dodóis com beijinhos, dizer que
enxergo animais onde claramente não há nada, Dom agora acredita
que eu me comunico com plantas. Quem precisa de super-heróis?
Nós mães somos muito mais phodásticas!

U {'.atíc,.clluq 183
pu"","uma manhà como todas as outras. Dom acordou
, berrando às seis e meia, Zara acordou com os gritos do
Dom, Câe (o pré-adolescente que realmente deveria acordar cedo)
continua dormindo e precisa ser acordado. Levanto, troco fraldas,
tento checar os e-mails pelo celular.
Abro a geladeira e vejo que âcabou o leite de amêndoas da
Zara. Deixo a ZaÍa com o marido, pego o Dom e vou levar o Cae
para a escola. Abro a porta do carro e me deparo com uma surpresa
maravilhosa. Uau! Um anjo pâssou por aqui? l\4eu carro está limpo!
Consigo até ver o chão, é cinza escuro. Que bonito, não lembrava.
Eu sou uma mulher de sorte mesmo. Casei com o melhor marido do
mundo. Levou meu caÍro para lavar. lsto é que é maridol
Prendo o Dom na cadeira do carro, Cae entra e vamos felizes u

e contentes rumo à escola. Deixamos o Cae, nos dirigimos ao meÍ-


cado. Ao desprender o Dom da cadeirinha vejo que ele está com o
nariz escorrendo. Não tem problema, afinal êu sou uma mãe super- I
precavida e tenho centenas de paninhos aqui no carro. Paninhos?
cadê os meus paninhos? o João lavou o meu carro e tirou todos
os meus paninhos? Como assim, quem deu essa liberdade? olho
por todos os lados e não vejo nada que possa ser usado para lim-
par um nariz. Olho para o chão, onde deveriam estar os meus pa-

0M* hl ninhos, e só vejo o estofado cinza escuro. Que a essas alturas já


estou achando cinza demais. Com muita classe limpo o nariz do
Dom com os meus dedos. E com mais classe ainda, limpo os meus
dedos no pijama dele.
Entramos no mercado e coloco Dom com seu püama catarrado
sentâdo naqueles carrinhos paÍa criança, com volante e tudo mais.
Vou carÍegando aquele trambolho de carrinho mercado a fora, em
busca do leite. Para minha surpresa o mercado está cheio. Cheio de
pessoas sem crianÇas. É inacreditável que existem pessoas que vão
propositalmente ao mercado fazer compras de mês antes das oito
da manhã. Alguém âvisâ a essas pessoas que elas estão desperdi-
çando oportunidade de dormir.
Me dirigo até a seção de leites. Estaciono o carrinho e fico ali
olhando as opçÕes. Óbvio que eu sei muito bem qual leite eu vou
comprar, mas já que estou aqui mesmo vou dar uma conferida nas
novidades e tendências verão 2016 dos laticÍnios.
Uma pausa para comentar que tudo nessa vida pode virar lei-
te. Acho até que deveríamos mudar a frase "tudo acaba em p1zza" e
dizer que tudo âcaba em leite. Leite de vaca, leite de cabra, leite de
soja, leite de amêndoas, leite de amêndoas com baunilha, leite de
coco, leite de castanha, leite de arroz!

n 145 tfl
Enquanto vejo os leites, escuto a voz do Dom: "O passâo".
Continuo concentrada nos leites e escuto novamente: "O passao".
lgnoro mais uma vez, até que ele grita: "l\4âmáe, o passao!" Me viro
para olhar e já é tarde demais. Dom agarra uma caixa de cereal que
tem um desenho de um passarinho (passao segundo ele). A cai-
xa que ô Dom pegou estava empilhada juntâmente com Outras 30
caixas. E como nas propagandas de anticoncepcional e camisinha,
todas as caixas de cereais foram para o chão.
Um funcionário do mercado que estava perto olhou para mim
e sorriu. O pior (ou o melho0 é que senti que foi um soÍriso verdadei-
ro. Daqueles: "Nossa, parece cena de Íilme". Eu querendo me ênfiar
dentro da geladeira e me Íingir de leite, Sorri de volta. Juntamos to-
das as caixas e empilhamos da Íorma que cônseguimos, enquanto
Dom nos assistia com aquêla cara de "não sei quem fui."
Pego o leite e vamos em direção ao caixa. Chegando ao caixa
vejo que estou sem a minha cartêira. f\4as tudo sob controle, sem-
pre deixo um cartão de crédito no carro. Corro com o Dom no colo
em direçâo âo carro. Não há caÍtão. Por quê, por quê, por quê?
Porque o João lavou o meu carro e tirou todos os meus pertences de
lá. Ahhh, mas o João me paga!
Corro para casa, pego a caÍteira, volto para o mercado, pago
o leite, volto para casa. Sento no computador para escrever este
relato. 0 computador travâ. Foda-se o mundo.
Vou para a cozinha. Abro a geladeira parâ pensar. Encontro
um ovinho de Páscoa com mini M&l\4's que a dinda do Dom deu
para ele. lvlini M&lvl's são como felicidade na versâo mini. Oom me
olha curioso. Sorry Dom, mamãe precisa deles mais do que você. Ei
Dom, olha lá fora, o que é aquilo lá, um pâssao?!

!ll

186 p,/^,/*u",.Jk
r, Viajamos para o Kauai. ZaÍa tinha apenas dois me
tréÍias.
f ses e meio. Sim. aparentemente. inventar moda é o meu
nome do meio. E lá Íomos nós paÍa a praia havaiana.
Passo protetor no Dom. Cae não quer passar protetor. PeÇo 40
bilhôes de vezes para ele passaÍ protetor, mas ele se recusa, se faz
de louco e vai correndo para o mar. Amamento Zara, pensando que
o Cae terá um câncer de pele. Grito para ele voltar, mas ele continua
me ignorando, então deixo para lá.
De longe vejo meus meninos brincando na água. Por 30 se-
gundos penso que a viagem está sendo deliciosa e que todo o es-
forço está valendo a pena. Coloco Zarâ, já adormecida, deitada na
sombra. A vidâ é bela. Penso que poderei até tomar sol. Lembro
que estou gorda e íácida, mas, dane-se o mundo, acabei de parir.
Voltando para casa eu entro na dietâ.
Deito. Meu marido volta da água dizendo que vai até o carro,
precisa buscaÍ sabe Deus o quê. Sento para Íicar olhando as crian-
ças que brincam no rasinho. Meu banho de sol durou um minuto,
mas tudo bem, ainda terei a tarde toda.
Começa a ventar. O vento vai ficando mais forte. Areiâ cai no
rosto de Zara- l\4uita areia cai no rosto de Za(a. Ela acorda. Zaê
entra em pânico com o vento. Zara chora descontroladâmente. O
Ctr/4" Eog* cabelo de Tara é só areia. O ouvido de Zara está cheio de areia.
Tento acalmá-la. Não funciona.
Continuo de longe olhando o Cae e o Dom. Sinto uma ligei-
ra tensão no ar. Nisso já estou de pé, com ZaÍa aos berros, balan-
çando ela para lá e para cá, com minha bunda também balançan-
do para lá e para cá. Penso que, chegando em casa, eu preciso
voltar paÍa a academia.
Vejo Cae pegar Dom no colo e arrastá-lo para Íora da água.
Lembro que o Cae não passou protetor. Lembro do câncer de pele.
Escuto os berros de Dom, que nitidamente não quer sair da água.
Cae se aproxima. Os berros de Dom já estão a todo vapor. Zata cor,-
tinua gritando. A essas âlturas eu já estou pulando mais do que a
globeleza, com ela no colo. l\4inha bunda agora balança para cima
e para baixo. Eu preciso MUITo voltar para a academia. cae vem
gritando: "Blá-blá-blá, banheiro?" Nâo consigo ouvir, pois os gritos
de zaÍa e Dom já estão nÍvel "show do Metallica".
Cae então berra: "Preciso fazer cocô, onde tem banheiro?".
Dom corre em direção à água. Cae vai atrás para segurá-
-lo, trançando as pernas, repetindo: "NIãe, onde tem banheiro?
Preciso muito fazer cocô.".

út) ít"t,{o,/,h* 189


Zara continua chorando. Cae volta com Dom aos berros:
"N4ãe, você não está entendendo, preciso muito, muito fazer cocô,
onde tem bânheiro?".
Olho ao meu Íedor e não vejo um Íilho da p*ta de um bânhei-
ro químico. Penso, penso, penso mais um pouco. Faço aquilo que
qualquer mulher no meu lugâr fâria: xingo o meu marido. Como ele
ousa ir ao carro? Como ele não foi capaz de prever que Zara seria
atacada por uma nuvem de areia? Que o intestino preso do Câe
decidiria funcionar em plena prâia? E que Dom iria berrar tanto?
Fâlando nisso, cadê esse homem, meu Deus? Como alguém pode
demorar tanto para ir buscaí algo no carro? Eu vou matar o João!
E choro. é grito. é cocô. Tento colocar em prática as técnicas de
meditaÇão que aprendi no curso de parto natural. Por alguns segun-
dos me perco nos meus xingamentos, digo, pensamentos. Um pingo
cai no meu ombro e me faz voltar à realidade. Outro pingo. Outro
pingo. Outro pingo. l\4editação é uma ova. Que goteira é esta agora?
Chuva? Olho para cima e vejo uma única nuvem cobrindo a praia.
Vamos todos ao som da terceira sinfonia gritante de Beethoven para
baixo do guarda sol. Zara iá eslá pink de tanto chorar. Dom parece
um maluco tentando se soltar do Cae. Vejo no rosto do Cae que ele
está prestes a deÍecar nas arelas havaianas.
Pingos caem sobre todos nós. Sinto aquela vontade absurda
de chorar. Sinto uma lagriminha escorrer. Tento segurar. Já estou
naquele estado em que se alguém me abraçâr eu choro. Se alguém
me olhar nos olhos, eu choro. Desisto, me rendo.
Zara pan de chorar. Dom vê alguns passarinhos voando, se
distrai e desiste de seÍ o protagonista do "Exorcista 3". Câe lembra
que viu um restaurante perto do estacionamento e decide tentar
correr até lá, numa dessas eles têm banheiro. O vento leva a nuvem
carregada embora. Para de chover. Silêncio. Ahhh, nada mais lindo
do que o silêncio. Sabe aquele CD do Rappa, "O silêncio que prece-
de o esporro"? Se o Falcão fosse mãe o nome seria: "0 silêncio que
PROcêde o esporío." Nada mais maravilhoso.
l\4eu marido aparece, feliz, cantarolando. Ele demoÍou porque
parou para comprar comida. E cerveja. Sim, cerveja gelada. Meu
Deus, como eu amo esse homem! E a vida segue.

190 fulq&,ú^,^.'tÍa
í** il$ i' :T: lxiJli,l;',il' ;fl I lli'iii
Disneyland versão natuÍeza. Este parque em especial possui um sis-
=,ti
tema próprio de ônibus que te leva aos cenários mais visitados.
E lá fomos nós, com nossa turma de amigos com mais crian
Ças do que adultos, pegar o ônibus que nos levaria até o local da
nossa primeiía caminhada. Estávamos prestes a embarcar quando
Zarâ pediu para sair do canguru (s/,ng). Entreguei ela para o meu
marido, mas, para faiilitar, deixei o canguru preso no meu corpo.
Entramos no ônibus. Sento na janela com o Dom no meu colo,
meu marido senta ao meu lado com a Zara no colo. Cae senta no
banco de trás (no fundo acho que ele prefere Íingir que não nos
conhece). O plano é descer no último ponto, portanto ficaremos
aproximadamente meia-hora no ônibus.
No percurso admiramos a paisagem que é literalmente de tirar
o Íôlego. olho pela janela e, em pensamento, agradeço. Um senti-
mento bom foi tomando conta de mim, aquecendo o meu coração,
esquentando as minhas pernas... opa. lvlinhas pernas? Que calor-
zinho é este no meu colo? Dom, você Íez xixi, caÍa? Você só pode
estar brincando comigo! E não se trata de qualquer xixizinho. Foi
uma müada completa, daquelas que acontecem de manhã.
PaÍte da minha blusa está molhada. O canguru, no qual Zara
,fiwqlrte tu Peúq,$tu Ícará presa o dia todo, está ensopado. Minha calça daria para tor-
cer. E o pior... sinto minha calcinha molhada.
Pô maternidade, será que posso manter algum tipo de pudoÊ
Já tive minha vagina e ânus expostos para o meu sogÍo quando o
meu marido mostrou em s/ideshow as fotos do parlo da Zara. Já
paguei peitinho inúmeras vezes. Já fiz perguntas para o meu ginêco-
logista que nem em um milhâo de anos eu sonhei que faria. E agora
estou aqui com minha calcinha úmida de um xixi que nem meu é?
Com o ônibus ainda em movimento tiro toda a roupa do Dom
e troco por uma reservâ. E eu continuo com o meu coípo em um
rio de urina. AÍinal, não trouxe uma roupa reserva para mim. Pelo
simples fato de que há anos eu não me múo nas calÇas. Tá, ok, ok,
eu fazia xixi quando espirrava no Íinal da gqvidez. Tá bom, ok, eu
vou falar, depois de quatro filhos vaza um pouquinho de xixi quan
do eu pulo na cama elástica (e nem queiÍa saber como descobri
que isso acontecia).
l\,4as voltando ao assunto... Chegamos ao ponto Íinal. Nossa
turmê desce e todos tentam se recompor. É mãe trocando fralda de
Íilho, é criança pedindo comidâ, é pai segurando Íilho que quer sair

bo,tk*,{t,,/'1k4, 193
correndo, é mãe amamentando. Aquela cena perfeita para propa-
ganda de anticoncepcional.
l\4eu marido Íica cuidando das crianças e eu vou me "ajeitar".
Tiro o canguru, separo a roupa müada do Dom e coloco tudo em
cima de um murinho no sol. Corro para o banheiro e fico pensando
o que fârei com as minhas "partes" cobertas de urina infantil. l\4e
limpo da forma que consigo e corro paÍa o sol. Sento âo lado das
roupas estendidâs, finjo estar fazendo uma linda pose de yoga, e
fico lá sentadinha com as pernocas abertas. O marido de uma ami-
ga grita de longe: "E aÍ RaÍa, tomando um solzinho?" Só respondo:
"Não, não. Tô secando a periquita mesmo."
E lá Íico eu, torcendo para que o resto do pessoal se enrole
bastante para dar tempo de secar a minha calcinha antes de co-
meçar a caminhada. Pelo menos é xixi. Sim, poderia ser pior. Eu
poderia estar coberta em fezes!
Prendo o canguru e carinhosamente, coloco â Zara aconche-
gada no mijo do seu querido irmão. Felizes e contentes (e mijada)
vamos para nossa caminhada. E, mais uma vez, a vida seguiu.

794 e$*hC*",/h
fro"r"r"raqui de casâ adora uma praia. Eles gostam tanto
!/ que fazem questào de trazer um pouco dela para dentro
do rnotorhome. No momento, 20% da areia da praia se encontÍa den-
tro da minha residência. Metade desta quantidade chegou aqui pelo
cofrinho do Dom. lnacreditável a quantidade de areia que cabe em
um pequeno bumbum, região esta que se estende até a virilha.
A outra metade vem escondida na cabeça da Zara. Escondida
é uma forma leve de descrever a situaÇão. A areia gruda naquele
cabelo igual Superbonder. Lava-se, lava-se, lava-se, e eu te garanto
que daqui uma semana ainda tem vestrgios arenosos naquele cou-
ro cabeludo. Sem falar nas orelhas. É fato que acontece uma rea-
ção química entre cabelo de criança, sal e areia. O resultado é um
composto insolúvel, bicabornato de "mãe-vai-se-lâscar-pâra-tiraÍ-a
areia-deste-crânio".
Ao entrarmos no motorhome já trânsporto todos nus direto
para o banho, na tentativa (inútil) de não espalhar areia pela sala
toda. Durante o pequeno percurso, ainda pendurados no meu colo,
eles sacodem os pés em sinal de resistência. A chuva de areia é
garantida. E quando você acha que não tem como encontrar mais
areia, vem um bônus. É o fundilho do maiô da zara. Lá cabe todo o
castelo que eles construíram na praia.
O chuveiro aqui do nosso caÍo/casa é, digamos assim, uma

@1",t o* Qwta/
caixa de fósforos. Que no momento está mais para caixa de areia,
daquelâs para gatos. Veja pelo lado bom, depois de banhar e vestir
as crianças, chega a minha vez de tomar banho. Pego o sabonete
infestado de areia e constato que é impossível remover o excesso.
Como a areiâ consegue penetrar no sabonete? Existe alguma expli-
caÇão científica? Tento sem sucesso tirar com a unha, que agorã
também contém areia. Começo então a minha esfoliação. Um spa
cujo horário eu não tinha marcado.
Sinto meus dedos dos pés aÍundarem na areia. É como tomar
banho na minha própria praia artificial. Dunâs? Resort? llha privati-
va? Por favor, traga m champagne. Sô não convido todas pâra virem
conhecer porque é uma ilha tão, mas tão privativa, que só cabe um.
E no final das contas, quem disse que a maternidade não é um mar
de areia, digo, de rosas?

n,tq,k'qll;'"" 797
D.
foi o diaoÍicialda gestante. Vifotos de mulheres grá-
I lntem
\i/ vidas por todas as redes sociais. Disse a mim mesma que,
mais à noite, escreveria um texto sobre gravidez. l\4as, é claro que a
gestante aqui esqueceu. Típico. Afinal, cérebro gravídico. l\4as nada
melhor do que comemorar o dia da gÍávida esquecendo. Ou quem
sabe derrubando coisas, esbarrando, agindo de foÍma estabanada,
e claro, sendo sincera.
Ahh, os hormônios da sinceridade, digo, da gravidez. Dizem
que grávida fica nervosa, brava, sensível. A gente fica é sincera.
Perde o Íiltro. Tenho até medo de tudo que já falei e ainda hei de
falar durante as minhas gestaçôes. Deveria existir uma expressão,
algo que pudéssemos usar ao final de cadã comentário feito no im-
pulso, assim as pessoas saberiam que foi um ato praticado pelos
hormônios, não pela mulher.
Quem sabe "grávida sincera".
Assim, quando a vizinha vier perguntar se você tem certeza
que há só um bebê na sua barriga, você poderá responder: "Eu não
te contei? Na verdade são oito. Oito bebês. A pârtir de agora você
pode me chamar de octomãe", ops, "grávida sincera".
lvlas vamos aos fatos. Estou grávida de 10 semanas do quarto
filho. Estou naquela fase de acordar sem bârriga e ir dormir "bem

fu Í/owql,a* útu S,wn,túoúo grávida". O esquisito é quando alguém se aproxima para pegar na
"barriguinhâ": "Oinn, já tá começando a querer aparecer."
Fico até sem resposta, afinal sabemos que o bebê ainda é
bem pequeno. Bem pequeno mesmo. Provavelmente do tamanho
de uma uva. Azeitona. No máximo um gominho de mexirica. A barri-
guinha em questão é um mix de excesso de pão, com o restolho das
gestações anteriores e com aquele sintominha típico de começo de
gravidez que preferimos não falar publicamente (leia-se pum). Já
pensou responder para a pessoa que está com a mão na minha
barriga: "Olha, Íique bem à vontade para sentir a barriguinhâ, só
saiba que parte dela são gases."
Ejá que estamos falando de vesti:gios de gravidez, hoje me dei
conta de que em quatro, dos últimos cinco anos, eu estive grávida.
Uma realidade que me Íez sentir no direito de comemorar o dia da
gestante, mesmo com um dia de atraso. Fato que me fez pensar
que, enquanto a musculatura dos meus glúteos está deixando a
desejâr, a musculatura uterina tá ó, nos ''trinques".
Então é isso, feliz (pós) dia da gestante para todas nós, que tes-
temunhamos com o próprio corpo um pouco do âmor de Deus e do
milagre da vida. Uma dádiva, uma benção, uma honra, um privilégio.

ú ltq"{b,al,lte 199
n
L"" n"r""u criado. Não leve terrible twos, nem três, nem
V quatro, nem cinco. Cae brincava sozinho, dormia a noite
toda, desde sempre. Cae era tâo bonzinho, mas tão bonzinho, que
fazia parte de todos os grupinhos da sala, nem mesmo as crianças de
idade pré-escolar tinham coragem de brigar com ele.
Com exceção de umâ. Tinha uma criança que brigava com ele.
0 cui. Gui não tinha dó de brigar com o câe. AIiás, Gui não tinha dó
de nada. Eu que tinha dó da mãe do Gui.
A mãe do Gúi é uma amigona minha. Sim, a única crianÇa
do mundo que judiava do meu filho era justamente o filho de uma
amlga. Éramos grudadas. Íamos à praia juntas, parque, viagens,
aulinha de natação. Apesar dôs perrengues, Cae adorava o Gui e
vice-versa. Só que o Gui era, digamos assim, um espÍrito livre.
Gui não se conÍormava com um simples "não pode" como
resposta. Guilherme questionava tudo, queria entender, debater. Te
encarava com um olhaÍ desafiador, se enfezava e, senhor, sai de
baixo! Gui tinha uma energia sem fim, nada cansava aquele me'
nino. No bom português, Guilherme era uma peste. O típico, cine-
matográíco, pestinha.
E foi em um diâ comum, durante uma dessas crises nervo
sas do Gui, que eu, sem sabêr, tracei o meu destino. Lembro mui-

Qd w íeuokfw f,tlp to bem, estávamos saindo da praia. Gui se recusava a ir embora.


l\4inhâ amiga tentava acalmá-lo, sem sucesso. Ele berrava des-con-
-tro-la-da-men-te. A cena já era comum, Guilherme gritando sem
parar e minha amiga já descabeladâ, exausta. Foi naquele dia que
nao consegui controlar o pensamento: "Ahhh, se fosse meu Íilho.
Filho meu não faz isso."
O céu se abriu, passarinhos voaram âssustados, peixes mer-
gulharam para o fundo do ma( enquanto o cosmôs silenciosamente
capturava o meu pensamento e o guardava a sete chaves.
Dez anos depois...
EngÍavidei novamente. Nasce Dom. Dom nunca quis sentar
para brincar. A verdade é que, durante o seu primeiro ano de vida,
não teve um único brinquedo que o entreteve por mais de dois mi-
nutos. Dom veio equipado com Duracell, painéis de energia solar,
motor duplo turbo. Com um ano, seu brinquedo favorito já era o
patinete, a mil por hora, na descidâ. Era o mundo me preparando
para o que estava por vir.
Pausa.
Treze meses depois chegâ a Zara.
No nâscimento da zaÍa, a Força Cósmica da Humildade
Materna derrubou o cuspe nâo somente na minha testa. Fui

u l,a*{o"/'1,,a 2o7
banhada por inteiro, rebatizada. Zâra nasceu inconformada
com o
fato de que ainda erâ um bebê e que dependia
de outro ser hu_
mano. Chorou sem parar por meses. E meses. E meses.
Long;;,
intermináveis, meses.
Se Gui não aceitava um não, Zara não aceita nem
mesmo um
lalvez. Zara com um ano já pulava do berço, usava
o
pêndulo para cair de cabeça. Com um "oro
anô e meio, ela"orpo
arrancava
toda a roupa do corpo sempre que contrariada.
Zara nunca aceitou que fosse alimentada. Estapeava qualquer
mão que levasse uma colher até a sua boca.
Jogava o prato no chão.
Zara, nas suas crises nervosas, arremessa objetos pelo
ar. puxa os
próprios cabelos. Sai andando sem rumo,
descalça, descabelada,
âlternando entre gritar e chupâr o dedo. Tentar iÁterri,
coÁ-qurfi
quer tipo de contato fi'sico é como querer
apagar fogo com gasoiina.
Zara também já amavâ o patinete OesOe iempre]sO que
odiava o capacete. puxava o câpacete com tanta
força qr" qrua"
se enforcava com a Íivela. Coleciona mais roxos do que
os dois ir_
mãos mais velhos juntos.
Zara é imprevisível, vai de ,,menina meiga,, para ,,a
Íúria adot_
mecida da múmia" em 27 segundos. Ela é Jcosmos
me coOrinào
de amor, mas me enchendo de tapas. Na cara. Tapa
Oe noreú,
que estala. "Thci-páá, toma essa então,
ó dona sabidona.,, ,,E mais
essa, mãezinha do ano.,,
Foi assim que eu aprendi. Experimente apontar
.
(mesmo que em pensamento) para outra
o seu dedinho
mâe e a Força Cósmica
l\4aterna te dará uma lição. Uma merecida,
bela, liçâo.
E para quem está se perguntando do destino do
-
Guilherme cresceu, é um menino sensâcional, querido,
Gui...
inteligente.
E é justamente olhando para o Guitherme que
âinda tenfroãpã-
rançâs na minha Zara.

2o2 &14,t" CM*tlê


í)
Ü lcenário é lindo. Umâ Jacuzzi natural no Texas, ao ladodo
L/ Rio Grande. fronteira com o lvléxico. A água brota da terra
a 40 graus centígrados.
Eis que fomos todos para a Jâcuzzi. Dirigimos meia-hora, cami-
nhamos mais meia. Jacuzzi cheia de gente. Americanos, canaden-
ses e nós. Água quentinha, na hora, é uma delÍcia. Depois de um
tempo, o caloÍjá comêçâ a irritar. E vai dando uma certa gastura. l\4e
senti como frango na canja. Resolvi sair. A familia veio atrás, claro.
Pego as toalhas e vou secando as crianças. Sou interrompida
por um anúncio. Dom avisa que pÍecisa fazer cocô. Que maravilha,
que ótimo momento, local oportuno. Nós no meio da mata e cerca-
dos poÍ pessoas estranhas.
Penso rápido e lembro que trouxe umâ fralda paÍa a Zara.
Abaixo o shorts de Dom e percebo que é quase tarde demais. Um
pouco já estava no shorts. Cocô cai no chão. Peço para ele segurar,
daquele jeitinho entusiasmâdo e "meigo" que nós mães sabemos.
Meu marido, mais do que ligeiro, se posiciona para que a galera
da Jacuzzi não veja a mer&70 que estamos fazendo, aliás, que o
Dom está fazendo. O adolescente expressa sua opinião: "Que nojo,

çwvty que nojo, quê nojo!"


Vou colocando a fralda com o Dom em pé, enquanto ele repete
que não quer colocar fralda. Alnda estou segurando a dita fralda
com as mãos, sem prendet quando percebo que é dada a largada.
Sinto minha mâo enchendo. A fralda vai pesando. João usa uma
camiseta para recolher o cocô que câiu no chão. oÍicialmente há
cocô por tudo. Shorts, chão, camiseta, fralda, bumbum. Enfiamos
todos os itens em uma sacola.
l\4osquinhas, daquelas de mato, sobrevoam o bumbum de
Dom. É cena de desenho animado. João pega Dom e seu bumbum,
chamariz de moscas, e vai sentido rio. Penso comigo mesma: "Ele
não vai fazer isso, ele não vâi fazer isso..."
Pronto, ele fez. João mergulha o bumbum de Dom no fa-
moso Rio Grande. Agora também há cocô no rio. No Rio Grande.
Literâlmente uma cagada intercontinental. Vamos andando para
casa (leia-se motorhoÍne). Lá colocâmos a sacola com todos os ves-
tígios de cocô em um compartimento externo para que possamos
lavar no acampamento. E a sacola fica lá, esquecida.
Quatro dias depois... A sacola ressuÍge das cinzas. Quatro-
dias-depois. Já dizia o adolescente: "Que nojo, que nojo, que nojo!"

,a .t, .t" 2O5


í)
I lpaorinno do Dom é um amigo do meu marido de anos.
L/ Nicnolas, também conhecido como Nick. Nick tem 32
anos, mora em uma área bem descolada, em São Francisco, junto
com a namorada também americana.
Na reta final da nossa aventura no motorhome passamos por
São Francisco. Tanto o Nick quanto sua namorada fizeram ques-
tão de que Íicássemos hospedados na casã deles. Uma decisão no
mínlmo ousada. Depois de meio ano dormindo no motorhome Íoi
a primeira vez que dormimos em uma casa normal. Fato este que
deixou meus Íilhos, digamos assim, extra empolgados.
Em três dias...
A televisão do padrinho ganhou mâis marcas de digitais do
que arquivo de delegacia. Farelos foram espalhados. Uvas foram
derrubadas. As palavrâs "não pode" e "nãô mexe" foram repetidas
com tamanha frequência que Íicarão por meses ecoando no ouvido
de um casal que não tem Íilhos.
Em pleno feriado de 4 de Julho, que é nada mais nada menos
do que um dos feriados mais comemorados neste país, todos os
moradores da câsa acordaram, por livre e espontânea pressão au-
ditiva, antes das oito da manhã.
fr/rer,i,l,4ailot/o(/"útuttu E para fechâr com chave de ouro, no último dia na casa do
padrinho, meu dignÍssimo esposo teve que ir até o motorhome
buscar algumas peÇas de roupa. Lá ele descobriu que a geladeira
não estava funcionando. O detalhe é que poucos dias antes nós
havíamos visitâdo uma peixaria e compramos postas de bacâlhau
íresco. Lindas postas de bacalhau que foram colocadas no freezer
do motorhome. Freezer este que agora estava descongelado.
João, na tentativa de salvar o que tínhamos, levou todos os
itens, incluindo o bacalhau, para a casa do padrinho. A casa do pa-
drinho Íicou infestada. Aliás, infestada é pouco. A residência transpi-
rava bacalhau. lvlentalmente, eu agradecia aos céus por ser a casa
de um âmigo do Joâo. Í\4entalmente, eu também pedia perdão por
estar causando inÍertilidade voluntária em um homem de bem.
Por sorte nossa, e do padrinho principalmente, já estávamos
indo embora. Demos umâ geral na casa, um abraÇo apertado e
seguimos viagem. Escrevo este texto ainda no motorhorne, respi-
rando bacalhau. Sinto que já possuo uma bacalhoada portuguesa
dentro do meu cerébro.

11 1i.,,,ç lz qrllhn 2O7


Todos os itens que deveriam estar na geladeira se encontram
êmpilhados no minicorredor do motorhome. Da sua cadeiÍinhaZa.a
avista o leite de castanhas, ou seja, o "mamá". Zara repete freneti-
camente a palavra "mamá". O aroma de bacalhau misturado com
os gritos da zara me levam a um semiataque de nervos.
Conto até meio milhão, tomo meu café morno, olho pela janela.
Estamos passando ao lado da Golden Gate Bridge (a famosa ponte
de São Francisco). Vista linda, nuvens cobrindo a parte mais alta da
ponte. Há sempre alguma beleza no caos. Só precisamos procurar.
Só precisâmos nos condicionar a encontrar. E por isso, eu sou grata.

2OA t1. tt. ?. -.


tfuo de viagem a porta
do banheiro quebrou.
o
".gunao
(,trinco ^es
Lravou e livemos que arrancar a maÇaneta. A porta
passou a nâo trancar. No lugar da maÇaneta ficou um buraco, maior
do que uma bola de tênis. Furo este que é usadô como miradouro por
pequenos olhos que habitam esta casa.
O miradouro fica excepcionâlmente movimentado se é a mãe
que está no vaso. Sé demorar mais do que cinco minutos então, eles
fazem até pipoca e tomam seus assentos.
Há meses espero ansiosamente pâra que a fâda protetorâ das
mães desesperadas arrume a tal porta. Mas o fato de não termos
Íesidência Íixa vem atrapalhando a açâo da fada.
Em um ato de desespero cogitei colar um cartaz na janela do
motorhome. Um pedido de socorro, de intervenÇão de terceiros.
Pensei em usar uma frase de efeito, algo que tocasse o coração de
quem ler: "lvãe de três, sem porta no banheiro para manter a sanida'
de. Doe vida, doe porta". l\4as desisti, já que o cartaz seria arrancado,
coberto poÍ rabiscos, e eu ainda teria que apartar brigas para ver
quem pintaria com o lápis azul.
E assim, meu último fio de esperanÇa foi focado justamente no
impossível, no improvável, no milagre: na espera de que meu marido
S^,rl* fqa4Âr,tÍ/,, arrumasse a porta. Meu marido soÍre de um mal. Procrastinação mas-
culina mutante. Algo semelhante à dor masculina mutante, já descri-
ta em textos anteriores, só que na versão enrolaÇão. Os sintomas se
baseiam nas seguintes reflexões: por que íazer hoje o que você pode
consertar amanhã? Por que facilitaÍ, se pode complicar? E o clássico:
está faltando algum material que impede o andamento do conserto.
Penso que esse mal também deve causar "olhar mutante".
Tenho certeza de que meu marido olha para a porta furada do ba-
nheiro e enxerga uma porta em perfeito funcionamento.
Veja só você que o meu problema vai muito além das necessi-
dades Íisiológicas. Quando se é mãe, porta de banheiro é portal da
sanidade, luz, paz. Deveria estar nas listas de enxoval. Já procurei
terapias alternativas.0 mais próximo que encontrei foram garra-
fas. Térmica e de vinho.
Mas ontem foi o dia. ontem o João arrumou a porta. A felici-
dade é tanta que escrevo vestida, no vaso. Local onde pretendo Íi-
car por longas horas para tirar o âtraso do sossego. Se precisarem
de mim, já sabem onde me encontrar. Só que agora posso decidir
se abro ou não a porta. lsto que eu chamo de empoderamento, ou
seria emporteiramento?

a.t.,. 271,
,,t\
I tJ "n"i uma calça jeans de 2013. Em outras palavras, de
Vlrant"s Oa gravidez do Dom. Na verdade "achei ' é jeito de I

falar. Trouxe-a na viagem propositâlmente. Um daqueles pequenos


métodos de autotortura que nós mulheres conhecemos bem. Creio
que eu tinha uma ligeira esperança de que o ar do motorhome me
aÍinasse magicamente, sem dieta.
E para ser sincera, já nem me lembrava de que a calÇa estava
a bordo. Mas hoje, revirando o guarda-roupa, dei de carâ com ela.
Óbvio que eu não me contentei em apenas dar um oi, dizer um helio
para â calçâ. Tentei vestir, seguindo o ritual de costume. conta até
dez. Olha para a luz azul. Prende â respiração e vai. Rola, abaixa,
gira, rebola, deita. Duplo carpado. Triplo carpado. Quádruplo carpa-
do, superando Daiane dos Santos. Entrei!
Pensa num sentimento de justiça! Justa. Bem justa. Queria
eu ter um oitavo da forÇa do botão que está segurando esta cal-
ça no lugar. Um botão marombeiro. Se duvidar deve fazer aque-
la modalidade esportiva do marido da Pugliesi. Mahumata.
Kamasutra. lvlahamudra.
O zíper então, já pode ser indicado para o PÍêmio Nobel de re
siliência. As fibras dojeans Santista devem estar brincando de cabo
de guerra. Como uma coÍrente de força em volta do meu quâdril. E
íal,ut,á, ílúur$rnÃp por falar em quadÍil, me parece que nesses anos sem vestir a calqa
a região abaixo do bumbum encolheu um "pocado". lnvejôsas dirão
que o nome disso é culote.
Outro fenômeno foi o cós que misteriosamente diminuiu, cau
sando um pequeno desconforto na região do períneo. Já a parte dâs
panturrilhas foi promovida a meia de compressâo, daquelas que
usam em hospitais. Se depender da pressão, garanto que minhas
pernasjá estão livres de todo e qualquer coágulo. Pernas? Que per-
nas? Já amorteceram, já não as sinto.
Foi então que resolvi me movimentar. Quem sabe um pouco
de exercício ajudâria. No caminho cruzei com meu adolescente,
que nem sequer aplaudiu o meu feitô. Tratei de inÍormá-lo: mamãe
acabavâ de entrar em um jeans 2013! Ele não me pareceu muito
impressionado. l\4e conformei, aÍinal adolescentes são mesmo difí'
ceis de impressionar.
Comecei mlnha série de exercícios laceadores. Como uma
aula de yoga, misturada com dÍenagem linfática intensiva, dentro
da sala de justiÇa. Dessa vez consegui a atenÇão do adolescente,
que me olhava chocado. "lvlãe, o que você tá fazendo?"

ba ,lar,tc vlh,n, 2!3


Expliquei sorrindo, orgulhosa de mim mesma, que a calça esta-
va levemente apertadinha. Pouca coisa. Talvez porque tenha Íicado
muito tempo sem vestir. Fui surpreendida com um: "Tira então, né?"
Suspirei. Ahhh, meu querido filho. Esta será uma lição
para um outro dia. E pensei comigo mesma: nunca entênde-
rão. Jamais entenderâo.

274 &l*t, k*"lh


]
il
nÍ,,*,,,,*#;x.*ffi:::#L:1"iTffiHil,'rr
cretária do dentista ligando para conÍirmar a consulta, Íilho do meio
berrando de fome, o marido perguntando se você viu a chave L (como
se você soubesse que raio é uma chave L). Toda mãe conhece bem
esses momentos. Situações em que você só não cai dura estatelada
no chão porque não pode deixar queimar o jantar.
E diante deste caos, lá vem o adolescente. Ele vê você cor-
rendo de um lado para o outro, descabelada, abrindo tampa de
panela, atendendo o telefone, levantando as almofadas do sofá
em busca da chave V, aliás L. E ele acredita ser o momento ideal
para se aproximar e dizer: "Mãe, eu tava pensando, esse ano para
o meu aniversário..."
Pausa para umâ infoÍmação importante. 0 anlversário dele é
daqui a s-e-t-e meses.
"...Eu vou querer de presente esta chuteira aqui." E mostra a
foto no laptop que ele segura com as mãos. Sinto o cheiro do arroz
queimando. O adolescente continua: "Será que você pode adiantar
o pÍesente e comprar já? fá aqui o. No Amazon."

fu ailolutco'úw o tu l,qiiryo( Ele fica ali pârado, esperando a respostâ. O cheiro do arroz
queimando se intensifica. 0 choro do outro filho ecoa no ouvidojun-
tamente com o barulho do marido revirando a câsa em busca da
f^trl, to Pe*rypo chave W. Que hora boa para pedir presente de aniversário adian-
tado, aliás, bem adiantado. Juro que gostaÍia de ter uma câmera
escondida para ver a minha cara diante desta pergunta, neste mo-
mento tão, tão, digamos assim, oportuno. Dentro de mim eu me
pergunto se isso é vida real. Não pode ser. Devo estar participando
de algum reality show. É um experimento ciêntí1ico. Só pode.
Conto até quatro mil e vinte seis. Meu marido anuncia que
achou a chave M. Corro em direção ao arroz. 0 adolescente vem
atrás, empurrando o laptop em minha direção. Eu ri. Aliás, eu gar-
galhei. Se fosse qualquer outro dia eu teria tido um ataque. Mas ali
a situação era tão absurda que me deu crise de riso. Só consegui
Íesponder: "Depois, depois..."
Ufa, deu tempo, sâlvei o arroz. Jantamos. E ele esqueceu. Só
voltou a falar da chuteira dias depois. E eu Íico aqui pensando, quan
tos nãos eu já devo ter ouvido na minha adolescência, da minha
própria família, por causa desse ligeiro probleminha de percepção.

a.tt-,..t..*l*"- 2I7
n
/oda vez que o Dom quer usar o banheiro ele fala mamàe,
y' fiz cocô ou 'íiz xixi '. Mas na verdade ele ainda nâo tez. ele
quer fazer. É apenas o jeito que ele pede.
Pois bem, píaia 20!6, Zara desÍilando, linda e foÍmosa, com
seu biquíni de babados. Acabamos de sair da praia e Zara está sem
fralda, apenas de biquÍni. Avistamos um restaurante tipo casa do
açaÍ. Ambiente lotado, deve ser muito bom. Decidimos parar.
Zara vai entrando na frente e todos que estão sentados perto
da entrada sorriem para ela. Ela sorri de volta e a galera se derrete.
Zara sobe uma rampinha e para bem no meio do restaurante. l\4uito
meiga, ela dá uma leve abaixadinha. E com toda a classe, sorri e
começa a fazer xixi, no chão do restaurânte. Dom entra no clima e
grita: "l\4amãe, fiz cocô."
Pensei em me Íazer de samambaia e Íingir que não conheço.
Mãe? l\4ãe de quem? E eu lá tenho filhos dessa idade? Fico sem rea-
ção por cinco segundos. Zara continua urinando. Aparentemente ela
guardou o xixi da tarde toda para soltar no restaurante. Dom repete

Soun o t{we freneticamente, em um tom cada vez mais alto: "lvlamãe, eu Íiz cocô."
lgnoÍo Zara, que continua a urinar toda a água do Oceano
Atlântico, pego Dom e corro com ele para o banheiro. Nisso meu
marido se faz de maluco, finge que nada está acontecendo e vaza
com a Zara urinante rumo à praia, do outro lado da rua.
Procuro o banheiro, mas não encontro. Me dirijo ao balcão para
perguntar para a garçonete. A garÇonete parece não perceber que é
uma emergência e íaz com a mão para eu esperar. com o Dom no
meu colo eu peço Íepetidamente parâ ele segurar. Por dentro penso
comigo mesma: "por favor, não câgue em mim, não cague em mim
no restaurante". A garçonete abre uma porta que leva até o banhei-
ro. Corremos. Vitória do Brasil, cocô na privada!Vamos para a mesa.
Dom passa pela área da müada e grita: "Olha mâmãe, aqui
que aZaraÍezxixi-" Meu marido volta com a Zara, ambos molhados,
pós-mergulho no mar. E no altÍssimo estilo pinguins de Madagascar,
sorrio e acêno. Comemos nosso âçaizinho felizes e contentes. Na
dúvida. minha gente, sorria e acene. sorria e acene.

II n {,"*íc,el(ta 2Lg
rlt eu marido torceu o pé. N4as não foi uma torcidinha
qualquer. Torcida de pé masculina mutante. Aconteceu
durante uma distração boba. Ele pisou em falso e caiu estatelado no
chão. Na queda ele gritava. Anunciava que havia quebÍado a canela.
Não consegui nem olhar para a perna dele. lmaginei muito sangue.
osso espetado para fora. Fratura exposta. UFC.
Corri buscâr gelo. Não tínhamos. Voltei com um pacote de mo-
rango congelado. Ao'chegar encontrei uma perna inteira. Ele ainda
no chão, mas a perna me parecia inteira. Procurei pelo osso cortan-
do a pele. Não encontrei. Ele gemia, "agonizando". Como mãe Diná
que sou, já visualizei o restante da nossâ semana. um futuro não
muito promissor. Previsão de marido adoentado querendo atenção,
com fortes chances de esposa cansada.
Nós residimos em úm motorhome. Espãço pequeno e que re-
quer uma cerLa movimentaçào do meu marido. É ele quem conecta
a água toda vez que chegamos a um novo lugar. É ele quem prende
as bicicletas, quem instala e desinstala as cadeirinhas das crian-
ças. Verdade seja dita, o João é responsável por uma porÇão de ta-
refas que exigem dois dos seus pés. A vida com o João monopé será
difícil. João monopé carente, reclamando de dor, será praticamente
um método de tortura. Prevendo toda esta dificuldade, eu me rendi.
foúWru úe POn d4r,(/w lvle rendi à lata de doce de leite que há dias habitava nosso armário.
À noite, deitada na cama e ainda enjoada de tanto doce, escu-

7/túqlóo tâva João gemer ao meu lado. Aparentemente eu estava esbarran-


do no pé adoentado. Em cima do cêlcanhar tínhamos um peito de
frango congelado (ainda não temos gelo), amarrado com o cordão
do meu roupão. Nem o roupão escapou.
Antes de dormiÍ tivemos: "Amor, por favoÍ, vamos levantar
mais a minha perna?"
"Tô fodido."
"Você não me âma mâis."
"Ai meu Deus."
"Vê se eu tô com febre?"
F.E.B-R.EI
Ao ver minha reação diante desta última pergunta, nem ele
aguentou e riu. Decidimos ir ao pronto-socorro. João vai para o raio-
-x. Volta contando que o técnico descreveu os ossos estraçalhados
como caquinhos de vidro. Até agora não sei se o comêntário real-
mente existiu ou se foi alucinaÇão do meu marido. A médica chega
e diz que não quebrou. Foi uma luxaÇão. Segundo o Joao, eu não
estou sendo justa aos fâtos. Esqueci de mencionar que o calcanhar
estava muito inchado. Como se tivesse uma bola de tênis (leia'se
golfe) acoplada ao calcanhar.
João saiu da médica com um prêmio de consolação. 0 pé pre-
cisa ficar imobilizado. Engessaram o pé. Engessaram o pé do meu
maridol Meu emoji chorando já desidratou. A médica receitou umâ
dose alta de lbuprofen parâ tomar quando sentisse dor. Leia-se: ele
já tomou ao sair do consultório.
Voltamos para o acampamento. João me diz que precisa deitar.
O remédio deu sono. Tive que dâr a triste notfcia de que lbuprofen
não é nada mais, nada menos, do que Advil. Que por sua vez, não
dá sono. Ele me olhâ desapontado. Fiquei com dozinha. l\4uita dozi-
nha. Deixei ele dormir. Ele e seu pé engessado. E assim Íicaremos
por uma semana. Uma. Longa. Semana.
Ah, e se você achava que morávamos apertados, cinco em
um motorhome, saiba que agora ganhamos mais um integrante. Na
verdade um par. lúuletas. Por favor, me enviem cachaça, limão e
açúcar. Ah, e leite condensado injetável.
Grata,
A mulheÍ de um homem engessado.

222 o^t-"l- 1,...^


Vh é quase surdo. Surdez seletiva. Se eu Íalar
' L ""marido
"sexo" debaixo das cobertas, ele escuta a milhas de dis
tância. Assuntos "chinÍrins" passam despercebidos.
Exostose é o nome do que ele tem (pior que não é brincadeira).
É um crescimento ósseo anormal que bloqueia o ouvido e diÍiculta a
audição. Só corÍige com cirurgia. Enquânto ele nâo opera, toda vez
que mergulha ficâ com dor de ouvido. lVas não é qualquer dorzinha
de ouvido. Não, não, não. É dor de ouvido masculina mutante.
Semâna passada João nadou. No domingo já anunciou a dor
de ouvido a caminho. Meu marido tem dessas. Já fâla da doença
antes mesmo dela chegar. Acho que é para me dar a chance de me
preparâr psicologicamente-
Quando ouvi as palavras "dor de ouvido", já pedi para paraÊ
mos numa pizzaria. Precisava estocar carboidratos para a semana
que viria. Se soubesse a gravidade teria pedido borda recheada.
Pizza cookies (sim, isso existe). Lembram do lbuprofen parâ a dor no
pé? Agora ele está tomando para a dor de ouvldo. ontem peguei ele
no Google. Pesquisando sobre os efeitos colaterais do lbuprofen.
Quase me joguei da janela. Repeti que o lbuprofen em questão é o
mesmo que damos para nossos filhos quando eles têm febre. Que
vende sem receita. Ele não escuta (audição seletiva).

0w úo 0ü4rí4e f\r,áur,(/w À tarde ete íoi ao médico, que receitou um "colírio", solução,
sâbe'se lá o nome correto para gotas de pingar no ouvido. Dentre os
princÍpios ativos está a hidÍocortisona. Por ser um nome de remédio
??túa/úo aparentemente "forte", meu marido está apaixonado. Toda vez que
é hora do ''cotírio", ele pergunta: "Veja bem se está pegando o certo
aí na caixinha de remédios. O meu é o com hi-dro-coÍ-ti-so-na." E um
ar de superioridade toma conta.
Na hora de pingar é um ritual. Ele deita de lado, puxa a própria
orelha com a mão como se quisesse esticar o buraco do ouvido e
me pede para pingar. A dosagem é três gotas a cada seis horas, e
ele faz questão de enfatizar que são apenas três gotas. Eu, como
gosto de viver peÍigosâmente, pingo 4,5,6 paÍa garântiÍ.loâo vai à
loucura, loucura, loucura. Quase infarta de nervoso. Ah, e segundo
ele, as gotas não descem até o "11m do ouvido". Ele diz que não sente
as gotas descendo orelha abaixo por causa do entupimento ósseo.
Hoje, em um ato impensado (preÍiro chamar assim), João me
pediu pelo desentupidor nasal das crianças. Gritei e não deixei ele
terminar a frâse. Qual era o objetivo do desentupidor nasal? Quem
ele pensa que fâÍia a sucção?
À noite ele me pediu para tirar uma foto do ouvido. Queria ver.
Ver o que eu não sei. Eu tirei. Tirei a bendita foto, com direito a

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(/ qu"r"r. Cada vez que a minha Íilha afundava sua tortilha
na guacamole, eu rapidamente tirava os pontinhos vermelhos. E ela
comia. Até que vi tàntos vermelhinhos que tive que passar o dedo
e raspar tudo de uma vez. E a choradeira foi generalizada. l\4amãe
rulm. EÍa o que eu lia no olhar desapontado.
E Íoi assim que notei. Percebi em algo simples, detalhês do
nosso relacionamento com Deus. Quantas vezes não percebemos
o bem que nos é feito? 0 emprego que nâo deu certo. O relacio-
namento que acabou. A amizade que disse adeus. os planos de
viagem que foram por água abaixo. A cirurgia de emergência, as
diÍiculdades inesperadas, os tropeços. Quantas pimentas Ele já ti-
rou do caminho da sua garganta? Quantos dos pontinhos escuros
que pareciam inocentes gotas de chocolate, desceriam ardendo?
Quantos são os favores escondidos?
É preciso confiar. É preciso fechar os olhos, mesmo com eles
marejados. É preciso Ievantar no escuro e com humildade dar o
0 74* f*l^//,e. primeiro pâsso. E o segundo e o terceiro. E continuar caminhando.
É preciso entregar nas mãos. Trabalhar com os olhos venda
dos. É preciso pedir colo, sem temer cair. Como a criança que pede
para a mãe, sem medo, sem qualquer dúvida. Carregando a certeza
de que só o amor tem. É preciso acreditar por inteiro.
É preciso lembrar que o caminho certo nem sempre é florido
como desenhamos em nossa mente. E que há motivo. Sim, existe
um milhão deles. Há explicação para cada curva e para cada pedra.
Nós é que somos pequeninos, que temos a visão proporcionalmen-
te pequenina. Nâo conseguimos ver. N4as até isso, até o esconderijo
das razões é um presente. Talvez seja por isso que dizem por aí que
ignorância é uma benção. Neste caso ela realmente é.
E foi âssim que eu me vi na menina chorando, com sua tortilha
vazia. E foi assim que reconheci uma pequena pontinha de Deus em
mim. Pois apesar de todo espeÍneio, continuei retirândo as pimen-
tas, e fazendo aquilo que quem ama incondicionalmente sempre
faz: o meu trabalho.

n 3.,..r'. 229
janeiro de
em maÍço de
em maio de 2018:
reimpressão em agosto de 20I8l

CDD(22. ed-): 869.9362


Elizabeth W Palhâres-cRBg

áqu1üê

lÍustração dê capa I Sara Cêmpos Editorô e Píodutoía Culturêl


Projeto Gráíico e Diagramêgão I Rafáel Ferrer Kloss Curitiba ' Pr" Brasil
EdiÇêo I Victor Augustus Graciotto Srlva Fone: 41- 984061935
Supervisão Editorial I Julianê Cristína Rejnharclt
conlaro@editoÍamaqu, nadeescrevef .coír.b'
Revisáo de texto I Elys BlttêncouÍt I Regina lv4aria SchimmelpÍengde Souza
editoíamdqu,nadeescreveÍ,com.b'
On viveí o gíande
flao há como se preparar para
' Lamor da sua vida. A gente se prepara
para uma prova, para uma viagem, para uma
entrevista de emprego. Para o amof Nâo.
Aprendemos a amaí amando. Engravidamos,
passamos nove meses lendo todos os livÍos,
comprando todos os apetrechos, treinando
como dar banho e trocar fraldas. Acreditamos
estar prontas para nos perder no mergulho
profundo que é olhar pela primeira vez aqueles
olhinhos te encarando. Chega o seu bebê.
Um serzinho que mal enxerga, mas que já
domina a arte de se esgueirar para dentro dos
cantinhos mais escondidos do seu coração. Lá
ele remexe em coisas que há muito estavam
esquecidas. E percebemos que aquele amor
angelical, das propagandas de fralda, tem muito
mais dor, lágrima e suor do que se imagina. O
grande amor da sua vida irá escancarar portas
que você preÍeriu manter fechadas. Vai te
Íazer sentir vulnerável, mas com um coração
imensuÍavelmente maior. E você se pergunta;
"Por que nunca me contaram?". Não é por mal,
A gente nâo fala dessas coisas. Não falamos
porque as esquecemos. Depois que a neblina
passa, o que fica são os sorrisos, o cheirinho
do cangote, o baÍinho de leite. A gente não Íala
porque é quase impossível descrever. lúas se
tem alguém que chega perto de transÍormar
a mateínidade em palavras, essa pessoa é a
Rafaela. Se você minha amiga já é màe, que
esse livro te traga a leveza necessária para
continuar a caminhada com bom humor e
franklin gothic book tranquilidade. Se você ainda não é ou está em
chambril avicena 80gr/m3
agosto de 2018 vias de ser, largue todos os manuais, deixe para
6000 exemplaÍes lá todas as lrstas de enxovars, pegue uma xícara
de café e deixe a Rafa te contar um pouco do
delicioso caos do amor que é a maternidade."

editoíamêquinâdeescrevêr,com.br Luiza Agreste Nazareth


(1\,4áe de dois e autora do blog Íúochilinha e Violão)
ão se escuta do obstetra nem do pediatra. Passê batido pelo chá
a
de bebê. Nâo está nos livros, nâo se aprende nas classes. Não, nâo
vim falaí do amoí É sobre a importância. Bem'vinda à maternadade, onde um ser
de 50 centímetros, que nâo aguenta segúíêr o píóprio pescoÇo. precisa de você.
Você... Você com o abdômen recém-cortado ou com o peíÍneo
extremamente mâgoado. Você sem saber segurar direito, amamentar direito,
oormir direito. O bebê precisa de vocé.
Você... Você com báby b,ues no coraçâo, nas olheiras, no cabelo preso
de qualquerjeito. Você admirando a perfeiçâo do íosto adormecido, com medo da
Íaltâ de liberdadê, soluÇando ao sentir o vazio. O bebê precisa de você.
Você... Você com o seio mais duro do que o sêu bumbum jamais
será, morrendo de mêdo da primeiíâ ida ao banheiro (n'2), e com o coração
transbordando amor. Você dormindo em pé, torcendo para o corpo voltaí, ê pêra
"pelamordedeus" pârarem de palpitar. O bebê precisa de você.
Você... Você embalando depois dê mamêda das 3:48. cansada,
Írustrada, completa. Você sem saber como sobreviveu a noite passada, a píimeira
semana, o primeiro mês, o primeiío ano. O bebê precisâ de você.
Você... Você tentando consolar, e fotografar, e viver, e lembrar A cólica
precisa de você, o choro, o alimêntêr, o cuidar. O bebê prêcisa de você.
Você.-. Você Íezando paía que a madaugada acabe, mas imploíando
para que o tempo passe devagaÍ. Ah o tempo... E ele que deva8aÍinho traz outÍas
coisas que precisam de você.
O soíiso precisa de você, o abraço, o olho no olho. as gargalhadas. O
"mamãe, eu te amo' precisa de você, o dividir alegrias, o sopraí as velinhas, o
"olha mamãe" precisa de você. O amor precisa de você, as emoções, os primeiros
passos, o frio na barriga precasa de você.E como nosfilmes, onde nofnaltem umá
reviravoltê, a gente cai na real. A partÍ do momento em que você segura o seu
bebê no colo, na eternidâdê do sopro no ouvido "tá tudo bem, a mamãê tá aqui",
acontece: você precisa do bebê.
Você!

liiltll illilil

aaat aaaaaa a
a aa aaaaaaa
-

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