Você está na página 1de 54

CÁ,.

STRO
Trugédia
corECÇAo PORTUGÂL

ANTONIO FERREIRA

CASTRO
Tragédia

Introdução, Glossário e Noras


de
ÂUGUSTO C. PIRES DE LIMA

6..EDIÇÁO

Capa: Estudios Gráficos da Editorial Domingos Barreira


o Editorial Domingos Barreira Porto
Ediçao N.': 400026-384 -
Editor: Editorial Domingos Barreira
Rua Sá da Bandeira ,, 1.' 4200 PORTO
-
Depísito Legal N,':
Exectçao Gnl.fica:
4155184
Oficinas Gráficas da EPNC
Rua Rodrigues Faria, 701 1100 LISBOA
EDnonilL D*W&rrtttrt"
- POR TO
ACTO I

CÀSTRO. ÀMA. CHORO.

CÀSTRO

I Colhey, colhey, alegres,


2 Donzellas minhas, mil cheirosas flores.
-1 Tecey frescas capellas
4 De lyrios, e de rosas; coroay todas
-5 As douradas cabeças.
6 Espirem suaves cheiros,
7 De que s'encha este ar todo.
B Soem doces tangeres, doces cantos.
9 Honray o claro dia.
l0 Meu dia tam ditoso! a minha gloria
1l Com brandas Iiras, com suaves vozes.

ÀMÀ

t2 Que norras festas, novos encantos pedes?

CÀSTRO

t,
t-) .Ar-na, na criaçãs alna, nO amOr rnãy,

Àjr,rcla-rp'ao praT-er.
COLECçÃO PORTUGAL CASTRO-ANTóI'{IO FERREIRA 23

ÀMA
AMA

15 Novos estremos vejo. 24 Que força de prâzer tàs traz aos olhos?
16 Nas palavras prazer, agoa nos olhos.
t7 Quem Íe faz juntamente lcda, e triste ?
CÀSTRO

CÀSTRO
25 Vejo meu bem seguro, que receava.
18 Triste não póde estar, quetrr r,ês alcgi'r.
ÀMÀ

ÀN{À
26 Que novo caso foy que bem te veo?
79 Mistura ás rrezes a fortuna tudo. 27 Ponque me tens susPensa?
28 Àbre-me já, Senhora, essa alma tua.
CÀSTRO 29 O mal s'abranda, o bem contando-o cresce'

Riso, prazer, brandura n'ahna tenho. CÀSTRO

ÀMÀ 30 ó Àma, amanheceo-me hum alvo dia.


31 Dia de meu descanso. Sofre hum pouco
2t Lagrimas sinaes são da má fortunã.. 32 Repetir de mais alto a minha historia,
33 Em quanto o sprito lêdo co a lembrança
CÀSTRO
34 De seu temor (1), de que já está seguro,
22 Tambern da boa fortuna companhciras.
35 Ajunta ao mal passado o bem'presente.
36 Daquelle grande Afonso forte, e sancto,
37 P.or poderosa mão de Deos alçado
ÀMA
38 Entre armas, ant'imigos o Real cetro
23 A dor são naturaes. 39 Do grande Portugal, que inda está tinto

CÀSTRO

E ao prazer doces. (1) Temor c1e D. Afonso IV.


CASTRO-ANTÓNIO FERREIRÂ 2s
24 COLECçÃO PORTUGAL

61 Deu a Costança a mão, Costança aquella


N Do sangue de infieis (1) por seu bom braço, 62 Por tantas àrmas, e furor trazida (1),
4t Por legitima herança rege, e manda 63 Já quasi'do seu fado triste agolrrc:
42 O bom velho glôrioso da victoria, g Deu a Costança a máo, mas a alma liwe,
43 E nome do Salado, dfonso Quarto, ó5 Âmor, desejo, e fé me guardou sempre.
4 Dos Reys de Portugal setimo em ordem (2), 6 Quantas vezes quisera honestamente
45 Filho do grande Dinis, de Isabel sancta, 67 PodêJa dar a mim! quantas mais vezes
46 Àrnbos já no alto ceo claràs estrellas. ó8 S^arrependeo despois de se ver preso!
47 Cuja alta casa, e acrescentado Império 69 Não lhe apagou o amor a nova esPosa;
48 Pelos grandes avós, espera alegre 70 Não o tam 'festejado nascimento
49 Seu desejado herdeiro o Iffante Pedro, 7l Do desejado parto (2); entes mais vivo
50 Meu doce amor, minha esperançar e honra. 72 Co tempo, e co desejo ardia e fogo.
5l Sabes como, em saindo dos teus braços, 73. Que fará? se o encobre, então mais queima.
52 Ama, na viva flor da minha idade, 74 Descobri-lo nam qüer, nem lhe he honesto.
53 (Ou fosse fado seu, ou estrella minha) 75 Mas quem o rfogo guardará no seo?
54 Cos o_lhos lhe acendi no peito fogo, 76 Quem esconderá amor, que em seus sinaes
55 Fogo, que sempre ardeo, e inda arde agora 77 A pezar da vontade se descobre (3)?
56 Na primeira viveza inteiro, e puro. 78 Nos olhos, e no rosto chamejava.
57 Por mim lhe aborreciam altos estados (3), 79 Nos meus olhos os seus o descobriam.
58 Por mim os nomes de princesas grandes.
59 Por tam grande me avia nos seus olhos.
ó0 Hum tempo duro, mas em fim forçado
(1) Afonso XI, rei de Castela, recusou a passagem
de D, Constança pelos 'seus Estados para vir casar com
o prÍncipe D. Pedro. D. Afonso IV, que já tinha agravos
dele, entrou em gueua com Castela' Restabelecida a paz,
(1) Sangue vertido pelos infiéis, derrotados na ba- D. Coostança entrou l'ivremente em Portugal'
talha do Salado. (2) Do príncipe D' Luís, que porrcos dias viveu.
(2) 1.' D. Afonso Henriques; 2." D. Sancho I, (3) Cfr. a quadra PoPular:
3." D. Afonso II; 4.' D. Sancho II; 5." D. Afonso III;
7.'D. Afonso IV.
6." D. Dinis; Oamoreodinheiro
(3)
Pusemos aqui vírgula em yez de ponto, pois Náo Pod! andar encoberto;
o sentido assim o exige: «por mim lhe aborreciam altos O dinheiro é chocalheiro,
estados [por mim ]he aborreciaml OS nomes de Prin- O anror é desinquieto'
cesas Grandes...».
COLECçÃO PORTUGAL
CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 27

80 Suspira, e geme, e chora a alma câtiva CASTRO


81 Forçada da brandur4, e doce força,
82 Sogeita ao cruel jugo, que'pesado 103 Em fim, fortuna que me já chamava
83 A,seu desejo sàeodir deseja. lM Esta gloria tam grande, quebra o nó
84 Não pode, não convem: a furia cresce. 105 Daquelle jugo a meu amor contrario.
85 Lavra » doce peçonha nas entranhas. 106 Leva ante tempo a morte a Iffante triste.
E6 Os homês foge,' foge a htz, e o dia.
87 Só passea, só fala, triste cuida.
107 Herdo eu mais livremente o amor cdnstante,
88 CastÍs na ,boca, Castro n'alma, Ca5tro
108 Que a mirn se entregou todo, e todo vive
89 Em toda parte tem ante si presente.
109 Na minh'alma, onde está seguro e firme,
110 Já com doces penhores confirmado (1).
90 .Elle á molher cuidadcl, eu odio, e. ira. Il1, Mas o sprito, inquieto cos clamores
9t Arde o peito a Costança em furor novo. 112 Do povo, e rogos graves, que tfabalham
92 Nem me ousam descobrir, nem vedar nada. 113 Apartar est'amor, quebrar sua força,
93 D'antiga Casa Castro em toda Hespanha, 1.14 Me traziam medrosa receando
94 Já dantes do Real cetro deste Reyno
95 Por grande conhecida, inda meu sangue
115 À volta da fortuna, euê hora amiga
716 Hora imiga cruel alça e derriba (2);
96 Do Real sangue seu tinha grã parte. ll7 Que sempre do mór bem, mór mal promette,
97 Mas inda á naturez.a dobram força; 118 Falsa, inconstante, cega, varia, e forte.
98 Àrte ajuntando, e manha: el Rey ao neto 119 Lograva como a medo os meus amores.
99 Por madrinha me dá, comadre âo filho (1). l2O Criava o grande amor desconfiança:
l2l E a conciencia errada sempre teme.
ÀMÀ

ÀNTÀ
1O0 Cegos, que quanto mais vedam, mais

101
[chamarn. 122 Quem te segurou já? quem novo sprito
Cresce co a força .,{mor: e o que á vontade 123 Te deu aos temores?
702 Se faz mais irnpossivel, mais deseja.

(1) (1) Os penhores eram os filhos: D. Brites, D. João,


Estabeleceu-se assim uma espécie
de parentesco D. Dinis, e D. Afonso, que faleceu menino.
espiritual, que impedia o casarríento entre D. Inês de (2) A Deusa Fortuna era representacla com asas ern
Castro e D. Pedro. Vid. Fernão Lopes..., Crónica cle
D. João I, 1." Parte, cap. 187.
ambos os pés, um no ar e outro sobre uma roda, que
girava velozmente.
28 coLECÇÃO. PORTUGÂL CASTRO FERREIRA 29
-A},ITÓNIO

CÀSTRO 147 Ou quando minha estrella, e cruel genio (1)


148 Te poder arrancar dest'aima rninha,
0 meu medo. 149 Com teu arrnado braço envolta em sangue
150 M'arranques deste corpo, que não veja (2)
À1\tÀ
151 Tam triste dia, tam cruel mudança;
124 152 Eu tomarey por doce a minha morte:
Çontrarias cousas falas. 153 Por piadoso arnor, tal crueldade.
CÀSTRO
ÀMÀ
O medo ousa
125 Ás vezes mais que o esforço: tomo os filhos t54 Moveste-me a alma, e os olhos.
126 Co as lagrymas nos olh'os, rosto branco,
127 A lingua quasi muda, em choro solta, CÀSTRO
128 Ant'elle assi começo: meu Senhor,
129 Soam-me as crueis vozes deste povo,
130 Vejo delRey a força, e imperio grave i55 Assi disse. Elle, então, lançando os braços
l3l Armado contra mim, contra a constancia, 15ó Estreitamente em mim, mudado todo
132 Que em meu amor tégora tens mostrado.
t57 Em vão trabalha de encobrir a mágoa
133 Não receo, Senhor, que a fé tam firme 158 De meu temor, e lagrymas. E póde,
l3;4 Queiras quebrar a quem tua alma deste;
159 ó Dona Ines, me diz, póde teu peito
1ó0 '"Conceber tal receo? aquelle dia
135 Mas receo a fortuna que mais possa
161 I Primeiro, que te vi, não mostrou logo
13ó Coní seu furor, que tu com teu amor brando.
137 Por estas minhas lagrymas, por esta 762 Que esta minh'alma á tua só se deve?
138 Mão tua, que €m sinul de fé me deste. 1ó3 Por ti a vida me he doce, por ti espero
139 Pelos doces amores, doce fruito,
140 Que delles tens diante, se me deves
l4l Amor igual ao meu ou se algú'hora
142 Fui a teus olhos vista alegre, e doce,
143 Me segures, me guardes, me conserves (1) Os lugares e os homerls tinham, segundo a
mitologia, os spus génios titulares. Admitia-se até que
J,44 Contra os duros mandados do teu pay, cm cada homem havia doi's, que correspondiam aos dois
145 Contra importunas vozes dos que poden-l irnjos dó cristianismo: o bom e o lnau..
146 Mudar acaso teu constante peito. (2) Para que não veja.
CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 31
30 COLECÇÃO PORTUGAL

CÀSTRO
164 Acrescentar imperios: sem ti o mundo
165 Dure deserto me pareceria. X87 Rege tu,. ama minha, este meu peito.
166 Náo poderá fortuna, não os homês, 188 O subito prazer engana, e erra.
167 Não estrellas, não fados, náo planetas
168 Àpartâr-me de ti por arte, ou força.
ÀMÀ
169 Nesta tua mão te ponho firrne, e fixa
\74 Minh'alma; por Iffante te nomeo, 1E9 Encobre teu segredo.
17t Do meu amor Senhora, e do alto estado,
1.72 Que me espera, e teu nome me faz doce. CÀSTRO
173 O grande rnovedor dos ceos, e terras
174 InvoÇo, e chamo aqui: o alto ceo m'ouça, N'alma o tenho.
175 E meu intento sancto âpprove, e cumpra.
ÀMÀ
ÀMÀ
120 Deos to conserve.
176 Entendo o teu pÍazer, as tuas lagrymas.
177 Tambem de prazer chóro: tam contraria CÀSTRO
178 Nos he sempre a alegria, que inda toma
179 Lagrymas emprestadas á tristeza. Humilde aos ceos o peço.
CÀSTRO IFFÀNTE. CHORO.

180 Jâ não temo fortuna, jâ segura, t9r Poderoso Senhor, grã pay do mundo,
181 E léda vivirey. t92 Cujo poder immenso, altas grandezas
193 Cantam os ceos, a-terra, os elementos (l),
ÀMA 194 A cuio aceno treme a redondeza.

182 Não se deve esperar leve mudança.


183 Ajuda tua estrella co bom siso. (1) Para os anti§os os quatro elemento,s eram a terra
t84 Muitas vezes a culpa empece ao fado. (em sentido estrito), a ágta, o, ar e o fogo. Sistema de
Empédocles. Vid. Epifânio da Silva Dias,- Os Lusíadas
185 Prudencia, e bom conselho o bem conserva:
C. X., n." à est.' 80.
186 A soberba o destrue, e êm grã mal muda.
32 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 33

1.95 A cujo querer nada he impossivcl, 22I Quem então não chorava a crueldade
196 Fortalece meu peito, arma-me todo 222 Contra o primeiro amor? e quem calava
197 De paciência igual á. dura afronta. 223 À dura pertinacia do segundo?
198 Sossega os alvoroços deste povo, 224 Mas tu querias dar ao mundo o grande,
lgg A furia de meu pay, que em vão trabalha 225 Forte, prudente, e sancto, hum só Dinis,
2OO Airancar-me minh'alma donde vive. 226 Paz, e concordiâ entre altos Reys, Q Reynos
2Ol Sou humano, Senhor: tentações grandes 227 Deu e tirou, em armas claro e em letras.
2AZ Vencem animos fortes. 228 Eu de seu sangue, de seu estado herdeiro,
2O3 Ferve o sangue, arde o peito, cresce-me ira 229 Porque do meu amor tam mal julgado
2O4 Contra quem me persegue: tu me arnansa. 230 Nam esperarey grandezas? velas ey,
2A5 Não poderey sofrer, não PodereY 231 Velas-ey de ti, Castro; vive leda,
2M A dura pertinacia, e cruel odio, 232 Vive segura, lànça os medos f,óra.
2O7 Que ao meu doce amor mosttram. 233 Que antes morte, que vida sem ti quero.
2OB Vence a dor a razáo: vence Amor força.
209 Tu conserva, alto Deos, a prometida. CHORO
2lO Fé, a quem já de lá dar-ma mandaste-
211 Tudo de ti procede: sem ti nada 234 Não he desculpa ao mal outro mal grande.
212 Se move câ na terra. Quem entende
235 Quam danoso he no mundo hú mao exernplo!
213 Teus meos, e teus fins, e tons segredos?
?36 Mas não póde assi ser a Razão cega,
214 Quanfas vezes mal he, o que bem parece!
237 Que o ,que reprende em outro, em si o
?15 Quantas v(zes o mal causa bens grandes! [aprove.
216 Quanto tempo sofreste o $aPde Afonso
238 Cada hum levarse deira da vontade.
217 No nome de Bolonha celebrado. SECRETÀRIO. IFFÀNTE. CHORO.
218 Que novas torres ajuntou ás Quinas (1)
219 Dura força fazendo ao matrimonio, 239 Quem ajuntar poder com agoa o fogo,
220 Contr'as divinas leys, contra as humanas (2)! 240 Quem misturar co dia a noite escura,
241 E quem o máu peccado com a virtude
242 Este no amor ajuntarâ razáo,
(1) Ajuntou a Portugal o reino'do Algarve. 243 Este em falsa lisonja a lealdade.
(2) D. Afonso III repudiou a primeira mulher 244 Hum o amor não sofre, outro a virtude.
D. Matilde, Condessa.de Bolonha, para casar co'm 245 E eu destes arnbos venho agora armado-
D. Beatriz, filha de D. Afonso X, o Sábio. 246 Não sey se poderey vencer com eles.
3
COLECÇÁO PORTUGAL CÀSTRO-ANTÓNIO FERREIRA 35
34

]FFÀNTE
247 S'algum sprito bom me quisesse hora
248 Ajuáar lá dos ceos, e aqui acabasse
267 Mas àntes lhas vão dando quanto podem,
24g Esta vida; que fim mais glorioso
Procurando apartar-me donde rrivo.
Que polos ceos deixar a baixa terra'
268
250
25t Antes qlle por temor houra' c r''erdade?
SECRETARIO
252 Aquelle he que lá vejo pensativo'
253 Deos m'inspire que diga sem temor'
269 Se te visses, Senhor, vertc-yas mortol
254 Confiança ha mister, e animo livre
270 Verte-vas cégo: em quanto homem (1)
255 Quem quiser resistir ao máo proposito
256 Do Principe, em que está determinado' [não vive
Com su'alma própria, pódc a tal ser vida?
Mas deixar de o fazer he vil fraqrueza'
271
257
IFFÀNTE IFFÀNTE

Tambem tu me persegues? tambem vens


Que dirás, Secretario, a tam grá força
272
258
Como querem ?azer a esta minh'alma?
273 Afiado cortar-me estas rayzes,
259
274 Que no peito já tam firmes tenho?
SECRETÀRIO
SECRETÀRIO

260 Senhor, mas antes querem dar-ta livrç


Piadosa obra faz ao que está preso
Donde está tam forçada' e tam cativa'
275
261 276 Quem as prisões lhe corta, e as más cadeas?
IFFANTE 277 Oh clarissimo Iffante, meu Senhor,
278 Muito ha que me conheces, teus segredos
Arranca-me as entranhas, que me querem?
279 De mim com razáo seápre confiaste.
262 280 Nunca te descobri as zombarias,
25g Como querem Íazer a esta minh'alma?
28r Nunca descobrirey o menor delles.
SECRETARIO

264 Querem-te só, e procuram-te tua honra'


265 E quebrar daqui as asas á fortuna' (1) Homem (a gente) aqui é pronome indefir.rido;
cquivale ao, pron: on do francês.
266 Que contra ti náo tenha nunca forças'
36 COLECÇÃO PORTUGAL CÀSTRO_ANTÓNIO FERREIRÀ 37

282 D'húa parte me tens por secrctario. 308 Inda que com desgosto, a sam verdade.
283 Mas d'outra me has de ter por conselheiro. 3A9 Não me queres ouvir, mas bem me julgas-
284 Comprirey eu contigo, e co que devo: 310 Move-te o zels honesto, a fé tam pura.
285 Então venha tua ira, qLre eu não quero 3ll Deixa-te reprender de quem bem t,ama,
286 Melhor morte, que aquella, que de infamia 312 Que ou te aproveita, ou quer aproveitar-te.
287 Livrar a vida, e a àlma de perigo 313 Não recebas enganos de quem teme.
288 Não vês, Senhor, que o Sol, se escurecesse, 314 Ou deseja, ou espera, à custa tua,
289 Quanto cobre, e descobre, ficaria 315 De tua honra, e dos teus, que a tantos mata,
290 Tam triste, e €scrlro, como agora claro? 316 Louvas tu, ou alguém louvará aqueile,
291 Pois tal he o bom Principe: Sol nosso, 317 Que, podendo illustrar a glória antiga
292 Com cuja luz nos vemos, e seguirnos 318 De seus passados com mór honra, e fama,
293 A justiça que aos ceos nos vay levando. 319 Não sómente o não faz, mas escurece
294 Se s'esta em ti perder, onde a acharemos? -i20 Daquella \uz antiga o claro rayo?
295 Quem a virtude seguirá, quem honra?
296 Abateres-te assi de Principe alto IFFÀNTE
297 A pensamentos ,baixos, que s'estranham r2l Mas antes não viver merecia esse,
298 Nos homés baixos, parecer-te póde 322 Antes não ser nascido: que a Aguia vemos
299 Grandeza de ti digna? e do que deves
323 Os filhos engeitar, que ao Sol não olham.
30O A este estado tam alto, que te espeÍa?
SECRETÀRIO
IFFÀNÍE
324 E que dirás, que julgarás daquelle,
301 Quem tam liwe te Íaz, e tam ousado? 325 Que em vez de se armar bem contr'a
[fortuna,
SECRETARIO 326 Causas anda buscando de a ter sempre
327 Contraria à sua vida, e seu estado?
302 Amor, e lealdade esta ousadia IFFANTE
303 Me dão: dá-ma a Razão, que tem tal força,
3O4 Que inda que se náo siga, não se nega. 328 Quem náo teme a forttma, e não procura
305 Iá dentro em ti te vejo estar sentindo 329 De contr'ella se armar, tê-la á imiga,
306 Em teu animo Real, e generoso -130 Que aos que se lhe mais dão, sempre
3O7 Quasi hüa reverencia, a que te move, [persegue.
38 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 39

SECRETARIO 354 Aos teus no que te pedem justamente?


355 Memoria deixarás de máo exemplo
331 Julgaste-te a ti mesmo. 35ó A teus filhos: darás licença larga
3s7 A Reys, que isto souberem: ao mundo causa
IFFANTE
358 D'escurecer teu nome pera sempre.
359 De hum mâl vê quantos males nascem logo:
Em que? ou como?
360 Todos sobre ti caem: Senhor, vê-te.
SECRETÀRIO
367 Conhece-te melhor, entra em ti mesmo.
362 Verás então o porque te importunam,
332 Aquclle claro sangue, aquelle nome 363 O que te pede elRey, o que (1) teu povo.
JJJ Hãroico, tam alto, e em todo o mundo
334 Honrado, e conhecido dos Reys grandes CHORO

335 De cujo tronco vens, não fica escuro


Misturado com outro differente 364 Conselheiro fiel, ousado, e forte
336
3ó5 Feriste co a razáo a alma, que dura
337 Dos que forem nascidos, e criados
Pera humildes sofrerem teu Real jugo, 366 Os olhos em vão cerra.
338
339 Obedecendo ao ImPério, e aos acenos? IFFÀNTE
340 Despois disto náo vês o grã desprezo,
341 Em que serás aos teus? o grá Perigo 367 Eu náo sou, nem fuy nunca qual me julgas,
342 Em que põês este ReYno, co a soberba 368 Ou qual me julgaes todos. Outros olhos
343 De poucos, que ergues tanto, e tanto podem 3íe Differentes dos vossos são os meus,
344 Côm teu favor, que mostram iâ desprezo 370 Com que me vejo, e vejo que o que faço,
345 À quem devem rnostrar acatàmento? 371 Não, he tamanho màI, como vós vedes.'
3lt6 Que causa mais destrue o Rey, e Reyno? 372 Eu não faço erro algum: sigo o que o sprito
347 Que cousa cria mór desPrezo, e odio 373 Me diz, e me revela, a quem eu creo.
348 Que vê-lo sogeitar-se a cousas baixas? 374 Cos Principes tem Deos outros segredos,
349 Que vê-lo ser mandado de selrs vicios? 375 Que vós náo alcançaes e como cégos.
350 Com que rosto, Senhor, darás castigo 376 Nos juizos erraes de seus misterios.
351 Aos que assi commetterem, o que 377 Olhay esta molher, vede o que ha nella.
Icoi.nmettes?
352 Como conservarás a obediencia
353 Sancta devida aos paes, pois tu a negas (l) O que pede teu
CASTRO_ÂNTONIO FERREIRA
$ col-EcçÃo PoRTUGAL

4U Fois me põem em perigo de deshonra.


378 D'hum sangue (1) nos formou a natureza: 405 Seguir tua vontade, he destruir-te,
37g Real he, de Reys vem, de Reys he digna' 406 Destruir este Reyno, e teu pay triste:
380 Do mundo quisera eu ser só monarcha' 407 Querer-te apârtar della he impossivel.
38'1 Monarcha de mil mundos, pera todos
382 Debaixo dos pés pôr, de quem tanto amo' IFFANTE
383 Muy baixa me Parece esta coroa
384 Pera aquella cabeça Olha o 'que mando: 408 Sigue minha razáo, minha vontade.
385 Tu jámais me não falles em tal cousa'
386 Meus duros pays não curem de cansar-me; SECRETÀRIO
387 Porque nem posso nisso obedecer-lhes'
388 Nem o náo fazer desobedeço' 409 Não te vejo razáo, \,'ejo vontade.
389 Arranquem-me a vontade deste peito,
390 Arranquem-me do peito est'a1ma minha, IFFANTE
39I Então aca'barám o que começam'
3g2 Náo cuidem que me posso apattat donde 4lO Sigue a vontade, que forçar não podes.
3g3 Estou todo, onde vivo; que primeiro
3g4 A terra subirá onde os ceos andam SECRETÀRIO
395 O mar abrasará ,os ceos, e terra,
396 O fogo será frio, o sol escuro, 4li l\4anda-me o que te devo que a não siga.
3g7 A lua dará dia, e todo mundo
IFFANTE

412 Queres mandar teu PrinciPe?

SECRETÀRIO
SECRETARIO

Mas sirvo. (1)


4O2 Oh Senhor, que me matas! Deos quisera
4ü3 Que nunca merecêra honra tamanha.
(l) Quer dizer: Antes sirvo o meu PrÍncipe, desobe-
decendo-lhe e aconselhandoo.
(l) Do mesmo sangue, isto é, de sangue real.
42 COLECçÃO PORTUGAL CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 43

IFFÀNTE IFFÀNTE

Inda importunas?
413 Obedece ao que quero.
SECRET.àRIO
SECRETÀRIO

417 Se te não consclhar, meus são teus erros.


Manda o justo. (1)
IFFANTE
IFFÀNTE
418 Eu te livrarey delies.
.414 Deos só me julga.
SECRET,ARIO
I
SECRETÀRiO
A Dcos temo.
E a razáo te obriga. 419 Tu no corpo só pódes, elle n'alma.
420 Eu aconsell-rar-te posso, forçar não.
IFFÀNTE
421 Testemunha me he Deos: e tu tambem.
422 Arnor em ti só reyna, amor te manda
423 Peçonha doce d'alma, d'honra, e vida.
4t3 Livre de ser hum PrinciPe' 424 Mas poreue te não movem tantos choros
425 Da Raynha tua mãy os tantos rogos
SECRETARIO 426 D'elRey teu pay? os tam leaes conselhos
427 De quantos a teus pés estão lançados,
Catirro. 428 Pedindo-te piedade deste Reyno,
4?-9 Que arneaçado está assi da fortuna?
476 He, quem de si se vence' 430 Não te declaranás por honra tua,
431 E prova pera o mundo, que t'infama
432 Com nome de peccado pertinaz?
433 Eu choro de assi ver húa molher fraca
(1) Se queres ser obedecido, mancla epenas o que 434 Mais forte contra ti, que quantas forças
for justo. 435 De Deos, do mundo estáo por ti tirando.
u colBcçÃo PoRTUGÀL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 45

IFFÀ}iITE I}'FANTE

436 ó perseguição forte, ó odio estranho! 460 Para onde fugirc5,, porque (i) me deirem?
437 ó duros fados todos conjurados
438 Cos ceos, e corn as estrellas a perder-me!
SECRETÀRIO
439 Que me quereis? que sem razáo (1) vos
[faço, 46r De ti ás de fugir, por teu remédio.
44O Homês d'entranhas féras, e danadas, t
441 Em ter igual amor a quem mo tem?
442 A quem he tam. deüdo? quem o mundo IFFÀn.-TE

443 Todo merece ter, e inda he pequeno (2)?



444 Homês, que procuraes meu mal, e morte, 462 Não me vàlerá ver qr.r" rráo posso?
445 Vede bem o eue eu vejo: que alto imperio
446 Daquelle Real rosto não será SECRETARIO

447 Honrado e acrescentado? aquelle'qosto,


448 Que tanto aborreceis, que mundos pede! 463 Tu mesmo te poseste em tal fraqueza.
449 Que estados, que grandezas, que triunphos!
450 Em corpo tam fermoso a fermosa âlma IFFÀ}ITE
451 Tam sancta, tam honesta, casta, e pura
452 Que tacha podeis dar? ou que virtudes, M4 Náo quero, nem desejo arrepender-me.
453 Qud graças das mais raras, e excellentes
454 Não achareis em tudo, quanto mostra? SECRETÀRIO
455 Pode ser mais crú odio, e mais injusto?
456 Pode ser mór inveja, e mais sem causa? 465 Accrescentas o erro co a vontade.
CHORO
IFFÀNTE
457 ó quam perigose he qualquer principio
458 De mal, que hum só descuido póde tanto, 466 S'he erro, como dizes, não ouve outros?
459 Que traz hum animo alto a tal baixeza!

(l) Sem razão, erro, ofensa.


(2) Cfr. o V. 380 e segs. (l) Para'que.
CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 47
{tf COLECÇÃO PORTUGAL

IFFÀIVTE
SECRET.\RIO

477 Sprito á de ser puro: hum ouro limpo'


467 Ouve, rnas todavia foram erros' 478 Sãm fézes, e sem liga: exemplo claro
479 De fortaleza, mansidão, e justiça'
IFFÀNTE
IFFÀNTE
468 Descul'pem-me outros Reys' e Emperadores'
480 Vay-te diante mim, fuge minha ira'
SECRETÀRIO
SECRETÀRIO

469 Como o farám, pois a si não podérarn?


48f Quem governará húa vontade livre,
tFFÀlilTE 482 Que outro Senhor não tem senáo a si
[mesma?

47O Não me Persigas mais' CHORO I

SECRETÀRIO^ 483 Qaando Amor nasceo,


484 Nasceo ao mundo 'vida,
O mal Persigo' 485 Claros rayos ao Sol, luz ás estrellas'
í 4E6 O ceo resplandeceo,
IFFÀNTE 487 E de sua luz'vencida
488 A escuridão mostrou as cousas bellas'
471 Hutn Principe de hum Reyno tam cativo 489 Aquella, que subida
472 A de ser, que não faça o que costuma 490 Estd na terceira esPhéra,
473 Qualquer do Povo'seu? 49t Do bravo mar nascida (l),
492 Amor ao ntundo dá, doce amor géra.
SECRETÀRIO

Hum PrinciPe antes (l) A esfera de a qual


segundo alguns, nasceri
olomeu'
474 Á de ser seu sPrito tam alçado
475 Da terra, que della erga o pensamento ,.kferu* éram a Lua, JúPiter

Ao ba.ixo' povo seu, pera qlre o siga'


c. Saturno.
476
COLECçÃO PORTUGAL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 49

493 Por amor s'otna (t terrft 519 No terceiro ceo toe (L)
49+ D'agr-tas e clc vei'dtircL, 520 D'amor a dôce lira,
495 Ás orvores dti lolltcts, cor íLs lores (1)'
'f õ27 E de ld te coroe,
496 Em cloce paz a gLrcrra, 522 Castro, d'ouro o grõ Deos, que amor
497 A durezn em brandttra (2), linspira (2).
498 E mil odios convertc ent ttúl ott'tores.
4gg Quantas viclas a durct CHORO II
500 ldorte 6)esla4 renov(t:
501 A fermosa pintura 523 Antes cégo Tyrano,
ó02 Do mundo, Amor a tetn inteira, e nova. 524 Dos poetas fingido.
503 Ninguém tema seLts fogos, 525 Cruel desejo, e engano,
504 E chãmas furiosas. 526 Deos de yam gente, de ocio só nascido.
505 Amor he tudo, nmor stictrte, e brando, 527 Geral estrago, e dano
506 Sogeito a brandos rogos, 528 Da gloriosa fama,
507 As agoas amorosas 529 Cam sua séta, e chamma
508 Dos olhos com brandura estcí alimpando. 530 Tirando a toda parte
5Og Douradas e 't'ermosas 531 Ardendo fica Apollo, ardendo Marte.
510 Sétas n'aljaba soam 532 Vay pelos ares üodndo,
511 Á vista perigosas; 533 Arde cd toda a terra,
512 Mas amor lettam, dos amores 'voarr7. óu E d'aljaba soando
513 Amor em doces cantos, 535 O tiro empece mais, quanto o mais erra.
574 Em doces liras soe, 536 Tem por gloria yr juntando
515 Torne seu brando nome est'ar sereno- 637 Estados differentos:
516 Fujam mdgoas, e prantos. 538 Os mais convenientes
íLT O lédo prazer t)oe, 539 A Amor, e iguaes aparta.
518 E claro o rio 't'aça o valle ameno. óq Nunca de sangue,, e lagrymas se farta.
547 No tenYs, e casto Peito
542 Da moça vergonhosa,
(l) Segundo a Mitologia, Vénus, deusa do amor,
andava sempre acompanhada das Graçase dos Prazeres.
(2) Em doce paz converle a gtlerre; converte A (l) Na esfera de Vénus.
dureza em brandura. (2) Cupido, filho de Vénus e de Marte.
50 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO--ANTóNIO FERREIRT\ )l

543 Tempo esperando, e geito, 568 Iupiter trans-formado


51+4 Entra com força branda, otL furíost 569 Em larn \trrias figuras,
545 O 't'ogo já desleito 570 Deixando despreTado
546 Da cinza outra t)ez cria, 57]- O ceo, qtl.o-ry: bauo o tnostratn tnil trtirtturas
547 No frio sangLle, e 'fria 572 Poderosas branduras,
548 Neve outra vez se acende. Jtô Que ctssi as alntas convcrtenl
549 Dos olhos no meo d'alma o rayo prende- õ74 No que affiant! assi sovertent
ã50 Dali sua peçonha ÉnE
ütJ Por manho a grande alteza
551
*c52 V,ay por todas as tveqs- 576 Do sprito, que s'enterra etrr il t'raquezct!
A alma dormente sonha 577 De que outro fogo ardia
553 Ent seu et'tgano, e tece doces teas. 578 Dos Teucros a túta glorin (l)?
554 Foge a casta vergonha. 579 De que deixou histo ia
555 Foge a constancia forte. 580 Tant triste ao nttmdo Hespanht a forte e
556 Entre a tristeza e 4 nTorte lPiu (2)?
557 Debaixo de brandura. 581 Antor cego vencLa.
558 Que a razão mata, o coraÇão endura. 582 Amor cruel tnatovct.
559 Queru a ferrada maça 583 Hunt moço triunpl,tava
560 Ao grande Alcides toma? 584 De tanto s(rltgtle, e videLs
561 E quer que assi aos pés jaça 585 Por um vão apetite tnal vertdidas.
562 Da moça, feito moça, eLteTnliões dotna(1)? 586 Ditoso, ó quam ditoso!
563 Quetn da espantosa caÇa 587 Quem o seu peito arntou
564 Os despojos famosos 588 Contra o rayo furioso:
565 Lhe conçerle em rttintosos 589 Ou em alçando as cílatntna o apagou!
566 Trajos de Dama, e o LLSI
667 Das duras mãos lhe põem no brando fuso?

(l) Os Troianos perderam-se por causa do rapto de


(1) Entre os muitos trabalhos executados por Helena, esposa de Menelau, que, raptada, por Páris, foi
Hércules, conta-se o ter eslranpxrlado o leão de Nemeia. a causa d.a perda de Tróia.
E, depois de assim se tcr rcvelado, deixa-se vencer (2) 'Julião, gorzernador de Ceuta, segunde uma lenda
por Onfale, vestindose de mulhcr e sentando-se a fiar teria auxiliado os Sarracenos, para se vingar do rei
ao,s pés dela. Rodrigo por lhe ter raptado a sua filha Florinda.
CASTRO_ANTÓNIO FERREIRÀ 55
54 COLECçÃO PORTUGAL

6t4 He usar mal do cetro, e bem f.azê-lo 636 De todo bem ao povo, atalhar prestes
615 He não ter vida mais segura, e certa, 637 O mal em seu começo, antes que empeça
1i

616 Que quanto estes perigos nos promettem. 638 Despois nem forças bastam, nem conselho'
639 Atalhando a este mal, que t'assi agora
CONSELHEIROS 640 Tam trabalhado ttaz, iicarâs livre
64I Rindo-te da fortuna, e de seus medos'
617 Gloriosos perigos, e trabalhos' REY
618 Oh bemaventurados, pois te sobem
619 Da coroa da terra a que nos ceos 642 Vence o mal ao remedio.'Vejo o Iffante
620 Mais rica, mais gloriosa te darám' 643 De todo contra mim determinado,
644 Duro a meus rogos, mais duro aos man
PÀCHECO [dados.
645 Que estrella foy aquella tam escura?
621, Trabalho mais que estado tcm ( 1) os Reys, 646 Que máo signo, ou que fado, ou que
622 Os bons Reys, que não arnam assi [planeta?
[seus vicios,
623 Como as obrigações de se mostrarem PÀCHECO

624 Contra si mais isentos, e mais fortes 647 Em quanto ha occasião, dura o peccado:
625 Que o povo baixo, que anda só após elles. 648 Tirando-lha, eY-lo livre.
626 E Ql Rey como tu, Senhor, he ReY.
627 Não te pese de o ser, que virá tempo, REY

628 Que te ajam mais inveja a esses trabalhos Forte cousa


'629 Sofridos com paciencia, e bem regidos, 649 Endurecer-se assi aquella vontade!
630 Que as vitorias famosas com grã perda
631 De hornõs e de riquezas mal ganhadas. PACIIECO
632 Isto faz os Reys grandes, dignos sempre
650 Endureça-se a tua justiça.
ó33 De memoria immortal, sofrer trabalhos
634 Polo publico bem, quebrar a forca REY
635 Do sangue, e proprio amor; fazer-se exemplo
651 Duro remedio! quanto melhor fora
652 Amor e obediencia! meus peccados
(l) Fausto.
653 Quam gravemente sobre mim cahiram!
5ó COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 57

CONSELHEIROS RE}

654 Senhor, pera que he mais? moura esta 662 Ella que cuipa tem?
Idama.
PÀCHECO
REY
Dá occasião.
655 Que moura todavia?
REY
PÀCHECO

663 Oh que ella náo a dâ, o Iffante a toma.


Senhor, moura 664 Que ley ha, que a condene, ou que justiça?
656 Por salvação do povo.
CONSELHEIROS

REY
665 O bem commum, Senhor, tem taes larguezas
Não he crveza 666 Com que justifica r-rbras duvidosas.

657 Matar quem não tem culpa? REY

CONSELHEIROS
667 Assi que assentaes nisto?
Muito podes
CONSELHEIROS

658 Mandar matar sem culpa, mas com causa.


Nisto: moura.
REY
PÀCHECO
659 Com que cor, com que causa esta matamos?
668 Moura.
PACHECO
REY
660 Não basta que em sua morte só se atalham
661 Os males, que sua vida nos promette? Húa inocente?
60 COLECçÃO PORTUGAL CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA

REY CONSELHEIP.OS

Antes não tem Ncm beri ncrnhlrrr,


682 Lícença pera rnais, que quanto pede 694 Dc quc se sigam males.
683 A, razáo, e justiça: a mais licença
684 He barbara cileza dc infieis. REY

PÀCHECO
Mal parece
685 Pois que dirás daquelles, que a seus
695 Matar húa innocente.
[proprios
686 Filhos (1) e a seu amor não perdoáram
PACHECO
687 Polo exemplo commum, e bem do povo?
REY Não he mal:

ó88 Aos que o bern fizeram, hey inveja. 696 Queacausa6justifica.


689 Os outros nem os louvo, nem os sigo.
REY
CONSELHEIROS
Antes Deos quer
690 Inda que ouvesse excessos, todavia 697 Que se perdoe hum máo, ( hum bom
691 Mais males atalháram, do que deram. [padeça.
REY CONSELHEIROS

692 Náo se ha de fazer mal por quantos bens 698 O bem geral quer Deus que mais s'estime,
693 Se possam dahi seguir. 699 Que o bem particular. Nas circunstancias
700 Se salvam, ou se perdem as obras todas.
(l) António Ferreira tinha presente o exemplo do
cônsul Lucius Junius Brutus, que condenou à morte os REY
filhos por conspirarem a favor dos Tarquínios contra a
república. 701 Enganão-se os juizos muitas vezcs.
CASTRO ANTÓNIO FERREIR.A 63
COLECÇÃO PORTUGAL -

CONSELI]EIROS
722 Se te parece em parte isto cÍveza,
723 Não he cÍueza aquella, mas justiça,
Dcus inspira'
724 Quando de cruel anime não nasce.
702 Os dos Reys bcm funclad<-rs
725 Tua tençáo não pecca, em si se salva,
726 A aspereza dest'obra he medicina,
REY
727 Com que s'atalham as mortes, que adiante
728 Muitos he que por força te mereçam.
703 Ey mcdci dc deirar nome de injusto. 72.9 A clemencia por certo he grã virtude,
730 E digna mais dos Reys, que outras virtudes,
CONSELHEIROS 731 Polo perigo grande, que ha na ira,
732 Em quem tam livremente assi a executa:
7ü4 De iusto o deixarás, pois tc conselhas 733 Mas com esta o rigor he necessario,
705 Cos juizo5 dos teus leaes prudentes. 734 Por náo vir em desprezo tal virtude.
735 Este he o que se chamou severidade,
PÀCHECO 736 De que tantos exemplos nos deixáram
737 Os famosos Romáos em paz, e guerr-a.
706 Vês, poderoso Rey, vês cos teus olhos 738 Estas columnas am,bas são tam fortes,
707 A peçonha cruel, que vay lavrando 739 Que bemaventurado este teu Reyno,
708 Gelada deste amor cego: vôs quanto 740 Que nellas por ti só está tam fundado.
7Og A soberba, e desprezo destes homês 7'1.1 De tal modo, Senhor, ás de usar dellas,
710 Contra ti, e contra todos vay crescendo'
1,4',
Que húa vá sempre d'outra acompanhada.
7ll S'em tua vida nos tememos tanto, 743 Exemplos tés mostrado de clemencia,
712 Que faremos despois de tua rnorte? 744 Mostra àgoÍa, que he bem, severidade.
713 Por dar saude ao corpo, qualquer membro
714 Quc apodrece, se corta, e Pelo são, REY

715 Porque o são não corrompa. Este teu corpo,


716 De que tu és cabeça, está ern perigo 745 A parte que me cabe deste feito,
717 Por esta molher só: corta-lh'a vida. 746 Eu a ponho em vós toda, como aquelles,
7lB Àtalha esta peçonha, têJo-ás salvo. 747 Que sem odio, e temor sois obrigados
719 Medico, Senhor, és desta Republica. 748 Aquilo conselhar-me, que he só justo,
'l2O O poder, que tem o medico num corpo, 749 'Mais serviço de Deos, e bem do povo.
721 Tens ttl sobre nós todos: usa delle. 750 Vós-outros sois meus olhos, que eu não vejo.
61 COLECÇÃO FORTUGAL CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 65

751 Vós sois minhas orelhas, qLle cu não ouço. 771 Que cuidam, que pr-opoem, que determinam;
752 Minha tenção me leve, ella me salve. 772 A]umia minh'ahna, não se cegue
753 O engano se he vosso, em vós só caya. 773 No perigo, cm que está: não sey que siga.
771 Entrc meclo, e. conse,Iho f,ico agora:
PÀCFIECO 775 Mat,ar injr-rstamente he gra crtteza.
776 Soccorrer a mal pÍrblico he piedade.
754 Sobre nós descarrcga esse teu peso. 777 D'húa parte receo, mas d,'outra oiuso.
778 Oh filho mr:u que quer,es destruyr-me!
CONSELHEIROS 779 Ha dó desta velhice tam cansada:
7BO Muda essa pertinacia em bom conselho.
755 Eu tomo minha parte, ou tomo todo. 781 Não dês occasião pera que ,eu fique
756 Almas, e honras temos: estas ambas 782 Julgado ,mal na terra, ,g condenado
757 A ti, Senhor, se devem, a ti as damos. 783 Ant'aquelle grá Juiz, que está nos ceos.
758 Estas sós te conselham, que bem vês 784 ó vida felicissirna a que vive
759 Quã grande mal he nosso, o que fazemos. 785 O pobre lavrador só no s,eu câ,mpo,
760 Aventuramos vidas, e fazendas, 786 Sieguro da fortuna, e ,desoansado,
76',t Que em odio de teu filho ficam sempre, 787 Livre destes desastres, qule cá r"eynam!
762 Sob cujos pés ficamos, e em cuja ira (1), 788 Ninguem menos he Rey, que quem tê R.eyno.
763 Mas percamo-nos nós percamos vidas; 789 & qu. não he isto ,estado, he cativeiro
764 Soframos crueis mortes; nossos filhos 790 De ,rnuitos 'desejrado, mas mial arido.
765 Fiquem orfãos de nós, e desherdados; 79r Húa servidáo pomposa, h,um grá trabalho
766 A furia de teu filho nos persiga, 792 Esoondido s,ob nome de descanso.
767 Antes que esse tal medo em nós mais possa, 793 Aqtlelle he Rey sómionte, que assi vive
768 Que o que a virtude manda, e te devemos. 794 (Inda que cá seu norne nunca s"ouça)
795 Qtle de m,edo, e desejo, e d'esperança
REY 796 Livre passa seus dias. ó bons dias!
797 Oom que ,eu todos meus annos tam cansados
769 I-vos apparelhar, que em vós me salvo. 798 Trocará 'al,egrem,ente. Temo os homês,
770 Senhor, que estás nos ceos, e vês as almas, 799 Com outrros dissimulo, outros náo p,oss,o
800 Castigar, ou não,ouso. Hum Rey não ousa.
801 Tarnbern terne s,ou povot tamb,srn sofre.
(1) Em cuja ira, na ira do qual ficamos também. 802 Tambem suspira, e geme, e dis,simula.
5
66 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO
- ANTóNIO FE,I{REIRA 67

803 Náo sou Rey, sou cativo: e tam cativo 831 Pompas, e ventos, titulos irtcltados
804 Como quem nunca tem vontade livre. 832 Nã.o dão descanso, nem mcti-s doce sorto.
805 Salvo,me no ,conselho dos que creo, Ó;J Antes ntais cansqm, antes ent ntais nrcdo
806 Qtle me seráo leaes: isto me salve, 834 Poem, e perigo.
807 Senhor, co,ntigo: ou tu me rnostra cedo 835 Conto se volvent no grã nTar o,:; onclas.
808 Re,medio mais seguro, com que via 83ô
a2a
A.çsl se volvent estes peitos ,c/..tcos.
809 Conf,orme a este alto estado, que me déste. E fartos, nLtnca satisf aitos,
nuu'tccL
810 E me livra algum ternpo antes que moura, s38
a'1Í)
Nunca SegLU.os.
811 De tanta obrigaçam, pera que possa S'eu nte podesse d minha roittttcle
812 Conhocer+n'e melhor, e a ti voar 840 Formar meus 'fados, rnais não clucreria
813 Com rnais ligeiras asas do que póde B,tt Que rneanttltente segurLr a s'ído
814 Húa alma oarregad,a d'e ta,l pes'o. 842 Co necessario
843 Qtrent mais deseia, muitas ye?,es s'acha
84+ Triste, enganado: pouaas veTes dorme,
CHORO
845 Temendo ct fogo, ventos, rLrcs, sonTbr«s,
846 Tentendo os hctnús.
815 Quanto mais livre, quanto mais seguro 847 Rey poderoso, tLt porque dcsejas
816 Ha aquelle estado, que de si contente 848 Nttnca ter Reyno? poreuc essa corou
877 Não se levanta mais que quanto póde 849 Cltamas pesada? pelo peso c|-'alina,
818 Fugir miserias! 850 Que te carregl.
819 Tristes pobrezas ninguem as deseje. 851 Quatn pottcas vcaes yimos
820 Cegas riquezas ninguem as procure. 852 Tardar a grà jusÍiça,
821 Num meio' honesto estd a felicidade 853 QuLe não decesse sobre
822 Dos ceos, e terra 854 Aquelles livre5 Íilhos,
823 Reys poderosos, Principes, Monarchas 855 Que contra a natural
824 Sobre nós pondes l,ossos pés, pisay-nos. 856 Obrigação e ley
825 Mas sobre uós estd sempre a t'ortuna, 8õ7 Negrirant obediencia
826 Nós liures della. 858 Áquelles, que os gerciram!
827 Nos altos muros soam mais os ventos. 859 Pecado torpe, e feo
828 As mnis crescidas arl)ores derribam. 860 Ante Deos, anl'os homés.
829 As mais inchadas vellas no nlar rompem- 861 Mais pera l7yt,çn,rot Tigreç,
830 Caem móres torres 862 Mais pera Liões brcLvos,
ACTO III

CÀSTRO. ÀMA.

CÀSTRO

904 Nunca mais tarrde pera mim que agona


905 Amanheceo. ó Sol olaro, e fermoso
906 C'omo alegras os olhos, qr.le e,sta ,noite
907 Cuidaram não te ver: ó noite triste!
9C8 ó noite escura quam co.mprida foste!
909 Com,o cansaste est'al,ma srn sombras vãs!
910 Em rnedos me trouxeste ( 1) taes, qus cria
911 Que alli se me ac,abava o meu arnor,
912 Alli a saudade da minh'alma,
913 Que me ficava cá: e vós, meus filhos,
914 Meus filhos tam furmosos, em que ,ou vejo
915 Aqueile rosto, e olhos do pay vos,so,
916 De mim ficaveis cá d,esremparados.
917 Oh sonho triste, que assi me assornbnastre!
oia Tremo ind'agora, tremo. Deos afaste.
919 De nós tam triste agouro. D,eos o rnude
920 Em mais ditoso fado, em melhor dia.

(1) TrotLxestes, na ed. de 1771.


72 COLECÇÃO PORTUGAL CÀSTRO--ANTONIO FERREIRA
73

921 Crescereis vós primeiro, filhos m€us,


922 Que choraes de me ver estar-vos chor,'ando; CÀSTRO
923 Meus filhos tam pequenos! ay, meus filhos,
924 Quem em vidla vos ama, e te)me tanto, 943 Indlagora minh,alm,a s,entristece
925 Na rnorte que farâ? mas vivereis, 944
926 Crescencis vós primeiro, que veja eu 94,5
927 Que pisaes este carlpo, e,m que nascestes, 946
928 Em fermosos ginetes arrayados, at1
929 Quaes vosso pay vos guard,a, com que o Rio 948
9j0 Passeis a nado a ver esta mãy vossa: 949
9?'1 Com qtr,s canseis a5 féras; e os imigos 950
9?'2 Vos temam de tam longe, que não ousem 951
933 Nomear-vos sóm,ente. Então me venham 952
o,34. Buscar meus fados; vcnha aquelle dia 953
935 Que rnq está esperando: em vossos olhos 954
936 Ficarei eu, mcus filhos; vossa vida 955
937 Tomarei eu rpor vida en minha morte. 956
957
AMA 958
959
938 Que choros, c que gritos, Senhora, eram 960
939 Os que t'ouvi csta noite? 961
962
CASTRO
963
964
ó ama ,minha
965
94O Vi a morte esta noite crua, e fera. 966
e67
AMA 968
,o69
941 Entre sonhos t'ouvi ohorar tam alto, L)70
942 Quc dc medo, c cl'espanto fiquei fria, e7t
74 COLECÇÃO PORTUGAL
CASTRO--ANTÓNIO FERREIRA

ÀMÀ
990 Ccmigo, e eu com ,elle; e muitas vezes
991 Muitas palavras, que elle, em s€. pantindo,
972 Huy, corno estaria essa tu',alma 992 Me dizia ctloranrdo, alli chorandà
973 "
Tam morta! Deos te guarde. Mas ás vezes 993 Mas tornava a üzer, e cu o detinrha
974 O pensarnerrto triste traz visões 994 Apertado em meus braços, senão quando
975 Escura.-s, e med,onhas: do cuidado, 995 Àcordava. abraçada só comigo
976 Oom que, Senhora, andaste, e adormeceste, 996 Aquelles meus enganos me sostinham
977 Se te representáraxn esses medos. 997 Das noites pera os dias. E esta noite.
998 Perdia estes enganos com a vid,a.
CÀSTRO

AMÀ
978 Chóro daquella dor, daquella mágoa,
979 Que ao meu I,ffante déra a minha morte. 999
_O:l.o -dia vcrá.s, que tg amanheça
] Mais claro, e mais ditoso: qr"
"- teusa coroà,
LTCO
ÀIlIA
1001 Que t'espera, 'rerás sobr,esscs
1 C02 Cabellos cl'olrro. Alegra-tc cntre tanto
980 Pera que chóras sonhos? 1003 Dcira -ras sornbras, cleixa tristes medos.
CÀSTRO
CASTRO

Náo sey que hey:


I 004 Nao scy quc cst'etlma vê, quc tanto teme.
981 Não sey que peso he este, que cá tenho
982 Assi no coração, que me carrega. Àilí \
983 Soya ser, que quando só ficava,
984 Corno agoÍa me vejo, em meLt senhor 005 A
I intagir:ac.àt_, hc pL.r.igosa.
9E5 Eram todos meus sonhos tam al'egr-e's,
986 Que desejava a noite pera nella
987 Me lograr dos enganos, que co,m elle CÀSTRO
988 Se me representavam; alli o via,
989 Alli cria que o tinha, e que falava ICCó Que fará qucm não póde fr_rgir deiia?
COLECçÃO FORTUGAL CASTRO_-ANTÓNIO FERREIRA 77
76

ÀMA 1019 Esta, Scnhora, hc boa prova d'aln-ra.


1',J2.0 Pois csta est/r sogura tro tcLr pcito.
lW7 Cuidar no bem, lança a tristeza fora' 1021 Se peccado ouve já, cstir purgado
1422 Com csse animo íirmc, com que já ambos
CÀSTRO 1023 Estae,s confedclados sanctamente ( 1)
1A24 O tempo Deos trará com mór seglrro
1008 Faze-me o bem seguro, qlre eu nãro vejo' 1 025 Do que vos cste dá, pera mais claro
t026 O mundo conhecer quam grã pcrigo
ÀMÀ 1027 He as almas julgar, que só D,eos vê.
1028 Entre tanto contente espela, e vive.
1009 Porqug temes o mal, cle quc 'estás livre? 1429 Vive, pera que viva qucm tanto ama
1030 Esta tua vida, em que toda está a sua.
CASTRO
CÀSTRO

1010 Porquc tcmo percler o bem, que espero'


1031 Nunca o tanto meus olhos desejáram.
Ài',IÀ lo32 Nunca rneu pensamento o imaginou
1033 De mim tam esquecido. Deos o guarde.
1011 Tcmer dc longc a 1rrl, he mal dobrado' rc34 Deus te guarde, senhor, que me parece
103s Qus algum mal te detem: algú mal grande.
CASTRO 1036 Àrranca-se a minh'al'ma d,e mim mesma.
1037 Parece que voar quer onde estás.
IOl2 Como e:stará alm,a leda em culpa sua? 1038 Parece que lhes foges, que me deixas.
1013 Julgam-me mal os homês, e a Deos tcmo' r039 Ah pensamentos tristes, pensamentos
1040 Escuros, oarregados! y-vos, y-vos.
À1\'ÍÀ

1014 Dos sccretos, Senhora, que parecern (1) Alcgava D. Pedr-o qlre se unira religiosamente com
1015 Ao mundo (que os não vê, e do de fóra l). Inês dc Castro. João das Regras, se.gtrndo Fernão
1016 Julga sómente) feos, máos, e toirpes, [.cpcs, slrstentou o contrário nas Cortes cle Coimbra,
1.017 Basta a só consciencia, basta tanto, Cróttica dc D. loao 1, Parte 1.', cap."' 186 e 187 (ed. de
,\nsclmo llraanrcamp).
1018 Que com esta á-de ter Deos toda a conta'
CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 79
iB COLECÇÃO PORTUGAL

CIIORO. CÀSTRO. ÀMÀ.


ÀMA

CHORO

l04l Ah nã'o tc ag<-rtlt-e's mai.l ! quc rncil-ror- Í'adcr 1070 Tristes novas, crueis,
10.12 O teu scrá, Scnhora; qucm liistcila 107t Novas mortaes te trago Dona Ines.
10Ji3 Dc sua vontâd.c ch'anla, p3l 1r' ;'ór-[l' ro72 Àh coitada de ti, air triste, triste!
101i4 Lançetr clo si, gue 1IS vczcs 11'r.ilrr8'l'ia 1073 Quc nãro mereces tu a cruel morte,
10.+.5 Entra, tam íuliosa, qLlc a clcsti't-'r:' 7074 Quc assi te vem busca,r'.
1046 Olha pera estc-s teus doces pcnhores
1047 'l'am seguros, c cer.tos dessc ailrlol-' ÀMA
1048 De que forão gerados: em scus olhos
1049 Alegra hora ess'es tcus, qus assi cicsfrazcs Que dizes? fala.
1050 Com cssas cruers lagrimas' Não cllores'
1051 D,anas esse teu rosto taln ferm'oscl' CHORO

1052 Fillra, com tantas lagri'mas' Não chorcs;


1053 Não offendas teus olhos: ah rlr-o \Icjam 1075 Não posso. Chóro.
10-54 Nelles sinaes tamanhos de tristeza
10-55 Aquelles, cuja gloria he vêr-te alcgre'
CASTRO

1056 Olha as agoas do Rio como c<lrrom Ds eue chólas?


1057 Pera onde estlt tam saudosamentc'
1058 De 1á te vê, Seuhora; ellas the lcnrbram CHORO
1059 Este aposento seu, ou da su'alne'
l0ó0 Estes campos felmosos, quc pa'"cccm Vejo
lC51 Debaixo destc ceo dourado, e beilo'
1062 Quem e5 vcrá, quc logo não se alegt'c? 7076 Essc rosto, esses olhos, essa...
1063 Ouve a musica docc, cort ql-re semlirc
1064 Te vcm a recebcr os passarinhos CÀSTRO

1065 Por cima destas alrvores ferrnosas' Triste


1056 Cuida, Senhora, de lograrcs isto
1067 Em algum ternpo com dobrado gosto' to77 De mim, triste! que mal? que mal t'amanho
1068 Segur,a cla fortuna, e de seus medos' r078 He esse, que me trazes?
1069 Senhora do teu bem, e desta terra'
COLECÇÃO PORTUCAL CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 81

CIIORO
CIIORO

He tuzr rnortc. Vem muy perto.

C-ÀSf'RO
i035 Narlr te tardará muito, poem-te (1) em
[salvo,
1079 IIe molto o t1lcu Scnhor-/ o irtcLr Iffante?
1086 Fugc (2) coitada, fuge, que já soam
1087 As cluras ferraduras, que te trazem
CIIORO
1088 Correndo a mortg triste. Gente armada
1089 Corrcndo vem, Senhora, em busca tua,
1080 Ambos mor.r:ereis cccio. I 090 ElRey te vem buscar determinado
1091 D'ern furia. Vê se pódes
CÀSTRO
to92 Salvar filhos, não lh,empeça
1.093 Parte faclos.
O novas tristes! CÀSTRO

1081 Matam-me o meu amor? porque mo ó coitada,


[matam? t094 Só, triste, perseguida! hay, meu senhor,
CHORO
1095 Onde estás, que não vês? elRey me busca?

CHORO
1082 Porque te matarám ( 1): por ti só vive.
1083 Por ti morrerá logo. 1096 ElRey.

CASTRO
ÀMÀ

Porque me máta?
Deos não queira

1084 Tal mal, tal desventura.


(1) Pôe,te em salvo. Vid. Epifânio da Silva Dias, em
Os Lusíadas, vol. II, pág. 337 «pôr». põem no sing.,
I:us., c. I, 88, 105.
(1) Matarão. (2) Foge. Cfr. Lusía-das, c. II, 61.

6
82 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO ANTÓN]IO FERR,EIRA 83
-

CHORO 2012 Soccorra-mc só Deus, e socorrei-me


2013 Vós, moças de Coimbra. Homês, que vedes
Rey cruel! 2014 Esta innocencia rlinha, soccorrei-me.
2015 Meus fiihos, náo choreis: etl por r'ós chóro.
IO97 Cmeis o,s que o movêram a tal crueza! 2016 I-oglay-vos clcsta má1,, dcsta mãy triste,
1098 Por ti vom perguntando. Esses teus preitos 2017 Em quanto a, tcndes vil'a. E vós, amigas,
1A99 Vem só buscar, pera com duro ferro 2018 C'ercay-tnc em roda todas, e, Podendo,
2000 S,erem furip,samente traspassad,os. 2019 Dcfendey-mc da mortrr, qlle mc busca.

ÀMA CHORO

20Ol Cumpriram-se teus sonhos. 2420 Teme teus erros, tttocidade cega,
2021 Fuge a ti mesma, logra-te do temPo
CÀSTRO 2022 Que ossi te deixa correndo, e Poondo
2023 Com suas asas.
Sonhos tristes! 2024 ó quanto húa hora, quanto hotm só
2OO2 Sonhos crueis! porqu€ ta,m verdadeiros lmotnento
2025 Breve algú'hor,a queret'as debalde!
2003 À1[e quisestes (1) sayr! ó sprito rneu! 2A26 Poupa o presente, guarda-o, enthesoura-o,
2AU Como não creste mais ,o mal tamanho 2027 Telo'ás seguro (l)'.
2005 Que crias, e sabias? Ama, fuge. 2028 Todo ouro, e prata, pedras Preciosas
2006 Fuge desta ira grande, q{..re nos busca. 2A29. A que correndo pão todos Perdidos,
2007 Eu fico, fico só mas inocente. 2030 Por agoa, e -t'ogo não temendo a morte,
2008 Não quero mais ajudas, venha a morte: 203I Cavar nas veas (2),
2009 Moura (2) eu, mas innocente. Vós meus 2032 Nunca podérant, m,Lnca. podéram
[filhos, 2033 Comprar hunt çtortto' deste tempo livre,
24rc Vivireis cá p,crr mim: meus tam pequenos
2034 Que assi atras deixa Principes, Sen.hores,
20ll Que cruelmente vem tiran de mim.

(1) Quiseste na ed. de L771. (1) Tê-lc-ás.


(2) Morra. Moura era forma corrente no séc. XVI. (2) Veio ou filão de metais pieciosos, con.lo o ollro
Vid. Epifânio, obra e vol. cit.'", pâg.336, t. morrer. e a prata.
84 COLECÇÃO ,PORTUGAL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 85

2035 Como os ntais barcos. 2067 E pelos camposvem


2036 lgual a todos, igu"altnente 'foge. 2468 Do Mondego correndo
2037 Não valem forças, não val gentileza 2069 A cruel morte em b.usca
2038 Por tudo passo, ttLdo calça, e pisa. 2070 Da tua dace vida,
2C39 Ninguent o força. 2071 Do teu amor tam doce.
2040 Com sua fouce, cruel vay cortando 2072 Cruel morte, que yens
2041 Vidas q /I7oÇos, trabalhos a velhos. 2073 Buscar esta innocente,
2042 Só boa -fama, só virtude casta )474 Ha piedade, e ntrÍgoa
2A$ Pode mais que elle. 2075 Dos setrs 't'erntosos olhos,
2044 Esta se salva sómente em si mesma. 2076 Do seu lermoso rosto;
2045 Esta o sprito segue, sempre vive. 2A77 Não desates hunt nó
2046 fis1q seguindo, vencerds o tempo 2078 Tant firme, co.i'tx que dous
2047 Rir-te-ás da morte. 2079 Corações ajuntou
2C48 Vive pois, vi've, mocidade cega, 2080 Amar tant estreitafltel'tte.
2049 Vive. co tempo, delle te enriquece. 2081 Crueza 'fards grande
2050 Delle só t'arma. contr'aquelle dia 2A82 Partir hús olhos d'oulros,
2051 Do grande aqerto. 2083 Htla alma assi d'outrtalnru:
2052 Apos amor vem morte 2084 E derrantar o sangue
2053 Ou da vida, ou da honra, 2085 O sangue tatn lerntoso
2054 E d'àlma iuntamente, 2086 Do seu fermoso corpo.
2055 Que em noite escura Poem, 2487 Doan-te aquelles peitos
2056 Sem ver, o claro dia 2088 De marfim, ou de neve.
2057 Da razã.o, que lirc diz 2089 Doan-t e aquellas -t'cLces
2058 Os males, e Perigos, 2090 De lyrios, e de rosas,
2059 Em que este amor acaba. 209r Que já perdent sua cor
2060 Ó PrinciPe tam cego! 2092 Pola falta do sangue,
206l Ó Principe tam duro! 2093 Que no coração junto
2A62 Que cerraste os teus olhos 2094 Lhe (l) tens 't'rio, e coalhada
2063 A'quelles bons conselhos,
2064 Que cerraste as orelhas
2065 A'quelles bons açisos (1) Llrcs na ed. dc 1771. Llrc por lhes cra corrcute
2066 Tu dormes, otl Passeas, no port. antig. c é ainda hoje forma pop
8ó COLECÇÃO PORTUGAL ACTO IV

pecnecol ELREy. cHoRo. cÀsrRo. coELHo.


2095 Cont tnedo do teu nome.
2096 Aquella alva garganta
2097 De cristal, ou de prata, PACHECO

2A98 Que sostem a cabeça


2A99 Tarn alva, e tam dourada, 3015 A pre,steza, em tal caso, he bom seguro,
3000 Porque cortar a queres 3016 E piedade, Senhor, será cr:ueza.
3001 Com golpe tam cruel? 3017 Cerra os ,olhos a lágrirmas e mágoas,
3002 E derramar nos ares 3018 Que te podem mover dessa constancia
3003 Aquelle sprito digno
3004 Do cor$o em que vivicr? REY

3005 Ha piedade, e tndgoa


3006 De tanta fertnosrra, 3019 Esta he, que a mim se vem: ó rosto digno
3007 Dacluelle triste lffanlc, 3020 De mais ditoso,s fados!
3008 E destes scus penltores.
3009 Detenrte en1 qlranío clLcp;a, CHORO

3010 Detenx-te enl quanÍo tarda.


3011 Corre, ó It't'cLnte, corre: Eis a mo,rte
3Ol2 Socorre ao teu an1or. 3021 Vem. Vay-te entregar a ella; vay depressa,
3013 Hay tardas! sabercis 3022 Terás que c,horar rmenos.
3014 Conto o Antor setnpre acttba.
CÀSTRO

Vou, amigas;
3023 Acompanhay-me vó,s, amigas minhas,
3024 Ajuday-me a pedir misericordia.
8E COLECçÃO PORTUGAL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 89

3025 Choray o desamparo destes filhos 3046 Que tu me v€ns buscar. Beijo estas mãos
3026 Tam tenros, e innocentes. Filhos tristes, 3047 Reaes tam piedosas: pois qruiseste
3A27 Vedes aqui o PaY de vosso PaY. 3048 Fon ti vir-te informar de minhas culpas-
3449 Conhecermas, Searhor, bomo bom Rey,
3028 Eis aqui lüossro avô, 4osso senhor;
3029 Beijailhe a máo, pedilhe piedade 3050 Como clernernte, e justo, e como pay
3030 De vós, desta máy vossa, cuja vida 3051 Dg teus vassallos todos, a que nunca
3052 Negaste piedade com justiça.
3031 Vos vem, filhos roubar'
3053 Que vês em mim,' Senhor? que vês em
CHORO Iquem
3054 Em tuas máos se nrete tam segura?
Quem póáe ver-te, 3055 Que furia, que ira esta he, com que me
3032 Que não chóre, e s'abrande? [bus,cas?
3056 Mais contra imigos vens, que cr,uelmente
^ÀSTRO 3057 T'andassem tuas terras destruindo
30s8 A fierro, e fogo. Eu trerno, S,enhor, trsrno
Meu senhor, 3059 De me ver ante ti, como me vejo:
3033 F,sta he a mãy de teus netos. Estes sáo 3060 Molher, moça, innoconte, s'erva tua,
3034 Filhos daquelle filho, que tanto amas. 3061 Tam só, sem p,or mim ter quem me
3035 Esta he aqu,ella coitada molher fraca, [defenda.
3036 , Contla quem vens armad,o de cÍl;rcza. 3462 Que a lingua náo s'atreve, o sprito trerne
3037 Aqui me tens. Bastava teu ma,ndado 3063 Ànte tua presença, porém possam
3038 Pera eu segura, e livre, t'esperar, 3064 Estes moços, teus netos, defender.me.
3039 Em ti, e em minh'innocencia confiada. 3065 Elles falem por mim, elles sós ouve:
3040 Escusáras, Senrhor, todo este estrondo 3066 Mas não te falárarm, Senhor (1), com
3O4l D'armas, e Cavaleiros; que não foge' Iingua,
3042 Nem'se teme a inno,cencia, da justiça. 3067 Que inda não podern: falam-te co as
3043 E quando meus peccados me accusáram ( 1). [almas,
3044 A ti fora buscar: a ti tornára 3068 Com suas idades tenras, com seu sangue,
3045 Por vida ern minha morte: agora vejo 3069 Que he teu, falâram (1): s'eu desemparo

(1) Àcusassem. E, se meus pecados me acusassem- (1) Falarão.


90 COLECçÃO PORTUGAL CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 9l

3070 T'está pedindo vida: não lha negues 3085 Me podem accusar muitos: mas elle ouve
3A7l Teus ,netos sáo, que nunca téqui viste: 3086 As vozes d'alma triste, em que lhe pede
3072 F vê-los em tal tempo, que lhes tolhes 3087 Piedade. O Deos justo, Deos benigno,
3073 A gloria, ê o prazer, qulem seus ,spritos 3088 Que não mata, podendo com justiça,
3074 Lhe está Deos reveland'o de te verem' 3089 Mas dá tempo de vida, e espera tempo
3090 Só pera perdoar: assi o fazes,
REY 3091 Assi o fizeste sempre: poi5 não mudes
3092 Agora contra mim teu bom costume.
3075 Tristes foram teus fados, Dona fnes,
3076 Triste ventura a tua. REY

CÀSTRO 3093 Tua morte m'estam outras muitas vidas


3094 Pedindo com clamores.
Antes ditosa,
3077 Senhor, pois que me vejo ante teus olhos PÀCHECO
3078 Em tempo tam estreito: poem-nos hora,
3O7g Como nos outros soes (1), nesta coitada' Foge o tempo.
3080 Enche-os de piedade com justiça'
3081 Vens-me, senhor, matar? porque me matas? CÀSTRO

REY
3095 Oh tristc, triste! mell senhor, não me
?
3082 Teus peccados te matam: cuida nelles' [ouves
3096 Sossega tua furia, não a sigas.
CASTRO
3097 Nunca conselhou br:m: nunca deu tempo
3098 De reúedio a algum mal a ira. Sempre
3099 Traz arrependimento sem remedio.
3083 Peccados meus! zro menos contra ti 4000 Ouvc minha razáo, minh'innocencia.
3084 Nenhum, meu Rey, me accusa. Contra Deos 4001 Culpa he, senhor, guardar arnor constante
4002 A quem' mo tem? se por amor me matas,
4003 Que farás ao imigo? amey teu filho,
(1) Procedi com justiça e piedade, como costumais
4004 Náo o matey. Amor amor merece;
fazer com os outros.
Cz coLECçÃO PORTUGAL CASTRO_-ANTÓNIO FERREIRA 93

4005 Estas são minhas culpas: estas queres 4022 Nós o trazcmos cá, não com tenção
4006 Com morte castigar? em que a mereço? 4023 De sermcs em ti crusr mas de salvarrnos
4024 Este Reyno, qlle pede esta tua morte.
PÀCHECO 4025 Que nunca, ó Deos quisera que tal meo
4026 Nos fora neces§ârio. A elRey perdoa,
4007 Dona Ines, contra ti he a sentença dada. 4.027 Que crueza nã.o faz: se a nós fazemos,
4008 Despide essa tu'alma desse corpo 4028 Por ti ante o grã Deus será pedida
4009 Em bom estado, e seja prestesmente. 4029 Vingança justa, se te não parece
4010 Não tenhas qLre chorar mais, que só a 4030 Que perdão merecemos nas tenções,
[morte (1). 4A31 Com que elRey conselhamos. ó ditosa,
4432 Dona Ines, tua morte! pois só nella
CASTRO
4033 Se ganha húa geral vida a todo Reyno.
40lI ó mcus amigos, porque náo tirais. 4034 Bem vês por tua causa como estava,
4Ol2 ElRe5, de ira tarnanha? a vós me vou, 4035 Àlem desse peccado, em que te tinha
4013 Ern r,ós busco socorro: ajuday-me hora 4036 O Iffante forçada (que assi o cremos)
4014 Pedir-lhe piedade. ó Cavaleiros, 4037 Mas poi5 pera remedio he necessario
4015 Que as tristes prometestes defender (2), 4038 A morte sua, ou tua, he necessario
4016 Defendey-rne, que mouro injustarnente. 4C39 Que tu sofras a tua com paciencia,
4017 Se me rrós não riefendeis, vós me matais. 4Q40 Que isso te ficará por mayor gloria
4A4I Que aquella, que esperavas cá do mundo.
COELHO 4M2 E quanto mais injusta te parece,
4043 Tanto mais justa gloria lá terás.
4018 Por mágoa dessas Iágrimas te rogo 40/.4 Onde tudo se paga por medida.
4Ol9 Que este tempo, que tês, inda que estreito, 4045 Nós, que a teu /arecer mal te matamos,
4O2O Tomes pera remedio da trr'alma. 4046 Não viviremos muito: lá nos tens
4O2I O que elRey em ti faz, Íaz com justiça. 4047 Antes de muito tempo ant'esse trono
4A4B Do grã Juiz, onde daremos conta
4449 f)o mal, que te fazemos. Não ouviste
(1) Faz exame deconsciência e pede a Deus pcrdão 4050 Já das Romãs, e Gregas com que esforço
dos teus pecados para que não percas juntamente alma 4051 Morrêram. muitas só por gloria sua?
c vida.
(2) Era um dever dos cavaleiros darert a vicla, senclo 4A52 Morre pois, Castro, morre de vontade,
preciso, para defesa das donas e donzelas. 4053 Pois não póde deixar de ser tua morte.
94 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 95

CAS'I'RO 4075 Não cuidava, senhor, que t'offendia.


4076 Defendêras-mo tu, e obedecêra ( 1).
4054 Triste pr-atica, tristc! crú conselho 4077 Inda que o grand'amor nunca se força:
4055 Mc dhs. Quem o ouvirá? mas pois ja 4078 Igualmente foy sempre entre nós ambos:
[mouro, 4079 Igualmenle trocámos nossas almas.
4056 Ouvc-mc R'cy scuhor: ouvc prirrteiro 40i30 Esta que te hora fala, he de teu filho.
4057 A clcrradeiÍa vo'/- dcst'alma tristc' 4081 Em mirn matas a 'elle: elle pede
4058 Co estes tetts pés rne abraço, que não 4AE2 Vida par'estes filhos concebidos
[fuio. 4083 Em tanto amor. Não vês corno parecem
4059 Aqui n're tes scgura' 4084 Àquelle filho teu? Senhor meu, matas
4085 Todos, a mim matando: todos morrem.
REY 408,6 Náo sinto já, nem chóro minha morte,
Que me queres?
4087 Inda que injustamente assi me busca,
4088 Inda que estes meus dias assi cgrta
CÀSTRO
4089 Na sua flor, indigna de tal golpe:
4090 Mas sinto aquella morte triste, e dura
4060 Que te posso qucrer, que tu não vejas? 4091 Pera ti, e pera o Reyno, que tam certa
406l Pergunta-te a ti mesmo o que me fazes; 4A92 Vejo naquelle amor, que esta me causa.
4062 A causa, que tc move a tal rigor' 4.493 Não vivirá teu filho, dá-lhe vida,
4063 Dou tua consciencia em minha prova' 4094 Senhor, dando-ma a mim, que eu me irey
4064 S'«rs olhos de teu filho s'cnganáram Ilogo
4065 Com o que viram em mim, que culPa 4A95 Onde nunca appareça; mas levando
[tenho? 4496 Estes penhores seus, que não conhecem
4066 Paguei-lhe aquclli amor com outro amor' 4097 Outros mimos, e tetas senáo estas,
4067 Fraqueza costumada ern todo estado' 4498 Que cortar-lh'ora queres; hy meus filhos,
4068 Se contra Deos pequei, contra ti náo' 4099 Choray, pedi justiça aos altos Ceos.
4069 Não soube defender-me dei-me toda' 5000 Pedi misericordia a vosso avô
4O7O Não a imigos teus, náo a traydores, s00i Contra vós tam cruel, meus innocentes.
4O7l A que algú5 teus segredos dcscobrisse
4072 Confiados a mim, mas 'a teu filho
4A73 Principe deste Reyno' Vê que forças
4074 Podia eu ter contra tamanhas forças' (1) Se tu mo tivesses proibido, eu teria o,bedecido.
96 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 97

5002 Ficareis cá sem mim, sem vosso pay, PACHECO, REY, COELHO
5003 Que náo poderá ver-vos sem me ver.
5004 Abraçay-me rneus filhos, abraçay-rne, 5026 Oh Senhor, que nos matas! que fraqueza
5005 Despedi-vos dos peitos, qlte mamastes. 5027 Essa he indigna de ti? de hum real peito?
5006 Estes sós foram sempre; já vos deixam. 5028 Vence-te húa molher, e estranhas tanto
5007 Ah já vos desempara esta mãy vossa. 5029 Vencer assi teu filho? que já agora
5008 Que achará vosso pay quando vier? 5030 Terá desculpa honesta: não te esqueças
5009 Achar-vos-á tam sós, sem vossa mãy; 5031 Da tenção tam fundada, que te trouxe.
5010 Não verá quem buscava: verá cheas
50i1 As casas, e paredes de meu sangue. REY
5Ol2 Ah vejo-te morrer, senhor, ,por mim.
5013 Meu senhor, já que eu mouro, vive tu. 5A32 Não pode o meu sprito consentir
5014 Isto te peÇo, e rogo: vive, vive. 5033 Em crueza tamanha.
5015 Empara estes teus filhos, que tant'amas.
5016 E pague minha morte seus desastres, PÀCHECO
5017 Se alguns ss esperavam. Rey senhor,
5018 Pois podes socorrer a tantos males, Mór crueza
5019 Socorre-me, perdoa-me. Não posso 5034 Fazes agora ao Reyno: agora fazes
5020 Falar mais. Não me mates, não me mates. 5035 O que faz a pouca agoa em grande fogo.
5021 ,Senhor, não to mereço. 503ó Agora mais s'acende, arderá mais
5037 O fogo do teu filho. A que vieste?
REY 5038 A pôr em mór perigo teu estado?
ó molher forte! REY
5022 Venceste-me abrandaste-me. Eu te deixo,
5023 Vive, em quanto Deos quer. 5039 Vejo aquella innocente, chora-m'alma.

CHORO COELTIO

Rey piadoso, 5040 O animo Real tam firme, e forte


5A24 Vive tu, pois perdoas: moura aquelle, 5041 Á de ser no que faz que nunca possa
5025 Que sua dura tenção leva adiante. 5A42 Debaixo do Ceo nada pervertêlo.
7
COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 99

5043 A justiça, Senhor, pinta-se armada REY


5044 D'espada agada, contra cujos fios
5045 Náo possa aver brandura, nem dureza. 5061 Peque antes ness'estremo, que em crueza.
5046 Cada hum destes estremos he grá vicio
5017 Em quem he pay comum de todo hum COELHO
[Reyno.
5048 Despois da conta feita, e razões claras, 5ü62 Não se consente o Rey peccar ern nada.
5049 Despois de taes conselhos em que viste
5050 Quam necessaria era esta tua vinda, REY
5050-A Quam necessario o effeito, a que vieste,
5051 Se muda assi, senhor, tam levemente 5063 Sou homem.
5052 Por lagrimas teu animo constante?
5053 Antes não comettêras, nem cuidáras COELHO
5054 Cometter isto porque não vieras
5055 Àcrecentar o mal, que agora vejo Porém Rey
505ó Que ,fica já de todo sem remedio.
REY
REY
O Rey perdoa.
5057 Náo vejo culpa, que mereça pena.
PÀCHECO
PÀCHECO
50,64 Nem sempre perdoar he piedade.
5058 Inda hoje a viste, quem ta esconde agora?
REY

REY
5065 Eu vejo húa innocente, mãy de hüs filhos
5066 De meu filho, que mato juntamente.
5059 Mais quero perdoar, que ser injusto.
COELFIO
COELHO

5067 Mas dás vida a teu filho, salvas-Ih'alma,


5060 Injusts he quem perdoa a pena justa. 5068 Pacificas teu Reyno: a ti seguras.
I
100 COLECÇÃO PORTUGAL I CÀSTRO-ANTÓNIO FERREIRA 101

5069 Restitues-nos honra, paz, descanso. 5094 Mais estas razões fortes, que essa mágoa
5070 Destrues a traydores; cortas quanto 5095 Injusta, que despois chorarás mais,
5O7l Sobre ti, e teu neto se tecia. 5096 Perdendo csta occasião, que Deos te
5A72 Offensas, senhor, publicas não querem [mostra.
5073 Perdão, mas rigor grande. Daqui pende
5074 Ou remedio d'hum reyno, ou quéda certa. REY
5075 Abre os olhos ás causas necessarias,
5076 Que te mostramos sempre, c que tu vias. 5097 nao manclo, nem vedo. Deos o julgue.
E,r-r
5077 Cuida no que emprendeste, e no que 5098 Vós otrtros o faz.ci, se vos par€cc
Ideixas. 5099 Justiça, assi matar qllem não tem culpa.
5078 O odio de teu filho contra ti,
5079 Contra nós tal será, como qual fora, COELHO
5080 Fazendo-se, o que deixas por fazer.
5081 A ti ficam seus filhos, ama-os, honra-os. 5 100 Essa licença basta: a tcnção nossa
5082 Assi lh'amansarás grã parte da ira. 5 101 Nos salvará cos homês, e com Deos.
5083 Senhor, por teu estado te pedimos:
5084 Polo amor do teu povo, com que t'ama, CHORO

5085 Polo com que sabemos que nos amas:


5086 Por mais vida, e mais honra de teu filho, 5102 Em fim vencco a ira, cruel imiga
5087 Princip,e nosso: e por aquelle seu 5103 De todo bom conselho. Àh quanto podem
5088 Fernando unico herdeiro, cuja vida s1M Palavras, e razões em peito brando!
5089 Te está pedindo justamente a morte 5105 Eu vejo teu sprito combatido
5090 Desta molher (1): em fim por honra tua, 5106 De mil ondas, ó Rey. Bom he teu zelo:
5091 Pola constancia firme, com que sempre -5107 O conselho leal: crucl a obra.
sWZ Acudiste ós remedios, e á justiça,
5093 Que a não deixes agora: que te movam REY

5108 Por crueza julgais o que he justiça?

CHORO
(1)
Receava.se que fossem desprezados os direitos de
D. Fernando para se elevar ao trono um filho de D. Pedro
e de D. Inês de Castro. 5109 Crueza a chamará tod'outra idade.
t02 COLECçÃO PORTUGAL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 103

CHORO
REY

5l 10 Minh'alma innocente he, conselho sigo.


5125 Jd morreo Dona Ines, mo.tou-& Amor; ,t
5126 Amor cruel! se tu tiveras olhos, .

5127 Também morrêras logo. ó dura morte


CHORO
5t28 Como ousaste matar aquella vida? ,,
5129 Mas não mataste: melhor vida, e nome
51i I Deos te julgue. Eti não ouso. Porém temo. 5130 Lhe déste do qua cd tinha n0 terra.
5131 Est.e seu corpo só gastard A terra,
REY 5132 Por quem estará chorando sempre o Amor,
s 133 Honrando-.se sómente do seu notne.
5r12 Que temes?
5134 Mas quem a quiser ver com outros olhos,
5135 Outro no?fi:e, outro. gloria, outra honra e
lvida
CHORO
5136 Lhe achará, contra a qual não póde a
lmorte.
Este sanguc, que aos Ceos brada. 5137 Aquelles matas tu sómente, ó morte,
51 13 Não culpamos a ti; nem desculpamos 5138 Cujo nome s'esquece; e a quam na terra
5114 As descorteses mãos de teus ministros 5139 Fica de todo sepultada a vida.
5115 Constantes no conselho, crús na obra. 5i40 Mas esta vivirá enquanto o Amor
51 16 Ay vês que crueldade? ó nunca visto 5t4t Entr'os homés reynar, e sempre os olhos
5tt7 Mais innocente sangue! e como sofres 5142 De rodos a uerdm com melhor nomo
5118 ó Rey, tal injustiça? ouves os brados 5143 Real amor lhe dard Real nome.
51 19 Da innocente moça? ouves os chóros 5t44 o que coroa lho apar,elha a morte!
5r20 Dos innocentes filhos? triste Iffante 5 145 Despois que lhe cerrou os cldros olhos
5t2t Alli passam tu'alma teus vassalos, 5146 Indignos d'ante tempo ir,em d tsrra,
5t22 De teu sangue os crueis tingem seus ferros. 5t47 Sem quein só 't'ica, e desarmado Amor;
5i48 Sem quetm quam trist,e, If't'ante, a tuavista!
REY 5r49 Tu és o que morreste, aquella vida
5150 Era tua; jd agora aquelle nome
5123 Afronta-se minh'alma. Ó quem poderá 5 151 Qua tam doce te fez sempre o Amor,
5t24 Desfazer o qu€ he feito. 5152 Triste to tem tornado a cruel morte.
104 COLECÇÃO PORTUGAL
CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 105

5153 Chorando a andarám sempre no terra. 5 178 laz a coitada no seLt sangue envolta
5154 Té que nos ceos a tejam esses t,eus olhos. st79 Aos pés àos t'ilhos, pera quem fugia;
5155 Nem averd. jd nunca no mundo olhos, -5180 Não lhe valerant, que não tülharn forças
515ó Que não chor,em de mdgoa de hãa rtida -5181 Pert lonlarent os agttdos 'ferros,
5157 Assi cortada sm 'Ílor. E quern a. terra 5182 Cont que seus peitos tartt iro.samente
5158 For ver, em que estiver escrito o nome 5 183 Traspassar victrn aclue!Les crtrcis.
5159 Della, dird: Aqui estd chorando a morte 5184 a n'Lãos lctnt tlru'as, ó corações du'os,
51ó0 De mágoa do que fez, aqui o Amor. 5Í85 Cottto ltotlcs/ cs Íazcr / ul crtrcr.a?
5161 Amor, quanto çterdeste (l) nús sós olhos, 5i8ó OtLtrtts tttãctc yattliatl't, qLrc yo-lets arrartotuent
5162 Que debaixo da terra pos a morte, 5187 Ccttn tntir crtiez.a.
5i63 Tanto elles mais terám de vida, e nome. -5188 Qua tlttros Gatas, t11os quc I'iõa.s qtte Ussos
5189 NcTo arnaitscLrá lcLrn Ícrntoso rosto?
SÀFICOS
s 190 Qua iru tnnt bravo- não tornúra brattda
5191 Hdo só ntítgoa de tam tloce boca?
5164 Choremos todos a Tragedia triste,
5192 Qtrc tnãos ttTo cruas não attÍrant logo
5165 Que esta cruq morte deixará no mundo. Aquclles crespos selts ricos cabellos?
-5193
51ó6 Iá aque,lle sprito, que também yivia st94 Aquelles olhos ertt que pedras duras
5167 Em ti, ó Castro, t)ay aos ceos voando. .5195 Não imprimirant brandura? ó que mágoa!
51ó8 lá aquelle sangue purpur.eo, innocente, 5196 O que crLte?.q lcLnt 't'éra, e lam bruta!
5169 Forçodamente desempara os membros,
5197 Moça innocente, por alnor só morla:
5170 A que elle dava aquella cor, e graÇa, 5198 Com gente ctrmada, corno forte imigo.
5171 Que a natureza mais perfeítamente 5199 Ttt, Deos, que o ttiste, ouve o clamor justo
5172 Formar poderd nesta, ou outra idade.
5200 D'aquelle sangue, que t'est(i pedindo
5173 Assi a região, que vê nascer o sol,
5201 Crua vingança.
5174 Como a regiã.o, onde o sol se esconde,
5175 Assi aquella, que ao fervente Cancro,
5176 Como aquell'outra, que d -fria mór [Jrsa
5177 Estão sogeitas, esta mágoa chorem.

(1) Perdestes na ed. de 1771.


ÀCTO V

IFFÀNTE. MBSSÀGEIRO.

IFFÀNTE

5202 Outro ceo, outro sol me pareoe este


5203 Dif'ferente daquelle, que lá deixo
5204 Donde parti, mais claro, e mais fermoso.
5205 Onde não regplandecem os dous claros
5206 Olhos da minha luz, tudo he escuro.
5207 Aquelle he só meu sol, a minha estrella,
5208 Mais clara, mais fermosa, mais luzente
5209 Que Venus, quando mais clara se mostra.
52lO Daquelles olhos s'alumia a terÍa,
52ll Em que sombra nãoha,nemnuvemescura.
5212 Tudo alli he tam claro, que té a noite
5213 Me parece mais dia, ,que este dia.
5214 A terra alli s'alegra, e reverdece
5215 D'outras flores mais frescas, e melhores.
t
rl
5216 O Ceo se ri, e se doura differente
,t

t
ll
5217 Do que neste Orisonte se me mostra.
rl 5218 O soberbo Mondego com tal vista
'll
5219 Parece que ao grã mar vay fazer guerra.
5220 D'outros ares respira alli a gente,
5221 Que fazem immortaes os que lá vivem.
l0E COLECÇÃO PORTUGAL
CASTRO_ANTONTO FERREIRA 109

5222 O' Castro, Castro meu amor constante! MESSÀGEIRO


5223 Quem me de ti tirar, tire-me a vida.
5224 Minh'alma lá ma tens, tenho câ a tua.
5225 Morrendo hüa destas vidas, ambas 5245 Novas crueis; cruel sou contra ti,
5246 Pois m'atrevi trazê-las. Mas prirneiro
[morrem. Sossega teu sprito: e nelle finge
5226 E avemos de morrer? póde vir tempo 5247
5227 Que ambos nos não vejamos? nem eu 5248 A mór desaventura, que te agora
5249 Podia acontecer: que grã remedio
[possa, He ter o sprito armado á rnâ fortuna.
5228 Indo buscar-te, ó Castro, achar-te lá? 5250
5229 Nem achar os teus olhos tam fermosos,
5230 De que os meus tomam luz, e tomam vida? IFFANTE
5231 Não posso cuidar isto, sem os olhos
5232 Mostrarem a saudade, que me fazem 5251 Tens-me suspenso. Conta: que acrecentas
5233 Tam tristes pensamentos. Viviremos 5252 O mal com a tardança.
5234 Muitos annos, e muitos: viviremos
5235 Sempre ambos nest'amor tam doce e puro. MESSÀGEIRO
5236 Raynha te verey deste mreu Reyno,
5237 D'outra nova coroa coroada 5253 IIe rnorta Dona Ines, que tanto amavas.
5238 Differente de quanta5 coroáram
5239 Ou de homês, su molheres as cabeças. IFFÀNTE
5240 Então serão meus olhos satisf,eitos:
5241 Então se fartará da gloria sua
5242 Est'alma, que anda morta de desejos. 5254 ó Deos: ó Ceos! que contas? que me dizes?

MESSÀGEIRO MESSÀGEIRO

5243 O' triste nova, triste messageiro 5255 De morte tam cruel, que he nova mágoa
5244 Tens ante ti, senhor. 5256 Contar-ta: não me atrevo.

IFFÀNTE IFFÀNTE

Que novas trazes? He morta?


coLECçã,o PORTUGAL
CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 111

MESSAGEIRO
5275 Morta m'es tu? morte ouve tam ousada
5276 Que contra ti podesse? ouço-o e vivo?
si. 5277 Eu vivo, e tu és morta? ó morte crua!
IFFÀNTE 5278 Morte céga mataste minha vida,
5279 E não me vejo morto? abra-se a terra.
5257 euem ma matou? 5280 Sorva-me num momento: r'ompa-s'alma,
52Bi Aparte-se hum corpo tam pesado,
5282 Que me detem por força.
MESSÀGEIRO
5283 Ah, rlinha Dona fnes, ah, ah, minh'alma!
5284 Amor meu, meu desejo, meu cuidado,
Minh'esperança só, minh'alegria,
s2s8 Foy hoje,IiXrij.ril""l?h;rmada
5285
5286 Mataram-te? mataram-te? tua alma
estava, não fugido. 5287 fnnocente, fermoso, humilde, e sancta
amor com que te amava. 5288 Deixou já seu lugàr? ah de teu sangue
com quem se defendia. 5289 S'enchêram as espadas? de teu sangue?
ocencia, e piedade, 5290 Que espadas tam crueis, que crueis mãos?
perdão aos pés lançada 529t Ah como se movêram contra ti?
que teve tanta força 5292 Como tiveram forças, como fios
horando. Mas aqueúes 5293 Aquelles duros ferros contra ti?
seus, e Conselheiros 5294 Como tal consentiste, Rey cruel?
dão tam merecido 5295 Imigo meu, não pay, imigo meu!
5296 Porque assi me mataste? ó Liões bravos!
s_21s rraspassanr,,ro',oX11;, j".Iff
Abraçada cos fithos u _r,á.o_,
;Jl:i 5297. ó Tygres! ó serpentes! que tal sede
:1lO
5271 Que inda ficáram ,i"ro. ão seu sangue. 5298 Tinheis deste meu sangue! porque (1)
[causa
s299 Vos não vinheis em mim fartar vossa ira?
IFFÀNTE 5300 Matáreis-me, e vivêra. Homõs crueis,
5301 Porque não me matastes? meus imigos,
que farey que ctarnarey?
?:11 9X
r.tr 9,."r,, ó crueza!
u lortuna!
5274 ó minha Dona Ines, óO -mal tamanho!
ui_u minha,
(1) Por que causa.
tt2 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 113

5302 Se mal vos merccia, ern mim vingáreis 5321 Aquellas ameaças! mas quem crêra
5303 Esse mal todo. Aquella ovelha mansa, 5322 Que tal podia ser?
5304 fnnoccnte, fennosa, simples, casta, 5323 Como poderei ver aquelles olhos
5305 Que mal vos met:ecia? mas quisestes 5324 Cerrados pera sempre? como aquelles
5306 Como imigos crueis buscar-me a morte 5325 Cabellos já não de ouro, mas de sangue?
5307 Não da vida, mas d'alma. ó Ceos, que 5326 Aquellas mãos tam frias, e táo negras,
[vistes 5327 Que antes via tam alvas, e fermosas?
5308 Tamanha crueldade, como logo 5328 Aquelles brancos peitos traspassados
5309 Não cahiste? ó montes de Coimbra, 5329 De golpes tam crueis? aquelle corpo,
5310 Como não sovertestes taes ministros? 5330 Que tantas vezes tive nos meus braços
5311 Como não treme a terra, e s'abre toda? 5331 Vivo, e fermoso, como morto agoÍa,
5312 Como sustenta em si tam grã crueza? 5332 E frio o posso ver? hay como aquelles
5333 Penhores seus tam sós? ó pay cruel!
MESSÀGEIRO 5334 Tu não me vias nelles? meu amor,
5335' Já me não ouves? já não te ey de vêr?
5313 Senhor, pera chorar fica assaz tempo: 533ró Jâ te não posss achar em toda a terra?
5314 Mas lágrimas que fazem contr'a morte? 5337 Chorem meu mal comigo quantos
5315 Vay ver aquelle corpo, vay fazer-lhe
[m'ouvem.
5316 As honras, que lhe deves (1). 5338 Chorem as pedras duras, pois nos homês
5339 S'achou tanta crueza. E tu, Coimbra,
IFFÀNTE 5340 Cubre-te de tristeza pera sempre.
534I Não se ria em ti nunca, nem s'ouÇa
Tristes honras! 5342 Senão prantos, e lagrymas: em sangue
5317 Outra5 honras, Senhora, te guardava: 5343 Se converta aquella agoa do Mondego.
5318 Outras se te deviam. ó triste, triste! 5344 As arvores se sequem, e as flores.
5319 Enganado, nascido em cruel signo, 5345 Ajudem-me pedir aos ceos justiça
5320 Quem m'enganou? ha cego que não cria 5346 Deste meu mal tamanho.
I 5347 Eu te matey, Senhora, eu te matey.
5348 Com morte te paguei o teu amor.
5349 Mas eu me matarey mais cruelmente
(1) Na fala seguints o Infante desempenh2l o papel 5350 Do que a ti matâram, se não üngo
do coro das carpideiras nos funerais. 5351 Com novas crueldades tua morte.
8
114 COLECÇÃO PORTUGAL

5352 Par'isto me dá Deos sômente vida.


5353 Abra eu com minhas mãos aquelles peitos,
2121 Arranque delles hús coraçOes fero-s (1);
5355 Que tal crueza ousáram: entam acabe.
Eu te perséguirey, Rey meu imigo.
:1:9 Lavrará
5357 mui cedà braio fogo GLOSSÁR1O
:1:9 Nos teus, na tua terra, des ruidos
5359 Verão os teus amigos, outros mortos,
::99 DeDe cujo sangue s,encherão os campos,
:191 Emcujo sangrne correrão os rios,
5_19? vingança daquelle: ou tu me mata,
::91 Ou fuge da minhlru, q.." já
5364 Te não conhecerá po. p.y iz).agora r*igo
53ó5 Me chamo teu, imigo i",,
5366 Não m'es pay, não sou filho, -" chama.
5367 Tu, Senhora, estás lá nos Ceos, imigo sou.
eu fico,
:J68 Enquanto te vingar: logo Iá voo.
5369 Tu serás ca Raynha, foras.
5370 Teus filhos, só por teus "Ãoserão Iffantes.
5371 Teu innocente corpo será
5372 Em Estado Real: o t"., fosto

11!3 M'acompanhará semp re,"-ã. té que deixe


2111 _O meu corpo co reu; e lâ vâ est,alma
5J/5 l)escansar com a tua pera sempre.

FIM

(1) Assim sucedeu a pêro Coelho foi arrancado


corq,çãopelo peito, e a Álvaro o
(2) Referência à 'guerra pelas costas.
D. Afonso IV durante o qual D. pedro e
horrÍveis.
am violências
I GLOSSÁRIO

ACRECENTAR, acrescentar. (1ó4)


AFONSO, Afonso lY, o Bravo, filho de D. Dinis e de
Santa Isabel. (36)
AGOURAR, y. tr. Prdizer, prognosticar. (1041)
ÀJUNTAR, Juntar. (35, 2079)
ALÇAR, elevar, levantar, exaltar, clamar. Ant. de deribal
(37, 116,474,589,962)
ALCIDES, Hércules, semidzus da força. Depois ds ysalizar
trabalhos sobrehumauos deixou-se vencer pelos encan-
tos de ônfale, a ponto de sê vestir com trajes de mulher
e de ficar em comPanhia dela. (560)
ALIMPAR, ltmpar. (508)
ALJAVA, carcaz., es§o onde 'se traziam as setas. (510,
s34)
ÀMÀ, mulher que amÍunenta uma criança; aia. (13)
APOLO, miÍ. Deus da poesia da medicina e das ârtes.
Guiava o carro do Sol. (531) l

ARRAIADO, enfeitado, adornado, ajaezado. (928)


ASSI, assim. (263, 622, lM9,2083, 3()90, 3091, 4087, 5051,
5099, 517s)
lrr T

Il8 GLOSSÁRIO
GLOSSÁRIO |9

C
E

EMPARAR, amparar. (5015)


EMPERÀDOR, irrperador. (468)
EMPRENDER, empreender. (5077)
ENoURaR, endurecer, empedernir (ss8)
ESPIRAR, exalar. (6)
ESTREITO, adj. Dificll, apertado, terrível, rigoroso, curto,
(3078, 4019)
ESTRELA, sorte, fado, destino. (53, 183 )

FERMOSO, formo'so. (450, 501, 509, 596, 905,914, 928, 2075,


CUBRE-TE, cobre-te. (5341)
2076, 2085, 2086, 5189, 5204, 5208, s229, 5287, 5304,
5327, 5331)
FERMOSURA, formosura, (3006)
D FERNANDO, filho legítimo de D. Pedro I e de D. Cons.
tança. (5088)
DECLARAR-SE, manifestar-se, pronunciar-se resolver-se, FORTUNA, sorte, risco, perigo. (825)
(430) FRUITO, fruto. (139)
DEFENDER, proibir. (4076) FUGE, !, t- ant. e pop. Foge, evita. (480, 108ó, 2006,2021,
DERRIBAR, v. int. C.- ,' s364)
DE'EM,ARAR, d..,;;;:::'?;tã'ãÍ:':iq FUGIR, u. tr. Evitar (8ó, 480, 918)
FúRIA, Paixão, ira. (3096)
5, 3069)

(712, sM}, sa4s) G

D. DrNrs. ,Firho de ,. or"Íi"i? :"';:i:k:":,T;


D. Beatriz, filha de D. Afonso
GANHADO, ganho. Riquezas mal ganhadas. (631)
GENEROSO, adi. Nobre. (306)
X, o Sábio. (a5)
DITOSO, fetiz. (10, 307ó,
4031)
GETAS, povo bárbaro da Síria. O nome Gela passou a
designar um homem rude, grosseiro, cruel. (5188)

L
GLOSSÁRIO
t2t
120 GLOSSÁRIO

M
H

que lllanlaste' os peitos


HIRCANO, adj. Da Hircânia, r-egião da antiga Pérsia e MAMAR, 1r. /., sugar. Os peitos
que era afamada pela ferocidade dos seus tigres. cujo leite sugaste. (5005)
de Vénus' (531)
(861 ) MARTE, mit. Deus da guerra e amante
MESSAGEIRO, mensageiro' (5243' 5313)
I MOR, maior. (5187, 5248)
tnouta ora
MOURA, MOURO, morra, morro' Moura Por
corrente século XVI' (654' ó55' 810' 4016, 4055,
no
IFFANTE, infante. (5120)
Cft. Lusíadas, III' 129)
5013, 5025.
IMIGO, m. e adi. Inimigo. (116, 329, 3056, 4003, 4070, 5102, Cf' os versos
MOVEDOR DOS CEOS E TERRAS' Deus'
5198, 5295,5301, 530ó, 5357, 5365,5367) câ na
IMPIDIR, embaraçar, entorpecer. (954) l9l-lg7 e 2ll-212: <("' sem si nada ll se move
1s11a». (173)
INDA, ainda. (5ó, 95, 178,304, 308, 443, 690, 4019, 4077,
sos8)
IVOS, ide-vos. (769) o

J
OS, aos. (5092)
JúPITER, mit. Chefe dos deuses, e marido de Juno, trans-
formou-se em tourô para seduzir Europa, em Cisne
P
para enganar Leda, em Diana para iludir Calisto e
em chuva de ouro par2 surpreender Dánae. Cfr.
Almeida Garrett. D. Branca, páe. I, (4." ed.): (5ó8) brilhar' (1OOO)
PARECER, aparecer, surgir, mostrar-se
PASSAR, traspassar, ferir; pctssar a olma de' algaém'
L de seta' (5121)
matá-lo. Cfr. o t' passador' espécie
PEDIR, O v- pedir, como fnsa Moraes
no seu Dicionário'
LEDO, adj. Alegre. (17,33,181,231, l0l2) temsentidomaisgenérico;rogarépedirpormercê.
Mas no passo da Castro, Antónib Ferreira
LICENçA, excesso de liberdade, exemplo pernicioso, per- estabeleceu
missão de cousas ilícitas. (356) umagradaçáoemqtterogarsignificapedit'iim'mas
LOUVAR-SE, gabar-se jactar.se aprovar arbitrariamente. com ardor, com ansiedade' (5014)
(600)
122 GLOSSÁRIO GLOSSÁRIO 123

PERA, para (358, 381, 476, 682, 781,811, 861, 862, 864, 865 SOVERTER, subverter. (574)
959, 969,986, 997, 1025, 1029, 1M6, 1057; 1099, 3038 SPRITO, z. EspÍrito,. (33, 111, 122, 181,247,474,477, 526,
3090, 4029, 4037, 4091, 5179, 5181, 5313, 5324, 537ó) 20u, 2a4s, 3003, 3062, 3073, 5032, 5105, 5166, 5247)
PIADADE, piedade, (5064) SUBIR, "v. tr. Elevar. (618)
PIADOSO, piedoso. (153, 275)
POLO, POLA, pelo pela. (250, 678, 687,731, ZO9Z, 5084
T
5085, 5091)
POR, para. (461, 713,734, 899)
PORQUE, para que. (715) TANGERES, lr,t. Sons, harmoniosos, músicas. (8)
TÉ, até. Tégora, até agoÍai téqul, até aqui. (132, 3071,
5154, 5212, s248, 5374)
R
TEUCROS, Troianos. Tróia foi cercada e destruÍda pelos
Gregos, que vingaram assiJn o rapto de Helena, mu-
REPENDIMENTO, arrependimento. (se4)
lher de Menelau, raptada por Páris. (578)
REPRENDER, repreender. (237, 3lt)
TIRAR, v. r. puxar. (435)
REPúBLICA, o Estado. (719)
RESPLANDOR, resplendor. (608)
ROGAR, pedir ansiosamente, com instância. Vid. U
t
bedir. (5014)
ROMÂ, Romana. (4051) URSA MOR, Ursa maior; o pólo Norte. 5176)
ROMÃOS, Romanos. (737) USSO, urso. (5188)

S
v
SALVAR-SE, acolher-se livrar-se de culpa. (7ó9, 805)
VÉNUS, planeta. (5209)
SECRETO, segredo, a parte oculta na consciência de
cada um. (1014) VMZA, ardor, vivacidade. (56)
SI, sim. (5256) VIVEREI, vivireis, viviremos, viverei, vivereis,, viveremos.
(181, 2010, 4046, 4093, 5140,5234)
SIGUIR, seguir. (408)
SOIA, imperf. do verbo defectivo soer, costumar. Hoje
só se usa na forma do presente Z
- srii.
(983)
SOMBRAS, aparências, imaginações. sonhos váos. (909,
1003) ZOMBARIA, gracejo, dito picante, motejo. (280)

Você também pode gostar