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STRO
Trugédia
corECÇAo PORTUGÂL
ANTONIO FERREIRA
CASTRO
Tragédia
6..EDIÇÁO
CÀSTRO
ÀMÀ
CÀSTRO
t,
t-) .Ar-na, na criaçãs alna, nO amOr rnãy,
lÀ
Àjr,rcla-rp'ao praT-er.
COLECçÃO PORTUGAL CASTRO-ANTóI'{IO FERREIRA 23
ÀMA
AMA
15 Novos estremos vejo. 24 Que força de prâzer tàs traz aos olhos?
16 Nas palavras prazer, agoa nos olhos.
t7 Quem Íe faz juntamente lcda, e triste ?
CÀSTRO
CÀSTRO
25 Vejo meu bem seguro, que receava.
18 Triste não póde estar, quetrr r,ês alcgi'r.
ÀMÀ
ÀN{À
26 Que novo caso foy que bem te veo?
79 Mistura ás rrezes a fortuna tudo. 27 Ponque me tens susPensa?
28 Àbre-me já, Senhora, essa alma tua.
CÀSTRO 29 O mal s'abranda, o bem contando-o cresce'
CÀSTRO
ÀNTÀ
1O0 Cegos, que quanto mais vedam, mais
101
[chamarn. 122 Quem te segurou já? quem novo sprito
Cresce co a força .,{mor: e o que á vontade 123 Te deu aos temores?
702 Se faz mais irnpossivel, mais deseja.
CÀSTRO
164 Acrescentar imperios: sem ti o mundo
165 Dure deserto me pareceria. X87 Rege tu,. ama minha, este meu peito.
166 Náo poderá fortuna, não os homês, 188 O subito prazer engana, e erra.
167 Não estrellas, não fados, náo planetas
168 Àpartâr-me de ti por arte, ou força.
ÀMÀ
169 Nesta tua mão te ponho firrne, e fixa
\74 Minh'alma; por Iffante te nomeo, 1E9 Encobre teu segredo.
17t Do meu amor Senhora, e do alto estado,
1.72 Que me espera, e teu nome me faz doce. CÀSTRO
173 O grande rnovedor dos ceos, e terras
174 InvoÇo, e chamo aqui: o alto ceo m'ouça, N'alma o tenho.
175 E meu intento sancto âpprove, e cumpra.
ÀMÀ
ÀMÀ
120 Deos to conserve.
176 Entendo o teu pÍazer, as tuas lagrymas.
177 Tambem de prazer chóro: tam contraria CÀSTRO
178 Nos he sempre a alegria, que inda toma
179 Lagrymas emprestadas á tristeza. Humilde aos ceos o peço.
CÀSTRO IFFÀNTE. CHORO.
180 Jâ não temo fortuna, jâ segura, t9r Poderoso Senhor, grã pay do mundo,
181 E léda vivirey. t92 Cujo poder immenso, altas grandezas
193 Cantam os ceos, a-terra, os elementos (l),
ÀMA 194 A cuio aceno treme a redondeza.
1.95 A cujo querer nada he impossivcl, 22I Quem então não chorava a crueldade
196 Fortalece meu peito, arma-me todo 222 Contra o primeiro amor? e quem calava
197 De paciência igual á. dura afronta. 223 À dura pertinacia do segundo?
198 Sossega os alvoroços deste povo, 224 Mas tu querias dar ao mundo o grande,
lgg A furia de meu pay, que em vão trabalha 225 Forte, prudente, e sancto, hum só Dinis,
2OO Airancar-me minh'alma donde vive. 226 Paz, e concordiâ entre altos Reys, Q Reynos
2Ol Sou humano, Senhor: tentações grandes 227 Deu e tirou, em armas claro e em letras.
2AZ Vencem animos fortes. 228 Eu de seu sangue, de seu estado herdeiro,
2O3 Ferve o sangue, arde o peito, cresce-me ira 229 Porque do meu amor tam mal julgado
2O4 Contra quem me persegue: tu me arnansa. 230 Nam esperarey grandezas? velas ey,
2A5 Não poderey sofrer, não PodereY 231 Velas-ey de ti, Castro; vive leda,
2M A dura pertinacia, e cruel odio, 232 Vive segura, lànça os medos f,óra.
2O7 Que ao meu doce amor mosttram. 233 Que antes morte, que vida sem ti quero.
2OB Vence a dor a razáo: vence Amor força.
209 Tu conserva, alto Deos, a prometida. CHORO
2lO Fé, a quem já de lá dar-ma mandaste-
211 Tudo de ti procede: sem ti nada 234 Não he desculpa ao mal outro mal grande.
212 Se move câ na terra. Quem entende
235 Quam danoso he no mundo hú mao exernplo!
213 Teus meos, e teus fins, e tons segredos?
?36 Mas não póde assi ser a Razão cega,
214 Quanfas vezes mal he, o que bem parece!
237 Que o ,que reprende em outro, em si o
?15 Quantas v(zes o mal causa bens grandes! [aprove.
216 Quanto tempo sofreste o $aPde Afonso
238 Cada hum levarse deira da vontade.
217 No nome de Bolonha celebrado. SECRETÀRIO. IFFÀNTE. CHORO.
218 Que novas torres ajuntou ás Quinas (1)
219 Dura força fazendo ao matrimonio, 239 Quem ajuntar poder com agoa o fogo,
220 Contr'as divinas leys, contra as humanas (2)! 240 Quem misturar co dia a noite escura,
241 E quem o máu peccado com a virtude
242 Este no amor ajuntarâ razáo,
(1) Ajuntou a Portugal o reino'do Algarve. 243 Este em falsa lisonja a lealdade.
(2) D. Afonso III repudiou a primeira mulher 244 Hum o amor não sofre, outro a virtude.
D. Matilde, Condessa.de Bolonha, para casar co'm 245 E eu destes arnbos venho agora armado-
D. Beatriz, filha de D. Afonso X, o Sábio. 246 Não sey se poderey vencer com eles.
3
COLECÇÁO PORTUGAL CÀSTRO-ANTÓNIO FERREIRA 35
34
]FFÀNTE
247 S'algum sprito bom me quisesse hora
248 Ajuáar lá dos ceos, e aqui acabasse
267 Mas àntes lhas vão dando quanto podem,
24g Esta vida; que fim mais glorioso
Procurando apartar-me donde rrivo.
Que polos ceos deixar a baixa terra'
268
250
25t Antes qlle por temor houra' c r''erdade?
SECRETARIO
252 Aquelle he que lá vejo pensativo'
253 Deos m'inspire que diga sem temor'
269 Se te visses, Senhor, vertc-yas mortol
254 Confiança ha mister, e animo livre
270 Verte-vas cégo: em quanto homem (1)
255 Quem quiser resistir ao máo proposito
256 Do Principe, em que está determinado' [não vive
Com su'alma própria, pódc a tal ser vida?
Mas deixar de o fazer he vil fraqrueza'
271
257
IFFÀNTE IFFÀNTE
282 D'húa parte me tens por secrctario. 308 Inda que com desgosto, a sam verdade.
283 Mas d'outra me has de ter por conselheiro. 3A9 Não me queres ouvir, mas bem me julgas-
284 Comprirey eu contigo, e co que devo: 310 Move-te o zels honesto, a fé tam pura.
285 Então venha tua ira, qLre eu não quero 3ll Deixa-te reprender de quem bem t,ama,
286 Melhor morte, que aquella, que de infamia 312 Que ou te aproveita, ou quer aproveitar-te.
287 Livrar a vida, e a àlma de perigo 313 Não recebas enganos de quem teme.
288 Não vês, Senhor, que o Sol, se escurecesse, 314 Ou deseja, ou espera, à custa tua,
289 Quanto cobre, e descobre, ficaria 315 De tua honra, e dos teus, que a tantos mata,
290 Tam triste, e €scrlro, como agora claro? 316 Louvas tu, ou alguém louvará aqueile,
291 Pois tal he o bom Principe: Sol nosso, 317 Que, podendo illustrar a glória antiga
292 Com cuja luz nos vemos, e seguirnos 318 De seus passados com mór honra, e fama,
293 A justiça que aos ceos nos vay levando. 319 Não sómente o não faz, mas escurece
294 Se s'esta em ti perder, onde a acharemos? -i20 Daquella \uz antiga o claro rayo?
295 Quem a virtude seguirá, quem honra?
296 Abateres-te assi de Principe alto IFFÀNTE
297 A pensamentos ,baixos, que s'estranham r2l Mas antes não viver merecia esse,
298 Nos homés baixos, parecer-te póde 322 Antes não ser nascido: que a Aguia vemos
299 Grandeza de ti digna? e do que deves
323 Os filhos engeitar, que ao Sol não olham.
30O A este estado tam alto, que te espeÍa?
SECRETÀRIO
IFFÀNÍE
324 E que dirás, que julgarás daquelle,
301 Quem tam liwe te Íaz, e tam ousado? 325 Que em vez de se armar bem contr'a
[fortuna,
SECRETARIO 326 Causas anda buscando de a ter sempre
327 Contraria à sua vida, e seu estado?
302 Amor, e lealdade esta ousadia IFFANTE
303 Me dão: dá-ma a Razão, que tem tal força,
3O4 Que inda que se náo siga, não se nega. 328 Quem náo teme a forttma, e não procura
305 Iá dentro em ti te vejo estar sentindo 329 De contr'ella se armar, tê-la á imiga,
306 Em teu animo Real, e generoso -130 Que aos que se lhe mais dão, sempre
3O7 Quasi hüa reverencia, a que te move, [persegue.
38 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 39
SECRETÀRIO
SECRETARIO
IFFÀNTE IFFÀNTE
Inda importunas?
413 Obedece ao que quero.
SECRET.àRIO
SECRETÀRIO
IFFÀ}iITE I}'FANTE
436 ó perseguição forte, ó odio estranho! 460 Para onde fugirc5,, porque (i) me deirem?
437 ó duros fados todos conjurados
438 Cos ceos, e corn as estrellas a perder-me!
SECRETÀRIO
439 Que me quereis? que sem razáo (1) vos
[faço, 46r De ti ás de fugir, por teu remédio.
44O Homês d'entranhas féras, e danadas, t
441 Em ter igual amor a quem mo tem?
442 A quem he tam. deüdo? quem o mundo IFFÀn.-TE
IFFÀIVTE
SECRET.\RIO
493 Por amor s'otna (t terrft 519 No terceiro ceo toe (L)
49+ D'agr-tas e clc vei'dtircL, 520 D'amor a dôce lira,
495 Ás orvores dti lolltcts, cor íLs lores (1)'
'f õ27 E de ld te coroe,
496 Em cloce paz a gLrcrra, 522 Castro, d'ouro o grõ Deos, que amor
497 A durezn em brandttra (2), linspira (2).
498 E mil odios convertc ent ttúl ott'tores.
4gg Quantas viclas a durct CHORO II
500 ldorte 6)esla4 renov(t:
501 A fermosa pintura 523 Antes cégo Tyrano,
ó02 Do mundo, Amor a tetn inteira, e nova. 524 Dos poetas fingido.
503 Ninguém tema seLts fogos, 525 Cruel desejo, e engano,
504 E chãmas furiosas. 526 Deos de yam gente, de ocio só nascido.
505 Amor he tudo, nmor stictrte, e brando, 527 Geral estrago, e dano
506 Sogeito a brandos rogos, 528 Da gloriosa fama,
507 As agoas amorosas 529 Cam sua séta, e chamma
508 Dos olhos com brandura estcí alimpando. 530 Tirando a toda parte
5Og Douradas e 't'ermosas 531 Ardendo fica Apollo, ardendo Marte.
510 Sétas n'aljaba soam 532 Vay pelos ares üodndo,
511 Á vista perigosas; 533 Arde cd toda a terra,
512 Mas amor lettam, dos amores 'voarr7. óu E d'aljaba soando
513 Amor em doces cantos, 535 O tiro empece mais, quanto o mais erra.
574 Em doces liras soe, 536 Tem por gloria yr juntando
515 Torne seu brando nome est'ar sereno- 637 Estados differentos:
516 Fujam mdgoas, e prantos. 538 Os mais convenientes
íLT O lédo prazer t)oe, 539 A Amor, e iguaes aparta.
518 E claro o rio 't'aça o valle ameno. óq Nunca de sangue,, e lagrymas se farta.
547 No tenYs, e casto Peito
542 Da moça vergonhosa,
(l) Segundo a Mitologia, Vénus, deusa do amor,
andava sempre acompanhada das Graçase dos Prazeres.
(2) Em doce paz converle a gtlerre; converte A (l) Na esfera de Vénus.
dureza em brandura. (2) Cupido, filho de Vénus e de Marte.
50 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO--ANTóNIO FERREIRT\ )l
6t4 He usar mal do cetro, e bem f.azê-lo 636 De todo bem ao povo, atalhar prestes
615 He não ter vida mais segura, e certa, 637 O mal em seu começo, antes que empeça
1i
616 Que quanto estes perigos nos promettem. 638 Despois nem forças bastam, nem conselho'
639 Atalhando a este mal, que t'assi agora
CONSELHEIROS 640 Tam trabalhado ttaz, iicarâs livre
64I Rindo-te da fortuna, e de seus medos'
617 Gloriosos perigos, e trabalhos' REY
618 Oh bemaventurados, pois te sobem
619 Da coroa da terra a que nos ceos 642 Vence o mal ao remedio.'Vejo o Iffante
620 Mais rica, mais gloriosa te darám' 643 De todo contra mim determinado,
644 Duro a meus rogos, mais duro aos man
PÀCHECO [dados.
645 Que estrella foy aquella tam escura?
621, Trabalho mais que estado tcm ( 1) os Reys, 646 Que máo signo, ou que fado, ou que
622 Os bons Reys, que não arnam assi [planeta?
[seus vicios,
623 Como as obrigações de se mostrarem PÀCHECO
624 Contra si mais isentos, e mais fortes 647 Em quanto ha occasião, dura o peccado:
625 Que o povo baixo, que anda só após elles. 648 Tirando-lha, eY-lo livre.
626 E Ql Rey como tu, Senhor, he ReY.
627 Não te pese de o ser, que virá tempo, REY
CONSELHEIROS RE}
654 Senhor, pera que he mais? moura esta 662 Ella que cuipa tem?
Idama.
PÀCHECO
REY
Dá occasião.
655 Que moura todavia?
REY
PÀCHECO
REY
665 O bem commum, Senhor, tem taes larguezas
Não he crveza 666 Com que justifica r-rbras duvidosas.
CONSELHEIROS
667 Assi que assentaes nisto?
Muito podes
CONSELHEIROS
REY CONSELHEIP.OS
PÀCHECO
Mal parece
685 Pois que dirás daquelles, que a seus
695 Matar húa innocente.
[proprios
686 Filhos (1) e a seu amor não perdoáram
PACHECO
687 Polo exemplo commum, e bem do povo?
REY Não he mal:
692 Náo se ha de fazer mal por quantos bens 698 O bem geral quer Deus que mais s'estime,
693 Se possam dahi seguir. 699 Que o bem particular. Nas circunstancias
700 Se salvam, ou se perdem as obras todas.
(l) António Ferreira tinha presente o exemplo do
cônsul Lucius Junius Brutus, que condenou à morte os REY
filhos por conspirarem a favor dos Tarquínios contra a
república. 701 Enganão-se os juizos muitas vezcs.
CASTRO ANTÓNIO FERREIR.A 63
COLECÇÃO PORTUGAL -
CONSELI]EIROS
722 Se te parece em parte isto cÍveza,
723 Não he cÍueza aquella, mas justiça,
Dcus inspira'
724 Quando de cruel anime não nasce.
702 Os dos Reys bcm funclad<-rs
725 Tua tençáo não pecca, em si se salva,
726 A aspereza dest'obra he medicina,
REY
727 Com que s'atalham as mortes, que adiante
728 Muitos he que por força te mereçam.
703 Ey mcdci dc deirar nome de injusto. 72.9 A clemencia por certo he grã virtude,
730 E digna mais dos Reys, que outras virtudes,
CONSELHEIROS 731 Polo perigo grande, que ha na ira,
732 Em quem tam livremente assi a executa:
7ü4 De iusto o deixarás, pois tc conselhas 733 Mas com esta o rigor he necessario,
705 Cos juizo5 dos teus leaes prudentes. 734 Por náo vir em desprezo tal virtude.
735 Este he o que se chamou severidade,
PÀCHECO 736 De que tantos exemplos nos deixáram
737 Os famosos Romáos em paz, e guerr-a.
706 Vês, poderoso Rey, vês cos teus olhos 738 Estas columnas am,bas são tam fortes,
707 A peçonha cruel, que vay lavrando 739 Que bemaventurado este teu Reyno,
708 Gelada deste amor cego: vôs quanto 740 Que nellas por ti só está tam fundado.
7Og A soberba, e desprezo destes homês 7'1.1 De tal modo, Senhor, ás de usar dellas,
710 Contra ti, e contra todos vay crescendo'
1,4',
Que húa vá sempre d'outra acompanhada.
7ll S'em tua vida nos tememos tanto, 743 Exemplos tés mostrado de clemencia,
712 Que faremos despois de tua rnorte? 744 Mostra àgoÍa, que he bem, severidade.
713 Por dar saude ao corpo, qualquer membro
714 Quc apodrece, se corta, e Pelo são, REY
751 Vós sois minhas orelhas, qLle cu não ouço. 771 Que cuidam, que pr-opoem, que determinam;
752 Minha tenção me leve, ella me salve. 772 A]umia minh'ahna, não se cegue
753 O engano se he vosso, em vós só caya. 773 No perigo, cm que está: não sey que siga.
771 Entrc meclo, e. conse,Iho f,ico agora:
PÀCFIECO 775 Mat,ar injr-rstamente he gra crtteza.
776 Soccorrer a mal pÍrblico he piedade.
754 Sobre nós descarrcga esse teu peso. 777 D'húa parte receo, mas d,'outra oiuso.
778 Oh filho mr:u que quer,es destruyr-me!
CONSELHEIROS 779 Ha dó desta velhice tam cansada:
7BO Muda essa pertinacia em bom conselho.
755 Eu tomo minha parte, ou tomo todo. 781 Não dês occasião pera que ,eu fique
756 Almas, e honras temos: estas ambas 782 Julgado ,mal na terra, ,g condenado
757 A ti, Senhor, se devem, a ti as damos. 783 Ant'aquelle grá Juiz, que está nos ceos.
758 Estas sós te conselham, que bem vês 784 ó vida felicissirna a que vive
759 Quã grande mal he nosso, o que fazemos. 785 O pobre lavrador só no s,eu câ,mpo,
760 Aventuramos vidas, e fazendas, 786 Sieguro da fortuna, e ,desoansado,
76',t Que em odio de teu filho ficam sempre, 787 Livre destes desastres, qule cá r"eynam!
762 Sob cujos pés ficamos, e em cuja ira (1), 788 Ninguem menos he Rey, que quem tê R.eyno.
763 Mas percamo-nos nós percamos vidas; 789 & qu. não he isto ,estado, he cativeiro
764 Soframos crueis mortes; nossos filhos 790 De ,rnuitos 'desejrado, mas mial arido.
765 Fiquem orfãos de nós, e desherdados; 79r Húa servidáo pomposa, h,um grá trabalho
766 A furia de teu filho nos persiga, 792 Esoondido s,ob nome de descanso.
767 Antes que esse tal medo em nós mais possa, 793 Aqtlelle he Rey sómionte, que assi vive
768 Que o que a virtude manda, e te devemos. 794 (Inda que cá seu norne nunca s"ouça)
795 Qtle de m,edo, e desejo, e d'esperança
REY 796 Livre passa seus dias. ó bons dias!
797 Oom que ,eu todos meus annos tam cansados
769 I-vos apparelhar, que em vós me salvo. 798 Trocará 'al,egrem,ente. Temo os homês,
770 Senhor, que estás nos ceos, e vês as almas, 799 Com outrros dissimulo, outros náo p,oss,o
800 Castigar, ou não,ouso. Hum Rey não ousa.
801 Tarnbern terne s,ou povot tamb,srn sofre.
(1) Em cuja ira, na ira do qual ficamos também. 802 Tambem suspira, e geme, e dis,simula.
5
66 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO
- ANTóNIO FE,I{REIRA 67
803 Náo sou Rey, sou cativo: e tam cativo 831 Pompas, e ventos, titulos irtcltados
804 Como quem nunca tem vontade livre. 832 Nã.o dão descanso, nem mcti-s doce sorto.
805 Salvo,me no ,conselho dos que creo, Ó;J Antes ntais cansqm, antes ent ntais nrcdo
806 Qtle me seráo leaes: isto me salve, 834 Poem, e perigo.
807 Senhor, co,ntigo: ou tu me rnostra cedo 835 Conto se volvent no grã nTar o,:; onclas.
808 Re,medio mais seguro, com que via 83ô
a2a
A.çsl se volvent estes peitos ,c/..tcos.
809 Conf,orme a este alto estado, que me déste. E fartos, nLtnca satisf aitos,
nuu'tccL
810 E me livra algum ternpo antes que moura, s38
a'1Í)
Nunca SegLU.os.
811 De tanta obrigaçam, pera que possa S'eu nte podesse d minha roittttcle
812 Conhocer+n'e melhor, e a ti voar 840 Formar meus 'fados, rnais não clucreria
813 Com rnais ligeiras asas do que póde B,tt Que rneanttltente segurLr a s'ído
814 Húa alma oarregad,a d'e ta,l pes'o. 842 Co necessario
843 Qtrent mais deseia, muitas ye?,es s'acha
84+ Triste, enganado: pouaas veTes dorme,
CHORO
845 Temendo ct fogo, ventos, rLrcs, sonTbr«s,
846 Tentendo os hctnús.
815 Quanto mais livre, quanto mais seguro 847 Rey poderoso, tLt porque dcsejas
816 Ha aquelle estado, que de si contente 848 Nttnca ter Reyno? poreuc essa corou
877 Não se levanta mais que quanto póde 849 Cltamas pesada? pelo peso c|-'alina,
818 Fugir miserias! 850 Que te carregl.
819 Tristes pobrezas ninguem as deseje. 851 Quatn pottcas vcaes yimos
820 Cegas riquezas ninguem as procure. 852 Tardar a grà jusÍiça,
821 Num meio' honesto estd a felicidade 853 QuLe não decesse sobre
822 Dos ceos, e terra 854 Aquelles livre5 Íilhos,
823 Reys poderosos, Principes, Monarchas 855 Que contra a natural
824 Sobre nós pondes l,ossos pés, pisay-nos. 856 Obrigação e ley
825 Mas sobre uós estd sempre a t'ortuna, 8õ7 Negrirant obediencia
826 Nós liures della. 858 Áquelles, que os gerciram!
827 Nos altos muros soam mais os ventos. 859 Pecado torpe, e feo
828 As mnis crescidas arl)ores derribam. 860 Ante Deos, anl'os homés.
829 As mais inchadas vellas no nlar rompem- 861 Mais pera l7yt,çn,rot Tigreç,
830 Caem móres torres 862 Mais pera Liões brcLvos,
ACTO III
CÀSTRO. ÀMA.
CÀSTRO
ÀMÀ
990 Ccmigo, e eu com ,elle; e muitas vezes
991 Muitas palavras, que elle, em s€. pantindo,
972 Huy, corno estaria essa tu',alma 992 Me dizia ctloranrdo, alli chorandà
973 "
Tam morta! Deos te guarde. Mas ás vezes 993 Mas tornava a üzer, e cu o detinrha
974 O pensarnerrto triste traz visões 994 Apertado em meus braços, senão quando
975 Escura.-s, e med,onhas: do cuidado, 995 Àcordava. abraçada só comigo
976 Oom que, Senhora, andaste, e adormeceste, 996 Aquelles meus enganos me sostinham
977 Se te representáraxn esses medos. 997 Das noites pera os dias. E esta noite.
998 Perdia estes enganos com a vid,a.
CÀSTRO
AMÀ
978 Chóro daquella dor, daquella mágoa,
979 Que ao meu I,ffante déra a minha morte. 999
_O:l.o -dia vcrá.s, que tg amanheça
] Mais claro, e mais ditoso: qr"
"- teusa coroà,
LTCO
ÀIlIA
1001 Que t'espera, 'rerás sobr,esscs
1 C02 Cabellos cl'olrro. Alegra-tc cntre tanto
980 Pera que chóras sonhos? 1003 Dcira -ras sornbras, cleixa tristes medos.
CÀSTRO
CASTRO
1014 Dos sccretos, Senhora, que parecern (1) Alcgava D. Pedr-o qlre se unira religiosamente com
1015 Ao mundo (que os não vê, e do de fóra l). Inês dc Castro. João das Regras, se.gtrndo Fernão
1016 Julga sómente) feos, máos, e toirpes, [.cpcs, slrstentou o contrário nas Cortes cle Coimbra,
1.017 Basta a só consciencia, basta tanto, Cróttica dc D. loao 1, Parte 1.', cap."' 186 e 187 (ed. de
,\nsclmo llraanrcamp).
1018 Que com esta á-de ter Deos toda a conta'
CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 79
iB COLECÇÃO PORTUGAL
CHORO
l04l Ah nã'o tc ag<-rtlt-e's mai.l ! quc rncil-ror- Í'adcr 1070 Tristes novas, crueis,
10.12 O teu scrá, Scnhora; qucm liistcila 107t Novas mortaes te trago Dona Ines.
10Ji3 Dc sua vontâd.c ch'anla, p3l 1r' ;'ór-[l' ro72 Àh coitada de ti, air triste, triste!
101i4 Lançetr clo si, gue 1IS vczcs 11'r.ilrr8'l'ia 1073 Quc nãro mereces tu a cruel morte,
10.+.5 Entra, tam íuliosa, qLlc a clcsti't-'r:' 7074 Quc assi te vem busca,r'.
1046 Olha pera estc-s teus doces pcnhores
1047 'l'am seguros, c cer.tos dessc ailrlol-' ÀMA
1048 De que forão gerados: em scus olhos
1049 Alegra hora ess'es tcus, qus assi cicsfrazcs Que dizes? fala.
1050 Com cssas cruers lagrimas' Não cllores'
1051 D,anas esse teu rosto taln ferm'oscl' CHORO
CIIORO
CIIORO
C-ÀSf'RO
i035 Narlr te tardará muito, poem-te (1) em
[salvo,
1079 IIe molto o t1lcu Scnhor-/ o irtcLr Iffante?
1086 Fugc (2) coitada, fuge, que já soam
1087 As cluras ferraduras, que te trazem
CIIORO
1088 Correndo a mortg triste. Gente armada
1089 Corrcndo vem, Senhora, em busca tua,
1080 Ambos mor.r:ereis cccio. I 090 ElRey te vem buscar determinado
1091 D'ern furia. Vê se pódes
CÀSTRO
to92 Salvar filhos, não lh,empeça
1.093 Parte faclos.
O novas tristes! CÀSTRO
CHORO
1082 Porque te matarám ( 1): por ti só vive.
1083 Por ti morrerá logo. 1096 ElRey.
CASTRO
ÀMÀ
Porque me máta?
Deos não queira
6
82 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO ANTÓN]IO FERR,EIRA 83
-
ÀMA CHORO
20Ol Cumpriram-se teus sonhos. 2420 Teme teus erros, tttocidade cega,
2021 Fuge a ti mesma, logra-te do temPo
CÀSTRO 2022 Que ossi te deixa correndo, e Poondo
2023 Com suas asas.
Sonhos tristes! 2024 ó quanto húa hora, quanto hotm só
2OO2 Sonhos crueis! porqu€ ta,m verdadeiros lmotnento
2025 Breve algú'hor,a queret'as debalde!
2003 À1[e quisestes (1) sayr! ó sprito rneu! 2A26 Poupa o presente, guarda-o, enthesoura-o,
2AU Como não creste mais ,o mal tamanho 2027 Telo'ás seguro (l)'.
2005 Que crias, e sabias? Ama, fuge. 2028 Todo ouro, e prata, pedras Preciosas
2006 Fuge desta ira grande, q{..re nos busca. 2A29. A que correndo pão todos Perdidos,
2007 Eu fico, fico só mas inocente. 2030 Por agoa, e -t'ogo não temendo a morte,
2008 Não quero mais ajudas, venha a morte: 203I Cavar nas veas (2),
2009 Moura (2) eu, mas innocente. Vós meus 2032 Nunca podérant, m,Lnca. podéram
[filhos, 2033 Comprar hunt çtortto' deste tempo livre,
24rc Vivireis cá p,crr mim: meus tam pequenos
2034 Que assi atras deixa Principes, Sen.hores,
20ll Que cruelmente vem tiran de mim.
Vou, amigas;
3023 Acompanhay-me vó,s, amigas minhas,
3024 Ajuday-me a pedir misericordia.
8E COLECçÃO PORTUGAL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 89
3025 Choray o desamparo destes filhos 3046 Que tu me v€ns buscar. Beijo estas mãos
3026 Tam tenros, e innocentes. Filhos tristes, 3047 Reaes tam piedosas: pois qruiseste
3A27 Vedes aqui o PaY de vosso PaY. 3048 Fon ti vir-te informar de minhas culpas-
3449 Conhecermas, Searhor, bomo bom Rey,
3028 Eis aqui lüossro avô, 4osso senhor;
3029 Beijailhe a máo, pedilhe piedade 3050 Como clernernte, e justo, e como pay
3030 De vós, desta máy vossa, cuja vida 3051 Dg teus vassallos todos, a que nunca
3052 Negaste piedade com justiça.
3031 Vos vem, filhos roubar'
3053 Que vês em mim,' Senhor? que vês em
CHORO Iquem
3054 Em tuas máos se nrete tam segura?
Quem póáe ver-te, 3055 Que furia, que ira esta he, com que me
3032 Que não chóre, e s'abrande? [bus,cas?
3056 Mais contra imigos vens, que cr,uelmente
^ÀSTRO 3057 T'andassem tuas terras destruindo
30s8 A fierro, e fogo. Eu trerno, S,enhor, trsrno
Meu senhor, 3059 De me ver ante ti, como me vejo:
3033 F,sta he a mãy de teus netos. Estes sáo 3060 Molher, moça, innoconte, s'erva tua,
3034 Filhos daquelle filho, que tanto amas. 3061 Tam só, sem p,or mim ter quem me
3035 Esta he aqu,ella coitada molher fraca, [defenda.
3036 , Contla quem vens armad,o de cÍl;rcza. 3462 Que a lingua náo s'atreve, o sprito trerne
3037 Aqui me tens. Bastava teu ma,ndado 3063 Ànte tua presença, porém possam
3038 Pera eu segura, e livre, t'esperar, 3064 Estes moços, teus netos, defender.me.
3039 Em ti, e em minh'innocencia confiada. 3065 Elles falem por mim, elles sós ouve:
3040 Escusáras, Senrhor, todo este estrondo 3066 Mas não te falárarm, Senhor (1), com
3O4l D'armas, e Cavaleiros; que não foge' Iingua,
3042 Nem'se teme a inno,cencia, da justiça. 3067 Que inda não podern: falam-te co as
3043 E quando meus peccados me accusáram ( 1). [almas,
3044 A ti fora buscar: a ti tornára 3068 Com suas idades tenras, com seu sangue,
3045 Por vida ern minha morte: agora vejo 3069 Que he teu, falâram (1): s'eu desemparo
3070 T'está pedindo vida: não lha negues 3085 Me podem accusar muitos: mas elle ouve
3A7l Teus ,netos sáo, que nunca téqui viste: 3086 As vozes d'alma triste, em que lhe pede
3072 F vê-los em tal tempo, que lhes tolhes 3087 Piedade. O Deos justo, Deos benigno,
3073 A gloria, ê o prazer, qulem seus ,spritos 3088 Que não mata, podendo com justiça,
3074 Lhe está Deos reveland'o de te verem' 3089 Mas dá tempo de vida, e espera tempo
3090 Só pera perdoar: assi o fazes,
REY 3091 Assi o fizeste sempre: poi5 não mudes
3092 Agora contra mim teu bom costume.
3075 Tristes foram teus fados, Dona fnes,
3076 Triste ventura a tua. REY
REY
3095 Oh tristc, triste! mell senhor, não me
?
3082 Teus peccados te matam: cuida nelles' [ouves
3096 Sossega tua furia, não a sigas.
CASTRO
3097 Nunca conselhou br:m: nunca deu tempo
3098 De reúedio a algum mal a ira. Sempre
3099 Traz arrependimento sem remedio.
3083 Peccados meus! zro menos contra ti 4000 Ouvc minha razáo, minh'innocencia.
3084 Nenhum, meu Rey, me accusa. Contra Deos 4001 Culpa he, senhor, guardar arnor constante
4002 A quem' mo tem? se por amor me matas,
4003 Que farás ao imigo? amey teu filho,
(1) Procedi com justiça e piedade, como costumais
4004 Náo o matey. Amor amor merece;
fazer com os outros.
Cz coLECçÃO PORTUGAL CASTRO_-ANTÓNIO FERREIRA 93
4005 Estas são minhas culpas: estas queres 4022 Nós o trazcmos cá, não com tenção
4006 Com morte castigar? em que a mereço? 4023 De sermcs em ti crusr mas de salvarrnos
4024 Este Reyno, qlle pede esta tua morte.
PÀCHECO 4025 Que nunca, ó Deos quisera que tal meo
4026 Nos fora neces§ârio. A elRey perdoa,
4007 Dona Ines, contra ti he a sentença dada. 4.027 Que crueza nã.o faz: se a nós fazemos,
4008 Despide essa tu'alma desse corpo 4028 Por ti ante o grã Deus será pedida
4009 Em bom estado, e seja prestesmente. 4029 Vingança justa, se te não parece
4010 Não tenhas qLre chorar mais, que só a 4030 Que perdão merecemos nas tenções,
[morte (1). 4A31 Com que elRey conselhamos. ó ditosa,
4432 Dona Ines, tua morte! pois só nella
CASTRO
4033 Se ganha húa geral vida a todo Reyno.
40lI ó mcus amigos, porque náo tirais. 4034 Bem vês por tua causa como estava,
4Ol2 ElRe5, de ira tarnanha? a vós me vou, 4035 Àlem desse peccado, em que te tinha
4013 Ern r,ós busco socorro: ajuday-me hora 4036 O Iffante forçada (que assi o cremos)
4014 Pedir-lhe piedade. ó Cavaleiros, 4037 Mas poi5 pera remedio he necessario
4015 Que as tristes prometestes defender (2), 4038 A morte sua, ou tua, he necessario
4016 Defendey-rne, que mouro injustarnente. 4C39 Que tu sofras a tua com paciencia,
4017 Se me rrós não riefendeis, vós me matais. 4Q40 Que isso te ficará por mayor gloria
4A4I Que aquella, que esperavas cá do mundo.
COELHO 4M2 E quanto mais injusta te parece,
4043 Tanto mais justa gloria lá terás.
4018 Por mágoa dessas Iágrimas te rogo 40/.4 Onde tudo se paga por medida.
4Ol9 Que este tempo, que tês, inda que estreito, 4045 Nós, que a teu /arecer mal te matamos,
4O2O Tomes pera remedio da trr'alma. 4046 Não viviremos muito: lá nos tens
4O2I O que elRey em ti faz, Íaz com justiça. 4047 Antes de muito tempo ant'esse trono
4A4B Do grã Juiz, onde daremos conta
4449 f)o mal, que te fazemos. Não ouviste
(1) Faz exame deconsciência e pede a Deus pcrdão 4050 Já das Romãs, e Gregas com que esforço
dos teus pecados para que não percas juntamente alma 4051 Morrêram. muitas só por gloria sua?
c vida.
(2) Era um dever dos cavaleiros darert a vicla, senclo 4A52 Morre pois, Castro, morre de vontade,
preciso, para defesa das donas e donzelas. 4053 Pois não póde deixar de ser tua morte.
94 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO-ANTÓNIO FERREIRA 95
5002 Ficareis cá sem mim, sem vosso pay, PACHECO, REY, COELHO
5003 Que náo poderá ver-vos sem me ver.
5004 Abraçay-me rneus filhos, abraçay-rne, 5026 Oh Senhor, que nos matas! que fraqueza
5005 Despedi-vos dos peitos, qlte mamastes. 5027 Essa he indigna de ti? de hum real peito?
5006 Estes sós foram sempre; já vos deixam. 5028 Vence-te húa molher, e estranhas tanto
5007 Ah já vos desempara esta mãy vossa. 5029 Vencer assi teu filho? que já agora
5008 Que achará vosso pay quando vier? 5030 Terá desculpa honesta: não te esqueças
5009 Achar-vos-á tam sós, sem vossa mãy; 5031 Da tenção tam fundada, que te trouxe.
5010 Não verá quem buscava: verá cheas
50i1 As casas, e paredes de meu sangue. REY
5Ol2 Ah vejo-te morrer, senhor, ,por mim.
5013 Meu senhor, já que eu mouro, vive tu. 5A32 Não pode o meu sprito consentir
5014 Isto te peÇo, e rogo: vive, vive. 5033 Em crueza tamanha.
5015 Empara estes teus filhos, que tant'amas.
5016 E pague minha morte seus desastres, PÀCHECO
5017 Se alguns ss esperavam. Rey senhor,
5018 Pois podes socorrer a tantos males, Mór crueza
5019 Socorre-me, perdoa-me. Não posso 5034 Fazes agora ao Reyno: agora fazes
5020 Falar mais. Não me mates, não me mates. 5035 O que faz a pouca agoa em grande fogo.
5021 ,Senhor, não to mereço. 503ó Agora mais s'acende, arderá mais
5037 O fogo do teu filho. A que vieste?
REY 5038 A pôr em mór perigo teu estado?
ó molher forte! REY
5022 Venceste-me abrandaste-me. Eu te deixo,
5023 Vive, em quanto Deos quer. 5039 Vejo aquella innocente, chora-m'alma.
CHORO COELTIO
REY
5065 Eu vejo húa innocente, mãy de hüs filhos
5066 De meu filho, que mato juntamente.
5059 Mais quero perdoar, que ser injusto.
COELFIO
COELHO
5069 Restitues-nos honra, paz, descanso. 5094 Mais estas razões fortes, que essa mágoa
5070 Destrues a traydores; cortas quanto 5095 Injusta, que despois chorarás mais,
5O7l Sobre ti, e teu neto se tecia. 5096 Perdendo csta occasião, que Deos te
5A72 Offensas, senhor, publicas não querem [mostra.
5073 Perdão, mas rigor grande. Daqui pende
5074 Ou remedio d'hum reyno, ou quéda certa. REY
5075 Abre os olhos ás causas necessarias,
5076 Que te mostramos sempre, c que tu vias. 5097 nao manclo, nem vedo. Deos o julgue.
E,r-r
5077 Cuida no que emprendeste, e no que 5098 Vós otrtros o faz.ci, se vos par€cc
Ideixas. 5099 Justiça, assi matar qllem não tem culpa.
5078 O odio de teu filho contra ti,
5079 Contra nós tal será, como qual fora, COELHO
5080 Fazendo-se, o que deixas por fazer.
5081 A ti ficam seus filhos, ama-os, honra-os. 5 100 Essa licença basta: a tcnção nossa
5082 Assi lh'amansarás grã parte da ira. 5 101 Nos salvará cos homês, e com Deos.
5083 Senhor, por teu estado te pedimos:
5084 Polo amor do teu povo, com que t'ama, CHORO
CHORO
(1)
Receava.se que fossem desprezados os direitos de
D. Fernando para se elevar ao trono um filho de D. Pedro
e de D. Inês de Castro. 5109 Crueza a chamará tod'outra idade.
t02 COLECçÃO PORTUGAL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 103
CHORO
REY
5153 Chorando a andarám sempre no terra. 5 178 laz a coitada no seLt sangue envolta
5154 Té que nos ceos a tejam esses t,eus olhos. st79 Aos pés àos t'ilhos, pera quem fugia;
5155 Nem averd. jd nunca no mundo olhos, -5180 Não lhe valerant, que não tülharn forças
515ó Que não chor,em de mdgoa de hãa rtida -5181 Pert lonlarent os agttdos 'ferros,
5157 Assi cortada sm 'Ílor. E quern a. terra 5182 Cont que seus peitos tartt iro.samente
5158 For ver, em que estiver escrito o nome 5 183 Traspassar victrn aclue!Les crtrcis.
5159 Della, dird: Aqui estd chorando a morte 5184 a n'Lãos lctnt tlru'as, ó corações du'os,
51ó0 De mágoa do que fez, aqui o Amor. 5Í85 Cottto ltotlcs/ cs Íazcr / ul crtrcr.a?
5161 Amor, quanto çterdeste (l) nús sós olhos, 5i8ó OtLtrtts tttãctc yattliatl't, qLrc yo-lets arrartotuent
5162 Que debaixo da terra pos a morte, 5187 Ccttn tntir crtiez.a.
5i63 Tanto elles mais terám de vida, e nome. -5188 Qua tlttros Gatas, t11os quc I'iõa.s qtte Ussos
5189 NcTo arnaitscLrá lcLrn Ícrntoso rosto?
SÀFICOS
s 190 Qua iru tnnt bravo- não tornúra brattda
5191 Hdo só ntítgoa de tam tloce boca?
5164 Choremos todos a Tragedia triste,
5192 Qtrc tnãos ttTo cruas não attÍrant logo
5165 Que esta cruq morte deixará no mundo. Aquclles crespos selts ricos cabellos?
-5193
51ó6 Iá aque,lle sprito, que também yivia st94 Aquelles olhos ertt que pedras duras
5167 Em ti, ó Castro, t)ay aos ceos voando. .5195 Não imprimirant brandura? ó que mágoa!
51ó8 lá aquelle sangue purpur.eo, innocente, 5196 O que crLte?.q lcLnt 't'éra, e lam bruta!
5169 Forçodamente desempara os membros,
5197 Moça innocente, por alnor só morla:
5170 A que elle dava aquella cor, e graÇa, 5198 Com gente ctrmada, corno forte imigo.
5171 Que a natureza mais perfeítamente 5199 Ttt, Deos, que o ttiste, ouve o clamor justo
5172 Formar poderd nesta, ou outra idade.
5200 D'aquelle sangue, que t'est(i pedindo
5173 Assi a região, que vê nascer o sol,
5201 Crua vingança.
5174 Como a regiã.o, onde o sol se esconde,
5175 Assi aquella, que ao fervente Cancro,
5176 Como aquell'outra, que d -fria mór [Jrsa
5177 Estão sogeitas, esta mágoa chorem.
IFFÀNTE. MBSSÀGEIRO.
IFFÀNTE
t
ll
5217 Do que neste Orisonte se me mostra.
rl 5218 O soberbo Mondego com tal vista
'll
5219 Parece que ao grã mar vay fazer guerra.
5220 D'outros ares respira alli a gente,
5221 Que fazem immortaes os que lá vivem.
l0E COLECÇÃO PORTUGAL
CASTRO_ANTONTO FERREIRA 109
MESSÀGEIRO MESSÀGEIRO
5243 O' triste nova, triste messageiro 5255 De morte tam cruel, que he nova mágoa
5244 Tens ante ti, senhor. 5256 Contar-ta: não me atrevo.
IFFÀNTE IFFÀNTE
MESSAGEIRO
5275 Morta m'es tu? morte ouve tam ousada
5276 Que contra ti podesse? ouço-o e vivo?
si. 5277 Eu vivo, e tu és morta? ó morte crua!
IFFÀNTE 5278 Morte céga mataste minha vida,
5279 E não me vejo morto? abra-se a terra.
5257 euem ma matou? 5280 Sorva-me num momento: r'ompa-s'alma,
52Bi Aparte-se hum corpo tam pesado,
5282 Que me detem por força.
MESSÀGEIRO
5283 Ah, rlinha Dona fnes, ah, ah, minh'alma!
5284 Amor meu, meu desejo, meu cuidado,
Minh'esperança só, minh'alegria,
s2s8 Foy hoje,IiXrij.ril""l?h;rmada
5285
5286 Mataram-te? mataram-te? tua alma
estava, não fugido. 5287 fnnocente, fermoso, humilde, e sancta
amor com que te amava. 5288 Deixou já seu lugàr? ah de teu sangue
com quem se defendia. 5289 S'enchêram as espadas? de teu sangue?
ocencia, e piedade, 5290 Que espadas tam crueis, que crueis mãos?
perdão aos pés lançada 529t Ah como se movêram contra ti?
que teve tanta força 5292 Como tiveram forças, como fios
horando. Mas aqueúes 5293 Aquelles duros ferros contra ti?
seus, e Conselheiros 5294 Como tal consentiste, Rey cruel?
dão tam merecido 5295 Imigo meu, não pay, imigo meu!
5296 Porque assi me mataste? ó Liões bravos!
s_21s rraspassanr,,ro',oX11;, j".Iff
Abraçada cos fithos u _r,á.o_,
;Jl:i 5297. ó Tygres! ó serpentes! que tal sede
:1lO
5271 Que inda ficáram ,i"ro. ão seu sangue. 5298 Tinheis deste meu sangue! porque (1)
[causa
s299 Vos não vinheis em mim fartar vossa ira?
IFFÀNTE 5300 Matáreis-me, e vivêra. Homõs crueis,
5301 Porque não me matastes? meus imigos,
que farey que ctarnarey?
?:11 9X
r.tr 9,."r,, ó crueza!
u lortuna!
5274 ó minha Dona Ines, óO -mal tamanho!
ui_u minha,
(1) Por que causa.
tt2 COLECÇÃO PORTUGAL CASTRO_ANTÓNIO FERREIRA 113
5302 Se mal vos merccia, ern mim vingáreis 5321 Aquellas ameaças! mas quem crêra
5303 Esse mal todo. Aquella ovelha mansa, 5322 Que tal podia ser?
5304 fnnoccnte, fennosa, simples, casta, 5323 Como poderei ver aquelles olhos
5305 Que mal vos met:ecia? mas quisestes 5324 Cerrados pera sempre? como aquelles
5306 Como imigos crueis buscar-me a morte 5325 Cabellos já não de ouro, mas de sangue?
5307 Não da vida, mas d'alma. ó Ceos, que 5326 Aquellas mãos tam frias, e táo negras,
[vistes 5327 Que antes via tam alvas, e fermosas?
5308 Tamanha crueldade, como logo 5328 Aquelles brancos peitos traspassados
5309 Não cahiste? ó montes de Coimbra, 5329 De golpes tam crueis? aquelle corpo,
5310 Como não sovertestes taes ministros? 5330 Que tantas vezes tive nos meus braços
5311 Como não treme a terra, e s'abre toda? 5331 Vivo, e fermoso, como morto agoÍa,
5312 Como sustenta em si tam grã crueza? 5332 E frio o posso ver? hay como aquelles
5333 Penhores seus tam sós? ó pay cruel!
MESSÀGEIRO 5334 Tu não me vias nelles? meu amor,
5335' Já me não ouves? já não te ey de vêr?
5313 Senhor, pera chorar fica assaz tempo: 533ró Jâ te não posss achar em toda a terra?
5314 Mas lágrimas que fazem contr'a morte? 5337 Chorem meu mal comigo quantos
5315 Vay ver aquelle corpo, vay fazer-lhe
[m'ouvem.
5316 As honras, que lhe deves (1). 5338 Chorem as pedras duras, pois nos homês
5339 S'achou tanta crueza. E tu, Coimbra,
IFFÀNTE 5340 Cubre-te de tristeza pera sempre.
534I Não se ria em ti nunca, nem s'ouÇa
Tristes honras! 5342 Senão prantos, e lagrymas: em sangue
5317 Outra5 honras, Senhora, te guardava: 5343 Se converta aquella agoa do Mondego.
5318 Outras se te deviam. ó triste, triste! 5344 As arvores se sequem, e as flores.
5319 Enganado, nascido em cruel signo, 5345 Ajudem-me pedir aos ceos justiça
5320 Quem m'enganou? ha cego que não cria 5346 Deste meu mal tamanho.
I 5347 Eu te matey, Senhora, eu te matey.
5348 Com morte te paguei o teu amor.
5349 Mas eu me matarey mais cruelmente
(1) Na fala seguints o Infante desempenh2l o papel 5350 Do que a ti matâram, se não üngo
do coro das carpideiras nos funerais. 5351 Com novas crueldades tua morte.
8
114 COLECÇÃO PORTUGAL
FIM
Il8 GLOSSÁRIO
GLOSSÁRIO |9
C
E
L
GLOSSÁRIO
t2t
120 GLOSSÁRIO
M
H
J
OS, aos. (5092)
JúPITER, mit. Chefe dos deuses, e marido de Juno, trans-
formou-se em tourô para seduzir Europa, em Cisne
P
para enganar Leda, em Diana para iludir Calisto e
em chuva de ouro par2 surpreender Dánae. Cfr.
Almeida Garrett. D. Branca, páe. I, (4." ed.): (5ó8) brilhar' (1OOO)
PARECER, aparecer, surgir, mostrar-se
PASSAR, traspassar, ferir; pctssar a olma de' algaém'
L de seta' (5121)
matá-lo. Cfr. o t' passador' espécie
PEDIR, O v- pedir, como fnsa Moraes
no seu Dicionário'
LEDO, adj. Alegre. (17,33,181,231, l0l2) temsentidomaisgenérico;rogarépedirpormercê.
Mas no passo da Castro, Antónib Ferreira
LICENçA, excesso de liberdade, exemplo pernicioso, per- estabeleceu
missão de cousas ilícitas. (356) umagradaçáoemqtterogarsignificapedit'iim'mas
LOUVAR-SE, gabar-se jactar.se aprovar arbitrariamente. com ardor, com ansiedade' (5014)
(600)
122 GLOSSÁRIO GLOSSÁRIO 123
PERA, para (358, 381, 476, 682, 781,811, 861, 862, 864, 865 SOVERTER, subverter. (574)
959, 969,986, 997, 1025, 1029, 1M6, 1057; 1099, 3038 SPRITO, z. EspÍrito,. (33, 111, 122, 181,247,474,477, 526,
3090, 4029, 4037, 4091, 5179, 5181, 5313, 5324, 537ó) 20u, 2a4s, 3003, 3062, 3073, 5032, 5105, 5166, 5247)
PIADADE, piedade, (5064) SUBIR, "v. tr. Elevar. (618)
PIADOSO, piedoso. (153, 275)
POLO, POLA, pelo pela. (250, 678, 687,731, ZO9Z, 5084
T
5085, 5091)
POR, para. (461, 713,734, 899)
PORQUE, para que. (715) TANGERES, lr,t. Sons, harmoniosos, músicas. (8)
TÉ, até. Tégora, até agoÍai téqul, até aqui. (132, 3071,
5154, 5212, s248, 5374)
R
TEUCROS, Troianos. Tróia foi cercada e destruÍda pelos
Gregos, que vingaram assiJn o rapto de Helena, mu-
REPENDIMENTO, arrependimento. (se4)
lher de Menelau, raptada por Páris. (578)
REPRENDER, repreender. (237, 3lt)
TIRAR, v. r. puxar. (435)
REPúBLICA, o Estado. (719)
RESPLANDOR, resplendor. (608)
ROGAR, pedir ansiosamente, com instância. Vid. U
t
bedir. (5014)
ROMÂ, Romana. (4051) URSA MOR, Ursa maior; o pólo Norte. 5176)
ROMÃOS, Romanos. (737) USSO, urso. (5188)
S
v
SALVAR-SE, acolher-se livrar-se de culpa. (7ó9, 805)
VÉNUS, planeta. (5209)
SECRETO, segredo, a parte oculta na consciência de
cada um. (1014) VMZA, ardor, vivacidade. (56)
SI, sim. (5256) VIVEREI, vivireis, viviremos, viverei, vivereis,, viveremos.
(181, 2010, 4046, 4093, 5140,5234)
SIGUIR, seguir. (408)
SOIA, imperf. do verbo defectivo soer, costumar. Hoje
só se usa na forma do presente Z
- srii.
(983)
SOMBRAS, aparências, imaginações. sonhos váos. (909,
1003) ZOMBARIA, gracejo, dito picante, motejo. (280)