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A Epístola de Tiago- J.N.

Darby
Traduzido pelos irmãos da cidade de Alegrete-RS

Introdução

A epístola de Tiago não se dirige à Igreja nem se investe de autoridade apostólica


sobre as pessoas a quem é enviada. É uma exortação prática que reconhece ainda
às doze tribos e a conexão que com elas têm os cristãos de origem judia, tal como
Jonas se dirige aos gentios, embora o povo judeu tivesse diante de Deus seu
caráter de povo afastado por Ele. De tal maneira, o Espírito de Deus ainda
reconhece aqui a relação de Deus com o Israel, tal como no caso do Jonas
reconhece relações com os gentios e os inalteráveis direitos de Deus, sejam quais
forem os privilégios especiais concedidos à Igreja ou a Israel, respectivamente.
sabe-se que, historicamente, os cristãos de origem judia seguiram sendo judeus
até o final da história que deles nos oferece o Novo Testamento. Eles eram,
inclusive, ciumentos pela lei, coisa estranha para nós, mas que Deus suportou por
um tempo.

A doutrina do cristianismo não é o tema da epístola de Tiago. Esta carta dá a Deus


seu lugar na consciência e com respeito a tudo o que nos rodeia. Rodeia assim os
lombos do cristão ao lhe mostrar a próxima vinda do Senhor e a presente disciplina
que Ele exerce, já que a Igreja de Deus devia compreender esta disciplina e
desenvolver uma atividade fundada nela. Também o mundo e tudo o que nele
exalta e dá esplendor é julgado do ponto de vista de Deus.

Umas poucas observações sobre a posição dos cristãos (isto é, sobre a maneira em
que esta posição é considerada com respeito a Israel) nos ajudarão a entender esta
porção da Palavra.

Israel conserva ainda o caráter de povo de Deus. Para a fé de Tiago, a nação ainda
tem a relação que Deus lhe tinha dado consigo mesmo. Tiago se dirige aos cristãos
como integrantes de um povo cujos vínculos com Deus ainda não estavam
judicialmente quebrados; mas dentre eles somente os cristãos possuíam a fé no
verdadeiro Messias, dada pelo Espírito. Tão somente estes entre o povo, junto com
o apóstolo, reconheciam a Jesus como Senhor da glória. Com exceção dos
versículos 14 e 15 do capítulo 5, esta epístola não contém nenhuma exortação que,
em sua elevação espiritual, vá além do que poderia ser dito a um judeu piedoso.
Ela supõe que as pessoas às quais se dirige têm fé no Senhor Jesus; mas não
chama àquilo que é exclusivamente próprio do cristianismo e que depende dos
particulares privilégios deste. As exortações fluem daquela fonte mais elevada e
exalam um ar mais celestial, mas o efeito que procuram produzir são provas reais,
próprias da religião terrestre; as exortações são as que poderiam se ouvir na igreja
professa, vasto corpo, semelhante a Israel, no meio do qual existem alguns
cristãos.

A epístola não se apóia, para repartir seus ensinos, nas relações cristãs daqui
embaixo; reconhece-as, mas como um fato particular entre outros que têm direitos
sobre a consciência do escritor. O autor inspirado supõe que aqueles a quem se
dirige mantêm uma conhecida relação com Deus, da que não duvida, uma relação
que é de antiga data. Ele supõe que o cristianismo se introduziu em meio daqueles
que mantêm tal relação com Ele.

É importante fazer notar qual é o nível moral da vida que nos é apresentada nesta
epístola. Assim que captamos a posição em que ela considera os crentes, o
discernimento da verdade sobre este ponto não resulta difícil. Vemos, em efeito,
que o nível moral que a epístola nos mostra é o manifestado por Cristo quando
andava em meio a Israel, fazendo brilhar ante seus discípulos a divina luz e as
relações com Deus, as que emanavam para eles de Sua presença. É obvio que ao
escrever a epístola ele estava ausente, mas aquela luz e aquelas relações das quais
falamos são mantidas qual medida de responsabilidade, medida que será aplicada
em julgamento, à volta do Senhor, contra aqueles que não quiseram aceitá-la e
que não andaram de acordo com essas relações. Até esse dia os fiéis tinham que
ter paciência frente à opressão que sofriam de parte dos judeus, quem ainda
blasfemavam o santo Nome pelo que eram chamados.

É o inverso da epístola aos Hebreus, quanto à relação dos fiéis com o povo judeu;
não moralmente, a não ser por causa da proximidade do julgamento na época em
que a epístola aos Hebreus foi escrita.

Os princípios fundamentais da posição da que acabamos de falar são estes: a lei,


em sua espiritualidade e perfeição, tal como Cristo a explicou e a resumiu; uma
vida conferida, a que tem os princípios morais da lei mesma, quer dizer, a vida
divina; a revelação do nome do Pai. Tudo isto era verdade em vida do Senhor, e
era por certo o terreno no qual ele tinha colocado a seus discípulos —por escassa
que tenha sido a compreensão destes a esse respeito—, já que lhes havia dito que
deviam ser as testemunhas disso depois de Sua morte, distinguindo esse
testemunho de que daria o Espírito Santo.

Tal é Tiago aqui, se se adicionar até a promessa do Senhor a respeito de seu


retorno. É a doutrina de Cristo com respeito ao andar em meio de Israel, segundo a
luz e as verdades que ele tinha introduzido; e, já que ele ainda estava ausente,
inclui uma exortação a perseverar e ter paciência nesse andar, aguardando o
momento em que ele aplique, mediante o julgamento que executará sobre os que
oprimiam aos fiéis, os princípios segundo os quais estes andavam.

Embora o julgamento executado sobre Jerusalém tenha trocado a posição do


remanescente de Israel a este respeito, assim e toda a vida de Cristo sempre segue
sendo nosso modelo, e temos que aguardar com paciência até que venha o Senhor.

A epístola não se refere à associação do cristão com Cristo exaltado no alto nem,
por conseguinte, ao pensamento de que iremos a seu encontro no ar, como Paulo o
ensinou. Mas o que ela contém sempre segue sendo verdade; e aquele que diz que
mora nele (em Cristo) deve andar como ele andou.

O julgamento que devia chegar nos faz compreender a maneira em que Tiago fala
do mundo, dos ricos que se regozijam em sua porção no mundo e da posição do
remanescente crente, oprimido, em meio de uma nação incrédula; compreendemos
por que ele começa pela questão das tribulações e fala delas tão freqüentemente,
como assim também por que insiste nas provas práticas da fé. Vá a todo o Israel
ainda em seu conjunto; mas alguns tinham recebido a fé do Senhor da glória, e se
sentiam tentados a valorar aos ricos e aos grandes de Israel. Ao seguir sendo todos
eles judeus, facilmente compreendemos o fato de que, enquanto alguns
acreditavam e confessavam que Jesus era o Cristo, não obstante, já que estes
cristãos seguiam os regulamentos judaicos, os meros professantes podiam fazer
outro tanto sem que houvesse neles a menor mudança vital demonstrada por suas
obras. Resulta evidente que semelhante fé, uma fé morta como esta, não tem valor
algum. Isso é precisamente a fé dos que agora elogiam as obras: uma morta
profissão da verdade cristã. Ser engendrado pela Palavra de verdade é algo tão
alheio e estranho para eles como o era para os judeus de quem fala Tiago.

Capítulo 1
O fato de que os crentes estivessem ainda em meio de Israel com alguns que se
diziam crentes e não eram mais que simples professantes, permite compreender
facilmente, por uma parte, por que o apóstolo se dirige à massa do povo como
sendo aqueles que pudessem participar dos privilégios acordados a este último —
caso que a fé no Messias existisse—; por outra parte, por que se dirige aos cristãos
como se tivessem um sítio especial; e finalmente, por que adverte ao mesmo
tempo a aqueles que professavam acreditar em Cristo. A aplicação prática da
epístola em todos os tempos, e em particular naqueles nos quais um corpo
numeroso pretende ter direito hereditário aos privilégios do povo de Deus, é do
mais fácil devido a sua perfeita clareza. Pelo resto, a epístola tem uma força muito
peculiar para a consciência individual; ela julga a posição, os pensamentos e as
intenções do coração.

A epístola começa então com uma exortação a gozar-se nas provas, as que são um
meio para produzir a paciência (V. 2-3). No fundo, este tema das provas, e do
espírito que convém a quem é exercitados por elas, prossegue até o final do
versículo 20 deste primeiro capítulo, no qual o pensamento da passagem se volta
para a necessidade de pôr freio a tudo o que se opõe à paciência e para o
verdadeiro caráter de alguém que se mantém na presença de Deus. Tal direção,
como conjunto, termina ao finalizar o capítulo. O fio do raciocínio do apóstolo não é
sempre fácil de reconhecer; a chave do mesmo se acha na condição moral a que
ele se refere. Tratarei de fazer que a compreensão dessa chave seja o mais
acessível que se possa.
O substancial do tema consiste em que devemos andar ante Deus e mostrar a
realidade de nossa profissão, em contraste com a união com o mundo, ou seja, dar
prova da religião prática. A paciência, pois, tem que ter sua obra completa (V. 4);
assim a vontade é subjugada e submetida, e se aceita toda a vontade de Deus; por
conseguinte, nada lhe falta à vida prática da alma. A gente sofre, mas se atém
pacientemente ao Senhor. É o que Cristo fez; esta era sua perfeição: aguardava a
vontade de Deus e nunca fazia a sua própria; assim a obediência era perfeita
mesmo que o homem fora posto a prova. Mas, de fato, freqüentemente carecemos
de sabedoria para saber o que deveríamos fazer. Para isso, diz o apóstolo, o
recurso é evidente: pedimos a Deus sabedoria e ele dá a cada um liberalmente (V.
5); somente que temos que contar com sua fidelidade e com uma resposta a
nossas orações. De outra maneira há dobra de coração; a dependência não está
sujeita a Deus; nossos desejos têm outro objeto (V. 6). Se unicamente procuramos
o que Deus quer e o que Deus faz, dependemos dele com um coração seguro do
cumprimento de Sua vontade. Quanto às circunstâncias deste mundo, as que
poderiam fazer acreditar que é inútil depender de Deus, desvanecem-se como a flor
do campo. Deveríamos ter consciência de que nosso lugar, segundo Deus, não é o
deste mundo. Aquele que é de condição humilde deve regozijar-se de que o
cristianismo lhe exalte (V. 9), e o rico, de que lhe humilhe (V. 10). Não devemos
nos gozar nas riquezas, pois estas passam (V. 11), a não ser no exercício de
coração do que fala o apóstolo, porque depois que tenhamos sido provados
gozaremos da coroa de vida (V. 12).

A vida de quem é provado e no qual esta vida se desenvolve com obediência a toda
a vontade de Deus, vale mais que a de um homem que se entrega a todos os
desejos de seu coração pelo luxo.
Com respeito a estas tentações, às quais alguém se deixa levar pelas cobiças do
coração, não se deve dizer que vêm de Deus. O coração do homem é a fonte da
cobiça que conduz ao pecado, e por este à morte (V. 13-15). Que ninguém se
engane a este respeito! O que no íntimo prova ao coração procede da gente
mesmo. Todos os dons bons e perfeitos vêm de Deus, e ele nunca troca, só faz o
bom. Por isso nos deu uma nova natureza, fruto de sua própria vontade, a que obra
em nós mediante a Palavra de verdade para que sejamos primicias de suas
criaturas (V. 16-18). Como é Pai das luzes, o que é trevas não vem dele. Ele nos
engendrou pela Palavra da verdade para ser as primeiras e mais excelentes
testemunhas deste poder benfeitor que resplandecerá mais tarde na nova criação,
da qual somos as primícias. Isto é o oposto ao falso pensamento que quereria fazer
de Deus a fonte das cobiças e lhe atribuir as tentações, as que têm sua origem no
coração do homem.

A Palavra da verdade é a boa semente da vida; a própria vontade é o berço de


nossas cobiças. A energia desta vontade nunca pode produzir os frutos da natureza
divina, como tampouco a ira do homem cumpre a justiça de Deus. Por isso somos
exortados a ser dóceis, dispostos para ouvir, lentos para falar, lentos para nos irar;
exortados a pôr a um lado todas as sujas cobiças da carne, toda energia de
iniqüidade, e a receber com mansidão a Palavra (V. 19-20), uma Palavra que, como
é de Deus, identifica-se com a nova natureza que está em nós (a Palavra está
implantada em nós; V. 21), formando-a e desenvolvendo-a segundo sua própria
perfeição, porque inclusive esta nova natureza tem sua origem nela.

Esta Palavra de verdade não é como uma lei que está fora de nós e que, ao opor-se
a nossa natureza pecaminosa, condena-nos. Ela salva à alma; é viva e vivificadora;
obra vitalmente em uma natureza que é fruto dela, e a que forma e ilumina.

Mas é necessário que a Palavra obre realmente em nós; é preciso que não só
sejamos auditores dela, mas que também esta produza frutos práticos que sejam a
prova de que obra real e vitalmente no coração (V. 22). De outra maneira, a
Palavra é tão somente como um espelho no que possivelmente nos podemos ver
por um momento, e logo esquecemos o que vimos (V. 23-24). Aquele que
esquadrinha a lei perfeita, que é a da liberdade, e persevera fazendo a obra que ela
indica, será bento na atividade real e obediente que se desenvolve nele (V. 25).

Esta lei é perfeita, pois a Palavra de Deus, tudo o que o Espírito de Cristo
manifestou, é a expressão da natureza e do caráter de Deus, pelo que ele é e do
que ele quer, pois ele quer o que ele é, e isto necessariamente.

Esta lei é a lei da liberdade, porque a mesma Palavra, que revela o que Deus é e o
que ele quer, tem-nos feito partícipe, por graça, da natureza divina; de maneira
que o fato de não andar segundo essa Palavra seria não andar de conformidade
com nossa própria natureza nova. E andar segundo uma regra que expresse os
desejos desta nova natureza que é de Deus, e os ditados de sua Palavra, isto é a
verdadeira liberdade.

A lei dada no Sinai reprime e condena todos os movimentos do velho homem, e


não pode lhe permitir ter uma vontade, pois deve fazer a vontade de Deus. Mas
tem outra vontade, de modo que a lei lhe é uma escravidão, uma lei de condenação
e de morte. Mas, como Deus nos engendrou por meio da Palavra de verdade, a
natureza que temos em virtude de ter nascido assim possui gostos e desejos
conforme a essa Palavra: ela é dessa mesma Palavra. A Palavra, mercê a sua
própria perfeição, desenvolve esta natureza, a forma, ilumina-a, como o havemos
dito; mas a natureza mesma tem sua liberdade no ato de seguir o que esta Palavra
expressa. Assim aconteceu com Cristo; se se tivesse podido lhe tirar sua liberdade
(o que espiritualmente era impossível), isso teria sido lhe impedindo de fazer a
vontade de Deus, seu Pai.

O mesmo ocorre com respeito ao novo homem em nós (que é Cristo, como vida em
nós), o qual é criado em nós segundo Deus, revestido de justiça e verdadeira
santidade, produzidas em nós pela Palavra, que é a perfeita revelação de Deus, do
conjunto da natureza divina no homem, da qual Cristo —a Palavra vivente, a
imagem do Deus invisível— foi a manifestação e o modelo. A liberdade do novo
homem é a liberdade de fazer a vontade de Deus, de imitar a Deus em seu caráter,
como querido filho dele, tal como esse caráter foi manifestado em Cristo. A lei da
liberdade é este caráter, tal como é revelado na Palavra, e a nova natureza acha
seu gozo e satisfação nesse caráter de Deus revelado em Cristo, assim como ela
extrai sua existência da Palavra que Lhe revela e do Deus que nela é revelado.

Tal é “a lei da liberdade” (V. 25), o caráter de Deus mesmo em nós, formado pela
operação de uma natureza gerada por meio da Palavra que Revela a ele e que usa
como molde esta mesma Palavra.

O primeiro elemento que trai ao homem interior é a língua (V. 26). Um homem que
parece estar relacionado com Deus e quer lhe honrar, e que não sabe reprimir sua
língua, engana-se a si mesmo, e sua religião é vã.

A religião pura ante Deus, o Pai, é a de cuidar daqueles que, alcançados nas
relações mais tenras pelo pagamento do pecado, vêem-se privados de seus
sustentos naturais; e de guardar-se sem mancha do mundo (V. 27). Em vez de
destacar-se e figurar em um mundo de vaidade, afastado de Deus, alguém deve
voltar-se, tal como o faz Deus, para os afligidos, para os que precisam socorro, e
guardar-se de um mundo no que tudo polui, no que tudo é contrário à nova
natureza que é nossa vida e ao desenvolvimento e manifestação em nós do caráter
de Deus, tal como o conhecemos pela Palavra.

Capítulo 2

O apóstolo entra agora no tema daqueles que professavam acreditar que Jesus era
o Cristo, o Senhor. Antes, no capítulo 1, ele tinha falado da nova natureza em
conexão com Deus; aqui a profissão de fé em Cristo é posta em presença da
própria pedra de toque, ou seja, da realidade dos frutos produzidos por ela, em
contraste com este mundo. Todos estes princípios —o valor do Nome de Cristo, a
essência da lei tal como Jesus a manifestou, a lei da liberdade— são considerados
para julgar a realidade da vida espiritual, ou para convencer ao professante de que
não a possuía. Duas coisas são reprovadas: a consideração da aparência exterior
das pessoas (V. 1-13), e a ausência de obras como prova da sinceridade da
profissão (V. 14-26).

Em primeiro lugar, pois, o apóstolo censura a consideração da aparência exterior


das pessoas (V. 1-4): se professa que se tem fé no Senhor Jesus (V. 1) e, não
obstante, se está animado pelo espírito do mundo! O Espírito responde: Deus
escolheu aos pobres para que sejam ricos na fé e herdeiros do reino (V. 5). Os
professantes lhes tinham menosprezado; estes homens ricos blasfemavam o Nome
de Cristo e perseguiam os cristãos (V. 6-7).

Em segundo lugar, Tiago apela ao resumo prático da lei da que Jesus tinha falado,
a lei real (V. 8). Se violava a própria lei ao favorecer aos ricos (V. 9), e a lei não
consentia nenhuma infração de seus mandamentos, porque estava em jogo a
autoridade do legislador (V. 10-11). Se a gente menosprezar aos pobres, por certo
que não ama ao próximo como a si mesmo.

Em terceiro lugar, deve-se andar como aqueles cuja responsabilidade é medida


pela lei da liberdade, como aqueles que, tendo uma natureza que saboreia e gosta
do que é de Deus, estão liberados de tudo o que era contrário a ele; de maneira
que não podem desculpar-se se admitirem princípios que não são os de Deus
mesmo. Esta participação da natureza divina introduz naturalmente o pensamento
de misericórdia, mercê a qual Deus mesmo se glorifica. O homem que não mostra
misericórdia se verá objeto do julgamento sem misericórdia (V. 12-13).
A segunda parte do capítulo se relaciona com este pensamento a respeito da
misericórdia, pois Tiago inicia sua dissertação sobre as obras, como provas da fé,
falando desta misericórdia que responde à natureza e ao caráter de Deus, atributos
dos quais o verdadeiro cristão, como nascido de Deus, foi feito partícipe. A
profissão de ter fé sem esta vida —cuja existência se prova por obras— não pode
beneficiar a ninguém. Isto é muito singelo. Digo a profissão de ter fé, porque a
epístola o diz: “Se alguém disser que tem fé” (V. 14). Eis aí a chave desta parte da
epístola: diz-se ter fé, mas onde está a prova dela? Nas obras. Desta maneira as
emprega o apóstolo. Um homem diz que tem fé. Mas a fé não é uma coisa que
possamos ver. Por isso dizemos com razão: “me mostre sua fé” (V. 18). O que o
homem requer é a evidência da fé; somente por seus frutos podemos fazer visível
ante os homens a existência da fé, pois a fé em si mesmo não se vê. Mas se tiver
esses frutos, então certamente tenho a raiz, sem a qual não poderia haver frutos.
De modo que a fé não se mostra a outros nem pode ser reconhecida sem que
medeiem as obras, mas as obras, frutos da fé, provam a existência da fé (V. 14-
18).

O que segue mostra que a fé morta da que fala Tiago é a profissão de uma
doutrina, possivelmente verdadeira em si mesmo. Ele supõe que se reconhecem
certas verdades, pois é uma verdadeira fé a que têm os demônios quanto à unidade
de Deus; eles não duvidam a respeito, mas não há nada que ligue seus corações a
Deus por meio de uma nova natureza. Muito longe disso!
Mas o apóstolo confirma isto pelo caso de homens em quem a oposição com a
natureza divina não é tão evidente. A fé, essa fé que reconhece somente a verdade
com respeito a Cristo, está morta sem obras, quer dizer, que uma fé que não
produz frutos está morta (V. 20).

Vemos (V. 16) que a fé da qual fala o apóstolo é uma profissão desprovida de
realidade; o versículo 19 mostra que pode ser uma certeza, sem fingimento, de que
o que se crie é verdade; mas a vida engendrada pela Palavra, vida pela qual fica
estabelecida uma relação entre a alma e Deus, falta por completo. Como esta vida
provém da semente incorruptível que é a Palavra, é da fé afirmar que, tendo sido
engendrados Por Deus, temos uma nova vida. Esta vida atua, quer dizer, a fé atua
conforme à relação com Deus na qual ela nos coloca, gerando obras que emanam
naturalmente dela e que dão testemunho da fé que as produziu.
Do versículo 20 até o final do capítulo, ele apresenta uma nova prova de sua tese,
fundada no último princípio que acaba de enunciar. E as provas que dá da
demonstração da fé pelas obras nada têm que ver com os frutos de uma natureza
amável, porque há frutos amáveis que produz a própria criatura mas que não
provêm de uma vida que tenha sua origem na Palavra de Deus, mediante a qual ele
nos gera. Os frutos dos que fala o apóstolo dão testemunho, por seu próprio
caráter, da fé que as produziu. Abraão ofertou a seu filho (V. 21); Raabe recebeu
aos mensageiros de Israel, associando-se assim ao povo de Deus quando tudo lhe
opunha e separando-se de seu próprio povo pela fé (V. 25). Tudo sacrificado Por
Deus, tudo abandonado por Seu povo antes de que este tivesse obtido tão somente
uma vitória, e isso enquanto o mundo tinha seu pleno poder: assim são os frutos
da fé.

Um se voltava a Deus e lhe acreditava da maneira mais absoluta, contra tudo o que
há na natureza ou naquilo no qual a natureza pode apoiar-se; a outra reconhecia
ao povo de Deus quando tudo estava contra este; mas nem um nem o outro eram
o fruto de uma natureza amável ou de por si naturalmente boa, segundo o que os
homens chamam boas obras. Um era um pai a ponto de dar morte a seu filho; a
outra era uma mulher pecadora que traía a sua pátria. Por certo cumpriu-se a
Escritura que diz que Abraão acreditou em Deus (V. 23; veja-se também Gênese
15:6). Como teria podido obrar como o fez, se não lhe tivesse acreditado? As obras
puseram o selo sobre sua fé, e a fé sem obras só é, como um corpo sem alma, uma
forma exterior desprovida da vida que a anima. A fé atua nas obras (pois sem ela
as obras são uma nulidade, não são as de uma vida nova), e as obras completam a
fé que atua nesta vida, as produzindo; porque apesar da prova, e na prova, a fé
está ativa nesta nova vida. As obras de lei não têm parte alguma na vida. A lei
exterior que exige não é uma vida que produz (além desta natureza divina) essas
santas e amantes disposições que têm por objeto a Deus e a seu povo e para as
quais nada mais tem valor.

Note que Tiago nunca diz que as obras nos justificam diante de Deus, porque Deus
pode ver a fé sem suas obras. Quando está a vida, ele sabe. A fé se exerce com
respeito a ele, para ele, pela confiança em sua Palavra e nele mesmo, recebendo
seu testemunho através de tudo, apesar de tudo, por dentro e por fora. Esta é a fé
que Deus reconhece. Mas quando se trata do homem, quando tem que dizer-se
“me mostre” (V. 18), então a fé, a vida, mostram-se por meio das obras.

Capítulo 3

Neste capítulo a epístola volta a referir-se à língua, o índice mais disposto a revelar
o estado do coração e que mostra se o novo homem atua, se a natureza e a
vontade própria estão refreadas (V. 1-2). Mas neste capítulo não há quase nada
que precise comentário, embora sim muito que requer um ouvido atento. Se a vida
divina estiver em uma alma, os conhecimentos não se manifestarão em palavras,
mas sim pelo andar e por obras nas que será vista a mansidão da verdadeira
sabedoria (V. 13). A amargura e a contenção não são os frutos de uma sabedoria
que vem do alto, mas sim de uma sabedoria terrestre, da natureza do homem e do
inimigo (V. 14-16).

A sabedoria que vem do alto, a que possui seu sítio na vida, no coração, tem três
características (V. 17). Em primeiro lugar, é pura, pois a alma está em comunhão
com Deus, tem intercâmbios com ele (por isso tem que haver esta pureza).
Seguidamente é aprazível, mansa, preparada para ceder à vontade alheia, logo,
ativa para o bem e movimento por um princípio que extrai sua origem e seus
motivos do alto; ela atua sem parcialidade, quer dizer, a acepção de pessoas e as
circunstâncias que influem na carne e nas paixões não influem nela. Pela mesma
razão, a sabedoria é sincera e sem fingimento.

As instruções para refrear a língua como primeiro impulso e expressão da vontade


do homem natural, estendem-se em sua aplicação aos crentes. Não tem que haver,
quanto à disposição interior do homem, muitos mestres. Todos fracassamos, de
maneira que ensinar a outros e fracassar nós mesmos é algo até mais digno de ser
condenado, pois a vaidade pode alimentar-se facilmente ao ensinar a outros, o que
é muito diferente de uma vida animada pelo poder da verdade. O Espírito Santo dá
como lhe agrada. O apóstolo se refere aqui à disposição naquele que fala, não ao
dom que pode ter recebido para falar.

Capítulo 4

Em tudo o que segue, a epístola se refere ao julgamento sobre a natureza não


refreada, da vontade em suas diferentes forma: conflitos provenientes das cobiças
(V. 1-2); petições feitas a Deus que procedem da mesma fonte (V. 3); desejos da
carne e da mente que se desenvolvem e encontram sua esfera na amizade com o
mundo, a que é assim inimizade contra Deus (V. 4). A natureza do homem cobiça
com inveja, está cheia de inveja com respeito a outros. Mas Deus dá maior graça
(V. 6). Há uma força que atua contra esta natureza se alguém se contenta sendo
pequeno e humilde, com não ser nada no mundo. A graça e o favor de Deus estão
conosco para nos liberar das perniciosas influências da carne, porque ele resiste aos
orgulhosos e dá graça aos humildes. Sobre isto, o apóstolo desdobra a ação da
alma dirigida pelo Espírito de Deus, em meio da incrédula e egoísta massa dos
judeus com a que estava associada (V. 7-10), porque supõe que os crentes a quem
se dirige estão ainda relacionados com a lei. Ao falar mal de seu irmão, ao qual a
lei lhe dava um lugar ante Deus, falava-se mal da lei1, segundo a qual esse irmão
tinha muito grande valor (V. 11-12). Esse julgamento pertencia a Deus, quem tinha
dado a lei e quem sabia preservar sua autoridade, como assim também conceder
liberação e salvação.

Nos versículos 13-16, a mesma própria vontade e esquecimento de Deus são


censurados; a falsa confiança fundada no fato de contar com a própria capacidade
para fazer o que se queira e a ausência de dependência respeito de Deus são
postas de manifesto. O versículo 17 é uma conclusão geral, fundada no princípio já
enunciado no capítulo 3, versículo 1, e no que se diz com respeito à fé. O
conhecimento do bem, sem sua posta em prática, faz que a própria ausência da
obra que se sabe fazer seja um pecado positivo. A ação do novo homem está
ausente, o velho homem está presente; como o bem está ante os olhos, sabe-se o
que se deveria fazer, mas não o faz; não há disposição para isso, não quer fazê-lo.

Capítulo 5

As duas classes que há no Israel estão aqui nitidamente destacadas, em contraste


a uma com a outra, logo depois do qual o apóstolo fala da marcha que o cristão
deve seguir quando é disciplinado pelo Senhor.

A vinda do Senhor é apresentada como final de sua situação, tanto para os ricos
opressores incrédulos de Israel como para o remanescente pobre que é crente. Os
ricos acumularam tesouros para os últimos dias (V. 3); os pobres oprimidos têm
que ter paciência até que o Senhor mesmo venha para lhes liberar (V. 7). Por isso a
liberação não demorará. O lavrador aguarda a chuva e o tempo da colheita; o
cristão espera a vinda de seu Senhor. Esta paciência caracteriza, como o vimos, a
vida de fé. A viu nos profetas; e quando as provas e a perseguição caem sobre
outros, temos por ditosos àqueles que as suportam por amor ao Senhor (V. 11). Jó
nos ensina os caminhos do Senhor: ele teve que ter paciência, mas o fim do Senhor
era bênção e tenra compaixão.

Esta espera da vinda do Senhor é uma solene advertência, um estímulo precioso,


mas deste modo é o que mantém o verdadeiro caráter da vida prática do cristão.
Ela mostra também no que terminará o egoísmo da própria vontade, e refreia toda
ação desta vontade nos crentes. Os mútuos sentimentos dos irmãos são postos sob
a proteção desta mesma verdade. Não se deve ter um espírito de
descontentamento e de queixa contra outros possivelmente mais favorecidos em
suas circunstâncias exteriores: “O juiz está diante da porta” (V. 9).

Os juramentos revelam até mais que se esquece a Deus e, por conseqüência, a


ação da própria vontade da natureza. O “sim” deve ser sim e o “não”, não (V. 12).
A ação da natureza divina que é consciente da presença de Deus e a repressão de
toda vontade humana e de sua natureza pecaminosa, é o que deseja o escritor
desta epístola.

O cristianismo tem recursos tanto para a sorte como para a desdita. Se alguém
está aflito, que ore. Deus é a força; ele responde (V. 13). Se se sentir ditoso, que
cante; se estiver doente, chame os anciões da Igreja, a fim de que orem por ele e
lhe unjam com azeite; o castigo será tirado e os pecados pelos que foi castigado,
segundo o governo de Deus, serão perdoados assim que se refere a esse governo,
porque só disso se fala aqui (v.14-15). Aqui não se trata da imputação de pecado
para condenação.

Agora nos é mostrada a eficácia da oração de fé; mas ela está sujeita à sinceridade
de coração (V. 15). O governo de Deus se exerce com respeito a seu povo. Castiga-
o por meio da enfermidade, se for preciso; e é importante que a verdade no
homem interior seja mantida. ocultam-se as faltas, deseja-se andar como se tudo
fora bem, mas Deus julga a seu povo! Prova o coração e as vísceras. O crente é
mantido em laços de aflição. Às vezes Deus lhe mostra suas faltas, às vezes sua
própria vontade sem quebrantar; seus ossos são castigados com fortes dores:
“Também sobre sua cama é castigado com dor forte em todos seus ossos” (Jó
33:19). Então a Igreja de Deus intervém por caridade e, segundo a ordem
estabelecida, por meio dos anciões; o doente se encomenda a Deus ao confessar
sua estado de necessidade; a caridade da Igreja atua e põe ante Deus àquele que é
castigado, segundo a relação na qual ela mesma se encontra segundo esta
caridade, já que a Igreja goza de relações com Deus nas quais se desdobra o amor
de Deus. A fé aduz esta relação de graça; o doente é sanado. Se os pecados —e
não meramente a necessidade de disciplina— fossem a causa de seu castigo, esses
pecados não impedirão que seja sanado, mas sim eles lhe serão perdoados.

Tiago apresenta seguidamente o princípio, em geral, como a direção para todos,


segundo o qual os cristãos devem abrir seus corações os uns aos outros, para
manter a verdade no homem interior quanto a gente mesmo, e orar os uns pelos
outros para que a caridade esteja em pleno exercício com respeito às faltas alheias
(V. 16). A graça, a verdade e uma perfeita união de coração entre os cristãos são
assim espiritualmente formadas na Igreja, de modo que até as faltas mesmas dão
ocasião para o exercício da caridade, assim como elas o são para que Deus a
exerça a nosso favor. Uma inteira confiança dos uns nos outros, conforme a esta
caridade, como assim também em um Deus que restaura e dá graça, é estabelecida
em meio dos Santos. Que formoso quadro de princípios divinos que animam aos
homens e lhes fazem atuar segundo a natureza de Deus mesmo e a influência de
seu amor sobre o coração!

pode-se notar que não se trata de fazer confissão aos anciões. Esta confissão teria
sido confiança em alguns homens, uma confiança oficial. Deus deseja a operação
da caridade divina em todos. A confissão recíproca dos uns aos outros mostra o
estado que Deus deseja para a Igreja, e era o que realmente existia no princípio
dela. Deus quer que o amor reine de tal maneira que se esteja o bastante perto
dele para tratar ao pecador conforme à graça que se sabe que há nele, e que este
amor divino no coração dos irmãos seja conhecido de tal maneira que a sinceridade
perfeita e interior seja produzida por meio da confiança e a operação desta graça. A
confissão oficial se opõe a tudo isto e o destrói. Que sabedoria divina a que omitiu a
confissão quando se referiu aos anciões, mas que a prevê mais adiante como a viva
e voluntária expressão do coração!

Isto nos conduz também ao valor da enérgica oração do homem justo (V. 16). É a
proximidades respeito de Deus e, por conseguinte, a consciência que se tem a
respeito do que Deus é, o que (por meio da graça e a operação do Espírito) dá sua
força a esta oração. Deus tem em conta aos homens; tem em conta, segundo o
infinito de Seu amor, a confiança depositada nele, a fé que lhe merece sua Palavra
a um coração que pensa e atua segundo uma justa apreciação do que Ele é. É
sempre a fé o que faz sensível aquilo que não se vá —a Deus mesmo—, e que obra
em consonância com a revelação que Deus deu que si mesmo. O homem que na
pratica é justo por meio da graça, está perto de Deus; como justo, pessoalmente
não tem que ver com Deus em relação ao pecado que manteria seu coração
distante; seu coração é livre de aproximar-se de Deus —segundo a natureza de
Deus mesmo— em favor de outros; é movido pela natureza divina que lhe anima e
que lhe faz apreciar a Deus; procura, conforme à atividade dessa natureza, de fazer
prevaler suas orações ante Deus, seja para o bem de outros, seja para a glória de
Deus mesmo, em seu serviço. E Deus responde, segundo essa mesma natureza,
benzendo esta confiança e respondendo a ela para manifestar o que ele é para a fé,
a fim de respirar a esta a legitimar a atividade cristã do amor e para pôr seu selo
sobre o homem que anda por fé 2.

O Espírito de Deus, sem dúvida, obra em nós quando o coração é assim ativado,
mas aqui o apóstolo não fala do Espírito, mas sim se refere ao efeito da fé prática
na alma e apresenta ao homem tal como é, atuando sob a influência desta
natureza, aqui em sua energia positiva com respeito a Deus e perto Dele, de
maneira que ela obra em toda sua intensidade, movida pelo poder dessa
proximidade. Mas se considerarmos a ação do Espírito, esses pensamentos são
confirmados. O homem justo não entristece ao Espírito Santo, e o Espírito obra nele
segundo Seu próprio poder, ao não ter que pôr sua consciência como deve ser
diante de Deus, mas sim atuando no homem conforme ao poder da comunhão de
este com Deus.

Finalmente, temos a segurança de que a ardente e enérgica oração do homem


justo tem grande eficácia: é a oração da fé que conhece Deus, que conta com ele e
lhe aproxima.
O exemplo de Elias, mencionado aqui, é interessante porque nos mostra (e há
outros exemplos semelhantes) como o Espírito Santo atua em um homem no qual
vemos a manifestação exterior do poder (V. 17-18). A história nos refere a
declaração do Elias: “Vive Jeová... que não haverá chuva nem rocio nestes anos,
mas sim por minha palavra” (1 Reis 17:1.) Esta é a autoridade, o poder, exercido
no Nome de Deus. Em nossa epístola, a operação secreta (o que passa entre a
alma e Deus), é manifestada: o homem justo orou, e Deus lhe ouviu. Temos o
mesmo testemunho de parte de Jesus junto à tumba de Lázaro, só que neste
último caso temos a oração secreta reunidas e a autoridade pessoal, embora a
oração do Salvador não nos é dada, a menos que fora esse suspiro inexpressável
que subiu do coração de Jesus (Jesus 11:41-44).

Ao comparar Gálatas 2 com a história de Atos 15, vemos que é uma revelação de
Deus a que determinou a conduta do Paulo quando subiu a Jerusalém, quaisquer
tenham sido os motivos exteriores que todos conheciam. Por meio de casos tais
como os que o apóstolo propõe à Igreja, e os de Elias e do Senhor Jesus, nos é
revelado um Deus vivente, atuante, que se interessa em tudo o que ocorre em
meio de seu povo.

A epístola nos mostra também a atividade do amor em favor daqueles que se


extraviam (V. 19-20). Se alguém se separar da verdade, e alguém lhe volta a
trazer por meio da graça, este deve saber que o fato de fazer voltar um pecador do
engano de seus caminhos é o exercício (por singela que seja nossa ação) do poder
que libera uma alma da morte; por isso todos esses aborrecíveis pecados que se
exibem tão odiosamente diante de os olhos de Deus e ofendem sua glória e seu
coração mediante sua presença em Seu universo, ficam cobertos. Assim que uma
alma é levada a Deus pela graça, todos seus pecados são perdoados, desaparecem,
são apagados de diante da face de Deus. A epístola (do princípio ao fim) não fala
aqui do poder que atua nesta obra de amor, mas sim do fato em si; aplica-o aos
casos que tinham ocorrido entre os cristãos; mas estabelece um princípio universal
quanto ao efeito da atividade da graça na alma por ele animada. A alma que se
desencaminhava é salva, pois seus pecados são tirados de diante de Deus.

O Amor na Igreja suprime, por assim dizê-lo, os pecados que de outra maneira
destruiríam a união, venceriam essa caridade na Igreja e apareceriam em toda sua
fealdade e malignidade diante de Deus, enquanto que, enfrentados pelo amor na
Igreja, não vão mais longe, sendo dissolvidos —por assim dizê-lo— e feitos a um
lado pela caridade a que não puderam vencer. O pecado é vencido pelo amor que
atuou contra ele; os pecados desaparecem, são tragados por este amor. A caridade
cobre assim uma multidão de pecados. Aqui se trata de sua ação na conversão de
um pecador.
J.N.D.

NOTAS

1 Compare-se com 1 Tessalonicenses 4:8, aonde o Espírito toma o lugar da lei


aqui.

2 É bom recordar que isto se leva a cabo segundo os intuitos governamentais de


Deus, em ordem ao título de Senhor (dignidade que Cristo detém de modo
especial), embora aqui o termo se empregue em forma geral. Compare-se com o
versículo 11 e com a referência geral judaica da passagem. Para nós temos um
Deus e Pai, e um Senhor Jesus Cristo. Ele chegou a ser Senhor e Cristo, e toda
língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor.

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