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Darby
Traduzido pelos irmãos da cidade de Alegrete-RS
Introdução
Umas poucas observações sobre a posição dos cristãos (isto é, sobre a maneira em
que esta posição é considerada com respeito a Israel) nos ajudarão a entender esta
porção da Palavra.
Israel conserva ainda o caráter de povo de Deus. Para a fé de Tiago, a nação ainda
tem a relação que Deus lhe tinha dado consigo mesmo. Tiago se dirige aos cristãos
como integrantes de um povo cujos vínculos com Deus ainda não estavam
judicialmente quebrados; mas dentre eles somente os cristãos possuíam a fé no
verdadeiro Messias, dada pelo Espírito. Tão somente estes entre o povo, junto com
o apóstolo, reconheciam a Jesus como Senhor da glória. Com exceção dos
versículos 14 e 15 do capítulo 5, esta epístola não contém nenhuma exortação que,
em sua elevação espiritual, vá além do que poderia ser dito a um judeu piedoso.
Ela supõe que as pessoas às quais se dirige têm fé no Senhor Jesus; mas não
chama àquilo que é exclusivamente próprio do cristianismo e que depende dos
particulares privilégios deste. As exortações fluem daquela fonte mais elevada e
exalam um ar mais celestial, mas o efeito que procuram produzir são provas reais,
próprias da religião terrestre; as exortações são as que poderiam se ouvir na igreja
professa, vasto corpo, semelhante a Israel, no meio do qual existem alguns
cristãos.
A epístola não se apóia, para repartir seus ensinos, nas relações cristãs daqui
embaixo; reconhece-as, mas como um fato particular entre outros que têm direitos
sobre a consciência do escritor. O autor inspirado supõe que aqueles a quem se
dirige mantêm uma conhecida relação com Deus, da que não duvida, uma relação
que é de antiga data. Ele supõe que o cristianismo se introduziu em meio daqueles
que mantêm tal relação com Ele.
É importante fazer notar qual é o nível moral da vida que nos é apresentada nesta
epístola. Assim que captamos a posição em que ela considera os crentes, o
discernimento da verdade sobre este ponto não resulta difícil. Vemos, em efeito,
que o nível moral que a epístola nos mostra é o manifestado por Cristo quando
andava em meio a Israel, fazendo brilhar ante seus discípulos a divina luz e as
relações com Deus, as que emanavam para eles de Sua presença. É obvio que ao
escrever a epístola ele estava ausente, mas aquela luz e aquelas relações das quais
falamos são mantidas qual medida de responsabilidade, medida que será aplicada
em julgamento, à volta do Senhor, contra aqueles que não quiseram aceitá-la e
que não andaram de acordo com essas relações. Até esse dia os fiéis tinham que
ter paciência frente à opressão que sofriam de parte dos judeus, quem ainda
blasfemavam o santo Nome pelo que eram chamados.
É o inverso da epístola aos Hebreus, quanto à relação dos fiéis com o povo judeu;
não moralmente, a não ser por causa da proximidade do julgamento na época em
que a epístola aos Hebreus foi escrita.
A epístola não se refere à associação do cristão com Cristo exaltado no alto nem,
por conseguinte, ao pensamento de que iremos a seu encontro no ar, como Paulo o
ensinou. Mas o que ela contém sempre segue sendo verdade; e aquele que diz que
mora nele (em Cristo) deve andar como ele andou.
O julgamento que devia chegar nos faz compreender a maneira em que Tiago fala
do mundo, dos ricos que se regozijam em sua porção no mundo e da posição do
remanescente crente, oprimido, em meio de uma nação incrédula; compreendemos
por que ele começa pela questão das tribulações e fala delas tão freqüentemente,
como assim também por que insiste nas provas práticas da fé. Vá a todo o Israel
ainda em seu conjunto; mas alguns tinham recebido a fé do Senhor da glória, e se
sentiam tentados a valorar aos ricos e aos grandes de Israel. Ao seguir sendo todos
eles judeus, facilmente compreendemos o fato de que, enquanto alguns
acreditavam e confessavam que Jesus era o Cristo, não obstante, já que estes
cristãos seguiam os regulamentos judaicos, os meros professantes podiam fazer
outro tanto sem que houvesse neles a menor mudança vital demonstrada por suas
obras. Resulta evidente que semelhante fé, uma fé morta como esta, não tem valor
algum. Isso é precisamente a fé dos que agora elogiam as obras: uma morta
profissão da verdade cristã. Ser engendrado pela Palavra de verdade é algo tão
alheio e estranho para eles como o era para os judeus de quem fala Tiago.
Capítulo 1
O fato de que os crentes estivessem ainda em meio de Israel com alguns que se
diziam crentes e não eram mais que simples professantes, permite compreender
facilmente, por uma parte, por que o apóstolo se dirige à massa do povo como
sendo aqueles que pudessem participar dos privilégios acordados a este último —
caso que a fé no Messias existisse—; por outra parte, por que se dirige aos cristãos
como se tivessem um sítio especial; e finalmente, por que adverte ao mesmo
tempo a aqueles que professavam acreditar em Cristo. A aplicação prática da
epístola em todos os tempos, e em particular naqueles nos quais um corpo
numeroso pretende ter direito hereditário aos privilégios do povo de Deus, é do
mais fácil devido a sua perfeita clareza. Pelo resto, a epístola tem uma força muito
peculiar para a consciência individual; ela julga a posição, os pensamentos e as
intenções do coração.
A epístola começa então com uma exortação a gozar-se nas provas, as que são um
meio para produzir a paciência (V. 2-3). No fundo, este tema das provas, e do
espírito que convém a quem é exercitados por elas, prossegue até o final do
versículo 20 deste primeiro capítulo, no qual o pensamento da passagem se volta
para a necessidade de pôr freio a tudo o que se opõe à paciência e para o
verdadeiro caráter de alguém que se mantém na presença de Deus. Tal direção,
como conjunto, termina ao finalizar o capítulo. O fio do raciocínio do apóstolo não é
sempre fácil de reconhecer; a chave do mesmo se acha na condição moral a que
ele se refere. Tratarei de fazer que a compreensão dessa chave seja o mais
acessível que se possa.
O substancial do tema consiste em que devemos andar ante Deus e mostrar a
realidade de nossa profissão, em contraste com a união com o mundo, ou seja, dar
prova da religião prática. A paciência, pois, tem que ter sua obra completa (V. 4);
assim a vontade é subjugada e submetida, e se aceita toda a vontade de Deus; por
conseguinte, nada lhe falta à vida prática da alma. A gente sofre, mas se atém
pacientemente ao Senhor. É o que Cristo fez; esta era sua perfeição: aguardava a
vontade de Deus e nunca fazia a sua própria; assim a obediência era perfeita
mesmo que o homem fora posto a prova. Mas, de fato, freqüentemente carecemos
de sabedoria para saber o que deveríamos fazer. Para isso, diz o apóstolo, o
recurso é evidente: pedimos a Deus sabedoria e ele dá a cada um liberalmente (V.
5); somente que temos que contar com sua fidelidade e com uma resposta a
nossas orações. De outra maneira há dobra de coração; a dependência não está
sujeita a Deus; nossos desejos têm outro objeto (V. 6). Se unicamente procuramos
o que Deus quer e o que Deus faz, dependemos dele com um coração seguro do
cumprimento de Sua vontade. Quanto às circunstâncias deste mundo, as que
poderiam fazer acreditar que é inútil depender de Deus, desvanecem-se como a flor
do campo. Deveríamos ter consciência de que nosso lugar, segundo Deus, não é o
deste mundo. Aquele que é de condição humilde deve regozijar-se de que o
cristianismo lhe exalte (V. 9), e o rico, de que lhe humilhe (V. 10). Não devemos
nos gozar nas riquezas, pois estas passam (V. 11), a não ser no exercício de
coração do que fala o apóstolo, porque depois que tenhamos sido provados
gozaremos da coroa de vida (V. 12).
A vida de quem é provado e no qual esta vida se desenvolve com obediência a toda
a vontade de Deus, vale mais que a de um homem que se entrega a todos os
desejos de seu coração pelo luxo.
Com respeito a estas tentações, às quais alguém se deixa levar pelas cobiças do
coração, não se deve dizer que vêm de Deus. O coração do homem é a fonte da
cobiça que conduz ao pecado, e por este à morte (V. 13-15). Que ninguém se
engane a este respeito! O que no íntimo prova ao coração procede da gente
mesmo. Todos os dons bons e perfeitos vêm de Deus, e ele nunca troca, só faz o
bom. Por isso nos deu uma nova natureza, fruto de sua própria vontade, a que obra
em nós mediante a Palavra de verdade para que sejamos primicias de suas
criaturas (V. 16-18). Como é Pai das luzes, o que é trevas não vem dele. Ele nos
engendrou pela Palavra da verdade para ser as primeiras e mais excelentes
testemunhas deste poder benfeitor que resplandecerá mais tarde na nova criação,
da qual somos as primícias. Isto é o oposto ao falso pensamento que quereria fazer
de Deus a fonte das cobiças e lhe atribuir as tentações, as que têm sua origem no
coração do homem.
Esta Palavra de verdade não é como uma lei que está fora de nós e que, ao opor-se
a nossa natureza pecaminosa, condena-nos. Ela salva à alma; é viva e vivificadora;
obra vitalmente em uma natureza que é fruto dela, e a que forma e ilumina.
Mas é necessário que a Palavra obre realmente em nós; é preciso que não só
sejamos auditores dela, mas que também esta produza frutos práticos que sejam a
prova de que obra real e vitalmente no coração (V. 22). De outra maneira, a
Palavra é tão somente como um espelho no que possivelmente nos podemos ver
por um momento, e logo esquecemos o que vimos (V. 23-24). Aquele que
esquadrinha a lei perfeita, que é a da liberdade, e persevera fazendo a obra que ela
indica, será bento na atividade real e obediente que se desenvolve nele (V. 25).
Esta lei é perfeita, pois a Palavra de Deus, tudo o que o Espírito de Cristo
manifestou, é a expressão da natureza e do caráter de Deus, pelo que ele é e do
que ele quer, pois ele quer o que ele é, e isto necessariamente.
Esta lei é a lei da liberdade, porque a mesma Palavra, que revela o que Deus é e o
que ele quer, tem-nos feito partícipe, por graça, da natureza divina; de maneira
que o fato de não andar segundo essa Palavra seria não andar de conformidade
com nossa própria natureza nova. E andar segundo uma regra que expresse os
desejos desta nova natureza que é de Deus, e os ditados de sua Palavra, isto é a
verdadeira liberdade.
O mesmo ocorre com respeito ao novo homem em nós (que é Cristo, como vida em
nós), o qual é criado em nós segundo Deus, revestido de justiça e verdadeira
santidade, produzidas em nós pela Palavra, que é a perfeita revelação de Deus, do
conjunto da natureza divina no homem, da qual Cristo —a Palavra vivente, a
imagem do Deus invisível— foi a manifestação e o modelo. A liberdade do novo
homem é a liberdade de fazer a vontade de Deus, de imitar a Deus em seu caráter,
como querido filho dele, tal como esse caráter foi manifestado em Cristo. A lei da
liberdade é este caráter, tal como é revelado na Palavra, e a nova natureza acha
seu gozo e satisfação nesse caráter de Deus revelado em Cristo, assim como ela
extrai sua existência da Palavra que Lhe revela e do Deus que nela é revelado.
Tal é “a lei da liberdade” (V. 25), o caráter de Deus mesmo em nós, formado pela
operação de uma natureza gerada por meio da Palavra que Revela a ele e que usa
como molde esta mesma Palavra.
O primeiro elemento que trai ao homem interior é a língua (V. 26). Um homem que
parece estar relacionado com Deus e quer lhe honrar, e que não sabe reprimir sua
língua, engana-se a si mesmo, e sua religião é vã.
A religião pura ante Deus, o Pai, é a de cuidar daqueles que, alcançados nas
relações mais tenras pelo pagamento do pecado, vêem-se privados de seus
sustentos naturais; e de guardar-se sem mancha do mundo (V. 27). Em vez de
destacar-se e figurar em um mundo de vaidade, afastado de Deus, alguém deve
voltar-se, tal como o faz Deus, para os afligidos, para os que precisam socorro, e
guardar-se de um mundo no que tudo polui, no que tudo é contrário à nova
natureza que é nossa vida e ao desenvolvimento e manifestação em nós do caráter
de Deus, tal como o conhecemos pela Palavra.
Capítulo 2
O apóstolo entra agora no tema daqueles que professavam acreditar que Jesus era
o Cristo, o Senhor. Antes, no capítulo 1, ele tinha falado da nova natureza em
conexão com Deus; aqui a profissão de fé em Cristo é posta em presença da
própria pedra de toque, ou seja, da realidade dos frutos produzidos por ela, em
contraste com este mundo. Todos estes princípios —o valor do Nome de Cristo, a
essência da lei tal como Jesus a manifestou, a lei da liberdade— são considerados
para julgar a realidade da vida espiritual, ou para convencer ao professante de que
não a possuía. Duas coisas são reprovadas: a consideração da aparência exterior
das pessoas (V. 1-13), e a ausência de obras como prova da sinceridade da
profissão (V. 14-26).
Em segundo lugar, Tiago apela ao resumo prático da lei da que Jesus tinha falado,
a lei real (V. 8). Se violava a própria lei ao favorecer aos ricos (V. 9), e a lei não
consentia nenhuma infração de seus mandamentos, porque estava em jogo a
autoridade do legislador (V. 10-11). Se a gente menosprezar aos pobres, por certo
que não ama ao próximo como a si mesmo.
O que segue mostra que a fé morta da que fala Tiago é a profissão de uma
doutrina, possivelmente verdadeira em si mesmo. Ele supõe que se reconhecem
certas verdades, pois é uma verdadeira fé a que têm os demônios quanto à unidade
de Deus; eles não duvidam a respeito, mas não há nada que ligue seus corações a
Deus por meio de uma nova natureza. Muito longe disso!
Mas o apóstolo confirma isto pelo caso de homens em quem a oposição com a
natureza divina não é tão evidente. A fé, essa fé que reconhece somente a verdade
com respeito a Cristo, está morta sem obras, quer dizer, que uma fé que não
produz frutos está morta (V. 20).
Vemos (V. 16) que a fé da qual fala o apóstolo é uma profissão desprovida de
realidade; o versículo 19 mostra que pode ser uma certeza, sem fingimento, de que
o que se crie é verdade; mas a vida engendrada pela Palavra, vida pela qual fica
estabelecida uma relação entre a alma e Deus, falta por completo. Como esta vida
provém da semente incorruptível que é a Palavra, é da fé afirmar que, tendo sido
engendrados Por Deus, temos uma nova vida. Esta vida atua, quer dizer, a fé atua
conforme à relação com Deus na qual ela nos coloca, gerando obras que emanam
naturalmente dela e que dão testemunho da fé que as produziu.
Do versículo 20 até o final do capítulo, ele apresenta uma nova prova de sua tese,
fundada no último princípio que acaba de enunciar. E as provas que dá da
demonstração da fé pelas obras nada têm que ver com os frutos de uma natureza
amável, porque há frutos amáveis que produz a própria criatura mas que não
provêm de uma vida que tenha sua origem na Palavra de Deus, mediante a qual ele
nos gera. Os frutos dos que fala o apóstolo dão testemunho, por seu próprio
caráter, da fé que as produziu. Abraão ofertou a seu filho (V. 21); Raabe recebeu
aos mensageiros de Israel, associando-se assim ao povo de Deus quando tudo lhe
opunha e separando-se de seu próprio povo pela fé (V. 25). Tudo sacrificado Por
Deus, tudo abandonado por Seu povo antes de que este tivesse obtido tão somente
uma vitória, e isso enquanto o mundo tinha seu pleno poder: assim são os frutos
da fé.
Um se voltava a Deus e lhe acreditava da maneira mais absoluta, contra tudo o que
há na natureza ou naquilo no qual a natureza pode apoiar-se; a outra reconhecia
ao povo de Deus quando tudo estava contra este; mas nem um nem o outro eram
o fruto de uma natureza amável ou de por si naturalmente boa, segundo o que os
homens chamam boas obras. Um era um pai a ponto de dar morte a seu filho; a
outra era uma mulher pecadora que traía a sua pátria. Por certo cumpriu-se a
Escritura que diz que Abraão acreditou em Deus (V. 23; veja-se também Gênese
15:6). Como teria podido obrar como o fez, se não lhe tivesse acreditado? As obras
puseram o selo sobre sua fé, e a fé sem obras só é, como um corpo sem alma, uma
forma exterior desprovida da vida que a anima. A fé atua nas obras (pois sem ela
as obras são uma nulidade, não são as de uma vida nova), e as obras completam a
fé que atua nesta vida, as produzindo; porque apesar da prova, e na prova, a fé
está ativa nesta nova vida. As obras de lei não têm parte alguma na vida. A lei
exterior que exige não é uma vida que produz (além desta natureza divina) essas
santas e amantes disposições que têm por objeto a Deus e a seu povo e para as
quais nada mais tem valor.
Note que Tiago nunca diz que as obras nos justificam diante de Deus, porque Deus
pode ver a fé sem suas obras. Quando está a vida, ele sabe. A fé se exerce com
respeito a ele, para ele, pela confiança em sua Palavra e nele mesmo, recebendo
seu testemunho através de tudo, apesar de tudo, por dentro e por fora. Esta é a fé
que Deus reconhece. Mas quando se trata do homem, quando tem que dizer-se
“me mostre” (V. 18), então a fé, a vida, mostram-se por meio das obras.
Capítulo 3
Neste capítulo a epístola volta a referir-se à língua, o índice mais disposto a revelar
o estado do coração e que mostra se o novo homem atua, se a natureza e a
vontade própria estão refreadas (V. 1-2). Mas neste capítulo não há quase nada
que precise comentário, embora sim muito que requer um ouvido atento. Se a vida
divina estiver em uma alma, os conhecimentos não se manifestarão em palavras,
mas sim pelo andar e por obras nas que será vista a mansidão da verdadeira
sabedoria (V. 13). A amargura e a contenção não são os frutos de uma sabedoria
que vem do alto, mas sim de uma sabedoria terrestre, da natureza do homem e do
inimigo (V. 14-16).
A sabedoria que vem do alto, a que possui seu sítio na vida, no coração, tem três
características (V. 17). Em primeiro lugar, é pura, pois a alma está em comunhão
com Deus, tem intercâmbios com ele (por isso tem que haver esta pureza).
Seguidamente é aprazível, mansa, preparada para ceder à vontade alheia, logo,
ativa para o bem e movimento por um princípio que extrai sua origem e seus
motivos do alto; ela atua sem parcialidade, quer dizer, a acepção de pessoas e as
circunstâncias que influem na carne e nas paixões não influem nela. Pela mesma
razão, a sabedoria é sincera e sem fingimento.
Capítulo 4
Capítulo 5
A vinda do Senhor é apresentada como final de sua situação, tanto para os ricos
opressores incrédulos de Israel como para o remanescente pobre que é crente. Os
ricos acumularam tesouros para os últimos dias (V. 3); os pobres oprimidos têm
que ter paciência até que o Senhor mesmo venha para lhes liberar (V. 7). Por isso a
liberação não demorará. O lavrador aguarda a chuva e o tempo da colheita; o
cristão espera a vinda de seu Senhor. Esta paciência caracteriza, como o vimos, a
vida de fé. A viu nos profetas; e quando as provas e a perseguição caem sobre
outros, temos por ditosos àqueles que as suportam por amor ao Senhor (V. 11). Jó
nos ensina os caminhos do Senhor: ele teve que ter paciência, mas o fim do Senhor
era bênção e tenra compaixão.
O cristianismo tem recursos tanto para a sorte como para a desdita. Se alguém
está aflito, que ore. Deus é a força; ele responde (V. 13). Se se sentir ditoso, que
cante; se estiver doente, chame os anciões da Igreja, a fim de que orem por ele e
lhe unjam com azeite; o castigo será tirado e os pecados pelos que foi castigado,
segundo o governo de Deus, serão perdoados assim que se refere a esse governo,
porque só disso se fala aqui (v.14-15). Aqui não se trata da imputação de pecado
para condenação.
Agora nos é mostrada a eficácia da oração de fé; mas ela está sujeita à sinceridade
de coração (V. 15). O governo de Deus se exerce com respeito a seu povo. Castiga-
o por meio da enfermidade, se for preciso; e é importante que a verdade no
homem interior seja mantida. ocultam-se as faltas, deseja-se andar como se tudo
fora bem, mas Deus julga a seu povo! Prova o coração e as vísceras. O crente é
mantido em laços de aflição. Às vezes Deus lhe mostra suas faltas, às vezes sua
própria vontade sem quebrantar; seus ossos são castigados com fortes dores:
“Também sobre sua cama é castigado com dor forte em todos seus ossos” (Jó
33:19). Então a Igreja de Deus intervém por caridade e, segundo a ordem
estabelecida, por meio dos anciões; o doente se encomenda a Deus ao confessar
sua estado de necessidade; a caridade da Igreja atua e põe ante Deus àquele que é
castigado, segundo a relação na qual ela mesma se encontra segundo esta
caridade, já que a Igreja goza de relações com Deus nas quais se desdobra o amor
de Deus. A fé aduz esta relação de graça; o doente é sanado. Se os pecados —e
não meramente a necessidade de disciplina— fossem a causa de seu castigo, esses
pecados não impedirão que seja sanado, mas sim eles lhe serão perdoados.
pode-se notar que não se trata de fazer confissão aos anciões. Esta confissão teria
sido confiança em alguns homens, uma confiança oficial. Deus deseja a operação
da caridade divina em todos. A confissão recíproca dos uns aos outros mostra o
estado que Deus deseja para a Igreja, e era o que realmente existia no princípio
dela. Deus quer que o amor reine de tal maneira que se esteja o bastante perto
dele para tratar ao pecador conforme à graça que se sabe que há nele, e que este
amor divino no coração dos irmãos seja conhecido de tal maneira que a sinceridade
perfeita e interior seja produzida por meio da confiança e a operação desta graça. A
confissão oficial se opõe a tudo isto e o destrói. Que sabedoria divina a que omitiu a
confissão quando se referiu aos anciões, mas que a prevê mais adiante como a viva
e voluntária expressão do coração!
Isto nos conduz também ao valor da enérgica oração do homem justo (V. 16). É a
proximidades respeito de Deus e, por conseguinte, a consciência que se tem a
respeito do que Deus é, o que (por meio da graça e a operação do Espírito) dá sua
força a esta oração. Deus tem em conta aos homens; tem em conta, segundo o
infinito de Seu amor, a confiança depositada nele, a fé que lhe merece sua Palavra
a um coração que pensa e atua segundo uma justa apreciação do que Ele é. É
sempre a fé o que faz sensível aquilo que não se vá —a Deus mesmo—, e que obra
em consonância com a revelação que Deus deu que si mesmo. O homem que na
pratica é justo por meio da graça, está perto de Deus; como justo, pessoalmente
não tem que ver com Deus em relação ao pecado que manteria seu coração
distante; seu coração é livre de aproximar-se de Deus —segundo a natureza de
Deus mesmo— em favor de outros; é movido pela natureza divina que lhe anima e
que lhe faz apreciar a Deus; procura, conforme à atividade dessa natureza, de fazer
prevaler suas orações ante Deus, seja para o bem de outros, seja para a glória de
Deus mesmo, em seu serviço. E Deus responde, segundo essa mesma natureza,
benzendo esta confiança e respondendo a ela para manifestar o que ele é para a fé,
a fim de respirar a esta a legitimar a atividade cristã do amor e para pôr seu selo
sobre o homem que anda por fé 2.
O Espírito de Deus, sem dúvida, obra em nós quando o coração é assim ativado,
mas aqui o apóstolo não fala do Espírito, mas sim se refere ao efeito da fé prática
na alma e apresenta ao homem tal como é, atuando sob a influência desta
natureza, aqui em sua energia positiva com respeito a Deus e perto Dele, de
maneira que ela obra em toda sua intensidade, movida pelo poder dessa
proximidade. Mas se considerarmos a ação do Espírito, esses pensamentos são
confirmados. O homem justo não entristece ao Espírito Santo, e o Espírito obra nele
segundo Seu próprio poder, ao não ter que pôr sua consciência como deve ser
diante de Deus, mas sim atuando no homem conforme ao poder da comunhão de
este com Deus.
Ao comparar Gálatas 2 com a história de Atos 15, vemos que é uma revelação de
Deus a que determinou a conduta do Paulo quando subiu a Jerusalém, quaisquer
tenham sido os motivos exteriores que todos conheciam. Por meio de casos tais
como os que o apóstolo propõe à Igreja, e os de Elias e do Senhor Jesus, nos é
revelado um Deus vivente, atuante, que se interessa em tudo o que ocorre em
meio de seu povo.
O Amor na Igreja suprime, por assim dizê-lo, os pecados que de outra maneira
destruiríam a união, venceriam essa caridade na Igreja e apareceriam em toda sua
fealdade e malignidade diante de Deus, enquanto que, enfrentados pelo amor na
Igreja, não vão mais longe, sendo dissolvidos —por assim dizê-lo— e feitos a um
lado pela caridade a que não puderam vencer. O pecado é vencido pelo amor que
atuou contra ele; os pecados desaparecem, são tragados por este amor. A caridade
cobre assim uma multidão de pecados. Aqui se trata de sua ação na conversão de
um pecador.
J.N.D.
NOTAS