Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
NATAL
2020
JÉSSICA TARGINO MUNIZ
NATAL
2020
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Ronaldo Xavier de Arruda - CCET
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Profa. Dr(a). Giselle Costa de Sousa
Orientador(a)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
______________________________________
Profa. Dr(a). Gabriela Lucheze de Oliveira Lopes
Coorientador(a)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
__________________________________________________
Prof. Dr. Fabian Arley Posada Balvin (titular) / Prof. Dr. Fernando Guedes
Cury (suplente)
Membro interno
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
______________________________________
Profa. Dr(a). Enne Karol Venâncio de Sousa
Membro externo
INSTITUTO FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
AGRADECIMENTOS
The present work deals with the presentation of a notebook of activities that aims at the
integration between the History of Mathematics (HM) and the Digital Technologies of
Information and Communication (TDIC) through Mathematical Research (IM) for the teaching
of geometric algebra in Teaching Superior, notably, in the mathematics degree. Regarding the
historical topic, we decided to study solutions of quadratic equations from the perspective of
Abd Al-Hamid Ibn Turk, an Islamic mathematician who lived in the 9th century. From
bibliographic research, the first phase of this study, we found that the main work on Ibn Turk
is by Sayili (1962), entitled Logical Necessities in Mixed Equations by 'Abd al Hamid Ibn Turk
and the Algebra of His Time, in Portuguese, Necessidades Logics in Mixed Equations: 'Abd al
Hamid Ibn Turk and the Algebra of His Time. Thus, this document is our main reference,
dealing with the resolution of polynomial equations of the 2nd degree from a geometric
reasoning. The bibliographic research resulted in the second phase of this work, the elaboration
of the activity booklet, which brings the possibility for students to carry out historical
investigations, with the support of the Geogebra software, establishing relations between
algebra and geometry. This activity book was applied to a class of Didactics of Mathematics I
(MAT1516) of the degree course in mathematics at UFRN in 2019.2. Such an application
showed that technologies assist in the process of (re) construction of mathematical discoveries
as students optimize the time to elaborate constructions, thus leaving more time to make
investigations inspired by the problems of the History of Mathematics. In addition, these
activities caused interest in studying the mathematical concepts covered and provided active
participation of students in the construction / development of knowledge. It is noteworthy that
all this qualitative research resulted in an educational product developed based on the above,
available to teachers who want to use it in their classes.
Gráfico 1 – Consideração dos alunos quanto à eficiência da HM, TDIC e IM............. 117
Gráfico 2 – Métodos de resolução de equação quadrática indicada pelos estudantes.. 122
Gráfico 3 – Conhecimento dos estudantes quanto à álgebra geométrica..................... 123
Gráfico 4 – Dificuldades em relação à linguagem do caderno de atividades............... 195
Gráfico 5 – Considerações dos alunos quanto à seção Texto e Contexto..................... 196
Gráfico 6 – Opinião dos alunos quanto ao tempo destinado às atividades................. 197
Gráfico 7 – Preferência dos alunos quanto às atividades propostas............................. 198
Gráfico 8 – Dificuldade dos alunos em relação às atividades propostas...................... 199
Gráfico 9 – Contribuição da articulação entre HM, TDIC e IM para a aprendizagem
de álgebra geométrica............................................................................. 207
Gráfico 10 – Adaptações apontadas pelos licenciandos para o caderno de atividades,
caso esse fosse aplicado na Educação Básica........................................... 211
LISTA DE QUADROS
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 19
2 FUNDAMENTOS DA PESQUISA................................................................... 26
2.1 Sobre a utilização da História da Matemática no ensino de matemática........ 26
2.2 Quanto à utilização de tecnologias digitais da informação e da comunicação
em sala de aula.................................................................................................... 32
2.3 Sobre a Investigação Matemática...................................................................... 38
3 ‘ABD AL-HAMID IBN TURK (SÉCULO IX) E SUA SOLUÇÃO DE
EQUAÇÕES QUADRÁTICAS NO CONTEXTO DA MATEMÁTICA
ISLÂMICA MEDIEVAL................................................................................... 44
3.1 Contexto histórico e matemático da época........................................................ 44
3.1.1 Os califados.......................................................................................................... 48
3.1.2 A casa da Sabedoria............................................................................................. 50
3.1.3 Ciência e matemática islâmica no período medieval........................................... 51
3.2 Biografia de ‘Abd Al-Hamid Ibn Turk.................................................................. 64
3.3 Soluções de equações desenvolvidas por ‘Abd Al-Hamid Ibn Turk.............. 69
3.3.1 Caso 1................................................................................................................... 76
3.3.2 Caso 2................................................................................................................... 79
3.3.3 Caso 3................................................................................................................... 82
3.3.4 Caso 4................................................................................................................... 100
4 O CADERNO DE ATIVIDADES...................................................................... 105
4.1 Inspiração do levantamento histórico para as atividades e estrutura do
caderno................................................................................................................ 108
4.2 Aplicação das atividades.................................................................................... 113
4.2.1 O espaço e o público............................................................................................. 113
4.2.2 O processo de aplicação........................................................................................ 123
4.2.2.1 O primeiro encontro............................................................................................. 123
4.2.2.2 O segundo encontro............................................................................................. 159
4.2.2.3 O terceiro encontro............................................................................................. 186
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 202
REFERÊNCIAS................................................................................................. 208
APÊNDICE A – CARTA DE CESSÃO DE DIREITOS AUTORAIS E DE
IMAGEM............................................................................................................ 212
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO INICIAL APLICADO AOS ALUNOS. 214
APÊNDICE C – QUESTIONÁRIO FINAL APLICADO AOS ALUNOS…. 219
APÊNDICE D – PRODUTO EDUCACIONAL............................................... 224
0
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos tempos, têm sido estudados e discutidos diferentes caminhos para o ensino
de matemática, tais como Resolução de Problemas, Modelagem Matemática, História da
Matemática, Investigação Matemática e Tecnologias1 Digitais de Informação e Comunicação.
Pesquisas nesse sentido, na área de educação matemática, vêm sendo desenvolvidas com o
intuito de melhorar o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes.
O Programa de Pós – Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática
(PPGECNM), vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), oferece o
Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Naturais e Matemática, que foca na “aplicação
do conhecimento, ou seja, na pesquisa aplicada e no desenvolvimento de produtos e processos
educacionais que sejam implementados em condições reais de ensino.” (CAPES, 2010).
Nesse contexto surge esse trabalho, vinculado à linha de pesquisa História, Filosofia e
Sociologia da Ciência no Ensino de Ciências Naturais e da Matemática. Tal pesquisa visa a
integração entre a História da Matemática (HM) e as Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação (TDIC) por meio da Investigação Matemática (IM) para o ensino de álgebra
geométrica no contexto do trabalho de ‘Abd Al-Hamid Ibn Turk2. Sendo assim, essa dissertação
aborda a elaboração e aplicação de um produto educacional para o nível superior,
especificamente a licenciatura em matemática, considerando a temática supracitada. Salienta-
se que o produto educacional é um caderno de atividades que almeja a investigação de
problemas históricos vinculados ao seu contexto com apoio das TDIC no âmbito da solução
geométrica de equações quadráticas. Frente ao exposto, temos a seguinte questão-foco da
pesquisa, a qual buscamos responder nesse trabalho:
De que maneira seria possível aliar HM e TDIC via IM para o estudo e/ou ensino de
álgebra geométrica na licenciatura em matemática?
Com base nesta questão-foco, o objetivo geral desse trabalho é realizar um estudo
histórico bibliográfico sobre álgebra geométrica a partir do trabalho de Ibn Turk e, com
base nesse estudo, propor um caderno de atividades pautado no uso da HM articulado a
TDIC por meio da IM para os cursos de licenciatura em matemática, proporcionando, na
formação docente, reflexões acerca das tendências anteriormente mencionadas e uma
1
Nesse trabalho, ao mencionarmos a tecnologia, estamos nos referindo ao conceito instrumentos que auxiliam
os seres humanos a realizarem tarefas. Ao tratarmos de tecnologia informática, estamos nos referindo
particularmente ao software Geogebra.
2
Ao longo desse trabalho, citaremos ‘Abd Al-Hamid Ibn Turk de forma abreviada, como Ibn Turk.
1
outra percepção sobre equações quadráticas.3 Como desmembramento desse objetivo geral,
surgem alguns de caráter mais específicos: realizar levantamento bibliográfico sobre a história
da álgebra geométrica (HAG); selecionar problemas e/ou episódios de HAG para serem
estudados pelas TDIC; utilizar a HM e as TDIC como apoio para o aprendizado de álgebra
geométrica; ampliar a formação docente com relação à HM, TDIC e IM como propostas
didáticas além de usar as informações históricas para elaborar o caderno de atividades; aplica-
lo e ainda refiná-lo para disponibilização.
É importante salientar que nessa pesquisa, ao mencionarmos o termo álgebra
geométrica, estamos nos referindo aos processos geométricos utilizados para resolver
problemas algébricos, especificamente, no que concerne às equações quadráticas.
Para atingir os objetivos expostos anteriormente, foi desenvolvida uma pesquisa de
aporte qualitativo, visando, portanto, a investigação e análise do comportamento, das ideias e
dos pontos de vistas dos indivíduos envolvidos na mesma, para compreensão global do contexto
daqueles que estão vivenciando o fenômeno observado. De acordo com Sampieri, Collado e
Lucio (2006), o enfoque qualitativo:
utiliza a coleta de dados sem medição numérica para descobrir ou aperfeiçoar questões
de pesquisa, e pode ou não provar hipóteses em seu processo de interpretação. Seu
propósito consiste em ‘reconstruir’ a realidade, tal como é observada pelos atores de
um sistema social definido. Muitas vezes é chamado de ‘holístico’, porque considera
o ‘todo’, sem reduzi-lo ao estudo de suas partes (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO,
2006, p. 05; GERHARDT; SILVEIRA, 2009).
3
As palavras ou frases que aparecem em negrito ao longo desse texto indicam aspectos importantes/ destaques do
trabalho.
2
receberam tratamento científico. Nesse sentido, Laville e Dionne (1999) apontam que os dados,
nos documentos, precisam ser reunidos, categorizados, analisados e criticados, em função das
necessidades da pesquisa. Em nosso caso, o tratamento ocorreu pela digitalização das respostas
dos alunos nos instrumentos como caderno de atividades e transcrição, dessas e dos áudios
captados nos vídeos, em notas de rodapé.
De acordo com Ludke e André (1986), essa forma de coleta de dados “possibilita um
contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno observado, o que apresenta uma série
de vantagens”. Tais vantagens descritas pelas autoras traduzem-se basicamente na concepção
da experiência direta como o melhor teste de verificação, a possibilidade de uma visão mais
aprofundada dos sujeitos da pesquisa, assim como a perspectiva de descoberta de aspectos
novos de um problema, o que pode ser constatado nesse trabalho.
Para os registros fotográficos e de vídeo, a pesquisadora contou com o auxílio, além de
sua orientadora (Giselle Costa de Sousa) e coorientadora (Gabriela Lucheze de Oliveira), de
um mestrando (Allysson Emanuel Januário da Costa) também vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (PPGECNM) da UFRN. Acerca
desses instrumentos de coleta de dados, Vergara (2009) afirma que eles, além de trazerem
contribuições para o pesquisador, no sentido da compreensão dos episódios ocorridos, ilustram
para os leitores dos trabalhos características observadas durante a pesquisa.
Com relação aos questionários, destaca-se que de acordo com Laville e Dionne (1999),
essa ferramenta consiste em preparar perguntas sobre o tema visado, em função da hipótese,
para interrogar os indivíduos que compõem a amostra escolhida, na pesquisa, para representar
uma população. Nesse sentido, os questionários como instrumentos de pesquisa foram
utilizados ao início e ao fim da pesquisa, com os objetivos de conhecer o perfil, conhecimentos
prévios dos participantes quanto às temáticas presentes na pesquisa, e avaliação da proposta
realizada, respectivamente. Vale ressaltar que ambos os questionários contaram com perguntas
abertas e fechadas, conforme apêndices B e C.
A análise dos dados foi realizada com base nos procedimentos descritos por Bogdan e
Biklen (1982): delimitação progressiva do foco de estudo, formulação de questões analíticas,
aprofundamento da revisão de literatura, testagem das ideias junto aos sujeitos e uso extensivo
de comentários, observações e especulações ao longo da coleta.
Em síntese, neste trabalho desenvolvemos uma proposta de atividades que integram a
HM e as TDIC, via IM, para o estudo de álgebra geométrica, particularmente, solução
geométrica de equações algébricas pelo método de Ibn Turk. Fossa, Mendes e Valdés (2006)
5
O último capítulo desse trabalho indica nossas principais reflexões acerca da pesquisa
desenvolvida, análises de dificuldades e resultados obtidos mediante os objetivos traçados
inicialmente, assim como possibilidades para trabalhos futuros.
7
2 FUNDAMENTOS DA PESQUISA
Um dos fatores que contribuem para que a matemática seja considerada abstrata reside
na forma como a disciplina é ensinada, fazendo-se uso, muitas vezes, da mesma ordem
de exposição presente nos textos matemáticos. Ou seja, em vez de partirmos do modo
como um conceito matemático foi desenvolvido, mostrando as perguntas às quais ele
responde, tomamos esse conceito como algo pronto.
a função de servir ao ensino, e por estar aliada à teoria e à prática da educação, só deve ser
exercida e concretizada em definições tratadas com propriedade e transpostas para a realidade
atual, deixando de ser apenas algo do passado que serviu ao passado, se tornando algo do
presente que serve ao presente em constante continuidade acadêmica e científica.
Maza (1996) salienta, ainda nessa perspectiva, que a HM não é um simples conjunto e
problemas históricos para introduzir em classe, umas anedotas biográficas que motivem o aluno
ou um recurso ocasional. Concordamos com essa visão, e por isso, nessa pesquisa, a história
foi utilizada para a construção das noções matemáticas pelos estudantes a partir de problemas
para reconstruir e interpretar o passado, assim como relacioná-lo ao contexto atual, a partir de
investigações históricas com apoio das TDIC. Para Fauvvel (1991, p. 87),
conjecturas. Portanto, a abordagem da matemática sob uma conjunção HM-IM se dá por meio
da problematização de situações da HM que culminam na (re)descoberta/desenvolvimento de
conclusões históricas relacionadas à resolução de equações quadráticas via raciocínio
geométrico. Ferreira (1998) afirma que é no sentido de reconstrução conceitual que a História
da Matemática tem seu valor cognitivo importante, tendo em vista que a história é um fator
também imprescindível na formalização de conceitos.
Em nossa pesquisa, concordando com o que afirma Swetz (1989), os problemas
históricos possibilitam o esclarecimento e o reforço de muitos conceitos, propriedades e
métodos matemáticos que são ensinados; constituem veículos de informação cultural e
sociológica; refletem as preocupações práticas ou teóricas das diferentes culturas em diferentes
momentos históricos; constituem meios de aferimento da habilidade matemática de nossos
antepassados; permitem mostrar a existência de uma analogia ou continuidade entre os
conceitos e processos matemáticos do passado e do presente.
Na abordagem da HM sob a perspectiva apontada anteriormente, que fomente nos
estudantes a investigação como meio de construção de sua aprendizagem e autonomia, destaca-
se o papel fundamental do professor. Uma história-problema, segundo Miguel e Miorim (2008),
contrapõe-se às formas mais difundidas de utilização de história nas aulas de matemática que
nada mais fazem do que realizar uma sobreposição de abordagens, ou seja, acrescentar à
abordagem lógica (antepondo ou diluindo ao longo de seu desenvolvimento), tal qual apresenta
um tema ao estudante, algumas informações históricas de natureza estritamente factual ligadas
ao conteúdo em questão, encarados somente como acessórios ou ornamentos.
Além disso, Mendes, Fossa e Valdés (2006) enfatizam que, em livros didáticos, também
é apresentada a HM dessa forma, a partir da inclusão de certas informações tratando acerca de
figuras históricas e/ou acontecimentos que se constituem desnecessários à aquisição
(geração/construção) de conhecimento matemático pelo estudante. Considerando tais
constatações feitas pelos autores, é fundamental que, na formação de professores, sejam
discutidas e demonstradas de que maneiras a história poderá ser usada como um recurso
favorável à construção das noções matemáticas pelos estudantes, durante as suas atividades
escolares. Esse se constitui um dos objetivos da nossa pesquisa, como já exposto na introdução.
Para tal feito, buscamos aliar a geometria presente na álgebra de Abd Al-Hamid Ibn Turk e a
álgebra no estágio atual, conduzindo o estudante a fazer (re)descobertas a partir da investigação
de problemas inspirados no contexto islâmico medieval.
12
realidade antes desconhecida pelos indivíduos. De acordo com Leite (2011, p. 64): “[...]
estamos vivendo o fortalecimento da cultura digital, que tem tido participação cada vez mais
abrangente na vida das pessoas de todas as idades e localizadas praticamente em todas as partes
do globo.”.
Primeiramente destaca-se que a informática é uma tecnologia, assim como outras que
existem há mais tempo e já são muito utilizadas na educação, como, por exemplo, lápis, quadro
branco e papel. Isso porque a definição de tecnologia diz respeito à instrumentos que auxiliam
os seres humanos a realizarem tarefas. Nesse sentido, Levy (1993) enfatiza que a história das
tecnologias sempre esteve entrelaçada com a história da própria humanidade.
Apoiando-se nessa visão, Borba e Penteado (2003) defendem que não é adequada uma
visão dicotômica entre homem-mídia, já que, sob um panorama histórico, sugere que os
indivíduos são constituídos por técnicas que estendem e modificam seu raciocínio e,
simultaneamente, esses mesmos indivíduos estão continuamente transformando essas técnicas.
Por esse motivo, os autores adotam “uma perspectiva teórica que se apóia na noção de que o
conhecimento é produzido por um coletivo formado por seres-humanos-com-mídias, ou
seres-humanos-com-tecnologias”. (BORBA; PENTEADO, 2003, p. 48, grifos nossos).
Nas constatações de Ponte, Brocardo e Oliveira (2009), o suporte tecnológico permite o
desenho, a manipulação e a construção de entes matemáticos, facilita a exploração de
conjecturas e a investigação de relações que precedem o uso do raciocínio formal, o que
contribui com as ideias de IM apresentadas nessa pesquisa. Os autores enfatizam ainda que
vários estudos destacam também que a utilização dessas tecnologias facilita a recolha de dados
e o teste de conjecturas, apoiando, desse modo, explorações mais organizadas e completas e
permitindo que os alunos se concentrem nas decisões em termos do processo, o que pressupõe
a valorização do saber e do fazer históricos na ação cognitiva dos estudantes, presentes em
nossa proposta.
Posto isso, destacamos nossa escolha de utilizar o software Geogebra4 como ambiente
para exploração dos estudantes quanto às construções históricas realizadas e analisadas sob a
perspectiva de investigação matemática de problemas que envolvem soluções de equações
quadráticas pela álgebra geométrica de Ibn Turk. A escolha do software se deu por vários
motivos, sendo o principal deles a harmonia dos objetivos das atividades a serem realizadas
com os recursos disponibilizados no Geogebra, em especial, a associação dos campos de
4
Software de matemática dinâmica desenvolvido por Markus Hohenwarter, em 2001, com o objetivo de ser
utilizado para o ensino e aprendizagem de matemática. Mais detalhes em https://www.geogebra.org/ .
14
visualização geométrico e algébrico do mesmo objeto matemático. Além disso, esse software é
gratuito e de fácil manipulação em uma atmosfera que valoriza a dinâmica, a observação, a
construção e a experimentação, possibilitando aos estudantes o envolvimento ativo com as
atividades propostas.
Sob esse enfoque, a informática é utilizada também como meio para uma maior
integração/participação dos estudantes nas aulas; eventos muitas vezes complicados de
serem realizados em ambientes sem a presença das tecnologias. Em aulas expositivas, por
exemplo, os alunos algumas vezes se sentem inibidos a envolver-se na aula, agindo, apenas
como ouvintes. Nesse sentido, é importante ressaltar que a aprendizagem não se dá a partir da
fala do professor; ela exige, para além disso, o diálogo entre docentes e alunos, a colaboração
de ambos para a construção/desenvolvimento de um conhecimento que vá além da
memorização de fórmulas e algoritmos, no caso de matemática. No posicionamento de Borba
e Penteado (2017), é enfatizada a dinâmica da informática nas aulas: um problema que pode
remeter a outro, a interação entre professores, alunos e tecnologia que gera conjecturas e ideias
matemáticas, originando assim uma perspectiva de experimentação que inverte a ordem de
exposição oral da teoria, exemplos e exercícios e permitindo uma nova ordem pautada na
investigação e, então, teorização/formalização dos conhecimentos. No caso de equações
quadráticas, assunto abordado no nosso produto educacional, é possível notar diversas vezes
um ensino marcado pela representação algorítmica do conceito - aplicação de fórmula, ou seja,
priorização excessiva da aprendizagem mecânica, que não faz relação, por exemplo, com
aspectos geométricos e origem das fórmulas utilizadas atualmente, como proposto nessa
pesquisa.
Assim, consideramos que o Geogebra propiciará o desenvolvimento de uma atitude
investigatória por parte dos alunos, subsidiando uma categoria de experimentação que
possibilitará, por um lado, otimização de tempo na reconstrução de conhecimentos históricos
e associação desses com o hoje, que, caso realizadas de outra forma, poderiam levar muito
tempo para serem criadas, investigadas e compreendidas. De fato, Ponte, Brocardo e Oliveira
(2009, p. 85) apontam que “a possibilidade de usar programas de Geometria Dinâmica facilita
a realização de experiências que, de outro modo, se tornariam morosas e difíceis de analisar”.
Ainda esclarecendo, esta otimização do tempo aqui tratada envolve redução deste, mas vai além
disto, ou seja, não é só, diminuir o tempo de execução das atividades, mas aproveitá-lo da
melhor forma e, quando, diminuído, usar o tempo ganho para investigar e explorar relações.
15
Nessa dinâmica proposta pela utilização das tecnologias em sala de aula, o papel do
professor é redimensionado: ele passa de expositor de conteúdo para apoiador de seus alunos,
para propositor de saberes, provocador de situações, formulador de problemas, criador de
possibilidades e de articulações entre diferentes áreas, orientador, aquele que mobiliza/estimula
seus alunos na construção do conhecimento. Considerando o que foi posto, Silva (2011, p. 95)
afirma que o docente deve, em sala de aula:
- oferecer múltiplas informações (em imagens, sons, textos, etc.), utilizando ou não
tecnologias digitais, mas sabendo que estas, utilizadas de modo interativo,
potencializam consideravelmente ações que resultam em conhecimento.
- ensejar (oferecer a ocasião de...) e urdir (dispor entrelaçados os fios da teia, enredar)
múltiplos percursos para conexões e expressões com o que os alunos possam contar
no ato de manipular as informações e percorrer percursos arquitetados.
- estimular os alunos a contribuir com novas informações e a criar e oferecer mais e
melhores percursos, participando como coautores do processo.
de indivíduos éticos e críticos da realidade tecnológica que é vivenciada, ou seja, cidadãos que
são formados em interação com os valores da contemporaneidade. Concordando com essa
visão, Borba e Penteado (2003) defendem que:
O acesso à informática deve ser visto como um direito e portanto, nas escolas públicas
e particulares o estudante deve poder usufruir de uma educação que no momento atual
inclua, no mínimo, uma ‘alfabetização tecnológica’. Tal alfabetização deve ser vista
não com um Curso de Informática, mas sim, como um aprender a ler essa nova mídia.
Assim, o computador deve estar inserido em atividades essenciais, tais como aprender
a ler, escrever, compreender textos, entender gráficos, contar, desenvolver noções
espaciais etc. E, nesse sentido, a informática na escola passa a ser parte da resposta a
questões ligadas à cidadania. (BORBA; PENTEADO, 2003, p. 17)
A escola tem como responsabilidade social formar pessoas. Essa formação, para ser
integral/global, deve levar em consideração todo o contexto político, social e econômico que
vive a sociedade naquele momento. Daí surge a relevância das instituições de ensino
construírem propostas pedagógicas que dialoguem com as novas tecnologias: elemento que
adquire uma importância cada vez maior no século XXI. Leite (2011, p. 73) adverte que “a
escola contemporânea precisa ser problematizadora, desafiadora, agregadora de indivíduos
pensantes que constroem conhecimento colaborativamente e de maneira crítica”.
Para a informática adentrar para a sala de aula como parte do coletivo pensante citado
anteriormente, o ideal é que suas características (algumas já citadas antes) possam ser
aproveitadas ao máximo, no sentido de melhorar a aprendizagem. Isso deve ser feito com
enfoques pedagógicos que harmonizem com essas tecnologias, ou seja, práticas educativas que
valorizem a participação ativa do educando, a significação de conteúdos pelo aluno,
possibilitem a interdisciplinaridade, a experimentação e a construção de saberes de maneira
coletiva. Entendemos que a HM está em consonância com essa perspectiva, tendo em vista o
que já foi exposto. Nesse sentido, enfatiza-se novamente nossa escolha em utilizar o Geogebra
como tecnologia para o trabalho com investigações históricas, pois a mesma proporcionou a
realização de construções geométricas de forma rápida e dinâmica, contribuindo para uma
melhor visualização geométrica e uma maior agilidade na (re)construção de tais construções,
quando o estudante, por exemplo, necessitava refletir mais sobre alguma etapa do que já havia
feito. Essa possibilidade ficaria inviável, por exemplo, com recursos como lápis e folhas
(construções geométricas no papel), em que seria gasto muito tempo e esforço para efetuar tal
processo de construção-reconstrução. Além disso, as ferramentas do Geogebra enriqueceram o
trabalho de investigação histórica na medida em que permitiram aos estudantes de cada grupo,
individualmente, investigar passos de uma construção geométrica já elaborada previamente,
17
procedimento complicado de ser feito sem o aparato tecnológico apropriado. Em razão disso,
propomos nesse trabalho a aliança entre essas ferramentas objetivando uma proposta alternativa
para a aprendizagem entre os alunos, por meio de uma perspectiva investigativa. Acerca desse
tema, Borba e Penteado (2003) enfatizam que, na educação matemática:
Valente e Almeida (1997) remetem ao contexto do final do século anterior, mas que
ainda observamos no período vigente desta pesquisa:
A formação do professor deve prover condições para que ele construa conhecimento
sobre as técnicas computacionais, entenda por que e como integrar o computador na
sua prática pedagógica e seja capaz de superar barreiras de ordem administrativa e
pedagógica. [...] Finalmente, deve-se criar condições para que o professor saiba
recontextualizar o aprendizado e a experiência vividos durante a sua formação para a
sua realidade de sala de aula compatibilizando as necessidades de seus alunos e os
objetivos pedagógicos que se dispõe a atingir.
[...] uma abordagem didática investigatória nas aulas de matemática, apoiada nas
informações históricas, pode contribuir na concretização de um ensino e
aprendizagem da matemática com significado, ao envolver situações históricas
problematizadoras que conduzam os estudantes em busca de sua aprendizagem
matemática. (MENDES, 2006, p. 67).
Nosso caderno de atividades, pensando nos pontos já destacados, objetiva fazer com que
os estudantes vejam a matemática como resultado de processos históricos estabelecendo uma
relação passado-presente, a partir da construção/desenvolvimento de conhecimentos
matemáticos ligados às equações quadráticas. Mendes, Fossa e Valdés (2006) defendem que é
preciso conceber atividades que conduzam o estudante a fazer descobrimentos pessoais, sendo
que essas devem permitir explorar e examinar o mundo que lhes rodeia.
Nesse sentido, a busca pela resposta de algum problema por meio da Investigação
Matemática exige a realização de uma série de etapas, que por sua vez podem ocorrer
simultaneamente ou ainda ciclicamente. Essas etapas estarão presentes no caderno de
atividades, assim como na aplicação desse no Ensino Superior (formação inicial do professor
de matemática). Ponte, Brocardo e Oliveira (2009) chamam essas fases de momentos,
resumindo-as no quadro a seguir:
21
Corroborando com o que já foi exposto, D’Ambrosio (1996, p. 118) declara que
“aprender é a capacidade de explicar, de apreender e compreender, de enfrentar, criticamente,
situações novas. Aprender não é o mero domínio de técnicas, de habilidades, nem a
memorização de algumas explicações e teorias. ”
É importante que seja destacada ainda que a investigação histórica utilizada em sala de
aula como via para o trabalho com HM suscitará um trabalho que trará outros vários benefícios
5
Não necessariamente nos limites do conhecimento, mas tão rigoroso quanto possível.
22
[...] a interação que ele [professor] tem de estabelecer com os alunos é bem diferente
da que ocorre em outros tipos de aula, levando-o a confrontar-se com algumas
dificuldades e dilemas. Tais aulas representam um desafio adicional à sua prática,
mas, certamente, traduzem-se também em momentos de realização profissional.
(PONTE, BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p. 47).
Geograficamente, a Península Arábica é unida à Ásia, pelo norte, e limitada ao sul pelo
Oceano Índico, a oeste, pelo Mar Vermelho, e a leste pelos Golfo Pérsico e o Golfo de Omã. É
importante ressaltar que a maior parte dessa região é um deserto (o deserto da Arábia), com
implicações importantes para a vida de seus habitantes. De fato, o clima seco e árido, a
hostilidade entre as pessoas em busca de áreas férteis e a dificuldade para o desenvolvimento
da agricultura influenciaram de várias maneiras a população (GIORDANI, 1976).
De 632 a 1258 o império islâmico tinha a cultura mais avançada e era o Estado mais
poderoso do mundo. Menos de um século depois de ter sido fundada, cresceu de uma
fraca aliança das tribos do deserto para o maior império da história do mundo.
Nenhum império antigo conquistou seu alcance ao redor do mundo.
A rápida expansão desse império teve influência de uma religião surgida a partir do
nascimento de Maomé: o islamismo. Islam é uma palavra do idioma árabe que significa
submissão. No contexto religioso, significa submissão à vontade de um único Deus (Allah). O
livro sagrado do islamismo é chamado de Alcorão e acredita-se que esse livro é a coletânea de
revelações de Deus ao profeta Maomé. O Alcorão tem uma série de regras para guiar a
humanidade, trazendo ideias acerca da onipotência8 de Deus e a necessidade de bondade,
generosidade e justiça entre as pessoas. (DOAK, 1963).
Até então, os indivíduos que residiam na Península Arábica eram politeístas9. Maomé
nasceu em Meca, em 571 d.C.. Por volta do ano 610 d. C., recebeu uma revelação de Deus
(Allah) e começou a pregar sobre a mesma, convertendo um grande número de pessoas
rapidamente. Os seguidores de Maomé ficaram conhecidos como muçulmanos. A palavra
muçulmano geralmente é utilizada como sinônimo de árabe, assim como islâmico. Contudo,
árabe se refere à pessoa que tem origem na região da Península Arábica, fala o idioma árabe e
tem traços étnicos árabes. Muçulmano, como já citado, é a pessoa que segue a religião do
islamismo. Islâmico, por sua vez, diz respeito à pessoa que se encontra em um local que adota
um sistema político fundamentado na aplicação da lei religiosa islâmica. Dessa forma, o
islâmico não é necessariamente muçulmano, e nem todo muçulmano é árabe.
6
Indivíduo que não possui habitação fixa, que vive permanentemente mudando de lugar. No caso dos árabes, isso
era consequência principalmente da aridez do deserto e da inexistência de tecnologia para transpassar esse
problema na época.
7
A tribo é um complexo de famílias que se mantém juntas por interesses econômicos e por motivações ideológicas
centradas em descendência de antepassados comuns. Assim, a organização política tribal se refere a um tipo de
organização social e política em que existem vários grupos sociais de famílias que reconhecem uma origem e um
chefe comum, com estrutura baseada numa identidade étnica bem marcada e uma disposição dotada de muita
mobilidade. (GOMES, 2008).
8
Diz respeito ao poder ilimitado.
9
Sistema religioso que consiste na crença em mais de um deus.
27
Nesse trabalho, será utilizado o termo civilização islâmica, por se tratar de uma locução
mais abrangente, que englobaria a população daquela época, que trataremos como um todo,
visto as peculiaridades já mencionadas com relação ao vocábulo árabe, muçulmano e islâmico.
O islamismo é uma religião monoteísta10 e possui uma série de preceitos a serem seguidos
(descritos detalhadamente no Alcorão). Um exemplo deles é a realização de oração cinco vezes
por dia, em horários fixos e em direção à cidade de Meca. O conjunto dessas orações diárias é
denominada salat.
Maomé, no entanto, foi mais que um líder espiritual para a Península Arábica, ele se
tornou chefe político, aliando as decisões políticas e legais às convicções religiosas pregadas
pelo islamismo. Doak (1963, p. 12) afirma que “no império que cresceu depois dele [Maomé],
religião e política eram tão firmemente misturados que eles não poderiam ser separados. A lei
do império era a lei do islamismo, que foi dada a Maomé por Deus.”
A propagação dessa religião começou a atingir terras vizinhas, e a conquista de novos
territórios foi vista como uma possibilidade para expansão da nova religião. Mesmo após a
morte de Maomé (632 d. C.), as batalhas em busca de novos fiéis continuou, sob o domínio de
outros líderes, que ficaram conhecidos como califas11. O império islâmico chegou a se estender
da fronteira da Índia no leste até a Espanha no oeste, e no norte, da Ásia central até o norte da
África ao sul. De acordo com Katz e Parshall (2014, p. 187, tradução nossa):
10
Doutrina religiosa que defende a existência de um único deus.
11
Califa significa sucessor em árabe. Eles foram líderes políticos e religiosos do império após a morte de Maomé,
em 632 d. C.. (mais detalhes adiante nesse trabalho).
28
3.1.1 Os califados
Como dito, após a morte de Maomé, surgiu uma questão que veio a dividir politicamente
os islâmicos: qual(is) pessoas deveria(m) ser o(s) novo(s) líder(es) do império? Esse assunto
criou dois grupos que pensavam de maneira diferente quanto à resposta para o problema: um
grupo ficou conhecido como xiita, que acreditava que Maomé tinha escolhido seu genro e
primo Ali (600-661), para ser o seu sucessor. O outro grupo, porém, acreditava que o califa
deveria ser escolhido pela comunidade de fiéis – são os sunitas. A seguir, um esquema que
sintetiza como ocorreu a escolha daqueles que sucederam o líder Maomé (califas).
1º CALIFADO
3º CALIFADO
Fonte: Acervo da autora
Doak (1963) destaca que após muitas discussões, Abu Bakr (570-634) foi escolhido para
ser o primeiro califa, sendo um governante apoiado pelos sunitas. Ele e seus três sucessores
(Omar, Uthman e Ali) ficaram conhecidos como califas justamente guiados – e formaram o
primeiro califado (também conhecido como Califado Ortodoxo). Apesar desse período ser de
muita expansão para o império islâmico, tendo em vista a importância dada ao exército islâmico
e às conquistas territoriais dirigidas por esses califas, também foi uma época de muitos conflitos
políticos, devido à discordância de opiniões da comunidade muçulmana, divididos em xiitas e
sunitas.
O segundo califado ficou conhecido como califado Omíada (661-750), sendo que em
660, Muawiya (da dinastia Omíada) se proclamou califa, estabelecendo como capital a cidade
30
de Damasco. Porém ele só assumiu completamente o império em 661, com a morte de Ali, o
quarto califa justamente guiado e último do primeiro califado. Conforme Doak (1963, p. 35,
tradução nossa):
12
Abássidas eram descendentes de ‘Abbas ibn Abd al-Mutalib (568-653), tio de Maomé.
31
13
Existiam outros centros intelectuais de produção de conhecimento na época, criados por outros califas, mas o
mais conhecido era a Casa da Sabedoria. Para mais detalhes, ver o livro de Lyons (2011).
32
incorporação dos costumes de vida dos outros povos por essa sociedade. Por exemplo,
porcelana, pedras preciosas, seda, peles, alimentos exóticos - produtos adquiridos por meio da
exportação, eram antes escassos ou até mesmo inexistentes na Península Arábica. A ciência
islâmica também foi profundamente influenciada pela expansão do império. Katz (2007, p. 516,
tradução nossa) coloca que:
O Islã, em sua expansão, conquistou terras que haviam sido partes da civilização
bizantina ou persa, e limitou terras como a Índia e a China com suas próprias altas
civilizações. Assim, não é de surpreender que por uma variedade de razões - as elites
islâmicas emergentes, políticas, culturais e religiosas começaram a se interessar por
alguns desses aprendizados. O que se seguiu, de aproximadamente 750 a 900, foi a
aquisição muçulmana de áreas inteiras de aprendizado antigo, incluindo matemática
(e sua companheira, astronomia). A palavra ‘aquisição’ significa aqui a participação
ativa dos muçulmanos no processo, não apenas como patronos de estudiosos de outras
religiões, mas como aprendizes interessados e, cada vez mais, os próprios estudiosos.
Concordando com essa visão, Sezgin (2010) declara que uma característica importante
desta fase inicial de recepção de conhecimentos estrangeiros é a total assimilação das ciências
na área da cultura árabe-islâmica.
Fase inicial porque, como afirma Katz (2007) na sequência, o império islâmico não só
se apropriou da ciência produzida por outros povos, como também utilizou esses conhecimentos
para ampliá-los, desenvolvendo sua própria ciência. Esse deve ser um outro ponto de destaque
em torno dessa temática: os islâmicos fizeram mais do que conservar os estudos dos povos
antigos por meio de traduções de manuscritos. Eles tiveram seu período criador, unificando
tudo que eles já haviam aprendido com gregos, persas, mesopotâmicos, hindus, entre outros
povos e expandindo esses conhecimentos.
Acerca desse assunto, sabe-se que o império islâmico realizou descobertas em vários
campos do conhecimento, tais como a medicina, a música, a geografia, a astronomia e,
notadamente, a matemática. Em medicina, por exemplo, os médicos islâmicos se destacaram
no que hoje entendemos por oftalmologia e na percepção das relações entre higiene e saúde.
Por exemplo, Ammar al-Mawsili (século XI), é conhecido principalmente pela invenção de
uma seringa hipodérmica , utilizada por ele para remover catarata , uma das principais causas
da cegueira. No império, a música era respeitada como uma ciência, sendo que os estudiosos
dessa área criaram teorias sobre os aspectos técnicos da música. Um dos músicos mais famosos
nessa época foi Ziryab (759-857), que a partir de combinações de influências persas, árabes e
gregos criou um estilo de música exclusivo para Espanha (DOAK, 1963). A geografia foi
estudada em conjunto com a astronomia, especialmente para elaboração de mapas. O
34
astrolábio14 foi aperfeiçoado, constituindo-se como meio para que os cientistas islâmicos
calculassem a circunferência e diâmetro do Planeta Terra com precisão nunca antes alcançada
– com variação de erro de 4% em relação à circunferência real da Terra. (DOAK, 1963). Eles
realizaram ainda as explicações matemáticas técnicas de modelos planetários. Um exemplo é
Al-Khwarizmi, que estudou sobre os temas supracitados, se aprofundando também em outros
relacionados, como calendários e relógios de sol, sendo, portanto, um estudioso da geografia e
da astronomia.
A matemática, por sua vez, foi um campo em que o império islâmico se destacou
fortemente, por ser um campo de conhecimento com muitas aplicações naquela civilização.
(DOAK, 1963). Nessa área, o principal interesse foi resolver problemas práticos envolvidos
com o cotidiano, como transações comerciais, casos de herança, mensuração, navegação,
astronomia e infantaria.
É importante enfatizar que nem todos os matemáticos da civilização islâmica medieval
eram muçulmanos, embora a maioria fosse. Haviam também estudiosos de outras religiões
(cristãos, judeus, entre outros), assim como falantes de outras línguas, como persa, turco ou
egipcío. O árabe, porém, foi a principal linguagem científica da época, daí a matemática
produzida naquela época (séculos VII à XVII) e região ficar conhecida como matemática
islâmica ou matemática árabe. Essa matemática era bastante sofisticada e possuía base em
teorias bem elaboradas, sendo desenvolvida aproximadamente de 622 d. C. até o século XVII.
(KATZ, 2007).
Cabe destacar que o período compreendido entre o século V ao século XV (período no
qual está inserida a época de produção da matemática islâmica) ficou conhecido como período
medieval da história, sendo que na Europa vivia-se um período de declínio nos estudos
científicos devido à influência da religião católica, enquanto, como já posto, o Oriente Médio
realizava diversas produções científicas, especialmente m matemática (particularmenta na
idade de ouro da civilização islâmica).
A cultura medieval na Europa era baseada em valores religiosos (teocêntrica), sendo
que a Igreja Católica Romana se tornou o maior poder político, econômico e cultural desse
continente naquele período. Uma das características marcantes da Idade Média no Ocidente foi
o misticismo religioso, que minguou os estudos científicos da época. Os conhecimentos
acumulados pelos povos antigos ficaram sob controle da Igreja Católica, que considerava que
14
Instrumento grego utilizado para resolver, principalmente, problemas astronômicos como medir a altura dos
astros acima do horizonte. O astrolábio servia ainda para resolver problemas geométricos, como calcular a altura
de uma construção ou profundidade de um poço. (MONTEIRO, 2008).
35
esses saberes poderiam representar uma ameaça para as crenças cristãs e os ensinamentos
morais e disciplinares impostos por tal religião. Por sua vez, o Oriente, no período medieval,
sob o florescimento do islamismo, valorizava cada vez mais os estudos científicos, sendo que
esses forneceram as bases para a ciência moderna. O desenvolvimento da ciência auxiliou os
islâmicos em questões religiosas, como por exemplo, “o caso da determinação, em cada local,
da qibla, a direção sagrada de Meca, necessária para as orações e para a orientação das
mesquitas. Esse problema é muito interessante do ponto de vista matemático” (Queiró apud
Lopes, 2008). Astronomia, geografia, matemática, química, medicina eram campos que
propiciavam aos islâmicos disseminar a religião (no caso da conquista de territórios), ajudar as
pessoas (no caso dos doentes) e resolver outras questões práticas de seu cotidiano. A explicação
para os estudos científicos dessa região, nessa época, pode ser ainda de cunho militar- cultural,
já que na expansão territorial, como já posto, os islâmicos assimilaram a cultura dos
conquistados, traduzindo e estudando obras produzidas por outros povos.
O início do desenvolvimento da matemática islâmica se deu a partir da reunião e estudo
da matemática grega e da matemática hindu. Sobre isso, Katz e Parshall (2014, p. 119, tradução
nossa) afirmam que:
Katz (2007, p. 516, tradução nossa, grifo nosso) complementa essa visão apontando que
a matemática islâmica:
[…] veio principalmente de três tradições. A primeira era a matemática grega, desde
os grandes clássicos geométricos de Euclides, Apolônio e Arquimedes, através das
soluções numéricas de problemas indeterminados em Aritmética de Diofanto aos
manuais práticos de Heron. Mas, como Bispo Severus Sebokht apontou em meados
do século VII, “também há outros que sabem alguma coisa.” Sebokht estava se
referindo aos hindus, com o seu sistema aritmético engenhoso com base em apenas
nove sinais e um ponto para um lugar vazio. Mas eles também contribuíram com
métodos algébricos, uma trigonometria nascente e métodos de geometria sólida para
resolver problemas na astronomia. A terceira tradição foi o que podemos chamar de
matemática dos praticantes. Seus números incluíam agrimensores, construtores,
36
Como posto, nota-se que existe a possibilidade de que os islâmicos tenham ainda se
apropriado de conhecimentos matemáticos de outras culturas, tais como os babilônicos e os
persas; utilizando-se também desses saberes para construir novos estudos. A civilização
islâmica produziu muito em matemática, desenvolvendo domínios como a análise
combinatória, a trigonometria, a geometria, entre outros.
Acerca das características dessa matemática, salienta-se que ela abrangia a teoria e a
prática: atendia às necessidades do cotidiano, mas ultrapassava a aplicação na realidade; possuía
um viés mais voltado à teorização dos conhecimentos, mas sem ignorar o emprego dos estudos
dessa ciência para necessidades práticas como comércio, agricultura, arte e arquitetura.
Segundo Katz (2007, p. 519, tradução nossa), “uma característica marcante da matemática
islâmica, em contraste com a matemática grega, é a estreita relação entre teoria e prática. ”.
Vale ressaltar a influência religiosa nos estudos matemáticos da época. Os cientistas
islâmicos acreditavam estar inspirados por Alá em suas aprendizagens. Nesse sentido, Katz
(2008, p. 266, tradução nossa) observa que eles
sempre levaram investigações bem além dos ditames da necessidade imediata, no Islã
muitos achavam que isso era uma exigência de Deus. A cultura islâmica, em geral,
considerava o ‘conhecimento secular’ não como em conflito com o ‘conhecimento
sagrado’, mas como um caminho para esse. A aprendizagem foi, portanto, encorajada,
e aqueles que demonstraram faíscas de criatividade muitas vezes foram apoiados pelos
governantes (geralmente autoridades seculares e religiosas) para que pudessem seguir
suas idéias o máximo possível. Os matemáticos responderam invocando sempre o
nome de Deus no início e final de suas obras e até mesmo ocasionalmente se referindo
à assistência divina ao longo dos textos.
Outro aspecto da matemática islâmica diz respeito à visão daqueles que criavam
matemática na época para com o restante da sociedade: estabelecendo uma sincronia, como
constatado por Katz e Parshall (2014, p. 189, tradução nossa):
os números eram representados com letras do alfabeto ou com numerais romanos, que
eram difíceis de se trabalhar. Com o novo sistema numérico, os comerciantes e outras
pessoas conseguiam mais rápida e eficientemente resolver problemas de matemática
sem o uso de um ábaco (um dispositivo de contagem com contas amarradas em fios)
ou de um processo conhecido como ‘cálculo do dedo’ (contagem de dedos, foi
amplamente utilizado pelos comerciantes antes da introdução de algarismos arábicos.)
Usando os novos números, problemas agora podiam ser resolvidos com muito mais
facilidade.
A definição da diferença entre a posição e a quantidade foi uma evolução matemática que
revolucionou a aritmética – assim como a sua generalização: a álgebra. O valor cardinal do
zero, portanto, representou um passo importante para o desenvolvimento desse ramo da
matemática. Vale ressaltar que a álgebra mencionada para esse período se refere à essa
generalização dos processos aritméticos e por isso tem forte relação com essa evolução da
própria aritmética. Tal fato ocorria a partir de uma fase que entendemos como inicial de sua
evolução e que chamamos de álgebra retórica.
Vale destacar que a historiografia da matemática entende que a álgebra possui três
estágios de desenvolvimento. O retórico, caracterizado pela descrição dos procedimentos
algébricos por meio de instruções verbais, o sincopado, que consiste na escrita de equações a
partir da abreviação de palavras, e o simbólico, em que as ideias matemáticas passaram a ser
expressas exclusivamente por meio de símbolos. A seguir, o quadro 2 exemplificando uma
equação quadrática na álgebra retórica, sincopada e simbólica:
Álgebra retórica Uma quantidade quadrada e vinte e um são iguais a dez raízes
15
O cahíz era uma unidade de capacidade (antiga) essencial para o comércio da zona agrícola castelhana. Equivalia
à 666,96 litros em Castilla e 657,48 litros em Valladolid. (VALLEJO, 1997).
16
Versão original do problema - Y si dicen: vendes diez cahíces de trigo o de cebada, cada una de ellas de um
cierto preço. Suma las ganancias, y sucede que suman lo mismo que la diferencia entre los precios más la diferencia
entre las cantidades. Coge lo que quieras, es correcto que cojas cuatro y seis (...). (VALLEJO, 1997, p. 59)
39
Um problema utilizado no nosso produto educacional e elaborado por nós, com base em
livros que apresentam informações acerca dos problemas abordados na álgebra da época é
exposto a seguir:
Cabe enfatizar ainda que também as contribuições gregas para os avanços realizados em
álgebra no império islâmico. No que diz respeito à geometria, os estudos de Euclides (360 a. C.
– 295 a. C.) de Alexandria, principalmente, influenciaram os matemáticos do império islâmico.
Euclides possuía como foco de estudo a geometria, expressando seu raciocínio algébrico de
forma geométrica. Exemplificando, √𝑥 representava não a raiz quadrada do número x, mas o
lado do quadrado de área x. Berggren (1986, p. 100, tradução nossa) menciona que “para muitos
dos escritores gregos o tratamento de problemas de encontrar desconhecidos era geométrico”.
Esse tratamento geométrico dado à álgebra (pelos gregos) pode ser consequência do tipo
de pensamento algébrico até então estabelecido, hoje intitulado de álgebra retórica, como já
posto. A mesma não se utilizava de notações simbólicas (como √𝑥) para expressar
𝒙
conhecimentos algébricos, usando apenas a linguagem escrita. A exemplo, era escrito como
𝟐
𝑥
tome metade desse número. Destarte, era mais natural pensar em como metade do lado de
2
𝒙
𝟐
√𝒙 𝒙 𝒙²
𝒙
𝟐
Os gregos inspiraram ainda de outra forma a álgebra islâmica, a saber, a partir da lógica
rigorosa da demonstração. A matemática grega possuía como essência a argumentação das
ideias apresentadas. Assim, a partir de axiomas definidos e de deduções ou induções, chegava-
se à comprovação de que o pensamento desenvolvido estava correto. Essa característica pode
ser observada não somente nas obras de Euclides, mas de outros estudiosos gregos, como
Apolônio de Perga (262 a. C. – 190 a. C.) e Diofanto (~200 a. C. – ~284 a.C.). Katz (2008, p.
271, tradução nossa, grifo nosso) salienta que:
É fundamental esclarecer que a álgebra islâmica era diferente da grega, do mesmo modo
diferente da babilônica ou da hindu. Essa outra álgebra era uma combinação dessas outras
matemáticas, mas não deixava de possuir sua originalidade. Como dito, esse ramo da
matemática pode ser descrito como álgebra geométrica, visto que possuía elementos da
generalização da aritmética, bem como fornecia provas geométricas dos resultados
encontrados, sendo desenvolvida a partir do aprimoramento dos conhecimentos aprendidos com
41
os outros povos. Segundo Katz e Parshall (2014, p. 192, tradução nossa), os estudiosos da
civilização islâmica
álgebra (que vem do termo árabe al-jabr, ou ‘junção de partes desorganizadas’), foi
mais desenvolvida por matemáticos muçulmanos. Eles foram pioneiros no uso de
equações lineares, quadráticas e cúbicas. Eles também inventaram um processo passo-
a-passo para resolver problemas, chamado algoritmo. O conceito de ‘x’ como a
variável desconhecida em equações algébricas surgiu de uma tradução espanhola da
palavra árabe shay, ou ‘coisa’.
17
Al-jabr foi a palavra utilizada por Al-Khwarismi no título do livro escrito por ele, al-Kitab al-mukhtasar fi Hisab
al-jabr w’al-muqabala. O livro trata sobre álgebra, sendo que essa palavra é uma tradução latina de al-jabr. Em
sentido literal, al-jabr significa restaurar. No estudo de equações, restaurar seria transpor determinada quantidade
subtraída de um lado da equação para o outro lado da equação, onde se torna uma quantidade somada. Em notação
simbólica: x - 5 = 2, após aplicação da al-jabr, se torna x = 2 + 5, por exemplo. (KATZ; PARSHALL, 2014).
42
definição adequada desse termo”. (KATZ, 2008, p. 279). Ele também trabalhou com equações
indeterminadas e solucionou sistemas de equações.
Al-Khwarizmi e Thabit trabalharam na Casa da Sabedoria e quanto à Al-Mahani e Abu-
Kamil Shuja, há pouquíssimas informações sobre suas biografias, não sendo possível saber se
eles de fato faziam parte da instituição anteriormente mencionada. Uma explicação para isto é
o fato de que estar na Casa da Sabedoria lhes dava mais status e, consequentemente, presença
na historiografia. A pouca informação sobre Ibn Turk pode ser elucidada pelo mesmo motivo
de pouco se saber sobre Al-Mahani e Abu-Kamil. Outra vertente é que o trabalho de Ibn Turk
pode ter sido ocultado por um outro contemporâneo de destaque, Al-Khwarismi, mas Boyer
(1974) menciona Ibn Turk dando o diferencial de que as demonstrações matemáticas dele
contam com mais detalhes do que as de Al-Khwarizmi. Ainda de acordo com o autor:
18
Um dos casos estudados por Turk, como veremos detalhadamente a seguir, recaí na condição que hoje
entendemos como ∆ < 0.
45
a visão geométrica. Isso revela que sua produção se enquadra na idade de ouro islâmica, isto é,
do período medieval.
o nome árabe não só inclui o nome dado da pessoa, mas também pode incluir sua
linhagem para uma ou mais gerações (‘Ibn’ significa ‘filho de’), o lugar do nascimento
de seus antepassados, o nome de seu filho (‘Abu’ significa ‘pai de’), e uma ou mais
denominações indicando alguma característica particular. Por exemplo, al - Uqlidisi
significa ter a ver com Euclides. Ou seja, o matemático em questão era provavelmente
um copista de versões árabes dos trabalhos de Euclides.
Assim, o nome ‘Abd al-Hamid Ibn Turk significa servo do elogiado (‘Abd al-Hamid),
filho de (Ibn), turco (Turk). É importante observar que o nome desse personagem possui
variações na literatura, tais como: ‘Abd al-Hamid Ibn Turk,, Abd al-Hamid Ibn Wasi Ibn al-
Turk Khutalli, Abd al-Hamid Ibn Wasi Ibn al-Turk al-Jili, Abu’l-Fadl, Abu Muhammad Ibn
Turk al-Jili. No Quadro 6 se encontra especificado o significado de cada uma das variações
encontradas para o nome dele.
Com isso, pode-se concluir que ele era turco ou possuía antepassados turcos, mas que
poderia ser nativo de duas regiões árabes regidas pelo islamismo no período medieval: Al-Jili
ou Khutalli. Acerca disso, Sayili (1962, p. 3) afirma que:
Certas fontes se referem a ele como neto do ‘turco de Jil’. Jîl, Jîlan, ou Gîan, é um
distrito do mar Cáspio. Outros têm a palavra Khuttalî, ou seja, ‘de Khuttal’, uma
região em torno das nascentes do rio Oxus, ao sul de Farghana e a oeste do Turquistão
chinês. Ainda outra possibilidade formal é de Jabali. Jabali poderia se referir a vários
lugares, a maioria deles na Síria. [...] Os títulos Ibn Turk e Ibn Turk al-Jîlî (ou
Khuttalî) indicam que o avô de ‘Abd al-Hamîd era chamado de ‘o turco de Jîl (ou
Khuttalî) e portanto, ‘Abd al Hamîd era turco ou de ascendência turca. O neto ou
bisneto de ‘Abdal-Hamîd, Abû-Barza, também manteve o título Ibn Turk, indicando
que a família permaneceu turca.
Sabe-se pouco sobre sua biografia. Referências sobre esse personagem são obtidas, por
exemplo, por meio de livros de outros autores, tais como Ibn al-Nadim (935-995), Ibn al-Qifti
(1172-1248) e Hajji Khalifa (1608 -1657) (apud SAYILI, 1962). Destaca-se que as informações
são colocadas em confronto para complementação e por vezes são contraditórias. É indefinido,
por exemplo, se Ibn Turk e Al-Khwarizmi (outro matemático islâmico) viveram na mesma
época, do final do século XVII até meados do século X (isso porque, inclusive, não se tem a
confirmação da data de nascimento de Turk).
De acordo com Katz (2008, p. 274, tradução nossa), “Abd al-H. Ibn Wasi Ibn Turk al-
Jil foi um contemporâneo de Al-Khwarizmi sobre quem muito pouco é conhecido. As fontes
até diferem quanto a se Ibn Turk era do Irã, Afeganistão ou Síria.” Na figura 5 podem ser
observados no mapa, circuladas em vermelho, as regiões prováveis do nascimento de Ibn Turk.
47
É importante ressaltar que a biografia desse matemático não está disponível nos
arquivos de História de Matemática do site Mactutor, de O’Connor e Robertson (1994). O
principal trabalho encontrado acerca de Ibn Turk é de Sayili (1962), intitulado Logical
Necessities in Mixed Equations by ‘Abd al Hamid Ibn Turk and the Algebra of His Time, em
português, Necessidades Lógicas em Equações Mistas: ‘Abd al Hamid Ibn Turk e a Álgebra do
Seu Tempo. Este autor, por sua vez, também é nossa principal referência sobre os traços
biográficos de Ibn Turk. Nesse artigo de Saiyli, são abordados vários pontos acerca de Ibn Turk,
para além de sua biografia: aspectos matemáticos da obra do estudioso islâmico também são
trazidos no texto, assim como a tradução do trabalho original de Ibn Turk para o inglês.
Na presente pesquisa, a partir de Sayili (1962), adotaremos o nascimento de Ibn Turk
como fato ocorrido no século IX. No referido período, a dinastia abássida estava no poder e a
era das conquistas do império islâmico havia chegado ao fim. De acordo com Doak (1963, p.
43), “o império na época se estendia da Espanha a oeste até as fronteiras da Índia a leste, da
Ásia central ao norte para o norte da África, no sul. Entrou em um período de paz e
prosperidade, uma ‘idade de ouro’ da civilização islâmica.”.
Bagdá era o centro comercial e intelectual da época, sendo a maior cidade do Oriente
Médio. A busca por conhecimento científico era bastante valorizada e a Casa da Sabedoria já
48
havia sido criada no início do século IX, reunindo diversos estudiosos da época. Al-Khwarismi
(780-850), por exemplo, produzia trabalhos acadêmicos nessa instituição, tendo desenvolvido
atividades científicas em torno da álgebra geométrica.
Ibn al-Nadim escreveu um trabalho em 988, o Fihrist, visando oferecer um panorama
completo de toda a literatura árabe disponível no século X. O autor cita Ibn Turk em sua
coletânea, afirmando que
Ele é Abu’l-Fadl, Abd al-Hamid Ibn Wasi Ibn al-Turk Khuttali (ou al-Jili), a
calculadora, e é dito que ele é de sobrenome Abu Muhammad, e seus livros são The
Comprehensive Book in Arithmetic, que contém 6 capítulos e o livro de transações
comerciais. (Ibn al-Nadim, apud Sayili, 1962, p. 11, tradução nossa)
Ele [Ibn Turk] é uma calculadora que aprendeu a arte do cálculo, tendo precedência
no campo e sendo mencionado pelo povo daquela profissão. Ele é conhecido como
Ibn Turk al-Jili19 e tem o sobrenome de Abu Muhammad. No campo da aritmética,
ele tem publicações bem conhecidas e muito usadas. Entre eles está The
Comprehensive Book in Arithmetic, que compreende seis livros, e O Livro das Coisas
Pouco Conhecidas em Aritmética e Aritmética, as Qualidades dos Números. (Ibn al-
Qifti, apud Sayili, 1962, p. 11, tradução nossa)
Abu Kâmil Shuja Ibn Aslam diz em seu Kitâb al-Washayab Al-Jabr we'l-Muqâbala:
‘Eu escrevi um livro conhecido como Kamâl al-Jab wa-Tamâmuhu wa'z-Ziyâdatu fî
Uslihi e em meu segundo livro eu provei a prioridade e a antecedência de Muhammad
Ibn Mûsâ [Al-Khwârazmî] em álgebra e refutei a afirmação do profissional (?)
[Matemático] conhecido como Abû Barza que se volta para ‘Abd al-Hamid, que, ele
afirma, é seu ancestral. E quando deixei claro sua deficiência no que ele rastreia e
atribui ao seu ancestral, decidi escrever um livro sobre o assunto legados tratados por
meio de álgebra (al-wasâyâ bi'l-jabr wa'l-muqâbala)’. (Hajji Khalifa apud Sayili,
1962, p. 4, tradução nossa).
Assim, há escritos historiográficos que apontam para uma indefinição acerca da autoria
do primeiro livro de álgebra, que envolve ‘Abd al-Hamid Ibn Turk e Al-Khwarismi. Abu Barza
(~840-910) aponta Ibn Turk como o primeiro escritor, enquanto Abu Kamil (~840-910) indica
Al-Khwarizmi. Essa questão também é apontada por Boyer (1974, p. 170), ao dizer que:
19
Anteriormente já foi destacada a variação de nomes para ‘Abd Al-Hamid Ibn Turk.
49
Figura 6 – Artigo Logical Necessities in Mixed Equations by ‘Abd al Hamid Ibn Turk and the
Algebra of His Time, de Aydin Sayili
Visto um pouco sobre a biografia de Ibn Turk e as questões envolvendo seus estudos
sobre equações quadráticas, na próxima seção nos desdobraremos sobre a matemática
produzida por ‘Abd Al-Hamid Ibn Turk, particularmente no capítulo intitulado pelo estudioso
de Necessidades Lógicas em Equações Mistas. Assim, será feito um estudo aprofundado acerca
do que está exposto nessa parte do livro, com o objetivo de explicar a maneira de resolução das
equações do segundo grau proposta por Ibn Turk.
Essa seção contempla, de maneira mais específica, parte da produção matemática de Al-
Hamid Ibn Turk, estudioso que viveu no século IX na civilização islâmica. Desse modo, será
detalhado o conteúdo do capítulo Necessidades Lógicas em Equações Mistas, do livro Kitâb
Al Jabr Wa’l Muqâbala (Livro sobre o Cálculo da Restauração e do Balanceamento)20. Como
já posto, foi a única parte dos trabalhos desenvolvidos por Ibn Turk que sobreviveu até os dias
atuais. Sayili (1962, p. 1) destaca que “[...] Necessidades Lógicas em Equações Mistas de ‘Abd
20
O título do livro de Ibn Turk é semelhante ao de Al-Khwarizmi (também acerca de álgebra), sendo o desse
último al-Kitab al-mukhtasar fi Hisab al-jabr w’al-muqabala (Livro Condensado sobre O Cálculo da Restauração
e do Balanceamento).
51
a-Hamid Ibn Wâsi’ Ibn Turk, é baseado em dois manuscritos, ambos preservados na Biblioteca
de Istambul”. Contudo, o acesso ao conteúdo da obra para realização deste trabalho se deu a
partir dos escritos de Sayili (1962) no artigo intitulado Logical Necessities in Mixed Equations
by ‘Abd al Hamid Ibn Turk and the Algebra of His Time, em português, Necessidades Lógicas
em Equações Mistas: ‘Abd al Hamid Ibn Turk e a Álgebra do Seu Tempo, que será nossa
principal referência.
O foco dado por ‘Abd al-Hamid Ibn Turk nesse trabalho é geométrico, ao buscar
encontrar soluções de equações polinomiais de 2º grau a partir da indicação de figuras que as
justificam. Em vista disso, destacamos que essa característica foi apontada anteriormente como
presente nos trabalhos de outros autores que estudavam álgebra nessa época, como Al-
Khwarizmi (~780-~850), Al-Mahani (820-880), Thabit Ibn Qurra (836-901) e Abu-Kamil
Shuja (850-930).
Enfatiza-se que a álgebra geométrica de Ibn Turk se assemelha muito com a
desenvolvida por Al-Khwarizmi no livro al-Kitab al-mukhtasar fi Hisab al-jabr w’al-
muqabala (Livro Condensado sobre O Cálculo da Restauração e do Balanceamento).
Porém, como já citado anteriormente, o trabalho de Ibn Turk conta com mais detalhes acerca
dos conteúdos expostos por ele, quando comparado com Al-Khwarizmi (BOYER, 1974). Para
Katz (2008), o termo condensado presente no título do livro de Al-Khwarizmi sugere que havia
outros textos mais detalhados dos procedimentos algébricos da época.
Algumas características gerais do trabalho de Ibn Turk serão citadas a seguir. Saiyli
(1962) afirma que “o texto atual de ‘Abd Al-Hamid Ibn Turk, que tem cerca de mil e
quatrocentas palavras e é provavelmente um capítulo da Álgebra de Abd Al-Hamid. Pode
consistir em apenas uma parte de um capítulo, mas, nesse caso, forma uma seção bem definida,
completa em si mesma com seu início e fim. O trabalho versa sobre a resolução de equações
quadráticas a partir de uma visão geométrica, sendo que o mesmo não apresenta problemas
práticos (tais como questões de herança ou astronomia). As equações resolvidas por Ibn Turk
são desenvolvidas a partir de uma abordagem da matemática pura21. Isso ocorre provavelmente
porque, como já mencionado, Ibn Turk escreveu outro livro apenas sobre transações comerciais,
que se voltaria para questões aplicadas.
O texto de Ibn Turk começa com um excerto religioso, declarando que “Em nome de
Alá, misericordioso e compassivo. Benção e paz estejam sobre Maomé, o mestre dos profetas
21
Nesse contexto, estamos considerando matemática pura aquela que não está diretamente relacionada a problemas
aplicados no cotidiano da civilização islâmica.
52
e sobre todos os seus descendentes.” (TURK apud SAYILI, 1962). Essa passagem inicial do
texto revela a já citada influência religiosa nos estudos matemáticos da época.
Posterior a esse trecho, inicia-se a resolução de equações polinomiais de segundo grau,
são divididas em 4 casos, que em linguagem simbólica são:
𝑥 2 = 𝑏𝑥 (Caso 1)
𝑥 2 + 𝑏𝑥 = 𝑐 (Caso 2)
𝑥 2 + 𝑐 = 𝑏𝑥 (Caso 3)*
𝑏𝑥 + 𝑐 = 𝑥² (Caso 4)
A razão para dividir em casos é que os matemáticos islâmicos não lidavam com números
negativos, então os coeficientes 𝑎, 𝑏 e 𝑐 eram sempre positivos, assim como as raízes das
equações. No seu texto, Ibn Turk traz um exemplo para cada caso citado por ele, resolvendo-
os geometricamente, a partir da enunciação retórica e da exposição das figuras construídas.
Unindo tais aspectos podemos elaborar o quadro a seguir:
53
Caso 3 Igualdade de 𝑥 2 + 𝑐 = 𝑏𝑥 𝑥 2 + 21 =
quantidades 10𝑥 (Caso
quadradas e 3a)
um certo
número para
um número de
raízes
54
𝑥 2 + 25 =
10𝑥 (Caso
3b)
𝑥 2 + 30 =
10𝑥 (Caso
3c)
Caso 4 Igualdade de 𝑏𝑥 + 𝑐 = 𝑥² 4𝑥 + 5 = 𝑥²
uma
quantidade
numérica e um
certo número
de raízes para
uma
quantidade
quadrada
Fonte: Acervo da autora
Saiyli (1962) destaca que nenhum dos termos das equações é subtraído durante as
resoluções feitas por Ibn Turk e que esses casos desenvolvidos por ele não se somam ao caso
55
3.3.1 Caso 1
Salienta-se ainda que essa figura é o ponto de partida para solução de todos os casos de
22
Quando o coeficiente da equação não era um, Ibn Turk dividia os membros da equação pelo coeficiente a.
56
A figura que se encontra no trabalho de Sayili (1962) para ilustrar esse caso é a seguinte:
É possível notar que o procedimento desenvolvido por Ibn Turk oferece como solução
apenas a raiz positiva da equação quadrática 𝑥2 = 3𝑥. A outra raiz dessa equação é 0, e
eventualmente não fazia sentido para o matemático que o lado do quadrado ABCD fosse
equivalente a zero. Vale salientar que os matemáticos islâmicos medievais não lidavam com
os números negativos, embora tenham tido contato com esses números a partir das obras sobre
o sistema decimal posicional. Os matemáticos islâmicos escolheram ignorar esses números,
assim como outras civilizações antigas, isso porque os números eram utilizados por eles para
23
Seguindo os passos descritos na álgebra retórica presentes no artigo de Sayili (1962), não obtivemos a figura
apontada por tal autor como a construção geométrica que soluciona o caso 1. Conclui-se que há algum erro na
figura dele ou ainda em nossa interpretação da construção. A análise detalhada será feita em pesquisas futuras.
57
medidas e contagens, dessa maneira, não era possível contar ou medir quantidades menores
que zero (BERLINGHOFF; GOUVÊA, 2010).
Outros matemáticos contemporâneos de Ibn Turk também apresentam em suas formas
de resolução apenas as raízes positivas das equações, o que mostra que era uma característica
daquele contexto. Provavelmente essa postura advém da correspondência da equação
quadrática com situações do cotidiano para as quais apenas soluções positivas tinham
significado, tais como problemas envolvendo áreas ou heranças.
3.3.2 Caso 2
Partindo para equações do tipo 𝑥 2 + 𝑏𝑥 = 𝑐 (Caso 2), temos que, segundo Ibn Turk
apud Sayili (1962, p. 43):
O exemplo mencionado por esse estudioso para traduzir esse caso de equações
quadráticas é dado por uma quantidade quadrada (𝑥 2 ) e (+) dez raízes (10𝑥) é igual (=) a vinte
e quatro (24), ou seja, 𝒙𝟐 + 𝟏𝟎𝒙 = 𝟐𝟒.
A resolução geométrica se inicia com o quadrado ABDC, que representa 𝑥 2 , sendo que
cada um de seus lados corresponde à solução da equação quadrática, ou seja, 𝑥.
58
Figura 9 – Superfície AD
A superfície AK possui área igual à soma das áreas das figuras AD, QD, DH e DK.
Logo: AD + QD + DH + DK = 24 + 25 = 49 unidades de área. A raiz quadrada de 49 é 7, e
portanto, o quadrado maior AK possui lado igual a 7 unidades. Possuindo o segment AH medida
igual à 7 e CH igual à 5, AC, que é igual à 𝑥, corresponde à 2 unidades (7 - 5 = 2). Dessa forma
uma raíz da equação quadrática 𝑥 2 + 10𝑥 = 24 é obtida. A figura apresentada por Sayili (1962)
para esse caso é a Figura 12 que segue.
24
Seguindo os passos descritos na álgebra retórica presentes no artigo de Sayili (1962), não obtivemos a figura
apontada por tal autor como a construção geométrica que soluciona o caso 2. Conclui-se que há algum erro na
figura dele ou ainda em nossa interpretação da construção. A análise detalhada será feita em pesquisas futuras.
60
Esse procedimento pode ser generalizado de forma algébrica para equações do tipo 𝑥²
+ 𝑏𝑥 = 𝑐 (caso 2), a partir dos seguintes passos, em linguagem moderna:
Considere um quadrado de lado 𝑥, e adjacente a ele desenhe dois retângulos de lados
𝑏 𝑏
𝑥 e 2. Complete um quadrado maior por meio da construção de outro quadrado de lado ,
2
adjunto aos retângulos anteriormente elaborados. A área do quadrado maior é representada por
𝑏 𝑏 𝑏 2
(𝑥 + 2) ² = 𝑥² + 𝑏𝑥 + (2) ² = 𝑐 + (2)
𝑏 2 𝑏 2
Utilizando (𝑥 + 2) = 𝑐 + (2) e extraindo a raiz quadrada de ambos os membros da
igualdade, tem-se:
𝑏 𝑏 2
𝑥+ = √𝑐 + (2)
2
𝑏
Somando - 2 em ambos os membros da igualdade, encontra-se:
𝑏 2 𝑏
𝑥 = √𝑐 + (2) - 2, que é uma das raízes da equação 𝑎𝑥² + 𝑏𝑥 = 𝑐.
3.3.3 Caso 3
No tipo de solução dupla, o exemplo dado por Ibn Turk é 𝑥² + 21 = 10𝑥. O estudioso
(apud Sayili, p. 44), na primeira parte de sua explicação traz
QP é maior que BD, enquanto BD é igual a AB. A linha QT é, portanto, maior que a
linha AB.
Em seguida acrescentamos à essa figura o retângulo ZBAH (chamado por Ibn Turk de
área rectangular HB), de área que definimos ser igual a 21 unidades de comprimento.
Com a construção do retângulo ZBAH, foi formada também a figura geométrica ZDCH,
que possui área igual à soma do quadrado ABCD e do retãngulo ZBAH. Assim, a área de ZDHC
é de 𝑥² + 21, que sabemos ser igual à 10𝑥 (ou 10 raízes), pois a equação que estamos
resolvendo é 𝑥² + 21 = 10𝑥. Como DC é igual a 𝑥, HC e ZD medem 10 unidades de
comprimento.
62
O próximo passo da construção de Ibn Turk para este caso, 3a, é a localização do ponto
médio do segmento DZ (ponto Q), que mede 10 unidades de comprimento. Dessa forma, ZQ
mede 5 unidades de comprimento, assim como QD.
Ibn Turk em seguida argumenta que o ponto Q, que é o ponto médio de ZD, estará
localizado no segmento ZB ou ainda no segmento BD, já que é impossível o ponto Q ser igual
ao ponto B. A justificativa apresentada pelo estudioso é que se B estivesse localizado no meio
do segmento ZD, BD teria comprimento igual à BZ. E como o segmento BD é do mesmo
comprimento que AB (pois ambos são lados do quadrado ABCD), AB seria de igual
comprimento a BZ. Portanto, o quadrado ABDC possuiria área igual a vinte e cinco, assim
como o retângulo ZBAH. Mas isso é absurdo, pois o retângulo ZBAH possui área igual a 21.
Além disso, caso o ponto Q, que é o ponto médio de ZD, esteja localizado no segmento
ZB, então o segmento QT deve interssectar o quadrilátero HB. Como QT é do mesmo
comprimento que o segmento QD e QD é maior que BD, enquanto BD é igual ao segmento
AB, concluí-se que o segmento QT é maior que o segmento AB.
Ibn Turk resolve então dividir em duas situações:
- SITUAÇÃO 01: Vamos primeiro supor que o ponto Q (ponto médio de ZD) esteja no
segmento ZB. Construímos o segmento QT.
63
Pela construção feita, o segmento QT mede o mesmo que o segmento QD, enquanto o
segmento BD mede o mesmo que o segmento NQ. O segmento TN é, portanto, de mesma
medida dos segmentos BQ e NA.
64
Continuando a construção descrita por Ibn Turk, marcamos, a partir do segmento KT,
que mede o mesmo que o segmento QT, uma seção igual a NQ, a saber, o segmento KL.
Pela construção, têm-se que o segmento LT possui a mesma medida que o segmento
TN. O quadrilátero KLMH possui mesma área do quadrilátero NQBA, e o quadrilátero LTNM
é um quadrado. Sabemos que a área das figuras HZQN e NQBA soma 21, e o quadrilátero
NQBA é igual ao quadrilátero KLMH, sendo que o quadrilátero HZQN é comum entre eles. A
soma das áreas dos quadriláteros KLMH e HZQN é, portanto, vinte e um. Mas o quadrado
KZQT possui área igual a vinte e cinco. Portanto o quadrado LTNM possui área igual a quatro,
pois corresponde à diferença entre as figuras KZQT e KLMH (25 – 21 = 4).
Como LTNM é um quadrado, cada um dos seus lados mede duas unidades de
comprimento. O segmento TN é, portanto, igual a dois. Mas o segmento TN mede o mesmo
que o segmento QB. Logo, o segmento QB é mede dois. Sendo o segmento QD igual à 5
unidades de comprimento, e QB igual à 2 unidades de comprimento, observamos que a medida
do segmento BD, que é a raiz da equação quadrática 𝑥² + 21 = 10𝑥, é igual a QD – QB = 5
– 2 = 3. Assim, o valor de 𝑥 é três. A figura a seguir mostra a construção de Sayili (1962) para
o raciocínio de Ibn Turk.
25
Seguindo os passos descritos na álgebra retórica presentes no artigo de Sayili (1962), não obtivemos a figura
apontada por tal autor como a construção geométrica que encontra uma das raízes do caso 3a (SITUAÇÃO 01).
Conclui-se que há algum erro na figura dele ou ainda em nossa interpretação da construção. A análise detalhada
será feita em pesquisas futuras.
66
o mesmo do segmento BD, e sabe-se que BD é maior que o segmento QD. O segmento AB é,
portanto, mais longo que o segmento QT, conforme a Figura 21.
a área de QBML é de 4 unidades. Este último sendo equilateral, cada um dos seus lados é a sua
raiz. O segmento BQ, portanto, mede duas unidades de comprimento. Quando adicionamos a
linha BQ à linha QD, que é igual a cinco, obtemos sete, e essa é a raiz da quantidade quadrada.
Na figura 25, a construção apresentada por Saiyli (1962) para esse exemplo.
Figura 25 – Construção para encontrar uma das raízes da equação 𝑥 2 + 21 = 10𝑥, de acordo
com Saiyli (1962)26
26
Seguindo os passos descritos na álgebra retórica presentes no artigo de Sayili (1962), não obtivemos a figura
apontada por tal autor como a construção geométrica que encontra uma das raízes do caso 3a (SITUAÇÃO 02).
Conclui-se que há algum erro na figura dele ou ainda em nossa interpretação da construção. A análise detalhada
será feita em pesquisas futuras.
69
e é igual à linha HZ. Seu quadrado é a superfície HB. Pois é igual a vinte e cinco.
Metade do número das raízes é, portanto, a raiz da quantidade quadrada.
Observa-se que esse caso, 3b, descrito por Ibn Turk, representa 𝑥 2 + 𝑐 = 𝑏𝑥 na
𝑏 𝑏 𝑏
hipótese em que, como exposto por esse estudioso, 𝑥 = 2, ou ainda, . = 𝑐. Podem ser
2 2
observados aspectos de generalização quando Ibn Turk afirma que “isso ocorre quando a raíz
da quantidade quadrada é igual à metade do número das raízes” e ainda “um exemplo em que
metade do número das raízes é multiplicado pelo seu igual, sendo este produto a quantidade
numérica que está com (do mesmo lado da igualdade que) a quantidade quadrada.”
Ibn Turk exemplifica o caso intermediário com as seguintes equações quadráticas:
𝒙𝟐 + 𝟐𝟓 = 𝟏𝟎𝒙 (uma quantidade quadrada e vinte e cinco equivalem a dez raízes) e 𝒙𝟐 +
𝟗 = 𝟔𝒙 (uma quantidade quadrada e nove equivalem a seis raízes). No entanto, ele
demonstra geometricamente o resultado apenas da primeira equação. Parte-se novamente da
figura “quadrilateral plana de lados iguais e ângulos retos”, o quadrado, que representa a
quantidade quadrada (𝑥 2 ). Assim, cada lado desse quadrado é igual à 𝑥, a raíz da equação. Essa
é a denominada superfície AD (Figura 06).
Em seguida é acrescentado à esse quadrado a superfície HB, que possui área igual a 25.
É importante ressaltar que essa figura não é descrita por Ibn Turk como um quadrado, como
feito com a superfície AD.
70
portanto, as raízes são imaginárias. Como já posto, os matemáticos islâmicos dessa época não
aceitavam a existência de números negativos, pois para eles, esses números não possuíam
significado. Dessa forma, esses estudiosos não resolviam equações em que ∆ é negativo. De
acordo com Turk apud Sayili (1962, p. 46):
27
Seguindo os passos descritos na álgebra retórica presentes no artigo de Sayili (1962), não obtivemos a figura
apontada por tal autor como a construção geométrica que encontra a solução do caso 3b. Conclui-se que há algum
erro na figura dele ou ainda em nossa interpretação da construção. A análise detalhada será feita em pesquisas
futuras.
72
equilateral. Deixe esta ser a superfície AD. Acrescentamos a ela a figura retangular
HB, e a definimos igual a trinta. A superfície HD é assim igual a dez raízes e cada
uma das linhas HC e ZD tem o valor dez. Nós dividimos a linha ZD em duas partes
iguais no ponto Q. Consideremos primeiro o caso em que o ponto Q está localizado
na linha ZB, como foi feito anteriormente. Nós desenhamos a linha QT em ângulos
retos para ZD e com o mesmo comprimento de cada uma das linhas ZQ e QD, ou seja,
igual a cinco, e completamos o KQ quadrilateral, que é portanto igual a vinte e cinco.
A linha TQ é igual à linha DQ. Portanto, a linha TL é igual à linha LA. Como a linha
LQ é igual à linha AC e a linha KT é igual à linha TQ, o KL quadrilátero é maior que
o quadrilátero LB; e nós adicionamos o QG quadrilateral a ambos os quadriláteros.
Os quadriláteros KL e HQ juntos são, portanto, maiores que os quadriláteros HQ e
QA juntos. Agora, os quadriláteros HQ e QA juntos eram iguais a trinta, e os
quadriláteros KL e HQ juntos eram iguais a vinte e cinco. Vinte e cinco torna-se,
portanto, superior a trinta. Mas isso é absurdo e impossível. A necessidade lógica de
impossibilidade neste tipo de equação tem assim aparecido. Da mesma forma, deixe
o ponto Q cair dentro da seção BD. Nós desenhamos a linha QT em ângulos retos para
ZD e com o mesmo comprimento de cada uma das linhas ZQ e QD, e completamos o
KQ quadrilateral, que assim tem o valor vinte e cinco. Condições como as aqui
satisfeitas indicam que o QL quadrilateral é maior que o QE quadrilateral.
Consideramos o KB quadrilateral como adicionado a ambos os quadriláteros. Os
quadriláteros KB e BT juntos são assim maiores que os quadriláteros KB e KA
tomados juntos, agora, os quadriláteros KB e KA juntos tinham o valor trinta e os
quadriláteros KB e BT juntos vinte e cinco. Vinte e cinco, portanto, torna-se maior
que trinta. Mas isso é absurdo e impossível.
O exemplo dado por Ibn Turk para esse caso, 3c, é 𝒙𝟐 + 𝟑𝟎 = 𝟏𝟎𝒙. Realizando a
construção feita por Ibn Turk (apud Sayili), temos inicialmente o quadrado ABCD, que possui
área de 𝑥 2 .
Anexo ao quadrado ABCD será construído o retângulo BZHA, que possui área igual à
30.
73
Com a construção do retângulo BZHA, uma outra figura geométrica é formada. Trata-
se da união entre o quadrado ABCD e do retângulo BZHA, que formam o retângulo ZHCD.
Calculando a área desse retângulo, obtém-se que é igual à 𝑥 2 (área do quadrado ABCD)
adicionado de 30 (área do retângulo BZHA). A equação quadrática que estamos resolvendo é
𝑥 2 + 30 = 10𝑥, e portanto, a área de ZHCD é igual à 10 raízes (10𝑥). Como o segmento DC
mede 𝑥, chegamos à conclusão de que os segmentos HC e DZ medem 10 unidades de
comprimento.
O próximo passo da construção indicada por Ibn Turk é a localização do ponto médio
do segmento DZ (ponto Q), que mede 10 unidades de comprimento. Dessa forma, ZQ mede 5
unidades de comprimento, assim como QD.
Nesse momento Ibn Turk divide a situação em dois cenários possíveis, sendo que em
ambos concluí-se que essa equação possui uma impossibilidade lógica, conforme segue:
- SITUAÇÃO 01: Caso em que o ponto Q está localizado no segmento ZB, como foi
feito anteriormente para resolução da equação quadrática 𝑥 2 + 21 = 10𝑥. O passo seguinte
dessa construção é a elaboração do segmento QT, perpendicular ao segmento ZD e com o
mesmo comprimento de cada um dos segmentos ZQ e QD, ou seja, de medida igual a cinco.
Em seguida, completamos o quadrado KZQT, que possui área igual a vinte e cinco.
75
- SITUAÇÃO 02: Caso em que o ponto Q está localizado no segmento BD. Seguindo
a construção proposta por Ibn Turk, será desenhado o segmento QT, perpendicular ao segmento
ZD, e mesmo comprimento dos segmentos ZQ e QD.
Nesse momento, será criada uma nova figura geométrica, a saber, o quadrado ZQTK,
que possui área igual a 25 unidades de área.
28
Seguindo os passos descritos na álgebra retórica presentes no artigo de Sayili (1962), não obtivemos a figura
apontada por tal autor como a construção geométrica que ilustra essa parte do caso 3c (SITUAÇÃO 01). Conclui-
se que há algum erro na figura dele ou ainda em nossa interpretação da construção. A análise detalhada será feita
em pesquisas futuras.
77
A partir dessa construção, nota-se que o quadrado ZQTK possui área maior que o
retângulo ZBAH, sendo que o retângulo ZBEK é comum a ambas as figuras. Observe que o
retângulo ZBAH é formado pela figura ZBEK somado com a figura KHEA, e a soma da área
dessas figuras é igual à 30. Quanto ao quadrado KZQT, esse é formado por ZBEK e BQTE, e
possui área igual à 25. Mas isso é absurdo e impossível, pois 25 é menor que 30. Adiante, a
figura construída por Sayili (1962) para ilustrar esse caso.
3.3.4 Caso 4
A construção indicada por Ibn Turk segue, portanto, os seguintes passos: elabore a
figura “quadrilateral plana de lados iguais e ângulos retos”, o quadrado, que representa a
quantidade quadrada (𝑥 2 ). Assim, cada lado desse quadrado é igual à 𝑥, a raíz da equação. Essa
é a denominada superfície AD (Figura 39).
Ibn Turk define a área do retângulo ZHAB como sendo de cinco unidades e diz que,
portanto, a área do retângulo ZHDC é de 4 raízes (4𝑥). Isso é explicado pela equação que ele
tenta resolver geometricamente (4𝑥 + 5 = 𝑥²), que aponta que a área do quadrado (ABCD) é
igual à quatro raízes (4𝑥) mais cinco (5). O estudioso concluí ainda que o segmento HC é igual
à quatro, pois a área do retângulo ZHDC é de 4 raízes (4𝑥) e o segmento CD é igual à 𝑥.
O passo a seguir consiste em construir o ponto Q, de tal forma que esse divida o
segmento HC ao meio.
A partir do ponto Q (ponto médio do segmento HC), será construído o segmento QT,
perpendicular à HC e de comprimento de mesma medida de HQ e QC, ou seja, dois unidades
de comprimento.
80
A partir da construção anterior, Ibn Turk faz as seguintes observações: Por construção,
o segmento AQ possui a mesma medida do segmento MA. O segmento QC é, portanto, de
mesma medida de MB. O segmento QC, porém, possui a mesma medida do segmento LN.
Assim, o segmento LN possui mesma medida de MB. É possível observer também que EN e
TL correspondem às medidas dos segmentos MN e BZ. O retângulo BMNZ, portanto, possui
área igual ao retângulo NETL.
Nessa construção, o quadrilátero AHNM é contíguo a ambos os quadriláteros BMNZ e
NETL. Dessa maneira, os quadriláteros AHNM e BNMZ juntos possuem a mesma área dos
quadriláteros AHNM e NETL. Mas a área dos quadriláteros AHNM e BNMZ juntos é igual à
82
cinco unidades de área. Ou seja, a área dos quadriláteros AHNM e NETL juntos é igual à cinco
unidades de área. Mas o quadrado EHTQ possui área igual a quatro. O quadrilátero AMLQ tem,
portanto, área igual a nove. Assim, segmento AQ é igual a três unidades de comprimento. Sabe-
se que cada um dos lados do quadrado ABCD é a raiz da equação 4𝑥 + 5 = 𝑥², e que o
segmento QC possui medida igual a duas unidades de comprimento. Como AC = AQ + AC,
temos que AC = 3 + 2 = 5. Portanto, chega-se ao resultado de que a raiz da equação 4𝑥 + 5 =
𝑥² é de 5 unidades.
A figura apresentada por Sayili (1962) para o caso 4 é a seguinte:
Desse modo pudemos traçar o tratamento matemático dado por Ibn Turk para solução
de equações polinomiais de 2º grau. Sintetizando o método de resolução de equações
quadráticas desenvolvido pelo matemático islâmico Ibn Turk, notamos que são apresentados os
seis casos, em que o terceiro é ainda subdividido em outros 3 casos e ainda que dois deles são
tratados a partir de 02 situações (caso 3a e caso 3c). Todas as suas designações são em
linguagem retórica (que traduzimos para a linguagem simbólica), acompanhadas por exemplos
de equações e indicações para construções geométricas feitas pelo autor com vistas a resolver
essas equações geometricamente.
Constata-se que os trabalhos de álgebra de Ibn Turk e de Al-Khwarizmi possuem várias
semelhanças, tais como procedimentos algébricos associados à geometria e utilização de
linguagem retórica. Além disso, a nomenclatura dada aos componentes de equações
quadráticas são similares:𝑥 2 , para Ibn Turk, é uma quantidade quadrada, para Al-Khwarizmi
é um quadrado. Para ambos os estudiosos, o coeficiente 𝑏𝑥 é descrito como número de raízes
83
e 𝑐 como número. Cabe destacar ainda que ambos os autores classificaram as equações em
tipos/casos, sendo que qualquer outra equação só poderia ser resolvida depois de ser reduzida
a um desses casos. O quadro 8 faz uma comparação entre os casos resolvidos por eles.
Pela análise do quadro, observa-se que Ibn Turk não tratou de dois casos estudados por
Al-Khwarizmi. Nota-se ainda que algumas equações utilizadas como exemplo pelos estudiosos
são as mesmas, como no caso 𝑥 2 + 𝑐 = 𝑏𝑥, em que a equação 𝑥 2 + 21 = 10𝑥 é resolvida
geometricamente por Ibn Turk e Al-Kwharizmi. No entanto, essa equação possui duas soluções
positivas, e enquanto Al-Khwarizmi apresenta somente uma delas, Ibn Turk demonstra a
existência das duas. Ibn Turk ainda aborda equações do tipo 𝑥 2 + 𝑐 = 𝑏𝑥 no caso em que ∆ <
0, ou seja, as raízes não são reais. Embora a solução não seja encontrada, o estudioso indica a
construção de uma figura geométrica que represente tal equação, sendo que a mesma recai em
84
um absurdo, visto que os islâmicos não lidaram com números negativos. Nesse sentido, Katz
(2008, p. 247) aponta que:
[...] o capítulo existente do livro de Ibn Turk lida com equações do segundo grau dos
tipos 1, 4, 5 e 6 de Al-Khwarizmi e inclui uma descrição geométrica muito mais
detalhada do método de solução que é encontrado na obra de Al-Kwharizmi. Em
particular, no caso do tipo 5, Ibn Turk deu versões geométricas para todos os casos
possíveis.
do produto educacional que resultou de reflexões analíticas dos resultados desta pesquisa à luz
de sua fundamentação (incluindo a incorporação dos elementos deste presente capítulo).
86
4 O CADERNO DE ATIVIDADES
Tendo em vista o que foi até aqui apresentado, um caderno de atividades foi
desenvolvido com base na integração entre História da Matemática e Tecnologias Digitais de
Informação e Comunicação por meio da Investigação Matemática. O objetivo desse produto
educacional é de oportunizar aos licenciandos em matemática uma percepção diferente do
conteúdo de equação quadrática, a partir da utilização da HM e das TDIC via IM como apoio
para o aprendizado desse assunto. É importante destacar que a partir desse contexto, almeja-se
também ampliar a formação docente com relação à HM, TDIC e IM como propostas didáticas.
O caderno de atividades foi aplicado no curso de licenciatura em matemática da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Para o refinamento desse material, foram utilizados
como instrumentos de coletas de dados questionários, fotos e registros dos alunos das atividades
realizadas. Nesse capítulo, será mostrado como o produto educacional foi planejado e
construído fundamentado nas tendências mencionadas anteriormente, além da descrição e
análise da aplicação do caderno de atividades, os refinamentos feitos após esse processo e
reflexões que aludem aos resultados obtidos.
Para elaboração do caderno de atividades, inicialmente foi feita a primeira fase dessa
pesquisa, ou seja, o estudo bibliográfico, que envolveu diversos aspectos, desde a utilização das
tendências HM, TDIC e IM nas aulas de matemática, até a parte histórica, que engloba o
contexto histórico da matemática islâmica medieval, e, mais especificamente, a história da
solução geométrica de equação quadrática no trabalho de Ibn Turk.
Frente a esse estudo, notadamente no que se refere aos casos apresentados por tal
estudioso para solução de equações quadráticas (apresentados detalhadamente no capítulo 3),
uma primeira atitude foi a escolha de quais casos de resolução geométrica de equações
polinomiais de segundo grau seriam tratados no caderno de atividades, já que utilizar todos os
4 casos desenvolvidos por Ibn Turk, sendo 1 dos casos segmentado ainda em 3 outros
(explorados no capítulo 2), constituiria um produto educacional muito longo.
Além disso, optamos utilizar os casos aos quais havíamos finalizado a análise de
construção geométrica considerando o trabalho de Saiyli (1962), ou seja, elencamos dois casos
a serem trabalhados nos nossos estudos: o caso em que < 0 e o caso de equações do tipo 𝑥 2 =
87
𝑏𝑥 + 𝑐. Enfatiza-se ainda que tais casos apresentam ainda as seguintes vantagens, ao serem
utilizados no produto educacional: o caso em que < 0 é considerado o principal diferencial
de Ibn Turk em relação ao trabalho de Al-Khwarizmi, e o caso de equações do tipo 𝑥 2 = 𝑏𝑥 +
𝑐 é um caso em que uma das raízes da equação quadrática é encontrada por meio da construção
geométrica, evento que não ocorre no caso em que < 0.
Do estudo histórico também foram extraídas situações problemas que recaiam em
equações quadráticas, especificamente as que se enquadravam nos casos escolhidos para
estarem presentes nas atividades do produto educacional. Dessa forma, as equações citadas por
Ibn Turk em seu trabalho, e ainda equações citadas por outros islâmicos medievais como Al-
Khwarismi, assim como o contexto islâmico medieval serviram de base para elaboração dos
quatro problemas que estão presentes no caderno de atividades.
Os textos exploratórios e situações investigativas presentes nas atividades, por sua vez,
foram construídos numa tentativa de aproximação de historiografia atualizada29, no sentido de
fazer os licenciandos estabelecerem relações entre passado e presente no desenvolvimento da
álgebra, refletindo sobre as ideias matemáticas daquele contexto e do contexto contemporâneo
no tocante ao estudo de equações quadráticas. Dessa forma, a partir do estudo histórico
constituímos blocos de conteúdo a serem trabalhados nesses textos, donde resumimos o que foi
exposto no capítulo 2, dividindo-os da seguinte forma:
Texto 01: contextualização histórica da civilização islâmica, desde seu surgimento até
o período de interesse para o trabalho (por volta do século IX), contendo uma visão geral dessa
sociedade;
Texto 02: características gerais da matemática islâmica medieval, especialmente no
tocante à álgebra geométrica;
Texto 03: apresentação de Ibn Turk, sua obra e aspectos importantes da álgebra
geométrica desenvolvida por esse estudioso;
Texto 04: situações atuais em que podemos estabelecer relações com o contexto da
civilização islâmica medieval.
Nessa linha de raciocínio, Saito (2016, p. 08) coloca que:
29
Atualmente, existem duas vertentes historiográficas que aparecem na literatura: a historiografia tradicional e
historiografia atualizada. De acordo com Saito e Roque (apud Morey e Gomes, 2018), a vertente atualizada é
aquela cuja abordagem valoriza os contextos de elaboração, transformação, transmissão e disseminação do
conhecimento matemático em diferentes épocas e cultura, enquanto que a perspectiva historiográfica tradicional
enfatiza apenas a coerência interna do discurso matemático, tendo como ponto de partida o que nós entendemos
por matemática nos dias de hoje.
88
Cabe mencionar que o produto educacional conta ainda com uma atividade introdutória
e outra, a Atividade I, que visa familiarizar os estudantes com a álgebra geométrica da
civilização islâmica medieval (Atividade I), mas não trata de nenhum caso específico de
equação quadrática estudado por Ibn Turk. Cada atividade (exceto a introdutória, que conta
com apenas com o Texto 01 e questionamentos iniciais) é constituída pelos seguintes
elementos:
Informações Gerais – Quadro presente no início de cada atividade, informando
conhecimentos prévios que o aluno deve ter para realizar a atividade, recursos necessários para
execução da mesma e objetivos.
Seção Texto e Contexto – Texto que contém informações gerais sobre o contexto da
civilização islâmica medieval, com foco para a matemática desenvolvida nesse período. Ao
final da seção, é apresentado um problema, a ser investigado pelos alunos, envolvendo equação
quadrática e o método de Ibn Turk.
Seção Estudando o Texto – Traz questionamentos que objetivam aprofundamento dos
conhecimentos apresentados na seção “Texto e Contexto”.
Seção Construindo e Explorando – Apresenta questionamentos que promovem
construções no software Geogebra, assim como realização de investigação matemática dessas
mesmas construções feitas pelos estudantes. Momento de fazer testes para as conjecturas
levantadas.
Seção Ampliando os Horizontes – Aborda questões que visam dar continuidade ao
processo de investigação matemática iniciada pelos alunos na seção anterior. Validam-se e/ou
refinam-se as conclusões obtidas.
Seção Registrando Entendimentos – Momento de socialização/avaliação das etapas até
então concluídas das atividades.
Isso posto, serão detalhadas a seguir considerações sobre o local de realização dos
encontros e sobre o público em que o produto foi aplicado, sendo essas últimas obtidas,
principalmente por meio do questionário inicial (ver apêndice B), assim como trazemos
informações sobre a aplicação propriamente dita do caderno de atividades para alunos do curso
de licenciatura em matemática da UFRN durante a disciplina Didática da Matemática I (Código
MAT1516) no semestre letivo 2019.2. Além de descrições das aulas, há reflexões e análises
acerca dessas à luz da fundamentação que respalda esse trabalho.
90
Nesta seção serão feitas considerações acerca do espaço de aplicação desse trabalho,
além de reflexões acerca do perfil dos participantes da pesquisa, reflexões essas fundamentadas
na aplicação do questionário inicial. Nessa seção será ainda detalhado o processo da aplicação
do produto educacional em uma turma de licenciatura em matemática da UFRN.
Como posto, o produto educacional foi aplicado no semestre 2019.2 em uma turma da
disciplina Didática da Matemática I (Código MAT151630) ofertada ao curso de licenciatura em
matemática da UFRN, que contava com 39 alunos matriculados, sendo que em média 35
frequentam as aulas. A mestranda atuou desde o início das aulas conjuntamente com a
professora da disciplina, Giselle Costa de Sousa, como docente assistida31, sendo que a escolha
por esse componente curricular para aplicação do caderno de atividades se deu devido ao fato
desta disciplina constar em sua ementa as seguintes tendências da educação matemática:
História da Matemática como estratégia de ensino da matemática escolar e Investigação
Matemática. Dessa forma, consideramos que o produto educacional se enquadra na proposta
dessas aulas. Cabe destaca que um dos objetivos da disciplina se refere a refletir sobre a prática
docente, sobre a educação matemática na Educação Básica e ainda, estudar e praticar tendências
atuais em E.M. Nesse sentido, esse trabalho está em consonância com a proposta desse
componente curricular, sendo uma de suas finalidades ampliar a formação docente com relação
à HM, TDIC e IM como propostas didáticas.
As Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação, por sua vez, estão presentes em
um componente curricular oferecido no 3º período na instituição, Informática no Ensino da
Matemática (Código MAT1512). No 4º período é oferecida uma outra disciplina associada a
TDIC, a saber, Laboratório de Apoio Computacional (Código MAT 1515). Como são em
períodos anteriores e/ou concomitantes à aplicação, esperava-se que os alunos contassem com
uma certa bagagem de conhecimentos no que diz respeito ao software Geogebra e outras
tecnologias vinculadas ao meio digital, o que foi confirmado pelo questionário inicial. As aulas
30
Disciplina ofertada no 4º período da licenciatura em matemática.
31
A docência assistida ou estágio à docência é uma atividade regulamentada na resolução 063/2010 CONSEPE-
UFRN e consiste na atuação dos alunos de pós-graduação em atividades acadêmicas desenvolvidas nos cursos de
graduação sob a supervisão de um professor efetivo da UFRN.
91
Notamos, pois, que há um encontro semanal com quatro aulas de 50 minutos cada, ou
seja, um encontro corresponde a um dia de aula da disciplina com 200 minutos de duração. Os
encontros para realização das atividades aconteceram no Laboratório de Micros, localizado na
sala H4 do setor de aulas III da UFRN. Esse laboratório possui 42 computadores, todos
funcionando normalmente, a maioria com acesso à Internet e o software Geogebra instalado.
Destaca-se que a mestranda, anteriormente às aulas planejadas para as atividades, verificou o
ambiente com relação aos recursos didáticos como projeção de slides, computadores, instalação
de software e acesso à Internet, visto que, conforme Borba e Penteado (2017, p. 57), “problemas
técnicos podem obstruir completamente uma atividade”.
laboratório, pois foram realizados antecipadamente ao primeiro encontro em que demos início
à aplicação do caderno de atividades. Isso ocorreu porque, no cronograma da disciplina, no
encontro anterior à realização das tarefas do produto educacional, estava prevista a aula teórica
acerca da tendência História da Matemática. Dessa forma, se o questionário inicial fosse
aplicado após essa aula (no dia em que, de fato, seria iniciado o caderno de atividades), esse
contexto poderia interferir nas respostas dos estudantes e, portanto, nos resultados da pesquisa.
Destarte, esses instrumentos foram preenchidos pelos estudantes em 40 minutos, previamente
à aula teórica no dia 27 de setembro. Neste dia também foi encaminhada a leitura do texto 1 da
atividade introdutória, sendo esse disponibilizado no SIGAA32.
Com relação aos participantes da pesquisa, destaca-se que a turma em questão conta
com 11 mulheres e 24 homens, sendo que desses, 17 estudaram somente ou a maior parte da
Educação Básica em escola particular (aproximadamente 49% dos estudantes), e 18 estudaram
somente ou a maior parte da Educação Básica em escola pública (aproximadamente 51%).
Houve ainda 8 estudantes (aproximadamente 23% dos alunos) que afirmaram ter cursado o
Ensino Médio Técnico e 1 (aproximadamente 3%) que declarou ter estudado na Educação para
Jovens e Adultos (EJA).
Acerca da idade dos estudantes, o questionário inicial mostrou que as idades deles eram
variadas, embora fossem predominantes as idades entre 18 e 22 anos (20 alunos). Outros 10
alunos possuíam entre 23 e 27 anos, havendo 4 estudantes que possuíam de 34 a 38 anos e ainda
1 estudante de 54 anos. Ressalta-se também que dos 35 participantes da pesquisa, 31 cursavam
32
SIGAA ou Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas é um sistema que informatiza os
procedimentos da área acadêmica. Por meio dessa ferramenta, o professor pode, por exemplo, cadastrar
textos/atividades para que os estudantes tenham acesso a esses recursos fora da sala de aula.
93
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
TDIC IM HM
Observa-se que grande parte dos estudantes não indicaram a HM e a IM como recursos
que eles consideram como mais eficientes para uma aula de matemática. Essa questão, por ser
aberta, oferecia muitas possibilidades de resposta: além das TDIC, a maioria delas envolveu
resolução de problemas (13 pessoas), materiais manipuláveis (7 pessoas) e metodologias que
propiciem maior participação dos alunos (6 pessoas). Porém, percebe-se um paradoxo quando
são comparadas as respostas dos alunos nessa pergunta, e em questões fechadas que eram uma
forma de reafirmação dessa questão34.Todos os 35 alunos responderam que as três tendências
em educação matemática (HM, IM e TDIC) são importantes de serem utilizadas nas aulas de
33
Quais recursos e/ou metodologias que crê que são mais eficientes para uma aula de matemática? Liste ao menos
dois que acredita que são relevantes e justifique.
34
Você considera importante a utilização da História da Matemática nas aulas de matemática?
Você considera importante a utilização da Investigação Matemática nas aulas de matemática?
Você considera importante a utilização das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação nas aulas de
matemática?
94
matemática. No entanto, na questão aberta sobre recursos e metodologias nessas mesmas aulas,
poucos alunos mencionaram essas abordagens.
Ainda na perspectiva da HM, da IM e das TDIC nas aulas de matemática, foi também
questionado o motivo pelo qual os estudantes acreditavam ser importante a utilização dessas
em sala de aula. Quanto à História da Matemática, houve vários argumentos: a História da
Matemática ajuda na compreensão da matemática enquanto ciência (11 alunos), dá significado
ao conteúdo (8 alunos), expõe a importância/necessidade dos conteúdos (8 alunos), mostra
aplicações da matemática (7 alunos), propicia a realização de investigações (3 alunos), dá
motivação (5 alunos), desmistifica a disciplina (2 alunos) e diminui a dificuldade na aceitação
de conceitos (1 aluno).
No que diz respeito à IM, as justificativas dos alunos para a utilização dessa tendência
nas aulas foram diversificadas também. Para eles, a investigação matemática propicia
pensamento, reflexão, criatividade e senso crítico nos estudantes (10 alunos), conduz a
autonomia do aprendizado (9 alunos), facilita o entendimento do conteúdo (5 alunos), motiva
(4 alunos) e ajuda na busca por pesquisas e/ou respostas por parte dos estudantes (3 alunos).
Houve ainda 3 participantes da pesquisa que, embora tenham declarado que consideram
importante a utilização da IM nas aulas, não justificaram a resposta.
Com relação às TDIC, as razões mencionadas pelos alunos para utilização delas nas
aulas de matemática foram as seguintes: expõe aplicações da disciplina (10 alunos), aumenta o
interesse dos estudantes (13 alunos), auxilia no entendimento dos assuntos (8 alunos), otimiza
o tempo das aulas (4 alunos), ajuda na visualização do conteúdo (2 alunos) e torna o aluno mais
ativo no processo de ensino aprendizagem (2 alunos). Um estudante, apesar de considerar
importante a utilização das TDIC nas aulas, não justificou a resposta.
A multiplicidade de argumentos nessas questões indica que os estudantes possuíam
bagagem intelectual sobre os temas em questão, pois suas justificativas para a utilização dessas
tendências em educação matemática estão em consonância com o que é posto por teóricos da
área, tais como Miguel e Miorim (2008), Roque (2012), Ponte, Brocardo e Oliveira (2009) e
Borba e Penteado (2017). O questionário final (ver apêndice C) mostrou que a aplicação do
caderno de atividades contribuiu para aprofundar os conhecimentos dos licenciandos acerca
dessas tendências em educação matemática, assim como possibilitou que eles vivenciassem
experiências da aplicação delas em sala de aula.
95
Acerca de aulas com HM35, 14 alunos apontaram que não participaram de aulas com
essa tendência em educação matemática, enquanto 21 alunos mencionaram que sim. Os
estudantes que afirmaram já ter tido aulas com presença da HM, destacaram vários conteúdos
em que essa tendência foi utilizada, sendo que a HM, porém, foi em geral utilizada para
introduzir o conteúdo com o objetivo de evidenciar seu surgimento e desenvolvimento. Os
estudantes declararam achar interessante e enriquecedor para a aprendizagem. Essas respostas
dos alunos, ilustram, porém, uma visão ainda limitada do uso da HM nas aulas de matemática,
somente como uma informação complementar aos conteúdos, mas que não atenta para outras
aplicações que a HM pode ter durante essas mesmas aulas. De acordo com Miguel e Miorim
(2008), pode-se promover diferentes tipos de vínculos entre a produção sócio-histórica do
conhecimento matemático no passado e a produção e/ou apropriação pessoal desse
conhecimento no presente em sala de aula. A resposta de um discente da turma, com relação a
esse questionamento, chamou atenção, por destacar o que foi posto anteriormente, conforme
Figura 49.
Essa resposta condiz com a visão de Mendes, Fossa e Valdés (2006), que apontam que
os professores de matemática tendem a agir como se a História da Matemática não fosse
importante para a aprendizagem dessa disciplina. A matemática é um assunto técnico – parece
ser o argumento – e, portanto, basta entender os algoritmos para usá-la corretamente.
Os alunos que destacaram não ter participado de aulas em que foi utilizada a HM, em
sua maioria, ao serem indagados sobre como achavam que seriam essas aulas, opinaram que a
história seria utilizada para explicar a origem de determinado conteúdo, ou seja, a motivação
35
A História da Matemática já foi utilizada em alguma aula (Ed. Básica e/ou Ensino Superior) que você participou?
Quanto as Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDIC), você já participou de aulas com esse
tipo de recursos?
Durante sua vida escolar, você já desenvolveu alguma atividade de investigação?
36
Foi apresentado pelo professor apenas como uma informação adicional ao tema. (transcrição de resposta de
aluno).
96
para criação daquele conhecimento, além das etapas do desenvolvimento desse, contribuindo
para nossa análise de que os participantes da pesquisa possuem uma percepção restrita de como
seria empregada a HM nas aulas de matemática. Em nosso trabalho, buscamos mostrar aos
licenciandos que essa tendência pode ser aplicada de outras formas. Houve 3 alunos que
enfatizaram outro ponto importante nesse mesmo questionamento. A figura 50 a seguir traz
esse ponto, exposto na resposta de um dos estudantes.
37
É difícil afirmar. Eu estaria diante de varias variaveís, como: “o professor saberia utilizar a historia para a sua
aula” (transcrição de resposta de aluno).
97
35
30
25
20
15
10
0
Fórmula do Soma e produto Completamento Fatoração Métodos
discriminante e das raízes de quadrados geométricos de
Bhaskara Euclides
Constata-se então que os estudantes entendiam desse conteúdo, visto que todos
conheciam a fórmula do discriminante e Bhaskara para resolução de equações quadráticas, e 31
conheciam mais de uma maneira de resolução para esse tipo de equação. O fato de 100% dos
alunos considerarem compreender a resolução de uma equação polinomial de 2º grau por meio
da fórmula pode ser um indício de que o ensino de matemática ainda privilegia um enfoque
puramente algorítmico desse conteúdo, sem que seja atribuído significados à fórmula.
Essa forma de abordagem, porém, favorece a memorização sem aprendizagem e à visão
errônea dessa disciplina como um produto, e não como um processo. A presente pesquisa
objetiva contribuir nessa perspectiva, utilizando da história como fonte para o entendimento
dos problemas geradores e procedimentos utilizados para lidar com uma equação quadrática,
inspirados na contribuição árabe para essa resolução, particularmente por Ibn Turk. Jones
(1969) acredita que é na possibilidade de desenvolvimento de um ensino da matemática escolar
baseado na compreensão e na significação que se realizaria a função pedagógica da história.
Foi perguntado ainda sobre o conhecimento da história das equações quadráticas. Do
instrumento aplicado, há indícios que 23 alunos não possuíam bagagem intelectual sobre o
assunto, enquanto 12 demonstraram alguma informação sobre o tema. Desses 12 estudantes, 10
tinham noções sobre os babilônicos e Bhaskara estarem envolvidos na história de alguma forma
e 2 citaram o personagem Al-Khwarizmi. Pode-se inferir, pelas respostas dos participantes da
98
pesquisa, que o entendimento deles sobre a história das equações quadráticas era bastante
superficial.
Uma outra questão que nos chamou atenção diz respeito à compreensão da álgebra
geométrica38. O gráfico 3 aponta a resposta dos alunos quanto a esse questionamento.
30
25
20
15
10
5
0
Sim Não
Dos participantes da pesquisa que afirmaram possuir algum conhecimento sobre o tema,
a maioria associou o termo a “comportamentos algébricos em estruturas geométricas”, uma
resposta vaga que indica pouca informação sobre álgebra geométrica. Apenas um aluno
estabeleceu vínculo com Al-Khwarizmi e sua forma de resolver equações, o que de certa forma
foi a resposta mais próxima do que esperávamos. Daqueles estudantes que relataram não ter
conhecimento sobre o assunto, 11 pessoas opinaram sobre o tema: relacionaram álgebra
geométrica a cálculo de áreas, geometria analítica ou ainda a união entre álgebra e geometria.
Uma resposta interessante e que reforça a dicotomia feita entre os campos da matemática em
sala de aula é mostrada a seguir.
38
Você estudou sobre álgebra geométrica?
O que você sabe sobre álgebra geométrica?
99
Embora no Brasil a divisão entre álgebra, geometria e aritmética já existisse por volta
de 1600, foi em 1808, a partir da criação da Academia da Marinha, que o ensino de matemática
foi segmentado em aritmética, álgebra, geometria e trigonometria. (LORENZATO, 2008).
Ainda de acordo com esse autor:
A aplicação das atividades se deu em três encontros39, sendo que o último deles foi
efetuado em duas aulas. Dessa forma, as atividades foram realizadas em dez aulas de 50 minutos
cada. No cronograma de aplicação, no entanto, eram previstos dois encontros (totalizando oito
aulas de 50 minutos), porém, devido a alguns imprevistos e ao caráter de algumas atividades
foram necessárias mais duas aulas para finalizar a aplicação.
39
Três encontros com exceção do encontro do dia 20 de setembro de 2019, onde foram aplicados o questionário
inicial e a carta de cessão de direitos autorais e de imagem.
100
O primeiro encontro ocorreu no dia 27 de setembro de 2019, com início quinze minutos
após as treze horas, devido ao atraso de vários estudantes. A aula foi iniciada com uma breve
apresentação da mestranda acerca da origem do produto educacional e de aspectos gerais das
atividades tais como o tema (álgebra geométrica), tendências da educação matemática
envolvidas com as tarefas, além de orientações gerais como a realização de todas as atividades
em duplas e a desconsideração da Janela de Álgebra do software Geogebra.
40
O texto 01 aborda uma contextualização histórica da civilização islâmica, evidenciando o cenário de seu
surgimento, a sua expansão e os seus aspectos políticos e econômicos, contendo uma visão geral dessa sociedade.
Em seguida é dado foco à ciência islâmica medieval, com destaque para a instituição Casa da Sabedoria,
101
a leitura e demonstrou entendimento acerca dos tópicos tratados nesse texto. Uma observação
feita pelos discentes oralmente (e com certo espanto) foi de que “o texto abordava mais
temáticas ligadas à história da civilização islâmica e apenas no final é que foi aparecer um
pouquinho de matemática”, o que aponta que os estudantes não estão familiarizados com esse
tipo de texto nas aulas de matemática. Esse fato coaduna com Mendes, Fossa e Valdés (2006,
p. 11), que afirmam que a matemática geralmente é apresentada
como uma ciência a parte, sem história e sem inter-relações com outros aspectos da
cultura humana. Isso não só dificulta a apreciação do desenvolvimento da própria
matemática e o importante papel que a mesma desempenha nos outros campos de
saber, como também inibe a possibilidade de que o caráter aberto da matemática seja
apreciado na sua plenitude. (p. 11)
descobertas realizadas em vários campos científicos, finalizando com ênfase na matemática desenvolvida pelos
estudiosos islâmicos.
102
Notou-se que muitos alunos ficaram lendo diversos textos sobre a civilização islâmica
medieval por curiosidade e não apenas para responder aos questionamentos propostos. Por
causa disso, foi dado um tempo extra de mais dez minutos para os alunos responderem aos
questionamentos propostos, antes de começarmos a discutir sobre eles. Esse é um indicativo de
que a História da Matemática causa interesse nos estudantes, e por isso é nela que devemos
explicitar os fatos e problemas que, ao longo da história da humanidade, provocaram a
indagação e o empenho humano visando a sua organização sistemática e disseminação até o
modelo atual. Essa parte da atividade serve de suporte para o desenvolvimento das outras tarefas
e conduz o aluno a um diálogo interativo com os aspectos transdisciplinares da matemática
investigada. (MENDES; FOSSA E VALDÉS, 2006).
Embora a maior parte dos estudantes não tenham conseguido terminar de responder as
questões no tempo proposto, eles participaram bastante das discussões acerca das temáticas
tratadas nos questionamentos iniciais, o que demonstra que eles tinham conhecimento
suficiente para responder, mas queriam aprender mais sobre a civilização islâmica medieval. É
importante ressaltar ainda que os estudantes foram orientados a continuar
respondendo/complementar as respostas com base em nossas discussões. A seguir, temos
respostas dos estudantes para alguns questionamentos iniciais.
41
6) A Casa da Sabedoria é uma instituição islâmica responsável por acolher todo o tipo de conhecimento e
pesquisa realizada no império. Também eram realizadas traduções de documentos de outros povos. Sua
importância era vital para a manutenção do progresso da civilização.
7) As conquistas da civilização islâmica, sobretudo econômicas eram refletidos [sic] em investimentos em pesquisa
e estudos científicos, de modo que as descobertas retornavam de maneira cíclica, para a expansão em todos os
aspectos dessa sociedade. Já na idade média, na Europa, a busca pelo conhecimento era fortemente desincentivada,
uma vez que o conhecimento era uma maneira de manter a hegemonia da Igreja Católica sobre o povo.
104
prévios sobre os temas propostos, por meio, por exemplo, da indicação de filmes sobre a Idade
Média na Europa (O Nome da Rosa) e sua relação com a civilização islâmica medieval. Essa
perspectiva foi utilizada, pelos alunos, para ilustrar a importância do contexto histórico para a
produção de conhecimentos, sendo que eles expuseram ainda descobertas científicas da
civilização islâmica medieval não presentes no texto, a exemplo do desenvolvimento de um
método para extração de catarata cirurgicamente, na medicina.
42
Atividade que objetiva aprofundar os estudos em álgebra geométrica, iniciando a partir do conhecimento de
algumas características específicas da matemática produzida na civilização islâmica medieval, e se esquadrinha na
álgebra daquele período.
43
ESTUDANDO O TEXTO
1) Pesquise sobre a origem e o significado da palavra álgebra.
2) Como aconteceu a evolução da álgebra, citada no parágrafo 3 do texto 02? Há outras fases além da álgebra
retórica?
3) Considerando nossos estudos até aqui, como você acha que a matemática grega influenciou os estudiosos
islâmicos no campo da álgebra? E os hindus? E os babilônicos?
4) Pesquise informações sobre os termos a seguir e registre as principais descobertas:
a) Álgebra Retórica
b) Álgebra Sincopada
c) Álgebra Simbólica
5) Considerando o contexto histórico descrito no texto 02, porque será que os estudiosos da civilização islâmica
medieval resolveram equações a partir de um raciocínio geométrico?
CONSTRUINDO E EXPLORANDO
1) Traduza a linguagem retórica do Problema 2 do texto 02 para a linguagem simbólica.
2) Resolva o Problema 2.
105
as duplas tentassem desenvolver a atividade de maneira mais autônoma. Isso porque, de acordo
com a perspectiva de IM,
Durante a leitura, notou-se que os alunos grifaram excertos que acharam relevantes no
texto, como ilustra a figura a seguir.
AMPLIANDO OS HORIZONTES
1) Tem possibilidade de resolver o problema proposto utilizando um raciocínio geométrico, assim como os
estudiosos islâmicos? Como você faria isso?
106
44
Transcrição de resposta de alunos: A álgebra evoluiu com o intuito de solucionar problemas da civilização
islâmica como repartição de herança, crescimento do comércio, arquitetura e outros que de início se caracterizam
por álgebra retórica. Há ainda a fase da álgebra geométrica que se empenhou em fornecer generalizações
aritméticas e provas geométricas.
107
Figura 59 – Problema 2
45 185𝑀 15𝑀
Transcrição de resposta dos estudantes: + = 200𝑀 200.000𝑥 = 𝑦
𝑥−3 𝑥
200.000
= 15.000 + 𝑦
𝑥−3
108
valor (3 ou 𝑥), que seriam iguais ao total da herança (200M). Essa representação do problema,
no entanto, foi modificada pelos estudantes, que equacionaram a situação de outra forma:
200.000𝑥 = 𝑦 (Equação I)
200.000
= 15.000 + 𝑦 (Equação II)
𝑥−3
Como pode ser observado, embora a Equação II esteja correta, a Equação I apresenta
um equívoco, em que a herança total (200.000) era para ser dividida por 𝑥 (número total de
herdeiros), mas é multiplicada por 𝑥. Dificuldades similares foram notadas pela pesquisadora
em vários outros grupos. Nesse sentido, a mestranda auxiliou os licenciandos, confrontando-os
com a possibilidade da equação ser elaborada desconsiderando a esposa (desde que, ao final da
resolução, os alunos se recordassem de que a mulher não fora considerada no início).
Isso fez com que os estudantes conseguissem resolver o problema dessa outra forma, e
ao final, conseguissem também por meio de uma outra equação em que a esposa era
considerada. Essa intervenção da docente está em consonância com o que é posto por Ponte,
Brocardo e Oliveira (2008), já que, na condução da aula de investigação, o professor tem de
estar atento ao processo investigativo, e conceder apoio de várias formas: colocar questões mais
ou menos diretas, fornecer ou recordar informação relevante, fazer sínteses e promover a
reflexão dos alunos.
Quanto à questão 2, que pedia para os alunos resolverem o Problema 2, foi respondida
sem muitas dúvidas. Isso porque consistia em encontrar as raízes da equação quadrática já
elaborada pelos alunos na questão 1, por um método qualquer que eles conhecessem. Todos os
grupos resolveram o problema utilizando a fórmula do discriminante e Bhaskara. Podemos
constatar tais métodos de resposta (considerando a esposa ao construir a equação e
considerando a esposa apenas ao final da resolução, respectivamente), nos exemplos de resposta
dados a seguir.
109
Figura 62 – Outra resposta dada pelos estudantes nas questões 1 e 2 da seção Construindo e
Explorando
Figura 63 – Respostas dadas por grupos para a questão intitulada: Tem possibilidade de
resolver o problema proposto utilizando um raciocínio geométrico, assim como os estudiosos
islâmicos? Como você faria isso?
46
O Answergarden é um site que possibilita interação com o público em tempo real, por meio de de estratégias
variadas proporcionadas pelo site (para mais informações acesse answergarden.ch). Uma delas é o brainstorming
(tempestade de ideias), utilizado por nós para realização do fechamento da Atividade I.
113
É importante observar que as palavras que aparecem maiores na plataforma são as que
mais se repetem nas respostas dos alunos, assim como as menores são as que menos
apareceram. Desse modo, a imagem aqui apresentada revela que o grande enfoque em aspectos
históricos foi o que mais chamou a atenção dos discentes em nossos estudos até aquele
momento. Após o brainstorming realizado, foi feita uma discussão mediada pela mestranda,
para que fossem debatidas as respostas dadas pelos alunos. A discussão foi iniciada a partir de
uma rápida leitura dos pontos destacados pelos estudantes. A mestranda, assim como os
próprios participantes da pesquisa, observaram que grande parte das respostas estavam
relacionadas à História da Matemática.
Com base na constatação de que a HM estava presente na maioria das colocações dos
alunos, a mestranda questionou os discentes acerca das tendências da educação matemática
presentes na aula/atividade até então, fazendo relação com conteúdos já estudados
anteriormente na disciplina. Foram destacadas as tecnologias, exemplificadas por meio de
pesquisas na Internet e a utilização do AnswerGarden. A partir das respostas dos alunos também
foi explorada a utilização da História da Matemática nas aulas, sendo que muitos afirmaram
que essa abordagem trouxe vários aspectos positivos (também dispostos nas respostas do
Answergarden), tais como interdisciplinaridade e interatividade, além de já destacarem alguns
argumentos descritos por Miguel e Miorim (2008), conforme quadro a seguir.
Quadro 10 – Relações das respostas dos estudantes com os argumentos favoráveis à utilização
da HM no ensino de matemática
Resposta dadas pelos estudantes Relação dos argumentos favoráveis à
utilização da HM no ensino de matemática
Como eram solucionados os Fonte que possibilita uma conscientização
problemas epistemológica.
Relação entre cultura e Fonte que possibilita a promoção da inclusão
conhecimento, aspectos do social, via resgate da identidade cultural de
desenvolvimento cultural que grupos sociais discriminados no (ou excluídos
afetam a matemática, relação da do) contexto escolar.
história e criação de áreas da
matemática, relação entre
matemática e contextos políticos.
Evolução do conhecimento, Fonte de busca de compreensão de significados
evolução histórica da álgebra, para o ensino-aprendizagem da matemática
diferença de perspectiva em escolar na atualidade.
relação à álgebra, a origem da
palavra álgebra
A história da matemática como Fonte de seleção e constituição de sequências
ferramenta de ensino adequadas de tópicos de ensino.
Usar a história para aprender Fonte de seleção de métodos adequados de
matemática ensino para diferentes tópicos da matemática
escolar.
116
Há ainda outras respostas que podem ter múltiplos significados, como grande enfoque
em aspectos históricos, que pode se referir apenas a uma constatação feita pela dupla ou ainda
conter uma visão positiva ou negativa dos tópicos estudados até o momento. Álgebra
geométrica pode ter sido o ponto destacado por alguns estudantes pela importância dada ao
termo durante a Atividade I, visto que é o eixo estrutural dos nossos estudos. Pode representar
também uma “fonte de busca de compreensão de significados para o ensino-aprendizagem da
matemática escolar na atualidade” ou “fonte que possibilita a promoção da inclusão social, via
resgate da identidade cultural de grupos sociais discriminados no (ou excluídos do) contexto
escolar”, conforme quadro acima. Matemática vista pelo lado histórico, assim como
matemática vista por uma nova perspectiva legal podem estar relacionados a dois
argumentos já elencados no quadro acima, que tratam de motivação (evidenciado pela palavra
legal) e também de conscientização epistemológica (visão histórica e nova perspectiva).
Finalizada a Atividade I, foi entregue a Atividade II (ver apêndice D) para os estudantes,
e feita a leitura coletiva das informações gerais dessa atividade, assim como da seção Texto e
Contexto. Dessa maneira, a cada parágrafo que ia sendo lido por um aluno, era feita uma pausa
para reflexões e diálogos sobre o que estava sendo abordado.
O texto, intitulado TEXTO 03 - O TRABALHO DE ‘ABD AL-HAMID IBN TURK
(ver apêndice D), tratava sobre a biografia e produção matemática do estudioso citado no título
do texto, com foco para as características da álgebra geométrica desenvolvida pelo autor, como
a forma de designação retórica para cada componente da equação quadrática, por exemplo. O
quadro branco foi utilizado para ilustrar exemplos desenvolvidos ao longo do texto, assim como
estimular os estudantes a também darem seus próprios exemplos com base na leitura.
Algumas duplas, paralelamente aos nossos diálogos, pesquisaram em seus celulares ou
nos computadores da instituição sobre a biografia de ‘Abd Al-Hamid Turk, ou ainda sobre
aspectos da álgebra geométrica desenvolvida por esse estudioso, com o intuito de complementar
nossas discussões. Foi feito um balanço positivo dessas atitudes, pois mostram, por um lado, o
interesse dos alunos em aprender além das fronteiras do texto, e por outro, demonstra e
incentiva a autonomia intelectual dos licenciandos. Nesse sentido, destaca-se que de acordo
com Mendes, Fossa e Valdés (2006), a dinâmica de leitura e discussão de textos referentes à
117
Figura 69 – Problema 3
Não houve perguntas acerca do Texto 03, sendo assim os alunos foram orientados a
iniciarem as atividades da seção Estudando o Texto. A pesquisadora, nesse momento, atuou
observando o trabalho dos alunos e esclarecendo dúvidas com relação às atividades. Na visão
de Ponte, Brocardo e Oliveira (2009, p. 125),
118
Foi notada uma dificuldade na questão 3, em que era pedido para os estudantes
completarem o Quadro 01, que indicava os casos de equações quadráticas resolvidas por Ibn
Turk. Como pode ser observado a seguir (Quadro 11), esperava-se que os discentes registrassem
o enunciado das equações 𝑥 2 + 21 = 10𝑥 (Caso 3a) e 𝑥 2 + 30 = 10𝑥 (Caso 3c) em linguagem
retórica, conforme Ibn Turk, assim como se utilizassem da linguagem simbólica para escrever
a equação “uma quantidade quadrada e vinte e cinco é igual a dez raízes”, também resolvida
geometricamente pelo estudioso islâmico.
igual a dez
raízes
𝑥 2 + 30 = 10𝑥
(Caso 3c)
Nesse sentido, foi necessária a intervenção da mestranda para assegurar que eles e outros
estudantes estavam corretos em suas formas de pensamento para solucionar o Problema 3. Foi
revelado ainda que essa questão visava retratar a impossibilidade de solução no caso de
determinadas equações quadráticas com as quais Ibn Turk lidou. Nesse episódio, os alunos
procuraram novas conjecturas que se mostrariam infrutíferas, visto que já haviam resolvido a
questão corretamente no início, porém não confiavam em seus procedimentos. Essas situações
podem conduzir a um impasse quando os alunos persistem em continuar a exploração na mesma
direção. A intervenção da professora foi bastante útil nesse caso, pois fez com que os estudantes
121
expusessem sua linha de raciocínio, assumissem uma postura investigativa acerca da questão,
refletissem sobre seus métodos e raciocínios, e ainda adquirissem mais confiança na sua
capacidade de fazer matemática.
Consideramos este um fato relevante para formação do licenciando/futuro professor,
pois o coloca defronte situações que o ensino tradicional normalmente não põe, como investigar
problemas sem solução. De fato, percebemos que os alunos, mesmo com raciocínio correto,
acreditaram estar errados, pois não esperavam estar diante de um problema sem solução, visto
que frequentemente estão diante de problemas que tem sempre solução. Tal fato revela um
argumento favorável ao uso da HM no ensino, pois essa consiste em uma fonte rica de
problemas interessantes para investigar. Adiante, a resolução correta do Problema 3, alcançada
por todos os estudantes.
Pode ser observado na lateral direita tentativas dessa dupla de transformar a equação
quadrática 𝑥 2 − 12𝑥 + 288 = 0 em uma forma utilizada pelo estudioso Ibn Turk, conforme
exposto no Texto 04 (vide apêndice D). Destaca-se ainda que muitos alunos, por curiosidade,
ao folhearem a atividade, notaram que teriam de resolver o Problema 3 utilizando o Geogebra,
e, por estarem ansiosos para entender como a questão poderia ser estudada geometricamente,
122
iniciaram a seção Construindo e Explorando (vide apêndice D), que dava início à construção
no software, sem resolver a questão 0547 da seção anterior, que era bastante importante de ser
realizada antes da resolução do Problema 3 de maneira geométrica. Isso só foi notado, pela
mestranda, porém, no momento em que alguns estudantes sentiram dificuldades para responder
aos primeiros questionamentos48 acerca da investigação que estava sendo desenvolvida por eles
no Geogebra.
O primeiro questionamento já se inter-relaciona com a questão 05 da seção anterior,
pois exige que o aluno saiba a representação simbólica da equação do problema 3 conforme Ibn
Turk resolvia (𝑥 2 + 288 = 12𝑥). Muitos alunos, simultaneamente, disseram não conseguir
entender qual seria a área do quadrado ABDC e nem sua vinculação com representação
simbólica alguma (nas atividades deles, a representação simbólica da equação que modela o
Problema 3 era ainda 𝑥 2 − 12𝑥 + 288 = 0, mostrando que não haviam finalizado a seção
anterior). Assim, os estudantes foram orientados a retornar e responder a questão 05.
Destaca-se que, mesmo com a questão 05 respondida, os alunos demoraram a associar
a área do quadrado ABDC com 𝑥 2 . Muitos acreditavam ser um número, mais especificamente,
um quadrado perfeito. Eles utilizaram diferentes estratégias para investigar a área do quadrado,
tais como: ferramentas variadas do software, discussão entre os colegas e releitura dos passos
feitos para a resolução do Problema 3.
47
Qual caso geral de equação polinomial de 2º grau, dentre os propostos por Ibn Turk e apresentados no Quadro
01, representa a equação elaborada por você para modelar o problema 3 acima? Indique o número e a representação
simbólica.
48
Questionamentos
Considerando a representação simbólica da equação do problema 3, qual a área do quadrado ABDC?
Com a finalização das construções, uma outra figura geométrica é formada. Qual é essa figura e qual sua
área, considerando a representação simbólica da equação do problema 3?
123
A associação da área do quadrado com um quadrado perfeito demonstra busca por uma
regularidade muito comum nas práticas pedagógicas: quadrados geralmente possuem áreas
iguais a quadrados perfeitos, para que as medidas de seus lados possam ser encontradas de
forma mais simples. É assumido também, nesse posicionamento dos licenciandos, a busca por
resposta de um problema antigo de maneira atual, ou seja, há predominância de uma perspectiva
a-histórica, em que os estudantes não levam em consideração o contexto e as necessidades
daqueles que desenvolveram esse conhecimento, como fizeram, por exemplo, ao tentarem
desenvolver métodos de como a civilização islâmica resolvia geometricamente equações
quadráticas. Acerca disso, Miguel e Miorim (2008, p. 132) apontam que:
É também nessa linha de pensamento que Mendes, Fossa e Valdés (2006) destacam que,
para o aprendizado ocorrer de modo que o aluno relacione cada saber construído com as
necessidades históricas, sociais e culturais existentes nele, os estudantes devem participar da
construção do seu próprio conhecimento de forma mais ativa, reflexiva e crítica possível. Para
isso, é fundamental que o professor adote a conduta de orientador das atividades, viabilizando
uma interação dialogal na qual os estudantes construirão/desenvolverão seu conhecimento
partindo de seu próprio raciocínio e conhecimentos históricos, transpondo-os para a situação de
124
Ao longo da investigação matemática feita pelos alunos, foi possível notar que vários
deles demonstraram resistência na busca de associação entre as duas colunas da tabela, alegando
que a linguagem era muito diferente da álgebra atual e que era de difícil entendimento. De fato,
como já destacado por Lorenzato (2008, p. 43), “com o objetivo de tornar-se mais precisa, a
linguagem matemática evoluiu, pois tanto a figura como a palavra, muitas vezes, são ambíguas.
A própria História da Matemática mostra-nos que não foi sem dificuldades que os matemáticos
conseguiram formas de traduzir questões de linguagem vulgar para linguagem matemática e
vice-versa. ”
Essa circunstância corrobora ainda com um argumento favorável à utilização da HM
nas aulas de matemática, descrito por Miguel e Miorim (2008), que defende a HM como fonte
de identificação de obstáculos epistemológicos para se enfrentar certas dificuldades que se
manifestam entre os estudantes no processo de ensino-aprendizagem da matemática escolar.
Ressalta-se que lentamente, com auxílio da mestranda, as duplas começaram a concentrar seus
126
esforços para entender a linguagem retórica da construção indicada por Ibn Turk, assim como
relacioná-la com os passos a serem dados no software, pois isso era fundamental para responder
aos questionamentos propostos.
Nesses momentos, é importante ressaltar que os discentes fizeram reflexões diversas
sobre a passagem da álgebra retórica para a álgebra sincopada, e depois, para a álgebra
simbólica, e todos chegavam às mesmas conclusões: a relevância da linguagem matemática no
estágio atual, principalmente no que diz respeito à linguagem algébrica. Alguns, inclusive,
externaram a ideia de utilizar esses aspectos da HM para montar sequências didáticas para 8º e
9º anos do Ensino Fundamental, objetivando que eles também compreendessem a importância
da álgebra simbólica para internacionalização da linguagem matemática. Nesse episódio, se
evidencia a contribuição da nossa pesquisa para a formação docente, assim como importância
da apropriação de conhecimentos históricos pelo professor de matemática, como afirmado por
Mendes, Fossa e Valdés (2006, p. 16):
Figura 77 – Evidências de que os alunos não seguiam rigorosamente os passos propostos para
construção no Geogebra
Como pode ser observado na figura anterior, o quadrado ABDC é construído, por duas
duplas, sobre os eixos e as malhas, sendo que o passo inicial da construção indica a remoção
desses elementos, visando melhor visualização da figura geométrica a ser construída. A
pesquisadora teve de salientar a importância de respeitar precisamente cada etapa de elaboração
128
da figura geométrica indicada por Ibn Turk, para que efetivamente fossem alcançadas as
conclusões do estudioso.
Houve ainda alunos que realizaram a construção quase integralmente, no entanto sem
responder aos questionamentos propostos ao longo da atividade. Foi explicado para esses
estudantes que a escrita dos resultados permitiria à mestranda observar posteriormente os
trabalhos feitos, de forma a analisar o desempenho deles e planificar as aulas seguintes. Foi
elucidado também que a escrita dos resultados ajudaria os estudantes a comunicar-se
matematicamente e clarificarem as suas próprias ideias, ao explicitarem as suas conjecturas e
favorecerem o estabelecimento de consensos entre o grupo. (PONTE, BROCARDO E
OLIVEIRA, 2009).
As colocações da pesquisadora acerca dos registros escritos apresentaram resultados,
pois os estudantes começaram a escrever e justificar suas respostas mostrando o caminho
seguido durante a investigação, fazendo até mesmo anotações em forma de rascunho para não
esquecerem daquilo que estava sendo conjecturado, testado e, por fim, refutado ou aceito como
resposta para os questionamentos. A figura 78 mostra um rascunho dos estudantes, acima dos
questionamentos propostos.
O balanço final dessa atividade foi positivo, pois os alunos, mesmo com algumas
dificuldades, se empenharam bastante na construção e no processo de busca pelas conclusões
de Ibn Turk. Foram discutidas ideias importantes relacionadas com o desenvolvimento de uma
investigação, tais como o caráter provisório da conjectura, assim como os passos para sua
129
em seguida revê e faz a mudança para a resposta correta, justificando como pedido na questão:
12; sabemos que BD é o lado do quadrado, portanto 𝑥 e ZB é o lado do retângulo de área 288,
o outro lado é igual ao do quadrado.
130
Na questão posterior a essa, Ao marcar o ponto médio do segmento DZ, dois novos
segmentos apareceram. Quais são eles e quais suas medidas, considerando a
representação simbólica da equação do problema 3?, é perceptível um amadurecimento das
respostas por parte dos estudantes, que investigam e respondem correto na primeira anotação.
Essa evolução em relação às conjecturas, aos testes/validação das mesmas, aos registros escritos
dos licenciandos, foi perceptível também em outros grupos, no decorrer da aula, como dito
anteriormente.
O raciocínio de uma outra dupla, para esses mesmos questionamentos, exposto na figura
80 a seguir, chamou atenção pela predominância do pensamento algébrico-simbólico em
detrimento do pensamento geométrico (atribuição de 𝑦 para medidas desconhecidas e utilização
da álgebra simbólica) presente na civilização islâmica. Isso ocorreu em parte pelo erro em
relação ao questionamento Com a finalização das construções, uma outra figura geométrica
é formada. Qual é essa figura e qual sua área, considerando a representação simbólica da
equação do problema 3?, que se referia ao retângulo HZDC, que como apresentado
anteriormente, possuía área de 𝑥 2 + 288 ou ainda 12𝑥, mas a dupla atribuiu 288 u.a.. Esse erro
fez com que a dupla não encontrasse o valor de 12 para o segmento DZ. O raciocínio utilizado
por eles, apesar do equívoco, revela entendimento da relação das áreas total (de HZDC) e das
áreas parciais (ABDC e ZBAH) com o comprimento do segmento DZ.
288−𝑥²
É possível notar ainda que a atribuição da medida 𝑥 + para DZ, implicou em
𝑥
144
novos erros nos próximos questionamentos (medidas dos segmentos ZQ e ZD como cada
𝑥
um, já que o ponto Q é o ponto médio de DZ), assim como acarretaria até o final da investigação,
caso a mestranda não tivesse feito intervenção nesse grupo. Nesse episódio, vemos a
importância de o professor estar atento a todo o processo de formulação e teste de conjecturas,
para garantir que os alunos vão evoluindo na realização de investigações. Desse modo, cabe-
lhe colocar questões aos alunos que os estimulem a olhar em outras direções e os façam refletir
sobre aquilo que estão a fazer. (PONTE, BROCARDO E OLIVEIRA, 2009).
131
Pólya (1981) assinala que, estudando dessa forma, os alunos podem ter um sabor de
matemática em construção, do trabalho criativo e independente, de generalizar a partir da
observação de casos, usar argumentos por analogia, reconhecer ou extrair um conceito
matemático de uma situação concreta, como de fato ocorreu durante a realização da atividade.
Destaca-se também a importância do software Geogebra como tecnologia que
possibilita riqueza de explorações, permitindo aos alunos manipular, observar, comparar,
descobrir, construir, traçar, ensaiar, errar, recomeçar, corrigir de maneira ágil, favorecendo a
experimentação nas aulas de matemática em um curto intervalo de tempo, dando oportunidade
para os alunos formularem e testarem conjecturas e ainda formular generalizações com base na
observação e reflexão sobre objetos matemáticos. Borba e Penteado (2017) enfatizam que o
enfoque experimental explora ao máximo as possibilidades de rápido feedback das mídias
informáticas e a facilidade de geração de inúmeros entes matemáticos. Eles afirmam ainda que
essa prática pedagógica estimula a utilização de problemas abertos, de formulação de
conjecturas em que a sistematização se dá como coroamento de um processo de investigação
por parte de estudantes (e, muitas vezes, do próprio professor), conforme pode ser visto nos
questionamentos e respostas dos estudantes, mostrados anteriormente.
Figura 82 – Alunos explorando associações de figuras geométricas com raízes das equações
quadráticas no software Geogebra
Não era esperado pela mestranda que os estudantes conseguissem ampliar suas
investigações para o caso intitulado por Ibn Turk de intermediário (uma única raiz – 3b em
nosso Quadro 11) e o caso em que a figura geométrica possibilita encontrar os dois resultados
134
positivos da equação (caso 3a, também em nosso Quadro 11). Esse episódio indica que pode
sempre programar-se o modo de começar uma investigação, mas nunca se sabe como ela irá
acabar, devido à variedade de percursos que os alunos seguem, os seus avanços e recuos, as
divergências que surgem entre eles e o modo como a turma reage às intervenções do professor,
que são elementos largamente imprevisíveis numa aula de investigação, conforme apontado por
Ponte, Brocardo e Oliveira (2009).
Ao fim da aula, os alunos mostravam entusiasmo para finalizar a investigação e deduzir
os resultados que Ibn Turk alcançou, porém, também apresentaram fadiga por todos os estudos
desenvolvidos durante esse dia. Ponte, Brocardo e Oliveira (2009, p.42) ressaltam que
muitas vezes, o professor estabelece de início o tempo que quer conceder para a
realização da tarefa e para a discussão final, e faz com que esse plano seja cumprido,
com maior ou menor flexibilidade. No entanto, há que estar atento aos sinais que vêm
dos alunos, quer de cansaço, indicando que será melhor parar a investigação, quer de
desejo de prosseguir a exploração, indicando que será necessário conceder-lhes mais
tempo.
Dessa forma, os discentes foram orientados a salvarem e enviarem suas construções para
seus respectivos e-mails, assim como entregarem as atividades para a mestranda, para que as
mesmas fossem retomadas no próximo encontro. Como a Atividade II não foi finalizada, a
seção Registrando Entendimentos (produção de um relatório) não foi encaminhada.
e, sendo também iniciada a investigação de como o estudioso islâmico Ibn Turk lidava com
equações em que o < 0, como o Problema 3.
Os alunos foram então orientados a resgatar suas construções no Geogebra para dar
continuidade à Atividade II. Nesse momento, foi novamente enfatizada a importância de seguir
os passos no Geogebra rigorosamente, como indicado na seção Construindo e Explorando.
Além disso, foi ressaltada também a importância de explorar concomitantemente as colunas em
que continham as etapas da construção indicadas por Ibn Turk (na linguagem retórica daquele
contexto) e as que abordavam como fazer essas mesmas etapas no software e ainda de responder
os questionamentos propostos nas atividades, ao longo dos passos para elaboração da figura
geométrica que representasse a equação quadrática que traduzia o Problema 3.
Esse foi um dos momentos em que a professora atuou como mediadora, passando pelos
grupos para esclarecer possíveis dúvidas e observar o progresso dos alunos na investigação.
136
Foi possível perceber que os alunos demoraram para relembrar o que de fato realizaram
na construção da aula passada49, e por isso, tiveram que retomar o Problema 3 e os passos
iniciais da construção no Geogebra para efetivamente começarem de onde haviam permanecido
no encontro anterior. Embora esse acontecimento tenha se constituído como um atraso para
realização das atividades, também se mostrou produtivo para que os estudantes revessem o
conteúdo estudado, auxiliando assim uma melhor compreensão das tarefas que estavam sendo
realizadas por eles. Na visão de Mendes, Fossa e Valdés (2006, p. 102):
49
Cabe ressaltar que o intervalo entre o primeiro e segundo encontros foi de 15 dias.
137
analisassem a construção em várias perspectivas. Borba e Penteado (2017), ponderam que esse
tipo de atividade, além de naturalmente trazer a visualização para o centro da aprendizagem
matemática, enfatiza um aspecto fundamental na proposta pedagógica da disciplina: a
experimentação. As tecnologias como o Geogebra permitem que o aluno experimente bastante,
de modo semelhante ao que faz em aulas experimentais de biologia ou de física.
A Aividade II, como dito anteriormente, visava, além do conhecimento da forma como
eram resolvidas as equações quadráticas por Ibn Turk, estabelecer relações com a álgebra
estudada atualmente, especificamente a fórmula do discriminante, para a compreensão de uma
generalização acerca dessa fórmula e dos casos de equação em que 𝑥 2 + 𝑐 = 𝑏𝑥 (caso 3)
quando ∆ < 0. Na escola, a experimentação é um processo que permite ao aluno se envolver
com o assunto em estudo, participar das descobertas e socializar-se com os colegas.
Inicialmente, a experimentação pode ser concebida como ação sobre objetos (manipulação),
com valorização da observação, comparação, montagem, decomposição, distribuição. Mas a
importância da experimentação reside no poder que ela tem de conseguir provocar raciocínio,
reflexão e construção de conhecimento. (LORENZATO, 2008).
139
Figura 88 – Respostas de grupos para a questão intitulada: O estudioso Ibn Turk, ao construir
essa figura, observou uma impossibilidade lógica (absurdo) na resolução da equação que
modela o problema 3. Essa impossibilidade diz respeito à relação entre a área do quadrado
ZQTK e do retângulo BAHZ. Explique essa contradição.50
50
Transcrição de respostas de alunos: Seguindo a linha dos questionamentos temos que a área de ZQTK = 36 e
que Área de ZQTK > Área de BAHZ, no entanto isso nos leva a 36 > 288 que é absurdo.
- Como ZBAH tem 288 u. a e e ZKEB tem área menor que 36 u.a. Então a área de KEAH tem área maior que 252
u.a. Com isso, a área de KEAH é maior que 36. Mas, seja KE = 𝑦 e EA = 6 – 𝑦. Dessa forma, 𝑦 (6- 𝑦) > 36
−𝑦 2 + 6𝑦 > 36. Todavia, sabe-se que y < 6, pela construção. Assim, 6y < 36 e se somarmos algo negativo ao 6y,
a desigualdade continua. Logo, −𝑦 2 + 6𝑦 < 36. Portanto, a construção realizada nos traz um absurdo, pois
tínhamos −𝑦 2 + 6 > 36 e vimos que usando as manipulações, 𝑦 < 6 −𝑦 2 + 6𝑦 < 36.
A contradição encontrada está no fato do quadrado KTQZ ter área menor do que o retângulo ZHAB de acordo
com os dados fornecidos enquanto a construção realizada nos garante o contrário, isso vem do fato de que o
quadrado KTQZ e o retângulo ZHAB compartilham do mesmo retângulo ZKDB, em que BETQ teria área maior
do que KEAH.
141
Entendemos que essa resposta demonstra tentativa de generalização, já que associa cada
área da figura geométrica construída no Geogebra com os coeficientes da forma geral de uma
equação quadrática, o que é positivo para a aprendizagem dos alunos. A resposta esperada para
esse questionamento era, na verdade, a constatação de que a figura geométrica foi construída
de modo que o quadrado ABDC, construído primeiro, possuísse área igual a 𝑥 2 ; o retângulo
BAHZ representasse, em sua área, 288; e a área do retângulo ZDCH correspondesse à 12𝑥.
51
Transcrição de resposta de alunos: Tal resolução chega a uma construção sem solução [sic] pois tal construção
gera um absurdo quando se comparam as áreas e não se conheciam recursos algébricos [sic], como os números
complexos, para a resolução.
52
Transcrição de resposta dos alunos: A área de ABDC é igual a 𝑥².
A área de BAHZ é igual ao “𝑐” da equação.
A área de ZDCH é igual a 𝑏𝑥 e o “𝑏” da equação.
143
Nas conclusões registradas pelos estudantes, assim como no decorrer desse encontro, foi
possível perceber que após o surgimento, esclarecimento e validação de várias conjecturas
durante a investigação, além das dificuldades no início das atividades, os licenciandos
avançaram para além do esperado, desenvolvendo a investigação de maneira autônoma e
mostrando cada vez mais apropriação em relação ao objeto de estudo. Corroborando com essa
análise, Ponte, Brocardo e Oliveira (2009, p. 71) mencionam que
Figura 91 - Associação feita por dupla, da equação 𝑥 2 + 40 = 10𝑥 com a figura geométrica
construída no Geogebra53
Com relação ao outro item pedido na questão, destaca-se que cerca de metade dos
grupos registraram apenas equações quadráticas que se enquadravam no caso 3c, não
expressando um problema que recaísse nesse caso de equação quadrática. Alguns exemplos são
uma quantidade quadrada e sessenta e oito é igual a oito raízes, ou ainda uma quantidade
quadrada e quarenta é igual a vinte raízes. Nesse momento das atividades, os licenciandos já
mostravam mais familiaridade ao lidar com a álgebra retórica.
A seção Ampliando os Horizontes continha duas perguntas, sendo que a primeira
delas54 tinha o objetivo de fazer os estudantes generalizarem os casos em que equações do caso
3 (𝑥 2 + 𝑐 = 𝑏𝑥 ou caso em que a quantidade quadrada e um certo número são iguais a número
de raízes) possuirão ∆ < 0, e, portanto, não terão solução no conjunto dos números reais. Essa
53
Transcrição de resposta de aluno: 𝑥 2 + 40 = 10𝑥
Usando esta equação, o quadrado ZQTK terá a área = 25 e o retângulo ZBAH terá área = 40. Como 𝐴𝑞𝑢𝑎𝑑𝑟𝑎𝑑𝑜 <
𝐴𝑟𝑒𝑡â𝑛𝑔𝑢𝑙𝑜 , absurdo, por construção.
54
Ibn Turk chegou à uma conclusão acerca do tipo de equação do caso 3, e assim ele enuncia o caso 3c (vide
Quadro 01). Ele enuncia tal conclusão como Há a necessidade lógica de impossibilidade neste tipo de equação
quando a quantidade numérica que está com a quantidade quadrada é maior que a metade do número de
raízes multiplicada por seu igual. (TURK apud SAYILI, 1962, p. 20). Traduza essa conclusão para linguagem
simbólica e explique-a considerando a construção feita no Geogebra.
145
conclusão foi obtida por Ibn Turk no século IX. Adiante veremos colocações feitas pelos
licenciandos.
Cabe ressaltar que todas as duplas conseguiram chegar a essa conclusão, expressando-a
de diferentes formas, como mostrado na figura 92. Também destaca-se que durante o momento
de responder essa seção, já foi feito o momento de socialização dessa atividade. Dessa forma,
os alunos colocaram em confronto as suas estratégias, conjecturas e justificações estabelecidas
desde o início da investigação, discutindo sobre como chegaram aos resultados e suas opiniões
sobre esse método de lidar com equações quadráticas. A professora atuou, nessa etapa da
atividade, desafiando os estudantes para que esses revelassem cada mais seus raciocínios,
146
promovendo a reflexão deles sobre o trabalho realizado. Assim, os estudantes fizeram uma
síntese da atividade, descreveram os seus avanços e recuos e as estratégias que utilizaram.
Houve predominância dos modelos anteriores, em que podem ser destacados diferentes
aspectos: na primeira resposta elencada na figura 92, há referência direta à construção
geométrica feita no software para explicação da conclusão de Ibn Turk. Isso mostra o elo
estabelecido entre álgebra e geometria, podendo ser essa integração um apoio para a
aprendizagem dos estudantes, facilitando a percepção do significado de conceitos e símbolos.
Na segunda resposta exposta na figura 92, é destacada, pelos licenciandos, a passagem
cuidadosa de cada trecho da conclusão de Ibn Turk apresentada na questão (feita na linguagem
da álgebra retórica) para a linguagem da álgebra simbólica. Esse processo de tradução de
linguagem matemática exerce um papel importante na organização do raciocínio matemático,
fazendo com que o aluno reflita acerca da evolução da matemática enquanto ciência.
A última resposta mostrada na figura 92 mostra a relação existente entre a fórmula do
discriminante e a conclusão estabelecida por Ibn Turk a partir da resolução geométrica de
equações quadráticas. Essa justificação feita pelos alunos coloca em evidência o
estabelecimento de conexões entre procedimentos matemáticos, um dos potenciais das
atividades de investigação já descrito por Ponte, Brocardo e Oliveira (2009).
A Atividade II contou com ampla participação dos estudantes, que exploraram a forma
como Ibn Turk lidava com equações quadráticas do caso 3, quando ∆ < 0. Tal tarefa
possibilitou, aos licenciandos, se apropriar de maneira mais profunda de uma tarefa de
investigação, não retirar conclusões precipitadas, ser capaz de organizar os dados recolhidos e
de procurar argumentos que validem as suas conjecturas. Além disso, eles desenvolveram, ao
longo das tarefas, competências consideradas essenciais na matemática, como procurar
regularidades, fazer e testar conjecturas e ainda formular generalizações.
As orientações para produção do relatório da seção Registrando Entendimentos (vide
apêndice D) foram iniciadas aproximadamente às quinze horas, sendo que os alunos não
fizeram muitas perguntas sobre a produção escrita. Essas, de maneira geral, seguiram o roteiro
proposto55, iniciando por descrever alguns aspectos da civilização islâmica medieval, como o
contexto religioso e científico, com destaque para a Casa da Sabedoria.
55
Orientações dadas acerca da estrutura do relatório:
Introdução O que aprendi sobre a civilização islâmica medieval? O que não entendi direito e preciso pesquisar
mais sobre?
Desenvolvimento Sobre os problemas desenvolvidos nos textos desse bloco de atividades (especialmente o
problema apresentado na atividade II), como ‘Abd Al-Hamid Ibn Turk os resolvia? Essa forma de resolução se
relaciona ao método algébrico de resolução?
147
Figura 93 – Trecho que ilustra importância da Casa da Sabedoria e influência religiosa nos
estudos da sociedade islâmica medieval
Figura 94 – Trecho de relatório apresentando o modo de Ibn Turk lidar com equações
quadráticas
Conclusão Quais minhas dúvidas sobre o que até aqui foi desenvolvido? Qual minha opinião sobre a resolução
geométrica dos problemas 01 e 03? Quais minhas conclusões acerca dessa forma de resolução?
148
Ao fim das orientações para elaboração do relatório, iniciamos a Atividade III (vide
apêndice D), que trazia um texto curto, intitulado TEXTO 04 – TRANSPONDO PARA A
ATUALIDADE56, lido em conjunto com a turma. O problema proposto (Problema 4) era o
seguinte:
Figura 96 – Problema 4
56
Texto que retomava a aplicação da álgebra na civilização islâmica medieval, finalizando com um problema da
atualidade, buscando estabelecer um elo entre aquele contexto e o atual.
149
Um comentário feito por alguns alunos foi de que esse problema era, de fato, uma
questão típica envolvendo o conteúdo de equação quadrática, e foram citados outros exemplos
similares, como o caso de uma conta de restaurante (valor y) que inicialmente deve ser dividida
igualmente entre n pessoas (primeiro momento), e, posteriormente, têm de ser dividida entre n
– x pessoas (segundo momento). A questão geralmente requer que o estudante calcule o número
de pessoas que irão pagar a conta no segundo momento ou ainda o valor pago por cada pessoa
nesse mesmo momento.
Foi possível perceber, nessas falas, o conhecimento prévio dos estudantes acerca de
equações polinomiais de segundo grau, já evidenciado no questionário inicial. A pesquisadora
perguntou se eles achavam possível que Ibn Turk, no século IX, conseguisse resolver esse
problema, assim como outros análogos, utilizando a álgebra geométrica. Os discentes ficaram
um pouco receosos de responder “sim”, e foram poucos os alunos que responderam
positivamente. Aqueles que demonstraram dúvida, quando questionados, utilizaram-se de dois
argumentos: a situação parece ser complexa para aquele período, considerando não haver
linguagem simbólica e nem aceitação dos números negativos, por exemplo; a construção feita
na Atividade II não chegou ao resultado encontrado atualmente, pois a figura geométrica
indicada por Ibn Turk chegava em um absurdo. Já os poucos estudantes que discordavam,
argumentaram que ele poderia ter construído uma equação quadrática com base no problema,
tê-la enquadrado em um dos outros casos vistos anteriormente e elaborado uma figura
geométrica que fornecesse as raízes da equação. Essa dúvida também foi expressa pelos
estudantes no relatório produzido, como apontado antes.
Após a realização dessas reflexões, os alunos foram orientados a iniciar as tarefas da
seção Estudando o Texto (vide apêndice D). A questão 157 foi respondida facilmente, devido
à discussão sobre contextos envolvendo equações quadráticas, já mencionada anteriormente.
Alguns estudantes fizeram pesquisas na Internet, com o intuito de encontrar novas situações
que se enquadrassem em tal proposta. Isso foi visto positivamente pela pesquisadora, pois
mostra o interesse dos discentes em adquirir novos conhecimentos acerca do conteúdo
estudado.
57
1) Pesquise outras situações atuais que podem ser resolvidas por meio de equações quadráticas. Faça o registro
de duas delas.
150
58
Transcrição de resposta dos alunos: 1) Comprei 4 lanches a um certo valor unitário. De outro tipo de lanche,
com o mesmo preço unitário, a quantidade comprada foi igual ao valor unitário de cada lanche. Paguei com duas
notas de cem reais e recebi R$ 8,00 de troco. Qual o preço unitário de cada produto?
1) Uma bola é largada do alto de um edifício e caí em direção ao solo. Sua altura h em relação ao solo, t segundos
após o lançamento é dado pela expressão ℎ = 25𝑡 2 + 625. Após quantos segundos do lançamento a bola atingirá
o solo?
1) Suponha que você tenha que fazer uma calçada em frente de sua casa. Você tem 50m² de lajotas, e a largura da
frente da sua casa é de 8 m. Qual será o tamanho da sua casa do portão até a rua?
151
Nessa outra forma de resolver o problema, utilizada por alguns grupos, o valor obtido
com a venda de cada passagem é obtido primeiro, por meio da equação quadrática 𝑥 2 + 4𝑥 =
8448
16896. Em seguida, esse valor é utilizado na expressão 𝑦 = , em que 𝑦 é a quantidade de
𝑥
59
3) Em qual dos casos descritos pelo estudioso Ibn Turk se enquadra a equação elaborada por você para resolver
o problema 4? Indique o número e a representação simbólica.
60
O arquivo do Geogebra utilizado para execução da Atividade III está disponível na coletânea de materiais do
próprio software, e pode ser acessado a partir da janela inicial do Geogebra, por meio do clique na opção Arquivo
– Abrir. Em seguida, digita-se no campo de busca Arquivo para realização da Atividade III –Jéssica T. Muniz.
153
para o Problema 4 foi cadastrado instantes antes (no SIGAA) pela docente da disciplina, Giselle
Costa de Sousa.
A investigação foi norteada por meio de questionamentos acerca do processo de
construção da figura geométrica, sendo que esses estavam dispostos na folha de Atividades.
Cabe destacar que o Geogebra possui uma ferramenta intitulada Protocolo de Construção
(pertencente à aba Exibir), que permite a visualização de cada passo para elaboração de um
arquivo qualquer. É possível ainda visualizar os procedimentos feitos para a construção de um
ente matemático qualquer na forma de um vídeo, em que o estudante tem a opção de pausar
inúmeras vezes, para investigar cada passo dado. Consideramos esta uma vantagem e apoio que
as TDIC forneceram para a investigação histórica, uma vez que os discentes, neste momento já
familiarizados com os processos e matemática envolvida na construção, não precisaram
reproduzi-la para somente depois explorá-la, mas sim otimizaram seu tempo avaliando e
investigando a construção pronta. De acordo com Borba e Penteado (2017, p. 48):
A seguir, figuras que ilustram o arquivo cadastrado no SIGAA, com a figura para que
os alunos investigassem, assim como o Protocolo de Construção com as opções listadas acima.
Caso os grupos quisessem visualizar os passos da construção geométrica no formato de um
vídeo, bastava clicar em Reproduzir, podendo ainda escolherem o tempo que demoraria para
cada passo ser mostrado no vídeo. Ressalta-se ainda que foi avisado previamente aos estudantes
a desconsideração da 3ª coluna do Protocolo de Construção para as investigações.
154
Figura 103 – Resposta dos alunos para o primeiro questionamento da seção Construindo e
Explorando62
61
A figura construída por Ibn Turk para esse caso é a mesma figura construída para o problema 3? Justifique.
62
Transcrição de respostas dos alunos:
Não, pois na figura do problema 3, o retângulo ficava acima do quadrado e não em seu interior.
Não, pois tem um polígono a mais dentro da figura.
Não, porque é um caso diferente, além disso a figura geral era um retângulo e nessa é um quadrado.
63
Observe os passos 1 a 3 do Protocolo de Construção, qual figura geométrica foi construída primeiro? Qual a
área dessa figura, considerando a representação simbólica da equação?
156
confrontam com dúvidas ou com um impasse no seu trabalho, não sabendo como prosseguir, o
professor deve começar por colocar questões abertas. Assim, a docente estimulou os estudantes
a observar novamente para a equação que representava o Problema 3, já no formato com que
Ibn Turk lidava. Foi recomendado ainda que eles se atentassem para os coeficientes da equação
e os confrontassem com os passos iniciais da construção, e também se recordassem das
descobertas feitas durante a Atividade II.
Figura 104 – Alunos buscando relações entre a área do quadrado ABDC e a equação
quadrática 2𝑥 + 4224 = 𝑥 2
𝐻𝐶 = 2𝑥 𝐻𝐶 = 2, logo HQ = QC = 1
𝑥. ̅̅̅̅
Algumas duplas tentaram dar prosseguimento na investigação, saltando esse
questionamento e respondendo aos próximos. Porém, logo perceberam que, nesse caso, isso
não era possível, pois a medida dos segmentos HQ e QC eram necessários para solucionar os
questionamentos posteriores.
Um episódio a ser destacado nesse dia se refere à validação da conjectura dos alunos
para um dos questionamentos66, depois de várias hipóteses, erros e reflexões. A alegria dos
estudantes é facilmente notada na figura 106, e evidencia o exposto por Lorenzato (2008) ao
colocar que:
66
Por construção, o retângulo NETL possui mesma área de outra figura presente na construção. Que figura é essa?
Justifique sua resposta.
158
Esse encontro foi finalizado devido ao horário de término da aula, sendo que, do total
1
de quinze questionamentos da seção Construindo e Explorando, cerca de 3 dos grupos estava
𝑥
67
Transcrição de resposta de aluno: ̅̅̅̅
𝐻𝐶 = (Ponto médio do segmento HC).
2
𝑥
̅̅̅̅ = (Ponto médio do segmento HC).
𝑄𝐶
2
159
A seguir, resposta correta para esse mesmo questionamento, assim como a justificativa
matemática que mostra entendimento da construção geométrica e retomada dos passos
anteriores do percurso investigativo.
68
Transcrição de resposta de aluno: Pois como Q é ponto médio do segmento HC e base DC = x e a área do
retângulo ZDCH = 2x, temos que HC = 2. Logo, como o ponto médio divide o segmento em 2, HC e QC são iguais
a 1.
160
a história poderá ser abordada nesses níveis [elementar e universitário] desde que os
professores de cada nível sejam adequadamente preparados para usar a hm imbricada
na matemática ensinada. Para que isso ocorra é necessário que os professores
universitários adquiram uma postura construtiva de uso da história da matemática na
sala de aula. A partir daí será possível educar seus alunos no sentido de utilizar essa
prática no ensino fundamental ou médio. (p. 87)
Esse encaminhamento da mestranda fez também com que a discussão final sobre as
atividades surgisse naturalmente, já que aqueles que tinham dificuldades, ao serem orientados
por grupos que já haviam terminado as atividades, mais rapidamente conseguiam investigar e
chegar aos resultados, e discutiam essas investigações/resultados com seus colegas
161
orientadores. Esses, por sua vez, mostravam interesse nas descobertas as quais eles haviam feito
de outra forma, e expunham as suas formas de pensamento também. Dessa forma foi feita a
socialização e debate de conjecturas feitas, inicialmente, em grupos menores que foram se
tornando cada vez maiores, até se tornarem uma discussão entre toda a turma.
Figura 111 – Resposta de alunos para a questão intitulada: Considerando atualmente que uma
equação quadrática, quando há solução, possui duas raízes ou valores para a incógnita, você
considera que esta equação está resolvida? Justifique. Que argumentos poderia se embasar
para justificar a solução de Ibn Turk tendo em vista sua época?69
Tal resposta foi considerada na pesquisa como assertiva, pois não enxerga o passado
com os olhos do presente, nem o presente com os olhos do passado. É feita, na verdade, uma
releitura do método utilizado por Ibn Turk, assim como a associação do mesmo com a
69
Transcrição de resposta de alunos: Considerando isso, podemos dizer que a equação foi parcialmente resolvida,
tendo em vista que ele encontrou apenas uma das raízes. Mas, [sic] isso era válido na época porque, por construção,
ele obtinha um quadrado que não pode ter área negativa.
163
matemática atual. Portanto, pode-se inferir que o conhecimento da história proporciona uma
visão dinâmica da evolução da matemática. Para Mendes, Fossa e Valdés (2006), é fundamental
compreendermos que a elaboração da matemática sempre esteve ligada a um momento
histórico-cultural e às necessidades sociocognitivas e culturais que impulsionam essa produção.
Essa ligação entre passado e presente na matemática foi consolidada na seção
Ampliando os Horizontes, que trazia três questões, sendo duas relacionadas à integração entre
geometria e álgebra e outra à formação docente, como apresentado a seguir.
1) A partir da resolução geométrica feita para a equação produzida a partir do problema,
generalize, em linguagem simbólica, o procedimento de resolução de quaisquer equações desse
tipo (utilizando raciocínio geométrico).
2) Discuta com seus colegas o que vocês pensam sobre a resolução geométrica desse
caso de equação quadrática por ‘Abd al-Hamid Ibn Turk, comparando-a com a resolução
algébrica desse tipo de equação.
3) Seria possível introduzir a resolução geométrica desse caso de equação quadrática na
Educação Básica? Se sim, cite uma possibilidade de realização dessa atividade.
As respostas para esses questionamentos foram pouco diversificadas e refletem o
aprendizado geral dos licenciandos ao longo das etapas do processo de investigação,
especialmente no que diz respeito à capacidade de generalização, proporcionada pela
construção e análise de figuras geométricas.
Nas explicações dos estudantes é possível perceber que a riqueza de explorações que as
investigações proporcionaram foi um facilitador para o estabelecimento de conexões entre
temas matemáticos, no caso, entre o método de resolução geométrico e o algébrico (por meio
da fórmula), como objetivado nessa atividade. Assim, a partir do resgate do processo histórico
utilizado para resolver equações quadráticas no século IX foi fornecida a base para que os
estudantes ampliassem o significado da fórmula do discriminante e Bhaskara por meio da
conexão geometria-álgebra. Nessa perspectiva, cremos que o conhecimento histórico contribui
para que os estudantes reflitam sobre a formalização de leis matemáticas a partir de certas
propriedades e certos artifícios usados hoje e que foram construídos em períodos anteriores ao
que vivemos. (Mendes, Fossa e Valdés, 2006, p. 103)
Outro indício da compreensão dos alunos quanto a esse procedimento para resolver
equações polinomiais de segundo grau se refere à execução/explicação precipitada (e correta)
do que é proposto na seção Registrando Entendimentos, ou seja, o tratamento geométrico da
questão da herança (Problema 2), que se enquadra no caso 𝑥 2 = 𝑏𝑥 + 𝑐. Destaca-se que cerca
de 73% dos alunos que realizaram a atividade nessa aula conseguiram aplicar o raciocínio
geométrico para o Problema 2.
165
desenvolvidos durante o percurso investigativo, especialmente no que diz respeito aos erros
cometidos, tão fortemente trabalhados em sala de aula. Essa observação remete ao que é posto
por Ponte, Brocardo e Oliveira (2009, p. 116):
Figura 114 – Comparação entre resolução pela fórmula e resolução geométrica de equações
quadráticas, estabelecida por grupo em relatório
30
25
20
15
10
5
0
Linguagem acessível Linguagem de difícil
compreensão
30
25
20
15
10
5
0
Muito úteis Pouco úteis Não respondeu a
questão
Destaca-se que, dos alunos que consideraram a seção Texto e Contexto muito útil na
compreensão das atividades propostas, vinte e cinco justificaram a resposta explicando o apoio
prestado pelos textos, no sentido de contextualizar a atividade e trazer informações importantes
para realização delas. A seguir, respostas de estudantes.
70
Transcrição de resposta de alunos:
A história por trás de um certo problema ajuda na compreensão do mesmo.
Contextualizar nos dá a visão dos indivíduos da época, bem como seus recursos e capacidades.
169
20
15
10
0
Tempo suficiente Tempo insuficiente
Dos licenciandos que consideraram o tempo insuficiente para realização das atividades,
um ponderou que era melhor diminuir a quantidade dessas, ao invés de aumentar o número de
aulas. Três alunos, embora considerassem o tempo inadequado, não citaram qual tempo seria
apropriado, utilizando o espaço destinado à essa resposta para se queixarem apenas da quebra
das atividades durante as aulas, o que, segundo eles, prejudicaria o raciocínio. Oito alunos
recomendaram entre uma e duas aulas a mais para realização das tarefas, enquanto outros dois
sugeriram de quatro a cinco aulas a mais. Tais colocações foram levadas em consideração para
refinamento do produto educacional.
A questão cinco perguntava qual atividade os estudantes mais gostaram, pedindo
também uma justificativa quanto à essa escolha. A princípio é importante enfatizar que todos
os trinta e dois alunos citaram atividades realizadas com auxílio do Geogebra, ou seja, as
Atividades II e III. Eles utilizaram como fundamento a interatividade, o prazer e a facilidade na
utilização desse recurso durante as aulas. De fato, a utilização da tecnologia permitiu que os
estudantes explorassem as atividades de diversas maneiras, de forma simples e rápida. Ponte
(1995) aponta, nesse sentido, que a tecnologia permite que o aluno tenha experiências
matemáticas intensas e significativas, favorecendo o desenvolvimento de atitudes positivas em
relação à matemática e uma visão muito mais completa de sua natureza.
Ainda tratando desse questionamento, quatorze licenciandos não especificaram
nenhuma atividade, colocando apenas a resposta citada anteriormente. Quanto aos outros
dezoito estudantes, dispomos suas respostas no Gráfico 7 abaixo.
170
6
5
4
3
2
1
0
Atividade Atividade I Atividade II Atividade III
Introdutória
25
20
15
10
0
Atividade II Atividade III Nenhuma atividade
Como observado, maiores dificuldades foram apontadas na Atividade II. Isso ocorreu
por diversos motivos, como já posto anteriormente. A não familiarização com a linguagem da
álgebra retórica e com o processo investigatório, além do enfrentamento de um problema sem
solução fizeram com que essa atividade requeresse maior esforço por parte dos estudantes. Eles
citaram tais pontos na justificativa para essa questão. Mas, como vimos na questão 5, boa parte
dos licenciandos declararam ter gostado mais dessa atividade, pois ela representou um desafio
que estimulou o raciocínio e demandou habilidades com as quais eles não estavam
acostumados.
Quanto aos estudantes que mencionaram a Atividade III como a que trouxe mais
empecilhos, eles relataram a dificuldade para encontrar uma equação quadrática que
solucionasse o problema 4 e os obstáculos de interpretar uma construção já elaborada, ao invés
de uma construção feita por eles.
Os questionamentos 7, 8, 9 e 10 diziam respeito à opinião dos estudantes sobre o
aprendizado de álgebra geométrica a partir da HM, assim como da matemática em geral. 29
estudantes afirmaram que tal perspectiva contribuiu muito para o aprendizado, enquanto cinco
pessoas explanaram que a mesma contribuiu pouco. Desses cinco, apenas uma pessoa
justificou, expondo que, para ela, havia uma dissociação entre o contexto histórico e as
atividades. Tal pensamento, para Ponte, Brocardo e Oliveira (2009), é natural, visto que os
estudantes não estão familiarizados com esse tipo de abordagem em sala de aula, e por isso, é
importante um trabalho contínuo com atividades desse tipo para que essa visão dicotômica
história-matemática possa ser reconstruída.
Dos trinta e dois estudantes que responderam ao questionário final, seis declararam
gostar parcialmente da presença da HM nas aulas, alegando que essa tendência tornava as aulas
mais cansativas/extensas ou que achavam desinteressante tal perspectiva, preferindo uma
abordagem da matemática pura. Uma pessoa não respondeu essa questão, e os outros vinte e
oito licenciandos responderam afirmativamente à essa pergunta, se apoiando em diversos
argumentos.
Doze desses estudantes destacaram os seguintes pontos positivos para gostarem da HM
no ensino de matemática: o entendimento da evolução da matemática, a reflexão sobre
construções históricas da álgebra geométrica e conhecimento da origem do conteúdo. Oito
enfatizaram a motivação que traz o estudo histórico para as aulas de matemática, pela
interatividade e variação da aula tradicional, quatro explanaram que a HM traz significado aos
172
Figura 116 – Razões, segundo licenciandos, para a apreciação da presença da HM nas aulas
de matemática71
Ainda com relação à HM nas aulas de matemática, todos os licenciandos disseram que
indicariam para alguém estudar a matemática via HM, sendo que trinta e dois justificaram
71
Transcrição de respostas dos alunos:
Foi interessante descobrir os caminhos que utilizavam a matemática no passado e sua evolução até os dias de hoje.
Pois possibilitou ver algo que eu já sabia de uma forma diferente.
Ajuda a responder questões como: “Para que devemos estudar matemática?”.
173
mencionando que ela é interessante, vinte e seis, que tal tendência auxilia a aprendizagem e
vinte e dois a trazendo como uma perspectiva atrativa para o estudo.
As questões 11, 12, 13 e 14 trataram das tecnologias, mais especificamente do software
Geogebra e sua utilização nas aulas de matemática. Trinta alunos consideraram que tal tecnlogia
contribuiu muito para o aprendizado, enquanto dois alunos ponderam que o software colaborou
pouco nesse processo. No entanto, tais licenciandos não justificaram o porquê dessa avaliação.
Todos os estudantes declararam gostar de realizar atividades envolvendo o Geogebra,
se apoiando em diferentes justificativas para tal. Dezenove alunos citaram a construção como
um material concreto/manipulável, em que se podia experimentar, testar hipóteses e fazer
verificações, como exposto na figura 117.
Figura 117 – Relação estabelecida, por estudante, do software Geogebra com atividades de
investigação72
72
Transcrição de resposta de aluno: é muito dinâmico, eu consigo fazer alterações no desenho mesmo depois de
ter terminado, isso possibilita a verificação de várias hipóteses.
174
Figura 118 – Vantagens destacadas por estudante, com relação às atividades feitas com
auxílio do Geogebra73
73
Transcrição de resposta de aluno: O Geogebra auxilia bastante nosso aprendizado, por nos permitir comparar
vários exemplos rapidamente e nos ajudar a ter uma visualização concreta daquilo que estamos estudando.
175
Seis alunos citaram a motivação que esse tipo de atividade causou, visto que aguçou a
curiosidade, foi dinâmica e permitiu que eles participassem ativamente no processo de
aprendizagem. Cinco pessoas enfatizaram no prazer da descoberta, momento propiciado pela
busca de respostas que não são dadas prontas, mas sim tem de ser encontradas pelos alunos. A
Figura 119 mostra respostas dos alunos ligadas aos aspectos mencionados acima.
Devemos destacar que os pontos positivos expostos pelos universitários são citados por
Ponte, Brocardo e Oliveira (2009), por exemplo, em argumentos que são destacados no capítulo
2 desse trabalho. Enfatizamos ainda que Mendes (2001, p. 12), nessa mesma linha de raciocínio,
considera que as atividades de redescoberta por meio da IM e HM
Por fim, cabe ressaltar que todos os licenciandos recomendariam o estudo de matemática
por meio de investigações matemáticas, sendo que 29 estudantes pontuam que tal proposta
74
Transcrição de resposta de alunos:
Tal atividade nos leva a pensar, e isso difere da atitude de apenas buscar respostas.
Torna-se cativante quanto estamos descobrindo as coisas mediante a uma investigação.
Porque assumimos um papel de mini cientistas e podemos criar e testar nossas conjecturas.
Mostra aos alunos que não apenas gênios são capazes de fazer descobertas matemáticas.
176
Figura 120 – Opinião dos estudantes em relação à articulação entre HM e TDIC nas
atividades propostas75
75
Transcrição de resposta de alunos
O software auxilia ao contribuir com ferramentas diversas que podem ser difíceis de conseguir fisicamente, em
relação a geometria. Além disso, traz recursos que permitem que o aluno visualize de forma melhor um certo
evento.
Considero adequada, pois facilita a visualização de resultados e otimiza o tempo.
177
desfavorável a esse uso) pode ser facilmente contornado por meio da associação das TDIC com
a HM, como proposto nesse trabalho. Quanto ao pensamento defendido por alguns, de que o
raciocínio matemático passaria a ser realizado pelo computador e o aluno se tornaria um mero
repetidor de tarefas, esse argumento é rescindido quando se trabalha em uma perspectiva de
IM, por exemplo, como podemos constatar, considerando o que foi posto até aqui.
Outros oito licenciandos apontaram esse tipo de abordagem ser positiva por fazer com
que os alunos participem ativamente das aulas, causando curiosidade e interesse no educando.
Cinco universitários trataram como tópico principal em suas respostas a importância de aliar
passado (episódios da História da Matemática) e o presente (tecnologia) nas aulas de
matemática, visto que ambos são necessários para formação integral dos estudantes. Por fim,
três discentes ressaltam que embora as tendências HM e TDIC associadas tragam vários
benefícios para o ensino-aprendizagem, tornam também as aulas mais cansativas. Essa fadiga
mencionada pelos alunos pode ter diferentes explicações, como a não familiarização com esse
tipo de atividades, que exige participação ativa dos estudantes, o tempo de aula proposto para
tal experiência, o aprendizado de muitos conhecimentos de um contexto não familiar
(problemas históricos do século IX), ou ainda o excesso de atividades do produto educacional.
Tais considerações por parte dos licenciandos levaram ao refinamento do caderno de atividades
aqui apresentado.
O questionamento 19 perguntava se a tecnologia ajudou na realização das investigações
históricas, sendo que os trinta e dois estudantes declararam que sim. A pergunta 20, por sua
vez, intimamente ligada à questão 19, discutia sobre a articulação entre a HM, as TDIC e a IM
e sua contribuição para a aprendizagem de álgebra geométrica, eixo central desse trabalho. O
Gráfico 9 traz a opinião dos discentes sobre essa perspectiva.
30
25
20
15
10
5
0
Contribuiu muito Contribuiu pouco
178
76
Transcrição de respostas dos alunos
Porque foi possível refletir criticamente sobre métodos utilizados por civilizações passadas, compreendendo-os à
luz de seu tempo.
Porque nos mostra que a matemática não está só e pode ser trabalhada em conjunto com outras áreas do
conhecimento.
179
Outro indicativo de que o caderno de atividades contribuiu para a formação docente dos
estudantes, um de nossos objetivos específicos (descritos no capítulo 1), foi a realização de uma
aula simulada, uma das atividades avaliativas da disciplina de Didática da Matemática I, com
temas relacionados à História da Matemática e Investigação Matemática. Os discentes
relataram ter inspiração na aplicação do produto educacional realizado em aulas anteriores, e
um dos grupos escolheu como tema a álgebra geométrica dos gregos, utilizando-a em uma
perspectiva que aliava HM e IM para o estudo de operações com polinômios. Momentos dessa
aula simulada são expostos na Figura 123.
77
Transcrição de respostas dos alunos
Refletir sobre como inserir as tendências em sala de aula, bem como trabalhar a interdisciplinaridade.
No sentido de trazer aplicabilidade da história à matemática, o que é ausente em boa parte da literatura.
180
Figura 123 – Aula simulada, utilizando HM e IM, para o estudo de operações com polinômios
78
Transcrição de resposta de alunos:
Uma nova perspectiva sob a conexão entre a álgebra e a geometria que eu não tinha concebido na resolução de
equações do 2º grau.
Contribuiu para abrir a visão para outras formas de elaborar e resolver problemas envolvendo a álgebra e a
geometria.
181
Como podemos ver, nosso produto educacional contribuiu de diversas formas para a
formação dos licenciandos, validando nossa proposta de um caderno de atividades que almeja
a investigação de problemas históricos vinculados ao seu contexto com apoio das TDIC no
âmbito da solução geométrica de equações quadráticas, em uma perspectiva de IM.
Por fim, a questão 25 solicitava que os participantes da pesquisa mencionassem
alterações e/ou adaptações que fariam no caderno de atividades, e indica a possibilidade de usar
tal caderno na Educação Básica (e quais modificações deveriam ser feitas para isso). Seis alunos
deixaram essa pergunta em branco, e todos os outros vinte e seis licenciandos afirmaram que
aplicariam o produto educacional no Ensino Fundamental Anos Finais e/ou Ensino Médio,
destacando as adaptações mencionadas no Gráfico 10.
Gráfico 10 – Adaptações apontadas pelos licenciandos para o caderno de atividades, caso esse
fosse aplicado na Educação Básica
12
10
0
Diminuir as Não faria Simplificar a Realização de Acrescentar
atividades alterações linguagem um momento de mais problemas
familiarização do cotidiano
com o
Geogebra, antes
das atividades
do preenchimento do questionário final. Diante do que foi até aqui posto, faremos, no próximo
capítulo dessa dissertação, nossas considerações finais.
183
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ressaltamos, inicialmente, nossa busca por episódios históricos que pudessem ser
tratados nesse trabalho, contemplando nossos objetivos de aliar as tendências da educação
matemática anteriormente mencionadas. Ao escolhermos a álgebra geométrica de Abd Al-
Hamid Ibn Turk como fonte para elaboração de problemas, estudamos o contexto da civilização
islâmica medieval, nos aprofundamos nos casos de equação quadrática com as quais Ibn Turk
lidou, e pensamos como utilizar tais informações históricas para geração de conhecimentos.
Nesse âmbito, destacamos a adaptação didática das informações históricas, necessária
para ressaltar aspectos/elementos que, de fato, contribuíssem para a aprendizagem dos
estudantes. Mendes, Fossa e Valdés (2006) colocam que desenvolver atividades envolvendo a
investigação histórica pressupõe um estudo sobre o desenvolvimento histórico-epistemológico
de um tópico da matemática, seguido de uma transposição adaptativa para as condições
didáticas de uso em sala de aula. Esse conhecimento, produzido na escola, será redescoberto
pelos alunos a partir de referências do passado e será ressignificado de acordo com a
contextualização sociocultural que reveste essas informações históricas, a exemplo do que
ocorreu neste trabalho quando os licenciandos fizeram a associação/comparação acerca da
maneira de resolver equações quadráticas com o contexto histórico da época medieval e o
contexto atual, fazendo uma reflexão acerca de nossos estudos. Essa reconstrução passa, então,
a significar um (re)conhecimento da História da Matemática como produto social, cultural e
científico da humanidade. De fato, nesta pesquisa isso pode ser notado ao longo do
desenvolvimento das atividades, e mais fortemente, nas colocações dos estudantes no
questionário final, em que eles estabelecem relações entre a evolução da matemática e o
contexto histórico das sociedades.
Posto isso deve ser enfatizado ainda nossa escolha por utilizar a história de forma que
essa se constituísse como princípio orientador na criação de atividades para o ensino de
matemática, conforme apresentado por Miguel e Miorim (2011). Deste modo, nesta pesquisa
dissertativa, a História da Matemática serviu ainda, de acordo com esses autores, como fonte
de seleção de métodos e objetivos adequados para o ensino-aprendizagem de matemática, tal
qual fonte de busca de compreensão e de significados para o ensino-aprendizagem da
matemática escolar e fonte que possibilita um trabalho pedagógico no sentido de tomada de
consciência da unidade da matemática, como pôde ser observado ao longo das atividades e
também dos questionários inicial e final preenchidos pelos participantes da pesquisa.
184
por parte dos participantes da pesquisa para a investigação, no entanto sem prejudicar as
(re)descobertas dos alunos: pelo contrário, a otimização do tempo na realização das construções
geométricas permitiu que mais tempo fosse utilizado para as reflexões e conclusões, como posto
por Fauvel e Maanen (2002). Na verdade, o tempo foi usado não para reproduzir procedimentos
já apreendidos pelos licenciandos, mas para inferir sobre diferentes possibilidades de casos
similares a serem investigados.
A Atividade III, por sua vez, trouxe uma perspectiva diferente da investigação
matemática: ao invés de construir e interpretar a construção geométrica, cujo processo já havia
sido feito pelos estudantes em casos anteriores, os licenciandos deveriam analisar uma
construção geométrica já elaborada. Novamente se destacam as funções do software escolhido
por nós, que propiciou a realização dessa atividade por meio de ferramentas como o Protocolo
de Construção, em que cada etapa de uma construção pode ser visualizada e reproduzida como
num vídeo, podendo ainda, fazer pausas e retornos aos passos não compreendidos.
Possivelmente essa atividade ficaria inviável, caso não dispuséssemos desse tipo de recurso.
Os discentes, nessa atividade, (re)descobriram ser possível encontrar a raiz positiva de
uma equação quadrática geometricamente conforme Ibn Turk, resolução considerada
impossível por muitos, considerando a Atividade II. Já habituados com a abordagem em sala
de aula, de forma quase autônoma os licenciandos conseguiram resolver os questionamentos
propostos nessa atividade, trazendo colocações mais rigorosas do ponto de vista matemático,
quando comparados com as atividades anteriores.
Mendes, Fossa e Valdés (2006) defendem a realização dessas atividades como forma de
proporcionar ao discente o prazer de exercitar a formalização matemática com bastante
significado. Tal formalização, como vimos no capítulo 4, acontece ao aliarmos as experiências
manipulativas (desenvolvidas a partir da interação aluno-sofware num coletivo pensante,
conforme Borba (2002) e os desafios e problemas resgatados da história ao poder de
generalização que os exercícios formais podem ter.
Isso confirma nossa análise de que, com o desenvolvimento das atividades anteriores,
os alunos tornaram-se ativamente engajados com a matemática, potencializaram uma
apreciação de métodos matemáticos, incluindo abstração e demonstração, e ainda formaram um
senso de autoestima e confiança nos seus próprios poderes de observação e pensamento. Assim,
ponderamos que o enriquecimento da bagagem intelectual dos licenciandos ocorreu durante a
realização das nossas atividades.
187
Considerando o que foi posto, a questão-foco proposta ao início dessa pesquisa De que
maneira seria possível aliar HM e TDIC via IM para o estudo e/ou ensino de álgebra
geométrica na licenciatura em matemática? foi respondida ao longo dessa dissertação,
mostrando que a retomada didática do capítulo Necessidades Lógicas em Equações Mistas da
obra intitulada Kitâb Al Jabr Wa’l Muqâbala, elaborado pelo estudioso islâmico Ibn Turk,
configurada na forma de um caderno de atividades que propõe a realização de investigações
históricas feitas com o apoio do software Geogebra, contribuiu para o aprendizado dos
licenciandos.
Conforme mencionado antes, o produto educacional foi elaborado sob a ótica de uma
integração de dois métodos para resolução de equações quadráticas: o algébrico e o geométrico,
a partir do estudo de problemas históricos e/ou inspirados na HM. Acreditamos que essa
abordagem, sob a perspectiva de elementos da historiografia atualizada (ROQUE, 2012),
permitiu aos estudantes relacionar-se com diferentes formas de lidar com problemas que
envolvem o conteúdo proposto. Destaca-se ainda que a riqueza de explorações que as
investigações proporcionaram facilitou o estabelecimento de conexões entre temas matemáticos
e extramatemáticos, desenvolveu o pensamento crítico, o raciocínio lógico, a argumentação e
promoveu vários dos argumentos positivos apresentados por Miguel e Miorim (2008) no que
concerne ao uso pedagógico da HM.
Nesse contexto, enfatiza-se ainda a função da mestranda enquanto apoiadora dos alunos,
muito importante para o bom andamento das atividades, porém incomum para os alunos, visto
que esses estão habituados ao professor apenas como pessoa que valida os seus conhecimentos.
Assim, se fez presente nas atividades uma postura que:
procura atingir um equilíbrio entre dois polos. Por um lado, dar-lhes [aos discentes] a
autonomia que é necessária para não comprometer a sua autoria da investigação e, por
outro lado, garantir que o trabalho dos alunos vá fluindo e seja significativo do ponto
de vista da disciplina de matemática. Com esse duplo objetivo em vista, o professor
deve procurar interagir com os alunos tendo em conta as necessidades particulares de
cada um e sem perder de vista os aspectos mais gerais da gestão da situação didática.
(PONTE; BROCARDO E OLIVEIRA, 2009, p. 47)
Dentro do nosso trabalho, a resolução geométrica foi adotada como uma proposta que
nos permite, por um lado, passar da construção de uma solução particular à solução geral, e por
outro, articular as estratégias de resolução algébrica e geométrica da equação quadrática, por
meio da investigação com apoio do software Geogebra. Esse fato, que esteve presente ao longo
das atividades, e confirmado no questionário final aplicado para os estudantes, comprova o que
é exposto por Ponte, Brocardo e Oliveira (2009, p. 23):
188
A articulação entre as tendências HM e TDIC via IM gerou ainda condições para que os
licenciandos refletissem sobre a já citada articulação, aumentando as chances de utilização da
HM, TDIC e IM em futuras práticas, visto que eles experimentaram, como alunos, uma proposta
para utilização de tais vertentes na sua própria práxis. Ressaltamos que esse era um dos nossos
objetivos específicos, apresentados no primeiro capítulo desse trabalho.
Para concluir, reforçamos, fundamentado em nossos estudos, as valorosas contribuições
que a abordagem da álgebra geométrica em uma perspectiva orientada pela História da
Matemática aliada às TDIC via HM pode trazer para a formação inicial do professor de
matemática. Além disso, ressaltamos a nossa satisfação mediante os resultados dessa pesquisa,
que objetivou realizar um estudo histórico bibliográfico sobre álgebra geométrica a partir do
trabalho de Ibn Turk e, com base nesse estudo, propor um caderno de atividades pautado no
uso da HM articulado a TDIC por meio da IM para os cursos de licenciatura em matemática.
Para pesquisas futuras, há o interesse da mestranda de divulgar os resultados dessa pesquisa em
eventos nacionais e internacionais na linha de educação matemática. Apontamos ainda, como
desdobramento desse trabalho, o estudo dos casos de equação quadrática estudados por Ibn
Turk aos quais não concluímos a análise, assim como a elaboração de um outro material
didático em que sejam abordados esses casos, com base, por exemplo, na Teoria da Objetivação
(TO) de Radford (2014) para o ingresso, permanência e conclusão de curso de doutoramento.
189
REFERÊNCIAS
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. K. Qualitative Research for Education. Boston, All and Bacon,
1982.
DOAK, R. S. Empire of the Islamic world. Rev. ed. p. cm. (Great empires of the past).
1963.
EREN BOOKS. Logical Necessities in Mixed Equations by ‘Abd al Hamid Ibn Turk and
the Algebra of His Time. 2005. Disponível em:
<https://www.eren.com.tr/kitap/abdulhamid-Ibn-turkun-katisik-denklemlerde-mantiki-
zaruretler-adli-yazisi-ve-zamanin-cebri-logical-necessities-in-mixed-equations-by-abd-al-
hamid-Ibn-turk-and-the-algebra-of-his-time-p13223639.html> Acesso em 20 jun. 2019.
FAUVEL, J.; MAANEN, J. V. (Org.). History in Mathematics Education: the ICMI study.
Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2000.
KATZ, V. J. (Editor). The mathematics of Egypt, Mesopotamia, China, India, and Islam:
a sourcebook. 2007.
KATZ, V. J.; PARSHALL, K. H. Taming the unknown: history of algebra from antiquity
to the early twentieth century. 2014.
MIGUEL, A. Três estudos sobre história e Educação Matemática. 1993. 361f. Tese
(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de Campinas, Campinas,
1993.
MONTEIRO, P. The Nautical archaeology of the Azores: De que falamos quando falamos
de astrolábios? Nautical Archaeology Program, Texas A&M University, 2003.
O'CONNOR, J. J.; ROBERTSON, E. F. Abu Abd Allah Muhammad Ibn Isa Al-Mahani.
MacTutor History of Mathematics archive. 1994. Disponível em: <http://www-
history.mcs.st-andrews.ac.uk/Biographies/Al-Mahani.html>
Acesso em: 29 mai. 2019.
O'CONNOR, J. J.; ROBERTSON, E. F. Abu Kamil Shuja Ibn Aslam Ibn Muhammad Ibn
Shuja. MacTutor History of Mathematics archive. 1994. Disponível em: <http://www-
history.mcs.st-andrews.ac.uk/Biographies/Abu_Kamil.html>. Acesso em: 29 mai. 2019.
ROQUE, T. História da Matemática: uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas. Rio de
Janeiro: Zahar, 2012.
192
SAYILI, A. Logical Necessities in Mixed Equations by ‘Abd al Hamid Ibn Turk and the
Algebra of His Time. Ankara, 1962. Disponível em:
<http://www.muslimheritage.com/article/logical-necessities-mixed-equations-abd-al-
ham%C3%AEd-Ibn-turk-and-algebra-his-time/> Acesso em 29 mai. 2019.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
P R O G R A M A D E P Ó S –G R AD U AÇ Ã O E M EN S I N O D E
C I ÊN C I A S N AT UR AI S E M A T E MÁ T I CA
Eu,_____________________________________________________________, aluno
regular do Curso de Licenciatura Plena em Matemática da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN), matrícula n° __________________, autorizo a pesquisadora Jéssica
Targino Muniz, aluna do curso de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e
Matemática na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), cuja matrícula é
20181022169, a fazer uso das imagens, fotos, gravações e vídeos feitos durante a disciplina
Didática da Matemática I, bem como da execução de atividades e demais registros escritos e
virtuais coletados pela pesquisadora ao longo da aplicação de seu Produto Educacional de
mestrado.
Assinatura:
_______________________________________________________________
Data
_____/_____/____
195
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS XATAS E DA TERRA
P R O G R A M A D E P Ó S –G R AD U AÇ Ã O E M EN S I N O D E
C I ÊN C I A S N AT UR AI S E M A T E MÁ T I CA
Questionário Inicial
O questionário a seguir é um recurso metodológico para obtenção de dados acerca
dos participantes da pesquisa sobre a História da Matemática associada às
Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação via Investigação Matemática
para o ensino de álgebra geométrica. Ressalta-se que esse trabalho é desenvolvido
no Mestrado Profissional do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências
Naturais e Matemática (PPGECNM) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN) pela mestranda Jéssica Targino Muniz. O objetivo desse instrumento é
delinear o perfil e conhecimentos prévios dos estudantes, adquirindo assim
informações importantes para a pesquisa.
Não é necessária a identificação. Obrigada pela participação!
1. Sexo ( ) Masculino ( ) Feminino
2. Idade ______________
3. Em que tipo de escola cursou a Educação Básica?
( ) A maior parte em escola particular ( ) A maior parte em escola pública
( ) Sempre em escola privada ( ) Sempre em escola pública
( ) Ensino Médio Técnico ( ) E.J.A.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________
8. A História da Matemática já foi utilizada em alguma aula (Ed. Básica e/ou Ensino
Superior) que você participou?
( ) Sim ( ) Não
9. Caso já tenha sido utilizada, descreva brevemente como foi e sua opinião sobre
essa utilização.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________
10. Caso não tenha sido utilizada, como você acha que seria?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________
11. Quanto as Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDIC), você já
participou de aulas com esse tipo de recursos?
( ) Sim ( ) Não
12. Caso já tenham sido utilizados, quais ferramentas foram empregadas?
( ) Datashow
( ) Pesquisa na Internet
( ) Softwares
Outros:
______________________________________________________________
13. Caso as TDIC já tenham sido utilizadas, qual sua opinião sobre essa utilização?
( ) Importante ( ) Pouco importante
( ) Dispensável ( ) Desnecessária
14. Caso não tenha sido utilizada, como você acha que seria?
___________________________________________________________________
___________
15. Durante sua vida escolar, você já desenvolveu alguma atividade de investigação?
( ) Sim ( ) Não
198
16. Sobre atividades de investigação (se você já realizou), qual sua opinião sobre
elas?
( ) Importante ( ) Pouco importante
( ) Dispensável ( ) Desnecessária
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
P R O G R A M A D E P Ó S –G R AD U AÇ Ã O E M EN S I N O D E
C I ÊN C I A S N AT UR AI S E M A T E MÁ T I CA
Questionário Final
O questionário a seguir é um recurso metodológico que objetiva contribuir com a
pesquisa sobre História da Matemática associada às Tecnologias Digitais da
Informação e Comunicação via Investigação Matemática para o ensino de
álgebra geométrica. Ressalta-se que esse trabalho é desenvolvido no Mestrado
Profissional do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e
Matemática (PPGECNM) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
pela mestranda Jéssica Targino Muniz. O objetivo dessa ferramenta é extrair
informações acerca da aplicação/viabilidade do caderno de atividades pautado na
utilização da História da Matemática e das Tecnologias Digitais da Informação e
Comunicação para o ensino de álgebra geométrica, via Investigação Matemática.
Não é necessária a identificação. Agradecemos desde já pela sua participação!
1. Quanto à linguagem do caderno de atividades, o que você considera?
( ) A linguagem está acessível
( ) A linguagem é de difícil compreensão, devido à expressões do século IX.
( ) A linguagem é de difícil compreensão, devido à muitas citações.
( ) A linguagem é de difícil compreensão, pois possui muitas palavras desconhecidas
para mim.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO...............................................................................................3
ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O PROFESSOR..............................................4
OBJETIVOS DO CADERNO DE ATIVIDADES...................................................9
ESTRUTURA DO CADERNO E DAS ATIVIDADES...........................................10
SUGESTÕES DE MATERIAIS COMPLEMENTARES.......................................11
EXPECTATIVAS DE RESPOSTA......................................................................12
SUGESTÃO DE CRONOGRAMA PARA APLICAÇÃO DAS ATIVIDADES.......25
Atividade Introdutória (À guisa de introdução)....................................................26
Questionamentos iniciais...................................................................................32
Atividade I – Refletindo sobre a álgebra geométrica..........................................33
Atividade II – Lidando com um desafio...............................................................37
Atividade III – A questão do comércio................................................................48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................53
208
APRESENTAÇÃO
Este produto educacional tem como origem uma pesquisa desenvolvida no
Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Naturais e Matemática, oferecido pelo
Programa de Pós–Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática
(PPGECNM), vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Tal
pesquisa respalda-se na integração entre a História da Matemática (HM) e as
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) por meio da Investigação
Matemática (IM) para o ensino de álgebra geométrica no Ensino Superior,
notadamente a licenciatura em matemática.
Desse modo, foi realizado um estudo histórico bibliográfico sobre álgebra
geométrica e, com base nesse estudo, proposto esse caderno de atividades pautado
na articulação supracitada. O tema histórico escolhido foi a resolução de equações
quadráticas pelo método proposto pelo estudioso islâmico Abd Al-Hamid Ibn
Turk (século IX). A ferramenta tecnológica adotada é o software Geogebra, e a
Investigação Matemática, por sua vez, é norteadora na construção e execução das
atividades, no sentido de propiciar a averiguação de situações históricas propostas.
O objetivo desse caderno de atividades é de oportunizar aos licenciandos em
matemática uma percepção diferente do conteúdo de equação quadrática, a partir da
utilização da HM e das TDIC via IM como apoio para o aprendizado. É importante
destacar que a partir desse contexto, amplia-se também a formação docente com
relação à HM, TDIC e IM como propostas didáticas.
Esse caderno de atividades está estruturado da seguinte forma:
Apresentação;
Orientações gerais para o professor;
Atividades;
Referências Bibliográficas.
A apresentação almeja mostrar uma visão geral sobre o produto educacional,
sua origem, suas finalidades e sua estrutura. As orientações gerais para o professor
trazem aspectos importantes relacionados à aplicação desse caderno de atividades,
tais como estrutura das atividades, sugestões de materiais complementares, de
cronograma para aplicação das atividades, tópicos primordiais acerca dos
fundamentos teórico-metodológicos das tendências de educação matemática HM,
TDIC e IM, além de expectativa de resposta das atividades.
209
Médio. Destaca-se que cada atividade desse produto educacional pode ser
aplicada individualmente ou ainda com auxílio de outros recursos didáticos, a
depender dos objetivos do professor. É indicado, inclusive, que mesmo com a
pretensão do docente de aplicar todas as atividades em determinada turma, cada
atividade seja entregada separadamente, para que uma não influa na outra.
79Um dos casos estudados por Ibn Turk recaí na condição que hoje entendemos como ∆ < 0, embora
na época dele o conceito de discriminante não fosse existente.
215
EXPECTATIVAS DE RESPOSTA
QUESTIONAMENTOS INICIAIS
igual a dez
raízes
Questionamentos
Questionamentos
Questionamentos
225
A figura construída por Ibn Turk para esse caso é a mesma figura
construída para o problema 3? Justifique.
Espera-se que o estudante perceba que não é a mesma figura,
podendo esse usar diferentes explicações para justificar sua
resposta.
Observe os passos 1 a 3 do Protocolo de Construção, qual figura
geométrica foi construída primeiro? Qual a área dessa figura,
considerando a representação simbólica da equação?
Quadrado de área 𝒙𝟐 .
A construção do segmento HZ cria duas figuras. Quais são elas?
O retângulo HZDC e o retângulo BZHA.
Sabendo que a área de HZDC é 𝟐𝒙 e considerando a representação
simbólica da equação, qual a área de BZHA?
Como 𝒙𝟐 = 𝟐𝒙 + 𝟒𝟐𝟐𝟒, a área de BZHA é de 𝟒𝟐𝟐𝟒.
Qual a medida do segmento HQ? E do segmento QC? Justifique sua
resposta. Para responder essa questão, atente para o passo 8 do
Protocolo de Construção, que mostra a construção do ponto Q.
Tal passo no Protocolo de Construção indica que o ponto Q é
ponto médio do segmento HC, e assim, divide o segmento ao
meio. Seguindo a linha dos questionamentos anteriores, temos
que:
Área do retângulo HZDC = 𝟐𝒙 𝒃. 𝑯 = 𝟐𝒙 ̅̅̅̅ ̅̅̅̅ = 𝟐𝒙
𝑫𝑪. 𝑯𝑪
̅̅̅̅ = 𝟐𝒙 𝑯𝑪 = 𝟐, logo HQ = QC = 1
𝒙. 𝑯𝑪
Observando os passos 9 ao 12 do Protocolo de Construção, você
notará que, para construção do segmento QT, foi utilizada a
ferramenta Compasso (obtendo um círculo com raio dado que
equivale a um arco de abertura fixa), a função Reta paralela (ao
segmento DC), a função Ponto de intersecção (entre o círculo e a
reta paralela ao segmento DC), e por fim, a ferramenta Segmento,
para a criação do segmento QT. O raio do círculo criado com a
ferramenta Compasso tem medida igual a quais segmentos?
O raio do círculo criado com a ferramenta Compasso tem medida
igual aos segmentos HQ e QC.
226
𝑏 2
lado, fazendo √𝑐 + (2) . Sendo tal lado igual à AQ na construção feita,
𝑏 𝑏 2
𝑥 será √𝑐 + (2) + 2, precisamente o mesmo resultado encontrado por Ibn
ATIVIDADE FINAL
Produção de um relatório em forma de carta em que o aluno explica a
resolução geométrica da questão da herança para outras pessoas. Espera-
se que o aluno escreva como docente, descrevendo e justificando
matematicamente cada passo da construção geométrica feita, e ainda
realizem a comparação entre essa forma de resolução e o procedimento
algébrico para encontrar a solução para esse mesmo problema, retomando
discussões feitas durante as aulas, especialmente no tocante à Atividade III.
230
Tempo de
Atividade Local da
duração da Páginas usadas
realizada atividade
atividade
Texto introdutório
Sala de aula ou
e
2 aulas De 24 a 30 Laboratório de
Questionamentos
Informática
Iniciais
Sala de aula ou
Atividade I 3 aulas De 31 a 34 Laboratório de
Informática
Laboratório de
Atividade II 6 aulas De 35 a 45
Informática
Laboratório de
Atividade III 4 aulas De 46 a 50
Informática
231
À guisa de introdução...
83 Instrumento grego utilizado para resolver, principalmente, problemas astronômicos como medir a
altura dos astros acima do horizonte. O astrolábio servia ainda para resolver problemas geométricos,
como calcular a altura de uma construção ou profundidade de um poço. (MONTEIRO, 2008).
236
QUESTIONAMENTOS INICIAIS
Considerando o texto 01, pesquise e responda, preferencialmente em dupla, as
perguntas a seguir.
Conhecimentos prévios:
- Reconhecer equações quadráticas e compreender um
método de resolução para essas.
TEXTO E CONTEXTO
PROBLEMA 1
Calcule um quadrado sabendo que ele, se somado com quarenta
dirhams84, é igual a 10 raízes.
Um quadrado 𝒙²
Quarenta dirhams 40
Dez raízes 10𝑥
40 dirhams
𝑥 2 + 40 = 10𝑥
Dez raízes
Um quadrado
PROBLEMA 2
Um homem morre e deixa uma herança de duzentos mil dirhams para ser
distribuída igualmente entre seus filhos e esposa. No entanto, três desses
filhos recusaram as suas partes na herança, fazendo com que os demais filhos
e a esposa tivessem adicionado ao valor que iriam receber o total de quinze
mil dirhams. Quantos filhos tem esse homem?
84
Dirham é uma unidade monetária que tem origem na palavra dracma, termo que designava a moeda
grega naquela época. Na álgebra islâmica medieval, dirham era utilizado para enunciar um número
abstrato. (CASTILLO, 2009).
241
ESTUDANDO O TEXTO
1) Pesquise sobre a origem e o significado da palavra álgebra.
2) Como aconteceu a evolução da álgebra, citada no parágrafo 3 do texto 02? Há
outras fases além da álgebra retórica?
3) Considerando nossos estudos até aqui, como você acha que a matemática grega
influenciou os estudiosos islâmicos no campo da álgebra? E os hindus? E os
babilônicos?
4) Pesquise informações sobre os termos a seguir e registre as principais
descobertas:
a) Álgebra Retórica
b) Álgebra Sincopada
c) Álgebra Simbólica
5) Considerando o contexto histórico descrito no texto 02, porque será que os
estudiosos da civilização islâmica medieval resolveram equações a partir de um
raciocínio geométrico?
CONSTRUINDO E EXPLORANDO
1) Traduza a linguagem retórica do Problema 2 do texto 02 para a linguagem
simbólica.
2) Resolva o Problema 2.
AMPLIANDO OS HORIZONTES
1) Tem possibilidade de resolver o problema proposto utilizando um raciocínio
geométrico, assim como os estudiosos islâmicos? Como você faria isso?
REGISTRANDO ENTENDIMENTOS
Para esse momento, faremos uma dinâmica para explorar nosso aprendizado
acerca da civilização islâmica medieval. Para isso, acesse o site AnswerGarden <
https://answergarden.ch/>.
Você deverá responder as perguntas dispostas nos links que a professora irá
lhe fornecer.
242
TEXTO E CONTEXTO
TEXTO 03 - O TRABALHO DE ‘ABD AL-HAMID IBN TURK
Nesse momento, será enfocado o trabalho de álgebra de um matemático da
civilização islâmica medieval já citado anteriormente, ‘Abd al-Hamid Ibn Turk. Antes
disso, conhecer um pouco de sua biografia é fundamental. Ibn Turk foi um matemático
islâmico que viveu no início do século IX. Sabe-se pouco sobre sua biografia e
acredita-se que ele era turco ou de ascendência turca. O nome ‘Abd al-Hamid Ibn Turk
significa servo do elogiado (‘Abd al-Hamid), filho de (Ibn), turco (Turk).
É importante observar que o nome desse personagem possui variações na
literatura, tais como: ‘Abd al-Hamid Ibn Turk, Abd al-Hamid Ibn Wasi Ibn al-Turk
Khutalli, Abd al-Hamid Ibn Wasi Ibn al-Turk al-Jili, Abu’l-Fadl, Abu Muhammad Ibn Turk
al-Jili.
85 Matemática pura, nesse contexto, é aquela que não possui exemplos de aplicações em situações da
vida real.
86 Quando o coeficiente 𝒂 da equação não era um, Ibn Turk fazia um procedimento que equivale à
divisão de todos os termos da equação por esse número 𝒂, de modo que seus casos de solução eram
usados quando tal coeficiente já valia um.
244
ressaltar que, como já posto, a álgebra nesse período era retórica e, portanto, todas
os procedimentos feitos eram escritos por extenso. Em seu trabalho, Ibn Turk nomeia
𝑥 2 como uma quantidade quadrada, 𝑏𝑥 como número de raízes e 𝑐 como um certo
número.
Unindo tais aspectos podemos elaborar o quadro a seguir:
245
Um problema como o seguinte, por exemplo, poderia ser resolvido por Ibn Turk,
utilizando sua álgebra geométrica.
PROBLEMA 3
Um terço de uma quantidade é multiplicada por sua quarta parte, sendo igual à
quantidade diminuída de vinte e quatro dirhams. Qual a quantidade?
ESTUDANDO O TEXTO
1) Retome o Texto 02 (Atividade I) e encontre quais outros estudiosos,
contemporâneos de Ibn Turk, trabalhavam com álgebra em uma perspectiva
geométrica.
2) Pensando na História da Matemática, quais as possíveis justificativas para que, na
historiografia, exista uma indefinição acerca da autoria do primeiro livro de álgebra?
Liste duas delas.
3) Retome o Quadro 01, do Texto 03, e complete-o.
4) Resolva o problema 3.
5) Qual caso geral de equação polinomial de 2º grau, dentre os propostos por Ibn Turk
e apresentados no Quadro 01, representa a equação elaborada por você para modelar
o problema 3 acima? Indique o número e a representação simbólica.
CONSTRUINDO E EXPLORANDO
1) Vamos resolver o problema 3 utilizando a álgebra geométrica de Ibn Turk. Assim,
no Geogebra, construa a figura geométrica que representa a solução do problema
exposto, a partir dos passos seguidos pelo matemático Ibn Turk. Para isso:
- Questionamentos
Considerando a representação simbólica da
equação do problema 3, qual a área do quadrado
ABDC?
Com a finalização das construções, uma outra figura
geométrica é formada. Qual é essa figura e qual sua
área, considerando a representação simbólica da
equação do problema 3?
Nós dividimos a linha c) Marque o ponto médio do segmento ZD. Para isso,
ZD em duas partes utilizaremos a função Ponto médio ou centro, localizado
iguais no ponto Q. O na aba Ponto e clicando respectivamente em Z e D.
ponto Q, que é o Com o botão direito do mouse, clique sobre esse
ponto médio, cairá na ponto obtido e usando a opção Renomear, o
linha ZB ou na linha renomeie para Q.
BD. Deixe o ponto Q ATENÇÃO: o ponto Q deve estar situado no segmento BD.
cair dentro da seção
BD.
- Questionamentos
Considerando a representação simbólica da
equação do problema 3, qual a medida do segmento
DZ? Porque?
Ao marcar o ponto médio do segmento DZ, dois
novos segmentos apareceram. Quais são eles e
quais suas medidas, considerando a representação
simbólica da equação do problema 3?
Nós desenhamos a d) Utilizando a ferramenta Compasso, pertencente à Aba
linha QT em ângulos Círculo dados Centro e Um de seus Pontos, abra um
retos para ZD e com o arco de medida igual ao segmento ZQ ou QD (aparecerá
mesmo comprimento
como um círculo).
de cada uma das
linhas ZQ e QD. Mova esse círculo de modo que seu centro esteja no
ponto Q. Para isso, clique no ponto Q.
Utilize a ferramenta Reta Perpendicular,
pertencente à aba Retas, para criar uma reta
perpendicular ao segmento DZ, passando pelo ponto
Q.
A partir da ferramenta intersecção de dois
objetos, crie os pontos de intersecção entre a reta
criada no passo anterior e o círculo.
249
- Questionamentos
Considerando a representação simbólica da
equação do problema 3, assim como os passos
250
AMPLIANDO OS HORIZONTES
1) Ibn Turk chegou à uma conclusão acerca do tipo de equação do caso 3, e assim
ele enuncia o caso 3c (vide Quadro 01). Ele enuncia tal conclusão como
Há a necessidade lógica de impossibilidade neste tipo de equação quando a
quantidade numérica que está com a quantidade quadrada é maior que a
metade do número de raízes multiplicada por seu igual. (TURK apud SAYILI,
1962, p. 20).
251
REGISTRANDO ENTENDIMENTOS
A partir das atividades que fizemos até aqui, nós iniciamos nossos estudos
sobre álgebra geométrica, especialmente na civilização islâmica medieval.
Conhecemos um pouco da história dessa civilização, aspectos políticos, econômicos
e sociais ao longo dos séculos VII à XV, e focamos no desenvolvimento da ciência e
matemática naquele período histórico. Sobre álgebra, nós vimos as motivações e a
forma como os estudiosos islâmicos lidavam com problemas envolvendo esse
assunto, estudando a resolução de equações quadráticas por meio do raciocínio
geométrico. Você aprendeu também sobre ‘Abd al-Hamid Ibn Turk, seu trabalho e seu
método de resolver um caso que envolve equações quadráticas. Você investigou
como ele propunha encontrar as raízes para esse caso em específico e comparou
essa forma de resolver o problema com a resolução algébrica de equação polinomial
de 2º grau.
Antes de aprofundarmos nossos estudos, é fundamental que você faça uma
análise dos nossos aprendizados: o que foi entendido, o que não ficou muito claro,
suas conclusões ao longo das atividades I e II. Para isso, você deverá produzir um
texto descrevendo esses pontos a partir do seu ponto de vista sobre o assunto.
Você pode utilizar desenhos, esquemas, enfim, representações variadas para
produzir o seu texto. Para isso, siga as orientações a seguir:
Introdução O que aprendi sobre a civilização islâmica medieval? O que não entendi
direito e preciso pesquisar mais sobre?
Desenvolvimento Sobre os problemas desenvolvidos nos textos desse bloco de
atividades (especialmente o problema apresentado na atividade II), como ‘Abd Al-
Hamid Ibn Turk os resolvia? Essa forma de resolução se relaciona ao método
algébrico de resolução?
252
Conclusão Quais minhas dúvidas sobre o que até aqui foi desenvolvido? Qual
minha opinião sobre a resolução geométrica dos problemas 01 e 03? Quais minhas
conclusões acerca dessa forma de resolução?
Seu texto poderá ter no máximo duas páginas. Busque demonstrar os pontos
que você considera mais importantes durante o que foi desenvolvido até aqui. Sua
produção deverá ser entregue na próxima aula.
253
TEXTO E CONTEXTO
PROBLEMA 4
O valor total obtido com a venda de passagens aéreas de Natal para Fortaleza
de um voo lotado da empresa Viaje+ é de R$ 8448,00 (caso todos os assentos
do avião estejam ocupados). No entanto, para esse voo, dois assentos ficaram
vagos. Para não ter prejuízo, cada passagem aérea foi vendida por R$ 4,00
reais a mais do que o preço anterior. Quantas passagens foram vendidas?
ESTUDANDO O TEXTO
1) Pesquise outras situações atuais que podem ser resolvidas por meio de equações
quadráticas. Faça o registro de duas delas.
2) Resolva o problema 4.
254
3) Em qual dos casos descritos pelo estudioso Ibn Turk se enquadra a equação
elaborada por você para resolver o problema 4? Indique o número e a representação
simbólica.
CONSTRUINDO E EXPLORANDO
1) Resolva o problema 4 com base no método de Ibn Turk, ou seja, encontre o valor
da incógnita. Para tanto, investigue a construção feita no software, por meio do arquivo
no Geogebra entregue pela professora. Explore os recursos do Geogebra para
apresentar a solução do problema (isto é, quanto vale a incógnita): utilize o Protocolo
de construção, pertencente à aba Exibir. Clique em Reproduzir. Observe
atentamente os passos feitos durante a construção.
Se necessário, você pode também clicar com o botão direito do mouse sobre a
descrição correspondente à um passo na construção (terceira coluna do Protocolo
de construção) e clicar em Exibir Objeto, para que ele apareça/fique escondido na
Janela de Visualização.
Questionamentos
A figura construída por Ibn Turk para esse caso é a mesma figura construída
para o problema 3? Justifique.
Observe os passos 1 a 3 do Protocolo de Construção, qual figura geométrica
foi construída primeiro? Qual a área dessa figura, considerando a
representação simbólica da equação?
A construção do segmento HZ cria duas figuras. Quais são elas?
Sabendo que a área de HZDC é 𝟐𝒙 e considerando a representação simbólica
da equação, qual a área de BZHA?
Qual a medida do segmento HQ? E do segmento QC? Justifique sua resposta.
Para responder essa questão, atente para o passo 8 do Protocolo de
Construção, que mostra a construção do ponto Q.
Observando os passos 9 ao 12 do Protocolo de Construção, você notará que,
para construção do segmento QT, foi utilizada a ferramenta Compasso
(obtendo um círculo com raio dado que equivale a um arco de abertura fixa), a
função Reta paralela (ao segmento DC), a função Ponto de intersecção
(entre o círculo e a reta paralela ao segmento DC), e por fim, a ferramenta
255
AMPLIANDO OS HORIZONTES
2) Discuta com seus colegas o que vocês pensam sobre a resolução geométrica desse
caso de equação quadrática por Abd al-Hamid Ibn Turk, comparando-a com a
resolução algébrica desse tipo de equação.
3) Seria possível introduzir a resolução geométrica desse caso de equação quadrática
na Educação Básica? Se sim, cite uma possibilidade de realização dessa atividade.
REGISTRANDO ENTENDIMENTOS
ATIVIDADE FINAL
Agora, você e sua dupla deverão elaborar uma carta simulando o modo como vocês
explicariam a resolução geométrica da questão da herança para uma outra dupla.
Vocês podem utilizar desenhos, esquemas, enfim, representações variadas para
produzir o texto. Para isso, sigam as orientações a seguir:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DOAK, R. S. Empire of the Islamic world. Rev. ed. p. cm. (Great empires of the
past). 1963.