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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E
MATEMÁTICA

MARLENE GORETE DE ARAÚJO

ABU JA'FAR MUHAMMAD IBN MUSA AL-KHWARIZMI: CONTRIBUIÇÕES DA


ÁLGEBRA PARA O ENSINO

NATAL – RN
2019
MARLENE GORETE DE ARAÚJO

ABU JA'FAR MUHAMMAD IBN MUSA AL-KHWARIZMI: CONTRIBUIÇÕES DA


ÁLGEBRA PARA O ENSINO

Dissertação apresentada ao curso de Pós-


Graduação em Ensino de Ciências Naturais e
Matemática da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Ensino de
Ciências Naturais e Matemática.

Orientadora: Profª Dra. Bernadete Barbosa


Morey.
Coorientador: Prof° Fabian Arley Posada
Balvin.

NATAL – RN
2019
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede

Araújo, Marlene Gorete de.


Abu ja'far muhammad ibn musa al-khwarizmi: contribuições da
álgebra para o ensino / Marlene Gorete de Araújo. - 2019.
141f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do


Norte, Centro de ciências exatas e da terra, Programa de pós-
graduação em ensino de ciências naturais e matemática, Natal,
2019.
Orientador: Dra. Bernadete Barbosa Morey.
Coorientador: Dr. Fabian Arley Posada Balvin.

1. Ensino de Álgebra - Dissertação. 2. Matemática islâmica


medieval - Dissertação. 3. História e Ensino de Matemática -
Dissertação. I. Morey, Bernadete Barbosa. II. Balvin, Fabian
Arley Posada. III. Título.

RN/UF/BCZM CDU 512

Elaborado por Raimundo Muniz de Oliveira - CRB-15/429


MARLENE GORETE DE ARAÚJO

A ÁLGEBRA DE ABU JA'FAR MUHAMMAD IBN MUSA AL-KHWARIZMI:


CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

Dissertação apresentada ao curso de Pós-


Graduação em Ensino de Ciências Naturais e
Matemática da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Ensino de
Ciências Naturais e Matemática.

Orientadora: Profª Dra. Bernadete Barbosa


Morey.
Coorientador: Prof° Fabian Arley Posada
Balvin.

Banca Examinadora

___________________________________________________________________
Profª Dra. Bernadete Barbosa Morey (Orientadora) - Presidente

___________________________________________________________________
Profa. Dra. Giselle Costa de Sousa – examinador interno

___________________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Carolina Costa Pereira (UECE) – Examinador externo

___________________________________________________________________
Prof. Dr. Fabian Arley Balvin Posada – Co-orientador
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por todas as vezes que Ele me deu força quando pensei em
desistir ou redefinir meus objetivos.
A meus pais e demais familiares, pela educação e conselhos que me foram
dados.
À minha orientadora, professora doutora Bernadete Morey, pela acolhida e
ensinamentos. Confesso que sem as orientações que me foram prestadas, não teria
conseguido chegar até onde estou. Aqui lhe exprimo a minha gratidão!
Ao meu companheiro de todas as horas, Ramon Costa, que divide comigo
todas as dificuldades e felicidades da vida acadêmica e pessoal.
A todos os meus amigos que entenderam a minha ausência durante esses
últimos tempos, ouviram todas as minhas inquietações e me incentivaram a seguir
adiante.
A todos os amigos do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências
Naturais e Matemática (PPGECNM), que dividiram comigo o peso das disciplinas e
da dissertação e as angustias e as alegrias vividas durante esse período.
A todos os orientandos da professora Bernadete Morey, por todos os
conhecimentos compartilhados em nosso grupo de estudo.
A todos os professores do PPGECNM, pelos ensinamentos durante o
mestrado.
Aos professores que participaram da banca de qualificação e defesa: Dra.
Giselle Costa de Sousa, Dra. Ana Carolina Costa Pereira e Dr. Fabian Arley Balvin
Posada, cujas contribuições foram primordiais para a conclusão desse trabalho.
A todos, mesmo àqueles que por ventura não tenham sido registrados aqui,
meus sinceros agradecimentos.
RESUMO

Reconhecendo que a matemática islâmica medieval produziu diversos nomes de


estudiosos de primeira grandeza, a presente pesquisa tem como foco de estudo a
obra intitulada Al-Kitāb al-mukhtaṣar fī ḥisāb al-jabr wal-muqābala (Livro de
Restauração e Balanceamento), mais conhecida como a Álgebra de al-Khwarizmi,
escrita pelo eminente sábio islâmico medieval, Abu Ja'far Muhammad ibn Musa al-
Khwarizmi. Desse modo, o objetivo dessa pesquisa foi conhecer as potencialidades
histórico-pedagógicas do o Tratado de algébrico de al-Khwarizmi (Álgebra de al-
Khwarizmi) tendo como suporte teórico-metodológico a Teoria da Objetivação. Essa
é uma pesquisa histórica bibliográfica e documental, de natureza qualitativa, com
algumas pinceladas da pesquisa-ação. No decorrer da pesquisa foi elaborado um
material instrucional sob a forma de e-book que foi pensado para satisfazer a
exigência de produto educacional no curso de Mestrado Profissional. Na presente
pesquisa, o e-book desempenha o papel de material didático de auxílio aos
professores de matemática que queiram se familiarizar com a obra Álgebra de al-
Khwarizmi. Na apresentação da Álgebra de al-Khwarizmi aos professores, optamos
por privilegiar os aspectos formais, externos e físicos da obra, por pensar que a
familiaridade com tais aspectos da obra citada, pode potencializar, por parte dos
professores, futuramente, uma imersão mais profunda no conteúdo histórico-
matemático da obra. Desse modo, concluímos que a Álgebra de al-Khwarizmi é um
tratado consideravelmente importante para o desenvolvimento da álgebra. Além disso,
esse tratado apresenta um grande potencial para a formação docente, não somente
quanto aos aspectos matemáticos, mas também quanto aos aspectos históricos,
sociais e políticos.

Palavras-chave: Ensino de Álgebra. Matemática islâmica medieval. História e Ensino


de Matemática.
ABSTRACT

Recognizing that medieval Islamic mathematics has produced several names of first-
rate scholars, this research focuses on the well-known work entitled Al-Kitāb al-
mukhtaṣar fī ḥisāb al-jabr wal-muqābala (Book of Restoration and Balancing) like al-
Khwarizmi Algebra, written by the eminent medieval Islamic sage, Abu Ja'far
Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi. Thus, the objective of this research was to know
the historical-pedagogical potentialities of al-Khwarizmi's Algebraic Treaty (Algebra de
al-Khwarizmi) having as theoretical and methodological support the Objection Theory.
This is a qualitative bibliographical and documentary historical research, with some
brushstrokes of action research. In the course of the research an instructional material
was prepared in the form of e-book that was designed to satisfy the educational product
requirement in the Professional Master course. In this research, the ebook plays the
role of teaching aids to mathematics teachers who want to become familiar with al-
Khwarizmi's Algebra. In the presentation of al-Khwarizmi's Algebra to the teachers, we
chose to privilege the formal, external and physical aspects of the work, thinking that
the familiarity with such aspects of the mentioned work may, in the future, enhance the
teachers' deeper immersion. in the historical-mathematical content of the work. Thus
we conclude that al-Khwarizmi Algebra is a considerably important treatise for the
development of algebra. Moreover, this treatise has great potential for teacher
education, not only in mathematical aspects, but also in historical, social and political
aspects.

Keywords: Algebra teaching. Medieval Islamic Mathematics. History and Teaching of


Mathematics.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Península Arábica ..................................................................................... 24


Figura 2 - Selo emitido pela União Soviética em 6 de setembro de 1983 ................. 41
Figura 3 - Página do Livro de Restauração e Balanceamento .................................. 45
Figura 4 - Mapa atribuído aos geógrafos do califa al-Mamun ................................... 47
Figura 5 - Capa do El libro del Álgebra: Mohammed ibn-Musa al-Jwarizmi .............. 55
Figura 6 - Tratado algébrico de al-Khwarizmi em árabe e em espanhol ................... 56
Figura 7 – Momento de discussão da tarefa 1 .......................................................... 93
Figura 8 – Utilização de mapa para apresentação do mundo islâmico medieval ...... 94
Figura 9 – Conversa sobre a Álgebra de al-Khwarizmi ............................................. 96
Figura 10 – Sequências de imagens que apresentam o labor conjunto entre
participantes .............................................................................................................. 98
LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Conquistas do Islã até 632 ......................................................................... 27


Mapa 2 - Expansão do Islã até 750 ........................................................................... 28
Mapa 3 - Expansão do Islã durante 750 a 1700 ........................................................ 30
Mapa 4 - Khwarezm, localizado em Uzbequistão...................................................... 42
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Percurso Metodológico da pesquisa....................................................... 21


Quadro 2 - Síntese das conquistas do mundo islâmico ............................................ 31
Quadro 3 - Sumário do Tratado algébrico de al-Khwarizmi ....................................... 59
Quadro 4 - Os seis tipos de equações polinomiais propostas por al-Khwarizmi ....... 64
Quadro 5 - Resolução da equação "un cuadrado más diez raíces igual a treinta y nueve
dirhams" (AL-KHWARIZMI, 830, p.27) ...................................................................... 67
Quadro 6 - "un cuadrado más cinco raíces es igual a veinticuatro dirhams" (AL-
KHWRIZIMi, 830, p. 27) ............................................................................................ 68
Quadro 7 - "Un cuadrado más diez raíces es igual a cincuenta y seis dirhams" (AL-
KHWARIZMi, 830, p. 29) ........................................................................................... 69
Quadro 8 - Resolução geométrica de “un cuadrado más diez raíces igual a treinta y
nueve dirhams" (AL-KHWARIZMI, 830, p. 29) .......................................................... 71
Quadro 9 - Segundo modo de resolver geometricamente a equação “un cuadrado más
diez raíces igual a treinta y nueve dirhams" (AL-KHWARIZMI, 830, p. 29) ............... 73
Quadro 10 - "Un cuadrado más veintiún dirhams es igual a diez de sus raíces" (AL-
KHWARIZMI, 830, p. 29) ........................................................................................... 75
Quadro 11 - "cuadrado más veinte dirhams equivalentes a doce raíces" ................. 77
Quadro 12 - Resolução geométrica de "un cuadrado más veintiún dirhams es igual a
diez de sus raíces" (AL-KHWARIZMI, 830, p. 29) ..................................................... 78
Quadro 13 - "Tres raíces más cuatro es igual a un cuadrado" (AL-KHWARIZMI, 830,
p. 31) ......................................................................................................................... 81
Quadro 14 - "tres raíces más cuatro es igual a un cuadrado" (AL-KHWARIZMI, 830, p.
31) ............................................................................................................................. 82
Quadro 15 - Organização das tarefas e do tempo para realização do minicurso ...... 90
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

1.1 OBJETIVOS DA PESQUISA 13

1.2 CONTEXTUALIZANDO O TEMA E SUAS QUESTÕES 13

1.3 A TEORIA DA OBJETIVAÇÃO COMO SUPORTE AO ESTUDO 16

1.4 PERCURSO METODOLÓGICO 19

1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO 21

2 O MUNDO ISLÂMICO MEDIEVAL 23

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O MUNDO ISLÂMICO 23

2.2 O CONTEXTO HISTÓRICO, POLÍTICO E SOCIAL 25

2.3 A CASA DA SABEDORIA 32

2.4 A PRODUÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA 36

2.5 ABU JA’FAR MUHAMMAD IBN MUSA AL-KHWARIZMI 41

3 O LIVRO DA RESTAURAÇÃO E DO BALANCEAMENTO 50

3.1 A ÁLGEBRA DESENVOLVIDA NO MUNDO ISLÂMICO 50

3.2 O TRATADO ALGÉBRICO DE AL-KHWARIZMI 55

3.3 O MÉTODO ALGÉBRICO E GEOMÉTRICO PARA RESOLUÇÃO DE


EQUAÇÕES POLINOMIAIS PROPOSTO POR AL-KHWARIZMI 62

4 PROPOSTA PEDAGÓGICA: CONCEPÇÃO E APLICAÇÃO 86

4.1 O PRODUTO EDUCACIONAL 86

4.2 VALIDAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL 88

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 101

REFERÊNCIAS 105

APÊNDICE A – PRODUTO EDUCACIONAL 111

APÊNDICE B – FICHA DE AVALIAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL 140


10

1 INTRODUÇÃO

A ciência, assim como a sociedade atual, é fruto de diversas transformações


históricas e culturais. Isso acontece pelo fato da ciência se constituir em um processo
dinâmico e inacabado, o que provoca constantes mudanças na sociedade como um
todo. No entanto, devido a uma construção histórica e cultural, somos levados a
concluir, precipitadamente, pelo senso comum, ou até mesmo pelo excesso de
consumo midiático, que os conhecimentos científicos surgem de estudos pouco
complexos, que se realizam num intervalo de tempo curto. Essa ideia de ciência pode
ser notada em diversos ramos do conhecimento e propagada por vários meios de
comunicação.
Muitas vezes, os próprios livros didáticos e enciclopédias propagam a imagem
da ciência como algo pronto e acabado, que surge do nada. Vários autores, como por
exemplo, Dante (2016) e Souza (2016), ao falarem sobre o surgimento de um
determinado saber, enaltecem essa ideia e induzem muitos leitores a pensar que o
mérito da descoberta científica é, exclusivamente, do pesquisador/cientista que
finalizou a pesquisa. Tal forma de pensar nos impede, muitas vezes, de conhecer o
verdadeiro processo de evolução do saber científico.
Consideramos que tanto professores, como alunos, devem conhecer e
compreender como o saber matemático evoluiu ao longo do tempo, para que algumas
ideias sejam descontruídas e desmistificadas. Porém, essa ressignificação não é algo
fácil de se alcançar, principalmente porque essa forma de pensar a matemática já está
enraizada em nossa sociedade. Enxergamos que um possível caminho para essa
desconstrução é apontado pela História da Matemática, visto que há alguns anos,
essa estratégia é utilizada para tais fins.
Motivados a pesquisar sobre História da Matemática e suas contribuições para
o ensino, a presente pesquisa, vinculada à linha de pesquisa em História, Filosofia e
Sociologia da Ciência, pertencente ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências Naturais e Matemática (PPGECNM) da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN), tem como temática a matemática islâmica medieval. Sendo assim,
a nossa pesquisa busca responder a seguinte indagação: como elaborar uma
proposta de atividade que utilize as potencialidades do Tratado Algébrico de al-
Khwarizmi no ensino?
11

A escolha da matemática islâmica como temática de estudo se justifica, pois,


embora seja propagada as contribuições dos estudiosos islâmicos medievais à
matemática e às ciências de modo geral, constatamos a existência de uma lacuna no
Brasil de bibliografia sobre essa temática que sejam, principalmente, acessíveis aos
professores de matemática e ciências do país (MOREY, 2018a). Faz-se necessário,
então, que pesquisadores e/ou professores em história da matemática busquem
meios de preencher o vazio referente à literatura em português nesta temática, tanto
no que se refere à formação do professor como no que se refere ao material didático
para ser usado em sala de aula (MOREY, 2018a). No entanto, por meio de pesquisas
realizadas, constatamos que essa lacuna existe até mesmo internacionalmente, uma
vez que não é abundante o acesso e disponibilização para os professores, de obras
sobre essa temática.
Julgamos que essa escassez de obras sobre a matemática islâmica pode ser
explicada devido ao fato de que “há apenas poucas décadas a comunidade
acadêmica reavaliou o papel da ciência islâmica na formação do pensamento
científico moderno” (MOREY, p. 1, 2018a). Assim, devido às diversas contribuições
que os países islâmicos trouxeram para o desenvolvimento da matemática, avaliamos
que seja de fundamental importância a existência de textos em português que
abordem essa temática, para que, então, professores e/ou pesquisadores tenham
acesso a essa informação com mais facilidade.
Como dito, reconhecemos que a matemática islâmica medieval produziu
diversos nomes de estudiosos de primeira grandeza. Com isso, a presente pesquisa,
desenvolvida no âmbito de uma dissertação de mestrado profissional, tem como foco
de estudo a obra intitulada Al-Kitāb al-mukhtaṣar fī ḥisāb al-jabr wal-muqābala, datada
por volta de 813 e 833, escrita pelo eminente sábio islâmico, Abu Ja'far Muhammad
ibn Musa al-Khwarizmi.
Segundo Wussing (1998), os tratados de al-Khwarizmi sobre a aritmética e
álgebra influenciaram persistentemente as gerações seguintes de matemáticos
islâmicos, e foram pontos de partida para muitas outras investigações, tendo sido
repetidamente comentados e utilizados por diversos jovens matemáticos, a exemplo
de Abu Kamil, al-Karaji, Alhazen e outros. Embora tenha feito diversas contribuições
à aritmética, à astronomia e à geografia, a obra mais importante de al-Khwarizmi é a
que trata da álgebra, conhecida por distintos nomes, dos quais podemos citar pelo
menos três: 1) Al-kitāb al-mukhtaṣar fī ḥisāb al-jabr wal-muqābala (em árabe); 2) O
12

Tratado algébrico de al-Khwarizmi; 3) A Álgebra de al-Khwarizmi. Este tratado, escrito


no início do século IX enquanto seu autor trabalhava na Casa da Sabedoria em Bagdá,
é considerado a obra da qual se originou todo o ramo da matemática conhecido hoje
como álgebra. Nesse importante trabalho, al-Khwarizmi introduz, dentre diversos
assuntos, um método de resolução de equações de 1° e 2° grau apreendido dos
indianos (D’AMBROSIO, 1996).
As contribuições e influências deixadas por al-Khwarizmi foram uma das mais
importantes desse período da história, o que faz com que seja relevante a divulgação
e construção de mais textos didáticos e científicos que falem sobre esse matemático
islâmico. É, pois, levando em consideração este contexto, que nos concentramos na
obra desse autor, cujo nome completo era Abu Ja'far Muhammad ibn Musa al-
Khwarizmi, um dos mais paradigmáticos do período medieval islâmico. Queremos nos
acercar à sua obra com o intuito de traçar caminhos que possam, de algum modo,
auxiliar os professores de matemática em sua educação continuada e permanente.
Por outro lado, refletindo sobre o nosso papel de educadores, reconhecemos
que todo o nosso trabalho profissional deve ser alicerçado por um arcabouço teórico
provido por uma teoria educacional. Desse modo, nossa escolha recaiu sobre a Teoria
da Objetivação – teoria de ensino e aprendizagem da corrente sociocultural – por sua
ênfase não estar atrelada apenas ao processo de aprender, mas também na formação
do ser. A Teoria da Objetivação, de acentuada abordagem semiótica, tem seus
fundamentos filosóficos na dialética de Hegel e no materialismo dialético dela
resultante em Marx, Ilyenkov, e nas escolas de Vygotsky e Leontiev e nas tendências
antropológicas modernas.
Tendo anunciado nossas matrizes teóricas, podemos voltar a atenção para
delinear os contornos de nosso estudo dissertativo. Como posto, julgamos ser
importante e necessário que professores de matemática tenham acesso em língua
portuguesa a um material histórico-matemático sobre o Tratado algébrico de al-
Khwarizmi, que, de agora em diante, chamaremos também de Álgebra de al-
Khwarizmi. Ademais, o estudo histórico se sustentou na abordagem pedagógica
alicerçada pela Teoria da Objetivação.
Dando continuidade a fala sobre o presente estudo, apresentaremos a seguir o
objetivo geral que traçamos para essa pesquisa, bem como os objetivos específicos
preestabelecidos. Em seguida, faremos uma discussão acerca de alguns trabalhos
que encontramos sobre nosso tema e suas questões. Feito isso, realizaremos um
13

estudo sobre a Teoria da Objetivação como suporte ao nosso estudo. Após isso,
falaremos sobre o percurso metodológico que seguimos e, por fim, explicaremos a
estrutura da dissertação, apresentando, assim, qual o objetivo de cada capítulo
presente ao longo do presente texto.

1.1 OBJETIVOS DA PESQUISA

Enunciamos que o objetivo geral de nosso trabalho dissertativo é conhecer as


potencialidades histórico-pedagógicas do O Tratado de algébrico de al-Khwarizmi
tendo como suporte teórico-metodológico a Teoria da Objetivação.
Para que esse objetivo seja alcançado, os caminhos trilhados contemplam os
seguintes objetivos específicos:
 Conhecer o contexto histórico, político e social das ideias matemáticas em
torno do O Tratado algébrico de al-Khwarizmi;
 Reconhecer as possibilidades que a Teoria da Objetivação oferece para a
elaboração e aplicação de uma proposta de atividade;
 Descrever atividades envolvendo aspectos históricos do O Tratado algébrico
de al-Khwarizmi com potencialidades didáticas para a formação
inicial/continuada do professor de matemática.

1.2 CONTEXTUALIZANDO O TEMA E SUAS QUESTÕES

Como falado anteriormente, há uma escassez de trabalhos relacionados ao


nosso tema de pesquisa e objeto de estudo. Pudemos fazer essa constatação a partir
de uma pesquisa realizada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Para isso, fizemos uma busca utilizando os seguintes termos: matemática islâmica;
matemática árabe, Al-Khwarizmi e matemática; al-Khwarizmi e álgebra; álgebra de al-
Khwarizmi; al-Khwarizmi e equação do segundo grau; al-Khwarizmi e equação
quadrática; equação do segundo grau e história da matemática; história da
matemática e ensino; e ensino de álgebra.
Ao investigar cada um desses termos, encontramos sete trabalhos que se
relacionam, diretamente, com o tema e objeto de estudo dessa dissertação. Entre
14

essas pesquisas, seis foram em nível de mestrado e apenas um em nível de


doutorado. A seguir, faremos uma breve exposição sobre essas pesquisas.
Santos (2017) teve por objetivo, em sua dissertação, investigar uma alternativa
didática metodológica que pudesse dar significado ao processo de ensino e
aprendizagem dos métodos de resolução de equações do 2º grau, fazendo utilização
da história da matemática. Ao final, o autor concluiu que os resultados da pesquisa
atingiram os objetivos do estudo, ressaltando que uma metodologia baseada no
desenvolvimento de atividades apoiadas no construtivismo, mediada pela história da
matemática, proporciona, para o aluno, um aprendizado significativo.
Freitas (2016), em sua dissertação, apresenta uma sequência didática para o
ensino de equações do segundo grau baseadas no método de al-Khwarizmi a ser
aplicada em turmas de Ensino Básico. Em conclusão a esse estudo, o autor supõe,
uma vez que esse estudo não se trata de uma pesquisa aplicada, que o material
proposto pode oferecer contribuições para o ensino de funções afins e quadráticas, e
incentivo para os professores que almejam mudar a sua prática de ensino, rompendo
com as tradicionais práticas educativas.
Fernandes (2014), em sua dissertação, usou a história da matemática para
trazer uma perspectiva diferente à resolução de equações do segundo grau. Para isso,
foi montada uma sequência de atividades que abordava, entre outros, o método de al-
Khwarizmi, para ser aplicada com turmas de licenciatura em matemática. Ao final
desse estudo dissertativo, o autor pontua que os objetivos traçados foram atingidos,
uma vez que os alunos experimentaram os métodos históricos propostos, mostrando
uma boa compreensão e execução. O autor também aponta que esse trabalho levou
os alunos à reflexão das diferentes formas de resolução de equações e suas
interpretações contextualizadas.
Macedo (2011), assim como os anteriores, apresenta em sua dissertação, uma
sequência de atividade, também baseada no método de al-Khwarizmi, para ser
aplicada em cursos de licenciatura em matemática. Como conclusão, a autora
reconhece a pertinência da utilização da história da matemática em atividades para
compreensão de conceitos, dado que essa abordagem proporciona ao aluno uma
redescoberta de conceitos matemáticos construídos historicamente, mostrando,
assim, uma humanização da matemática, a tornando mais significativa.
Castelo (2013) desenvolveu, em sua dissertação, um estudo a respeito das
equações do 2º grau em um contexto histórico que visou dar ao professor de
15

matemática dos Ensinos Fundamental e Médio condições de instigar o aluno a


levantar importantes questionamentos sobre o assunto aumentando o seu interesse
e, consequentemente, melhorando o seu aprendizado. Em conclusão à pesquisa, o
autor sugere a exposição e estudo de diversos métodos de resolução das equações
quadráticas, em um dado contexto histórico, no ensino fundamental. Além disso, o
autor espera ter contribuído com a prática do professor de matemática, com mais
opções de materiais para elaboração de aulas.
Moretti (2014) teve como objetivo geral, em sua dissertação, realizar um estudo
sobre equações algébricas e apresentar uma sequência de atividades voltada ao
Ensino Básico, visando proporcionar compreensão dos procedimentos para resolução
das equações do segundo e terceiro grau e contribuir para o desenvolvimento da
capacidade do aluno em resolver situações problemas. Como resultados de seu
estudo, o autor pontua que os objetivos foram alcançados, dado que grande parte dos
alunos que participaram da atividade elaborada apresentaram-se motivados, pois a
atividade possibilitou a compreensão do processo de resolução de uma equação
quadrática, o desenvolvimento da capacidade de resolver problemas e o estímulo do
raciocínio lógico-dedutivo da matemática.
Martins (2005) em sua tese, optou por mostrar que as teses apresentadas por
Thomas Kuhn, em sua principal obra, se aplicam nos seus aspectos mais importantes,
quando tratam-se de analisar o processo segundo o qual o conhecimento matemática
é produzido. Desse modo, o autor mostra que a obra Álgebra de al-Khwarizmi,
inaugurou o primeiro período de pesquisa normal no desenvolvimento da Álgebra na
Europa. Como resultado de sua pesquisa, o autor conclui que o processo pelo qual o
conhecimento algébrico foi desenvolvido pode ser analisado aos olhos da ótica de A
Estrutura das Revoluções Científicas.
Após a leitura dos trabalhos citados anteriormente, percebemos que, embora
tenham como objeto de estudo as equações do segundo grau e/ou o método de al-
Khwarizmi, essas pesquisas focam a atenção no saber matemático da obra, isso é,
no método de resolver equações; o contexto social, cultural e religioso, em que viveu
al-Khwarizmi, assim como as motivações do autor ao escrever sua obra, não são
apresentados. Dizemos isso pois defendemos que a Álgebra de al-Khwarizmi tem um
potencial a ser explorado que vai para além do conhecimento do método de resolução
das equações quadráticas, uma vez que ela nos mostra, por exemplo, que a
16

matemática islâmica (assim como as outras matemáticas) existiu de acordo com as


necessidades humanas, para solucionar problemas daquela época.
Com isso, podemos afirmar que nosso trabalho faz-se diferente dos demais,
uma vez que ele não consiste em ensinar o método algébrico e geométrico proposto
por al-Khwarizmi, em seu tratado. Pelo contrário, rompemos as barreiras dos
conhecimentos matemáticos expostos na obra, ao desenvolver uma pesquisa que
trabalhe com o contexto histórico, político e social no qual se desenvolveu o Tratado
algébrico de al-Khwarizmi, suas principais características e peculiaridades.

1.3 A TEORIA DA OBJETIVAÇÃO COMO SUPORTE AO ESTUDO

Sendo o presente texto uma dissertação de mestrado na área de ensino,


pensamos que os estudos nela desenvolvidos, assim com propostas e as
intervenções pedagógicas, devem ter como base teórica uma teoria de ensino e
aprendizagem. Nossa opção é pela Teoria da Objetivação (TO), uma teoria da
corrente sociocultural com abordagem semiótica.
Segundo Radford (2014), a Teoria Cultural da Objetivação surge como uma
resposta à necessidade de repensar o ensino e a aprendizagem da matemática em
termos diferentes dos propostos pelas teorias individualistas, cujo propósito
fundamental era a transmissão do conhecimento. Por essa razão, de acordo com
Mogollón (2014), a Teoria Cultural da Objetivação surge como uma alternativa que
oferece novas possibilidades de pensar de forma diferente sobre o ensino e a
aprendizagem da matemática e também o objetivo da educação matemática a partir
de uma abordagem histórico-cultural.
A TO é uma teoria de ensino e aprendizagem sociocultural. Além disso, ela tem
abordagem semiótica, o que quer dizer que os conceitos ontológicos e
epistemológicos que sustentam a teoria se permitem ser moldados ou transformados
por conceitos e construções semióticas.
O que distingue as teorias socioculturais das demais é uma posição teórica
conhecida como Questão da Consubstanciação e afirma que não é suficiente dizer
que os indivíduos dependem ou estão relacionados ou ligados à cultura em que vivem.
A relação entre indivíduos e cultura é muito mais forte do que isso; na verdade, os
indivíduos são consubstanciais à cultura em que vivem suas vidas; isso quer dizer que
o que o indivíduo faz, pensa e até sonha, está intrinsecamente relacionado com a
17

cultura em que vive. As teorias socioculturais, defendem a questão da


consubstanciação, o que as distingue das teorias de outras correntes.
As principais categorias da TO são: saber e conhecimento; atividade e labor
conjunto e o papel do professor; objeto, objetivo e tarefa.
O saber na TO é teorizado como como formas de agir e pensar que foram
codificados culturalmente. Em sua fala, Radford (2017a, p. 103) diz que

Propongo concebir el “saber” […] como un sistema de acciones


codificadas culturalmente. Que el saber sea una codificación cultural
de maneras de actuar y hacer significa que es algo general: no puede
reducirse a esta o aquella secuencia particular de acciones
coordinadas con estas o aquellas piedras. Otra manera de decir esto
es que el saber es labor cristalizada. Podemos pensar en el saber
como una forma ideal de acciones, en oposición a las acciones
mismas. El saber como labor cristalizada o forma ideal va más allá de
cada una de sus instancias o realizaciones concretas.

O saber como definido acima não se dá a perceber. É uma forma, uma entidade
geral, com formato ideal que habita a esfera da cultura. É por meio da atividade
humana que o saber se atualiza e se torna perceptível, ou seja, é por meio da atividade
que se produzem subjetividades. O saber atualizado e que adquiriu uma de suas
realizações específicas é chamado de conhecimento. Aqui está uma particularidade
da TO: saber (knowledge) e conhecimento (knowing) são categorias distintas e não
devem ser confundidas. Saber é uma forma ideal que habita na esfera da cultura,
enquanto que conhecimento é o saber atualizado que, mediado pela atividade,
assumiu a forma de uma de suas realizações. Radford (2017b) chamou a atividade
em sala de labor conjunto.
É no labor conjunto que o saber se materializa e é apresentado à consciência.
A este processo de dar-se conta, de tornar-se consciente do saber em sua forma
materializada (conhecimento) é que chamamos de objetivação. O aprendizado na TO
é teorizado em termos de processos de objetivação.
O labor conjunto se desenvolve ao máximo de sua potencialidade no trabalho
de sala de aula com alunos em pequenos grupos nos quais se respeita a ética
comunitária e a(o) professora(o) percorre os grupos e dialoga com aqueles que
tiverem dificuldade.
18

Na Teoria da Objetivação, diferentemente de outras teorias educacionais, a


aprendizagem inclui o componente emocional e afetivo. De acordo com Radford
(2018, p. 9),

Em TO, as emoções, por exemplo, não são vistas como um


componente adicional do pensamento. Ao contrário, seguindo a ideia
de Vygotsky, consideramos as emoções como uma parte onipresente
do pensamento. Nessa linha de pensamento, as emoções não são
relíquias de nosso passado filogenético que precisam ser dominadas
para pensar corretamente. Emoções são componentes ontológicos
constitutivos de nós, humanos, como parte da natureza. O afeto, isto
é, a capacidade de ser afetado pelas coisas do nosso ambiente, por
outro lado, também faz parte da nossa constituição humana.

A implicação disso é que, em vez de considerar o aprendizado como um esforço


puramente mental, a TO enxerga que o aprendizado envolve emoções e afeições de
maneiras que nos afetam profundamente como seres humanos. Desse modo, Radford
(2018, p. 9) diz que “é por isso que as salas de aula não apenas produzem
conhecimento, mas também subjetividades”.
A subjetividade, para Radford (2017c), é a atualização ou materialização em
progresso do ser. Por meio da atualização ou materialização sempre em andamento
o sujeito torna-se único, concreto, cuja especificidade resulta em um sujeito reflexivo,
que sente e age, sempre tornando-se; um projeto inacabado e sem fim de vida.
Mas, para a investigação da produção da subjetividade dos alunos em sala de
aula, “a TO recorre à construção teórica de processos de subjetivação: os processos
em que, coproduzindo-se no contexto da cultura e da história, professores e alunos
tornam-se presenças no mundo” (RADFORD, p. 143, 2017c). Em outras palavras, é
por meio da subjetivação que nos afirmamos “como projetos únicos de vida, como
subjetividades em curso (subjects in the making)” (RADFORD, p. 147, 2017c).
O ser que é enfatizado na TO gira em torno de uma ética comunitária, que é
direcionada pela responsabilidade, compromisso e cuidado com o outro. As formas
éticas de colaboração humana

[...] são motivadas por uma atitude geral em relação ao mundo e


servem para configurar o trabalho conjunto entre professores e alunos
em sala de aula (Radford, 2014). Essas formas críticas e ético-
comunitárias de se relacionar com os outros apagam os limites que
separam os professores dos alunos. Professores e alunos trabalham
juntos como um. A sala de aula é apresentada como um espaço
público para debates em que os alunos são incentivados a mostrar
19

abertura para com os outros, responsabilidade, solidariedade, cuidado


e consciência crítica. (RADFORD, p. 19, 2018)

De fato, a sala de aula é um espaço em que professores e alunos podem fazer-


se e tornar-se presentes no mundo. Ou melhor, é na sala de aula que se dá o encontro,
a dissidência e subversão, onde professores e alunos tornam-se indivíduos
particulares no mundo, que se preocupam uns com os outros, que se envolvem e
mutuamente se transformam, sonham, aprendem, sofrem e esperam juntos
(RADFORD, 2018).
A responsabilidade, o compromisso e o cuidado com o outro são três atributos
indispensáveis para a ética comunitária; tais atributos moldam o labor conjunto no qual
a aprendizagem acontece e delineia o modo de ser que tenta “se opor à forma
utilitarista em que o indivíduo é promovido nas formas capitalistas de produção
transpostas para a escola, que concebe o estudante como proprietário privado e
produtor de seu próprio conhecimento” (RADFORD, p. 160-161, 2017c). Para
organização do labor conjunto, os alunos trabalham em pequenos grupos de três.
Em suma, a Teoria da Objetivação, baseia-se na ideia fundamental de que o
aprendizado é conhecer (objetivação) e se tornar (subjetivação). Em outras palavras,
o aprendizado não pode ser limitado ao eixo do conhecimento, mas também deve
abordar o eixo do ser: o eixo dos sujeitos. A TO considera o objetivo da educação
matemática como um esforço dinâmico, político, social, histórico e cultural que busca
a criação dialética de assuntos reflexivos e éticos que estão criticamente posicionados
em discursos e práticas matemáticas constituídas historicamente e culturalmente,
discursos e práticas que estão em constante evolução.

1.4 PERCURSO METODOLÓGICO

Em concomitância aos objetivos traçados, consideramos necessária a


construção de um caminho bem planejado, para que a pesquisa se desenvolva e seja
aperfeiçoada. Nesse sentido, essa dissertação enquadra-se como uma pesquisa
qualitativa, uma vez que de acordo com Borba (2004, p. 2) esse tipo de pesquisa
“prioriza procedimentos descritivos à medida em que sua visão de conhecimento
explicitamente admite a interferência subjetiva, o conhecimento como compreensão
que é sempre contingente, negociada e não é verdade rígida”.
20

Desse modo, o percurso metodológico que adotamos se iniciou com uma


pesquisa bibliográfica. Para Matos e Vieira (2001) e Gil (2008) esse tipo de pesquisa
parte de referenciais teóricos outrora analisados e publicados, seja de forma impressa
ou eletrônica, como artigos de periódicos, livros e páginas de web site. Destarte,
fizemos, a princípio, uma varredura em busca de publicações sobre nosso tema, a fim
de saber o que foi produzido e, consequentemente, publicado nos últimos trinta anos.
E seguida, fizemos um estudo histórico do lugar, época e contexto político e social em
que viveu o autor que nos interessa, a fim de alcançar um entendimento mais profundo
de sua obra. Como complemento dessa pesquisa bibliográfica, fizemos uma
investigação sobre al-Khwarizmi, afim de conhece-lo como pessoa e estudioso.
Dando continuidade ao estudo, partimos para uma pesquisa documental. Esse
tipo de pesquisa, conforme aponta Gil (2008) tem como fonte de estudo o documento,
seja ele escrito ou não, como livros/tratados, vídeos, imagens, dentre outros. Sá-Silva,
Almeida e Guindani (2009, p. 6) discorrem que a diferença entre a pesquisa
documental e a pesquisa bibliográfica está na natureza das fontes, visto que “a
pesquisa documental recorre a materiais que ainda não receberam tratamento
analítico, ou seja, as fontes primárias”. Assim, a fonte primária dessa dissertação foi
o Tratado algébrico de al-Khwarizmi. Durante esse momento da pesquisa, pudemos
conhecer o conteúdo desse tratado, bem como seu objetivos e características que
consideramos singulares.
Após o estudo do mundo islâmico medieval e do Tratado algébrico de Al-
Khwarizmi, partimos para a segunda etapa do nosso percurso metodológico: a
elaboração e aplicação do produto educacional desenvolvido, como produto final, ao
longo desse mestrado profissional. Antes de darmos início a essa elaboração, foi
realizado uma pesquisa bibliográfica para nos aprofundarmos na Teoria da
Objetivação, proposta pelo professor Luis Radford. À luz dessa teoria, construímos
um material didático que apresenta aos professores de matemática em formação
inicial ou continuada o Tratado algébrico de al-Khwarizmi, seu autor e o contexto no
qual foi desenvolvido essa obra.
Como finalização da segunda etapa do percurso metodológico, fizemos a
aplicação do produto educacional desenvolvido. Consideramos que esse momento da
nossa investigação caracteriza-se como uma pesquisa-ação, visto que Fiorentini e
Lorenzato (2009, p. 112) dissertam que esse tipo de pesquisa refere-se a um
“processo investigativo de intervenção em que caminham juntas prática investigativa,
21

prática reflexiva e prática educativa”. Essa prática educativa, quando investigada, gera
compreensões que podem ser utilizadas em sua própria transformação,
proporcionando, assim, novas situações de investigação (FIORENTINI;
LORENZATO, 2009, p.113). Tratando-se de uma pesquisa ação, escolhemos, como
instrumentos de coleta de dados fotografias, filmagens, anotações e um questionário.
Por último, na terceira etapa da nossa pesquisa, que consiste na conclusão do
nosso trabalho, fizemos a análise dos dados que pudemos coletar durante nossa
pesquisa-ação. Assim, fizemos reflexões e recomendações baseadas nos resultados
de nosso estudo bibliográfico, documental e na aplicação do produto educacional
desenvolvido.
Como síntese do nosso percurso metodológico, elaboramos o quadro 1.

Quadro 1 – Percurso Metodológico da pesquisa

Estudo Coleta de dados Análise

Pesquisa bibliográfica
sobre: o mundo islâmico Pesquisa-ação: Aplicação Descrição da aplicação
medieval, al-Khwarizmi e do produto educacional do produto educacional
a Teoria da Objetivação

Instrumentos de coleta de Discussão, baseada na


Pesquisa documental:
dados: Fotografias, coleta de dados, acerca
estudo do Tratado
filmagens, anotações e da aplicação do produto
algébrico de al-Khwarizmi
questionário educacional

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

O trabalho está estruturado em capítulos, a contar com a presente introdução.


Com isso, na introdução, fazemos a apresentação e justificativa do nosso estudo,
apresentamos os objetivos traçados, contextualizamos nossa pesquisa, em relação
às pesquisas anteriores sobre nosso tema e objeto de estudo, fazemos uma discussão
22

teórica a respeito da Teoria da Objetivação e apresentamos a metodologia escolhida


para o delinear do estudo.
Consideramos que antes de adentrarmos no estudo sobre a Álgebra de al-
Khwarizmi, precisamos compreender o contexto político, social e religioso no qual
esse tratado foi escrito. Desse modo, o segundo capítulo dessa dissertação, destina-
se à apresentação do mundo islâmico e de onde tudo começou. Falamos ainda sobre
um dos principais locais de estudo daquela época, a Casa da Sabedoria, e dialogamos
sobre os principais conhecimentos desenvolvidos no mundo islâmico. Por fim,
discorremos sobre al-Khwarizmi e seus principais trabalhos.
Reservamos o terceiro capítulo para a Álgebra de al-Khwarizmi. Nesse capítulo,
fazemos um apanhado geral sobre todo o conhecimento algébrico desenvolvido no
mundo islâmico. Depois disso, partimos para um estudo mais aprofundado da Álgebra
de al-Khwarizmi. Com isso, nesse capítulo, fazemos a apresentação do objetivo e
conteúdo desse tratado. Por fim, trazemos a explicação do método algébrico e
geométrico de resolução das equações do segundo grau proposto por al-Khwarizmi.
O quarto capítulo foi destinado ao relato e reflexões da aplicação do produto
educacional desenvolvido ao longo dessa pesquisa. Desse modo, inicialmente,
falamos sobre como se deu a aplicação do produto, e em seguida, fazemos algumas
reflexões e recomendações necessárias a respeito da aplicação do produto.
O quinto e último capítulo foi destinado às reflexões finais da presente
pesquisa. Desse modo, falamos sobre os objetivos alcançados, pontos relevantes
para o desenvolvimento e conclusão da nossa pesquisa, dificuldades encontradas
para atingirmos nossos objetivos, e orientações e encaminhamentos para futuras
investigações.
23

2 O MUNDO ISLÂMICO MEDIEVAL

Tendo em vista que nosso objeto de estudo é o Tratado algébrico de al-


Khwarizmi, e que um de nossos objetivos específicos é descrever um material didático
que possa apresentar aos professores de matemática esta importante obra da
matemática islâmica medieval, bem como o seu autor e seu contexto sóciocultural,
consideramos necessário conhecermos onde esse tratado foi desenvolvido: o mundo
islâmico medieval.
Desse modo, iniciaremos esse capítulo apresentando a Península Arábica,
local esse que abriga o mundo islâmico medieval. Em seguida, discorremos a respeito
do contexto histórico, político e social do islã medieval. Posteriormente, falamos sobre
a Casa da Sabedoria e os conhecimentos científicos que foram desenvolvidos nesse
período. Para finalizarmos o capítulo, expomos o eminente sábio islâmico, autor do
nosso objeto de estudo: Abu Ja’far Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi.

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O MUNDO ISLÂMICO

Limitada ao norte com a Jordânia e o Iraque, ao sul com o mar Arábico (atual
Oceano Índico), ao leste com o golfo Pérsico e ao oeste com o Mar Vermelho, a
Península Arábica é um grande planalto cercado ao leste e ao sul por montanhas que
descem suavemente em direção ao golfo Pérsico. Essa região abriga sete países:
Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Omã, Bahrein, Kuwait, Catar e Iêmen, como
pode-se ver no mapa 1.
O deserto da Arábia ocupa uma grande porção da Península Arábica, o que
implica nessa região possuir um clima extremamente árido. Segundo Morey (2018b,
em fase de elaboração)1, no início do século VII essa Península era habitada,
basicamente, por tribos nômades que falavam dialetos da língua árabe.
O que sabemos sobre o mundo islâmico medieval e a ciência e a matemática
desenvolvida nele, está disponibilizado, principalmente, em documentos escritos em
árabe por caneta e tinta no papel. De acordo com Berggren (2007, tradução nossa),

1Estudiosos em Ciências e Matemática no Mundo Islâmico Medieval, de autoria de Bernandete Morey,


a ser editado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2018.
24

os chineses que foram feitos prisioneiros na Batalha de Atlakh/Talas2 (751) ensinaram


os muçulmanos a fazer papel, e esse conhecimento logo se espalhou por todo o
mundo islâmico. Os tratados matemáticos do Islã medieval são encontrados em
bibliotecas e coleções particulares em todo o mundo, mas as maiores coleções são
aquelas dos países que antes constituíam o mundo islâmico medieval.

Figura 1 - Península Arábica

Fonte: Simielli (2003)

Berggren (2007) aponta que algumas coleções secundárias são encontradas


em países como Rússia, Alemanha, Inglaterra e França. Durante esse período
histórico, foram produzidos tratados escritos em prosa e tabelas numéricas,
principalmente para fins astronômicos, que em muitos casos, não apresentam
explicações de como os números foram computados, para sua construção
(BERGGREN, 2007). Tais artefatos contribuem para construção e desenvolvimento
da história da matemática.
Conhecida a região onde o mundo islâmico nasceu, falaremos a seguir sobre o
contexto histórico, político e social do mundo islâmico medieval. Para compreensão

2Batalha de Atlakh/Talas foi o confronto ocorrido entre os árabes do Califado Abássida e os chineses
da Dinastia Tang, em 751, afim de conquistarem o controle do Rio Syr Darya, na Ásia Central.
25

desse contexto, consultaremos Morey (2018), cujas fontes, por sua vez são três
historiadores da ciência, mais especificamente da matemática: Adolph-Andrei
Pavlovich Youschkevitch, historiador soviético da matemática, especialista em
matemática medieval do Oriente, viveu de 1906 a 1993; Ahmed Djebbar, emérito
matemático, historiador da ciência e professor na Universidade de Lille, especialista
em matemática do Ocidente muçulmano (Espanha muçulmana e no Magrebe); e
Lennart Berggren, professor aposentado do Departamento de Matemática da Simon
Fraser University (SFU), cujos interesses de pesquisa na História da Matemática
incluem a Grécia antiga e o Islã medieval, bem como a história de instrumentos
científicos como o relógio de sol e o astrolábio.

2.2 O CONTEXTO HISTÓRICO, POLÍTICO E SOCIAL

O que conhecemos hoje como mundo islâmico, que está compreendido entre
os séculos VII e XVII, é extremamente conectado ao início do Islã. De acordo com
Youschkevitch (1976), no início do século VII os países árabes chamaram a atenção
do mundo inteiro, devido seu crescimento extraordinariamente rápido. No final do
século VI e início do século VII, a Arábia passou por uma grave crise econômica e
política: Maomé (571-632), após fundar e propagar o Islã, foi forçado a fugir de Meca
e refugiar-se em Medina, em 622, pelos seus opositores políticos e religiosos. A nova
religião monoteísta da época, fundada por Maomé, que recebeu o nome de Islã e
desenvolveu-se entre as camadas mais baixas da sociedade, chamou atenção e
causou polêmicas ao se opor ao politeísmo das classes dominantes da Arábia
(YOUSCHKEVITCH, 1976).
Segundo Berggren (2003), essa fuga de Maomé da sua cidade natal, Meca,
situada na costa oeste da Península Arábica, para Medina, uma cidade a cerca de
320 quilômetros ao norte, é o marco inicial do calendário mulçumano.
Na cidade de Medina, “Maomé funda uma coalisão formada por tribos árabes
que aderiram ao islã” (YOUSCHKEVITCH, 1979, p. 1, tradução nossa). É importante
ressaltar que o próprio Maomé foi reconhecido como profeta de Alá. Passados os
tempos, oito anos depois, em 630, Maomé retornou em triunfo a Meca, onde morreria
dois anos mais tarde, em 632.
26

Os sucessores do profeta foram os califas3. De acordo com Youschkevitch


(1979) esses realizaram diversas conquistas nas ricas terras do Leste e do Oeste e,
para propagar o islã, eles combateram os infiéis na chamada guerra santa. A função
do califa era chefiar o estado islâmico, como sucessores de Maomé. Esse estado, que
também podemos chamar de califado, conheceu três períodos: o Califado Ortodoxo,
o Califado Omíada e o Califado Abássida.
O primeiro califado árabe foi o Ortodoxo, que se iniciou logo após a morte de
Maomé, em 632 e durou até 661. Nesse período, o califa era escolhido por uma
assembleia de membros importantes entre os muçulmanos.
A expansão territorial de domínio árabe durante o Califado Ortodoxo foi rápida
(vide mapa 1). Em menos de um século, os árabes conquistaram um imenso território.
Em 637, a Síria e o Irã já haviam sido conquistadas, e em 642, o Egito. Youschkevitch
(1979) expõe que as tropas bizantinas4 instaladas na Síria e no Egito não foram
capazes de oferecer uma forte resistência às tropas árabes. Essa fragilidade das
tropas bizantinas motivou artesãos e camponeses, submetidos a uma rigorosa
servidão, a apoiar os árabes, com a esperança de melhorar suas condições de vida.
O segundo califado que o mundo árabe conheceu foi dos Omíadas, que teve
início em 661 e fim em 750. Os Omíadas iniciaram uma dinastia, o que quer dizer que
o novo califa não mais era indicado por uma assembleia, mas, tinha seu direito ao
trono garantido por nascimento.
Em 711, os árabes já haviam incorporado os berberes5. Um fato que
consideramos importante destacar é que em 712 os exércitos árabes conquistaram a
cidade chamada Khorezm, cidade natal de a-Khwarizmi. Conforme Youschkevitch
(1979), em meados do século VII, os califas já haviam conquistado a Península
Ibérica, o território da África mediterrânea, o Oriente Próximo, a Ásia Menor, a Ásia
Central e parte do vale do rio Indo. No entanto, o exército árabe foi perdendo,
gradativamente, suas forças, parando nas fronteiras da China (YOUSCHKEVITCH,
1979). Com esse declínio das tropas árabes, os bizantinos conseguiram assegurar o
domínio da cidade de Constantinopla.

3 Califa quer dizer sucessor. É um título atribuído ao líder religioso da comunidade islâmica, considerado
pelos muçulmanos como um dos sucessores do profeta Maomé.
4 Tropas bizantinas, ou exército do Império Bizantino ou Império Romano do Oriente.
5 Berberes são os povos naturais da região localizada no norte da África.
27

Mapa 1 - Conquistas do Islã até 632

Fonte: Ruthven e Nanji (2004)

De acordo com Berggren (2003), o centro político do grande império do início


do islã era Damasco, na Síria, cidade onde os califas realizavam a corte. No mapa 2
que veremos a seguir, podemos identificar a expansão territorial do mundo islâmico
até o fim do Califado Omíada.
28

Mapa 2 - Expansão do Islã até 750

Fonte: Ruthven e Nanji (2004)

Os califas eram membros da família dos Omíadas, porém em 750 o poder


passou para uma nova família conhecida como os Abássidas, cuja base de poder era
nas terras orientais. Esse foi o califado que durou mais tempo, visto que teve fim em,
apenas, 1258. Durante a dinastia dos Abássidas, terceiro califado do estado islâmico,
a guerra pela conquista de terras foi cessada e o incentivo à ciência, à cultura e as
artes tomou força.
Como novo governante, em 772, al-Mansur, segundo califa da dinastia
Abássida, transferiu a capital para Bagdá, cidade que ele havia fundado no Iraque. Os
eventos políticos que promoveram o califado, tiveram como pano de fundo

[...] o declínio da sociedade escravagista e o nascimento de uma sociedade


feudal na forma oriental. Os soberanos de Bagdá concentraram esforços na
agricultura e na irrigação artificial. Os habitantes das cidades atingiram um
alto nível de cultura, foram construídos magníficos edifícios arquitetônicos, a
manufatura se desenvolve e chega a vários ramos do comércio. Ao mesmo
tempo, de forma um tanto distinto do que se deu na Europa, houve
29

investimento nas propriedades rurais pelos senhores feudais, o que resultou,


como consequência, uma tendência à descentralização do poder. Além disso,
as revoltas de camponeses e escravos que ocorriam de tempos em tempos
abalaram os alicerces do poder dos califas e favoreceram a futura decadência
do califado. (YOUSCHKEVITCH, 1979, p. 2, tradução nossa).

Em meio a expansão territorial, é importante ressaltar que os árabes


geralmente mostravam-se tolerantes em relação às crenças e costumes dos povos
conquistados. No entanto, a conversão ao Islã gerava certo privilégios. De acordo com
Youschkevitch (1979), a maior parte da população do Califado se converteu
gradualmente ao Islã. O árabe, língua oficial da religião e do estado islâmico, tornou-
se, em muitos países, uma língua popular, e de maneira geral, a língua dos intelectuais
(YOUSCHKEVITCH, 1979).
Por meio dos territórios e povos conquistados pelos Califados Ortodoxo e
Omíadas, os árabes encontraram uma cultura superior à sua própria e rapidamente
assimilaram as concepções intelectuais que os habitantes desses países tinham
desenvolvido no decorrer do tempo, em um grau de elaboração muito avançado.
Juntamente com os sírios, os persas e os judeus, os árabes empreenderam a
construção de uma cultura nova e bem característica.
Diante da situação geográfica, política, social e religiosa que se instalou no
Califado Abássida,
[...] o comércio desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da
ciência naquele momento. As relações comerciais do califado alcançaram
terra distantes. Os árabes tinham relações comerciais com a Índia e a China,
com Bizâncio e Rússia e com todos os países à margem do Mediterrâneo.
Os mercadores e viajantes árabes faziam longas viagens pelo Volga, iam até
a África Central e chegavam a Madagáscar pela costa oriental da África.
Embaixadores do Califa eram vistos na corte de Carlos Magno e dos
imperadores da China. (YOUSCHKEVITCH, 1979, p. 3, tradução nossa).

Youschkevitch (1979) comenta sobre a estrutura política e econômica vigente,


dizendo que do mesmo modo de outros regimes feudais da Idade Média, o Califado
Abássida não era uma estrutura política estável. No final do século VIII as distantes
províncias da Espanha e África e partes do norte da África, se libertaram dos laços
que as ligavam ao califado. No final do século IX, o Egito e alguns territórios contíguos
se tornaram independentes, sendo que pouco tempo antes, todos os territórios do Irã,
do Tajiquistão e do Cáucaso tinham se separado. Neste processo pode-se
testemunhar tanto o aparecimento de grandes estados, como a decadência de outros.
Podemos consultar as conquistas territoriais ao longo do califado Abássida no
mapa 3.
30

Mapa 3 - Expansão do Islã durante 750 a 1700

Fonte: Ruthven e Nanji (2004)


31

As brigas e disputas relativas ao direito feudal, que colocam em lados opostos


as diferentes raças e nacionalidades deste império, estavam na origem das
numerosas vicissitudes que os estados e as dinastias conheceram. As tribos turcas e
seus chefes de milícias aumentaram sua influência. No território que agora
compreende o norte e o leste do Irã, o Tajiquistão e o Afeganistão, apareceu o Estado
Samanida (875-999), que rapidamente conquistou sua autonomia e fez de Bukhará
sua capital. No oeste e no sul do Irã, bem como no Iraque, a soberania passou para a
dinastia persa dos Bouyidas (932-1055). Estes últimos conquistam de Bagdá em 945
e não deixam mais do que o poder espiritual para o califa daquela cidade.
Aos poucos o estado islâmico foi enfraquecendo e a soberania do Califado
Abássida se desfez. No entanto, às contribuições deixadas pelos califados às ciências
e aos demais campos de conhecimento foram inestimáveis. Falaremos de tais
compreensões posteriormente.
Como síntese do contexto histórico, político e social do mundo islâmico
medieval, elaboramos o quadro 2.

Quadro 2 - Síntese das conquistas do mundo islâmico

CALIFADOS PRINCIPAIS CALIFAS PRINCIPAIS CONQUISTAS

632–634 Abu Bakr

634–644 Omar Conquista da Síria e o Irã (637);


632-661

Califado
644–656 Othmân Conquista do Egito (642);
Ortodoxo
Cirenaica (643).
656–661 Ali

685–705 Abd al-Malik


Conquista da Tunísia (674);
Conquista de Khorezm (712);
715–717 Solimão
Conquista da Península Ibérica,
661-750

Califado
717–720 Omar II África mediterrânea, Oriente
Omíadas
Próximo, Ásia Menor, Cáucaso,
Ásia Central e parte do Rio Indo
744–750 Marvão II
(meados do séc. VII).
32

750-1258 754–775 Al-Mansur Conquista de metade da


Califado Espanha (séc. XI)
786–809 Al-Rashid
Abássida Desenvolvimento de refinados
813–833 Al-Mamun conhecimentos científicos.
Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Assim, com esse pequeno relato da história militar e política do mundo islâmico,
podemos nos voltar, agora, para os primórdios da atividade científica naquela
civilização. Desse modo, no próximo tópico apresentaremos a Casa da Sabedoria,
local esse de grande importância para o desenvolvimento do conhecimento científico
dessa época.

2.3 A CASA DA SABEDORIA

Durante o período inicial da Idade Média, também conhecido de Alta Idade


Média, que vai do século V ao X, ocorreu na Europa uma considerável regressão no
desenvolvimento dos conhecimentos, em virtude, principalmente, da falta de material
científico a ser trabalho na época.
Diferentemente da Europa, no mundo islâmico, o desenvolvimento científico e
filosófico se tornava cada vez mais acentuado, pois, os árabes se voltaram para as
contribuições deixadas pelos gregos e pelos conhecimentos que vieram à tona na
Índia e na China. As caravanas de comerciantes árabes tomaram um papel importante
nesse processo de tornar possível o acesso a tais conhecimentos.
Foram diversos os estudos e descobertas realizadas pelos sábios islâmicos.
Daqui por diante, deixaremos de usar o termo árabe para nos referir a pessoas e, em
vez disso, usaremos o termo islâmico. A justificativa para isso é que entendemos a
palavra árabe como termo que se refere à etnia árabe, ou seja, os descendentes das
tribos habitantes da Península Arábica no século VIII. Nos primeiros tempos do Islã,
os muçulmanos, que seguiam a religião de Maomé eram e súditos do califado, eram
todos ou quase todos, árabes. Com a expansão do Islã por meio da conquista militar
e da conversão religiosa diversos outros povos (persas, tadjiques, uzbekos, hebreus,
entre outros), entre os cidadãos do Califado podiam ser encontrados indivíduos das
mais variadas origens étnicas, falantes das mais variadas línguas e praticantes das
mais diversas religiões. No entanto, todos viviam sob a mesma estrutura política, o
33

Califado Islâmico. Este era um estado teocrático, em que o poder religioso (o


islamismo) e o poder temporal se entrelaçavam, definindo tanto o governo como as
leis que regiam a sociedade. Sendo assim, ao indivíduo desde estado chamamos de
islâmico, o que não quer dizer que ele fosse muçulmano: podia ser cristão, judeu ou
zoroastra.
Este indivíduo tampouco era obrigatoriamente árabe: a terra de seus
antepassados poderia ser bem distante da Península Arábica. Tal é o caso de al-
Khwarizmi, oriundo de Khorezm, perto do mar de Aral e que, portanto, não era árabe.
Note-se então que ao tomar em nossas mãos à obra de um sábio islâmico, não
podemos supor, de imediato e sem maiores informações, que ele fosse árabe ou
muçulmano, mesmo que a obra tenha sido escrita inicialmente em língua árabe.
Depois dessa pequena digressão terminológica, voltemos ao tema original. Os
estudos empreendidos eram escritos e divulgados na língua oficial do islamismo, o
árabe. Devido à falta de tradução, alguns desses conhecimentos desenvolvidos e
descobertos pelos árabes não chegaram à Europa, mas, em contrapartida, os que
chegaram, fomentaram a retomada do desenvolvimento do conhecimento europeu,
no período que conhecemos como Baixa Idade Média, que vai do século XI ao XV.
Os islâmicos deram grandes contribuições ao que chamamos hoje de ciência,
visto que eles marcaram o desenvolvimento da álgebra, fizeram medições da
circunferência da Terra, deram grandes contribuições à astronomia e
consequentemente às navegações, com a invenção do astrolábio, divulgaram o
sistema de numeração decimal para a Europa, dentre outros grandes feitos.
Logo no início da dinastia Abássida, em 762, a capital do califado foi transferida
de Damasco, na Síria, para Bagdá, as margens do Rio Tigre. Além disso, em Bagdá
foi criada uma instituição de grande importância para criação e divulgação do saber.
Esta foi a chamada Casa da Sabedoria (em árabe, Bayt Al-Hikmah), vista como uma
das principais bibliotecas da história islâmica. Há diferentes opiniões a respeito do
fundador dessa grande biblioteca. Alguns registros apontam que seu fundador foi

[...] Abu Jafar al-Mansur (95-135 AH6) que coletou livros sobre medicamentos,
astronomia, engenharia e literaturas que foram traduzidos em seu reinado,
além de algumas outras publicações sobre Hadith (tradição profética),
história, ciências do Alcorão, al-Mansur reuniu todas as coleções de livros em
uma grande sala que era o núcleo da Casa da Sabedoria (al-Diyaji, 1975).
Ele foi o primeiro califa que motivou os muçulmanos a estudar ciências e

6Ano da Hégira 95 corresponde ao ano 716d.C e o ano 135 corresponde ao ano 756d.C, em nosso
calendário.
34

desenvolvê-los, ele também os aconselhou a traduzir livros de persa, grego


e indiano línguas (ALGERIANI; MOHADI, 2017, p. 180-181, tradução nossa).

Uma segunda opinião diz que a Casa da Sabedoria foi fundada durante o
governo de Harun al-Rashid (786-809). Essa fundação foi resultado de um progresso
intelecto e civilizacional que caracterizou seu califado, principalmente durante a era
das traduções, cujo objetivo era o enriquecimento muçulmano com diferentes
conhecimentos e ciências (ALGERIANI; MOHADI, 2017).
Embora não saibamos o verdadeiro fundador da Casa da Sabedoria, podemos
dizer que essa importante biblioteca brilhou durante o reinado de al-Mamun, pois, de
acordo com Algeriani e Mohadi (2017, p. 181), “ele era um homem de literatura, um
cientista e um amante de estudiosos a quem ele tinha dado maior interesse e apoio
para sua pesquisa, debates e livros de autoria”.
A Casa da Sabedoria era, conforme aponta Lyons (2011), um local para
acomodação dos inúmeros trabalhos traduzidos, copiados e escritos pelos estudiosos
islâmicos. Além de ser um espaço destinado ao estudo, também era um “espaço de
trabalho, suporte administrativo e auxílio financeiro para o pequeno exército de
eruditos que assumiria essas tarefas e depois as usaria de forma criativa e original”
(LYONS, 2011, p. 88).
Bayt al-Hikma, era um é símbolo da ambição intelectual e política do Estado
dos Abássidas. Ao decorrer do tempo, de acordo com Lyons (2011, p.88),

[...] a Casa da sabedoria veio a abranger um escritório de traduções, uma


biblioteca e repositório de livros e uma academia que contava com eruditos e
intelectuais de todo o império. Sua função primordial, no entanto, era a
salvaguarda de conhecimento valioso, fato que se refletia em outros termos
utilizados de vez em quanto pelos historiadores árabes para descrever o
projeto, tais como Tesouro dos Livros de Sabedoria ou simplesmente Tesouro
da Sabedoria.

A Casa da Sabedoria foi uma das principais bibliotecas que distinguiram os


tempos Abássidas. Ela abriu as portas para os pesquisadores, estudiosos e líderes.
Conforme aponta Algeriani e Mohadi (2017) a Casa da Sabedoria era o destino
preferido dos intelectuais da época, uma vez que esse local oferecia tudo o que
precisavam, incluindo sala para leitura, salas de aula, tradução, autoria e
mapeamento, por exemplo.
Não se sabe ao certo de onde vinham os recursos que mantinham a Casa da
Sabedoria funcionando, porém, muitos estudos apontam, conforme Algeriani e Mohadi
(2017), que essa biblioteca contava com um orçamento especial, o que correspondia
35

a grandes somas de dinheiro, seja para comprar materiais de trabalho, como papel,
caneta, livros, entre outros, ou para fazer o pagamento dos salários dos funcionários,
como os tradutores, autores, palestrantes, servidores, dentre outros.
A Casa da Sabedoria teve um papel crucial no desenvolvimento dos
conhecimentos islâmicos medievais, uma vez que foi a primeira biblioteca científica e
educacional que juntou, em um só lugar, cientistas, estudiosos e tradutores, para
estudar e pesquisar. Por esse e outros motivos, muitos califas tentaram simular e
fundar novas bibliotecas e casas das sabedorias que pudessem competir com a Casa
da Sabedoria de Bagdá.
A respeito disso, Algeriani e Mohadi (2017) relatam que houve, pelo menos,
três bibliotecas no mesmo estilo da Casa da Sabedoria de Bagdá, a saber: a Casa da
Sabedoria de Aglábida, fundada pelo Amir Ibrahim Ibn Mohammad al-Aghlabi (882-
911) em Raqqada; a Casa de Sabedoria da Andaluzia, fundada pelo Califado Omíada
na Andaluzia Hakam al-Mustansir (923-987); e a Casa da Sabedoria do Cairo, cujo o
início da sua fundação está relacionado com o tempo da Fatimid al-Aziz billah (986-
1007).
De modo geral, Algeriani e Mohadi (2017) apontam que um grande número de
bibliotecas surgiram na Península Arábica, assim como em outros territórios, no
entanto, embora houvesse uma tentativa de superar a Casa da Sabedoria de Bagdá,
essas bibliotecas nunca conseguiram atingir o potencial estruturado da Bayt al-Hikma.
Vale ressaltar que a influência da Casa da Sabedoria de Bagdá rompeu fronteiras, ao
passo de chegarem a solos europeus, principalmente na Espanha, Córdoba, Sevilha
e Toledo (ALGERIANI; MOHADI, 2017).
Com a invasão de Bagdá pelos mongóis em 1258, houve a destruição da Casa
da Sabedoria, bem como a destruição de livros, manuscritos, mapas, observatórios,
entre outros materiais. Os mongóis7 queimaram a maioria dos as coleções, enquanto
outros foram jogados no rio Tigre. A invasão dos mongóis e destruição dessa
biblioteca marcou a queda de Bagdá e, finalmente, o colapso do califado abássida que
havia deixado o mundo muçulmano em crise nos anos vindouros (ALGERIANI;
MOHADI, 2017).

7 Os mongóis formam um grupo étnico que habita as estepes da Ásia Central. Sua existência é
documentada desde o século VIII. Os mongóis formaram sociedades complexas na Idade Média,
especialmente no Império Mongol e, depois, sob Tamerlão.
36

2.4 A PRODUÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

Após o colapso do mundo antigo e o declínio da matemática helenística, o


desenvolvimento das ciências exatas continuou principalmente nos países do
Extremo, Médio e Próximo Oriente, como é o caso da Matemática islâmica. Nesse
período da História da Matemática, foram desenvolvidos importantes métodos e
conhecimentos matemáticos, que se tornaram componentes imprescindíveis da
matemática do mundo atual (WUSSING, 1998). Durante esse período, nos países de
influência islâmica, a matemática se desenvolveu até, aproximadamente, o século
XIV-XV. Em comparação ao desenvolvimento da matemática em áreas de influência
cristã, podemos dizer que os países islâmicos alcançaram um maior nível de
desenvolvimento.
O Islã, em sua expansão, conquistou, como já falamos anteriormente, terras
que haviam sido partes da civilização bizantina ou persa, e limitou terras como a Índia
e a China com suas próprias altas civilizações. Berggren (2007) comenta que o fato
da elite islâmica se interessar pelos conhecimentos desenvolvidos nas sociedades
conquistadas não é nada surpreendente, uma vez que, em alguns casos, eles
encontravam conhecimentos científicos superiores ao que outrora eles haviam
desenvolvidos.
O período de 750 a 900 foi chamado por Berggren (2007) de aquisição
muçulmana de áreas inteiras de aprendizado antigo, incluindo a matemática e sua
companheira, a astronomia. É importante ressaltar que a palavra aquisição, conforme
explica Berggren (2007, p. 516) “significa aqui a participação ativa dos muçulmanos
no processo, não apenas como patronos de estudiosos de outras religiões, mas como
aprendizes interessados e, cada vez mais, os próprios estudiosos”. Em outras
palavras, os muçulmanos não apenas dominaram esses conhecimentos científicos,
mas se apropriaram deles.
Youschkevitch (1979) comenta que o terreno para o florescimento da ciência
nas regiões centrais do Califado Abássida já estava preparado, visto que

[...] mesmo anteriormente à chegada dos árabes existiam na Síria, na


Mesopotâmia e no Irã escolas científicas ativas, nas quais, além da filosofia
de Aristóteles, as ciências naturais e as matemáticas eram ensinadas. A
medicina, e especialmente as doutrinas de Hipócrates e Galeno, também
eram ali estudadas. (YOUSCHKEVITCH, 1979, p.3-4, tradução nossa).
37

Mais precisamente no governo de Omar II, que consistiu no período de 717 a


720, as cidades sírias perderam a primazia, pois as escolas foram transferidas
primeiramente para Narran e depois para Bagdá. Por essa e outras razões, no final
do século VIII e início do século IX, muitos tradutores e estudiosos de diversos países
se reuniram em Bagdá.
Califas como al-Mansur, que viveu entre 754 e 775 e Harun al-Rashid, que
viveu entre 786 e 809, encorajaram o desenvolvimento científico nas áreas das
ciências naturais e matemática. A cidade de Bagdá possuía diversas bibliotecas, mas
quais muitas eram encarregadas de copiar trabalhos outrora escritos
(YOUSCHKEVITCH, 1979).
Pouco mais tarde, al-Mamun reuniu, em seu governo que durou de 813 a 833,
estudiosos em uma espécie de academia denominada Casa da Sabedoria. Nessa
biblioteca, foram realizados trabalhos extensivos em astronomia e geografia. Parte
destes trabalhos foram as novas medidas da inclinação da eclíptica e do comprimento
de um arco meridiano, bem como novos mapas geográficos.
Não era apenas a astronomia, devido às descobertas indianas, e a matemática
que tiveram desenvolvimento extraordinário naquela época, mas também, a química,
a medicina, a farmacologia, a botânica e a mineralogia. Foi durante esse período que

[...] se constituíram as escolas filosóficas que foram de grande importância


para o conjunto das ciências naturais e matemática. Como Aristóteles, os
pensadores do mundo islâmico se distinguiam pelo interesse em diversas
áreas do conhecimento, seu conhecimento enciclopédico e pela dedicação à
pesquisa em diversos ramos: os matemáticos, por exemplo, frequentemente
se dedicavam à medicina. (YOUSCHKEVITCH, 1979, p. 5, tradução nossa).

O pano de fundo para os desenvolvimentos matemáticos que começaram em


Bagdá em torno de 800 não é bem compreendido. Certamente houve uma importante
influência que veio dos matemáticos hindus, cujo desenvolvimento anterior do sistema
decimal e dos numerais era importante. Conforme Berggren (2007) nos informa, a
matemática islâmica medieval incluiu as teorias e práticas matemáticas que
cresceram e floresceram frequentemente na Península Ibérica, cujo período histórico
envolvido teve início em 750 e término em 1450 d. C., o que corresponde à,
aproximadamente, 700 anos.
Embora os tratados matemáticos tenham sido escritos em vários idiomas,
incluindo persa e turco, Berggren (2007, p. 515, tradução nossa) aponta que
38

[...] a principal língua utilizada era o árabe e, por essa razão, é


ocasionalmente chamada de matemática árabe. Esse nome, no entanto,
torna-se facilmente “matemática árabe”, com a implicação de que a maioria
de seus praticantes eram árabes, embora muitos fossem (por exemplo)
iranianos, egípcios, marroquinos e assim por diante. Então, a designação
"matemática islâmica" é preferível.

Essa confusão no termo matemática árabe envolveu e ainda envolve diversos


estudiosos desse período islâmico, como por exemplo, al-Khwarizmi, que iremos falar
mais à frente.
A escola matemática de Bagdá manteve atividade intensa durante dois séculos.
Youschkevitch (1979) explica que, em seu primeiro período, a escola matemática se
dedicou, primordialmente, ao estudo das obras da antiguidade e a suas respectivas
traduções para o árabe. Graças a esses estudos iniciais, uma terminologia científica
árabe se desenvolveu rapidamente e em um espaço de 100 a 150 anos, as principais
obras de Euclides, Arquimedes, Apolônio, Ptolomeu e outros foram traduzidas para o
árabe (YOUSCHKEVITCH, 1979).
Podemos distinguir, de acordo com Youschkevitch (1979), três etapas no
desenvolvimento da matemática nos países islâmicos, sendo imperceptível a
passagem de uma etapa para a outra: a etapa da assimilação do conhecimento ou
das traduções, a etapa da produção e traduções e a etapa da divulgação e produção
de conhecimento.
Na etapa da assimilação da herança cultural grega e oriental, com a
predominância dos elementos gregos por algum tempo, houve a criação de um
enorme acervo para estudo, na própria língua árabe. Na verdade, juntamente com a
criação de uma enorme bibliografia traduzida e comentada, a esta bibliografia, já no
século IX, se formou uma cultura matemática particular. A partir deste período, o
conhecimento e os métodos dos gregos foram frequentemente aplicados à solução
de problemas de cálculo numérico. Essa tendência se intensificou cada vez mais nos
séculos X e XI, uma vez que os cálculos astronômicos e os métodos de aproximação
da álgebra e da trigonometria tornaram-se cada vez mais precisos. Esta tendência se
fortaleceu ainda mais do século XIII ao XV. O estabelecimento de relações mais
estreitas com a China provavelmente foi de grande importância neste domínio
(YOUSCHKEVITCH, 1979).
Berggren (2007) não chama atenção para as etapas, mas para as fontes.
Segundo o referido autor, a matemática islâmica veio principalmente de três tradições.
A primeira tradição foi a matemática grega, perpassando pelos clássicos geométricos
39

de Euclides, Apolônio e Arquimedes, às soluções numéricas dos problemas


indeterminados da Aritmética de Diofante até chegar nos manuais práticos de Heron.
Admitindo-se que os gregos não eram os únicos que possuíam conhecimentos
científicos naquela época, Berggren (2007) aponta que a segunda tradição
influenciadora da matemática islâmica medieval é a hindu, com o seu engenhoso
sistema aritmético posicional, baseado em apenas nove signos e com seus métodos
de geometria sólida para resolver situações corriqueiras na astronomia.
Para finalizar, Berggren (2007) chama a terceira tradição de matemática dos
praticantes. Esses praticantes incluíam

[...] agrimensores, construtores, artesãos em desenho geométrico,


funcionários fiscais e de tesouraria e alguns comerciantes. Parte de uma
tradição oral, essa matemática transcendia as divisões étnicas e era uma
herança comum de muitas das terras incorporadas ao mundo islâmico.
(BERGGREN, 2007, p. 516, tradução nossa)

A assimilação da herança clássica permitiu que os matemáticos dos países


islâmicos atingissem um nível mais alto no desenvolvimento de algoritmos numéricos
e problemas correspondentes do que os matemáticos chineses e indianos poderiam
acessar. Ela também permitiu

[...] que os islâmicos encontrassem formas mais eficazes de resolver e


generalizar esses problemas do que aqueles disponíveis para os chineses e
indianos. Se os indianos e os chineses se contentavam em estabelecer uma
determinada regra de cálculo, os matemáticos islâmicos muitas vezes
conseguiam desenvolver uma teoria inteira. Assim, com base na teoria das
seções cônicas, um legado da antiguidade, eles criaram uma teoria
geométrica bastante desenvolvida de equações de terceiro grau. Eles
também desenvolveram novas ideias em seus comentários sobre as obras
gregas e substituíram, por exemplo, a teoria das proporções de Eudoxus e
Euclides por outra teoria em que apareceu um conceito mais amplo do
número real que correspondia melhor aos novos requisitos da ciência e suas
aplicações. (YOUSCHKEVITCH, 1979, p. 8, tradução nossa)

Com isso, podemos observar, segundo Youschkevitch (1979), que a influência


da matemática grega é revelada nos métodos de pesquisa, bem como no estilo das
obras árabes, cujos autores tentaram apresentar demonstrações, classificar os
assuntos de forma sistemática e fazer exposições completas. Quando os autores não
indicavam a maneira como eles desenvolviam as fórmulas que aplicavam, eles
claramente as enunciavam em detalhes. Desse modo, em muitas obras, é encontrado
ao mesmo tempo uma grande quantidade de exemplos e problemas. Tal abundância
40

é característica das obras orientais da matemática e seu conteúdo é muitas vezes


emprestado de problemas prático, em particular, de problemas da vida cotidiana.
Segundo Djebbar (2005), a ciência árabe nasceu dentro de um contexto
excepcional e se estendeu à todas as produções e práticas científicas realizadas, em
grande parte em língua árabe, durante cerca de nove anos, do século VIII ao século
XVI, oferecendo condições para reativação da ciência no Mediterrâneo Oriental,
seguido por sua difusão em espaços asiáticos, africanos e, principalmente, europeus.
Seus métodos, orientações, concepções e às vezes até o seu conteúdo era
fortemente impregnado e em parte determinado pelo seu contexto. Como pontua
Djebbar (2005), os cientistas da civilização árabe evoluíram ao ponto de
estabelecerem uma tradição científica cujo funcionamento atingiu um caráter
universal. Essa característica permitiu às ciências islâmicas, nos primeiros sinais de
declínio, experimentar uma segunda vida, agora na Europa, entre os séculos XIII e
XV, cujo espaço cultural era claramente distinto de seu ambiente original (DJEBBAR,
2005).
Tampouco a matemática dos países islâmicos era unitária regionalmente.
Geralmente se distingue entre o leste e o oeste; a matemática ocidental não atingiu o
nível da oriental em geral. Por esta razão, esse último foi decisivo para a transmissão
das realizações matemáticas dos gregos, dos hindus e dos árabes para a Europa.
Em suma, a partir do século VIII os primeiros Califas Abássidas estimularam o
conhecimento de textos existentes a partir de traduções feitas pelos estudiosos
islâmicos. Al-Mansur foi o primeiro a financiar as traduções de obras científicas dos
indianos e dos filósofos gregos antigos. Seus sucessores continuaram e ampliaram
essa prática, o que levou ao crescimento e fortalecimento da Casa da Sabedoria, que
acolhia os melhores sábios da época e tornou-se o primeiro centro científico de Bagdá.
Entre os manuscritos traduzidos para o árabe estavam textos desaparecidos de
Ptolomeu (90 – 168), Euclides (300 a.C), Galeno (129 a.C – 217 a.C) e tantos outros
provenientes das ciências antigas. Esses sábios foram largamente estimulados por
homens eminentes e de grandes posses, que tinham interesse pelo conhecimento
criativo.
Conhecido o mundo islâmico e seus conhecimentos, podemos conhecer o
estudioso que escreveu o nosso objeto de estudo: al-Khwarizmi.
41

2.5 ABU JA’FAR MUHAMMAD IBN MUSA AL-KHWARIZMI

O primeiro sábio eminente da escola Bagdá é o autor clássico da matemática


e da astronomia islâmica, Abu Jafar Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi, que
desempenhou suas atividades científicas sob o reinado de al-Mamun. Na figura 2,
podemos ver um selo emitido em 6 de setembro de 1983, pela União Soviética, em
comemoração ao 1200° aniversário natalício de al-Khwarizmi. Além de selos, há
também diversos monumentos construídos como forma de agradecer e homenageá-
lo pelas suas grandes contribuições ao florescimento das ciências.

Figura 2 - Selo emitido pela União Soviética em 6 de setembro de 1983

Fonte: Jeff Miller (2019)

Al-Khwarizmi trabalhou na Casa da Sabedoria junto com diversos ícones da


ciência islâmica medieval, como al-Haagag, o primeiro tradutor de Os Elementos, al-
Fargani, comentador de Os Elementos, e os astrônomos Habas al-Hasib e al-Fargani,
cujas obras alcançaram posteriormente grande popularidade na Europa medieval. Em
42

Bagdá, al-Khwarizmi trabalhava traduzindo e estudando os trabalhos gregos e


escrevendo suas próprias obras, as quais mencionaremos em breve.
Podemos encontrar o nome de al-Khwarizmi escrito de diversas formas, como
por exemplo: al-Jwārizmī, al-Hwārizmī, al-Khowārizmī, al-Jowārizmī ou al-Howārizmī,
ou al-Khuwārizmī, al-Juwārizmī ou al-Huwārizmī, al-Khwārezmī, al-Khowārezmī, al-
Khuwārezmī, entre outros. Tais escritas se diferenciam em virtude das peculiaridades
de cada língua. Para padronização da nossa escrita, escolhemos utilizar a versão
inglesa de seu nome, ou seja, al-Khwarizmi.
Al-Khwarizmi nasceu por volta do ano de 780 e faleceu por volta do ano 850.
De acordo com Berggren (2003), os estudiosos que alimentavam a civilização islâmica
vieram de diversas terras. Sintomático disso é o fato de al-Khwarizmi, originário de
Khorezm, vir a ser um dos estudiosos mais representativos da civilização islâmica.
Seu nome completo era Abu Jafar Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi, o que quer
dizer que ele era pai de Jafar, chamado pelo nome de Muhammad (Maomé), filho de
Musa (Moisés), vindo de Khwarezm, também conhecido como Corásmia (vide mapa
4), província localizada em Uzbequistão.

Mapa 4 - Khwarezm, localizado em Uzbequistão

Fonte: Simielli (2003)


43

Se al-Khwarizmi nasceu em Khwarizm, de fato ele não era árabe, e


provavelmente sua língua materna não era árabe, já que em Khwarizm, segundo Puig
(2008a), havia uma língua própria na época. No entanto, seus trabalhos acadêmicos
desenvolvidos em Bagdá foram todos escritos em árabe, a língua científica da época.
As principais contribuições de AI-Khwarizmi para as ciências residem em quatro
áreas de conhecimento, a saber: aritmética, álgebra, geografia e astronomia. Em
aritmética e astronomia, ele introduziu métodos hindus ao mundo islâmico, enquanto
sua exposição de álgebra foi de primordial importância no desenvolvimento dessa
ciência no islã medieval. Finalmente, suas conquistas em geografia ganham um lugar
entre os antigos mestres daquela disciplina.
Al-Khwarizmi desempenhou um papel importante na expansão do
conhecimento do mundo islâmico medieval. Ele recebeu a responsabilidade de chefiar
o Departamento de Pesquisa de Astronomia na Casa da Sabedoria. Segundo Sidek e
Bakar (2012), ele passou muito tempo em suas funções na Casa da Sabedoria como
pesquisador e tradutor de livros em várias línguas, de vários países para o árabe.
Além disso, ele foi chefe de uma delegação no Afeganistão para fins de pesquisa. Ele
conheceu e conviveu várias comunidades europeias, enquanto desempenhava suas
funções relacionadas à pesquisa.
Como uma figura de renome, al-Khawarizmi contribuiu para o avanço da ciência
e da tecnologia na civilização islâmica, particularmente relacionada à redistribuição da
antiga herança científica e à produção de trabalhos originais em suas áreas de
especialização. Sidek e Bakar (2012, p. 325, tradução nossa), atenta que

[...] sua contribuição, quando examinada, mostra que ele era uma figura
importante no processo de indigenização da ciência na civilização islâmica.
Entre os elementos da indigenização da ciência estavam o redigir do antigo
tesouro científico e a produção de obras originais, que era o ápice desse
processo.

A palavra indigenização supracitada corresponde ao fenômeno de adaptação


e descobertas do povo islâmico, dos conhecimentos já existentes naquela época,
desenvolvidos pelas civilizações antigas como as civilizações do Egito, Mesopotâmia,
Grécia, China e Índia, por exemplo.
Quanto à matemática, al-Khwarizmi ofereceu contribuições ao sistema
numérico, à aritmética, à álgebra, à trigonometria e à geometria. Contribuições as
quais falaremos a seguir.
44

Kitab al-hisab al-cadad al-hindi, o Livro de cálculo com o Números hindus, é o


primeiro livro em que al-Khwarizmi explica o sistema de numeração hindu e o cálculo
aritmético. Esse livro foi escrito depois de 813 e não há nenhum manuscrito árabe
deste livro preservado. Segundo Oaks (2012), nesse livro al-Khwarizmi explica
algoritmos para realizar operações aritméticas usando um painel de poeira, também
conhecido como takht. Esse painel era uma superfície plana coberta com uma areia
fina ou poeira na qual as figuras são desenhadas com uma caneta.
Além disso, conforme Berggren (2003, p. 7, tradução nossa) aponta, essa obra
teve “um efeito importante sobre a matemática islâmica, pois forneceu aos
matemáticos islâmicos uma ferramenta que estava em uso constante - embora não
universal - desde o início do século IX em diante”.
Devido à grande divulgação desse trabalho aritmético, atribuíram a esse autor
árabe a paternidade da numeração utilizada. É por esse e outros motivos que, em
alguns livros, encontramos este sistema de numeração sendo chamado de indo-
arábicos ou o sistema de numeração de al-Khwarizmi.
Kitāb al-jamc wa't-tafrīq, o Livro da reunião e separação, está perdido. Sabe-se
apenas que se trata de um livro de aritmética. Segundo Djebbar (2005) e Rashed
(2007) esse livro deve conter um cálculo aritmético antes da introdução do cálculo
hindu.
A aritmética foi apenas uma área na qual al-Khwarizmi fez contribuições
importantes para a matemática islâmica. Sua obra mais famosa é no campo da
álgebra e se chama Al-Kitāb al-mukhtaṣar fī ḥisāb al-jabr wal-muqābala, ou seja, o
Livro de Restauração e Balanceamento. Essa obra data entre os anos de 813 e 830
e muitos autores a chamam de, simplesmente, Álgebra de al-Khwarizmi ou Tratado
algébrico de al-Khwarizmi.
Escrito durante o reinado de Al-Mamum, al-Khwarizmi dedicou a escrita de seu
tratado algébrico a esse Califa Abássida. Segundo Berggren (2003, p. 7, tradução
nossa), essa obra
[...] tornou-se o ponto de partida do tema da álgebra para matemáticos
islâmicos, e também deu seu título para servir como o nome ocidental para o
assunto, pois a álgebra vem do árabe al-jabr. Neste livro, uma variedade de
influências é evidente, incluindo métodos babilônicos e hindus que levam a
soluções do que poderíamos chamar de equações quadráticas e
preocupações gregas com a classificação de problemas em diferentes tipos
e provas geométricas da validade dos métodos envolvidos.
45

Na figura 3, temos a fotografia de uma das páginas do Tratado algébrico de Al-


Khwarizmi. Algo que pudemos detectar ao longo da leitura desse tratado é que al-
Khwarizmi utilizava a cor vermelha em seu texto sempre que objetivava chamar a
atenção de seu leitor.

Figura 3 - Página do Livro de Restauração e Balanceamento

Fonte: Al-Khwarizmi (830)

Al-Khwarizmi teve seu ápice intelectual no início do século IX e talvez um dos


avanços mais significativos feitos pela matemática islâmica tenha começado nessa
época com a escrita da Álgebra de al-Khwarizmi. É importante entender o quão
significativo é essa nova ideia. O'Connor e Robertson (1999a) apontam que al-
Khwarizmi, com essa nova ideia, o conhecimento sobre álgebra, promoveu um
afastamento revolucionário do conceito grego de matemática que era essencialmente
geométrico.
46

Esse campo de estudo da matemática era, conforme O'Connor e Robertson


(1999a), uma teoria unificadora que permitia que números racionais, números
irracionais, magnitudes geométricas, entre outros, fossem tratadas como objetos
algébricos. Esse fato deu à matemática um caminho de desenvolvimento totalmente
novo, muito mais amplo em conceito do que existia antes, e forneceu um veículo para
o desenvolvimento futuro do assunto. Outro aspecto importante da introdução de
ideias algébricas foi que permitiu que a matemática fosse aplicada a si mesma de uma
maneira que não havia acontecido antes.
O Ocidente merece crédito pelas extraordinárias conquistas e avanços que
ocorreram na Europa e na América, mas, de acordo com Kliksberg (2010), a
concepção ocidental imaculada é puramente fantasia da imaginação. De fato, al-
Khwarizmi é um dos contribuintes, não ocidentais, cujas obras influenciaram o
Renascimento europeu e, mais tarde, o Iluminismo e a Revolução Industrial
(KLIKSBERG, 2010).
No Tratado algébrico de al-Khwarizmi, também existem contribuições à
geometria, visto que há um capítulo destinado a esse ramo da matemática. Nesse
capítulo, esse autor fala sobre cálculo de áreas e volumes de figuras geométricas,
teorema de Pitágoras, entre outros.
Considerando o que dizem Sidek e Bakar (2012, p. 327),

O trabalho de al-Khawarizmi sobre a álgebra não pode ser considerado como


uma pequena descoberta, pois sem ela a teoria dos conjuntos, a geometria
avançada, o cálculo e assim por diante não seriam facilmente descobertos ou
desenvolvidos. Na álgebra, o pensamento matemático de al-Khawarizmi
mudou da busca da ordem natural para a harmonia e a justiça, sem
negligenciar a ordem natural e da matemática ideal à matemática real.
Significa uma mudança de um símbolo que está cada vez mais afastado de
sua representação para a realidade, o que significa determinação (herança
islâmica), zakat (imposto religioso) e assim por diante.

Conforme Sidek e Bakar (2012) propõem, al-Khawarizmi foi a primeira pessoa


a introduzir a teoria do jib (seno), tajjib (cosseno), dhill (cotangente) e tadhill (tangente).
Ele também fez, conforme Zain (1985), as tabelas para essas funções trigonométricas.
Durante seu governo, o califa al-Mamun construiu um observatório para observar as
estrelas em Bagdá e outra na planície de Tadmor. Devido ao seu patrocínio e apoio,
al-Khwarizmi realizou diversos tipos de observações astronômicas. Sidek e Bakar
(2012) expõem que al-Khwarizmi foi um dos primeiros estudiosos a calcular tabelas
47

astronômicas e de trigonometria. Dentre esses trabalhos, estavam centenas de


tabelas para valores de seno e cosseno.

Além dos conhecimentos em aritmética, álgebra e geometria, al-Khwarizmi deu


grandes contribuições à geografia. Esse estudioso fazia parte da equipe de
astrônomos empregados por al-Mamun, que tinham como objetivo medir o
comprimento de um grau ao longo de um meridiano.
Esse estudioso escreveu um importante trabalho sobre cartografia que deu as
latitudes e longitudes de 2402 localidades como base para seu mapa-múndi. O livro,
conforme O'Connor e Robertson (2002), foi baseado na obra de Ptolomeu Geography
(Geografia), e lista latitudes e longitudes, montanhas, mares, ilhas, cidades, regiões
geográficas e rios.
No governo de al-Mamun, al-Khwarizmi participou também de um projeto de
construção de um mapa do mundo conhecido. Podemos ver esse mapa na figura 6.

Figura 4 - Mapa atribuído aos geógrafos do califa al-Mamun

Fonte: Puig (2008b)


48

Esse projeto exigiu desse estudioso e de sua equipe de estudo, a solução de


três problemas que combinavam teoria e prática. Conforme Berggren (2003, p. 9,
tradução nossa),

O primeiro problema era principalmente teórico e exigia o domínio dos


métodos, tais como aqueles explicados por Ptolomeu em meados do século
II d.C., para mapear uma porção da superfície de uma esfera (a terra) em um
plano. O segundo foi usar observações e cálculos astronômicos para
encontrar a latitude e a longitude de lugares importantes na superfície da
Terra. As dificuldades envolvidas aqui são teóricas e práticas. O terceiro
problema era suplementar essas observações por meio de relatos de
viajantes (sempre mais numerosos e geralmente menos confiáveis do que
astrônomos) em tempos de viagem de um lugar para outro. Entre as
realizações de al-Khwarizmi em sua obra geográfica The Image of the Earth
estavam sua correção do comprimento exagerado de Ptolomeu do Mar
Mediterrâneo e sua descrição muito melhor da geografia da Ásia e da África.
Com tal mapa, o califa poderia pesquisar rapidamente a extensão e a forma
do império que ele controlava.

Embora essa obra tenha incluído mapas que são mais precisos do que os de
Ptolomeu, para a Europa, al-Khwarizmi parece, no geral, ter usado os dados de
Ptolomeu, o que anula, assim, às contribuições desse autor árabe.
Além dessas contribuições, al-Khwarizmi foi o décimo primeiro estudioso a falar
sobre o cálculo do 𝜋, em 800. Em sua álgebra, esse autor fala que o homem prático
usa 22⁄7 para 𝜋, o geômetra usa √10 para 𝜋, enquanto o astrônomo usa 3,1416.
De modo geral, Al-Khawarizmi esteve muito envolvido em vários campos do
conhecimento que trouxeram o desenvolvimento intelectual durante seu tempo.
Através de sua criatividade, ele produziu muitos trabalhos. De acordo com Sidek e
Bakar (2012), existem, então, 11 trabalhos conhecidos, a saber: Kitab al-Zij al-Sind;
Kitab al-Rukhamah; Kitab al-'Amal bi a-Asturlab; al-Mujtasar fi hisab al-jabar wa-l-
muqabala; Kitab al-Jam 'wa Ta'aqq; Kitab al-Jabar al-Muqabalah; Kitab Surat al-Ard;
Kitab Rasm al-Rub' al-Mamur (min al-Ard); Kitab Taqwim al-Buldan; Kitab Tarikh bi al-
falsafah; e Kitab 'Amal al-Asturlab.
Foi com essas e outras contribuições que, com sua morte, o legado de al-
Khwarizmi à sociedade islâmica incluiu uma maneira de representar números que
levaram a métodos fáceis de computação, mesmo com frações, uma ciência da
álgebra que poderia ajudar a resolver problemas de herança e um mapa que
mostrasse distribuição de cidades, mares e ilhas na superfície da Terra. Com isso,
podemos dizer que al-Khwarizmi foi um dos principais eminentes estudiosos em várias
49

áreas do conhecimento, particularmente em matemática, astronomia e geografia, a


contribuir para o crescimento e desenvolvimento da ciência islâmica medieval.
Assim, nesse capítulo, fizemos o alicerce para o que virá nos próximos
capítulos, uma vez que precisamos conhecer o mundo islâmico e os conhecimentos
desenvolvidos durante o islã medieval para podermos compreender melhor o nosso
objeto de estudo. Desse modo, no capítulo seguinte, falaremos sobre a Álgebra de al-
Khwarizmi e suas equações.
50

3 O LIVRO DA RESTAURAÇÃO E DO BALANCEAMENTO

O período de 750 a 1400 foi um momento importante para o desenvolvimento


da matemática. Unidos por uma nova religião, o Islã, estudiosos islâmicos se
apoderaram de obras clássicas do ocidente e de obras hindus do oriente, escreveram
extensos comentários sobre tais e as desenvolveram. Vários termos matemáticos
datam desta época. A palavra algoritmo é um exemplo disso, pois ela deriva do nome
do estudioso islâmico al-Khwarizmi.
Para darmos continuidade ao nosso estudo, faremos, nesse capítulo, uma
revisão bibliográfica a respeito da história da matemática e da álgebra desenvolvida
no mundo islâmico. Para isso, utilizaremos como base os autores Djebbar (2017),
Rogers (2008) e Oaks (2012). Em seguida, falaremos do livro Álgebra de al-
Khwarizmi, dando ênfase ao método algébrico e geométrico de resolução de
equações polinomiais do segundo grau. Para isso, utilizaremos, principalmente, os
autores Castillo (2009) e Youschkevitch (1979).

3.1 A ÁLGEBRA DESENVOLVIDA NO MUNDO ISLÂMICO

Ao periodizar a fase da matemática islâmica, Djebbar (2017) a divide em quatro


sequências, que são parcialmente justapostas. A primeira é denominada como la
phase des savoir-faire locaux (a fase do saber-fazer local), a segunda la phase des
traductions (a fase das traduções), a terceira la phase de reactivation des savoirs (a
fase de reativação dos conhecimentos) e por fim, a fase la phase des transferts (a
fase de transferência).
A primeira fase consiste nos saberes existentes antes mesmo do surgimento
da religião monoteísta, o islã. Saberes esses que se resumem em práticas locais cuja
existência é indiscutível diante de documento estudados, mas cujas origens ainda são
incertas (DJEBBAR, 2017).
A segunda fase consiste no momento reservado às traduções, ou seja, foi a
fase da apropriação de conhecimentos antigos, que teoricamente iniciou-se no século
VIII e teve término no século IX. Durante esse período, tornou-se possível colocar à
disposição dos primeiros estudiosos dos países islâmicos uma massa considerável
de textos matemáticos produzidos em contextos culturais não árabes, em especial,
indiano e grego. De acordo com Djebbar (2017), o instrumento dessa transferência foi
51

o árabe, cuja difusão até o advento do islã limitou-se à Arábia e sua extensão no
Crescente Fértil. Após a constituição da primeira comunidade de matemáticos falando
árabe, as traduções do final do século VIII foram julgadas insatisfatórias e novas
traduções foram ordenadas.
A terceira fase consiste na reativação dos saberes, seguida de um longo
processo de inovação. Essa fase aconteceu, aproximadamente, entre os séculos IX e
XIV. Djebbar (2017) aponta que desde o início do século IX, os saberes islâmicos
entraram em uma fase de enriquecimento e criatividade em diferentes níveis. Essa
dinâmica continuou até o início do século XV. O autor expõe, ainda, que durante esse
longo período, foi constituída e consolidada uma comunidade matemática cujos
membros pertenciam aos diferentes grupos étnicos, confissões e culturas do império
muçulmano e, por vezes, algumas contribuições externas, em particular da China e
da Índia. Embora possuíssem especificidades divergentes, os matemáticos islâmicos
faziam matemática da mesma forma, recorrendo às ferramentas da demonstração
e/ou cálculos e resoluções de problemas (DJEBBAR, 2017).
Finalmente, a quarta fase teve duração entre os séculos XII e XV e consiste
nas transferências, para outras áreas culturais, de uma parte do corpus matemático
herdado de tradições anteriores e de novas contribuições produzidas. A matemática
escrita em árabe, segundo Djebbar (2017), começou a se espalhar em outros espaços
culturais no início do século X, mas foi essencialmente nos séculos XII-XIII que essa
disseminação se intensificou e um processo de aclimatação nasceu nos dois extremos
do império muçulmano na China e na Europa.
Mas, o que exatamente consistia em Matemática Islâmica? A matemática
islâmica refere-se, de acordo com Rogers (2008), às teorias e práticas matemáticas
que floresceram nas partes do mundo onde o islã era a influência religiosa e cultural
dominante. Juntamente com as transmissões da matemática grega, os matemáticos
muçulmanos do Império Medieval islâmico expandiram os conceitos gregos de
geometria, astronomia, medicina e aritmética. Estudiosos muçulmanos, também
consolidaram a matemática indiana e a grega, para formar o início do conhecimento
algébrico moderno (ROGERS, 2008).
É importante notar que a origem da álgebra se estende aos antigos egípcios e
babilônios, que tinham textos lidando com problemas aritméticos, algébricos e
geométricos já em 2000 a.C. Conforme aponta Rogers (2008, p. 9, tradução nossa),
52

[...] na aritmética de Diofante, várias equações já haviam aparecido. No


entanto, essas equações foram resolvidas como partes de soluções para
outros problemas e não foram sistematicamente tratadas. Al-Khwarizmi foi o
primeiro a estudar sistematicamente a álgebra. Embora as equações de
Diofante existissem, al-Khwarizmi provavelmente não estava ciente delas na
época em que escreveu seu tratado.

Até o ponto que nossos estudos revelaram, al-Khwarizmi não sabia grego, e
não havia tradução árabe da Aritmética de Diofante na época. Então, al-Khwarizmi foi
provavelmente mais influenciado por fontes hindus ou locais siríaco-persa-hebraico.
No entanto, nenhuma dessas fontes progrediu até al-Khwarizmi.
Depois do Tratado algébrico de al-Khwarizmi, o desenvolvimento da álgebra
não chegou a um impasse. Vários matemáticos muçulmanos são conhecidos por seu
trabalho sobre desenvolvimentos algébricos. Os mais conhecidos são Abu Kamil (850
– 930), al-Karaji (953 – 1029), al-Hasan, também conhecido como Alhazen (965 –
1040) e Al-Samawal (1130 – 1180).
A morte de al-Khwarizmi coincide, aproximadamente, com o nascimento no
Egito de Abu Kamil Shuja ibn Aslam ibne Muhammad ibn Shuja, também conhecido
como al-Hasib al-Misri, o Calculista Egípcio. Segundo O'Connor e Robertson (1999b),
Abu Kamil, além de ser um sucessor, era um profundo admirador do legado deixado
por al-Khwarizmi. Em seu tratado de álgebra, esse estudioso islâmico resolve
geometricamente, assim como al-Khwarizmi, as equações do segundo grau, porém
apoia-se mais diretamente em Euclides. O'Connor e Robertson (1999b, p.1, tradução
nossa) assinalam, ainda, que o trabalho de Abu Kamil foi a base dos livros de
Fibonacci e, portanto, Abu Kamil não é importante, apenas, “no desenvolvimento da
álgebra árabe, mas, através de Fibonacci, ele também é de fundamental importância
na introdução da álgebra na Europa”.
Abu Bekr ibn Muhammad ibn al-Husayn al-Karaji, ou simplesmente, al-Karaji,
diferentemente de al-Khwarizmi e Abu Kamil, tendia a aplicar a aritmética à álgebra.
Desse modo, esse estudioso escreveu um compêndio da ciência e da matemática,
que, conforme Castillo (2009), divide-se em setenta capítulos, dos quais os
dezessetes últimos estão dedicados à álgebra. A importância de al-Karaji, como
sugerem O'Connor e Robertson (1999a), no desenvolvimento da matemática islâmica
é vista de maneira divergente por diversos autores. A razão para isso depende do
significado que se atribui ao estilo de sua matemática. Alguns consideram que sua
obra é apenas uma reformulação das ideias de matemáticos anteriores, enquanto
53

outros a enxergam como a primeira pessoa a liberar completamente o conhecimento


algébrico de operações geométricas e substituí-las pelo tipo aritmético de operações
que estão no centro da álgebra moderna (O'CONNOR; ROBERTSON, 1999a).
No entanto, vale ressaltar que não foi apenas à álgebra que al-Karaji ofereceu
contribuições, visto que esse estudioso escreveu um trabalho geométrico que trazem
a definição de pontos, linhas, superfícies, sólidos e ângulos. Além disso, ele deixou
regras para a medição de figuras planas e sólidas e ensinou métodos de pesagem de
diferentes substâncias (O'CONNOR; ROBERTSON, 1999a).
Já Abu Ali al-Hasan ibn al-Haytham, também conhecido como Alhazen, viveu
aproximadamente entre os séculos X e XI e foi, como sustenta Castillo (2009), um dos
primeiros matemáticos árabes que plantou e resolveu problemas que conduziam a
equações de terceiro grau. No entanto, foi o persa Omar Caiam (1048 – 1131) quem
inventou/descobriu todas as possíveis equações cúbicas e ensinou um procedimento
para resolver cada uma delas.
Por fim, Ibn Yahya al-Maghribi Al-Samawal, que viveu, aproximadamente, entre
1130 e 1180, estudou medicina e matemática. Com o objetivo de levar seus estudos
matemáticos adiante, al-Samawal teve que estudar por conta própria. Seu mais
famoso tratado, conforme O'Connor e Robertson (1999c), é conhecido como al-Bahir
fi'l-jabr, ou O brilhante na álgebra e foi escrito quando esse estudioso possuía, apenas,
dezenove anos. Essa obra algébrica possui grande importância, tanto pelas ideias
originais que apresenta, quanto pelas informações que registra sobre as obras de al-
Karaji, que agora encontram-se perdidas. Além disso, esse tratado fornece regras
para sinais, criando os conceitos de números positivos (excesso) e negativos
(deficiência).
Até agora já fizemos um apanhado geral sobre a história da matemática e da
álgebra islâmica e seus principais estudiosos. Acreditamos que nos será interessante,
agora, compreender onde podemos encontrar essas obras algébricas e quais as suas
principais características.
Conhecemos a matemática islâmica medieval principalmente através de
documentos árabes. Os tratados de matemática desenvolvidos no período islâmicos
medievais podem ser encontrados em bibliotecas e coleções particulares em todo o
mundo. Essas coleções são encontradas, conforme Rogers (2008, p. 20, tradução
nossa), principalmente, nos países que antes faziam parte do mundo medieval
54

islâmico, no entanto, “existem coleções significativas na Inglaterra, França, Alemanha


e Rússia: todos os países que eram potências coloniais no mundo islâmico”.
Rogers (2008) expõe que a maioria desses tratados são composições em
prosa, ou simplesmente, em álgebra retórica, que consiste na primeira fase do
desenvolvimento da álgebra, porém esses trabalhos podem incluir tabelas numéricas,
algumas com centenas de milhares de entradas. Devido ao alto índice de pesquisas
realizadas em astronomia, essas tabelas não eram calculadas para fins matemáticos,
por isso, quase nunca incluíam explicações de como os números ou entradas foram
computados.
Já Oaks (2012, p. 41, tradução nossa), aponta que os tratados islâmicos de
álgebra dividiam-se em duas partes. De modo que,

First is an explanation of the rules of algebra, covering the names of the


powers, operations on polynomials, and solutions of the simplified equations.
This is followed by a collection of worked-out problems. The enunciations of
these problems are most often arithmetic questions, sometimes framed in
terms of commerce.

Assim como al-Khwarizmi, diversos matemáticos islâmicos utilizavam-se de


demonstrações geométricas para mostrar porque o método algébrico fazia sentido
(ALLAIRE; BRADLEY, 2001). Esse fato, nos permite chamar a álgebra islâmica, ou
boa parte dela, de álgebra geométrica8, visto que esse ramo da matemática preocupa-
se em usar conceitos e provas geométricas como base de técnicas algébricas. Allaire
e Bradley (2001, p. 308) explicam que

Embora as ideias da álgebra geométrica estivessem claramente presentes


na Ásia, na Mesopotâmia e no Egito séculos antes, os matemáticos gregos
clássicos geralmente são creditados ao seu desenvolvimento. Quando
resolvemos geometricamente uma equação quadrática, estamos fazendo
álgebra geométrica.

Conhecendo o contexto da matemática e da álgebra islâmica, suas principais


características e descobertas, podemos seguir adiante. No entanto, é importante
ressaltarmos que todos esses conhecimentos algébricos desenvolvidos no período
islâmico emergiram de necessidades humanas, a exemplo dos problemas de herança,
o que os tornam um patrimônio cultural da humanidade. Assim, para nos

8 Vale ressaltar que essa também era uma característica da matemática grega. Por isso, há muitos
indícios que al-Khwarizmi tenha se inspirado nos gregos para realizar suas demonstrações.
55

aprofundarmos mais ainda na álgebra islâmica, iremos expor, a seguir, a Álgebra de


al-Khwarizmi, obra essa que temos como objeto de estudo.

3.2 O TRATADO ALGÉBRICO DE AL-KHWARIZMI

Para falarmos sobre o Tratado algébrico de ak-Khwarizmi, utilizamos um


exemplar de edição bilíngue intitulado El libro del Álgebra: Mohammed ibn-Musa al-
Jwarizmi, escrito em 2009 por Ricardo Moreno Castillo (vide figura 5).

Figura 5 - Capa do El libro del Álgebra: Mohammed ibn-Musa al-Jwarizmi

Fonte: Castillo (2009)

Esse exemplar é uma tradução do manuscrito do século XIV que se encontra


na Universidade de Oxford e trata-se de uma edição bilíngue, pois apresenta a versão
do texto em árabe e em espanhol, como podemos ver na figura 6. Castillo (2009) além
de apresentar a tradução da Álgebra de al-Khwarizmi, faz uma pequena
contextualização desse tratado algébrico e, por fim, apresenta notas que auxiliam o
leitor na compreensão da álgebra retórica.
Na figura 6, visualizamos a página introdutória, escrita por al-Khwarizmi, de seu
tratado algébrico. Uma característica que podemos notar é o fato de al-Khwarizmi, em
seu texto científico, fazer menção à Deus.
56

Figura 6 - Tratado algébrico de al-Khwarizmi em árabe e em espanhol

Fonte: Castillo (2009)

Antes de iniciarmos nossa discrição, propriamente dita, sobre a Álgebra de al-


Khwarizmi, procuraremos responder às seguintes indagações: O que é a obra Álgebra
de al-Khwarizmi? Existem originais da Álgebra de al-Khwarizmi? Onde estão? Existem
traduções? O que pode ser encontrado na internet?
A Álgebra de al-Khwarizmi, como é frequentemente conhecida, na verdade era
intitulada por Al-Kitāb al-mukhtaṣar fī ḥisāb al-jabr wal-muqābala (O Livro da
Restauração e do Balanceamento). Essa obra data de cerca de 830 e consiste em um
pequeno trabalho, com cento e cinquenta e duas páginas, sobre o cálculo de
equações polinomiais, utilizando as regras de restauração (al-jabr) e balanceamento
(al-muqabala), e geometria. Consideramos que o principal foco desse tratado é
resolver equações polinomiais do segundo grau e equações lineares com coeficientes
numéricos (CASTILLO, 2009).
Não sabemos ao certo quem desenvolveu as operações al-jabr e al-muqabala.
Sabemos, apenas, que al-Khwarizmi as usava com maestria. Al-jabr é a operação que
consiste em remover unidades, raízes e quadrados negativos de uma equação
adicionando a mesma quantidade para cada membro da equação. Já a operação al-
57

muqabala consiste em adicionar os termos semelhantes para reduzir, assim, o


máximo possível a equação. Mais adiante daremos um exemplo numérico para melhor
compreensão dessas duas operações.
É olhando textos matemáticos ao longo dos anos que podemos ver o profundo
efeito de Al-Khwarizmi na matemática, por meio das suas contribuições deixadas,
especialmente, pelo seu Tratado algébrico. Conforme Arndt (1983, p. 669), durante os
séculos posteriores, os escritores e estudiosos sobre álgebra tomaram emprestados
de al-Khawarizmi “seu formato, sua terminologia e sua classificação dos tipos de
equações lineares e quadráticas; muitas vezes eles até usaram os mesmos exemplos
numéricos que ele fez na álgebra original”.
Julgamos, então, que conhecer o conteúdo da Álgebra de al-Khwarizmi é de
extrema importância, visto que ela nos mostra como, a séculos atrás, a matemática
era desenvolvida e propagada. Além disso, ter conhecimento dos saberes que
compõem essa obra nos demonstram, mais ainda, que a matemática, assim como
outros saberes, emerge da necessidade humana, uma vez que a Álgebra de al-
Khwarizmi partiu de uma necessidade daquela época, como veremos mais à frente.
Atualmente, são conhecidos sete manuscritos da Álgebra de al-Khwarizmi
Castillo (2009). Dois deles se encontram no Afeganistão e dos outros cinco, o mais
antigo é do século XIII e o mais completo, e de melhor estado de conservação, é do
século XIV, que se encontra na Biblioteca da Universidade de Oxford.
No século XII foram feitas duas versões latinas dessa obra. Uma realizada em
Segóvia no ano de 1145 pelo inglês Roberto de Chester e outra, posterior a essa, em
Toledo, pelo italiano Gerardo de Cremona. Existe uma terceira, atribuída a Guglielmo
de Lunis, que logo foi transferido para o italiano. Um fato importante é que as três
traduções se limitam à primeira parte da Álgebra de al-Khwarizmi, que consiste nas
formas de resolução das equações polinomiais de segundo grau.
Das traduções latinas, existem diversas cópias. Segundo Castillo (2009), nelas
a Álgebra de al-Khwarizmi é bastante preservada. A maior parte das traduções que
conhecemos atualmente são baseadas no manuscrito de Oxford, o que é o caso da
versão em inglesa de Frederic Rosen, a qual temos livre acesso via internet9. Além da
versão em inglês, existe uma tradução francesa de Roshdi Rashed.

9 Disponível em: https://archive.org/details/algebraofmohamme00khuwuoft/page/n10


58

De modo geral, podemos dizer que a Álgebra de Al-Khwarizmi foi


extremamente bem-sucedido, e sua fama e influência durou séculos. Numerosas
cópias do trabalho árabe foram feitas, muitas no Ocidente, durante o início da Idade
Média. Conforme aponta Arndt (1983), várias traduções foram feitas para o latim
também. Mais tarde, quando o uso do latim diminuiu, o trabalho apareceu em
diferentes idiomas europeus. O primeiro tratado sobre álgebra escrito em alemão,
datado de 1461, foi uma tradução de uma parte do Tratado algébrico de al-Khwarizmi
(ARNDT, 1983).
A Álgebra de Al-Khwarizmi, incluindo sua introdução, foi traduzida para o inglês
moderno em 1831 por Frederic Rosen. Arndt (1983), sustenta que esse tratado
algébrico é uma das obras mais antigas que apresentam ludicidade, utilidade e
linguagem direta e clara, abrangendo diversos exemplos.
Na introdução de seu tratado algébrico, al-Khwarizmi expõe que esse tratado
foi escrito a pedido do califa al-Mamun, o qual oferecia apoio e proteção a esse
estudioso islâmico. Com suas próprias palavras, al-Khwarizmi justifica a escrita do seu
trabalho da seguinte forma

[...] Imam al-Mamun (a graça de Deus esteja com ele), emir dos crentes (que
com o califa ele herdou, as roupas com as quais ele foi honrado, e os
ornamentos com os quais ele se investiu, foi-lhe concedido o amor pelo
ciência), que acolhe, convida e amplia sua proteção e ajuda àqueles que
ilustram o que está oculto e facilita o que é árido, encomendou-me a escrever
um pequeno livro sobre o cálculo da álgebra e redução, contendo o mais
importante e delicado do cálculo que os homens aplicam às suas
necessidades, heranças, testamentos, partições e negócios, e em tudo o que
eles lidam entre eles na medida da terra, escavação de canais, construções
e muitas outras coisas. (CASTILLO, 2009, p. 23-25, grifo nosso)

Nessa introdução, identificamos, de acordo com as próprias palavras de al-


Khwarizmi, que esse tratado foi escrito para suprir às necessidades daquela época.
Além disso, observamos, mais uma vez, um indício de sua religiosidade, ao clamar
que a graça de Deus esteja com al-Mamun.
A Álgebra de al-Khwarizmi divide-se em três partes: a primeira, propriamente
sobre álgebra, que possui cinquenta e seis páginas, a segunda sobre alguns temas
de geometria elementar, que tem quinze páginas, e a terceira sobre questões
testamentárias, que contém sessenta e três páginas. Embora a terceira parte ocupe
mais da metade do tratado, a primeira parte do livro apresenta uma maior quantidade
de conteúdos expostos, isso pois, enquanto a terceira parte trabalha, apenas, com
problemas de herança, a primeira parte apresenta formas de resolver equações
59

polinomiais do segundo grau, algebricamente e geometricamente, além de ensinar a


como operar com equações polinomiais. Sendo assim, a obra é dividida em partes,
capítulos e sessões, as quais esquematizamos no quadro 3 a seguir.

Quadro 3 - Sumário do Tratado algébrico de al-Khwarizmi

N° DE
PARTES CAPÍTULOS
PÁGINAS

Capítulo sobre as equações algébricas


1.1 Apresentação, classificação e
resolução das equações
1.2 Resolução geométrica das equações
CAPÍTULO 1 33
1.3 Multiplicação de equações
1.4 Soma e subtração de equações
PARTE I 1.5 Divisão de raízes ou números
1.6 Capítulo sobre seis problemas

Capítulo dedicado a diversos


CAPÍTULO 2 18
problemas
CAPÍTULO 3 Capítulo sobre transações comerciais 5

PARTE II CAPÍTULO 4 Capítulo sobre geometria 15

PARTE III CAPÍTULO 5 O livro dos testamentos 63


Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Para dar início à fala sobre o estudo das equações, que compreende a primeira
parte de seu livro, al-Khwarizmi faz uma breve explicação sobre o funcionamento e
organização do sistema decimal posicional. Depois dessa explicação, al-Khwarizmi
inicia o seu primeiro capítulo sobre os seis tipos de equações classificadas por ele.
Inicialmente, é feita a apresentação das equações dos tipos: quadrados iguais a
raízes, quadrados iguais a números ou raízes iguais a números, com seus respectivos
exemplos e formas de resolução. Em seguida, al-Khwarizmi parte para a explicação e
resolução, algébrica e geométrica, desses tipos de equação. Feito isso, o autor ensina
a multiplicar, somar e subtrair equações. Para finalizar o capítulo, é ensinado como
realizar a divisão de raízes e números de uma equação. A apresentação e explicação
do modo de resolução algébrico e geométrico das equações do segundo grau feitas
por al-Khwarizmi serão apresentadas mais à frente.
60

O segundo capítulo é dedicado a problemas. Nesse momento, al-Khwarizmi


aborda seis problemas relacionados aos seis tipos de equação do segundo grau
mencionadas no início do livro. Nesse capítulo, al-Khwarizmi diz que esses problemas
são propostos para, se Deus permitir, honrar a inteligência, endireitar a compreensão
e facilitar as demonstrações.
O terceiro capítulo é dedicado a problemas. Dessa vez esses problemas
envolvem adição, subtração, multiplicação e divisão de raízes, quadrados e/ou
números isolados. Para uma melhor compreensão, al-Khwarizmi dá alguns exemplos
de como resolver esses problemas.
No quarto capítulo, al-Khwarizmi fala sobre transações comerciais. Assim, o
autor aborda o que conhecemos hoje como regra de três para resolver problemas que
envolvem compra e venda ou até mesmo o cálculo do salário de um trabalhador.
De modo geral, identificamos que a primeira parte desse tratado de álgebra
resume-se a exemplos e explicação da resolução de cada um dos seis tipos de
equações polinomiais. As construções geométricas encontradas nessa parte do livro
são inspiradas em Os Elementos de Euclides, o que remete a uma semelhança entre
as obras. Além disso, os problemas que se encontram nos capítulos dois e três não
apresentam uma organização clara, pois ora o autor trabalha com equações do
primeiro grau, ora do segundo grau, o que exige uma atenção maior na hora da leitura.
A segunda parte da Álgebra de al-Khwarizmi é composta por, apenas, um único
capítulo. No capítulo destinado à geometria, o autor fala, inicialmente, sobre a área de
quadrados, triângulos e losangos. Em seguida, o autor ensina a calcular circunferência
que abarca um círculo, a área/superfície de um círculo e por fim, o autor inicia uma
conversa sobre diâmetro e arco de um círculo. Após isso, al-Khwarizmi ensina a
calcular o volume de corpos sólidos quadrangulares e não quadrangulares
(triangulares, circulares, entre outros). Depois disso, o autor descreve as
características dos cones circulares, quadrangulares e/ou triangulares e ensina,
também, a calcular seus volumes. Feito isso, al-Khwarizmi dá a demonstração do que
conhecemos hoje como Teorema de Pitágoras, fala sobre as cinco classes de
quadriláteros (os quadrados, os retângulos, os losangos, os paralelogramos e os
trapézios) e ensina a calcular suas respectivas áreas. Feito isso, o autor classifica os
triângulos em três classes, a saber: triângulo retângulo, triângulo acutângulo e
triângulo obtusângulo. Desse modo, o autor descreve as características e ensina a
calcular as áreas desses três tipos de triângulo. Para finalizar o capítulo, o autor
61

apresenta o cálculo do volume de um tronco de uma pirâmide e de um cone e expõe


um problema sobre um terreno de formato triangular.
Quanto a essa segunda parte da Álgebra de al-Khwarizmi, também são
encontradas semelhanças com Os Elementos de Euclides, visto que existem algumas
questões geométricas simples explicadas pelas duas obras. Além disso, há a
resolução algébrica de diversos problemas, alguns dos quais procedem da Métrica de
Herón de Alexandria10. Assim, dessa parte da Álgebra de al-Khwarizmi ser breve e
elementar, ela forneceu um material muito útil para agrimensores, pedreiros, maçons
e construtores.
A terceira e última parte do trabalho desse grande estudioso islâmico consiste
no livro dos testamentos. Dessa forma, al-Khwarizmi apresenta problemas que se
remetem a: dinheiro e empréstimos; divisão de herança entre familiares, devido ao
falecimento do pai ou da mãe; divisão de herança com uma quantidade fixa; divisão
de herança em casos especiais; divisão de herança matrimonial em caso de
enfermidades; devolução de dotes após a morte da pessoa a qual ganhou o dote; e
quitação de dívidas na enfermidade.
Essa terceira parte do livro, que ocupa quase a metade do trabalho de al-
Khwarizmi, apresenta uma coleção com sessenta problemas sobre herança e
legados, em que muitas das possibilidades fornecidas pelo complicado direito
testamentário islâmico são consideradas. Muitos problemas que se encontram nessa
parte não apresentam o capital que será repartido para os herdeiros. Em
consequência disso, Castillo (2009) aponta que as equações que resolvem esses
problemas são indeterminadas e por isso interessam, apenas, as menores soluções
inteiras. As equações que melhor resolveriam esses problemas são equações
diofantinas propriamente ditas, objeto de estudo mais próximo da teoria dos números
que álgebra.
De modo geral, observamos que o Tratado algébrico de al-Khwarizmi tem como
objetivo principal escrever um manual para resolver problemas do cotidiano da
sociedade islâmica daquela época. Isto explica a parte importante que dedica em
particular aos problemas relativos aos testamentos e heranças, que ocupam um pouco

10Nascido cerca de 10 d.C e falecido por volta de 70 d.C, Heron de Alexandria foi um sábio matemático
e mecânico grego. Seu trabalho mais famoso no campo da Geometria é conhecido por Métrica, que
que versa sobre a medição de figuras simples de planos sólidos, com prova das fórmulas envolvidas
no processo.
62

mais da metade do tratado. O imposto de herança muçulmana estava sujeito (como


ainda hoje é o caso em muitas regiões) a regras rigorosas e complicadas, que
determina as partes dos herdeiros de acordo com o seu grau de parentesco (esposa,
marido, filha, filho, pais, entre outros) e limita os direitos do doador. Como resultado,
os advogados foram constantemente confrontados com problemas extremamente
complexos formulados de forma ainda mais complicada em manuais práticos.
De acordo com nossa leitura e análise identificamos que, durante todo o livro,
al-Khwarizmi não usa símbolos, o que dificulta o entendimento do leitor moderno, visto
que atualmente estamos acostumados a uma matemática mais algébrica e menos
retórica. Além disso, percebemos que al-Khwarizmi apresenta duas características em
sua escrita: a prolixidade, uma vez que ele explica detalhadamente tudo o que é
exposto, e a religiosidade, tendo em vista que durante todo o seu livro ele faz menção
a Deus.
Além das contribuições deixadas às equações polinomiais do segundo grau, de
acordo com Youschkevitch (1976), al-Khawrizmi citou e criou a regra de três simples,
em seu tratado, para resolução de problemas relacionados ao comércio e ao salário
de empregados.
Apresentada à Álgebra de al-Khwarizmi, no tópico a seguir faremos a
apresentação de como al-Khwarizmi resolvia as equações, tanto no modo algébrico,
quanto no modo geométrico.

3.3 O MÉTODO ALGÉBRICO E GEOMÉTRICO PARA RESOLUÇÃO DE


EQUAÇÕES POLINOMIAIS PROPOSTO POR AL-KHWARIZMI

Para iniciarmos às explicações sobre os métodos de resolução das equações


polinomiais do segundo grau propostas por al-Khwarizmi, necessitamos de uma
melhor compreensão dessas operações al-jabr e al-muqabala. Para isso,
suponhamos a equação a seguir:

100 + 2𝑥 2 − 20𝑥 = 58 (1)

Como na época de al-Khwarizmi os números negativos eram, supostamente,


desconhecidos, ele utilizava, apenas, raízes, números e quadrados positivos. Desse
63

modo, para que o termo −20𝑥 da equação (1) desapareça, al-Khwarizmi somava 20𝑥
em ambos os membros da equação. O resultado dessa operação é:

100 + 2𝑥 2 − 20𝑥 + 20𝑥 = 58 + 20𝑥 [𝑎𝑙 − 𝑗𝑎𝑏𝑟] (2)

100 + 2𝑥 2 = 58 + 20𝑥 (3)

Como o intuito é encontrar o resultado de um quadrado, antes de reduzir a


equação com a operação al-muqabala, al-Khwarizmi divide a equação (3) por dois, da
seguinte forma:

[100 + 2𝑥 2 = 58 + 20𝑥] ÷ 2 (4)

50 + 𝑥 2 = 29 + 10𝑥 (5)

Agora, o estudioso islâmico utilizava a operação al-muqabala para reduzi-la


(simplificá-la), de modo que se encaixe em umas das seis equações determinadas por
ele. Para isso, al-Khwarizmi sugere que seja realizado os seguintes passos:

50 − 29 + 𝑥 2 = 29 − 29 + 10𝑥 [𝑎𝑙 − 𝑚𝑢𝑞𝑎𝑏𝑎𝑙𝑎] (6)

21 + 𝑥 2 = 10𝑥 (7)

Assim, por meio dessas duas operações, al-Khwarizmi conseguia balancear e


restaurar as equações de modo que elas se encaixassem em um dos seus seis
modelos.
Para seguirmos adiante, precisamos compreender alguns pontos importantes
sobre o seu método de al-Khwarizmi. Diferentemente da nomenclatura atual, segundo
al-Khwarizmi, os termos que compunham uma equação do segundo grau eram três:
as raízes, os quadrados e os números isolados. As raízes eram qualquer coisa (seja
uma unidade, um número maior ou menor que uma unidade) que pudessem ser
multiplicadas por si mesma. O quadrado é a raiz multiplicada por si mesma e o número
isolado é qualquer número expresso como tal, sem relação com raízes ou quadrados.
Em outras palavras, as raízes são o que conhecemos hoje como 𝑏𝑥, os quadrados
são 𝑎𝑥² e os números são o que denotamos como 𝑐.
Além disso, al-Khwarizmi classificava as equações em seis tipos, a saber:
quadrados iguais a raízes, quadrados iguais a números, raízes iguais a números,
64

quadrados mais raízes iguais a números, quadrados mais números iguais a raízes ou
raízes mais números iguais a quadrados. Na nomenclatura moderna, poderíamos
escrever isso de acordo com o quadro 4.

Quadro 4 - Os seis tipos de equações polinomiais propostas por al-Khwarizmi

Cuadado de la cosa igual a cosas 𝒙𝟐 = 𝒃𝒙


Cuadrado de la cosa igual a número 𝑥2 = 𝑐
Cosas igual a números 𝑏𝑥 = 𝑐
Cuadrado de la cosa más cosas igual a número 𝑥 2 + 𝑏𝑥 = 𝑐
Cuadrado de la cosa más número igual a cosas 𝑥 2 + 𝑐 = 𝑏𝑥
Cuadrado dela cosa igual a cosas más números 𝑏𝑥 + 𝑐 = 𝑥 2
Fonte: Castillo (2009)

Al-Khwarizmi só possuía resolução para problemas de equação quadrática que


se encaixassem em algum desses seis tipos de equação, mencionadas anteriormente.
Qualquer outra equação só poderia ser resolvida depois de ser reduzida a uma dessas
formas. Como al-Khwarizmi não trabalhava com raízes, quadrados e números
negativos, quando um desses termos apareciam com o sinal negativo, com a ajuda
do jabr, ou seja, da operação do preenchimento/restauração, eram adicionados aos
dois membros da equação, dois termos com sinal positivo para eliminar os de sinal
negativo. Em seguida, todos os termos semelhantes eram reduzidos com a ajuda da
muqabala, ou seja, da operação de balanceamento/simplificação.
Quanto a primeira classificação, quadrados iguais a raízes, al-Khwarizmi nos
dá três exemplos. O primeiro diz o seguinte: um quadrado é igual a cinco vezes a raiz.
Para soluciona-lo, ele identifica que a raiz do quadrado é cinco e o quadrado é,
portanto, igual a vinte e cinco. Seu segundo exemplo diz que um terço de um quadrado
é igual a quatro raízes. A solução desse problema consiste em identificar que o
quadrado, inteiro, é igual a doze raízes, que é igual a cento e quarenta e quatro, e,
portanto, a raiz é doze. Por fim, seu último exemplo sobre essa classificação da
equação diz: cinco quadrados são iguais a dez raízes, então um só quadrado é igual
a duas raízes, e assim, a raiz é igual a dois e o quadrado é igual a quatro.
Se fôssemos resolver esses três exemplos utilizando a álgebra moderna, os
resolveríamos da seguinte maneira:
65

Exemplo 1.1: “un cuadrado es igual a cinco veces la raíz” (AL-KHWARIZMI, 830, p.
25), ou seja, 𝑥 2 = 5𝑥.
𝑥² 5𝑥
Se 𝑥 2 = 5𝑥, então = → 𝑥 = 5. E, portanto, 5 é o valor da raiz e 25 é o valor
𝑥 𝑥

do quadrado.
Exemplo 1.2: “un tercio de um cuadrado es igual a cuatro raíces” (AL-KHWARIZMI,
𝑥²
830, p. 25), ou seja, = 4𝑥.
3
𝑥² 𝑥² 𝑥2 12𝑥
Se = 4𝑥, então ∙ 3 = 4𝑥 ∙ 3 → 𝑥 2 = 12𝑥 → = → 𝑥 = 12. E, portanto, 12
3 3 𝑥 𝑥

é a raiz e cento e quarenta e quatro é o valor do quadrado.


Exemplo 1.3: “cinco cuadrados son iguales a diez raíces” (AL-KHWARIZMI, 830, p.
25), ou seja, 5𝑥 2 = 10𝑥.
5𝑥² 10𝑥 𝑥² 2𝑥
Se 5𝑥 2 = 10𝑥, então = → 𝑥 2 = 2𝑥 → = → 𝑥 = 2. E, assim, a raiz é
5 5 𝑥 𝑥

igual a 2 e o quadrado igual a 4.


Al-Khwarizmi dá apenas esses três exemplos, porém adverte que sempre que
houver vários quadrados, ou até mesmo frações desse quadrado, é necessário
convertê-los em um só quadrado, fazendo com as raízes o mesmo que se fez com os
quadrados.
Quanto a segunda classificação, quadrados iguais a números, al-Khwarizmi
nos dá três exemplos. O primeiro diz que um quadrado igual a nove, então a raiz é
igual a três. O segundo exemplo diz que cinco quadrados são iguais a oitenta, então
o quadrado é igual a um quinto de oitenta, que é dezesseis, e sua raiz é quatro. Seu
último exemplo diz um meio do quadrado é igual a dezoito, então seu quadrado é igual
a trinta e seis e, portanto, sua raiz é igual a seis.
Escrevendo e resolvendo esses exemplos da forma algébrica, temos que:
Exemplo 2.1: “un cuadrado igual a nueve” (AL-KHWARIZMI, 830, p. 25), ou seja, 𝑥 2 =
9.
Se 𝑥 2 = 9, então 𝑥 = 3. E, portanto, sua raiz é 3 e seu quadrado, 9.
Exemplo 2.2: “cinco cuadrados es igual a ochenta” (AL-KHWARIZMI, 830, p. 25), ou
seja, 5𝑥 2 = 80.
5𝑥² 80
Se 5𝑥 2 = 80, então = → 𝑥 2 = 16 → 𝑥 = 4. Portanto, sua raiz é 4 e seu
5 5

quadrado é 16.
66

Exemplo 2.3: “un médio del cuadrado es dieciocho” (AL-KHWARIZMI, 830, p. 27), ou
𝑥²
seja, = 18.
2
𝑥² 𝑥²
Se = 18, então ∙ 2 = 18 ∙ 2 → 𝑥 2 = 36 → 𝑥 = 6. Portanto, a raiz é igual a 6
2 2

e seu quadrado é igual a 36.


De forma generalizada, al-Khwarizmi diz que todos os quadrados, multiplicados
por algum número, ou fracionados, devem ser transformados em um único quadrado.
A mesma operação que for realizada com o quadrado deve ser realizada com o
número, para que a igualdade permaneça.
Em relação a terceira classificação das equações do segundo grau, raízes
iguais a números, al-Khwarizmi também apresenta três exemplos. O primeiro exemplo
diz que a raiz é igual a três. Então, seu quadrado é igual a nove. O segundo exemplo
diz quatro raízes são igual vinte. Então, a raiz é cinco e seu quadrado é igual a vinte
e cinco. Por fim, o terceiro exemplo diz que um meio da raiz é dez, então a raiz é vinte
e seu quadrado é igual a quatrocentos.
Resolvendo isso na forma algébrica moderna, temos que:
Exemplo 3.1: La raíz es igual a tres” (AL-KHWARIZMI, 830, p. 27), ou seja, 𝑥 = 3.
Se 𝑥 = 3, então 𝑥 2 = 9. Portanto, sua raiz é três e seu quadrado é nove.
Exemplo 3.2: “cuatro raíces es igual a veinte” (AL-KHWARIZMI, 830, p. 27), ou seja,
4𝑥 = 20.
4𝑥 20
Se 4𝑥 = 20, então 4
= 4
→ 𝑥 = 5. Portanto, a raiz é igual a cinco e o quadrado

vinte e cinco.
𝑥
Exemplo 3.3: “un médio de la raíz es diez” (AL-KHWARIZMI, 830, p. 27), ou seja, 2 =

10.
𝑥 𝑥
Se = 10, então ∙ 2 = 10 ∙ 2 → 𝑥 = 20. Portanto, a raiz é igual a 20 e o
2 2

quadrado é igual a 400.


Conforme Youschkevitch (1976, p. 36, tradução nossa),

Na resolução das três primeiras formas de equação, duas particularidades


podem ser observadas: por um lado, al-Khwarizmi trata a equação 𝑎𝑥 2 = 𝑏𝑥
como uma equação linear e negligencia a solução zero, porque não é
interessante em problemas concretos. Foi assim que procedemos até o
século XVII. Por outro lado, deve-se enfatizar, em particular, que ele não
buscou apenas a raiz da equação, mas também o quadrado dessa raiz.
67

As três últimas classificações das equações polinomiais do segundo grau são


mais complexas e, portanto, apresentam tanto uma resolução algébrica, como
geométrica. Assim, para uma melhor organização, faremos, primeiramente, a
resolução algébrica e em seguida a geométrica.
Quanto a quarta classificação, quadrados mais raízes iguais a números, al-Khwarizmi
apresenta os seguintes passos para a solução para esse tipo equação:

1. Dividir o número de raízes por dois;


2. Multiplicar por si mesmo o resultado da divisão do número de raízes por
dois;
3. Somar o resultado anterior com a quantidade de dirhams11 (números);
4. Calcular a raiz quadrada do resultado anterior; e
5. Subtrair do resultado da raiz quadrada a metade do número de raízes.

Para resolução desse tipo de equação, al-Khwarizmi apresenta alguns


exemplos. Um deles diz que um quadrado mais dez raízes são iguais a trinta e nove
dirhams. Podemos acompanhar a solução para essa equação no quadro 5.

Quadro 5 - Resolução da equação "un cuadrado más diez raíces igual a treinta y
nueve dirhams" (AL-KHWARIZMI, 830, p.27)

Nomenclatura de al-Khwarizmi Nomenclatura atual

1° passo: dez dividido por dois é 10


=5
igual a cinco 2
2° passo: cinco vezes cinco é igual 10 2
( ) = 5² = 25
a vinte e cinco 2
3° passo: vinte e cinco mais trinta
10 2
e nove dirhams é igual a sessenta ( ) + 39 = 25 + 39 = 64
2
e quatro

4° passo: a raiz quadrada de


√64 = 8
sessenta e quatro é igual a oito

11 Dirhams era a moeda utilizada naquela época.


68

5° passo: oito menos cinco é igual


8−5= 3
a três

Dez dividido por dois é igual a


cinco. Cinco vezes cinco é igual a 10 2 10

𝑥 = ( ) + 39 −
vinte e cinco. Vinte e cinco mais 2 2
trinta e nove é igual a sessenta e 𝑥 = √25 + 39 − 5
quatro. A raiz de sessenta e 𝑥 = √64 − 5
quatro é igual a oito. Oito menos
𝑥 = 8−5
cinco é igual a três. Portanto, três
𝑥=3
é o resultado/raiz dessa equação.
Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

E, portanto, três é a raiz do problema e nove é o seu quadrado. Desse modo,


analogamente as formas anteriores, se houver dois, três, mais ou menos quadrados,
deve ser feita uma transformação para que apareça somente um quadrado.
O segundo exemplo que al-Khwarizmi dá sobre esse tipo de equação é o
seguinte: dois quadrados mais dez raízes são iguais a quarenta e oito dirhams. Para
resolver esse problema, é necessário, primeiramente, reduzir os dois quadrados a um
só. Para isso, basta reduzir pela metade todos os termos da equação. Com isso, a
nova equação gerada é um quadrado mais cinco raízes iguais a vinte e quatro
dirhams. Assim, podemos acompanhar a resolução desse problema no quadro 6.

Quadro 6 - "un cuadrado más cinco raíces es igual a veinticuatro dirhams" (AL-
KHWRIZIMi, 830, p. 27)

Nomenclatura de al-Khwarizmi Nomenclatura atual


1° passo: cinco dividido por dois é 5 1
( ) = (2 + )
igual a dois mais um meio 2 2

2° passo: dois mais um meio vezes


5 2 1 2 1
dois mais um meio é igual a seis mais ( ) = (2 + ) = (6 + )
2 2 4
um quarto
69

3° passo: vinte e quatro mais seis mais


1 1
um quarto é igual a trinta mais um (6 + ) + 24 = 30 +
4 4
quarto
4° passo: a raiz quadrada de trinta
1 1
mais um quarto é igual a cinco mais √30 + =5+
4 2
um meio
5° passo: cinco mais um meio menos 1 1
5+ − (2 + ) = 3
dois mais um meio é igual a três 2 2

Cinco divido por dois é igual a dois 5 2 5


𝑥 = √( ) + 24 −
mais um meio. Dois mais um meio ao 2 2
quadrado é igual a seis mais um
1 2 1
quarto. Seis mais um quarto mais vinte √
𝑥 = (2 + ) + 24 − (2 + )
2 2
e quatro é igual a trinta mais um
quarto. Raiz quadrada de trinta mais 1 1
𝑥 = √(6 + ) + 24 − (2 + )
4 2
um quarto é igual a cinco mais um
meio. Cinco mais um meio menos dois 1 1 1 1
𝑥 = √30 + − (2 + ) = 5 + − (2 + )
mais um meio é igual a três. Portanto, 4 2 2 2
a raiz dessa equação é igual a três. 𝑥=3
Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Desse modo, temos que a raiz dessa equação é igual a três e,


consequentemente, seu quadrado é igual a nove. Após essa resolução, al-Khwarizmi
dá um último exemplo sobre a quarta classificação das equações. Esse exemplo
consiste em um quadrado mais dez raízes são iguais a cinquenta e seis dirhams. Sua
resolução pode ser vista no quadro 7.

Quadro 7 - "Un cuadrado más diez raíces es igual a cincuenta y seis dirhams" (AL-
KHWARIZMi, 830, p. 29)

Nomenclatura de al-Khwarizmi Nomenclatura atual

1° passo: dez dividido por dois é igual 10


( )=5
a cinco 2
70

2° passo: cinco vezes cinco é igual a 10 2


( ) = (5)2 = 25
vinte e cinco 2

3° passo: vinte e cinco mais cinquenta


25 + 56 = 81
e seis é igual a oitenta e um

4° passo: a raiz quadrada de oitenta e


√81 = 9
um é igual a nove

5° passo: nove menos a metade do


10
número de raízes, que nesse caso é 9− =4
2
cinco, é igual a quatro

Dez divido por dois é igual a cinco. 10 2 10



𝑥 = ( ) + 56 −
Cinco ao quadrado é igual a vinte e 2 2
cinco. Vinte e cinco mais cinquenta e 10
𝑥 = √(5)2 + 56 − ( )
seis é igual a oitenta e um. Raiz 2
quadrada de oitenta e um é igual a 10
𝑥 = √25 + 56 − ( )
2
nove. Nove menos cinco é igual a
10
quatro. Portanto, a raiz dessa equação 𝑥 = √81 − ( ) = 9 − 5
2
é igual a quatro. 𝑥=4

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Portanto, a raiz dessa equação é igual a quatro, seu quadrado é igual a


dezesseis, que tem metade é igual a oito.
Quanto a resolução geométrica desse tipo de equação, al-Khwarizmi trabalha
com o exemplo um quadrado mais dez raízes são iguais a trinta e nove dirhams. Para
isso, o estudioso islâmico segue os passos descritos no quadro 8.
71

Quadro 8 - Resolução geométrica de “un cuadrado más diez raíces igual a treinta y
nueve dirhams" (AL-KHWARIZMI, 830, p. 29)

Método geométrico

Para resolver esse problema geometricamente precisamos construir uma


figura que tenha área igual a um quadrado mais dez raízes, ou seja, um
quadrado de área igual a trinta e nove dirhams.
1° passo: Construir um quadrado de lado x. Logo, o quadrado ABCD tem lado x e
área igual a x².

2° passo: Adicionar
uma área de dez
raízes ao redor do
quadrado ABCD. Para
isso, é necessário
dividir a área de dez
raízes por quatro, para
que essa área seja
melhor encaixada ao
redor do quadrado
ABCD. Desse medo,
será encaixado à cada
lado do quadrado
ABCD um retângulo de
lados x e cinco meios.
O resultado disso
gerará a figura ao lado.
72

3° passo: Completar a figura formada no passo anterior.


Para completar a figura anterior, de área igual a trinta e nove, é necessário adicionar
a cada espaço vazio um quadrado de lado igual a cinco meios. Com isso, a área
adicionada a figura anterior será igual a vinte e cinco.

4° passo: Descobrir a área total e o lado da figura formada anteriormente.


A figura anterior tem área igual a trinta e nove mais vinte e cinco, uma vez que o
quadrado ABCD e os quatro retângulos adicionados ao redor de seus quatro lados
somam uma área total de trinta e nove, e os quatro quadrados adicionados para
completar a figura totalizam uma área de vinte e cinco.
Desse modo, como a área total é da figura anterior é igual a sessenta e quatro, cada
lado da figura mede oito. No entanto, cada lado é composto por uma medida igual
a x e duas outras medidas iguais a cinco meios, ou seja, x mais cinco. Logo, como
x mais cinco resultam em oito, x mede três. Portanto, a raiz da equação dada é igual
a três.

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)


73

Além dessa forma de resolução do quarto tipo de equação polinomial do


segundo grau, al-Khwarizmi também ensina a resolver esse tipo de outra forma.
Iremos explica-la no quadro 9.

Quadro 9 - Segundo modo de resolver geometricamente a equação “un cuadrado


más diez raíces igual a treinta y nueve dirhams" (AL-KHWARIZMI, 830, p. 29)

Método geométrico

Para resolver esse problema geometricamente


precisamos construir uma figura que tenha área
igual a um quadrado mais dez raízes, ou seja,
um quadrado de área igual a trinta e nove
dirhams.
1° passo: Construir um quadrado de lado x. Logo,
o quadrado ABCD tem lado x e área igual a x².

2° passo:
Adicionar uma
área de dez raízes
ao redor de dois
lados do quadrado
ABCD. Para isso,
é necessário
dividir a área de
dez raízes por
dois, para que
seja melhor
encaixado ao
redor do dois
lados (AD e DC)
quadrado ABCD.
Desse medo, será
encaixado aos
74

lados AD e DC do quadrado ABCD um retângulo de lados iguais a cinco e raiz,


possuindo, por assim dizer, uma área de cinco raízes.

3° passo: Completar a figura formada no passo anterior.


Para completar
a figura
anterior, de
área igual a
trinta e nove, é
necessário
adicionar a
cada espaço
vazio um
quadrado de
lado igual a
cinco. Com
isso, a área
adicionada a
figura anterior
será igual a
vinte e cinco.
4° passo: Descobrir a área total e o lado da figura formada anteriormente.
A figura anterior tem área igual a trinta e nove mais vinte e cinco, uma vez que o
quadrado ABCD e os dois retângulos adicionados ao redor de seus dois lados, AD
e DC, somam uma área total de trinta e nove, e o quadrados HDFG adicionado para
completar a figura totaliza uma área de vinte e cinco.
Desse modo, como a área total é da figura anterior é igual a sessenta e quatro, cada
lado da figura mede oito. No entanto, cada lado é composto por uma medida igual
a x mais cinco. Logo, como x mais cinco resultam em oito, x mede três. Portanto, a
raiz da equação dada é igual a três.

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Por meio dessas duas explicações, al-Khwarizmi chega à conclusão que a raiz
da equação um quadrado mais dez raízes são iguais a trinta e nove dirhams é igual a
75

três e, portanto, a eficácia da forma algébrica de resolver essa equação é comprovada.


Vale destacar que, durante sua explicação, al-Khwarizmi diz que se Deus permitir o
resultado das equações, segundo seu método de resolução, sempre aparecerá.
A quinta classificação das equações do segundo grau feita por al-Khwarizmi
são as equações do tipo “quadrados mais números iguais a raízes”. Assim como as
equações do tipo anterior, esse também apresenta alguns passos para sua resolução.
Desse modo, os passos para a resolução desse quinto tipo são os seguintes:

1. Dividir o número de raízes por dois;


2. Multiplicar por si mesmo o resultado da divisão do número de raízes por
dois;
3. Subtrair do resultado anterior a quantidade de dirhams (números);
4. Calcular a raiz quadrada do resultado anterior; e
5. Subtrair/Adicionar da metade do número de raízes o resultado anterior.

Para melhor compreensão desse método, assim como no anterior, utilizaremos


as mesmas exemplificações as quais al-Khwarizmi nos deixou ao longo de sua
Álgebra.
O primeiro exemplo nos diz que um quadrado mais vinte e um dirhams é igual
a dez de suas raízes. A solução desse problema pode ser observada no quadro 10.

Quadro 10 - "Un cuadrado más veintiún dirhams es igual a diez de sus raíces" (AL-
KHWARIZMI, 830, p. 29)

Nomenclatura de al-Khwarizmi Nomenclatura atual

1° passo: dez dividido por dois é 10


=5
igual a cinco 2

2° passo: cinco vezes cinco é igual 10 2


( ) = 5² = 25
a vinte e cinco 2

3° passo: vinte e cinco menos 10 2


( ) − 21 = 25 − 21 = 4
vinte e um é igual a quatro 2
76

4° passo: a raiz quadrada de


√4 = 2
quatro é igual a dois

5° passo: cinco menos dois é igual


5−2= 3
a três

Dez dividido por dois é igual a


cinco. Cinco vezes cinco é igual a 10 10 2
𝑥= √
− ( ) − 21
2 2
vinte e cinco. Vinte e cinco menos
vinte e um é igual a quatro. A raiz 10
𝑥= − √25 − 21
2
quadrada de quatro é igual a dois.
𝑥 = 5 − √4
Cinco menos dois é igual a três.
𝑥 = 5−2
Portanto, três é o resultado/raiz
𝑥=3
dessa equação.

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Portanto, o valor da raiz é igual a três e seu quadrado é igual a nove. No


entanto, al-Khwarizmi diz que a outra raiz dessa equação também pode ser
encontrada. Para isso, basta, no último passo, trocar a subtração pela adição. Desse
modo, ao invés de termos cinco menos dois, teremos cinco mais dois, que resulta no
valor da outra raiz que é sete. Lembramos que essa segunda raiz só pôde ser
encontrada visto que ambas são positivas, uma vez que al-Khwarizmi não trabalhava
com raízes negativas.
Após essa explicação, al-Khwarizmi aponta que na resolução das equações da
quinta classificação devem ser trabalhados sempre com somas e subtrações, no
último passo. Além disso, se ao dividir por dois o número de raízes e multiplicar o
resultado por si mesmo o resultado for inferior ao número de dirhams que estão com
o quadrado, então o problema é impossível. Caso o resultado seja igual ao número
de dirhams, então a raiz do quadrado é igual a metade do número de raízes, sem
somar nem subtrair. Por exemplo, na equação quadrado mais nove dirhams iguais a
seis raízes, o valor da raiz é igual a três, porque três é a metade do número de raízes.
Desse modo, percebemos que al-Khwarizmi além não considerar números
negativos como raízes de equações, também não considerava raízes nulas, uma vez
77

que ambas as possibilidades não faziam sentido, quando aplicadas a problemas do


cotidiano.
Um outro exemplo que podemos apresentar para esse tipo de equação é
quadrado mais vinte dirhams igual a doze raízes. A resolução dessa equação pode
ser acompanhada no quadro 11.

Quadro 11 - "cuadrado más veinte dirhams equivalentes a doce raíces"

Nomenclatura de al-Khwarizmi Nomenclatura atual

1° passo: doze dividido por dois é 12


=6
igual a seis 2

2° passo: seis vezes seis é igual a 12 2


( ) = 6² = 36
trinta e seis 2

3° passo: trinta e seis menos vinte 12 2


( ) − 20 = 36 − 20 = 16
é igual a dezesseis 2

4° passo: a raiz quadrada de


√16 = 4
dezesseis é igual a quatro

5° passo: seis menos quatro é


6−4= 2
igual a dois
ou
ou
6 + 4 = 10
seis mais quatro é igual a dez

Doze dividido por dois é igual a


seis. Seis vezes seis é igual a
12 12 2
𝑥= √
± ( ) − 20
trinta e seis. Trinta e seis menos 2 2
vinte é igual a dezesseis. A raiz 12
𝑥= ± √36 − 20
quadrada de dezesseis é igual a 2
quatro. Seis menos quatro é igual 𝑥 = 6 ± √16
a dois, ou seis mais quatro é igual 𝑥 = 6±4
a dez. Portanto, as raízes dessa 𝑥 = 2 ou 𝑥 = 10
equação são iguais a dois e dez.
Fonte: Elaborado pelos autores (2019)
78

Em seu tratado de algébrico, al-Khwarizmi também apresenta a resolução


geométrica da equação um quadrado mais vinte e um dirhams é igual a dez de suas
raízes. Essa resolução pode ser acompanhada no quadro 12.

Quadro 12 - Resolução geométrica de "un cuadrado más veintiún dirhams es igual a


diez de sus raíces" (AL-KHWARIZMI, 830, p. 29)

Método geométrico

1° passo: Para resolver esse problema geometricamente, precisamos construir um


quadrado ABCD de lados desconhecidos. Em seguida, deve ser construído, junto
ao quadrado ABCD, um retângulo de altura igual ao lado do quadrado ABCD e
comprimento desconhecido, de modo que os lados do novo retângulo formado
sejam iguais a dez e raiz. Essa construção resulta na imagem a seguir:

2° passo: Dividir os segmentos EB e FC em duas partes iguais. Com isso, temos


que o segmento EH é igual ao segmento HB, e que o segmento FG é igual ao
segmento GC, como podemos ver na figura posterior. Além disso, com a ligação
dos pontos HG, temos um novo segmento, igual aos segmentos BC, AD e EF.
79

3° passo: Prolongar os segmentos HG e FE para cima, de modo que os novos


segmentos tenham medidas iguais ao segmento HB (vide figura a seguir). Com os
novos segmentos formados, IG e JF, os pontos I e J devem ser ligados, de modo
que apareça, nessa construção, o quadrado JIGF, de lados iguais ao lado HB e
GC, do retângulo HBCG.
Desse modo, como os lados EB e FC do retângulo EBCF medem dez,
temos que os lados do quadrado JIGF medem cinco, visto que o ponto H é o ponto
médio dos lados EB e FC. Portanto, a área da figura JIGF é igual a vinte e cinco. É
evidente que a área do retângulo EADF é igual a vinte e um.

4° passo: Traçar, no segmento JI, o segmento KI, de modo que KI seja igual a HI
e, portanto, é evidente que HG é igual a JK e o resto do segmento JI, que é igual a
KI, é igual ao segmento HI. O mesmo processo deve ser repetido no segmento EH,
de modo que LH seja igual ao segmento HI. E assim aparece o retângulo JIHE,
que é igual ao retângulo HADG, e é evidente que o retângulo EHGF somado com
JKLE é igual ao retângulo EADF.
Como o quadrado JIGF tem área igual a vinte e cinco, quando retiramos do
retângulo JIGF o retângulo EHGF e o retângulo JKLE que totalizam uma área de
vinte e um, temos que o quadrado KIHL (vide figura 15) terá área igual a quatro.
80

Portanto, os segmentos KI, IH, HL, LK, HA, GD e JE possuem medida igual a dois.
Assim, como o segmento HB é igual a cinco e o segmento HA é igual a dois, temos
que o segmento AB é igual a três.
Desse modo, por meio dessa construção, al-Khwarizmi chega à conclusão que a
raiz da equação um quadrado mais vinte e um dirhams é igual a dez de suas raízes
é igual a três.

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

É importante ressaltar que, embora em seu tratado al-Khwarizmi não tenha


deixado explícito, ele teve a intensão de construir um retângulo que possuísse área
igual a dez raízes, por esse motivo, foi construído o retângulo EBCF de lados iguais a
dez e raiz.
Em relação ao sexto e último caso, raízes mais números iguais a quadrados,
al-Khwarizmi também apresenta cinco passos para sua resolução:

1. Dividir o número de raízes por dois;


2. Multiplicar por si mesmo a metade do número de raízes;
3. Somar o resultado da operação anterior com o número de dirhams;
4. Calcular a raiz quadrada do resultado anterior;
5. Somar o resultado anterior com a metade do número de raízes.
81

. Desse modo, esse estudioso islâmico utiliza do exemplo três raízes mais
quatro são iguais a um quadrado. A resolução desse exemplo pode ser observada no
quadro 13.

Quadro 13 - "Tres raíces más cuatro es igual a un cuadrado" (AL-KHWARIZMI, 830,


p. 31)

Nomenclatura de al-Khwarizmi Nomenclatura atual

1° passo: dez dividido por dois é 10


=5
igual a cinco 2

2° passo: cinco vezes cinco é igual 10 2


( ) = 5² = 25
a vinte e cinco 2

3° passo: vinte e cinco menos 10 2


( ) − 21 = 25 − 21 = 4
vinte e um é igual a quatro 2

4° passo: a raiz quadrada de


√4 = 2
quatro é igual a dois

5° passo: cinco menos dois é igual


5−2= 3
a três

Dez dividido por dois é igual a


cinco. Cinco vezes cinco é igual a 10 10 2
𝑥= − √( ) − 21
2 2
vinte e cinco. Vinte e cinco menos
vinte e um é igual a quatro. A raiz 10
𝑥= − √25 − 21
2
quadrada de quatro é igual a dois.
𝑥 = 5 − √4
Cinco menos dois é igual a três.
𝑥 = 5−2
Portanto, três é o resultado/raiz
𝑥=3
dessa equação.

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Portanto, a raiz dessa equação é igual a quatro e seu quadrado é igual a


dezesseis. Ao final da resolução, al-Khwarizmi sugere, novamente, que cada vez que
82

a equação tenha mais de um quadrado, ou menos, esse valor deve ser reduzido a um
só quadrado.
Em seu tratado algébrico, al-Khwarizmi também apresenta a resolução
geométrica da equação três raízes mais quatro são iguais a um quadrado. Essa
resolução pode ser acompanhada no quadro 14.

Quadro 14 - "tres raíces más cuatro es igual a un cuadrado" (AL-KHWARIZMI, 830,


p. 31)

Método geométrico
1° passo: Para essa resolução, é necessário construir um quadrado ABCD de lados
desconhecidos, que seja igual a três raízes mais quatro, como podemos ver na
imagem a seguir:

2° passo: a partir do quadrado DCBA, construir o retângulo FBAE, de modo que


esse retângulo tenha área igual a três raízes e que os lados FB e EA sejam iguais
a três. Em consequência disso, o retângulo DCFE tem área igual a quatro, uma vez
83

que o quadrado DCBA é a soma das áreas dos retângulos EFBA e DCFE. Essa
construção consiste na imagem a seguir:

3° passo: dividir o segmento FB em duas partes iguais e construir, assim, o


quadrado JFHG, de lados iguais a um mais um meio e área igual a dois mais um
quarto, como podemos ver na imagem a seguir.
84

4° passo: completar o segmento HG, de modo que esse segmento passe a ter a
mesma medida do segmento CH. A partir do segmento HO, deve ser construído o
quadrado PCHO, de modo que os segmento PC, CH, HO e OP sejam iguais, e o
segmento KJ seja igual ao segmento OG. Essa construção pode ser vista na
seguinte imagem:

Sabemos que o retângulo CFED tem área igual a quatro e o retângulo PCFK mais
o retângulo JGOK é igual ao retângulo CFED. Por meio das construções, fica claro
que o quadrado CHOP é a metade do número de raízes, ou seja, um mais um meio
por si mesmo, que é dois mais um quarto, mais quatro, que é a soma das áreas dos
retângulos PCFK e JGOK. Com isso, sobra do lado do quadrado inicial, DCBA, a
metade do número de raízes, um mais um meio, que é o segmento HB.
Desse modo, quando somamos CH com o segmento HB, o segmento resulta em
uma medida igual a quatro. Portanto, o lado do quadrado DCBA mede quatro e sua
área é igual a dezesseis.
Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Ao final de todas essas explicações, al-Khwarizmi chega à conclusão que tudo


relacionado à tarefa da álgebra e redução surge, necessariamente, de um desses seis
casos expostos durante seu livro, Álgebra. Desse modo, o mesmo afirma que os
85

caminhos para a explicação e para o conhecimento sobre equações do segundo grau


estão abertos.
Assim, nesse capítulo, pudemos conhecer melhor sobre a álgebra do mundo
islâmico, dando um enfoque na Álgebra de al-Khwarizmi. Quanto a Álgebra de al-
Khwarizmi, pudemos conhecer o seu conteúdo, sua estrutura física, o objetivo de sua
escrita, bem como outras particularidades. Ainda sobre esse tratado algébrico,
falamos sobre as seis classificações da equação polinomial do segundo grau, de
acordo com al-Khwarizmi. Por fim, aprendemos como al-Khwarizmi resolvia esses seis
tipos de equação, algebricamente e geometricamente. Com isso, podemos dar início,
agora, a nossa fala sobre o produto educacional desenvolvido durante essa pesquisa.
86

4 PROPOSTA PEDAGÓGICA: CONCEPÇÃO E APLICAÇÃO

Conhecido o mundo islâmico, bem como o Tratado algébrico de al-Khwarizmi,


partimos para a concepção do nosso produto educacional. Desse modo, devido à
escassez de trabalhos sobre a matemática islâmica, bem como sobre o Tratado
algébrico de al-Khwarizmi, decidimos que nosso produto teria formado de e-book, de
modo a conter as informações mais significativas e acessíveis a respeito dessa
temática.
Escolhido o formado do produto educacional, partimos para a escolha do
conteúdo que iriamos abordar. Depois de uma série de pesquisas e estudos,
chegamos à conclusão que o melhor caminho seria elaborar textos que falassem
sobre o contexto em que se desenvolveu o Tratado algébrico de al-Khwarizmi.
Nossa ideia inicial era abordar também os métodos algébricos e geométricos
de resolução das equações polinomiais do segundo grau, propostos por al-Kwharizmi,
no entanto, percebemos que conhecer o Tratado algébrico como um todo e suas
principais características se adequava melhor à nossa teoria educacional. Com isso,
além do contexto, escolhemos apresentar o Tratado algébrico de al-Khwarizmi ao
nosso público-alvo.
Desse modo, neste capítulo vamos nos aproximar da elaboração do produto
educacional. Para isso, dividimos esse capítulo em duas partes. A primeira, tratará
dos elementos que compõem o caderno de atividade, bem como algumas explicações
que achamos necessárias para a sua utilização. Na segunda parte, falaremos da
aplicação do e-book. Por fim, ainda na segunda parte, faremos uma reflexão acerca
do produto educacional e sua aplicação.

4.1 O PRODUTO EDUCACIONAL

O produto que desenvolvemos durante nossa pesquisa de mestrado está


anexado a essa dissertação e é intitulado E se o berço da Álgebra fosse islâmico, ela
seria terrorista? Esse produto foi elaborado em forma de e-book, tendo a aparência
de um caderno de atividades, uma vez que apresenta textos e tarefas para serem
realizadas ao longo de sua leitura. O e-book objetiva apresentar aos professores e
licenciandos em matemática o contexto histórico-cultural em que viveu al-Khwarizmi;
os elementos biográficos de al-Khwarizmi, uma vez que pouco se sabe sobre ele; e a
87

própria obra Álgebra de al-Khwarizmi, materializada sob a forma de um livro publicado


em 2009 em edição bilíngue espanhol-árabe. Desse modo, podemos então enunciar
algumas características formais do produto educacional, tais como:

 Forma do produto educacional: E-book em formato de caderno de atividades;


 Objetivo: Apresentar ao professor em formação inicial e/ou continuada o
personagem histórico islâmico al-Khwarizmi, que viveu na transição dos
séculos VIII-IX d. C, sua obra mais conhecida, a Álgebra de al-Kwharizmi, e o
contexto histórico e cultural em que ele viveu e produziu sua obra.
 Público alvo: professores/licenciandos de matemática do ensino básico;
 Abordagem teórica de ensino subjacente às atividades que serão
desenvolvidas com os professores/licenciandos: de acordo com a Teoria da
Objetivação;
 Abordagem metodológica (didática) a ser utilizada no curso com os
professores/licenciandos: a recomendada pela Teoria da Objetivação;
 Forma de avaliação da intervenção metodológica (aplicação das atividades): a
recomendada pela Teoria da Objetivação;

Esse e-book foi organizado em três partes, sendo que a primeira parte
destinada a apresentação do contexto do mundo islâmico, a segunda destinada a
apresentação do estudioso islâmico al-Khwarizmi e por fim, a terceira destinada à
descrição da Álgebra de al-Khwarizmi.
Desse modo, o presente recurso didático é composto por três capítulos. O
primeiro capítulo, de caráter introdutório, tem o objetivo de apresentar o contexto
político, histórico e social no qual viveu al-Khwarizmi. O objetivo do segundo capítulo
é apresentar aos professores de matemática o grande estudioso islâmico al-
Khwarizmi, bem como suas contribuições deixadas à humanidade. O terceiro e último
capítulo, tem por finalidade apresentar ao professor de matemática um dos trabalhos
mais importantes para o desenvolvimento da álgebra, a Álgebra de al-Khwarizmi.
O e-book E se o berço da Álgebra fosse islâmico, ela seria terrorista? é uma
proposta interativa, que apresenta textos e tarefas a serem realizadas, pensada para
aplicação em sala de aula, no entanto, nada impede que ele seja utilizado de forma
individualizada, fora do ambiente educacional. Além disso, ele também pode ser
88

utilizado na educação básica, desde que sejam realizadas algumas adaptações pelo
professor, tais como: tratamento didático nos textos dos capítulos um e dois, escolhas
de algumas atividades pertinentes para o nível da educação básica, tratamento
didático dos recortes da Álgebra de al-Khwarizmi.
Como já falado, essa proposta foi elaborada de acordo com os princípios da
Teoria da Objetivação. Desse modo, sugerimos que, ao ser aplicado em sala de aula,
a metodologia utilizada seja a proposta pela Teoria da Objetivação, o labor conjunto,
que fora explicado na introdução dessa dissertação. Desse modo, seguido essa
metodologia, recomendamos, no ato da aplicação em sala de aula, que:

 As tarefas sejam desenvolvidas em pequenos grupos, para que todos os


integrantes possam participar dos debates, evitando, assim, o individualismo;
 Os textos sejam lidos em grupo, incentivando o trabalho colaborativo e a ajuda
mútua;
 Ao final de cada tarefa seja aberta uma discussão em pequenos e grandes
grupos, afim de que todas as ideias extraídas dos textos, mapas e figuras sejam
conhecidas; e
 Todos os integrantes, em todos os momentos das tarefas, respeitem a ética
comunitária, em que todos se escutam e se respeitam, independentemente da
ocorrência de divergência de ideias.

Ao final da leitura e interpretação de todos os textos, mapas e figuras,


esperamos que os leitores desse e-book possam conhecer um pouco mais sobre al-
Khwarizmi, bem como o contexto em que viveu e seu Tratado algébrico. Desse modo,
por meio da escrita desse produto educacional, ansiamos contribuir para a diminuição
da escassez existente em trabalhos que façam a divulgação, principalmente em língua
portuguesa, da matemática islâmica.

4.2 VALIDAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL

Em concomitância às exigências da Capes, ao dizer que o Mestrado


Profissional é de natureza distinta ao Mestrado Acadêmico, uma vez que o mestrando
de programas profissionais “deve desenvolver um processo ou produto educativo e
utilizá-lo em condições reais de sala de aula ou em outros espaços de ensino, em
89

formato artesanal ou em protótipo” (BRASIL, 2016, p. 15), elaboramos, como já falado


anteriormente, um produto educacional em forma de e-book e fizemos a aplicação do
mesmo. Desse modo, nesse tópico, discutiremos a aplicação das atividades que
compõem o nosso produto educacional.
Realizamos a aplicação do produto educacional em uma turma do curso de
Licenciatura em Matemática, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), mais precisamente na disciplina de Tópicos de História da Matemática,
ministrada pela professora doutora Marta Figueredo dos Anjos. Essa aplicação foi
realizada no dia trinta e um de maio de dois mil e dezenove (31/05/2019) e teve carga
horária de quatro horas aula (4horas/aula).
Ressaltamos que nosso intuito inicial era aplicar o e-book em um minicurso
oferecido para professores e licenciandos de Matemática do município de Natal, no
entanto, isso não foi possível devido à falta de tempo para organizar tudo que era
necessário para oferecer o minicurso pelo Sistema Integrado de Gestão de Atividades
Acadêmicas (Sigaa) da UFRN. Por isso, entramos em contato com a professora
doutora Marta dos Anjos e ela, gentilmente, nos concedeu um espaço, na disciplina
de Tópicos em História da Matemática, para fazermos a aplicação no produto.
Para melhor administração do tempo que nos foi disponibilizado, organizamos
a aplicação do produto educacional em formato de minicurso. Desse modo, embora o
e-book possua cinco tarefas, fizemos a aplicação integral de, apenas, três tarefas. As
tarefas dois e quatro, que falavam sobre o mundo islâmico e a Álgebra de al-
Khwarizmi, respectivamente, foram trabalhadas por meio de apresentação digital, a
qual possuía todas as informações que seriam trabalhadas nas tarefas.
Foi utilizado, para aplicação do produto educacional, a versão impressa do e-
book, para evitarmos qualquer tipo de divulgação do trabalho que ainda não havia sido
finalizado. Além disso, utilizamos, durante a aplicação, um computador e um projetor,
para realização da apresentação digital das tarefas dois e quatro.
Para melhor estruturação e visualização, organizamos a distribuição das
tarefas e suas respectivas durações no quadro 15. Ressaltamos que às aulas do turno
noturno iniciam-se, teoricamente, às dezoito horas e quarenta e cinco minutos, porém
como os alunos não costumam chegar exatamente nesse horário, os foi dado quinze
minutos de tolerância.
90

Quadro 15 - Organização das tarefas e do tempo para realização do minicurso

Atividade Descrição Tempo estimado

Apresentação da
ministrante, dos
Introdução 19h00 às 19h15
participantes e do produto
educacional

Leitura do texto 1 Árabe,


Tarefa 1 islâmico e muçulmano e 19h15 às 19h50
realização da tarefa 1

Apresentação digital do
texto 2 O mundo islâmico
Tarefa 2 19h50 às 20h15
medieval e a ciência nele
produzida

Leitura do texto 3 O sábio


Tarefa 3 islâmico al-Khwarizmi e 20h15 às 20h45
realização da tarefa 3

Apresentação digital do
texto 4 e 5 A Álgebra de
Tarefa 4 al-Khwarizmi e Um 20h45 às 21h00
exemplar do livro Álgebra
de al-Khwarizmi

Leitura dos recortes das


páginas 23, 25, 27, 29 e
Tarefa 5 31 da Álgebra de al- 21h00 às 22h00
Khwarizmi e realização da
tarefa 5.

Leitura da ficha de Recomendamos que essa


Avaliação do produto
avaliação e resolução da avaliação fosse realizada
educacional
mesma no final do minicurso
Fonte: Elaborado pelos autores (2019)
91

A realização do minicurso aconteceu no Laboratório de Ensino de Matemática


(LEM), localizado no bloco D, sala cinco, do setor de aulas três da UFRN. Fizemos a
escolha desse espaço devido à sua organização, uma vez que o ambiente conta com
algumas mesas, o que facilita o trabalho em grupo e em consequência disso, o labor
conjunto.
Às dezenove horas demos início ao minicurso intitulado E se o berço da Álgebra
fosse islâmico, ela seria terrorista? Inicialmente, pedimos que os alunos se dividissem
em duplas para realização das tarefas do produto educacional. Logo depois disso, nos
apresentamos e fizemos a apresentação do minicurso, do produto educacional e de
todas as informações necessárias referente a metodologia utilizada para realização
das tarefas em questão. Em seguida, entregamos o material impresso que foi utilizado
durante o minicurso e passamos a palavra para os participantes do minicurso, para
que eles se apresentassem. No ato da entrega do material impresso, também
entregamos uma ficha de avaliação do produto educacional que deveria ser entregue
ao final do minicurso. Essa ficha pode ser vista no apêndice B desse trabalho.
Contamos com a participação de quatorze licenciandos em Matemática, sendo
sete mulheres e sete homens, ambos de faixa etárias distintas. Consideramos que
esse número de participantes foi bem significativo, uma vez que os alunos não foram
obrigados a participar do minicurso, ou muito menos ganharam pontuação extra pela
presença.
Feita as apresentações e dadas as orientações, foi sugerido que os alunos
dessem início a realização da primeira tarefa. Esta se consistia de um texto para leitura
com o título Árabes, islâmicos e muçulmanos. O texto vinha acompanhado por
perguntas que os grupos deveriam responder depois de lido o texto e discutido no
grupo seguindo as normas do labor conjunto. As perguntas eram:

1. Explique o sentido dos termos islã, islâmico, islamismo.


2. Você consegue explicar a diferença entre os termos árabe, islâmico e
muçulmano?
3. Para nos situarmos melhor quanto a esse contexto, vamos a um exemplo mais
próximo da nossa realidade.
92

O Estado do Rio Grande do Norte possui um dos menores índices de


povos indígenas do Brasil. Há, na cidade de Canguaretama/RN, uma
comunidade indígena chamada Catu. Essa comunidade possui costumes
peculiares, em que buscam manter ou reviver costumes e práticas dos seus
ancestrais indígenas, através, por exemplo, da língua tupi, pinturas
corporais, esportes indígenas, expressões da religiosidade como o ritual do
Toré, entre outros.
Suponha que uma criança nasça nessa comunidade, e por algum
motivo, seja levada embora da comunidade. Desse modo, por mais que não
viva legitimamente como um Catu, ela jamais deixará de ser catu, uma vez
que possui o sangue desse povo indígena correndo nas veias. Esse é um
exemplo claro da ideia de árabe que trabalhamos anteriormente, uma vez
que o termo não está relacionado ao território em que vive, mas sim à etnia
da pessoa.

Foi dado um tempo para que os participantes executassem a leitura do texto e


respondessem a tarefa. Passado esse tempo, abrimos a discussão, que antes
ocorrera em pequenos grupos, para o grande grupo (vide figura 7). Nessa discussão
com o grande grupo, foi pedido aos participantes que explanassem o que haviam
entendido sobre o texto e a tarefa em questão. No início da discussão, as ideias
referentes aos termos tratados no texto ainda não estavam muito claras, mas ao passo
que um participante escutava o outro, as ideias foram se construindo de forma positiva
e clara. Com isso, chegamos à conclusão que o termo árabe está relacionado a etnia,
o termo muçulmano tem relação direta com a religião de Maomé, o Islã, e o termo
islâmico está relacionado com o estado e sociedade islâmica e suas leis.
Todas as perguntas foram respondidas, porém, o exemplo da tribo indígena
Catu foi a que gerou mais discussão. Esse pequeno texto enriqueceu a nossa
discussão e nos proporcionou situações não planejadas, uma vez que passamos a
discutir sobre a cultura e as tribos indígenas espalhadas pelo RN, que muitas vezes
são desconhecidas pelos próprios potiguares. Inclusive, um dos participantes era
natural de Canguaretama e pôde nos dar mais informações sobre a tribo Catu.
93

Figura 7 – Momento de discussão da tarefa 1

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

A seguir passamos ao texto 2, O mundo islâmico medieval e a ciência nele


produzida, apresentado na forma de uma conversa, pois, os alunos tinham total
liberdade para questionar o que quisessem, quando quisessem. Desse modo, falamos
nesse momento sobre o início do mundo islâmico e seu sistema de governo – o
califado – e sua expansão territorial. Em seguida, passamos a falar sobre os
conhecimentos desenvolvidos durante o islã medieval. Com isso, apresentamos os
principais conhecimentos desenvolvidos durante esse período e falamos sobre a Casa
da Sabedoria, que consistia em uma grande biblioteca que reunia diversos estudiosos
naquela época. Durante a fala sobre a Casa da Sabedoria, alguns alunos se
questionaram se existia, em Bagdá, outras bibliotecas. Respondemos que sim, no
entanto, informamos que a biblioteca de maior impacto intelectual e cultural era a Casa
da Sabedoria, naquele período.
Nesse momento da apresentação, trabalhamos com diversos mapas (vide
figura 8), no qual os alunos puderam entender melhor a localização da Península
arábica e a expansão territorial do islamismo durante os séculos VI e XII. É valido dizer
que o trabalho com mapas é de extrema importância para que o sujeito consiga
localizar-se no tempo e no local estudado.
94

Figura 8 – Utilização de mapa para apresentação do mundo islâmico medieval

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Finalizada a apresentação, demos início a realização da terceira tarefa do


caderno de atividades, o sábio islâmico al-Khwarizmi. No primeiro momento, foi dado
um tempo para que os alunos fizessem a leitura do texto e respondessem aos
questionamentos da tarefa. Feito isso, partimos para a discussão com o grande grupo.
Inicialmente, perguntamos se eles compreenderam o significado do nome de al-
Khwarizmi. Nesse momento, todos disseram que al-Khwarizmi era Muhammad, pai
de Jafar, filho de Moisés, no entanto, quando foram traduzir o termo al-Khwarizmi
muitos disseram que ele teria vindo de Khwarizmi. Nesse momento, falamos que a
cidade natal de al-Khwarizmi era Khwarezm e para melhor compreensão, mostramos,
por meio de um mapa, essa região, que atualmente fica na República do Uzbequistão.
O segundo questionamento que fizemos estava relacionado com a etnia de al-
Khwarizmi: será que ele era árabe ou não? Alguns alunos responderam que ele não
era árabe, pois Khwarezm não fazia parte da Península Arábica, outros questionaram
sobre os seus pais, se eram ou não árabes. No final, chegamos à conclusão que al-
Khwarizmi não era árabe e que, portanto, seus pais também não eram. O terceiro
questionamento se tratava dos diversos modos de escrita do nome de al-Khwarizmi.
Alguns participantes falaram que essa divergência se dava pelos diferentes tempos
que esse nome foi escrito, e alguns chegaram a compreensão correta: al-Khwarizmi
possui diversas formas de se escrever, devido as divergências dos idiomas e de seus
sons e pronúncias.
Quando estávamos falando sobre o nome de al-Khwarizmi, os participantes
iniciaram uma reflexão mais local acerca da composição do nome das pessoas. Eles
deram exemplo de alguns fatos que ocorrem no interior do RN. Algumas pessoas são
95

conhecidas pela sua profissão, pelo nome do seu cônjuge ou pai, entre outros, como
por exemplo: Joana da bodega, José da padaria, Francisco do leite, Maria de Damião,
Glória de Cosme.
Consideramos que esse tipo de participação dos alunos, em que eles mesmos
mostram um exemplo do contexto em que vivem, é duplamente significativo, pois, se
por um lado mostra que eles compreenderam com propriedade o assunto em
discussão, por outro lado dá indícios de eles romperam a barreira do estranhamento.
Nesse caso, quer dizer que para eles o costume árabe refletido no nome Mohammed
al-Khwarizmi (Mohammed de Khwarizm, ou, Mohammed nascido em Khwarizm) é
análogo ao nosso costume de atribuir uma característica à pessoa para melhor defini-
la, como é o caso de Joana da bodega ou Francisco do leite. Em termos de TO
podemos dizer que ocorreu a objetivação do objeto cultural atribuição de nome entre
os árabes.
A quarta tarefa consistiu na apresentação da Álgebra de al-Khwarizmi e do
exemplar do livro Álgebra de al-Khwarizmi em espanhol. Optamos por um relato feito
pela pesquisadora que abarcava o conteúdo dos textos 4 e 5 do produto educacional,
a saber: quando a obra Álgebra de al-Khwarizmi foi escrita; quais exemplares do
original encontrados hoje em dia; como al-Khwarizmi dividiu o conteúdo presente em
seu livro e quais os conhecimentos presentes nessa obra (vide figura 9). Em seguida,
falamos sobre o exemplar que temos em mãos, que consiste em uma edição bilíngue,
traduzida e comentada pelo autor Ricardo Castillo. Optamos por apresentar essa parte
na forma de relato oral em vez de texto para leitura porque tínhamos 4 horas para
desenvolver todo o trabalho e o material de que dispúnhamos era bastante extenso.
Era necessário poupar tempo para que pudéssemos fazer a quinta e última tarefa.
Na quinta e última tarefa retornamos ao labor conjunto com os membros dos
grupos discutindo entre si enquanto faziam a leitura e atendiam às indicações da tarefa
solicitada. Enquanto a quarta tarefa tinha o objetivo de disponibilizar informações
sobre a obra em questão (contexto em que foi escrita, qual a estrutura do livro, qual o
conteúdo matemático, etc.), a quinta tarefa tinha um objetivo bem distinto. Aqui se
pretendia que os alunos imaginassem que estavam folheando um exemplar do livro
do livro impresso prestando atenção na escrita, tamanho dos parágrafos, na
introdução, na cor da tinta, etc. Era uma tentativa de emular sensações, a sensação
de estar folheando um livro.
96

Figura 9 – Conversa sobre a Álgebra de al-Khwarizmi

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Desse modo, pedimos para que todos lessem os recortes que estavam
presentes do caderno de atividades. As perguntas relativas a essa parte foram:

1. Destaque na Figura 3 os motivos pelos quais a Álgebra de al-Khwarizmi foi


escrita.
2. Destaque possíveis características de al-Khwarizmi presente nas Figuras 3,
4 e 5.
3. Al-Khwarizmi usava símbolos matemáticos?
4. Como era sua linguagem?
5. Como ele expressava suas ideias matemáticas?

Foi dado um tempo para que os participantes lessem a introdução da Álgebra


e recortes da obra. Alguns alunos demonstraram uma certa rejeição a leitura proposta,
uma vez que os recortes utilizados eram do exemplar bilíngue árabe-espanhol. Porém,
explicamos que nosso objetivo era deixar o texto o mais próximo possível do original,
e fazer a tradução, talvez, nos distanciassem da originalidade. Para a sorte de todos,
havia no minicurso um participante que conseguia ler fluentemente o espanhol, desse
97

modo, enquanto ele lia o texto em voz alta, os participantes que apresentavam
dificuldade na leitura de outro idioma, o escutava. Após a leitura e resolução da última
tarefa, foi dado início a discussão com o grande grupo, acerca dos questionamentos
feitos nessa tarefa. Nossa recomendação é que caso seja necessário ler um texto em
espanhol em sala de aula, o professor encontre um jeito de convencer os alunos a
fazer um esforço, usar os recursos à disposição como o dicionário espanhol (usar o
celular para isto) e assim vencer a barreira.
Na discussão final eles mostraram ter apreendido a ideia de que al-Khwarizmi
era uma pessoa bastante religiosa, a julgar pela introdução do livro que faz pensar
que o texto é mais religioso do que matemático. Esta é uma questão que merecia
maior desdobramento, mas as condições não eram propícias. No entanto, achamos
que este ponto tem de ser melhor estudado. Quando questionados sobre as
características de al-Khwarizmi, além de identificarem a sua religiosidade, perceberam
que al-Khwarizmi era uma pessoa muito minuciosa em suas explicações. Os
participantes perceberam que al-Khwarizmi não utilizava símbolos matemáticos para
escrita do seu texto, e que, portanto, sua álgebra era retórica. Após a fala dos
participantes, achamos interessante falar de outras características que eles não
identificaram, como por exemplo, a utilização do texto em duas cores para chamar a
atenção do leitor e a falta de capítulo bem definidos durante a sua Álgebra de al-
Khwarizmi.
De modo geral, observamos que o objetivo do produto educacional foi atingido
com sucesso, uma vez que conseguimos debater todo o conteúdo exposto no produto.
Esse fato se deu, principalmente, pela participação ativa dos alunos, uma vez que eles
não pouparam esforços para realização das tarefas propostas, e mantiveram-se
sempre animados/ativos para a discussão em grandes grupos.
Verificamos que todas as tarefas propostas foram realizadas de maneira
satisfatória. No entanto, podemos dizer que a discussão referente a última tarefa
deixou, um pouco, a desejar, uma vez que só tivemos vinte minutos para discussão
do recorte da Álgebra de al-Khwarizmi.
É válido lembrar que as tarefas foram realizadas em forma de labor conjunto,
de maneira que os participantes deveriam trabalhar em conjunto, respeitando as
ideias e opiniões do outro, respeitando, assim, a ética comunitária e proporcionando
a colaboração humana, tão defendida por Radford (2017). Podemos ver na figura 10
indícios da realização das tarefas como labor conjunto.
98

Figura 10 – Sequências de imagens que apresentam o labor conjunto entre


participantes

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Na figura 10, podemos perceber o trabalho em conjunto de diversas formas,


ora realizado apenas entre participante-participante, ora realizado entre participante-
professora. Momentos como esse, enfatizam a ideia de Radford (2017) sobre
professores e alunos estarem no mesmo degrau de uma escada, ou seja, ninguém
está acima do outro, ou ninguém está abaixo, uma vez que no processo de ensino-
aprendizagem ambos ensinam e aprendem ao mesmo tempo. Dessa forma, durante
o desenvolvimento de todas as tarefas, visitamos, constantemente, os grupos, afim
de motivá-los e ajuda-los no desenvolvimento das tarefas propostas.
Nos últimos minutos de nosso trabalho com os alunos, recebemos a ficha de
avaliação que foi entregue no início do minicurso. Pela leitura dessas fichas,
concluímos que os participantes consideraram o produto educacional relevante, uma
vez que forneceu conhecimentos novos sobre a história da matemática islâmica, bem
como sobre al-Khwarizmi e sua Álgebra de al-Khwarizmi.
Juntando o que lemos nas fichas de avaliação, com a nossa experiência de
professores, podemos dizer que os participantes aceitaram sem resistência
metodologia do labor conjunto, uma vez que não se opuseram, em nenhum momento,
a trabalhar em dupla, a respeitar a ideia/opinião do outro e a compartilhar as suas
99

ideias e visões acerca do que se estava sendo discutido com sua dupla. Desse modo,
conforme o que percebemos, o labor conjunto foi um dos pontos que resultou no
sucesso de nosso minicurso, e consequentemente do nosso produto educacional,
uma vez que essa metodologia dinamizou a leitura dos textos e mapas, e a realização
das tarefas e debates, promovendo assim, o engajamento das duplas.
De acordo com nossa percepção, o labor conjunto promoveu, também, o
envolvimento dos participantes com o grande grupo, uma vez que todas as tarefas
foram finalizadas com discussões com todos os participantes. Por meio dessas
discussões, as ideias foram compartilhadas e respeitadas, conforme a ética
comunitária defendida por Radford (2017).
A carga horária destinada à aplicação do produto educacional (4 h/a) deixou a
desejar, uma vez que, mesmo com todas as adaptações planejadas, ficamos com
pouco tempo para realizar a discussão em grande grupo da última tarefa.
Consideramos que esse fato prejudicou o aprofundamento sobre a Álgebra de al-
Khwarizmi.
Esse aumento de carga horária se faz necessário, principalmente, se o produto
for aplicado na íntegra, de modo que os participantes façam a leitura de todos os
textos e realizem todas as tarefas sugeridas. Com isso, sugerimos que a carga horária
para a aplicação do produto, na íntegra, seja superior a quatro horas aulas.
Refletindo após a aplicação do produto, percebemos que a produtividade, no
final do minicurso, deixou a desejar. Supomos que o fato do minicurso ter sido
finalizado em quatro horas aulas corridas pode, de certa forma, justificar essa falha.
Além disso, sexta-feira, num curso noturno, manter a atenção concentrada durante
quatro aulas é dificultoso para os alunos. Desse modo, nossa sugestão é que o
produto educacional seja aplicado em dois momentos diferentes, sendo os capítulos
um e dois aplicados em conjunto e o capítulo três, aplicado separadamente.
Nas fichas de avaliação, alguns participantes sugeriram a tradução dos recortes
da Álgebra para o português, consideramos que alunos de graduação devem ser
desafiados o tempo todo mesmo nas áreas que não diretamente relacionadas com
sua área de formação. Espanhol é uma língua próxima da nossa e perder o medo de
ler em espanhol, mesmo sem ter se preparado para isto, é benéfico para a vida de
nossos alunos. Em outras palavras, a leitura desse texto em espanhol é uma forma
de incentivar o licenciando ou o professor a sair da zona de conforto e se desafiar em
outros idiomas. Com isso, sugerimos que, caso seja percebido alguma dificuldade
100

quanto a leitura em espanhol, no ato da aplicação desse produto educacional, o


professor sugira aos participantes que façam a leitura em conjunto, de modo que um
participante ajude o outro, e utilizem ferramentas tradutoras, disponíveis na internet.
Desse modo, aconselhamos que, no ato da aplicação do produto, a
metodologia do labor conjunto seja posta em prática, uma vez que, de acordo com o
que pudemos observar, ela foi primordial para a dinamização e, consequentemente,
compreensão dos textos trabalhados.
Sugerimos, ainda, que o professor incentive os alunos a utilizarem o telefone
e/ou computador, durante a realização das tarefas, para pesquisarem fotos, mapa,
objetos e termos desconhecidos. Falamos isso pois percebemos que esse bom uso
da tecnologia facilita a compreensão do texto e das tarefas.
Diante do que foi exposto, concluímos que o produto educacional alcançou
seus objetivos traçados, uma vez que, trabalhando ombro a ombro, conseguimos
aprender um pouco sobre a imensidão desconhecida do mundo islâmico, a
matemática e a Álgebra de al-Khwarizmi, produzidas nele.
101

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A matemática islâmica medieval é uma temática da história da matemática que


possui algumas lacunas em termos de estudos/pesquisas e publicações. Com relação
às publicações brasileiras, o tema é pouco abordado, tanto nos livros textos mais
adotados, quanto em eventos da área. O estudioso islâmico medieval al-Khwarizmi
constitui-se em uma exceção de tudo isso, pois, nos estudos brasileiros seu nome
aparece sempre ligado à sua obra mais conhecida, o Tratado Algébrico de al-
Khwarizmi. Devido a essa escassez, há um universo de conhecimentos que são
desconhecidos.
Reputamos que conhecer essa parte da história da matemática faz-se
necessário, uma vez que estudiosos islâmicos medievais deram grandes
contribuições ao nosso sistema de numeração e ao conhecimento algébrico que
temos hoje, por exemplo. Além disso, consideramos que conhecer o Tratado Algébrico
de al-Khwarizmi, de forma abrangente, é significativamente interessante. Com isso,
surgiu a seguinte questão: como elaborar uma proposta de atividade que utilize as
potencialidades do Tratado Algébrico de al-Khwarizmi no ensino?
Para respondermos a esse questionamento, traçamos como objetivo geral
desse estudo dissertativo, conhecer as potencialidades histórico-pedagógicas do O
Tratado de Algébrico de al-Khwarizmi, tendo como suporte teórico-metodológico a
Teoria da Objetivação. Para que esse objetivo pudesse ser atingido, fizeram-se
necessárias algumas discussões.
Conhecer o contexto histórico, político e social das ideias matemáticas em torno
do Tratado algébrico de al-Khwarizmi fez-se necessário, uma vez que ter a
compreensão do contexto em que se desenvolveu esse tratado é tão importante
quanto conhecer o seu conteúdo matemático. Para esse estudo, utilizamos como
principais autores Youschkevitch (1976), Djebbar (2005, 2017) e Berggren (2007).
Além disso, tivemos que estudar, detalhadamente, todo o conteúdo desse tratado
algébrico, para que pudéssemos conhece-lo de forma mais abrangente e delimitarmos
o que, de fato, iriamos abordar no produto educacional proposto.
Com isso, depois de ter domínio do contexto e do Tratado de algébrico de al-
Khwarizmi, nos foi preciso reconhecer as possibilidades que a Teoria da Objetivação
oferece para a elaboração e aplicação de uma proposta de atividade. Desse modo,
realizamos uma pesquisa bibliográfica, para compreensão dessa teoria, que foi
102

fundamental para o desenvolvimento do nosso trabalho. Compreendido os principais


eixos da Teoria da Objetivação, como saber, conhecimento, objetivação e
subjetivação, reconhecemos que o labor conjunto e a ética comunitária seria, como
de fato foi, primordiais para o desencadear da nossa pesquisa aplicada.
Dispondo do entendimento histórico, matemático e teórico-metodológico,
partimos para o nosso último objetivo específico, que consistiu em descrever
atividades envolvendo aspectos históricos do Tratado algébrico de al-Khwarizmi com
potencialidades didáticas para a formação inicial/continuada do professor de
matemática.
Uma varredura nas publicações dos últimos anos nos mostrou que os trabalhos
publicados davam pouca ênfase aos aspectos não matemáticos da obra Tratado
Algébrico de al-Khwarizmi, o que nos levou, no presente estudo, a optar por outro
caminho. Nossa posição foi, e ainda é, a de que a figura de al-Khwarizmi e seu tratado
algébrico possuem um potencial a ser explorado que vai para além do conhecimento
do método de resolução das equações polinomiais quadráticas. Além disso, a
matemática islâmica (assim como as outras matemáticas) surgiu e se desenvolveu de
acordo com as necessidades humanas, para solucionar problemas daquela época, e,
portanto, o contexto histórico, econômico, político e social são elementos relevantes
no estudo desta obra.
Tais considerações nos conduziram a propor um material instrucional com base
no estudo da obra O Tratado Algébrico de al-Khwarizmi com forte ênfase no contexto
político, histórico, cultural e científico. O material foi elaborado na forma de e-book e
é dirigido aos professores de matemática em formação inicial ou continuada. A
validação do produto teve lugar em uma turma com 14 alunos da licenciatura em
matemática do período noturno da UFRN, no decorrer de 4 horas-aula (das 18h45 -
às 22h15). O material foi elaborado de modo que sua aplicação pudesse ser de acordo
com a Teoria da Objetivação. O processo de aplicação do produto está relatado na
sessão anterior e podemos, portanto, partir para reflexões mais abrangentes.
A elaboração do produto educacional foi o que, sem sombra de dúvidas, nos
demandou mais tempo e cuidado. Tivemos que selecionar, diante de tudo que
havíamos pesquisado, o que seria primordial para a compreensão do contexto em que
o Tratado algébrico de al-Khwarizmi foi escrito. Diante de tantas informações, fomos
obrigados a dar maior destaque à algumas.
103

Essa construção durou cerca de um ano e meio. A princípio, nossa ideia era
focar nos métodos de resolução das equações de segundo grau, proposta por al-
Khwarizmi. No entanto, refletimos melhor e vimos que, os métodos de resolução são
encontrados com mais facilidade em bibliotecas e artigos na internet. Com isso,
decidimos dar um foco no tratado como um todo e apresentar, no produto educacional,
o mundo islâmico e o Tratado algébrico de al-Khwarizmi aos leitores desse trabalho.
Destarte, o produto educacional gerado tem o potencial de divulgar a história
islâmica medieval, estando centrado no personagem islâmico al-Khwarizmi e em seu
trabalho mais famoso e importantíssimo para o desenvolvimento algébrico, o Tratado
algébrico de al-Khwarizmi (em alguns momentos desse trabalho também chamamos
esse tratado de, simplesmente, Álgebra). Por meio dele, pudemos desconstruir
algumas ideias a respeito da utilização da história da matemática em cursos de
formação inicial e/ou continuada, uma vez que, alguns cursos sobre essa temática,
focam, apenas, na matemática propriamente dita. No entanto, de acordo com a
historiografia atualizada e com as ideias de Radford (2008, 2016), o contexto em que
a matemática estava inserida deve ser valorizado.
Além disso, por meio do nosso minicurso, tivemos a oportunidade de vivenciar
e pôr em prática a Teoria da Objetivação, mais precisamente, a sua metodologia, o
labor conjunto e a ética comunitária. Consideramos isso importante pois nós,
enquanto professores, necessitamos conhecer novas metodologias de ensino, para
que possamos ajudar nossos alunos nos seus processos de objetivação e,
consequentemente, subjetivação.
Esperamos ter fornecido, por meio desse texto dissertativo e de nossa proposta
educacional, elementos para novas reflexões acerca da matemática islâmica medieval
e da Álgebra de al-Khwarizmi. Além disso, esperamos ter contribuído para a
divulgação do labor conjunto, prática educativa essa que considera a participação
ativa do estudante, por meio de debates e discussões.
Consideramos que, por mais produtiva seja uma pesquisa, ela ainda deixa
brechas, que podem resultar em estudos futuros. Todavia, por mais que concordemos
que ainda há um amplo espaço para se descobrir e divulgar sobre a matemática
islâmica medieval, conjecturamos que nossa pesquisa trouxe grandes contribuições
ao estudo desse tema. Além disso, julgamos que o produto educacional desenvolvido
durante essa pesquisa, contribuirá, positivamente, no estudo desse tema por
licenciandos e professores de matemática.
104

No mais, esperamos, em um futuro próximo, realizar novas pesquisas,


principalmente relacionadas a essa temática, para que possamos contribuir, cada vez
mais, com o desenvolvimento do conhecimento científico brasileiro.
105

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las matemáticas: problemas semióticos, epistemológicos y prácticos. Bogotá:
Universidad Distrital Francisco José de Caldas, 2017a. Cap. 4. p. 97-114.

RADFORD, Luis. Aprendizaje desde la perspectiva de la Teoría de la Objetivación.


In: D’AMORE, Bruno; RADFORD, Luis. Enseñanza y aprendizaje de las
matemáticas: problemas semióticos, epistemológicos y prácticos. Bogotá:
Universidad Distrital Francisco José de Caldas, 2017b. Cap. 5. p. 115-136.

RADFORD, Luis. Ser, subjetividad y alienación. In: D’AMORE, Bruno; RADFORD,


Luis. Enseñanza y aprendizaje de las matemáticas: problemas semióticos,
epistemológicos y prácticos. Bogotá: Universidad Distrital Francisco José de Caldas,
2017c. Cap. 6. p. 137-165.

RADFORD, Luis. Saber, aprendizaje y subjetivación en la Teoría de la Objetivación.


In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA,
5., 2018, Belém. Anais... Belém: Iran Abreu Mendes, 2018. p. 1 - 22. Disponível em:
<http://www.luisradford.ca/pub/Anais%20-%20Conferencia%20-%20Abertura.pdf>.
Acesso em: 31 jun. 2019.

RASHED, Roshdi. Al-Khwarizmi, le commencement de l’Algèbre. Paris: Librairie


Scientifique Et Technique Albert Blanchard (Sciences Dans L’histoire), 2007.

RASHED, Roshdi. Classical mathematics from al-Khwarizmi to Descartes.


Flórida: Routledge, 2014. 758 p.

RUTHVEN, M.; NANJI, A. Historical Atlas of Islam. [Cambridge]: Harvard University


Pres, 2004.

SÁ-SILVA, Jackson Ronie; ALMEIDA, Cristóvão Domingos de; GUINDANI, Joel


Felipe. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de
História & Ciências Sociais, Santa Vitória do Palmar, v. 1, n. 1, p.1-15, jul. 2009.
SIDEK, Roziah Sidik @ Mat; BAKAR, Juliana Abu. Al-Khawarizmi: Leading
Contributor To Indigenisation of Science in The Islamic Civilization. Advances In
Natural And Applied Sciences, [s.l], v. 6, n. 3, p.324-330, jan. 2012. Disponível em:
<https://ukm.pure.elsevier.com/en/publications/al-khawarizmi-leading-contributor-to-
indigenisation-of-science-in>. Acesso em: 17 mar. 2019.
110

SIMIELLI, Maria Elena. Geoatlas. São Paulo: Ática, 2003.

OUZA, Joamir Roberto de. #Contato matemática, 1° ano. São Paulo: FTD, 2016.

VIONE, Márcio Tadeu. A história da matemática como estratégia de


ensino/aprendizagem: um estudo de caso. In: BOERI, Camila Nicola; VIONE, Márcio
Tadeu. abordagens em educação matemática. 2009. p. 23-34. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ea000661.pdf>. Acesso em: 02
nov. 2017.

WUSSING, Hans. Lecciones de Historia de las Matemáticas. Tradução de Elena


Ausejo Madri: Siglo XXI de España, 1998.

YOUSCHKEVITCH, Adolf Pavlovich., Les mathématiques arabes (VIIIè-XVè


siècles). In: Revue d'histoire des sciences, v. 30, n.4, 1976.
ZAIN, Shaharir Mohamad. Introduction to Science and Technology in Islamic
Civilization. Kuala Lumpur: Institute of Language and Literature, 1985.
111

APÊNDICE A – PRODUTO EDUCACIONAL


112

E se o berço da Álgebra
fosse islâmico, ela seria
terrorista?
113

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO DO E-BOOK 114

RECOMENDAÇÕES DIDÁTICAS PARA USO DESSE E-BOOK 115

ESTRUTUTA DO CADERNO E OBJETIVOS 117

CAPÍTULO 1: O CONTEXTO ISLÂMICO MEDIEVAL 118

CAPÍTULO 2: O ESTUDIOSO ISLÂMICO AL-KHWARIZMI 127

CAPÍTULO 3: FOLHEANDO O LIVRO “ÁLGEBRA” DE AL-KHWARIZMI 130

REFERÊNCIAS 139
114

APRESENTAÇÃO DO E-BOOK

O e-book E se o berço da Álgebra fosse islâmico, ela seria terrorista? é um


recurso didático desenvolvido durante o mestrado profissional do Programa de Pós-
Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (PPGECNM/CCET/UFRN),
sob orientação da professora Dra. Bernadete Barbosa Morey. Esse material objetiva
apresentar ao professor em formação inicial e/ou continuada o personagem histórico
islâmico al-Khwarizmi, que viveu na transição dos séculos VIII-IX d. C, sua obra mais
conhecida, a Álgebra, e o contexto histórico e cultural em que ele viveu e produziu sua
obra.
Apesar de ser relativamente fácil encontrar na internet informações sobre al-
Khwarizmi, tais informações frequentemente são superficiais. Sendo assim, nosso
intuito é tornar acessível ao professor um texto mais circunstanciado que dê cabo das
informações sobre o contexto histórico, político e social em que viveu al-Khwarizmi,
sobre o lugar onde ele produziu suas obras, assim como sobre sua obra matemática
propriamente dita.
O e-book foi organizado em três partes, sendo que a primeira parte destinada
a apresentação do contexto do mundo islâmico, a segunda destinada a apresentação
do estudioso al-Khwarizmi e por fim, a terceira destinada à descrição da Álgebra de
al-Khwarizmi.
O texto E se o berço da Álgebra fosse islâmico, ela seria terrorista? foi pensado
como uma proposta interativa permitindo sua leitura individual. No entanto, ao ser
usado numa sala de aula, seria mais recomendável sua leitura e discussão sob a
forma de labor conjunto, que é a proposta didática da Teoria da Objetivação.
Embora esse e-book seja idealizado para a formação do professor, ele também
pode ser utilizado em outros níveis de ensino, como o ensino fundamental II e o ensino
médio, desde que seja realizado um tratamento didático nos textos e nas tarefas
propostas. Esperamos que sua leitura seja produtiva e agradável ao leitor.
115

RECOMENDAÇÕES DIDÁTICAS PARA USO DESSE E-BOOK

O presente e-book foi elaborado tendo como arcabouço teórico a Teoria da


Objetivação (TO), teoria de aprendizagem alocada na corrente sociocultural. Desse
modo, sugerimos para a aplicação das tarefas presentes ao longo desse e-book, a
metodologia proposta pela TO, o labor conjunto.
A TO defende a ruptura do ensino individualista, propondo, assim, o ensino
pautado no contexto histórico e cultural dos indivíduos que compõem um determinado
grupo. Um de seus principais elementos é o labor conjunto. No labor conjunto, os
indivíduos produzem conhecimento e se coproduzem, de maneira que não há uma
hierarquia entre professor e alunos (RADFORD, 2014). Sendo assim, professores e
alunos trabalham em conjunto, a fim de conseguirem produzir e reproduzir
conhecimento.
Seguindo as ideias da TO, sugerimos que o professor deve promover o labor
conjunto durante o desenvolvimento das tarefas. Para isso, recomendamos que:

 As tarefas sejam desenvolvidas em pequenos grupos, para que todos os


integrantes possam participar dos debates, evitando assim o individualismo;
 Os textos sejam lidos em grupo, incentivando o trabalho colaborativo e a ajuda
mútua;
 Ao final de cada tarefa seja aberta uma discussão em pequenos e grandes
grupos, afim de que todas as ideias extraídas dos textos, mapas e figuras sejam
conhecidas;
 Todos os integrantes, em todos os momentos das tarefas, respeitem a ética
comunitária, em que todos se escutam e se respeitam, independentemente da
ocorrência de divergência de ideias.

Por ser pouco familiar para nós o meio cultural em que viveu nosso
personagem, vamos fazer uma apresentação gradual. Inicialmente, trataremos do
contexto histórico, apresentando o mundo islâmico medieval. A seguir, vamos falar
sobre a produção científica que floresceu neste mundo e por último, passaremos a
focar atenção no personagem histórico al-Khwarizmi e sua produção em ciência e
matemática e mais especificamente, em álgebra.
116

Desse modo, o presente recurso didático é composto por três capítulos. O


primeiro capítulo, de caráter introdutório, tem o objetivo de apresentar o contexto
político, histórico e social no qual viveu al-Khwarizmi. O objetivo do segundo capítulo
é apresentar aos professores de matemática o grande estudioso islâmico al-
Khwarizmi, bem como suas contribuições deixadas à humanidade. O terceiro e último
capítulo, tem por finalidade apresentar ao professor de matemática um dos trabalhos
mais importantes para o desenvolvimento da álgebra, a Álgebra de al-Khwarizmi.
Ao final da leitura e interpretação de todos os textos, mapas e figuras,
esperamos que os leitores desse e-book possam conhecer um pouco mais sobre al-
Khwarizmi, bem como o contexto em que viveu e sua Álgebra. Desse modo,
esperamos contribuir para a formação dos mesmos e desejamos que todos tenham
uma ótima leitura.
117

ESTRUTUTA DO CADERNO E OBJETIVOS

QUANTIDADE OBJETIVOS DAS TAREFAS PARA


TÍTULO DO CAPÍTULO
DE TAREFAS O ALUNO/LEITOR
Compreender o contexto histórico,
O contexto islâmico político e social em que se
2
medieval desenvolveu a Álgebra de al-
Khwarizmi.
Conhecer o estudioso islâmico
medieval, Abu Jafar Muhammad ibn
Musa al-Khwarizmi bem como suas
O estudioso islâmico al-
1 contribuições para o
Khwarizmi
desenvolvimento dos conhecimentos
científicos ao longo de sua
existência.
Conhecer, de modo geral, a Álgebra
de al-Khwarizmi.
Compreender por qual motivo al-
Khwarizmi escreveu esse tratado.
Folheando o livro Conhecer o conteúdo matemático
2
“Álgebra” de al-Khwarizmi que é abordado ao longo desse
tratado.
Identificar algumas características
importantes e peculiares da Álgebra
de al-Khwarizmi.
Elaborado pelos autores (2019)
118

CAPÍTULO 1: O CONTEXTO ISLÂMICO MEDIEVAL

A matemática islâmica do período medieval raramente aparece nos


compêndios de história da matemática. Na verdade, os compêndios mais
disseminados no Brasil tendem a enfatizar mais a Matemática Grega e Europeia. O
presente e-book, no entanto, se propõe a ser um material didático que ajude a quebrar
esse ciclo e pretende fazer isso apresentando aos professores de matemática um
estudioso islâmico medieval cuja obra foi muito importante para o desenvolvimento da
álgebra. Alguns autores se referem a ele como Abu Jafar Muhammad ibn Musa al-
Khwarizmi, o que é um nome muito longo. Na verdade, ele é conhecido apenas como
al-Khwarizmi e seus estudos renderam contribuições à álgebra, à aritmética, à
geografia e à astronomia.
Comecemos, pois, nosso estudo do e-book fazendo a leitura de dois textos que
tratam no contexto em que viveu al-Khwarizmi. No primeiro texto, fazemos a
diferenciação entre árabe, islâmico e muçulmano e no segundo, fazemos um
apanhado geral sobre o mundo islâmico e os conhecimentos desenvolvidos nele.
Lembrando que todas as atividades nele presentes e-book foram pensadas para ser
realizadas tendo em vista o labor conjunto e a ética comunitária conceitos
fundamentais da TO. Isto quer dizer que se trabalha em pequenos grupos de alunos
e o professor vai percorrendo os grupos a ajudando quando for necessário. Labor
conjunto é uma forma não individualista de colaboração.

Atividade 1 – Leitura, debate, respostas, uso de mapas


Faça com seu grupo a leitura dos textos a seguir destacando palavras ou trechos não
compreendidos. Recorra ao debate em seu grupo para interpretação das partes
difíceis. Utilize, se for possível, fontes de referências como internet e dicionários.

Leituras complementares:
Além dos capítulos do estudo dissertativo dessa pesquisa, sugerimos as seguintes
leituras complementares:

COSTA, Jéssica Pereira da. O islã, os muçulmanos e seus conceitos: Vocabulário


de conceitos para o estudo da História do Islã e dos muçulmanos. Caxias do Sul:
Universidade de Caxias do Sul, 2016. Disponível em:
<https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/o-isla.pdf>. Acesso em: 10 set. 2019.
119

WUSSING, Hans. Lecciones de Historia de las Matemáticas. Tradução de Elena


Ausejo Madri: Siglo XXI de España, 1998.

BERGGREN, John Lennart. Episodes in the Mathematics of Medieval Islam. New


York: Springer-verlag, 2003.

DJEBBAR, Ahmed. L’algèbre árabe. Disponível em: <http://numerisation.irem.univ-


mrs.fr/ST/IST86011/IST86011.pdf>. Acesso em: 14 maio 2019.

ROQUE, Tatiana. História da Matemática: uma visão crítica, desfazendo mitos e


lendas. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. Disponível em:
<http://lelivros.love/book/download-historia-da-matematica-tatiana-roque-em-epub-
mobi-e-pdf/>. Acesso em: 10 set. 2019.
120

TEXTO 1 – ÁRABES, ISLÂMICOS E MUÇULMANOS

Nos últimos anos, os noticiários frequentemente se referem a conflitos que se


passam em terras distantes e falam de lugares como Israel, Palestina, Iraque, Síria, e
outros mais que não nos são familiares. Além disso, os termos árabe, muçulmano ou
islâmico costumam permear os assuntos atuais. Você sabe o significado destes
termos? Há diferença entre eles? Vamos conversar um pouco sobre isso.
No século VI d.C. a Península Arábica tinha pouquíssimas cidades e era
povoada basicamente por tribos nômades que comerciavam e criavam rebanhos.
Falavam dialetos de uma língua comum, a língua árabe. A esses e somente estes
habitantes da Península Arábica (e seus decentes) pode ser aplicado o termo árabe.
Sendo assim, dizer que um indivíduo é árabe é se referir à sua etnia. Mesmo que uma
criança ainda pequena seja levada para a Suécia e seja criada falando sueco, ela
continuará sendo árabe. Por outro lado, muitas pessoas falam árabe, o que não quer
dizer que elas pertençam ao povo árabe. No Egito, por exemplo, os habitantes falam
o árabe, mas nem toda a população é árabe, isto é, nem todos têm suas origens na
Península Arábica. Alguns podem ser, por exemplo, descentes dos berberes que
habitavam o norte da África. Alguns autores assumem a posição de reconhecer como
árabe qualquer população de fala árabe; não é o nosso caso.
Vamos aos outros dois termos. No século VII d.C. surgiu na Península Arábica
uma nova religião fundada por Maomé. Essa religião ficou conhecida como islã, que
quer dizer submissão (à vontade de Alá). À medida que o islã se consolidava como
religião também se consolidava como sistema político e social, levando a criar uma
sociedade na qual a crença religiosa, o sistema de governo, o sistema jurídico, a
moral, os costumes, tudo era permeada pela religião islâmica. Se pode falar então de
sociedade islâmica, leis islâmicas, crença islâmica. O primeiro estado desse tipo
criado se chamou Califado, por ser governado por um califa, termo que significa
sucessor (de Maomé).
Mas não é só isso. Mas nem todos os povos ou grupos humanos que viviam no
califado seguiam a religião oficial, ou seja, nem todos eram muçulmanos, pois, ali
viviam cristão, judeus, zoroastristas e seguidores de outras religiões. Muçulmano é
um termo específico relacionado à crença religiosa. Muçulmano é aquele que segue
a crença fundada por Maomé. Já o termo islâmico pode ter conotação religiosa ou
não. De modo geral, é usado para indicar relação com a sociedade e as leis islâmicas.
121

Sendo assim, os termos muçulmano e islâmico podem ou não ser tomados como
sinônimo; depende da situação.
Os turcos, os iranianos e os afegãos são povos de maioria muçulmana, mas
não árabes. O país que possui a maior população muçulmana do mundo é a
Indonésia, que também não é árabe. Na Europa, há diversos povos muçulmanos,
como é o caso dos Albaneses, dos Bósnios, dos Chechenos. No Líbano e na Síria,
apesar de serem países de maioria islâmica, os dois países possuem uma expressiva
parcela de sua população que é adepta do cristianismo. Ou seja, nesses países
existem muitos árabes e não árabes que não são muçulmanos, já que não seguem o
islamismo.

Tarefa 1
1. Explique o sentido dos termos islã, islâmico, islamismo.

2. Você consegue explicar a diferença entre os termos árabe, islâmico e muçulmano?

3. Para nos situarmos melhor quanto a esse contexto, vamos a um exemplo mais
próximo da nossa realidade.
O Estado do Rio Grande do Norte possui um dos menores índices de povos
indígenas do Brasil. Há, na cidade de Canguaretama/RN, uma comunidade indígena
chamada Catu. Essa comunidade possui costumes peculiares, em que buscam
manter ou reviver costumes e práticas dos seus ancestrais indígenas, através, por
exemplo, da língua tupi, pinturas corporais, esportes indígenas, expressões da
religiosidade como o ritual do Toré, entre outros.
Suponha que uma criança nasça nessa comunidade, e por algum motivo, seja
levada embora da comunidade. Desse modo, por mais que não viva legitimamente
como um Catu, ela jamais deixará de ser catu, uma vez que possui o sangue desse
povo indígena correndo nas veias.
Esse é um exemplo claro da ideia de árabe que trabalhamos anteriormente,
uma vez que o termo não está relacionado ao território em que vive, mas sim à etnia
da pessoa.
122

TEXTO 2 – O MUNDO ISLÂMICO MEDIEVAL E A CIÊNCIA NELE PRODUZIDA

Podemos dizer que o início do mundo islâmico e de todo o seu desenvolvimento


coincide com o surgimento da religião do Islã, uma vez que o desenvolvimento de
ambos está interligado. Tudo isso começou na Península Arábica, limitada ao norte
com a Jordânia e o Iraque, ao sul com o mar Arábico (ou Oceano Índico), ao leste com
o golfo Pérsico e ao oeste com o Mar Vermelho (veja o mapa).
A religião islâmica é uma religião monoteísta e tem Alá como seu Deus e
Muhammad (Maomé) como seu profeta enviado por Alá. Essa religião foi fundada por
Maomé na cidade de Meca, em 622 d.C. No entanto, logo após isso, Maomé foi
obrigado, ante seus opositores, políticos e religiosos, a fugir de Meca e refugiar-se em
Yatrib, atual Medina. Já em Medina, Maomé reuniu as tribos árabes que aderiram ao
islamismo. A palavra islã quer dizer submissão, isto é, submissão aos desígnios de
Alá. Entrelaçada com a religião islâmica ou muçulmana, criou-se um sistema político-
social, ou seja, uma sociedade teocrática, em que a religião islã é central, a sociedade
islâmica.
O profeta de Alá, Maomé, retornou vitorioso à Meca em 630 e após dois anos
do seu retorno, ele morreu. Os sucessores do profeta foram os califas. De modo geral,
califa significa sucessor. Sua função, nesse caso, era chefiar o estado islâmico como
sucessores de Maomé. Os califas realizaram uma série de conquistas nas ricas terras
do Leste e do Oeste. Para propagar a religião islâmica, eles combateram os infiéis na
chamada “guerra santa”.
Este estado, surgido com Maomé e ao qual chamamos de califado por seu
governante supremo ser o califa, conheceu três períodos:

1. O primeiro deles, o Califado Ortodoxo, foi fundado em 632, após a morte de


Maomé, e durou até 661. Neste período o califa era escolhido por uma
assembleia de membros importantes entre os muçulmanos. Desde seu início o
califado iniciou uma série de guerras conquistando assim um imenso território.
Em 637, a Síria e o Irã já haviam sido conquistadas, e em 642, o Egito. (Olhe
um mapa).
2. O segundo califado, o Califado Omíada, teve início em 661 e durou até 750. Os
Omíadas iniciaram uma dinastia, o. que quer dizer o um novo califa não mais
era indicado por uma assembleia, mas, tinha seu direito ao trono garantido por
123

nascimento. Os Omíadas continuaram com as guerras de conquistas territoriais


e foi com eles que o califado, que tinha sua capital em Damasco, na Síria,
atingiu sua maior extensão territorial. (Olhe num mapa o território conquistado
pelos Omíadas).
3. O terceiro califado, o Califado Abássida, foi o que reinou por mais anos, tendo
início em 750 e fim em 1258. Durante a dinastia dos Abássidas, a guerra pela
conquista de terras foi cessada. Foi nesse governo que a capital, foi transferida
para Bagdá, localizada no Iraque (ver mapa). Com os Abássidas vem um
período de incentivo à ciência, à cultura e as artes. Sobre isto falaremos abaixo
com mais detalhes.

Juntamente com os sírios, os persas e os judeus, os árabes iniciaram a


construção de uma cultura nova e bem característica. Foi durante o governo dos
califas Abássidas que os conhecimentos científicos, filosóficos e culturais mais se
desenvolveram no Islã Medieval. No final do século VIII e início do século IX, muitos
estudiosos e tradutores advindos de diversas regiões se reuniram em Bagdá fazendo
da cidade o primeiro grande centro científico do califado. Em Bagdá desembocava
toda sorte de conhecimentos matemáticos antigos, principalmente relacionados à
aritmética, à geometria e à astronomia. Nas ciências, o campo de conhecimento que
mais se desenvolveu foi a astronomia. O que hoje nós conhecemos como
trigonometria nasceu para atender às necessidades da astronomia e durante muitos
séculos foi considerada apenas um apêndice da astronomia.
Na fase inicial deste florescimento cultural e científico foram traduzidas e
estudadas obras produzidas pelos gregos, indianos e outros povos. Aos poucos, a
estas obras os estudiosos islâmicos foram acrescentando e modificando as ciências
de forma bastante original. Depois de um certo tempo Bagdá, tornou-se centro
intelectual e irradiador do conhecimento. Como resultado disso, surgiram as
bibliotecas, que representaram uma nova realidade para o povo muçulmano e uma
nova paixão para com os conhecimento e educação do homem.
Bagdá tinha dezenas de bibliotecas e muitas pessoas eram encarregadas de
copiar trabalhos científicos. A mais famosa biblioteca do mundo islâmico foi a Casa
da Sabedoria (Bayt al-Hikmah). Não sabemos ao certo a data da sua construção e
inauguração, no entanto, é possível dizer que a Casa da Sabedoria existia muito antes
124

de Al-Mamun, mas brilhou durante o seu reinado, pois ele era um homem de literatura,
um cientista e um amante dos estudos.
A Casa da Sabedoria era uma espécie de academia, na qual se fazia a tradução
de diversos textos para o árabe, especialmente gregos e indianos, e incorporava
eminentes sábios na procura de novos saberes. Além da biblioteca, a Casa da
Sabedoria incluía um observatório muito bem equipado e serviu como uma instituição
onde a informação foi compartilhada entre os acadêmicos de todo o mundo.
Escritos traduzidos na Casa da Sabedoria incluíram pesquisas em matemática,
astronomia, medicina, alquimia, química, zoologia, geografia, cartografia e muito mais.
Como o centro da Idade de Ouro Islâmica12, a biblioteca reuniu cientistas, escribas,
eruditos religiosos. Em 1258, a Casa da Sabedoria foi destruída durante uma invasão
mongol. No entanto, mais de 400.000 manuscritos foram resgatados e armazenados
no Observatório de Maragha, no Irã, antes do cerco e assim servir como um registro
das maiores realizações de Bagdá.
Os estudiosos que participaram das traduções e comentários deram nova vida
a essas obras. As obras gregas tornaram-se novamente manuais de uso contínuo.
Além do conhecimento que veio da Índia, as tradições de Khorezm, da Pérsia e da
Mesopotâmia desempenharam um papel importante no desenvolvimento das ciências
matemáticas no mundo islâmico. Mais tarde, as relações com a China ganharam
alguma importância, embora, de acordo com o nosso conhecimento atual, não haja
traduções feitas diretamente do chinês para o árabe.

Tarefa 2
1. Observe o mapa e localize os lugares apresentados ao longo do texto.

2. Use o Google Maps para encontrar as coordenadas geográficas dos lugares


indicados.

3. Você tem ideia de onde é a coordenada a seguir? (21° 25' 35 N 39° 49' 32 E)? Use
o Google Maps e veja o que acontece.

12 A Idade de ouro islâmica é o período no qual estudiosos islâmicos contribuíram grandemente em


áreas como artes, agricultura, economia, indústria, literatura, navegação, filosofia, ciências, e
tecnologia, preservando e melhorando o legado clássico, por um lado, e acrescentando novas
invenções e inovações próprias.
125

Mapa 1: Expansão do Islã entre 632 a 750

Fonte: ResearchGate13

13 Disponível em https://goo.gl/eKy54x. Acesso em 17 mar. 2019.


126

MAPA 2: EXPANSÃO DO ISLÃ DURANTE 750 A 1700

Disponível em: Ruthven e Nanji (2004)


127

CAPÍTULO 2: O ESTUDIOSO ISLÂMICO AL-KHWARIZMI

Com o advento da matemática islâmica medieval, diversos estudiosos, com


suas contribuições, se destacaram. Abu Jafar Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi é
um deles. Reconhecemos que encontrar informações acerca desse estudioso islâmico
não é algo difícil, no entanto, algumas dessas informações são, de certa forma,
destorcidas. Desse modo, para conhecimento desse autor, propomos a leitura do
seguinte texto, que apresenta uma compilação de informações sobre esse autor
islâmico.

Atividade 2 – Leitura e debate.


A seguir, é apresentado um texto que fala sobre al-Khwarizmi. Desse modo,
faça a leitura desse texto com seu grupo, destacando palavras não compreendidas.
Em seguida, recorra ao debate em seu grupo, para interpretação e compreensão das
informações contidas no texto.

Leituras complementares:
Além dos capítulos do estudo dissertativo dessa pesquisa, sugerimos as seguintes
leituras complementares:

PUIG, L. Historias de al-Khwārizmī (1ª entrega). Suma, [badalona], n. 58, p.1-5, jun.
2008a. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/316089103_Historias_de_al-
Khwarizmi_1_entrega. Acesso em 10 set. 2019

PUIG, L. Historias de al-Khwārizmī (2ª entrega): los libros. Suma, [badalona], n. 59,
p.105-112, nov. 2008b. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/316089112_Historias_de_al-
Khwarizmi_2_entrega_Los_Libros. Acesso em 10 set. 2019

O'CONNOR, J J; ROBERTSON, e F. Abu Ja'far Muhammad ibn Musa Al-


Khwarizmi. 2019. Disponível em: <https://www-history.mcs.st-
andrews.ac.uk/Biographies/Al-Khwarizmi.html>. Acesso em: 10 set. 2019.
128

TEXTO 3 – O SÁBIO ISLÂMICO AL-KHWARIZMI

O primeiro sábio eminente da escola de Bagdá é o autor clássico da Matemática


Islâmica: Abu Jafar Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi, que realizou seus estudos sob
o reinado de al-Mamun. Em Bagdá, al-Khwarizmi trabalhava traduzindo e estudando
trabalhos anteriores e escrevendo suas próprias obras.
Al-Khwarizmi nasceu por volta do ano de 780 e faleceu por volta do ano de 850.
Como seu nome indica, al-Khwarizmi nasceu em Khwarizm, uma região localizada ao
sul do lago Aral, que na época pertencia ao Califado Árabe, pois, tinha sido
conquistada em 712 pelos exércitos dos Omíadas. Atualmente, Khwarizm faz parte
do Uzbequistão.
Al-Khwarizmi, que trabalhava na Casa da Sabedoria, era um dos membros
mais importantes do grupo de matemáticos e astrônomos que trabalharam durante o
reinado de al-Mamun. Seus dois livros mais conhecidos são:

1. Livro de Restauração e Balanceamento, conhecido como a Álgebra de


al-Khwarizmi; aqui o autor lança as bases da resolução de equações de
primeiro e segundo graus.
2. Livro sobre o cálculo indiano, no qual al-Khwarizmi desvenda e divulga
as operações aritméticas feitas com o sistema decimal posicional dos
indianos.

Al-Khwarizmi escreveu outros livros que tratavam de aritmética, geografia,


calendário, tabelas astronômicas, azimute, amplitude cartográfica da cidade,
quadrante solar, construção e uso do astrolábio. Alguns desses livros encontram-se
perdidos, outros estão guardados em grandes bibliotecas e outros só conhecemos a
existência por terem sido citados em obras de outros autores.
Sua obra de aritmética, O livro de adição e subtração, introduziu o sistema
posicional decimal muito útil que os hindus haviam desenvolvido no século seis,
juntamente com as dez cifras que compõem esse sistema, o que usamos hoje, tão
conveniente. Esse livro foi a primeira aritmética árabe a ser traduzida para o latim e
exerceu grande influência na matemática ocidental
A aritmética não foi o único campo da matemática em que al-Khwarizmi fez
contribuições importantes. Seu mais famoso trabalho é Kitāb al-Mukhtasar fī hisāb al-
129

jabr wa’l-muqābala, O Livro de Restauração e Balanceamento, dedicado ao califa al-


Mamun.
Além dos conhecimentos em aritmética, álgebra e geometria, al-Khwarizmi
também deu grandes contribuições à geografia, uma vez que esse estudioso fazia
parte da equipe de astrônomos empregados por al-Mamun, que tinham como objetivo
medir o comprimento de um grau ao longo de um meridiano.

Tarefa 3
1. Vamos brincar um pouco com o nome de nosso personagem:
Um filho de uma família muçulmana receberá um nome (chamado de ism em
árabe) como Muhammad, Husain, Thabit, etc. Depois disso vem a frase "filho de
fulano de tal", e a criança será conhecida como Thabit ibn Qurra (filho de Qurra) ou
Muhammad ibn Husain (filho de Husain). A genealogia pode ser composta. Por
exemplo, Ibrahim ibn Sinan ibn Thabit ibn Qurra, leva de volta ao bisavô. Mais tarde
na vida pode-se ter um filho e depois ganhar um nome paterno (kunya, em árabe)
como Abu Abdullah (o pai de Abdullah). Em seguida vem um nome indicando a tribo
ou local de origem (em árabe nisba), como al-Harrani, "o homem de Harran". No final
do nome pode vir uma tag, um apelido (aqab em árabe), sendo um apelido como “o
fazedor de tendas” (al-Khayyami) ou um título como “o ortodoxo” (al-Rashid). Juntando
tudo isso, o que quer dizer Abu Jafar Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi?

2. Em algumas obras encontramos os autores se referindo a al-Khwarizmi como um


“estudioso árabe”. Você concorda com isto? Ele era mesmo árabe?

3. Podemos encontrar o nome de nosso personagem al-Khwarizmi escrito de diversas


formas, como por exemplo: al-Jwārizmī, al-Hwārizmī, al-Khowārizmī, al-Jowārizmī, al-
Howārizmī, al-Khuwārizmī, al-Juwārizmī, al-Huwārizmī, al-Khwārezmī, entre outros.
Você consegue imaginar por que tanta diversidade na escrita do nome de uma
pessoa?
130

CAPÍTULO 3: FOLHEANDO O LIVRO “ÁLGEBRA” DE AL-KHWARIZMI

A Álgebra de al-Khwarizmi é, sem sombra de dúvidas, um dos mais importantes


trabalhos para o desenvolvimento da álgebra atual. Embora alguns historiadores
tenham ciência disso, constatamos que ainda há uma escassez de trabalhos
científicos a respeito dessa obra. Nesta seção vamos conhecê-la mais de perto. Para
isso, propomos um texto e imagens para leitura com mais perguntas e tarefas.
Comecemos lembrando que o trabalho é em grupo, ou seja, labor conjunto sempre.

Atividade 3 - Leitura e debate.


Primeiramente, faça a leitura dos textos 4 e 5 a seguir em seu grupo,
destacando palavras e/ou trechos não compreendidos. Recorra a conversa com o
componente do seu grupo, caso haja alguma dificuldade em compreender tais
palavras e/ou trechos destacados. Caso a dúvida permaneça, o professor poderá
auxiliá-los.
Em seguida, continuando a folhear o livro, leia o que está escrito nas próximas
imagens, que são cópias das páginas 23, 25, 27, 29 e 31, respectivamente, do
exemplar que temos em mãos.

Leituras complementares:
Além dos capítulos do estudo dissertativo dessa pesquisa, sugerimos as seguintes
leituras complementares:

PUIG, L. Historias de al-Khwārizmī (3ª entrega): Orígenes del álgebra. Suma,


[badalona], n. 59, p.103-108, nov. 2008c. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/316089261_Historias_de_al-
Khwarizmi_3_entrega_Origenes_del_algebra. Acesso em 10 set. 2019

O'CONNOR, J J; ROBERTSON, e F. Abu Ja'far Muhammad ibn Musa Al-


Khwarizmi. 2019. Disponível em: <https://www-history.mcs.st-
andrews.ac.uk/Biographies/Al-Khwarizmi.html>. Acesso em: 10 set. 2019.

ROQUE, Tatiana. História da Matemática: uma visão crítica, desfazendo mitos e


lendas. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. Disponível em:
<http://lelivros.love/book/download-historia-da-matematica-tatiana-roque-em-epub-
mobi-e-pdf/>. Acesso em: 10 set. 2019.
131

TEXTO 4 – A ÁLGEBRA DE AL-KHWARIZMI

O mais famoso e importante trabalho de al-Khwarizmi é, sem sombra de


dúvidas, o Kitāb al-Mukhtasar fī hisāb al-jabr wa’l-muqābala, ou seja, O Livro de
Restauração e Balanceamento. Mais conhecida simplesmente como a Álgebra de al-
Khwarizmi. Essa obra data de cerca de 830 e consiste em tratado sobre como resolver
equações de primeiro e segundo grau, utilizando as regras de restauração (al-jabr ) e
balanceamento (al-muqabala ), e geometria.
Atualmente são conhecidos sete manuscritos da Álgebra, os quais encontram-
se em bibliotecas distintas. O que se encontra em melhor estado de conservação é
um manuscrito do século XIV que se encontra na Biblioteca da Universidade de
Oxford. Esse é, sem sombra de dúvidas, o mais conhecido e estudado, pois as
principais traduções existentes hoje da Álgebra de al-Khwarizmi foram feitas a partir
desse manuscrito (CASTILLO, 2009).
A Álgebra de al-Khwarizmi divide-se em três partes.

Parte I: Capítulo sobre as equações algébricas, problemas, transações comerciais.


Parte II: Capítulo sobre geometria
Parte III: O livro dos testamentos

Embora a terceira parte ocupe mais da metade do tratado, a primeira parte


apresenta uma maior quantidade de conteúdos expostos, uma vez que nela são
apresentadas formas de resolução de equação do segundo grau, algébrica e
geométrica, além de ensinar a operar com equações.
A primeira parte apresenta a resolução de equações de grau menor ou igual a
dois, e é para o desenvolvimento posterior da matemática, a parte mais importante.
Nela são apresentadas as noções iniciais sobre equações e o modo de resolvê-las
numericamente. Além disso, o autor recorre a um esquema geométrico, adequado a
cada tipo de equação, com a finalidade de mostrar que a resolução proposta numérica
proposta por ele é correta.
A segunda parte, também de caráter teórico, apresenta alguns tópicos de
geometria elementar, segundo o modelo euclidiano. Embora seja breve e de caráter
elementar, essa parte da Álgebra de al-Khwarizmi apresenta um material muito rico e
útil para agrimensores, alarife e construtores (CASTILLO, 2009).
132

A terceira parte é a mais extensa e ocupa mais da metade do tratado. Ela é


coleção composta por sessenta problemas sobre heranças e legados, onde são
consideradas, para suas respectivas soluções, muitas das possibilidades previstas
pelo direito testamentário islâmico. Entre esses problemas, há alguns que não
apresentam um capital determinado, o que implica em indeterminações.

Tarefa 4
1. Por qual motivo, na sua opinião, a Álgebra de al-Khwarizmi foi escrita?

2. O termo al-jabr é semelhante a algum termo que você conhece, atualmente?

3. Antes desse texto, você já tinha ouvido falar sobre essa obra matemática? Se sim,
onde?
133

TEXTO 5 – UM EXEMPLAR DO LIVRO ÁLGEBRA DE AL-KHWARIZMI

Não somos amigos de al-Khwarizmi, nem conhecemos o diretor da Biblioteca


de Oxford. Então, se quisermos nos aproximar da Álgebra de al-Khwarizmi, tem de
ser no estilo do século XXI. Conseguimos a cópia de uma versão bilíngue, que possui
o texto tanto em árabe, quanto em espanhol (vide figura 2). O exemplar se chama El
libro de Álgebra de Mohammed Ibn-Musa al-Jwarizmi (vide figura 1) com tradução,
introdução e anotações de Ricardo Moreno Castillo (2009).

Figura 1: A Álgebra de al-Khwarizmi

Fonte: Acerto dos autores


134

Figura 2: O exemplar bilíngue

Fonte: Acervo dos autores


135

FIGURA 3: POR QUE O LIVRO ÁLGEBRA FOI ESCRITO POR AL-KHWARIZMI?


136

FIGURA 4: PÁGINAS 25 E 27 DA ÁLGEBRA DE AL-KHWARIZMI

Disponível em Castillo (2009, p. 25) Disponível em Castillo (2009, p. 27)


137

FIGURA 5: PÁGINAS 29 E 31 DA ÁLGEBRA DE AL-KHWARIZMI

Disponível em Castillo (2009, p. 29) Disponível em Castillo (2009, p. 31)


138

Tarefa 5:
1. Destaque na Figura 3 os motivos pelos quais a Álgebra de al-Khwarizmi foi escrita.

2. Destaque possíveis características de al-Khwarizmi presente nas Figuras 3, 4 e 5.

3. Al-Khwarizmi usava símbolos matemáticos?

4. Como era sua linguagem?

5. Como ele expressava suas ideias matemáticas?


139

REFERÊNCIAS

ALGERIANI, Adel Abdul-aziz; MOHADI, Mawloud. The House of Wisdom (Bayt al-
Hikmah) and Its Civilizational Impact on Islamic libraries: A Historical Perspective.
Mediterranean Journal Of Social Sciences, Roma, v. 8, n. 5, p.179-187, set. 2017.
Disponível em: <http://www.mcser.org/journal/index.php/mjss/article/view/10072>.
Acesso em: 15 mar. 2019.

ARNDT, A. B.. Al-Khwarizmi. The Mathematics Teacher, Reston, v. 76, n. 9, p.668-


670, dez. 1983. Disponível em:
<http://www.personal.psu.edu/ecb5/Courses/M475W/WeeklyReadings/Week%2013/
Al-Khwarizmi.pdf>. Acesso em: 17 mar. 2019.

BERGGREN, John Lennart. Episodes in the Mathematics of Medieval Islam. New


York: Springer-verlag, 2003.

CASTILLO, R. El libro del álgebra: Mohammed Al Juarizmi. [S.l.]: NIVOLA libros y


ediciones, 2009.

MOREY, Bernadete Barbosa. O MUNDO ISLÂMICO MEDIEVAL E OS ESTUDOS EM


CIÊNCIAS E MATEMÁTICA. In: MOREY, Bernadete Barbosa. Estudiosos em
Ciências e Matemática no Mundo Islâmico Medieval. [s.L]. 2019b. p. 1-21. (no
prelo).

O'CONNOR, J J; ROBERTSON, E F. Ibn Yahya al-Maghribi Al-Samawal. 1999c.


Disponível em: < http://www-history.mcs.st-
and.ac.uk/HistTopics/Cartography.html#s53>. Acesso em: 17 mar. 2019.

PUIG, L. Historias de al-Khwārizmī (1ª entrega). Suma, [badalona], n. 58, p.1-5, jun.
2008a.

PUIG, L. Historias de al-Khwārizmī (2ª entrega): los libros. Suma, [badalona], n. 59,
p.105-112, nov. 2008b.

RADFORD, L. (2014). On teachers and students: An ethical cultural-historical


perspective. In Liljedahl, P., Nicol, C., Oesterle, S., & Allan, D. (Eds.) Proceedings of
the Joint Meeting of PME 38 and PME-NA 36 (Plenary Conference), Vol. 1, pp. 1-20.
Vancouver, Canada: PME.

RUTHVEN, M.; NANJI, A. Historical Atlas of Islam. [Cambridge]: Harvard University


Pres, 2004.

SAITO, Fumikazu. História da Matemática e Suas (Re)Construções Contextuais.


São Paulo: Livraria da Física, 2015.

YOUSCHKEVITCH, Adolf Pavlovich. Les mathématiques arabes (VIIIè-XVè


siècles). In: Revue d'histoire des sciences, v. 30, n.4, 1976.
140

APÊNDICE B – FICHA DE AVALIAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO
NORTE
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA
TERRA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE
CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA

FICHA DE AVALIAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL

1. Esse produto educacional apresentou alguma informação nova a sua formação?


Se sim, quantifique essas novas informações em porcentagem.
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
________________________________________________________________

2. Quais atividades você achou mais fáceis e quais mais difíceis?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
________________________________________________________________

3. Você já conhecia o personagem trabalhado nesse produto educacional?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
________________________________________________________________

4. Você já tinha ouvido falar sobre a obra Álgebra de al-Khwarizmi?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
________________________________________________________________

5. O que a atividade de hoje trouxe para a sua formação como professor?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
________________________________________________________________

6. Alguma informação de hoje poderia ser usada na sua sala de aula?


141

___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
________________________________________________________________

7. Como você avalia esse produto? Alguma sugestão de melhoria?


___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
________________________________________________________________

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