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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
E MATEMÁTICA – PPGECEM

Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática – REAMEC

GESLANE FIGUEIREDO DA SILVA SANTANA

A COMPLEMENTARIDADE ENTRE SENTIDO E


REFERÊNCIA DOS SÍMBOLOS DA MATEMÁTICA

CUIABÁ (MT)
2019
2

GESLANE FIGUEIREDO DA SILVA SANTANA

A COMPLEMENTARIDADE ENTRE SENTIDO E


REFERÊNCIA DOS SÍMBOLOS DA MATEMÁTICA

Tese de doutorado apresentada como requisito


parcial para obtenção do título de Doutora em
Educação em Ciências e Matemática pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação em
Ciências e Matemática (PPGECEM), da Rede
Amazônica de Educação em Ciências e
Matemática (REAMEC), Polo da
Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT).
Orientador: Prof. Dr. Michael Friedrich Otte

Linha de pesquisa: Fundamentos e


Metodologias para a Educação em Ciências e
Matemática.

CUIABÁ (MT)
2019
3

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

S232c Santana, Geslane Figueiredo da Silva.


A COMPLEMENTARIDADE ENTRE SENTIDO E REFERÊNCIA DOS
SÍMBOLOS DA MATEMÁTICA / Geslane Figueiredo da Silva Santana. --
2019 180 f. : il. color. ; 30 cm.

Orientador: Michael Friedrich Otte.


Tese (doutorado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Rede
Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, Programa de Pós-
Graduação em Educação em Ciências e Matemática, Cuiabá, 2019.
Inclui bibliografia.

1. Educação Matemática. 2. Semiótica. 3. Complementaridade. 4.


Álgebra Linear.
I. Título.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.


4
5

Dedico
Aos meus avós Francisco Jaime e Maria Lirice
Aos meus tios Gilberto e Angelita (in
memoriam).
Pelo amor e sábios ensinamentos!
6

AGRADECIMENTOS

A Deus pelo fôlego de vida, pela força e saúde para prosseguir, pelo ânimo e coragem
para completar esta etapa importante da minha vida acadêmica.
Ao meu esposo Jackson, por me apoiar e me acompanhar durante esses três anos de
trabalho árduo, sempre me incentivando. À minha querida filha Heloísa, sempre com sorrisos
e brincadeiras alegrando nosso dia.
Ao meu orientador Professor Dr. Michel Friedrich Otte, pela orientação, amizade,
paciência e por compartilhar sua sabedoria e amplo conhecimento comigo.
À minha amiga e irmã científica Luciene e seu esposo Professor Dr. Alexandre Abido
(membro que compõe a banca desta tese), agradeço pela amizade e acolhida em Cuiabá,
durante orientações, e também pelas importantes correções da redação e contribuições ao
texto.
Ao Professor Dr. Alexandre Abido (UFMT) e também ao Humberto Clímaco (UFG),
por cederem traduções de textos ainda no prelo, cuja parceria, confiança e colaboração me
foram importantíssimas.
Aos membros que compõem a banca ‒ Prof. Dr. Gert Felix Schubring, Prof. Dr. Luiz
Gonzaga Xavier de Barros, Prof. Dr. Iran Abreu Mendes e Prof. Dr. Demilson Benedito do
Nascimento ‒, agradeço por atenderem ao nosso convite e pelas leituras, orientações,
considerações, correções e instruções para a construção desta tese.
À grande família científica REAMEC ‒ todos os professores, discentes e
coordenadores do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática
(PPGECEM) da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC) ‒, pelo
profissionalismo e amizade, especialmente a nossa coordenadora geral Profa. Dra. Marta Maria
Pontin Darsie, por sua garra, coragem e determinação, um exemplo para todos nós
reamequianos.
À nossa coordenadora do polo de Cuiabá Profa. Dra. Gladys Wielewski (membra que
compõe a banca desta tese), muito obrigada pela amizade, apoio, atendimento excelente,
preocupação, correções da redação, valiosas contribuições, frutíferas orientações, enfim, não
temos palavras para agradecer. Que Deus a recompense em dobro por todo esforço e
empenho.
7

Aos amigos que cursaram as disciplinas no polo de Cuiabá comigo ‒ Patrícia, Chiara,
Mônica, Dailson, Rosemeire, Érica, Rogério, Thiago, César, Everton, Iatiçara, Terezinha e
Eugênio ‒, pela amizade e por terem compartilhado as alegrias e os momentos difíceis desta
empreitada.
À Universidade Federal do Mato Grosso, por consentir nosso afastamento integral das
atividades por um ano. Ao Diretor do ICNHS Prof. Dr. Leandro Batirolla e aos colegas do
curso de Licenciatura em Ciências e Matemática (UFMT/Sinop). À Pró Reitora Prof a. Dra.
Ozerina Victor de Oliveira e ao gerente financeiro Hallysson Fernando Tenutes, pelo
excelente trabalho, disposição, atenção e comprometimento, sempre nos atendendo em nossas
demandas do programa.
À Profa. Dra. Marieta Prata de Lima Dias, pela minuciosa e excelente revisão
ortográfica e gramatical da língua portuguesa, bem como formatação às normas da ABNT.
Aos amigos em Cuiabá, especialmente a família do Vital pelas hospedagens, refeições,
orações e apoio. À Valdinéia, pela hospedagem e amizade. À Prof a. Dra. Jacqueline, pela
amizade, dicas, orientações, pelas caronas e almoços em Cuiabá. Muitos amigos nos
acolheram, foram muitos almoços e jantares, não temos como citar todos os nomes, mas fica
aqui nosso agradecimento.
A toda a minha família, por sempre acreditarem em mim, o que me dá forças para
continuar. Aos meus pais Nildo e Lindinalva, sem eles eu nem existiria, mesmo longe sempre
me apoiaram e encorajaram, fazendo todo o possível para me ajudar. À minha irmã Juslei, que
além do apoio e incentivo, ainda fez algumas leituras para me ajudar com a redação do texto.
Ao meu irmão Elenilson, que nesta fase do meu doutoramento esteve longe (França), mas
sempre me ajudando inclusive com correções de artigos.
À Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT), pelo apoio
financeiro no último mês do doutoramento.
Muito obrigada a todos!
8

RESUMO

SANTANA, Geslane Figueiredo da Silva. A Complementaridade entre sentido e referência


dos símbolos da Matemática. 2019. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e em
Matemática) – PPGECEM/ REAMEC, UFMT, Cuiabá, 2019.

Esta pesquisa objetivou discutir os reflexos na Educação Matemática da utilização de uma


abordagem semiótica focada na complementaridade entre sentido e referência de símbolos da
Matemática. Para tanto, foi analisado o desenvolvimento histórico das representações
semióticas na Matemática e nas Ciências a partir da Revolução Científica ocorrida no século
XVII, período em que, segundo Foucault, baseou-se essencialmente na compreensão da
relativa independência entre sentido e referência das representações simbólicas. Também
analisamos o trabalho de Cassirer, que reconheceu a importância da Revolução Copernicana
da Epistemologia de Kant, e o trabalho de Descartes que soube explorar muito bem esse novo
ambiente criado. Os referenciais teóricos foram Kant (1787/2001), Peirce (1931-1935; 1958)
e Otte (1993b; 2003a; 2012). A metodologia foi baseada na Semiótica, com o aporte de uma
análise que permite o entrelaçamento de eventos e fatos sob uma perspectiva teórica,
buscando características complementares. A compreensão complementarista da Matemática,
percebida na Teoria Axiomática desenvolvida por Grassmann (1844; 1861), e a obra de
Graeub, que introduziu uma nova abordagem da Álgebra Linear, complementar à abordagem
vigente à época, também foram analisadas. Como resultado, foram identificadas implicações
para a Educação Matemática, como o fato de que a abordagem semiótica evita a dicotomia
usual entre psicologismo e platonismo, oferecendo uma visão sintética de como aprender e
conhecer a Matemática.

Palavras-chave: Educação Matemática. Semiótica. Complementaridade. Álgebra Linear.


9

ABSTRACT

SANTANA, Geslane Figueiredo da Silva The complementarity between meaning and


reference of the symbols of mathematics. 2019. Thesis (Doctorate in Science Education and
Mathematics) – PPGECEM/REAMEC, UFMT, Cuiabá, 2019.

This research aimed to discuss the reflections in Mathematical Education of the use of a
semiotic approach focused on the complementarity between meaning and reference of
symbols of mathematics. Therefore, it was analyzed the historical development of the
semiotic representations in Mathematics and Sciences from the Scientific Revolution occurred
in the 17th century, a period in which, according to Foucault, was based essentially on the
understanding of the relative independence between sense and reference of the symbolic
representations. We also analyzed the work of Cassirer, who recognized the importance of the
Copernican Revolution of Kant's Epistemology, and the work of Descartes, who knew how to
explore this new environment very well. The theoretical references were Kant (1787/2001),
Peirce (1931-1935; 1958) and Otte (1993b; 2003a; 2012). The methodology was based on
Semiotics, with the contribution of an analysis that allows the interweaving of events and
facts from a theoretical perspective, seeking complementary characteristics. The
complementary understanding of mathematics, perceived in the Axiomatic Theory developed
by Grassmann (1844; 1861), and the work of Graeub, who introduced a new approach to
Linear Algebra, complementary to the approach prevailing at the time, were also analyzed. As
a result, implications for Mathematical Education were identified, such as the fact that the
semiotic approach avoids the usual dichotomy between psychology and platonism, offering a
synthetic view of how to learn and know mathematics.

Keywords: Mathematics Education. Semiotics. Complementarity. Linear Algebra.


10

LISTA DE FIGURAS
Figura 1 ‒ Relação triádica de Peirce e a diádica de Saussure ................................................. 24
Figura 2 ‒ Charles Sanders Peirce (1839‒1914) ...................................................................... 26
Figura 3 ‒ Apresentação do PowerPoint - Relação Tríade Fundamental ................................. 30
Figura 4 ‒ Diagrama do Teorema 35 ........................................................................................ 53
Figura 5 ‒ Michel Foucault (1926‒1984) ................................................................................. 69
Figura 6 ‒ Capa do livro Les mots et les choses, 1966 ............................................................. 70
Figura 7 ‒ Common Foxglove .................................................................................................. 74
Figura 8 ‒ Ernst Cassirer (1874‒1945)..................................................................................... 83
Figura 9 ‒ Capa do livro Substanzbegriff und Funktionsbegriff, 1910 .................................... 84
Figura 10 ‒ Immanuel Kant (1724‒1804) ................................................................................ 91
Figura 11 ‒ Capa de Kritik der reinen Vernunft, 1781.............................................................. 92
Figura 12 ‒ Petrus Ramus (1515 ‒1572) ................................................................................ 105
Figura 13 ‒ Diagrama do Teorema I em Os Elementos .......................................................... 110
Figura 14 ‒ Regulae, publicada em 1701, em latim ............................................................... 115
Figura 15 ‒ Esboço da interceção das curvas y= x2 e y2=2x .................................................. 118
Figura 16 ‒ Hermann Günther Grassmann (1809‒1877) ....................................................... 130
Figura 17 ‒ Capa do livro Die Lineale Ausdehnungslehre, 1844 ........................................... 131
Figura 18 ‒ Capa e contracapa ‒ versão alemã de Lienare Algebra, 1958............................. 136
Figura 19 ‒ Capa e contra capa ‒ versão inglesa de Linear Algebra (4a ed.), 1975 ............... 139
Figura 20 ‒ David Hilbert (1862‒1943) ................................................................................. 145
Figura 21 ‒ Emmy Noether (1882‒1935)............................................................................... 149
Figura 22 ‒ Bartel van der Waerden (1903‒1996) ................................................................. 151
Figura 23 ‒ Capa do livro Moderne Algebra, 1930 ................................................................ 152
11

LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 ‒ Planilha do GeoGebra ‒ Função ............................................................................ 35
Gráfico 2 ‒ Lista de frequência de alguns sábios mencionados por Foucault .......................... 78
12

LISTA DE QUADROS
Quadro 1 ‒ Organização de Collected Papers de Peirce .......................................................... 26
Quadro 2 ‒ Categorias peirceanas fundamentais ...................................................................... 33
Quadro 3 ‒ Tríade do signo com relação a seu objeto .............................................................. 34
Quadro 4 ‒ Metodologia, conforme Abbagnano ...................................................................... 43
Quadro 5 ‒ Classificação de períodos históricos por Foucault ................................................ 72
Quadro 6 ‒ Sumário Substance and Function .......................................................................... 84
Quadro 7 ‒ Sumário do primeiro capítulo da obra Substance and Function ........................... 85
Quadro 8 ‒ Distinção entre juízos analíticos e sintéticos de acordo com Kant ........................ 93
Quadro 9 ‒ Distinção entre juízos a posteriori e a priori, conforme Kant .............................. 94
Quadro 10 ‒ Constituição do conhecimento sensível em geral para Kant ............................... 95
Quadro 11 ‒ Duas fontes de conhecimento, segundo Kant ...................................................... 96
Quadro 12 ‒ Algumas publicações de Petrus Ramus ............................................................. 104
Quadro 13 ‒ As classes de divisão das ciências em Grassmann ............................................ 131
Quadro 14 ‒ Sumário do livro Lineare Algebra, 1958 ........................................................... 136
Quadro 15 ‒ Visão geral do contexto lógico dos capítulos individuais do livro Lineare
Algebra ................................................................................................................................... 138
13

SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 14
2 METODOLOGIA E PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ........................................................... 21
2.1 Charles Sanders Peirce (1839‒1914) e a Semiosis ......................................................... 21
2.2 Complementaridade: definições...................................................................................... 37
2.3 Semiótica como aporte de análise ................................................................................... 43
2.3.1 Delineando o caminho metodológico: como fazemos? ............................................ 48
2.4. Obstáculos para uma abordagem semiótica ................................................................... 51
2.4.1 Matemático platonista .............................................................................................. 52
2.4.2 O psicologismo dos professores ............................................................................... 55
3 AS PALAVRAS E AS COISAS ........................................................................................... 68
3.1 Michel Foucault (1926‒1984): a separação das palavras e das coisas ........................... 69
3.2 Ernst Cassirer (1874‒1945): a transformação do conceito de conceito .......................... 82
3.3 A crítica da Razão Pura e as duas fontes de conhecimento matemático ........................ 90
4 DESCARTES: E A ÉPOCA DA REPRESENTAÇÃO ...................................................... 101
4.1 Petrus Ramus (1515‒1572) e o Ensino de Matemática ................................................ 101
4.2 O projeto do método de Descartes em uma carta enviada a Beeckman (1619) ............ 111
4.2.1 Regulae ad Directionem Ingenii (1628) ................................................................. 114
4.2.2 La Géométrie (1637) .............................................................................................. 117
4.3 Descartes versus Leibniz............................................................................................... 121
5 A ÁLGEBRA LINEAR ....................................................................................................... 127
5.1 Uma breve contextualização ......................................................................................... 127
5.2 Hermann Grassmann e a mudança do conceito de axioma ........................................... 129
5.3 Graeub - Lineare Algebra ............................................................................................. 136
5.3.1 Lineare algebra: gênese e implicações .................................................................. 144
5.4 Dois exemplos............................................................................................................... 154
5.4.1. Analogia entre os imaginários e os irracionais...................................................... 154
5.4.2 Um resultado da teoria dos determinantes ............................................................. 159
6 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................................ 165
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 168
14

1 INTRODUÇÃO

A priori, a Matemática estabeleceu-se como matemática aplicada e a Geometria fora


concebida como a arte de medir e de construir. A geometria euclidiana se constituiu tratando
especificamente dos objetos relacionados às formas e às figuras, não havendo uma
preocupação latente com a teoria do espaço e o processo de abstração.
Igualmente ao processo de contagem, conforme observou Russell (2006), foram
necessários muitos séculos para que o homem relacionasse um casal de faisão e um par de
dias como sendo ambos representantes do número dois, pois contar uma coisa era diferente de
enumerá-la.
Para cada objeto adaptavam-se as palavras para contá-los, por exemplo, ainda
podemos exprimir a ideia do número dois como sendo um par, um casal, ambos, parelha,
junta etc. Assim, o ato de contar é algo concreto, mas usar um mesmo número a fim de
representar quantidades iguais para coisas diferentes é um procedimento abstrato (ROQUE,
2012).
A inovação conceitual surgiu durante o período do barroco. O conhecimento clássico,
antes da Revolução Científica do século XVII, foi completamente determinado por seu
objeto; assim, pensar significava pensar na própria essência do ser, ou seja, o pensamento era
determinado por seu objeto.
Para Cassirer (1953), a lógica aristotélica, em seus princípios gerais, foi a verdadeira
expressão e o espelho da própria Metafísica aristotélica; contudo, após o desenvolvimento da
lógica, suas conexões com a ontologia aristotélica se desfizeram, ocorrendo a transformação
do conceito de substância para tornar-se o conceito de função. Isso foi um sinal claro de uma
mudança na Filosofia, ou seja, uma reorientação da Metafisica para a Epistemologia.
Progressivamente, os conceitos passaram a ser compreendidos como funções da
atividade humana, em substituição às abstrações e às imagens abstratas das coisas. Michel
Foucault (2000) expressou essas mudanças perante a perspectiva do signo, descrevendo a
separação das coisas e das palavras como uma transição da era da interpretação para a era da
representação.
Essa separação entre sentido e referência (ou palavras e coisas) promoveu uma busca
por métodos mais seguros, os quais favoreceram a matematização das ciências. No final do
século XVI, muitos autores optaram pela certeza e, assim, o método matemático ganhou
15

importância por se apresentar como o mais seguro.


Descartes, leitor de Petrus Ramos, preocupou-se com problemas relativos ao ensino,
questionando como é possível o homem adquirir novos conhecimentos. Ele desejou
desenvolver um projeto desprendido do formalismo euclidiano e do simbolismo algébrico e,
inevitavelmente, isso resultou em uma visão matemática abstrata sobre as coisas, de forma
que as ciências não foram capazes de descrever as coisas do mundo, mas apenas suas
representações adaptadas ao pensamento, com várias manipulações técnicas. Por fim, tanto a
visão cotidiana quanto a prática experimental contradisseram as representações matemáticas.
Na Geometria Projetiva, duas retas paralelas entre si em um plano sempre têm um
ponto em comum, o ponto de intersecção, mesmo que seja no infinito; e, de modo algum,
essas retas podem ser consideradas sobre uma perspectiva geral, pois um ínfimo movimento
seria suficiente para destruir seu paralelismo.
Já na Física, observa-se que a matematização das ciências naturais introduz
representações que podem contradizer os fatos físicos. Por exemplo, Thomas Kuhn indica que
o termo massa tem diferentes significados na mecânica clássica de Newton e na teoria
especial da relatividade de Einstein, em que a massa newtoniana é estável, independente da
velocidade, enquanto a massa einsteiniana depende da velocidade, pois em
⁄√ ⁄ ,1 quando assumimos que a velocidade da luz c tende ao infinito, obtemos m
= m0. No entanto, essa tendência ao infinito é explicitamente impossível pelos fatos físicos,
de acordo com o experimento de Morley-Michelson, o qual mostrou que a velocidade da luz é
constante e independente da posição relativa à fonte do movimento. Normalmente, esperamos
que as velocidades se acumulem de tal forma que, se uma luz fosse refletida por um espelho, a
velocidade da luz aumentaria.
Portanto, a matematização das ciências naturais depende de uma relativa
independência entre sentido e referência. Como a Matemática é essencialmente uma atividade
que opera com símbolos e diagramas, a Semiótica torna-se uma preocupação fundamental.
Durante o século XVIII, os números apresentavam uma ligação inseparável com a
noção de quantidade e representavam o campo de objeto da Matemática, enquanto a Álgebra
era considerada como uma linguagem analítica. Um exemplo é o livro didático Complete
Guide to Algebra, de Leonhard Euler (1770), em que o autor inicialmente explica a noção de
quantidade e, após, discorre sobre a Aritmética definindo-a como a arte de calcular com os
números, a qual se aplica aos cálculos que são comuns na vida cotidiana, entendendo que a

1
Onde v=velocidade, m=massa, c=velocidade da luz, m0=massa em repouso.
16

Álgebra ou a Análise englobam os números em todos os aspectos e determinações.


Condillac, figura importante do Iluminismo na França durante o século XVIII,
mostrou-se profundamente impressionado com a álgebra de Euler, considerando-a uma
marcante prova sobre o quanto o curso da ciência depende dos avanços da linguagem.
Condillac acreditava que apenas uma linguagem bem formulada é capaz de fornecer para a
análise o grau de simplicidade e precisão necessária em função da natureza doe seus estudos.
No século XIX, a relação entre Álgebra e Aritmética se inverteu. A Álgebra estava
diretamente ligada às relações e às estruturas matemáticas, aquela se constituía o principal
assunto de estudo, enquanto a Aritmética se transformou em uma linguagem da Álgebra, ou
seja, de toda a Matemática.
Resumidamente, pode-se constatar que, durante sua história, a Matemática
desenvolveu-se a partir de um método descritivo que consistia em medir ou contar as coisas,
até uma linguagem analítica e, finalmente, a uma ciência de estruturas.
David Hilbert, na virada do século XIX, ao refletir sobre o conhecimento partindo do
ponto de vista relacionado aos meios possíveis para a atividade cognitiva, reafirmou a
importância do signo.
De acordo com Peirce, todo pensamento ocorre em termos de signos. Interpretar algo
significa apenas representá-lo, visto que a essência de algo é a essência de uma representação
dessa coisa, de modo que é impossível fornecer um referente final ou um significado
definitivo de um signo. Consequentemente, a semiosis peirceana se estende em ambas as
direções, tanto em direção ao objeto, o qual não possui referência definitiva, quanto para o
interpretante, que é dinâmico.
Peirce introduziu o termo semiosis, desafiando a concepção que assume os signos
como instrumentos inventados pelo sujeito humano e utilizados para seus próprios fins,
exatamente porque essa perspectiva exclui a possibilidade de uma base unificada para os
estudos sobre o pensamento e o ensino. Particularmente, a Educação Matemática continuaria
sujeita às infindáveis controvérsias entre as ciências humanas (tais como Pedagogia,
Psicologia, Filosofia entre outras) e a Matemática. Na Semiótica, é possível obtermos uma
visão sintética sobre como aprender e conhecer a Matemática, porque ela reconhece o próprio
objeto imediato e o sujeito como signos.
Analisando didaticamente esse contexto, refletimos sobre a relação professor e aluno,
na qual ambos precisam estar atentos a uma comunicação dinâmica. Não é suficiente, ao final,
simplesmente dizer: Eu não entendo! É preciso assumir uma atitude responsável sobre suas
17

próprias compreensões a respeito da comunicação, do conhecimento e dos significados, posto


que a Educação Matemática é um empreendimento interdisciplinar que precisa desenvolver
uma metodologia integrada.
Esse fato é amplamente reconhecido desde os primeiros congressos internacionais de
Educação Matemática nas décadas de 1960 e de 1970. Todavia, a Educação Matemática ainda
não foi capaz de desenvolver uma metodologia integrada. Acreditamos que a Semiótica seja
capaz de promover oportunidades para colaborar com o futuro. Conforme Deely (1982), a
ascensão da ciência moderna criou uma fragmentação na comunidade intelectual, contudo a
Semiótica pode contribuir com novas condições e com possibilidades de cooperações
interdisciplinares.
Nesse ínterim, a presente pesquisa se justifica pelo interesse em discutir sobre a
importância da caraterística complementar entre sentido e referência dos símbolos da
Matemática.
Otte (2003a) explica que sempre começamos usando nossos termos de modo
referencial e não atributivamente. Por exemplo, digamos que um turista no pantanal brasileiro
é informado que o animal acastanhado que ele vê às margens do rio é, na verdade, chamado
de capivara. Essa palavra, no entanto, não apresenta, inicialmente, um sentido para ele, porque
ele não fala português. Depois de algum tempo, o turista pode observar algumas
características e hábitos da capivara e, então, pode dizer: capivaras são boas nadadoras,
mergulhadoras, elas vivem em grupos familiares etc. Gradualmente, o nome é transformado
em uma descrição, baseada em um conjunto de características. A partir desse momento, a
palavra capivara começa a ser usada de forma atributiva transformando-se em uma descrição.
A imprescindível coexistência dessas duas maneiras de se referir a um objeto,
referencialmente (apontar) e atributivamente (sentido), justificam a necessidade de assumir a
perspectiva da Complementaridade para a formação do conhecimento.
Esta pesquisa justifica-se também pelo interesse em contestar a interpretação
matemática, na qual se imagina que tudo se resume à equação A=B. É vital na Educação
Matemática assumir a perspectiva que considera a Matemática como uma atividade humana,
que estabelece conexão com o processo do movimento cognitivo, epistemológico, histórico,
social e cultural.
No entanto, para compreender a teia de encadeamentos, na qual está envolta essa
atividade dinâmica e interdisciplinar, consideramos ser imprescindível o fortalecimento de
estudos teóricos na Matemática com vertentes no campo da Filosofia, da Semiótica e da
18

Epistemológica. Assim, entendemos que a compreensão sobre os signos da Matemática está


imersa numa práxis, isto é, em uma atividade, de maneira análoga a um fato científico que
surge apenas em relação a uma perspectiva teórica.
Portanto, este trabalho fundamenta-se na necessidade de descaracterizar, ante a
sociedade de modo geral, o desenho da Matemática como uma ciência exata, de certeza
absoluta. Esse clichê infere em uma visão dualista, na qual ou se ―aprende‖ e ―gosta‖ ou deve-
se desistir da Matemática. Logo, um problema importante a se considerar, principalmente, no
fazer pedagógico é a própria natureza da Matemática. Pois, a Matemática não é um livro
como a Bíblia, escrita com sentido para as pessoas lerem e entenderem. A Matemática é uma
ciência, a qual para estabelecer suas verdades se firma na referência e no sentido. Para
contribuirmos com a Educação Matemática, precisamos adquirir conhecimento sobre a
natureza das atividades semióticas da Matemática. Justifica-se essa afirmação, ainda, no fato
de não aceitar a Matemática como um jogo mecânico de xadrez ou uma receita de bolo,
porque a Semiótica nos ensina como representar até mesmo o impossível, o imaginário ou o
irracional, como ocorreu com os números imaginários e irracionais.
Para tanto, escolhemos como problemas norteadores desta pesquisa as seguintes
questões: (i) Como se concebeu a relação sentido e referência das representações ao longo da
história? e (ii) Que implicações para a Educação Matemática podem ser geradas a partir de
uma abordagem semiótica dos símbolos da Matemática, reconhecendo a Complementaridade
entre sentido e referência como foco?
Como objetivo geral, a pretensão foi utilizar a abordagem semiótica peirceana
concentrada na Complementaridade entre sentido e referência dos símbolos da Matemática,
com a intenção de promover a Educação Matemática.
Para isso, traçamos os seguintes objetivos específicos, a fim de se construir uma
resposta às questões da pesquisa: (i) analisar o movimento histórico do signo nas ciências com
Foucault que enfatiza a Revolução Científica; e com Cassirer na Filosofia da Matemática
como um reflexo da Revolução Copernicana da Epistemologia de Kant; (ii) ressaltar a
importância da atividade científica com Descartes ao introduzir o método experimental no
pensamento; (iii) exemplificar, por meio da Álgebra Linear, a importância da
Complementaridade entre sentido e referência dos símbolos da Matemática no viés da
abordagem semiótica; (vi) identificar implicações para a Educação Matemática atrelada à
Semiótica, reconhecendo a Complementaridade entre sentido e referência como foco.
A metodologia fundamentou-se na Complementariedade via Semiótica, que permite
19

entrelaçar os acontecimentos e fatos sob uma perspectiva teórica, buscando por características
complementares. Assim, os epistemólogos basilares que compõem nosso referencial teórico
são Kant (1787/ 2001), Peirce (1931-1935; 1958) e Otte (1993b; 2003a; 2012).
O desenvolvimento desta tese está dividido em quatro capítulos que organizamos,
iniciados com a descrição da Semiótica de Peirce e concluídos com a redação de exemplos da
Álgebra Linear sobre a importância da Complementaridade entre sentido e referência dos
símbolos da Matemática com vistas a promover a Educação Matemática.
No Capítulo 2 – ―Metodologia e Pressupostos Teóricos‖ –, fundamentamos nossa tese
com a semiótica peirceana, bem como caracterizamos a complementaridade otteana.
Propomo-nos delinear nosso caminho metodológico e expressar a Semiótica como aporte
teórico. Destacamos dois obstáculos para uma abordagem semiótica, a saber: o matemático
platonista e o psicologismo dos professores.
No Capítulo 3 – ―As Palavras e as Coisas‖, – discorremos sobre o movimento
histórico do signo na Ciência com Foucault e na Filosofia da Matemática com Cassirer.
Apresentamos um dos principais referenciais teóricos, Kant, e as duas fontes de conhecimento
matemático em sua Revolução Copernicana da Epistemologia na Filosofia, descrita em A
Crítica da Razão Pura.
No Capítulo 4 – ―Descartes: e a Época da Representação‖ –, destacamos Petrus
Ramus, com importantes contribuições no contexto da Educação Matemática e como um
precursor de Descartes. Estudamos o projeto de Descartes em uma Carta enviada à Beeckman
(1619) e, ainda, as obras de Descartes: Regulae Ad Directionem Ingenii (1628) e La
Géométrie (1637). Ressaltamos a importância da atividade científica com Descartes, ao
introduzir o método experimental no pensamento por meio do objeto desconhecido na
Matemática.
No Capítulo 5 – ―A Álgebra Linear‖, em Uma breve contextualização, apresentamos
Hermann Grassmann e a mudança do conceito de axioma, o qual deixou de ser verdade
incontestável para ser considerado como hipótese. Destacamos o primeiro livro moderno, que
introduziu todos os conceitos de Álgebra Linear em termos axiomáticos, o Lineare Algebra
(1958), de Graeub. Descrevemos o contexto histórico de Lineare Álgebra com contribuições
dos matemáticos Hilbert, Noether, Waerden e Bourbaki. Identificamos, no movimento
histórico dos imaginários e dos irracionais, uma importante analogia sobre necessidade de
apresentar uma referência para obter um sentido. Mostramos um segundo exemplo que versa
sobre um resultado da teoria dos determinantes referente à multiplicação, o qual mostra a
20

relevância do pensamento conceitual na perspectiva da axiomática. Dessa maneira,


exemplificamos, por meio da Álgebra Linear, a Complementaridade entre sentido e referência
dos símbolos da Matemática no viés da abordagem semiótica.
Por fim, nas considerações finais, recordamos as duas questões norteadoras da nossa
pesquisa; ao respondê-las, apresentamos as conclusões da Tese com implicações para a
Educação Matemática em diálogo com a Complementaridade e a semiótica peirceana.
Apontamos nossas limitações e sugestões para estimular futuras pesquisas.
21

2 METODOLOGIA E PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Neste capítulo, na seção Charles Sanders Peirce (1839-1914) e a Semiosis,


evidenciamos a Semiótica de Peirce, um trabalho denso e extenso, motivo pelo qual
restringimo-nos a estudar apenas alguns conceitos semióticos, dando maior ênfase às
implicações para a Complementaridade e para a Educação Matemática.
Em Complementaridade: definições, procuramos contextualizar historicamente a
noção de Complementaridade, na perspectiva do Professor Michael Otte. Registramos como
esse conceito surge em suas pesquisas e quais são as bases teóricas utilizadas.
A exposição da seção Delineando o caminho metodológico: como fazemos? é fruto de
um despertar sobre questões relacionadas à abordagem metodológica, provocadas durante as
aulas da disciplina Pesquisa em Educação em Ciências e Matemática, do
PPGECEM/REAMEC. Delinear esses passos metodológicos, de forma abrangente e
estruturada, é um projeto com elementos suficientes para produzir uma tese. Aqui nos
contentamos em escrever como fazemos, para orientar nosso leitor, visto que nosso método
não é propriamente dialético, positivista e, assim por diante, e nossa pesquisa não se enquadra
em histórica, bibliográfica, teórica etc.
Já na seção Semiótica como aporte de análise, pesquisamos as quatro definições de
metodologia, de acordo com Abbagnano (2007), para então identificarmos a Semiótica como
aporte de análise. Destacamos dois obstáculos para uma abordagem semiótica: o matemático
platonista e o psicologismo dos professores.
Sumarizando, neste capítulo pretendemos fundamentar nossa tese com a Semiótica
peirceana, bem como caracterizar a complementaridade otteana. Propomo-nos a delinear
nosso caminho metodológico e expressar a Semiótica como aporte teórico.

2.1 Charles Sanders Peirce (1839‒1914) e a Semiosis2

A semiótica geral é uma ciência jovem, criada entre os séculos XVIII e XIX, que
ainda se encontra em desenvolvimento; portanto, sua definição também está em construção.

2
Alguns resultados expostos nessa seção foram submetidos à publicação como resultados parciais de nossa
pesquisa de doutorado e constam em: SANTANA, Geslane Figueiredo da Silva; PAULA, Luciene de; OTTE,
Michael. As Tríades de Peirce no Ensino de Matemática. In: SemiEdu 2019 – Debates sobre educação,
pesquisa e inovação, 2019 (No prelo).
22

Curiosamente, ―[...] suas raízes são muito antigas e há ricas reflexões produzidas desde a Era
pré-socrática. Este assunto permeou os interesses de Platão, Aristóteles, estoicos, epicuristas,
Agostinho, Escolástica, Descartes e toda a filosofia moderna até os dias atuais.‖ (OLIVEIRA,
2014, p. 20). Conforme Eco (1991, p. 16), vários estudiosos de forma indireta dedicam parte
de seus escritos e pensamentos ao esboço para projeto de uma ciência semiótica que:

[...] atravessou os séculos: frequentemente, sob forma de tratados orgânicos (pense-


se no Organon, de Lambert, em Bacon, em Peirce, em Morris ou em Hjelmslev); na
maioria das vezes, como série de alusões espalhadas no seio de discussões mais
gerais (Sexto Empírico, Santo Agostinho ou Husserl); de quando em quando, sob
forma de prenúncios explícitos, auspiciando um trabalho a ser realizado, e como se
todo o trabalho até então realizado tivesse que ser repensado em termos semióticos
(Locke e Saussure) [...].

Santaella (2007, p. 3), no livro O que é Semiótica, descreve sobre a complexidade para
se ter uma definição clara e objetiva acerca da Semiótica, mas caracteriza o campo de sua
abrangência, afirmando:
[...] que ele é vasto, mas não indefinido. [...], embora a Semiótica se constitua num
campo intrincado e heteróclito de estudos e indagações que vão desde, a culinária
até a psicanálise, que se intrometem não só na meteorologia como também na
anatomia, que dão palpites tanto ao cientista político quanto ao músico, que
imprevistamente invadem territórios que se querem bem protegidos pelas bem
demarcadas fronteiras entre as ciências, isso não significa que a Semiótica esteja
sorrateiramente chegando para roubar ou pilhar o campo do saber e da investigação
específica de outras ciências. Nos fenômenos, sejam eles quais forem — uma nesga
de luz ou um teorema matemático, um lamento de dor ou uma ideia abstrata da
ciência —, a Semiótica busca divisar e deslindar seu ser de linguagem, isto é, sua
ação de signo.

Dentre essa vasta sucessão de autores que de forma tênue ou mais intensamente
contribuíram para a constituição da Semiótica enquanto campo de pesquisa, destacamos Santo
Agostinho (354-430 d.C.) ou Saint Augustine que há cerca de 2000 anos escreveu um
importante tratado para o campo da Semiótica, a Doutrina Cristã (On Christian Doctrine). De
acordo com Manetti (2010), Agostino é um dos principais personagens da Semiótica no final
da Antiguidade, principalmente no tocante à Semiótica de Peirce. Por isso, o citamos,
sucintamente, buscando destacar apenas sua compreensão a respeito do signo que comunga
com a teoria dos signos peirceana.
Para Agostinho, o significado de um signo pode ser expresso por meio de outros
signos: ―[...] usando sinônimos, apontando algo com o dedo, usando gestos imitativos, ou por
meio de gestos ostensivos [...]‖ (AGOSTINHO apud MANETTI, 2010, p. 26, tradução
nossa). Neste sentido, seu pensamento parte da dualidade entre as coisas e os signos, ou
23

melhor, poderíamos nos expressar usando o termo complementaridade. Por exemplo, uma
coisa, como a fumaça, pode tornar-se um índice e funcionar como algo que traz alguma
mensagem.

Embora o mundo esteja basicamente dividido em coisas e signos, Agostinho vê esta


distinção como funcional e relativa e não como ontológica. Os signos são também
tipos de res (coisa), e é bem possível tomar como signo uma resignação que
anteriormente não tinha sido dotada desse status (MANETTI, 2010, p. 26, tradução
nossa).

Por consequência, Agostinho (AUGUSTINE, 1958, II, I, tradução nossa) define a


noção de signo como:

Um signo é uma coisa que, para além da impressão que faz nos sentidos, faz com
que algo mais venha à mente como consequência de si mesmo: como quando vemos
uma pegada, concluímos que a pegada é de um animal que passou por este caminho
[...] E quando ouvimos a voz de um homem, pensamos no sentimento em sua mente,
e quando a trombeta toca, os soldados sabem que devem avançar ou recuar [...]
Agora alguns signos são naturais, outros são convencionais. 3.

Deste modo, para Agostinho (AUGUSTINE, 1958, IV, 2), o conhecimento trata de
coisas e signos, contudo as coisas são apreendidas apenas por meio dos signos.

[...] Uso agora a palavra ‗coisa‘ em sentido estrito para significar aquilo que nunca é
utilizado para significar qualquer outro objeto, por exemplo, uma madeira, uma
pedra, um cordeiro e outras coisas desse gênero. Mas não a madeira que lemos
quando Moisés lançou nas águas amargas para torná-las doces, nem a pedra que
Jacó usou como travesseiro, nem o cordeiro que Abraão ofereceu em lugar de seu
filho, porque estas, ainda que sejam coisas, são também signos de outras coisas. Há
signos de outra espécie, aqueles que nunca são empregados, exceto como signos: por
exemplo, palavras (Tradução nossa).

Neste sentido, Agostinho seria o primeiro a aplicar a definição de signos aos objetos
materiais da percepção, para a formação de um entendimento mais geral que incluía
percepções (sentidos) e conceitos como sendo essencialmente signos, por representar sempre
objetos que não seriam eles próprios. Conforme Manetti (2010), a partir de Agostinho outros
nomes, como Tomás de Aquino (1225‒1274) e John Poinsot (1589‒1644) trouxeram
compreensão importante para a concepção da Semiótica que culmina na teoria dos signos de
Peirce.
Em um breve panorama geral, Santaella (2007) destaca três fontes importantes na
constituição da origem e desenvolvimento sobre a Semiótica ao final do século XIX e início
3
Utilizamos a versão em inglês intitulada On Christian Doctrine, por Saint Augustine, em 1958.
24

do século XX: na União Soviética, os filósofos Alexander N. Viesse-lovski (1838‒1906) e


Alexander A. Potiebniá (1835‒1891), na Suíça, Ferdinand de Saussure (1857‒1913) e, nos
Estados Unidos, Charles Sanders Peirce (1839‒1914).
Em relação aos trabalhos dos russos, Santaella (2007, p. 15-16) explica que,
infelizmente,

[...] A maior parte deles não apenas foi retirada de circulação durante os expurgos
stalinistas, mas foi também com grande dificuldade que esses estudos puderam ser
recolocados em pauta, décadas mais tarde. Nessa medida, a recuperação dessas
investigações pelo Ocidente tem sido lenta, fragmentária e só nos últimos anos
alguns trabalhos sérios têm conseguido reconstituir esse legado num quadro mais
geral e elucidativo.

Por outro lado, a teoria de Saussure foi apresentada quando ministrou um curso. Com
base nas notas de aulas, seus alunos publicaram postumamente o livro intitulado Cours de
Linguistique Générale (Curso de Linguística Geral), em 1916:

Esse livro mereceu, imediatamente, a mais ampla divulgação pela Europa e, pouco
mais tarde, por quase o mundo todo. Os conceitos lingüísticos que ele encerra foram
retomados, discutidos e ampliados por uma série de outros lingüistas, especialmente
L. Hjelmslev; e seus princípios metodológicos foram aplicados a áreas vizinhas,
notadamente a Antropologia e Teoria Literária; suas descobertas, devidamente
exploradas, radicalizadas e levadas às últimas conseqüências pelos novos pensadores
europeus, particularmente J. Derrida. (SANTAELLA, 2007, p. 15-16).

No estudo de Semiótica desenvolvido por Ferdinand de Saussure, também referido


como Semiologia, a relação do signo é diádica, consistindo apenas numa forma do signo (o
significante) e no seu interpretante (o significado). A Figura 1 apresenta a relação diádica
(Saussure) e a triádica (Peirce).

Figura 1 ‒ Relação triádica de Peirce e a diádica de Saussure

Fonte: Anderson (2016, p. 44)


25

A teoria de Saussure não possui referência ou índice porque seu objeto é a linguagem
e não a relação da linguagem com a realidade, ou do conhecimento representado pela
linguagem. Saussure viu essa relação diádica como sendo essencialmente arbitrária, conforme
seu princípio da arbitrariedade do signo (SAUSSURE, 2006, p. 81-82). Essa relação é
motivada apenas pela convenção social. Nessa perspectiva, Santaella (2007, p. 17-18) afirma
que ―A Lingüística saussureana brotou de um primeiro corte abrupto e estratégico nas
relações que a linguagem humana mantém com todas as outras áreas do saber sobre o
homem.‖.
A teoria de Saussure tem influenciado particularmente o estudo do signo linguístico,
privilegiando as ciências humanas e a lógica. Essa abordagem do signo é especialmente
consistente de acordo com a crença idealista, segundo a qual o pensamento humano não tem
acesso a não ser às suas próprias criações e, portanto, mantém separadas as Ciências da
Natureza e as Humanas. Santaella4 (2007, p. 18) ressalta que a semiótica peirceana em sua
gênese perpassa por um caminho tolamente inverso, visto que:

Toda a Semiótica peirceana brotou, ao contrário, de um infatigável, longo e árduo


caminho inverso. Para Peirce, todas as realizações humanas (no seu viver, fazer,
lutar, na sua apreensão e representação do mundo) configuram-se no interior da
mediação inalienável da linguagem, entendida esta no seu sentido mais vasto. Com
isso, aflora o que poderíamos denominar o mais cabal deslocamento no pólo e vetor
das tradicionais teorias do conhecimento, visto que a Semiótica peirceana é, antes de
mais nada, uma teoria sígnica do conhecimento.

Neste âmbito, conforme John Deely, a Semiótica contribui com a perspectiva


interdisciplinar, possibilitando às pesquisas oportunidades para alcançar melhores resultados:

Enquanto a ascensão da ciência moderna criou as condições para uma nova


especialização que gradualmente levou a uma fragmentação e atomização da
pesquisa da comunidade intelectual, reconhecida por todos como contraditória, a
Semiótica pode estabelecer novas condições de um quadro comum e canais
interdisciplinares de comunicação que restituirão às Ciências Humanas as
possibilidades interdisciplinares as quais se secaram alarmantemente quando a
especialização científica não conhecia nenhuma alternativa e controle (DEELY,
1982, p. xv-xvi, tradução nossa).

Nesse universo histórico-epistemológico, a teoria de Peirce floresce tratando o


conhecimento não apenas por meio de uma distinção rígida e dualista (analítico/sintético,
empírico/racionalista, teoria/prática e assim por diante) que privilegia apenas uma das partes,

4
Caso o leitor tenha interesse, Santaella (2007) discorre sobre outras diferenças entre Saussure e Peirce. Aqui,
intentamos de forma breve apresentar um panorama geral sobre a concepção da Semiótica.
26

mas como o conhecimento que é obtido observando as relações.

Figura 2 ‒ Charles Sanders Peirce (1839‒1914)

Fonte: Encyclopedia Britannica5

Entre outras coisas, Peirce foi filósofo, lógico, cientista, matemático, físico, astrônomo
e suas contribuições disseminaram por vários campos das ciências. Foi também um dos
fundadores do pragmatismo, coadjuvante no campo da Semiótica, além de exímio seguidor de
Kant (1724‒1804). Peirce nasceu em Cambridge, em 10 de setembro de 1839, e faleceu em
19 de abril de 1914. Escreveu quase cem mil páginas, contudo publicou bem pouco. Após sua
morte, suas obras foram organizadas e publicadas em oito volumes.

Quadro 1 ‒ Organização de Collected Papers de Peirce


PEIRCE, Charles Sanders. Collected papers. Vol. 1-6 edited by Charles Hartshorne and Paul Weiss; vol. 7-8
edited by A. W. Burks. Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press, 1958-1966.
Vol. 1: Principles of Philosophy Vol. 5: Pragmatism and Pragmaticism
• Book 1: General Historical Orientation • Book 1: Lectures on Pragmatism
• Book 2: Classification of the Sciences • Book 2: Published Papers
• Book 3: Phenomenology • Book 3: Unpublished Papers
• Book 4: The Normative Sciences Vol. 6: Scientific Metaphysics
Vol. 2: Elements of Logic • Book 1: Ontology and Cosmology
• Book 1: General and Historical Survey of Logic • Book 2: Religion
• Book 2: Speculative Grammar Vol. 7: Science and Philosophy
• Book 3: Critical Logic
• Book 1: Experimental Science
Vol. 3: Exact Logic
• Previously Published Papers • Book 2: Scientific Method
Vol. 4: The Simplest Mathematics • Book 3: Philosophy of Mind
• Book 1: Logic and Mathematics (Unpublished Vol. 8: Reviews, Correspondence, and Bibliography
Papers) • Book 1: Reviews
• Book 2: Existential Graphs • Book 2: Correspondence
• Book 3: The Amazing Mazes
Fonte: The Collected Papers of Charles Sanders Peirce 6. Elaborado pela autora

5
ENCYCLOPEDIA Britannica. [1768] PAPPAS, Theodore (ed.). [S.l.], última atualização nov. 2019.
Disponível em: https://cdn.britannica.com/s:300x300/04/127704-004-3163A0E3/Charles-Sanders-Peirce-
1870.jpg. Último acesso em: 23 nov. 2019.
27

Para Peirce, a Semiótica é ―[...] simplesmente a ciência do que deve ser. E essa deve
ser uma representação verdadeira, na medida em que a representação possa ser conhecida sem
qualquer reunião de fatos especiais além de nossa vida cotidiana comum. É, em suma, a
filosofia da representação.‖ (PEIRCE, CP 1. 5397, tradução nossa). O autor explica que a
lógica, em seu sentido geral, é apenas outro nome para a Semiótica ({sémeiötiké}), a quase
necessária, ou formal, doutrina dos signos (PEIRCE, CP 2. 227).
Conforme Kant, o conhecimento humano surge de duas fontes fundamentais, a saber,
intuições e conceitos (KANT, 2001, B 75), em que todos os juízos do sujeito ocorrem por
meio da distinção entre juízos analíticos e sintéticos8. Entretanto, para Peirce, o pensamento
relacional muda o conceito desta distinção entre juízos analíticos e sintéticos, e isso é
essencialmente o que indica uma limitação em Kant.

Toda a filosofia de Kant gira em torno de sua lógica. Ele chama de Lógica à maior
parte de sua Crítica da Razão Pura, e é resultado da grande falha de sua teoria lógica
de que ele não estende esse nome a toda a obra. Essa maior falha foi, ao mesmo
tempo, o maior mérito de sua doutrina: estava em sua severa discriminação dos
processos intuitivos e discursivos da mente. A distinção em si não é apenas familiar
a todos, mas há muito tempo desempenhava um papel na Filosofia. No entanto, são
em tais distinções óbvias que os sistemas maiores foram fundados, e Kant fez toda a
importância filosófica dessa distinção porque foi quem viu muito mais claramente
que qualquer antecessor. Foi isso que o emancipou do leibnizianismo e, ao mesmo
tempo, o voltou contra o sensacionalismo. Foi também o que lhe permitiu ver que
nenhuma descrição geral da existência é possível, o que talvez seja a proposição
mais valiosa que o crítico contém. Mas ele traçou uma linha muito dura entre as
operações de observação e de raciocínio. Ele se permite o hábito de pensar que o
último só começa depois que o primeiro é completo; e não consegue ver que mesmo
a mais simples conclusão silogística só pode ser obtida observando as relações dos
termos nas premissas e conclusões. Sua doutrina dos esquemas só pode ter sido uma
reflexão tardia, uma adição ao seu sistema depois de estar substancialmente
completa. Pois, se os esquemas tivessem sido considerados suficientemente cedo,
eles teriam superado todo o seu trabalho. (PEIRCE, CP 1.35, tradução nossa)

De Kant, Peirce aprendeu que nem o racionalismo nem o empirismo poderiam servir
como fundamentos exclusivos de nossos conhecimentos, mas criticou a dicotomia profunda
de conceitos e intuições da concepção kantiana sobre o conhecimento.
Com implicações advindas da fenomenologia do espírito de Georg Wilhelm Friedrich
Hegel (1770-1831), Peirce (CP 5.37) escreveu:

6
THE COLLECTED Papers of Charles Sanders Peirce. Disponível em:
https://colorysemiotica.files.wordpress.com/2014/08/peirce-collectedpapers.pdf. Acesso em: 10 out. 2019.
7
As referências aos textos de Charles Sanders Peirce seguem a convenção internacional: CP, correspondendo a
Collected Papers, seguido do número do volume e, após um ponto, do número do livro/parágrafo.
8
Em Kant (2001), veja a seção ―3.3 A crítica da razão pura e a distribuição entre juízos analíticos e sintéticos‖.
28

Mas antes que possamos atacar qualquer ciência normativa, qualquer ciência que
pretenda separar as ovelhas das cabras, é claro que deve haver uma investigação
preliminar que justifique a tentativa de estabelecer tal dualismo. Esta deve ser uma
ciência que não faz qualquer distinção de bom e mau em qualquer sentido, mas
apenas contempla os fenômenos como eles são, simplesmente abre seus olhos e
descreve o que vê; não o que vê no real como distinto do conceito (não considerando
qualquer dicotomia), mas simplesmente descrevendo o objeto, como um fenômeno,
e afirmando o que encontra em todos os fenômenos. Esta é a ciência sobre a qual
Hegel alicerçou seu ponto de partida, sob o nome de Fenomenologia do Espírito,
embora ele a considerou em um espírito fatalmente estreito, uma vez que ele se
restringiu ao que realmente se impõe na mente e deste modo tendencioso toda a
filosofia com a ignorância da distinção entre essência e existência e assim deu-lhe o
nominalista e eu poderia dizer em certo sentido o caráter pragmatoidal em que o
pior dos erros hegelianos tem sua origem. Até aqui seguirei Hegel a ponto de
chamar essa ciência de Fenomenologia, embora não a restrinja à observação e
análise da experiência, mas estenda-a para descrever todas as características comuns
a qualquer coisa que seja experimentada ou que possa ser experimentada ou tornar-
se objeto de estudo de qualquer maneira direta ou indireta (Tradução nossa).

Sendo assim, Peirce assimilou de Hegel que nosso conhecimento deve ser entendido
com um processo e não como um objeto, mas considerou que uma teoria de signos seria
ampla para descrever todas as características que são comuns a tudo o que é experimentado ou
se torna um objeto de estudo tanto direta quanto indiretamente.
Direcionou seus estudos ao que primeiramente chamou de Lógica e mais tarde de
Semiótica. Sua teoria semiótica compreende a pessoa como um ser simbólico, com
características específicas e inseridas em um contexto; assim, ensinar algo a alguém significa
representar semioticamente. No âmbito do ensino de Matemática, vislumbra-se tanto a
necessidade de o professor perceber o educando e a si próprio como ser simbólico, quanto
compreender a natureza tríade (signo-objeto-interpretante) do objeto e do ensinar
Matemática.
Peirce entendeu que não há uma conexão direta entre signos ou palavras e as coisas,
do mesmo modo como não há um vínculo real e invariável entre uma pessoa e sua linguagem.
Simplesmente, não há uma ligação concreta entre a mente (consciência) e a comunicação,
caso contrário, bastaria inventar um equipamento que transferisse o conhecimento para as
cabeças dos alunos. A perspectiva de que todo pensamento ocorre em termos de signos resulta
que interpretar algo significa representá-lo. Portanto, a aprendizagem deve efetivar-se em um
cenário que admite o pensar em um processo em que as pessoas, os objetos e as
representações são basicamente signos.
A tríade peirceana indica um processo inerentemente dinâmico do signo, que não é
controlado por uma pessoa independente e de acordo com seus desejos, isto é, o processo de
comunicação não é constituído pelo encontro de atores independentes, que decidem dizer o
29

que vem à sua mente, em vez disso, a comunicação é um sistema social, estruturado
previsivelmente por seus participantes. As pessoas, desse modo, são subsistemas, ou melhor,
elas devem se constituir como esses subsistemas do sistema social de comunicação. Cada
pessoa e todo pensamento é um signo. Peirce (CP 5.313-314) escreveu:

O homem cria a palavra. […] Mas como o homem só pode pensar por meio de
palavras ou outros símbolos externos, ele pode se voltar e dizer: ―Você não pode
dizer nada além daquilo que já te ensinamos e somente até onde você se dirige a
alguma palavra como o interpretante do seu pensamento.‖ […] A palavra ou sinal
que o homem usa é o próprio homem. Pois, o fato de que todo pensamento é um
signo, em conjunto com o fato de que a própria vida é uma linha de pensamento,
prova que o homem é um signo (Tradução nossa).

Peirce define um signo como uma entidade tripartida, e sua utilização deve denotar um
objeto perceptível, imaginável ou mesmo inimaginável. O signo não é um objeto, apenas está
no lugar do objeto para representá-lo, no entanto:

Uma representação é o caráter de uma coisa em virtude da qual, para a produção de


certo efeito mental, ela pode permanecer no lugar de outra coisa. A coisa que tem
este caráter eu denomino um representamen, o efeito mental, ou pensamento, seu
interpretante, a coisa pela qual ela está o seu objeto. (PEIRCE, CP 1.564, tradução
nossa).

Enquanto a fórmula clássica retrata o signo em termos de uma relação diádica9, a


definição peirceana a concebe em termos de uma estrutura triádica. ―A relação triádica é
genuína, isto é, seus três membros estão ligados de modo que não consiste em nenhum
complexo de relações diádicas.‖ (PEIRCE, CP 2.274). A tríade fundamental na Semiótica
peirceana é precisamente ―objeto - signo (ideia) – interpretante.‖ (PEIRCE, CP 8.361).

9
―Um fato relacionado a dois indivíduos. Assim, o fato de que A é semelhante a B, de que A é um amante de B e
o fato de que A e B são ambos homens, são relações diádicas; enquanto o fato de que A implica em B para C é
uma relação triádica.‖ (PEIRCE, CP 3.625, tradução nossa).
30

Figura 3 ‒ Apresentação do PowerPoint - Relação Tríade Fundamental

Fonte: Elaborado pela autora

Como o signo permanece no lugar de outra coisa, Peirce buscou outra palavra que não
fosse restrita, cujo efeito mental pudesse incluir alguma emoção, sentimento ou esforço. E,
acreditando não existir um termo comum apropriado para obter um resultado significativo
para um signo, ele passou a chamá-lo de ―o interpretante do signo.‖ (PEIRCE, CP 5.473,
tradução nossa). Todavia, o interpretante não é capaz de constituir o objeto do signo, porque
pode haver eventos que causam um efeito mental sem transmitir qualquer significado. O fator
responsável deve ser um objeto existente ou uma ocorrência real, algo que só é acessível por
observação direta, isto é, deve ser representado por um índice.
Um signo ou representâmen é aquilo que representa algo para alguém, de acordo com
Peirce (CP 2.228), ―[...] representa o objeto, não em todos os aspectos, mas em referência a
um tipo de ideia, que às vezes chamo de fundamento do representâmen. Ideia esta aqui para
ser entendida em uma espécie de sentido platônico, muito familiar na conversa cotidiana.‖
(Tradução nossa).
O objeto de um signo não é necessariamente algo dado empiricamente, caso contrário,
seria difícil aplicar tais conceitos semióticos à Matemática. O objeto, como nos exemplos de
entidades matemáticas ou no caso de termos teóricos, como por exemplo, a energia da qual o
calor e o movimento são representações diferentes, ou como a ideia do triângulo geral, a qual
não é necessariamente dada como tal, mas é antes um objeto universal ou uma abstração
hipostática10.

10
―Mas a abstração hipostática, a abstração que transforma ‗é luz‘ em ‗existe luz aqui‘, que é o sentido que eu
31

Vamos fazer a seguinte suposição: O professor fala verbalmente, solicitando ao aluno


que escreva a função três x mais cinco; se o aluno não estudou funções, dificilmente poderá
representá-la algebricamente, pois isso depende de sua familiaridade, práxis, percepção,
conhecimento e ideia acerca do objeto. Se o aluno estudou funções, o professor poderá ainda
pedir várias representações sobre este mesmo objeto e ficará perplexo ao perceber que o aluno
conhece apenas uma representação, por exemplo, a representação algébrica F(x) =3x+5. Isso
ocorre porque o docente tem outro efeito interpretante do signo com objeto e logo estabelece
outras representações, as quais o aluno ainda não é capaz de estabelecer.
No contexto de ensino, o efeito interpretante traz ao aluno sua própria percepção de
objeto, contudo, pode ser que o estudante estabeleça várias ou nenhuma ideia como
fundamento do representâmen, visto que este pode lhe ser um evento que causa um efeito
mental sem transmitir qualquer significado. Desse modo, não se pode fornecer a referência
final e muito menos o sentido definitivo de um signo porque a semiosis se estende em ambas
as direções: em relação ao objeto e ao interpretante.
Usando o exemplo citado acima, a função algébrica não existe enquanto objeto real,
neste caso o objeto está no lugar da função para representá-la e apenas será identificado como
signo se o interpretante assim o perceber, o qual também, de certo modo, não estabelece uma
interpretação definitiva e, por fim, o próprio representâmen, como referido, a função três x
mais cinco, torna-se apenas uma tradução do interpretante ou desenvolvimento do signo
original. Por isso, Peirce (CP 8. 343) distingue ainda dois objetos do signo: ―[...] o objeto
imediato ou o objeto como o signo o representa e o objeto dinâmico que é eficiente, mas não
imediatamente presente.‖ (Tradução nossa). A função F(x) =3x +5 enquanto objeto dinâmico
pode ser eficiente, mas não será presente se o educando não a reconhecer, ou seja, não
provoca efeito na mente do interpretante. Esta distinção também deve ser observada na
relação entre interpretante imediato11 e interpretante dinâmico12.
Semelhantemente, é impossível uma conexão direta entre um signo e seu objeto final

normalmente atribuo à palavra abstração (já que a prescrição serve para abstração precisa), é um modo muito
especial de pensar. Consiste em tomar uma característica de uma percepção ou percepções (depois de já ter
sido prescindido dos outros elementos do preceptor), de modo a tomar forma proposicional num julgamento
(na verdade, pode operar sobre qualquer julgamento), e em conceber este fato como consistindo na relação
entre o sujeito desse julgamento e outro sujeito, que tem um modo de ser que consiste meramente na verdade
de proposições das quais o termo concreto correspondente é o predicado‖ (PEIRCE, CP 235, tradução nossa).
11
―O interpretante imediato consiste naquilo que o signo está apto a produzir numa mente interpretadora
qualquer. Não se trata daquilo que o signo efetivamente produz na minha ou na sua mente, mas daquilo que,
dependendo de sua natureza, ele pode produzir‖ (SANTAELLA, 2007, p. 13).
12
―[...] o interpretante dinâmico, isto é, aquilo que o signo efetivamente produz na sua, na minha mente, em
cada mente singular. E isso ele produzirá dependendo da sua natureza de signo e do seu potencial como signo.‖
(SANTAELLA, 2007, p. 13)
32

ou dinâmico. Peirce (CP 5.181) compara essa última conexão com a corrida entre Aquiles e a
tartaruga13, como uma análise lógica ao ad infinitum.

[...] Essa análise seria precisamente análoga àquela do paradoxo entre Aquiles e a
tartaruga aplicada à perseguição da tartaruga por Aquiles, e deixaria de representar o
processo real pela mesma razão. Ou seja, assim como Aquiles não precisava realizar
a série de esforços distintos os quais ele fez na sua representação, do mesmo modo o
processo de formação do juízo perceptivo, é subconsciente e não passível de crítica
lógica, portanto, não se faz necessário realizar atos separados de inferência, mas
realiza seu ato em um processo contínuo (Tradução nossa).

A essência de algo não deve ser mais que a essência de uma representação dessa coisa,
e a essência de uma representação de uma coisa é apenas a essência de uma segunda
representação da representação dessa coisa etc., em um processo contínuo, em semiosis.
Assim no momento em que o signo é reconhecido pelo sujeito cognitivo, esse
estabelece em sua mente outros signos e interpretações a respeito do primeiro signo que lhe
fora apresentado. Acerca do processo em semiosis peirceano, Jakobson (1985, p. 251)
afirmou: ―[...] entre outras, a mais brilhante ideia que os linguistas e semióticos ganharam do
pensador americano certamente fora a definição de significados onde uma interpretação de
um signo está contida dentro de outro sistema de signos.‖ (Tradução nossa).
Peirce procurou capturar a estrutura da possível experiência humana por meio de três
categorias fundamentais, às quais ele chamou, a fim de evitar a reificação prematura, por
nomes completamente abstratos: primeiridade, secundidade e terceiridade.

Primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e sem


referência a outra coisa qualquer. Secundidade é o modo de ser daquilo que é tal
como é, com respeito a um segundo, mas independentemente de qualquer terceiro.
Terceiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é, colocando em relação
recíproca um segundo a um terceiro. (PEIRCE, CP 8.327, tradução nossa)

A qualidade do sentimento e da consciência imediata, a primeira apreensão dos


fenômenos que nos aparece, constitui a primeiridade, é a pura qualidade de ser e de sentir, é
uma impressão (sentimento) in totum14, indivisível, não analisável, inocente e frágil. Mas esta
qualidade é apenas uma parte do fenômeno, a consciência reagindo em relação ao mundo
(real, reativo, sensual, independente do pensamento) é a secundidade, isto é, as qualidades
que formam as singularidades, pois, para existir, a qualidade tem de estar encarnada numa

13
CARROLL, Lewis. What the tortoise said to achilles. Mind, Oxford, v. IV, issue 14, April 1st. 1895, p. 278–
280, april, 1895. https://doi.org/10.1093/mind/IV.14.278.
14
Pode ser traduzido como: No todo; completamente, totalmente.
33

matéria. A mediação interpretativa entre nós e os fenômenos, a qual origina o pensamento em


signos e pela qual representamos e interpretamos o mundo integra a categoria da terceiridade.

Quadro 2 ‒ Categorias peirceanas fundamentais

Categorias Exemplo
Primeiridade - É o modo de ser daquilo que é, tal como é, sem O azul - Simples e puro azul.
referência a outra coisa qualquer.
Secundidade - É a consciência do primeiro associado a um O céu - Enquanto lugar e tempo, o aqui e
segundo. agora, onde se encarna o azul.
Terceiridade - É a síntese intelectual, o pensamento em O céu é azul - Síntese intelectual ou
signos. elaboração cognitiva.
Fonte: Elaborado pela autora

Conforme Peirce, os signos podem ser divididos em dez tricotomias (sendo cada
divisão tricotomizada pelas categorias Primeiridade, Secundidade e Terceiridade) e em 66
classes. Em uma carta escrita à Lady Welby15 (1837‒1912), ele afirma que estas são ―[...]
questões difíceis de considerar cuidadosamente; e, portanto, não me comprometerei a
continuar levando minha divisão sistemática de sinais, mas deixarei isso para futuros
exploradores‖ (PEIRCE, CP 8.343, tradução nossa). Contudo, Peirce (CP 2.275) destaca que

[...] A mais fundamental [divisão de sinais] faz-se em ícones, índices e símbolos. Ou


seja, enquanto nenhum representâmen realmente funciona como tal até que ele
realmente determine um interpretante, ainda assim ele se torna um representâmen
logo que é plenamente capaz de assim proceder; e sua qualidade representativa não é
necessariamente dependente de sua determinação real de um interpretante, nem
mesmo de ter um objeto (Tradução nossa).

Assim, a tríade denominada por ícone, índice e símbolo, exposta no Quadro 3,


representa dentre as tricotomias a mais importante e também uma das mais citadas, pelo autor.

Uma tríade muito importante é esta: descobriu-se que existem três tipos de signos
que são indispensáveis ao raciocínio; o primeiro é o signo diagramático ou ícone,
que exibe uma semelhança ou analogia com o sujeito do discurso; o segundo é o
índice, que, como um pronome demonstrativo ou relativo, força a atenção para o
objeto particular pretendido sem descrevê-lo; o terceiro [ou símbolo] é o nome ou

15
Victoria Lady Welby (1837‒1912) foi uma mulher intelectual, de muitas peculiaridades. Nasceu em 27 de
abril de 1837, filha de Duque Charles James e de Lady Emmeline Stuart-Wortley. Viveu na Era Vitoriana, um
dos períodos mais importantes da história britânica, marcada pelas grandes revoluções do século XIX que
mudaram a economia, a política e a sociedade, além de impulsionar o desenvolvimento da arte e da cultura.
Lady Welby é considerada a mãe da semiótica moderna, a qual apresenta em suas pesquisas a importância de
relacionar Linguagem e Matemática. Foi contemporânea de Charles Sanders Peirce (1839‒1914), com o qual
trocou diversas cartas, nas quais discutiam principalmente sobre Semiótica (PAULA; SANTANA; OTTE,
2019).
34

descrição geral que significa seu objeto por meio de uma associação de ideias ou
conexão habitual entre o nome e o caráter significado (PEIRCE, CP 1.369, tradução
nossa).

Quadro 3 ‒ Tríade do signo com relação a seu objeto

Tríade Exemplo Explicação Categoria


A equação algébrica é um ícone, na medida em que exibe, por meio
a1x + b1y = n1,

Primeiridade
dos signos algébricos (que não são eles próprios ícones), as relações
a2x + b2y = n2.
Ícone

das quantidades em causa.


A fotografia é muito instrutiva, porque em certos aspectos ela é
Fotografia exatamente como os objetos que representam.

Letras em um Geômetras escrevem letras em partes diferentes em seus diagramas e,

Secundidade
diagrama em seguida, usam essas letras para indicar essas partes.
Índice

matemático
Qualquer coisa que concentre a nossa atenção e que nos surpreenda é
Uma batida na
um índice, na medida em que marca a junção entre duas partes da
porta
experiência.
Um símbolo não pode indicar uma coisa particular qualquer, ele
denota uma espécie de coisa. É importante destacar que triângulo
A ideia do

Terceiridade
geral pode ser um símbolo para um matemático, contudo, pode ser
Símbolo

triangulo geral
algo que nada signifique para outra pessoa e assim perde o valor de
símbolo.
Ao escrevê-la, isso não faz de você o criador dela e, se apagá-la, não a
A palavra
destruirá. A palavra vive nas mentes daqueles que a usam. Mesmo
estrela
que todos estejam dormindo, existe em sua memória.
Fonte: Elaborado pela autora

O signo ícone da equação f(x) =3x+5 é também uma lei, um diagrama, uma
construção do sujeito e, por meio de sua observação direta, outras verdades relativas ao objeto
podem ser descobertas. A utilidade de fórmulas algébricas permite a capacidade de revelar
verdades insuspeitadas nas quais o que prevalece é o caráter icônico.

Um ícone é um representâmen cuja qualidade representativa é uma primeiridade


dele como um primeiro. Ou seja, uma qualidade que o torna adequado para ser um
representâmen. Assim, qualquer coisa é capaz de substituir para qualquer coisa com
a qual se assemelhe (PEIRCE, CP 2.276, tradução nossa).

Peirce (CP 2.282) explica que muitos ícones não se assemelham a seus objetos em
todos os olhares, é apenas em respeito às relações entre suas partes que sua semelhança
consiste. Por exemplo, f(x) não se assemelha com 3x+5, contudo desenvolve relações em que
a cada entrada para x, existe uma saída em f(x).
O índice é ―[...] um representâmen cujo caráter representativo consiste em ser um
signo individual.‖ (PEIRCE, CP 2.283, tradução nossa). E tem a função de indicar partes, por
exemplo, na função f(x) =3x+5, o intervalo do domínio de f é { }, mas, se
desejamos realizar o esboço do gráfico, podemos indicar um intervalo, no caso do Gráfico 1,
35

o intervalo considerado foi .

Gráfico 1 ‒ Planilha do GeoGebra ‒ Função

Fonte: Elaborado pela autora

Na Matemática, a lei que define uma função afim é representada algebricamente por
f(x) =ax +b, a qual pode ser vista como um símbolo e, graficamente, é representada por uma
reta não perpendicular ao eixo das abcissas, em que a e b são coeficientes reais. Além disso,
ainda pode ser entendida como uma transformação linear etc.

Só pensamos em signos e estes signos mentais são de natureza mista; [...] se alguém
cria um novo símbolo, ele faz por meio de pensamentos que envolvem conceitos.
[...] Um símbolo, uma vez existindo, dissemina-se entre as pessoas, no uso e na
prática, tem seu sentido ampliado, palavras como força, lei, riqueza e casamento,
para nós, remetem a significados bem diferentes daqueles a que elas remetiam para
nossos antepassados. (PEIRCE, CP 2.302, tradução nossa)

Assim, no contexto da Matemática, f(x) =ax +b é um símbolo criado que envolve


conceitos, mas essa lei matemática só terá significado para quem conhece sobre função afim;
no entanto, para quem não tem familiaridade com tal notação, isso deixa de ser um símbolo
para o interpretante.
Para exemplificar, Corrêa (2008, p. 98) explica que uma estátua pode ser vista como
um ícone, ao se observar a semelhança com o indivíduo representado, ao passo que a febre é
um índice, quando indica a existência de uma infecção e, por fim, a palavra dog é um símbolo,
que será interpretado como resultado de uma prática cultural, significativa apenas para as
36

pessoas que possuem o hábito de falar inglês.

[...] assim como aquela famosa pegada que Robinson Crusoé encontrou na areia foi
um índice, de que alguma criatura estava em sua ilha, e, ao mesmo tempo, como um
ícone, trouxe a ideia de um homem. O índice juntamente com o ícone, resultaram na
afirmação de que há um homem na ilha. Essa proposição é, como já foi dito, um
símbolo (OTTE, 2001, p. 44).

O pré-requisito mais importante para a aprendizagem é a possibilidade de enfrentar


simultaneamente um conjunto de conhecimentos, bem como seu desenvolvimento ou
aplicação. Essa possibilidade é fornecida apenas pela cooperação social. Conceitos e
ferramentas da atividade matemática no ensino servem como substitutos da cooperação direta;
com eles, deste modo, as pessoas podem ser criativas, percebendo novos significados dentro
do sistema estabelecido de conceitos e ferramentas, e, consequentemente, apresentando novos
resultados.
Por exemplo, em Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano, Leibniz (1993, IV, 8,
16
§4) , discutindo com Locke, exemplificou:

Alguém em situação de perigo precisa de uma munição para uma pistola, mas não
tem chumbo para derreter e construir; e um amigo lhe diz: ‗Lembre-se de que o
dinheiro que você tem em sua bolsa é fusível‘. Este amigo não lhe ensinará uma boa
qualidade do dinheiro, mas fará com que ele pense sobre o uso que poderá fazer,
para ter a munição nessa necessidade urgente (Tradução nossa).

Pode-se interpretar um martelo como uma toalha de mesa, mas qual será o resultado?
Por outro lado, pode-se utilizar um martelo como um pêndulo ou como um peso em uma
balança, dependendo do problema em questão.
Uma abordagem semiótica, verdadeiramente fértil, não se refere a uma abordagem
meramente convencional, mas em análises detalhadas e cuidadosas. Mesmo que se admita
que, de certo modo, tudo pode ser semelhante a quase tudo, isso vai depender do contexto. A
objetividade do nosso conhecimento é mostrada nas suas aplicações.
Na tríade objeto-signo-interpretante, Peirce explora a importância da cognição e do
conhecimento humano na relação entre sujeito e objeto. No âmbito do ensino de Matemática,
essa tríade ajuda a perceber o quanto é fundamental considerar os contextos e perspectivas

16
Esta referência ao texto de Leibniz segue a convenção internacional e significa Livro IV, Capítulo 8, parágrafo
§4. Gottfried Wilhelm Leibniz escreveu os Nouveaux Essais sur l'entendement humain, em 1704, cuja primeira
edição foi publicada em 1765. A obra é uma reposta e crítica ao livro de John Locke, de 1689, o Essai sur
l'entendement humain.
37

dos interpretantes que envolvem o ambiente; contudo, mostra a importância do processo em


semiosis, bem como estabelece os mesmos níveis de atenção ao objeto, signo e interpretante.
Por meio das três categorias fundamentais (primeiridade, secundidade e terceiridade),
é possível capturar a estrutura da experiência humana, ou seja, é possível compreender como
o educando aprende, representa e interpreta o mundo.
A relação triádica ícone-índice-objeto permite sua aplicação à natureza do objeto
matemático, sendo preciso distinguir entre representação, fato e objeto; embora os objetos da
Matemática não possam ser fornecidos empiricamente, eles podem ser explicados.

2.2 Complementaridade: definições17

O Dicionário de filosofia, de Abbagnano (2007, p. 156), define a palavra


complementaridade como uma expressão extraída da Geometria referente a dois ângulos
complementares cuja soma é igual a um ângulo reto. Ainda de acordo com Abbagnano,

―[...] Também denominam-se complementares dois conceitos opostos que se


corrigem reciprocamente e se interagem na descrição de um fenômeno. Assim, p.
ex., chamam-se complementares os conceitos de onda e de corpúsculo para a
descrição dos fenômenos ópticos na moderna mecânica quântica.‖ (Ibid.).

Contudo, o conceito que versa sobre a Complementaridade, abordada nesta tese,


possui uma subjetividade e complexidade profunda. Suas raízes filosóficas esgalham
nitidamente na epistemologia de Kant:

[...] Nosso conhecimento surge de duas fontes básicas da mente; a primeira recebe as
concepções (receptividade das impressões), e a segunda é a capacidade de
reconhecer um objeto por meio dessas concepções (espontaneidade dos conceitos); a
primeira nos dá um objeto, a segunda nos permite pesá-lo em relação àquela
concepção. Intuição e conceitos são assim os elementos de todo o nosso
conhecimento, de modo que nem conceitos sem as correspondentes intuições, nem
intuições sem conceitos podem produzir conhecimento [...]. Sem o sensorial,
nenhum objeto se daria para nós e, sem a razão, nenhum poderia ser pensado.
Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas (KANT,
2001, B 75).

A filosofia de Kant, de fato, decorre da confluência entre o racionalismo e o


empirismo, ou seja, um ponto médio, que propõe a existência dos objetos em dependência da
atividade cognitiva do sujeito. A afirmação expressa sobre a existência de duas fontes do

17
As secções 2.2 e 2.3 foram primeiramente publicadas em um artigo, como resultados parciais de nossa
pesquisa de doutorado, em Santana e Paula (2018). Contudo, nossa redação sofreu várias mudanças.
38

conhecimento por meio das quais os conceitos se formam, a saber, a razão (intuição pura) e a
sensibilidade (intuição empírica), exprimem as primeiras noções sobre a Complementaridade.
Kant percebeu conceitos e intuições não apenas como coisas distintas e em dualidade,
mas como em uma relação complementar entre intuições e conceitos que permitem ao sujeito
adquirir conhecimento. Neste sentido, o conhecimento humano não pode ser construir apenas
por meio das intuições tanto empírica como pura do mesmo modo que não pode ser completo
apenas por meio dos conceitos puros e empíricos.
Tanto as intuições quanto os conceitos são elementos, que participam do
conhecimento humano, envoltos em uma relação complementar, um precisa do outro, ou seja,
intuições e conceitos não podem ser totalmente separados no processo de aquisição do
conhecimento. Para Kant a aquisição do conhecimento ocorre por meio dessa relação e
dependência, que envolve também a subjetividade humana. Nesta configuração identificamos
a primeira expressão da Complementaridade com Kant.
A partir da década de 1970, diversos autores começaram a utilizar esse princípio
buscando capturar aspectos essenciais do desenvolvimento cognitivo e epistemológico dentre
os conceitos matemáticos e científicos. Citamos, conforme Otte (2003a, p. 203), ―Otte;
Steinbring (1977); Kuyk (1977), Otte; Keitel; Seeger (1980), Otte (1984; 1990; 1994),
Douady (1991), Sfard, (1991) e Jahnke (1992)‖.
Nesse período, na Alemanha, começava o discurso relativo à fundamentação da
Educação Matemática e sua natureza científica enquanto disciplina. Assim, o trabalho de
professor Michael Friedrich Otte e seu grupo de colaboradores buscava embasar essa nova
disciplina:
A vida e a carreira científica de Michael Otte se situam nesse campo das forças e
desenvolvimentos históricos. Este foi um período de fundamentação para a pesquisa
sistemática e de uma nova autoimagem da educação como disciplina. Também na
Alemanha havia começado a institucionalização de pesquisas básicas na educação
matemática junto aos departamentos universitários e faculdades. Naquele tempo, o
Movimento da ‗Matemática Moderna‘, que também tinha sido um verdadeiro
esforço internacional, nem bem tinha encalhado (run aground), e a Fundação
Volkswagen convidou para uma proposta de estabelecer um instituto de pesquisa
central na Alemanha para alcançar uma compreensão científica mais profunda do
desastroso fracasso da abordagem da Matemática Moderna nas escolas primárias da
Alemanha. A ideia subjacente era tão simples quanto atrativa: encontrar as razões e
reconstruir teoricamente, bem como poderia também providenciar uma plataforma
ou um fundamento para a nova ideia de como o ensino e a aprendizagem de
matemática deveria ser no futuro. As características originais do instituto incluíam
cinco cadeiras fornecidas com meios financeiros opulentos, em termos de poder
humano, assim como outras facilidades. Michael Otte seria indicado como uma das
três cadeiras de direção para o Institut für Didaktik der Mathematik da Universidade
de Bielefeld nos 25 anos seguintes ou mais (HOFFMANN; LENHAARD; SEEGER,
39

2005, p. 1, tradução de Clímaco18).

A princípio, o problema consistia na complexidade, na qual está imersa a busca por


uma fundamentação teórica específica para a Educação Matemática. Porque esta
fundamentação teórica infere na apresentação de uma autoimagem e autonomia da Educação
Matemática; no entanto, paradoxalmente, ela se completa apenas por meio de uma
organização no campo da interdisciplinaridade com as outras ciências.
E ainda outro dilema, neste contexto, versa sobre as contribuições à praxis do ensino e
aprendizagem em Matemática, no qual se manifesta a relação paradoxal entre teoria e prática,
uma vez que o acesso a estas formas práticas de conhecimento teórico ocorre via caminhos
expressos na comunicação intercambiada por um diálogo constante. Assim:

Na tentativa de identificar ideias fundamentais, princípios norteadores e problemas


essenciais da educação matemática, Michael Otte veio com uma não usual e
completamente nova figura do território da ciência e das relações que as disciplinas
têm umas com as outras e com a recentemente estabelecida disciplina Educação
Matemática. Ele insistiu que a Educação Matemática não pode sobreviver sem
relações vivas com Bezugsdisziplinen, como Sociologia, Educação, História,
Psicologia e assim por diante. Uma das ideias mais atrativas para fazer funcionar tais
coisas é a ideia de Complementaridade tal como ela pode ser vista no livro recente
de Renuka Vithal (VITHAL, 2003), que toma a ideia de Otte e elabora implicações
posteriores (HOFFMANN; LENHAARD; SEEGER, 2005, Ibid., p. 4, tradução de
Clímaco).

Nessa conjuntura, Otte foi um dos precursores da Complementaridade como


metodologia de trabalho na Educação Matemática. Seu livro Das Formale, das Soziale und
das Subjektive: eine einführung in die Philosophie und Didaktik der Mathematik (OTTE,
1993a), publicado em alemão e, no Brasil pela editora UNESP, intitulado O Formal, o Social
e o Subjetivo: uma introdução à filosofia e à didática da matemática (OTTE, 1993b), é um
marco, nessa área. Hoffmann, Lenhaard e Seeger (2005, p. 4) afirmam que a:

[...] Complementaridade, no trabalho de Otte Michael, parece como uma heurística


metodológica. [...] É importante ver que a complementaridade heurística não é
satisfeita ao eliminar contradições. [...] ao contrário, a posição da
complementaridade com frequência parece indicar que um grau suficiente de
precisão analítica deve ser realizado. Segue-se disso que uma compreensão sobre os
fundamentos que não é guiada pela ideia de eliminar contradições foi alcançada, mas
procurando uma síntese embarcando forças realmente contraditórias, entidades ou
conceitos (Tradução de Clímaco).

18
Esta tradução foi compartilhada conosco via e-mail e está no prelo. Agradeço ao Professor Dr. Humberto de
Assis Clímaco (UFG), por gentilmente compartilhar e permitir a publicação nessa tese de pequenos trechos das
suas traduções ainda no prelo.
40

No seu artigo ―Complementarity, Sets and Numbers‖ (OTTE, 2003a), a


Complementaridade foi reapresentada de maneira atualizada, introduzindo a Semiótica de
Peirce, visando à notoriedade do papel do signo e das representações em relação à
comunicação e à atividade matemática, em que para que um objeto exista, ele deve ser
representado. Assim, a Complementaridade atrela-se à Semiótica:

[...] surge porque os signos são ao mesmo tempo usados referencialmente e


atributivamente. O conhecimento é uma atividade, ao invés de uma imagem de um
espelho de algum mundo existente, e o que subjaz à frequente conversa sobre a
existência na Matemática é o fenômeno da objetividade matemática, ao invés de
objetos no sentido empírico concreto. Essa visão ―pragmática‖ da Matemática
poderia ser reformulada da seguinte maneira: um conceito matemático, como o
conceito de número ou função, não existe independentemente da totalidade de suas
possíveis representações, mas também não deve ser confundido com nenhuma
representação desse tipo (OTTE, 2003a, p. 206, tradução de Abido 19).

Dessa forma, juntamente com a Semiótica e a Filosofia, a Complementaridade tem-se


mostrado, enquanto metodologia científica e filosófica, muito eficaz para a interpretação de
fatos ou conceitos da Matemática, da História da Matemática ou da Filosofia da Matemática
ligados a aspectos da construção do conhecimento matemático, afirmando que, para
caracterizar conceitos ou ideias ligadas à Educação Matemática, faz-se necessário apresentar
características desses conceitos ou ideias que, embora aparentemente contraditórias, se
complementam. ―A abordagem semiótica é um caminho intrigantemente novo para lidar com
a Complementaridade, afastando as relações binárias contraditórias na multiplicidade da
tríade signo-objeto-interpretante.‖ (HOFFMANN, LENHAARD; SEEGER, 2005, p. 5-6,
tradução de Clímaco). A perspectiva semiótica seguramente oferece promissora oportunidade
para uma fundamentação interdisciplinar na relação entre atividade e signo na Educação
Matemática, caminho aberto para a visão e compreensão da unidade na diversidade e a
constância na variação das diversas disciplinas (HOFFMANN, LENHAARD; SEEGER,
2005, p. 5-6, tradução de CLÍMACO Ibid.).
Otte tem apresentado diversas complementaridades que foram tratadas em suas obras,
como: meio e objeto, sentido e referência, objeto e representação, descoberta e criação,
contínuo e discreto, álgebra e geometria, entre outros, são exemplos de conceitos presentes
tanto na Matemática quanto na Educação Matemática, os quais se amoldam na perspectiva da
Complementaridade.

19
Esta tradução foi compartilhada conosco via e-mail e está no prelo. Agradeço ao Professor Dr. Alexandre
Silva Abido (UFMT), por gentilmente compartilhar e permitir a publicação nesta tese de pequenos trechos das
suas traduções ainda no prelo.
41

Em relação à Complementaridade entre meio e objeto:

[...] trata-se efetivamente de uma verdadeira complementaridade, e não de uma mera


dualidade, porque nenhum dos dois elementos, meio e objeto, pode ser determinado
sem o outro, apesar de eles desempenharem, num determinado momento de certo ato
epistemológico individual, um papel complementarmente assimétrico. Pela
expressão ―meio do conhecimento‖ designamos qualquer coisa que produz uma
intermediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. De fato, aquilo que se
entende normalmente por meio, como meios linguísticos e as ferramentas e
instrumento experimental, só se tornam efetivamente um meio quando eles
produzem relações do sujeito para um objeto. Se isto não ocorre, pense-se por
exemplo numa língua que não se domina, então, o que ocorre é mais uma barreira ou
resistência. Um meio sem objeto constitui-se para o sujeito apenas num horizonte
limitado. Os meios do conhecimento são de fato para serem diferenciados dos
objetos do conhecimento, mas não para serem definidos sem o seu concurso (OTTE,
1993b, p. 224).

Então, existe uma relação paradigmática entre sujeito, objetos e meios do


conhecimento matemático, pela qual esses se conectam, mas também são opostos; e, nesta
relação, percebe-se a Complementaridade.
Outros pares complementares de interesse para a Educação Matemática estão
presentes na configuração entre o sentido e significado de uma representação semiótica,
significado e informação de uma mensagem, intuição e lógica, conceito e algoritmo, teoria e
prática, indivíduo e sociedade, entre outros. Ao pensar, por exemplo, sobre a
Complementaridade entre os objetos e os meios do conhecimento, temos que um objeto só
existe se podemos relacioná-lo a algum meio de conhecimento que já possuímos, caso
contrário, não podemos capturar sua existência como objeto do conhecimento (OTTE, 1993b
Ibid.).
De maneira análoga, um fato científico se caracteriza quando relacionado a uma
perspectiva teórica. Mesmo na prática da educação, não é suficiente ensinar a resolução de
problemas se antes o aluno não visualizar, entender e identificar o problema. Geralmente os
professores ensinam métodos e técnicas sem relacioná-los aos problemas e depois discutem
entre si a questão que versa sobre a falta de motivação dos estudantes.
Uma perspectiva baseada na Semiótica tem muito a contribuir com a e Educação
Matemática. Assim a Complementaridade engloba a Semiótica de Peirce, com raízes
profundas em Kant. Paula (2014, p. 115) afirma que:

[...] a base teórico-filosófica que conduz o pensamento de Michael F. Otte no


desenvolvimento de sua teoria sobre Complementaridade toma, como ponto de
partida, a teoria de Kant e se consolida com a Semiótica de Charles Sanders Peirce.
42

Especialmente em Matemática, sentimos a indispensabilidade de bons símbolos e


representações. Imagine calcular sem os números decimais (por exemplo, com números
romanos) ou resolver equações algébricas sem os símbolos habituais, a, b, x, y, z etc. Mesmo
os objetos desconhecidos podem ser simbolizados e, assim, tornam-se objetos da atividade
matemática. A título de exemplo, podemos afirmar: Se as vacas são castanhas e os cavalos
são castanhos significa que as vacas e os cavalos são castanhos! Agora, esta frase pode ser
traduzida na lei distributiva da Álgebra e da Aritmética, como xa + ya = (x + y). a, em que x,
y, a são variáveis e isto torna-se uma proposição universal.
Nós, seres simbólicos postos no mundo (SANTAELLA, 2007, p. 11), compreendemos
que todo pensamento ocorre por meio de sinais, signos e palavras, destarte, interpretar algo
significa representá-lo.

Signos e representações têm um papel essencial na Matemática. Pode-se até mesmo


dizer que a essência da Matemática consiste em trabalhar com representações:
matematizar significa representar problemas ou fatos por significados
representacionais matemáticos, calcular é transformar tais representações de acordo
com as regras de certo sistema de representação, provar é representar um teorema
como sendo implicado por outros teoremas dentro de um sistema consistente de
representação, e generalizar é reestruturar tais sistemas de representação para incluir
objetos ideais novos e designados simbolicamente (sem implicar nenhum
comprometimento ontológico) (HOFFMANN, LENHAARD; SEEGER, 2005, p. 5,
tradução de Clímaco).

Desse modo, a essência de algo é nada mais que a essência da representação dessa
coisa. Devemos sempre ter em mente uma distinção entre o signo e sua referência, sendo que
não é possível apresentar um referencial final, nem o significado exato de um signo.
Peirce (CP 8.361) foge da interpretação dualista e apoia-se na relação triádica:
―objeto-signo-interpretante‖ em que um signo ou representâmen é aquilo que, em
determinado aspecto ou modo, representa algo para alguém, dirige-se a alguém, isto é, cria, na
mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo
que foi assim criado, denomina-se interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma
coisa ‒ o seu objeto ‒, o representa não em todos os seus aspectos, mas com referência a um
tipo de ideia denominada fundamento do representâmen.
Assim as bases teóricas para Complementaridade se constroem, essencialmente, sobre
o alicerce filosófico e epistemológico de Kant e se fortalece com a perspectiva semiótica
fundamentada na tríade de Peirce.
43

2.3 Semiótica como aporte de análise20

Caracterizamos a semiótica peirceana como um método que envolve a interação entre


o sentido e a referência de um signo, no qual a relação triádica fundamental é o ―objeto-signo-
interpretante.‖ (PEIRCE, CP 8. 361). Não é como uma doutrina filosófica.
Conforme afirma a famosa frase de Alfred Korzybski (1995, p. 58), ―o mapa não é o
território”21, no entanto, o mapa fornece uma ideia do território. Por conseguinte, a semiosis
se estende em ambas as direções, tanto em direção ao objeto que não possui referência
definitiva, assim como para a interpretação, a julgar que também não há uma interpretação
definitivamente definida, pois esta é apenas uma tradução ou desenvolvimento do signo
original.
O termo ―metodologia‖ pode ser designado como quatro maneiras diferentes,
conforme o Dicionário de Filosofia, de Abbagnano (2007, p. 669):

Quadro 4 ‒ Metodologia, conforme Abbagnano


Metodologia como
1. Lógica ou parte da lógica que estuda os métodos Lógica
2. Lógica Transcendental Aplicada Kant
3. Conjunto de procedimentos metódicos de uma ou mais ciências Fazer como
4. Análise filosófica de tais procedimentos Metafísica
Fonte: Elaborado pela autora

Como Lógica ou parte da Lógica que estuda os métodos, no período pós-cartesiano, a


metodologia foi interpretada como sendo a Lógica, conforme a lógica de Port-Royal: ―[...] a
lógica é a arte de bem conduzir a própria razão no conhecimento das coisas, tanto para
instruir-se quanto para instruir aos outros.‖ (Ibid.). No mesmo sentido, Abbagnano (2007)
destaca Christian Wolff22 (1679‒1754), que definia a lógica como ―[...] a ciência de dirigir a
faculdade cognoscitiva no conhecimento da verdade.‖ (WOLFF apud ABBAGNANO, 2007,
p. 669). Entende-se, pois, a Lógica como a arte ou doutrina da razão, cujo objetivo seria
determinar os critérios e procedimentos para o entendimento humano de buscar a verdade.

20
Essa foi seção foi reescrita a partir dos resultados publicados no artigo em língua inglesa, veja (OTTE, et al,
2019).
21
―[...] Um Mapa não é o território que representa, mas, se estiver correto, tem uma estrutura semelhante à do
território que representa, o que explica a sua utilidade.‖ (KORZYBSKI, 1995, p. 58, tradução nossa).
22
―Christian Wolff nasceu em Breslau, em 24 de janeiro de 1679. Nomeado professor em Halle, em 1706, foi
destituído em 1723, pelo rei Frederico Guilherme I a pedido de seus colegas pietistas, Francke e Lange‖
(ABBAGNANO, 1963, p. 25).
44

Esse conceito de lógica pode ser encontrado também na definição de Stuart Mill,
como: ―[...] ciência das operações do intelecto que servem para a avaliação da prova.‖ (apud
ABBAGNANO, 2007, p. 669). Por outro lado, a metodologia também foi considerada como
sendo apenas uma parte da Lógica. O reformador Petrus Ramus classificava a Lógica em
quatro partes, sendo a doutrina do conceito, do juízo, do raciocínio e do método (Dialeclicae
institutiones, 1543). Essa divisão foi aceita pela Lógica de Port-Royal e tornou-se tradicional,
sendo constantemente adotada pela Lógica filosófica do séc. XIX. Sendo assim, a partir de
Wolff, a doutrina do método foi frequentemente chamada de Lógica prática (ABBAGNANO,
2007).
A metodologia fora considerada por Kant como a Lógica Transcendental Aplicada ou
Prática. Kant explica que:

Entendo assim por doutrina transcendental do método a determinação das condições


formais de um sistema completo da razão pura. Neste propósito, teremos que nos
ocupar de uma disciplina, de um cânone, de uma arquitetônica e, finalmente, de
uma história da razão pura e realizar de um ponto de vista transcendental aquilo
que, com o nome de lógica prática, relativamente ao uso do entendimento, era
tentado nas escolas, mas mal executado, pois não estando a lógica geral limitada a
nenhuma espécie particular do conhecimento intelectual (por exemplo, ao
conhecimento puro), nem tão-pouco a nenhum objeto particular, não pode, sem ir
buscar conhecimentos a outras ciências, fazer mais do que propor títulos para
métodos possíveis, e expressões técnicas de que nos servimos em relação ao que há
de sistemático em todas as ciências e que dão a conhecer antecipadamente ao
aprendiz nomes, cujo significado e utilização só mais tarde deverá conhecer (KANT,
2001, B 735-736, grifos nosso).

A terceira caracterização da metodologia apresentada por Abbagnano é descrita como


Conjunto de procedimentos metódicos de uma ou mais ciências23. E refere-se a um conjunto
de procedimentos técnicos de averiguação à disposição de uma determinada disciplina ou
grupo de disciplinas para realizar uma pesquisa. A função desta metodologia consiste em
mostrar o caminho para se chegar a um determinado fim, sendo assim interpretada como o
estudo do método, elaborada no interior de uma disciplina científica ou de um grupo de
disciplinas e não tem outro objetivo além de garantir às disciplinas em questão o uso cada vez
mais eficaz das técnicas de procedimento de que dispõem, estando metodicamente ordenada,
organizada e relacionada a um determinado domínio do saber. Nesse sentido, mencionamos, a
título de exemplo, a metodologia das Ciências Naturais e a metodologia historiográfica.
Por fim, expomos a quarta divisão, a Análise filosófica de tais procedimentos,
constituída como uma disciplina filosófica autônoma e destinada à análise das técnicas de

23
Conforme citamos na seção ―2.3.1 Delineando o caminho metodológico: como fazemos?‖
45

investigação empregadas em uma ou mais ciências, a qual está estreitamente conectada à


metodologia descrita de acordo com a terceira classificação, constante em Conjunto de
procedimentos metódicos de uma ou mais ciências.
Todavia, seus objetos não são as técnicas da pesquisa científica, que possuem métodos
com amplas e aproximativas classificações, descritas como análise, síntese, indução, dedução,
experimentação etc.
Suas técnicas referem-se a procedimento linguístico ou operacional, e são
consideradas em suas estruturas específicas, dentro das condições possíveis para sua
utilização. Compreendem quaisquer conceitos e instrumentos utilizados por uma ou mais
disciplinas na aquisição e verificação dos seus resultados.
Consequentemente, a análise filosófica de tais procedimentos é concebida como
sucessora da Metafísica tradicional, porque a ela cabem os problemas que concernem às
relações entre as ciências particulares e as zonas de interferência entre as ciências diferentes:

[...] Trata-se mais de organizar continuamente o universo conceitual do modo mais


simples e cômodo: que favoreça a comunicação contínua entre as ciências sem
atentar contra a indispensável autonomia de cada uma delas. Com este objetivo,
cumpre problematizar, em cada fase da pesquisa científica, as relações entre as
diversas disciplinas ou as diversas correntes de pesquisa, tanto em favor do
desenvolvimento das disciplinas particulares, quando em favor do uso que delas o
homem pode ou deve fazer, ou seja, via filosofia (ABBAGNANO, 2007, p. 667).

Outrossim, é entendida ainda como precedente da Gnosiologia, visto que substitui a


consideração do conhecimento, entendido como forma global da atividade humana ou do
espírito em geral, pela consideração dos procedimentos cognoscitivos utilizados por um ou
mais campos da investigação científica (ABBAGNANO, 2007, p. 669). Embora o trabalho
metodológico nessa direção tenha sido iniciado nas primeiras décadas do séc. XX, ainda
carece de determinação precisa quanto a sua tarefa e orientações.
Dentre as quatro definições apresentadas, a segunda referente à Lógica Transcendental
Aplicada é a que mais satisfatoriamente expressa a metodologia da abordagem semiótica
relativa à Complementaridade. Ainda conforme Abbagnano (2007) entende-se que a palavra
transcendental para Kant está atrelada à revolução copernicana, na qual todo o conhecimento
surge do sujeito e não do mundo, logo se tem uma teoria do sujeito epistemológico, que busca
caracterizar o sujeito. Por exemplo, na Lógica transcendental kantiana aborda-se também a
ideia do espaço.

O tempo e o espaço são portanto duas fontes de conhecimento das quais se podem
46

extrair a priori diversos conhecimentos sintéticos [...] Tomados conjuntamente são


formas puras de toda a intuição sensível, possibilitando assim proposições sintéticas
a priori. Mas [...] por serem simples condições da sensibilidade; é que eles dirigem-
se somente aos objetos enquanto são considerados como fenômenos, mas não
representam coisas em si (KANT, 200 1, B55-56).

Para Kant (2001), um problema importante foi averiguar que a Lógica não conduz o
homem a conhecimentos seguramente novos, ela servia apenas para analisar e qualificar o
conhecimento; sendo assim, indispõe de um valor epistemológico, podendo apenas analisar
sobre os fundamentos dos conhecimentos existentes.

Assim, o critério puramente lógico da verdade, ou seja, a concordância de um


conhecimento com as leis gerais e formais do entendimento e da razão, é uma
conditio sine qua non, por conseguinte a condição negativa de toda a verdade; mas a
lógica não pode ir mais longe, e quanto ao erro que incida, não sobre a forma, mas
sobre o conteúdo, não tem a lógica pedra de toque para o descobrir (KANT, 2001, B
84 - 85).

Ao passo que a Lógica Transcendental admite que todo conhecimento é uma


construção do sujeito, exatamente como assegura o foco da revolução copernicana, constitui-
se assim a lógica da própria atividade humana24.

Na presunção de que haja porventura conceitos que se possam referir a priori a


objetos, não como intuições puras ou sensíveis, mas apenas como atos do
pensamento puro, e que são, por conseguinte, conceitos, mas cuja origem não é
empírica nem estética, concebemos antecipadamente a idéia de uma ciência do
entendimento puro e do conhecimento de razão pela qual pensamos objetos
absolutamente a priori. Uma tal ciência, que determinaria a origem, o âmbito e o
valor objetivo desses conhecimentos, deveria chamar-se lógica transcendental,
porque trata das leis do entendimento e da razão, mas só na medida em que se refere
a objetos a priori e não, como a lógica vulgar, indistintamente aos conhecimentos de
razão, quer empíricos quer puros (KANT, 2001, A57 - B82).

Kant justificou que a Matemática conduz a novos conhecimentos, que são ao mesmo
tempo seguros, contudo sua afirmação está envolta em um paradoxo, por isso Kant elaborou a
expressão sintética a priori25 que é governada pela Lógica Transcendental e não pela Lógica
Formal, como consta no prefácio da segunda edição:

Pode reconhecer-se que a lógica, desde remotos tempos, seguiu a via segura, pelo
fato de, desde Aristóteles, não ter dado um passo atrás, a não ser que se leve à conta

24
Piaget partiu desta ideia da lógica transcendental para estabelecer a teoria da abstração reflexiva,
transformando-a em termos didáticos (OTTE, M. Limits of constructivism: Kant, Piaget and Peirce. Science &
Education, [S.l.], v. 7, n. 5, p. 425-450, 1998. Available in:
https://link.springer.com/article/10.1023/A:1008635517122. Last acess: 25 nov. 2019.).
25
Discutimos mais a fundo este termo na seção ―3.3 A crítica da Razão Pura e as duas fontes de conhecimento
matemático.‖.
47

de aperfeiçoamento a abolição da algumas subtilezas desnecessárias ou a


determinação mais nítida do seu conteúdo, coisa que mais diz respeito à elegância
que à certeza da ciência. Também é digno de nota que não tenha até hoje progredido,
parecendo, por conseguinte, acabada e perfeita, tanto quanto se nos pode afigurar
(KANT, 2001, B VIII).

Assim a lógica é segura, mas não faz progresso, logo não alcança novos
conhecimentos. Para Kant, Galileu chegou a novos conhecimentos pelo experimento:

Quando Galileu fez rolar no plano inclinado as esferas, com uma aceleração que ele
próprio escolhera, quando Torricelli fez suportar pelo ar um peso, que
antecipadamente sabia idêntico ao peso conhecido de uma coluna de água, ou
quando, mais recentemente, Stahl transformou metais em cal e esta, por sua vez, em
metal, tirando-lhes e restituindo-lhes algo, foi uma iluminação para todos os físicos
(KANT, 2001, B XII/XIII).

Então, a Lógica deve ser o raciocínio dessa atividade que fornece novos
conhecimentos e a essência dessa Lógica é a Matemática:

Compreenderam que a razão só entende aquilo que produz segundo os seus próprios
planos; que ela tem que tomar a dianteira com princípios, que determinam os seus
juízos segundo leis constantes e deve forçar a natureza a responder às suas
interrogações em vez de se deixar guiar por esta [...] (KANT, 2001, B XIII-BXIV).

O paradoxo que Descartes se deparou foi justamente: como podemos encontrar novos
conhecimentos? O intuicionismo de Descartes26 não conseguiu resolver esse problema; neste
sentido, Kant faz uma reviravolta, ao apontar como solução a necessidade em perceber o
conhecimento como fruto da construção e atividade do sujeito.
A metodologia no sentido de Kant, ou seja, a Lógica Transcendental Aplicada,
conforme Abbagnano (2007), diz respeito a uma Lógica epistemológica, referente à produção
de novos conhecimentos, neste viés, surge a metodologia da Semiótica, que se refere à teoria
de operações com símbolos.
Desta forma, o ponto chave da abordagem metodológica fundada na Semiótica é a
Lógica Transcendental, oriunda da epistemologia kantiana, cujo principal papel foi destacar o
caráter construtivo do conhecimento humano, no qual o aspecto essencial reluz na revolução
copernicana, não sendo esta apenas uma percepção de fatos, relações etc. Porque teorias são
também construções, bem como mapas de territórios na Geografia, uma lógica da atividade
construtiva. De igual natureza, Peirce, que foi discípulo de Kant, transformou a Lógica

26
Este assunto é discutido mais pontualmente na seção ―4.2.1 Regulae ad Directionem Ingenii (1628)‖.
48

Transcendental em termos de uma teoria dos signos, isto é, utilizando a interpretação


kantiana, percebeu a Lógica em termos da Semiótica como sendo parte daquela definindo-a
no viés de uma atividade semiótica.

2.3.1 Delineando o caminho metodológico: como fazemos?

De forma mais ampla, no Dicionário de Filosofia, Abbagnano (2007) classifica quatro


tipos de metodologia27, em particular podemos identificar dentre elas a metodologia a qual
buscamos apresentar, nesta seção, que se refere ao:

[...] conjunto de procedimentos técnicos de averiguação ou verificação à disposição


de determinada disciplina ou grupo de disciplinas. Nesse sentido fala-se, p. ex., de
‗M. das ciências naturais‘ ou de ‗M. historiográfica‘. Nesse aspecto, a M. é
elaborada no interior de uma disciplina científica ou de um grupo de disciplinas e
não tem outro objetivo além de garantir às disciplinas em questão o uso cada vez
mais eficaz das técnicas de procedimento de que dispõe (ABBAGNANO, 2007, p.
669).

Nesse sentido, entendemos que a metodologia se apresenta com a finalidade de


mostrar como o caminho da pesquisa será percorrido. Para tanto, faz-se necessário explicitar
os métodos e instrumentos que auxiliam o pesquisador durante este percurso. Assim, ―[...] a
especificação da metodologia da pesquisa é a que abrange maior número de itens, pois
responde, a um só tempo, às questões Como? Com quê? Onde? Quanto?‖ (LAKATOS;
MARCONI, 2003, p. 221).
A abordagem metodológica utilizada neste trabalho está apoiada na
Complementaridade, pela qual, para acontecer uma descrição completa de um fenômeno (ou
de um conceito), faz-se necessário considerar as características complementares inerentes a
esse fenômeno (ou a esse conceito).
Nesses termos, para redigir um projeto, não existe a preocupação em trilhar por uma
linha reta, por um único caminho estreito e bem ajustado ou modelado, escolhemos alguns
autores basilares para iniciarmos nossa jornada e, conforme nossas leituras, dificuldades,
prazeres, desejos, necessidades, limitações, compreensões teóricas e, assim por diante, vamos
definindo os próximos passos, sempre sabendo que as leituras podem ser retomadas a
qualquer tempo conforme nossas necessidades, ou talvez nem ao menos sejam citadas em
nosso trabalho. Percorremos um caminho de idas e voltas, mas que avança, em alguns

27
Veja em Abbagnano (2007), na seção ―2.4 Semiótica como Metodologia‖.
49

momentos mais lentamente, em outros a pesquisa deslancha, contudo neste movimento temos
sempre nosso objetivo, um alvo a ser alcançado e hipóteses iniciais estabelecidas. Como
destaca Paula (2014, p. 30):

Evidentemente, nossa itinerância não teve uma linearidade como a que se espelha na
organização expositiva nesta tese, mesmo porque a nossa aproximação com o nosso
objeto de pesquisa (a relação entre a Linguagem e a Matemática), como com os
pressupostos metodológicos e a metodologia empreendida, operou-se num
movimento dinâmico, no qual os encontros e desencontros davam o sentido da nossa
organização e (re)direcionamento. Assim, tanto objeto quanto a própria metodologia
ia se constituindo e construindo-se concomitantemente, o que entendemos
enquadrar-se perfeitamente na perspectiva da Complementaridade do pensamento
‗Otteano‘.

Ao apresentar o livro de Michael Otte O formal, o Social e o Subjetivo, Bicudo (Os


procedimentos desta pesquisa são leitura e análise de escritos apud OTTE, 1993b, p. 8-9)
afirma:

Ele pensa com ‗imagens‘, à maneira de uma aquarela. Como se tivesse diante de si
um espaço em branco e ali colocasse ‗borrões‘ de tinta, aparentemente ‗jogados‘, os
quais, trabalhados em forma e cor, compõem o quadro. O texto construído por ele
também é assim: suas ideias são lançadas em termos opostos e, então, o texto é
construído como uma estrutura entre essas ideias. [...] Antes, são ‗aquarelas‘ que
podem tocar o leitor, levando-o a construir seus próprios significados.

Por isso, o resultado da investigação não objetiva apontar caminhos particulares para
resolver todos os problemas, mas também não tem a intenção em ser um texto metateórico ou
sem fundamento, visto que ―[...] ideias sem conteúdos são vazias, intuições sem conceitos são
cegas.‖ (KANT, 1998, B 75 apud OTTE, 1993b, p. 221). Posto isto, pensamos em um
trabalho que gere conhecimento, que forneça ideias repletas de conceitos e intuições claras no
fazer pedagógico. Não objetivamos construir ferramentas pedagógicas nem elaborar
sequências didáticas. Todavia intencionamos fornecer materiais que levem à reflexão e à
ação, um investimento na própria formação intelectual do professor que deve ser um
Intelectual Exemplar (OTTE, 1993b, p. 133), contribuindo para a própria atividade
matemática no processo de ensino e aprendizagem.
Então, como Paula afirma, temos mais uma metodologia para as pesquisas em
Educação Matemática no Brasil.

Compreendemos e defendemos que uma pesquisa primando por uma abordagem


desta envergadura figure inovadora uma vez que amplia as ‗lentes‘ interpretativas
sobre como se processa especificamente o desenvolvimento do pensamento
50

matemático, oferecendo respostas a questões sobre os fundamentos do


Conhecimento Matemático que nem o nominalismo nem o platonismo como o
construtivismo têm conseguido responder. Para além dos aspectos que antecipamos,
entendemos que, do ponto de vista educativo, o Pensamento sobre
Complementaridade ‗Otteano‘ engloba e se manifesta como uma dimensão
metodológica que pode ser empreendida ao processo ensino-aprendizagem da
Matemática, ou seja, no tratamento didático ao Conhecimento Matemático para sala
de aula (PAULA, 2014, p. 983).

Portanto, nossa abordagem não busca qualificar ou quantificar dados, mas o


significado das representações e os símbolos que são construídos e reconstruídos durante as
leituras. É uma análise semiótica em que o objeto é visto como um signo, ou seja, leva em
consideração o contexto histórico e filosófico que norteou os escritores em seus textos.
Os procedimentos desta pesquisa são leitura e análise de escritos em uma perspectiva
semiótica (que não consiste explicitamente em compilação de dados ou mapeamentos), mas
que busca estudar as representações e significados tecidos em um texto, tanto na visão do
autor quanto do leitor ou tradutor dos signos. Esta tradução e leitura consideram a intuição,
contudo estão sempre fundamentadas teoricamente por outros textos e autores.
Conjecturamos que o próprio texto é um signo que ―[...] permite a interação entre o
meu ser de ontem e o meu hoje.‖ (OTTE, 2012, p. 84). Na realidade, um texto pode ser visto
como uma função comunicativa, apresentando assim uma interpretação subjetiva, mas
também é uma estrutura materializada e puramente objetiva; contudo, nestes dois opostos
deve existir a complementariedade (Ibid.). Um texto traz consigo vários significados, de tal
modo que nem mesmo o escritor pode ser capaz de limitar as potencialidades de seu texto,
como Hirsch (1967, p. 16), afirma:

Nem mesmo o autor pode reproduzir seu significado original porque nada pode
trazer a experiência de seu significado original. Mas como sugeri, a impossibilidade
de reproduzir a experiência não é igual a impossibilidade de reproduzir o significado
(Tradução nossa).

Salientamos que essa construção não é conduzida de modo estritamente linear, sendo
que algumas leituras já foram realizadas e outras ainda serão; contudo, essas serão sempre
retomadas e reanalisadas conforme vamos tecendo nossas hipóteses e teses secundárias. No
que tange à escrita do texto, ele segue de forma conjunta, de modo que não pretendemos, por
exemplo, finalizar o capítulo primeiro para então só trabalhar o próximo, pois os capítulos se
complementam e seguem juntos.
51

2.4. Obstáculos para uma abordagem semiótica

Presume-se que as razões da objeção à Semiótica na didática e na história da


Matemática sejam as mesmas, consistindo no fato de que professores de Matemática e
matemáticos acreditam saber o que seja realmente a Matemática, concebendo-a como uma
disciplina pronta e acabada. Contudo é preciso considerar que, como:

[...] a matemática lida essencialmente com os signos, a Semiótica tornou-se um tema


particularmente proeminente a ser explorado na Educação Matemática na última
década, [...] Pouca atenção tem sido dada, até agora, ao papel histórico da Semiótica
no desenvolvimento da Matemática ou à forma como esta dimensão histórica pode
ser utilizada no ensino da Matemática (SCHUBRING, 2011, p. 98-99, tradução
nossa).

Realmente a Semiótica e a Matemática têm como principal ponto incomum os signos.


Contudo um fato peculiar na abordagem semiótica é que ela assume o conhecimento humano
como incompleto, em que a forma e o conteúdo das teorias não podem ser definitivos. Os
sentidos das coisas são desenvolvidos nas relações sociais e não podem ser reduzidos
completamente ao simples uso de símbolos, embora não sejam separáveis deles.
Diferentemente, na Matemática, consideramos ter o matemático puro ou platonista que
assume o conhecimento matemático como completo e acabado, e por outro lado o
psicologismo dos professores que valorizam sobremaneira o aluno a ponto de
desconsiderarem a própria natureza da Matemática e ainda que a aquisição do conhecimento
deve se desenvolver em relações triádicas: ―objeto - signo – interpretante.‖ (PEIRCE, CP
8.361).
No diálogo Mênon, escrito por Platão (427‒347 a.C.), a pedido de Mênon, Sócrates faz
uma demonstração de sua tese, na qual afirma que não há ensino, mas sim rememoração. Para
tanto convida Sócrates, como locutor fictício, para participar da conversa ao responder
perguntas:

SO. Dize-me aí, menino: reconheces que uma superfície quadrada é desse tipo? –
ESC. Reconheço. –SO. A superfície quadrada então é uma superfície que tem iguais
todas estas linhas, que são quatro? –ESC. Perfeitamente. –SO. E também não é uma
superfície que tem iguais estas linhas aqui, que atravessam pelo meio? –ESC. Sim. –
SO. E não é verdade que pode haver uma superfície desse tipo tanto maior quanto
menor? –ESC. Perfeitamente. –SO. Se então este lado for de dois pés e este de dois,
de quantos pés será o todo? Examina da seguinte maneira. Se por este lado fosse de
dois e por este de um só pé, a superfície não seria de uma vez de dois pés? –ESC.
Sim. –SO. Mas, uma vez que por este também é de dois pés, a superfície não vem a
ser de duas vezes dois? –ESC. Vem a ser. –SO. Logo, ela vem a ser de duas vezes
dois pés. –ESC. Sim. –SO. Quanto é então duas vezes dois pés? Faz o cálculo e diz.
52

–ESC. Quatro, Sócrates. –SO. E não é verdade que pode haver outra superfície desse
tipo, que seja o dobro desta, que tenha todas as linhas iguais como as tem esta? –
ESC. Sim. –SO. De quantos pés então será? –ESC. Oito. –SO. Vê lá, tenta dizer-me
de que tamanho será cada linha dessa superfície. A linha desta superfície aqui é, com
efeito, de dois pés. E a linha daquela superfície que é o dobro? –ESC. Mas é
evidente, Sócrates, que será o dobro. –SO. Vês, Mênon, que eu não estou ensinando
isso absolutamente, e sim estou perguntando tudo? Neste momento, ele pensa que
sabe qual é a linha da qual se formará a superfície de oito pés. Ou não te parece que
ele pensa que sabe? –MEN. Sim, parece-me que sim (PLATÃO, 2001, p. 55, 82 c-
e).

Evidentemente um famoso diálogo, pleno de uma gama de muitas reflexões. Mas


queremos aqui destacar a impossibilidade em ensinar Matemática apenas a partir do aprendiz,
e ainda a interpretação da Matemática que possui verdades absolutas e imutáveis, as quais já
estão na alma do sujeito restando apenas a rememoração.
Nas próximas duas subsecções, procuramos explicar em que sentido pensamos sobre
esses dois principais obstáculos à abordagem semiótica na Educação Matemática, a saber, o
matemático platonista e o psicologismo dos professores.

2.4.1 Matemático platonista

No ensino de Matemática, é difícil responder algumas perguntas fundamentais que


inquietam até mesmo as crianças desde o ensino fundamental. Como por exemplo, “O que é o
x?‖. Não se pode perguntar, real e definitivamente sobre o que é o x, uma vez que todo
pensamento e comunicação ocorrem por meio de signos, não fornecendo a referência nem o
sentido definitivo de um signo.
Ainda que intuitivamente fosse possível saber o que é B ou X, tal informação não
poderia ser agregada ao nosso conhecimento, haja vista que, como diz Kant, ―Pensamentos
sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas.‖ (1998, A 51-B 75, tradução
nossa).
Qualquer prova geométrica ou algébrica baseia-se em alguma interdependência mútua
de texto e diagrama, os quais se mostram complementares. O diagrama fornece um contexto
que ajuda a estabelecer referências e a indicar os significados de certos termos. O texto,
operando com base em concepções, ou seja, em termos universais, aponta as possibilidades
para a generalização de uma determinada prova. O diagrama é muitas vezes percebido por
intermédio de suas características particulares, as quais são frequentemente ocasionais, ou
seja, o diagrama é comumente identificado como um objeto específico. Por exemplo, na
prova do Teorema 35, do Livro I, de Os Elementos de Euclides, que diz:
53

Os paralelogramos que estão sob a mesma base e nas mesmas paralelas são iguais
entre si. Sejam os paralelogramos ABCD e EBCF, sobre a mesma base BC e nas
mesmas paralelas AF, BC; digo que o ABCD é igual ao paralelogramo EBCF. Pois,
como o ABCD é um paralelogramo, a AD é igual à BC. Pelas mesmas coisas, então,
também a EF é igual à BC; desse modo, também a AD é igual à EF; e a DE é
comum; portanto, a AE toda é igual à DF toda. Mas também a AB é igual à DC;
então, as duas EA, AB são iguais às duas FD, DC, cada uma a cada uma; e o ângulo
sob FDC é igual ao sob EAB, o exterior, ao interior; portanto, a base EB é igual à
base FC, e o triângulo EAB será igual ao triângulo DFC; fique subtraído o DGE
comum; portanto, o trapézio ABGD restante é igual ao trapézio EGCF restante;
fique adicionado o triângulo GBC comum; portanto, o paralelogramo ABCD todo é
igual ao paralelogramo EBCF todo. Portanto, os paralelogramos que estão sobre a
mesma base e nas mesmas paralelas são iguais entre si; o que era preciso provar
(EUCLIDES, 2009, p. 124).

Figura 4 ‒ Diagrama do Teorema 35

Fonte: Euclides (2009, p. 124)

A Figura 4, que representa um diagrama, fornece as características particulares por


meio da intuição e da representação desse diagrama, sendo possível, intuitivamente,
conjeturar que esses paralelogramos são iguais entre si. Contudo, somente no texto se
verificam as possibilidades para a generalização. Entretanto, mesmo nessa prova, deparamos
com a dificuldade de interpretação designada à palavra igual e com o problema do significado
do conceito de igual. Um matemático pode demonstrar esse teorema, usando as mesmas
ferramentas de Euclides ou até mesmo decorar essa demonstração, mas um professor de
Matemática precisa ir além disso e explicar essas diferenças de significado.
Nesse sentido, a cristalização dos conceitos matemáticos limita a criatividade e
distancia a escola do mundo real, a qual deve estar aberta a possibilidades interpretativas,
movendo reflexões críticas para questões como ―O que é o x em uma equação?‖, uma vez que
os objetos matemáticos são abstratos e ainda considerando que todo conhecimento é
dinâmico, apesar de ser construído por meio de signos, implica que esse nunca fornecerá ao
final algo completo e definido.
Assim, evidenciamos como um grave obstáculo à abordagem semiótica o professor de
Matemática platonista e, de acordo com Boutroux (1920, p. 263-264),
54

Se como os gregos, julgamos que o interesse principal da especulação matemática


tem a beleza das propriedades numéricas ou geométricas consideradas, devemos
evidentemente requerer do professor que ele instrua seus alunos a uma abordagem
muito mais perfeita destas propriedades, incitaríamos, por exemplo, a fazer-lhes
conhecer as mais belas proposições da teoria dos números ou da teoria dos poliedros
regulares, sem se preocupar em saber se estas proposições têm ou não qualquer
utilidade prática e se elas fornecem, por outro lado, exposição suficiente da potência
dos métodos empregados pelos analistas. Se pensarmos ao contrário, que as teorias
matemáticas valem principalmente para a forma lógica sob as quais se apresentam,
então, sobretudo teríamos que familiarizar os principiantes com os métodos da
demonstração colocando-os perante os sistemas lógicos perfeitamente construídos e
rigorosamente entrelaçados. Em certa medida é possível conciliar este segundo
ponto de vista com o anterior. Isto é o que os gregos haviam buscado fazer em seus
tratados didáticos e Os Elementos de Euclides nos fornece a respeito disto um
admirável modelo de uma longa sequência de generalizações rigorosamente
examinada. Graças ao ensino euclidiano, o aluno pode em um mesmo momento se
habituar às exigências do pensamento e adquirir conhecimento dos fatos
geométricos mais notórios (Tradução nossa).

De fato, o caráter aparentemente estático e infalível do conhecimento matemático é


um dos grandes problemas para desenvolver a Educação Matemática. Tudo aparenta ser igual
a si mesmo, ou seja, A = A. Esse princípio de identidade é o cerne da Lógica ou das Ciências
Exatas e, obviamente, é guiado pela linha que segue contra qualquer preocupação histórica ou
evolutiva. A significa apenas A. Nenhum comentário, investigação histórica, consideração
psicológica ou filosófica podem adicionar qualquer coisa ao assunto. A Matemática parece tão
imutável e absoluta que, desde o início, a Sociologia e a história sociocultural do
conhecimento não foram incluídas entre as prováveis considerações (MANNHEIM, 1929).

Nesse contexto, é frequentemente considerado, que a Matemática não tem uma


história que valha a pena conhecer. O recente estado da arte na Matemática a
retomou e a reformulou, em termos definitivos, sobre quais tópicos devem ser
estudados na história da Matemática. Alguns matemáticos afirmam que quaisquer
considerações adicionais às idas e vindas à História da Matemática não são
relevantes à Educação Matemática. Se houver uma história sobre algum fato
matemático, ela será mais um passatempo, pois a opinião comum do que constitui as
principais tendências da matemática ao longo dos séculos é o padrão aceito por
todos, ou seja, a história da matemática é parcialmente um dogma constituído por
anedotas ou histórias biográficas (OTTE et al., 2019, p. 26-27, tradução nossa).

Certamente uma atitude dogmática, baseada em uma discussão casual e individualista,


exclui todas as visões intrínsecas da Matemática, como a realidade das coisas abstratas e
universais inibindo os registros para reflexões científicas. Tais pontos de vista são resultantes
do nominalismo filosófico e de uma superestimação da criatividade individual.
Olhando para a Matemática dessa maneira, percebe-se que ela é introduzida como um
conjunto de obras concluídas e teorias finalizadas que, às vezes, podem revelar sua beleza
secreta para um talentoso estudante, mas sendo algo que não pode ser ensinado, aprendido e
55

nem mesmo comentado. É apresentada como uma mera forma da realidade, ou uma realidade
sui generis, a qual não tem relação com as atividades ou emoções humanas. Tal visão não
permite, por exemplo, considerar problemas não resolvidos. Isso não é bom, porque os
grandes problemas e programas de sua investigação representam a maior parte da história real
da Matemática (OTTE, 2012, p. 123-124). Portanto:

O homem cria suas representações mecanicamente: aquilo que o homem faz,


acredita, conhece e pensa sofre interferência também das ideias (representações)
anteriormente elaboradas; ao mesmo tempo, as novas representações geram
transformações na produção de sua existência (ANDERY et al, 2014, p. 12).

O ser humano é um ser histórico, isso é fato! Todavia, a história pode ser lida de
muitas maneiras e são exatamente nas diferenças, nas idas e vindas, nas peculiaridades, nos
avanços e retrocessos que se caracteriza a incerteza e se descobre a atividade matemática. A
importância que se atribui aos acontecimentos históricos e a reflexão que se faz sobre eles é
que possibilita ao homem ser sujeito social, que depende da comunicação cultural, histórica e
social, e é justamente nesse novo contexto que a Educação Matemática ganhou seu espaço.
No Ensino de Matemática é comum termos professores convictos que a Matemática
está pronta e acabada, todos os conteúdos a serem trabalhados estão definidos provados e a
função do professor é repassar este belo e engenhoso conteúdo, sendo dispensada a atividade
criativa tanto do discente como do docente.
Por exemplo, não querendo aqui generalizar, muitos professores principalmente nas
licenciaturas têm este posicionamento, durante as aulas os teoremas são provados na lousa
com todo o rigor matemático. Não há uma preocupação com a aprendizagem, é suficiente que
discente decore as demonstrações e resoluções das listas de exercícios para obter boas notas e
ser por fim aprovado.
Entretanto o sucesso da Educação Matemática, em grande parte, não apenas depende
de revisões de conteúdo e metodologias excessivamente elaboradas, mas da dinamização da
própria Matemática ao interagir entre a prática e o conhecimento, ou seja, depende
fundamentalmente de o professor reconhecer que a Matemática é parte integrante do
conhecimento que se renova e se fortalece por meio das experiências vivenciadas por todos.

2.4.2 O psicologismo dos professores


56

Um segundo obstáculo à abordagem semiótica versa sobre o psicologismo dos


professores. Conforme Abbagnano (2007, p. 811), o termo psicologismo ―[...] tem origem no
séc. XIX; designa em primeiro lugar qualquer filosofia que assuma como fundamento os
dados da consciência, como reflexão do homem sobre si mesmo‖. Neste ínterim, o
psicologismo do professor, ao qual se refere este texto, está imerso na práxis que considera
sobremaneira o aluno, interessa-se unicamente sobre como o educando aprende, em qual
contexto, cultura e comunidade ele está inserido, de tal modo que todo conhecimento e
processo de ensino e aprendizagem se tornam um reducionismo, na medida em que buscam
explicar todos os elementos da experiência humana apenas a partir da dimensão psicológica
da experiência do educando. Neste sentido, Japiassu e Marcondes (2008, p. 230) concebem o
psicologismo como uma:

Concepção filosófica que atribui à psicologia um lugar central, colocando-a como


base de todas as ciências, já que estas se constituem através de processos cognitivos
que são em última análise explicáveis pela psicologia. [...]. Assim, a própria lógica,
ou a metafísica ou a experiência estética, poderiam ser reduzidas a formas do
pensamento humano, a modos de operar da mente.

Entretanto é preciso observar que a Matemática tem também seus próprios problemas,
especialmente no que concerne à natureza da Matemática e, por consequência, sobre seus
objetos matemáticos, bem como sobre a interação e relação entre estes. Neste âmbito, as
discussões e controvérsias são extremamente importantes, pois auxiliam o professor a
compreender os caminhos e problemas envoltos na própria Matemática. Por exemplo, em lado
extremo ao psicologismo, está o matemático, lógico e filósofo Friedrich Ludwig Gottlob
Frege (1848‒1925), o qual percebia uma concepção bem peculiar em relação ao psicologismo
na aprendizagem em Matemática, no parágrafo intitulado ―O número é algo subjetivo?‖,
referente à descrição subjetiva, em que o número é tido como uma criação do espírito
humano. Frege (1980, § 26) afirma que:

Uma tal descrição dos processos internos que precedem à formulação do juízo
numérico, ainda que correta, nunca poderá substituir uma determinação genuína de
conceito. Nunca se poderá recorrer a ela para a demonstração de uma proposição
aritmética; por meio dela não aprendemos nenhuma propriedade dos números. Pois
o número não é mais um objeto da psicologia, ou um resultado de processos
psíquicos [...].

De fato, de forma enfática, Frege assegura que a Matemática deve recusar qualquer
subsídio por parte da psicologia (Ibid., p. 203), pois a Aritmética não tem absolutamente
57

nenhuma relação com sensações e imagens mentais formadas a partir de vestígios deixados
por impressões sensíveis anteriores. Na lógica matemática, Frege (1980, p. 202) impôs:

Que não se tome a descrição da gênese de uma representação por uma definição,
nem a indicação das condições mentais e corporais para que uma proposição chegue
à consciência por uma demonstração, e que não se confunda o ser uma proposição
pensada com sua verdade. Devemo-nos lembrar que, pelo que parece, uma
proposição não deixa de ser verdadeira se paro de pensar nela, tanto quanto o Sol
não se aniquila se fecho os olhos.

Conforme Piaget (1969), Bertrand Arthur William Russell (1872‒1970) segue a


mesma linha de pensamento e, em sua obra Philosophie der Arithmetik: Pyschologische und
logische Untersuchungen (1891), usa como um recurso a Psicologia sob a forma de um apelo
a certo número de operações fundamentais do espírito. Mas, sob a influência de Frege, Russell
assumiu o antipsicologismo em Logische Untersuchimgen e, em 1913, escreve:

[...] se dissermos que um número é uma formação psíquica, incidiremos num


absurdo, chocar-nos-emos contra o sentido intrínseco do discurso aritmético, que
está acima de todas as teorias e em todos os momentos e claramente contemplável
em sua plena validade (RUSSEL apud ABBAGNANO, 2007, p. 812).

Piaget (1969, p. 240) faz uma comparação na área de Direito sobre estruturas morais e
lógicas, na qual alerta sobre os problemas intrínsecos ao psicologismo: ―[...] Quanto às teorias
autônomas do direito, encontra-se, como na moral, o perigo de um psicologismo ou de um
sociologismo que deixaria desvanecer os caracteres normativos [...].‖. Esse perigo também se
encontra no seio da Educação Matemática, na medida em que o psicologismo do professor
implica didaticamente em uma banalização da natureza da Matemática e de seus problemas
epistemológicos, ao se concentrar unicamente no aluno.
Em seu discurso no Congresso Internacional em Paris, em 1900, Hilbert (1990, p. 1)
enfatizou que toda atividade científica, em particular a atividade matemática, começa fazendo
perguntas e considerando, em especial, seus próprios problemas:

O profundo significado de certos problemas para o avanço da ciência Matemática


em geral e o importante papel que desempenham no trabalho particular do
investigador não devem ser rejeitados. Enquanto um ramo da ciência continua a
oferecer grande abundância de problemas, então esta ciência está viva. A falta de
problemas prefigura a extinção ou a interrupção do livre desenvolvimento. Assim
como todo empreendimento humano persegue certos objetos, a pesquisa matemática
também necessita ter seus próprios problemas. É por meio da solução dos problemas
que o investigador se encontra, descobre novos métodos e novas perspectivas, e
ganha um horizonte mais amplo e mais livre (Tradução nossa).
58

Nesse aspecto, a abordagem semiótica é realmente importante, pois ela admite que o
nosso conhecimento não ocorre de forma final, completa e definitiva.28. Portanto, é
fundamental olhar a Matemática a partir de uma perspectiva evolutiva ou histórica, do mesmo
modo como se aceita que o conhecimento científico é incompleto e desenvolve-se com a
humanidade. Questões sobre ―O que é um número?‖ ou ―Como justificar a igualdade de
equação A=B?‖ ajudam o professor a refletir sobre os objetos da Matemática e sua
importância no ensino.
Nesta linha de pensamento, ao voltar o olhar para o século XIX, momento em que
afloram com maior vigor as concepções de Lógica, como destaca Heijenoort (1967), em seu
artigo intitulado ―Logic as Calculus and Logic as Languag‖, há duas concepções distintas da
lógica que foram ligadas a outras duas diferentes na Matemática, ou seja, a Matemática como
axiomática formal e a Matemática fundamentada na aritmização. Assim, o advento da
Matemática pura, no início do século, foi caracterizado pela oposição entre duas formas
diferentes ou paradigmáticas, a axiomatização versus a aritmização. A concepção de aplicação
matemática de Frege pressupõe que deve existir um campo conceitual de aplicação, ao passo
que a abordagem axiomática permite explorar ainda mais o desconhecido, algo que é
fornecido como simples dado.
Considere uma equação, por exemplo, A = B, que difere da equação A = A, além do
idêntico que é indicado pelo sinal de igual, algo diferente também é sugerido ao usar os
diferentes símbolos A e B, tudo depende de onde se coloca a identidade e a diferença, de
modo que a referida equação pode ser vista de duas maneiras. Na primeira situação A e B são
aceitos como diferentes representações da mesma coisa, na segunda situação A e B são coisas
distintas, mas que apresentam uma relação entre si.
Na segunda perspectiva, é possível conceber A e B como distintos, ou seja, como
diferentes objetos e, então, ao final, concluir que a equação designa um aspecto igual ou uma
relação entre coisas aparentemente diferentes. As duas interpretações diferentes de A = B
representam, em poucas palavras, as diferenças entre os fundamentos versus as concepções
exploratórias de matematização.
Heijenoort (1967) apontou claramente as diferenças semânticas entre essas distintas
concepções de lógica, referindo-se a Frege e Schröder, como exemplos. Hintikka assumiu a
distinção de Heijenoort e desenvolveu-a em uma perspectiva filosófica mais ampla em seu
trabalho intitulado por Lingua Universalis vs. Calculus Ratiocinator, no qual ressalta que a

28
Ver sobre semiosis na seção ―2.1 Charles Sanders Peirce (1839‒1914) e a Semiosis‖.
59

diferença das visões lógicas do século XIX possui suas raízes em dois objetivos diferentes do
projeto de Leibniz:

Por um lado, Leibniz propôs desenvolver um universalis characteristica [...] cuja


estrutura simbólica que reflete diretamente a estrutura do mundo dos nossos
conceitos. Por outro lado, a ambição de Leibniz incluiu a criação de um calculus
ratiocinator que foi concebido por ele como um método de cálculo simbólico que
iria espelhar os processos de raciocínio humano (HINTIKKA, 1997, p. Ix).

Frege desenvolve uma teoria que versa sobre universalidade lógica. Assim, no sentido
de diferentes representações da mesma coisa, o exemplo clássico anuncia Hesperus como o
nome da Estrela da Noite, enquanto Lúcifer é o nome da Estrela da Manhã, mas acontece que
a Estrela da Noite e a Estrela da Manhã representam o mesmo objeto, ou seja, o planeta
Vênus (FREGE, 1892).
A identidade do objeto, no entanto, não torna correto chamar Vênus no período da
manhã de Estrela da Noite, porque se poderia alegar que não há relações linguísticas em jogo.
O que se diz, de fato, é que o corpo celestial mais brilhante diferente da lua que, às vezes, é
visto a preceder o sol nascente no leste é o mesmo que aquela estrela que, em outras vezes,
brilha no oeste depois do pôr do sol. Trata-se de um fato empírico. A afirmação de que a
Estrela da Noite é Estrela da Manhã não possui relação linguística em si (FREGE, 1892).
Entretanto, Heijenoort (1967) havia explicado o sistema de Frege como uma expressão
característica importante referente à universalidade da lógica:

[...] Nesse sistema, os quantificadores relacionados às variáveis individuais variam


entre todos os objetos. [...] Boole tem sua classe universal, e De Morgan denota o
seu universo de discurso por '1'. Mas estas opiniões dificilmente apresentam uma
importância ontológica. Podem ser alterados muitas vezes. O universo do discurso
compreende apenas o que concordamos em considerar num determinado momento,
num determinado contexto. Para Frege não pode ser uma questão o fato de mudar os
universos. [...] O universo de Frege consiste de tudo o que há e está fixo
(HEIJENOORT, 1967, p. 325).

Contudo, essa universalidade da lógica de Frege, ou seja, a pretensão de poder falar de


tudo ao mesmo tempo, cria uma perigosa contradição. Para compreender melhor essa visão,
considere como exemplo, o famoso Paradoxo do Mentiroso: Epimênides, o cretense diz que
todos os cretenses são mentirosos!
Então, ou não há cretense Epimênides em todos, ou seja, a proposição tem um sentido,
mas não faz referência ou, então, Epimênides deve ser proibido de falar sobre o seu próprio
discurso; neste caso, a função proposicional x diz que todos os cretenses são mentirosos não
60

se aplica à Epimênides (algo que é impossível na visão universal de Frege). Jerrold Katz,
referindo-se a este dilema, refutou a visão fregeana da lógica como uma linguagem universal:
―Não podemos dizer que as línguas naturais são, de alguma forma, universais ou ilimitadas
em termos de poder expressivo, do mesmo modo como não é possível afirmar que estas são
consistentes.‖ (KATZ, 2004, p. 93, tradução nossa).
O Paradoxo de Epimênides pode ser recusado ao se rejeitar a definição de Frege sobre
o sentido que está absolutamente ligado à referência e existência ou, de forma equivalente,
separando a linguagem da teoria. Conforme Frege, sentido ou significado não pode ser
separado da referência, para cada conceito ou função deve haver uma extensão que não pode
ser reduzida ou limitada. Frege, portanto, não aceita denotação pura e não pode interpretar
existência como um predicado, mas define-o como um predicado de segunda ordem.
Mcginn (2000, p.18) ilustra esta visão da existência como segue:

Quando você pensa que os tigres existem, você não pensa em determinados objetos
felinos e que cada um possui a propriedade da existência; em vez disso, você pensa,
sobre a propriedade de tigre, que possui instâncias. [...] O conceito de um objeto
existente simplesmente é o conceito de uma propriedade que possui instâncias
(Tradução nossa).

Para Frege (cf. OTTE; BARROS, 2015), de fato, cada função ou conceito tem uma
extensão a qual se refere, sendo assim, argumenta que, se queimarmos todas as árvore de uma
floresta, então queimaremos a própria floresta de tal forma que não existe um conjunto além
da coleção de seus elementos, ou seja, não há conceito sem uma extensão. Por conseguinte,
segundo Potter, os paradoxos da teoria dos conjuntos não tratam ―[...] sobre a inconsistência
de nossa noção intuitiva de conjunto, mas sobre uma fusão entre duas ou mais noções
incompatíveis.‖ (POTTER, 1990, p. 10, tradução nossa).
Frege identificou o sentido ou o significado à maneira como as referências são
fornecidas, com tal característica, os conceitos ou funções necessariamente se referem a um
objeto, consequentemente, ele argumenta em favor da extensionalidade e referência da
Matemática:

Para o matemático, não é mais correto e não é mais incorreto definir uma seção
cônica como a circunferência da interseção de um plano e a superfície de um cone
circular reto do que como uma curva plana cuja equação em relação às coordenadas
retangulares é de grau 2. Qual dessas duas definições ele escolhe, ou se ele escolhe
outra, é guiada unicamente por razões de conveniência, embora essas expressões não
tenham o mesmo sentido e nem evoquem as mesmas ideias (FREGE, 1960, p. 80,
tradução nossa).
61

À sombra de outra perspectiva, Paul Benacerraf29, em What Numbers could not be


(1985), desenvolveu um argumento filosófico contra a visão platonista, intitulado por
―Problema de Identificação‖. Nele, defende a existência de um problema fundamental ao
reduzir os números naturais a conjuntos puros porque, obviamente, não se pode responder à
pergunta ―O que realmente são os números?‖. Nem mesmo, se convencidos pelos modernos
matemáticos platônicos, como Frege, com a crença de que números são classes de conjuntos,
então, para Benacerraf (1983), pode-se dizer que os números são conceitos dados em termos
de estruturas axiomáticas, assim como outros conceitos matemáticos e as justificativas dessas
estruturas teóricas são fornecidas através de suas aplicações.
Insistir nas questões absolutas do tipo ―O que é?‖ significaria aceitar que, sendo A um
número, a equação A = B teria sentido para qualquer que seja B. Mas, será que B pode ser um
número? Então, de fato, para Frege, faz sentido perguntar sobre um nome ou descrição, a qual
objeto ele está se denominando. Disso decorre a queixa em seu argumento sobre a
impossibilidade em dizer, de acordo com sua definição de número, se ―[...] Júlio César era um
número.‖ (FREGE apud BENACERRAF, 1983, p. 286, tradução nossa).
Para Heijenoort (1967), o problema em Frege está em sua concepção da lógica como
linguagem universal. Compartilhando do mesmo pensamento, Benacerraf (1983, p. 286)
explica que:

[...] As declarações de identidade só fazem sentido em contextos onde existem


possíveis condições de individualização. Se uma expressão da forma ―X = Y‖ tem
sentido, só pode ser em contextos em que é claro que ambos, X e Y, são de um
mesmo tipo ou de uma mesma categoria (Tradução nossa).

Efetivamente, Frege observa a natureza da identidade na ―substituibilidade‖ e então a


―substituibilidade‖ é geralmente limitada a um determinado contexto, por exemplo, não posso
perguntar ―[...] se a Inglaterra é o mesmo que a direção do eixo da Terra.‖. (FREGE, 1980, §
66 § 66, tradução nossa).
A controvérsia acalorada versou, de fato, sobre conceitos ou suas extensões, na
Matemática de um lado estavam Dedekind e Peano que buscavam a base do conceito de
número axiomático por intermédio dos números ordinários, ao passo que Frege e Russell
lamentavam, por outro lado, os axiomas não definirem números de uma forma única, ou seja,
como sendo objetos, mas como conceitos. Russell (2006, p.191-192) declarou:

29
O trabalho de Benacerraf tornou-se de fato um catalisador significativo na motivação do desenvolvimento do
estruturalismo na filosofia da Matemática.
62

[...] figura ponto pelo qual possa ser traçada uma linha distinta, a separar a lógica à
esquerda e a matemática à direita. Se ainda existirem aqueles que não admitem a
identidade entre lógica e matemática, podemos desafiá-los a indicar em que ponto,
nas definições e deduções sucessivas de Principia Matemática, consideram que a
lógica termina e a matemática principia. Será então óbvio que qualquer resposta terá
de ser assaz arbitrária [...]. Costumava dizer-se que a matemática é a ciência da
«quantidade». «Quantidade» é uma palavra vaga, mas, para argumentar, podemos
substitui-la pela palavra «número». A afirmação de que a matemática é a ciência do
número seria inverídica de dois modos diferentes. Por um lado, há ramos
reconhecidos da matemática que nada têm a ver com o número — toda a geometria
que não usa coordenadas ou medição, por exemplo: a geometria projectiva e
descritiva, até ao ponto em que são introduzidas coordenadas, nada tem a ver com
número, ou mesmo com quantidade, no sentido de maior e menor.

Portanto, neste sentido, não se deve substituir quantidade por número para não perder
a universalidade da Matemática ou, pelo menos, sua aplicabilidade universal. Pode-se, então,
afirmar que o interesse da Matemática nada mais é do que estabelecer relações entre o igual e
o diferente, de modo que a aplicação do raciocínio matemático significa operar dedutivamente
sobre tais relações. Como afirmou Otto Stolz (reformulação de Grassmann), ―Quantidade
significa alguma coisa que deve ser definido como sendo igual ou diferente de alguma outra
coisa.‖ (STOLZ, 1885, p. 1, tradução nossa). A definição clássica da Matemática como a
ciência das quantidades significa exatamente isso.
De modo que dois conceitos A e B não são os próprios, mesmo que contingencial ou
necessariamente todos os A sejam B e vice-versa, porque conceitos díspares ajudam a
estabelecer diferentes tipos de relacionamentos e, assim, influenciam o desenvolvimento
cognitivo de maneiras bem diferentes. No que diz respeito ao crescimento cognitivo, bem
como aos fundamentos do conhecimento, é relevante ou mesmo essencial saber qual é a
definição escolhida, qual é a perspectiva tomada ou como um problema é representado.
Certamente, é importante como um matemático define algo.
Em contraste ao posicionamento de Frege, adotando a outra perspectiva para a
equação A=B, onde A e B possuem aspectos distintos, porém assumem uma relação entre
coisas aparentemente diferentes, pode-se usar existência como um predicado relativo ao
universo ao qual se destina o discurso. Por exemplo, ao relembrar a questão ―Será que o
número real x, que satisfaz a equação x2 = -1 existe?‖, se sim, será uma raiz no campo dos
números reais e deverá, portanto, ser igual a 1 ou a -1, mas isso produz 1 = -1, o que é uma
contradição! Neste contexto histórico, ocorreu que o matemático ampliou seu universo e
encontrou um novo sistema de números, os números complexos30.

30
Essa conexão entre a Matemática e a Lógica iniciou-se com Leibniz e com o advento da Álgebra entre os
63

A descoberta da relação entre eletricidade, magnetismo e luz que se verificou serem


aspectos diferentes da mesma coisa, conhecida hoje como campo eletromagnético, constitui-
se outro exemplo. Frenkel relata este contexto, com muita propriedade, procurando explicar
como eletricidade e magnetismo são ambos a mesma coisa com aspectos diferentes e,
inclusive, compara este contexto a uma receita de sopa russa31:

A chave é a dualidade, tanto na física como na matemática. Pode parecer estranho


procurar uma dualidade na física, mas, até certo ponto, esse é um conceito com que
todos nós já estamos familiarizados. Consideremos a eletricidade e o magnetismo.
Embora essas duas forças pareçam ser muito diferentes, são, na prática, descritas por
uma teoria matemática única, denominada eletromagnetismo. [...] Na realidade, a
palavra ‗receita‘ aponta para uma analogia útil. [...] os ingredientes do prato que
estamos preparando são os análogos das partículas, e mesma maneira pela qual os
misturamos é como a interação entre as partículas. [...] Como quantidades de
ingredientes que trocamos são iguais, o resultado será a mesma receita! Esse é o
significado da dualidade. [...] Na dualidade eletromagnética queremos que todas as
‗coisas elétricas‘ se tornem ‗coisas magnéticas‘, e vice-versa (FRENKEL, 2014, p.
219-233).

É relevante observar também que tais categorizações não são absolutas e estáticas ou
dualistas, elas podem igualmente depender da atividade, de seus objetivos e meios. Tome-se
como exemplo a teoria do valor econômico, a equação econômica de duas commodities, como
1 terno = 2 pares de sapatos, depende do contexto, porque o terno e os dois pares de sapatos
têm apenas seu valor de troca em comum e nada mais e, portanto, não podem ser equiparados
em outros contextos. Uma pessoa pode precisar de um terno, mas pode não querer novos
sapatos em troca, porque ela já possui sapatos. E a situação em que alguém está disposto a
trocar um terno por um par de sapatos, obviamente, depende de quão urgentemente ela precisa
desses sapatos e quanto os valoriza. No capítulo de abertura de Das Kapital, o sociólogo Karl
Marx (1818‒1883) reflete sobre tais questões:

Toda coisa útil, como ferro, papel etc., deve ser considerada sob um duplo ponto de
vista: o da qualidade e o da quantidade. Cada uma dessas coisas é um conjunto de
muitas propriedades e pode, por isso, ser útil sob diversos aspectos. Descobrir esses
diversos aspectos e, portanto, as múltiplas formas de uso das coisas é um ato
histórico. Assim como também é um ato histórico encontrar as medidas sociais para
a quantidade das coisas úteis. A diversidade das medidas das mercadorias resulta,
em parte, da natureza diversa dos objetos a serem medidos e, em parte, da
convenção. [...] O valor de troca aparece inicialmente como a relação quantitativa, a
proporção na qual valores de uso de um tipo são trocados por valores de uso de
outro tipo, uma relação que se altera constantemente no tempo e no espaço. [...]
Certa mercadoria, um quarto de trigo, por exemplo, é trocado por x de graxa de

séculos XVI e XVIII. O problema referente aos dos números imaginários foi muito importante nesse contexto.
Uma abordagem do contexto histórico está descrita na seção ―5.4 Dois exemplos ‖.
31
Cf. Frenkel (2014, p.231-233).
64

sapatos ou por y de seda ou z de ouro etc., em suma, por outras mercadorias nas mais
diversas proporções. O trigo tem, assim, múltiplos valores de troca em vez de um
único. Mas sendo x de graxa de sapatos, assim como y de seda e z de ouro, etc., o
valor de troca de um quarto de trigo, então x de graxa de sapatos, ou y de seda ou z
de ouro etc. têm de ser valores de troca permutáveis entre si ou valores de troca de
mesma grandeza (MARX, 1967, p. 35-36).

Similarmente, o número surge em todos os contextos de comparação, medição ou


contagem, representando a essência desses tipos de relacionamentos. Igualmente o eminente
físico Richard Philips Feynman (1918‒1988) compara as diferentes formulações da mecânica
clássica, dadas por Newton, Lagrange e Hamilton, e ilustra bem este ponto de vista ao
afirmar:

[...] Matematicamente cada uma das três formulações diferentes, a lei de Newton, o
método de campo local e o princípio mínimo, produzem exatamente as mesmas
consequências. Então, o que podemos fazer? Você lerá, em todos os livros, que nós
não podemos decidir cientificamente entre uma ou outra. [...] Mas psicologicamente
elas se diferem, de dois modos. Primeiro, filosoficamente, você gosta ou não gosta
delas [...]. Segundo, psicologicamente, elas são diferentes porque são
completamente incompatíveis, quando se busca supor novas leis. Uma vez que a
física é incompleta, e procura-se compreender outras leis, então as formulações de
diferentes possibilidades podem fornecer pistas sobre o que poderia acontecer em
outras circunstâncias (FEYNMAN, 1967, p. 53, tradução nossa).

David Joseph Bohm (1917‒1992), que atuou no campo da física quântica, apresenta
um argumento adicional nessa direção:

No século XIX, acreditava-se amplamente que a dinâmica newtoniana e a teoria da


dinâmica da onda de Hamilton-Jacobi eram essencialmente as mesmas. No entanto,
podemos agora ver que a diferença entre a dinâmica das ondas e a dinâmica das
partículas é potencialmente relevante, no sentido de que a primeira pode conduzir de
modo natural à teoria quântica, enquanto a última não pode (BOHM, 1977, p. 383,
tradução nossa).

Nestas perspectivas apresentadas, pode-se também conceber A e B como aspectos


distintos, ou seja, como diferentes objetos e então, ao final, concluir que a equação A=B
designa um aspecto igual ou uma relação entre estas coisas aparentemente diferentes.
Considere ainda o seguinte exemplo: a catenária e a parábola são quase
indistinguíveis, especialmente nas proximidades do vértice, e Galileu Galilei (1564‒1642)
acreditava que, de fato, eram iguais. Apenas cerca de cem anos depois, o físico holandês
Christiaan Huygens (1629‒1695) e Gottfried Wilhelm Leibniz (1646‒1716) descobriram que
a descrição da catenária é dada por uma função hiperbólica, enquanto a parábola, por uma
função de segundo grau (OTTE; BARROS, 2015).
65

Pode-se pensar que é muito relativa a escolha preferida, seja a geométrica ou a


algébrica, pois sobre a ótica da topologia, ambas as curvas são as mesmas, no entanto, em
uma interpretação física e prática, pode ser razoável assumir uma perspectiva dinâmica.
Analisando uma corrente pendurada, ou seja, a catenária em uma ponte suspensa, e supondo
que os cabos de suspensão formem uma parábola, percebe-se que a distribuição de forças nos
dois casos é muito diferente. Então, do ponto de vista dinâmico, a catenária e a parábola
devem ser consideradas como curvas diferentes.
Pode causar estranheza a um observador imparcial constatar tamanha obstinação com
a qual filósofos discutem a questão acerca da natureza dos objetos matemáticos, enquanto
professores de Matemática e pedagogos buscam evitar, em suas aulas, questões absolutas do
tipo ―O que é?‖, por exemplo, ―O que é um número?‖. Os axiomas de Peano não respondem a
essa questão. Dessa forma, os números podem ser interpretados como qualquer coisa, como
por exemplo: jogos de Hackenbusch e Números de Conway (FONSECA, 2010); Vetores
Geométricos (NASCIMENTO, 2013); Tabuleiro de Xadrez (WIELEWSKI, 1998); Programa
de Computador (SILVA, 2009) etc. Mesmo no contexto da teoria dos conjuntos, podem ser
fornecidas representações muito diferentes do sistema de números, como mostrou Paul
Benacerraf (1983).
Alguns autores concluem que ―[...] detectar ou interagir com objetos matemáticos não
parece constituir parte da prática matemática.‖ (CHIHARA, 2004, p.13, tradução nossa). Em
contrapartida, sabe-se que existe uma grande variedade de interpretações em relação aos
modelos da aritmética que contribuem para a compreensão do conceito de número e também
ajudam a evitar tanto o essencialismo32 estático quanto o nominalismo33 simples. Mesmo a
aritmética não descreve objetos matemáticos específicos, em vez disso, apenas faz a descrição
das relações estruturais.
A perspectiva de que todo pensamento ocorre em termos de signos, resulta que
interpretar algo significa representá-lo. A essência de algo não deve ser mais que a essência
de uma representação dessa coisa, e a essência de uma representação de uma coisa é apenas a
essência de uma segunda representação da representação dessa coisa etc. De fato, a tríade

32
―[...] corrente de pensamento introduzida e defendida por Aristóteles, segundo a qual a pesquisa científica deve
penetrar até a essência das coisas para poder explicá-las.‖ (POPPER apud ABBAGNANO, 2007, p. 363).
33
―[...] doutrina segundo a qual a linguagem das ciências contém apenas variáveis individuais, cujos valores são
objetos concretos, e não classes, propriedades e similares.‖ (ABBAGNANO, 2007, p. 715).
66

fundamental na Semiótica de Peirce é objeto-signo-interpretante34 (PEIRCE, CP 8.361,


tradução nossa).
Essa tríade indica um processo inerentemente dinâmico do signo, que não é controlado
por um agente humano independente e de acordo com seus desejos. Por exemplo, o processo
de comunicação não é constituído pelo encontro de atores independentes, que decidem dizer o
que vem à sua mente. Em vez disso, a comunicação é um sistema social, um sistema que não
interage diretamente com as mentes ou as consciências das pessoas e que não é
arbitrariamente construído pelos participantes. Os agentes humanos são subsistemas, ou
melhor, eles devem se constituir como esses subsistemas do sistema social de comunicação.
Para descrever essa situação, Peirce usa a frase ―O homem é um signo.‖ (PEIRCE, CP 5.314,
tradução nossa).
A abordagem semiótica não admite que os objetos do universo estejam fixados e
sejam imutáveis, pelo contrário, reconhece que a atividade humana pode trabalhar com
objetos ainda desconhecidos na sua essência, e a Matemática, bem como a prática científica,
decide quais são os tipos de objetos cujas existências devam ser assumidas. Obviamente, a
referência aos objetos é importante, mas eles não precisam ser dados e completamente
descritos com antecedência. Em outras palavras, o fato central para a Educação Matemática é
a independência parcial entre sentido e referência das representações simbólicas.
Na teoria fregeana, o sentido de um termo representa o modo de apresentação de um
objeto previamente descrito. Tal concepção é completamente inadequada para a dinâmica do
conhecimento matemático, como asseverado por Benacerraf (1983). A Complementaridade
entre sentido e referência, ou seja, a Complementaridade entre um conceito e a forma como
tal conceito é apresentado é essencial no que diz respeito à evolução de todo o conhecimento.
O significado dos símbolos é onipresente, mas a Semiótica não é reducionista, ela floresce
sobre as diferenças e essas são o motor das descobertas.
Para esse fim, deve-se ter a capacidade de fundir os dois polos do patrimônio
semiótico clássico, a tradição epistemologicamente focada, que enfatiza a importância do
signo indicativo e a tradição linguística fundamentada, que estuda o símbolo convencional.
Na Educação Matemática, faz-se necessário buscar mecanismos que transponham a
dualidade entre os conceitos e formas apresentados para que professores possam perceber e
compreender o que se tem denominado por Complementaridade e, assim, de fato, contribuir
para uma escola participativa, crítica e responsável por suas escolhas.

34
Ver ―Quadro 3 ‒ Tríade do signo com relação a seu objeto‖.
67

Na abordagem semiótica, o ensino e aprendizagem da Matemática ocorrem como


atividade mediadora, considerando tanto o educando, mas não tendencioso ao psicologismo
extremo, quanto a natureza da Matemática, não comungando com o platonismo radical,
entendendo seus objetos como signos em atividade semiótica e assumindo assim uma
perspectiva interdisciplinar.
Neste capítulo, desatacamos a relevância da Semiótica na perspectiva de Peirce a qual
apresenta uma multiplicidade na relação tríade signo - objeto - interpretante, em um processo
em semiosis, que por um lado admite a inexistência de uma representação final para os signos,
mas por outro assegura sua existência, mesmo que na intuição pura.
No que se refere à Educação Matemática, visualizamos a importância da Semiótica na
aquisição do conhecimento tanto na pesquisa como na aprendizagem, o conhecimento não é
final, a reposta para o que é um x na equação, pode assumir diferentes soluções ou não ter
solução, mas também se permite a existência do signo matemático mesmo que não possamos
acessá-lo por nossa experiência empírica e sensível. Afinal, a Matemática é também
considerada como uma ―arte do infinito‖. Até mesmo os números reais não podem ser
indicados individualmente. Nesse aspecto, a Complementaridade atrelada à Semiótica desvia-
se da visão dualista, a qual sempre exige um conhecimento antecipado das coisas que
buscamos representar.
68

3 AS PALAVRAS E AS COISAS

Neste capítulo, na seção Michel Foucault (1926 – 1984): a separação das palavras e
das coisas, focamos na descrição sobre a representação das coisas pelas palavras e as suas
consequências para a compreensão do movimento histórico da Semiótica, de acordo com
Foucault. O autor identifica três momentos, com duas importantes rupturas: uma no Barroco e
outra na Era Moderna.
O primeiro momento foi caracterizado pela semelhança entre as palavras e as coisas
que são vistos como imagem de um conhecimento, marcado por um mundo significativo.
Mas, na época do Barroco, denominada era da representação, ocorreu a primeira ruptura e o
processo de separação entre palavras e coisas. O diálogo de Platão Crátilo expressa a
discussão sobre o estabelecimento convencional ou natural para os significados das palavras e
coisas, e foi exatamente esse convencionalismo que começou a prevalecer no segundo
momento. No terceiro momento, a modernidade e o espírito histórico começaram a dominar o
conhecimento e, consequentemente, a interpretação humana tornou-se reflexiva e o sujeito se
transformou em objeto da ciência.
Na seção Ernst Cassirer (1874‒1945): a transformação do conceito de conceito,
abordamos acerca do relato histórico de Cassirer sobre a transformação do conceito de
substância ao de função na Filosofia da Matemática, algo que se tornou explícito na
Revolução Copernicana na Epistemologia de Kant, do qual Cassirer foi seguidor, renovador e
Neu-Kantianer (neokantiano), além de estudamos o primeiro capítulo do livro Substanzbegriff
und Funktionsbegriff (1910) que versa sobre A teoria da conceitualização.
Em A Crítica da Razão Pura e as duas fontes de conhecimento matemático, trazemos
um dos principais referenciais teóricos, Kant, além de autores como Peirce, Cassirer, Foucault
dentre outros, que o estudaram intensamente. A Crítica da Razão Pura de Kant se constitui
uma verdadeira Revolução Copernicana. Sua leitura não é uma tarefa fácil, por isso
escrevemos sobre alguns conceitos kantianos, os quais citamos ao logo da tese. Por meio de
quadros, diagramas e notas de rodapé, desejamos interpretá-lo de forma clara, sem perder sua
essência e a importância da sua mensagem.
Em termos gerais, objetivamos analisar o movimento histórico do signo nas ciências
com Foucault que enfatiza a Revolução Científica; e com Cassirer na Filosofia da Matemática
como um reflexo da Revolução Copernicana da Epistemologia de Kant.
69

3.1 Michel Foucault (1926‒1984): a separação das palavras e das coisas

No ano de 1926, em 15 de outubro na cidade de Poitiers, na França, nasceu Michel


Foucault, cuja família pertencia à classe média-alta. Estudou no Lycée Henri-IV e na Escola
Normal Superior de Paris; licenciado em Filosofia e graduado em Psicologia Patológica, foi
psicólogo em hospitais e em penitenciárias. Também foi professor universitário na Alemanha,
Estados Unidos, Suécia, Tunísia e França, entre outros países. Faleceu em Paris, no dia 25 de
junho de 1984. São muitas suas contribuições e exercem influência em várias áreas da ciência.
Publicou vários livros e apresentou diversas palestras, citamos aqui apenas alguns títulos de
suas obras: Doença Mental e Psicologia (1954), História da Loucura (1961), Doença Mental
e Psicologia (1962), O Nascimento da Clínica (1963), As Palavras e as Coisas (1966), A
Arqueologia do Saber (1969), Isto não é um Cachimbo (1973) e Vigiar e Punir (1975).

Figura 5 ‒ Michel Foucault (1926‒1984)

Fonte: Aljazeera – Encyclopedia 35

De fato, Foucault tem um vasto trabalho, não objetivamos nesta tese discorrer sobre
todos seus escritos, os quais abordam uma ampla diversidade de temas, principalmente,
relacionados aos problemas sociais, como o sistema penitenciário, a instituição escolar, a
psiquiatria, a psicanálise, a sexualidade etc. Contudo, neste escrito, desejamos dar ênfase ao
vislumbrar do autor referente ao que concerne à representação das coisas pelas palavras e às
suas consequências para a compreensão do movimento histórico da Semiótica.

35
ENCYCLOPEDIA alhazeera.net. Michelle Foucault. Disponível em:
https://www.aljazeera.net/File/GetImageCustom/15f89d0c-2e28-40da-a095-be2fdc0bfcb0/891/501. Acesso em:
10 out. 2019.
70

Michel Foucault publicou, em 1966, o livro Le Mots et les Choses: Une archéologie
des sciences humaines. Traduzido para o português, em 1981, apresenta como título As
palavras e as coisas: Uma arqueologia das ciências humanas36. Neste trabalho, o autor
descreve sobre a transformação do pensamento ocidental relacionada ao signo, caracterizando
o surgimento do conhecimento científico moderno como resultado de uma relativa
independência do sentido versus a referência.

Figura 6 ‒ Capa do livro Les mots et les choses, 1966

Fonte: Wikipédia - A enciclopédia Livre 37

Nesta tese, analisamos essa obra vislumbrando sua importância tanto histórica quanto
metodológica em uma configuração semiótica.

Essa relação com a Ordem é tão essencial para a idade clássica quanto foi para o
Renascimento a relação com a Interpretação. E assim como a interpretação do século
XVI, superpondo uma semiologia a uma hermenêutica, era essencialmente um

36
Neste texto, utilizamos a tradução da edição publicada em 2000.
37
WIKIPÉDIA. Disponível em:
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/5/5f/The_Order_of_Things_%28French_edition%29.jpg. Acesso
em out. de 2019.
71

conhecimento da similitude, assim a colocação em ordem por meio dos signos


constitui todos os saberes empíricos como saberes da identidade e da diferença
(2000, p.74, grifos do autor).

Foucault38 apresenta três momentos históricos, a saber: Renascimento, Idade Clássica


e Modernidade. Caracteriza o desenvolvimento da episteme moderna por meio de duas
rupturas fundamentais. Ele as descreve em seu prefácio:

Ora, esta investigação arqueológica mostrou duas grandes descontinuidades na


episteme da cultura ocidental: aquela que inaugura a idade clássica (por volta dos
meados do século XVII) e aquela que, no início do século XIX, marca o limiar de
nossa modernidade. A ordem, sobre cujo fundamento pensamos, não tem o mesmo
modo de ser que a dos clássicos. Por muito forte que seja a impressão que temos de
um movimento quase ininterrupto da ratio europeia desde o Renascimento até
nossos dias, [...] toda esta quase continuidade ao nível das ideias e dos temas não
passa, certamente, de um efeito de superfície; no nível arqueológico, vê-se que o
sistema das positividades mudou de maneira maciça na curva dos séculos XVIII e
XIX. Não que a razão tenha feito progressos; mas o modo de ser das coisas e da
ordem que, distribuindo-as, oferece-as ao saber, é que foi profundamente alterado
(FOUCAULT, 2000, p. xxii).

A primeira ruptura ocorreu, na denominada, por Foucault, Idade Clássica, no início do


século XVII, atrelada à Revolução Científica (séc. XVI até XVIII). A segunda, no início do
século XIX, que marca o início da Modernidade e está relacionada à Revolução Industrial
(séc. XVIII e XIX). ―[...] assim se constituiu na idade clássica um espaço de empiricidade que
não existira até o fim do Renascimento e que estava condenado a desaparecer desde o início
do século XIX.‖ (Ibid., p. 89, grifo nosso). No Quadro 5, procuramos apresentar de forma
mais sistemática as rupturas descritas por Foucault.

38
Michel Foucault tem um vasto trabalho, seus escritos abordam uma ampla diversidade de temas,
principalmente, relacionados aos problemas sociais como o sistema penitenciário, a instituição escolar, a
psiquiatria, a psicanálise e a sexualidade. Contudo, neste escrito, desejamos dar ênfase ao vislumbrar do autor
referente ao que concerne a representação das coisas pelas palavras e as suas consequências para a
compreensão do movimento histórico da Semiótica.
72

Quadro 5 ‒ Classificação de períodos históricos por Foucault

Século Revolução (Ápice) Classificação Foucault Movimento (Auge)

XVI Renascimento Renascimento39

XVII-XVIII Científica Idade Clássica Barroco40, Iluminismo 41

XIX Industrial Modernidade Novos Humanismos 42

Fonte: Elaborado pela autora

A ciência antiga foi alicerçada em uma Metafísica que concebia o mundo como um
vasto conjunto de substâncias com características essenciais. O diálogo de Platão, Crátilo, traz
uma discussão entre o significado das palavras e das coisas. Sócrates discute com Crátilo
sobre a busca dos significados das palavras, em saber se essas foram estabelecidas
convencional ou naturalmente. Assim debatem sobre o conhecimento e como o sujeito
conhece o objeto, se segue um fluxo contínuo de mudanças ou permanece fixo. Ao final,
Sócrates encerra concluindo que:

Nem mesmo razoável afirmar, Crátilo, a possibilidade do conhecimento se todas as


coisas se transformam e nada permanece fixo. Se isso mesmo, o conhecimento, não
se modifica nem se afasta do conhecimento, então o conhecimento permanecerá e
haverá conhecimento. Mas se a própria idéia do conhecimento se modificar, terá de
transformar-se numa idéia diferente do conhecimento, e então não haverá
conhecimento. Se sempre se transforma, nunca poderia haver conhecimento e, pela
mesma razão, não haveria alguém que conhecesse, como também não poderia haver
objeto do conhecimento. Mas se subsiste a pessoa que conhece e bem assim o objeto
do conhecimento, como também, o belo, o bem e todas as demais coisas, não me
parece que tudo a que há pouco nos referimos tenha qualquer semelhança com o
fluxo ou com o movimento. Se as coisas se passam, realmente, desse modo ou da
maneira defendida pelos sectários de Heráclito e muitos outros, não é fácil decidir,
nem se disporia nenhum homem de senso a entregar-se a si mesmo e a sua alma à
tutela das palavras, nem confiaria nelas e nos instituidores de nomes, a ponto de
asseverar que sabe alguma coisa e forma juízo desfavorável a respeito de si mesmo e
de tudo o mais, com afirmar que nada é são, mas que tudo rola como vaso de barro.
[...] É possível Crátilo, que tudo, realmente, seja assim; é possível também que não
[...] (PLATÃO, 1973, p. 193-194, 440 b-d).

39
―Designa-se com este termo o movimento literário, artístico e filosófico que começa no fim do séc. XIV e vai
até o fim do séc. XVI, difundindo-se da Itália para os outros países da Europa.‖ (ABBAGNANO, 2007, p.
852).
40
Entre o final do século XVI e meados do século XVIII.
41
―[...] o período que vai dos últimos decênios do séc. XVII aos últimos decênios do séc. XVIII: esse período
muitas vezes é designado simplesmente I ou século das luzes.‖ (Ibid., p. 535).
42
Expressão utilizada por Foucault para descrever que ―[...] a partir do século XIX, muda inteiramente [...] Daí
nasceram todas as quimeras dos novos humanismos, todas as facilidades de uma ―antropologia‖, entendida
como reflexão geral, meio positiva, meio filosófica, sobre o homem.‖ (FOUCAULT, 2000, p. 14, grifo nosso).
73

Ao passo que Aristóteles (384‒322 a.C.) foi, sobretudo, um biólogo em busca da


classificação e descrição das coisas, por isso, a Matemática não apresentava grande
importância na exploração da natureza. O enunciado fundamental da ciência aristotélica foi o
teorema da homogeneidade entre objeto e método a ―[...] homogeneidade da causa e do efeito,
pela qual os gêneros são causa dos gêneros, as coisas particulares das coisas particulares, o
escultor da estátua, as coisas atuais das coisas atuais, as coisas possíveis das coisas possíveis.‖
(ABBAGNANO, 2007, p.125).
O conhecimento e a teoria eram imagens determinadas diretamente pelo próprio
objeto. Em Euclides, por exemplo, os objetos são imagens das coisas, como triângulos,
círculos etc., ou seja, são na verdade uma teoria de figuras, sendo que entre a palavra e o
objeto não se verificava o símbolo mediador. ―[...] os signos, como se sabe, eram constituídos
por semelhanças que, por sua vez, para serem reconhecidas, necessitavam de signos.‖
(FOUCAULT, 2000, p. 180). E, ainda de acordo com Foucault (Ibid., p. 33),

Até o fim do século XVI, a semelhança desempenhou um papel construtor no saber


da cultura ocidental. Foi ela que, em grande parte, conduziu a exegese e a
interpretação dos textos: foi ela que organizou o jogo dos símbolos, permitiu o
conhecimento das coisas visíveis e invisíveis, guiou a arte de representá-las. O
mundo enrolava-se sobre si mesmo: a terra repetindo o céu, os rostos mirando-se nas
estrelas e a erva envolvendo nas suas hastes os segredos que serviam ao homem. A
pintura imitava o espaço. E a representação — fosse ela festa ou saber — se dava
como repetição: teatro da vida ou espelho do mundo, tal era o título de toda
linguagem, sua maneira de anunciar-se e de formular seu direito de falar.

Um bom exemplo que ajuda a entender este movimento do pensamento humano é com
o famoso médico Paracelsus ou Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus Von Hohenheim
(1493‒1541), cuja filosofia ―Simula similitibus curantor‖, que pode ser traduzida pela frase
―Semelhante cura-se pelo semelhante‖, pois para Paracelsus as formas das plantas indicavam
quais eram seus efeitos medicinais. Apoiado no exemplo de Paracelsus, Foucault (2000)
explica que os conhecimentos do século XVI se fundavam em uma mistura instável, por um
lado, o saber racional e, por outro, as noções derivadas da magia e da herança cultural. Assim:

[...] O mundo é coberto de signos que é preciso decifrar, e estes signos, que revelam
semelhanças e afinidades, não passam, eles próprios, de formas da similitude.
Conhecer será, pois, interpretar: ir da marca visível ao que se diz através dela e, sem
ela, permaneceria palavra muda, adormecida nas coisas (FOUCAULT, 2000, Ibid.,
p. 48).

Deste modo, para Foucault a adivinhação é algo que estava incorporado ao próprio
conhecimento. Para fundamentar esta sua tese, ele cita Paracelsus:
74

Nós, homens, descobrimos tudo o que está oculto nas montanhas por meio de sinais
e correspondências exteriores; e é assim que encontramos todas as propriedades das
ervas e tudo o que está nas pedras. Nada há nas profundezas dos mares, nada nas
alturas do firmamento que o homem não seja capaz de descobrir. Não há montanha
bastante vasta para ocultar ao olhar do homem o que nela existe; isso lhe é revelado
por sinais correspondentes (PARACELSUS, 1909, p. 21-3, apud Foucault, 2000, p.
48).

Assim, ao olhar as nozes, Paracelsus pensava, ―como parece com o cérebro‖, então
nozes é bom para o cérebro. A flor Common Foxglove, no Brasil conhecida, popularmente,
por dedaleira, dedal vermelho ou campainha, mas na Europa como Digitalis, possui pequenas
manchas violetas em formato de coração, então se deduzia que esta planta era excelente para
o coração; e, ainda em nossos dias, na farmácia, encontramos o remédio digitalis. Outra
planta, a Sansevieria trifasciata, tem folhas parecidas com uma espada, então se alguém se
cortava deveria usá-la. Deste modo, a imagem mostrava a natureza dos objetos.

Figura 7 ‒ Common Foxglove

Fonte: Rodrigues (2017)43

O famoso livro de romance, mais lido após a Bíblia, foi Dom Quixote de La Mancha,
publicado em 1615, exatamente na época dessa ruptura. Dom Quixote acreditava que os
moinhos de vento eram guerreiros gigantes, então atacou os moinhos (CERVANTES, 2005).
O protagonista vivia no mundo onde as coisas mostravam sua natureza. Para Foucault (2000),
a verdade em Dom Quixote não está na relação das palavras com o mundo, pois sua escrita e

43
RODRIGUES, Adail. Digitalis a planta do coração. Ideias em Blog, 2017. Disponível em:
https://ideiasblogsite.files.wordpress.com/2017/05/digitalis2.jpg. Acesso em: 9 set. 2019.
75

as coisas não apresentam semelhança, ocorrendo que a semelhança e o signo rompem sua
antiga aliança:

Dom Quixote é a primeira das obras modernas, pois que aí se vê a razão cruel das
identidades e das diferenças desdenhar infinitamente dos signos e das similitudes:
pois que aí a linguagem rompe seu velho parentesco com as coisas, para entrar nessa
soberania solitária donde só reaparecerá, em seu ser absoluto, tornada literatura; pois
que aí a semelhança entra numa idade que é, para ela, a da desrazão e da imaginação
(FOUCAULT, 2000, p.63-64).

Assim, o conhecimento antes da Revolução Científica do século XVII foi


completamente determinado pelo objeto. Pensar significava pensar no próprio objeto, isto é, o
pensamento era determinado por seu objeto. A natureza do pensamento científico estava na
própria compreensão do que existe. ―A lógica e a metodologia aristotélica, em seus princípios
gerais, é uma expressão verdadeira da Metafísica aristotélica.‖ (CASSIRER, 1953, p. 4,
tradução nossa) e os métodos de investigação sempre tiveram que ser congruentes com os
objetos investigados.
Ocorre, então, a primeira descontinuidade observada por Foucault, a Idade Clássica,
quando a noção de conhecimento como representação se torna fundamental, as palavras e os
símbolos deixaram de ser considerados como imagem direta dos objetos representados e
tornaram-se instrumentos de representação do objeto (FOUCAULT, 2000). Disso a ideia de
que era necessário que cada palavra, na menor de suas parcelas, fosse uma nomeação
meticulosa do conceito nomeado.
Então, as coisas se separaram das palavras e a interpretação comum das impressões
sensoriais tornou-se completamente inconfiável. Isso posto, o método matemático faz-se
atraente porque prometia confiabilidade. No início do século XVII:

[...] a escrita deixou de ser a prosa do mundo, semelhanças e sinais dissolveram sua
antiga aliança, similitudes tornaram-se enganosas. [...] No começo do século XVII,
nesse período que, com razão ou não, se chamou barroco, o pensamento deixa de se
mover no elemento da semelhança. Similitude não é mais a forma do conhecimento,
mas sim a ocasião do erro. [...] 'É um hábito frequente', diz Descartes, nas primeiras
linhas de sua Regulae, 'quando descobrimos várias semelhanças entre as coisas,
atribuir a ambas igualmente, mesmo em pontos em que são realmente diferentes,
aquilo que nós ter reconhecido a verdade de apenas um deles '. A era da semelhança
está chegando ao fim. […] E assim como a interpretação no século XVI […] era
essencialmente um conhecimento baseado em similitude, a ordenação das coisas por
meio de signos constitui todas as formas empíricas de conhecimento como
conhecimento baseado em identidade e diferença (FOUCAULT, 2000, p. 47 -57).
76

Essa transformação reconfigurou notavelmente a estrutura conceitual, pois desde


Aristóteles e até o período barroco, as coisas tinham essência. Ao tempo que na Idade
Clássica, as palavras tinham significados, os quais só poderiam ser descobertos pela
construção de novos signos e representações.

[...] Ou ainda porque, em sua essência própria, a representação é sempre


perpendicular a si mesma: é, ao mesmo tempo, indicação e aparecer, relação a um
objeto e manifestação de si. A partir da idade clássica, o signo é a representatividade
da representação enquanto ela é representável (FOUCAULT, 2000, p. 82).

O principal impacto da Revolução Científica do século XVII veio de uma mudança


nos hábitos de pensamento e, em particular, de uma campanha pela certeza individual. Foi o
problema central de Descartes e o propósito geral de seu Discurso do método. ―A única
atividade no mundo, que realmente interessa a Descartes, é o pensamento e a busca da
verdade. Se ele tivesse composto a oração do Pai Nosso, sem dúvida teria contido a invocação
‗e não nos conduza ao erro‘.‖ (GELLNER, 1992, p. 7, tradução nossa).
Quando se menciona a Revolução Científica, um dos nomes que vem à mente
certamente é o de Galileu Galilei (1564‒1642), porém algo peculiar que chama a atenção é o
fato de Foucault mencionar o nome de Galileu apenas duas vezes e nessas menções suas
realizações são consideradas irrelevantes. Em contrapartida, Étienne Bonnot de Condillac44
(1715‒1780) é citado vinte e oito vezes (Gráfico 2), certamente uma figura importante da
França iluminista. Condillac apresenta uma descrição empírica do conhecimento, que é na
verdade um reflexo da tradição de Locke, embora Condillac tenha tomado: ―[...] direções
distintas em função das diferenças entre as suas concepções acerca do desenvolvimento da
linguagem.‖ (CORRÊA, 2008, p. 36). Deste modo, Condillac inovou sua abordagem em
diversos assuntos, sendo um deles a sua concepção semiótica, afinal ele nasceu há quase um
século depois de Locke.
Nesse contexto social, o empirismo de Condillac assumiu uma virada completamente
nova em comparação aos empiristas britânicos. Sendo um anticartesiano, enxergava a
Matemática (Álgebra) como uma linguagem analítica e a considerava como essencial tanto
para o conhecimento quanto ao desenvolvimento mental. Enfatizava a natureza social dos
signos e da atividade semiótica: ―Antes da vida social, os signos naturais são propriamente
não signos.‖ (CONDILLAC, 2001, p. XII- XVII, tradução nossa). Para Foucault, a natureza

44
Uma excelente leitura sobre Condillac se encontra no Capítulo 2 – A Filosofia de Condillac: Linguagem e
Evolução em Corrêa (2008, p. 36- 81).
77

humana dos empiristas do século XVIII, como Condillac, desempenhou o papel de analisar as
formas da representação:

De fato, o que então se analisava eram as propriedades e as formas da representação


que permitiam o conhecimento em geral (é assim que Condillac definia as
operações necessárias e suficientes para que a representação se desdobrasse em
conhecimento: reminiscência, consciência de si, imaginação, memória)
(FOUCAULT, 2000, p. 334, grifo nosso).

Enquanto a Álgebra permaneceu como linguagem analítica (CONDILLAC, 1780)


durante todo o século XVIII, os biólogos como Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon
(1707‒1788) citado dezesseis vezes e Carlos Lineu (1707‒1778), cujo nome aparece vinte e
seis vezes em As palavras e as coisas, descreveram as coisas em termos de simetria, estrutura
e analogia. Para Foucault (2000, p. 149), Lineu ―[...] queria que a ordem da descrição, sua
repartição em parágrafos e até seus módulos tipográficos reproduzissem a figura da própria
planta‖. E, seguindo idêntica estrutura, Buffon desempenha o mesmo papel que Lineu: ―O
método de investigação se exercerá sobre a forma, sobre a grandeza, sobre as diferentes
partes, sobre seu número, sobre sua posição, sobre a substância mesma da coisa.‖ (BUFFON,
p. 22 apud FOUCAULT, 2000, p. 150). Buffon e Lineu estabelecem o mesmo crivo e olhar
sobre as coisas:

Assim se delineava, como em pontilhado, a grande rede do saber empírico: a das


ordens não-quantitativas. E talvez a unidade recuada, mas insistente de uma
Taxinomia universalis apareça com toda a clareza em Lineu, quando ele projeta
encontrar, em todos os domínios concretos da natureza ou da sociedade, as mesmas
distribuições e a mesma ordem. O limite do saber seria a transparência perfeita das
representações nos signos que as ordenam (FOUCAULT, 2000, p. 91).

Então, nesse sentido, Foucault estava correto, em citá-los por diversas vezes, pois
assim como esses biólogos muitos filósofos importantes do Iluminismo, como Condillac e
Diderot, apreciaram a Matemática apenas enquanto suas aplicações práticas diretas
permaneceram visíveis. Denis Diderot (1713‒1784) previu o fim da Matemática teórica no
ano de 1754 em sua obra Pensées sur l'interprétation de la nature, cuja tradução para o
português fora em 1989, em Da interpretação da natureza e outros escritos. Ele escreveu:

Estamos no alvorecer de uma grande revolução nas ciências. A julgar pela


inclinação que as mentes dos homens parecem ter pela ética, literatura, história
natural e física experimental, eu quase ousaria afirmar que nos próximos cem
anos dificilmente haverá três grandes geómetras na Europa. Esse ramo da
ciência simplesmente cessará no ponto em que Bernoulli, Euler, Maupertius,
Clairaut, Fontaine, d‘Alembert e Lagrange o deixaram. Eles terão colocado os
78

pilares de Hércules e ninguém passará além. Suas obras perdurarão nos séculos
vindouros, como as pirâmides do Egito, maciças e carregadas de hieróglifos, uma
imagem impressionante do poder e dos recursos dos homens que as criaram
(DIDEROT, 1989, p. 37, grifo nosso).

O sentimento geral, no final do século XVIII, foi que os meios tradicionais de


justificação e organização do conhecimento tornaram-se tão insuficientes como métodos
dados a ponto de mostraram-se incapazes de produzir novos resultados. E isso levou, de fato,
à revolução que produziu a ciência da Matemática pura e da Física teórica.

Gráfico 2 ‒ Lista de frequência de alguns sábios mencionados por Foucault

Condillac 28
Lineu 26
Descartes/cartesiano(a) 26
Nietzsche 22
Buffon 16
Marx/marxismo/maxista 12
Leibniz/leibneziano 8
Hegel 9
Diderot 6
Newton/newtoniano 6
Galileo/galeana 2
0 5 10 15 20 25 30
Fonte: Elaborado pela autora

Foucault, estando mais interessado nos novos campos empíricos da atividade científica
do que nas Ciências EXATAS, privilegiou Leibniz em relação a Descartes, como sendo o
espírito essencial da idade clássica:

Sob as palavras vazias, obscuramente mágicas de ―influência cartesiana‖ ou de


―modelo newtoniano‖, os historiadores das ideias têm o hábito de misturar essas três
coisas e de definir o racionalismo clássico pela tentação de tornar a natureza
mecânica e calculável. [...] Pois o fundamental, para a epistémê clássica, [...] uma
relação com a máthêsis que, até o fim do século XVIII, permanece constante e
inalterada. Essa relação apresenta dois caracteres essenciais. O primeiro é que as
relações entre os seres serão realmente pensadas sob a forma da ordem e da medida,
mas com este desequilíbrio fundamental de se poderem sempre reduzir os problemas
da medida aos da ordem. [...] Nesse sentido, a análise vai adquirir bem depressa
valor de método universal; e o projeto leibniziano de estabelecer uma matemática
das ordens qualitativas se acha no coração mesmo do pensamento clássico; é em
torno dele que gravita todo esse pensamento. Por outro lado, porém, essa relação
com a máthêsis como ciência geral da ordem não significa uma absorção do saber
79

nas matemáticas nem que nelas se fundamente todo o conhecimento possível; ao


contrário, em correlação com a busca de uma máthêsis, vê-se aparecer certo número
de domínios empíricos que até então não tinham sido nem formados nem definidos
(FOUCAULT, 2000, p. 71-72).

Isaac Newton (1643-1727), considerado o maior cientista, neste período, foi


mencionado apenas seis vezes, mas no sentido de crítica ao modelo newtoniano, o qual
conforme Foucault não provocou nenhuma alteração na história do pensamento, pois ―[...] O
interesse que a idade clássica confere à ciência [...], Newton lido por Voltaire, [...] não é
mais que um fenômeno sociológico [...] não modificou por pouco que fosse o devir do saber.‖
(FOUCAULT, 2000, p. 104, grifo nosso).
Descartes é citado vinte e seis vezes. O cogito de Descartes é visto como uma tarefa
para trazer ―[...] à luz o pensamento como a forma mais geral de todos esses pensamentos que
são o erro ou a ilusão, de maneira a conjurar-lhes o perigo, com o risco de reencontrá-los no
final de sua tentativa, de explicá-los e de propor então o método para evitá-los.‖
(FOUCAULT, 2000, p. 340). Foucault ressalta que a influência cartesiana sobre o
pensamento clássico contribui com a exclusão da semelhança fundamentada na experiência e
―Doravante as belas figuras rigorosas e constringentes da similitude serão esquecidas. E se
tomarão os signos que as marcavam por devaneios e encantos de um saber que ainda não se
tornara razoável.‖ (Ibid., p. 66).
No final da Idade Clássica, ocorre a segunda ruptura indicada por Foucault iniciando a
Modernidade com seu foco no sujeito humano. O que o novo campo do saber revela é o
homem e sua historicidade.

Assim, a análise pôde mostrar a coerência que existiu, durante toda a idade clássica,
entre a teoria da representação e as da linguagem, das ordens naturais, da riqueza e
do valor. [...] que, a partir do século XIX, muda inteiramente; a teoria da
representação desaparece como fundamento geral de todas as ordens possíveis; a
linguagem, por sua vez, como quadro espontâneo e quadriculado primeiro das
coisas, como suplemento indispensável entre a representação e os seres, desvanece-
se; [...] Na medida, porém, em que as coisas giram sobre si mesmas, reclamando
para seu devir não mais que o princípio de sua inteligibilidade e abandonando o
espaço da representação, o homem, por seu turno, entra, e pela primeira vez, no
campo do saber ocidental. [...] Daí nasceram todas as quimeras dos novos
humanismos, todas as facilidades de uma ―antropologia‖, entendida como reflexão
geral, meio positiva, meio filosófica, sobre o homem (FOUCAULT, 2000, p. 14).

Para Foucault, a segunda ruptura é também fato de uma emergência histórica, por
ocasião de um problema, isto é, de um obstáculo de tal modo que foram necessárias novas
normas impostas pela sociedade industrial aos indivíduos para que ―[...] pela primeira vez,
80

desde que existem seres humanos e que vivem em sociedade, o homem, isolado ou em grupo,
se tenha tornado objeto de ciência [...].‖ (Ibid., p. 369).
De acordo com Foucault (2000), essa quebra é marcada pelas crescentes ideologias
que brotaram dos movimentos filosóficos e tornaram-se, essencialmente, as ideologias mais
importantes criadas na história moderna. Delas desenvolveram-se quase todos os movimentos
políticos, sociais, econômicos, industriais e culturais que existem.

Certamente, não resta dúvida de que a emergência histórica de cada uma das
ciências humanas tenha ocorrido por ocasião de um problema, de uma exigência, de
um obstáculo de ordem teórica ou prática; por certo foram necessárias novas normas
impostas pela sociedade industrial aos indivíduos para que, lentamente, no decurso
do século XIX, a psicologia se constituísse como ciência; também foram
necessárias, sem dúvida, as ameaças que, desde a Revolução, pesaram sobre os
equilíbrios sociais e sobre aquele mesmo que instaurara a burguesia, para que
aparecesse uma reflexão de tipo sociológico. [...] abandonando o espaço da
representação, os seres vivos alojaram-se na profundeza específica da vida, as
riquezas no surto progressivo das formas da produção, as palavras no devir das
linguagens. Nessas condições, era necessário que o conhecimento do homem
surgisse, com seu escopo científico, como contemporâneo e do mesmo veio que a
biologia, a economia e a filologia, de tal sorte que nele se viu, muito naturalmente,
um dos mais decisivos progressos realizados, na história da cultura europeia, pela
racionalidade empírica (FOUCAULT, 2000, p. 362, grifo nosso).

O matemático e cientista Norbert Wiener (1894‒1964) elucida essas transformações


de uma visão funcional para o estruturalismo teórico, ao caracterizar o novo individualismo
intelectual dizendo que:

[...] aquele que se concentra em seus próprios estados mentais se concentrará,


quando se tornar um matemático, na prova dos teoremas matemáticos, e não nos
próprios teoremas, e será compelido a se opor a provas inadequadas de teoremas
adequados. […] Para nós, hoje em dia, o principal tema dos matemáticos do período
romântico pode parecer pouco romântico e repulsivo. A nova Matemática se dedica
ao rigor, [...] O que a nova geração da matemática descobriu foi o matemático; assim
como o que os românticos descobriram na poesia foi o poeta e o que descobriram na
música foi o músico (WIENER, 1951, p. 92-96, tradução nossa).

A descrição de Wiener é um pouco tendenciosa, porque ele não menciona a simetria


nas relações entre o homem e o símbolo, talvez por isso Foucault não o cita. De fato, se
isolarmos o trabalho, não há nenhum sujeito humano. Foucault adverte sobre o grande perigo
do individualismo e dos planos rigorosos, os quais define como antropologização:

[...] que se torna ameaçador desde que, por exemplo, não se reflita corretamente
sobre as relações entre o pensamento e a formalização, ou desde que não se analisem
convenientemente os modos de ser da vida, do trabalho e da linguagem. A
‗antropologização‘ é, em nossos dias, o grande perigo interior do saber. Facilmente
81

se acredita que o homem liberou-se de si mesmo, desde que descobriu que não
estava nem no centro da criação, nem no núcleo do espaço, nem mesmo talvez no
cume e no fim derradeiro da vida; mas, se o homem não é mais soberano no reino do
mundo, se já não reina no âmago do ser, as ‗ciências humanas‘ são perigosos
intermediários no espaço do saber (FOUCAULT, 2000, p. 365).

O filósofo Friedrich Nietzsche tem influência e a presença marcante em As palavras e


as coisas, foi citado vinte e duas vezes; Foucault (2000, p. 358) afirma que ―Nietzsche [...]
marca o limiar a partir do qual a filosofia contemporânea pode recomeçar a pensar [...]‖.
Ainda de acordo com Foucault, Nietzsche tem um papel importante nessa segunda ruptura por
ser o a primeiro a aproximar a tarefa filosófica à reflexão radical sobre a linguagem.

E eis que agora, nesse espaço filosófico-filológico que Nietzsche abriu para nós, a
linguagem surge numa multiplicidade enigmática que precisaria ser dominada.
Aparecem então, como tantos projetos [...], os temas de uma formalização universal
de todo discurso, ou os de uma exegese integral do mundo que seria ao mesmo
tempo sua perfeita desmistificação, ou os de uma teoria geral dos signos. [...]
(FOUCAULT, 2000, p. 321).

Em seu The Birth of Tragedy (1872), Nietzsche escreve ―Aqui temos nossa idade atual
[...] empenhados no extermínio do mito. O homem hoje, despojado do mito, permanece
faminto entre todos os seus passados e precisa cavar freneticamente por raízes […].‖ (1967, p.
136). Citação que caracteriza bem essa ruptura na qual a adivinhação, o mitológico e litúrgico
deixam de estar incorporados ao próprio conhecimento.
E muitos pensadores procuraram por metáforas que revelassem o significado humano
das coisas, no período da segunda ruptura. Por exemplo, os escritos de Victoria Lady Welby
estão inseridos nesse contexto, pois ela reconheceu a importância das metáforas como acesso
ao conhecimento, mas alertou sobre a responsabilidade em usá-las adequadamente, livres de
crenças, preconceitos, superstições ou falta de sentido ou significado, para não ter o efeito
reverso. Welby (1911, p. 2-3) também estava entre os que lamentavam o empirismo da
ciência baconiana e do Iluminismo:

O avanço fresco que agora parece iminente, uma vez que é extremamente
necessário, não deve ser mera continuação da busca baconiana, o acúmulo de dados
para uma série de inferências sobre as propriedades do sistema material como
usualmente entendido, mas sim a interpretação, a tradução, finalmente, em termos
válidos de vida e pensamento, do conhecimento já tão abundantemente obtido.
Enquanto o homem falha em fazer essa tradução - para moralizar e humanizar seu
conhecimento do cosmos, e assim unificar e relacioná-lo a si mesmo - seu
pensamento está em atraso, e mentalmente ele fica aquém de sua experiência
promulgada. O fato de nós, nesta época, ficarmos para trás […] e de que até agora
não conseguimos alcançar um grande e geral ato de tradução, é uma perda
principalmente devido à nossa negligência unânime em compreender Expressão, sua
82

natureza, condições, extensão de forma e função, potências não realizadas e valor


total de valor (Tradução nossa).

O interesse pelo sujeito humano, que Foucault identificou como uma característica
da Modernidade, não provocou mais do que algumas projeções. Ele ressalta:

É na superfície de projeção da biologia que o homem aparece como um ser que tem
funções [...] Na superfície de projeção da economia, o homem aparece enquanto tem
necessidades e desejos, enquanto busca satisfazê-los, enquanto, pois, tem interesses,
visa a lucros, opõe-se a outros homens; [...] na superfície de projeção da linguagem,
as condutas do homem aparecem como querendo dizer alguma coisa; seus menores
gestos, até em seus mecanismos involuntários e até em seus malogros, têm um
sentido (FOUCAULT, 2000, p. 382).

Assim se expressa em termos de um paradoxo a Complementaridade entre nossos


pensamentos e representações ou entre o sentido e referência. Uma das funções que a ciência
desempenha permanentemente na cultura humana consiste em unificar habilidades práticas e
crenças cosmológicas, a episteme e a techne. O que apresenta ser de interesse específico são
as interações e dependências historicamente variáveis entre esses dois papéis da ciência. Em
As palavras e as coisas, Michel Foucault caracteriza o desenvolvimento da episteme moderna
por duas grandes descontinuidades: a primeira inaugura a chamada Revolução Científica e a
segunda, no início do século XIX, marca o início da Revolução Industrial e da Era Moderna.
No livro, nosso olhar está na separação entre palavras e coisas, ou poderia ser entre
sentido e referência. Nossa leitura não foi conduzida sobre o descortinar da história da ciência
ou do conhecimento, mas especialmente sobre como Foucault interpreta as regras para a
formação e representação do conhecimento. Em razão disso, entendemos o porquê de
Condillac aparecer como mais importante que Galileu e Descartes e, do mesmo modo,
Nietzsche mais do que, por exemplo, Hegel.
Como todo pensamento ocorre em termos de signos e todo conhecimento deve ser
representado, faz-se necessário adotar uma perspectiva semiótica. E essa abordagem é
justificada por Foucault ao descrever a porta para a era clássica caracterizada por uma
transformação do signo como um meio de conhecimento para um elemento de representação.

3.2 Ernst Cassirer (1874‒1945): a transformação do conceito de conceito

O conhecimento clássico antes da Revolução Científica do século XVII foi


completamente determinado por seu objetivo, assim o que dominou o conhecimento até o
83

Renascimento foi o objeto, do Barroco até a Modernidade o sujeito, ou sua construção do


conhecimento, conforme a Revolução Copernicana da epistemologia de Kant, que percebeu
exatamente essa ruptura. O neokantiano Cassirer procurou verificar essa transformação no
curso da história.

Figura 8 ‒ Ernst Cassirer (1874‒1945)

Fonte: FILOSÓFICA Biblioteca45

Ernst Cassirer (Breslau, 1874‒Nova Iorque, 1945) estudou nas universidades de


Berlim e de Marburg. Trabalhou na Universidade de Hamburg, Universidade de Oxford,
Universidade de Yale. Considerado um dos mais importantes representantes da tradição
neokantiana de Hamburgo.

Desde o início, o centro de interesse de Cassirer fica nitidamente dividido entre o


conjunto das Ciências Matemática, Naturais e Humanas e o conjunto das Ciências
Sociais e Culturais (Literatura, História e Artes). Ele considerou todas as formas de
atividade intelectual criativa, destacando o ser humano como um animal símbolo-
criador. O ser humano é o produto da nova mutação da vida. Ciências, linguagem,
arte, religião, mitologia etc., são todos mundos sintéticos que neles se pode
expressar a criatividade do espírito ou da própria mente (WIELEWSKI, 2008, p.
26).

Em 1910, publica Substanzbegriff und Funktionsbegriff ntersuchungen uber die


Grundfragen der Erkenntniskritik (O conceito de substância e o conceito de função: estudos
sobre as questões básicas da crítica cognitiva).

45
FILOSÓFICA Biblioteca. Biblioteca Virtual criada para alunos de Filosofia e áreas afins. [S.l.: s.d].
Disponível em: https://filosoficabiblioteca.files.wordpress.com/2016/03/cassirer-ernst.jpg. Acesso em: 9 set.
2019.
84

Figura 9 ‒ Capa do livro Substanzbegriff und Funktionsbegriff, 1910

Fonte: Cassirer (1910)46

A versão inglesa fora publicada em 1953, intitulada por Substance and Function
(Substância e Função). O livro está divido em Parte I e Parte II, conforme Quadro 6:

Quadro 6 ‒ Sumário Substance and Function


Parte I Parte II
Conceito de objeto e conceito de relação O sistema de conceitos de relação e o problema da
Capítulo 1: A teoria da conceitualização; realidade
Capítulo 2: Os conceitos relativos aos números; Capítulo 5: O problema da indução;
Capítulo 3: O conceito de espaço e a Geometria; Capítulo 6: O conceito de realidade;
Capítulo 4: A conceitualização nas Ciências e a Capítulo 7: Subjetividade e objetividade dos conceitos
natureza. de relação;
Capítulo 8: Perspectiva para uma psicologia das
relações.

Fonte: Elaborado pela autora (CASSIRER, 1953, p.vii –xii, tradução nossa)

Nesta obra, de modo geral, Cassirer descreve a mudança do conceito teórico desde
Aristóteles até Euler, em que a grande ruptura trata exatamente da transformação do conceito
do conceito ou da substância à função. Nossos estudos nesta pesquisa estão acerca do capítulo
1, o qual foi dividido por Cassirer da seguinte forma:

46
CASSIRER, Ernst. Substanzbegriff und Funktionsbegriff. Berlin: VERLAG VON BRUNO CASSIRER
BERLIN: Verlag von Bruno Cassirer, jul. 1910. 486 p. Disponível em:
https://ia800207.us.archive.org/8/items/substanzbegriffu00cassuoft/substanzbegriffu00cassuoft.pdf. Acesso
em: 8 nov. 2019.
85

Quadro 7 ‒ Sumário do primeiro capítulo da obra Substance and Function

Capítulo I: A teoria da conceitualização

I. Novos desenvolvimentos na II. A crítica psicológica do conceito III. O processo negativo da


lógica. (Berkeley). ―abstração‖.
O conceito na lógica Aristotélica. A psicologia da abstração. O conceito matemático e sua
―universalidade concreta‖.
Finalidade e natureza do conceito Análise de conceitos matemáticos
genérico. por Mill. A crítica das teorias da abstração.
O problema da abstração. O defeito da teoria psicológica da Objetos da ―primeira‖ e da
abstração. ―segunda‖ ordem.
Os pressupostos metafísicos da
lógica aristotélica. As formas de série. A variedade de ―intenções‖
objetivas.
O conceito de substância na lógica O lugar da coisa-conceito no
e metafísica. sistema de relações lógicas. A forma de série e os membros da
série
Fonte: Elaborado pela autora (CASSIRER, 1953, p. vii, tradução nossa)

No prefácio, Cassirer comenta sobre as inquietações e problemas que o levaram a


realizar essa investigação filosófica:

As investigações contidas neste volume foram primeiramente estimuladas por


estudos na Filosofia da Matemática. No decurso de uma tentativa para
compreender as concepções fundamentais da Matemática do ponto de vista
da lógica, tornou-se necessário analisar mais de perto a função do próprio
conceito e remontá-lo aos seus pressupostos. Aqui, no entanto, surgiu uma
dificuldade peculiar: a lógica tradicional do conceito, em suas características
tradicionais, mostrou-se inadequada até mesmo para caracterizar os
problemas que a teoria dos princípios da Matemática conduzia. Tornou-se
cada vez mais evidente que a ciência exata tinha chegado até aqui a questões
para as quais não existia um correlato preciso na linguagem tradicional da
Lógica Formal. O conteúdo do conhecimento matemático remetia a uma
forma fundamental do conceito não claramente definido e reconhecido dentro
da própria Lógica [...] (CASSIRER, 1953, p. iii, tradução nossa).

De acordo com a seção I, na Antiguidade, classicamente, acreditava-se que os


conceitos eram formados pela abstração e por algumas características (nome ou imagem) do
objeto.

Os conceitos, que são objeto e interesse especial de Aristóteles, são os conceitos


genéricos das Ciências Naturais descritivas e classificatórias. A ‗forma‘ da oliveira,
o cavalo, o leão, deve ser apurada e estabelecida. Onde quer que ele deixe o campo
do pensamento biológico, sua teoria do conceito deixa de se desenvolver
naturalmente e livremente (CASSIRER, 1953, p. 12, tradução nossa).
86

Pensar significava pensar no próprio ser, Aristóteles se preocupava sobretudo com a


Biologia, a natureza e os seres vivos; enfim, com os objetos, isto é, o pensamento estava
determinado por seu objeto.

A Lógica e a Metodologia aristotélicas, em seus princípios gerais, são uma


verdadeira expressão e espelho da própria Metafísica aristotélica. Apenas em
conexão com a crença podia ser entendido os seus motivos peculiares. A concepção
sobre a natureza e divisões do ser predeterminava a concepção das formas
fundamentais do pensamento (CASSIRER, 1953, p.4, tradução nossa).

Para Cassirer, a finalidade e natureza do conceito genérico, em uma perspectiva


epistemológica empirista, foi insuficiente e falhou, porque não permitiu ir além da noção
elementar e abstrata de um conceito. Noção esta denominada em Matemática como definição
por abstração, na qual um conjunto é mais do que uma extensão do conceito sobre todas as
coisas que se lê. Aristóteles (1987, p. 21) considerava que

O exame da semelhança é útil tanto para os argumentos indutivos como para os


raciocínios hipotéticos, bem assim como para a formulação de definições. É útil para
os argumentos indutivos, porque é por meio de uma indução de casos individuais
semelhantes que pretendemos pôr em evidência o universal; e isso não é fácil
quando ignoramos os pontos de semelhança. É útil para os raciocínios hipotéticos
porque, entre semelhantes, de acordo com a opinião geral, o que é verdadeiro de um
é também verdadeiro dos demais.

Sobre esta doutrina da finalidade e natureza do conceito genérico, Cassirer declara que
as principais características deste ensino são tão conhecidas que não é necessária uma
explicação detalhada, pois

[...] Por mais simples e claros que sejam os seus pressupostos, eles estão de acordo
com os pressupostos básicos para cuja análise crítica a visão usual do mundo
necessita e atua ao longo de todo o processo, pelo que não parece haver aqui
praticamente nenhum tratamento para uma revisão crítica. Nada mais se pressupõe,
de fato, senão a existência das próprias coisas em sua imensa diversidade inicial e a
capacidade da mente de tirar dessa abundância de existências individuais os
fenômenos que pertencem à maioria delas. Deste modo, ao tomar os objetos que,
através da propriedade comum de uma mesma classe [...] As funções essenciais que
o pensamento atua aqui são, assim, apenas as de comparar e distinguir determinados
atributos sensuais (CASSIRER, 1953, p. 4, tradução nossa).

A advertência sobre o problema da abstração, elucidada por Cassirer, exige especial


atenção, visto que

Se toda a conceituação consiste no fato de que, da maioria dos objetos que temos à
nossa disposição, apenas enfatizamos as características coincidentes, enquanto
87

descartamos todas as outras, fica claro que, através dessa redução um mero registro
parcial toma o lugar da totalidade originalmente descrita (CASSIRER, 1953, p. 6,
tradução nossa).

Segundo Cassirer, o problema então consiste ao se considerarem algumas partes como


suficientes para explicar o todo. Nelas a formação do conceito perde seu valor, pois nada nos
assegura que as partes analisadas podem caracterizar e determinar as estruturas totais de todos
os elementos do conjunto. E ele continua:

De facto, não há garantia de que as características comuns que distinguimos de


qualquer conjunto de objetos também contenham as características que dominam e
determinam a estrutura global de todos os elementos deste conjunto. [...] Se
usarmos, por exemplo, cereja e carne subordinados sob o conjunto das
características vermelho, suculento e comestíveis, então não conseguiremos por este
meio alcançar um conceito lógico válido, mas apenas a uma combinação de palavras
sem sentido, o que não significa nada para a apreensão dos casos particulares
(CASSIRER, 1953, p. 6 -7, tradução nossa).

Após discutir sobre o conceito na teoria lógica aristotélica, Cassirer analisa, na seção
II, a teoria psicológica da abstração, o fato é que o autor assegura não haver tantas mudanças.
Esclarece que mesmo George Berkeley (1685‒1753), com seu ceticismo empírico, ainda não
se liberta totalmente da concepção aristotélica, pois enxerga o conceito universal como algo
que pode ser formado a partir das semelhanças entre os particulares, ou seja, assim não
introduz uma mudança real, apenas ―[...] quanto ao valor e à fertilidade do conceito abstrato
implicava, ao mesmo tempo, em uma crença dogmática na validade da definição habitual do
conceito.‖ (CASSIRER, 1953, p. 9, tradução nossa). E o autor destaca:

O processo é apenas removido para outra dimensão, na medida em que é retirado do


campo da Física para a mente do sujeito, enquanto seu curso geral e estrutura
permanecem os mesmos. [...]. Dessa forma, não é produzida uma nova estrutura de
significado independente e peculiar, mas apenas certa classificação da representação
já existente, divisão na qual, em certos momentos, é enfatizada uma direção
unilateral de atenção, levantadas mais bruscamente a partir de seu ambiente
(CASSIRER, 1953, p. 9-10, tradução nossa).

O posicionamento de Cassirer revela que houve uma mudança do objeto para o sujeito,
mas a estrutura e o processo permanecem iguais. John Stuart Mill (1806‒1873) procurava
interpretar as verdades e conceitos matemáticos simplesmente como sendo a expressão de
fatos empíricos. A expressão quadrado redondo, por exemplo, é algo improvável, pois a
propriedade de ser redondo é disjunta da propriedade de ser quadrado, empiricamente essa
experiência é inaceitável. O resultado é que nessa visão a Matemática é possível apenas por
88

meio da realização de algumas meras comparações empíricas. Mill (apud CASSIRER, 1953,
p. 13) afirma que o desenho representado pelo geômetra no papel tem uma imagem fiel na
mente humana:

Assim, parece compreensível que, para alcançar novas verdades geométricas ou


aritméticas, não precisamos a cada momento de novas percepções dos objetos
físicos, graças à sua nitidez e clareza, a imagem da memória é capaz de substituir o
próprio objeto empírico (Tradução nossa).

Contra esse fato, Cassirer explica a impossibilidade da representação real dos objetos
matemáticos tanto fisicamente, quanto em nossa mente, por exemplo, como a representação
de um ponto sem magnitude.

A peculiar certeza ‗dedutiva‘, que atribuímos a proposições matemáticas, remonta


agora ao fato de que, nessas proposições, nunca estamos preocupados com
afirmações sobre fatos concretos, mas apenas com relações entre entidades
hipotéticas. Não há coisas reais que correspondam precisamente com as definições
de Geometria; não há pontos sem magnitude, nem retas com linhas perfeitas e muito
menos círculos cujos raios sejam todos iguais (CASSIRER, 1953, p. 13, tradução
nossa).

Na seção III, ―O processo negativo de abstração‖, conforme Cassirer (1953), no final


do século XVIII, a precisão e clareza da formação conceitual atingem seu estágio mais alto. O
conceito matemático passa a distinguir-se mais claramente do conceito ontológico, visto que
os conceitos matemáticos passam a ser representados por relações e funções, e não apenas por
classes de objetos empíricos. Para discorrer sobre esse processo de abstração na Matemática,
Cassirer (1953, p. 19) cita Lambert e exemplifica:

[...] Em sua crítica à lógica da Escola Wolffiana, Lambert descreve como sendo uma
vantagem decisiva dos ‗conceitos gerais‘ da Matemática, no qual, em sua análise a
determinação dos casos particulares para os quais devem ser aplicados não é
eliminada, mas mantida com toda precisão. Por exemplo, quando o matemático
elabora suas fórmulas de uma maneira mais geral, isso significa não apenas o
sentido e possibilidade para os casos particulares, mas também a perspectiva em
poder deduzi-los para fórmulas universais. [...] Assim, é claro, a abstração torna-se
muito fácil para o ‗filósofo‘, mas a determinação do particular a partir do geral
torna-se ainda mais difícil para ele, pois na abstração ele omite todas as
características particulares de tal modo que não será mais capaz de encontrá-las
novamente, e muito menos ainda de contar precisamente quais são as variações
possíveis. Esta simples observação realmente contém o gérmen de uma distinção
profunda e importante (Tradução nossa).

Neste sentido, o conceito de função matemática se constitui um ótimo exemplo, no


qual a importância da relação entre as noções de função e continuidade tornaram-se mais
89

claramente perceptíveis, culminado na generalização do conceito de função. De tal modo que


a propriedade básica para uma função matemática abstrata tornou-se possível apenas em
termos de sua continuidade. Foi deste modo que, a partir do século XVIII, os matemáticos
deixaram de considerar as curvas como conjuntos de pontos, para concebê-las em termos
analíticos como fórmulas. Consequentemente:

[...] podemos passar de uma fórmula matemática geral, como por exemplo, a
fórmula da curva de segunda ordem, para as formas geométricas particulares como
do círculo, da elipse, etc., considerando um determinado parâmetro que nela ocorre
como variável e passando-a por uma série de grandezas contínuas. Aqui, o conceito
mais universal se mostra também o mais rico em conteúdo, quem o possui é capaz
de deduzir dele todas as relações matemáticas que ocorrem em um problema
particular, enquanto que, por outro lado, ele não isola este problema, mas o
compreende em contínua conexão uns com os outros, isto é, em sua mais profunda
expressão sistemática. Os casos individuais não são excluídos da consideração, mas
fixados e registrados como etapas completamente determinadas no processo geral de
transformação (CASSIRER, 1953, p. 20, tradução nossa).

O conceito de função matemática utilizado para construir essa compreensão, por um


lado satisfaz a particularidade dos problemas, como também reconhece esses problemas não
como casos particulares, mas em uma conexão contínua, na qual evidentemente a
característica do conceito não é a universalidade de uma representação, mas a validade
universal do princípio de série.

Assim, por exemplo, a intuição de nosso espaço tridimensional euclidiano começa a


ganhar uma compreensão mais clara quando, na Geometria Moderna, ascendemos às
formas ‗superiores‘ do espaço; pois desta forma toda a estrutura axiomática do nosso
espaço é revelada pela primeira vez em plena nitidez (CASSIRER, 1953, p. 20,
tradução nossa).

Por fim, o autor explana sobre a impossibilidade de uma transformação conceitual


definitiva, visto que a ciência toma uma nova forma sob um novo conteúdo, em cujo processo
a Psicologia, a Crítica do Conhecimento (Metafísica), o problema da consciência e o
problema da realidade tomam parte. Progressivamente, os conceitos passaram a ser
compreendidos como funções da atividade humana, em substituição às abstrações e às
imagens abstratas das coisas.

Porque no interior dos problemas fundamentais não há separações absolutas e


delimitadas fronteiras: cada transformação de um conceito ‗formal‘ num sentido
genuíno e fecundo implica, ao mesmo tempo, em uma nova concepção sobre todo o
campo, que é caracterizado e ordenado por si próprio (CASSIRER, 1953, p. 26,
tradução nossa).
90

Cassirer enfatiza, então, que o progresso tanto na Lógica como na Matemática


depende de novos conceitos do conceito. E a Matemática alcança importância para a
Epistemologia e cultura em geral, por causa de suas inovações na área do pensamento
conceitual, visto que os conceitos matemáticos são esquemas de operação que se tornam
funções da atividade cognitiva, em vez de ser um resultado da abstração. Contudo, o conceito
científico genuíno ocorre apenas quando o homem inicia o processo complementar do pensar
entre estruturas e relações, tanto conjunta quanto separadamente.
Desse modo, Cassirer nos apresenta uma investigação histórica do conceito do
conceito. No início, na ciência aristotélica, os objetos eram vistos como representantes da
própria realidade, determinados por suas semelhanças e analogias. Assim os objetos externos
eram comparados, e um elemento comum entre esses era selecionado.
No próximo período, com Berkeley, o foco passou a ser o sujeito, de modo que os
objetos mais perfeitos seriam representados na mente do homem. Contudo, essa doutrina, não
se diferenciava totalmente do aristotelismo, pois o conceito universal era construído a partir
das particularidades, nas quais as representações dos objetos na mente do sujeito eram
comparadas e as correlações comuns selecionadas.
Por fim, no último estágio, descrito por Cassirer, os objetos passaram a ser
compreendidos como funções da atividade humana, em substituição às abstrações e às
imagens abstratas das coisas.
Em A teoria da conceitualização, Cassirer nos apresenta uma investigação histórica do
conceito do conceito. No percorrer desse caminho, percebemos a importância da Semiótica.
Suas considerações sobre as visões e julgamentos acerca do conceito teórico culminam em
questões filosóficas e epistemológicas acerca da Complementaridade entre o pensamento e o
ser, conhecimento e realidade e, por fim, entre o sentido e a referência do conceito em
Matemática. Cada mudança em sua visão fundamental fora acompanhada por novas
suposições sobre a natureza e signo do conceito.

3.3 A crítica da Razão Pura e as duas fontes de conhecimento matemático

A modernidade teve início a partir da filosofia de Immanuel Kant47, com a chamada


Revolução Copernicana da Epistemologia de Kant48, que se constituiu como resultado de uma

47
Immanuel Kant nasceu em 22 de abril de 1724, em Königsberg, uma cidade da Prússia Oriental na Alemanha
(PASCAL, 2005). Filho de Johann Georg Kant, que exercia a profissão de seleiro. Frequentou a universidade
como estudante de Filosofia e Matemática. Dedicou-se ao ensino, vindo a desempenhar as funções de professor
91

ruminação completa e destilação da epistemologia de Descartes, do intelectualismo


neoplatônico de Leibniz e das realizações científicas de Newton (HAHN, 1988).

Figura 10 ‒ Immanuel Kant (1724‒1804)

Fonte: AS CONTRIBUIÇÕES (2017)49

Com Descartes tem-se a construção da filosofia sobre a base de um minimum quid


firmum et inconcussum, o cogito, a partir do qual se deduziam todas as outras verdades do
sistema por um discurso à maneira dos matemáticos; contudo, o discurso cartesiano
transforma-se numa mathesis universalis, ciência da proporção, que incluía, como caso
particular, as relações algébricas, passando por Leibniz, foi amadurecendo e com Wolff
atingiu a perfeição racionalista. Os racionalistas transformaram a causa em necessidade
analítica e a identificavam como a razão suficiente.
Por fim, este método matemático cartesiano de Wolff é abordado pela crítica empirista
que culmina no ceticismo de David Hume (1711‒1776), e o fundamento da causalidade passa
a residir no sujeito psicológico, ou seja, é puramente subjetivo. Assim, com Kant, a Filosofia
passou por três fases, a saber: a dogmática, a cética e a crítica (MORUJÃO apud KANT,
2001, prefácio).
Durante sua educação, Immanuel Kant foi fortemente influenciado pelo racionalismo
de Wolff, porém a leitura de Hume pôs fim ao seu sono dogmático, como ele afirma:
―Confesso francamente: foi a advertência de David Hume que, há muitos anos, interrompeu o
meu sono dogmático e deu às minhas investigações no campo da filosofia especulativa uma
orientação inteiramente diversa.‖ (KANT, 1982, p. 17).

na Universidade de Königsberg (LEITE, 2007). Morreu aos 80 anos, em 12 de fevereiro de 1804 (PASCAL,
2005).
48
Tal revolução pode ser comparada àquela realizada por Copérnico na Astronomia em que apresentava o Sol
como o centro do universo e não a Terra. Kant, por sua vez, em relação à teoria do conhecimento, centraliza o
sujeito e suas atividades e não mais o objeto do conhecimento (NASCIMENTO; SANTANA; 2009).
49
AS CONTRIBUIÇÕES de Kant para a filosofia. Blog Editora UNESP, 20 abr. 2017. Disponível em:
http://editoraunesp.com.br/blog/icone/as-contribuicoes-de-kant-para-a-filosofia-. Acesso em: 9 set. 2019.
92

Em 1781, Kant publica sua obra mais famosa, a Kritik der reinen Vernunft (Crítica da
Razão Pura). De acordo com Amadeo et al. (2019, p. 154), ―[...] a filosofia da natureza de
Immanuel Kant parece ter sido historicamente fundamental para a formação intelectual e
científica dominante no século seguinte.‖.

Figura 11 ‒ Capa de Kritik der reinen Vernunft, 1781

Fonte: Amadeo et al. (2019, p. 154)

Em sua teoria do conhecimento, Kant explora a relação entre sujeito e predicado, na


qual todos os juízos ocorrem por dois modos, conforme Kant:
93

Quadro 8 ‒ Distinção entre juízos analíticos e sintéticos de acordo com Kant

Analítico Sintético

Predicado B pertence ao sujeito A como algo que está B está totalmente fora do conceito A, embora em
contido nesse conceito A. ligação com ele.

Quando a ligação do sujeito com o predicado é pensada Quando a ligação é pensada sem identidade.
por identidade.

Juízos explicativos: Juízos extensivos:


• O predicado nada acrescenta ao conceito do sujeito. • Acrescentam ao conceito de sujeito um
• Apenas pela análise o decompõe nos conceitos predicado que nele não estava pensado;
parciais, que já nele estavam pensados (embora • E dele não podia ser extraído por qualquer
confusamente). decomposição.

Todos os corpos são extensos Todos os corpos são pesados


Pois não preciso ultrapassar o conceito que ligo à O predicado é algo completamente diferente do que
palavra corpo para encontrar a extensão que lhe está penso no simples conceito de um corpo em geral. A
unida; basta decompor o conceito, isto é, tomar adjunção de tal predicado produz, pois, um juízo
consciência do diverso que sempre penso nele, para sintético.
encontrar este predicado.
Fonte: Elaborado pela autora

O exemplo ―Todos os corpos são extensos‖ é analítico, porque o homem não consegue
imaginar um corpo sem extensão, assim como um ponto em Euclides é aquilo que não tem
partes, ou seja, um corpo sem extensão.
A resposta de Kant, neste exemplo, constitui a base de sua Revolução Copernicana, ou
seja, diz respeito à capacidade do sujeito, cujos corpos são extensos e analíticos porque o ser
humano não consegue pensar em um corpo sem extensão. Em contrapartida, para Aristóteles,
seria totalmente diferente a justificativa, dado que cada ser tem uma essência, e esta essência é
um conjunto de características essenciais; assim, a proposição ―Todos os corpos são extensos‖
é analítica, porque a característica da extensão é a essência para a definição de corpo.
Aristóteles conjetura em seus estudos que a natureza dos objetos pode ser apreendida
por meio de suas características essenciais. Em contrapartida, Kant vitaliza a importância do
sujeito com suas atividades e os instrumentos dessa atividade, por exemplo, a função y=3x+5
é percebida como uma fórmula, que transforma o y em 3x mais 5, logo as funções do cálculo
algébrico, em sua perspectiva, são essencialmente instrumentos construídos pelo sujeito.
Kant explica que os juízos são a priori ou a posteriori, conforme o Quadro 9.
94

Quadro 9 ‒ Distinção entre juízos a posteriori e a priori, conforme Kant


A posteriori A priori
Juízos de experiência são todos sintéticos Comportam a necessidade, que não se pode
Não carecem do testemunho da experiência. extrair da experiência.

Ex.: Todos os corpos são pesados Ex.: Todos os corpos são extensos

• Predicado do peso indica um objeto da • Se verifica a priori e não um juízo de


experiência obtido mediante uma parte desta experiência.
experiência, à qual posso ainda acrescentar • Porque antes de passar à experiência já possuo
outras partes dessa mesma experiência. no conceito todas as condições para o meu juízo;
• Sobre a experiência que se funda a possibilidade basta extrair-lhe o predicado segundo o princípio
de síntese do predicado do peso com o conceito de contradição para, simultaneamente, adquirir a
de corpo, porque ambos os conceitos, embora consciência da necessidade do juízo,
não contidos um no outro, pertencem, um ao necessidade essa que a experiência nunca me
outro, se bem que apenas de modo contingente, poderia ensinar.
como partes de um todo, a saber, o da
experiência, que é, ela própria, uma ligação
sintética das intuições.
Fonte: Elaborado pela autora (KANT, 2001, B11-12)

Juízos a posteriori são sempre sintéticos, ao passo que os analíticos são a priori. Mas
a grande ideia de Kant foi entender que as proposições matemáticas são juízos sintéticos,
contudo, a priori.

Antes de mais, cumpre observar que as verdadeiras proposições matemáticas são


sempre juízos a priori e não empíricos, porque comportam a necessidade, que não se
pode extrair da experiência. Se não se quiser admitir isso, pois bem, limitarei a
minha tese à matemática pura, cujo conceito já de si exige que não contenha
conhecimento empírico, mas um conhecimento puro e a priori (KANT, 2001, B 14-
15).

A possibilidade da Matemática pura, para Kant, encontra-se pela intuição pura, ou


seja, um espaço mental para a construção do conhecimento matemático, ―[...] na base da
matemática estão realmente puras intuições a priori que tornam possíveis as suas proposições
de valor sintético e apodítico.‖ (KANT, 1982, p. 53). Desse modo, a Matemática pura só pode
ter realidade com a condição de se aplicar a objetos dos sentidos, admitindo que a
representação sensível humana não é a representação das coisas em si mesmas, mas apenas da
maneira como elas aparecem ao homem. Kant procura exemplificar a constituição do
conhecimento sensível e geral por meio da construção mental de um objeto matemático.
95

Quadro 10 ‒ Constituição do conhecimento sensível em geral para Kant

Três linhas retas podem formar uma figura

Você é obrigado a recorrer à Tente derivá-la simplesmente


Tendo um destes conceitos (do conceito de
objeto na intuição, como se faz em
Geometria. três e o de linha).
intuição

De que espécie é esta Se for empírica


Então, deverá ser
intuição? Será uma Não terá uma proposição
intuição pura a priori, universalmente válida e apodítica, pois a priori (pura). E terá a
ou intuição empírica? a experiência não as pode proposição sintética.
proporcionar.

Fonte: Elaborado pela autora (KANT, 2001, B 65)

Para Kant o conhecimento surge de duas fontes fundamentais, por assim dizer,
intuições e conceitos. Essas duas fontes se correspondem com dois tipos de Lógica, isto é, a
Lógica Geral50 que rege os juízos analíticos e a Lógica Transcendental51 que gerencia os
juízos sintéticos.

50
―A lógica geral é, pois, ou lógica pura ou lógica aplicada. Na primeira, abstraímos de todas as condições
empíricas relativamente às quais se exerce o nosso entendimento, por exemplo, da influência dos sentidos, do
jogo da imaginação, das leis da memória, do poder do hábito, da inclinação, etc., portanto também das fontes
dos preconceitos e, em geral, de todas as causas de onde podem derivar ou se supõe provirem determinados
conhecimentos e, porque essas causas dizem respeito ao entendimento apenas em determinadas circunstâncias
da sua aplicação, para as conhecer exige-se a experiência. Uma lógica geral, mas pura, ocupa-se, pois, de
princípios puros a priori e é um cânone do entendimento e da razão, mas só com referência ao que há de
formal no seu uso, seja qual for o conteúdo (empírico ou transcendental). Diz-se, pelo contrário, que uma
lógica geral é aplicada, quando se ocupa das regras do uso do entendimento nas condições empíricas subjetivas
que a psicologia nos ensina. Tem, pois, princípios empíricos, embora seja, na verdade, geral na medida em que
se ocupa do uso do entendimento sem distinção dos objetos. Por esse motivo não é um cânone do entendimento
em geral, nem um organon de ciências particulares, mas simplesmente um catarticon do entendimento
comum.‖ (KANT, 2001, A 53 B 78).
51
―[...] porque trata das leis do entendimento e da razão, mas só na medida em que se refere a objetos a priori e
não, como a lógica vulgar, indistintamente aos conhecimentos de razão, quer empíricos quer puros.‖ (KANT,
2001, B 82).
96

Quadro 11 ‒ Duas fontes de conhecimento, segundo Kant

O nosso conhecimento provém de duas fontes fundamentais do espírito:


Primeira: Intuições Segunda: Conceitos
Consiste em receber as representações É a capacidade de conhecer um objeto mediante estas
(receptividade das impressões) representações (espontaneidade dos conceitos)
É nos dado um objeto. É pensado em relação com aquela representação (como
simples determinação do espírito).
Intuições e conceitos: Constituem os elementos de todo o nosso conhecimento, de tal modo que nem conceitos
sem intuição que de qualquer modo lhes corresponda, nem uma intuição sem conceitos podem dar um
conhecimento. Ambos estes elementos são puros ou empíricos:
Empíricos, quando a sensação (que pressupõe a presença real do objeto) está neles contida.
Puros, quando nenhuma sensação se mistura à representação.
Intuição pura Intuição empírica Conceito puro Conceito empírico52:
- Somente a forma sob - Relaciona-se com o - Somente a forma do - Extraído de experiências externas.
a qual algo é intuído; objeto, por meio de pensamento de um objeto - a posteriori.
- a priori. sensação. em geral;
- a posteriori. - a priori.
Fonte: Elaborado pela autora (KANT, 2001, B 75)

A importância é que Kant admite a intuição, ou seja, sem intuição não é possível o
conhecimento matemático, assim a Matemática não é uma linguagem construída somente por
vários conceitos, como Leibniz a concebeu.
Então, a conclusão é que a Matemática é sintética e a priori, para tanto o espaço é um
instrumento e não objeto. Kant procurava algo além do conceito, por isso, para ele o espaço
foi o instrumento da cognição, normalmente o espaço era percebido apenas como uma coisa
que está fora, ou seja, uma coisa objetiva a ser explorada. Ele explica a diferença de sua
epistemologia com a de Platão, da seguinte forma:

A matemática oferece-nos um exemplo brilhante de quanto se pode ir longe no


conhecimento a priori, independente da experiência. É certo que se ocupa de objetos
e de conhecimentos, apenas na medida em que se podem representar na intuição.
Mas facilmente se deixa de reparar nesta circunstância, porque essa intuição
mesma pode ser dada a priori e, portanto, mal se distingue de um simples conceito
puro. Seduzido por uma tal prova de força da razão, o impulso de ir mais além não
vê limites. A leve pomba, ao sulcar livremente o ar, cuja resistência sente, poderia
crer que no vácuo melhor ainda conseguiria desferir o seu voo. Foi precisamente
assim que Platão abandonou o mundo dos sentidos, porque esse mundo opunha ao
entendimento limites tão estreitos e, nas asas das ideias, abalançou-se no espaço
vazio do entendimento puro. Não reparou que os seus esforços não logravam abrir
caminho, porque não tinha um ponto de apoio, como que um suporte, em que se
pudesse firmar e aplicar as suas forças para mover o entendimento (KANT, 2001,
B8/B9, grifo nosso).

52
―[...] Assim, possui homogeneidade com o conceito geométrico puro de um círculo, o conceito empírico de
um prato, na medida em que o redondo, que no primeiro é pensado, se pode intuir neste último.‖ (KANT,
2001, A 136). ―[...] não pode ser definido, mas apenas explicitado.‖ (Ibid., A 727).
97

O trecho ―Mas facilmente se deixa de reparar nesta circunstância [...].‖ pode ser
traduzido assim: ―Mas facilmente se engana nestas circunstâncias [...]‖. E se engana
exatamente porque esta própria intuição pode ser dada a priori, pois é uma intuição pura e não
uma intuição empírica e, portanto, se distingue muito mais de um conceito puro. Assim
existem duas fontes, mas na Matemática pura esta segunda fonte, a intuição, é uma intuição
pura e não uma intuição empírica.
Na literatura, uma crítica a Kant é: O que é esta intuição pura? Mas, Kant insiste que é
uma coisa diferente do conceito puro, ou seja, uma segunda fonte de conhecimento. Mas
como ele justifica isso?

Queremos, portanto, provar que o fundamento de determinação completo de uma


forma corpórea não depende meramente da relação e da posição de suas partes umas
com as outras, mas, além disso, de uma relação com o espaço absoluto universal,
como o que os geômetras pensam, ainda que, entretanto, não se possa perceber
imediatamente esta relação, mas sim, contudo, aquelas diferenças entre corpos que
dependem única e exclusivamente deste fundamento. Se duas figuras, desenhadas
sobre um plano, são iguais e similares entre si, então elas recobrem-se mutuamente.
Todavia, com a extensão corpórea, e também com as linhas e superfícies que não se
encontram em um plano, as coisas passam-se frequentemente de modo bem diverso.
Elas podem ser completamente iguais e similares e, contudo, ser em si mesmas tão
diferentes que os limites de uma não podem ser simultaneamente os limites da outra.
[...] A mão direita é similar e igual à esquerda, e se olharmos apenas para uma delas
isoladamente, para a proporção e posição recíproca das partes e para a grandeza do
todo, uma descrição completa de uma também tem de valer inteiramente para a outra
(KANT, 1997, AA 2.381).

Desse jeito ele justifica exatamente, observando as relações entre figuras, utilizando o
seguinte exemplo: temos a mão direita e a mão esquerda, agora qual é a diferença entre elas?
Ao se caracterizar um objeto como mão pelo conceito de mão, este será o conjunto de
características ou propriedades do objeto chamado mão, e a base deste conceito, foi o que
Cassirer53 (1953) chamou de substância ou conceito aristotélico (ou sentido), visto que na
Antiguidade clássica a formação de um conceito se dava por meio da abstração, por exemplo,
no conceito de cadeira, abstraia-se a cor, a quantidade de pernas entre outras coisas, assim
juntam-se todas as características essenciais para formar o conceito da cadeira.

Com efeito, neste caso, aquilo que primitivamente era apenas um fenômeno, por
exemplo uma rosa, valeria para o entendimento empírico como coisa em si,
podendo, contudo, no que respeita à cor, parecer diferente aos diversos olhos. Em
contrapartida, o conceito transcendental dos fenômenos no espaço é uma advertência
crítica de que nada, em suma, do que é intuído no espaço é uma coisa em si, de que

53
Veja seção ―3.2 Ernst Cassirer (1874‒1945): a transformação do conceito de conceito‖.
98

o espaço não é uma forma das coisas, forma que lhes seria própria, de certa maneira,
em si, mas que nenhum objeto em si mesmo nos é conhecido e que os chamados
objetos exteriores são apenas simples representações da nossa sensibilidade, cuja
forma é o espaço, mas cujo verdadeiro correlato, isto é, a coisa em si, não é nem
pode ser conhecida por seu intermédio; de resto, jamais se pergunta por ela na
experiência (KANT, 2001, B 45-46).

Assim, no caso das mãos, os conceitos não são suficientes para distinguir entre mão
direita e esquerda, porque as características são as mesmas, ou seja, cinco dedos, um polegar
etc. Desse modo a única maneira de distinguir a diferença é pôr uma ao lado da outra e, então,
percebe-se que a mão direita representa uma orientação direita no espaço, ou seja, o espaço é
necessário para distinguir as mãos porque no espaço pode-se colocar ambas uma ao lado da
outra e fazer a relação entre elas.
Kant considera que o espaço é como um instrumento de conhecimento, e não como
seu objeto.

O tempo e o espaço são, portanto, duas fontes de conhecimento das quais se podem
extrair a priori diversos conhecimentos sintéticos, do que nos dá brilhante exemplo,
sobretudo, a matemática pura, no que se refere ao conhecimento do espaço e das
suas relações. Tomados conjuntamente são formas puras de toda a intuição sensível,
possibilitando assim proposições sintéticas a priori. Mas estas fontes de
conhecimento a priori determinamos seus limites precisamente por isso (por serem
simples condições da sensibilidade); é que eles dirigem-se somente aos objetos
enquanto são considerados como fenômenos, mas não representam coisas em si
(KANT, 2001, B55-56).

Para compreender essa questão, podemos observar ainda a diferenciação elaborada por
Kant entre o conhecimento filosófico e conhecimento matemático. Retomando, sabemos que,
para Kant, os juízos matemáticos são todos sintéticos a priori e a isso se deve o seu caráter de
certeza e, ainda mais, o conhecimento matemático se dá por construção dos conceitos.
Diferentemente do conhecimento filosófico, que de acordo com Kant é o conhecimento
racional por conceitos.

O conhecimento filosófico considera, pois, o particular apenas no geral, o


conhecimento matemático, o geral no particular e mesmo no individual, mas a priori
e por meio da razão, de tal modo que, da mesma maneira que este individual está
determinado por certas condições gerais da construção, também o objeto do
conceito, a que este individual corresponde apenas como seu esquema, deve ser
pensado como universalmente determinado (KANT, 2001, B 742).

Desse modo, Kant tem por objetivo evidenciar a diferença que há entre o uso
discursivo da razão por conceitos e por intuições baseadas na construção de conceitos. O
conhecimento filosófico opera por meio de conceitos, de acordo com conceito aristotélico de
99

Cassirer (1953)54, que são introduzidos por descrição das características do objeto, como por
sentido. Enquanto a Matemática não opera só com conceitos (ou com sentido), mas também
com as intuições (referências) acerca do objeto (KANT, 1997, B754-A726). Como resultado,
a Matemática é capaz de produzir conhecimento novo e seguro, exatamente, porque:

[...] não deduz sua cognição dos conceitos, mas da construção dos conceitos, isto é,
da intuição, que pode ser dada a priori de acordo com as concepções. Mesmo o
método de álgebra [...] é uma espécie de construção - não geométrica, mas sim de
símbolos - em que todos os conceitos [...] são representados na intuição por sinais,
de modo que a conclusão é salva do erro pelo fato de que cada prova é submetida à
evidência ocular (KANT, 2001, B 762).

Sintetizando, a Matemática é uma espécie de construção por conceitos (sentido) com


símbolos, que são representados na intuição (com referência), cujas provas podem ser
submetidas à comprovação empírica. Por isso, conforme Kant (2001) são possíveis
iluminações, como a que chegou à mente de pessoas como de Tales, quando percebeu que a
relação entre o comprimento de um mastro e o comprimento de sua sombra permitia calcular
a altura da pirâmide:

[...] descobriu que não tinha que seguir passo a passo o que via na figura, nem o
simples conceito que dela possuía, para conhecer, de certa maneira, as suas
propriedades; que antes deveria produzi-la, ou construí-la, mediante o que pensava e
o que representava a priori por conceitos e que para conhecer, com certeza, uma
coisa a priori nada devia atribuir-lhe senão o que fosse conseqüência necessária do
que nela tinha posto, de acordo com o conceito (Ibid., B XI-B XII).

Toda a nossa intuição é a imaginação ativa, que permite estruturas de dados já


ordenadas e, portanto, a aplicação da Lógica e da Matemática. Churchman (1971, p. 128)
exemplifica a compreensão de Kant sobre o conhecimento referindo-se ao conceito de
Biblioteconomia:

Se aqueles que operam a biblioteca são considerados como parte do dispositivo de


entrada, fica claro que o dispositivo de entrada incorporou, pelo menos, uma
geometria elementar tridimensional que cuida da colocação de documentos nas
pilhas, além de uma teoria do número elementar que permite codificar os
documentos e identificar sua localização, bem como embalá-los de várias formas
alternativas e, finalmente, uma cinemática elementar que permite aos operadores da
biblioteca determinar quando um documento está em seu lugar e quando não está
(Tradução nossa).

54
Veja seção ―3.2 Ernst Cassirer (1874‒1945): a transformação do conceito de conceito‖.
100

A diferença entre intuição e representação, por exemplo, consiste no fato que a


intuição não é conhecimento, pois não possui uma estrutura argumentativa. Se alguém deseja
explicar suas impressões para outra pessoa, precisa transformar frases em sentenças
explicativas, ou seja, transformar o raciocínio lógico à base da linguagem e, nesse sentido, a
intuição é a base do conhecimento.
Kant percebeu a importância do espaço, de tal modo que o seu primeiro capítulo da
Crítica da Razão Pura (2001), intitulado ―Do espaço‖ e, o segundo, ―Do tempo‖, são dois
textos basilares em sua obra, em especial, o primeiro capítulo se preocupa apenas com a
questão do espaço, este, foi tão fundamental que o autor inicia seu livro com este tema. Por
fim, Kant percebeu que, sem a intuição e a consideração do espaço, a Matemática não poderia
existir e se reduziria apenas a uma linguagem.
Neste capítulo, analisamos o mérito do trabalho de Foucault ao registrar as mudanças
nas relações entre as coisas e suas representações. Introduzindo epistemologias centralizadas
no signo. Averiguamos, por meio da descrição de Cassirer, a complexa discussão filosófica
sobre a natureza dos signos da Matemática. Verificamos o valor da Revolução Copernicana e
Epistemológica de Kant, na qual, o conhecimento possui duas fontes fundamentais, intuições
e conceitos, sendo esse uma atividade do sujeito e não um espelho fiel da realidade.
Constatamos que a objetividade da Matemática, no contexto da Educação Matemática pode
ser seguramente justificada via Semiótica vinculada à Complementaridade, pois o
conhecimento na Matemática verifica-se a partir da construção de diagramas, diferentemente
da Filosofia ou das Ciências Humanas, em que esse ocorre apenas por meio de conceitos.
101

4 DESCARTES: E A ÉPOCA DA REPRESENTAÇÃO

Neste capítulo, em Petrus Ramus (1515‒1572) e o Ensino de Matemática,


contextualizamos a época da representação, na qual estão inseridos Ramus e Descartes. Com
respaldo em Durkheim (1858‒1917), ratificamos que toda revolução na Epistemologia segue
acompanhada por uma revolução educacional. Na época da representação, essa revolução foi
marcada pela preocupação em oferecer uma correta representação, possibilitando melhor
aprendizagem. Destacamos Ramus, com importantes contribuições no contexto da Educação
Matemática e como um precursor de Descartes.
Na seção Projeto do método de Descartes em uma carta enviada a Beeckman (1619),
lemos o escritor esboçar seu desejo e projeto de estudos para os próximos anos. Em Regulae
ad Directionem Ingenii (1628), destacamos sua preocupação referente à aquisição de
conhecimentos novos e seguros. E, na seção La Géométrie (1637), salientamos como
Descartes conduziu um método para resolver o problema da duplicação do cubo, cuja solução
foi impossível na teoria de Euclides. Já na seção Descartes versus Leibniz, evidenciamos a
diferença entre a perspectiva analítica de Leibniz e a visão intuitiva e geométrica de
Descartes.
Em síntese, este capítulo tem por objetivo ressaltar a importância da atividade
científica com Descartes ao introduzir o método experimental no pensamento por meio do
objeto desconhecido na Matemática.

4.1 Petrus Ramus (1515‒1572) e o Ensino de Matemática

Conforme estudamos no capítulo anterior, com Foucault, a era da representação foi


marcada pelo desejo de representar o objeto de forma mais precisa possível. Havia a
necessidade de estabelecer um sentido e referência ao objeto. No contexto da Educação,
despertou-se o desejo em representar o conhecimento de forma clara. Para David Émile
Durkheim (1858‒1917), até o século XVI, as mudanças ocorridas na Educação se
desenvolveram de forma muito lenta e sua progressividade girava em torno de uma única e
mesma ideia.

Este já não era o caso no século XVI. Desta vez, a tradição escolar deixa de se
desenvolver da mesma forma que no passado, pois uma revolução está a caminho.
102

Ao invés do movimento continuar a seguir, pacífica e silenciosamente, conforme o


caminho que percorrera durante os últimos séculos, ao contrário, afastou-se dele de
repente e procurou um caminho totalmente novo (DURKHEIM, 1938, p. 7, tradução
nossa).

Consequentemente, até o século XVI, no âmbito da Educação, a ideia movia-se


lentamente para o inconsciente e aos poucos vinha manifestando a sensação de novas
necessidades, seguindo o curso dos acontecimentos até ocorrer uma transformação no cenário
da Educação. Para Durkheim (1938), esta mudança foi tão radical que a expressa por
revolução educacional. Mais instigante é que, para este sociólogo, essa revolução educacional
não apenas antecipa, mas é um dos principais fatores para a Revolução Científica, no século
XVIII. Dentre os coadjuvantes literários, está Petrus Ramus (1515‒1572), em francês Pierre
de la Ramée.

[...] Desta vez, a tradição da escola deixa de se desenvolver na mesma direção que
no passado e uma revolução está em preparação. Em vez de o movimento continuar
a seguir, pacífica e silenciosamente, a maneira pela qual esteve envolvido por sete
séculos, repentinamente afastou-se e procurou outro rumo inteiramente novo. Sob
essas condições, não era mais possível deixar as coisas seguirem espontaneamente o
curso normal, pois era necessário, ao contrário, resistir a elas, bloquear seu caminho,
revertê-las. No instinto, do hábito adquirido, era necessário se opor a uma força
antagônica que só poderia ser a da reflexão. Como o novo sistema ao qual
aspirávamos não podia ser alcançado por uma simples e grande transformação do
sistema em vigor, era necessário, portanto, começar por construí-lo inteiramente a
partir de todas as peças pelo pensamento, antes de tentar colocá-lo em prática; e, por
outro lado, para dar-lhe uma autoridade que o impusesse aos espíritos, não bastava
indicá-lo com entusiasmo, era necessário acompanhá-lo com suas provas, isto é, as
razões que o justificavam, em suma, foi necessário fazer a teoria. É por isso que de
repente vemos o surgimento de toda uma gama de literatura educacional no século
XVI, e esta é a primeira vez na nossa história escolar. É Rabelais, é Erasmus, é
Ramus, é Budé, Vivès, é Montaigne, para falar apenas daqueles que são de
particular interesse para a França. (DURKHEIM, 1938, p. 7, tradução nossa).

Um dos fatores essenciais para essa revolução educacional, sobre a qual Durkheim
anuncia, foi o processo de inovação técnica e cultural, marcado pela introdução da impressão,
visto que a representação é central tanto para a mente humana quanto para a atividade
sociocultural. Neste ínterim, para empregar a tecnologia de impressão e papel, foi necessário,
antes de tudo, que o mundo se transformasse em sinais e estruturas de dados. Muitos livros
pequenos foram importantes para a Revolução Científica nos séculos XVI/XVII, como o
Grande Livro da Natureza descrito por Galilei55 em 1623, um dos mais importantes. François
Rabelais escreve em 1534, por exemplo:

55
―A filosofia está escrita neste grande livro que está continuamente aberto aos nossos olhos (digo o universo),
mas não pode ser entendida a menos que aprendamos primeiro a compreender a linguagem e a conhecer os
103

[...] A impressão está agora em uso, embora tenha sido descoberta, mas no meu
tempo, por inspiração divina [...]. O mundo inteiro está cheio de [...] vastas
bibliotecas e isso me parece como uma verdade o fato que nem mesmo no tempo de
Platão, Cícero e até de Papanês houvera tanta propensão aos estudos como vemos
hoje em dia. [...] (RABELAIS, 2004, p. 163, tradução nossa).

Elizabeth Eisenstein descreve os efeitos da impressão sobre a elite letrada da Europa


Ocidental pós-Gutenberg, bem como enfoca a importância de Ramus neste contexto.

Clareza e lógica de organização, a disposição da matéria na página impressa tornou-


se uma preocupação dos editores, quase um fim em si mesmo. É um fenômeno
familiar a um estudante de livros enciclopédicos do final do século XVI, relacionado
ao aumento do fascínio com as possibilidades técnicas de composição tipográfica e à
grande influência de Petrus Ramus. [...] A doutrina ramista de que cada assunto
podia ser tratado topicamente, que o melhor tipo de exposição era aquela que
procedia da análise foi entusiasticamente adotada pelos editores e editoras
(EISENSTEIN, 1979, p. 102, tradução nossa).

De fato, uma figura importante neste contexto, foi Petrus Ramus, que se destacou
como um reformador educacional preocupado, em especial, com a Educação Matemática. No
prefácio de seu livro, Graves descreve que:

É difícil entender por que Ramus foi tão negligenciado pelos escritores no século
XVI. [...] e ele está entre os grandes educadores, oradores efetivos e altos
personagens da história do mundo. Em muitos aspectos, ele parece um notável
precursor dos tempos modernos. Alcuíno, Abelardo, Petrarca, Valla, Erasmo,
Lutero, Ramus e Descartes são marcos que apontam o caminho do progresso do
medievalismo. No entanto, em poucas histórias gerais, a vida e o trabalho dessa
notável figura de reformador são detalhados. Em tratados escritos em inglês, ele mal
é mencionado, e embora tenha havido por meio século relatos estendidos de sua
carreira por escritores franceses, e que estudiosos alemães tardios têm feito
contribuições cuidadosas para elucidar as várias fases de seu trabalho, dificilmente
existe em qualquer lugar um relato completo de suas realizações, que inclui uma
análise de suas obras (GRAVES, 1912, p. VII, tradução nossa).

Petrus Ramus estudou e escreveu sobre várias disciplinas, muitas foram as suas
contribuições de tal modo que Durkheim (1938, p. 16) o destaca como:

[...] Um humanista eminente, era ao mesmo tempo um dialético que se comprometeu


a substituir os escolásticos por uma nova dialética; fez uma gramática latina, uma
gramática grega e uma gramática francesa, e sua gramática grega ainda foi elogiada
um século depois por Lancelot; empreendeu uma reforma racional da ortografia; foi
um dos primeiros matemáticos de seu tempo; escreveu sobre a Óptica e a

caracteres em que está escrita. Ele está escrito em linguagem matemática, e os seus caracteres são triângulos,
círculos e outras figuras geométricas, sem os quais é impossível compreender humanamente uma palavra, se
trata de uma vã peregrinação por um labirinto escuro.‖ (GALILEI, 1997, p. 16-17, tradução nossa).
104

Astronomia em Scolae physicae, em que tentou substituir uma ciência da natureza


pelas especulações abstratas da Idade Média, embora ainda não conhecesse o
método experimental; compôs um trabalho de táticas militares, De militia Caesaris,
do qual muito se falou durante algum tempo. Mesmo não sendo um especialista em
Direito e Medicina, estudou esses assuntos. Finalmente, tentou reformar a teologia
(Tradução nossa).

Petrus Ramus publicou cerca de cinquenta obras em vida e nove pós-morte; dentre
elas, no Quadro 12, apresentamos algumas que se destacam principalmente no âmbito da
Matemática:

Quadro 12 ‒ Algumas publicações de Petrus Ramus


Ano Obras

1543 - Aristotelicae Animadversiones


- Dialecticae partitiones
1544 - Tres orationes a tribus liberalium disciplinarum professoribus
- Euclides
1549 - Rhetoricae distinctiones in Quintilianum
1555 - Dialectique
- Arithmeticae libri tres
1559 - Liber de Militia C. Iul. Caesaris
1560 - Algebra
1562 - Prooemium reformandae Parisiensis academiae
- Advertissement sur la réformation de l'université de Paris
1565 - Scholarum physicarum libri octo
1566 - Scholarum metaphysicarum libri quattuordecim
- Actiones duae, habitae in senatu, pro regia mathematicae professionis cathedra
- Préface sur le proëme des mathématiques
1567 - Prooemium mathematicum
1569 - Scholarum mathematicarum libri unus et triginta
- Geometriae libri septem et viginti
1586 - Arithmeticae libri duo et Algebra todidem
Fonte: Elaborado pela autora

Em 1536, Petrus Ramus defendeu uma tese que versava sobre Aristóteles. Sua carreira
como professor começou no Collège du Mans, após ministrou aulas no Collège de l'Ave
Maria. Atraído por Johannes Sturm (1507‒1589) à Lógica retórica e ideias pedagógicas de
Rudolf Agricola (1444‒1485), Ramus empreendeu um programa de reeducação crítica que
culminou em um amplo ataque à Lógica aristotélica; em 1543, escreveu Aristotelicae
animadversiones. Após esta publicação, recebeu um contra-ataque liderado por Antoine de
Govéa, que intermediou a publicação de um decreto real, o qual proibiu Ramus de ensinar ou
escrever sobre temas filosóficos. Conforme Graves (1912, p. 38), ―Durante este período ele
fez sua primeira tradução latina de Euclides, que ele anonimamente dedicou ao seu patrono, o
Cardeal de Lorena [...].‖ (Tradução nossa).
105

Figura 12 ‒ Petrus Ramus (1515 ‒1572)

Fonte: Encyclopaedia Britannica56

Ramus elaborou um programa de publicações das edições e traduções de obras


matemáticas antigas, intitulado por Corpus Matheseos, um ambicioso projeto desta
envergadura, que fora formulado pela primeira vez, algo típico de um humanista renascentista
interessado em Matemática. Esse ousado projeto fora parcialmente realizado graças aos
esforços de um de seus alunos mais brilhantes, Jean Pena (1528‒1558). Dupré (2012, p. 505)
enfatiza que:

Seria difícil sobrestimar a contribuição do reformador humanista e educacional


Petrus Ramus para a óptica do século XVI. Em particular, os anos seguintes à
nomeação de Ramus para a Cátedra Regius de Eloquência e Filosofia no Collège
Royal em 1551 foram muito importantes [...] (Tradução nossa).

O desejo de Ramus consistia em estabelecer um excelente método de ensino


didaticamente justificado, um passo importante certamente foi o Corpus Matheseos. Para
Verdonk (1966), fica claro, a partir disto, observar Ramus como uma pessoa que trouxe
inovações ao campo da Matemática, todavia seus principais méritos estão no campo da
Didática e Metodologia.
Para Ramus, os aristotélicos perderam a adequada visão objetiva sobre ensinar, pois se
envolveram em uma teia estéril de sutilezas lógicas, ao se concentrarem nas formas do
silogismo, por exemplo, os escolásticos abandonaram o objetivo principal da Lógica, a saber,

56
ENCYCLOPAEDIA Britannica. Disponível em: https://cdn.britannica.com/s:700x500/00/178800-050-
402137AD/Petrus-Ramus.jpg. Acesso em: 01 dez. 2019.
106

a descoberta de argumentos e sua apresentação de uma maneira projetada para convencer seus
espectadores. Graves enfatiza sua contribuição para o abalo da autoridade de Aristóteles,
abrindo o caminho para libertar o pensamento da escolástica.

No início da década seguinte, veio a obra de Bacon, Descartes e Comenius, e deles


cresceu a sucessão apostólica do pensamento moderno - Locke, Berkeley, Leibniz,
Hume, Kant e Hegel, no campo da especulação, e, em a reforma da educação,
Rousseau, Pestalozzi, Herbart e Froebel. Embora Ramus e sua filosofia não possam
ser interpretados como pertencentes a esse grupo desperto, foi em certa medida,
através de seus esforços, que ocorreu a transição do escolasticismo para a Filosofia e
Educação moderna. Ele pelo menos libertou o espírito humano da masmorra de
Aristóteles e retirou-o do crepúsculo medieval. Ele melhorou todos os estudos
literários e de expressão e ajudou a dar início à Matemática e à Ciência. Parece
apropriado, portanto, achar Peter Ramus um líder nas reformas do século XVI e no
progresso em direção à civilização moderna e à iluminação (GRAVES, 1912, p. 218,
tradução nossa).

Consequentemente, Ramus voltou-se para a Retórica e a Matemática, em parte por sua


importância intrínseca, mas também como amparo para suas teorias lógicas. Em Dialectique
(1555), faz da dialética a arte de argumentar bem e raciocinar. De acordo com Ong, nesta
obra, Ramus procura ilustrar que o significado da dialética natural produz em seu treinamento
uma série das analogias. De modo que:

A física natural está relacionada ao diagrama do físico, assim como a Matemática


natural é a abstração matemática. […]. A série de analogias [...] revela sobre o
material que a mente do século XVI acumulou ao longo dos séculos com o
escolasticismo artístico e a geração humanista. Nota-se o método imediato [...] às
analogias geométricas. [...]. O primeiro recurso de Ramus são os diagramas da
Física - e a Física [...] que já nesta era pré-newtoniana, muito antes de ser
implementada pela Matemática de forma eficaz, é remetida a Geometria. [...] Para
Ramus o que representa a maior tradição pedagógica é a arte ou a ciência, que
apresenta diagramas. Além disso, por esta mesma razão, apela como sendo uma arte
por excelência. As regras de todas as artes e os princípios de todas as ciências são
melhor pensados, de uma forma ou de outra, como diagramas geométricos. [...] Uma
arte é de fato uma imagem da realidade - não num sentido complexo ou intricado,
pois não há mística neste tipo de pensamento - mas num sentido em que um mapa é
a imagem de um terreno (ONG, 2004, p. 180-181, tradução nossa).

Por isso, considerava a Matemática como um assunto essencial para todo aprendizado.
Em 1562, Ramus, passa a se envolver mais com questões políticas e religiosas, por isso
abandonou a Igreja Católica e se converteu ao Calvinismo. Estava convencido de que a
Matemática era um assunto de fundamental importância para toda a aprendizagem, inclusive
chegou a patrocinar uma cadeira de Matemática na College of France (GRAVES, 1912).
Assim, suas principais contribuições à Matemática dizem respeito a sua importante
influência no desenvolvimento do ensino de Matemática (VERDONK, 1966). Ele não provou
107

teoremas e de fato não era uma mente brilhante, porém seu modo de pensar e escrever foram
um sinal para uma mudança mais profunda que ocorreu apenas no Renascimento.
Sua abordagem pedagógica emerge mais claramente, na obra Arithmeticae libri tres
(1555) e, em 1567, sob o título Prooemium mathematicum, procurou primeiramente defender
a Matemática contra acusações relacionadas à sua falta de utilidade e obscuridade, bem como
dedicou-se ―[...] à apresentação e louvor dos matemáticos alemães e modernos.‖
(GOULDING, 2010, p. 36 apud SCHUBRING, 2018, p. 332, tradução nossa).
Em Scholarum mathematicarum libri unus et triginta (1569), evidencia o importante
papel da Álgebra. E, em 1560, publicou Algebra, primeiro anonimamente. Nela Ramus ―[...]
adapta o sistema cossista alemão para a internacionalização, porque Ramus transpôs as fontes
góticas do sistema original em letras latinas - tornando assim os seus sinais mais facilmente
compreensíveis e práticos para a impressão.‖ (SCHUBRING, 2018, p. 332, tradução nossa).
Ainda nesta mesma obra, enuncia as operações aritméticas para números positivos e
negativos, bem como opera com essas quantidades sistematicamente (ROQUE, 2012).
Ramus acreditava que a aprendizagem em Matemática havia declinado, e isso ocorrera
devido, em grande parte, à Platão e sua recusa em considerar as aplicações da Matemática.
Assim, a culpa pela negligência da Matemática estaria em primeiro lugar com Platão por ter
evitado sua aplicação prática e, depois, com Euclides por ter cortado os preceitos da
Geometria, de seu uso e por ter escrito Os Elementos em uma forma silogística e obscura,
ostensivamente seguindo os preceitos de Aristóteles.
Conforme Ramus, a cura para a obscuridade, em particular na Matemática, reside no
retorno ao ensino da Matemática com base em sua aplicação a problemas práticos. Ao
examinar a história da Matemática grega (em grande parte com base no resumo de Proclus),
Ramus insistiu nas origens, quando os antigos empregavam a prática tanto como para
fundamento teórico à filosofia natural quanto como uma ferramenta prática em áreas tais,
como Astronomia e Mecânica.
A Aritmética deve lidar com problemas de cálculos que ocorrem no mercado e nos
tribunais, a Geometria deve preocupar-se com a medição de distâncias, áreas, volumes e
ângulos, e com os tipos de problemas mecânicos a que Aristóteles aplicara às propriedades do
círculo em seu tratado sobre Mecânica, a teoria da proporção deve estar enraizada nos
problemas de preços e troca e nas aplicações da lei da alavanca (MAHONEY, 1980).

A propagação da definição de Ramus a respeito da dialética é marcada pela sua


insistência sobre a arte ser governada tanto por seu objeto, quanto por seu fim, ou
108

propósito. Estudava-se Geometria para medir bem, não para entender Matemática e
dialética para bem discursar. Isto poderia ser pensado para fazer uma distinção entre
uma arte orientada para o fazer ou para a ação e uma ciência orientada para o
conhecimento. Tal não é, entretanto, o caso. Ramus procede como se sua arte da
dialética e suas outras artes fossem orientadas para a ação e o conhecimento
simultaneamente (ONG, 2004, p. 176-179, tradução nossa).

Com tais características, os livros didáticos de Ramus sobre Matemática procuraram


efetuar essa cura reorganizando o conteúdo dos textos aritméticos tradicionais e de Os
Elementos de Euclides (junto com fragmentos de Arquimedes, Apolônio e Papus). Desse
modo, ele identificou os problemas, também relativos à escrita, apresentação e estrutura de Os
Elementos. Este fato se deve principalmente porque ele mesmo encontrara dificuldades ao
instruir-se praticamente sozinho, inclusive até parou de estudar por um tempo, mas depois
retomou seu trabalho. Ramus (apud GRAVES, 1912, p. 60) afirmou:

Eu estava com vergonha de parar assim, e trazendo-me de volta para o lugar onde eu
tinha me perdido, devorei o décimo livro e continuei o estudo de pirâmides, prismas,
cubos, esferas, cones e cilindros. Além disso, uma vez que eu tinha subido os
primeiros penhascos e aprendi os elementos de Euclides, eu li os Esféricos de
Teodósio e os Cilindros de Arquimedes. Eu já tinha dominado Apolônio, Serenus e
Pappus, e depois de alguns meses eu fui capaz de perfurar os últimos mistérios da
Geometria. (Tradução nossa).

Ramus almejava melhorar o ensino de Matemática, para tanto, efetuou traduções de


textos clássicos da Matemática, escreveu livros de cunho didático sobre Aritmética, Álgebra e
Geometria com o objetivo de incluir apenas os teoremas que poderiam ser aplicados. Assim, a
Matemática pura em relação à aprendizagem e aplicação oferecia pouco proveito, sendo
importante apenas quando era possível se trabalhar em conjunção com aplicações. Seguindo
esta linha de pensamento, estudou os métodos dos comerciantes e artesãos em Paris, a fim de
escolher o material diretamente aplicável. Considerava as provas matemáticas rigorosas como
de pouca importância, por isso, preferia um método natural. Ong (2004, p. 225) contextualiza,
explicando que:

Ramus viveu em uma época em que não havia uma palavra [...] que expressava
claramente o método como uma série de passos percorridos ordenadamente para
produzir com certa eficácia um efeito desejado. [...] O homem do século dezesseis
não negou o que hoje chamamos por método existente na atividade humana. Mas
[...] teorizando tendeu a se concentrar em procedimento ordenado na mente ou [...]
em procedimento ordenado no discurso. Mesmo na Medicina, uma disciplina
presumivelmente prática, o método ou procedimento em efetuar uma cura é
curiosamente amarrado com noções de explicar ou ensinar o procedimento
(Tradução nossa).
109

Ramus promoveu a Matemática como tema de estudo sério, cuja organização e


método poderiam ser trabalhados em outras ciências; entretanto, sua habilidade matemática e
visão rígida, ocasionaram certa empatia no meio acadêmico em relação ao seu trabalho.

[...] Embora sua apresentação seja clara, ele pode ter sacrificado o rigor extremo da
disciplina que fora reivindicado por alguns como o principal valor no estudo da
matemática, ele considerou a clareza mais importante e impiedosamente eliminou
toda a extraordinária complexidade. A ordem e a simplicidade de seu arranjo são
admiráveis, e suas demonstrações são claras e facilmente lembradas. Somos ainda
mais em dívida com ele como sendo talvez o primeiro a colocar os problemas de
Euclides na forma de proposições e teoremas, que também provou tal benefício para
a memória. O método de ensino que Ramus defendia para a Matemática foi tão
eficaz como o de outros assuntos, que fora baseado nos mesmos princípios. Depois
que as regras foram explicadas tão simplesmente quanto possível, o conhecimento
do aluno foi colocado em prática (GRAVES, 1912, p. 164-165, tradução nossa).

As contribuições de Ramus ao enfatizar a importância central da Matemática, aliadas


ao seu pensamento operacional ao insistir na aplicação da teoria científica e na solução prática
de problemas, ajudou a formular a busca pelo conhecimento operacional da natureza, fato que
marca a Revolução Científica (MAHONEY, 1970-1990).
E Frances Yates escreveu em seu The Art of Memory:

De todos os reformadores de métodos educacionais no século dezesseis o mais


proeminente [...] foi Petrus Ramus. […] aboliu a memorização artificial como parte
da retórica. Isto não foi porque Ramus não estava interessado em memorizar. Pelo
contrário, um dos principais objetivos do movimento Ramista para a reforma e
simplificação da educação era fornecer uma melhor maneira de memorizar todos os
assuntos. Isto era para ser feito com um novo método pelo qual cada assunto deveria
ser organizado em uma ordem dialética. Esta ordem foi estabelecida em forma
esquemática na qual os aspectos gerais ou inclusivos do assunto vieram primeiro,
seguidos por uma série de classificações dicotomizadas para os aspectos especiais
ou individuais. Uma vez que um assunto era estabelecido em sua ordem dialética,
então deveria ser memorizado nesta ordem de apresentação esquemática – o famoso
epítome Ramista. […]. Embora muitas influências sobreviventes da velha arte da
memória possam ser detectadas no método Ramista de memorizar através da ordem
dialética, ele ainda deliberadamente se livra de sua particularidade mais
característica, o uso da imaginação. [...] O estímulo natural para a memória não é
agora a imagem de memória emocionalmente excitante; é a ordem abstrata da
análise dialética que é ainda para Ramus, natural, já que a ordem dialética é natural
para a mente (YATES, 1984, p. 231-234, tradução nossa).

Essa mudança significava que o raciocínio não era mais um processo linear
intimamente associado à fala e à linguagem, mas se tornava organizado em termos
completamente especiais, sendo caracterizado pelos diagramas icônicos do mesmo modo
como os empregados na Álgebra e nas ciências empíricas, bem como na Botânica. O processo
da classificação construtiva da Geometria grega antiga começava com os conceitos mais
110

amplos e abrangentes, diferentemente do método de análise conceitual abordado por Ramus o


qual fora aplicável em todos os tipos de ciências.
Sobre esse ponto de vista, em 1569, Ramus publicou o livro Geometriae libri septem
et viginti, declarando fortes críticas à obra Os Elementos, de Euclides, quanto aos termos
conceituais, deste modo, apresentava-se o círculo e todas as suas características e assim por
diante para o triângulo, o retângulo e etc. A título de exemplo, a prova do primeiro teorema
em Os Elementos que versa sobre a construção de um triângulo equilátero:

I. Construir um triângulo equilátero sobre a reta limitada dada. Seja a


reta limitada dada AB. É preciso, então, sobre a reta AB construir um
triângulo equilátero. Fique descrito, por um lado, com o centro A, e, por
outro lado, com a distância AB, o círculo BCD, e, de novo, fique descrito,
por um lado, com o centro B, e, por outro lado, com a distância BA, o
círculo ACE, e, a partir do ponto C, no qual os círculos se cortam, até os
pontos A, B, fiquem ligadas as retas CA, CB. E, como o ponto A é centro
do círculo CDB, a AC é igual à AB; de novo, como o ponto B é centro do
círculo CAE, a BC é igual à BA. Mas a CA foi também provada igual à
AB; portanto, cada uma das CA, CB é igual à AB. Mas as coisas iguais à
mesma coisa são também iguais entre si; portanto, também a CA é igual à
CB, portanto, as três CA, AB, BC são iguais entre si. Portanto, o triângulo
ABC é equilátero, e foi construído sobre a reta limitada dada AB. [Portanto,
sobre a reta limitada dada, foi construído um triângulo equilátero]; o que
era preciso fazer (EUCLIDES, 2009, p. 99, grifo nosso).

Figura 13 ‒ Diagrama do Teorema I em Os Elementos

Fonte: Euclides (2009, p. 99)

A demonstração envolve a noção sobre círculo, contudo o conceito do círculo não tem
relação direta com o conceito de triângulo. Dessa forma uma das dificuldades consistia no
fato de misturar os vários tipos de relações conceituais.

Finalmente, em todas as partes da Matemática, mas especialmente na Geometria, a


desordem tem sido criticada desde o tempo de Ramus. De fato, os tipos de objetos
diferentes não são tratados nos teoremas individuais de Euclides. Primeiro há
triângulos, acompanhados por círculos que se interceptam em certos pontos, depois
ângulos, ângulos adjacentes e verticalmente opostos, depois a igualdade dos
triângulos e só muito mais tarde a sua semelhança que, no entanto, é derivada de um
terrível desvio, começando pela consideração de retas paralelas, e mesmo da área
dos triângulos, etc. Mas se considerarmos e se refletirmos como cada proposição
111

sucessiva, com aquela prova com a qual Euclides a entende, requer necessariamente
aquilo que a precede, então certamente devemos chegar à conclusão de que a razão
dessa desordem deve ser mais fundamental, pois todo o método de prova que
Euclides usa, deve estar incorreto (RUSS, 2004, p. 88, tradução nossa).

Sintetizando, a Revolução Científica dos séculos XVI a XVII emerge também de uma
mudança nos hábitos de pensamento e, em particular, de uma campanha pela certeza cognitiva
individual. Sendo este um problema central de Ramus e também de Descartes que, no livro
Discurso do Método, escreve:

Comprazia-me sobretudo com as matemáticas, por causa da certeza e da evidência


de suas razões; mas não percebia ainda seu verdadeiro uso e, pensando que só
serviam para as artes mecânicas, espantava-me de que, sendo tão firmes e sólidos os
seus fundamentos, nada de mais elevado se tivesse construído sobre eles
(DESCARTES, 2001, parte I, p. 11).

Devido às traduções latinas do século XVI, principalmente de Pappus e Arquimedes,


foi possível obter uma visão clara sobre a extensão das realizações gregas no domínio da
Geometria, principalmente pela atuação de Ramus. Após Ramus, os matemáticos François
Viète (1540 -1603) e Descartes deram continuidade ao processo de organização e influência
frutífera da Matemática, conforme Roque:

Nas outras regiões da Europa, essa influência de Arquimedes no Humanismo foi


mais tardia. Fora da Itália, um dos primeiros humanistas a conhecer bem a
matemática clássica e, ao mesmo tempo, apreciar Arquimedes foi o francês Petrus
Ramus. Para se contrapor à utilidade filosófica de Platão ou Euclides, Ramus
defendia o tipo de utilidade encontrada nas obras de Arquimedes. Segundo ele, mais
do que métodos e provas, o uso público da matemática deveria ser valorizado, e,
nesse sentido, o mais elevado pensador antigo era Arquimedes. Apesar da iniciativa
de Ramus, foram Viète e Descartes que tornaram essa influência mais frutífera. [...]
esses estudiosos franceses sistematizaram o uso da álgebra na resolução de
problemas geométricos, o que já era feito antes deles, mas de modo desordenado
(2012, p. 297, grifo nosso).

Assim vislumbramos o importante de trabalho de Petrus Ramus e de certo modo a sua


influência sobre Descartes. Com Ramus temos a organização, o retorno e a contemplação das
obras gregas. A preocupação de Ramus com o Ensino de Matemática é perceptível, também,
no trabalho de Descartes que desejava saber como o ser humano adquire conhecimentos
novos.

4.2 O projeto do método de Descartes em uma carta enviada a Beeckman (1619)


112

Na Antiguidade, havia uma observação cuidadosa e surpreendente sobre natureza dos


conceitos numéricos. Naquele tempo as quantidades eram representadas pelas relações entre
os objetos, de modo que não havia a descrição das quantidades representada por números.
Conforme observou Russell (2006), foram necessários muitos séculos para que o
homem relacionasse um casal de faisão e um par de dias como sendo ambos representantes do
número dois, pois contar uma coisa era diferente de enumerá-la. Para cada objeto adaptavam-
se as palavras para contá-los, por exemplo, ainda podemos exprimir a ideia do número dois
como sendo um par, um casal, ambos, parelha, junta etc.

[...] os geômetras gregos não ligavam diretamente números aos objetos que
estudavam. Um segmento de reta era um segmento de reta. Há segmentos iguais,
mais longos e mais curtos, e um segmento podia ser igual a dois outros unidos – mas
em nenhum momento os matemáticos gregos falavam no comprimento de um
segmento. Áreas, volumes e ângulos eram tratados como quantidades de espécies
diferentes, nenhuma das quais era necessariamente ligada a números [...]
(BERLINGHOFF; GOUVÊA, 2008, p. 17).

Ao passo que o mundo durante a Idade Média era significativo, a episteme clássica foi,
de fato, dominada pela tradição, lembrança e intuição obtidas por meio da experiência pessoal
ou coletiva. De acordo com Johan Huizinga (1999, p. 183), ―A Idade Média jamais esqueceu
que todas as coisas seriam absurdas, caso seus significados se esgotassem em sua função bem
como em seu lugar no mundo fenomenal e ainda mais se sua essência não alcançasse um
mundo para além deste.‖ (Tradução nossa). Portanto, todo conhecimento era técnico ou
metafórico, sendo a metáfora entendida como resultado da capacidade criativa para ver uma
coisa como sendo outra coisa. 57
Até então, conforme a visão grega, o desconhecido elevado a uma potência era
representado por dimensões geométricas. E mesmo a notação de Girolamo Cardano (1501‒
1576) ainda estava arraigada e formulada na antiga tradição grega assim: ―[...] Cardano só
podia conceber x3 significando o volume de um cubo de um lado desconhecido [...].‖
(BERLINGHOFF; GOUVÊA, 2008, p. 39). Por exemplo, a expressão x2 +10x = 39 era
traduzida em: ―[...] um quadrado e dez coisas (lados) fazem trinta e nove.‖ (Ibid., p. 181).

57
Nesse sentido, os números complexos como elementos do espaço vetorial constituem um ótimo exemplo, ou a
introdução de estruturas algébricas no domínio da Geometria. Destarte, as metáforas retóricas possibilitavam
visualizar algo sobre uma determinada luz ou perspectiva diferenciada, isto é, ver A como B onde A=B, ou
mesmo A como A sendo A=A.
113

E, para François Viète (1540‒1603), uma equação ax2+bx =c seria representada por: B
em A quadrado + C plano em A ig. D sólido58, ou, BA2+CA=D; deste modo, sua visão estava
voltada para quantidades como sendo equidimensionais. Assim: ―[...] multiplicar B por A2
daria uma quantidade ‗sólida‘ (isto é tridimensional). Ele especificava que C deveria ser
plana, de modo que CA fosse também sólida e que D deveria ser sólida.‖ (Ibid., p. 40). Visto
que a cada duas entidades existem aspectos semelhantes entre si, afigurava-se essencial
considerar o modo como escolher o terminus comparandi.
Descartes, no entanto, percebeu que a essência da Matemática não consistia apenas em
estabelecer comparações, mas também em combinação, deste modo, ele realiza uma
combinação entre o cálculo e a percepção ou generalização geométrica.
Entretanto no início de sua pesquisa, quando ainda bem jovem, projetou um programa
e um método para o qual os problemas relativos à grandeza contínua e discreta pudessem ser
tratados analogicamente. Então, programaticamente esboçou suas novas ideias e investigações
futuras em uma importante carta a Beeckman em 26 de março de 1619.
Issac Beeckman (1588‒1637) foi um grande amigo do jovem Descartes, que tinha
apenas 22 anos quando se conheceram. A amizade nasceu durante o período em que ambos
residiram em Breda, Holanda. Em 1609, em conferências com Rudolph Snell (1546‒1613),
Beeckman recebera informações sobre o método de Petrus Ramus, as quais, ao que tudo
indica, partilhou com Descartes. Timothy Lenoir (1979, p. 367-370) escreve:

Embora os aspectos técnicos do método analítico de Descartes possam ter surgido a


partir de considerações aos problemas clássicos, o fundamento ontológico de seu
pensamento matemático e metodológico traçou suas raízes até as fontes Ramistas
mencionadas no diário de Beeckman. […] As Regulae de Descartes estavam na
tradição renascentista em busca de um método universal de descoberta, sendo assim,
não é injustificável relacionar a epistemologia e metodologia de Descartes ao
movimento Ramista de reforma educacional que utilizou os métodos da Matemática
como um modelo para alcançar a certeza. (Tradução nossa)

De fato, como já mencionamos, o trabalho metodológico de Ramus visou reformar a


lógica aristotélica dentro do currículo. Os pedagogos renascentistas estavam interessados em
suplementar o silogismo tradicional com um método inovador e consideravam o método
algébrico apropriado para tais propósitos. O próprio Petrus Ramus escreveu:
―Verdadeiramente posso afirmar que o estudo não é nada, se não é matemático e um aluno
não é nada se não um matemático.‖ (RAMUS, 1569, p. 72, tradução nossa).

58
―Onde a vogal A é uma incógnita e as consoantes B, C e D representam parâmetros numéricos.‖
(BERLINGHOFF; GOUVÊA, 2008, p. 40).
114

Então Beeckman interpretou o conteúdo da carta como sendo desejo de Descartes em


reunir perfeitamente a Física à Matemática (ADAM; MILHAUD, 1936). A ideia essencial
consistia em estabelecer uma analogia frutífera entre Aritmética e Geometria. Descartes (apud
SHEA, 1991, p. 44) escreveu:

Na Aritmética, por exemplo, algumas questões podem ser resolvidas por números
racionais, alguns por números irracionais e somente outros podem ser imaginados,
mas não resolvidos. Para a quantidade contínua, espero provar que certos problemas
também podem ser resolvidos usando apenas linhas retas ou circulares, que outros
problemas requerem outras curvas para sua solução, mas ainda curvas que surgem
de um único movimento e que, portanto, podem ser rastreadas pelo novo compasso
[...] e finalmente que outros problemas só podem ser resolvidos por linhas curvas
geradas por movimentos separados [...] (Tradução nossa).

Descartes fez uso de vários métodos e construiu instrumentos, que chamou de novos
compassos, a fim de desenhar não apenas linhas retas e círculos, mas diferentes tipos de
curvas, bem como empregou uma notação algébrica simbólica adequada que foram realmente
essenciais para o avanço de suas pesquisas. Contudo, Belaval afirma que, na verdade,
Descartes não estava objetivamente interessado em desenvolver um método aritmético, mas
em unir a Álgebra e a Geometria.

Descartes não gostava da Aritmética, na qual, segundo ele, é preciso menos


genialidade e mais insistência do que em Geometria. [...] Mas mesmo em Álgebra, o
que é mais impressionante, observa Gaston Milhaud, ―é como Descartes afasta os
métodos algébricos que resultam em fórmulas numéricas calculáveis‖ e representa o
desconhecido (as incógnitas) por segmentos geométricos, e não por números
(BELAVAL, 1960, p. 199, tradução nossa).

Para alcançar prosseguir com seu projeto, Descartes inicia suas pesquisas. Em
Regulae, temos uma percepção desse projeto e, em La Géométrie, alguns resultados que nos
ajudam a compreender suas intenções.

4.2.1 Regulae ad Directionem Ingenii (1628)

Antes da Revolução Científica, os traços característicos das plantas eram pensados


com o propósito de determinar seus efeitos medicinais59. Não obstante, este ponto de vista
mudou durante a Revolução Científica e o trabalho de Descartes prefigura um papel
importante neste enquadramento.

59
Ver seção ―3.1 Michel Foucault (1926‒1984): a separação das palavras e das coisas‖, sobre Paracelso.
115

Um dos principais impacto da Revolução Científica do século XVI/XVII manifestou-


se também por meio uma mudança nos hábitos do pensamento e, em particular, de uma
campanha pela certeza cognitiva individual. Esse também foi um problema central para
Descartes e o objetivo geral de seu Discurso do Método: ―Comprazia-me, sobretudo com as
matemáticas, por causa da certeza e da evidência de suas razões; mas não percebia ainda seu
verdadeiro uso e, espantava-me de que, sendo tão firmes e sólidos os seus fundamentos, nada
de mais elevado se tivesse construído sobre eles [...].‖ (DESCARTES, 2001, p. 11). E um
pouco à frente escreveu seu ―Cogito, ergo sum‖ (―Penso, logo existo‖) (Ibid. p. 38).
As Regras para a direção do espírito, em latim Regulae ad directionem ingenii, foram
provavelmente redigidas entre 1620 e 1635, considerando algumas alusões bibliográficas nas
regras 2, 4 e 10. No total, foram escritas vinte e uma regras (MORÃO in DESCARTES, 1985,
Breve notícia).

Figura 14 ‒ Regulae, publicada em 1701, em latim

Fonte: The Open Library60

60
THE OPEN Library. The BookReader. [S. l.]: Internet Archive, 1965. Disponível em:
https://ia800700.us.archive.org/BookReader/BookReaderImages.php?zip=/14/items/regulaeaddirecti00desc/reg
ulaeaddirecti00desc_jp2.zip&file=regulaeaddirecti00desc_jp2/regulaeaddirecti00desc_0005.jp2&scale=16&rot
ate=0. Acesso em: 11 de nov. 2019.
116

Quase dez anos depois de seu projeto inicial declarado na carta a Beeckman, Descartes
procurava por um método geral cujas raízes ele acreditava estarem na Geometria antiga, mas
sendo mais geral, de fato, do que a Geometria e Aritmética. Descartes (1985, Regra IV)
escreve:

[...] É o que experimentamos, nas ciências mais fáceis, a Aritmética e a Geometria:


de fato, vemos que os antigos Geômetras utilizaram de uma espécie de análise que
estendiam à solução de todos os problemas, ainda que não a tenham transmitido à
posteridade. E agora floresce um gênero de Aritmética, que se chama Álgebra, que
permite fazer para os números o que os Antigos faziam para as figuras. Estas duas
coisas não passam de frutos espontâneos dos princípios naturais do nosso método
[...].

Descartes estava severamente preocupado com o paradoxo relativo à questão sobre o


entendimento, ou seja, como se pode chegar a novos conhecimentos? Platão interpretou, neste
sentido, que o homem alcança entendimento a respeito de alguma coisa, pois sua alma imortal
já contém as ideias fundamentais que determinam todo o universo, como no exemplo do
escravo Mênon61, ao resolver o problema da duplicação do quadrado, cuja solução fora
possível, pois ele já sabia resolver o problema. Assim, este tipo de reducionismo está
claramente conectado com o intuicionismo, ou seja, já existe uma ideia de como classificar as
coisas que serão encontradas, então se procura por analogias, comparações, medidas etc.
Nas primeiras linhas de sua Regulae, Descartes (1985, Regra I) explica como as
pessoas não observam as condições de igualdade:

Os homens costumam, sempre que reconhecem alguma semelhança entre duas


coisas, avaliar ambas, mesmo naquilo em que são diversas, mediante o que
reconheceram numa delas como verdadeiro. Realizam assim falsas aproximações
entre as ciências, que consistem exclusivamente no conhecimento intelectual, e as
artes, que exigem algum exercício e hábito corporal; e vêem que nem todas as artes
devem ser aprendidas simultaneamente pelo mesmo homem e que só aquele que
exerce uma única se transforma mais facilmente num artista consumado; as mesmas
mãos que se dedicam a cultivar os campos e a tocar cítara, ou que se entregam a
vários ofícios diferentes, não os podem executar com tanto desafogo como se a um
só se dedicassem. Julgaram que o mesmo se passaria com as ciências e, ao distingui-
las umas das outras segundo a diversidade dos seus objetos, pensaram que era
necessário adquirir cada uma separadamente, deixando de lado todas as outras.
Enganaram-se rotundamente.

Mas o ponto importante no final do Mênon, como Platão (2001) explica, existe outro
tipo de conhecimento, o matemático, e se não há nenhuma comparação, uma intuição ou um
conceito para explicar e descrever o desconhecido, então é necessário operar além da

61
Ver seção ―2.4. Obstáculos para uma abordagem semiótica‖.
117

hipótese, para que todo conhecimento novo não seja apenas uma redução do novo ao velho.
Para Platão (2001), pode acontecer de não termos uma mínima ideia sobre quase nada e, nesse
caso, temos que seguir o procedimento dos matemáticos que começaram a operar além das
hipóteses, isto é, trabalham com hipóteses aleatórias e procuram desenvolver as
consequências por meio da dedução ou calculação.
E Descartes (1985), em Regulae XIV, escreve: ―Para nos servirmos da ajuda da
imaginação, é preciso notar que, ao deduzir algo de determinado e desconhecido de outro já
conhecido anteriormente, nem por isso se depara sempre com um novo gênero de ser.‖. Ou
seja, o conceito da coisa já existe só não será possível:

[...] Há apenas um alargamento de todo o nosso conhecimento que nos faz


compreender que, de uma ou de outra maneira, a coisa procurada participa da
natureza daquelas que nos são dadas na proposição. Por exemplo, se alguém for
cego de nascença, não há esperança de alguma vez chegarmos por raciocínio a fazer-
lhe perceber verdadeiras ideias das cores, como as que temos ao extraí-las dos
sentidos; mas se alguém, outrora, tiver visto as cores principais, sem nunca ter visto
as cores intermédias ou mistas, pode acontecer que se formem também imagens das
que nunca viu, graças à sua semelhança com outras, mediante uma dedução
(DESCARTES, 1985, Regra XIV).

Assim, se sabemos o que são as cores e conhecemos as cores básicas, podemos


conhecer as outras cores mistas como o roxo.

[...] Do mesmo modo, se houver na pedra-ímã algum gênero de ser que nada tenha
de semelhante com o que o nosso entendimento até agora viu, não é de esperar que
alguma vez o venhamos a conhecer por raciocínio, pois, seria preciso ser dotado
para isso ou de um novo sentido ou de uma mente divina (DESCARTES, 1985,
Regra XIV).

Deste modo temos, primeiramente, um paradoxo no sentido de que realmente nunca


iremos encontrar coisas radicalmente novas, nas quais não haja conceitos, analogias, intuições
e assim por diante.

4.2.2 La Géométrie (1637)

E quase 20 anos após escrever a carta a Beeckman, Descartes publicou La Géométrie


(1637), como um apêndice ao Discurso do Método. Nas primeiras linhas, está escrito: ―Todos
os problemas de Geometria podem facilmente ser reduzidos a termos tais que é desnecessário
conhecer previamente mais do que o comprimento de algumas linhas retas para os construir.‖
(DESCARTES, 2009, 371.4-7).
118

Nesta obra, Descartes propôs a notação atual, utilizando x, y, z para quantidades


desconhecidas e a, b, c para quantidades conhecidas, usou expoentes sobre uma variável para
indicar a sua potência e ainda admitiu a representação de um número geometricamente como
2
o comprimento de segmento, por exemplo, pode significar um segmento cujo comprimento
2
é igual ao número .
Descartes menciona que a Álgebra significa a construção geométrica de soluções de
equações algébricas. Sua La Géométrie começa com um exemplo apropriado da solução
geométrica de uma equação algébrica de terceiro grau; ao fazê-lo, não resolve o problema da
duplicação do cubo, contudo, fornece os meios necessários, visto que não estava interessado
apenas na solução do problema, o que ele buscava era a solução geral do problema,
considerando que não era possível construir todos os pontos da parábola apenas com os
instrumentos usados por Euclides.
A solução baseada na Geometria de Descartes para o antigo problema grego da
duplicação do cubo supõe que se a é a aresta do cubo dado e x é a aresta do cubo duplicado,
então se deve procurar pelo volume do cubo duplicado que será x3, representado por x3=2a3,
em particular; se a=1, o número procurado será x3=2, ou √ . Mas foi preciso primeiro
representar este número para então definir a noção de um número construtivo e depois
mostrar que a raiz cúbica de dois não é um número construtivo. Pode-se resolver o problema,
a partir da solução particular x3=2; multiplicando por x ambos os membros da equação,
obtemos x4=2x, que pode ser representado pelas y= x2 e y2=2x. Assim, para construir um
segmento de valor √ , é suficiente esboçar as curvas, a abcissa do ponto de interceção
representa o valor procurado.62.

Figura 15 ‒ Esboço da interceção das curvas y= x2 e y2=2x

Fonte: Otte (2006, p. 142)

62
Ver ―Proof – analysis and continuity‖ (OTTE, 2006).
119

Esta é uma prova baseada na interação entre representações algébricas e geométricas,


que remonta à interação analógica de Descartes entre Álgebra e Geometria. Sendo importante
enfatizar que sua proposta permite usar uma parte da Matemática para resolver problemas de
outra parte da Matemática, que foge da característica do pensamento aristotélico, o qual versa
sobre a ―[...] homogeneidade da causa e do efeito, pela qual os gêneros são causa dos gêneros,
as coisas particulares das coisas particulares, o escultor da estátua, as coisas atuais das coisas
atuais, as coisas possíveis das coisas possíveis.‖ (ABBAGNANO, 2007, p. 125). Nesta
perspectiva, a homogeneidade entre objeto e método, por exemplo, na resolução de problemas
da Geometria, define a permissão apenas de métodos geométricos.
E, em seu Discurso do método (1637), Descartes (2001, p. 22) qualifica esta analogia
como segue:
[...] quanto à análise dos antigos e da álgebra dos modernos, além de só se
estenderem a matérias muito abstratas, e que parecem de nenhuma utilidade, a
primeira está sempre tão restrita à consideração das figuras que não pode exercitar o
entendimento sem fadigar muito a imaginação; e na última ficamos tão sujeitos a
certas regras e a certos sinais, que dela se faz uma arte confusa e obscura que
embaraça o espírito, ao invés de uma ciência que o cultive.

Por muito tempo, o método geométrico com provas utilizando apenas régua e
compasso predominou, mas Descartes, em certo sentido, desprende a Matemática da régua e
compasso, abrindo novos caminhos e perspectivas, com uma nova maneira de trabalhar, ou
seja, com uma abordagem algébrica da Geometria. Assim, evidenciou alguns problemas
obscuros, os quais os gregos procuraram evitar.

Em 1631, Jacob Golius, um professor de Matemática de Leiden, enviou para


Descartes um antigo problema geométrico ―Pappus em quatro linhas retas‖. A
solução antiga era desconhecida no século XVII, de modo que o problema tornou-se
um caso-teste para Descartes. [...] A resolução do problema de Pappus teria sido
impraticável sem ferramentas analíticas e a notação simbólica (SERFATI, 2008, p.
51-52, tradução nossa).

Portanto, Descartes conduziu uma prova de impossibilidade para o problema da


duplicação do cubo. Ele se absteve de fazê-lo, pois ficou mais satisfeito com a expansão de
seus próprios meios de construção, do que ser capaz de resolver o problema.
Estimulado por Petrus Ramus, Descartes observou a fertilidade acerca de um
tratamento analógico ou misto. E quando o sentido e o significado de uma referência se
120

tornaram moderadamente independente um do outro63, conquistou-se uma nova liberdade que


consiste em raciocinar sobre duas formas diferentes (OTTE et al., 2014).
Assim Os Elementos, em certo sentido, não possui lógica do ponto de vista formal e
com preposições que buscam provas aceitáveis, conforme Ramus advertiu. Com Descartes,
tem-se uma postura um pouco diferente, embora também estivesse preocupado com a
aplicação e utilidade prática da Matemática e a relação entre o método e objeto, seu trabalho
deu os primeiros passos rumo a Metamatemática, que floresceu com força e vigor apenas no
século XIX.
Esse passo em direção a Metamatemática permitiu uma enorme expansão no campo
das possibilidades técnicas ou operacionais aos matemáticos.64. De fato, já: ―[...] entre 1650 e
1750 a construção de equações era uma área reconhecida da pesquisa matemática e um
assunto padronizado em livros sobre Álgebra.‖ (BOS, 1984, p. 331, tradução nossa).
A Álgebra começou a dominar o pensamento matemático assim que esta passou a ser
considerada instrumentalmente, ou seja, como uma ferramenta com certas funções e foi
gradualmente se desprendendo da concepção estreitamente intuitiva e objetiva, que outrora
prevaleceu na Geometria euclidiana. Assim, a libertação da atividade cognitiva ampliou os
possíveis campos para os objetos matemáticos, o caso dos números imaginários evidencia
bem esse fato, os quais, à época, eram vistos simplesmente como funções da atividade
algorítmica.
A Álgebra, assim, era uma Metamatemática ou uma Meta-aritmética. Se a Matemática
é a ciência que se caracterizou como sendo conclusiva e a Lógica como a ciência dos
fundamentos, então se pode concluir que a Álgebra é também uma parte da Lógica. E o
método de coordenadas abriu caminho para um patamar mais alto, neste sentido.65

63
Ver seção ―4.1 Petrus Ramus (1515‒1572) e o Ensino de Matemática‖.
64
Evidentemente a caracterização cartesiana referente aos números e grandezas não fortaleceu o pensamento
conceitual. E para uma mente crítica, existe confusão de tipos lógicos no sentido de Bertrand Russell, porque
os números não são quantidades, mas sim relações entre quantidades. Ver citação de Russel (2006, p. 191-
192).
65
No século XIX, Gauss introduziu um método para a solução de sistemas de equações lineares. Seu trabalho
versava principalmente sobre as equações lineares, contudo ainda não trazia a ideia de matrizes ou suas
notações. Seus esforços trataram de equações de diferentes números e variáveis, bem como as tradicionais
obras de Euler, Leibniz e Cramer anteriores ao século XIX. O trabalho de Gauss é agora resumido pelo termo
do Método da Eliminação de Gauss (ou escalonamento). Este método usa os conceitos de combinar, trocar ou
multiplicar linhas entre si, a fim de eliminar variáveis de certas equações. Depois que as variáveis são
determinadas, o aluno deve usar a substituição posterior para ajudar a encontrar as variáveis desconhecidas
restantes.
121

4.3 Descartes versus Leibniz

Descartes não era formalista ou algébrico, diferentemente de Leibniz;


consequentemente, ele descreveu a formação de um objeto do conhecimento como sendo uma
forma de combinação intuitiva:

[...] e não imaginamos de outra forma a figura de uma coroa, quer seja de prata ou de
ouro. Esta ideia comum não se transfere de um sujeito para outro a não ser por uma
simples comparação: afirmamos que o que se procura é, segundo este ou aquele
aspecto, parecido, idêntico ou igual a um objeto dado, de tal forma que, em todo o
raciocínio, é apenas por uma comparação que conhecemos a verdade de uma
maneira precisa. [...]. Mas porque, como já advertimos, as formas dos silogismos em
nada nos ajudam a perceber a verdade das coisas, será de toda a vantagem para o
leitor, depois de as ter completamente rejeitado, conceber que todo o conhecimento,
que não se obtém por meio de intuição pura e simples de um objeto isolado, se
consegue apenas pela comparação de dois ou mais objetos entre si (DESCARTES,
1985, Regra XIV).

Descartes descreve a constituição do objeto de conhecimento ou insight. Mas em


muitas ocasiões não é suficiente apenas ter uma ideia, sendo preciso aplicá-la. Por exemplo,
uma equação algébrica deve ter uma solução, uma teoria deve ser aplicável, uma máquina
deve funcionar e um conceito científico é essencialmente uma função.
Para os modernos, desfraternizados da visão platonista, um número é essencialmente
uma função. As crianças aprendem números como números ordinais contando e transformam
3 em qualquer x, ou seja, x+3. Assim um algoritmo, teoria ou ferramenta devem ter uma
funcionalidade para serem aceitos. Uma lâmpada que não fornece luz, uma faca que não corta,
um saca-rolhas que não tira a rolha, todos são objetos inúteis e para estas finalidades são
desprezíveis.
As representações matemáticas ou científicas ganham significado apenas na aplicação.
No entanto, faz-se necessário descobrir qual será o significado das coisas ou objetos, de tal
modo que, em geral uma teoria científica encontra seu significado apenas em futuras
aplicações ainda desconhecidas.
Uma representação, assim como a de uma fórmula matemática, assemelha-se uma
espécie de empobrecimento da riqueza e força da experiência interior e intuição, mas, como
foi dito, a objetividade e o desenvolvimento operativo dos conceitos estão conectados. Este
interesse pela fertilidade operativa dos conceitos científicos e matemáticos cresceu,
estrondosamente, durante a Revolução Científica na época do Barroco 66, quando a

66
Ver ―3.1 Michel Foucault (1926‒1984): a separação das palavras e das coisas‖.
122

preocupação por métodos seguros começou a crescer. ―Desde o final do século XVI, cada vez
mais autores optam pela certeza do método e o método matemático ganha importância, pois é
o mais seguro.‖ (SCHÜLING, 1969, p. 76, tradução nossa).
O fato é que Descartes não exclui a intuição, mas endossa uma concepção diferente a
respeito da intuição e percepção. D. e A. Hausman (1997, p. XIII) na introdução do livro,
intitulado Descartes's Legacy, explicaram que:

A preocupação de Descartes é sobre como uma representação interna ‒ uma ideia ‒


nos fornece informação. A semelhança entre representação e representado não vai se
sustentar, dada a natureza da interação causal entre o perceptor e o mundo. O que
Descartes coloca no lugar de um princípio de semelhança ‒ o que chamamos de
ideias intencionais ‒ marca o que ele e algumas figuras modernas viram como uma
crucial inovação ontológica (Tradução nossa).

Para os racionalistas clássicos, como Descartes e Leibniz, o problema era encontrar


uma proposição que conduzisse diretamente à sua própria validade. Mas as suas opiniões
sobre os fundamentos da Matemática eram muito diferentes.
Descartes acreditava na intuição, Leibniz acreditava na identidade formal. Leibniz
desenvolveu a prova formal, como a conhecemos hoje (HACKING, 1980). Ele obteve as
ideias essenciais da aritmetização da Geometria de Descartes, que foi ao mesmo tempo uma
geometrização da Aritmética.
Leibniz criticou Descartes por ele não ter ido suficientemente longe na busca pelos
primeiros fundamentos axiomáticos do conhecimento. Ocorre que Descartes era um geômetra
e não apreciava tanto a Aritmética ou Álgebra, ao contrário de Leibniz que era um formalista
algébrico, espírito este que estimulou Leibniz a criar a ideia de uma prova formal, bem como
basear a verdade nesta prova, totalmente reversa ao sentido ou intuição (HACKING, 1980).
As intuições ou percepções de Descartes se mostram menos estáveis, pois se
constituem uma propriedade pessoal do indivíduo. Consequentemente, não se permitem ser
ensinadas ou comunicadas, todavia são mais férteis do que qualquer prova formal, Hacking
(1980, p. 176-177) revela que:

Costumamos lê-lo com um ego, preso no mundo das ideias, tentando descobrir o que
corresponde às suas ideias, e ponderando questões da forma 'Como posso saber?‘
Debaixo do seu trabalho há uma preocupação muito mais profunda. Há alguma
verdade em tudo, mesmo no domínio das ideias? A verdade eterna, diz-nos ele, são
‗percepções [...] que não têm existência fora do nosso pensamento‘. Mas, o nosso
pensamento, são, de certa forma, percepções isoladas. Eles podem ser sistematizados
por síntese, mas isso não tem nada a ver com a sua verdade. O corpo de verdades
eternas que abrangia a Matemática, Física neoaristotélica e talvez toda a realidade
era um sistema de verdade autoautenticante intimamente ligado por demonstração.
123

Para Descartes só há percepções que não estão ontologicamente relacionadas com


nada e, além disso, nem sequer são candidatas a ter alguma verdade fora da minha
mente. Uma pessoa é levada, penso eu, a um novo tipo de preocupação. Não posso
duvidar de uma verdade eterna quando a contemplo clara e distintamente. Mas
quando deixo de contemplar, é uma questão de saber se há verdade ou falsidade no
que me lembro de ter percebido. Bréhier sugeriu que as propostas demonstradas
podem ser falsas. Parece-me que as proposições cartesianas, que se tornaram
solitárias e isoladas, estão ainda em pior estado. Talvez nem eles nem as suas
negações tenham uma verdade. Eles existem na mente apenas como percepções.
Têm algum status quando não são percebidas? Quando a demonstração não pode
unificar e dar 'substância' a essas verdades, a constância de um Deus voraz como em
uma arena em que as essenciais de mundos possíveis competem pela existência, [...]
é necessária não só para garantir nossas crenças, mas também para assegurar que
haja alguma verdade para acreditar (Tradução nossa).

As visões de Hacking são interessantes, mas extremas e historicamente inviáveis.


Obviamente é mais frutífero relacionar as diferenças entre Descartes e Leibniz com a velha
discussão sobre a diferença entre resolução de problemas versus construção teórica.
Entretanto, mesmo com respeito a Euclides e às várias interpretações que lhes foram
atribuídas, ainda não havia clareza, sobre o que dominavam os objetos, isto é, se seria o
conhecimento ou função e propósito, seria a episteme ou techne. Isso é mostrado nos
comentários de Proclus (1970, p. 77-78):

Agora alguns dos antigos, no entanto, como os seguidores de Speusippus e


Amphinomus, insistiam em chamar todas as proposições de 'teoremas', considerando
'teoremas' como designações mais apropriadas do que 'problemas' para os objetos
das ciências teóricas, uma vez que essas ciências lidam com coisas eternas. Não há
como alcançar os eternos e, portanto, um problema não tem lugar aqui, propondo
como faz para trazer à existência ou fazer algo que não existe anteriormente ‒ como
construir um triângulo. [...] equilátero, dizer que todos esses objetos existem e que
nós olhamos para a nossa construção, não como fazendo, mas como
compreendendo-os [...]. Outros, pelo contrário, como os matemáticos da escola de
Meneachmus, acharam correto dizer que todas as indagações são problemas
(Tradução nossa).

Tim Gowers (2000), matemático distinto e medalhista Fields, aborda uma situação
semelhante na cultura matemática, identificando duas culturas diferentes, as quais são
familiares a todos os matemáticos profissionais. A distinção entre os matemáticos que
consideram seu objetivo central como sendo o de resolver problemas, e aqueles que estão
mais preocupados em construir e compreender teorias.
Ao passo que o ponto de vista de Ian Hacking representa melhor a atitude da filosofia
analítica cotidiana, sendo que a distinção da filosofia analítica, em suas diversas
manifestações e em outras escolas está baseada na crença, pela qual primeiramente um relato
filosófico do pensamento pode ser alcançado por meio de um relato filosófico da linguagem e,
124

segundo, que um relato abrangente só pode ser alcançado desta maneira (DUMMETT apud
HACKING, 1980).
Mas a Matemática não é uma linguagem e o conhecimento matemático não pode ser
reduzido às construções linguísticas. A título de exemplo, considere as provas clássicas que
versam sobre a existência de Deus, o racionalismo exigia que Deus fosse o mantenedor da
conexão entre os sinais/intuições e os objetos. Algo semelhante à atual situação, em que a
comunidade científica, geralmente, decide sobre a validade de uma prova, de fato, as provas
sobre a existência de Deus tornaram-se importantes e tanto Leibniz como Descartes e muitos
outros buscaram enquadrar-se a tal prova:

Um argumento a favor da existência de Deus, celebrado entre os escolásticos há


muito tempo e reavivado por Descartes, levou-me uma vez a considerar este ponto
mais claramente. O argumento é: o que quer que resulte da ideia ou definição de
qualquer coisa pode ser baseado nessa coisa. Como o ser mais perfeito inclui todas
as perfeições, entre as quais se encontra a existência, a existência decorre da ideia de
Deus. Portanto, a existência pode ser baseada em Deus. […]. Mas devemos perceber
que a partir desse argumento podemos concluir apenas que Deus é possível, a partir
desse argumento não podemos usar com segurança definições para tirar conclusões,
a menos que saibamos primeiro que são definições reais, ou seja, que não incluem
contradições (LEIBNIZ, 1989, p. 25, tradução nossa).

Leibniz acreditava obviamente que a existência de um objeto é uma consequência da


consistência de seu conceito. Neste viés, a visão de Leibniz não é superior à de Descartes,
pois implica em admitir que tudo o que é possível também existe, fato que é um absurdo. Por
isso, Kant contestou o argumento ontológico, visto que, em sua opinião a existência não é
propriedade de alguma coisa, dizer que x existe não acrescenta nada ao conceito de x. Dado
que o conceito não é apenas uma coleção de algumas características relacionadas ao objeto,
este pensamento é contrário à visão comumente defendida desde Aristóteles e compartilhada
por Leibniz.
O princípio da coerência se aplica, segundo Kant, quando existe um objeto dado, pois
a afirmação de que ―[...] um triângulo tem três ângulos, é absolutamente necessária e assim se
falava de um objeto, que está totalmente fora da esfera do nosso entendimento, como se
compreendesse perfeitamente o que se quer dizer com o seu conceito.‖ (KANT, 2001, B 622).
Frege partilhava a opinião de Kant sobre o princípio da não-contradição e afirmou
―[...] visto que a existência é uma propriedade do conceito, a prova ontológica da existência
125

de Deus não atinge seu objetivo.‖ (FREGE, 1980, §53). E McGinn (2000, p. 18) 67 ilustra esta
visão da existência fazendo analogia aos tigres.
Ou, dito em termos de funções proposicionais: dizer que os tigres existem é dizer que
a função proposicional x é um tigre é às vezes verdadeira. Vários tipos de objeções podem ser
apresentadas contra essa visão de existência. Primeiro, não se pode definir a existência dessa
forma: ―Uma vez que a noção de instanciação deve ser tomada para ter existência embutida
nela, devem ser coisas existentes que instanciam a propriedade.‖ (MCGINN, 2000, p. 22,
tradução nossa). E o segundo uso matemático existe como um predicado da maneira usual,
mas o usa relativamente a um universo de discurso pretendido.
Para descrever algo matematicamente, conforme Descartes, é importante introduzir
um quadro de referência, ou melhor, um sistema de coordenadas. Para tanto, é preciso
escolher três pontos em uma posição adequada no plano, por conseguinte, qualquer objeto
pode ser então descrito indiretamente em termos de coordenadas aritméticas. Assim: ―[...] o
conjunto de conceitos teóricos estabelecidos apresentam uma fundamentação universal
definindo todas as construções matemáticas usando, para tanto, uma generalização através de
uma imagem geométrica.‖ (MANIN, 2007, p. 92, tradução nossa). Consequentemente,
conclui-se que a aplicação da Matemática é baseada em uma combinação entre indicação e
dedução. Nessa perspectiva, Euclides constrói figuras ao passo que Descartes constrói
funções.
Foram necessários cerca de 150 anos para se desenvolver uma Matemática Formal,
estabelecida por axiomas e provas semelhantes às aspirações de Leibniz. E somente durante a
Revolução Industrial, no século XIX, novas filosofias da ciência, como o Pragmatismo, o
Operacionalismo e as tendências metodológicas semelhantes, tornaram-se mais explícitas
(HENSEL; IHMIG; OTTE, 1989).
O operacionalismo é comumente considerado uma teoria do significado que afirma:
―[...] entendemos um conceito como sendo um conjunto de operações, isto é, o conceito é
sinônimo do conjunto de operações correspondente.‖ (BRIDGMAN, 1927, p. 5, tradução
nossa). O objetivo original do operacionalismo era eliminar os conceitos mentais e subjetivos,
os quais dominaram a Filosofia na ciência antiga, bem como a teoria da Psicologia.
Nas Ciências Naturais, o operacionalismo encontra um dilema que Charles Peirce
expressou em seu princípio Pragmatic Maxim: ―Considere quais efeitos, podem
concebivelmente gerar consequências práticas, nós imaginamos ter o objeto de nossa

67
Ver seção ―2.4.2 O psicologismo dos professores‖.
126

concepção. Então, a nossa concepção a respeito desses efeitos é a totalidade de nossa


concepção acerca do objeto.‖ (PEIRCE, W 3.266, tradução nossa).
O Maxim favorece certamente o operacionismo científico e os interesses do sujeito
epistemológico, dirigindo-se contra o intuicionismo de Platão ou Descartes e o seu apelo à
autoevidência a priori. Peirce comenta sobre isso cerca de 25 anos depois, em 1902, em uma
contribuição ao Dictionary of Philosophy and Psychology de Baldwin. O Pragmatic Maxim:

[...] pode facilmente ser mal aplicado [...] A doutrina parece assumir que o objetivo
final do homem é a ação, na hipótese contrária, se admitirmos que a ação quer um
fim, e esse fim deve ser algo similar a uma descrição geral, então o espírito da
própria máxima, será que devemos olhar para o resultado de nossos conceitos a fim
de apreendê-los corretamente, mas isso nos levaria a algo diferente dos fatos
práticos, ou seja, às ideias gerais, como sendo os verdadeiros intérpretes do nosso
pensamento (PEIRCE, CP 5.3, tradução nossa).

Peirce quer com este comentário justificar a criação de entidades como os números
imaginários ou a doutrina dos incomensuráveis que representam uma contradição entre as
determinações definitivas do mundo cotidiano, por um lado, e o mundo da teoria e do
desenvolvimento, por outro lado, entre ação direta e inteligibilidade geral e razoável. Nesse
sentido, a Complementaridade entre ideias e objetos corresponde, portanto, a outro do lado do
sujeito.
Uma consequência importante da extrema ênfase em aplicações específicas e
funcionalidade pragmática é a perda de metáforas. O que Peirce descreve em sua máxima
poderia ser reproduzido semioticamente como Complementaridade entre função e metáfora. A
metáfora requer uma metaperspectiva e serve para generalizar. Metáforas são argumentos ou
mesmo teorias, porque conectam diferentes campos conceituais. No entanto, o funcional e o
metafórico não são completamente independentes um do outro, pelo menos não no nosso
pensamento.
Neste capítulo, ressaltamos o grande feito de Descartes ao perceber o potencial da
atividade científica e matemática utilizando um símbolo para representar o objeto
desconhecido, consequentemente ele introduziu o método experimental no pensamento. Seu
trabalho culmina na inovada junção entre Geometria e Álgebra, abrindo caminho para as
teorias axiomáticas na Matemática, como a Álgebra Linear.
127

5 A ÁLGEBRA LINEAR

Neste capítulo, na seção Uma breve contextualização, retomamos alguns assuntos já


abordados para então apresentarmos a seção Hermann Grassmann e a mudança do conceito
de axioma. Grassmann foi um revolucionário e outsider (forasteiro) da comunidade
matemática. Ele efetuou uma mudança no conceito de axioma, reforçando a ruptura descrita
por Foucault, criou uma nova noção sobre teoria e relação entre a teoria e a aplicação na
Matemática e na Física. Os axiomas deixaram de ser verdades incontestáveis para ser
considerados hipóteses.
Na seção Graeub: Lineare Algebra, temos um importante livro moderno que
introduziu todos os conceitos de Álgebra Linear em termos axiomáticos: o Lineare Algebra
(1958). A obra contém elementos para um curso de pós-graduação em Matemática Pura. Por
isso, o retratamos de forma breve para que o leitor adquira uma compreensão geral da obra.
Nesse sentido, na seção Lineare algebra: gênese e implicações, buscamos descrever o
contexto histórico do Lineare algebra, do qual participam importantes matemáticos, como
Hilbert, Noether, Waerden e Bourbaki.
Já na seção Dois exemplos, mencionamos primeiramente o exemplo da Analogia entre
os imaginários e os irracionais. Nessa seção, destacamos a importância da representação
geométrica dos números imaginários e a representação, em forma decimal (com vírgulas),
para números irracionais. Tanto no caso dos números imaginários como no dos irracionais,
houve necessidade de apresentar uma referência para obter um sentido. No segundo exemplo,
Um resultado da teoria dos determinantes, apresentamos a prova do teorema que versa sobre
a multiplicação de determinantes, tanto na forma geral, marcada por vários cálculos e
símbolos matemáticos, como por meio do pensamento conceitual, na perspectiva da
axiomática.
Em linhas gerais, neste capítulo, procuramos exemplificar, por meio da Álgebra
Linear, a importância da Complementaridade entre sentido e referência dos símbolos da
Matemática no viés da abordagem semiótica.

5.1 Uma breve contextualização


128

A carta de Descartes escrita a Beeckman, datada de 26 de março de 1619, desenha


uma analogia entre Aritmética e Geometria68. Isso é normalmente interpretado em termos de
uma aritmização da Geometria à transformação da Geometria em uma Geometria Analítica.
Mas poderia também ser interpretada como uma geometrização da Aritmética, porque
confronta a ciência na busca pela existência e natureza dos objetos aos quais se refere, bem
como por descobrir novas verdades.
Os chamados números imaginários, por exemplo, eram determinados apenas em seu
sentido operativo, nenhuma referência objetiva podia ser-lhes atribuída, até que Gauss
encontrou uma interpretação geométrica.69.
No curso histórico da Matemática, a fim de realizar todas as operações algébricas
possíveis, novos sinais e números foram sendo introduzidos. As questões relativas à
referência desses novos signos passaram a serem levantadas com maior frequência. Atento a
esta problemática, Frege tentou resolvê-la de forma conservadora, buscando justificar a
aplicabilidade universal da Aritmética com números referentes às extensões de conceitos.
Para esclarecer essa questão, em Fundamentos da Aritmética, ele exemplifica utilizando o
número no contexto de um juízo no qual se evidencia sua original aplicação:

[...] Se observando o mesmo fenômeno exterior posso dizer de modo igualmente


verdadeiro: ‗Isto é um grupo de árvores‘ e ‗isto são cinco árvores‘, [...], o que varia
não é o objeto singular nem o todo, o agregado, mas sim minha maneira de
denominar. No entanto, isto é apenas índice da substituição de um conceito por
outro (FREGE, 1980, §46).

As duas expressões ‒ ―isto é um grupo de árvores‖ e ―isto são cinco árvores‖ ‒ são
duas representações diferentes da mesma extensão de um conceito. E Frege continua:

Impõe-se assim, [...] que a indicação numérica contém um enunciado sobre um


conceito. É o que fica talvez mais claro no caso do número 0. Se digo: ‗Vênus tem O
luas‘, não há absolutamente nenhuma lua ou agregado de luas sobre o que algo se
pudesse enunciar; mas ao conceito ‗lua de Vênus‘ atribui-se deste modo uma
propriedade, a saber, a de não subsumir nada. Se digo ‗a carruagem do imperador é
puxada por quatro cavalos‘, atribuo o número quatro ao conceito ‗cavalo que puxa a
carruagem do imperador‘ (FREGE, 1980, §46).

A partir dessas frases podemos conjeturar que, para Frege, o sentido, isto é, a
representação em si ou a intenção não é importante, sendo apenas uma maneira pela qual um

68
Veja ―4.2 O projeto do método de Descartes em uma carta enviada a Beeckman (1619)‖.
69
Observe que a própria introdução de números negativos sempre foi um problema. Tanto que os números
racionais positivos ainda são introduzidos nas escolas, na maioria dos países, antes dos números negativos. E a
reforma da Matemática Moderna começou com a teoria dos conjuntos exatamente pela mesma razão.
129

determinado objeto é apresentado ou dado. Frege não percebeu as transformações que


ocorreram na teoria matemática, conforme Cassirer (1953) destacou na transformação do
conceito de substância para o conceito de função.70.
De acordo com Cassirer (1953), até o final século XVIII, os conceitos foram baseados
em pensamentos ou conhecimentos com sendo verdadeiros. Consequentemente, noções como
as de axioma e hipótese eram antagônicas mas, após o século XIX, ocorrem transformações, e
esses termos passaram a ser concebidos como sinônimos.
A realidade é que os matemáticos pesquisadores desejavam explorar o desconhecido,
por isso não aceitaram pacificamente uma espécie de harmonia preestabelecida entre a coisa e
o universo dos objetos. E de fato, se desejamos desenvolver a Matemática como uma
ferramenta de pesquisa, devemos considerar que o objeto da pesquisa não é conhecido e até
mesmo entender que este pode não existir.71
Portanto, os matemáticos desde Grassmann à Peirce introduziram algo que Piaget
chamou de abstração reflexiva, ou seja, abstração das próprias operações do matemático
(BETH; PIAGET, 1961, p. 187). E Peirce havia chamado o mesmo processo de abstração
hipostática (PEIRCE, CP 235).
Essa mudança é também perceptível em Foucault (2000), quando relata sobre a
separação entre as palavras e objetos ou podemos dizer entre o sentido e a referência. De igual
natureza, a nova compreensão da axiomática e a separação da Matemática de aplicações
imediatas, bem como de interpretações filosóficas, completam estes desenvolvimentos. E,
com base nesta conclusão, podemos compreender melhor a importância da
Complementaridade.

5.2 Hermann Grassmann e a mudança do conceito de axioma

Hermann Günther Grassmann (Graßmann) nasceu no dia 15 de abril de 1804, em


Sttetin, portanto, há 215 anos, descendente de uma família, cuja genealogia foi consagrada por
pastores protestantes, provenientes da região norte da Alemanha, em Pommern. Seu pai foi
Justus Günther Grassmann (1779‒1852), teólogo e professor de Matemática no Marienstifts-
Gymnasium, em Stettin. Seu filho Hermann graduou-se como professor de gramática e pastor
(SCHUBRING, 2009).

70
Ver seção ―3.2 Ernst Cassirer (1874‒1945): a transformação do conceito de conceito‖.
71
Como no caso de uma equação, cuja solução não existe.
130

Figura 16 ‒ Hermann Günther Grassmann (1809‒1877)

Fonte: Schubring (2009, p. 181)

Estudou na Universidade de Berlim, onde também atuou como professor, em 1834, na


escola técnica. Em 1844, publicou sua obra Die Lineale Ausdehnungslehre, ein neuer Zweig
der Mathematik dargestellt und durch anwendungen auf die ubrigen Zweig der Mathematik,
wie auch auf die Statik, Mechanik, die lehre vom Magnetismus und die Krystallonomie
erlautert (A teoria da extensão lineale, um novo ramo da Matemática ilustrado através da
aplicação nos demais ramos da Matemática, bem como na Estática, na Mecânica, na teoria
do Eletromagnetismo e na Cristalografia explicada). De modo abreviado, apenas Die Lineale
Ausdehnungslehre (A Teoria da Extensão Lineale72) (NASCIMENTO, 2013).

72
Sobre o significado da palavra linear, Beutelspacher (1996, p.6-7) escreve: [...] (Gostaria de agradecer a Gert
Schubring por esta dica.) Isto não é, como é frequentemente assumido, uma versão mal traduzida como ―linear‖.
É o adjetivo ao substantivo ―Lineal‖ que se refere a instrumento. Há algo mais profundo nisso. É muito provável
que o ―linear‖ se refira à primeira parte do "Ausdehnungslehre" em oposição a uma segunda parte (nunca
publicada) de um ―circuläre Ausdehnungslehre‖ que deveria tratar de medidas circulares, tais como ângulos,
rotação, etc. (Tradução nossa).
131

Figura 17 ‒ Capa do livro Die Lineale Ausdehnungslehre, 1844

Fonte: Print screen do livro em pdf (1844)

Em Ausdehnungslehre, de 1844, no primeiro título ―A. Dedução do conceito de


matemática pura‖, Grassmann divide as ciências em duas classes, as formais e as reais. Ao
aludir às formais, observa que seu objetivo consiste naquilo que foi definido pelo próprio
pensamento, e suas condições de verdade se referem à correspondência entre os vários
processos do próprio pensamento. Ao passo que a reais são caracterizadas pela oposição entre
o ser objetivo e o pensamento, que têm a sua verdade, portanto, na correspondência entre o
pensamento e o ser.

Quadro 13 ‒ As classes de divisão das ciências em Grassmann


Formais Reais

Característica O objeto consiste naquilo que foi Oposição entre o ser objetivo e o
definido pelo próprio pensamento. pensamento.
Verdade Correspondência entre os vários Correspondência do pensamento com o ser.
processos do próprio pensamento.
Fonte: Elaborado pela autora (GRASSMANN, 1844, A1)

Hermann Grassmann explica sua classificação das Ciências Matemáticas apontando


que toda a Matemática está sujeita a uma teoria das formas. Ele inicia sua Teoria da Extensão
132

(Audehnungslehre), fornecendo uma visão geral sobre a teoria geral das formas: ―Por teoria
geral das formas entendemos aquela série de verdades que se referem igualmente a todos os
ramos da Matemática e, portanto, pressupõem apenas os conceitos gerais entre igualdade e
diferença, e entre combinação e separação.‖ (GRASSMANN, 1844, A1, §1 p. 33, tradução
nossa).
Ambas as relações são analisadas e reduzidas às suas formas básicas. Assim chama de
igual aquele ―[...] que em cada julgamento pode ser substituído um pelo outro.‖ (Ibid.). Com
esta definição lógica para igualdade, conseguiu contornar o problema, assim as pessoas
podem optar por comparar duas coisas a partir de diferentes perspectivas e, portanto,
possibilitando a escolha de igualdades diferentes. Este certamente foi um problema antigo que
muito preocupou a mente de Descartes.73
Para Grassmann, além do igual e do diferente, o contraste entre o discreto e o
contínuo desempenha um papel constituinte na Matemática. Ele escreve: ―Todo o conteúdo
produzido pelo pensamento pode surgir de duas maneiras: ou através de um simples ato de
criar ou através de um duplo ato de postular e conectar. A primeira forma produz a grandeza
contínua, a segunda produz a forma discreta.‖ (GRASSMANN, 1844, A1, p. 24, tradução
nossa).
Assim, Grassmann distingue dois aspectos da cognição matemática. Primeiramente, a
escolha em uma relação de igualdade, ou seja, quais coisas devem ser consideradas como
iguais tanto no contexto da nossa atividade matemática ou científica como de nossos
interesses individuais74. Deste modo, o homem acredita que ele constrói seu próprio
conhecimento que se configura como partes distintas. O segundo aspecto não provém do
conhecimento do sujeito humano como indivíduo ativo, mas do homem como parte do mundo
social e natural75, no qual o homem se considera como sendo parte do objeto desse
conhecimento, ou seja, quando o conhecimento implica em aspectos reflexivos, tem-se o
conhecimento em termos do contínuo76.

73
Ver ―4.2.1 Regulae ad Directionem Ingenii (1628)‖.
74
Por exemplo, o comerciante usa o valor monetário de bens, um feirante pode usar a balança e o artista
possivelmente a cor etc.
75
Ou seja, surge do sujeito humano, no contexto descrito por Lovejoy. Em A Grande Cadeia do Ser (2005),
Lovejoy explica que cada parte do conhecimento humano é também parte de uma ideia ou modelo do mundo
real, ou seja, a necessidade em considerar de alguma forma o conhecimento do indivíduo como sendo parte do
sistema desse conhecimento.
76
Por exemplo, se imaginamos que nós fazemos parte da corrida entre Aquiles e a tartaruga, então vamos
representar nosso próprio movimento como um contínuo. Mas, se ao contrário, somos um observador externo
avaliando a corrida, certamente a situação será outra.
133

Ainda em sua introdução, Grassmann (1844, A1) acrescenta uma nota de rodapé
dizendo: ―Quando as pessoas introduzem axiomas nas ciências formais, como na Aritmética,
mas isso deve ser considerado um abuso, explicado apenas pelo tratamento correspondente da
Geometria.‖ (Tradução nossa).
Porém, menos de 20 anos depois, Grassmann foi o primeiro a estabelecer a Aritmética
dos números naturais por um sistema de axiomas formais. A axiomatização da Aritmética
moderna começou cerca de dois mil anos após a apresentação axiomática da Geometria de
Euclides, com a publicação do pequeno livro de Grassmann, Lehrbuch der Arithmetik, em
1861.
As definições recursivas tradicionais de adição e multiplicação são devidas a
Grassmann (1861, § 2 e §4):
x+0= x; x + (y + 1) = (x + y) +1;
x * 0 = 0; x * (y + 1) = (x * y) + x.
Dessa maneira, a adição e multiplicação de números naturais são derivadas de uma
única operação: x + 1. A exposição de Grassmann corresponde essencialmente à
caracterização: ―[...] que é habitual na Álgebra abstrata atual.‖ (WANG, 1970, p. 70, tradução
nossa).
Essa aritmética dos números naturais descrita por um sistema formal em Grassmann se
constitui nas primeiras evidências para a mudança do conceito de axioma. Na obra Os
Elementos, um axioma era considerado como uma verdade absoluta e irrefutável77. Contudo,
desde o século XVI as mudanças começam a ocorrer e as coisas se separam das palavras,
como Foucault (2000) descreveu.78
De acordo com Wang, de um lado se tinha a Aritmética dos números e do outro a
Geometria com método axiomático:

Estamos familiarizados com os dois métodos usuais de desenvolvimento da


Matemática: a abordagem genética ou construtiva habitual na extensão de números
para números inteiros, frações, números reais, etc., e o método axiomático
geralmente adotado para o ensino de Geometria Elementar. A aplicação do método
axiomático no desenvolvimento de números não é natural. Sua aparição bastante
tardia é evidente. (WANG, 1970, p. 69, tradução nossa).

Deste modo, o movimento da aritmetização opunha-se ao movimento axiomático.


Nesse âmbito, citamos a importância da obra de Nicolas Copernicus (1473‒1543) De

77
Veja seção ―4.1 Petrus Ramus (1515‒1572) e o Ensino de Matemática‖.
78
Veja seção ―3.1 Michel Foucault (1926‒1984): a separação das palavras e das coisas‖.
134

Revolutionibus Orbium Coelestium (A Revolução das Esferas Celestes), publicada em 1543,


em Nuremberg (Nuremberga), sobre o entendimento de uma nova visão de mundo por meio
do modelo heliocêntrico. O aspecto mais importante é perceber que ele mudou para sempre o
lugar e a concepção do homem no cosmos e, assim, problematizou a ideia de que os seres
humanos se autopreenchem.
Essa visão heliocêntrica permite mudanças tanto na ciência como no próprio
pensamento humano. Como Halbwachs (1925) explica, viver num mundo social é
fundamentalmente diferente da vida sem as considerações e relações sociais, pois a presença
de outras pessoas exige disposições e habilidades muito diferentes da vida do indivíduo com a
natureza. Conversamos com o sujeito sobre o objeto e não o contrário. E, deste modo, o
domínio da memória coletiva e da continuidade foi sendo gradualmente questionado pelos
novos desafios da história. O universo dos signos ou significados se dissociou gradualmente
do reino das coisas, conforme Foucault (2000) descreveu; de fato, houve uma transição da
época da interpretação para os tempos da representação.
A título de exemplo, se desejamos resolver um problema de Geometria Analítica,
devemos certamente escolher a nossa perspectiva, ou seja, o nosso sistema de coordenadas de
forma a obter as equações mais simples possíveis. Entretanto, se estivermos interessados nos
objetos geométricos de nossa teoria, nós devemos observar as admissíveis coordenadas
invariantes nessas transformações. Se investigarmos as características de uma seção cônica,
por exemplo, todas as equações transformadas devem ser de segundo grau.
Mas Frege (1884) rejeitou a axiomática formal no sentido de Grassmann e enfatizou
que considerações subjetivas ou decisões tomadas a serviço da conveniência psicológica são
irrelevantes, visto que o importante para ele são as extensões ou referências dos conceitos
definidos e empregados. Ele escreveu79:

Para o matemático, não é mais correto e não é mais incorreto definir uma seção
cônica como a circunferência da interseção de um plano e a superfície de um cone
circular reto do que como uma curva plana cuja equação em relação às coordenadas
retangulares é de grau 2. Qual dessas duas definições ele escolhe, ou se ele escolhe
outra, é guiada unicamente por razões de conveniência, embora essas expressões não
tenham o mesmo sentido e nem evoquem as mesmas ideias (FREGE, 1960, p. 80,
tradução nossa).

No entanto, na mesma proporção, o nosso conhecimento permanece incompleto e em


muitos casos prefigura relevante qual a definição a se escolher, qual a perspectiva a se adotar,

79
Esta citação já foi apresentada em ―2.4.2 O psicologismo dos professores‖. Contudo, devido à importância,
repetimos a citação para compreendermos o pensamento fregeano.
135

ou como representar uma situação problemática, exatamente porque as várias expressões não
têm o mesmo sentido e também não evocam as mesmas ideias. Como já citamos, dois
conceitos A e B não são os mesmos, mesmo que contingentemente ou necessariamente todos
os As sejam Bs e vice-versa. Porque conceitos diferentes ajudam a estabelecer diferentes tipos
de relacionamentos e, portanto, influenciam de maneiras distintas o desenvolvimento. Dois
conceitos podem ser referencialmente equivalentes e ainda assim atuarem com diferentes
sentidos, dentro de um determinado contexto cognitivo.
Por exemplo, axiomas aritméticos de Grassmann (ou de Peano) não respondem a
perguntas como: ―O que é o número 1, ou 2?‖. Tendo em vista que axiomas caracterizam
conceitos (intensões/sentido) ao invés de objetos (extensões/referências). Números podem ser
qualquer coisa. Por consequência, uma teoria axiomática formal é um dispositivo
completamente analítico. Tal teoria consegue se transformar em conhecimento real apenas
quando é possível sua aplicação e foi exatamente desse problema que Frege se queixou. Em
vista disso, Frege acaba por comparar a axiomática hilbertiana com um sistema de equações
que inclui várias incógnitas, sobre o qual não temos condições de saber se existe uma solução,
ou seja, se o sistema é consistente e nem se a solução é única.
Hilbert, por outro lado, viu uma grande vantagem na pluralidade de interpretações,
pois esta característica garante a aplicabilidade universal da axiomática. Um sistema de
equações pode, de fato, não possuir uma solução em um determinado modelo, mas pode se
tornar solucionável quando o universo do discurso é alterado ou expandido, como a equação
x2 = -1 que não possui solução no conjunto dos números reais, mas no conjunto dos números
complexos apresenta solução.
Compreendemos que o conceito da Complementaridade entre sentido e referência dos
símbolos da Matemática é tão difícil de compreender ou aceitar, justamente porque uma parte
das Ciências Humanas, como a Educação, Religião e Filosofia, sentem-se obrigadas a
concentrarem-se no sujeito humano, conforme percebido no psicologismo dos professores.80
A transformação da noção de conceito de ideia geral (substância) em função (CASSIRER,
1953) separou a ciência e a Matemática não apenas da Religião, mas também das Ciências
Humanas, em especial, da Filosofia. E Kant foi o primeiro a deixar isso bem claro na sua
Crítica da Razão Pura. Conforme ele explicou, Filosofia é o raciocínio por meio de conceitos
(KANT, 2001, B 742), enquanto a Matemática raciocina a partir da construção de conceitos
na intuição.

80
Ver em ―2.4.2 O psicologismo dos professores‖.
136

5.3 Graeub - Lineare Algebra

Um notável livro moderno, introduzindo todos os conceitos da Álgebra Linear em


termos axiomáticos, foi o Lineare Algebra, cuja primeira versão fora publicada em 1958,
escrito pelo matemático alemão Werner Hildbert Graeub (1925‒1991). Graeub obteve
doutorado em 1949, na Universidade de Heidelberg com a tese Die semilinearen Abbildungen
e foi Privatdozent, na Universidade de Zurique. Em 1960, foi para os Estados Unidos e, em
1962, trabalhou na Universidade de Toronto.

Figura 18 ‒ Capa e contracapa ‒ versão alemã de Lienare Algebra, 1958

Fonte: Digitalizado do livro Lineare Algebra81

A primeira edição escrita em alemão é bem sucinta e complexa. O Quadro 20


apresenta a tradução do sumário:

Quadro 14 ‒ Sumário do livro Lineare Algebra, 1958


Índice de Conteúdo
Primeiro Capítulo: Espaços Vetoriais
§ 1. Os Axiomas do Espaço Linear 1
§ 2. Espaços Lineares de Dimensão Finita 6
§ 3. Subespaços Lineares 12
§ 4. Funções Lineares 16
Segundo Capítulo: Transformações Lineares e Sistema de Equações
§ 1. Transformações Lineares 19
§ 2. Sistema de Equações e Matrizes 25

81
Digitalizamos do livro Lineare Algebra da biblioteca particular do professor Michael Otte que, como cortesia,
nos emprestou, permitindo sua livre publicação.
137

§ 3. Resolução de Equações de Sistemas Lineares por Eliminação 29


§ 4. Soma e Produto de Transformações Lineares 33
§ 5. Pares de Espaços Duais 36
Terceiro Capítulo: Determinantes
§ 1. Funções Determinantes (funções multilineares e antissimétricas) 42
§ 2. Determinante de uma Transformação Linear 48
§ 3. Determinante de uma Matriz 50
§ 4. Subterminantes 55
§ 5. Aplicações a Sistemas de Equações Lineares 58
§ 6. Polinômio Característico 60
Quarto Capítulo: Espaços Lineares Orientados
§ 1. Orientação por meio de uma Função Determinante 65
§ 2. Topologia em Espaços Lineares 68
Quinto Capítulo: Álgebra Multilinear
§ 1. Transformações Multilineares 73
§ 2. O Produto Exterior 77
§ 3. Tensores 81
§ 4. Transformações de Tensores que Reduzem o Número de Argumentos 86
§ 5. Tensores Antissimétricos 91
§ 6. O Produto Antissimétrico 95
§ 7. O Produto Dual 101
§ 8. Interpretação Geométrica do Produto Simétrico Antissimétrico 109
Sexto Capítulo: O Espaço Euclidiano
§ 1. O Produto Escalar 114
§ 2. Outras Propriedades do Espaço Euclidiano 118
§ 3. Produto Escalar e Espaço Dual 127
Sétimo Capítulo: Transformação Linear de Espaços Euclidianos
§ 1. Transformação Adjunta 133
§ 2. Teoria do Autovalor de Transformação Autoajustadas 136
§ 3. Funções Bilineares no Espaço Euclidiano 140
§ 4. Transformações que Preservam Distâncias 142
§ 5. Rotações no Plano e no Espaço Tridimensional 145
Oitavo Capítulo: Formas Bilineares Simétricas
§ 1. Funções Bilineares e Quadráticas 150
§ 2. Decomposição do Espaço A 154
§ 3. Redução Simultânea de Duas Funções Quadráticas para Forma Diagonal 158
§ 4. Espaços com Produto Escalar Indefinido 163
Nono Capítulo: Superfícies de Segunda Ordem
§ 1. O Espaço Afim 168
§ 2. Superfícies de Pontos Centrais de Segunda Ordem 172
§ 3. Superfícies de Segunda Ordem no Espaço Euclidiano 179
Décimo Capítulo: Espaços Unitários
§ 1. Formas Hermitianas 183
§ 2. Espaços Unitários 186
§ 3. Transformações Lineares e Espaços Unitários 188
Décimo Primero Capítulo: Subespaços Invariantes
§ 1. O Anel das Transformações Lineares 192
138

§ 2. Determinante Função Dupla 194


§ 3. O Polinômio Mínimo 196
§ 4. Subespaços Invariantes 199
§ 5. Construção de Subespaços Indivisíveis 202
§ 6. Espaços Indivisíveis e Espaços Completamente Divisíveis 209
§ 7. Aplicação aos Espaços Complexos e Reais 212
Bibliografia 216
Índices 217
Fonte: Graeub (1958, p. ix-x, tradução nossa)

Esta versão apresenta de forma estrutural a visão geral do contexto lógico para cada
capítulo. Observe o Quadro 15.

Quadro 15 ‒ Visão geral do contexto lógico dos capítulos individuais do livro Lineare Algebra

Espaços Vetoriais

Transformações Lineares

Determinantes Álgebra O Espaço Espaços Subespaços


Multilinea Euclidiano Unitários Invariantes
r

Espaços Lineares
Orientados

Transformação Linear de Superfícies de Segunda


Espaços Euclidianos Ordem

Formas Bilineares
Simétricas

Fonte: Graeub (1958, p. xi, tradução nossa)

Após esta edição, em Toronto, Graeub publica outras três edições mais explicativas: a
segunda em 1963, a terceira em 1966 e, por fim, a quarta em 1975.
139

Figura 19 ‒ Capa e contra capa ‒ versão inglesa de Linear Algebra (4a ed.), 1975

Fonte: Print screen do livro em pdf (1975)82

David Gale (1959, p. 254) apresenta uma resenha do livro no periódico Quarterly Of
Applied Mathematics (1959) e escreve:

Um texto notavelmente completo sobre o assunto do título. Por Álgebra Linear


entende-se a teoria dos espaços vetoriais dimensionais finitos e as funções lineares e
multilineares sobre eles. Esta teoria é convenientemente subdividida em três partes,
a teoria geral que se aplica aos espaços vetoriais sobre um campo arbitrário, a teoria
dos espaços vetoriais reais e a teoria dos espaços vetoriais complexos. Os principais
resultados em todos os três ramos são apresentados. O livro está dividido em onze
capítulos. Os dois primeiros ―Lineare Raume‖ e ―Lineare Abbildungen und
Gleichungssysteme‖ são pré-requisitos para todos os capítulos que se seguem. A
maioria destes últimos, porém, podem ser lidos independentemente um do outro.
Capítulo III ―Determinanten‖ é necessário para ler o Capítulo IV ―Orientierte
Lineare Raume‖ que trata de espaços vetoriais reais e é talvez a parte mais incomum
do livro. O principal resultado do capítulo afirma que a base x pode ser deformada
continuamente na base y se, e só se, o determinante da transformação é
positivo. O Capítulo V ―Álgebra Multilineare‖ é o mais longo do livro e trata da
teoria algébrica dos tensores de uma forma invariável (coordenada livre), à maneira
de Bourbaki. Os próximos quatro capítulos estão relacionados com os espaços
vetoriais reais. O Capítulo VI ―Der Euklidische Raum‖ introduz o produto escalar. O
Capítulo VII ―Lineare Abbildung Euklidischer Raume‖ está preocupado com os
valores de Eigen e o teorema espectral para transformações autoadjunto. O Capítulo
VIII ―Symmetrische Bilinearfunktionen‖ trata das formas quadráticas e do índice de
inércia. O Capítulo IX ―Fläche zweiter Ordnung‖ apresenta tanto a classificação
afim como euclidiana das superfícies quadráticas. O capítulo X ―Unitäre Räume‖
trata do teorema espectral das transformações hermitianas e normais. O último,
Capítulo XI, ―Invariante Unterraume‖ retorna à teoria geral, dando um tratamento
invariável de formas canônicas do Teorema de Cayley-Hamilton. O livro é adequado
para um texto, provavelmente no nível de pós-graduação, e tem muitos exercícios
em cada capítulo. Eu suspeito que será ainda mais útil como um livro de referência
no assunto para praticantes matemáticos que não são especialistas neste campo
particular (Tradução nossa).

82
Notamos que, na publicação da versão inglesa, o nome do autor é escrito como Werner Greub. Não sabemos
ao certo porque foi realizada esta mudança, contudo o professor Michael Otte que foi aluno de Graeub, em
1958, nos afirmou que nesta época seu nome era Graeub, conforme está escrito na primeira edição publicada
em alemão em 1958.
140

O professor Michael Otte (2012, p. 174) relata:

Lembramo-nos do entusiasmo com que recebemos a primeira edição do Lineare


Algebra (Álgebra Linear) de Werner Graeub, publicada em 1958, e seu tratamento
axiomático (sem coordenadas), após estarmos acostumados com os cálculos tediosos
e desajeitados em termos de coordenadas e matrizes dos velhos livros. Mas, os
estudantes mais fracos e conservadores, e aqueles que vieram da Física, não
acompanhavam logo a axiomática de Graeub e sua apresentação estrutural. Não é
tão óbvio o que causou as principais dificuldades. Parece ser, no entanto, que
aqueles estudantes não acreditavam realmente na objetividade dos argumentos
conceituais ou das demonstrações abstratas. Aqueles estudantes queriam um cálculo
direto e provas elementares, ou seja, provas que fossem fechadas e autossuficientes
ao máximo. Tais provas poderiam revelar a validade de um teorema pelo sentido dos
próprios termos envolvidos. Construções conceituais, experiências sistemáticas ou
hipóteses intuitivas adicionais não deveriam ser exigidas.

Para alguns estudantes, a Matemática estaria fundamentada em dados numéricos, logo


o problema relativo à Matemática se apresentava ainda na respectiva distinção da relação
entre teoria matemática e a aplicação empírica. Contudo, a ciência exige ambos os aspectos,
visto que conhecimento não está propriamente nos fatos, mas também nas relações entre estes,
sendo assim, as coisas ou fatos, apenas por si mesmos, não são capazes de explicar suas
consequências nem suas origens.

Quem quer que fale de ciência empírica, não deve se esquecer de que a observação e
o experimento só foram capazes de estabelecer a ciência moderna, porque eles
podiam confiar na dedução matemática. Uma mera coleção de fatos observacionais
nunca teria levado à descoberta da lei da atração (REICHENBACH, 1951, p. 102,
tradução nossa).

Nesse exemplar, a Matemática é trabalhada como um pensamento conceitual. As


definições dos conceitos matemáticos são realizadas utilizando o método axiomático o qual
consiste em dispor de um conjunto de objetos com suas regras.
Na introdução, do Lineare Algebra, Graeub esclarece que: ―Em primeiro lugar, a
palavra função, neste livro, terá um significado bem restrito, e o que Halmos chama função,
nós devemos chamar de uma transformação ou um conjunto de transformações.‖ (GRAEUB,
1967, p. 1, tradução nossa).
O livro apresenta primeiro a noção do grupo abstrato, porque é fundamental para a
definição de Espaço Vetorial na Álgebra Linear.
Graeub (1975, p. 5) definiu o Espaço Vetorial da seguinte forma:
141

Um Espaço Vetorial E, sobre o corpo Γ é um conjunto de elementos de x, y,... que


nós chamamos de vetores, e os vetores formam um grupo abeliano, com a seguinte
estrutura algébrica:
I. E é um grupo aditivo, ou seja, há uma transformação fixa E×E→E indicado por
(x,y)→x+y (1.1) e que satisfaça os seguintes axiomas:
I.1. (x + y) + z = x + (y + z) (lei associativa)
I.2. x + y = y + x (lei comutativa)
I.3. Existe um vetor - zero 0, ou seja, um vetor tal que x + 0 = 0 + x = x para cada
xϵE.
1.4. Para cada vetor x existe um vetor — x tal que x + (-x) = 0.
Existe uma transformação fixa Γ×E→E denotado por (λ,x)→λx (1.2) e que
satisfaçam os axiomas:
II. 1. (λμ)x=λ(μx) (lei associativa)
II. 2. (λ+μ)x= λx+μx, λ(x+y)= λx+λy (leis distributiva)
II. 3. 1 • x=x (1 elemento de unidade l de Γ) (Tradução nossa, grifo nosso).

Após definir Espaço Vetorial e expor seus axiomas, então apresenta o corpo de
multiplicadores: ―Γ é chamado o corpo de coeficiente do Espaço Vetorial E, e os elementos de
Γ são chamados de escalares. Deste modo, a transformação (1.2) define uma multiplicação de
vetores por escalares e assim é chamado de multiplicação por escalar.‖ (Ibid., p. 5-6).
Como é impossível tratar sobre o Espaço Vetorial de modo geral, é necessário indicar
qual é o corpo:

Se o corpo do coeficiente Γ é o corpo sobre os números reais (o corpo sobre os


números complexos), então E é chamado um Espaço Vetorial real (complexo). Para
os outros números são definidos todos os espaços vetoriais sobre um corpo fixo, mas
arbitrariamente escolhido Γ de característica 0 (Ibid., p. 6).

Primeiro define-se um corpo de multiplicadores, visto que não se pode falar do espaço
vetorial em geral é preciso indicar qual é o corpo, se está sobre o conjunto dos reais,
complexos etc. Então, Graeub distinguiu essas regras da multiplicação com escalares. Para
assim poder definir os vetores linearmente independentes.

1.5. Independência linear. Uma família de vectores é considerada


linearmente independente se não for linearmente dependente; ou seja, os vectores
são linearmente independentes se e apenas se a equação

Isso implica que para cada . É claro que cada subfamília de uma
família linearmente independente de vetores é novamente linearmente independente.
Se é uma família linearmente independente, então para quaisquer dois
índices distintos , e assim a transformação injetiva (Ibid., p.
10).

Uma das dificuldades para ensinar o que são vetores linearmente independentes está
no fato que costumeiramente primeiro se escolhe um objeto a ser estudado e, então, se
142

observa as características desse sistema, não o contrário. E um fato interessante, por exemplo,
Euler conhecia apenas os números racionais, quando surge √2, ele trata da mesma maneira
como nos números imaginários, ou seja, ele escreve o número a+b√2 . Logo se olhar apenas
para a expressão simbólica, é possível comparar √2 a qualquer outra coisa, visto que mudou
apenas o corpo, este é um fato impressionante, pois, em certa perspectiva, constitui-se a base
de toda a teoria dos números algébricos, porém demorou muito tempo para ser concebida,
exatamente porque não se tinha formulada a ideia de estrutura (EULER, 1770).
Na linguagem dos vetores, ao se apresentarem dois vetores linearmente independentes
cuja essência são três pontos, o que importa é a linearidade entre esses três pontos ou a
relação linear entre os vetores, de fato, não é preciso se preocupar sobre o que são vetores,
como são nomeados ou qual a sua natureza, pois eles podem ser flechas, classes de
equivalência, translações etc. O que importa é a independência desses três pontos e a estrutura
do espaço vetorial, como um grupo ou corpo de multiplicadores.
Por isso, a Álgebra Linear tem um campo de aplicação mais amplo que a Geometria
Analítica, por possibilitar conceber dois vetores linearmente independentes sobre os números
racionais e não necessariamente ser obrigatório observar este fato sobre o ponto de vista da
Geometria, isto é, pode-se perfeitamente estudar Álgebra Linear no contexto da Geometria
com problemas relacionados à aplicação geométrica.
Contudo também é possível fazê-lo em relação à Teoria dos Números, à Economia ou
em qualquer outra coisa. Exatamente porque a Álgebra Linear pode ser uma teoria totalmente
fora do contexto da Geometria, logo as aplicações são mais amplas e abstratas, nas quais o
essencial não é abstrair sobre a natureza dos objetos, mas apenas sobre suas relações e
estruturas.
Para Aristóteles, o conceito é a imagem do objeto, assim qualquer conceito se aplica a
um campo do objeto, contudo os conceitos e termos da Matemática estruturalista significam
elementos dentro de uma estrutura dedutiva. Em certo sentido, o erro da Matemática Moderna
foi exatamente porque desejava preservar a noção de conceito como imagem dos objetos,
reduzindo a teoria dos conjuntos a uma imagem. Por exemplo, ao associar três xícaras como
uma imagem do número três, o professor solicita aos alunos que circulem apenas os objetos
vermelhos, conduzindo-os a pensar nos números apenas como objetos redondos ou
vermelhos. Nesse sentido, a Matemática Moderna simplesmente quis apresentar ilustrações ou
amenizar o caráter abstrato dos conceitos matemáticos.
Como na Escola Montessori, trabalha-se com a dança do número três que é diferente
143

da dança do número sete. No ensino fundamental, iniciamos com os números naturais e


depois inserimos os negativos etc. E então surge a discussão sobre os problemas didáticos a
respeito do que seja um conceito. E faz-se necessária a noção de conceito, ou seja, o conceito
do conceito, para entender porque a Matemática é importante tanto na ciência como no
pensamento, não sendo simplesmente um empirismo.
Na Semiótica de Peirce, a genialidade consiste em ao invés de fornecer uma descrição
de uma cadeira, por exemplo, pode-se oferecer um exemplo, e apontar isso é uma cadeira,
mas pode-se apresentar mais exemplos, nos quais se escolhe outra cadeira e, ao encontrar
pouca semelhança entre as duas, começamos a abstrair para formar um conceito de cadeira o
mais amplo possível, mas isto não funciona com todos os exemplos, principalmente, na
Matemática.
Ao ler Os Elementos, percebemos que Euclides desejava explicar o que é um ponto, o
que é uma reta, então pode-se desenhar um ponto, contudo, pode-se perguntar quais são as
características do ponto? Nenhuma, visto que Euclides (2009) escreveu: ―Ponto é aquilo de
que nada é parte.‖ (p. 97), ou o que não tem grandeza alguma.
Mas Leibniz e Frege não aceitam o conceito do ponto, Leibniz rejeitou a ideia de que
o contínuo é um conjunto de pontos como na Matemática moderna. Para os modernos, um
triângulo é primeiro um subconjunto de pontos no plano, mas para Leibniz foi um objeto de
fato. A Geometria de Euclides é uma geometria de figuras e de construções e não do espaço,
por isso, a perspectiva do ponto de vista moderno em relação a Euclides não foi tão coerente.
Ao definir uma cadeira apontando ―esta é uma cadeira!‖, temos uma referência
indexical, ou seja, é uma referência por extensão e não por descrição. Mas a ideia
fundamental de Peirce foi exatamente que na Matemática esses índices são indispensáveis.
Uma das leis fundamentais da Lógica é a inconsistência, que não admite contradições.
Por exemplo, há inconsistência quando falamos ―unicórnios são brancos e pretos!‖. Isto não é
uma contradição, pois devemos observar primeiro que unicórnios não existem. E, se dizemos
―Cuiabanos são grandes e pequenos!‖, também não há contradição, pois alguns podem ser
grandes e outros pequenos. Então, apenas quando temos uma referência única e bem
determinada, podemos falar sobre uma consistente contradição, por isso precisamos de signos
e índices que indiquem um objeto.
Assim constitui-se o patamar da linguagem e da realidade entre a fala e teoria, mas o
problema é como uma se refere a outra. Frege acredita que é por meio das descrições e do
mesmo modo Leibniz, segundo ele, um conceito pode ser caracterizado por um número
144

infinito de características.
Então, o que é um sistema de coordenadas? Como estabelecer um sistema de
coordenadas? Se dissermos a um aluno escolha um sistema de coordenadas, o que ele vai
fazer? Com efeito, escolherá três pontos (índices) que não estão sobre a mesma linha, cuja
função é indicar. E, após, escolhe-se todo o resto, por meio de descrições, assim não será mais
necessário indicar cada ponto, pois pode-se usar a descrição.
Resumido, escolhamos apenas três pontos, o todo resto será descrição. Mas os lógicos
esquecem que é necessário primeiro escolher os três pontos, ou seja, para estabelecermos o
sistema de coordenadas é preciso símbolos e índices, pois três pontos são escolhidos por
indicação.
Ao passo que no Espaço Vetorial, geralmente, escolhemos no lugar de três pontos,
dois vetores. Contudo, há características essenciais para construirmos um sistema de
coordenadas no plano com esses dois vetores, tal como admitir que esses vetores podem não
ser um objeto, mas um processo ou uma transformação etc. Ainda é necessário considerar que
não podem ser paralelos, ou seja, são linearmente independentes. Mas o conceito de
independência linear é um dos mais difíceis da Álgebra Linear, pois costumeiramente os
estudantes pensam sobre as características a que se referem os objetos, mas ser linearmente
independentes não se refere a um objeto e sim a um conjunto de objetos, ou seja, a um
conjunto de vetores e não apenas a um vetor. Não sendo suficiente apenas apresentar
características e descrições, mas referência, com um pensamento relacional.
O método axiomático de Hilbert e Noether foi o auge do pensamento relacional na
Matemática. Na Alemanha, esse método passou a ser introduzido nas Universidades, alguns
anos após a Segunda Guerra Mundial. A genealogia no seguimento da Álgebra Linear
apresenta Graeub com seu Lineare Algebra, mas este foi aluno de Waerden, o qual estudou
com Noether.

5.3.1 Lineare algebra: gênese e implicações

As tendências estruturalistas apareceram muito antes na Matemática e na Física (P.


Duhem) e foram mais importantes com o advento da Matemática Pura por volta da virada
para o século XIX. A matemática de pessoas como Cardano, Bombelli, Euler, entre outros,
parecia ter ficado presa nos labirintos de cálculos intermináveis até que os esforços de
matemáticos, como Galois, Grassmann, Peano, Dedekind, Hilbert e Emmy Noether,
145

libertaram-na.
David Hilbert (1862‒1943) nasceu em Königsberg, no dia 23 de janeiro, e faleceu em
Göttingen, em 14 de fevereiro. É considerado como um dos maiores matemáticos do século
XX. Famoso por elaborar a lista dos 23 problemas, um conjunto de problemas que instigou
vários matemáticos pelo mundo, alguns dos quais não foram resolvidos até hoje, a referida
lista fora apresentada em 1900 no Congresso Internacional de Matemáticos em Paris. Os
tópicos de suas pesquisas são fundamentais em diversos ramos da Matemática atual.

Figura 20 ‒ David Hilbert (1862‒1943)

Fonte: Tent (2008, p. 58)

Em 1920, lançou o Programa de Hilbert, baseado em princípios que tornavam a


Matemática um assunto mais lógico do que tarefas determinadas por regras postuladas
aleatoriamente. Beaney (2006, p. 64) explica que a ―[...] concepção de axiomatização de
Hilbert, e a ideia, em particular, de que os axiomas podem codificar uma estrutura formal de
conceitos, podem então ser interpretadas de diferentes maneiras.‖ (Tradução nossa). Em 1905,
no curso teórico ―Os Princípios Lógicos do Pensamento Matemático‖, Hilbert (apud
FERREIRÓS; GRAY, 2006, p. 3) afirma:

O edifício da ciência não se ergue como uma habitação, na qual os alicerces são
primeiro firmemente assentados e só depois se procede à construção e ampliação das
salas. A ciência prefere assegurar o mais rapidamente possível espaços confortáveis
para vaguear e só depois, quando aparecem sinais de que as fundações frágeis não
são capazes de sustentar a expansão das salas, ela se propõe a apoiá-las e fortalecê-
las. Este não é um ponto fraco, mas sim o caminho certo e saudável do
desenvolvimento (Tradução nossa).
146

Neste sentido, Hilbert (apud REID, 1970, p. 264, tradução nossa) fez uma observação
que coloca o ponto de vista axiomático em uma concha: ―Em todas as afirmações
geométricas, deve ser possível trocar as palavras ponto, reta, plano por mesa, cadeira,
caneca.‖. Esse comentário de Hilbert é usualmente interpretado como a expressão de uma
tendência à desontologização83 da Matemática, concebendo-a como um conjunto de estruturas
formais. Contudo, a Matemática distingue-se da Lógica exatamente pelo fato de possuir
objetos pertencentes a um mundo modelizado que pode ser mudado a qualquer momento,
caso seja necessário.
Qualquer teoria formal tem várias aplicações pretendidas ou modelos não isomórficos,
e o que os axiomas descrevem são conceitos ou classes de objetos, ao invés de objetos
particulares. A esse respeito, os axiomas matemáticos assemelham-se às leis naturais. E, tal
como estes últimos, necessitam ser complementados por uma indicação no domínio dos
objetos a que se aplicam. Uma teoria matemática deve ser concebida como um par constituído
por um sistema de axiomas, ou seja, uma estrutura sintática juntamente com um conjunto de
modelos ou aplicações pretendidas.
Os axiomas passam a ser concebidos como hipóteses cujas consequências devem ser
desenvolvidas, enquanto que, segundo Russell ou Frege, necessitam ser verdadeiras
declarações e não apenas formar sistemas consistentes de proposições formais: ―A primeira
coisa que me parece necessária é chegar a um entendimento sobre as expressões explicação,
definição e axioma, onde se diverge fortemente do que me é familiar, bem como do que é
habitual.‖ (PMC, 38, apud BEANEY, 2006, p. 64, tradução nossa). A partir dessa convicção,
Frege derivou sua principal crítica ao método axiomático moderno. Ele comparou a
axiomática de Hilbert como um sistema de equações com várias incógnitas, em que a clareza,
e especialmente a singularidade da determinação do desconhecido, permanece duvidosa
(FREGE apud ANTONELLI; MAY, 2000).
A visão de Frege corta toda possibilidade de analisar um contexto desconhecido em
termos de estruturas formais, desenvolvendo consequências de hipóteses e conjecturas, e
finalmente testando as consequências derivadas. Este procedimento muito familiar é

83
―A generalização depende, assim, da simbolização. O processo de generalização, como concebido pelo
estruturalismo matemático construtivo, é sempre o mesmo: dirige-se a atenção para as propriedades relacionais
das representações matemáticas dadas, transformando-as em novos objetos por um processo que Piaget e
Peirce denominaram abstração reflexiva e abstração hipostática, respectivamente. Números, por exemplo,
começando por seus fundamentos mais elementares, são generalizados simbolicamente por representações de
atividades aritméticas e pelo ato de fazer das propriedades relacionais das leis aritméticas assim estabelecidas
objetos de consideração. O formalismo, bem como Piaget, interpreta como um processo de desontologização
progressiva da Matemática, tomando o pensamento axiomático moderno como sua mais alta expressão.‖
(OTTE, 2001, p. 36, tradução nossa, grifo nosso).
147

caracterizado por uma interação entre sentido e referência, ou sintaxe e semântica, e está
ausente da visão de Frege. Friedrich Waismann, um dos principais membros do Círculo de
Viena, afirma que, para Frege, formalistas como Grassmann, por exemplo, não conseguem
explicar ou mesmo reconhecer a aplicabilidade de uma teoria matemática:

Ele não pode fazer isso porque para ele as fórmulas da teoria não expressam
pensamentos. Frege pergunta: 'Por que não se pode fazer uma aplicação de um
movimento no jogo de xadrez? Obviamente, porque não expressa pensamentos.
Porque se podem fazer aplicações de equações aritméticas. Só porque expressam
pensamentos (WAISMANN, 1970, p. 214, tradução nossa).

Foi exatamente isso que levou Grassmann a desenvolver a Álgebra Linear e a


abordagem axiomática para a Geometria Analítica e Álgebra Linear. Assim, Waismann,
assegura que verdadeiramente:

A aritmética deve ser aplicada para assumir um conteúdo de pensamento. Dizer que
um movimento no xadrez não expressa pensamentos é precipitado e prematuro,
porque depende inteiramente de nós. Se as tropas em batalha se movessem como as
figuras no tabuleiro de xadrez, então isso poderia nos induzir a expressar o
significado pelas posições do xadrez. [...] O movimento das figuras seria apenas uma
imagem de acontecimentos reais e não um mero jogo (Ibid., tradução nossa).

Nesse ponto, é importante reconhecer o conhecimento como requerente a um tipo de


atividade que contempla o acaso, bem como as reações inexplicáveis. Para Frege, não há uma
unidade direta entre lógica e realidade. Mesmo Russell, Peano e Hilbert ainda não foram
capazes de definir o que é realmente um número. Por fim, resulta desta discussão duas ideias
‒ o fundamentalismo e a abordagem axiomática ‒, as quais são frutíferas se vistas sobre a
perspectiva da Complementaridade, mais especificamente no sentido da Complementaridade
entre as intensões (conceitos) e as extensões (objetos) dos símbolos.
Um exemplo apropriado para ilustrar suas diferenças refere-se à concepção de uma
função matemática, de fato, a abordagem extensional reduz o conceito de função diretamente
à noção de conjunto, ao se afirmar que duas funções F e G são idênticas, se para todo
argumento x tem-se F(x) = G(x). Evidentemente, essa visão fora criticada de acordo com
Pierre Boutroux (1920, p. 203 apud SANTANA, 2001, p. 46):

Um fato matemático é independente do vestuário lógico ou algébrico sobre o qual


nós procuramos representá-lo. De fato, a ideia que temos é mais rica e mais plena
que todas as definições que podemos dar, que todas as formas ou combinações de
signos ou de proposições pelas quais nos é possível exprimi-la.
148

Parafraseando-o, pode-se dizer que a noção de função é, acima de tudo, para o


matemático um indefinido e indeterminado, porque a ideia dela é mais rica e completa do que
quaisquer definições ou expressões que possamos fornecer ou construir. Assim tem-se, como
resultado, uma teoria lógica das funções, porém nunca será capaz de satisfazer a curiosidade e
as aspirações do matemático.
Após 1909, Hilbert dedica seu trabalho à Física Matemática estudando a aplicação de
equações integrais a teorias físicas, como a teoria cinética dos gases e especialmente
pesquisou sobre a teoria geral da relatividade de Einstein, juntamente com Felix Klein e
Emmy Amalie Noether (1882-1935):

É interessante que a contribuição matemática mais duradoura provinda deste esforço


viesse de uma algebrista, que recentemente se tinha dedicado a estudos sobre
invariantes diferenciais. Essa foi Emmy [...], filha do geômetra algébrico Max
Noether que Hilbert e Klein trouxeram a Göttingen, para auxiliá-los nesta pesquisa.
Os resultados dela foram publicados em 1918; o mais conhecido é o ―teorema de
Noether‖ que ainda é citado na discussão da correspondência entre certos invariantes
e leis da conservação (BOYER; MERZBACH, 2012, p. 414).

A jovem estudante Emmy ficou entusiasmada com o trabalho de David Hilbert,


publicado em 1899 ‒ Grundlagen der geometrie (Fundamentos da Geometria) ‒, o qual
apresentava uma brilhantemente organização da Geometria em um sistema axiomático
completo, tomando a obra de Euclides como seu ponto de partida e levando o assunto adiante
até um sistema unificado e consistente.

Hilbert havia iniciado um trabalho sério para reestruturar a Álgebra em 1900,


buscando uma base axiomática para ela da mesma forma que ele havia reformulado
a Geometria. Este foi um projeto revolucionário, com o objetivo de substituir a
resolução direta de equações por uma estrutura abrangente. Seu projeto foi o de
fazer poucas suposições (axiomas), e construir o resto da Álgebra sobre esses
axiomas, seguindo passos lógicos e rigorosos para desenvolver e provar primeiro um
e depois o próximo e depois o próximo teorema. Foi este trabalho em Álgebra que
cativou Emmy, levando-a a desenvolver Álgebra Moderna (ou Abstrata) na
abordagem coerente e estritamente axiomática pela qual ela é famosa (TENT, 2008,
p.57, tradução nossa, grifo nosso).

Emmy Noether foi uma pessoa que seguiu rigorosamente um pensamento conceitual
na Matemática, filha de Max Noether, sendo considerada a mãe da Álgebra Moderna (TENT,
2008).

Em 1903, [...] Emmy se inscreveu para aulas em Göttingen, participando de


palestras do professor Schwarzschild, em Astronomia, e dos professores Minkowski,
Blumenthal, Klein e Hilbert, em Matemática. Como ela não era uma pessoa
149

acanhada, os professores ficaram impressionados com suas perguntas profundas e a


encorajaram a continuar seus estudos. Felix Klein era o mais proeminente dos
professores de Emmy (TENT, 2008, p. 55, tradução nossa).

Figura 21 ‒ Emmy Noether (1882‒1935)

Fonte: Print screen da capa do livro escrito por Tent (2008)

A nova álgebra abstrata de Emmy Noether foi inteiramente conceitual. Stewart


esclarece que, apenas com Dedekind, temos a reformulação da noção de número ideal de
Kummer em subsistemas especiais de inteiros algébricos e:

Pelas mãos da escola de Hilbert em Göttingen, e em particular por Emmy Noether,


toda a área foi colocada sobre fundações axiomáticas. Junto com os grupos, três
outros tipos de sistema algébrico foram definidos por uma apropriada lista de
axiomas: anéis, campos e álgebras84 (STEWART, 2014, p. 256).

84
―Num anel, são definidas as operações de adição, subtração e multiplicação, e satisfazem as propriedades
habituais da álgebra, exceto a comutativa para a multiplicação. Se essa propriedade vigorar também, teremos
um anel comutativo. Num campo, são definidas as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão, e
satisfazem todas as propriedades habituais da álgebra, inclusive a comutativa para a multiplicação. Se essa lei
falhar, teremos um anel de divisão. Uma álgebra é como um anel, mas seus elementos também podem ser
multiplicados por várias constantes, números reais, números complexos ou – no caso mais geral – por um
campo. As propriedades da adição são as habituais, mas a multiplicação poderá satisfazer uma variedade de
diferentes axiomas. Se for associativa, teremos uma álgebra associativa. Se satisfizer algumas propriedades do
comutador xy − yx, será uma álgebra de Lie.‖ (STEWART, 2014, p. 256-258).
150

No início do século XX, o movimento de rigor de aritmetização, estava mais


preocupado com a ontologia ou, em termos de Semiótica, com a relação à referência dos
símbolos matemáticos. Mas a concepção de Álgebra Moderna desenvolvida por Emmy
apresenta uma abordagem epistemológica diferente, a qual é dedicada à generalização
conceitual com base em uma forma de pensamento analítico.

[...] seu projeto era afastar a álgebra abstrata do pensamento sobre operações em
elementos, tais como adição ou multiplicação de elementos em grupos ou anéis. Sua
álgebra descreveria estruturas em termos de subconjuntos selecionados (como
subgrupos normais de grupos) e homomorfismos (MCLARTY, 2006, p. 187,
tradução nossa).

Kleiner (2007) explica que a Álgebra estava fundamentada em seus próprios padrões,
ligada de uma forma ou de outra com números reais ou complexos. O trabalho de Noether
expressava ideias com abordagem abstrata e axiomática da Matemática: ―[...] Elas parecem-
nos comuns, mas não eram assim no tempo de Noether. Na verdade, hoje em dia, são comuns,
em considerável parte, por causa do seu trabalho.‖ (KLEINER, 2007, p. 91, tradução nossa).
Sobre esta sua especial habilidade de elevar o específico ao abstrato, Tent faz a seguinte
comparação sobre Emmy: ―[...] observava toda a floresta em um relance em vez de focar nas
árvores individuais ‒ foi surpreendente. Jamais alguém havia ido tão a fundo em Álgebra.‖
(TENT, 2008, p. 62, tradução nossa).
E Pavel Sergeyevich Alexandrov (1896‒1982) declarou: ―Foi [Noether] quem nos
ensinou a pensar em termos de conceitos algébricos simples e geral ‒ transformações
homomórficas, grupos e anéis com operadores ideais.‖ (ALEXANDROV apud STEPANOV;
ROSE, 2013, p. 119, tradução nossa). E o proeminente Saunders MacLane (apud KLEINER,
2007, p. 91, tradução nossa) afirmou: ―[...] a Álgebra Abstrata, como uma disciplina
consciente, começa com o artigo de Noether de 1921 Teoria Ideal em Anéis.‖. E, na mesma
linha de pensamento, Hermann Weyl assegura que Emmy: ―[...] mudou a face da Álgebra
pelo seu trabalho.‖ (apud KLEINER, 2007, p. 91, tradução nossa).
Por meio do trabalho revolucionário de Emmy Noether, percebe-se a possiblidade de
obter resultados sobre certos tipos de entidades matemáticas sem saber muito sobre estas
entidades, por exemplo:

[...] Em termos de programação, diríamos que ela percebeu que poderíamos usar
conceitos em nossos algoritmos e estruturas de dados, sem saber nada sobre quais
tipos específicos seriam usados. Num sentido muito real, Noether forneceu a teoria
para o que chamamos de programação genérica. [Mais aqui sobre como a abstração
151

permite simplificar e organizar o conhecimento]. Resultados complexos tornam-se


triviais (STEPANOV; ROSE, 2013, p. 119, tradução nossa).

Em resumo, Noether contribuiu para as seguintes áreas da Álgebra: teoria invariante


Álgebra Comutativa (1920-1929), Álgebra não Comutativa e teoria da representação (1927-
1933) e aplicações de Álgebra não Comutativa a problemas em Álgebra Comutativa (1932-
1935). Ela, assim, lidou com quase toda a gama de assuntos da tradição algébrica do século
XIX e início do século XX (com a possível exceção da teoria dos grupos). O que é
significativo é que ela transformou esse assunto, originando uma nova tradição algébrica - o
que passou a ser conhecido como moderna ou abstrata álgebra (KLEINER, 2007).
Em abril de 1922, Noether foi professora assistente na Universidade de Göttingen, de
acordo com Tent (2008), a partir de então começa a orientar estudantes de doutorado, estava
sempre rodeada por seus orientandos conhecidos como os the Noether boys (Os garotos de
Noether), dentre esses estava o holandês Bartel Leendert van der Waerden (1903‒1996).

Figura 22 ‒ Bartel van der Waerden (1903‒1996)

Fonte: Tent (2008, p. 111)

Emmy era uma professora conhecida por sua disposição em ajudar os alunos e dar-
lhes ideias para publicar, contudo ela mesma publicou relativamente pouco. Felizmente, o
jovem matemático Waerden publicou o livro Moderne Algebra (1930), contendo notas das
aulas em Göttingen dadas por Emil Artin e Emmy Noether. Esse foi o primeiro livro a
descrever a abordagem abstrata a qual Noether havia desenvolvido, de fato, um importante e
152

famoso veículo para a propagação de suas ideias.

Figura 23 ‒ Capa do livro Moderne Algebra, 1930

Fonte: Barany (2018, p.9)85

É importante destacar que Van der Waerden não se limitou a apenas transcrever as
aulas de Emmy Noether, mas simplificou e organizou o material, aperfeiçoou as
demonstrações com férteis generalizações. Na introdução, Waerden (1949, p. ix) define como
propósito do referido livro:

A recente expansão da Álgebra muito além de seus limites anteriores deve-se


principalmente à escola ‗abstrata‘, ‗formal‘ ou ‗axiomática‘. Esta escola criou uma
série de novos conceitos, revelou uma inter-relação até então desconhecida, e levou
a resultados de longo alcance, especialmente nas teorias dos corpos, ideais, grupos e
números hipercomplexos. O objetivo principal deste livro é introduzir o leitor em
todo este mundo de conceitos. No âmbito destas ideias modernas, os resultados e
métodos clássicos encontram o seu devido lugar (Tradução nossa).

85
BARANY, Michael J. Reviews. Circulation, and Mathematical Infrastructuralism. Charlottesville:
University of Virginia: Society of Fellows, Dartmouth College. Disponível em:
https://cirmath.hypotheses.org/files/2018/06/2018-05-28-Cirmath-Americas-Michael-Barany.pdf. Acesso em:
01 dez. 2019.
153

Apesar de Emmy Noether ser uma pessoa notavelmente criativa, assumindo uma vasta
gama de conceitos matemáticos e reunindo-os de uma forma revolucionária, de acordo com
Tent (2008), é importante admitir sua dificuldade para explicar suas construções a outras
pessoas, apenas alguns puderam entender bem suas palestras e Waerden foi capaz de
apresentar seus conceitos claramente; e, se ele não tivesse feito isso, certamente apenas
Waerden seria importante na História da Matemática. De acordo com Waerden (apud TENT,
2008, p. 112, tradução nossa), a essência do credo matemático de Noether está contida na
seguinte máxima: ―Todas as relações entre números, funções e operações tornam-se claras,
generalizáveis e verdadeiramente frutíferas apenas quando são separadas de seus objetos
particulares e reduzidas a conceitos gerais.‖.
O trabalho de van der Waerden foi crucial para apresentação da pesquisa de Emmy,
além de influenciar vários matemáticos, entre eles o francês Jean Alexandre Eugène
Dieudonné (1906‒1992) e o alemão Werner Graeub, este último foi aluno de Waerden.
Percebem-se neste ínterim duas importantes ramificações do estruturalismo na Matemática, a
saber, o movimento da Matemática Moderna que culminou na reforma do ensino, bem como a
Álgebra Linear em termos axiomáticos com Graeub. Assim: ―Sua riqueza de ideias bonitas e
poderosas, brilhantemente apresentadas por van der Waerden, alimentou uma geração de
matemáticos. O impacto imediato do livro é descrito pungentemente por Dieudonné e G.
Birkhoff, respectivamente [...].‖ (KLEINER, 2007, p. 99, tradução nossa).
J. Dieudonné (1906‒1992), porta-voz do grupo Bourbaki, nos anos 30, foi a Berlim
para aprender Álgebra Moderna com B. van der Waerden. Dieudonné (1970, p. 136, tradução
nossa), escreveu: ―[...] Minha ignorância em Álgebra foi tal que hoje em dia eu seria recusado
a admissão em uma Universidade. Eu corri para esses volumes e estava estupefato ao ver o
mundo novo que se abriu diante de mim.‖. Dieudonné referia-se aos dois volumes de
Moderne Algebra de B. Van der Waerden e, de fato, ele ficou surpreendido sobre o quanto a
Álgebra mudou e quão diferente era, pois na França ainda se estudava a Matemática baseada
no século XVIII.
Posteriormente, o grupo dos bourbakistas passou a publicar uma versão estruturalista
dessa Matemática Abstrata, mediante os Elementos de Matemática, de Nicholas Bourbaki.
Esse tratado foi a base com a qual foi construída, na década dos 1950, a reforma da Educação
Matemática conhecida como Matemática Moderna (SILVEIRA, 2000). Seus trabalhos
apresentam uma Matemática básica, ou seja, a base que todo matemático deve ter, o que eles
excluem não significa que não é importante, apenas não faz parte do conhecimento base para
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todo matemático (DIEUDONNÉ, 1970). Um exemplo dessa divisão é exatamente a discussão


sobre a diferença entre Geometria Analítica e Álgebra Linear, para Dieudonné (1970, p. 140):

É absolutamente intolerável usar Geometria Analítica para Álgebra Linear com


coordenadas, ainda chamado de Geometria Analítica nos livros elementares.
Geometria Analítica nesse sentido nunca existiu. Existem apenas pessoas que fazem
mau uso da Álgebra Linear, tomando coordenadas e isso chamam de Geometria
Analítica. Fora com eles! Todos sabem que a Geometria Analítica é a teoria de
espaços analíticos, uma das teorias mais profundas e mais difíceis de toda a
Matemática (Tradução nossa).

A Geometria Analítica, na verdade, foi também uma invenção atrelada à Educação


Matemática com objetivo de ensinar Matemática para a sociedade e engenheiros.

5.4 Dois exemplos

5.4.1. Analogia entre os imaginários e os irracionais

O trabalho de Descartes floresce como revolucionário, sua interpretação geométrica


não apenas criou uma nova Física à base de uma definição do mundo em termos de grandezas
geométricas e um novo método de uma força e universalidade até então desconhecidas na
Matemática, mas também abriu a possibilidade de mudar as regras da Álgebra (BOUTROUX,
1920).
Nesse tempo perguntava-se, por exemplo, se o produto algébrico deveria ser sempre
comutativo. O Cálculo Vetorial e a Álgebra Linear surgiram quando pensadores como
Grassmann criaram o produto vetorial anticomutativo. Outro exemplo é a criação de novos
números através da interpretação geométrica dos imaginários, que recebeu importantes
contribuições de Johann Carl Friedrich Gauss (1777‒1855).
A pergunta norteadora foi a respeito da solução para equações do tipo x2+1=0. As
soluções para problemas desta natureza foram por muitos anos ignoradas, porque envolviam
soluções aparentemente sem lógica ou totalmente inúteis, como Girolamo Cardano (1501‒
1576) que chegou a escrever ―√ é +3 ou -3, pois um mais ou menos vezes um menos dão
mais. Portanto, √ não é nem +3 nem 3, mas alguma terceira espécie de coisa misteriosa.‖
(CARDANO apud BERLINGHOFF; GOUVÊA, 2008, p. 181). Os matemáticos
consideravam necessário qualificar as quantidades imaginárias pela sua natureza, por isso as
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consideravam como ―[...] ‗sofísticas‘, ‗absurdas‘, ‗impossíveis‘, ‗falsas‘ ou ‗imaginárias‘.‖


(ROQUE, 2012, p. 448).
Será que o número real x, que satisfaz a equação x2 = -1, existe? Se imaginarmos que
deve ser uma raiz no campo do número real, deverá ser igual a 1 ou a -1 e isso produziria 1 =
-1, o que seria uma contradição! Deste modo, por um lado a resolução de equações fortalecia
a relação entre teoria e prática, pois ―[...] Fazia parte de seu projeto representar a natureza por
equações, e os matemáticos teóricos se viam como pertencentes à mesma tradição inaugurada
por Newton e outros.‖ (ROQUE, 2012, p. 448). Porém, as soluções de algumas equações não
condiziam com as respostas convencionais, justamente porque a noção de número estava
associada à quantidade e grandeza. De acordo com Roque (2012, p. 427):

[...] o estudo do número de raízes de uma equação trouxe a necessidade de se


considerar raízes irracionais, negativas e imaginárias. Os números irracionais eram
entendidos de modo geométrico, porém, a exigência algébrica motivou a reflexão
sobre o estatuto das quantidades negativas e imaginárias.

Mas o matemático precisou, em certo sentido, ampliar seu universo e encontrar um


novo sistema de números, como os números complexos e irracionais. Na realidade, postulou-
se essa existência como um elemento ideal ou imaginário. Desde então, o conceito de número
se desprende da grandeza e quantidade e passa a ser visto, também, como uma noção abstrata.

Ainda que, desde o século XVII, as entidades algébricas tenham adquirido um lugar
de destaque na matemática, até o final do século XVIII as raízes negativas e
imaginárias de equações eram consideradas quantidades irreais. Os números que
hoje chamamos de ‗irracionais‘ apareciam na resolução de problemas, mas também
não tinham um estatuto definido. Todos os nomes utilizados para designar esses
números exprimem a dificuldade de admitir sua existência ou, melhor dizendo, sua
cidadania matemática: números ‗surdos‘ ou ‗inexprimíveis‘, para os irracionais;
quantidades ‗falsas‘, fictícias‘, ‗impossíveis‘ ou ‗imaginárias‘, para os números
negativos e complexos. Isso mostra que eles, além de não possuírem uma cidadania,
não eram, em última instância, sequer admitidos como números (ROQUE, 2012, p.
409).

Os irracionais começaram a ser aceitos, apenas quando foi possível apresentá-los em


forma de uma representação decimal com vírgulas a partir do trabalho do holandês Simon
Stevin (1548‒1620). Assim o fator essencial para sua aceitação foi a representação,
exatamente porque essa:

[...] fornecia uma intuição de que entre dois números quaisquer é sempre viável
encontrar um terceiro, aumentando o número de casas decimais. Nota-se, por meio
dessa representação, que, apesar de os irracionais escaparem, é possível que
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racionais cheguem muito perto. Não por acaso, Stevin foi um dos primeiros
matemáticos do século XVI a dizer que o irracional deve ser admitido como número,
uma vez que pode ser aproximado por racionais (ROQUE, 2012, p. 425).

Analogamente os números complexos só foram aceitos após matemáticos como Gauss


e Argand86 apresentarem uma representação geométrica. Conforme Schubring (2018, p. 6),
Argand é ―[...] um nome de grande importância na história dos números complexos [...], que
contribui decisivamente para a aceitação de tais números como conceitos matemáticos
legítimos; o que se dá por meio da representação geométrica dos mesmos.‖. Contudo, apenas
a publicação do renomado Gauss surtiu grande efeito entre os matemáticos. Efetivamente, os
números complexos, nas mãos do famoso Gauss, adquiriram, principalmente, o direito de
cidadania no mundo, ou seja, a aceitação entre os matemáticos.87 Conforme Roque (2012, p.
448):

Quando, em 1831, Gauss publicou o que denominava ‗metafísica das grandezas


imaginárias‘, no artigo ‗Theoria residuorum biquadraticum‘ (Teoria dos resíduos
biquadráticos), já tinha renome. Foi o primeiro matemático influente a defender
publicamente as quantidades imaginárias, desde seus trabalhos sobre a demonstração
do teorema fundamental da álgebra, editado em 1799.

De forma mais explícita e clara, Gauss escreve sobre a representação geométrica de


números complexos, e fornece a representação para a + bi como um ponto no plano
complexo, não apenas como um vetor à maneira de Wessel e Argand; e Gauss ainda havia
descrito a adição e multiplicação geométrica de números complexos. Kline (1972, p. 631)
explica que:

[...] ele pressupõe a correspondência de um-para-um nos pontos do plano cartesiano


e dos números complexos. Não há plotagem real de x+yi, mas sim de x e y como
coordenadas de um ponto no plano real. Além disso, as provas realmente não usam a
teoria da função complexa porque ele separa as partes real e imaginária das funções
envolvidas. [...] em 1811, diz que a + bi é representada pelo ponto (a, b) e que o um
pode ir de um ponto a outro do plano complexo por muitos caminhos. [...] Gauss
estava em plena posse da teoria geométrica de números e funções complexas,
embora tenha escrito em uma carta de 1825 que a verdadeira Metafísica de √ é
ilusória (Tradução nossa).

86
De acordo com Schubring (2018), não se sabe ao certo sobre a bibliografia de Argand, ou seja, informações
como onde nasceu e morreu são incertas. No entanto, de modo geral, neste tópico buscamos enfatizar a
analogia entre os imaginários e os irracionais, bem como a importância desse fato para a compreensão da
abordagem semiótica no contexto descrito por Foucault. Nessa conformidade, não seguimos o caminho
detalhado sobre a vida e obra dos diversos matemáticos envoltos na importante constituição desse momento
histórico.
87
Importante ressaltar as aplicações para os complexos tanto na Matemática como na Física e Engenharias.
157

Gauss no início de sua obra Theoria residuorum biquadraticorum. Commentatio


segunda (Teoria dos Resíduos Biquadráticos. Segundo comentário) no Göttingische Gelehrte
Anzeige, explica que para muitos, os números complexos pareciam ser apenas um jogo com
símbolos, mas, na representação geométrica, encontra-se o significado intuitivo dos números
complexos, completamente estabelecido e não sendo mais necessário admitir estas
quantidades no domínio da aritmética:

Esta representação (‗Darstellung‘) tornará possível o desempenho das operações


aritméticas em relação às grandezas complexas, a congruência, a formação de um
sistema completo dos números não congruentes para um módulo dado, e assim em
seguida, em breve, de uma apreensão sensível (‗Versinnlichung‘) capaz de deixar
nada a desejar. [...] perfeitamente justificado a possibilidade do bem-fundado de
uma significação intuitiva de √ , e nada mais é necessário para admitir essas
grandezas no domínio dos objetos da aritmética. [...] Se não se houvesse considerado
+1, -1, √ como unidades positiva, negativa, imaginária (ou ainda impossíveis)
unidades, mas como direta, inversa, lateral, não ficaria o discurso tão escuro. O autor
tem se reservado de trabalhar mais completamente no futuro este assunto, o qual tem
a dizer a verdade tratado na ocasião nesta presente memória, onde então se poderá
encontrar também a resposta a questão de saber porque as relações entre as coisas,
que exigem uma variedade de mais de duas dimensões, não podem ser ainda tratada
na aritmética universal segundo outras espécies admissíveis de grandezas (GAUSS,
2013, p. 50-53).

Para Gauss, os matemáticos não familiarizados com a natureza das quantidades


imaginárias poderiam imaginar que tal atitude matemática se afastava inteiramente da
intuição, mas Gauss escreve que, ao contrário dessa visão,

[...] a aritmética de números complexos é capaz de visualização concreta [...] Assim


como os números inteiros absolutos são representados por uma série de pontos
distribuídos em uma linha reta a distâncias iguais [...] a representação de números
complexos exige, porém, que a adição dessa série seja considerada como estando
situada em um determinado plano ilimitado e que, paralelamente a ele, um número
ilimitado de séries semelhantes é assumido a distâncias iguais entre si, resultando
em ter diante de nós, em vez de uma série de pontos um sistema de pontos que
podem ser alinhados de duas maneiras em séries de séries [...]. Nessa representação,
a execução das operações aritméticas torna-se capaz, em relação às quantidades
complexas, de uma representação, que não deixa nada a desejar (GAUSS, 1831, p.
174-175 apud OTTE, 2003b, p. 189, tradução nossa).

Quando Gauss e outros pensaram sobre os imaginários, estudaram não apenas a


possiblidade de existência ou natureza do objeto, mas perceberam principalmente as relações
e estruturas entre os objetos matemáticos, os quais não eram signos absolutos como
Aristóteles concebia.

[...] números complexos, eles devem ser compreendidos também como relações, e
158

Gauss começou por destacar a similitude entre a relação de +1 a −1 e a relação de + i


a −i (símbolos que ele introduziu). [...] Gauss afirmará, então, que essas relações
podem ser tornadas intuitivas por uma representação geométrica (ROQUE, 2012, p.
450).

Assim o pensamento relacional é particularmente importante na Matemática. Números


positivos e negativos só fazem sentido do ponto de vista relacional e, para justificar as regras
de cálculo para números negativos, fracionários ou imaginários, é preciso representá-los em
termos relacionais, como: 3 = 5 + x; 7x = 3; 5y = 1 etc.
Caso contrário, os objetos são simplesmente coisas existentes sem qualquer
significado, considerados como surdos, imaginários, irreais e assim por diante. Portanto, tudo
o que é inteligível deve ser uma relação ou um continuum. Pode haver, por exemplo,
indivíduos bons e maus, mas, para entender o que isso significa ser bom ou mal, é preciso
levar em consideração a relação ou o continuum entre esses extremos. A única maneira
produtiva de pensar em distintos existentes é percebê-los em uma relação. Somente as
relações podem ser objetivamente compreendidas e comunicadas. Este pensamento relacional
é algo que começou a surgir com mais força no final do século XVIII e início do século XIX.

Existe, no entanto, uma categoria de estudiosos que parecem ter desconfiança


instintiva contra qualquer generalização antecipada e que consideram ser mais
interessante trabalhar com obras limitadas, mas perfeitas, apenas para esboçar vastas
teorias e para construir hipóteses. Esses foram Fermat, Gauss, Hermite. Esses não
foram muito comunicativos, mas às vezes é possível entendê-los, em parte. Então
podemos ter certeza de que esses homens amam a perfeição, escolhiam com especial
cuidado os problemas que enfrentavam. Talvez ao examinarmos cuidadosamente a
lista desses problemas, comparando-os com os objetos estudados por outros
matemáticos da mesma época, podemos até certo ponto encontrar o fio de seu
pensamento. Pois é como ver um ponto em uma curva, o qual não nos ensina nada
sobre essa curva, mas um fenômeno dos pontos em um conjunto de curvas permitirá,
se eles não são todos exatamente no mesmo nível, determinar aproximadamente a
forma e a orientação do feixe (BOUTROUX, 1920, p. 19, tradução nossa).

A grande vantagem da Álgebra é ter um objeto desconhecido, o famoso x, que pode


representar ou não um objeto, por exemplo, se uma equação não tem solução então x não
representa nada. Igualmente aos números imaginários, que precisaram ser vistos apenas como
funções, ou seja, como símbolos para calcular, os quais não apresentam uma referência
objetiva, por isso, são chamados de imaginários.

Esta metafísica dos números imaginários baseia-se em duas suposições, a saber, que
estão sujeitas a todas as operações aritméticas e, além disso, podemos formar uma
intuição de seu significado objetivo. Gauss concebe esse significado objetivo dos
números imaginários em termos de suas possíveis aplicações. Sempre que os
elementos de um campo de aplicação ‗são de tal natureza que não podem ser
159

alinhados em uma série, ainda que ilimitada, mas apenas em séries de séries, ou, o
que é o mesmo, se formam uma multiplicidade de duas dimensões‘. É necessária
uma representação de todas as relações, tanto dos números inteiros como dos
números imaginários. É, portanto, a estrutura das relações, através da qual as ideias
matemáticas são interpretadas, e Gauss apresentou um modelo icônico ou diagrama
dessa estrutura relacional. Interpretando essa estrutura em termos da teoria do
espaço vetorial, podemos afirmar que a introdução dos números complexos é o
resultado de uma generalização inter-estrutural (OTTE, 2003b, p. 189).

Ao invés de procurar construir relações matemáticas, os matemáticos começaram a


perguntar primeiro: Será que tal relação é de fato possível? Niels Henrik Abel (1802‒1829),
em seu livro intitulado Memória sobre Equações Algébricas, ou Demonstração da
Impossibilidade de Resolver a Equação Geral do Quinto Grau, de 1826, apresentou uma das
famosas provas de impossibilidade da Matemática Moderna. Niels escreveu (apud OTTE,
2003b, p. 181):

[...] um dos problemas mais interessantes da Álgebra é da solução de equações


algébricas. [...] Mas, apesar de todos os esforços de Lagrange e outros importantes
matemáticos, o objetivo proposto não foi atingido. Isso levou à presunção de que a
solução de equações gerais era algebricamente impossível, mas isso não poderia ser
resolvido, pois o método seguido só poderia levar a conclusões decisivas, ou seja,
somente no caso em que as equações fossem solucionáveis. [...] Em vez de
perguntar sobre uma relação, da qual não se sabe de fato se existe ou não, temos que
perguntar primeiro se tal relação é possível (Tradução nossa).

As ideias de Abel não são apenas paradigmáticas para inúmeras provas de


impossibilidade88, mas também expressam uma característica geral da Matemática Moderna,
ou seja, o uso interativo de seus conceitos básicos, como a noção de conjunto ou função.
Assim os métodos e fórmulas da Álgebra não são completamente universais, por exemplo,
equações de graus superiores a quatro não podem ser resolvidas em radicais.
Os números complexos e a resolução de equações com base no trabalho de Abel
auxiliaram no processo de encaminhar a Matemática em dois lados, no pensamento conceitual
e na Álgebra Linear.

5.4.2 Um resultado da teoria dos determinantes 89

O tratamento matemático linguístico e cognitivo pode ser observado por meio de um


conhecido teorema da teoria dos determinantes. Assim, é possível estimular um entendimento

88
Tais provas culminam no trabalho de Kurt Friedrich Gödel (1906‒1978).
89
Esse tópico é um extrato de um artigo publicado em 2014, intitulado ―A Result in the Theory of Determinants
from a Semiotic Viewpoint‖, publicado em língua inglesa, por nós traduzido e reorganizado.
160

conceitual menos empírico e mais apropriado no que diz respeito à questão ―O que é
realmente a Matemática?‖, considerando que os termos matemáticos deveriam ser entendidos
como processos dinâmicos baseados na interação entre seus aspectos intensionais e
extensionais. Como de fato não é possível responder de forma definitiva a pergunta sobre a
origem da natureza dos objetos matemáticos e muito menos limitar as interpretações possíveis
dos conceitos matemáticos, assim o próprio processo sobre a evolução de conceitos tem uma
grande importância para a Matemática como uma atividade humana.
Uma teoria no sentido do estruturalismo moderno, conforme Sneed (1971), é um par
composto entre uma estrutura sintática representada por um sistema de axiomas e por um
conjunto de aplicações ou modelos possíveis. A Complementaridade entre o sentido dos
conceitos matemáticos (isto é, as consequências lógicas dos axiomas) e suas referências, ou
seja, a Complementaridade entre intensão e extensão, ocorre de forma diferente nas teorias
matemáticas, pois as referências ou objetos não são fixados de forma definitiva.
Uma matriz é um objeto matemático organizado em linhas e colunas (LANG, 2003).
Não obstante, uma matriz pode significar mais que um esquema de números dispostos em
linha e colunas, pode representar transformações lineares, tensores, regimes de produção,
conjuntos de vetores etc.
Teorema: Sejam A e B duas matrizes n x n com coeficientes reais. Então det (A.B) =
det (A). det (B), situação em que o determinante de um produto é igual ao produto dos
determinantes. Este é resultado de um famoso teorema que foi, aparentemente, descoberto,
em 1812, por Jacques-Philippe-Marie Binet (1796‒1856) e, independentemente, também por
Augustin-Louis Cauchy (1789‒1857).
A prova no caso geral deste teorema é muito complicada para os estudantes por conter
muitos somatórios de formas bem complicadas:

Teorema: Sejam A e B matrizes de ordem n. Então det (AB) = det (A) det (B).
Demonstração — Sejam A = (ajj), B = (bij) e C =AB = (cij). Logo

∑ ∑ ∑
Então det (C) = ( )
∑ ∑ ∑

∑∑ ∑ ( )

∑ ( )
161

∑ ( )

Explicações: Usamos o fato de que o determinante é uma função linear em cada


coluna. Esse fato foi usado para todas as colunas. Mais uma vez a linearidade, usada
nas n colunas. Eliminamos as parcelas em que ki = kj com i ≠ j, pois, neste caso,

( ) , já que há duas colunas iguais. Com a hipótese ki ≠ kj

para i ≠ j, a matriz

( ) têm as mesmas colunas que a matriz A, porém permutadas.

1 1 ... n
  
Se  k1 2k ... k n 
é essa permutação, então a matriz acima tem
determinante igual ao de A multiplicado por sgn ( ), o sinal da permutação
Óbvio. Uma permutação e sua inversa têm o mesmo sinal. Nota final: A teoria sobre
determinantes de matrizes reais, aqui construída, poderia ser feita para as matrizes
complexas de maneira inteiramente análoga (CALLIOLI, DOMINGOS; COSTA,
1990, p. 219).

Para entender o método conceitual, e com o propósito de evitar cálculos assustadores


no caso geral, vamos tentar perceber algumas intuições através de um tratamento heurístico,
explorando o caso das matrizes 2x2, e procurando efetuar uma interação entre Álgebra e
Geometria.
A estratégia será a seguinte:
1. O teorema pode ser facilmente verificado pelo cálculo, no caso de matrizes 2x2.
2. Se as linhas de uma matriz 2x2 forem interpretadas como coordenadas dos vetores
determinados pelos lados não paralelos de um paralelogramo, então a matriz pode ser
identificada com esse paralelogramo concebido como uma figura orientada. Dessa forma, o
determinante dessa matriz pode ser interpretado como a área desse paralelogramo.
a) Para se entender essa interpretação, começa-se com o caso mais simples de um
retângulo, cujos lados estejam apoiados sobre os eixos coordenados.
b) Nesse caso a matriz será uma matriz diagonal e, obviamente, o determinante dessa
matriz será o produto dos lados desse retângulo:

| |

3. Em seguida, mostra-se que qualquer paralelogramo pode ser transformado num


162

retângulo com lados apoiados sobre os eixos coordenados, por meio de transformações
lineares, cujo determinante é igual a 1. Para interpretar geometricamente o resultado do
teorema, det(A.B) = det(A).det(B), identifica-se a matriz C = A . B com o paralelogramo, que
é obtido pela aplicação da transformação linear representada pela matriz A no paralelogramo
identificado com a matriz B. No caso em que a matriz é diagonal e o paralelogramo
identificado com a matriz B tem os lados apoiados sobre os eixos coordenados, o
paralelogramo identificado pela matriz C também terá os lados apoiados sobre os eixos
coordenados e, neste caso, vê-se facilmente a validade do teorema. Se | det (A) | = 1 onde a
área permanece invariante. Isto significa que o conjunto de áreas ou os módulos de produtos
vetoriais formam um conjunto que é isomórfico ao grupo do quociente G1(2)/S1(2), onde
G1(2) é o grupo de transformações lineares inversíveis e S1 (2) é o subgrupo de
transformações ou matrizes com determinante igual a +1ou 1. Agora G1 (2) / S1 (2) é um
espaço vetorial unidimensional. Na verdade, não é nada além do conjunto de múltiplos da
matriz unitária.
Podemos reformular nosso resultado da seguinte maneira: O conjunto de funções de
área, isto é, o conjunto de funções bilineares e antissimétricas f(x,y), onde x e y são vetores
bidimensionais, é ele próprio um espaço vetorial dimensional. Agora nós generalizamos este
último resultado para o n-dimensional.
Observamos neste momento que, no raciocínio conceitual, não trabalhamos com
significados fixos, ou seja, uma matriz pode significar tanto uma transformação linear quanto
um paralelogramo geométrico ou ainda uma forma vetorial bilinear antissimétrica ou pode ser
simplesmente um elemento da álgebra de matrizes.
Concluindo a argumentação, no caso geral, como todo paralelogramo pode ser
transformado em um retângulo com lados apoiados sobre os eixos coordenados por meio de
matrizes cujo determinante vale 1, existem matrizes E e F, com det(E) = det(F) =1, tais que
as matrizes A’ = A.E, B’ = B.F e C’ = C.E.F podem ser identificadas como retângulos, cujos
lados estão apoiados sobre os eixos coordenados. Além disso:

det(A’) = det(A), det(B’) = det(B) e det(C’) = det(C).


Para as matrizes A’, B’ e C’ o teorema é válido, isto é, tem-se que:
det(C’) = det(A’). det(B’).
Portanto:
det(C) = det(A.B) = det(A).det(B).
163

Agora gostaríamos de destacar o sentido exemplar de nossa interpretação num modelo


geométrico. Toda pesquisa que encontra um objeto desconhecido começa por notar algumas
características desse objeto, conforme o exemplo da capivara (OTTE, 2003a, p. 212).
Na Matemática, precisamos interpretar nossos símbolos ‒ as matrizes, por exemplo,
ou outras ideias, com o famoso triângulo geral (OTTE, 2003a) ‒ e procurar por um modelo.
Agora, olhando as características dos elementos desse modelo, chegamos a um conceito que
vai ajudar-nos a resolver o problema pendente. No nosso caso, interpretando o determinante
como a área de um paralelogramo, chegamos às duas características essenciais da função
determinante. Primeiro, que ele é uma função bilinear (ou multilinear), pois a área de um
paralelogramo depende linearmente dos lados. E, segundo, que ela é uma função
antissimétrica, pois, como a área de um paralelogramo cujos lados são idênticos é nula, tem-se
que, chamando o determinante por f, para todos a e b vale que:
0 = f(a+b, a+b) = f(a,a) + f(a,b) + f(b,a) + f(b,b) = f(a,b) + f(b,a), o que implica que
f(a,b) = - f(b,a)
Pode-se generalizar este último resultado no caso n-dimensional e definimos uma
função determinante Φ(x1, ... , xn) como uma forma multilinear e antissimétrica sobre um
espaço vetorial V.
Agora, seja {a1, ....an} uma base desse espaço vetorial tal que Φ(a1, .... , an) = 1. Seja
Ψ(x1, ... , xn) outra função determinante definida em V. Como:
Ψ(x1, ... , xn) e Φ(x1, ... , xn) são números reais, então, existe um número real r tal que:
Ψ (x1, ... , xn) = r. Φ (x1, ... , xn) (**) para todo x1, ... , xn.
No caso específico da Geometria Plana, identificamos uma transformação linear com a
imagem do quadrado básico da unidade transformado pela matriz A associada à transformação
linear. Ou seja, identificamos uma transformação com seu resultado para poder identificar o
determinante dessa transformação linear com a área de um paralelogramo.
Por analogia, definimos o determinante de uma transformação linear inversível A.
Fazemos Ψ (x1, ... , xn) = Φ (A(x1), ... , A(xn)) e, usando (**), temos que:
Φ (A(x1), ... , A(xn)) = r. Φ (x1, ... , xn).
Definimos, então, det A = r , o teorema segue, pois det (AB).Φ (x1, ... , xn), = Φ
(AB(x1), ... , AB(xn)) = detA . Φ (B(x1), ... , B(xn)) = detA . detB . Φ (x1, ... , xn).
164

Agora, como cada transformação linear pode ser representada por uma matriz, fixada
uma base do espaço, o teorema sobre matrizes segue do teorema sobre transformações
lineares sem dificuldades.
Ernst Cassirer enfatizou que todo progresso na Lógica e na Matemática depende de
novos conceitos do conceito e que, em contrapartida, a Matemática ganha importância para a
Epistemologia e para a cultura em geral por causa de suas inovações na área do pensamento
conceitual. Contudo o pensamento conceitual na Matemática significa assumir o método
axiomático no sentido de Hilbert, e isso poderia trazer algumas dificuldades para Educação
Matemática, causadas pela dominância do empirismo nesta área.
Neste texto, procuramos apresentar ilustrações e exemplos bem concretos e claros para
entender melhor essa exigência de pensar em termos de conceitos teóricos e de pensar sobre o
pensamento.
Destacamos a Álgebra Linear como uma área da Matemática com férteis contribuições
tanto no campo das aplicações quanto em termos de um novo conceito para teoria, tal como
uma estrutura formal. Por meio do trabalho de Grassmann, verificamos a mudança do
conceito de axioma, o qual assume uma nova perspectiva, visto que deixa de ser uma verdade
incontestável para ser considerado como uma hipótese. E, no livro de Graeub, apresentamos
um ótimo exemplo da teoria axiomática, o qual também influenciou o Movimento da
Matemática Moderna.
Observamos que um conceito matemático como, por exemplo, uma matriz pode ser
representada por transformações lineares, tensores, regimes de produção, conjuntos de vetores
entre outros, porém o conceito de matriz não existe independentemente de todas essas
possíveis representações, mas também não deve ser adotado com sendo uma dessas
representações.
Ancorados na Semiótica peirceana verificamos que, tanto na Epistemologia quanto na
Educação Matemática, a característica da Complementaridade revela-se no contexto da
mediação entre referência e sentido dos símbolos.
165

6 CONSIDERAÇÕES

Neste trabalho, buscamos destacar a Semiótica e a Complementaridade,


respectivamente, nas perspectivas de Peirce e de Otte, para, com base nessas concepções,
dialogarmos sobre as implicações e relevâncias no contexto da Educação Matemática, no que
tange à aquisição do conhecimento na pesquisa e na aprendizagem.
Analisamos o movimento histórico do signo na ciência usando os resultados do livro
―As palavras e as coisas‖, de Foucault, no qual o autor evidencia as mudanças nas relações
entre as coisas e suas representações, descrito por epistemologias centralizadas no signo, ou
seja, a maneira como se representava uma coisa se mostrava mais importante do que a própria
coisa em si. Considerando a evolução da Filosofia, podemos dizer que a Epistemologia
começou substituir a Metafísica como área mais importante.
Verificamos, nesse contexto, o valor da Revolução Copernicana na Epistemologia de
Kant, na qual o conhecimento foi concebido como uma atividade do sujeito e não como um
espelho fiel da realidade. Averiguamos, por meio da descrição de Cassirer, a complexa
discussão histórica e filosófica a respeito da natureza dos conceitos da Matemática e da
Ciência.
Constatamos o potencial da atividade científica e matemática, por meio do trabalho de
Descartes, ao utilizar um símbolo para representar o objeto desconhecido. Dessa maneira,
Descartes introduziu o método experimental no pensamento matemático, no qual encontram-
se as raízes da noção moderna para uma teoria axiomática. Apresentamos a Álgebra Linear
com a obra de Grassmann, de modo geral, como exemplo dessa evolução.
A Álgebra Linear se destaca como uma área da Matemática com férteis contribuições
tanto no campo das aplicações quanto em termos de um novo conceito para a teoria, tal como
uma estrutura formal. Com alguns exemplos, como o trabalho de Grassmann e Graeub,
ancorados na Semiótica peirceana, verificamos que, tanto na Epistemologia quanto na
Educação Matemática, a característica da Complementaridade revela-se no contexto da
mediação entre referência e sentido dos símbolos.
A partir dos estudos realizados, constatamos que a concepção sobre sentido e
referência esteve atrelada, historicamente, à epistemologia do signo, envolto na cultura e no
pensamento de cada época, partindo da configuração na qual sentido e referência não foram
distinguidos claramente até o nominalismo moderno, o qual considera os conceitos e os
166

signos como construções mentais do sujeito humano. Em contraste, Peirce identificou a raiz
dos signos nos objetos, como perspectivas incompletas e subjetivamente interpretadas. Com
isso, a relação entre sentido e referência conecta-se a um processo em semiosis, no qual não
há nem sentido nem referência final acerca do objeto.
Assim relembramos as questões postas no início desta tese e procuramos responder de
forma simplificada e objetiva. A primeira pergunta: (i) Como se concebeu a relação sentido e
referência das representações ao longo da história?
• Para Foucault essa relação entre sentido e referência das representações ao longo da
história se concebeu por meio das constantes mudanças na representação das coisas pelas
palavras ao longo da história. Destacando a necessidade de se considerar as coisas como
signos em um processo que envolve a interpretação do sujeito tanto sobre sentido como
referência.
• Para Cassirer essa relação entre sentido e referência das representações ao longo da
história se concebeu por meio da complexa discussão histórica e filosófica a respeito da
natureza dos conceitos na Filosofia da Matemática. O trabalho de Cassirer se verifica como
um reflexo da Revolução Copernicana da Epistemologia de Kant.
• Em ambos percebemos a importância da semiótica ao destacarem referência (coisas e
conceitos) como signos representados por sentido (palavras e funções). Contudo, referência e
sentido carecem da interpretação e abstração humana. Essa característica de dependência
(carência), de termos aparentemente opostos, mas que se completam para aquisição do
conhecimento aponta para complementaridade entre sentido e referência integrados a
subjetividade humana. Conforme Kant destacou ao utilizar intuições e conceitos em sua
Revolução Copernicana (que assume a importância no sujeito).
Em relação à questão: (ii) Que implicações para a Educação Matemática podem ser
geradas a partir de uma abordagem semiótica dos símbolos da Matemática, reconhecendo a
Complementaridade entre sentido e referência como foco? Destacamos as principais
implicações:
• Considerar, no âmbito da Educação Matemática, a importância da relação tríade
atrelada aos contextos e perspectivas dos interpretantes, em processo semiosis, estabelecendo
os mesmos níveis de atenção ao objeto, signo e interpretante. Na tríade objeto-signo-
interpretante, Peirce explora a importância da cognição e do conhecimento humano na relação
entre sujeito e objeto.
• Considerar os símbolos matemáticos como signos, na multiplicidade da tríade
167

peirceana objeto-signo-interpretante, afastando-se do demasiado psicologismo dos


professores, que consideram mais o discente e o seu próprio conhecimento humano que a
natureza simbólica da Matemática. O que implica ainda em reconhecer que o professor de
Matemática não é um psicólogo, um pedagogo, pai, mãe entre outros; sobre tudo ele é um
professor de Matemática, tem um compromisso com o discente, mas também com a própria
natureza simbólica da Matemática;
• Desvincular-se do matemático platonista, visto que o sucesso da Educação
Matemática, em grande parte, não depende apenas de revisões de conteúdo e de metodologias
excessivamente elaboradas, mas da dinamização da própria Matemática ao interagir entre a
prática e o conhecimento, ou seja, depende fundamentalmente do professor reconhecer que a
Matemática é parte integrante do conhecimento que se renova e se fortalece por meio das
experiências vivenciadas por todos. O professor de Matemática não é um matemático puro, ou
não deve ministrar aulas tratando a Matemática como algo pronto e acabado;
Nesse contexto, concluímos que a Educação Matemática fundamentada na Semiótica e
na Complementaridade abre caminhos para um empreendimento interdisciplinar capaz de
promover oportunidades para colaborar com o futuro na pesquisa e aprendizagem.
Ao concluirmos esta tese, reconhecemos a riqueza e grandeza na qual está imersa a
nossa proposta, o que nos deu fôlego e motivação para seguirmos. Contudo, entendemos que
o conhecimento não é final e muitos assuntos, como a própria Semiótica de Peirce, ainda se
constitui um vasto campo de pesquisa a ser explorado, principalmente no campo da Educação
Matemática no Brasil. A ideia de escrever sobre Petrus Ramus foi tardia, surgiu praticamente
em vias de qualificação. O Prof. Dr. Schubring, na qualificação, fez-nos um relato
impressionante sobre a riqueza acerca do trabalho de Ramus, infelizmente não conseguimos,
escrever de forma tão valiosa e precisa, inclusive, julgo que esse se constitui um tema com
elementos para uma dissertação de mestrado.
Terminamos e a cada leitura surgem novas ideias. Penso que encerramos, na verdade,
uma etapa da vida acadêmica, porém vislumbramos um trabalho fértil, a partir do qual
podemos publicar artigos, desenvolver projetos de pesquisa, orientar trabalhos de conclusões
de curso, dissertações, entre outras possibilidades.
Esperamos que este texto promova o fortalecimento da Educação Matemática, na
pesquisa e na aprendizagem, em uma perspectiva interdisciplinar.
168

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