CUIABÁ (MT)
2019
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CUIABÁ (MT)
2019
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Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Dedico
Aos meus avós Francisco Jaime e Maria Lirice
Aos meus tios Gilberto e Angelita (in
memoriam).
Pelo amor e sábios ensinamentos!
6
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo fôlego de vida, pela força e saúde para prosseguir, pelo ânimo e coragem
para completar esta etapa importante da minha vida acadêmica.
Ao meu esposo Jackson, por me apoiar e me acompanhar durante esses três anos de
trabalho árduo, sempre me incentivando. À minha querida filha Heloísa, sempre com sorrisos
e brincadeiras alegrando nosso dia.
Ao meu orientador Professor Dr. Michel Friedrich Otte, pela orientação, amizade,
paciência e por compartilhar sua sabedoria e amplo conhecimento comigo.
À minha amiga e irmã científica Luciene e seu esposo Professor Dr. Alexandre Abido
(membro que compõe a banca desta tese), agradeço pela amizade e acolhida em Cuiabá,
durante orientações, e também pelas importantes correções da redação e contribuições ao
texto.
Ao Professor Dr. Alexandre Abido (UFMT) e também ao Humberto Clímaco (UFG),
por cederem traduções de textos ainda no prelo, cuja parceria, confiança e colaboração me
foram importantíssimas.
Aos membros que compõem a banca ‒ Prof. Dr. Gert Felix Schubring, Prof. Dr. Luiz
Gonzaga Xavier de Barros, Prof. Dr. Iran Abreu Mendes e Prof. Dr. Demilson Benedito do
Nascimento ‒, agradeço por atenderem ao nosso convite e pelas leituras, orientações,
considerações, correções e instruções para a construção desta tese.
À grande família científica REAMEC ‒ todos os professores, discentes e
coordenadores do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática
(PPGECEM) da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC) ‒, pelo
profissionalismo e amizade, especialmente a nossa coordenadora geral Profa. Dra. Marta Maria
Pontin Darsie, por sua garra, coragem e determinação, um exemplo para todos nós
reamequianos.
À nossa coordenadora do polo de Cuiabá Profa. Dra. Gladys Wielewski (membra que
compõe a banca desta tese), muito obrigada pela amizade, apoio, atendimento excelente,
preocupação, correções da redação, valiosas contribuições, frutíferas orientações, enfim, não
temos palavras para agradecer. Que Deus a recompense em dobro por todo esforço e
empenho.
7
Aos amigos que cursaram as disciplinas no polo de Cuiabá comigo ‒ Patrícia, Chiara,
Mônica, Dailson, Rosemeire, Érica, Rogério, Thiago, César, Everton, Iatiçara, Terezinha e
Eugênio ‒, pela amizade e por terem compartilhado as alegrias e os momentos difíceis desta
empreitada.
À Universidade Federal do Mato Grosso, por consentir nosso afastamento integral das
atividades por um ano. Ao Diretor do ICNHS Prof. Dr. Leandro Batirolla e aos colegas do
curso de Licenciatura em Ciências e Matemática (UFMT/Sinop). À Pró Reitora Prof a. Dra.
Ozerina Victor de Oliveira e ao gerente financeiro Hallysson Fernando Tenutes, pelo
excelente trabalho, disposição, atenção e comprometimento, sempre nos atendendo em nossas
demandas do programa.
À Profa. Dra. Marieta Prata de Lima Dias, pela minuciosa e excelente revisão
ortográfica e gramatical da língua portuguesa, bem como formatação às normas da ABNT.
Aos amigos em Cuiabá, especialmente a família do Vital pelas hospedagens, refeições,
orações e apoio. À Valdinéia, pela hospedagem e amizade. À Prof a. Dra. Jacqueline, pela
amizade, dicas, orientações, pelas caronas e almoços em Cuiabá. Muitos amigos nos
acolheram, foram muitos almoços e jantares, não temos como citar todos os nomes, mas fica
aqui nosso agradecimento.
A toda a minha família, por sempre acreditarem em mim, o que me dá forças para
continuar. Aos meus pais Nildo e Lindinalva, sem eles eu nem existiria, mesmo longe sempre
me apoiaram e encorajaram, fazendo todo o possível para me ajudar. À minha irmã Juslei, que
além do apoio e incentivo, ainda fez algumas leituras para me ajudar com a redação do texto.
Ao meu irmão Elenilson, que nesta fase do meu doutoramento esteve longe (França), mas
sempre me ajudando inclusive com correções de artigos.
À Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT), pelo apoio
financeiro no último mês do doutoramento.
Muito obrigada a todos!
8
RESUMO
ABSTRACT
This research aimed to discuss the reflections in Mathematical Education of the use of a
semiotic approach focused on the complementarity between meaning and reference of
symbols of mathematics. Therefore, it was analyzed the historical development of the
semiotic representations in Mathematics and Sciences from the Scientific Revolution occurred
in the 17th century, a period in which, according to Foucault, was based essentially on the
understanding of the relative independence between sense and reference of the symbolic
representations. We also analyzed the work of Cassirer, who recognized the importance of the
Copernican Revolution of Kant's Epistemology, and the work of Descartes, who knew how to
explore this new environment very well. The theoretical references were Kant (1787/2001),
Peirce (1931-1935; 1958) and Otte (1993b; 2003a; 2012). The methodology was based on
Semiotics, with the contribution of an analysis that allows the interweaving of events and
facts from a theoretical perspective, seeking complementary characteristics. The
complementary understanding of mathematics, perceived in the Axiomatic Theory developed
by Grassmann (1844; 1861), and the work of Graeub, who introduced a new approach to
Linear Algebra, complementary to the approach prevailing at the time, were also analyzed. As
a result, implications for Mathematical Education were identified, such as the fact that the
semiotic approach avoids the usual dichotomy between psychology and platonism, offering a
synthetic view of how to learn and know mathematics.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 ‒ Relação triádica de Peirce e a diádica de Saussure ................................................. 24
Figura 2 ‒ Charles Sanders Peirce (1839‒1914) ...................................................................... 26
Figura 3 ‒ Apresentação do PowerPoint - Relação Tríade Fundamental ................................. 30
Figura 4 ‒ Diagrama do Teorema 35 ........................................................................................ 53
Figura 5 ‒ Michel Foucault (1926‒1984) ................................................................................. 69
Figura 6 ‒ Capa do livro Les mots et les choses, 1966 ............................................................. 70
Figura 7 ‒ Common Foxglove .................................................................................................. 74
Figura 8 ‒ Ernst Cassirer (1874‒1945)..................................................................................... 83
Figura 9 ‒ Capa do livro Substanzbegriff und Funktionsbegriff, 1910 .................................... 84
Figura 10 ‒ Immanuel Kant (1724‒1804) ................................................................................ 91
Figura 11 ‒ Capa de Kritik der reinen Vernunft, 1781.............................................................. 92
Figura 12 ‒ Petrus Ramus (1515 ‒1572) ................................................................................ 105
Figura 13 ‒ Diagrama do Teorema I em Os Elementos .......................................................... 110
Figura 14 ‒ Regulae, publicada em 1701, em latim ............................................................... 115
Figura 15 ‒ Esboço da interceção das curvas y= x2 e y2=2x .................................................. 118
Figura 16 ‒ Hermann Günther Grassmann (1809‒1877) ....................................................... 130
Figura 17 ‒ Capa do livro Die Lineale Ausdehnungslehre, 1844 ........................................... 131
Figura 18 ‒ Capa e contracapa ‒ versão alemã de Lienare Algebra, 1958............................. 136
Figura 19 ‒ Capa e contra capa ‒ versão inglesa de Linear Algebra (4a ed.), 1975 ............... 139
Figura 20 ‒ David Hilbert (1862‒1943) ................................................................................. 145
Figura 21 ‒ Emmy Noether (1882‒1935)............................................................................... 149
Figura 22 ‒ Bartel van der Waerden (1903‒1996) ................................................................. 151
Figura 23 ‒ Capa do livro Moderne Algebra, 1930 ................................................................ 152
11
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 ‒ Planilha do GeoGebra ‒ Função ............................................................................ 35
Gráfico 2 ‒ Lista de frequência de alguns sábios mencionados por Foucault .......................... 78
12
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 ‒ Organização de Collected Papers de Peirce .......................................................... 26
Quadro 2 ‒ Categorias peirceanas fundamentais ...................................................................... 33
Quadro 3 ‒ Tríade do signo com relação a seu objeto .............................................................. 34
Quadro 4 ‒ Metodologia, conforme Abbagnano ...................................................................... 43
Quadro 5 ‒ Classificação de períodos históricos por Foucault ................................................ 72
Quadro 6 ‒ Sumário Substance and Function .......................................................................... 84
Quadro 7 ‒ Sumário do primeiro capítulo da obra Substance and Function ........................... 85
Quadro 8 ‒ Distinção entre juízos analíticos e sintéticos de acordo com Kant ........................ 93
Quadro 9 ‒ Distinção entre juízos a posteriori e a priori, conforme Kant .............................. 94
Quadro 10 ‒ Constituição do conhecimento sensível em geral para Kant ............................... 95
Quadro 11 ‒ Duas fontes de conhecimento, segundo Kant ...................................................... 96
Quadro 12 ‒ Algumas publicações de Petrus Ramus ............................................................. 104
Quadro 13 ‒ As classes de divisão das ciências em Grassmann ............................................ 131
Quadro 14 ‒ Sumário do livro Lineare Algebra, 1958 ........................................................... 136
Quadro 15 ‒ Visão geral do contexto lógico dos capítulos individuais do livro Lineare
Algebra ................................................................................................................................... 138
13
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 14
2 METODOLOGIA E PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ........................................................... 21
2.1 Charles Sanders Peirce (1839‒1914) e a Semiosis ......................................................... 21
2.2 Complementaridade: definições...................................................................................... 37
2.3 Semiótica como aporte de análise ................................................................................... 43
2.3.1 Delineando o caminho metodológico: como fazemos? ............................................ 48
2.4. Obstáculos para uma abordagem semiótica ................................................................... 51
2.4.1 Matemático platonista .............................................................................................. 52
2.4.2 O psicologismo dos professores ............................................................................... 55
3 AS PALAVRAS E AS COISAS ........................................................................................... 68
3.1 Michel Foucault (1926‒1984): a separação das palavras e das coisas ........................... 69
3.2 Ernst Cassirer (1874‒1945): a transformação do conceito de conceito .......................... 82
3.3 A crítica da Razão Pura e as duas fontes de conhecimento matemático ........................ 90
4 DESCARTES: E A ÉPOCA DA REPRESENTAÇÃO ...................................................... 101
4.1 Petrus Ramus (1515‒1572) e o Ensino de Matemática ................................................ 101
4.2 O projeto do método de Descartes em uma carta enviada a Beeckman (1619) ............ 111
4.2.1 Regulae ad Directionem Ingenii (1628) ................................................................. 114
4.2.2 La Géométrie (1637) .............................................................................................. 117
4.3 Descartes versus Leibniz............................................................................................... 121
5 A ÁLGEBRA LINEAR ....................................................................................................... 127
5.1 Uma breve contextualização ......................................................................................... 127
5.2 Hermann Grassmann e a mudança do conceito de axioma ........................................... 129
5.3 Graeub - Lineare Algebra ............................................................................................. 136
5.3.1 Lineare algebra: gênese e implicações .................................................................. 144
5.4 Dois exemplos............................................................................................................... 154
5.4.1. Analogia entre os imaginários e os irracionais...................................................... 154
5.4.2 Um resultado da teoria dos determinantes ............................................................. 159
6 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................................ 165
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 168
14
1 INTRODUÇÃO
1
Onde v=velocidade, m=massa, c=velocidade da luz, m0=massa em repouso.
16
entrelaçar os acontecimentos e fatos sob uma perspectiva teórica, buscando por características
complementares. Assim, os epistemólogos basilares que compõem nosso referencial teórico
são Kant (1787/ 2001), Peirce (1931-1935; 1958) e Otte (1993b; 2003a; 2012).
O desenvolvimento desta tese está dividido em quatro capítulos que organizamos,
iniciados com a descrição da Semiótica de Peirce e concluídos com a redação de exemplos da
Álgebra Linear sobre a importância da Complementaridade entre sentido e referência dos
símbolos da Matemática com vistas a promover a Educação Matemática.
No Capítulo 2 – ―Metodologia e Pressupostos Teóricos‖ –, fundamentamos nossa tese
com a semiótica peirceana, bem como caracterizamos a complementaridade otteana.
Propomo-nos delinear nosso caminho metodológico e expressar a Semiótica como aporte
teórico. Destacamos dois obstáculos para uma abordagem semiótica, a saber: o matemático
platonista e o psicologismo dos professores.
No Capítulo 3 – ―As Palavras e as Coisas‖, – discorremos sobre o movimento
histórico do signo na Ciência com Foucault e na Filosofia da Matemática com Cassirer.
Apresentamos um dos principais referenciais teóricos, Kant, e as duas fontes de conhecimento
matemático em sua Revolução Copernicana da Epistemologia na Filosofia, descrita em A
Crítica da Razão Pura.
No Capítulo 4 – ―Descartes: e a Época da Representação‖ –, destacamos Petrus
Ramus, com importantes contribuições no contexto da Educação Matemática e como um
precursor de Descartes. Estudamos o projeto de Descartes em uma Carta enviada à Beeckman
(1619) e, ainda, as obras de Descartes: Regulae Ad Directionem Ingenii (1628) e La
Géométrie (1637). Ressaltamos a importância da atividade científica com Descartes, ao
introduzir o método experimental no pensamento por meio do objeto desconhecido na
Matemática.
No Capítulo 5 – ―A Álgebra Linear‖, em Uma breve contextualização, apresentamos
Hermann Grassmann e a mudança do conceito de axioma, o qual deixou de ser verdade
incontestável para ser considerado como hipótese. Destacamos o primeiro livro moderno, que
introduziu todos os conceitos de Álgebra Linear em termos axiomáticos, o Lineare Algebra
(1958), de Graeub. Descrevemos o contexto histórico de Lineare Álgebra com contribuições
dos matemáticos Hilbert, Noether, Waerden e Bourbaki. Identificamos, no movimento
histórico dos imaginários e dos irracionais, uma importante analogia sobre necessidade de
apresentar uma referência para obter um sentido. Mostramos um segundo exemplo que versa
sobre um resultado da teoria dos determinantes referente à multiplicação, o qual mostra a
20
A semiótica geral é uma ciência jovem, criada entre os séculos XVIII e XIX, que
ainda se encontra em desenvolvimento; portanto, sua definição também está em construção.
2
Alguns resultados expostos nessa seção foram submetidos à publicação como resultados parciais de nossa
pesquisa de doutorado e constam em: SANTANA, Geslane Figueiredo da Silva; PAULA, Luciene de; OTTE,
Michael. As Tríades de Peirce no Ensino de Matemática. In: SemiEdu 2019 – Debates sobre educação,
pesquisa e inovação, 2019 (No prelo).
22
Curiosamente, ―[...] suas raízes são muito antigas e há ricas reflexões produzidas desde a Era
pré-socrática. Este assunto permeou os interesses de Platão, Aristóteles, estoicos, epicuristas,
Agostinho, Escolástica, Descartes e toda a filosofia moderna até os dias atuais.‖ (OLIVEIRA,
2014, p. 20). Conforme Eco (1991, p. 16), vários estudiosos de forma indireta dedicam parte
de seus escritos e pensamentos ao esboço para projeto de uma ciência semiótica que:
Santaella (2007, p. 3), no livro O que é Semiótica, descreve sobre a complexidade para
se ter uma definição clara e objetiva acerca da Semiótica, mas caracteriza o campo de sua
abrangência, afirmando:
[...] que ele é vasto, mas não indefinido. [...], embora a Semiótica se constitua num
campo intrincado e heteróclito de estudos e indagações que vão desde, a culinária
até a psicanálise, que se intrometem não só na meteorologia como também na
anatomia, que dão palpites tanto ao cientista político quanto ao músico, que
imprevistamente invadem territórios que se querem bem protegidos pelas bem
demarcadas fronteiras entre as ciências, isso não significa que a Semiótica esteja
sorrateiramente chegando para roubar ou pilhar o campo do saber e da investigação
específica de outras ciências. Nos fenômenos, sejam eles quais forem — uma nesga
de luz ou um teorema matemático, um lamento de dor ou uma ideia abstrata da
ciência —, a Semiótica busca divisar e deslindar seu ser de linguagem, isto é, sua
ação de signo.
Dentre essa vasta sucessão de autores que de forma tênue ou mais intensamente
contribuíram para a constituição da Semiótica enquanto campo de pesquisa, destacamos Santo
Agostinho (354-430 d.C.) ou Saint Augustine que há cerca de 2000 anos escreveu um
importante tratado para o campo da Semiótica, a Doutrina Cristã (On Christian Doctrine). De
acordo com Manetti (2010), Agostino é um dos principais personagens da Semiótica no final
da Antiguidade, principalmente no tocante à Semiótica de Peirce. Por isso, o citamos,
sucintamente, buscando destacar apenas sua compreensão a respeito do signo que comunga
com a teoria dos signos peirceana.
Para Agostinho, o significado de um signo pode ser expresso por meio de outros
signos: ―[...] usando sinônimos, apontando algo com o dedo, usando gestos imitativos, ou por
meio de gestos ostensivos [...]‖ (AGOSTINHO apud MANETTI, 2010, p. 26, tradução
nossa). Neste sentido, seu pensamento parte da dualidade entre as coisas e os signos, ou
23
melhor, poderíamos nos expressar usando o termo complementaridade. Por exemplo, uma
coisa, como a fumaça, pode tornar-se um índice e funcionar como algo que traz alguma
mensagem.
Um signo é uma coisa que, para além da impressão que faz nos sentidos, faz com
que algo mais venha à mente como consequência de si mesmo: como quando vemos
uma pegada, concluímos que a pegada é de um animal que passou por este caminho
[...] E quando ouvimos a voz de um homem, pensamos no sentimento em sua mente,
e quando a trombeta toca, os soldados sabem que devem avançar ou recuar [...]
Agora alguns signos são naturais, outros são convencionais. 3.
Deste modo, para Agostinho (AUGUSTINE, 1958, IV, 2), o conhecimento trata de
coisas e signos, contudo as coisas são apreendidas apenas por meio dos signos.
[...] Uso agora a palavra ‗coisa‘ em sentido estrito para significar aquilo que nunca é
utilizado para significar qualquer outro objeto, por exemplo, uma madeira, uma
pedra, um cordeiro e outras coisas desse gênero. Mas não a madeira que lemos
quando Moisés lançou nas águas amargas para torná-las doces, nem a pedra que
Jacó usou como travesseiro, nem o cordeiro que Abraão ofereceu em lugar de seu
filho, porque estas, ainda que sejam coisas, são também signos de outras coisas. Há
signos de outra espécie, aqueles que nunca são empregados, exceto como signos: por
exemplo, palavras (Tradução nossa).
Neste sentido, Agostinho seria o primeiro a aplicar a definição de signos aos objetos
materiais da percepção, para a formação de um entendimento mais geral que incluía
percepções (sentidos) e conceitos como sendo essencialmente signos, por representar sempre
objetos que não seriam eles próprios. Conforme Manetti (2010), a partir de Agostinho outros
nomes, como Tomás de Aquino (1225‒1274) e John Poinsot (1589‒1644) trouxeram
compreensão importante para a concepção da Semiótica que culmina na teoria dos signos de
Peirce.
Em um breve panorama geral, Santaella (2007) destaca três fontes importantes na
constituição da origem e desenvolvimento sobre a Semiótica ao final do século XIX e início
3
Utilizamos a versão em inglês intitulada On Christian Doctrine, por Saint Augustine, em 1958.
24
[...] A maior parte deles não apenas foi retirada de circulação durante os expurgos
stalinistas, mas foi também com grande dificuldade que esses estudos puderam ser
recolocados em pauta, décadas mais tarde. Nessa medida, a recuperação dessas
investigações pelo Ocidente tem sido lenta, fragmentária e só nos últimos anos
alguns trabalhos sérios têm conseguido reconstituir esse legado num quadro mais
geral e elucidativo.
Por outro lado, a teoria de Saussure foi apresentada quando ministrou um curso. Com
base nas notas de aulas, seus alunos publicaram postumamente o livro intitulado Cours de
Linguistique Générale (Curso de Linguística Geral), em 1916:
Esse livro mereceu, imediatamente, a mais ampla divulgação pela Europa e, pouco
mais tarde, por quase o mundo todo. Os conceitos lingüísticos que ele encerra foram
retomados, discutidos e ampliados por uma série de outros lingüistas, especialmente
L. Hjelmslev; e seus princípios metodológicos foram aplicados a áreas vizinhas,
notadamente a Antropologia e Teoria Literária; suas descobertas, devidamente
exploradas, radicalizadas e levadas às últimas conseqüências pelos novos pensadores
europeus, particularmente J. Derrida. (SANTAELLA, 2007, p. 15-16).
A teoria de Saussure não possui referência ou índice porque seu objeto é a linguagem
e não a relação da linguagem com a realidade, ou do conhecimento representado pela
linguagem. Saussure viu essa relação diádica como sendo essencialmente arbitrária, conforme
seu princípio da arbitrariedade do signo (SAUSSURE, 2006, p. 81-82). Essa relação é
motivada apenas pela convenção social. Nessa perspectiva, Santaella (2007, p. 17-18) afirma
que ―A Lingüística saussureana brotou de um primeiro corte abrupto e estratégico nas
relações que a linguagem humana mantém com todas as outras áreas do saber sobre o
homem.‖.
A teoria de Saussure tem influenciado particularmente o estudo do signo linguístico,
privilegiando as ciências humanas e a lógica. Essa abordagem do signo é especialmente
consistente de acordo com a crença idealista, segundo a qual o pensamento humano não tem
acesso a não ser às suas próprias criações e, portanto, mantém separadas as Ciências da
Natureza e as Humanas. Santaella4 (2007, p. 18) ressalta que a semiótica peirceana em sua
gênese perpassa por um caminho tolamente inverso, visto que:
4
Caso o leitor tenha interesse, Santaella (2007) discorre sobre outras diferenças entre Saussure e Peirce. Aqui,
intentamos de forma breve apresentar um panorama geral sobre a concepção da Semiótica.
26
Entre outras coisas, Peirce foi filósofo, lógico, cientista, matemático, físico, astrônomo
e suas contribuições disseminaram por vários campos das ciências. Foi também um dos
fundadores do pragmatismo, coadjuvante no campo da Semiótica, além de exímio seguidor de
Kant (1724‒1804). Peirce nasceu em Cambridge, em 10 de setembro de 1839, e faleceu em
19 de abril de 1914. Escreveu quase cem mil páginas, contudo publicou bem pouco. Após sua
morte, suas obras foram organizadas e publicadas em oito volumes.
5
ENCYCLOPEDIA Britannica. [1768] PAPPAS, Theodore (ed.). [S.l.], última atualização nov. 2019.
Disponível em: https://cdn.britannica.com/s:300x300/04/127704-004-3163A0E3/Charles-Sanders-Peirce-
1870.jpg. Último acesso em: 23 nov. 2019.
27
Para Peirce, a Semiótica é ―[...] simplesmente a ciência do que deve ser. E essa deve
ser uma representação verdadeira, na medida em que a representação possa ser conhecida sem
qualquer reunião de fatos especiais além de nossa vida cotidiana comum. É, em suma, a
filosofia da representação.‖ (PEIRCE, CP 1. 5397, tradução nossa). O autor explica que a
lógica, em seu sentido geral, é apenas outro nome para a Semiótica ({sémeiötiké}), a quase
necessária, ou formal, doutrina dos signos (PEIRCE, CP 2. 227).
Conforme Kant, o conhecimento humano surge de duas fontes fundamentais, a saber,
intuições e conceitos (KANT, 2001, B 75), em que todos os juízos do sujeito ocorrem por
meio da distinção entre juízos analíticos e sintéticos8. Entretanto, para Peirce, o pensamento
relacional muda o conceito desta distinção entre juízos analíticos e sintéticos, e isso é
essencialmente o que indica uma limitação em Kant.
Toda a filosofia de Kant gira em torno de sua lógica. Ele chama de Lógica à maior
parte de sua Crítica da Razão Pura, e é resultado da grande falha de sua teoria lógica
de que ele não estende esse nome a toda a obra. Essa maior falha foi, ao mesmo
tempo, o maior mérito de sua doutrina: estava em sua severa discriminação dos
processos intuitivos e discursivos da mente. A distinção em si não é apenas familiar
a todos, mas há muito tempo desempenhava um papel na Filosofia. No entanto, são
em tais distinções óbvias que os sistemas maiores foram fundados, e Kant fez toda a
importância filosófica dessa distinção porque foi quem viu muito mais claramente
que qualquer antecessor. Foi isso que o emancipou do leibnizianismo e, ao mesmo
tempo, o voltou contra o sensacionalismo. Foi também o que lhe permitiu ver que
nenhuma descrição geral da existência é possível, o que talvez seja a proposição
mais valiosa que o crítico contém. Mas ele traçou uma linha muito dura entre as
operações de observação e de raciocínio. Ele se permite o hábito de pensar que o
último só começa depois que o primeiro é completo; e não consegue ver que mesmo
a mais simples conclusão silogística só pode ser obtida observando as relações dos
termos nas premissas e conclusões. Sua doutrina dos esquemas só pode ter sido uma
reflexão tardia, uma adição ao seu sistema depois de estar substancialmente
completa. Pois, se os esquemas tivessem sido considerados suficientemente cedo,
eles teriam superado todo o seu trabalho. (PEIRCE, CP 1.35, tradução nossa)
De Kant, Peirce aprendeu que nem o racionalismo nem o empirismo poderiam servir
como fundamentos exclusivos de nossos conhecimentos, mas criticou a dicotomia profunda
de conceitos e intuições da concepção kantiana sobre o conhecimento.
Com implicações advindas da fenomenologia do espírito de Georg Wilhelm Friedrich
Hegel (1770-1831), Peirce (CP 5.37) escreveu:
6
THE COLLECTED Papers of Charles Sanders Peirce. Disponível em:
https://colorysemiotica.files.wordpress.com/2014/08/peirce-collectedpapers.pdf. Acesso em: 10 out. 2019.
7
As referências aos textos de Charles Sanders Peirce seguem a convenção internacional: CP, correspondendo a
Collected Papers, seguido do número do volume e, após um ponto, do número do livro/parágrafo.
8
Em Kant (2001), veja a seção ―3.3 A crítica da razão pura e a distribuição entre juízos analíticos e sintéticos‖.
28
Mas antes que possamos atacar qualquer ciência normativa, qualquer ciência que
pretenda separar as ovelhas das cabras, é claro que deve haver uma investigação
preliminar que justifique a tentativa de estabelecer tal dualismo. Esta deve ser uma
ciência que não faz qualquer distinção de bom e mau em qualquer sentido, mas
apenas contempla os fenômenos como eles são, simplesmente abre seus olhos e
descreve o que vê; não o que vê no real como distinto do conceito (não considerando
qualquer dicotomia), mas simplesmente descrevendo o objeto, como um fenômeno,
e afirmando o que encontra em todos os fenômenos. Esta é a ciência sobre a qual
Hegel alicerçou seu ponto de partida, sob o nome de Fenomenologia do Espírito,
embora ele a considerou em um espírito fatalmente estreito, uma vez que ele se
restringiu ao que realmente se impõe na mente e deste modo tendencioso toda a
filosofia com a ignorância da distinção entre essência e existência e assim deu-lhe o
nominalista e eu poderia dizer em certo sentido o caráter pragmatoidal em que o
pior dos erros hegelianos tem sua origem. Até aqui seguirei Hegel a ponto de
chamar essa ciência de Fenomenologia, embora não a restrinja à observação e
análise da experiência, mas estenda-a para descrever todas as características comuns
a qualquer coisa que seja experimentada ou que possa ser experimentada ou tornar-
se objeto de estudo de qualquer maneira direta ou indireta (Tradução nossa).
Sendo assim, Peirce assimilou de Hegel que nosso conhecimento deve ser entendido
com um processo e não como um objeto, mas considerou que uma teoria de signos seria
ampla para descrever todas as características que são comuns a tudo o que é experimentado ou
se torna um objeto de estudo tanto direta quanto indiretamente.
Direcionou seus estudos ao que primeiramente chamou de Lógica e mais tarde de
Semiótica. Sua teoria semiótica compreende a pessoa como um ser simbólico, com
características específicas e inseridas em um contexto; assim, ensinar algo a alguém significa
representar semioticamente. No âmbito do ensino de Matemática, vislumbra-se tanto a
necessidade de o professor perceber o educando e a si próprio como ser simbólico, quanto
compreender a natureza tríade (signo-objeto-interpretante) do objeto e do ensinar
Matemática.
Peirce entendeu que não há uma conexão direta entre signos ou palavras e as coisas,
do mesmo modo como não há um vínculo real e invariável entre uma pessoa e sua linguagem.
Simplesmente, não há uma ligação concreta entre a mente (consciência) e a comunicação,
caso contrário, bastaria inventar um equipamento que transferisse o conhecimento para as
cabeças dos alunos. A perspectiva de que todo pensamento ocorre em termos de signos resulta
que interpretar algo significa representá-lo. Portanto, a aprendizagem deve efetivar-se em um
cenário que admite o pensar em um processo em que as pessoas, os objetos e as
representações são basicamente signos.
A tríade peirceana indica um processo inerentemente dinâmico do signo, que não é
controlado por uma pessoa independente e de acordo com seus desejos, isto é, o processo de
comunicação não é constituído pelo encontro de atores independentes, que decidem dizer o
29
que vem à sua mente, em vez disso, a comunicação é um sistema social, estruturado
previsivelmente por seus participantes. As pessoas, desse modo, são subsistemas, ou melhor,
elas devem se constituir como esses subsistemas do sistema social de comunicação. Cada
pessoa e todo pensamento é um signo. Peirce (CP 5.313-314) escreveu:
O homem cria a palavra. […] Mas como o homem só pode pensar por meio de
palavras ou outros símbolos externos, ele pode se voltar e dizer: ―Você não pode
dizer nada além daquilo que já te ensinamos e somente até onde você se dirige a
alguma palavra como o interpretante do seu pensamento.‖ […] A palavra ou sinal
que o homem usa é o próprio homem. Pois, o fato de que todo pensamento é um
signo, em conjunto com o fato de que a própria vida é uma linha de pensamento,
prova que o homem é um signo (Tradução nossa).
Peirce define um signo como uma entidade tripartida, e sua utilização deve denotar um
objeto perceptível, imaginável ou mesmo inimaginável. O signo não é um objeto, apenas está
no lugar do objeto para representá-lo, no entanto:
9
―Um fato relacionado a dois indivíduos. Assim, o fato de que A é semelhante a B, de que A é um amante de B e
o fato de que A e B são ambos homens, são relações diádicas; enquanto o fato de que A implica em B para C é
uma relação triádica.‖ (PEIRCE, CP 3.625, tradução nossa).
30
Como o signo permanece no lugar de outra coisa, Peirce buscou outra palavra que não
fosse restrita, cujo efeito mental pudesse incluir alguma emoção, sentimento ou esforço. E,
acreditando não existir um termo comum apropriado para obter um resultado significativo
para um signo, ele passou a chamá-lo de ―o interpretante do signo.‖ (PEIRCE, CP 5.473,
tradução nossa). Todavia, o interpretante não é capaz de constituir o objeto do signo, porque
pode haver eventos que causam um efeito mental sem transmitir qualquer significado. O fator
responsável deve ser um objeto existente ou uma ocorrência real, algo que só é acessível por
observação direta, isto é, deve ser representado por um índice.
Um signo ou representâmen é aquilo que representa algo para alguém, de acordo com
Peirce (CP 2.228), ―[...] representa o objeto, não em todos os aspectos, mas em referência a
um tipo de ideia, que às vezes chamo de fundamento do representâmen. Ideia esta aqui para
ser entendida em uma espécie de sentido platônico, muito familiar na conversa cotidiana.‖
(Tradução nossa).
O objeto de um signo não é necessariamente algo dado empiricamente, caso contrário,
seria difícil aplicar tais conceitos semióticos à Matemática. O objeto, como nos exemplos de
entidades matemáticas ou no caso de termos teóricos, como por exemplo, a energia da qual o
calor e o movimento são representações diferentes, ou como a ideia do triângulo geral, a qual
não é necessariamente dada como tal, mas é antes um objeto universal ou uma abstração
hipostática10.
10
―Mas a abstração hipostática, a abstração que transforma ‗é luz‘ em ‗existe luz aqui‘, que é o sentido que eu
31
normalmente atribuo à palavra abstração (já que a prescrição serve para abstração precisa), é um modo muito
especial de pensar. Consiste em tomar uma característica de uma percepção ou percepções (depois de já ter
sido prescindido dos outros elementos do preceptor), de modo a tomar forma proposicional num julgamento
(na verdade, pode operar sobre qualquer julgamento), e em conceber este fato como consistindo na relação
entre o sujeito desse julgamento e outro sujeito, que tem um modo de ser que consiste meramente na verdade
de proposições das quais o termo concreto correspondente é o predicado‖ (PEIRCE, CP 235, tradução nossa).
11
―O interpretante imediato consiste naquilo que o signo está apto a produzir numa mente interpretadora
qualquer. Não se trata daquilo que o signo efetivamente produz na minha ou na sua mente, mas daquilo que,
dependendo de sua natureza, ele pode produzir‖ (SANTAELLA, 2007, p. 13).
12
―[...] o interpretante dinâmico, isto é, aquilo que o signo efetivamente produz na sua, na minha mente, em
cada mente singular. E isso ele produzirá dependendo da sua natureza de signo e do seu potencial como signo.‖
(SANTAELLA, 2007, p. 13)
32
ou dinâmico. Peirce (CP 5.181) compara essa última conexão com a corrida entre Aquiles e a
tartaruga13, como uma análise lógica ao ad infinitum.
[...] Essa análise seria precisamente análoga àquela do paradoxo entre Aquiles e a
tartaruga aplicada à perseguição da tartaruga por Aquiles, e deixaria de representar o
processo real pela mesma razão. Ou seja, assim como Aquiles não precisava realizar
a série de esforços distintos os quais ele fez na sua representação, do mesmo modo o
processo de formação do juízo perceptivo, é subconsciente e não passível de crítica
lógica, portanto, não se faz necessário realizar atos separados de inferência, mas
realiza seu ato em um processo contínuo (Tradução nossa).
A essência de algo não deve ser mais que a essência de uma representação dessa coisa,
e a essência de uma representação de uma coisa é apenas a essência de uma segunda
representação da representação dessa coisa etc., em um processo contínuo, em semiosis.
Assim no momento em que o signo é reconhecido pelo sujeito cognitivo, esse
estabelece em sua mente outros signos e interpretações a respeito do primeiro signo que lhe
fora apresentado. Acerca do processo em semiosis peirceano, Jakobson (1985, p. 251)
afirmou: ―[...] entre outras, a mais brilhante ideia que os linguistas e semióticos ganharam do
pensador americano certamente fora a definição de significados onde uma interpretação de
um signo está contida dentro de outro sistema de signos.‖ (Tradução nossa).
Peirce procurou capturar a estrutura da possível experiência humana por meio de três
categorias fundamentais, às quais ele chamou, a fim de evitar a reificação prematura, por
nomes completamente abstratos: primeiridade, secundidade e terceiridade.
13
CARROLL, Lewis. What the tortoise said to achilles. Mind, Oxford, v. IV, issue 14, April 1st. 1895, p. 278–
280, april, 1895. https://doi.org/10.1093/mind/IV.14.278.
14
Pode ser traduzido como: No todo; completamente, totalmente.
33
Categorias Exemplo
Primeiridade - É o modo de ser daquilo que é, tal como é, sem O azul - Simples e puro azul.
referência a outra coisa qualquer.
Secundidade - É a consciência do primeiro associado a um O céu - Enquanto lugar e tempo, o aqui e
segundo. agora, onde se encarna o azul.
Terceiridade - É a síntese intelectual, o pensamento em O céu é azul - Síntese intelectual ou
signos. elaboração cognitiva.
Fonte: Elaborado pela autora
Conforme Peirce, os signos podem ser divididos em dez tricotomias (sendo cada
divisão tricotomizada pelas categorias Primeiridade, Secundidade e Terceiridade) e em 66
classes. Em uma carta escrita à Lady Welby15 (1837‒1912), ele afirma que estas são ―[...]
questões difíceis de considerar cuidadosamente; e, portanto, não me comprometerei a
continuar levando minha divisão sistemática de sinais, mas deixarei isso para futuros
exploradores‖ (PEIRCE, CP 8.343, tradução nossa). Contudo, Peirce (CP 2.275) destaca que
Uma tríade muito importante é esta: descobriu-se que existem três tipos de signos
que são indispensáveis ao raciocínio; o primeiro é o signo diagramático ou ícone,
que exibe uma semelhança ou analogia com o sujeito do discurso; o segundo é o
índice, que, como um pronome demonstrativo ou relativo, força a atenção para o
objeto particular pretendido sem descrevê-lo; o terceiro [ou símbolo] é o nome ou
15
Victoria Lady Welby (1837‒1912) foi uma mulher intelectual, de muitas peculiaridades. Nasceu em 27 de
abril de 1837, filha de Duque Charles James e de Lady Emmeline Stuart-Wortley. Viveu na Era Vitoriana, um
dos períodos mais importantes da história britânica, marcada pelas grandes revoluções do século XIX que
mudaram a economia, a política e a sociedade, além de impulsionar o desenvolvimento da arte e da cultura.
Lady Welby é considerada a mãe da semiótica moderna, a qual apresenta em suas pesquisas a importância de
relacionar Linguagem e Matemática. Foi contemporânea de Charles Sanders Peirce (1839‒1914), com o qual
trocou diversas cartas, nas quais discutiam principalmente sobre Semiótica (PAULA; SANTANA; OTTE,
2019).
34
descrição geral que significa seu objeto por meio de uma associação de ideias ou
conexão habitual entre o nome e o caráter significado (PEIRCE, CP 1.369, tradução
nossa).
Primeiridade
dos signos algébricos (que não são eles próprios ícones), as relações
a2x + b2y = n2.
Ícone
Secundidade
diagrama em seguida, usam essas letras para indicar essas partes.
Índice
matemático
Qualquer coisa que concentre a nossa atenção e que nos surpreenda é
Uma batida na
um índice, na medida em que marca a junção entre duas partes da
porta
experiência.
Um símbolo não pode indicar uma coisa particular qualquer, ele
denota uma espécie de coisa. É importante destacar que triângulo
A ideia do
Terceiridade
geral pode ser um símbolo para um matemático, contudo, pode ser
Símbolo
triangulo geral
algo que nada signifique para outra pessoa e assim perde o valor de
símbolo.
Ao escrevê-la, isso não faz de você o criador dela e, se apagá-la, não a
A palavra
destruirá. A palavra vive nas mentes daqueles que a usam. Mesmo
estrela
que todos estejam dormindo, existe em sua memória.
Fonte: Elaborado pela autora
O signo ícone da equação f(x) =3x+5 é também uma lei, um diagrama, uma
construção do sujeito e, por meio de sua observação direta, outras verdades relativas ao objeto
podem ser descobertas. A utilidade de fórmulas algébricas permite a capacidade de revelar
verdades insuspeitadas nas quais o que prevalece é o caráter icônico.
Peirce (CP 2.282) explica que muitos ícones não se assemelham a seus objetos em
todos os olhares, é apenas em respeito às relações entre suas partes que sua semelhança
consiste. Por exemplo, f(x) não se assemelha com 3x+5, contudo desenvolve relações em que
a cada entrada para x, existe uma saída em f(x).
O índice é ―[...] um representâmen cujo caráter representativo consiste em ser um
signo individual.‖ (PEIRCE, CP 2.283, tradução nossa). E tem a função de indicar partes, por
exemplo, na função f(x) =3x+5, o intervalo do domínio de f é { }, mas, se
desejamos realizar o esboço do gráfico, podemos indicar um intervalo, no caso do Gráfico 1,
35
Na Matemática, a lei que define uma função afim é representada algebricamente por
f(x) =ax +b, a qual pode ser vista como um símbolo e, graficamente, é representada por uma
reta não perpendicular ao eixo das abcissas, em que a e b são coeficientes reais. Além disso,
ainda pode ser entendida como uma transformação linear etc.
Só pensamos em signos e estes signos mentais são de natureza mista; [...] se alguém
cria um novo símbolo, ele faz por meio de pensamentos que envolvem conceitos.
[...] Um símbolo, uma vez existindo, dissemina-se entre as pessoas, no uso e na
prática, tem seu sentido ampliado, palavras como força, lei, riqueza e casamento,
para nós, remetem a significados bem diferentes daqueles a que elas remetiam para
nossos antepassados. (PEIRCE, CP 2.302, tradução nossa)
[...] assim como aquela famosa pegada que Robinson Crusoé encontrou na areia foi
um índice, de que alguma criatura estava em sua ilha, e, ao mesmo tempo, como um
ícone, trouxe a ideia de um homem. O índice juntamente com o ícone, resultaram na
afirmação de que há um homem na ilha. Essa proposição é, como já foi dito, um
símbolo (OTTE, 2001, p. 44).
Alguém em situação de perigo precisa de uma munição para uma pistola, mas não
tem chumbo para derreter e construir; e um amigo lhe diz: ‗Lembre-se de que o
dinheiro que você tem em sua bolsa é fusível‘. Este amigo não lhe ensinará uma boa
qualidade do dinheiro, mas fará com que ele pense sobre o uso que poderá fazer,
para ter a munição nessa necessidade urgente (Tradução nossa).
Pode-se interpretar um martelo como uma toalha de mesa, mas qual será o resultado?
Por outro lado, pode-se utilizar um martelo como um pêndulo ou como um peso em uma
balança, dependendo do problema em questão.
Uma abordagem semiótica, verdadeiramente fértil, não se refere a uma abordagem
meramente convencional, mas em análises detalhadas e cuidadosas. Mesmo que se admita
que, de certo modo, tudo pode ser semelhante a quase tudo, isso vai depender do contexto. A
objetividade do nosso conhecimento é mostrada nas suas aplicações.
Na tríade objeto-signo-interpretante, Peirce explora a importância da cognição e do
conhecimento humano na relação entre sujeito e objeto. No âmbito do ensino de Matemática,
essa tríade ajuda a perceber o quanto é fundamental considerar os contextos e perspectivas
16
Esta referência ao texto de Leibniz segue a convenção internacional e significa Livro IV, Capítulo 8, parágrafo
§4. Gottfried Wilhelm Leibniz escreveu os Nouveaux Essais sur l'entendement humain, em 1704, cuja primeira
edição foi publicada em 1765. A obra é uma reposta e crítica ao livro de John Locke, de 1689, o Essai sur
l'entendement humain.
37
[...] Nosso conhecimento surge de duas fontes básicas da mente; a primeira recebe as
concepções (receptividade das impressões), e a segunda é a capacidade de
reconhecer um objeto por meio dessas concepções (espontaneidade dos conceitos); a
primeira nos dá um objeto, a segunda nos permite pesá-lo em relação àquela
concepção. Intuição e conceitos são assim os elementos de todo o nosso
conhecimento, de modo que nem conceitos sem as correspondentes intuições, nem
intuições sem conceitos podem produzir conhecimento [...]. Sem o sensorial,
nenhum objeto se daria para nós e, sem a razão, nenhum poderia ser pensado.
Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas (KANT,
2001, B 75).
17
As secções 2.2 e 2.3 foram primeiramente publicadas em um artigo, como resultados parciais de nossa
pesquisa de doutorado, em Santana e Paula (2018). Contudo, nossa redação sofreu várias mudanças.
38
conhecimento por meio das quais os conceitos se formam, a saber, a razão (intuição pura) e a
sensibilidade (intuição empírica), exprimem as primeiras noções sobre a Complementaridade.
Kant percebeu conceitos e intuições não apenas como coisas distintas e em dualidade,
mas como em uma relação complementar entre intuições e conceitos que permitem ao sujeito
adquirir conhecimento. Neste sentido, o conhecimento humano não pode ser construir apenas
por meio das intuições tanto empírica como pura do mesmo modo que não pode ser completo
apenas por meio dos conceitos puros e empíricos.
Tanto as intuições quanto os conceitos são elementos, que participam do
conhecimento humano, envoltos em uma relação complementar, um precisa do outro, ou seja,
intuições e conceitos não podem ser totalmente separados no processo de aquisição do
conhecimento. Para Kant a aquisição do conhecimento ocorre por meio dessa relação e
dependência, que envolve também a subjetividade humana. Nesta configuração identificamos
a primeira expressão da Complementaridade com Kant.
A partir da década de 1970, diversos autores começaram a utilizar esse princípio
buscando capturar aspectos essenciais do desenvolvimento cognitivo e epistemológico dentre
os conceitos matemáticos e científicos. Citamos, conforme Otte (2003a, p. 203), ―Otte;
Steinbring (1977); Kuyk (1977), Otte; Keitel; Seeger (1980), Otte (1984; 1990; 1994),
Douady (1991), Sfard, (1991) e Jahnke (1992)‖.
Nesse período, na Alemanha, começava o discurso relativo à fundamentação da
Educação Matemática e sua natureza científica enquanto disciplina. Assim, o trabalho de
professor Michael Friedrich Otte e seu grupo de colaboradores buscava embasar essa nova
disciplina:
A vida e a carreira científica de Michael Otte se situam nesse campo das forças e
desenvolvimentos históricos. Este foi um período de fundamentação para a pesquisa
sistemática e de uma nova autoimagem da educação como disciplina. Também na
Alemanha havia começado a institucionalização de pesquisas básicas na educação
matemática junto aos departamentos universitários e faculdades. Naquele tempo, o
Movimento da ‗Matemática Moderna‘, que também tinha sido um verdadeiro
esforço internacional, nem bem tinha encalhado (run aground), e a Fundação
Volkswagen convidou para uma proposta de estabelecer um instituto de pesquisa
central na Alemanha para alcançar uma compreensão científica mais profunda do
desastroso fracasso da abordagem da Matemática Moderna nas escolas primárias da
Alemanha. A ideia subjacente era tão simples quanto atrativa: encontrar as razões e
reconstruir teoricamente, bem como poderia também providenciar uma plataforma
ou um fundamento para a nova ideia de como o ensino e a aprendizagem de
matemática deveria ser no futuro. As características originais do instituto incluíam
cinco cadeiras fornecidas com meios financeiros opulentos, em termos de poder
humano, assim como outras facilidades. Michael Otte seria indicado como uma das
três cadeiras de direção para o Institut für Didaktik der Mathematik da Universidade
de Bielefeld nos 25 anos seguintes ou mais (HOFFMANN; LENHAARD; SEEGER,
39
18
Esta tradução foi compartilhada conosco via e-mail e está no prelo. Agradeço ao Professor Dr. Humberto de
Assis Clímaco (UFG), por gentilmente compartilhar e permitir a publicação nessa tese de pequenos trechos das
suas traduções ainda no prelo.
40
19
Esta tradução foi compartilhada conosco via e-mail e está no prelo. Agradeço ao Professor Dr. Alexandre
Silva Abido (UFMT), por gentilmente compartilhar e permitir a publicação nesta tese de pequenos trechos das
suas traduções ainda no prelo.
41
Desse modo, a essência de algo é nada mais que a essência da representação dessa
coisa. Devemos sempre ter em mente uma distinção entre o signo e sua referência, sendo que
não é possível apresentar um referencial final, nem o significado exato de um signo.
Peirce (CP 8.361) foge da interpretação dualista e apoia-se na relação triádica:
―objeto-signo-interpretante‖ em que um signo ou representâmen é aquilo que, em
determinado aspecto ou modo, representa algo para alguém, dirige-se a alguém, isto é, cria, na
mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo
que foi assim criado, denomina-se interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma
coisa ‒ o seu objeto ‒, o representa não em todos os seus aspectos, mas com referência a um
tipo de ideia denominada fundamento do representâmen.
Assim as bases teóricas para Complementaridade se constroem, essencialmente, sobre
o alicerce filosófico e epistemológico de Kant e se fortalece com a perspectiva semiótica
fundamentada na tríade de Peirce.
43
20
Essa foi seção foi reescrita a partir dos resultados publicados no artigo em língua inglesa, veja (OTTE, et al,
2019).
21
―[...] Um Mapa não é o território que representa, mas, se estiver correto, tem uma estrutura semelhante à do
território que representa, o que explica a sua utilidade.‖ (KORZYBSKI, 1995, p. 58, tradução nossa).
22
―Christian Wolff nasceu em Breslau, em 24 de janeiro de 1679. Nomeado professor em Halle, em 1706, foi
destituído em 1723, pelo rei Frederico Guilherme I a pedido de seus colegas pietistas, Francke e Lange‖
(ABBAGNANO, 1963, p. 25).
44
Esse conceito de lógica pode ser encontrado também na definição de Stuart Mill,
como: ―[...] ciência das operações do intelecto que servem para a avaliação da prova.‖ (apud
ABBAGNANO, 2007, p. 669). Por outro lado, a metodologia também foi considerada como
sendo apenas uma parte da Lógica. O reformador Petrus Ramus classificava a Lógica em
quatro partes, sendo a doutrina do conceito, do juízo, do raciocínio e do método (Dialeclicae
institutiones, 1543). Essa divisão foi aceita pela Lógica de Port-Royal e tornou-se tradicional,
sendo constantemente adotada pela Lógica filosófica do séc. XIX. Sendo assim, a partir de
Wolff, a doutrina do método foi frequentemente chamada de Lógica prática (ABBAGNANO,
2007).
A metodologia fora considerada por Kant como a Lógica Transcendental Aplicada ou
Prática. Kant explica que:
23
Conforme citamos na seção ―2.3.1 Delineando o caminho metodológico: como fazemos?‖
45
O tempo e o espaço são portanto duas fontes de conhecimento das quais se podem
46
Para Kant (2001), um problema importante foi averiguar que a Lógica não conduz o
homem a conhecimentos seguramente novos, ela servia apenas para analisar e qualificar o
conhecimento; sendo assim, indispõe de um valor epistemológico, podendo apenas analisar
sobre os fundamentos dos conhecimentos existentes.
Kant justificou que a Matemática conduz a novos conhecimentos, que são ao mesmo
tempo seguros, contudo sua afirmação está envolta em um paradoxo, por isso Kant elaborou a
expressão sintética a priori25 que é governada pela Lógica Transcendental e não pela Lógica
Formal, como consta no prefácio da segunda edição:
Pode reconhecer-se que a lógica, desde remotos tempos, seguiu a via segura, pelo
fato de, desde Aristóteles, não ter dado um passo atrás, a não ser que se leve à conta
24
Piaget partiu desta ideia da lógica transcendental para estabelecer a teoria da abstração reflexiva,
transformando-a em termos didáticos (OTTE, M. Limits of constructivism: Kant, Piaget and Peirce. Science &
Education, [S.l.], v. 7, n. 5, p. 425-450, 1998. Available in:
https://link.springer.com/article/10.1023/A:1008635517122. Last acess: 25 nov. 2019.).
25
Discutimos mais a fundo este termo na seção ―3.3 A crítica da Razão Pura e as duas fontes de conhecimento
matemático.‖.
47
Assim a lógica é segura, mas não faz progresso, logo não alcança novos
conhecimentos. Para Kant, Galileu chegou a novos conhecimentos pelo experimento:
Quando Galileu fez rolar no plano inclinado as esferas, com uma aceleração que ele
próprio escolhera, quando Torricelli fez suportar pelo ar um peso, que
antecipadamente sabia idêntico ao peso conhecido de uma coluna de água, ou
quando, mais recentemente, Stahl transformou metais em cal e esta, por sua vez, em
metal, tirando-lhes e restituindo-lhes algo, foi uma iluminação para todos os físicos
(KANT, 2001, B XII/XIII).
Então, a Lógica deve ser o raciocínio dessa atividade que fornece novos
conhecimentos e a essência dessa Lógica é a Matemática:
Compreenderam que a razão só entende aquilo que produz segundo os seus próprios
planos; que ela tem que tomar a dianteira com princípios, que determinam os seus
juízos segundo leis constantes e deve forçar a natureza a responder às suas
interrogações em vez de se deixar guiar por esta [...] (KANT, 2001, B XIII-BXIV).
O paradoxo que Descartes se deparou foi justamente: como podemos encontrar novos
conhecimentos? O intuicionismo de Descartes26 não conseguiu resolver esse problema; neste
sentido, Kant faz uma reviravolta, ao apontar como solução a necessidade em perceber o
conhecimento como fruto da construção e atividade do sujeito.
A metodologia no sentido de Kant, ou seja, a Lógica Transcendental Aplicada,
conforme Abbagnano (2007), diz respeito a uma Lógica epistemológica, referente à produção
de novos conhecimentos, neste viés, surge a metodologia da Semiótica, que se refere à teoria
de operações com símbolos.
Desta forma, o ponto chave da abordagem metodológica fundada na Semiótica é a
Lógica Transcendental, oriunda da epistemologia kantiana, cujo principal papel foi destacar o
caráter construtivo do conhecimento humano, no qual o aspecto essencial reluz na revolução
copernicana, não sendo esta apenas uma percepção de fatos, relações etc. Porque teorias são
também construções, bem como mapas de territórios na Geografia, uma lógica da atividade
construtiva. De igual natureza, Peirce, que foi discípulo de Kant, transformou a Lógica
26
Este assunto é discutido mais pontualmente na seção ―4.2.1 Regulae ad Directionem Ingenii (1628)‖.
48
27
Veja em Abbagnano (2007), na seção ―2.4 Semiótica como Metodologia‖.
49
momentos mais lentamente, em outros a pesquisa deslancha, contudo neste movimento temos
sempre nosso objetivo, um alvo a ser alcançado e hipóteses iniciais estabelecidas. Como
destaca Paula (2014, p. 30):
Evidentemente, nossa itinerância não teve uma linearidade como a que se espelha na
organização expositiva nesta tese, mesmo porque a nossa aproximação com o nosso
objeto de pesquisa (a relação entre a Linguagem e a Matemática), como com os
pressupostos metodológicos e a metodologia empreendida, operou-se num
movimento dinâmico, no qual os encontros e desencontros davam o sentido da nossa
organização e (re)direcionamento. Assim, tanto objeto quanto a própria metodologia
ia se constituindo e construindo-se concomitantemente, o que entendemos
enquadrar-se perfeitamente na perspectiva da Complementaridade do pensamento
‗Otteano‘.
Ele pensa com ‗imagens‘, à maneira de uma aquarela. Como se tivesse diante de si
um espaço em branco e ali colocasse ‗borrões‘ de tinta, aparentemente ‗jogados‘, os
quais, trabalhados em forma e cor, compõem o quadro. O texto construído por ele
também é assim: suas ideias são lançadas em termos opostos e, então, o texto é
construído como uma estrutura entre essas ideias. [...] Antes, são ‗aquarelas‘ que
podem tocar o leitor, levando-o a construir seus próprios significados.
Por isso, o resultado da investigação não objetiva apontar caminhos particulares para
resolver todos os problemas, mas também não tem a intenção em ser um texto metateórico ou
sem fundamento, visto que ―[...] ideias sem conteúdos são vazias, intuições sem conceitos são
cegas.‖ (KANT, 1998, B 75 apud OTTE, 1993b, p. 221). Posto isto, pensamos em um
trabalho que gere conhecimento, que forneça ideias repletas de conceitos e intuições claras no
fazer pedagógico. Não objetivamos construir ferramentas pedagógicas nem elaborar
sequências didáticas. Todavia intencionamos fornecer materiais que levem à reflexão e à
ação, um investimento na própria formação intelectual do professor que deve ser um
Intelectual Exemplar (OTTE, 1993b, p. 133), contribuindo para a própria atividade
matemática no processo de ensino e aprendizagem.
Então, como Paula afirma, temos mais uma metodologia para as pesquisas em
Educação Matemática no Brasil.
Nem mesmo o autor pode reproduzir seu significado original porque nada pode
trazer a experiência de seu significado original. Mas como sugeri, a impossibilidade
de reproduzir a experiência não é igual a impossibilidade de reproduzir o significado
(Tradução nossa).
Salientamos que essa construção não é conduzida de modo estritamente linear, sendo
que algumas leituras já foram realizadas e outras ainda serão; contudo, essas serão sempre
retomadas e reanalisadas conforme vamos tecendo nossas hipóteses e teses secundárias. No
que tange à escrita do texto, ele segue de forma conjunta, de modo que não pretendemos, por
exemplo, finalizar o capítulo primeiro para então só trabalhar o próximo, pois os capítulos se
complementam e seguem juntos.
51
SO. Dize-me aí, menino: reconheces que uma superfície quadrada é desse tipo? –
ESC. Reconheço. –SO. A superfície quadrada então é uma superfície que tem iguais
todas estas linhas, que são quatro? –ESC. Perfeitamente. –SO. E também não é uma
superfície que tem iguais estas linhas aqui, que atravessam pelo meio? –ESC. Sim. –
SO. E não é verdade que pode haver uma superfície desse tipo tanto maior quanto
menor? –ESC. Perfeitamente. –SO. Se então este lado for de dois pés e este de dois,
de quantos pés será o todo? Examina da seguinte maneira. Se por este lado fosse de
dois e por este de um só pé, a superfície não seria de uma vez de dois pés? –ESC.
Sim. –SO. Mas, uma vez que por este também é de dois pés, a superfície não vem a
ser de duas vezes dois? –ESC. Vem a ser. –SO. Logo, ela vem a ser de duas vezes
dois pés. –ESC. Sim. –SO. Quanto é então duas vezes dois pés? Faz o cálculo e diz.
52
–ESC. Quatro, Sócrates. –SO. E não é verdade que pode haver outra superfície desse
tipo, que seja o dobro desta, que tenha todas as linhas iguais como as tem esta? –
ESC. Sim. –SO. De quantos pés então será? –ESC. Oito. –SO. Vê lá, tenta dizer-me
de que tamanho será cada linha dessa superfície. A linha desta superfície aqui é, com
efeito, de dois pés. E a linha daquela superfície que é o dobro? –ESC. Mas é
evidente, Sócrates, que será o dobro. –SO. Vês, Mênon, que eu não estou ensinando
isso absolutamente, e sim estou perguntando tudo? Neste momento, ele pensa que
sabe qual é a linha da qual se formará a superfície de oito pés. Ou não te parece que
ele pensa que sabe? –MEN. Sim, parece-me que sim (PLATÃO, 2001, p. 55, 82 c-
e).
Os paralelogramos que estão sob a mesma base e nas mesmas paralelas são iguais
entre si. Sejam os paralelogramos ABCD e EBCF, sobre a mesma base BC e nas
mesmas paralelas AF, BC; digo que o ABCD é igual ao paralelogramo EBCF. Pois,
como o ABCD é um paralelogramo, a AD é igual à BC. Pelas mesmas coisas, então,
também a EF é igual à BC; desse modo, também a AD é igual à EF; e a DE é
comum; portanto, a AE toda é igual à DF toda. Mas também a AB é igual à DC;
então, as duas EA, AB são iguais às duas FD, DC, cada uma a cada uma; e o ângulo
sob FDC é igual ao sob EAB, o exterior, ao interior; portanto, a base EB é igual à
base FC, e o triângulo EAB será igual ao triângulo DFC; fique subtraído o DGE
comum; portanto, o trapézio ABGD restante é igual ao trapézio EGCF restante;
fique adicionado o triângulo GBC comum; portanto, o paralelogramo ABCD todo é
igual ao paralelogramo EBCF todo. Portanto, os paralelogramos que estão sobre a
mesma base e nas mesmas paralelas são iguais entre si; o que era preciso provar
(EUCLIDES, 2009, p. 124).
nem mesmo comentado. É apresentada como uma mera forma da realidade, ou uma realidade
sui generis, a qual não tem relação com as atividades ou emoções humanas. Tal visão não
permite, por exemplo, considerar problemas não resolvidos. Isso não é bom, porque os
grandes problemas e programas de sua investigação representam a maior parte da história real
da Matemática (OTTE, 2012, p. 123-124). Portanto:
O ser humano é um ser histórico, isso é fato! Todavia, a história pode ser lida de
muitas maneiras e são exatamente nas diferenças, nas idas e vindas, nas peculiaridades, nos
avanços e retrocessos que se caracteriza a incerteza e se descobre a atividade matemática. A
importância que se atribui aos acontecimentos históricos e a reflexão que se faz sobre eles é
que possibilita ao homem ser sujeito social, que depende da comunicação cultural, histórica e
social, e é justamente nesse novo contexto que a Educação Matemática ganhou seu espaço.
No Ensino de Matemática é comum termos professores convictos que a Matemática
está pronta e acabada, todos os conteúdos a serem trabalhados estão definidos provados e a
função do professor é repassar este belo e engenhoso conteúdo, sendo dispensada a atividade
criativa tanto do discente como do docente.
Por exemplo, não querendo aqui generalizar, muitos professores principalmente nas
licenciaturas têm este posicionamento, durante as aulas os teoremas são provados na lousa
com todo o rigor matemático. Não há uma preocupação com a aprendizagem, é suficiente que
discente decore as demonstrações e resoluções das listas de exercícios para obter boas notas e
ser por fim aprovado.
Entretanto o sucesso da Educação Matemática, em grande parte, não apenas depende
de revisões de conteúdo e metodologias excessivamente elaboradas, mas da dinamização da
própria Matemática ao interagir entre a prática e o conhecimento, ou seja, depende
fundamentalmente de o professor reconhecer que a Matemática é parte integrante do
conhecimento que se renova e se fortalece por meio das experiências vivenciadas por todos.
Entretanto é preciso observar que a Matemática tem também seus próprios problemas,
especialmente no que concerne à natureza da Matemática e, por consequência, sobre seus
objetos matemáticos, bem como sobre a interação e relação entre estes. Neste âmbito, as
discussões e controvérsias são extremamente importantes, pois auxiliam o professor a
compreender os caminhos e problemas envoltos na própria Matemática. Por exemplo, em lado
extremo ao psicologismo, está o matemático, lógico e filósofo Friedrich Ludwig Gottlob
Frege (1848‒1925), o qual percebia uma concepção bem peculiar em relação ao psicologismo
na aprendizagem em Matemática, no parágrafo intitulado ―O número é algo subjetivo?‖,
referente à descrição subjetiva, em que o número é tido como uma criação do espírito
humano. Frege (1980, § 26) afirma que:
Uma tal descrição dos processos internos que precedem à formulação do juízo
numérico, ainda que correta, nunca poderá substituir uma determinação genuína de
conceito. Nunca se poderá recorrer a ela para a demonstração de uma proposição
aritmética; por meio dela não aprendemos nenhuma propriedade dos números. Pois
o número não é mais um objeto da psicologia, ou um resultado de processos
psíquicos [...].
De fato, de forma enfática, Frege assegura que a Matemática deve recusar qualquer
subsídio por parte da psicologia (Ibid., p. 203), pois a Aritmética não tem absolutamente
57
nenhuma relação com sensações e imagens mentais formadas a partir de vestígios deixados
por impressões sensíveis anteriores. Na lógica matemática, Frege (1980, p. 202) impôs:
Que não se tome a descrição da gênese de uma representação por uma definição,
nem a indicação das condições mentais e corporais para que uma proposição chegue
à consciência por uma demonstração, e que não se confunda o ser uma proposição
pensada com sua verdade. Devemo-nos lembrar que, pelo que parece, uma
proposição não deixa de ser verdadeira se paro de pensar nela, tanto quanto o Sol
não se aniquila se fecho os olhos.
Piaget (1969, p. 240) faz uma comparação na área de Direito sobre estruturas morais e
lógicas, na qual alerta sobre os problemas intrínsecos ao psicologismo: ―[...] Quanto às teorias
autônomas do direito, encontra-se, como na moral, o perigo de um psicologismo ou de um
sociologismo que deixaria desvanecer os caracteres normativos [...].‖. Esse perigo também se
encontra no seio da Educação Matemática, na medida em que o psicologismo do professor
implica didaticamente em uma banalização da natureza da Matemática e de seus problemas
epistemológicos, ao se concentrar unicamente no aluno.
Em seu discurso no Congresso Internacional em Paris, em 1900, Hilbert (1990, p. 1)
enfatizou que toda atividade científica, em particular a atividade matemática, começa fazendo
perguntas e considerando, em especial, seus próprios problemas:
Nesse aspecto, a abordagem semiótica é realmente importante, pois ela admite que o
nosso conhecimento não ocorre de forma final, completa e definitiva.28. Portanto, é
fundamental olhar a Matemática a partir de uma perspectiva evolutiva ou histórica, do mesmo
modo como se aceita que o conhecimento científico é incompleto e desenvolve-se com a
humanidade. Questões sobre ―O que é um número?‖ ou ―Como justificar a igualdade de
equação A=B?‖ ajudam o professor a refletir sobre os objetos da Matemática e sua
importância no ensino.
Nesta linha de pensamento, ao voltar o olhar para o século XIX, momento em que
afloram com maior vigor as concepções de Lógica, como destaca Heijenoort (1967), em seu
artigo intitulado ―Logic as Calculus and Logic as Languag‖, há duas concepções distintas da
lógica que foram ligadas a outras duas diferentes na Matemática, ou seja, a Matemática como
axiomática formal e a Matemática fundamentada na aritmização. Assim, o advento da
Matemática pura, no início do século, foi caracterizado pela oposição entre duas formas
diferentes ou paradigmáticas, a axiomatização versus a aritmização. A concepção de aplicação
matemática de Frege pressupõe que deve existir um campo conceitual de aplicação, ao passo
que a abordagem axiomática permite explorar ainda mais o desconhecido, algo que é
fornecido como simples dado.
Considere uma equação, por exemplo, A = B, que difere da equação A = A, além do
idêntico que é indicado pelo sinal de igual, algo diferente também é sugerido ao usar os
diferentes símbolos A e B, tudo depende de onde se coloca a identidade e a diferença, de
modo que a referida equação pode ser vista de duas maneiras. Na primeira situação A e B são
aceitos como diferentes representações da mesma coisa, na segunda situação A e B são coisas
distintas, mas que apresentam uma relação entre si.
Na segunda perspectiva, é possível conceber A e B como distintos, ou seja, como
diferentes objetos e, então, ao final, concluir que a equação designa um aspecto igual ou uma
relação entre coisas aparentemente diferentes. As duas interpretações diferentes de A = B
representam, em poucas palavras, as diferenças entre os fundamentos versus as concepções
exploratórias de matematização.
Heijenoort (1967) apontou claramente as diferenças semânticas entre essas distintas
concepções de lógica, referindo-se a Frege e Schröder, como exemplos. Hintikka assumiu a
distinção de Heijenoort e desenvolveu-a em uma perspectiva filosófica mais ampla em seu
trabalho intitulado por Lingua Universalis vs. Calculus Ratiocinator, no qual ressalta que a
28
Ver sobre semiosis na seção ―2.1 Charles Sanders Peirce (1839‒1914) e a Semiosis‖.
59
diferença das visões lógicas do século XIX possui suas raízes em dois objetivos diferentes do
projeto de Leibniz:
Frege desenvolve uma teoria que versa sobre universalidade lógica. Assim, no sentido
de diferentes representações da mesma coisa, o exemplo clássico anuncia Hesperus como o
nome da Estrela da Noite, enquanto Lúcifer é o nome da Estrela da Manhã, mas acontece que
a Estrela da Noite e a Estrela da Manhã representam o mesmo objeto, ou seja, o planeta
Vênus (FREGE, 1892).
A identidade do objeto, no entanto, não torna correto chamar Vênus no período da
manhã de Estrela da Noite, porque se poderia alegar que não há relações linguísticas em jogo.
O que se diz, de fato, é que o corpo celestial mais brilhante diferente da lua que, às vezes, é
visto a preceder o sol nascente no leste é o mesmo que aquela estrela que, em outras vezes,
brilha no oeste depois do pôr do sol. Trata-se de um fato empírico. A afirmação de que a
Estrela da Noite é Estrela da Manhã não possui relação linguística em si (FREGE, 1892).
Entretanto, Heijenoort (1967) havia explicado o sistema de Frege como uma expressão
característica importante referente à universalidade da lógica:
se aplica à Epimênides (algo que é impossível na visão universal de Frege). Jerrold Katz,
referindo-se a este dilema, refutou a visão fregeana da lógica como uma linguagem universal:
―Não podemos dizer que as línguas naturais são, de alguma forma, universais ou ilimitadas
em termos de poder expressivo, do mesmo modo como não é possível afirmar que estas são
consistentes.‖ (KATZ, 2004, p. 93, tradução nossa).
O Paradoxo de Epimênides pode ser recusado ao se rejeitar a definição de Frege sobre
o sentido que está absolutamente ligado à referência e existência ou, de forma equivalente,
separando a linguagem da teoria. Conforme Frege, sentido ou significado não pode ser
separado da referência, para cada conceito ou função deve haver uma extensão que não pode
ser reduzida ou limitada. Frege, portanto, não aceita denotação pura e não pode interpretar
existência como um predicado, mas define-o como um predicado de segunda ordem.
Mcginn (2000, p.18) ilustra esta visão da existência como segue:
Quando você pensa que os tigres existem, você não pensa em determinados objetos
felinos e que cada um possui a propriedade da existência; em vez disso, você pensa,
sobre a propriedade de tigre, que possui instâncias. [...] O conceito de um objeto
existente simplesmente é o conceito de uma propriedade que possui instâncias
(Tradução nossa).
Para Frege (cf. OTTE; BARROS, 2015), de fato, cada função ou conceito tem uma
extensão a qual se refere, sendo assim, argumenta que, se queimarmos todas as árvore de uma
floresta, então queimaremos a própria floresta de tal forma que não existe um conjunto além
da coleção de seus elementos, ou seja, não há conceito sem uma extensão. Por conseguinte,
segundo Potter, os paradoxos da teoria dos conjuntos não tratam ―[...] sobre a inconsistência
de nossa noção intuitiva de conjunto, mas sobre uma fusão entre duas ou mais noções
incompatíveis.‖ (POTTER, 1990, p. 10, tradução nossa).
Frege identificou o sentido ou o significado à maneira como as referências são
fornecidas, com tal característica, os conceitos ou funções necessariamente se referem a um
objeto, consequentemente, ele argumenta em favor da extensionalidade e referência da
Matemática:
Para o matemático, não é mais correto e não é mais incorreto definir uma seção
cônica como a circunferência da interseção de um plano e a superfície de um cone
circular reto do que como uma curva plana cuja equação em relação às coordenadas
retangulares é de grau 2. Qual dessas duas definições ele escolhe, ou se ele escolhe
outra, é guiada unicamente por razões de conveniência, embora essas expressões não
tenham o mesmo sentido e nem evoquem as mesmas ideias (FREGE, 1960, p. 80,
tradução nossa).
61
29
O trabalho de Benacerraf tornou-se de fato um catalisador significativo na motivação do desenvolvimento do
estruturalismo na filosofia da Matemática.
62
[...] figura ponto pelo qual possa ser traçada uma linha distinta, a separar a lógica à
esquerda e a matemática à direita. Se ainda existirem aqueles que não admitem a
identidade entre lógica e matemática, podemos desafiá-los a indicar em que ponto,
nas definições e deduções sucessivas de Principia Matemática, consideram que a
lógica termina e a matemática principia. Será então óbvio que qualquer resposta terá
de ser assaz arbitrária [...]. Costumava dizer-se que a matemática é a ciência da
«quantidade». «Quantidade» é uma palavra vaga, mas, para argumentar, podemos
substitui-la pela palavra «número». A afirmação de que a matemática é a ciência do
número seria inverídica de dois modos diferentes. Por um lado, há ramos
reconhecidos da matemática que nada têm a ver com o número — toda a geometria
que não usa coordenadas ou medição, por exemplo: a geometria projectiva e
descritiva, até ao ponto em que são introduzidas coordenadas, nada tem a ver com
número, ou mesmo com quantidade, no sentido de maior e menor.
Portanto, neste sentido, não se deve substituir quantidade por número para não perder
a universalidade da Matemática ou, pelo menos, sua aplicabilidade universal. Pode-se, então,
afirmar que o interesse da Matemática nada mais é do que estabelecer relações entre o igual e
o diferente, de modo que a aplicação do raciocínio matemático significa operar dedutivamente
sobre tais relações. Como afirmou Otto Stolz (reformulação de Grassmann), ―Quantidade
significa alguma coisa que deve ser definido como sendo igual ou diferente de alguma outra
coisa.‖ (STOLZ, 1885, p. 1, tradução nossa). A definição clássica da Matemática como a
ciência das quantidades significa exatamente isso.
De modo que dois conceitos A e B não são os próprios, mesmo que contingencial ou
necessariamente todos os A sejam B e vice-versa, porque conceitos díspares ajudam a
estabelecer diferentes tipos de relacionamentos e, assim, influenciam o desenvolvimento
cognitivo de maneiras bem diferentes. No que diz respeito ao crescimento cognitivo, bem
como aos fundamentos do conhecimento, é relevante ou mesmo essencial saber qual é a
definição escolhida, qual é a perspectiva tomada ou como um problema é representado.
Certamente, é importante como um matemático define algo.
Em contraste ao posicionamento de Frege, adotando a outra perspectiva para a
equação A=B, onde A e B possuem aspectos distintos, porém assumem uma relação entre
coisas aparentemente diferentes, pode-se usar existência como um predicado relativo ao
universo ao qual se destina o discurso. Por exemplo, ao relembrar a questão ―Será que o
número real x, que satisfaz a equação x2 = -1 existe?‖, se sim, será uma raiz no campo dos
números reais e deverá, portanto, ser igual a 1 ou a -1, mas isso produz 1 = -1, o que é uma
contradição! Neste contexto histórico, ocorreu que o matemático ampliou seu universo e
encontrou um novo sistema de números, os números complexos30.
30
Essa conexão entre a Matemática e a Lógica iniciou-se com Leibniz e com o advento da Álgebra entre os
63
É relevante observar também que tais categorizações não são absolutas e estáticas ou
dualistas, elas podem igualmente depender da atividade, de seus objetivos e meios. Tome-se
como exemplo a teoria do valor econômico, a equação econômica de duas commodities, como
1 terno = 2 pares de sapatos, depende do contexto, porque o terno e os dois pares de sapatos
têm apenas seu valor de troca em comum e nada mais e, portanto, não podem ser equiparados
em outros contextos. Uma pessoa pode precisar de um terno, mas pode não querer novos
sapatos em troca, porque ela já possui sapatos. E a situação em que alguém está disposto a
trocar um terno por um par de sapatos, obviamente, depende de quão urgentemente ela precisa
desses sapatos e quanto os valoriza. No capítulo de abertura de Das Kapital, o sociólogo Karl
Marx (1818‒1883) reflete sobre tais questões:
Toda coisa útil, como ferro, papel etc., deve ser considerada sob um duplo ponto de
vista: o da qualidade e o da quantidade. Cada uma dessas coisas é um conjunto de
muitas propriedades e pode, por isso, ser útil sob diversos aspectos. Descobrir esses
diversos aspectos e, portanto, as múltiplas formas de uso das coisas é um ato
histórico. Assim como também é um ato histórico encontrar as medidas sociais para
a quantidade das coisas úteis. A diversidade das medidas das mercadorias resulta,
em parte, da natureza diversa dos objetos a serem medidos e, em parte, da
convenção. [...] O valor de troca aparece inicialmente como a relação quantitativa, a
proporção na qual valores de uso de um tipo são trocados por valores de uso de
outro tipo, uma relação que se altera constantemente no tempo e no espaço. [...]
Certa mercadoria, um quarto de trigo, por exemplo, é trocado por x de graxa de
séculos XVI e XVIII. O problema referente aos dos números imaginários foi muito importante nesse contexto.
Uma abordagem do contexto histórico está descrita na seção ―5.4 Dois exemplos ‖.
31
Cf. Frenkel (2014, p.231-233).
64
sapatos ou por y de seda ou z de ouro etc., em suma, por outras mercadorias nas mais
diversas proporções. O trigo tem, assim, múltiplos valores de troca em vez de um
único. Mas sendo x de graxa de sapatos, assim como y de seda e z de ouro, etc., o
valor de troca de um quarto de trigo, então x de graxa de sapatos, ou y de seda ou z
de ouro etc. têm de ser valores de troca permutáveis entre si ou valores de troca de
mesma grandeza (MARX, 1967, p. 35-36).
[...] Matematicamente cada uma das três formulações diferentes, a lei de Newton, o
método de campo local e o princípio mínimo, produzem exatamente as mesmas
consequências. Então, o que podemos fazer? Você lerá, em todos os livros, que nós
não podemos decidir cientificamente entre uma ou outra. [...] Mas psicologicamente
elas se diferem, de dois modos. Primeiro, filosoficamente, você gosta ou não gosta
delas [...]. Segundo, psicologicamente, elas são diferentes porque são
completamente incompatíveis, quando se busca supor novas leis. Uma vez que a
física é incompleta, e procura-se compreender outras leis, então as formulações de
diferentes possibilidades podem fornecer pistas sobre o que poderia acontecer em
outras circunstâncias (FEYNMAN, 1967, p. 53, tradução nossa).
David Joseph Bohm (1917‒1992), que atuou no campo da física quântica, apresenta
um argumento adicional nessa direção:
32
―[...] corrente de pensamento introduzida e defendida por Aristóteles, segundo a qual a pesquisa científica deve
penetrar até a essência das coisas para poder explicá-las.‖ (POPPER apud ABBAGNANO, 2007, p. 363).
33
―[...] doutrina segundo a qual a linguagem das ciências contém apenas variáveis individuais, cujos valores são
objetos concretos, e não classes, propriedades e similares.‖ (ABBAGNANO, 2007, p. 715).
66
34
Ver ―Quadro 3 ‒ Tríade do signo com relação a seu objeto‖.
67
3 AS PALAVRAS E AS COISAS
Neste capítulo, na seção Michel Foucault (1926 – 1984): a separação das palavras e
das coisas, focamos na descrição sobre a representação das coisas pelas palavras e as suas
consequências para a compreensão do movimento histórico da Semiótica, de acordo com
Foucault. O autor identifica três momentos, com duas importantes rupturas: uma no Barroco e
outra na Era Moderna.
O primeiro momento foi caracterizado pela semelhança entre as palavras e as coisas
que são vistos como imagem de um conhecimento, marcado por um mundo significativo.
Mas, na época do Barroco, denominada era da representação, ocorreu a primeira ruptura e o
processo de separação entre palavras e coisas. O diálogo de Platão Crátilo expressa a
discussão sobre o estabelecimento convencional ou natural para os significados das palavras e
coisas, e foi exatamente esse convencionalismo que começou a prevalecer no segundo
momento. No terceiro momento, a modernidade e o espírito histórico começaram a dominar o
conhecimento e, consequentemente, a interpretação humana tornou-se reflexiva e o sujeito se
transformou em objeto da ciência.
Na seção Ernst Cassirer (1874‒1945): a transformação do conceito de conceito,
abordamos acerca do relato histórico de Cassirer sobre a transformação do conceito de
substância ao de função na Filosofia da Matemática, algo que se tornou explícito na
Revolução Copernicana na Epistemologia de Kant, do qual Cassirer foi seguidor, renovador e
Neu-Kantianer (neokantiano), além de estudamos o primeiro capítulo do livro Substanzbegriff
und Funktionsbegriff (1910) que versa sobre A teoria da conceitualização.
Em A Crítica da Razão Pura e as duas fontes de conhecimento matemático, trazemos
um dos principais referenciais teóricos, Kant, além de autores como Peirce, Cassirer, Foucault
dentre outros, que o estudaram intensamente. A Crítica da Razão Pura de Kant se constitui
uma verdadeira Revolução Copernicana. Sua leitura não é uma tarefa fácil, por isso
escrevemos sobre alguns conceitos kantianos, os quais citamos ao logo da tese. Por meio de
quadros, diagramas e notas de rodapé, desejamos interpretá-lo de forma clara, sem perder sua
essência e a importância da sua mensagem.
Em termos gerais, objetivamos analisar o movimento histórico do signo nas ciências
com Foucault que enfatiza a Revolução Científica; e com Cassirer na Filosofia da Matemática
como um reflexo da Revolução Copernicana da Epistemologia de Kant.
69
De fato, Foucault tem um vasto trabalho, não objetivamos nesta tese discorrer sobre
todos seus escritos, os quais abordam uma ampla diversidade de temas, principalmente,
relacionados aos problemas sociais, como o sistema penitenciário, a instituição escolar, a
psiquiatria, a psicanálise, a sexualidade etc. Contudo, neste escrito, desejamos dar ênfase ao
vislumbrar do autor referente ao que concerne à representação das coisas pelas palavras e às
suas consequências para a compreensão do movimento histórico da Semiótica.
35
ENCYCLOPEDIA alhazeera.net. Michelle Foucault. Disponível em:
https://www.aljazeera.net/File/GetImageCustom/15f89d0c-2e28-40da-a095-be2fdc0bfcb0/891/501. Acesso em:
10 out. 2019.
70
Michel Foucault publicou, em 1966, o livro Le Mots et les Choses: Une archéologie
des sciences humaines. Traduzido para o português, em 1981, apresenta como título As
palavras e as coisas: Uma arqueologia das ciências humanas36. Neste trabalho, o autor
descreve sobre a transformação do pensamento ocidental relacionada ao signo, caracterizando
o surgimento do conhecimento científico moderno como resultado de uma relativa
independência do sentido versus a referência.
Nesta tese, analisamos essa obra vislumbrando sua importância tanto histórica quanto
metodológica em uma configuração semiótica.
Essa relação com a Ordem é tão essencial para a idade clássica quanto foi para o
Renascimento a relação com a Interpretação. E assim como a interpretação do século
XVI, superpondo uma semiologia a uma hermenêutica, era essencialmente um
36
Neste texto, utilizamos a tradução da edição publicada em 2000.
37
WIKIPÉDIA. Disponível em:
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/5/5f/The_Order_of_Things_%28French_edition%29.jpg. Acesso
em out. de 2019.
71
38
Michel Foucault tem um vasto trabalho, seus escritos abordam uma ampla diversidade de temas,
principalmente, relacionados aos problemas sociais como o sistema penitenciário, a instituição escolar, a
psiquiatria, a psicanálise e a sexualidade. Contudo, neste escrito, desejamos dar ênfase ao vislumbrar do autor
referente ao que concerne a representação das coisas pelas palavras e as suas consequências para a
compreensão do movimento histórico da Semiótica.
72
A ciência antiga foi alicerçada em uma Metafísica que concebia o mundo como um
vasto conjunto de substâncias com características essenciais. O diálogo de Platão, Crátilo, traz
uma discussão entre o significado das palavras e das coisas. Sócrates discute com Crátilo
sobre a busca dos significados das palavras, em saber se essas foram estabelecidas
convencional ou naturalmente. Assim debatem sobre o conhecimento e como o sujeito
conhece o objeto, se segue um fluxo contínuo de mudanças ou permanece fixo. Ao final,
Sócrates encerra concluindo que:
39
―Designa-se com este termo o movimento literário, artístico e filosófico que começa no fim do séc. XIV e vai
até o fim do séc. XVI, difundindo-se da Itália para os outros países da Europa.‖ (ABBAGNANO, 2007, p.
852).
40
Entre o final do século XVI e meados do século XVIII.
41
―[...] o período que vai dos últimos decênios do séc. XVII aos últimos decênios do séc. XVIII: esse período
muitas vezes é designado simplesmente I ou século das luzes.‖ (Ibid., p. 535).
42
Expressão utilizada por Foucault para descrever que ―[...] a partir do século XIX, muda inteiramente [...] Daí
nasceram todas as quimeras dos novos humanismos, todas as facilidades de uma ―antropologia‖, entendida
como reflexão geral, meio positiva, meio filosófica, sobre o homem.‖ (FOUCAULT, 2000, p. 14, grifo nosso).
73
Um bom exemplo que ajuda a entender este movimento do pensamento humano é com
o famoso médico Paracelsus ou Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus Von Hohenheim
(1493‒1541), cuja filosofia ―Simula similitibus curantor‖, que pode ser traduzida pela frase
―Semelhante cura-se pelo semelhante‖, pois para Paracelsus as formas das plantas indicavam
quais eram seus efeitos medicinais. Apoiado no exemplo de Paracelsus, Foucault (2000)
explica que os conhecimentos do século XVI se fundavam em uma mistura instável, por um
lado, o saber racional e, por outro, as noções derivadas da magia e da herança cultural. Assim:
[...] O mundo é coberto de signos que é preciso decifrar, e estes signos, que revelam
semelhanças e afinidades, não passam, eles próprios, de formas da similitude.
Conhecer será, pois, interpretar: ir da marca visível ao que se diz através dela e, sem
ela, permaneceria palavra muda, adormecida nas coisas (FOUCAULT, 2000, Ibid.,
p. 48).
Deste modo, para Foucault a adivinhação é algo que estava incorporado ao próprio
conhecimento. Para fundamentar esta sua tese, ele cita Paracelsus:
74
Nós, homens, descobrimos tudo o que está oculto nas montanhas por meio de sinais
e correspondências exteriores; e é assim que encontramos todas as propriedades das
ervas e tudo o que está nas pedras. Nada há nas profundezas dos mares, nada nas
alturas do firmamento que o homem não seja capaz de descobrir. Não há montanha
bastante vasta para ocultar ao olhar do homem o que nela existe; isso lhe é revelado
por sinais correspondentes (PARACELSUS, 1909, p. 21-3, apud Foucault, 2000, p.
48).
Assim, ao olhar as nozes, Paracelsus pensava, ―como parece com o cérebro‖, então
nozes é bom para o cérebro. A flor Common Foxglove, no Brasil conhecida, popularmente,
por dedaleira, dedal vermelho ou campainha, mas na Europa como Digitalis, possui pequenas
manchas violetas em formato de coração, então se deduzia que esta planta era excelente para
o coração; e, ainda em nossos dias, na farmácia, encontramos o remédio digitalis. Outra
planta, a Sansevieria trifasciata, tem folhas parecidas com uma espada, então se alguém se
cortava deveria usá-la. Deste modo, a imagem mostrava a natureza dos objetos.
O famoso livro de romance, mais lido após a Bíblia, foi Dom Quixote de La Mancha,
publicado em 1615, exatamente na época dessa ruptura. Dom Quixote acreditava que os
moinhos de vento eram guerreiros gigantes, então atacou os moinhos (CERVANTES, 2005).
O protagonista vivia no mundo onde as coisas mostravam sua natureza. Para Foucault (2000),
a verdade em Dom Quixote não está na relação das palavras com o mundo, pois sua escrita e
43
RODRIGUES, Adail. Digitalis a planta do coração. Ideias em Blog, 2017. Disponível em:
https://ideiasblogsite.files.wordpress.com/2017/05/digitalis2.jpg. Acesso em: 9 set. 2019.
75
as coisas não apresentam semelhança, ocorrendo que a semelhança e o signo rompem sua
antiga aliança:
Dom Quixote é a primeira das obras modernas, pois que aí se vê a razão cruel das
identidades e das diferenças desdenhar infinitamente dos signos e das similitudes:
pois que aí a linguagem rompe seu velho parentesco com as coisas, para entrar nessa
soberania solitária donde só reaparecerá, em seu ser absoluto, tornada literatura; pois
que aí a semelhança entra numa idade que é, para ela, a da desrazão e da imaginação
(FOUCAULT, 2000, p.63-64).
[...] a escrita deixou de ser a prosa do mundo, semelhanças e sinais dissolveram sua
antiga aliança, similitudes tornaram-se enganosas. [...] No começo do século XVII,
nesse período que, com razão ou não, se chamou barroco, o pensamento deixa de se
mover no elemento da semelhança. Similitude não é mais a forma do conhecimento,
mas sim a ocasião do erro. [...] 'É um hábito frequente', diz Descartes, nas primeiras
linhas de sua Regulae, 'quando descobrimos várias semelhanças entre as coisas,
atribuir a ambas igualmente, mesmo em pontos em que são realmente diferentes,
aquilo que nós ter reconhecido a verdade de apenas um deles '. A era da semelhança
está chegando ao fim. […] E assim como a interpretação no século XVI […] era
essencialmente um conhecimento baseado em similitude, a ordenação das coisas por
meio de signos constitui todas as formas empíricas de conhecimento como
conhecimento baseado em identidade e diferença (FOUCAULT, 2000, p. 47 -57).
76
44
Uma excelente leitura sobre Condillac se encontra no Capítulo 2 – A Filosofia de Condillac: Linguagem e
Evolução em Corrêa (2008, p. 36- 81).
77
humana dos empiristas do século XVIII, como Condillac, desempenhou o papel de analisar as
formas da representação:
Então, nesse sentido, Foucault estava correto, em citá-los por diversas vezes, pois
assim como esses biólogos muitos filósofos importantes do Iluminismo, como Condillac e
Diderot, apreciaram a Matemática apenas enquanto suas aplicações práticas diretas
permaneceram visíveis. Denis Diderot (1713‒1784) previu o fim da Matemática teórica no
ano de 1754 em sua obra Pensées sur l'interprétation de la nature, cuja tradução para o
português fora em 1989, em Da interpretação da natureza e outros escritos. Ele escreveu:
pilares de Hércules e ninguém passará além. Suas obras perdurarão nos séculos
vindouros, como as pirâmides do Egito, maciças e carregadas de hieróglifos, uma
imagem impressionante do poder e dos recursos dos homens que as criaram
(DIDEROT, 1989, p. 37, grifo nosso).
Condillac 28
Lineu 26
Descartes/cartesiano(a) 26
Nietzsche 22
Buffon 16
Marx/marxismo/maxista 12
Leibniz/leibneziano 8
Hegel 9
Diderot 6
Newton/newtoniano 6
Galileo/galeana 2
0 5 10 15 20 25 30
Fonte: Elaborado pela autora
Foucault, estando mais interessado nos novos campos empíricos da atividade científica
do que nas Ciências EXATAS, privilegiou Leibniz em relação a Descartes, como sendo o
espírito essencial da idade clássica:
Assim, a análise pôde mostrar a coerência que existiu, durante toda a idade clássica,
entre a teoria da representação e as da linguagem, das ordens naturais, da riqueza e
do valor. [...] que, a partir do século XIX, muda inteiramente; a teoria da
representação desaparece como fundamento geral de todas as ordens possíveis; a
linguagem, por sua vez, como quadro espontâneo e quadriculado primeiro das
coisas, como suplemento indispensável entre a representação e os seres, desvanece-
se; [...] Na medida, porém, em que as coisas giram sobre si mesmas, reclamando
para seu devir não mais que o princípio de sua inteligibilidade e abandonando o
espaço da representação, o homem, por seu turno, entra, e pela primeira vez, no
campo do saber ocidental. [...] Daí nasceram todas as quimeras dos novos
humanismos, todas as facilidades de uma ―antropologia‖, entendida como reflexão
geral, meio positiva, meio filosófica, sobre o homem (FOUCAULT, 2000, p. 14).
Para Foucault, a segunda ruptura é também fato de uma emergência histórica, por
ocasião de um problema, isto é, de um obstáculo de tal modo que foram necessárias novas
normas impostas pela sociedade industrial aos indivíduos para que ―[...] pela primeira vez,
80
desde que existem seres humanos e que vivem em sociedade, o homem, isolado ou em grupo,
se tenha tornado objeto de ciência [...].‖ (Ibid., p. 369).
De acordo com Foucault (2000), essa quebra é marcada pelas crescentes ideologias
que brotaram dos movimentos filosóficos e tornaram-se, essencialmente, as ideologias mais
importantes criadas na história moderna. Delas desenvolveram-se quase todos os movimentos
políticos, sociais, econômicos, industriais e culturais que existem.
Certamente, não resta dúvida de que a emergência histórica de cada uma das
ciências humanas tenha ocorrido por ocasião de um problema, de uma exigência, de
um obstáculo de ordem teórica ou prática; por certo foram necessárias novas normas
impostas pela sociedade industrial aos indivíduos para que, lentamente, no decurso
do século XIX, a psicologia se constituísse como ciência; também foram
necessárias, sem dúvida, as ameaças que, desde a Revolução, pesaram sobre os
equilíbrios sociais e sobre aquele mesmo que instaurara a burguesia, para que
aparecesse uma reflexão de tipo sociológico. [...] abandonando o espaço da
representação, os seres vivos alojaram-se na profundeza específica da vida, as
riquezas no surto progressivo das formas da produção, as palavras no devir das
linguagens. Nessas condições, era necessário que o conhecimento do homem
surgisse, com seu escopo científico, como contemporâneo e do mesmo veio que a
biologia, a economia e a filologia, de tal sorte que nele se viu, muito naturalmente,
um dos mais decisivos progressos realizados, na história da cultura europeia, pela
racionalidade empírica (FOUCAULT, 2000, p. 362, grifo nosso).
[...] que se torna ameaçador desde que, por exemplo, não se reflita corretamente
sobre as relações entre o pensamento e a formalização, ou desde que não se analisem
convenientemente os modos de ser da vida, do trabalho e da linguagem. A
‗antropologização‘ é, em nossos dias, o grande perigo interior do saber. Facilmente
81
se acredita que o homem liberou-se de si mesmo, desde que descobriu que não
estava nem no centro da criação, nem no núcleo do espaço, nem mesmo talvez no
cume e no fim derradeiro da vida; mas, se o homem não é mais soberano no reino do
mundo, se já não reina no âmago do ser, as ‗ciências humanas‘ são perigosos
intermediários no espaço do saber (FOUCAULT, 2000, p. 365).
E eis que agora, nesse espaço filosófico-filológico que Nietzsche abriu para nós, a
linguagem surge numa multiplicidade enigmática que precisaria ser dominada.
Aparecem então, como tantos projetos [...], os temas de uma formalização universal
de todo discurso, ou os de uma exegese integral do mundo que seria ao mesmo
tempo sua perfeita desmistificação, ou os de uma teoria geral dos signos. [...]
(FOUCAULT, 2000, p. 321).
Em seu The Birth of Tragedy (1872), Nietzsche escreve ―Aqui temos nossa idade atual
[...] empenhados no extermínio do mito. O homem hoje, despojado do mito, permanece
faminto entre todos os seus passados e precisa cavar freneticamente por raízes […].‖ (1967, p.
136). Citação que caracteriza bem essa ruptura na qual a adivinhação, o mitológico e litúrgico
deixam de estar incorporados ao próprio conhecimento.
E muitos pensadores procuraram por metáforas que revelassem o significado humano
das coisas, no período da segunda ruptura. Por exemplo, os escritos de Victoria Lady Welby
estão inseridos nesse contexto, pois ela reconheceu a importância das metáforas como acesso
ao conhecimento, mas alertou sobre a responsabilidade em usá-las adequadamente, livres de
crenças, preconceitos, superstições ou falta de sentido ou significado, para não ter o efeito
reverso. Welby (1911, p. 2-3) também estava entre os que lamentavam o empirismo da
ciência baconiana e do Iluminismo:
O avanço fresco que agora parece iminente, uma vez que é extremamente
necessário, não deve ser mera continuação da busca baconiana, o acúmulo de dados
para uma série de inferências sobre as propriedades do sistema material como
usualmente entendido, mas sim a interpretação, a tradução, finalmente, em termos
válidos de vida e pensamento, do conhecimento já tão abundantemente obtido.
Enquanto o homem falha em fazer essa tradução - para moralizar e humanizar seu
conhecimento do cosmos, e assim unificar e relacioná-lo a si mesmo - seu
pensamento está em atraso, e mentalmente ele fica aquém de sua experiência
promulgada. O fato de nós, nesta época, ficarmos para trás […] e de que até agora
não conseguimos alcançar um grande e geral ato de tradução, é uma perda
principalmente devido à nossa negligência unânime em compreender Expressão, sua
82
O interesse pelo sujeito humano, que Foucault identificou como uma característica
da Modernidade, não provocou mais do que algumas projeções. Ele ressalta:
É na superfície de projeção da biologia que o homem aparece como um ser que tem
funções [...] Na superfície de projeção da economia, o homem aparece enquanto tem
necessidades e desejos, enquanto busca satisfazê-los, enquanto, pois, tem interesses,
visa a lucros, opõe-se a outros homens; [...] na superfície de projeção da linguagem,
as condutas do homem aparecem como querendo dizer alguma coisa; seus menores
gestos, até em seus mecanismos involuntários e até em seus malogros, têm um
sentido (FOUCAULT, 2000, p. 382).
45
FILOSÓFICA Biblioteca. Biblioteca Virtual criada para alunos de Filosofia e áreas afins. [S.l.: s.d].
Disponível em: https://filosoficabiblioteca.files.wordpress.com/2016/03/cassirer-ernst.jpg. Acesso em: 9 set.
2019.
84
A versão inglesa fora publicada em 1953, intitulada por Substance and Function
(Substância e Função). O livro está divido em Parte I e Parte II, conforme Quadro 6:
Fonte: Elaborado pela autora (CASSIRER, 1953, p.vii –xii, tradução nossa)
Nesta obra, de modo geral, Cassirer descreve a mudança do conceito teórico desde
Aristóteles até Euler, em que a grande ruptura trata exatamente da transformação do conceito
do conceito ou da substância à função. Nossos estudos nesta pesquisa estão acerca do capítulo
1, o qual foi dividido por Cassirer da seguinte forma:
46
CASSIRER, Ernst. Substanzbegriff und Funktionsbegriff. Berlin: VERLAG VON BRUNO CASSIRER
BERLIN: Verlag von Bruno Cassirer, jul. 1910. 486 p. Disponível em:
https://ia800207.us.archive.org/8/items/substanzbegriffu00cassuoft/substanzbegriffu00cassuoft.pdf. Acesso
em: 8 nov. 2019.
85
Sobre esta doutrina da finalidade e natureza do conceito genérico, Cassirer declara que
as principais características deste ensino são tão conhecidas que não é necessária uma
explicação detalhada, pois
[...] Por mais simples e claros que sejam os seus pressupostos, eles estão de acordo
com os pressupostos básicos para cuja análise crítica a visão usual do mundo
necessita e atua ao longo de todo o processo, pelo que não parece haver aqui
praticamente nenhum tratamento para uma revisão crítica. Nada mais se pressupõe,
de fato, senão a existência das próprias coisas em sua imensa diversidade inicial e a
capacidade da mente de tirar dessa abundância de existências individuais os
fenômenos que pertencem à maioria delas. Deste modo, ao tomar os objetos que,
através da propriedade comum de uma mesma classe [...] As funções essenciais que
o pensamento atua aqui são, assim, apenas as de comparar e distinguir determinados
atributos sensuais (CASSIRER, 1953, p. 4, tradução nossa).
Se toda a conceituação consiste no fato de que, da maioria dos objetos que temos à
nossa disposição, apenas enfatizamos as características coincidentes, enquanto
87
descartamos todas as outras, fica claro que, através dessa redução um mero registro
parcial toma o lugar da totalidade originalmente descrita (CASSIRER, 1953, p. 6,
tradução nossa).
Após discutir sobre o conceito na teoria lógica aristotélica, Cassirer analisa, na seção
II, a teoria psicológica da abstração, o fato é que o autor assegura não haver tantas mudanças.
Esclarece que mesmo George Berkeley (1685‒1753), com seu ceticismo empírico, ainda não
se liberta totalmente da concepção aristotélica, pois enxerga o conceito universal como algo
que pode ser formado a partir das semelhanças entre os particulares, ou seja, assim não
introduz uma mudança real, apenas ―[...] quanto ao valor e à fertilidade do conceito abstrato
implicava, ao mesmo tempo, em uma crença dogmática na validade da definição habitual do
conceito.‖ (CASSIRER, 1953, p. 9, tradução nossa). E o autor destaca:
O posicionamento de Cassirer revela que houve uma mudança do objeto para o sujeito,
mas a estrutura e o processo permanecem iguais. John Stuart Mill (1806‒1873) procurava
interpretar as verdades e conceitos matemáticos simplesmente como sendo a expressão de
fatos empíricos. A expressão quadrado redondo, por exemplo, é algo improvável, pois a
propriedade de ser redondo é disjunta da propriedade de ser quadrado, empiricamente essa
experiência é inaceitável. O resultado é que nessa visão a Matemática é possível apenas por
88
meio da realização de algumas meras comparações empíricas. Mill (apud CASSIRER, 1953,
p. 13) afirma que o desenho representado pelo geômetra no papel tem uma imagem fiel na
mente humana:
Contra esse fato, Cassirer explica a impossibilidade da representação real dos objetos
matemáticos tanto fisicamente, quanto em nossa mente, por exemplo, como a representação
de um ponto sem magnitude.
[...] Em sua crítica à lógica da Escola Wolffiana, Lambert descreve como sendo uma
vantagem decisiva dos ‗conceitos gerais‘ da Matemática, no qual, em sua análise a
determinação dos casos particulares para os quais devem ser aplicados não é
eliminada, mas mantida com toda precisão. Por exemplo, quando o matemático
elabora suas fórmulas de uma maneira mais geral, isso significa não apenas o
sentido e possibilidade para os casos particulares, mas também a perspectiva em
poder deduzi-los para fórmulas universais. [...] Assim, é claro, a abstração torna-se
muito fácil para o ‗filósofo‘, mas a determinação do particular a partir do geral
torna-se ainda mais difícil para ele, pois na abstração ele omite todas as
características particulares de tal modo que não será mais capaz de encontrá-las
novamente, e muito menos ainda de contar precisamente quais são as variações
possíveis. Esta simples observação realmente contém o gérmen de uma distinção
profunda e importante (Tradução nossa).
[...] podemos passar de uma fórmula matemática geral, como por exemplo, a
fórmula da curva de segunda ordem, para as formas geométricas particulares como
do círculo, da elipse, etc., considerando um determinado parâmetro que nela ocorre
como variável e passando-a por uma série de grandezas contínuas. Aqui, o conceito
mais universal se mostra também o mais rico em conteúdo, quem o possui é capaz
de deduzir dele todas as relações matemáticas que ocorrem em um problema
particular, enquanto que, por outro lado, ele não isola este problema, mas o
compreende em contínua conexão uns com os outros, isto é, em sua mais profunda
expressão sistemática. Os casos individuais não são excluídos da consideração, mas
fixados e registrados como etapas completamente determinadas no processo geral de
transformação (CASSIRER, 1953, p. 20, tradução nossa).
47
Immanuel Kant nasceu em 22 de abril de 1724, em Königsberg, uma cidade da Prússia Oriental na Alemanha
(PASCAL, 2005). Filho de Johann Georg Kant, que exercia a profissão de seleiro. Frequentou a universidade
como estudante de Filosofia e Matemática. Dedicou-se ao ensino, vindo a desempenhar as funções de professor
91
na Universidade de Königsberg (LEITE, 2007). Morreu aos 80 anos, em 12 de fevereiro de 1804 (PASCAL,
2005).
48
Tal revolução pode ser comparada àquela realizada por Copérnico na Astronomia em que apresentava o Sol
como o centro do universo e não a Terra. Kant, por sua vez, em relação à teoria do conhecimento, centraliza o
sujeito e suas atividades e não mais o objeto do conhecimento (NASCIMENTO; SANTANA; 2009).
49
AS CONTRIBUIÇÕES de Kant para a filosofia. Blog Editora UNESP, 20 abr. 2017. Disponível em:
http://editoraunesp.com.br/blog/icone/as-contribuicoes-de-kant-para-a-filosofia-. Acesso em: 9 set. 2019.
92
Em 1781, Kant publica sua obra mais famosa, a Kritik der reinen Vernunft (Crítica da
Razão Pura). De acordo com Amadeo et al. (2019, p. 154), ―[...] a filosofia da natureza de
Immanuel Kant parece ter sido historicamente fundamental para a formação intelectual e
científica dominante no século seguinte.‖.
Analítico Sintético
Predicado B pertence ao sujeito A como algo que está B está totalmente fora do conceito A, embora em
contido nesse conceito A. ligação com ele.
Quando a ligação do sujeito com o predicado é pensada Quando a ligação é pensada sem identidade.
por identidade.
O exemplo ―Todos os corpos são extensos‖ é analítico, porque o homem não consegue
imaginar um corpo sem extensão, assim como um ponto em Euclides é aquilo que não tem
partes, ou seja, um corpo sem extensão.
A resposta de Kant, neste exemplo, constitui a base de sua Revolução Copernicana, ou
seja, diz respeito à capacidade do sujeito, cujos corpos são extensos e analíticos porque o ser
humano não consegue pensar em um corpo sem extensão. Em contrapartida, para Aristóteles,
seria totalmente diferente a justificativa, dado que cada ser tem uma essência, e esta essência é
um conjunto de características essenciais; assim, a proposição ―Todos os corpos são extensos‖
é analítica, porque a característica da extensão é a essência para a definição de corpo.
Aristóteles conjetura em seus estudos que a natureza dos objetos pode ser apreendida
por meio de suas características essenciais. Em contrapartida, Kant vitaliza a importância do
sujeito com suas atividades e os instrumentos dessa atividade, por exemplo, a função y=3x+5
é percebida como uma fórmula, que transforma o y em 3x mais 5, logo as funções do cálculo
algébrico, em sua perspectiva, são essencialmente instrumentos construídos pelo sujeito.
Kant explica que os juízos são a priori ou a posteriori, conforme o Quadro 9.
94
Ex.: Todos os corpos são pesados Ex.: Todos os corpos são extensos
Juízos a posteriori são sempre sintéticos, ao passo que os analíticos são a priori. Mas
a grande ideia de Kant foi entender que as proposições matemáticas são juízos sintéticos,
contudo, a priori.
Para Kant o conhecimento surge de duas fontes fundamentais, por assim dizer,
intuições e conceitos. Essas duas fontes se correspondem com dois tipos de Lógica, isto é, a
Lógica Geral50 que rege os juízos analíticos e a Lógica Transcendental51 que gerencia os
juízos sintéticos.
50
―A lógica geral é, pois, ou lógica pura ou lógica aplicada. Na primeira, abstraímos de todas as condições
empíricas relativamente às quais se exerce o nosso entendimento, por exemplo, da influência dos sentidos, do
jogo da imaginação, das leis da memória, do poder do hábito, da inclinação, etc., portanto também das fontes
dos preconceitos e, em geral, de todas as causas de onde podem derivar ou se supõe provirem determinados
conhecimentos e, porque essas causas dizem respeito ao entendimento apenas em determinadas circunstâncias
da sua aplicação, para as conhecer exige-se a experiência. Uma lógica geral, mas pura, ocupa-se, pois, de
princípios puros a priori e é um cânone do entendimento e da razão, mas só com referência ao que há de
formal no seu uso, seja qual for o conteúdo (empírico ou transcendental). Diz-se, pelo contrário, que uma
lógica geral é aplicada, quando se ocupa das regras do uso do entendimento nas condições empíricas subjetivas
que a psicologia nos ensina. Tem, pois, princípios empíricos, embora seja, na verdade, geral na medida em que
se ocupa do uso do entendimento sem distinção dos objetos. Por esse motivo não é um cânone do entendimento
em geral, nem um organon de ciências particulares, mas simplesmente um catarticon do entendimento
comum.‖ (KANT, 2001, A 53 B 78).
51
―[...] porque trata das leis do entendimento e da razão, mas só na medida em que se refere a objetos a priori e
não, como a lógica vulgar, indistintamente aos conhecimentos de razão, quer empíricos quer puros.‖ (KANT,
2001, B 82).
96
A importância é que Kant admite a intuição, ou seja, sem intuição não é possível o
conhecimento matemático, assim a Matemática não é uma linguagem construída somente por
vários conceitos, como Leibniz a concebeu.
Então, a conclusão é que a Matemática é sintética e a priori, para tanto o espaço é um
instrumento e não objeto. Kant procurava algo além do conceito, por isso, para ele o espaço
foi o instrumento da cognição, normalmente o espaço era percebido apenas como uma coisa
que está fora, ou seja, uma coisa objetiva a ser explorada. Ele explica a diferença de sua
epistemologia com a de Platão, da seguinte forma:
52
―[...] Assim, possui homogeneidade com o conceito geométrico puro de um círculo, o conceito empírico de
um prato, na medida em que o redondo, que no primeiro é pensado, se pode intuir neste último.‖ (KANT,
2001, A 136). ―[...] não pode ser definido, mas apenas explicitado.‖ (Ibid., A 727).
97
O trecho ―Mas facilmente se deixa de reparar nesta circunstância [...].‖ pode ser
traduzido assim: ―Mas facilmente se engana nestas circunstâncias [...]‖. E se engana
exatamente porque esta própria intuição pode ser dada a priori, pois é uma intuição pura e não
uma intuição empírica e, portanto, se distingue muito mais de um conceito puro. Assim
existem duas fontes, mas na Matemática pura esta segunda fonte, a intuição, é uma intuição
pura e não uma intuição empírica.
Na literatura, uma crítica a Kant é: O que é esta intuição pura? Mas, Kant insiste que é
uma coisa diferente do conceito puro, ou seja, uma segunda fonte de conhecimento. Mas
como ele justifica isso?
Desse jeito ele justifica exatamente, observando as relações entre figuras, utilizando o
seguinte exemplo: temos a mão direita e a mão esquerda, agora qual é a diferença entre elas?
Ao se caracterizar um objeto como mão pelo conceito de mão, este será o conjunto de
características ou propriedades do objeto chamado mão, e a base deste conceito, foi o que
Cassirer53 (1953) chamou de substância ou conceito aristotélico (ou sentido), visto que na
Antiguidade clássica a formação de um conceito se dava por meio da abstração, por exemplo,
no conceito de cadeira, abstraia-se a cor, a quantidade de pernas entre outras coisas, assim
juntam-se todas as características essenciais para formar o conceito da cadeira.
Com efeito, neste caso, aquilo que primitivamente era apenas um fenômeno, por
exemplo uma rosa, valeria para o entendimento empírico como coisa em si,
podendo, contudo, no que respeita à cor, parecer diferente aos diversos olhos. Em
contrapartida, o conceito transcendental dos fenômenos no espaço é uma advertência
crítica de que nada, em suma, do que é intuído no espaço é uma coisa em si, de que
53
Veja seção ―3.2 Ernst Cassirer (1874‒1945): a transformação do conceito de conceito‖.
98
o espaço não é uma forma das coisas, forma que lhes seria própria, de certa maneira,
em si, mas que nenhum objeto em si mesmo nos é conhecido e que os chamados
objetos exteriores são apenas simples representações da nossa sensibilidade, cuja
forma é o espaço, mas cujo verdadeiro correlato, isto é, a coisa em si, não é nem
pode ser conhecida por seu intermédio; de resto, jamais se pergunta por ela na
experiência (KANT, 2001, B 45-46).
Assim, no caso das mãos, os conceitos não são suficientes para distinguir entre mão
direita e esquerda, porque as características são as mesmas, ou seja, cinco dedos, um polegar
etc. Desse modo a única maneira de distinguir a diferença é pôr uma ao lado da outra e, então,
percebe-se que a mão direita representa uma orientação direita no espaço, ou seja, o espaço é
necessário para distinguir as mãos porque no espaço pode-se colocar ambas uma ao lado da
outra e fazer a relação entre elas.
Kant considera que o espaço é como um instrumento de conhecimento, e não como
seu objeto.
O tempo e o espaço são, portanto, duas fontes de conhecimento das quais se podem
extrair a priori diversos conhecimentos sintéticos, do que nos dá brilhante exemplo,
sobretudo, a matemática pura, no que se refere ao conhecimento do espaço e das
suas relações. Tomados conjuntamente são formas puras de toda a intuição sensível,
possibilitando assim proposições sintéticas a priori. Mas estas fontes de
conhecimento a priori determinamos seus limites precisamente por isso (por serem
simples condições da sensibilidade); é que eles dirigem-se somente aos objetos
enquanto são considerados como fenômenos, mas não representam coisas em si
(KANT, 2001, B55-56).
Para compreender essa questão, podemos observar ainda a diferenciação elaborada por
Kant entre o conhecimento filosófico e conhecimento matemático. Retomando, sabemos que,
para Kant, os juízos matemáticos são todos sintéticos a priori e a isso se deve o seu caráter de
certeza e, ainda mais, o conhecimento matemático se dá por construção dos conceitos.
Diferentemente do conhecimento filosófico, que de acordo com Kant é o conhecimento
racional por conceitos.
Desse modo, Kant tem por objetivo evidenciar a diferença que há entre o uso
discursivo da razão por conceitos e por intuições baseadas na construção de conceitos. O
conhecimento filosófico opera por meio de conceitos, de acordo com conceito aristotélico de
99
Cassirer (1953)54, que são introduzidos por descrição das características do objeto, como por
sentido. Enquanto a Matemática não opera só com conceitos (ou com sentido), mas também
com as intuições (referências) acerca do objeto (KANT, 1997, B754-A726). Como resultado,
a Matemática é capaz de produzir conhecimento novo e seguro, exatamente, porque:
[...] não deduz sua cognição dos conceitos, mas da construção dos conceitos, isto é,
da intuição, que pode ser dada a priori de acordo com as concepções. Mesmo o
método de álgebra [...] é uma espécie de construção - não geométrica, mas sim de
símbolos - em que todos os conceitos [...] são representados na intuição por sinais,
de modo que a conclusão é salva do erro pelo fato de que cada prova é submetida à
evidência ocular (KANT, 2001, B 762).
[...] descobriu que não tinha que seguir passo a passo o que via na figura, nem o
simples conceito que dela possuía, para conhecer, de certa maneira, as suas
propriedades; que antes deveria produzi-la, ou construí-la, mediante o que pensava e
o que representava a priori por conceitos e que para conhecer, com certeza, uma
coisa a priori nada devia atribuir-lhe senão o que fosse conseqüência necessária do
que nela tinha posto, de acordo com o conceito (Ibid., B XI-B XII).
54
Veja seção ―3.2 Ernst Cassirer (1874‒1945): a transformação do conceito de conceito‖.
100
Este já não era o caso no século XVI. Desta vez, a tradição escolar deixa de se
desenvolver da mesma forma que no passado, pois uma revolução está a caminho.
102
[...] Desta vez, a tradição da escola deixa de se desenvolver na mesma direção que
no passado e uma revolução está em preparação. Em vez de o movimento continuar
a seguir, pacífica e silenciosamente, a maneira pela qual esteve envolvido por sete
séculos, repentinamente afastou-se e procurou outro rumo inteiramente novo. Sob
essas condições, não era mais possível deixar as coisas seguirem espontaneamente o
curso normal, pois era necessário, ao contrário, resistir a elas, bloquear seu caminho,
revertê-las. No instinto, do hábito adquirido, era necessário se opor a uma força
antagônica que só poderia ser a da reflexão. Como o novo sistema ao qual
aspirávamos não podia ser alcançado por uma simples e grande transformação do
sistema em vigor, era necessário, portanto, começar por construí-lo inteiramente a
partir de todas as peças pelo pensamento, antes de tentar colocá-lo em prática; e, por
outro lado, para dar-lhe uma autoridade que o impusesse aos espíritos, não bastava
indicá-lo com entusiasmo, era necessário acompanhá-lo com suas provas, isto é, as
razões que o justificavam, em suma, foi necessário fazer a teoria. É por isso que de
repente vemos o surgimento de toda uma gama de literatura educacional no século
XVI, e esta é a primeira vez na nossa história escolar. É Rabelais, é Erasmus, é
Ramus, é Budé, Vivès, é Montaigne, para falar apenas daqueles que são de
particular interesse para a França. (DURKHEIM, 1938, p. 7, tradução nossa).
Um dos fatores essenciais para essa revolução educacional, sobre a qual Durkheim
anuncia, foi o processo de inovação técnica e cultural, marcado pela introdução da impressão,
visto que a representação é central tanto para a mente humana quanto para a atividade
sociocultural. Neste ínterim, para empregar a tecnologia de impressão e papel, foi necessário,
antes de tudo, que o mundo se transformasse em sinais e estruturas de dados. Muitos livros
pequenos foram importantes para a Revolução Científica nos séculos XVI/XVII, como o
Grande Livro da Natureza descrito por Galilei55 em 1623, um dos mais importantes. François
Rabelais escreve em 1534, por exemplo:
55
―A filosofia está escrita neste grande livro que está continuamente aberto aos nossos olhos (digo o universo),
mas não pode ser entendida a menos que aprendamos primeiro a compreender a linguagem e a conhecer os
103
[...] A impressão está agora em uso, embora tenha sido descoberta, mas no meu
tempo, por inspiração divina [...]. O mundo inteiro está cheio de [...] vastas
bibliotecas e isso me parece como uma verdade o fato que nem mesmo no tempo de
Platão, Cícero e até de Papanês houvera tanta propensão aos estudos como vemos
hoje em dia. [...] (RABELAIS, 2004, p. 163, tradução nossa).
De fato, uma figura importante neste contexto, foi Petrus Ramus, que se destacou
como um reformador educacional preocupado, em especial, com a Educação Matemática. No
prefácio de seu livro, Graves descreve que:
É difícil entender por que Ramus foi tão negligenciado pelos escritores no século
XVI. [...] e ele está entre os grandes educadores, oradores efetivos e altos
personagens da história do mundo. Em muitos aspectos, ele parece um notável
precursor dos tempos modernos. Alcuíno, Abelardo, Petrarca, Valla, Erasmo,
Lutero, Ramus e Descartes são marcos que apontam o caminho do progresso do
medievalismo. No entanto, em poucas histórias gerais, a vida e o trabalho dessa
notável figura de reformador são detalhados. Em tratados escritos em inglês, ele mal
é mencionado, e embora tenha havido por meio século relatos estendidos de sua
carreira por escritores franceses, e que estudiosos alemães tardios têm feito
contribuições cuidadosas para elucidar as várias fases de seu trabalho, dificilmente
existe em qualquer lugar um relato completo de suas realizações, que inclui uma
análise de suas obras (GRAVES, 1912, p. VII, tradução nossa).
Petrus Ramus estudou e escreveu sobre várias disciplinas, muitas foram as suas
contribuições de tal modo que Durkheim (1938, p. 16) o destaca como:
caracteres em que está escrita. Ele está escrito em linguagem matemática, e os seus caracteres são triângulos,
círculos e outras figuras geométricas, sem os quais é impossível compreender humanamente uma palavra, se
trata de uma vã peregrinação por um labirinto escuro.‖ (GALILEI, 1997, p. 16-17, tradução nossa).
104
Petrus Ramus publicou cerca de cinquenta obras em vida e nove pós-morte; dentre
elas, no Quadro 12, apresentamos algumas que se destacam principalmente no âmbito da
Matemática:
Em 1536, Petrus Ramus defendeu uma tese que versava sobre Aristóteles. Sua carreira
como professor começou no Collège du Mans, após ministrou aulas no Collège de l'Ave
Maria. Atraído por Johannes Sturm (1507‒1589) à Lógica retórica e ideias pedagógicas de
Rudolf Agricola (1444‒1485), Ramus empreendeu um programa de reeducação crítica que
culminou em um amplo ataque à Lógica aristotélica; em 1543, escreveu Aristotelicae
animadversiones. Após esta publicação, recebeu um contra-ataque liderado por Antoine de
Govéa, que intermediou a publicação de um decreto real, o qual proibiu Ramus de ensinar ou
escrever sobre temas filosóficos. Conforme Graves (1912, p. 38), ―Durante este período ele
fez sua primeira tradução latina de Euclides, que ele anonimamente dedicou ao seu patrono, o
Cardeal de Lorena [...].‖ (Tradução nossa).
105
56
ENCYCLOPAEDIA Britannica. Disponível em: https://cdn.britannica.com/s:700x500/00/178800-050-
402137AD/Petrus-Ramus.jpg. Acesso em: 01 dez. 2019.
106
a descoberta de argumentos e sua apresentação de uma maneira projetada para convencer seus
espectadores. Graves enfatiza sua contribuição para o abalo da autoridade de Aristóteles,
abrindo o caminho para libertar o pensamento da escolástica.
Por isso, considerava a Matemática como um assunto essencial para todo aprendizado.
Em 1562, Ramus, passa a se envolver mais com questões políticas e religiosas, por isso
abandonou a Igreja Católica e se converteu ao Calvinismo. Estava convencido de que a
Matemática era um assunto de fundamental importância para toda a aprendizagem, inclusive
chegou a patrocinar uma cadeira de Matemática na College of France (GRAVES, 1912).
Assim, suas principais contribuições à Matemática dizem respeito a sua importante
influência no desenvolvimento do ensino de Matemática (VERDONK, 1966). Ele não provou
107
teoremas e de fato não era uma mente brilhante, porém seu modo de pensar e escrever foram
um sinal para uma mudança mais profunda que ocorreu apenas no Renascimento.
Sua abordagem pedagógica emerge mais claramente, na obra Arithmeticae libri tres
(1555) e, em 1567, sob o título Prooemium mathematicum, procurou primeiramente defender
a Matemática contra acusações relacionadas à sua falta de utilidade e obscuridade, bem como
dedicou-se ―[...] à apresentação e louvor dos matemáticos alemães e modernos.‖
(GOULDING, 2010, p. 36 apud SCHUBRING, 2018, p. 332, tradução nossa).
Em Scholarum mathematicarum libri unus et triginta (1569), evidencia o importante
papel da Álgebra. E, em 1560, publicou Algebra, primeiro anonimamente. Nela Ramus ―[...]
adapta o sistema cossista alemão para a internacionalização, porque Ramus transpôs as fontes
góticas do sistema original em letras latinas - tornando assim os seus sinais mais facilmente
compreensíveis e práticos para a impressão.‖ (SCHUBRING, 2018, p. 332, tradução nossa).
Ainda nesta mesma obra, enuncia as operações aritméticas para números positivos e
negativos, bem como opera com essas quantidades sistematicamente (ROQUE, 2012).
Ramus acreditava que a aprendizagem em Matemática havia declinado, e isso ocorrera
devido, em grande parte, à Platão e sua recusa em considerar as aplicações da Matemática.
Assim, a culpa pela negligência da Matemática estaria em primeiro lugar com Platão por ter
evitado sua aplicação prática e, depois, com Euclides por ter cortado os preceitos da
Geometria, de seu uso e por ter escrito Os Elementos em uma forma silogística e obscura,
ostensivamente seguindo os preceitos de Aristóteles.
Conforme Ramus, a cura para a obscuridade, em particular na Matemática, reside no
retorno ao ensino da Matemática com base em sua aplicação a problemas práticos. Ao
examinar a história da Matemática grega (em grande parte com base no resumo de Proclus),
Ramus insistiu nas origens, quando os antigos empregavam a prática tanto como para
fundamento teórico à filosofia natural quanto como uma ferramenta prática em áreas tais,
como Astronomia e Mecânica.
A Aritmética deve lidar com problemas de cálculos que ocorrem no mercado e nos
tribunais, a Geometria deve preocupar-se com a medição de distâncias, áreas, volumes e
ângulos, e com os tipos de problemas mecânicos a que Aristóteles aplicara às propriedades do
círculo em seu tratado sobre Mecânica, a teoria da proporção deve estar enraizada nos
problemas de preços e troca e nas aplicações da lei da alavanca (MAHONEY, 1980).
propósito. Estudava-se Geometria para medir bem, não para entender Matemática e
dialética para bem discursar. Isto poderia ser pensado para fazer uma distinção entre
uma arte orientada para o fazer ou para a ação e uma ciência orientada para o
conhecimento. Tal não é, entretanto, o caso. Ramus procede como se sua arte da
dialética e suas outras artes fossem orientadas para a ação e o conhecimento
simultaneamente (ONG, 2004, p. 176-179, tradução nossa).
Eu estava com vergonha de parar assim, e trazendo-me de volta para o lugar onde eu
tinha me perdido, devorei o décimo livro e continuei o estudo de pirâmides, prismas,
cubos, esferas, cones e cilindros. Além disso, uma vez que eu tinha subido os
primeiros penhascos e aprendi os elementos de Euclides, eu li os Esféricos de
Teodósio e os Cilindros de Arquimedes. Eu já tinha dominado Apolônio, Serenus e
Pappus, e depois de alguns meses eu fui capaz de perfurar os últimos mistérios da
Geometria. (Tradução nossa).
Ramus viveu em uma época em que não havia uma palavra [...] que expressava
claramente o método como uma série de passos percorridos ordenadamente para
produzir com certa eficácia um efeito desejado. [...] O homem do século dezesseis
não negou o que hoje chamamos por método existente na atividade humana. Mas
[...] teorizando tendeu a se concentrar em procedimento ordenado na mente ou [...]
em procedimento ordenado no discurso. Mesmo na Medicina, uma disciplina
presumivelmente prática, o método ou procedimento em efetuar uma cura é
curiosamente amarrado com noções de explicar ou ensinar o procedimento
(Tradução nossa).
109
[...] Embora sua apresentação seja clara, ele pode ter sacrificado o rigor extremo da
disciplina que fora reivindicado por alguns como o principal valor no estudo da
matemática, ele considerou a clareza mais importante e impiedosamente eliminou
toda a extraordinária complexidade. A ordem e a simplicidade de seu arranjo são
admiráveis, e suas demonstrações são claras e facilmente lembradas. Somos ainda
mais em dívida com ele como sendo talvez o primeiro a colocar os problemas de
Euclides na forma de proposições e teoremas, que também provou tal benefício para
a memória. O método de ensino que Ramus defendia para a Matemática foi tão
eficaz como o de outros assuntos, que fora baseado nos mesmos princípios. Depois
que as regras foram explicadas tão simplesmente quanto possível, o conhecimento
do aluno foi colocado em prática (GRAVES, 1912, p. 164-165, tradução nossa).
Essa mudança significava que o raciocínio não era mais um processo linear
intimamente associado à fala e à linguagem, mas se tornava organizado em termos
completamente especiais, sendo caracterizado pelos diagramas icônicos do mesmo modo
como os empregados na Álgebra e nas ciências empíricas, bem como na Botânica. O processo
da classificação construtiva da Geometria grega antiga começava com os conceitos mais
110
A demonstração envolve a noção sobre círculo, contudo o conceito do círculo não tem
relação direta com o conceito de triângulo. Dessa forma uma das dificuldades consistia no
fato de misturar os vários tipos de relações conceituais.
sucessiva, com aquela prova com a qual Euclides a entende, requer necessariamente
aquilo que a precede, então certamente devemos chegar à conclusão de que a razão
dessa desordem deve ser mais fundamental, pois todo o método de prova que
Euclides usa, deve estar incorreto (RUSS, 2004, p. 88, tradução nossa).
Sintetizando, a Revolução Científica dos séculos XVI a XVII emerge também de uma
mudança nos hábitos de pensamento e, em particular, de uma campanha pela certeza cognitiva
individual. Sendo este um problema central de Ramus e também de Descartes que, no livro
Discurso do Método, escreve:
[...] os geômetras gregos não ligavam diretamente números aos objetos que
estudavam. Um segmento de reta era um segmento de reta. Há segmentos iguais,
mais longos e mais curtos, e um segmento podia ser igual a dois outros unidos – mas
em nenhum momento os matemáticos gregos falavam no comprimento de um
segmento. Áreas, volumes e ângulos eram tratados como quantidades de espécies
diferentes, nenhuma das quais era necessariamente ligada a números [...]
(BERLINGHOFF; GOUVÊA, 2008, p. 17).
Ao passo que o mundo durante a Idade Média era significativo, a episteme clássica foi,
de fato, dominada pela tradição, lembrança e intuição obtidas por meio da experiência pessoal
ou coletiva. De acordo com Johan Huizinga (1999, p. 183), ―A Idade Média jamais esqueceu
que todas as coisas seriam absurdas, caso seus significados se esgotassem em sua função bem
como em seu lugar no mundo fenomenal e ainda mais se sua essência não alcançasse um
mundo para além deste.‖ (Tradução nossa). Portanto, todo conhecimento era técnico ou
metafórico, sendo a metáfora entendida como resultado da capacidade criativa para ver uma
coisa como sendo outra coisa. 57
Até então, conforme a visão grega, o desconhecido elevado a uma potência era
representado por dimensões geométricas. E mesmo a notação de Girolamo Cardano (1501‒
1576) ainda estava arraigada e formulada na antiga tradição grega assim: ―[...] Cardano só
podia conceber x3 significando o volume de um cubo de um lado desconhecido [...].‖
(BERLINGHOFF; GOUVÊA, 2008, p. 39). Por exemplo, a expressão x2 +10x = 39 era
traduzida em: ―[...] um quadrado e dez coisas (lados) fazem trinta e nove.‖ (Ibid., p. 181).
57
Nesse sentido, os números complexos como elementos do espaço vetorial constituem um ótimo exemplo, ou a
introdução de estruturas algébricas no domínio da Geometria. Destarte, as metáforas retóricas possibilitavam
visualizar algo sobre uma determinada luz ou perspectiva diferenciada, isto é, ver A como B onde A=B, ou
mesmo A como A sendo A=A.
113
E, para François Viète (1540‒1603), uma equação ax2+bx =c seria representada por: B
em A quadrado + C plano em A ig. D sólido58, ou, BA2+CA=D; deste modo, sua visão estava
voltada para quantidades como sendo equidimensionais. Assim: ―[...] multiplicar B por A2
daria uma quantidade ‗sólida‘ (isto é tridimensional). Ele especificava que C deveria ser
plana, de modo que CA fosse também sólida e que D deveria ser sólida.‖ (Ibid., p. 40). Visto
que a cada duas entidades existem aspectos semelhantes entre si, afigurava-se essencial
considerar o modo como escolher o terminus comparandi.
Descartes, no entanto, percebeu que a essência da Matemática não consistia apenas em
estabelecer comparações, mas também em combinação, deste modo, ele realiza uma
combinação entre o cálculo e a percepção ou generalização geométrica.
Entretanto no início de sua pesquisa, quando ainda bem jovem, projetou um programa
e um método para o qual os problemas relativos à grandeza contínua e discreta pudessem ser
tratados analogicamente. Então, programaticamente esboçou suas novas ideias e investigações
futuras em uma importante carta a Beeckman em 26 de março de 1619.
Issac Beeckman (1588‒1637) foi um grande amigo do jovem Descartes, que tinha
apenas 22 anos quando se conheceram. A amizade nasceu durante o período em que ambos
residiram em Breda, Holanda. Em 1609, em conferências com Rudolph Snell (1546‒1613),
Beeckman recebera informações sobre o método de Petrus Ramus, as quais, ao que tudo
indica, partilhou com Descartes. Timothy Lenoir (1979, p. 367-370) escreve:
58
―Onde a vogal A é uma incógnita e as consoantes B, C e D representam parâmetros numéricos.‖
(BERLINGHOFF; GOUVÊA, 2008, p. 40).
114
Na Aritmética, por exemplo, algumas questões podem ser resolvidas por números
racionais, alguns por números irracionais e somente outros podem ser imaginados,
mas não resolvidos. Para a quantidade contínua, espero provar que certos problemas
também podem ser resolvidos usando apenas linhas retas ou circulares, que outros
problemas requerem outras curvas para sua solução, mas ainda curvas que surgem
de um único movimento e que, portanto, podem ser rastreadas pelo novo compasso
[...] e finalmente que outros problemas só podem ser resolvidos por linhas curvas
geradas por movimentos separados [...] (Tradução nossa).
Descartes fez uso de vários métodos e construiu instrumentos, que chamou de novos
compassos, a fim de desenhar não apenas linhas retas e círculos, mas diferentes tipos de
curvas, bem como empregou uma notação algébrica simbólica adequada que foram realmente
essenciais para o avanço de suas pesquisas. Contudo, Belaval afirma que, na verdade,
Descartes não estava objetivamente interessado em desenvolver um método aritmético, mas
em unir a Álgebra e a Geometria.
Para alcançar prosseguir com seu projeto, Descartes inicia suas pesquisas. Em
Regulae, temos uma percepção desse projeto e, em La Géométrie, alguns resultados que nos
ajudam a compreender suas intenções.
59
Ver seção ―3.1 Michel Foucault (1926‒1984): a separação das palavras e das coisas‖, sobre Paracelso.
115
60
THE OPEN Library. The BookReader. [S. l.]: Internet Archive, 1965. Disponível em:
https://ia800700.us.archive.org/BookReader/BookReaderImages.php?zip=/14/items/regulaeaddirecti00desc/reg
ulaeaddirecti00desc_jp2.zip&file=regulaeaddirecti00desc_jp2/regulaeaddirecti00desc_0005.jp2&scale=16&rot
ate=0. Acesso em: 11 de nov. 2019.
116
Quase dez anos depois de seu projeto inicial declarado na carta a Beeckman, Descartes
procurava por um método geral cujas raízes ele acreditava estarem na Geometria antiga, mas
sendo mais geral, de fato, do que a Geometria e Aritmética. Descartes (1985, Regra IV)
escreve:
Mas o ponto importante no final do Mênon, como Platão (2001) explica, existe outro
tipo de conhecimento, o matemático, e se não há nenhuma comparação, uma intuição ou um
conceito para explicar e descrever o desconhecido, então é necessário operar além da
61
Ver seção ―2.4. Obstáculos para uma abordagem semiótica‖.
117
hipótese, para que todo conhecimento novo não seja apenas uma redução do novo ao velho.
Para Platão (2001), pode acontecer de não termos uma mínima ideia sobre quase nada e, nesse
caso, temos que seguir o procedimento dos matemáticos que começaram a operar além das
hipóteses, isto é, trabalham com hipóteses aleatórias e procuram desenvolver as
consequências por meio da dedução ou calculação.
E Descartes (1985), em Regulae XIV, escreve: ―Para nos servirmos da ajuda da
imaginação, é preciso notar que, ao deduzir algo de determinado e desconhecido de outro já
conhecido anteriormente, nem por isso se depara sempre com um novo gênero de ser.‖. Ou
seja, o conceito da coisa já existe só não será possível:
[...] Do mesmo modo, se houver na pedra-ímã algum gênero de ser que nada tenha
de semelhante com o que o nosso entendimento até agora viu, não é de esperar que
alguma vez o venhamos a conhecer por raciocínio, pois, seria preciso ser dotado
para isso ou de um novo sentido ou de uma mente divina (DESCARTES, 1985,
Regra XIV).
62
Ver ―Proof – analysis and continuity‖ (OTTE, 2006).
119
Por muito tempo, o método geométrico com provas utilizando apenas régua e
compasso predominou, mas Descartes, em certo sentido, desprende a Matemática da régua e
compasso, abrindo novos caminhos e perspectivas, com uma nova maneira de trabalhar, ou
seja, com uma abordagem algébrica da Geometria. Assim, evidenciou alguns problemas
obscuros, os quais os gregos procuraram evitar.
63
Ver seção ―4.1 Petrus Ramus (1515‒1572) e o Ensino de Matemática‖.
64
Evidentemente a caracterização cartesiana referente aos números e grandezas não fortaleceu o pensamento
conceitual. E para uma mente crítica, existe confusão de tipos lógicos no sentido de Bertrand Russell, porque
os números não são quantidades, mas sim relações entre quantidades. Ver citação de Russel (2006, p. 191-
192).
65
No século XIX, Gauss introduziu um método para a solução de sistemas de equações lineares. Seu trabalho
versava principalmente sobre as equações lineares, contudo ainda não trazia a ideia de matrizes ou suas
notações. Seus esforços trataram de equações de diferentes números e variáveis, bem como as tradicionais
obras de Euler, Leibniz e Cramer anteriores ao século XIX. O trabalho de Gauss é agora resumido pelo termo
do Método da Eliminação de Gauss (ou escalonamento). Este método usa os conceitos de combinar, trocar ou
multiplicar linhas entre si, a fim de eliminar variáveis de certas equações. Depois que as variáveis são
determinadas, o aluno deve usar a substituição posterior para ajudar a encontrar as variáveis desconhecidas
restantes.
121
[...] e não imaginamos de outra forma a figura de uma coroa, quer seja de prata ou de
ouro. Esta ideia comum não se transfere de um sujeito para outro a não ser por uma
simples comparação: afirmamos que o que se procura é, segundo este ou aquele
aspecto, parecido, idêntico ou igual a um objeto dado, de tal forma que, em todo o
raciocínio, é apenas por uma comparação que conhecemos a verdade de uma
maneira precisa. [...]. Mas porque, como já advertimos, as formas dos silogismos em
nada nos ajudam a perceber a verdade das coisas, será de toda a vantagem para o
leitor, depois de as ter completamente rejeitado, conceber que todo o conhecimento,
que não se obtém por meio de intuição pura e simples de um objeto isolado, se
consegue apenas pela comparação de dois ou mais objetos entre si (DESCARTES,
1985, Regra XIV).
66
Ver ―3.1 Michel Foucault (1926‒1984): a separação das palavras e das coisas‖.
122
preocupação por métodos seguros começou a crescer. ―Desde o final do século XVI, cada vez
mais autores optam pela certeza do método e o método matemático ganha importância, pois é
o mais seguro.‖ (SCHÜLING, 1969, p. 76, tradução nossa).
O fato é que Descartes não exclui a intuição, mas endossa uma concepção diferente a
respeito da intuição e percepção. D. e A. Hausman (1997, p. XIII) na introdução do livro,
intitulado Descartes's Legacy, explicaram que:
Costumamos lê-lo com um ego, preso no mundo das ideias, tentando descobrir o que
corresponde às suas ideias, e ponderando questões da forma 'Como posso saber?‘
Debaixo do seu trabalho há uma preocupação muito mais profunda. Há alguma
verdade em tudo, mesmo no domínio das ideias? A verdade eterna, diz-nos ele, são
‗percepções [...] que não têm existência fora do nosso pensamento‘. Mas, o nosso
pensamento, são, de certa forma, percepções isoladas. Eles podem ser sistematizados
por síntese, mas isso não tem nada a ver com a sua verdade. O corpo de verdades
eternas que abrangia a Matemática, Física neoaristotélica e talvez toda a realidade
era um sistema de verdade autoautenticante intimamente ligado por demonstração.
123
Tim Gowers (2000), matemático distinto e medalhista Fields, aborda uma situação
semelhante na cultura matemática, identificando duas culturas diferentes, as quais são
familiares a todos os matemáticos profissionais. A distinção entre os matemáticos que
consideram seu objetivo central como sendo o de resolver problemas, e aqueles que estão
mais preocupados em construir e compreender teorias.
Ao passo que o ponto de vista de Ian Hacking representa melhor a atitude da filosofia
analítica cotidiana, sendo que a distinção da filosofia analítica, em suas diversas
manifestações e em outras escolas está baseada na crença, pela qual primeiramente um relato
filosófico do pensamento pode ser alcançado por meio de um relato filosófico da linguagem e,
124
segundo, que um relato abrangente só pode ser alcançado desta maneira (DUMMETT apud
HACKING, 1980).
Mas a Matemática não é uma linguagem e o conhecimento matemático não pode ser
reduzido às construções linguísticas. A título de exemplo, considere as provas clássicas que
versam sobre a existência de Deus, o racionalismo exigia que Deus fosse o mantenedor da
conexão entre os sinais/intuições e os objetos. Algo semelhante à atual situação, em que a
comunidade científica, geralmente, decide sobre a validade de uma prova, de fato, as provas
sobre a existência de Deus tornaram-se importantes e tanto Leibniz como Descartes e muitos
outros buscaram enquadrar-se a tal prova:
de Deus não atinge seu objetivo.‖ (FREGE, 1980, §53). E McGinn (2000, p. 18) 67 ilustra esta
visão da existência fazendo analogia aos tigres.
Ou, dito em termos de funções proposicionais: dizer que os tigres existem é dizer que
a função proposicional x é um tigre é às vezes verdadeira. Vários tipos de objeções podem ser
apresentadas contra essa visão de existência. Primeiro, não se pode definir a existência dessa
forma: ―Uma vez que a noção de instanciação deve ser tomada para ter existência embutida
nela, devem ser coisas existentes que instanciam a propriedade.‖ (MCGINN, 2000, p. 22,
tradução nossa). E o segundo uso matemático existe como um predicado da maneira usual,
mas o usa relativamente a um universo de discurso pretendido.
Para descrever algo matematicamente, conforme Descartes, é importante introduzir
um quadro de referência, ou melhor, um sistema de coordenadas. Para tanto, é preciso
escolher três pontos em uma posição adequada no plano, por conseguinte, qualquer objeto
pode ser então descrito indiretamente em termos de coordenadas aritméticas. Assim: ―[...] o
conjunto de conceitos teóricos estabelecidos apresentam uma fundamentação universal
definindo todas as construções matemáticas usando, para tanto, uma generalização através de
uma imagem geométrica.‖ (MANIN, 2007, p. 92, tradução nossa). Consequentemente,
conclui-se que a aplicação da Matemática é baseada em uma combinação entre indicação e
dedução. Nessa perspectiva, Euclides constrói figuras ao passo que Descartes constrói
funções.
Foram necessários cerca de 150 anos para se desenvolver uma Matemática Formal,
estabelecida por axiomas e provas semelhantes às aspirações de Leibniz. E somente durante a
Revolução Industrial, no século XIX, novas filosofias da ciência, como o Pragmatismo, o
Operacionalismo e as tendências metodológicas semelhantes, tornaram-se mais explícitas
(HENSEL; IHMIG; OTTE, 1989).
O operacionalismo é comumente considerado uma teoria do significado que afirma:
―[...] entendemos um conceito como sendo um conjunto de operações, isto é, o conceito é
sinônimo do conjunto de operações correspondente.‖ (BRIDGMAN, 1927, p. 5, tradução
nossa). O objetivo original do operacionalismo era eliminar os conceitos mentais e subjetivos,
os quais dominaram a Filosofia na ciência antiga, bem como a teoria da Psicologia.
Nas Ciências Naturais, o operacionalismo encontra um dilema que Charles Peirce
expressou em seu princípio Pragmatic Maxim: ―Considere quais efeitos, podem
concebivelmente gerar consequências práticas, nós imaginamos ter o objeto de nossa
67
Ver seção ―2.4.2 O psicologismo dos professores‖.
126
[...] pode facilmente ser mal aplicado [...] A doutrina parece assumir que o objetivo
final do homem é a ação, na hipótese contrária, se admitirmos que a ação quer um
fim, e esse fim deve ser algo similar a uma descrição geral, então o espírito da
própria máxima, será que devemos olhar para o resultado de nossos conceitos a fim
de apreendê-los corretamente, mas isso nos levaria a algo diferente dos fatos
práticos, ou seja, às ideias gerais, como sendo os verdadeiros intérpretes do nosso
pensamento (PEIRCE, CP 5.3, tradução nossa).
Peirce quer com este comentário justificar a criação de entidades como os números
imaginários ou a doutrina dos incomensuráveis que representam uma contradição entre as
determinações definitivas do mundo cotidiano, por um lado, e o mundo da teoria e do
desenvolvimento, por outro lado, entre ação direta e inteligibilidade geral e razoável. Nesse
sentido, a Complementaridade entre ideias e objetos corresponde, portanto, a outro do lado do
sujeito.
Uma consequência importante da extrema ênfase em aplicações específicas e
funcionalidade pragmática é a perda de metáforas. O que Peirce descreve em sua máxima
poderia ser reproduzido semioticamente como Complementaridade entre função e metáfora. A
metáfora requer uma metaperspectiva e serve para generalizar. Metáforas são argumentos ou
mesmo teorias, porque conectam diferentes campos conceituais. No entanto, o funcional e o
metafórico não são completamente independentes um do outro, pelo menos não no nosso
pensamento.
Neste capítulo, ressaltamos o grande feito de Descartes ao perceber o potencial da
atividade científica e matemática utilizando um símbolo para representar o objeto
desconhecido, consequentemente ele introduziu o método experimental no pensamento. Seu
trabalho culmina na inovada junção entre Geometria e Álgebra, abrindo caminho para as
teorias axiomáticas na Matemática, como a Álgebra Linear.
127
5 A ÁLGEBRA LINEAR
As duas expressões ‒ ―isto é um grupo de árvores‖ e ―isto são cinco árvores‖ ‒ são
duas representações diferentes da mesma extensão de um conceito. E Frege continua:
A partir dessas frases podemos conjeturar que, para Frege, o sentido, isto é, a
representação em si ou a intenção não é importante, sendo apenas uma maneira pela qual um
68
Veja ―4.2 O projeto do método de Descartes em uma carta enviada a Beeckman (1619)‖.
69
Observe que a própria introdução de números negativos sempre foi um problema. Tanto que os números
racionais positivos ainda são introduzidos nas escolas, na maioria dos países, antes dos números negativos. E a
reforma da Matemática Moderna começou com a teoria dos conjuntos exatamente pela mesma razão.
129
70
Ver seção ―3.2 Ernst Cassirer (1874‒1945): a transformação do conceito de conceito‖.
71
Como no caso de uma equação, cuja solução não existe.
130
72
Sobre o significado da palavra linear, Beutelspacher (1996, p.6-7) escreve: [...] (Gostaria de agradecer a Gert
Schubring por esta dica.) Isto não é, como é frequentemente assumido, uma versão mal traduzida como ―linear‖.
É o adjetivo ao substantivo ―Lineal‖ que se refere a instrumento. Há algo mais profundo nisso. É muito provável
que o ―linear‖ se refira à primeira parte do "Ausdehnungslehre" em oposição a uma segunda parte (nunca
publicada) de um ―circuläre Ausdehnungslehre‖ que deveria tratar de medidas circulares, tais como ângulos,
rotação, etc. (Tradução nossa).
131
Característica O objeto consiste naquilo que foi Oposição entre o ser objetivo e o
definido pelo próprio pensamento. pensamento.
Verdade Correspondência entre os vários Correspondência do pensamento com o ser.
processos do próprio pensamento.
Fonte: Elaborado pela autora (GRASSMANN, 1844, A1)
(Audehnungslehre), fornecendo uma visão geral sobre a teoria geral das formas: ―Por teoria
geral das formas entendemos aquela série de verdades que se referem igualmente a todos os
ramos da Matemática e, portanto, pressupõem apenas os conceitos gerais entre igualdade e
diferença, e entre combinação e separação.‖ (GRASSMANN, 1844, A1, §1 p. 33, tradução
nossa).
Ambas as relações são analisadas e reduzidas às suas formas básicas. Assim chama de
igual aquele ―[...] que em cada julgamento pode ser substituído um pelo outro.‖ (Ibid.). Com
esta definição lógica para igualdade, conseguiu contornar o problema, assim as pessoas
podem optar por comparar duas coisas a partir de diferentes perspectivas e, portanto,
possibilitando a escolha de igualdades diferentes. Este certamente foi um problema antigo que
muito preocupou a mente de Descartes.73
Para Grassmann, além do igual e do diferente, o contraste entre o discreto e o
contínuo desempenha um papel constituinte na Matemática. Ele escreve: ―Todo o conteúdo
produzido pelo pensamento pode surgir de duas maneiras: ou através de um simples ato de
criar ou através de um duplo ato de postular e conectar. A primeira forma produz a grandeza
contínua, a segunda produz a forma discreta.‖ (GRASSMANN, 1844, A1, p. 24, tradução
nossa).
Assim, Grassmann distingue dois aspectos da cognição matemática. Primeiramente, a
escolha em uma relação de igualdade, ou seja, quais coisas devem ser consideradas como
iguais tanto no contexto da nossa atividade matemática ou científica como de nossos
interesses individuais74. Deste modo, o homem acredita que ele constrói seu próprio
conhecimento que se configura como partes distintas. O segundo aspecto não provém do
conhecimento do sujeito humano como indivíduo ativo, mas do homem como parte do mundo
social e natural75, no qual o homem se considera como sendo parte do objeto desse
conhecimento, ou seja, quando o conhecimento implica em aspectos reflexivos, tem-se o
conhecimento em termos do contínuo76.
73
Ver ―4.2.1 Regulae ad Directionem Ingenii (1628)‖.
74
Por exemplo, o comerciante usa o valor monetário de bens, um feirante pode usar a balança e o artista
possivelmente a cor etc.
75
Ou seja, surge do sujeito humano, no contexto descrito por Lovejoy. Em A Grande Cadeia do Ser (2005),
Lovejoy explica que cada parte do conhecimento humano é também parte de uma ideia ou modelo do mundo
real, ou seja, a necessidade em considerar de alguma forma o conhecimento do indivíduo como sendo parte do
sistema desse conhecimento.
76
Por exemplo, se imaginamos que nós fazemos parte da corrida entre Aquiles e a tartaruga, então vamos
representar nosso próprio movimento como um contínuo. Mas, se ao contrário, somos um observador externo
avaliando a corrida, certamente a situação será outra.
133
Ainda em sua introdução, Grassmann (1844, A1) acrescenta uma nota de rodapé
dizendo: ―Quando as pessoas introduzem axiomas nas ciências formais, como na Aritmética,
mas isso deve ser considerado um abuso, explicado apenas pelo tratamento correspondente da
Geometria.‖ (Tradução nossa).
Porém, menos de 20 anos depois, Grassmann foi o primeiro a estabelecer a Aritmética
dos números naturais por um sistema de axiomas formais. A axiomatização da Aritmética
moderna começou cerca de dois mil anos após a apresentação axiomática da Geometria de
Euclides, com a publicação do pequeno livro de Grassmann, Lehrbuch der Arithmetik, em
1861.
As definições recursivas tradicionais de adição e multiplicação são devidas a
Grassmann (1861, § 2 e §4):
x+0= x; x + (y + 1) = (x + y) +1;
x * 0 = 0; x * (y + 1) = (x * y) + x.
Dessa maneira, a adição e multiplicação de números naturais são derivadas de uma
única operação: x + 1. A exposição de Grassmann corresponde essencialmente à
caracterização: ―[...] que é habitual na Álgebra abstrata atual.‖ (WANG, 1970, p. 70, tradução
nossa).
Essa aritmética dos números naturais descrita por um sistema formal em Grassmann se
constitui nas primeiras evidências para a mudança do conceito de axioma. Na obra Os
Elementos, um axioma era considerado como uma verdade absoluta e irrefutável77. Contudo,
desde o século XVI as mudanças começam a ocorrer e as coisas se separam das palavras,
como Foucault (2000) descreveu.78
De acordo com Wang, de um lado se tinha a Aritmética dos números e do outro a
Geometria com método axiomático:
77
Veja seção ―4.1 Petrus Ramus (1515‒1572) e o Ensino de Matemática‖.
78
Veja seção ―3.1 Michel Foucault (1926‒1984): a separação das palavras e das coisas‖.
134
Para o matemático, não é mais correto e não é mais incorreto definir uma seção
cônica como a circunferência da interseção de um plano e a superfície de um cone
circular reto do que como uma curva plana cuja equação em relação às coordenadas
retangulares é de grau 2. Qual dessas duas definições ele escolhe, ou se ele escolhe
outra, é guiada unicamente por razões de conveniência, embora essas expressões não
tenham o mesmo sentido e nem evoquem as mesmas ideias (FREGE, 1960, p. 80,
tradução nossa).
79
Esta citação já foi apresentada em ―2.4.2 O psicologismo dos professores‖. Contudo, devido à importância,
repetimos a citação para compreendermos o pensamento fregeano.
135
ou como representar uma situação problemática, exatamente porque as várias expressões não
têm o mesmo sentido e também não evocam as mesmas ideias. Como já citamos, dois
conceitos A e B não são os mesmos, mesmo que contingentemente ou necessariamente todos
os As sejam Bs e vice-versa. Porque conceitos diferentes ajudam a estabelecer diferentes tipos
de relacionamentos e, portanto, influenciam de maneiras distintas o desenvolvimento. Dois
conceitos podem ser referencialmente equivalentes e ainda assim atuarem com diferentes
sentidos, dentro de um determinado contexto cognitivo.
Por exemplo, axiomas aritméticos de Grassmann (ou de Peano) não respondem a
perguntas como: ―O que é o número 1, ou 2?‖. Tendo em vista que axiomas caracterizam
conceitos (intensões/sentido) ao invés de objetos (extensões/referências). Números podem ser
qualquer coisa. Por consequência, uma teoria axiomática formal é um dispositivo
completamente analítico. Tal teoria consegue se transformar em conhecimento real apenas
quando é possível sua aplicação e foi exatamente desse problema que Frege se queixou. Em
vista disso, Frege acaba por comparar a axiomática hilbertiana com um sistema de equações
que inclui várias incógnitas, sobre o qual não temos condições de saber se existe uma solução,
ou seja, se o sistema é consistente e nem se a solução é única.
Hilbert, por outro lado, viu uma grande vantagem na pluralidade de interpretações,
pois esta característica garante a aplicabilidade universal da axiomática. Um sistema de
equações pode, de fato, não possuir uma solução em um determinado modelo, mas pode se
tornar solucionável quando o universo do discurso é alterado ou expandido, como a equação
x2 = -1 que não possui solução no conjunto dos números reais, mas no conjunto dos números
complexos apresenta solução.
Compreendemos que o conceito da Complementaridade entre sentido e referência dos
símbolos da Matemática é tão difícil de compreender ou aceitar, justamente porque uma parte
das Ciências Humanas, como a Educação, Religião e Filosofia, sentem-se obrigadas a
concentrarem-se no sujeito humano, conforme percebido no psicologismo dos professores.80
A transformação da noção de conceito de ideia geral (substância) em função (CASSIRER,
1953) separou a ciência e a Matemática não apenas da Religião, mas também das Ciências
Humanas, em especial, da Filosofia. E Kant foi o primeiro a deixar isso bem claro na sua
Crítica da Razão Pura. Conforme ele explicou, Filosofia é o raciocínio por meio de conceitos
(KANT, 2001, B 742), enquanto a Matemática raciocina a partir da construção de conceitos
na intuição.
80
Ver em ―2.4.2 O psicologismo dos professores‖.
136
81
Digitalizamos do livro Lineare Algebra da biblioteca particular do professor Michael Otte que, como cortesia,
nos emprestou, permitindo sua livre publicação.
137
Esta versão apresenta de forma estrutural a visão geral do contexto lógico para cada
capítulo. Observe o Quadro 15.
Quadro 15 ‒ Visão geral do contexto lógico dos capítulos individuais do livro Lineare Algebra
Espaços Vetoriais
Transformações Lineares
Espaços Lineares
Orientados
Formas Bilineares
Simétricas
Após esta edição, em Toronto, Graeub publica outras três edições mais explicativas: a
segunda em 1963, a terceira em 1966 e, por fim, a quarta em 1975.
139
Figura 19 ‒ Capa e contra capa ‒ versão inglesa de Linear Algebra (4a ed.), 1975
David Gale (1959, p. 254) apresenta uma resenha do livro no periódico Quarterly Of
Applied Mathematics (1959) e escreve:
82
Notamos que, na publicação da versão inglesa, o nome do autor é escrito como Werner Greub. Não sabemos
ao certo porque foi realizada esta mudança, contudo o professor Michael Otte que foi aluno de Graeub, em
1958, nos afirmou que nesta época seu nome era Graeub, conforme está escrito na primeira edição publicada
em alemão em 1958.
140
Quem quer que fale de ciência empírica, não deve se esquecer de que a observação e
o experimento só foram capazes de estabelecer a ciência moderna, porque eles
podiam confiar na dedução matemática. Uma mera coleção de fatos observacionais
nunca teria levado à descoberta da lei da atração (REICHENBACH, 1951, p. 102,
tradução nossa).
Após definir Espaço Vetorial e expor seus axiomas, então apresenta o corpo de
multiplicadores: ―Γ é chamado o corpo de coeficiente do Espaço Vetorial E, e os elementos de
Γ são chamados de escalares. Deste modo, a transformação (1.2) define uma multiplicação de
vetores por escalares e assim é chamado de multiplicação por escalar.‖ (Ibid., p. 5-6).
Como é impossível tratar sobre o Espaço Vetorial de modo geral, é necessário indicar
qual é o corpo:
Primeiro define-se um corpo de multiplicadores, visto que não se pode falar do espaço
vetorial em geral é preciso indicar qual é o corpo, se está sobre o conjunto dos reais,
complexos etc. Então, Graeub distinguiu essas regras da multiplicação com escalares. Para
assim poder definir os vetores linearmente independentes.
Isso implica que para cada . É claro que cada subfamília de uma
família linearmente independente de vetores é novamente linearmente independente.
Se é uma família linearmente independente, então para quaisquer dois
índices distintos , e assim a transformação injetiva (Ibid., p.
10).
Uma das dificuldades para ensinar o que são vetores linearmente independentes está
no fato que costumeiramente primeiro se escolhe um objeto a ser estudado e, então, se
142
observa as características desse sistema, não o contrário. E um fato interessante, por exemplo,
Euler conhecia apenas os números racionais, quando surge √2, ele trata da mesma maneira
como nos números imaginários, ou seja, ele escreve o número a+b√2 . Logo se olhar apenas
para a expressão simbólica, é possível comparar √2 a qualquer outra coisa, visto que mudou
apenas o corpo, este é um fato impressionante, pois, em certa perspectiva, constitui-se a base
de toda a teoria dos números algébricos, porém demorou muito tempo para ser concebida,
exatamente porque não se tinha formulada a ideia de estrutura (EULER, 1770).
Na linguagem dos vetores, ao se apresentarem dois vetores linearmente independentes
cuja essência são três pontos, o que importa é a linearidade entre esses três pontos ou a
relação linear entre os vetores, de fato, não é preciso se preocupar sobre o que são vetores,
como são nomeados ou qual a sua natureza, pois eles podem ser flechas, classes de
equivalência, translações etc. O que importa é a independência desses três pontos e a estrutura
do espaço vetorial, como um grupo ou corpo de multiplicadores.
Por isso, a Álgebra Linear tem um campo de aplicação mais amplo que a Geometria
Analítica, por possibilitar conceber dois vetores linearmente independentes sobre os números
racionais e não necessariamente ser obrigatório observar este fato sobre o ponto de vista da
Geometria, isto é, pode-se perfeitamente estudar Álgebra Linear no contexto da Geometria
com problemas relacionados à aplicação geométrica.
Contudo também é possível fazê-lo em relação à Teoria dos Números, à Economia ou
em qualquer outra coisa. Exatamente porque a Álgebra Linear pode ser uma teoria totalmente
fora do contexto da Geometria, logo as aplicações são mais amplas e abstratas, nas quais o
essencial não é abstrair sobre a natureza dos objetos, mas apenas sobre suas relações e
estruturas.
Para Aristóteles, o conceito é a imagem do objeto, assim qualquer conceito se aplica a
um campo do objeto, contudo os conceitos e termos da Matemática estruturalista significam
elementos dentro de uma estrutura dedutiva. Em certo sentido, o erro da Matemática Moderna
foi exatamente porque desejava preservar a noção de conceito como imagem dos objetos,
reduzindo a teoria dos conjuntos a uma imagem. Por exemplo, ao associar três xícaras como
uma imagem do número três, o professor solicita aos alunos que circulem apenas os objetos
vermelhos, conduzindo-os a pensar nos números apenas como objetos redondos ou
vermelhos. Nesse sentido, a Matemática Moderna simplesmente quis apresentar ilustrações ou
amenizar o caráter abstrato dos conceitos matemáticos.
Como na Escola Montessori, trabalha-se com a dança do número três que é diferente
143
infinito de características.
Então, o que é um sistema de coordenadas? Como estabelecer um sistema de
coordenadas? Se dissermos a um aluno escolha um sistema de coordenadas, o que ele vai
fazer? Com efeito, escolherá três pontos (índices) que não estão sobre a mesma linha, cuja
função é indicar. E, após, escolhe-se todo o resto, por meio de descrições, assim não será mais
necessário indicar cada ponto, pois pode-se usar a descrição.
Resumido, escolhamos apenas três pontos, o todo resto será descrição. Mas os lógicos
esquecem que é necessário primeiro escolher os três pontos, ou seja, para estabelecermos o
sistema de coordenadas é preciso símbolos e índices, pois três pontos são escolhidos por
indicação.
Ao passo que no Espaço Vetorial, geralmente, escolhemos no lugar de três pontos,
dois vetores. Contudo, há características essenciais para construirmos um sistema de
coordenadas no plano com esses dois vetores, tal como admitir que esses vetores podem não
ser um objeto, mas um processo ou uma transformação etc. Ainda é necessário considerar que
não podem ser paralelos, ou seja, são linearmente independentes. Mas o conceito de
independência linear é um dos mais difíceis da Álgebra Linear, pois costumeiramente os
estudantes pensam sobre as características a que se referem os objetos, mas ser linearmente
independentes não se refere a um objeto e sim a um conjunto de objetos, ou seja, a um
conjunto de vetores e não apenas a um vetor. Não sendo suficiente apenas apresentar
características e descrições, mas referência, com um pensamento relacional.
O método axiomático de Hilbert e Noether foi o auge do pensamento relacional na
Matemática. Na Alemanha, esse método passou a ser introduzido nas Universidades, alguns
anos após a Segunda Guerra Mundial. A genealogia no seguimento da Álgebra Linear
apresenta Graeub com seu Lineare Algebra, mas este foi aluno de Waerden, o qual estudou
com Noether.
libertaram-na.
David Hilbert (1862‒1943) nasceu em Königsberg, no dia 23 de janeiro, e faleceu em
Göttingen, em 14 de fevereiro. É considerado como um dos maiores matemáticos do século
XX. Famoso por elaborar a lista dos 23 problemas, um conjunto de problemas que instigou
vários matemáticos pelo mundo, alguns dos quais não foram resolvidos até hoje, a referida
lista fora apresentada em 1900 no Congresso Internacional de Matemáticos em Paris. Os
tópicos de suas pesquisas são fundamentais em diversos ramos da Matemática atual.
O edifício da ciência não se ergue como uma habitação, na qual os alicerces são
primeiro firmemente assentados e só depois se procede à construção e ampliação das
salas. A ciência prefere assegurar o mais rapidamente possível espaços confortáveis
para vaguear e só depois, quando aparecem sinais de que as fundações frágeis não
são capazes de sustentar a expansão das salas, ela se propõe a apoiá-las e fortalecê-
las. Este não é um ponto fraco, mas sim o caminho certo e saudável do
desenvolvimento (Tradução nossa).
146
Neste sentido, Hilbert (apud REID, 1970, p. 264, tradução nossa) fez uma observação
que coloca o ponto de vista axiomático em uma concha: ―Em todas as afirmações
geométricas, deve ser possível trocar as palavras ponto, reta, plano por mesa, cadeira,
caneca.‖. Esse comentário de Hilbert é usualmente interpretado como a expressão de uma
tendência à desontologização83 da Matemática, concebendo-a como um conjunto de estruturas
formais. Contudo, a Matemática distingue-se da Lógica exatamente pelo fato de possuir
objetos pertencentes a um mundo modelizado que pode ser mudado a qualquer momento,
caso seja necessário.
Qualquer teoria formal tem várias aplicações pretendidas ou modelos não isomórficos,
e o que os axiomas descrevem são conceitos ou classes de objetos, ao invés de objetos
particulares. A esse respeito, os axiomas matemáticos assemelham-se às leis naturais. E, tal
como estes últimos, necessitam ser complementados por uma indicação no domínio dos
objetos a que se aplicam. Uma teoria matemática deve ser concebida como um par constituído
por um sistema de axiomas, ou seja, uma estrutura sintática juntamente com um conjunto de
modelos ou aplicações pretendidas.
Os axiomas passam a ser concebidos como hipóteses cujas consequências devem ser
desenvolvidas, enquanto que, segundo Russell ou Frege, necessitam ser verdadeiras
declarações e não apenas formar sistemas consistentes de proposições formais: ―A primeira
coisa que me parece necessária é chegar a um entendimento sobre as expressões explicação,
definição e axioma, onde se diverge fortemente do que me é familiar, bem como do que é
habitual.‖ (PMC, 38, apud BEANEY, 2006, p. 64, tradução nossa). A partir dessa convicção,
Frege derivou sua principal crítica ao método axiomático moderno. Ele comparou a
axiomática de Hilbert como um sistema de equações com várias incógnitas, em que a clareza,
e especialmente a singularidade da determinação do desconhecido, permanece duvidosa
(FREGE apud ANTONELLI; MAY, 2000).
A visão de Frege corta toda possibilidade de analisar um contexto desconhecido em
termos de estruturas formais, desenvolvendo consequências de hipóteses e conjecturas, e
finalmente testando as consequências derivadas. Este procedimento muito familiar é
83
―A generalização depende, assim, da simbolização. O processo de generalização, como concebido pelo
estruturalismo matemático construtivo, é sempre o mesmo: dirige-se a atenção para as propriedades relacionais
das representações matemáticas dadas, transformando-as em novos objetos por um processo que Piaget e
Peirce denominaram abstração reflexiva e abstração hipostática, respectivamente. Números, por exemplo,
começando por seus fundamentos mais elementares, são generalizados simbolicamente por representações de
atividades aritméticas e pelo ato de fazer das propriedades relacionais das leis aritméticas assim estabelecidas
objetos de consideração. O formalismo, bem como Piaget, interpreta como um processo de desontologização
progressiva da Matemática, tomando o pensamento axiomático moderno como sua mais alta expressão.‖
(OTTE, 2001, p. 36, tradução nossa, grifo nosso).
147
caracterizado por uma interação entre sentido e referência, ou sintaxe e semântica, e está
ausente da visão de Frege. Friedrich Waismann, um dos principais membros do Círculo de
Viena, afirma que, para Frege, formalistas como Grassmann, por exemplo, não conseguem
explicar ou mesmo reconhecer a aplicabilidade de uma teoria matemática:
Ele não pode fazer isso porque para ele as fórmulas da teoria não expressam
pensamentos. Frege pergunta: 'Por que não se pode fazer uma aplicação de um
movimento no jogo de xadrez? Obviamente, porque não expressa pensamentos.
Porque se podem fazer aplicações de equações aritméticas. Só porque expressam
pensamentos (WAISMANN, 1970, p. 214, tradução nossa).
A aritmética deve ser aplicada para assumir um conteúdo de pensamento. Dizer que
um movimento no xadrez não expressa pensamentos é precipitado e prematuro,
porque depende inteiramente de nós. Se as tropas em batalha se movessem como as
figuras no tabuleiro de xadrez, então isso poderia nos induzir a expressar o
significado pelas posições do xadrez. [...] O movimento das figuras seria apenas uma
imagem de acontecimentos reais e não um mero jogo (Ibid., tradução nossa).
Emmy Noether foi uma pessoa que seguiu rigorosamente um pensamento conceitual
na Matemática, filha de Max Noether, sendo considerada a mãe da Álgebra Moderna (TENT,
2008).
84
―Num anel, são definidas as operações de adição, subtração e multiplicação, e satisfazem as propriedades
habituais da álgebra, exceto a comutativa para a multiplicação. Se essa propriedade vigorar também, teremos
um anel comutativo. Num campo, são definidas as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão, e
satisfazem todas as propriedades habituais da álgebra, inclusive a comutativa para a multiplicação. Se essa lei
falhar, teremos um anel de divisão. Uma álgebra é como um anel, mas seus elementos também podem ser
multiplicados por várias constantes, números reais, números complexos ou – no caso mais geral – por um
campo. As propriedades da adição são as habituais, mas a multiplicação poderá satisfazer uma variedade de
diferentes axiomas. Se for associativa, teremos uma álgebra associativa. Se satisfizer algumas propriedades do
comutador xy − yx, será uma álgebra de Lie.‖ (STEWART, 2014, p. 256-258).
150
[...] seu projeto era afastar a álgebra abstrata do pensamento sobre operações em
elementos, tais como adição ou multiplicação de elementos em grupos ou anéis. Sua
álgebra descreveria estruturas em termos de subconjuntos selecionados (como
subgrupos normais de grupos) e homomorfismos (MCLARTY, 2006, p. 187,
tradução nossa).
Kleiner (2007) explica que a Álgebra estava fundamentada em seus próprios padrões,
ligada de uma forma ou de outra com números reais ou complexos. O trabalho de Noether
expressava ideias com abordagem abstrata e axiomática da Matemática: ―[...] Elas parecem-
nos comuns, mas não eram assim no tempo de Noether. Na verdade, hoje em dia, são comuns,
em considerável parte, por causa do seu trabalho.‖ (KLEINER, 2007, p. 91, tradução nossa).
Sobre esta sua especial habilidade de elevar o específico ao abstrato, Tent faz a seguinte
comparação sobre Emmy: ―[...] observava toda a floresta em um relance em vez de focar nas
árvores individuais ‒ foi surpreendente. Jamais alguém havia ido tão a fundo em Álgebra.‖
(TENT, 2008, p. 62, tradução nossa).
E Pavel Sergeyevich Alexandrov (1896‒1982) declarou: ―Foi [Noether] quem nos
ensinou a pensar em termos de conceitos algébricos simples e geral ‒ transformações
homomórficas, grupos e anéis com operadores ideais.‖ (ALEXANDROV apud STEPANOV;
ROSE, 2013, p. 119, tradução nossa). E o proeminente Saunders MacLane (apud KLEINER,
2007, p. 91, tradução nossa) afirmou: ―[...] a Álgebra Abstrata, como uma disciplina
consciente, começa com o artigo de Noether de 1921 Teoria Ideal em Anéis.‖. E, na mesma
linha de pensamento, Hermann Weyl assegura que Emmy: ―[...] mudou a face da Álgebra
pelo seu trabalho.‖ (apud KLEINER, 2007, p. 91, tradução nossa).
Por meio do trabalho revolucionário de Emmy Noether, percebe-se a possiblidade de
obter resultados sobre certos tipos de entidades matemáticas sem saber muito sobre estas
entidades, por exemplo:
[...] Em termos de programação, diríamos que ela percebeu que poderíamos usar
conceitos em nossos algoritmos e estruturas de dados, sem saber nada sobre quais
tipos específicos seriam usados. Num sentido muito real, Noether forneceu a teoria
para o que chamamos de programação genérica. [Mais aqui sobre como a abstração
151
Emmy era uma professora conhecida por sua disposição em ajudar os alunos e dar-
lhes ideias para publicar, contudo ela mesma publicou relativamente pouco. Felizmente, o
jovem matemático Waerden publicou o livro Moderne Algebra (1930), contendo notas das
aulas em Göttingen dadas por Emil Artin e Emmy Noether. Esse foi o primeiro livro a
descrever a abordagem abstrata a qual Noether havia desenvolvido, de fato, um importante e
152
É importante destacar que Van der Waerden não se limitou a apenas transcrever as
aulas de Emmy Noether, mas simplificou e organizou o material, aperfeiçoou as
demonstrações com férteis generalizações. Na introdução, Waerden (1949, p. ix) define como
propósito do referido livro:
85
BARANY, Michael J. Reviews. Circulation, and Mathematical Infrastructuralism. Charlottesville:
University of Virginia: Society of Fellows, Dartmouth College. Disponível em:
https://cirmath.hypotheses.org/files/2018/06/2018-05-28-Cirmath-Americas-Michael-Barany.pdf. Acesso em:
01 dez. 2019.
153
Apesar de Emmy Noether ser uma pessoa notavelmente criativa, assumindo uma vasta
gama de conceitos matemáticos e reunindo-os de uma forma revolucionária, de acordo com
Tent (2008), é importante admitir sua dificuldade para explicar suas construções a outras
pessoas, apenas alguns puderam entender bem suas palestras e Waerden foi capaz de
apresentar seus conceitos claramente; e, se ele não tivesse feito isso, certamente apenas
Waerden seria importante na História da Matemática. De acordo com Waerden (apud TENT,
2008, p. 112, tradução nossa), a essência do credo matemático de Noether está contida na
seguinte máxima: ―Todas as relações entre números, funções e operações tornam-se claras,
generalizáveis e verdadeiramente frutíferas apenas quando são separadas de seus objetos
particulares e reduzidas a conceitos gerais.‖.
O trabalho de van der Waerden foi crucial para apresentação da pesquisa de Emmy,
além de influenciar vários matemáticos, entre eles o francês Jean Alexandre Eugène
Dieudonné (1906‒1992) e o alemão Werner Graeub, este último foi aluno de Waerden.
Percebem-se neste ínterim duas importantes ramificações do estruturalismo na Matemática, a
saber, o movimento da Matemática Moderna que culminou na reforma do ensino, bem como a
Álgebra Linear em termos axiomáticos com Graeub. Assim: ―Sua riqueza de ideias bonitas e
poderosas, brilhantemente apresentadas por van der Waerden, alimentou uma geração de
matemáticos. O impacto imediato do livro é descrito pungentemente por Dieudonné e G.
Birkhoff, respectivamente [...].‖ (KLEINER, 2007, p. 99, tradução nossa).
J. Dieudonné (1906‒1992), porta-voz do grupo Bourbaki, nos anos 30, foi a Berlim
para aprender Álgebra Moderna com B. van der Waerden. Dieudonné (1970, p. 136, tradução
nossa), escreveu: ―[...] Minha ignorância em Álgebra foi tal que hoje em dia eu seria recusado
a admissão em uma Universidade. Eu corri para esses volumes e estava estupefato ao ver o
mundo novo que se abriu diante de mim.‖. Dieudonné referia-se aos dois volumes de
Moderne Algebra de B. Van der Waerden e, de fato, ele ficou surpreendido sobre o quanto a
Álgebra mudou e quão diferente era, pois na França ainda se estudava a Matemática baseada
no século XVIII.
Posteriormente, o grupo dos bourbakistas passou a publicar uma versão estruturalista
dessa Matemática Abstrata, mediante os Elementos de Matemática, de Nicholas Bourbaki.
Esse tratado foi a base com a qual foi construída, na década dos 1950, a reforma da Educação
Matemática conhecida como Matemática Moderna (SILVEIRA, 2000). Seus trabalhos
apresentam uma Matemática básica, ou seja, a base que todo matemático deve ter, o que eles
excluem não significa que não é importante, apenas não faz parte do conhecimento base para
154
Ainda que, desde o século XVII, as entidades algébricas tenham adquirido um lugar
de destaque na matemática, até o final do século XVIII as raízes negativas e
imaginárias de equações eram consideradas quantidades irreais. Os números que
hoje chamamos de ‗irracionais‘ apareciam na resolução de problemas, mas também
não tinham um estatuto definido. Todos os nomes utilizados para designar esses
números exprimem a dificuldade de admitir sua existência ou, melhor dizendo, sua
cidadania matemática: números ‗surdos‘ ou ‗inexprimíveis‘, para os irracionais;
quantidades ‗falsas‘, fictícias‘, ‗impossíveis‘ ou ‗imaginárias‘, para os números
negativos e complexos. Isso mostra que eles, além de não possuírem uma cidadania,
não eram, em última instância, sequer admitidos como números (ROQUE, 2012, p.
409).
[...] fornecia uma intuição de que entre dois números quaisquer é sempre viável
encontrar um terceiro, aumentando o número de casas decimais. Nota-se, por meio
dessa representação, que, apesar de os irracionais escaparem, é possível que
156
racionais cheguem muito perto. Não por acaso, Stevin foi um dos primeiros
matemáticos do século XVI a dizer que o irracional deve ser admitido como número,
uma vez que pode ser aproximado por racionais (ROQUE, 2012, p. 425).
86
De acordo com Schubring (2018), não se sabe ao certo sobre a bibliografia de Argand, ou seja, informações
como onde nasceu e morreu são incertas. No entanto, de modo geral, neste tópico buscamos enfatizar a
analogia entre os imaginários e os irracionais, bem como a importância desse fato para a compreensão da
abordagem semiótica no contexto descrito por Foucault. Nessa conformidade, não seguimos o caminho
detalhado sobre a vida e obra dos diversos matemáticos envoltos na importante constituição desse momento
histórico.
87
Importante ressaltar as aplicações para os complexos tanto na Matemática como na Física e Engenharias.
157
[...] números complexos, eles devem ser compreendidos também como relações, e
158
Esta metafísica dos números imaginários baseia-se em duas suposições, a saber, que
estão sujeitas a todas as operações aritméticas e, além disso, podemos formar uma
intuição de seu significado objetivo. Gauss concebe esse significado objetivo dos
números imaginários em termos de suas possíveis aplicações. Sempre que os
elementos de um campo de aplicação ‗são de tal natureza que não podem ser
159
alinhados em uma série, ainda que ilimitada, mas apenas em séries de séries, ou, o
que é o mesmo, se formam uma multiplicidade de duas dimensões‘. É necessária
uma representação de todas as relações, tanto dos números inteiros como dos
números imaginários. É, portanto, a estrutura das relações, através da qual as ideias
matemáticas são interpretadas, e Gauss apresentou um modelo icônico ou diagrama
dessa estrutura relacional. Interpretando essa estrutura em termos da teoria do
espaço vetorial, podemos afirmar que a introdução dos números complexos é o
resultado de uma generalização inter-estrutural (OTTE, 2003b, p. 189).
88
Tais provas culminam no trabalho de Kurt Friedrich Gödel (1906‒1978).
89
Esse tópico é um extrato de um artigo publicado em 2014, intitulado ―A Result in the Theory of Determinants
from a Semiotic Viewpoint‖, publicado em língua inglesa, por nós traduzido e reorganizado.
160
conceitual menos empírico e mais apropriado no que diz respeito à questão ―O que é
realmente a Matemática?‖, considerando que os termos matemáticos deveriam ser entendidos
como processos dinâmicos baseados na interação entre seus aspectos intensionais e
extensionais. Como de fato não é possível responder de forma definitiva a pergunta sobre a
origem da natureza dos objetos matemáticos e muito menos limitar as interpretações possíveis
dos conceitos matemáticos, assim o próprio processo sobre a evolução de conceitos tem uma
grande importância para a Matemática como uma atividade humana.
Uma teoria no sentido do estruturalismo moderno, conforme Sneed (1971), é um par
composto entre uma estrutura sintática representada por um sistema de axiomas e por um
conjunto de aplicações ou modelos possíveis. A Complementaridade entre o sentido dos
conceitos matemáticos (isto é, as consequências lógicas dos axiomas) e suas referências, ou
seja, a Complementaridade entre intensão e extensão, ocorre de forma diferente nas teorias
matemáticas, pois as referências ou objetos não são fixados de forma definitiva.
Uma matriz é um objeto matemático organizado em linhas e colunas (LANG, 2003).
Não obstante, uma matriz pode significar mais que um esquema de números dispostos em
linha e colunas, pode representar transformações lineares, tensores, regimes de produção,
conjuntos de vetores etc.
Teorema: Sejam A e B duas matrizes n x n com coeficientes reais. Então det (A.B) =
det (A). det (B), situação em que o determinante de um produto é igual ao produto dos
determinantes. Este é resultado de um famoso teorema que foi, aparentemente, descoberto,
em 1812, por Jacques-Philippe-Marie Binet (1796‒1856) e, independentemente, também por
Augustin-Louis Cauchy (1789‒1857).
A prova no caso geral deste teorema é muito complicada para os estudantes por conter
muitos somatórios de formas bem complicadas:
Teorema: Sejam A e B matrizes de ordem n. Então det (AB) = det (A) det (B).
Demonstração — Sejam A = (ajj), B = (bij) e C =AB = (cij). Logo
∑ ∑ ∑
Então det (C) = ( )
∑ ∑ ∑
∑∑ ∑ ( )
∑ ( )
161
∑ ( )
para i ≠ j, a matriz
1 1 ... n
Se k1 2k ... k n
é essa permutação, então a matriz acima tem
determinante igual ao de A multiplicado por sgn ( ), o sinal da permutação
Óbvio. Uma permutação e sua inversa têm o mesmo sinal. Nota final: A teoria sobre
determinantes de matrizes reais, aqui construída, poderia ser feita para as matrizes
complexas de maneira inteiramente análoga (CALLIOLI, DOMINGOS; COSTA,
1990, p. 219).
| |
retângulo com lados apoiados sobre os eixos coordenados, por meio de transformações
lineares, cujo determinante é igual a 1. Para interpretar geometricamente o resultado do
teorema, det(A.B) = det(A).det(B), identifica-se a matriz C = A . B com o paralelogramo, que
é obtido pela aplicação da transformação linear representada pela matriz A no paralelogramo
identificado com a matriz B. No caso em que a matriz é diagonal e o paralelogramo
identificado com a matriz B tem os lados apoiados sobre os eixos coordenados, o
paralelogramo identificado pela matriz C também terá os lados apoiados sobre os eixos
coordenados e, neste caso, vê-se facilmente a validade do teorema. Se | det (A) | = 1 onde a
área permanece invariante. Isto significa que o conjunto de áreas ou os módulos de produtos
vetoriais formam um conjunto que é isomórfico ao grupo do quociente G1(2)/S1(2), onde
G1(2) é o grupo de transformações lineares inversíveis e S1 (2) é o subgrupo de
transformações ou matrizes com determinante igual a +1ou 1. Agora G1 (2) / S1 (2) é um
espaço vetorial unidimensional. Na verdade, não é nada além do conjunto de múltiplos da
matriz unitária.
Podemos reformular nosso resultado da seguinte maneira: O conjunto de funções de
área, isto é, o conjunto de funções bilineares e antissimétricas f(x,y), onde x e y são vetores
bidimensionais, é ele próprio um espaço vetorial dimensional. Agora nós generalizamos este
último resultado para o n-dimensional.
Observamos neste momento que, no raciocínio conceitual, não trabalhamos com
significados fixos, ou seja, uma matriz pode significar tanto uma transformação linear quanto
um paralelogramo geométrico ou ainda uma forma vetorial bilinear antissimétrica ou pode ser
simplesmente um elemento da álgebra de matrizes.
Concluindo a argumentação, no caso geral, como todo paralelogramo pode ser
transformado em um retângulo com lados apoiados sobre os eixos coordenados por meio de
matrizes cujo determinante vale 1, existem matrizes E e F, com det(E) = det(F) =1, tais que
as matrizes A’ = A.E, B’ = B.F e C’ = C.E.F podem ser identificadas como retângulos, cujos
lados estão apoiados sobre os eixos coordenados. Além disso:
Agora, como cada transformação linear pode ser representada por uma matriz, fixada
uma base do espaço, o teorema sobre matrizes segue do teorema sobre transformações
lineares sem dificuldades.
Ernst Cassirer enfatizou que todo progresso na Lógica e na Matemática depende de
novos conceitos do conceito e que, em contrapartida, a Matemática ganha importância para a
Epistemologia e para a cultura em geral por causa de suas inovações na área do pensamento
conceitual. Contudo o pensamento conceitual na Matemática significa assumir o método
axiomático no sentido de Hilbert, e isso poderia trazer algumas dificuldades para Educação
Matemática, causadas pela dominância do empirismo nesta área.
Neste texto, procuramos apresentar ilustrações e exemplos bem concretos e claros para
entender melhor essa exigência de pensar em termos de conceitos teóricos e de pensar sobre o
pensamento.
Destacamos a Álgebra Linear como uma área da Matemática com férteis contribuições
tanto no campo das aplicações quanto em termos de um novo conceito para teoria, tal como
uma estrutura formal. Por meio do trabalho de Grassmann, verificamos a mudança do
conceito de axioma, o qual assume uma nova perspectiva, visto que deixa de ser uma verdade
incontestável para ser considerado como uma hipótese. E, no livro de Graeub, apresentamos
um ótimo exemplo da teoria axiomática, o qual também influenciou o Movimento da
Matemática Moderna.
Observamos que um conceito matemático como, por exemplo, uma matriz pode ser
representada por transformações lineares, tensores, regimes de produção, conjuntos de vetores
entre outros, porém o conceito de matriz não existe independentemente de todas essas
possíveis representações, mas também não deve ser adotado com sendo uma dessas
representações.
Ancorados na Semiótica peirceana verificamos que, tanto na Epistemologia quanto na
Educação Matemática, a característica da Complementaridade revela-se no contexto da
mediação entre referência e sentido dos símbolos.
165
6 CONSIDERAÇÕES
signos como construções mentais do sujeito humano. Em contraste, Peirce identificou a raiz
dos signos nos objetos, como perspectivas incompletas e subjetivamente interpretadas. Com
isso, a relação entre sentido e referência conecta-se a um processo em semiosis, no qual não
há nem sentido nem referência final acerca do objeto.
Assim relembramos as questões postas no início desta tese e procuramos responder de
forma simplificada e objetiva. A primeira pergunta: (i) Como se concebeu a relação sentido e
referência das representações ao longo da história?
• Para Foucault essa relação entre sentido e referência das representações ao longo da
história se concebeu por meio das constantes mudanças na representação das coisas pelas
palavras ao longo da história. Destacando a necessidade de se considerar as coisas como
signos em um processo que envolve a interpretação do sujeito tanto sobre sentido como
referência.
• Para Cassirer essa relação entre sentido e referência das representações ao longo da
história se concebeu por meio da complexa discussão histórica e filosófica a respeito da
natureza dos conceitos na Filosofia da Matemática. O trabalho de Cassirer se verifica como
um reflexo da Revolução Copernicana da Epistemologia de Kant.
• Em ambos percebemos a importância da semiótica ao destacarem referência (coisas e
conceitos) como signos representados por sentido (palavras e funções). Contudo, referência e
sentido carecem da interpretação e abstração humana. Essa característica de dependência
(carência), de termos aparentemente opostos, mas que se completam para aquisição do
conhecimento aponta para complementaridade entre sentido e referência integrados a
subjetividade humana. Conforme Kant destacou ao utilizar intuições e conceitos em sua
Revolução Copernicana (que assume a importância no sujeito).
Em relação à questão: (ii) Que implicações para a Educação Matemática podem ser
geradas a partir de uma abordagem semiótica dos símbolos da Matemática, reconhecendo a
Complementaridade entre sentido e referência como foco? Destacamos as principais
implicações:
• Considerar, no âmbito da Educação Matemática, a importância da relação tríade
atrelada aos contextos e perspectivas dos interpretantes, em processo semiosis, estabelecendo
os mesmos níveis de atenção ao objeto, signo e interpretante. Na tríade objeto-signo-
interpretante, Peirce explora a importância da cognição e do conhecimento humano na relação
entre sujeito e objeto.
• Considerar os símbolos matemáticos como signos, na multiplicidade da tríade
167
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