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RESUMO
Objetivo: mostrar as estratégias metodológicas e alguns resultados do trabalho de educação alimentar
e nutricional crítica realizado em ambiente virtual com mulheres adultas maduras e idosas.
Metodologia: trabalho de educação alimentar e nutricional online, com sete mulheres com encontros
mensais síncronos ao longo de seis meses. O trabalho utilizou preceitos da nutrição clínica para
trabalhar a terapia nutricional utilizando o diálogo, proposição de metas e aconselhamento nutricional
e a problematização de assuntos da alimentação, exames laborais e rótulos dos alimentos. Utilizou-se
a construção de desenhos para a explicação da fisiopatologia das doenças e em alguns casos o envio
de imagens da internet. As mulheres foram convidadas a fazerem seus próprios planos alimentares,
que foram problematizados. Resultados: O trabalho educativo crítico em ambiente virtual mostrou
que é possível produzir conhecimentos, reflexões e mudanças de comportamentos alimentares ao
longo de seis meses. De modo geral, a modalidade online foi avaliada como positiva. O principal
ponto negativo foi a falta de contato humano. Conclusão: As adaptações metodológicas para o
trabalho mostraram que é possível realizar ações educativas críticas em ambiente virtual. O trabalho
possibilitou atendimento e cuidado nutricional individual a mulheres, de forma segura e que não
seriam atendidas de outra maneira durante o período de isolamento social.
ABSTRACT
Objective: to show the methodological strategies and some results of the critical food and nutrition
education work carried out in a virtual environment with mature and elderly women. Methodology:
online food and nutrition education work, with seven women with synchronous monthly meetings
over six months. The work used precepts of clinical nutrition to work on nutritional therapy using
dialogue, proposition of goals and nutritional advice and the problematization of food issues, labor
exams and food labels. The construction of drawings was used to explain the pathophysiology of the
diseases and, in some cases, images were sent from the Internet. The women were invited to make
their own food plans, which were problematized. Results: The critical educational work in a virtual
environment showed that it is possible to produce knowledge, reflections and changes in eating
behavior over six months. In general, the online modality was evaluated as positive. The main
negative point was the lack of human contact. Conclusion: The methodological adaptations for the
work showed that it is possible to carry out critical educational actions in a virtual environment. The
work enabled individual nutritional care and care for women, in a safe way and who would not
otherwise be attended to during the period of social isolation.
Keywords: Food and Nutrition Education; Critical Pedagogy; Online education; Methodology;
Pandemic.
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Introdução
O período entre 2019 a 2021 e parte de 2022 foi atravessado por um cenário
emergente e caótico na saúde pública do Brasil e do mundo. O surgimento de um novo vírus
altamente contagioso e letal chamado vírus da SARS-Covid-19 foi o responsável, só no
Brasil, por mais de 690 mil mortes (698.834 mortes até 24 de fevereiro de 20231) que
geraram cenas de guerra em hospitais e cemitérios, principalmente no primeiro ano da
pandemia.
A alta disseminação do vírus e a falta de vacinas levou à necessidade de medidas
extremas, entre as quais, o chamado “Lockdown”. A necessidade de isolamento para o
controle da disseminação da doença inviabilizou ou alterou muitos projetos de vida, viagens,
trabalho e também as pesquisas científicas, que em alguns casos foram inviabilizadas ou
tiveram que ser adaptadas.
Durante o período pandêmico, o uso da tecnologia passou a ser uma ferramenta
indispensável na vida das pessoas. O uso e acesso à internet possibilitou a continuidade do
ensino nas suas diversas modalidades (ensino fundamental, básico, técnico, superior e pós-
graduação), além de consultorias, reuniões, trabalho em home-office, atividades de assistência
à saúde com instruções on-line, como pilates, atividade física, ioga, além de consultas
médicas (telemedicina) e atendimento nutricional, que por sua vez, não eram práticas
comuns.
O isolamento social impossibilitou a realização de ações educativas em saúde em
formato presencial, como as ações de educação alimentar e nutricional (EAN) que também
precisaram ser metodologicamente adaptadas. A busca por metodologias mais humanizadoras
em EAN (individual ou coletiva) passou a ser um desafio ainda maior pois, apesar dos
avanços deste campo (Ottoni et al., 2022; Conte, Doll, 2021), a maioria das ações em nutrição
seguem enraizadas aos métodos tradicionais e prescritivos (Conte, Doll, 2021), oriundo da
formação técnica ou tradicional em que os profissionais da saúde são formados (Ottoni et al.,
2022; Boog, 2011; Costa, 2009).
O conceito de métodos tradicionais em EAN, refere-se aos formatos tradicionais de
ensino realizados ao longo da criação do curso de nutrição, embasando-se fortemente no
ensino de conteúdos clínicos e biológicos, que são fragmentados e transmitidos por meio de
aulas expositivas (Conte, Doll, 2021). De acordo com Costa (2009) a área na nutrição baseia-
se em aprendizagens fragmentadas e centradas no desempenho técnico (e quantitativo) dos
estudantes. Logo, a deficiente formação pedagógica dos professores universitários, voltada
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METODOLOGIA
De acordo com Minayo (2008), por muito tempo se achou que as pesquisas
quantitativas, biomédicas ou mesmo epidemiológicas quantitativas poderiam responder às
questões e os porquês do adoecimento, bem como achar soluções para eles. Após os anos de
1970, surge um novo movimento para pensar questões relacionadas à saúde por meio da
história social, sob uma ótica marxista, e a partir de então passam a romper barreiras e
ampliar as “fronteiras do conhecimento, sem abrir mão do rigor” (Minayo, 2008, p. 76).
A educação crítica é uma perspectiva metodológica que extrapola a transmissão de
conhecimento, ao passo que gera situações de reflexão sobre as situações cotidianas. Ela
busca soluções práticas para a resolução de problemas do cotidiano (Padrão; Aguiar; Badrão,
2017) por meio do estudo da teoria, da prática dessas teorias e da materialidade ou
materialização das práticas (Saviani, 2003). Essa tríade, teoria, prática e materialização, na
perspectiva Freireana poderia ser traduzida como “práxis”, que pode ser entendida como a
“reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá –lo” (p. 21).
Já a EAN crítica, de acordo com Valente (1989), tem sua base na pedagogia
Histórico-Crítica e, portanto, não tem um modelo a ser seguido, uma vez que cada trabalho a
ser desenvolvido é único e depende das questões socioeconômicas (como faixa etária, gênero,
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por meio de situações reais e da realidade e contexto sociais em que os educandos estão
inseridos.
A determinação do número de participantes ocorreu em função do desenho do estudo
“Estudo de Múltiplos Casos”, no qual, não há um limite de participantes pré-estabelecido,
uma vez que poderá ser “os quais podem ser tanto uma única pessoa quanto um grupo de
pessoas” (Silva, Mercês, 2018). Contudo, considerando a profundidade e complexidade da
pesquisa (tese), além do número de encontros individuais (seis encontros oficiais), o intervalo
de no mínimo cinco e máximo sete pareceu ser o mais adequado. De acordo com Andrade et
al (2017, p. 2) o estudo de caso é uma pesquisa empírica e estruturada “que pode ser aplicado
em distintas situações para contribuir com o conhecimento dos fenômenos individuais ou
grupais.
O trabalho de intervenção ocorreu ao longo de seis meses, entre o período de abril a
setembro de 2021, por meio de vídeo-chamadas no Google Meet ou WhatsApp. O período em
questão era de isolamento social pela pandemia do vírus Sars-covid-19. A organização e
datas dos encontros foram sempre agendados com antecedência, por meio de telefonemas ou
mensagens/áudios pelo aplicativo WhatsApp.
A fim de contemplar mulheres com diferentes perfis socioeconômicos,
estrategicamente, foi indicado pela Secretaria Municipal de Saúde de ……., o trabalho com
mulheres residentes nos Bairros Getúlio Vargas (ESF 14 e 15) e São José (ESF 4).
Critérios de Seleção:
Foram consideradas na seleção, mulheres na faixa de idade igual ou superior a 50
anos, adstritas ao SUS, que não estivessem em tratamento nutricional em algum outro
programa de educação alimentar e nutricional individual ou coletivo. A faixa de idade
escolhida (50 +) se justifica por ser um “marcador determinante do envelhecimento”
(Ferreira, et al, 2013, p.410) que indica também o fim do período reprodutivo da mulher
mediante a drástica redução estrogênica, e, junto a ela, diversas alterações de ordem
biológica, fisiológica, metabólica e morfológica.
Logística e Seleção:
A escolha das candidatas foi feita por meio sorteio aleatório através da
disponibilização de números de telefones que foram fornecidos pelas ESFs. Imediatamente
após o sorteio, realizou-se a primeira ligação, onde era explicado brevemente o estudo. A
mulher que manifestasse interesse, era pré-selecionada. Na ligação, buscava-se identificar se
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Além disso, cada participante foi convidada a escolher um codinome para manter o
seu anonimato no estudo e também a liberdade de manter o seu nome, se assim desejasse.
Nesse sentido, surgiram os seguintes codinomes e nomes: Bere; Nega; Rosa; Rose; Joce;
Lúcia; Vagalume Aprendiz.
um estudo sobre fatores de risco ao endividamento de pessoas idosas no Rio Grande do Sul”,
do pesquisador Johannes Doll e do questionário “Questionário de avaliação da qualidade de
vida e da saúde (QVS-80) de Leite et al. (2008). A investigação também contemplou
questões específicas elaboradas pelos pesquisadores a fim de responder a alguns dos
objetivos do estudo (antes e depois do estudo), bem como avaliar o trabalho educativo em
ambiente virtual (após a finalização da intervenção).
Todo o trabalho foi registrado em diário de campo. O estudo contemplou a Histórias
de Vida (Magalhães et al., 2017) das participantes relacionadas à alimentação ao longo da
vida e a avaliação de conhecimentos prévios sobre alguns assuntos específicos relacionados à
alimentação/nutrição que foram gravados, transcritos e analisados por meio de Análise de
Conteúdo (Minayo, 2008; Moraes, 1999).
Em casos que não foi contemplado os requisitos ou princípios para a realização da
análise, como a representatividade e homogeneidade, por exemplo, o método foi
desconsiderado. Nestes casos, a análise dos conteúdos considerou os principais elementos da
fala e a síntese dos mesmos. Cada um dos encontros individuais foi registrado em Diário de
Campo que posteriormente foi utilizado como registro e detalhamento de cada encontro.
Resultados
Encontros consecutivos
Os encontros consecutivos (encontro dois ao seis) foram trabalhados de forma
específica de acordo com cada demanda de saúde e realidade alimentar e econômica de cada
participante. Entre as principais doenças ou condições clínicas referidas, estiveram:
hipercolesterolemia, hipertensão arterial, pré-diabetes, obesidade, anemia, ferritina elevada,
problemas de intestino, hipotireioidismo.
Em cada um dos encontros, buscou-se sempre dialogar e problematizar os assuntos,
almejando não apenas gerar conhecimentos, mas também desmistificar alguns saberes
populares que poderiam ser errôneos, ou mesmo confirmá-los e aprofundá-los. Além disso,
suscitar reflexões sobre a alimentação, suas patologias e a relação entre elas. Entretanto,
pode-se afirmar que todas as construções foram muito particulares, respeitando as demandas
e anseios que eram trazidas a cada encontro.
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parte final do encontro questionava-se à participante: o que você vai fazer agora? O que você
se compromete a fazer em relação a isso?
No Quadro 3, pode ser visualizado a organização de cada um dos encontros. Pondera-
se que apenas o primeiro e o segundo encontro seguiram um planejamento prévio que foi
pensado previamente. Os demais encontros foram livres, ou seja, foram sendo construídos
com base nos principais acontecimentos que marcaram cada um dos encontros. De modo
geral, pode-se dizer que na maioria dos encontros, a lógica foi parecida, por exemplo, no
terceiro encontro a maioria das mulheres foram convidadas a aprender sobre a leitura,
interpretação dos rótulos (pois identificou-se no encontro de preparação do campo que elas,
de modo geral, ignoravam os rótulos como fonte de informação), todavia, em alguns casos,
no terceiro encontro, uma participante trouxe seus exames laboratoriais, que foram então
interpretados e problematizados.
Quadro 3: Síntese dos encontros educativos e dos temas trabalhados em cada encontro.
produtos prontos para consumo que costumavam consumir. O ensino sobre a interpretação,
englobou principalmente a busca pelos ingredientes que compunham o alimento e a sua
problematização, a contagem de calorias por porção e problematização, quantidade de fibras,
sódio, gordura trans e seu “mascaramento” nos rótulos, além de aditivos químicos
alimentares. A explicação sobre a tabela nutricional envolvendo os macronutrientes foi mais
complexa e mais direcionada à participante diabética.
A interpretação e a problematização dos exames laboratoriais envolveram a
construção de desenhos para explicar a fisiopatologia de doença ou dos agravos relacionados
às condições clínicas pré-existentes, conforme já mencionado. Além da fisiopatologia das
doenças cardiovasculares, trabalhou-se com a construção e explicação da curva glicêmica e
do comportamento dos diferentes alimentos sobre a glicemia (participantes com pré-diabetes
e diabetes).
Pontua-se que no caso da participante diabética, foi também trabalhado
especificamente a contagem de carboidratos (SBD, 2016), onde explicou-se como funcionava
a contagem de carboidratos, a divisão da quantidade de carboidratos por refeição ideal para
ela, como a contagem ajudaria no controle dos níveis de glicemia. A participante foi
desafiada a buscar a informação da quantidade de carboidrato dos alimentos que ela gostava
ou costuma comer e também calcular e responder qual a quantidade que ela poderia comer do
alimento para que ficasse dentro da contagem.
Entre outras técnicas e métodos que se destacaram no trabalho de EAN crítica,
destacamos a construção de planos alimentares pelas próprias participantes. Essa ação
ocorreu em resposta à solicitação de pelo menos três mulheres que pediram ao longo dos
encontros “uma dieta” ou “cardápio”. Nesse momento, elas foram instigadas a elas próprias
produzirem um plano alimentar (que poderia ser naquele mesmo momento, ou construído e
enviado posteriormente ao encontro). O plano alimentar deveria considerar os alimentos que
elas tinham em casa ou que costumavam comprar, os conhecimentos que já tinham sobre
alimentação até ali e que consideravam ser viável.
Inicialmente a solicitação suscitou estranheza e demorou para ser enviada (em alguns
casos, a participante teve que ser cobrada para enviar). Após o envio, as participantes
receberam feedbacks que foram enviados por áudio, enaltecendo e parabenizando os pontos
positivos do plano alimentar e problematizado os alimentos que não poderiam ser mantidos
como parte de uma rotina alimentar, pois mantinham alguns hábitos e comportamentos
nocivos. Na problematização foi explicado porquê era importante que alguns determinados
alimentos fossem substituídos e quais melhores alternativas elas teriam.
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Entre alguns dos relatos mais significativos se estiveram as respostas das participantes
Nega, Joce e Lúcia:
Nega: “no início quando tu me perguntou como é que era minha alimentação, a alimentação,
era toda errada [...] antes eu tinha que comer à vontade, mas agora eu vi que à vontade estava
me fazendo mal”.
Joce: “a diferença do meu hábito [...] eu acho uma diferença em mim nos lugares que eu vou,
eu olho, se eu acho que eu não posso comer, eu não como, mas eu substituo por uma outra
coisa”.
A participante Lúcia também afirmou que para ela a modalidade on-line foi melhor
pois possibilitou a sua participação na pesquisa, sem precisar se deslocar, pois do contrário
não seria possível6.
Quanto ao trabalho online, eu acredito que foi muito bom, muito proveitoso, [...] a gente
aproveitava o horário que estava em casa, não tinha o deslocamento. Isso facilitou, foi um
ponto positivo [...] o fato de ter sido on-line facilitou bastante.
A indagação a respeito dos pontos positivos do trabalho educativo mostrou que para
Bere e Nega o trabalho, mesmo sendo no formato on-line, permitiu que elas entendessem
tudo. As demais afirmaram que “foi um formato que possibilitou participar da pesquisa”:
Nega: “[...] Eu já tive atendimento presencial, mas eu entendi tudo direitinho [...] o ponto
positivo [...] foi quando você me pediu pra eu fazer um exame, e daí eu fiz e apareceu lá a
glicose quase alta, apareceu lá pré-diabética. E você fez um trabalho excelente comigo [...]”
Vagalume Aprendiz: “A ferramenta que a gente utilizou, permitiu que a gente realizasse um
trabalho importante, de uma forma nova, e o novo, ele precisa ser incorporado no nosso
trabalho diário. Eu achei maravilhoso [...] as nossas relações são pautadas por uma troca que
ela é invisível, e ela permeia as nossas emoções, o sentir, o abraçar, passa por isso: passa por
eu te ver, eu trocar impressões, eu tocar a tua aura, é por essas impressões mais sutis, e essa
troca é bem fazeja, ela é boa pras pessoas afins, então usar essa ferramenta, foi bom, o
trabalho aconteceu, porém, ficou faltando essa parte [...]”
Joce: “90% [...] eu aprendi, tô colocando em prática, me ajudou, sou muito grata a ti.”
mostrando que, apesar de todos os pontos positivos existentes, o trabalho presencial continua
sendo muito importante.
Vagalume Aprendiz “[...] O único ponto, na minha opinião, em desabono, digamos assim,
dessa ferramenta, é o fato de a gente não se ver, é o fato de a gente não se abraçar”.
Joce: “te dizer negativo, pra mim, 10%, nem isso. Só da gente não se encontrar, não se ver
pessoalmente, não ter mais o contato físico”.
Discussão
presencial, necessita mais ainda do esforço pela busca de interação humana, ou seja,
consideramos que seja pelo menos, realizada de forma síncrona, possibilitando diálogos entre
os pesquisadores/educadores e participantes.
Para Freire (1983) o conhecimento se constrói na coletividade. Ele ocorre por
intermédio de relações sociais das pessoas entre si e da relação e interação delas com o
mundo, com a cultura que ocorre por meio do diálogo e da reflexão crítica acerca do que se
conhece, almejando transformação. De acordo com Gadotti (2002), o conhecimento não fica
delimitado apenas ao que conhecemos, mas também no modo como ele é produzido e
utilizado na e pela sociedade.
Nesse sentido, a problematização uma prática fundamental no sentido de mostrar o
que é positivo, quais condutas são importantes e devem ser encorajadas e mantidas, bem
como falar das condutas alimentares que precisam ser modificadas, ou seja: o nutricionista
tem também a função de desmistificar os saberes populares que são errôneos, mas também
reforçar e ampliar os saberes populares que são verdadeiros, ou seja, devem ser
aprofundados.
Na EAN crítica, busca-se suscitar dúvidas e produzir as respostas, e não simplesmente
levá-las prontas. A EAN crítica deve oportunizar aos sujeitos a oportunidade de falar o que
sabem, refletir sobre os seus comportamentos e hábitos alimentares e compreender porque
eles são ou não saudáveis e em que implica aqueles comportamentos. Questões como: Como
você considera que está a sua alimentação na atualidade? O que você sabe sobre a doença? O
que você sabe sobre o tratamento? (Conte, 2023).
Métodos questionadores/problematizadores e ativos promovem o desenvolvimento de
pensamento crítico, ao passo que engajam os estudantes e professores. Assim, os
alunos/educandos/participantes não serão meros receptores de informação, mas sujeitos
ativos no seu próprio processo de aprendizagem (Ottoni et al., 2018).
A pesquisa de Perondi (2020) que buscou “identificar como os profissionais
nutricionistas, no âmbito Atenção Primária à Saúde (APS)” mostrou que “apesar do uso de
estratégias no sentido de melhorar a comunicação entre profissional x usuário, as práticas de
EAN realizadas com grupos na APS” (p. 115) ainda seguiam o modelo tradicional de
educação em saúde, e distantes da prática dialógica proposta por Paulo Freire. Ainda de
acordo com a pesquisadora, o modelo tradicional ainda é predominante na EAN e está
relacionado com as lacunas da própria formação profissional.
Nesse sentido, a capacitação dos professores da área de nutrição por meio do
engajamento da área da saúde com as áreas humanas e sociais se faz necessário, uma vez que
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deve promover reestruturação das práticas pedagógicas na formação teórica e prática dos
alunos, e, posteriormente nas suas atuações profissionais. Assim, a busca por conhecimentos
de outros campos é relevante pois a formação de base no curso de nutrição, de modo geral,
não nos forma para sermos educadores, apesar de também sermos.
Além disso, ainda que haja disciplinas de Educação Alimentar e Nutricional nos
currículos acadêmicos, eles não contemplam as bases pedagógicas necessárias para formar
educadores ou nutricionistas críticos. De acordo com Boog (2013), profissionais bem
treinados (formados) são capazes de ouvir e compreender a comunicação verbal e não verbal,
interpretar questões da alimentação por meio de conhecimentos advindos de áreas como
psicologia, antropologia ou sociologia, formando assim educadores bem-sucedidos.
Conclusão
O trabalho em ambiente virtual e individual, pautado em uma perspectiva crítica,
utilizando do diálogo, aconselhamento e problematização mostrou que é possível produzir
conhecimentos, reflexões e mudanças de comportamentos alimentares ao longo de seis
meses. O trabalho possibilitou atendimento e cuidado nutricional individual a mulheres com
distintas condições clínicas de forma segura e que não seriam atendidas de outra maneira
durante o período de isolamento social.
A partir do trabalho realizado é possível reconhecer que não precisamos
necessariamente estarmos fisicamente em um espaço para realizarmos discussões profundas,
produzir conhecimentos, gerar reflexões ou mesmo provocar emoções, entretanto, para isso,
necessariamente o trabalho online necessita ser realizado de forma síncrona, viabilizando o
diálogo e a interação entre o educador (a) e os (as) participantes.
Conclui-se que o trabalho educativo em ambiente virtual foi uma modalidade viável,
possível e relevante durante o período pandêmico e que pode ser considerado em outros
momentos, desde que seja realizado em uma perspectiva dialógica e crítica. O trabalho de
EAN crítica em ambiente virtual pode ser considerado um trabalho inovador, que apesar dos
desafios do ambiente online pode atingir pessoas em qualquer lugar do país, desde que se
tenha acesso à internet, o que não é uma realidade para todos os brasileiros (as).
Entre os principais desafios e dificuldades do trabalho educativo em ambiente virtual
esteve a dificuldade no diálogo quando a conexão com a internet oscilava. Temas que
exigiam que a participante fosse mais ativa, como por exemplo, encontrar as informações
específicas nos rótulos dos alimentos, foram mais difíceis de serem trabalhados à distância.
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Sob o ponto de vista das participantes, elas não consideraram que o trabalho online tenha sido
“inferior” a um trabalho presencial.
De modo geral, todas as participantes consideraram o trabalho bom, muito bom ou
excelente, entretanto, a falta de contato físico foi o principal ponto negativo, demonstrando
que as relações sociais presenciais seguem sendo insubstituíveis. O contato físico e as
interações sociais e coletivas possibilitam a abertura para discussões amplas, convergências e
divergências, bem como o levantamento de alternativas coletivas para a resolução de
problemas do cotidiano.
____________________________
Notas
1
Informação disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em 24 de fevereiro de 2023.
2
Boog (2013) faz uma importante diferenciação entre Ensinar e Educar. De acordo com a autora, ensinar remete
a algo concreto, implica em transmitir conhecimentos sobre determinado assunto ou conteúdo de nosso
domínio. Educar remete à pessoa, diz respeito a alguém. Educar no campo da Nutrição, transcende o ensino de
conteúdos técnicos da ciência da nutrição.
3
A problematização refere-se ao “processo em que estudantes e professores fazem perguntas críticas acerca do
mundo em que vivem, sobre as realidades materiais que ambos experimentam cotidianamente e em que refletem
sobre quais ações eles podem realizar para mudar essas condições materiais” (AU, 2011, p. 251).
4
No primeiro encontro também foi avaliado as condições de acesso e disponibilidade de alimentos que
possuíam, além de questões sobre privações nas compras de alimentos, porém não serão tratadas neste artigo.
5
A participante Rose não respondeu a essas duas questões finais. Ela respondeu outras informações, mas não as
questões em específico.
6
Essa mesma condição se aplica à participante Joce, que sempre participou no turno da noite, após o trabalho.
7
O Modelo Transteórico é um método da Nutrição Comportamental que busca avaliar as diferentes fases em
que os participantes/pessoas se encontram. O modelo contempla basicamente cinco fases, das quais estão: a Pré-
Contemplação, Contemplação, Preparação, Ação e Manutenção (CASTRO; BERNI, 2015).
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