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JANEIRO-FEVEREIRO 2010

EDIÇÃO BRASILEIRA JANEIRO-FEVEREIRO 2010

http://militaryreview.army.mil
(Exército dos EUA, Sgt Teddy Wade)

Soldados do 3º Regimento de Infantaria, da Guarda dos Mais Antigos, formados durante uma parada dos Sargentos, no Forte Mayer, Virginia,
em 19 de maio de 2009.

EDIÇÃO BRASILEIRA

CENTRO DE ARMAS COMBINADAS, FORTE LEAVENWORTH, KANSAS


General Robert L. Caslen, Jr.
Comandante, 2 Formação do Cabo Para o Desempenho
Centro de Armas Combinadas de Atividades Estratégicas (“O Cabo
Cel John J. Smith
Estratégico”): Uma Mudança de Paradigma
Editor-Chefe da Military Review Kevin D. Stringer, Ph.D.

Ten Cel Gary Dangerfield Em um mundo multinacional, conjunto e interagências cada vez mais
Sub-Diretor complexo, que oscila entre as missões militares convencionais e não
convencionais, transformar a educação e o desenvolvimento de liderança
dos graduados é de fundamental importância.
REDAÇÃO
Marlys Cook
Editora-Chefe das Edições em Inglês 13 Vamos Vencer as Guerras que Estamos
Maj Sharon Russ Travando
Gerente de Produção
John A. Nagl
Miguel Severo
Editor-Chefe,
Edições em Línguas Estrangeiras Um impressionante, se não previsível, desenvolvimento na comunidade
militar nos últimos dois anos tem sido a reação contra a divulgação do
aprendizado da contrainsurgência no meio das existentes campanhas no
ADMINISTRAÇÃO Iraque e no Afeganistão.
Linda Darnell
Secretária
23 Revendo as Prioridades para a Força
EDIÇÕES IBERO-AMERICANAS Futura do Exército
Paula Keller Severo Coronel Jeffrey D. Peterson, Tenente-Coronel Robert
Assistente de Tradução Kewley, Tenente-Coronel James Merlo, Major Buzz Phillips,
Michael Serravo Major Ed Werkheiser, Major Jeremy Gwinn e Major Ryan
Diagramador/Webmaster Wylie.

EDIÇÃO HISPANO-AMERICANA As principais experiências que guiaram a Transformação do Exército


Albis Thompson durante as últimas duas décadas foram as dificuldades de desdobrar as
Tradutora/Editora forças de combate do Exército e a natureza das missões durante os anos
90 que pareciam pôr em dúvida a relevância do Exército em uma era de
Ronald Williford operações de manutenção da paz e de armas de precisão.
Tradutor/Editor

EDIÇÃO BRASILEIRA 32 Desenvolvendo Sargentos Líderes para o


Shawn A. Spencer Século XXI
Tradutor/Editor Suboficial John W. Proctor, Exército dos EUA
Flavia da Rocha Spiegel Linck
Tradutora/Editora No centro da transformação do Exército se encontra o Sargento. Ele guia
nossos Soldados dentro da batalha do século XXI. Ele cuida, treina e orienta
ASSESSORES DAS EDIÇÕES nossos Soldados na paz e na guerra.
IBERO-AMERICANAS
Cel Cristian E. Chateau,
Oficial de Ligação do Exército Chileno junto
ao CAC/EUA e Assessor da Edição Hispano- 41 Atendimento às Vítimas de
Americana
Combate Tático: Um Estudo de Caso do
Cel Sergio Luiz Goulart Duarte,
Oficial de Ligação do Exército Brasileiro
Profissionalismo Técnico dos Sargentos
junto ao CAC/EUA e Assessor da Edição Tenente-Coronel Médico Richard Malish, Exército dos EUA
Brasileira
O Exército dos EUA possui um corpo de oficiais não comissionados (Non-
Commissioned Officers - NCOs) sem paralelo entre as forças militares do
mundo.
Edição Brasileira

REVISTA PROFISSIONAL DO EXÉRCITO DOS EUA

Publicada pelo

CENTRO DE ARMAS COMBINADAS

Forte Leavenworth, Kansas 66027-1254
TOMO XC JANEIRO-FEVEREIRO 2010 NÚMERO 1

http://militaryreview.army.mil

email: leav-milrevweb@conus.army.mil

49 O Sargento como Exemplo Moral


Major Kenneth R. Williams, Exército dos EUA

Na guerra, a verdade é a primeira baixa”, segundo o dramaturgo trágico grego Ésquilo (525-456 a.C.). Com
certeza a guerra sujeita soldados a forças físicas, emocionais, espirituais e morais que os influenciam a violar
suas identidades morais pessoais e profissionais.

58 A Tendência para os Crimes de Guerra


Tenente-Coronel Robert Rielly, Exército dos EUA, Reformado

Pensa que sua unidade não pode ser envolvida em crimes de guerra? Como sabe? A maioria dos líderes
acredita que nunca ocorreria em sua unidade, mas uma história após outra pertencendo aos soldados e
fuzileiros navais americanos que supostamente participaram em crimes de guerra passaram nas notícias.

66 Intenções Equivocadas — Resistindo ao AFRICOM


Capitão Moussa Diop Mboup, Exército Senegalese,
Michael Mihalka, Pd. D., e
Major Douglas Lathrop, Exército dos EUA, Reformado.

A África aumentou drasticamente de importância durante a administração do presidente George W. Bush.


O presidente expressou a mudança estratégica em termos inequívocos: “A África está se tornando cada vez
mais importante e vital para os nossos interesses estratégicos.”

73 O Serviço Militar Obrigatório, a República e o Futuro dos


Estados Unidos
Adrian R. Lewis, Ph.D.

O Exército dos EUA e o Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) contam com efetivo insuficiente para fazer tudo que
lhes pedimos e exigimos, enquanto o povo americano vive confortavelmente com uma mentira. A mentira
é que as Forças Armadas dos EUA possuem homens e mulheres suficientes para fazer o seu trabalho, que
a moral está alta e que a carga e as aflições são insignificantes.

84 Jihad e Contrainsurgência: Concepções Distintas da Guerra


Psicológica
Major Alessandro Visacro, Exército Brasileiro

A doutrina militar do século XX foi influenciada sobremaneira pelas ideias de Carl Von Clausewitz, para
quem “o desarmamento do inimigo era o objetivo de qualquer ato de guerra”. De acordo com o ilustre
prussiano, “desarmar um Estado” não possuía o sentido estrito da palavra, mas, de qualquer forma, era
“preciso conquistar o território” e “destruir as forças militares.”

Military Review – Publicada pelo CAC/EUA, Forte Leavenworth, Kansas, bimestralmente em português, espanhol e inglês. Porte pago
em Leavenworth Kansas, 66048-9998, e em outras agências do correio. A correspondência deverá ser endereçada à Military Review,
George W. Casey, Jr. CAC, Forte Leavenworth, Kansas, 66027-1254, EUA. Telefone (913) 684-9338, ou FAX (913) 684-9328; Correio Eletrônico (E-Mail)
General, United States Army leav-milrevweb@conus.army.mil. A Military Review pode também ser lida através da Internet no Website: http://www.militaryreview.
Chief of Staff army.mil/. Todos os artigos desta revista constam do índice do Public Affairs Information Service Inc., 11 West 40th Street, New York,
NY, 10018-2693. As opiniões aqui expressas pertencem a seus respectivos autores e não ao Ministério da Defesa ou seus elementos
constituintes, a não ser que a observação específica defina a autoria da opinião. A Military Review se reserva o direito de editar todo
Official:
e qualquer material devido às limitações de seu espaço.

JOYCE E. MORROW Military Review Edição Brasileira (US ISSN 1067-0653) UPS 009-356)is published bimonthly by the U.S. Army, Combined Arms Center
Administrative Assistant to the (CAC), Ft. Leavenworth, KS 66027-1254. Periodical paid at Leavenworth, KS 66048, and additional maling offices. Postmaster send
Secretary of the Army 0633905 corrections to Military Review, CAC, 294 Grant Ave., Ft. Leavenworth, KS 66027-1254.
Formação do Cabo Para o Desempenho
de Atividades Estratégicas (“O Cabo
Estratégico”):
Uma Mudança de Paradigma
Kevin D. Stringer, Ph.D.

Primeira Colocação no Concurso de Redação estratégico. Suas ações afetaram diretamente


DePuy o resultado da operação como um todo. Os
graduados de hoje desempenham papéis não

E M UM MUNDO multinacional, conjunto


e de agências governamentais, cada
vez mais complexo, que oscila entre
as missões militares convencionais e não
convencionais na linha de frente, ao servir
como prefeitos municipais no Iraque, negociar
com líderes tribais no Afeganistão e treinar
forças nativas em todo o mundo. Eles são meios
convencionais, transformar a educação e o estratégicos.
desenvolvimento da liderança dos graduados é Para atender a essas avançadas exigências
de fundamental importância. As forças militares de liderança, o desenvolvimento educativo
dos EUA presumem que os oficiais de carreira do Exército dos EUA deve ser ampliado
arcarão, com base em seu nível de educação para incluir o ensino de idiomas, a formação
e papéis hierárquicos, com a maior parte das cultural e oportunidades de intercâmbio
interações interculturais e interagências nas interagências nos níveis apropriados do sistema
operações de estabilidade e de contrainsurgência de educação de graduados (noncommissioned
atuais e futuras. Essa hipótese está errada officer education system — NCOES). Essa
porque a era do “cabo estratégico” chegou. expansão preparará cabos para o desempenho
Esse termo-chave vem do artigo “The Strategic de atividades estratégicas, nas operações
Corporal: Leadership in the Three Block War” complexas que o Exército dos EUA enfrenta
(“O Cabo Estratégico: Liderança na Guerra de agora e no futuro. Com a transição da formação
Três Quadras”, em tradução livre), do general existente de graduados do treinamento para
Charles C. Krulak, do CFN.1 Nele, o autor se a educação, à medida que eles ascendem na
refere às lições inevitáveis da Somália e de hierarquia em graduação e cargo, os primeiros
outras operações tradicionais, de assistência passos da mudança já estão ocorrendo.2 Essa
humanitária e de manutenção da paz mais mudança de paradigma proporciona uma janela
recentes, em que os resultados dependeram das de oportunidade para acrescentar o ensino de
decisões tomadas por líderes de pequenas frações. idiomas, a formação cultural e oportunidades
Nessas situações, o graduado individualmente de intercâmbio interagências — elementos
era o símbolo mais visível da política externa dos essenciais — ao programa educacional dos
EUA, influenciando não apenas a situação tática graduados. Essas três áreas servem de foco para
imediata, mas também os níveis operacional e recomendações determinantes na adaptação do

O Dr. Kevin D. Stringer serviu em posições de chefia e em História e Segurança Internacional pela Universidade de
estado-maior na 8ª Divisão de Infantaria, na Força-Tarefa do Zurich. Antigo diplomata do Departamento de Estado é autor
Sul da Europa (SETAF) e no Comando Europeu (EUCOM) do livro Military Organizations for Homeland Defense and
como oficial da ativa e da reserva do Exército. Formado em Smaller-Scale Contingencies (Praeger Security International,
1987 pela Academia Militar dos EUA, possui o mestrado em 2006). É professor de Assuntos Internacionais em instituições
Relações Internacionais pela Boston University e o doutorado na Suíça, Estônia e Ucrânia.

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FORMAÇÃO DE GRADUADOS

Exército dos EUA, Sgt Andrew Smith


O sargento Stephen Olson, do Exército dos EUA, observa integrantes da Polícia Nacional Afegã buscando esconderijos de
armas inimigas perto de Shah Wali Zarat, na Província de Khowst, no Afeganistão, em 24 de julho de 2009.

sistema educativo de graduados, com base nas será um ambiente em que o Exército enfrentará
melhores práticas das outras forças singulares adversários que poderão ser atores não-estatais,
dos EUA. insurgentes, criminosos ou redes dispersas
de extremistas ideológicos. Distinguir entre
A Necessidade da Perícia Militar combatentes e não combatentes se tornará mais
Um estudo recente do Comando das Forças e mais complexo e caótico, já que eles serão
Combinadas dos EUA sobre o futuro das cultural e socialmente estrangeiros.
operações militares sugere um grande potencial Um problema crítico é que o Exército dos EUA
para a instabilidade em todo o mundo devido às raramente possui as habilidades linguísticas ou a
demandas demográficas, energéticas e climáticas. perícia cultural para operar nas seguintes regiões:
O relatório Joint Operating Environment 2008 Chifre da África, Ásia Central, Oriente Médio e
afirma: Afeganistão. O idioma, o entendimento cultural
Os próximos 25 anos desafiarão as forças e o conhecimento regional se misturam de
combinadas dos EUA com ameaças e maneiras diferentes, mas complementares, para
oportunidades que englobarão desde as produzir melhor Inteligência, operações cívico­
guerras regulares e irregulares em terras militares mais confiáveis e uma compreensão
distantes até as operações de socorro maior do inimigo. Como observado no estudo
e reconstrução em zonas de crise e o do Comando das Forças Combinadas dos EUA,
engajamento contínuo no espaço comum “A execução da guerra exige um entendimento
mundial.3 profundo do inimigo — sua cultura, história,
A análise implica que as forças militares geografia, motivações religiosas e ideológicas
americanas estarão engajadas em um conflito e, em particular, as enormes diferenças em
persistente ao longo dos próximos 25 anos. Esse suas percepções do mundo externo”. 4 Esse

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entendimento só pode ocorrer com competências sua proficiência militar tradicional com
linguísticas, culturais e regionais orgânicas, conhecimento cultural e de idiomas estrangeiros
a começar pelas unidades de baixo escalão e oportunidades de trabalhar com governos civis
— o alicerce dos graduados. Como disse e organizações não-governamentais.9
um eminente perito francês em operações
complexas, “Os líderes eficazes das pequenas Redesenho Educativo
unidades de combate devem pensar como Os primeiros passos da mudança estão
coletores da Inteligência humana, operadores de ocorrendo com o redesenho do sistema educativo
contrapropaganda, funcionários de organizações de graduados para atender às necessidades
não-governamentais e negociadores”.5 da guerra global contra o terrorismo. O
Doutrinariamente, o manual de campanha sistema educativo de graduados é a base para
fundamental do Exército sobre a contrainsurgência, o desenvolvimento deles. Proporciona um
o FM 3-24, proporciona observações valiosas treinamento em habilidades ocupacionais
sobre quais habilidades e competências são militares e de liderança em um sistema integrado
necessárias para o êxito no ambiente descrito: de ensino presencial de quatro níveis: primário,
Exige que soldados e fuzileiros navais básico, avançado e superior. Os cursos atualizados
empreguem uma mistura de tarefas e prepararão melhor os soldados para as maiores
habilidades de combate mais frequentemente responsabilidades de tomada de decisões e de
relacionadas a órgãos não militares… Exige liderança necessárias na guerra global contra o
que os líderes em todos os níveis ajustem sua terrorismo. Segundo as palavras do sargento Ray
abordagem constantemente… A expectativa Chandler, da Academia de Sargentos-Ajudantes
é que os soldados e fuzileiros navais do Exército dos EUA (US. Army Sergeants Major
sejam construtores de nações, bem como Academy), “Possuímos o corpo de graduados
guerreiros. Devem estar preparados para mais instruído de todos os tempos e, por isso,
ajudar a restabelecer as instituições e forças tivemos de atualizar o currículo para tirar
de segurança locais e assistir na reconstrução proveito desse maior grau de instrução, no intuito
da infraestrutura e dos serviços básicos… A de apoiar todo o espectro de operações nesta era
lista dessas tarefas é longa; desempenhá-las de conflito persistente.” Ele disse que o novo
envolve ampla coordenação e cooperação
com muitas agências intergovernamentais,
internacionais e com a nação anfitriã.6 Na nova desordem mundial,
As operações militares pós-Guerra Fria são
extremamente descentralizadas, exigindo que todos — graduados, oficiais
homens e mulheres de todos os níveis em toda
a Força exerçam tarefas complexas de liderança e soldados —, e não apenas
e gerenciamento. Na nova desordem mundial, os melhores e mais brilhantes
todos — graduados, oficiais e soldados —,
e não apenas os melhores e mais brilhantes destinados ao generalato,
destinados ao generalato, precisam de um grau
essencial de competência militar profissional.7 precisam de um grau
Essas tendências requerem que o Exército essencial de competência
fomente uma cultura militar voltada a preparar
graduados para se tornarem cabos para o militar profissional.
desempenho de atividades estratégicas. Como
mencionado anteriormente, esse termo se refere
à delegação da responsabilidade de comando currículo enfocará mais o tipo de habilidade de
a indivíduos de graduações inferiores em uma pensamento crítico e de resolução de problemas
era de comunicações instantâneas e imagens antes reservado para a instrução de oficiais.10 O
difundidas na mídia. 8 O desenvolvimento coronel Don Gentry, comandante da academia,
do “cabo estratégico” inclui complementar declarou:

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FORMAÇÃO DE GRADUADOS

Eles [os graduados] precisam ser direto com a população por meio da interação
instruídos… precisam entender como social. A habilidade branda de proficiência em
resolver problemas complexos. Precisam línguas estrangeiras tem um impacto tremendo
ser pensadores críticos e criativos, porque no êxito da contrainsurgência. Uma segunda
as situações com as quais eles se deparam habilidade é o conhecimento transcultural; uma
em combate são muito mais complexas do terceira, a capacidade de operar e cooperar dentro
que eram no passado. Isto é, avaliação e de um contexto interagências.15
síntese, em vez de apenas entendimento e Embora não haja dúvida que as habilidades
conhecimento.11 em línguas estrangeiras e a perícia cultural
Essa abordagem educativa espelharia uma sejam capacidades essenciais com as quais as
visão de formação para os graduados definida forças militares de hoje precisam para enfrentar
como as atividades que visam a desenvolver os os desafios atuais, apenas uma pequena parcela
conhecimentos, habilidades, valores morais e o dos soldados atuais e líderes as possuem.
entendimento exigidos em todos os aspectos da Até recentemente, não havia uma abordagem
vida, em vez de habilidades e conhecimentos abrangente e sistemática para desenvolver
isolados relacionados apenas a um campo a perícia cultural. 16 As forças militares de
limitado de atividade. A função essencial da hoje devem ser treinadas e estar prontas para
formação acadêmica, quer seja civil quer militar, se engajar com o mundo por meio de uma
é desenvolver a capacidade intelectual de um compreensão de culturas diversas e para
indivíduo.12 se comunicar diretamente com os cidadãos
Ao mesmo tempo, esse redesenho alinhará o locais. Essas habilidades salvam vidas. Quer
conteúdo do sistema com o currículo da Escola de desempenhem missões de combate tradicionais
Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) quer missões de guerra irregular, essas são
dos EUA no Forte Leavenworth, Kansas. A habilidades fundamentais.17 As habilidades de
meta é unificar o material para criar uma equipe comunicação verbal, como interação social,
integrada, que fale a mesma língua e consolide o negociação e pensamento crítico e criativo,
relacionamento entre oficiais e graduados: “um são ferramentas essenciais para os líderes de
é o planejador, o outro é o executor no nível todos os escalões — dos graduados na fração
mais fundamental”.13 Segundo o vice-diretor aos coronéis na força multinacional.18 Além
da ECEME dos EUA, Marvin L. Nickels, “A disso, já que as operações não convencionais
ECEME disponibilizou seu currículo inteiro para são essencialmente uma mistura holística
a Academia de Sargentos-Ajudantes dos EUA, a de capacidades extraídas do Exército e de
qual está adaptando nosso currículo para atender inúmeros outros órgãos federais, a exposição
às suas necessidades”. O objetivo é fazer com e a experiência interagências são vitais,
que os oficiais superiores e os graduados seniores especialmente para os graduados mais antigos.
do Exército utilizem um marco de referência Assim, o ensino de idiomas, a formação cultural
comum, para que o conjunto de habilidades único e as oportunidades de intercâmbio interagências
adquirido pelos dois tipos de líder apoie melhor para os graduados representam requisitos
o comandante.14 essenciais.
Esse redesenho e realinhamento do currículo
é uma oportunidade ideal para acrescentar o Ensino de Idiomas
ensino de “habilidades brandas” relevantes Como um oficial superior declarou:
ao programa educativo dos graduados. As “Se todos os nossos soldados falassem
habilidades brandas são aquelas capacidades árabe, poderíamos ter resolvido o Iraque
que se enquadram nas categorias de dinâmica em dois anos… O ponto principal é que
humana, comunicação interpessoal e relações o idioma é obviamente um obstáculo ao
pessoais, em vez das habilidades de combate nosso êxito, muito mais que a cultura. Até
relacionadas ao engajamento com o adversário um entendimento fundamental da língua
com fogo e manobras e outros meios cinéticos. teria tido um impacto significativo na nossa
As habilidades brandas facilitam o engajamento capacidade de operar.”19

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Clifford F. Porter, historiador do Instituto exigências relativas a línguas estrangeiras dos
de Idiomas Estrangeiros do Departamento de comandos combatentes, forças singulares e órgãos
Defesa, observou o que segue: da Defesa. Os relatórios mostram um aumento
Conhecer verdadeiramente nosso inimigo significativo das necessidades de 80.000 para
exige entender a cultura, a política e a religião 141.000.24 Curiosamente, mais da metade das
dos terroristas, o que, por sua vez, exige peritos exigências são por habilidades básicas de nível
em seu idioma. Duas lições iniciais aprendidas no inferior, refletindo a demanda por elas na força
Afeganistão foram que as habilidades em idiomas de emprego geral.25 O ensino prático de idiomas
estrangeiros mostraram-se absolutamente deve ser integrado no início do currículo dos
essenciais para derrubar o regime do Talibã graduados para atenuar os efeitos da deficiência. A
tão rapidamente e que as forças militares não meta nesse nível é o entendimento e comunicação
possuem capacidade suficiente em línguas básicos do idioma, não a fluência e o domínio.
estrangeiras… Além disso, a capacidade em As línguas “táticas” necessárias, como árabe,
línguas estrangeiras não só é importante para dari, farsi, turco e pachto devem ser o foco. O
a coleta de informações e para as operações objetivo de fato é o ensino básico de idiomas,
especiais, como é essencial para entender como com a expectativa adicional de que os estudantes
o inimigo pensa do nível estratégico ao nível sejam motivados a continuar a aprender a língua
tático da guerra.20 por vontade própria.26
O idioma também afeta a guerra de Inteligência. Por exemplo, ao retornar da invasão inicial do
Conforme demonstrado pela experiência russa na Iraque como general comandante da 1ª Divisão
Chechênia, na luta contra terroristas baseados de Fuzileiros Navais, o general John Mattis
em clãs ou tribos, a Inteligência é um fator preparou a divisão para o próximo rodízio com o
essencial nas operações de contrainsurgência. ensino de idiomas durante o pré-desdobramento.
Previsivelmente, o êxito da Inteligência em Forneceu quatro semanas de instrução básica
tal guerra continua sendo o domínio de seres em árabe e cultura para 200 fuzileiros navais,
humanos, não de máquinas. 21 Dado que os aproximadamente um por pelotão. 27 Mattis
interesses e responsabilidades mundiais dos reconheceu que a capacidade linguística e cultural é
EUA ainda excedem em muito sua capacidade um multiplicador da força.28 A seu ver, “ter alguém
de Inteligência humana, essa falta de habilidade que possa falar árabe é como ter outro batalhão de
em idiomas levou a uma lacuna previsível na infantaria”.29 O Comitê das Forças Armadas da
capacidade de Inteligência. 22 A capacidade Câmara de Deputados dos EUAquestionou por que
essas lições não haviam sido institucionalizadas,
fornecendo modelos para o futuro.
O estilo de guerra americano A integração do ensino de idiomas nos quatro
níveis da educação de graduados do Exército
sofre os danos autoinfligidos (Curso de Liderança de Guerreiros [Warrior
causados por não entender o Leader Course]; Curso Básico de Graduados
[Basic Noncommissioned Officer Course];
inimigo do dia. Curso Avançado de Graduados [Advanced
Noncommissioned Officer Course]; e Curso de
Sargentos-Ajudantes do Exército dos EUA [US.
limitada em línguas estrangeiras nas operações Army Sergeants Major Course]) resolveria essa
especiais e de Inteligência — bem como em deficiência. O acompanhamento, ao longo da
outros setores do governo — já custou vidas. As carreira, da proficiência linguística dos soldados
duas lições aprendidas em conflitos anteriores (e níveis correspondentes de instrução segundo
são que os Estados Unidos nunca têm suficiente sua capacidade e progressão) é uma forma para
capacidade em línguas estrangeiras e pagam por alcançar essa situação final, ao mesmo tempo
esse déficit com sangue.23 em que se fornece ao graduado do Exército uma
Durante os últimos dois anos, o Departamento ferramenta essencial para administrar situações
de Defesa recebeu relatórios trimestrais sobre as operacionais complexas.

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FORMAÇÃO DE GRADUADOS

Força Aérea dos EUA, Sgt Shawn Weismiller

O subtenente Matthew Mullens, do Exército dos EUA, designado na Equipe de Desenvolvimento de Agronegócios de
Nangarhar, na base avançada de operações Finley-Sheilds, Afeganistão, inspeciona sementes de trigo, 28 de maio de 2009.

Conhecimento Cultural tinham meios para se comunicar em árabe —


Embora o idioma seja importante, não se uma posição indefesa, volátil e extremamente
deve subestimar a importância do entendimento perigosa. Eram incapazes de explicar sua
cultural.30 Como o eminente estrategista britânico intenção não hostil ou de entender as razões
Colin S. Gray observou, o estilo de guerra dos iraquianos para sua angústia, resultando
americano tem 12 características específicas — em uma situação explosiva para as forças
uma das quais é a ignorância cultural. Ele escreveu americanas. Felizmente, o comandante recorreu
que os americanos não costumam “respeitar as à comunicação pela língua de sinais ao oferecer
crenças, hábitos e comportamentos de outras um ato passivo de bondade e demonstrar que
culturas… O estilo de guerra americano sofre os não havia a intenção de agressão; os iraquianos
danos autoinfligidos causados por não entender o responderam na mesma moeda. Essa situação
inimigo do dia”.31 O general reformado israelense foi extremamente perigosa, intensificou-se
Arie Amit reforçou essa opinião quando disse a rapidamente e poderia ter sido desastrosa. O
uma plateia em Washington, em março de 2002, oficial era muito habilidoso e tomou uma boa
que os Estados Unidos não prevaleceriam sobre decisão, mas admitiu: “Ninguém o preparou para
os terroristas a menos que entendessem “seu um multidão irada em um país muçulmano”.33
idioma, sua literatura e sua poesia”; em suma, Essa declaração também se aplica a todos os
sua cultura.32 graduados no escalão de pequenas unidades
A interação com o povo iraquiano demonstra nessas circunstâncias. A população local é o
o problema. Por exemplo, durante patrulhas centro de gravidade no escalão dos graduados.
de manutenção da paz rotineiras, cidadãos Ter um conhecimento adequado sobre a cultura
iraquianos que estavam transtornados e zangados local é fundamental para a segurança pessoal
enfrentaram as forças dos EUA. Os soldados não dos soldados.34

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 7


O Corpo de Fuzileiros Navais fornece uma formação cultural. Esse curso de três dias sobre
abordagem educacional de melhores práticas a língua e a cultura pode servir como modelo
com sua definição clara da “situação final da para o módulo “inicial” do Curso de Liderança
aprendizagem cultural” que quer alcançar. Em de Guerreiros do Exército, com duração de
simples palavras: quatro semanas.
Não é a educação cultural pela cultura Ao pensar sobre os campos de conhecimento
em si, mas uma quantidade razoável cultural e proficiência linguística, alguns
de treinamento e formação focados
em operações, para assegurar que …os futuros graduados
os fuzileiros navais e líderes tomem
decisões esclarecidas e entendam os subalternos do Exército talvez
impactos culturais das decisões táticas e
operacionais.35 precisem possuir atributos
Para fazer isso, o CFN estabeleceu o Centro
de Aprendizagem de Cultura Operacional
tradicionalmente da alçada
Avançada (Center for Advanced Operational das Forças Especiais.
Culture Learning) para incutir o conhecimento
cultural ao longo de todo o programa de
adestramento e educação do CFN.36 especulam que os futuros graduados subalternos
Por exemplo, antes de se desdobrar, uma do Exército talvez precisem possuir atributos
equipe de sargentos e soldados do CFN treinou tradicionalmente da alçada das Forças Especiais.
por três dias no centro. Durante o primeiro dia, Contudo, um regime educativo aprimorado,
foram ministradas aulas sobre a história do planejado para produzir um “cabo estratégico”,
Afeganistão. Outros cursos ensinaram conceitos não exige necessariamente que se utilize o
básicos sobre o Afeganistão: treinamento de Forças Especiais de forma
●●Grupos étnicos. generalizada. Um programa sistemático para
●●Idiomas. dominar uma gama de proficiências adicionais
●●Geografia. seria suficiente. A maioria das habilidades é
●●Clima. ensinada atualmente dentro do Exército, mas
●●Considerações táticas do treinamento do de forma improvisada.38 A institucionalização
Exército Nacional Afegão. de uma melhor formação em conhecimento
Durante o segundo dia, os instrutores cultural para os graduados do Exército teria um
ministraram aulas sobre técnicas para se resultado bastante compensador.
comunicar com funcionários nativos. Ensinaram
como passar informações aos afegãos através Como Trabalhar
das barreiras culturais e quais erros evitar ao com as Agências
falar com eles. As equipes também aprenderam Segundo um analista, as Forças Armadas
sobre a cultura do Talibã e do Hezb-i-Islami dos EUA em grande parte evitam operações
Gulbuddin, os combatentes de Hekmatyar — combinadas, interagências e de coalizão
um grupo terrorista atuante no Afeganistão. integradas, bem como ignoram o papel das
Quando as unidades de fuzileiros navais se organizações não-governamentais (ONGs).
engajarem com os líderes tribais, a intenção A maioria das operações carece de coesão,
é que os fuzileiros usem a cultura do inimigo flexibilidade e rapidez de reação.39 Para corrigir
em benefício próprio. O propósito é trabalhar esse déficit, a “fertilização cruzada” educativa e
eficazmente com o Exército Nacional Afegão e empírica entre as forças militares e outros órgãos
com civis e entender a mentalidade do inimigo. do governo melhoraria a eficácia do comando
Em cada dia de treinamento, os fuzileiros navais interagências e a unidade de esforço. As forças
recebem instrução em dari e pachto, as duas militares investiram grandes quantidades de
línguas que usarão.37 O treinamento de línguas recursos educativos para desenvolver uma
é um componente essencial e complementar da cultura “combinada”. Uma verdadeira cultura

8 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


FORMAÇÃO DE GRADUADOS

interagências, que vincule as forças militares dos De igual importância para as operações
EUA a agências civis congêneres, exigirá esforço de contrainsurgência ou de estabilidade é a
semelhante.40 capacidade de lidar com ONGs.47 Há algumas
Tal esforço de conectar agências congêneres milhares de ONGs de muitos tipos, cujos
é especialmente relevante para os graduados do estatutos sociais regem suas atividades e a
Exército, já que muitos órgãos governamentais motivação dos membros. 48 As ONGs muitas
civis não possuem uma função de liderança vezes desempenham um papel importante
equivalente às graduações deles; portanto, esse no âmbito local das operações. Portanto, os
papel não é bem entendido pela maioria dos graduados devem estar preparados para lidar
funcionários civis. Isso se torna mais importante com essas instituições ocasionalmente difíceis.
conforme os graduados mais antigos começam Muitas dessas agências resistem a se envolver
a trabalhar em igualdade de condições com abertamente com as forças militares porque
membros do Departamento de Estado, governos precisam preservar a percepção de neutralidade;
estrangeiros e organizações não-governamentais.41 no entanto, o estabelecimento de algum tipo de
Como o Comandante da Academia de Sargentos- ligação é necessário. A cooperação envolve uma
Ajudantes disse: análise compartilhada do problema e a formação
Não é do treinamento de graduados que de um consenso que permita a sincronização dos
precisamos. É da educação, para que o esforços militares e interagências. O papel das
Exército possa desenvolver sua capacidade forças militares engloba as seguintes ações:
intelectual para todo o espectro das ●●Proporcionar proteção.
operações… os graduados já falam com o ●●Identificar as necessidades.
Departamento de Estado e com as ONGs. ●●Facilitar as operações cívico-militares.
São prefeitos de cidades.42 ●●Usar melhorias nas condições sociais
Por exemplo, os soldados e graduados como poder de influência para construir redes e
da 3ª Brigada de Combate, da 101ª Divisão mobilizar a população.49
Aeroterrestre, foram designados para uma missão Essas ligações asseguram que, tanto quanto
de avaliação abrangente sobre como revitalizar possível, as forças militares e as agências civis
a indústria de aquicultura iraquiana — uma compartilhem os objetivos e sincronizem as ações
tarefa interagências bem além dos limites das e mensagens. Obter essa sinergia é essencial.50
responsabilidades tradicionais dos graduados.43 Há também um impasse em relação à interface
Dadas essas situações, os líderes militares entre as forças militares e as ONGs que afeta a
devem incentivar a coordenação nos níveis equação de segurança. As ONGs precisam de
operacionais e táticos. Formar líderes militares e
das agências civis para trabalharem juntos seria
um passo-chave, mas ninguém estabeleceu ainda …um estágio de 6 a 12
um programa de ensino amplo.44 Proporcionar
aos graduados mais antigos um estágio de 6 a meses em uma ONG pode ser
12 meses em outra agência aumentaria os laços proveitoso depois do Curso
entre os órgãos governamentais, necessários para
cumprir as missões que a Força enfrenta. Avançado de Graduados.
Os graduados não precisam de uma formação
acadêmica profunda em História Militar, Diplomacia
ou Relações Internacionais. Precisam, isso sim, de um ambiente seguro, no qual possam cumprir
um conhecimento aplicado básico desses assuntos; sua função. Sem ele, não podem realizar seu
uma abordagem de “lições aprendidas” que trabalho. Se as ONGs não puderem efetuar seu
assista aos soldados em sua tomada de decisões trabalho, as forças militares dos EUA terão de
e avaliações.45 Os ajustes no plano de carreira executar mais projetos de ação civil para ganhar
precisam assegurar que a educação ou a experiência os corações e mentes. Uma quantidade menor de
interagências adicionais forneçam benefícios em soldados para a segurança torna ainda mais difícil
designações e promoções futuras.46 colocar as ONGs no terreno.51

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 9


Dada a posição do graduado nessa importante requisito seria que o Exército dos EUA designasse
relação, um estágio de 6 a 12 meses em uma ONG as cinco ou seis línguas de maior importância
pode ser proveitoso depois do Curso Avançado estratégica para a Força:
de Graduados. A experiência exporia o graduado ●●Curso de Liderança de Guerreiros (Warrior
em ascensão do Exército às organizações Leader Course). Acrescentar um módulo
humanitárias e à sua cultura de trabalho e visão introdutório de idiomas e formação cultural,
do mundo. Sua presença formaria uma ponte com duração de três dias, para identificar futuros
entre os mundos das forças militares e das ONGs. graduados com habilidades linguísticas, começar
Também poderia aplacar ou corrigir noções a orientação linguística básica nos idiomas
pré-concebidas sobre os militares no mundo necessários e expor aos estudantes os conceitos
humanitário. Por sua vez, a ONG ganharia um culturais operacionais. Esse módulo inclui fazer
indivíduo com forte capacidade de liderança, o teste de aptidão linguística, assim como avaliar
administração, organização e logística. e identificar os graduados que estejam dispostos
e sejam capazes de se tornar aprendizes de um
Recomendações e Melhores
idioma estrategicamente importante ao longo de
Práticas entre todas as Forças
sua carreira.53
Singulares
●●Curso Básico de Graduados (Basic
Para preparar os graduados para o desempenho Noncommissioned Officer Course). Proporcionar
de missões não-convencionais eficazmente, instrução básica e de reciclagem em idiomas e
eles precisam receber instrução relevante e formação cultural a um núcleo comum ampliado
padronizada ao longo de todo o sistema de (atualmente uma semana), que complemente o
educação militar profissional. Dadas as mudanças treinamento de liderança recebido no Curso de
em andamento do treinamento à educação, está Liderança de Guerreiros.
na hora de acrescentar o ensino de idiomas, a ●●Curso Avançado de Graduados (Advanced
formação cultural e programas de intercâmbio Noncommissioned Officer Course). Oferecer
interagências à programação. O problema instrução básica e de reciclagem em idiomas
principal será implantar programas culturais e formação cultural dentro do curso atual
e de línguas nas escolas de graduados, cuja de oito semanas e dois dias. Acrescentar um
duração de curso é curta demais para permitir módulo curto e prático de educação sobre os
que se acrescente mais instrução a um currículo relacionamentos combinados e interagências ao
currículo ensinado nesse nível.
●●Bolsa Interagências ou Estágio em ONG.
…a meta é desenvolver um Oferecer um posto de 6 a 12 meses para
graduados selecionados, com graduação de 1º
nível adequado de capacidade sargento e superiores.
●●Curso de Sargentos-Ajudantes do Exército
linguística e cultural básica dos EUA (US. Army Sergeants Major Course).
entre os líderes da força de Desenvolver maior conhecimento cultural,
reciclar as habilidades linguísticas adquiridas
emprego geral. e proporcionar mais exposição ao ambiente
interagências por meio de opções adicionais no
currículo.
já cheio. Uma solução para a força de graduados Os suplementos educativos podem
envolveria oferecer mais oportunidades para a complementar a formação em conhecimento
aprendizagem de línguas por meio do Instituto cultural por meio do ensino a distância durante os
de Idiomas Estrangeiros do Departamento de períodos entre os cursos formais. Além disso, os
Defesa ou de outras organizações.52 graduados podem ser incumbidos de uma língua
O esboço a seguir é uma proposta de como específica durante o Curso de Liderança de
implantar essas mudanças dentro da estrutura Guerreiros; um idioma estrangeiro que manterão
educacional existente. Um importante pré­ ao longo de toda a carreira.

10 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


FORMAÇÃO DE GRADUADOS

Mais uma vez, a meta é desenvolver um instrução em quatro idiomas “estratégicos”:


nível adequado de capacidade linguística e espanhol, francês, chinês mandarim e árabe.59
cultural básica entre os líderes da força de Por último, os exércitos estrangeiros também
emprego geral. Embora não sejam considerados consideram desenvolver seu corpo de graduados
profissionais de idiomas, os integrantes das por meio de uma melhor formação. O Exército
forças especiais devem adquirir pelo menos australiano oferece treinamento linguístico aos
certo nível de proficiência em alguma língua graduados antes de seu desdobramento para
estrangeira. As forças especiais — cujos
integrantes não incluem os soldados rasos
— concentram seu aprendizado de línguas As operações de
obtendo no mínimo habilidades rudimentares
de conversação, que as capacitam a interagir contrainsurgência e de
com as populações locais.54 policiamento exigem
O Exército pode buscar outras organizações que
estejam desenvolvendo opções educativas desse competência em idiomas
tipo para o desenvolvimento de liderança dos
graduados e adaptá-las conforme as necessidades estrangeiros, entendimento
específicas do Exército. Na área de idiomas, transcultural e conhecimento
por exemplo, o Corpo de Fuzileiros Navais
reserva anualmente 40 lugares no Instituto de histórico.
Idiomas Estrangeiros do Departamento de
Defesa, como parte de um programa de incentivo
de re-alistamento para línguas essenciais. O o Timor Leste.60 O Exército francês integra a
programa é oferecido a todas as praças do educação cultural operacional e antropológica
CFN, de qualquer especialidade, incluindo nos escalões batalhão, pelotão e esquadra.61
aquelas que normalmente não têm a exigência
de proficiência em idiomas como parte de seus Ideais do Século XXI
deveres.55 O Centro de Aprendizagem Cultural Os graduados terão de se engajar na luta
Operacional Avançada do CFN tem um programa contra o terrorismo e outras ideologias que
de assistência da instrução para que todos os possam surgir no século XXI. 62 Terão de
fuzileiros navais que não estejam cumprindo lidar com as populações locais, outros órgãos
seu primeiro alistamento adquiram instrução em governamentais e organizações humanitárias. As
idiomas, cultura e aspectos econômicos de uma operações de contrainsurgência e de policiamento
região designada.56 exigem competência em idiomas estrangeiros,
Quanto à cultura, a Universidade da Força entendimento transcultural e conhecimento
Aérea dos EUA está desenvolvendo suas histórico.63
iniciativas de conhecimento cultural para os Para atender a esses desafios, o Exército
aviadores com a inclusão do ensino de cultura e deve investir na educação de seus graduados
idiomas no currículo da Academia de Graduados subordinados e superiores ao adaptar o
da Força Aérea. 57 Em dezembro de 2007, a marco educativo atual para incorporar o
Força Aérea criou o Centro de Cultura e Idiomas ensino de idiomas, a formação cultural e
da Força Aérea na Base Aérea Maxwell, no oportunidades de intercâmbio interagências
Alabama. Essa organização do âmbito da Força nos níveis apropriados do sistema educativo de
Aérea agora tem a responsabilidade de definir, graduados. Ao mesmo tempo, esse investimento
coordenar e implantar programas de formação estabelece o compromisso institucional com
e treinamento culturais, regionais e de línguas o desenvolvimento de liderança profissional
estrangeiras para satisfazer as exigências da permanente do graduado, formando, assim,
Força Aérea.58 Mesmo antes, em fevereiro de os cabos para o desempenho de atividades
2006, a Universidade da Aeronáutica começou, estratégicas, necessários para as operações
na Academia de Graduados Superiores, a complexas atuais e futuras.MR

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 11


REFERÊNCIAS

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em: 18 de fevereiro de 2008. 63. Consulte RECORD, Jeffrey. “The American Way of War: Cultural
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30. Consulte, por exemplo, BORÉ, Henri, Exército francês, “Cultural Aware­ de setembro de 2006), p. 17.

12 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


Vamos Vencer as Guerras que

Estamos Travando

John Nagl

no Iraque e no Afeganistão. Essas guerras


incitaram mudanças muito necessárias na forma
com que os EUA se preparam e dão prioridade à
guerra irregular. Essas mudanças foram obtidas
com sacrifício. Foram alcançadas somente após
anos de sofrimentos e tribulações em épocas
de guerra que custaram aos EUA um preço alto
em dinheiro, material e vidas dos corajosos
integrantes das Forças Armadas.
Apesar da natureza da tentativa de tais
mudanças, existem aqueles que predizem os
sinistros resultados para os EUA se as forças
militares, particularmente o Exército, continuarem
o processo de adaptação. Gian Gentile, um crítico
eloquente da adaptação à contrainsurgência,
escreveu que a ênfase exagerada coloca o
Exército americano em uma condição perigosa.
A sua capacidade de lutar guerras que consistem
Força Aérea dos EUA, Sgt Samuel Bendet

em batalhas diretas usando carros de combate e


infantaria mecanizada corre o risco de atrofia.”2
E ele não está sozinho em suas observações.
Três comandantes de brigada na Guerra do
Iraque produziram um relatório governamental
advertindo sobre a degradação da raramente
usada artilharia de campanha, declarando que
o Exército está “hipotecando a sua capacidade
de travar a próxima guerra”.3. O Secretário do
Membros da 25a Divisão de Infantaria conduzem operações
de combate com o Exército iraquiano no meio de campos
Exército, Pete Geren, e o chefe do Estado-Maior,
petrolíferos incendiados. general George Casey, afirmam que o Exército
está “desequilibrado”, em parte pelo “foco no
Sua missão permanece fixa, determinada, treinamento para operações de contrainsurgência
inviolável. É vencer nossas guerras. à custa de outras capacidades”.4. Proeminentes
—–General Douglas MacArthur1 pensadores no campo civil da comunidade
acadêmica apresentaram argumentos similares.5

U M IMPRESSIONANTE, SE não
previsível, desenvolvimento na
comunidade militar nos últimos dois anos
tem sido a reação à divulgação do aprendizado da
Com advertências tão terríveis, pode-se até
esquecer que estamos, agora mesmo, no meio de
uma guerra. A missão do Exército dos EUA é de
lutar e vencer as guerras em que a Nação esteja
contrainsurgência no meio das atuais campanhas empenhada. Quando os tiros estão voando, os

O Tenente-Coronel John A. Nagl, Exército dos EUA, reformado, é pesquisador sênior no Center for a New American Security.

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 13


soldados estão em perigo e o interesse nacional lutando a Guerra do Vietnã mais uma vez no
Iraque”8 Isso implica que o Exército não tem nada
corre risco, o Exército precisa aplicar toda a sua
capacidade para vencer as guerras que está travando
a aprender da experiência da contrainsurgência
no momento. Conflitos futuros são importantes, do Vietnã.
mas os conflitos atuais são críticos: os EUA não É interessante lembrar que essa era precisamente
estão vencendo a campanha de contrainsurgência a opinião do Exército na ocasião. Depois da
no Afeganistão e mesmo com grande custo, guerra, o Exército optou por se concentrar
quase que não conseguiram recobrar a outra no no combate convencional de grande escala e
Iraque, que estava à beira do colapso somente “esquecer” a contrainsurgência. Estudos criticando
dois anos atrás. Um empenho contínuo em ambas a mentalidade do Exército na Guerra do Vietnã
as campanhas será provavelmente necessário nos foram amplamente esquecidos. A narrativa padrão
anos vindouros. Os inimigos dos EUA na Guerra foi promulgada pelo coronel Harry Summers em
Longa — a organização do Al Qaeda e seus seu livro de 1982 intitulado “On Strategy: Em
movimentos associados infestando outros Estados vez de nos concentrarmos no Vietnã do Norte — a
mundialmente — continuam determinados a atacar. origem da guerra — nós voltamos a nossa atenção
Uma multidão de tendências, desde globalização ao sintoma — a guerra de guerrilhas no Sul.”9
até crescimento populacional e proliferação de Summer argumentou que o foco da estratégia
armas, às quais o Exército reconheceu no seu norte-americana deveria ter sido derrotar o Vietnã
mais recente relato anual da situação do Exército,
do Norte por meio de operações convencionais;
sugere que a “era de conflito persistente” contraa insurgência por si só era irrelevante. O
inimigos letais não-estatais não terminará no futuro
general William Westmoreland e muitos outros
imediato.6 Por todos esses motivos, a segurança concordaram com essa avaliação: “Os Estados
da Nação e seus interesses exigem que o Exército Unidos falharam no Vietnã porque não usaram
continue se adaptando à contrainsurgência bem seu poder militar com a máxima vantagem”,
como à Guerra Irregular, e que institucionalize em grande parte pelo microgerenciamento dos
essas adaptações para que não sejam esquecidas legisladores em Washington.10 A solução era
de novo. reconstruir um Exército voltado exclusivamente
para alcançar vitórias operacionais decisivas no
Esquecendo as
campo de batalha.
Lições — De Propósito
O Exército obviamente necessitava ser
Colocamos um Exército, do qual eu tinha reconstruído após o Vietnã, e havia boas razões
feito parte por 37 anos, no campo de batalha. A para voltar a dar ênfase no combate convencional.A
verdade é que esse exército não possui qualquer ameaça da invasão soviética na Europa era um perigo
doutrina, nem foi educado e treinado para lidar real e iminente na época. O Exército pós-Vietnã era
com uma insurgência. Após a Guerra do Vietnã, uma “força vazia”, destruída por deserções e abuso
nós nos desfizemos de qualquer coisa associada de drogas. Necessitava urgentemente ser imbuído
com a guerra irregular ou insurgência, porque de um novo sentido de missão, o que foi obtido
isso lembrava que tínhamos perdido a guerra. por meio de revisões doutrinárias e um sólido
Em resumo: foi uma má decisão. Nós temos desenvolvimento da força convencional no final dos
responsabilidade. anos 70 e durante os anos 80.
—General John Keane 7 O lado sombrio dessa ressurreição, no entanto,
Os críticos declaram que, se adaptando mais foi a rejeição da guerra irregular como um
completamente às exclusivas exigências da componente significativo em um conflito futuro.
contrainsurgência, o Exército está se preparando Em vez de repensar e melhorar a sua doutrina
para lutar a guerra passada. Nessa acusação, de contrainsurgência após o Vietnã, o Exército
a “guerra passada” se refere não somente ao tentou enterrá-la, banindo-a em grande parte
Iraque, mas também a um prévio conflito dos seus principais manuais de campanha e
controverso. Conforme Gentile entende, aqueles do currículo de suas escolas. A doutrina para
que estão tentando aprimorar as capacidade de operações de “contraguerrilha” ou “baixa
contrainsurgência do Exército estão “ocupados intensidade” reapareceu nos anos 80, porém, o

14 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


VENCENDO AS GUERRAS

Exército dos EUA, D. Myles Cullen

O chefe do Estado-Maior do Exército, general Casey, e o secretário do Exército, Peter Geren, prestam informações aos
membros do Congresso.

Exército estimou tais missões como domínio organizacionais — doutrina, combinação de forças,
das Forças de Operações Especiais. Ainda pior, recrutamento e acima de tudo, adestramento — nos
essas modernizadas publicações doutrinárias quais já se distinguia.”12
recomendavam as mesmas operações e táticas Os desdobramentos para a Somália, Haiti e os
convencionais centralizadas no inimigo, que Bálcãs, nos anos 90, colocaram o Exército cara
tinham sido desenvolvidas no início dos anos 60, a cara com diferentes tipos de missões que não
mais uma vez sem atenção ou consideração da aderiram ao modelo da Desert Storm. Apesar da
segurança da população e a oposição da subversão relativamente alta demanda por suas forças em
política.11 Fora como se a Guerra do Vietnã nunca ambientes não convencionais, o Exército continuou
tivesse acontecido. a enfatizar “rápidas e decisivas operações de guerra
O alto grau de desempenho do Exército na por meio de amplas forças de combate” em sua
Operação Desert Storm, em 1991, comprovou doutrina e educação profissional. Por exemplo,
a validade da sua reforma, porém, arraigou a “um ano após a humilhante retirada da Somália,
mentalidade de que uma guerra convencional estudantes da Escola de Comando e Estado-Maior
de Estado contra Estado era o futuro, enquanto aperfeiçoaram suas habilidades em um cenário
contrainsurgência e guerra irregular eram baseado em uma União Soviética reconstituída
contingências de menor importância. O Exército lançando um amplo exército mecanizado contra
não se ajustou ao fato de que seu colega competidor a Otan.13 A predominante ênfase em operações
tinha desmoronado, continuando, na década após convencionais deixou o Exército incapaz de lidar
o final da Guerra Fria, a se preparar para a guerra efetivamente com as guerras que no final das contas
contra uma União Soviética que já não existia. teria que lutar, conforme o Secretário de Defesa
Conforme Brian McAllister Linn escreveu na sua Robert Gates observou:
recente análise da história do Exército, a liderança
do Exército de pós-Guerra Fria acreditava que Nos anos que se seguiram à Guerra do Vietnã,
“o Exército deveria se devotar aos ‘imperativos’ o Exército relegou a guerra não-convencional

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 15


às margens das prioridades de treinamento, A falta de preparação do Exército era
doutrina e orçamento. Essa atitude poderia intensificada pelo fracasso em se adaptar completa
parecer validada pela vitória final na Guerra e rapidamente às demandas da contrainsurgência
Fria e o triunfo na Desert Storm. Porém, deixou no Iraque e no Afeganistão. No início de 2002, o
as Forças Armadas despreparadas para lidar com Talibã parecia derrotado e o Afeganistão firme sob
as operações que se seguiram: Somália, Haiti, os o controle dos aliados afegãos dos EUA.
Bálcãs e, mais recentemente, Afeganistão e Iraque A queda de Bagdá em abril de 2003, após
— as consequências e custos com os quais ainda uma campanha de três semanas, apresentou-se,
estamos batalhando hoje.14 inicialmente, como outra confirmação da
superioridade das Forças Armadas dos EUA. Em
Despreparados é uma palavra desagradável, ambos os casos, o inimigo tinha outras ideias.
porém o Iraque e o Afeganistão trouxeram Planejamentos de contingência, arquitetados
realidades difíceis com as quais o Exército tem pelos líderes civis e comandantes militares,
lutado para sobrepujá-las. inadequados para assegurar a paz, contribuíram
para as condições caóticas que propiciaram o
O Fracasso em se Adaptar surgimento de grupos insurgentes.
Nossa instituição militar parece ser Com algumas notáveis exceções de baixo
impedida, pela sua própria rigidez doutrinária escalão, o Exército institucional não se adaptou a
e organizacional, de entender a natureza dessa essas condições até que estivesse perigosamente
guerra e de fazer as modificações necessárias para perto de perder essas guerras.
aplicar seu poder de uma forma mais inteligente, As forças dos EUA não tinham formação em
econômica e, acima de tudo, mais relevante. guerra irregular e, ao lidar com insurgências,
—–Brian Jenkins 15 reagiram aos desafios da forma costumeira.
Departamento de Defesa, Cabo Sam Kilpatrick, Exército dos EUA

Dois soldados dos EUA do 20º Regimento de Infantaria vigiam seu setor após desembarcar de uma viatura de assalto Stryker
nos arredores de Mosul, no Iraque, 6 de agosto de 2006.

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VENCENDO AS GUERRAS

A história oficial do Exército sobre a Guerra do O secretário Gates recentemente relatou aos
Iraque entre 2003 e 2005 demonstra que: oficiais na Universidade de Defesa Nacional:
“Para cada engenhosa e heroica inovação dos
Embora relativamente poucos soldados militares e comandantes no campo de batalha,
norte-americanos no Iraque em 2003 estivessem sempre havia alguma deficiência institucional no
familiarizados com a guerra de contrainsurgência Pentágono que eles tiveram de sobrepujar.”19 O
e seus teóricos, não demorou muito até que Departamento de Defesa (DOD), de modo geral,
os conceitos básicos de contrainsurgência ainda estava operando em uma posição de paz. O
formassem parte do planejamento e operações seu documentado fracasso em prover suficientes
do Exército dos EUA. Esse processo era indireto quantidades de Veículos sobre Rodas de Alta
e baseado em requisitos imediatos ao em vez de Mobilidade e Múltiplas Tarefas (High Mobility
experiência e doutrina. Na primavera e começo do Multipurpose Wheeled Vehicle - HUMVEE) com
verão, a maioria dos soldados avaliou a situação blindagem reforçada, Veículos de Emboscada
em suas áreas de operações, determinando as Protegidos e Resistentes a Minas e equipamento
reações que eles consideravam ser importantes de vigilância para as tropas no terreno ilustra uma
para tratar dos desafios singulares políticos, organização conduzindo negócios de maneira
econômicos e militares nessas áreas.16 usual em uma hora de crise. O Exército, por seu
lado, requer o Sistema de Combate do Futuro, a
Os eventos que ocorreram no Iraque (e também iniciativa de “Incrementar a Força” e mais brigadas
no Afeganistão), após o final de importantes de combate como a solução para seus problemas
operações de combate, camuflaram ligeiramente com as insurgências.20 Por mais louváveis que
essa explicação otimista. Muitas tentativas iniciais esses planos de longo alcance sejam, não tratam
e improvisadas de lidar com a contrainsurgência adequadamente das necessidades imediatas dos
falharam em proteger a população contra ataques conflitos atuais.
insurgentes e alienaram o povo por causa do uso A falta de urgência, em meio a circunstâncias
excessivo da força.17 que mudam rapidamente, é um tema em evidência
Muitas unidades, tais como o 3º Regimento por todo o Exército quando o assunto em pauta
de Cavalaria Blindada, sob o comando do é Iraque e Afeganistão. No Iraque, durante o
coronel H. R. McMaster, desenvolveram e surgimento do caos em 2006, o Exército optou pela
empregaram métodos eficazes e independentes de sua fracassada estratégia de transferir rapidamente
contrainsurgência centrada em populações, porém, para as forças nativas a responsabilidade pela
tais melhoramentos não foram emulados em uma segurança, ao mesmo tempo em que permanecia
forma coordenada por toda a Força.18 Foi somente insensível aos pedidos de aumento de efetivo
em 2007 que o Exército, finalmente, adotou uma para garantir a segurança da população.21 As
abordagem unificada que deu segurança efetiva forças dos EUA no Afeganistão permaneceram
à população e cooptou combatentes insurgentes com baixos contingentes, e para lutar contra
reconciliáveis no Iraque — porém, o Exército não o ressurgente Talibã tiveram que depender
tem conseguido fazer tal façanha no Afeganistão. pesadamente de ataques aéreos, os quais serviram
Os bravos esforços e sacrifícios de soldados para matar e alienar grande número de civis.
dos EUA, em ambos os teatros de operações, Em ambos os teatros de operações, a missão
produziram, como resultado, menos que a soma de treinar e assessorar as forças de segurança
das partes, devido à resistência institucional à aliadas sofreu falta de recursos e ainda está
mudança. organizada e operando de forma provisória. De
Ao mesmo tempo em que o aprendizado da acordo com o Gabinete de Responsabilidade do
contrainsurgência permeava entre os escalões, Governo (Government Accountability Office
o Exército era vagaroso para reconhecer a — GAO), a partir de abril de 2008, os Estados
necessidade de adaptar a sua doutrina, organização, Unidos distribuíram somente 46% (1.019 de
treinamento e prioridades de aquisição para 2.215) do número de treinadores incorporados
assegurar que suas forças estivessem preparadas para o Exército Nacional Afegão, requeridos
corretamente para as guerras que estavam lutando. pelo Departamento de Defesa (Department of

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Um fuzileiro naval dos EUA (direita) e um soldado estoniano durante uma operação de varredura em um refúgio inimigo.

Defense — DOD),22 e somente 32% (746 de em extensiva experiência no Médio e Extremo


2.358) dos requeridos mentores militares para a Oriente. Embora essas lições tenham sido
Polícia Nacional Afegã23 — não obstante o fato disponibilizadas gratuitamente, o Exército
de que a vitória nessa luta depende da capacidade fracassou em não começar a institucionalizar o
dos EUA em gerar na nação anfitriã forças de aprendizado de contrainsurgência antes de 2006,
segurança competentes. com o desenvolvimento conjunto do Manual de
O aspecto mais frustrante desses problemas é Campanha do Exército FM 3-24/Publicação de
que eles representam um fracasso em aprender Combate do Corpo de Fuzileiros Navais 3-33.5,
com a história. Contrainsurgência (Counterinsurgency).
Como Major Niel Smith, do Exército dos EUA, Em muitos aspectos, o Exército ainda não
justificadamente lamenta, “é desconcertante que institucionalizou as lições de cinco anos de luta no
tenhamos levado três anos para desenvolver um Iraque e no Afeganistão. Comandantes de batalhão
método abrangente para a contrainsurgência liderando operações de contrainsurgência no Iraque
em campanha quando muitas dessas ‘lições’ e como parte da “escalada de tropas” em 2007 e 2008
se encontravam nas estantes de livros da ainda não leram Galula ou outros textos essenciais
biblioteca do quartel.”24 Os princípios-chave da para proteger e controlar a contrainsurgência.25
contrainsurgência — incluindo a necessidade Instrumentos práticos para proteger e
de proteger a população, subordinar medidas controlar a população, tais como medidas de
militares aos fins políticos, mínimo uso de identificação biométrica, permanecem escassos.
força e trabalho por meio da nação anfitriã Nenhuma direção doutrinária guia o esforço
— não são novos. Profissionais, desde T. E. ainda improvisado de como orientar as forças
Lawrence até David Galula, e de Sir Robert de segurança iraquianas e afegãs. Também não
Thompson até Robert Komer, esclareceram existe nenhuma tentativa de incutir as verdades
de forma convincente esses assuntos baseados adquiridas com dificuldades sobre as guerras

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VENCENDO AS GUERRAS

de hoje na nova geração de soldados, como um ilustra a mentalidade perniciosa de que guerra
jovem 2o Tenente no Curso Básico para Oficiais irregular é um fenômeno passageiro, de menor
do Exército (Army’s Basic Officer LeaderCourse importância que os conflitos convencionais.29
— BOLC) recentemente descobriu: De fato, seria conveniente se fosse esse o caso.
Desafortunadamente, os conflitos no Iraque e no
Eu concluí a terceira semana do curso agora. Afeganistão ameaçam os interesses-chave dos
Durante o nosso tempo ocioso, eu li o Manual EUA e se forem deixados sem solução poderão
de Campanha 3-24. Diversas vezes meus colegas ser os precursores de guerras vindouras.
(tenentes) me perguntaram, “Que droga é essa?” A conversa sobre o extremo engajamento
Eles nunca ouviram falar disso. (Também nunca nas guerras atuais sugere que existe algo mais
ouviram falar de Cobra II, Fiasco ou Assassin’s premente no horizonte. Michael Mazarr, por
Gate, os quais eu tinha em minha posse.) Eu exemplo, afirma que as forças militares deveriam
perguntei a um dos líderes do nosso grupo de evitar a guerra irregular porque guerras de grande
oficiais instrutores se o assunto de operações de escala “caso ocorressem, engajariam os interesses
contrainsurgência (counterinsurgency operations dos EUA e eclipsariam qualquer coisa em jogo em
— COIN) era parte do nosso currículo BOLC II, e contingências, tais como a Somália e até mesmo
ele me perguntou, “O que é COIN?”26 o Afeganistão.”30
Aparentemente, o Iraque, localizado no âmago
Outras escolas do Departamento de Defesa do Oriente Médio e em cima da falha linha entre
fornecem aos alunos uma educação de os dois maiores grupos do Islã e também na
contrainsurgência bem melhor. O Exército poderia segunda maior comprovada reserva global de
aprender com o Curso de Infantaria para Oficiais petróleo, não está colocando pressão suficiente.
do Corpo de Fuzileiros Navais, onde os estudantes As condições de quase-guerra civil que
são instados a ler o Manual de Campanha 3-24 e prevaleceram lá em 2005 e 2006 trouxeram uma
outra obras-chave de teóricos e profissionais tais intervenção dissimulada iraniana e poderiam ter
como Galula e T. X. Hammes. atraído o envolvimento da Arábia Saudita e outros
Estados árabes sunitas, tornando-se um teatro para
Preparando para a Guerra Futura uma guerra desestabilizadora, por procuração,
Corrigir o persistente e falho pensamento sobre entre os poderes competidores da região. O
conflitos futuros requer sobrepujar obstáculos Afeganistão, por enquanto, é o ponto focal na
significativos e o reconhecimento de que os Guerra contra o Terror. O Talibã, com seus aliados
adversários forçarão guerras reais, ao invés de tribais, procura expulsar os Estados Unidos e a
imaginárias, sobre as forças militares até que tais Otan para recuperar o controle do país. A mesma
forças demonstrem a capacidade de derrotá-los. insurgência ameaça a estabilidade do Paquistão,
—–Coronel H.R. McMaster27 um país que possui armas nucleares e que no
momento é uma base para o Al Qaeda. Dando
Esses pecados de omissão denunciam um ao Talibã mais espaço para respirar, teríamos
Exército que não tem levado suficientemente a consequências desastrosas para a segurança de
sério as guerras atuais. Quando o Exército está toda a região e para os Estados Unidos.31
completamente engajado, com a metade de suas Uma análise do registro histórico revela
brigadas de combate desdobradas em duas guerras que os Estados Unidos se envolvem bem mais
para as quais não está preparado adequadamente em missões ambíguas de contrainsurgência e
— incluindo uma que o chefe do Estado-Maior reconstrução de nação do que confrontam a guerra
das Forças Armadas “não está convencido que integral. O novo Manual de Campanha 3-07,
estejamos vencendo”28— é um dever claro se Stability (Estabilidade), nota corretamente que
adaptar às necessidades das lutas atuais. “Contrária à crença popular, a história militar dos
O fato de o secretário de defesa ter que lembrar Estados Unidos é caracterizada por operações de
que o Exército estava “despreparado” para as estabilidade, interrompidas por episódios distintos
guerras e que era necessário alertar e admoestar de grandes combates.”32 Somente depois do final
a respeito da “fixação com a Próxima Guerra”, da Guerra Fria, as Forças Armadas dos EUA

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 19


foram desdobradas para efetuar e manter a paz em 1991 e novamente em 2003, e eles viram o
em locais afastados como a Somália, Bósnia e que [dispositivos explosivos improvisados] estão
Kosovo. Demandas similares somente aumentarão fazendo às forças militares americanas hoje.37
em um mundo globalizado onde problemas locais, O ambiente estratégico em desenvolvimento
progressivamente, não permanecem locais e onde encontrará adversários estatais e não-estatais
“a mais provável ameaça catastrófica à nossa planejando estratégias inovadoras para se opor ao
terra natal – por exemplo, uma cidade americana poder militar americano, quer pela exploração de
envenenada ou reduzida a escombros por um tecnologia amplamente disponível em armas, quer
ataque terrorista — é mais provável de ser emanada integrando táticas de lado a lado do espectro do
de Estados falidos do que de Estados agressores.”33 conflito. Frank Hoffman designa esses adversários
Além do mais, tais tendências, como um súbito de ameaças híbridas:
aumento da porcentagem de jovens [fenômeno Ameaças híbridas incorporam uma gama
conhecido como youth bulge] e a urbanização completa de diferentes formas de guerra, incluindo
em Estados subdesenvolvidos, tanto quanto a capacidades convencionais, técnicas e configurações
proliferação de armamentos mais letais, apontam irregulares, atos terroristas incluindo violência
para um futuro dominado por insegurança local indiscriminada, coerção e desordem criminal...
caótica e conflitos em vez de confronto entre coordenadas dentro do espaço principal de batalha
exércitos e marinhas de nações-estado.34 Esse futuro para alcançar efeitos sinergéticos nas dimensões
de conflitos persistentes de baixa intensidade por físicas e psicológicas do conflito.38
todo o mundo sugere que os interesses Americanos Os conflitos resultantes serão prolongados
estão em risco, não se originando de competidores e são dependentes das percepções da verdade
similares, mas do que é chamado de “insuficiência e da autenticidade nas populações afetadas
global de capacidade de segurança.”35 Como tal, (estrangeiras e americanas), ao invés de resultados
as Forças Armadas dos EUA tendem mais a ser de engajamentos táticos no campo de batalha.
chamadas para deter insurgências, intervir em De modo interessante, eles soam similares
conflitos civis e crises humanitárias, reconstruir às insurgências que os Estados Unidos estão
nações e travar guerras de tipos não convencionais atualmente combatendo, somente mais difíceis.
do que lutar contra forças armadas similares. Não A curva do aprendizado não vai ficar mais fácil.
se terá o luxo de se optar em não fazer parte [dessas
missões] porque elas não se adaptam ao molde do Construindo o Exército que

estilo americano preferido de lutar a guerra.”36 Precisamos

Ambos os inimigos estatais e não-estatais Exceto pela comunidade das Forças Especiais
procurarão formas mais assimétricas de confrontar e alguns coronéis dissidentes, por décadas não
os Estados Unidos e seus aliados. A superioridade tem havido um eleitorado forte e enraizado
militar convencional dos EUA, que permanece dentro do Pentágono ou qualquer outro local
substancial, levará muitos deles a mesma para institucionalizar nossas capacidades
conclusão: Que quando eles lutam contra os EUA de lutar conflitos assimétricos ou irregulares
de modo convencional, eles perdem horrivelmente — e satisfazer rapidamente as necessidades
em dias ou semanas. Quando eles lutam não das nossas forças militares engajadas nesses
convencionalmente empregando táticas de conflitos, que mudam continuamente.
guerrilha, terrorismo e operações de informação, —–Secretário de Defesa Robert Gates39
eles possuem uma melhor chance de sucesso.
Não está claro que mesmo um inimigo poderoso O Exército está desequilibrado, porém, não
desejaria arriscar uma custosa decisão de igual para somente por causa de um ritmo operacional
igual no campo de batalha com os Estados Unidos. exaustivo e certamente não por causa de um
Como o secretário Gates disse, “Simplesmente aumento muito protelado em treinamento
dizendo, nosso inimigos e adversários potenciais e educação em contrainsurgência. Em vez
— incluindo estados-nação — foram à escola disso, é porque o Exército, junto com o mais
conosco. Eles viram o que a tecnologia e poder amplo estabelecimento de Defesa do qual faz
de fogo dos EUA fizeram ao exército de Saddam parte, permanece enraizado em uma cultura

20 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


VENCENDO AS GUERRAS

organizacional que continua a dar prioridade aos inadequados e sem uma base doutrinária. Dada
requerimentos de uma hipotética guerra de grande a importância de assessores nas guerras de hoje
escala em relação aos conflitos irregulares que a e para os futuros parceiros dos EUA, o Exército
força militar está atualmente lutando. precisa considerar seriamente o desenvolvimento
Talvez não seja possível mudar a cultura das de um permanente Corpo de Assessores.
instituições de defesa da Nação em curto prazo, O desenvolvimento de um Corpo deAssessores e
mas certamente é possível abordar as prioridades, outro de treinamento, educação e planos de carreira
tradicionalmente artificiais, fortalecendo os concentrados na guerra irregular devem ocorrer no
eleitorados internos e demandando atenção à contexto de um aumento no efetivo total do Exército
guerra irregular. e que deveria exceder à adição de 65.000 soldados
atualmente antecipada para 2012. Dada a natureza
prolongada e de recursos humanos intensivos da
A atual estrutura do Exército contrainsurgência e a necessidade de preparação
para outras contingências, a única forma de con­
para preservar as lições da seguir um equilíbrio na força é fazê-la maior. Um
Exército expandido permitiria mais tempo de perma­
guerra irregular… estão com nência entre desdobramentos para um treinamento
falta de recursos e dessa adequado na completa gama do conflito.
O Exército dos EUA se adaptou às demandas
forma incapazes de afetar da contrainsurgência no decorrer dos últimos
anos, porém, com muita dor, de um modo irregular
uma grande mentalidade e vagarosamente. Como o secretário da defesa
institucional em qualquer observou, “no Iraque, temos visto um Exército
que era basicamente uma versão reduzida da
forma significante. força da Guerra Fria, que com o passar do tempo
pode se tornar num instrumento efetivo de
contrainsurgência. Porém, isso aconteceu com um
Por exemplo, o esforço para orientar as forças custo humano, político e financeiro assustador”.40
de segurança da nação-anfitriã no Iraque e no Embora soldados e unidades individualmente
Afeganistão se beneficiaria com um Comando de tenham muito do que se orgulhar, o registro do
Assessoria do Exército que, entre outras funções, Exército institucional da adaptação aos conflitos
seria um defensor para todos os aspectos da missão atuais deixa muito a desejar. Milhares de vidas
de orientação dentro do Exército institucional. foram perdidas enquanto soldados e seus líderes
As atuais estruturas do Exército para preservar lutavam para aprender a lidar com uma situação não
as lições da guerra irregular, tais como o Centro familiar. Pelo menos algumas das perdas poderiam
de Contrainsurgência do Exército dos EUA e do ter sido evitadas se o Exército e a comunidade de
Corpo de Fuzileiros Navais, do Centro de Armas Defesa como um todo tivessem aprendido ao invés
Combinadas, no Forte Leavenworth, estão com de ignorar as lições e experiências do passado.
falta de recursos e dessa forma incapazes de afetar O papel das forças militares dos EUA na guerra
uma grande mentalidade institucional de qualquer irregular não pode ser desejado nem eliminado
forma significante. por um passe de mágica, e o Exército tem a
O Exército precisa reconhecer que funções­ responsabilidade de se preparar para assumir esse
chave na contrainsurgência e em outras operações papel com efetividade. É irresponsável assumir
irregulares, tais como reconstrução civil e que os inimigos atuais e futuros se ajustarão às
aconselhamento das forças de segurança da nação­ forças dos EUA lutando uma guerra convencional
anfitriã, requerem organização especializada, ao invés do uso de estratégias assimétricas
treinamento e preparação para a máxima efetividade. eficazes, econômicas, como as dos insurgentes.
A iniciativa consultiva, em particular, sofre É irresponsável pensar que os Estados Unidos
sob o atual sistema improvisado de equipes de terão sempre uma escolha consciente de com
transição, com recursos humanos e treinamento quem e como lutarão — pois o inimigo sempre

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 21


tem direito a voto. E é irresponsável desvalorizar
as adaptações da Guerra Irregular no campo de
batalha de hoje em favor de outras capacidades O autor agradece a Brian M. Burton,
que poderiam ser proveitosas em um futuro do Center for a New American
conflito hipotético. Security, pela sua inestimável ajuda
Na profissão das armas — sejam as guerras
grandes ou pequenas, de nossa escolha ou não com a apresentação desse artigo.
— ainda não há um substituto para a vitória.MR

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19. GATES, Robert M., comentários na Universidade de Defesa Nacional, de 2007), p. 8.
Washington, DC, 29 de setembro de 2008, disponível em: <www.defenselink. 39. GATES, 29 de setembro de 2008.
mil/speeches/speech.aspx?speechid=1279>. 40. Ibid.

22 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


Revendo as Prioridades para a
Força Futura do Exército
Este artigo é baseado em um estudo dirigido pelo general Peter W. Chiarelli sobre o projeto
da Força futura. Os membros do Grupo de Pesquisa de West Point que conduziram o estudo e
escreveram este artigo incluem o coronel Jeffrey D. Peterson, tenente-coronel Robert Kewley,
tenente-coronel James Merlo, major Buzz Phillips, major Ed Werkheiser, major Jeremy Gwinn
e major Ryan Wylie

As opiniões expressas neste


artigo são as dos autores e não
representam a Academia Militar de
West Point, o Exército dos EUA ou o
Departamento de Defesa dos EUA.

Introdução pelo General


Peter W. Chiarelli
Nós, como líderes, devemos
contribuir para o desenvolvimento
e o crescimento de nossa profissão
e de nosso Exército ao encorajar e
cultivar o processo de aprendizagem.
Devemos estar dispostos a desafiar
AP Foto, Tia Owens

o status quo e promover discussões


honestas e profissionais, e até
debates, sobre assuntos importantes.
Este estudo é resultado de minha
solicitação de uma reflexiva obra que Uma viatura Stryker equipada para lançar morteiros é desembarcada
incentivasse discussões sobre o tema de um C-130 durante um exercício em 18 de maio de 2003, no campo de
aviação Esler, Pineville, na Louisiana.
da capacidade de desdobramento
rápido versus a capacidade de
sobrevivência, à luz de nossas experiências ao II Guerra Mundial ou o M1A2 Abrams de hoje,
longo dos últimos oito anos. Os pensamentos seja pilotando o Huey no Vietnã ou o Blackhawk
expressos são exclusivamente aqueles dos de hoje, sempre foram, e continuam a ser, nossas
autores, mas fornecem um bom ponto inicial para pessoas que fazem com que o equipamento
a discussão. Nosso Exército de hoje é composto funcione e que a missão seja cumprida. É a
de líderes inteligentes, agressivos, inovadores natureza adaptável e intuitiva de nossos soldados
e flexíveis em todos os escalões, que possuem e líderes que os tornam melhores. Nunca devemos
uma riqueza de experiências depois de oito esquecer isso.
anos de engajamento persistente. À medida em Para a nossa profissão já chegou a hora de
que o Exército desenvolve um equipamento e o questionar a crença existente há muito tempo no
distribui em campanha, os soldados descobrem poder da tecnologia da informação de remover
constantemente maneiras novas e criativas o nevoeiro da guerra. Grandes programas de
de adaptar e empregar a tecnologia que lhes aquisição foram iniciados e continuados com
proporcionamos. Foi dessa forma por toda a nossa a convicção de que o Exército podia aceitar
história. Seja dirigindo o carro de combate M4 na riscos na capacidade de sobrevivência para

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 23


alcançar a capacidade de desdobramento soldados que derramam seu sangue todos os dias
rápido. O conhecimento “perfeito” da situação, no campo de batalha. Isso não é um argumento
adquirido por uma rede de sensores e aparelhos contra os melhoramentos tecnológicos, mas,
de compartilhamento de informações, se tornou em vez disso, uma reavaliação das prioridades
o substituto de uma blindagem passiva. Todavia, e premissas, baseadas no que aprendemos nos
o campo de batalha moderno mostrou os limites conflitos de hoje.
da tecnologia na prevenção de ataques contra Como líderes e profissionais, devemos
nossos soldados. A reação organizacional de debater vigorosamente este assunto porque
comprar veículos blindados melhorados é o resultado definirá a composição de nosso
evidência da realidade de que enfrentamos um Exército nas décadas vindouras. Faça parte da
inimigo que ainda pode disparar a primeira bala e discussão, seja por meio de discussões pessoais,
que o movimento para estabelecer o contato com fóruns educativos, textos profissionais, ou por
o inimigo não está extinto. Como uma profissão participações em blogs. Faça com que sua voz seja
que presta contas ao público americano, temos ouvida. Por meio dessas discussões ajudaremos
a obrigação de questionar a troca entre a verdadeiramente a organização a aprender e se
capacidade de sobrevivência e a capacidade adaptar para as necessidades futuras.
de desdobramento rápido à luz da realidade —–General Peter Chiarelli, Vice-Chefe do
do campo de batalha. Devemos isso a nossos Estado-Maior do Exército

A S PRINCIPAIS EXPERIÊNCIAS que


guiaram a transformação do Exército
durante as últimas duas décadas foram
as dificuldades em desdobrar as forças de
no Curdistão e no Haiti, que demonstraram que
essas capacidades à distância não eram essenciais
para o êxito da missão. Embora essas operações
tivessem posto em dúvida a importância do
combate do Exército e a natureza das missões componente “em rede” do Exército transformado,
durante os anos 90, que pareciam pôr em dúvida elas permaneceram, em grande parte, livres do
a relevância do Exército em uma era de operações combate aproximado e, portanto, não expuseram
de manutenção da paz e de armas de precisão. Em a vulnerabilidade potencial de uma força
relação à maioria das operações militares antes de essencialmente dependente de uma rede de
2003, a troca de uma quantidade certa de proteção, sensores e fogos de longo alcance para a sua
aparentemente excessiva, para ganhar mobilidade proteção. No entanto, o Exército descobriu mais
estratégica e operacional fez um bom sentido. No tarde na Somália, no Afeganistão e no Iraque
entanto, a prioridade da capacidade de desdobrar que os proponentes da guerra centrada em redes
rapidamente, como o fator de impulso para o subestimaram a natureza do combate do futuro no
projeto da Força, aumentava necessariamente nível de coturnos enlameados ou lagartas sujas
o risco de sobrevivência para nossos soldados e superestimaram a capacidade das tecnologias
à medida que o Exército tentava reduzir o peso planejadas para identificar e suprimir o inimigo
das viaturas de combate para proporcionar o antes dele engajar as forças do Exército. O
desdobramento rápido por aeronaves C-130. Exército descobriu que precisava engajar o
O Exército decidiu que as viaturas mais leves inimigo (violenta ou não violentamente) a curto
eram aceitáveis. As tecnologias centradas em alcance, que as forças aliadas nem sempre tomam
redes, alguns pensavam, reduziria o “nevoeiro da a decisão de onde e quando um engajamento
guerra”, tornando as viaturas menos vulneráveis. ocorreria, e que as forças do Exército ainda
Essa visão de combate retrata o campo de requeriam a capacidade de sobreviver a contatos
batalha como um sistema vinculado por redes, inesperados.
com um conjunto de alvos que podem ser Apesar dessas experiências recentes, que
incapacitados pela aplicação adequada de fogos fornecem plenas lições sobre a importância
de precisão. Essa visão dominou apesar das da capacidade de sobreviver e os limites da
crescentes experiências operacionais nos Bálcãs, tecnologia, a capacidade de desdobrar sistemas de

24 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


PRIORIDADES DO FUTURO

armas continua a ter prioridade sobre a capacidade do Exército, o debate sobre a troca entre
de sobrevivência dos membros das tripulações a capacidade de desdobramento rápido e a
no projeto da Força futura. As lições aprendidas capacidade de sobrevivência pode levar à
em operações, ao preço das vidas e membros conclusão errada. A doutrina do Exército
de soldados, expuseram as vulnerabilidades da descreve claramente as expectativas futuras de
um Exército expedicionário, qualificado em
campanha, que é proficiente em todo o espectro
…os proponentes de de operações.1 Em reação às tendências da guerra
moderna, o Departamento de Defesa colocou
guerra centrada em redes recentemente a competência na guerra irregular
subestimaram a natureza do em pé de igualdade com a proficiência na guerra
convencional. Em termos simples, o Exército
combate do futuro no nível desempenha o papel de um “jogador de utilidade”
na equipe da guerra combinada. O Exército deve
de coturnos enlameados ou ser capaz de executar guerra convencional, guerra
lagartas sujas… híbrida, guerra irregular, assistência humanitária,
operações de estabilidade e qualquer outra
missão que os EUA lhe designam. Desempenhar
visão centrada em redes da guerra. A capacidade esses papéis múltiplos exige uma Força versátil,
do inimigo de contornar a tecnologia e explorar flexível e ágil que pode se adaptar rapidamente
as vulnerabilidades tecnológicas põe em dúvida ao ambiente operacional e à missão no teatro de
a premissa fundamental da guerra centrada operações. A chave para o êxito nesse ambiente
em redes. Embora essas tecnologias forneçam é menos sobre o equipamento e mais sobre os
benefícios em algumas situações, o Exército líderes e soldados adaptando-se à situação.
está sujeito a incorrer em um risco muito A complexidade dos requerimentos de missão
grande na proteção da Força em busca de um opõe o conceito de uma estrutura da Força de
objetivo expedicionário, enquanto espera que “tamanho único para todos”. Há variáveis em
as tecnologias centradas em redes preencham demasia e incertezas para se contar com um
a lacuna na proteção reduzida da blindagem Exército homogêneo, sendo igualmente proficiente
passiva, que protege os soldados de uma variedade ou otimamente organizado para qualquer missão,
de engajamentos de fogo direto e indireto. As em qualquer cenário. Algumas situações exigirão
consequências dessa prioridade inapropriada são uma força pesada capaz em guerra convencional,
grandes demais para ignorar e são, infelizmente,
medidas pela perda de vidas de soldados. A A complexidade dos
capacidade de sobrevivência dos soldados deve
ter precedência sobre o desdobramento rápido requerimentos de missão opõe
do equipamento. Se o Exército não incorporar
as lições aprendidas das experiências recentes o conceito de uma estrutura
em combate e não projetar equipamentos com
medidas de proteção da Força apropriadas e
da Força de “tamanho único
eficazes, se arrisca a perder a confiança do público para todos”.
americano.

O Papel do Exército e outras requererão forças leves capazes de


em Conflitos Futuros executar a guerra irregular em terreno restrito.
Qualquer discussão a respeito das prioridades Essa combinação quase certamente exigirá trocas
do projeto das forças futuras deve começar na estrutura da Força, proficiência na instrução e
com o papel do Exército em conflitos futuros. programas de aquisição futuros. Embora o Exército
Sem um entendimento do que é esperado muitas vezes reconheça essas trocas, deve fazer um

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 25


melhor trabalho de defini-las e medi-las claramente contra as ameaças em evolução. Com a blindagem
para entender os riscos e os custos potenciais de aumentada, a Stryker agora é mais eficaz para as
implantar as prioridades do projeto. missões para as quais foi designada, e a confiança
dos soldados na viatura está em alta.4 Contudo,
As Trocas essa blindagem adicional também a impede de se
Como mencionado acima, uma das primeiras encaixar em um C-130.5
trocas é entre a capacidade de desdobramento Essa troca entre a proteção da Força e o
rápido e a capacidade de sobrevivência. A busca da desdobramento rápido exige que o Exército resolva
capacidade expedicionária compele o Exército para um problema difícil: no ambiente operacional
viaturas mais leves que podem ser desdobradas por contemporâneo, é mais importante desdobrar
via aérea.2 Curiosamente, a doutrina do Exército uma força rapidamente ou chegar com uma
reconhece que a necessidade de corresponder as força que pode sustentar um combate pesado
forças aos requerimentos de transporte disponíveis com o inimigo? Ao julgar por seus programas de
determina essa capacidade, assim subordinando aquisição, a resposta atual do Exército é desdobrar
implicitamente a capacidade de sobrevivência à mais rápido e aceitar o risco. No entanto, as
capacidade de desdobramento e planejando uma lições aprendidas nos conflitos mais recentes,
Força otimizada para o transporte em vez do as características duradouras da guerra e o papel
combate.3 A redução de peso vem com prejuízo da futuro do Exército sugerem que o Exército
proteção dos soldados à medida que a blindagem é deve mudar suas prioridades e ter a capacidade
diminuída para reduzir o peso do veículo. de sobrevivência, em vez da capacidade de
Um exemplo dessa troca é a viatura de combate desdobramento, como o principal parâmetro de
Stryker. O parâmetro principal do projeto para a desempenho em qualquer sistema futuro. Isso
Stryker era a transportabilidade — a viatura tinha de não quer dizer que o Exército deva se mover
ser pequena e leve o suficiente para ser transportada para uma solução única de viaturas de combate
por um avião C-130. Cumprir esse critério de de megatoneladas para alcançar a proteção
projeto exigia que a proteção de blindagem perfeita dos soldados. Não obstante, ao decidir
passiva fosse reduzida. A Stryker proporcionava entre a capacidade de desdobramento e um leve
proteção passiva contra metralhadoras de grosso melhoramento da capacidade de sobrevivência, o
calibre, mas uma vez desdobrada, as unidades de Exército deve escolher a sobrevivência.
Stryker logo começaram a lutar com um inimigo
armado com lança-rojões. A blindagem adicional Que Rapidez é

aumentada na Stryker elevou sua capacidade de Suficientemente Rápida?

sobrevivência contra essa nova ameaça, mas a O Exército também deve considerar a velocidade
blindagem aumentada e as maiores dimensões que precisa para reagir às contingências possíveis
significavam que, sem remover a blindagem e qual a capacidade de combate que ele requer
suplementar, a viatura já não era transportável para essas contingências. A capacidade de se
pelo C-130. desdobrar rapidamente talvez não seja a melhor
À medida em que o conflito iraquiano medida da capacidade expedicionária do Exército.
continuava, a proteção adicional foi incorporada à Além disso, o Exército deve claramente identificar
Stryker.As gestões dirigidas pelo Departamento do como as outras forças singulares contribuem para
Exército incluíram melhoramentos como proteção a capacidade expedicionária de toda a comunidade
blindada ao redor das escotilhas superiores da combinada, para assegurar que ele procura uma
tripulação e do compartimento do motorista, capacidade única, além daquela que já existe.
para melhorar a proteção da blindagem passiva. A doutrina do Exército é ambígua sobre
De iniciativa própria, os soldados acrescentaram os requerimentos de desdobramento, usando
cobertores de Kevlar, escudos de vidro balístico, tais frases como “desdobrar rapidamente” e
proteção contra franco-atiradores e sacos de areia e “desdobrar rapidamente com pouca antecedência”.
vasilhas de água de cinco galões, cheias com uma Inicialmente, o objetivo era projetar uma brigada
mistura de areia e óleo. Todas essas modificações de combate de peso médio, que poderia se
eram tentativas de aumentar a proteção passiva desdobrar em qualquer lugar do mundo 96 horas

26 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


PRIORIDADES DO FUTURO

AP Foto, Jim MacMilan

Soldados do Exército dos EUA, do 1º Batalhão do 24º Regimento, correm ao lado de sua viatura blindada Stryker durante
uma troca de tiros com insurgentes em Mosul, no Iraque, 1º de dezembro de 2004.

após a notificação. Em vez de ser derivado de um Uma Análise mais Ampla da


cenário de combate plausível, esse objetivo parece Capacidade de Sobrevivência
ter servido como catalisador para o projeto de uma No sentido mais simples, a capacidade de
força mais leve. Dadas as limitações do transporte sobrevivência ajuda a prevenir baixas durante as
aéreo estratégico, as capacidades atuais da Força operações expedicionárias em todo o espectro.
combinada em reação rápida e as contingências Na troca entre as capacidades de desdobramento
mais prováveis, esse objetivo de 96 horas talvez e de sobrevivência, a capacidade de sobrevivência
não seja possível ou necessário para a Força inteira. se refere à capacidade da viatura de resistir aos
Se o transporte aéreo estratégico não pode entregar impactos diretos do inimigo. É um subconjunto
a Força recém-projetada dentro da linha de tempo do maior conceito de proteção da Força, o qual
estabelecida, e se há poucos cenários que exigem inclui um conjunto inteiro de capacidades que
a capacidade de desdobramento rápido, então é a possibilitam a sobrevivência dos soldados. Esse
hora de o Exército questionar o critério do projeto conjunto inclui a blindagem passiva, mas também
que o forçou a aceitar o risco na capacidade de se estende às capacidades de guerra centrada em
sobrevivência. redes, que ajudam a evitar o engajamento pelo
Talvez seja suficiente para o Exército projetar inimigo; a doutrina atualizada, que capacita as
uma parcela da Força para o desdobramento rápido unidades a desempenhar mais eficazmente sua
para as contingências que exigem uma reação rápida, missão; e o adestramento melhorado, que faz com
enquanto projeta o restante da Força para sobreviver que os líderes e soldados sejam mais competentes
a todo o espectro de operações. Ao relaxar da em operações de combate.
meta ambiciosa de se desdobrar em 96 horas, o Idealmente, o Exército gostaria de alcançar
Exército poderia avançar muito na solução da difícil 100% de proteção para seus soldados, mas a
situação da troca derivada da decisão de fazer o complexidade e a incerteza da guerra tornam
desdobramento rápido o catalisador do projeto. isso uma meta inatingível. Embora não haja

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 27


nenhuma maneira de se proteger um soldado de
todas as ameaças no campo de batalha moderno,
a única forma relativamente certa de sobreviver
ao primeiro contato inevitável e inesperado com
o inimigo é por meio de uma proteção passiva
suficiente. Não propomos um projeto da Força
futura que equipe o Exército com casamatas
móveis de 100 toneladas, invulneráveis às armas
inimigas. Pelo menos, uma fração da Força deve
reter alguma capacidade no patamar mais alto
do espectro de proteção, e toda a Força (ambas
as unidades de combate e de apoio) devem ter
proteção passiva satisfatória contra as ameaças
mais prováveis. Esse nível de proteção da
Força deve ter prioridade sobre a capacidade de
desdobramento rápido.
Qualquer discussão sobre a capacidade de

Exército dos EUA, Cabo Aubree Rundle


sobrevivência e a proteção da Força deve se
expandir do âmbito da capacidade de sobrevivência
e considerar completamente as ramificações
de se ter proteção suficiente. Por exemplo, a
capacidade de sobrevivência é mais do que apenas
proteger os soldados do combate individual. As
considerações de proteção da Força e da capacidade
de sobrevivência devem também se estender
aos elementos de apoio ao combate e de apoio Cabo Joshua Bullard e Sgt Kang Hoon Lee, mecânicos do
122º Batalhão de Apoio Aéreo da 82ª Brigada de Combate
logístico das unidades desdobradas do Exército. No Aéreo, usam um guindaste para instalar uma porta com
moderno campo de batalha não contíguo, todas as blindagem adicional em uma viatura leve HMMWV, 25 de
forças estão sujeitas a ataques de um inimigo que maio de 2007, no campo de aviação Bagram, no Afeganistão.
busca engajar as unidades de apoio logístico em
o fogo inimigo é a blindagem passiva. Não se precisa
locais que o Exército considerava anteriormente
ir longe para encontrar exemplos de soldados que
estarem seguros da influência inimiga. Ignorar
instalaram várias formas de blindagem improvisada
o melhoramento da capacidade de sobrevivência
em seus HMMWVs [viatura leve] e Strykers durante
dessas forças é uma negligência que o Exército não
as operações de combate no Iraque. Os soldados se
pode tolerar e um risco que ele não deve aceitar.
sentiam mais seguros e estavam mais confiantes
e agressivos na execução de sua missão, sem se
…é a hora de o Exército questionar importar se a blindagem realmente tinha ajudado a
o critério do projeto que o forçou proteger a viatura.
Além disso, a proteção da Força dá aos
a aceitar o risco na capacidade de comandantes mais opções para revelar a situação
sobrevivência. quando a informação sobre o inimigo é ambígua
ou indisponível. Muitos exemplos históricos da
Operação Iraqi Freedom salientam o benefício da
Os fatores humanos também aumentam a blindagem no desenvolvimento de uma situação
importância da capacidade de sobrevivência. A incerta mediante o fogo inimigo. A blindagem
proteção apropriada da Força torna os soldados passiva era um fator importante para dar aos
mais confiantes e mais dispostos a aceitar os riscos comandantes opções táticas porque eles sabiam que
necessários para cumprir a missão. Da perspectiva suas forças podiam sobreviver em um campo de
do soldado, a forma mais tangível de proteção contra batalha com conhecimento imperfeito da situação.6

28 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


PRIORIDADES DO FUTURO

Enfim, o Exército deve proporcionar uma podem se equivaler aos principais meios para a
proteção suficiente a seus soldados para manter a sobrevivência — ter a proteção blindada passiva
confiança do público americano. O público espera e soldados competentes.
que a guerra resulte no número mínimo de baixas No futuro, será exigido que os soldados usem a
possível — ambas civis e militares.7 Os EUA, força de modo a que não maximizem a letalidade.
em geral, têm confiança no Exército e contam Isso requererá que as forças combatentes se
com ele para fazer todo o possível para proteger exponham com mais frequência sem depender do
seus soldados. No entanto, uma reação adversa poder de fogo maciço. Um exército qualificado
significativa pode ocorrer se o Exército não para a campanha deve manter uma presença
incorporar as lições aprendidas sobre a capacidade
de sobrevivência do Iraque e do Afeganistão
no projeto da Força futura. O comentário do O Exército deve proporcionar
ex-secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, sobre
“ir à guerra com o Exército que você possui, não proteção suficiente a seus
o Exército que você quer” leva à pergunta “Qual
tipo de Exército querem os EUA para a guerra soldados para manter
futura?” Embora o público americano não pense a confiança do público
muitas vezes sobre o assunto da capacidade de
sobrevivência, é uma premissa segura que ele americano.
escolheria um Exército bem protegido ao em
vez de um Exército que pode se desdobrar em
qualquer lugar rapidamente. O Exército se arrisca sustentada em um ambiente operacional instável e
a minar a confiança do público americano se dinâmico —que muitas vezes requererá um nível
buscar as capacidades de desdobramento rápido à consistente de proteção passiva para facilitar a
custa da capacidade de sobrevivência e se muitos interação com a população. Essa missão estendida
soldados sofrerem baixas evitáveis no próximo proporcionará ao inimigo tempo para descobrir e
conflito. explorar as fraquezas nas tecnologias centradas
em redes — aumentando a necessidade de
Capacidade de Sobrevivência diferentes métodos de fornecimento de proteção.
contra Desdobramento Rápido Além disso, a maioria das missões não exigirá a
O ambiente operacional não é contíguo, capacidade de desdobramento rápido; o Exército
exigindo que as unidades de apoio sejam tão terá semanas e em alguns casos meses para se
capacitadas para a sobrevivência quanto as desdobrar.
unidades de combate; é centrado na população, Enfim, o Exército deve priorizar a capacidade
requerendo que as unidades operem no meio de sobrevivência acima de capacidade de
de um inimigo que vive entre a população; e desdobrar porque seus valores profissionais
mudando rapidamente de intensidade, exigindo duradouros e sua relação com o público americano
unidades capacitadas para a sobrevivência o exigem buscar todas as opções disponíveis para
em todo o espectro do conflito. A proteção melhorar a proteção dos soldados. Essa é uma
blindada passiva, que aumenta a capacidade de responsabilidade fundamental dos líderes do
sobrevivência durante o combate aproximado, Exército para uma força de todos voluntários em
é uma necessidade. Embora a guerra tenha uma época de conflitos persistentes.
mudado nos últimos 20 anos, o movimento para
estabelecer o contato com o inimigo no nível Como Deve o Exército Investir?
tático não está extinto. A característica comum da A capacidade de sobrevivência não pode
maioria dos engajamentos no ambiente de hoje é ser unicamente sobre a blindagem passiva.
que o inimigo apenas é identificado quando ele O Exército deve continuar com a abordagem
dispara contra os elementos amigos. O domínio holística para a proteção da Força, a qual
de informações e várias contramedidas eletrônicas inclui investimentos em algumas tecnologias
e ativas ampliam a proteção da força, mas não de guerra centrada em redes. Contudo, como

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 29


o Exército considera onde investir dólares Força. Se um investimento total apenas resulta
escassos, deve ser cauteloso em confiar demais em uma capacidade semelhante, o Exército
na tecnologia centrada em redes como a fonte estaria em uma melhor situação se gastasse seu
principal de proteção da Força. Essa tecnologia dinheiro em tecnologias comprovadas, que ele
pode funcionar em alguns cenários, mas as possa usar agora, do que tecnologias não provadas
capacidades são relativamente fáceis para que proporcionariam capacidades semelhantes
o inimigo contornar e são limitadas pelas em algum tempo no futuro. O Exército deve
se perguntar: qual é o nicho da Força mesclada
da atualidade em que o novo sistema vai ser
Remover o nevoeiro de guerra preenchido de modo mais eficaz do que o existente
por tecnologia centrada em hoje no Exército? A capacidade que a nova Força
proporciona é suficientemente diferente para
redes não é possível. justificar o custo? Se a nova Força não fornecer
uma capacidade única acima da Força mesclada
atual, não se justifica mais investimento.
características das futuras batalhas (combate Os investimentos no desenvolvimento do
aproximado, ambiente urbano, interação com a capital humano e nos pacotes de blindagem
população). melhorada têm mais probabilidade de fornecer
Além do mais, a tecnologia centrada em redes um retorno mais alto na proteção da Força e na
é uma solução material para o tipo de guerra capacidade operacional no ambiente de operações
que será caracterizado por interação humana e contemporâneo do que os investimentos nas
adaptabilidade. Remover o nevoeiro da guerra tecnologias de guerra centrada em redes. O
por tecnologia centrada em redes não é possível. entendimento de que há retornos decrescentes com
Sempre haverá uma incerteza e um correspondente que as tecnologias centradas em redes contribuem
pedido para sobreviver a um inesperado primeiro para a capacidade operacional deve orientar os
contato.
Enfim, a tecnologia centrada em
redes não antevê um campo de batalha
caracterizado por interação aproximada
com o povo e o inimigo — o mesmo
tipo de interação que é quase aceita
universalmente como a norma da guerra
futura. Por causa dessas limitações, o
Exército não deve apostar na tecnologia
centrada em redes para ser o principal
meio de proteção da Força.
Exército dos EUA, Sgt Alexander Snyder

O Exército deve evitar ou parar de


investir em programas que forneçam
menos proteção da Força do que a
estrutura da Força atual. Como o
Exército entra em uma era em que os
orçamentos diminuirão, qualquer Força
futura acrescida à da Força mista atual
deve proporcionar uma bem acentuada
capacidade de sobrevivência. Em um
ambiente de orçamentos limitados, Capacetes e coletes à prova de balas, pertencentes a soldados do
Batalhão de Apoio da 100ª Brigada de Forte Sill, em Oklahoma,
o Exército não pode arcar com o são alinhados antes da partida do terminal de passageiros na base
investimento em programas que não combinada Balad, no Iraque, em preparação do voo da unidade para o
Afeganistão, em 29 de março de 2009. O batalhão foi reposicionado do
fornecem a capacidade bem além Iraque para o Afeganistão em 28 de março para prover apoio logístico
daquela que já existe na estrutura da às forças da coalizão no local.

30 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


PRIORIDADES DO FUTURO

investimentos futuros. Simplesmente porque uma O Caminho À Frente


tecnologia centrada em redes acrescenta algum À medida que o Exército continuar a desenvolver
melhoramento na capacidade operacional, isso forças para todo o espectro de operações, não deve
não significa que resulte em um maior aumento sucumbir à tentação de buscar a capacidade de
da capacidade operacional. reação rápida à custa da proteção da Força e da
Um Exército qualificado para a campanha capacidade de sobrevivência. Com um ambiente
deve ser capaz de sustentar operações de combate de conflito constante e orçamentos decrescentes,
terrestre por um período indefinido.8 Contudo, o Exército pode se encontrar induzido a buscar a
quanto mais tempo o Exército executar uma “bala prateada” da tecnologia centrada em redes,
campanha, mais o inimigo terá a oportunidade para apagar o nevoeiro da guerra e proteger os
de se adaptar e contornar a vantagem tecnológica soldados pelo conhecimento perfeito da situação.
planejada para contribuir para a proteção da Contudo, nada da experiência de guerra atual ou
Força. A blindagem passiva e a confiança do líder histórica do Exército indica um campo de batalha
serão as melhores formas de proteção quando o onde tal domínio da informação é possível. Nas
inimigo inevitavelmente descobrir uma maneira missões complexas, confusas e muitas vezes
de penetrar a ilusória proteção tecnológica. O caóticas do futuro, o inimigo contornará ou
investimento no capital humano deve incluir a evitará as tecnologias da guerra centradas em
expansão do adestramento de desenvolvimento redes. Quando isso ocorrer, tudo que permanecerá
de líderes, a retenção dos soldados e líderes de para proteger um soldado será a proteção da
qualidade mais alta e a administração de pessoal blindagem passiva de sua viatura e sua capacidade
de modo mais eficaz, para assegurar que o de combater. Se sacrificarmos a proteção passiva
Exército tenha uma “mentalidade expedicionária” em nome da reação rápida, limitaremos nossas
capaz de se adaptar a qualquer situação. O unidades no aspecto mais difícil de sua missão
investimento na blindagem melhorada pode — aproximar-se e destruir um inimigo que se
incluir extensa pesquisa de materiais e projetos esconde entre a população local. Aprendemos
de viaturas que permitam ao Exército instalar essa lição nos campos de batalha no Iraque e no
pacotes de blindagem progressiva, adaptados Afeganistão. O Exército não se pode dar ao luxo
à ameaça local e à avaliação do comandante. de ignorá-la. Fazer isso significaria ter soldados
Para possuir um Exército qualificado em demais retornando em sacos mortuários no início
campanha, que proporcione a presença terrestre da próxima guerra porque o Exército dependeria
sustentada em um ambiente complexo com demais das tecnologias centradas em redes para
um inimigo adaptável, esses investimentos protegê-los. Está na hora de o Exército colocar
devem ter prioridade sobre a capacidade de a capacidade de sobrevivência em seu devido
desenvolvimento rápido. lugar.MR

REFERÊNCIAS

1. U.S. Army Field Manual (FM) 3-0, Operations (Washington, DC: U.S. de proteção blindada passiva resultou eventualmente em uma viatura resistente a
Government Printing Office [GPO], February 2008). minas e protegida contra emboscadas. Mais uma vez, a importância da proteção
2. “A capacidade expedicionária é a capacidade de desdobrar prontamente as blindada passiva emergiu como um fator essencial nas operações de combate.
forças de armas combinadas no mundo inteiro em qualquer ambiente operacional 6. Exemplos históricos dessa discussão são proporcionados no artigo de
e operar eficazmente ao chegar.” FM 3-0, paras. 1-71, 1-16. BOSTON, Scott, “Toward a Protected Future Force,” Parameters, winter,
3. Ibid. 2004-2005, p. 63.
4. Um dos membros do grupo de pesquisa, o coronel Jeffrey D. Peterson, 7. Há uma convicção popular de que os Estados Unidos são adversos às
comandou uma força-tarefa equipada com Strykers em Bagdá, de julho de 2006 a baixas. O exemplo mais frequentemente citado sobre a baixa tolerância do público
setembro de 2007. Ele tem experiência pessoal com a proteção blindada adicional para baixas foi a Batalha de Mogadíscio, durante a qual 18 baixas americanas
da viatura Stryker e o uso do veículo em todo o espectro de operações. precipitaram a retirada das forças de combate da Somália. Contudo, uma análise
5. Uma história parecida pode ser contada sobre a viatura leve HMMWV. hitórica e dados de pesquisa não sustentam a conclusão da aversão de baixas
Por exemplo, o 2º Regimento de Cavalaria foi desdobrado rapidamente no Iraque nos Estados Unidos. Para um exame detalhado sobre esse assunto, consulte
e equipado com uma versão mais antiga da HMMWV, que não proporcionava LACQUEMENT, Richard, “The Casualty-Aversion Myth,” Naval War College
proteção contra fogos de metralhadora. À medida em que a unidade operava Review (Winter, 2004).
em Cidade Sadr, começou-se rapidamente a aumentar chapas de aço no chassi 8. “A capacidade de campanha… é a capacidade de executar operações susten­
e nas portas da viatura para prover mais proteção contra a ameaça emergente de tadas por tanto tempo quanto necessário, adaptando-se a mudanças imprevisíveis
dispositivos de explosivos improvisados. Esses eram os primeiros passos no adi­ e muitas vezes profundas no ambiente operacional à medida em que a campanha
cionamento de pacotes de blindagem às HMMWVs no Iraque. A busca continuada se desenrola.” FM 3-0, paras. 1-74, 1-16.

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 31


Desenvolvendo Sargentos Líderes
para o Século XXI
Primeiro-Sargento John W. Proctor, Exército dos EUA

Soldados, na verdade, tendem a ser muito habilidosos neste tipo de trabalho. Uma enorme
quantidade de oficiais eram capitães de equipes de futebol, líderes de escoteiros, funcionários­
estudantes do governo, o que quer que fosse. Eles entendem de liderança. Mesmo no escalão dos
graduados, o requisito básico para ser um bom sargento é ser um perspicaz reconhecedor do caráter
humano, um mestre em motivação e um grande comunicador, alguém que realmente conheça a
natureza humana. Muito de o trabalho militar básico é, de forma inerente, ”sociológico”, e isso foi
de grande valia ao nosso grande esforço para criar uma sociedade funcional aqui.1
—–Capitão Ken Burgess, 2ª Brigada, 82ª Divisão Aeroterrestre, Bagdá, Iraque, 2004.

A chave do sucesso do Exército é a nossa flexibilidade e o desejo de mudar, para enfrentar o


mundo como ele é — sem alterar as competências básicas que fazem do Exército a melhor força de
batalha do mundo.2
—–Manual de Campanha (FM) 22-7.7

N O CENTRO DA transformação do
Exército se encontra o sargento. Ele guia
nossos soldados na batalha do século XXI.3
Ele cuida, treina e orienta nossos soldados na paz e
com a população — estabilidade ou apoio
civil — com aquelas relacionadas às operações
ofensivas e defensivas. Essa paridade é crítica;
ela reconhece que os conflitos do século XXI
envolvem mais do que um combate entre opo­
na guerra. Ele é o primeiro implementador de nossa
nova doutrina e conceitos. Ele comanda pequenas nentes armados. Embora derrotando o inimigo
unidades manobrando nossas novas plataformas e com operações ofensivas e defensivas, as
engajando o inimigo com nossos novos sistemas forças do Exército moldam simultaneamente
de armas. Ele é a face do povo americano, quando a situação mais ampla por meio de ações não
se relaciona com povos nativos nos campos de letais, para restaurar a segurança e a normali­
batalha da contrainsurgência. Um modelo efetivo dade para a população local.
de desenvolvimento de liderança para os sargentos Os soldados operam entre populações afas­
dos EUA, lutando as guerras do século XXI, precisa tadas ou localizadas muito longe. Eles muitas
definir uma ameaça corretamente, desenvolver vezes encaram o inimigo entre os não comba­
líderes de caráter e implementar o conhecimento tentes, com pouco para distinguir uns do outros
de estratégias de gerenciamento para disseminar a até que o combate irrompa. Matar ou capturar o
doutrina atual e a emergente. inimigo em meio da população civil complica
No ambiente de segurança de hoje, mudança as operações terrestres exponencialmente.
é a lei. A luta de 360 graus entre as populações Vencer batalhas e combates é importante, mas
nativas provavelmente está aqui para ficar.4 O não é suficiente por si só. Moldar a situação
ponto crucial da doutrina no Manual de Campanha civil é tão importante quando o sucesso.5
(FM) 3-0, Operations (Operações) explica que— O fato mais importante no atual panorama
A doutrina do Exército agora confere a de operações é o elevado envolvimento do
mesma importância das tarefas relacionadas soldado americano com os povos nativos.

O primeiro-sargento John W. Proctor é o capelão-chefe do República da Coreia.


19º Comando de Apoio Expedicionário, em Camp Henry,

32 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


SARGENTOS LÍDERES

(Cabo Ali Hargi, Exército dos EUA)

O Sgt Andrew Wolfgang provendo segurança durante uma operação de isolamento e busca em Taji, Iraque, 9 de agosto de 2009.

Embora mudanças em armamento, equipamento, armamento e superioridade de informação são


estruturação da força, comunicações, tecnologia, todos componentes essenciais da missão nas
intercâmbio de informações e um amplo menu bem sucedidas operações de combate terrestre
de ameaças inundem o nosso Exército na na guerra do século XXI. No entanto, sem um
guerra, o fator humano suplica pelos esforços de conhecimento completo da dimensão humana,
transformação.6 Nosso sargento líder permanece um inimigo astuto, ardiloso e sagaz, versado em
no âmago dessa transformação como o seu exploração cultural, pode na realidade alavancar
principal agente de êxito. uma superioridade militar contra os objetivos da
campanha do Exército. Quando se examinam
Guerra Irregular os modelos de desenvolvimento de líderes
O Exército conduzirá todo o espectro de do Corpo de Sargentos para o século XXI, é
operações no meio do povo. As abordagens imperativo que definamos o ambiente de ameaças
em conjunto com o governo incluirão ações corretamente e apliquemos os paradigmas que
comedidas, engajamentos com armas não letais identificam os requisitos de um campo de batalha
e troca de informações importantes para o progressivamente centralizado em pessoas.
resultado das operações. Em um piscar de olhos, Precisamos de sargentos líderes que sejam
contudo, situações podem se tornar altamente educados, adestrados e orientados para buscar uma
explosivas e exigir uma aplicação disciplinada de postura equilibrada, humanizada, para a guerra
manobras de armas combinadas. Nesse ambiente, irregular no século XXI. Esses sargentos precisam
moldar as atitudes e valores é tão importante ser autoconscientes e sempre cientes do contexto
como a direção de um tiro, economia de meios estratégico de suas ações e das ações de sua unidade.
e regras de engajamento. A guerra irregular Isso não quer dizer que o desenvolvimento de
envolve o povo. 7 Plataformas, tecnologia, líderes para grandes operações de combate não

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 33


seja mais requerido, ou que o treinamento para a Nossas equipes de transição militar se envolvem
guerra convencional esteja obsoleto. Não devemos na cultura das forças nativas. Em operações de
sacrificar o treinamento sistemático em manobras contrainsurgência, as forças nativas precisam
de armas combinadas de grande escala para uma assumir a liderança gradualmente para que nossas
maior eficácia em ambientes de guerra irregular. forças se retirem. A equipe de transição militar
A indagação de um ou de outro é baseada em uma precisa sobrepujar as barreiras de linguagem,
falsa suposição fundamental e ignora o azimute cultura, raça, religião e experiência, para ter
provido pelo Manual de Campanha FM 3-0. sucesso em desenvolver as habilidades das forças
O desenvolvimento de liderança para sargentos nativas. O sargento do Exército dos EUA
precisa e incluirá o desenvolvimento de capacidades frequentemente assume a responsabilidade de
de liderança normalmente aperfeiçoadas em locais prover a liderança nessas missões. Sua educação
de treinamento mais convencionais. Os sargentos e treinamento podem contribuir para o sucesso
ainda proverão liderança na instrução preparatória das operações de contrainsurgência ou para o
para o tiro; em exercícios de tiro real; exercícios fracasso na hora do ataque. Os membros das
combinados de desdobramento rápido; manobras equipes militares de transição quando se tornam
de combate convencionais em nossos centros de uma fonte de atrito para as forças nativas podem
treinamento de combate e no treinamento avançado impedir o progresso do plano de campanha. A
em processos e aplicações do comando em liderança dos sargentos, nesses contextos, precisa
combate. A liderança em importantes operações de ser desenvolvida de forma racional e espontânea.
combate ou em guerra irregular ainda é liderança. Na primavera de 2008, um sargento americano
O contexto e as ameaças podem variar, porém o desfigurou uma cópia do Alcorão ao escrever uma
relacionamento entre o líder e o liderado ainda linguagem obscena em suas páginas e então a colocou
requer educação na arte da Ciência Militar e em uma silhueta para tiro em um estande de tiro para
doutrinação em uma cultura de valores e tradição. armas de pequeno calibre, compartilhado com as
Nossos aliados procedem de diversas origens forças de seguranças iraquianas, que encontraram o
culturais, nacionais e étnicas. Operar em manobras livro sagrado com 14 buracos no dia seguinte. O fato
combinadas, de grande escala, com parceiros gerou tal indignação que muitos oficiais generais
multinacionais, pode requerer habilidades de imediatamente fizeram assembleias com os líderes
associação intercultural do sargento líder de iraquianos para emitir desculpas oficiais.Até mesmo
o presidente dos EUA pediu perdão publicamente
ao primeiro-ministro iraquiano.8
O contexto e as ameaças podem Embora essa situação não seja a norma,
variar, porém o relacionamento também não é incomum. A guerra irregular requer
o uso do conhecimento cultural como uma arma e
entre o líder e o liderado ainda não somente aulas rotineiras de fomento cultural.
A guerra centralizada em humanos requer um
requer educação na arte da conhecimento cultural específico da área assim
Ciência Militar… como adaptabilidade tática.
O líder de qualificações múltiplas e adaptativas,
descrito no Manual de Campanha FM 6-22,
Army Leadership (Liderança no Exército), é um
paradigma para o desenvolvimento do sargento
pequenas unidades ou do graduado no Estado- líder do século XXI. A sua adaptabilidade é uma
Maior em combate, coordenando ações entre os característica-chave:
comandos. As habilidades de liderança centradas Os líderes adaptativos examinam o
em seres humanos, aperfeiçoadas em nossas ambiente, extraem as características-chave da
próprias unidades, requerem aplicações externas situação e estão cientes do que será necessário
quando lidando fora das nossas próprias zonas para poder operar nesse ambiente de mudança.
culturais. A guerra moderna produziu o fenômeno Os líderes precisam estar particularmente
do “batalhão de fuzileiros globais.” atentos às evidências de que o ambiente

34 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


SARGENTOS LÍDERES

tenha mudado de formas inesperadas. Eles de ameaça da guerra irregular precisa orientar
percebem quando enfrentam adversários nossos modelos de desenvolvimento de líderes. Um
altamente adaptáveis e operam dentro pensamento adaptável e criativo continuará sendo
de um ambiente dinâmico e mutável. Às um elemento básico na identificação da ameaça e
vezes, o que acontece no mesmo ambiente do ambiente operacional.
muda repentina e inesperadamente de uma
operação relativamente segura e calma Tradições, Herança e Valores
para uma situação de fogo direto. Outras Os sargentos são os mantenedores das tradições
vezes, os ambientes são diferentes (de do Exército, emblemas, insígnias e heráldica.
desdobramento de combate a desdobramentos Desde quando o porta-estandarte, literalmente,
humanitários) e a adaptação é requerida para usava a bandeira da unidade na batalha, na frente
que mentalidades e instintos mudem.9 da formação, até hoje, quando o sargento-ajudante
Tudo o que o soldado de hoje precisa é reconhecer protege o pavilhão da unidade, os sargentos
mudanças e se adaptar constantemente a ambientes promovem a reverência e o orgulho por servirem
imprevisíveis e voláteis. A partir de 2004, nosso ao Exército. Os costumes do Exército, cortesias e
Exército passou a apresentar o conceito de uma rituais passam de geração para geração por meio
força inteiramente nova (modularidade), com da diligente prática dos sargentos, que preservam
dezenas de novos equipamentos e uniformes, postos a herança do passado e projetam a tradição do
de comando de comunicação digital, modificações corporativismo no presente.
nos programas de treinamento de instrução e nos As cerimônias e rituais são um instrumento
métodos de suprimento. Além disso, servimos para mostrar os valores do Exército. Longe de
dentro de um turbilhão de revolução doutrinária serem demonstrações inexpressivas de grandeza
inédita, pois o Exército reescreveu quase todos os em paradas, comunicam valores elevados
seus manuais de campanha durante esse período. como amor pela Pátria, liberdade e honra. Seja
Isso coloca importantes tarefas nas mãos dos observando uma importante cerimônia como uma
líderes de esquadrão, de pelotão, dos sargentos solenidade póstuma em homenagem aos militares
mais antigos e sargentos-adjuntos, que devem se falecidos ou uma pequena cerimônia tal como o
adaptar aos padrões, necessidades e considerações hasteamento e arriamento do Pavilhão Nacional,
de segurança contidos na avalanche de mudanças o sargento se encontra no centro das tradições
com que se depara o soldado de hoje. e rituais. Ele prepara a parada militar, o salão
As operações de contrainsurgência podem de festas e a capela. O sargento supervisiona a
apresentar o melhor conjunto de problemas guarda fúnebre, os carregadores de caixão e a
para se chegar a uma solução mais eficiente no Guarda-Bandeira. Os sargentos estão entre os
desenvolvimento de sargentos líderes adaptativos. comandantes mudando os estandartes durante as
Se um sargento líder pode aprender a se desenvolver cerimônias de passagem de comando.
em uma operação de contrainsurgência, qualquer Essas cerimônias e rituais destacam os valores
outra coisa em comparação se torna fácil. O General e tradições do Exército. Eles simbolizam honra,
David H. Petraeus se referiu à contrainsurgência disciplina e sacrifícios que nossos soldados fizeram
como a “guerra no nível universitário”.10 Um ao longo de nossa história. Esses valores nunca
corpo de sargentos que se sinta confortável em devem mudar; precisamos conscientemente aderir a
um ambiente perigoso, complexo e ambíguo de eles para poder passá-los com fidelidade e respeito às
guerra de contrainsurgência, certamente achará emergentes gerações de soldados. Em uma era onde
que a guerra convencional é menos complicada e a mudança é veloz e furiosa, e os líderes precisam
de mais fácil adaptação.11 aprender a “se adaptar ou morrer”, nosso corpo de
O modelo mais adequado de desenvolvimento sargentos necessita se manter fortemente enraizado
de liderança para o século XXI reconhece o na nossa prestigiosa herança de vitória com honra.
sargento como o principal agente de mudança O Exército é uma organização baseada em valores
em uma força que se transforma e que enfatiza os e requer sargentos líderes que transmitam fielmente
fatores centrais humanos em uma gama completa nossos valores, no país e no exterior, seja durante a
de operações. O diagnóstico correto do ambiente manutenção da paz ou em combate.

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 35


A doutrina de liderança do Exército explica o porém, o Sistema Educacional dos Sargentos
que os líderes precisam ser, saber e fazer. Esse permanece em silêncio sobre o assunto. É crítico
modelo se traduz nas características espirituais, para nossos sargentos líderes buscar a verdade
mentais e físicas da liderança e fornecem uma enquanto nossos soldados encaram perigos
medida de autoaperfeiçoamento que define o éticos complexos conduzindo todo o espectro
indivíduo completo. de operações, em ambientes religiosamente
Precisamos começar com o caráter. O que um saturados. Em uma entrevista para o Instituto de
líder precisa é ser um modelo dos valores e leal­ Estudos de Combate, o Tenente-Coronel Michael
dade do Exército: lealdade, dever, respeito, serviço Iocabucci explica a importância de valores e
altruísta, honra, integridade e coragem pessoal. da moralidade em um conflito. Refletindo nas
Don Sneider, um professor de Ciência Política na lições aprendidas dessa experiência [Operação
Academia Militar dos EUA, analisa o desenvol­ Iraqi Freedom], Iacobucci enfatiza a importância
vimento do caráter em três facetas: a espiritual (o de “ter um bom ambiente de comando e o
que é a verdade); a ética (o que é certo); e a social estabelecimento de valores e moralidade sólidos.”
(ações). 12 Sneider ensina que o caráter de um líder Conforme ele explica, “Se você vai entrar nesse
“busca descobrir a verdade, decide o que é certo e negócio de trocar insultos com o povo e tirar suas
(sempre) demonstra a coragem de agir apropriada­ vidas, isso pode rapidamente se tornar algo muito
mente.”13 Os padrões atuais de desenvolvimento do complicado. Somente os valores e a moralidade
sargento, todavia, não mencionam de uma forma mantêm tudo integrado.”15
determinada esta busca altamente pessoal e espiri­ O Modelo de Requisitos de Liderança do
tual pela verdade. Deveríamos ensinar os cadetes Exército, detalhado no Manual de Campanha
em West Point a empregar sua fé pessoal como FM 6-22, identifica três atributos que um líder
uma ferramenta de liderança, desta forma, e não precisa ser: um líder de caráter, um líder com
o nosso corpo de sargentos? Embora respeitando presença e um líder com capacidade intelectual. O
as escolhas e crenças pessoais de cada sargento, é, Sistema Educacional dos Sargentos tem um papel
contudo, importante a essa discussão notar que a central no desenvolvimento de sargentos líderes,
moralidade não surge de um vácuo. No seu discurso e programas de instrução deveriam enfatizar
de despedida, George Washington declarou: esses requisitos. O sucesso na guerra do Século
De todas as inclinações e hábitos que XXI começa com experiências educacionais
levam à prosperidade política, a religião que aprofundem o compromisso do sargento
e a moralidade são apoios indispensáveis. profissional de liderar com caráter.
Em vão alegaria o tributo do Patriotismo o O conhecimento precisa instruir o caráter, e o
homem que trabalhasse para subverter esses conhecimento precisa ser convertido em ação. O
grandes pilares da felicidade humana, os ali­ modelo do ser, saber e fazer permanece relevante
cerces mais firmes dos deveres dos homens para nossos esforços de desenvolvimento
e dos cidadãos… E suponhamos com cautela profissional no corpo de sargentos. O conhecimento
que a moralidade possa ser mantida sem a e a ação não acompanhados por um forte caráter
religião. moral podem se demonstrar ineficazes durante
Seja o que for atribuído à influência da o combate em ambientes de ameaças atuais e
educação refinada em mentes de peculiar futuras.
estrutura, bom senso e experiência, ambos As exigências da guerra do século XXI
nos proíbem esperar que a moralidade continuarão a apresentar conjuntos de problemas
nacional possa prevalecer na exclusão de complexos para nossos líderes e podem incluir
princípios religiosos. 14 variáveis religiosas, tribais, étnicas, sociais e
Os modelos de desenvolvimento de sargentos políticas. As ações do “cabo estratégico” (O
líderes deveriam exigir o desenvolvimento termo “cabo estratégico” descreve a situação
de caráter para melhor refletir os paradigmas onde soldados de baixo escalão, como um cabo ou
educacionais empregados em West Point. sargento, precisam fazer decisões rápidas que tem
Muitos sargentos líderes incutem essa dimensão efeitos significantes no nível estratégico ao invés
espiritual no seu autodesenvolvimento pessoal, de somente no nível tático. Esse acontecimento

36 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


SARGENTOS LÍDERES

antigos de hoje aprenderam a


doutrina como o estudo centrado
em manuais cheios de dobras nos
cantos das páginas, ressaltando
passagens-chave e fazendo
notas nas margens. A validade
dessas publicações doutrinárias,
normalmente, dura cinco anos.
Embora sendo dinâmica por
natureza, a doutrina parecia

Exército dos EUA, Sgt Teddy Wade


relativamente estável do início
dos anos 90 até o começo da
Guerra Contra o Terrorismo.
A maior parte dos sargentos
possuía suas cópias dos manuais
de campanha sobre liderança,
treinamento físico, orientação de
liderança, condutas de combate
Soldados do 3º Regimento de Infantaria, da Guarda dos Mais Antigos, formados durante
uma parada dos Sargentos, no Forte Mayer, Virginia, em 19 de maio de 2009. e treinamento centrado em
combate, além de outros manuais
comum significa que todos soldados — de de campanha relacionados ou exclusivos para a
generais até cabos — precisam ter o mesmo nível natureza de sua unidade. No Sistema Educacional
de conhecimento circunstancial para poder fazer dos Sargentos, os sargentos aprendem como navegar
decisões militares corretas, éticas e efetivas), na doutrina procurando por respostas a problemas
em campos de batalha de contrainsurgência, usando glossários e outros auxílios de referência.
frequentemente explodem pelo mundo todo, Hoje, dois desafios singulares emergiram para
em tempo real, na mídia digital de massa. dificultar a difusão da doutrina do Exército: a
O estabelecimento de valores educacionais, vinda de referências sem papel e a natureza fluida
que enfatizem o desenvolvimento do caráter, da doutrina atual. Juntos, esses dois fatores afetam
autoconsciência e desenvolvimento pessoal, a transmissão do conhecimento doutrinário e
ajudará nossos sargentos líderes a permanecerem exigem uma revisão de como os sargentos obtêm
fiéis a princípios inalteráveis. A fidelidade a e mantêm esse conhecimento.
esses princípios contribuirá para o sucesso da A digitalização de produtos operacionais,
missão em um ambiente dinâmico com conjuntos regulamentos, manuais de campanha, panfletos e
complexos de problemas centrados em humanos. outras informações distribuídas mudaram a cultura
Os sargentos são o conduto de liderança que da troca de informações. Não mais limitado pelas
conecta os comandantes aos soldados. Como restrições da pesquisa de referências impressas e
encarregados de nossas tradições, heranças, digitando cuidadosamente as partes entre aspas, o
cerimônias e heráldica, os sargentos levam operador de hoje pode copiar e colar com grande
nossos estandartes no meio dos assombrosos rapidez (e talvez sem muita atenção aos detalhes).
desafios apresentados pela guerra do século XXI. Sem produtos de papel, todavia, os sargentos
Agora, mais do que nunca, o desenvolvimento da podem perder parte da retenção e da absorção
liderança para sargentos precisa ser enraizado em tradicional do conhecimento doutrinário.
princípios e valores inalteráveis. Essa situação resultou em um corpo profissional
de sargentos, os quais frequentemente estão
O Sargento Líder e a Doutrina sobrecarregados de informação e limitados por
O ponto crucial da doutrina do Exército, o Manual terem de ler em uma tela de um computador
de Campanha FM 3-0, Operações, iniciou uma em vez do Manual de Campanha em papel, que
revolução doutrinária dentro do Exército e que ainda poderia caber em uma caixa plástica, mochila ou
está gerando mudanças.16 Muitos dos sargentos mais em um bolso.

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 37


necessários, é o conhecimento
tácito que estimula o aprendizado
social para uma “Comunidade de
Prática”.17 (Designa um grupo de
pessoas que se unem em torno de
um mesmo tópico ou interesse.
Essas pessoas trabalham juntas
para achar meios de melhorar o

Cabo Richard W. Jones Jr., Exército dos EUA


que fazem, ou seja, na resolução
de um problema na comunidade
ou no aprendizado diário, através
da interação regular.)
Fóruns virtuais profissionais,
tais como a Rede de Sargentos
do Sistema de Conhecimento
de Comando de Batalha (Battle
Command Knowledge System’s
— NCO Net), possuem enorme
O sargento William Fullerton, designado no 2º Pelotão, Companhia Bravo, do potencial para capacitar o
Batalhão de Tropas Especiais, 82ª Divisão Aeroterrestre, instrui seus soldados
antes de irem para uma patrulha, no Campo de Aviação em Bagram, Afeganistão, gerenciamento do conhecimento
4 de julho de 2009. para nossa liderança de sargentos.18
A NCO Net fornece um fórum de
intercâmbio seguro e de discussão
Mesmo que o sargento líder de hoje tivesse moderada, profissional, para sargentos que estão
o recurso de sua doutrina nas antigas versões lidando com os problemas enfrentados por nosso
em papel, a doutrina em si apresenta duas Exército atualmente em guerra. Nossos sargentos
dificuldades adicionais: é de natureza fluida partilham perguntas e problemas e também
(conforme a recente geração de manuais de soluções, experiências e conselhos de outros
campanha provisórios sugere); e a doutrina sargentos. A NCO Net tem auxiliado milhares de
frequentemente leva a lições aprendidas no sargentos levando assessoria em campanha com
campo de batalha. Colocando maior ênfase na assuntos atuais e em tempo real. Esses fóruns
estratégia de gerenciamento do conhecimento proporcionam uma forma de discutir a doutrina
para o sargento líder, o desenvolvimento pode na teoria e na prática e amplificam a doutrina
aliviar ambas as dificuldades. na medida em que os membros partilham suas
Os sargentos no século XXI deveriam adotar próprias táticas, técnicas e rotinas. O número
os conceitos de Gerenciamento do Conhecimento atual de membros da NCO Net ultrapassa 37.000
como o sistema principal de distribuição da participantes voluntários da ativa do Exército, da
transmissão de doutrina atual e emergente Guarda Nacional e da Reserva dos EUA.
para todo o Exército. O Gerenciamento do O Centro de Lições Aprendidas do Exército
Conhecimento é simplesmente o hábito de (Center for Army Lessons Learned — CALL)
capturar, armazenar e compartilhar conhecimento também oferece um enorme potencial para
explícito e tácito. O conhecimento explícito melhorar a liderança de sargentos do Exército.
é comunicado em publicações, exibição de Nós temos utilizado escassamente recursos,
slides, planilhas eletrônicas, relatórios, etc. Os como o Sistema de Conhecimento de Comando
conhecimentos tácitos, tais como percepções, em Combate e o Centro de Lições Aprendidas do
experiências, conselhos, análises e opiniões, Exército, como plataformas de aprendizado social
são experimentais. São comunicados por que apoiem a transformação. A inclusão formal
fóruns virtuais, mensagens instantâneas e dessas e outras plataformas de conhecimento
outras formas de compartilhamento social. em todos os programas de treinamento de
Embora ambos os tipos de conhecimento sejam praças, com ênfase no Sistema Educacional

38 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


SARGENTOS LÍDERES

de Sargentos, multiplicará o conhecimento “Derrota de um Homem-Bomba”, acumulou 187


organizacional. Os comandantes de unidades respostas de fontes tão divergentes como o Grupo
em cada escalão deveriam apoiar a participação de Guerra Assimétrica, o Centro de Excelência
em fóruns de Gerenciamento do Conhecimento em Contrainsurgência da Força Multinacional I e
no âmbito de suas organizações e do Exército. o Centro e Escola de Operações Especiais John F.
Nós somos um Exército baseado em doutrina, Kennedy.20 Esse tipo de colaboração multiplica
e o Manual de Campanha FM 3-0 marca a direção exponencialmente a perspicácia doutrinária e a
para o presente e para o futuro. É imperativo que habilidade operacional de todos os participantes
nossos sargentos líderes absorvam e transmitam e suas organizações.
os parâmetros doutrinários fornecidos no Não é realista assumir que nossos corpos
Manual de Campanha FM 3-0 e incorporem de sargentos dominarão a natureza fluida
as observações relevantes, percepções e lições dos atuais conceitos doutrinários utilizando
dentro de seus esforços de treinamento. Podemos somente métodos educacionais pré-digitais.
obter o melhor resultado possível nesse ambiente As salas de aula do Sistema Educacional de
fluido e dinâmico, implementando estratégias Sargentos exercitam o método de instrução
de gerenciamento do conhecimento agressivas de pequenos grupos para obter os melhores
e direcionadas para os sargentos líderes de hoje. resultados das experiências, conhecimento
Por meio de plataformas tais como a NCO Net, e habilidades cognitivas dos estudantes, em
nossos sargentos líderes podem partilhar seu um fórum facilitado profissionalmente. Os
conhecimento doutrinário explicado em nossas fóruns de gerenciamento de conhecimento
publicações, assim como as lições aprendidas virtual fazem o mesmo, porém, em uma escala
das operações atuais. A reunião de conceitos que abrange todo o Exército e que maximiza
doutrinários com as observações do campo de o alcance e a profundidade. A revolução
batalha, percepções e lições acelerará os esforços doutrinária ativada pelo Manual de Campanha
para desenvolver um treinamento “realista” em FM 3-0 ainda está ecoando por toda a Força;
centros de treinamento de combate. Criar uma observações, impressões e lições ainda estão
sinergia entre os operadores em campanha, os chegando do teatro de operações de combate.
desenvolvedores do Comando de Treinamento Os sargentos estão inundados com novas
e Doutrina e os observadores/controladores do informações. Podemos encontrar paradigmas
Centro de Treinamento de Combate é uma meta mais realísticos para a transmissão da doutrina
especificada pelo Comando de Treinamento e atual e emergente ao nosso corpo de sargentos
Doutrina.19 utilizando as plataformas de gerenciamento do
A publicação sem papel estimula a presença conhecimento.
on-line. O sargento líder que se mantém
atualizado em assuntos e tópicos emergentes Condições Mutáveis,

pode encontrar uma abundância de apoio Valores Inalteráveis

em uma variedade de fóruns no Sistema de A guerra no Século XXI requererá conjuntos


Conhecimento de Comando em Combate de habilidades progressivamente complexas
on-line. As Comunidades de Prática existem de nossos sargentos líderes e necessitará
para comunidades especializadas (tais como a um foco centrado no homem para a solução
rede de treinamento de oficiais ou executivos) ou de problemas. O ambiente operacional com
comunidades do tipo macro (rede de especialistas grande certeza envolverá ameaças assimétricas
em logística). Uma Comunidade de Prática ativa não convencionais e a interação humana
aplica o conhecimento coletivo de seus membros com populações e forças nativas e parceiros
para a solução de problemas. Isso estimula a multinacionais. A natureza volátil e imprevisível
colaboração e o aprendizado social na medida em da guerra irregular requererá um corpo de
que facilita o desenvolvimento de conjuntos de sargentos enraizado firmemente na herança,
soluções relevantes. Um único tópico listado no tradição e cultura de valores do Exército,
fórum de Contrainsurgência em 2007, do Sistema observados conscientemente. Um líder com
de Conhecimento de Comando em Combate, caráter, que busca a verdade e age eticamente,

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 39


estará apto a modelar aquilo que nunca deve os melhores resultados das experiências de outros
mudar em situações que mudam constantemente soldados tem sido um preceito do Exército e um
a sua volta. elemento crítico de nossos setores de treinamento
O desenvolvimento desse líder irá requerer operacionais e institucionais.
estratégias de gerenciamento do conhecimento O sargento do Exército é o transmissor
que aproveitarão a experiência coletiva do corpo primário da informação. Ele é o mantenedor de
de sargentos para o benefício de todos os seus nossa herança, tradições e valores. Desdobrar
membros. Um Exército baseado em doutrina o nosso sargento líder nos campos de batalha
precisa disseminá-la em formas que sejam práticas, voláteis do século XXI, para conduzir todo o
distribuíveis e relevantes para essa geração de espectro de operações, requererá uma liderança
sargentos líderes. Para obter isso, precisamos que pode adaptar táticas sem comprometer as
adaptar os métodos de aprendizado disponíveis para éticas. As tecnologias aparecem e desaparecem
a nossa almejada audiência alvo. As comunidades e os sistemas de armamentos evoluem; porém,
de prática on-line proveem um intercâmbio social seres humanos ainda permanecerão no centro
de conhecimento experimental e uma rápida da guerra. Os sargentos líderes do Exército de
transferência de boas práticas em tempo real. Esse amanhã se erguerão para aceitar cada desafio
processo auxilia na educação e no treinamento de com coragem, competência e confiança — desde
guerreiros prontos para o combate e bem preparados que nunca esqueçamos quem nós somos e como
para uma variedade de cenários operacionais. Obter chegamos aqui.MR

REFERÊNCIAS

1. ZINSMEISTER, Karl Dawn Over Baghdad: How the U.S. Military is soldados sabem que têm que se adaptar para vencer e permanecer vivos. Eles
Using Bullets and Ballots to Remake Iraq, (New York: Encounter Books, 2005). não têm medo do desconhecido; eles usam suas habilidades para se adaptar ao
2. FM 22-7.7, The Army NCO Guide (Washington DC: U.S. Government desconhecido. Isto não é para sugerir ou dizer que nunca deveríamos conduzir
Printing Office [GPO], 2002). exercícios de tiro para carros de combate. Deveríamos, e não há uma boa razão
3. Neste artigo, os pronomes “ele” e “o” são genéricos e representam ambos porque nossos tripulantes de blindados não deveriam ser peritos em seus carros de
os sargentos líderes masculinos e femininos. combate em uma questão de treinamento, porém, nossos líderes de menor escalão
4. A análise de tendências é o elemento mais frágil da previsão. O futuro veem a falta de uma habilidade particular como um desafio a ser sobrepujado,
do mundo no próximo quarto de século estará sujeito a enormes interrupções e como já demonstraram em cada desdobramento de combate.”
surpresas, tanto naturais quanto artificiais. Essas interrupções, e muitas outras 12. SNIDER, Don “The Human Spirit, Ethics, and Character: An Integrated
forças contíguas, podem facilmente alterar a trajetória de qualquer tendência. O Approach to Warrior Development,” apresentação ao Chefe da Conferência de
Joint Operating Environment (Norfolk, VA: United States Joint Forces Command, Liderança dos Capelães Seniores, abril 2007.
November 2008) reconhece que muitas, se não todas, as tendências e trajetórias 13. Ibid.
do futuro não serão lineares. 14. WASHINGTON, George, Discurso de Despedida, Preparatório para a
5. FM 3-0, Operations (Washington DC: GPO, February 2008). sua Recusa, Baltimore, MD., George e Henry Keating (1896).
6. Ibid. “Esse conflito será travado em um ambiente que é complexo, 15. Combat Studies Institute, Operational Leadership Experiences, entre­
multidimensional e enraizado na dimensão humana. As Forças Militares por si vista com o Ten Cel Michael Iocabucci, 1 de junho de 2006.
mesmas não podem vencer esse conflito; a vitória exigirá uma cooperação total e 16. WALLACE, GEN William S., “FM 3-0 Setting the Capstone of Army
a coordenação de esforços diplomáticos, de informações, militares e econômicos. Doctrine,” Army - Março 2008.
Devido à natureza humana do conflito, porém, o poder terrestre continuará sendo 17. FM 6-01.1, Knowledge Management, (Washington DC: GPO, 2008),
importante para o esforço militar e essencial para a vitória.” para. 1-17. “ Uma conexão fornece ao povo uma estrutura e redes — ambos
7. Conceito Operacional Conjunto de Guerra Irregular (Irregular Warfare técnicos e sociais — que facilitam a comunicação. Como o conhecimento
Joint Operating Concept - Washington DC: GPO, September 2007). “A Guerra é social e usado para o benefício do povo, a maior parte do povo o procura
irregular é sobre pessoas, não sobre plataformas. A guerra irregular depende daqueles a quem conhece e confia, antes de perguntar a outros ou acessar as suas
não somente do nosso talento militar, mas também do nosso conhecimento das bases de dados. Buscar conhecimento de outras pessoas leva à colaboração.”
dinâmicas sociais como políticas tribais, redes sociais, influências religiosas e 18. O Curso de Lições Aprendidas, conduzido pelo Centro de Lições
hábitos sociais. O povo, e não plataformas e tecnologia avançada será a chave para Aprendidas do Exército dos EUA, Forte Leavenworth-KS, está sendo proje­
o sucesso na guerra irregular. A Força Conjunta necessitará ter pessoas pacientes, tado para treinar oficiais, primeiros sargentos e sargentos designados com a
persistentes e culturalmente astutas para edificar os relacionamentos e parcerias responsabilidade de estabelecer e gerenciar o programa de lições aprendidas
locais essenciais para executar a guerra irregular.” em suas organizações e em suas unidades subordinadas.
8. ABDUL-ZAHRA, Qassim, “Bush Apologizes for Quran Shooting,” 19. Ibid., WALLACE, GEN William S. “O TRADOC está comprometido
Associated Press, 20 de maio de 2008. em prover para nossos soldados as melhores, mais relevantes e inovadoras
9. FM 6-22, Army Leadership (Washington DC: GPO), para. 10-49. oportunidades de treinamento, enquanto transforma a qualidade da campanha
10. GUMBRECHT, Jamie, “Troop Em umbers to Thin In 2008,” McClatchy do Exército com capacidades expedicionárias e unificadas. Continuaremos a
Newspapers, 30 de dezembro de 2007. impulsionar as lições aprendidas no teatro de operações diretamente aos nossos
11. CARDON, BG Edward L., “Recognizing the Army’s Cultural Changes,” soldados em seu ambiente natural e de modo uniforme pelo Exército. Nossas
Army, September 2007. “Nós não compreendemos completamente como a cultura lições aprendidas estão provendo simultaneamente a base e o apoio para o
de nossos líderes de menores escalões e soldados foi mudada. Por exemplo, sabe­ desenvolvimento da doutrina do Exército, que é reforçada e praticada nas
mos que uma quantidade de nossos capitães da arma blindada não completou o unidades operacionais e em nossos centros de treinamento.”
treinamento de tiro de carros de combate por causa do desdobramento prolongado. 20. Battle Command Knowledge System, professional forums, 30 de
Para alguns deles, isso é o precursor da queda da prontidão do Exército. Mas para julho de 2009, disponível em: <https://forums.bcks.army.mil/secure/Commu­
os nossos líderes de menor escalão, a reação é bem mais diferente. Eles estão nityBrowser.aspx?id=384421&lang=en-U.S.> (AKO password required). Site
confiantes que poderão adquirir as habilidades requeridas rapidamente. Por que alternado, <https://forums.bcks.army.mil/secure/communitybrowser.aspx?>
pensam assim? Novo equipamento, novas táticas, treinamento diferente — nossos (30 July 2009).

40 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


Atendimento às Vítimas de Combate Tático:
Um Estudo de Caso do Profissionalismo
Técnico dos Sargentos
Tenente-Coronel Médico Richard Malish, Exército dos EUA

as forças militares do mundo. Os


NCOs designados nas unidades táticas
de manobra merecem louvor pela sua
capacidade de se adaptarem, com
agilidade, às funções de soldado, líder
e instrutor. Por causa das guerras no
Iraque e no Afeganistão, os NCOs se
tornaram comunicadores especialistas,
diplomatas, estrategistas e mediadores;

(Sargento Clifton Caldwell, Exército dos EUA)


porém, o crescimento e a destreza
nas áreas técnicas podem passar
despercebidos. Em especialidades
como comunicações, engenharia e
ciência da computação, os NCOs
transformaram a Força Terrestre dos
EUA em uma entidade pela qual a
palavra “exército” parece simples e
antiquada. Devido a sua dedicação e
Estudantes do Curso de Combate de primeiros socorros proveem auxílio a capacidade de aprender, os homens
uma vítima de combate tático simulada, durante um exercício de incidentes
com fatalidades no Centro de Treinamento de Especialistas de primeiros e mulheres que se desdobram em
socorros em Combate, Jamestown, Base Conjunta Balad, 4 de março de 2009. apoio à segurança nacional dos EUA
representam uma equipe de peritos
multidimensionais.
O desenvolvimento de líderes é alcançado Um bom exemplo é o gerenciamento das vítimas
com uma permanente síntese de conhecimento, de combate. Os índices de baixas nas guerras do
habilidades e experiências obtidas por meio de Iraque e do Afeganistão são os mais baixos já
instrução individual, ensino militar, adestramento, registrados. Peritos atribuem esse desenvolvimento
experiência operacional e autoaperfeiçoamento. a dois itens: coletes à prova de balas e primeiros
—–Manual de Campanha FM 6-22, Army Leadership, socorros no campo de batalha. Sem dúvida, o
(Liderança no Exército), Outubro de 2006.1 componente mais importante e delicado desse
sucesso é o atendimento médico. Seria impróprio,

O EXÉRCITODOSEUApossuiumcorpo entretanto, reduzir essas ações ao termo “primeiros


de sargentos (Non-Commissioned socorros”, pois há de se reconhecer os feitos heroicos
Officers — NCOs) sem paralelo entre executados pelos soldados dentro de um ambiente

O tenente-coronel Richard Malish atualmente está cursando Womack Army Medical Center como cardiologista. Serviu como
a Escola de Comando e EstadoMaior do Exército. É bacharel cirurgião da 173ª Brigada durante a Operação Iraqi Freedom
pela Universidade de John Hopkins e doutor em Medicina em 2003. Também serviu como Cirurgião do 3º Batalhão do 5º
pela Uniformed Services University of the Health Sciences. Foi Grupo de Forças Especiais (Aerotransportado).
designado anteriormente para o Departamento de Medicina do

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 41


O Centro e Escola do Departamento
Médico do Exército em San Antonio,
Texas, delegou os detalhes das
mudanças institucionais ao sargento
especialista em primeiros socorros.
Quando o tempo disponível terminou,
com o início das operações de combate
em 2001, o sargento especialista em
primeiros socorros proveu um “manual
de treinamento de bolso” que servia
como uma ponte entre a doutrina inicial
e as práticas inovadoras no campo de
NARA

batalha. Isso era altamente arriscado, e


Um especialista de primeiros socorros do 1º Batalhão/16º Regimento de não havia garantias de sucesso. Em cada
Infantaria, da 1ª Divisão de Infantaria, procura nos céus um helicóptero passo, o Exército colocou expectativas
de evacuação médica para remover um companheiro ferido durante um
assalto aéreo, Vietnã, junho de 1967. adicionais no sargento especialista em
primeiros socorros.
O baixo índice de vítimas no Iraque e no
assustadoramente cinético. O “especialista em Afeganistão comprova o grau de desempenho com
primeiros socorros,” com a Qualificação Militar que os sargentos atenderam a essas expectativas.
(Military Occupational Specialty — MOS) 91W, A concretização desse padrão demonstra o modelo
é um dos menos reconhecidos herois das guerras de desenvolvimento do líder organizacional. Os
no Iraque e no Afeganistão. sargentos continuamente apoiaram, reforçaram
Usando o especialista em primeiros socorros e expandiram boas ideias com competência
91W como estudo, eu avaliaria o profissionalismo profissional e técnica.
técnico no Exército como uma microrrevolução em
assuntos militares. Para descrever a transformação Entendendo as Necessidades

do especialista de primeiros socorros em combate Médicas do Soldado em

durante a primeira década do novo milênio, é Combate

necessário identificar as raízes da mudança na O sargento especialista em primeiros socorros


década passada. Nos anos 80, uma cuidadosa de hoje deve muito do seu sucesso ao trabalho
análise das lições aprendidas da Guerra do pioneiro do Dr. (Coronel) Ronald F. Bellamy.
Vietnã iniciou uma cadeia de eventos que Usando modelos teóricos e dados sobre ferimentos
culminaram com a criação do especialista de e eficácia de munições no Vietnã, o Dr. Bellamy
primeiros socorros. Durante os anos 90, as lições buscou entender como os soldados morreram no
aprendidas do Vietnã gradualmente se tornaram campo de batalha moderno.2 Em seu artigo de
parte do treinamento médico reformado. Quando 1984, (“The Causes of Death in Conventional
a guerra explodiu no Afeganistão em 2001 e no Land Warfare: Implications for Combat Casualty
Iraque em 2003, as Forças Armadas dos EUA se Care Research,”), (As Causas de Morte na Guerra
encontraram na encruzilhada da doutrina médica. Terrestre Convencional: Implicações para a Pesquisa
Sem hesitação, o Exército aceitou o desafio e do Atendimento às Vítimas de Combate, em
instituiu um modelo fundamentalmente novo tradução livre) Bellamy chegou a duas importantes
para os primeiros socorros no campo de batalha. conclusões: primeiro, que 90% dos soldados mortos
O sargento especialista em primeiros socorros em ação sofreram ferimentos mortais, enquanto
em cada capítulo desse desenvolvimento no 10% foram vitimados por ferimentos de possível
profissionalismo médico. Eles primeiro tiveram recuperação; e, segundo, que 98% dos pacientes que
que provar seu valor. Dali em diante, o Exército alcançaram os postos de tratamento médico ainda
confiou a eles a tarefa vital de ensinar, treinar vivos, ao final, sobreviveram.3
e orientar um novo tipo de especialistas de A importância dessas descobertas tornou-se
primeiros socorros do campo de batalha. clara com o passar do tempo. Primeiro, o

42 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


COMBATE TÁTICO

trabalho revelou um grupo de pacientes com indicação errada. O Exército reduziu os riscos nos
um pequeno subgrupo de ferimentos nos quais estágios iniciais do atendimento conduzido por
a atenção médica teria tido um efeito salva­ especialistas em primeiros socorros nas linhas de
vidas. Segundo, no caso desses pacientes, o frente, tendo como objetivo os sargentos de saúde.
local e tempo essencial para a intervenção Por causa do ambiente no qual eles operam, esses
seriam no campo de batalha, imediatamente sargentos de saúde cuidam dos seus companheiros
após o ferimento. Se os pacientes fossem feridos por horas e até dias sem apoio de um médico.
medicados o suficiente para que atingissem um
posto de socorro ainda vivos, então a chance
de sobrevivência seria altamente provável. O programa 91W é ambicioso.
Finalmente, o Dr. Bellamy descobriu que o mais
importante para prevenir a morte era controlar a Sob o novo currículo, os
hemorragia, especialmente nos ferimentos das
extremidades. Em vez de abordar tratamentos especialistas de primeiros
específicos para uma miríade de potenciais socorros treinam por 16
ferimentos de combate, Bellamy se concentrou
na recuperação de alguns poucos ferimentos semanas em vez de 10.
nos quais a intervenção mudaria os resultados.
Em 1996, Frank K. Butler, John Hagmann,
e George E. Butler usaram dados do Vietnã Eles recebem treinamento que vai além do
(incluindo os dados de Bellamy) para demonstrar que é ministrado aos especialistas em primeiros
as deficiências do treinamento médico militar socorros convencionais. Em alguns casos, eles
da época.4 Eles formularam um guia para os são requisitados a executar ações de atendimentos
especialistas em primeiros socorros que se primários que podem entrar no âmbito da prática
concentrava em: de um médico. O artigo de Butler, Hagmann,
●●O especialista em primeiros socorros como e Butler recomendou, aberta e oficialmente,
o ponto central da sobrevivência em combate. que os conhecimentos para atendimento de
●●Estados iniciais críticos na intervenção de trauma grave fossem ministrados aos sargentos
ferimentos. de saúde para possibilitá-los salvar o pequeno
●●Uma fórmula de ação simples e notável. subgrupo de pacientes cujas vidas estão em perigo
●●Torniquetes e controle de hemorragia. quando a ajuda de um médico é impossível.
●●Rotina de como tratar tensão pneumotórax O seu artigo “Tactical Combat Casualty Care
e obstrução do canal de ventilação. in Special Operations” (O Atendimento de
O artigo conduzia a orientação especialmente Vítimas de Combate Tático em Operações
aos especialistas em primeiros socorros que, Especiais, em tradução livre) abordou, na parte
como primeiros na cena, verdadeiramente inicial, a importante tendência em aumentar
estavam no ponto de conexão entre a vida e a o conhecimento do especialista em primeiros
morte. Recomendava, ainda, que usassem esse socorros de combate para reduzir os índices de
treinamento, que predominantemente pertencia baixas no campo de batalha. Muitos acreditam
ao campo da medicina civil. Incluídas entre essas que esse artigo decisivamente mudou a medicina
ações estavam a administração de campanha de do campo de batalha. Os médicos e assistentes
antibióticos e narcóticos; e uma nova geração médicos individuais das Forças de Operações
de fluidos de ressuscitação. Adicionalmente, Especiais (Special Operations Forces — SOF)
recomendava o uso agressivo de procedimentos começaram imediatamente a incorporar os
técnicos tais como a aplicação de torniquetes, fundamentos do Atendimento de Vítimas de
cricotiroidotomia cirúrgica e a descompressão Combate Tático em programas de treinamento.
de pneumotórax por inserção de agulha. Viabilizados com o novo conhecimento
Uma organização precisa arriscar muito quando médico, os especialistas de primeiros socorros
tem muito a ganhar. As rotinas recomendadas são das SOF demonstraram o seu valor. Um artigo
perigosas se executadas incorretamente ou para a exaltando a implementação do atendimento de

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 43


vítimas de combate tático na recuperação de de contingência de pequena escala, semelhantes
pessoal pelos sargentos médicos foi publicado às operações especiais. O coronel Robert De
em 1999.5 A comunidade de Operações Especiais Lorenzo, proponente do programa 91W, estudou
da Marinha rapidamente adotou a filosofia do o modelo do sargento de saúde como um provável
atendimento de vítimas de combate tático para protótipo para o novo especialista de primeiros
seus próprios sargentos médicos.6 As diretrizes socorros .9 Além disso, declarou que o cuidado
do programa obtiveram um grau ainda mais alto de vítimas de combate tático seria incluído no
de legitimidade quando o American College of treinamento. Aceitando o fato de que as ações dos
Surgeons as adotou e as incluiu no seu manual pré- especialistas de primeiros socorros de combate
hospitalar de recursos salva-vidas de trauma.7 Na eram mais importantes do que todo o cuidado que
sua etapa inicial, o atendimento médico tático nas se seguiria, o programa do 91W se concentrava no
mãos dos NCOs médicos foi reconhecido como princípio do “cuidado médico na linha de frente.”
um salto quântico. Em treinamento e missões Na sua introdução à apresentação do programa
limitadas no mundo real, os sargentos médicos 91W, De Lorenzo discutiu as expectativas de seu
provaram que eram capazes de cuidar de casos modelo predecessor, o Especialista de Primeiros
de trauma avançado. socorros do Futuro:
O especialista de primeiros socorros do
Atendimento das Vítimas de futuro era uma extensão do médico ou assistente
Combate Tático e o Especialista médico, permitindo que esses profissionais na
em Primeiros Socorros linha de frente ampliassem a sua assistência o
Convencional tempo todo no local da ocorrência do ferimento
Não é surpresa que o modelo de atendimento ou doença. O especialista de primeiros socorros
de vítimas de combate tático tenha despertado a do futuro deveria ser altamente qualificado em
atenção do Departamento Médico do Exército primeiros socorros e capaz de prover atendimento
para distribuição às unidades convencionais. Em a ocorrências em estado crítico e em evacuações
1991, o colapso da União Soviética proclamou de longa distância.10
uma nova era de ameaças militares. Sem nenhuma No programa 91W, especialistas de primeiros
superpotência inimiga confrontando as Forças socorros convencionais, armados com habilidades
Armadas dos EUA, o Departamento Médico do e conhecimento de ressuscitação próprios de
Exército reconheceu a necessidade de um novo médicos e de assistentes médicos, estariam
tipo de especialista convencional de primeiros presentes nas linhas de combate.
socorros, habilitado nas missões de manutenção O programa 91W é ambicioso. Sob o novo
da paz, auxílio humanitário e conflitos de pequena currículo, os especialistas de primeiros socorros
escala. Em 1991, para melhor se preparar para esse treinam por 16 semanas em vez de 10.Ao contrário
espectro de ameaça, o departamento anunciou a do programa 91B, os especialistas de primeiros
criação de uma nova especialidade ocupacional socorros de combate precisam passar no teste
médica: o 91W.8 de qualificação civil de técnico de emergências
Em grande parte devida à visão do Diretor da médicas para se graduarem. O treinamento em
Saúde do Exército, James B. Peake, o programa manequins de simulação dá aos estudantes perícia
91W criou um novo profissional médico ainda na aplicação de procedimentos de ressuscitação.
não visto no mundo civil: uma combinação de Ainda mais importante, o treinamento dá aos
técnico de emergências medicas (Emergency estudantes permissão implícita para executar
Medical Technician — EMT) e assistente tarefas ensinadas anteriormente somente para
de enfermagem. Ambas as especialidades prover uma familiaridade básica (por exemplo,
91B [ajudante médico] e 91C [assistente de com o propósito de ajudar um médico).
enfermagem] foram incorporadas em uma nova Desde o começo, os projetistas do programa
qualificação militar. O Departamento Médico 91W dependiam pesadamente dos sargentos de
do Exército aceitou o fato de que os futuros saúde. De Lorenzo não deixou dúvida nenhuma de
especialistas de primeiros socorros de combate que a responsabilidade pela “maior reengenharia
convencionais estariam realizando operações do especialista de primeiros socorros de combate

44 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


COMBATE TÁTICO

na história” dependeria dos sargentos de


saúde.11 Ele enfatizou: “Naturalmente, os
sargentos 91W e os sargentos instrutores,

Departamento de Defesa, Sargento Wendy Wyman


todos especialmente treinados e
preparados para suas funções, conduzirão
a maior parte do treinamento.”12 A cada
passo ao longo do caminho, os sargentos
de saúde provaram que a disseminação de
treinamento vital estava em boas mãos.

Atendimento Preliminar por


Unidades Convencionais
em Combate
Os ataques terroristas no World Trade O sargento Philip Windhorst, ao centro, orienta o cabo Antonio
Center ocorreram um mês antes que o Manzano enquanto administram terapia intravenosa no sargento
programa de treinamento 91W fizesse Raymond Calixte, durante o curso de combate de primeiros socorros
a sua estreia. A guerra no Afeganistão na Base de Operações Avançadas em Kalsu, Iraque, 24 de janeiro
de 2009.
começou antes que a primeira classe de
91W tivesse se graduado. Mesmo em
2003 e no começo das hostilidades no Iraque, unidades das Forças Especiais em 1999, os
somente a minoria dos especialistas de primeiros especialistas de primeiros socorros da força­
socorros de combate tinha feito a transição de tarefa se tornaram tão adeptos do uso de técnicas
91B/C para 91W. Mais importante, os conceitos avançadas para tratar pacientes simulados que “o
do atendimento de vítimas de combate tático ainda reconhecimento e tratamento às vezes envolvia
não tinham alcançado o ponto de transição no simplesmente a memorização da habilidade
campo de batalha. O capitão Michael Tarpey, um motora.”15
cirurgião de batalhão da 3ª Divisão de Infantaria, Nos primeiros 25 dias de combate, apesar de
escrevendo em 2005, declarou, “O uso das 32 feridos, a FT 1-15 não teve nenhum morto
diretrizes do atendimento de vítimas de combate em combate. Tarpey se tornou um dos muitos
tático em unidades convencionais não tinha sido apóstolos da mensagem do atendimento às vítimas
bem difundido.”13 Havia, contudo, grupos de de combate tático.
peritos em atendimento de vítimas de combate Ele expressou que as diretrizes do atendimento
tático junto com a força invasora. de ocorrências de combate tático “demonstraram
A unidade de Tarpey, a força-tarefa do 1° ser salvadoras de vidas e sua ampla disseminação
Batalhão de Infantaria/15° Regimento de deveria ser com primeira prioridade.”16 Outras
Infantaria, da 3ª Divisão de Infantaria (FT 1/15 unidades implementaram o atendimento às
Inf), fornece um exemplo. Em seu artigo intitulado vítimas de combate tático na preparação para
“Atendimento às Vítimas de Combate Tático na o combate. Uma dessas unidades era a 173ª
Operação Iraqi Freedom”, Tarpey descreve Brigada Aeroterrestre que foi empenhada na
como ele, seu assistente médico, seu sargento luta em 26 de marco de 2003, com um assalto
de saúde de pelotão e outros sargentos de saúde de pára-quedas no Aeroporto de Bashur, ao
realizaram a tarefa de ensinar os especialistas de norte do Iraque. Da mesma forma que a FT
primeiros socorros do batalhão num curso de três 1/15 Inf, a 173ª usou os sargentos de saúde
meses em atendimento às vítimas de combate seniores para treinar os especialistas de primeiros
tático.14 O curso terminou abruptamente antes da socorros, extensivamente, no atendimento às
unidade atacar o Iraque, pelo Kuwait, como um vítimas de combate tático. Em acréscimo do
dos elementos à frente da invasão terrestre em 21 treinamento de sala de aula baseado em cenários,
de marco de 2003. os especialistas de primeiros socorros receberam
Usando técnicas de treinamento baseadas os produtos farmacêuticos apropriados e as
em cenários, idênticas àquelas adotadas pelas ferramentas para executarem os procedimentos

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 45


de atendimento às vítimas de combate tático. os sargentos de saúde já tinham realizado
Como uma medida extra para assegurar que o atendimento completo, no local e na hora
o conhecimento do atendimento às vítimas de em que eram mais necessários: no campo
ocorrências de combate estava sempre disponível, de batalha, segundos depois de acontecido o
os soldados plastificaram os seus “smart cards”, ferimento. Existe pouca dúvida de que a visão
que continham todas as informações necessárias. de atendimento na linha de frente criada por
Como o cirurgião da Brigada e o assistente médico Peake, até certo ponto, tenha sido realizada
do batalhão estavam excessivamente envolvidos na Operação Iraqi Freedom. Sendo parte o
no planejamento médico, eles delegaram a tradicional especialista de primeiros socorros,
importante tarefa de treinar os especialistas de parte enfermeiro, e por certo, parte médico, o
primeiros socorros em atendimento às vítimas de 91W representou um avanço inédito na medicina
combate tático aos sargentos mais experientes e profissional e na ressuscitação em combate.
sargentos recém-graduados do programa 91W.
Os sargentos médicos da 173ª desempenharam Ampla Disseminação do

um papel importante na criação de uma equipe de Atendimento às Vítimas de

91Ws de um profissionalismo incomparável. O Combate Tático

cuidado in loco dos ferimentos era tão completo Embora seja improvável que as experiências
que, em muitas ocasiões, tornou a intervenção da FT-1/15 e da 173ª tenham sido singulares,
do cirurgião da brigada irrelevante. Deve-se à medida em que o tempo passou, unidades
observar que nenhum cuidado adicional era não treinadas no atendimento às vítimas de
necessário no posto de socorro da brigada, combate tático se tornaram a exceção. Dando
sendo que o cirurgião da brigada simplesmente o exemplo consistentemente, a comunidade de
conduzia rápidas reavaliações dos pacientes operações especiais estabeleceu um “Comitê de
(sem intervenção) antes de evacuá-los à Atendimento às Vítimas de Combate Tático” em
equipe avançada mais próxima. Nesses casos, 2001. Com figuras importantes como o Chefe da
os cuidados em relação ao posto de socorro Saúde Pública dos EUA e peritos de fama mundial
da brigada podiam ser dispensados porque no campo de trauma e cirurgia de queimaduras,
nada menos que sete sargentos de
saúde fizeram parte do comitê em
2004-2005.17 Tendo encontrado o
atendimento às vítimas de combate
tático permeado pela comunidade
de operações especiais, o comitê,
em 2004, recomendou o início
de um “Modelo de Iniciativa de
Transição do Atendimento às
Vítimas de Combate Tático.” 18
Esse programa, patrocinado
pelo Comando de Operações
Especiais dos EUA, prevê um
Exército dos EUA, cabo April Campbell

curso intensivo em atendimento


às vítimas de combate tático num
período de seis meses antes do
desdobramento. O currículo tira
vantagem e se utiliza do talento e
iniciativa dos sargentos de saúde
locais. As sessões de “Treinar o
treinador” começam no primeiro
O sargento Clint Higgins pratica as habilidades de primeiros socorros aprendidas dia, dessa forma, os especialistas
na sala de aula em um ambiente simulado no Campo Atterbury, em 23 de agosto. de primeiros socorros das unidades

46 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


COMBATE TÁTICO

podem auxiliar com o treinamento que se segue coletes à prova de balas e primeiros socorros no
nos próximos dois dias.19 O programa estende o campo de batalha. Não é claro que a proporção
seu alcance usando os sargentos de saúde dessa do melhoramento da taxa de sobrevivência seja
forma. atribuível a cada variável. Mesmo assim, os
Em 2005, o atendimento às vítimas de combate poucos que testemunharam os resultados dos
tático, de uma forma ou de outra, finalmente novos atendimentos às vítimas de combate tático
alcançou a força convencional como um todo. pessoalmente (capitão Terpey, por exemplo)
Unidades convencionais, incluindo a 82ª Divisão duvidam que a sua contribuição seja menos que
Aeroterrestre, a 10ª Divisão de Montanha
(Infantaria Leve), a 3ª Divisão de Infantaria e a
101ª Divisão Aeroterrestre (Assalto Aéreo) estão …cuidados em relação ao
usando variações do currículo do treinamento
“na hora certa” do atendimento às vítimas de posto de socorro da brigada
combate tático.20 Esses currículos continuam a
complementar a atual quantidade de unidades podiam ser dispensados
de manobras de combate com especialistas de porque os sargentos de
primeiros socorros 91W, treinados pelo Centro
e Escola do Departamento Médico do Exército. saúde já tinham realizado o
Resultados atendimento completo, no
Embora os especialistas em primeiros socorros local e na hora em que eram
tenham sempre tido um papel importante no
atendimento na linha de frente, o atendimento mais necessários.
às vítimas de combate tático reorganizou o
modelo da linha de frente. O que uma vez foi um
modelo em “forma de roda de bicicleta”, com significativa.
o posto de socorro da brigada no centro, agora Em retrospecto, não é difícil encarar o
é uma “cobertura” ou um “guarda-chuva” de surgimento bem sucedido do atendimento
proteção. Especialistas de primeiros socorros, às vítimas de combate tático (tanto direta e
distribuídos entre as forças militares, muitas vezes indiretamente por meio de sua incorporação ao
executam todas as funções do posto de socorro da currículo do 91W) como um fato consumado.
brigada, que agora, geralmente (e logicamente), No entanto, essa conclusão é muito otimista.
é ultrapassado para se levar os pacientes mais Tom Philpott se expressou francamente quando
rapidamente à cirurgia. afirmou, “não [foi] uma coisa pequena para
O Chefe da Saúde Pública do Exército dos os doutores dar aos especialistas de primeiros
EUA, Eric B. Schoomaker, declarou em 2008 socorros mais responsabilidade do atendimento
que a porcentagem de sobrevivência dos EUA de trauma no campo de batalha.”23 Se não fosse
no Iraque e no Afeganistão era a mais alta “em pelos treinamentos cuidadosos e a supervisão
toda a história da guerra.”21 A partir de junho de criteriosa dos líderes, tanto dos sargentos de
2007, o índice dos mortos em ação por causa de saúde quanto de outros, e os procedimentos e
ferimentos graves era 16.1% em contraste com rotinas do atendimento às vítimas de combate
21.1 para o Vietnã.22 tático poderiam ter resultado em mais danos
Isso representa uma redução de risco de do que benefícios. Em 2005, o general George
24% entre essas duas guerras. Enquanto há um W. Weightman, que na época era o comandante
amplo consenso de que o atendimento às vítimas do Centro e Escola do Departamento Médico
de combate tático tenha contribuído para o do Exército dos EUA, tomou a decisão de
aumento da taxa de sobrevivência, a prova real delegar o conhecimento profissional avançado
de um relacionamento causal é difícil. Como de trauma aos especialistas em primeiros
mencionado antes, peritos atribuem o sucesso socorros, “um enorme salto de fé.” 24 Essa
da taxa de sobrevivência à combinação de declaração, se tomada literalmente, indica

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 47


uma incerteza que talvez não existisse. E sargento de Infantaria expandiu seu alcance
se existisse, provavelmente foi equilibrada profissional incluindo negociações e diplomacia.
pelo conhecimento dos talentos do corpo de O sargento de comunicações adquiriu e poliu
sargentos do Serviço de Saúde nos quais caiu suas habilidades em informática. O sargento
a responsabilidade pela implementação do assistente jurídico é capaz de obter sucesso na
programa. maior parte de assuntos legais sem a presença de
Eu não desejo diminuir a importância das um advogado. Outros exemplos são inumeráveis.
inovações nos coletes à prova de balas. Os O sargento de saúde é um representante do
criadores desse equipamento merecem a mesma elevado nível de profissionalismo requerido dos
admiração dos nomes mencionados aqui. Além sargentos no mundo moderno. Embora teóricos
disso, concentrar-se somente nos Bellamys, discutam se uma revolução de informação em
Butlers e Peakes do Exército é ignorar uma assuntos militares possa estar a caminho, não
característica do sistema no qual eles operam. há dúvida sobre a diversidade revolucionária e a
O sucesso ou o fracasso prático de iniciativas profundidade de perícia requerida dos sargentos.
ambiciosas muitas vezes pertence completamente O exemplo do sargento de saúde não sugere que
aos sargentos. Servindo como líderes, instrutores um processo de cima para baixo ou de baixo
e implementadores do atendimento de combate para cima seja responsável pelas realizações
tático, os sargentos representam o centro de do atual objetivo alcançado. Ao contrário,
gravidade, o eixo do conceito. Além de serem um aprendizado organizacional mutuamente
estimuladores de críticas do produto final, os corroborativo e um processo dominante parecem
sargentos contribuíram significativamente em estar operando inovações cognitivas, de analistas
cada estágio do desenvolvimento e disseminação e pesquisadores, que estão sendo implementadas
do atendimento às vítimas de ocorrências de por um corpo de sargentos inteligentes, práticos
combate. No futuro, os sargentos permanecerão e alertas, que possuem níveis de perícia
essenciais ao desenvolvimento médico e líderes profissional e técnica até agora nunca vistos nas
dos especialistas de primeiros socorros, do Forças Armadas dos EUA.MR
alistamento até o campo de batalha.
Não se deve esquecer que o sargento de Saúde O autor gostaria de agradecer e fazer um
não tem a exclusividade em seu compromisso reconhecimento ao Dr. Timothy Henschel pela
aos aspectos técnicos da sua profissão. O sua generosa assistência em analisar este artigo.

REFERÊNCIAS

1. U.S. Army Field Manual (FM) 6-22, Army Leadership (Washington DC: 12. Ibid., p. 687.
Government Printing Office, (GPO) Outubro de 2006), pp. 8-9. 13. TARPEY, Michael J., “Tactical Combat Casualty Care in Operation Iraqi
2. BELLAMY, Robert F., “How Shall We Train for Combat Casualty Care?” Freedom,” Army Medical Department Journal, PB 8-05-4/5/6 (Abril/Maio/Junho
Military Medicine 152 (Dezembro de 1987): pp. 617-21. de 2005): pp. 39-41.
3. BELLAMY, Robert F., “The Causes of Death in Conventional Land 14. Ibid.
Warfare: Implications for Combat Casualty Care Research,” Military Medicine 15. Ibid.
149 (Fevereiro de 1984): pp. 55-62. 16. Ibid.
4.BUTLER, Frank K. Jr. HAGMANN, John, e BUTLER, George E., 17. BUTLER, Frank K. e HOLCOMB, John B., e outros, “Tactical Combat
“Tactical Combat Casualty Care in Special Operations,” Military Medicine 161 Casualty Care 2007: Evolving Concepts and Battlefield Experience,” Military
(Supplemento de 1996): pp. 3-16. Medicine 172 (Suplemento de Novembro de 2007): pp. 1-19.
5. MALISH, Richard G., “The Medical Preparation of a Special Forces Com­ 18. BUTLER e HOLCOMB, “The Tactical Combat Casualty Care Initia­
pany for Pilot Recovery,” Military Medicine 164 (Dezembro de 1999): pp. 881-84. tive,” p.34.
6. BUTLER, Frank K. e HOLCOMB, John B., “The Tactical Combat Casualty 19. Ibid., p. 35.
Care Initiative,” Army Medical Department Journal, PB 8-05-4/5/6 (April/Maio/ 20. Ibid., p. 36.
Junho de 2005): pp. 33-37. 21. SCHOOMAKER, Eric B., “One Year after Walter Reed: An Independent
7. Ibid. Assessment of Care, Support, and Disability Evaluation for Wounded Soldiers,”
8. PEAKE, James B., “91W Healthcare Specialist,” Army Medical Depart­ testemunho perante o Comitê de Supervisão e Reforma do Governo, Subcomitê
ment Journal, PB 8-99-10/11/12 (Outubro/Novembro/Dezembro de 1999): 1. de Segurança Nacional e Assuntos Exteriores, 27 de fevereiro de 2008, disponível
9. DE LORENZO, Robert A., “Medic for the Millennium: The U.S. Army em: <http://nationalsecurity.oversight.house.gov/documents/20080227161333.
91W Health Care Specialist,” Military Medicine 166 (Agosto de 2001): pp. pdf> (27 de maio de 2009).
685-88. 22. Ronald F. Bellamy, “A Note on American Combat Mortality in Iraq,”
10. DE LORENZO, Robert A., “91W: Force XXI Combat Medic,” Army Military Medicine 172 (Outubro de 2007): I, 1023.
Medical Department Journal, PB 8-99-10/11/12 (Outubro/Novembro/Dezembro 23. Tom Philpott, “Military Update: Fewer War Wounds Suffered in Iraq are
de 1999): pp. 2-6. Fatal,” Stars and Stripes, 16 de Novembro de 2005.
11. DE LORENZO, Medic for the Millennium, p.685. 24. Ibid.

48 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


O Sargento como Exemplo Moral

Major Kenneth R. Williams, Exército dos EUA

4ª Colocação na competição de escritores


DePuy

N A GUERRA, A verdade é a primeira


baixa”, segundo o dramaturgo trágico
grego Ésquilo (525-456 a.C.). Com
certeza, a guerra sujeita os soldados a forças
físicas, emocionais, espirituais e morais que
os influenciam a violar suas identidades
morais pessoais e profissionais. Tais violações
frequentemente têm efeitos significativos e de
longo alcance em detrimento a longo prazo do
Exército. O corpo de sargentos pode e deve ter uma
influência moral positiva sobre os soldados que
lidera. O Exército altamente desdobrável de hoje

Exército dos EUA, Cabo Aaron J. Herrera


precisa de sargentos que se considerem agentes
morais e exemplos morais. Na discussão seguinte,
tento delinear as razões dessa necessidade e um
ideal do que um sargento como um “exemplo
moral” deve ocasionar.

Por que o Exército precisa de

Sargentos para Serem Exemplos

Morais?
Um graduado do Exército dos EUA conduz uma análise
A introdução do Manual de Campanha FM pós-ação durante um exercício de treinamento no Centro
Combinado de Treinamento de Aprestamento, no Forte Polk,
6-22, Army Leadership (Liderança do Exército), no Estado de Louisiana, 15 de julho de 2009.
lista duas características do líder ideal do Exército
como “de elevado caráter moral” e “serve como influência de longo alcance não apenas sobre
um modelo exemplar”.1 As perguntas levantadas o ambiente e os relacionamentos da unidade,
nos ambientes operacionais atuais ao longo dos mas também sobre o sucesso da missão, o apoio
últimos anos indicam a razão pela qual, agora, público das operações militares e as relações entre
a ênfase deve ser colocada no desenvolvimento as forças dos EUA e aquelas de outras nações.2
de sargentos como exemplos morais. O serviço A natureza da “guerra de três blocos” exige que
militar está cheio de problemas éticos que hoje os sargentos, e os soldados que eles lideram,
possuem consequências estratégicas além de suas sejam profundamente arraigados nos princípios
implicações morais normais. As oportunidades éticos que capacitam moralmente o desempenho
para um colapso moral proliferam nos ambientes adaptável.3 Os soldados devem fazer a transição do
complexos, e há razões utilitárias críticas para combate para o estabelecimento e a manutenção
evitar tais fracassos. O colapso moral tem uma da lei e da ordem, proporcionando assistência

O major Kenneth R. Williams é o capelão da 14ª Brigada de Brown University e mestre pela Southwestern Baptist Theologi-
Polícia do Exército, no Forte Leonard Wood, Missouri. Ele é cal Seminary. Ele desempenhou várias funções de Estado-Maior
bacharel pela Ouachita Baptist University, mestre pela John no território continental dos EUA, Coreia e Timor Leste.

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 49


humanitária, e se engajando na reconstrução de Reduzir o impulso de ficar desatento é moral e
nações, enquanto aplica não apenas as habilidades estrategicamente fundamental; deve haver um
técnicas necessárias, mas também os princípios esforço ativo para incutir uma perspectiva moral
morais exigidos para tal transição. na Força por meio de um exemplo de liderança
O conflito prolongado sempre teve um efeito na linha de frente.
adverso no juízo e no comportamento moral dos O Exército continua a experimentar um grande
combatentes.4 Os inimigos não tradicionais são número de fracassos morais. Durante os primeiros
evasivos, e os conflitos muitas vezes podem quatro anos das operações no Afeganistão e no
se agravar rapidamente. Os soldados sob tais Iraque, mais de cem crimes ocorreram, incluindo
condições são frequentemente induzidos a ver estupro, homicídio, agressões e roubo.6 Continua
a população local como o inimigo. Por causa a haver um número significativo de agressões
da exposição prolongada aos estresses de tentar sexuais, conduta sexual imprópria e outros
discernir o inimigo, a disciplina em aderir às crimes. O Exército valoriza muito os programas
proteções dos não combatentes pode diminuir. planejados para evitar tais lapsos morais. Enfatizar
As proibições delineadas no FM 27-10, The Law o sargento como um exemplo moral pode ajudar a
of Land Warfare (“A Lei de Guerra Terrestre”, reforçar a necessidade estratégica moderna de que
em tradução livre), e em regras de engajamento os soldados devem se comportar rigorosamente
têm menos importância em tais condições. conforme as expectativas morais.
A “diversidade” extrema de uma população O desenvolvimento moral dos soldados. Um
não combatente nativa não pode ajudar, mas estudo do treinamento básico inicial indica um
influenciar um jovem impulsivo para o combate.5 efeito limitado no desenvolvimento moral dos
Os métodos altamente letais e desproporcionais soldados, sem nenhuma mudança significativa
podem se tornar mais aceitáveis em reduzir os no padrão moral de tomada de decisões. 7
riscos à custa das baixas não intencionais. Em Os resultados do estudo também indicam
tais condições, um combatente pode rapidamente uma grande influência que os líderes têm de
perder a fé e ficar desatento à população inocente. maneiras positivas e negativas, a incorporação
superficial do código moral do Exército e a
necessidade da educação moral continuada após o
treinamento. Os educadores de ética têm afirmado
fortemente a eficácia de mentores na facilitação
do desenvolvimento moral.8 A influência mais
eficaz sobre o desenvolvimento moral dos
membros de qualquer organização é o supervisor
de primeira linha.9
Análise ética. Em seu estudo de exemplos
m o r a i s , A n n C o l b y e Wi l l i a m D a m o n
desenvolveram cinco critérios para descrever
um exemplo moral:
●●Compromisso continuado aos ideais ou
princípios morais, que incluem um respeito
generalizado pela humanidade ou uma evidência
Cortesia do autor.

sustentada de virtude moral.


●●Disposição para agir de acordo com os ideais
ou princípios morais, implicando na consistência
entre as ações e intenções e entre os meios e os
O Sgt Matthew Solomon, sargento de instrução básica,
discute o comportamento pessoal com um grupo de soldados fins das ações.
em treinamento para se tornarem policiais do Exército. A ●●Boa vontade para arriscar o interesse próprio
influência mais poderosa sobre o comportamento moral de em prol de valores morais.
um soldado é o exemplo estabelecido por um sargento. Os
soldados adquirem a autodisciplina ao observar o exemplo ●●Tendência em ser inspirador para outros e
de seu sargento. por meio disso instigá-los à ação moral.

50 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


EXEMPLAR MORAL

●●Sentido de humildade realista sobre a profissão. Fazer um juramento para apoiar e


importância de si em relação ao mundo em geral, defender a Constituição e obedecer às ordens
indicando um interesse mais abrangente que o legais de oficiais que fizeram esse juramento é o
próprio ego. requerimento básico para a profissão militar nos
Um exemplo moral possui, de preferência, Estados Unidos. Uma carreira militar começa,
comportamento e entendimento éticos altamente assim, com uma fundação moral explícita, visto
desenvolvidos. Além dos cinco critérios acima que a Constituição acarreta o compromisso a
listados, um exemplo moral se engaja em quatro todos os acordos internacionais com respeito à
processos, também conhecidos como o modelo de Guerra Justa, bem como aos direitos e valores que
quatro componentes da ação moral: sensibilidade os americanos consideram fundamentais. Como
ética, juízo ético, motivação ética e caráter ético:10 tal, um sargento tem um sistema de valores e uma
●●A s e n s i b i l i d a d e é t i c a e n v o l v e u m identidade profissional únicos.11 O fracasso de
conhecimento do problema moral, um viver à altura desses padrões é ser um comediante,
entendimento dos fatores envolvidos e as causas, um charlatão que não entende os requerimentos
efeitos e consequências de várias escolhas, mais básicos da profissão.
especialmente os efeitos nas pessoas envolvidas. Ao entrar para a profissão, então, um sargento
Um exemplo moral é capaz de entender a assume ambas as expectativas da profissão e da
perspectiva de outra pessoa. sociedade sobre identidade e comportamento
●●O juízo ético envolve a capacidade de éticos. Um sargento, como profissional, deve
determinar qual escolha é justificável. Os conscientemente deliberar a integração de ambos
exemplos morais são peritos nos processos de os códigos e identidades morais profissionais
tomada de decisões morais. e pessoais. É essencial, ainda, determinar se a
●●A motivação ética envolve o nível de identidade pessoal e a identidade profissional
compromisso e responsabilidade pessoal aos escolhida são compatíveis. Ele deve ter analisado
valores morais e à ação moral. Os exemplos morais a própria vida, entendendo completamente as
são capazes de sustentar seus compromissos implicações éticas de continuar a ser o que uma
morais porque incorporam valores morais em sua pessoa é, ou para avançar, moralmente, em outra
autoidentidade. direção. Se as forças militares institucionalizassem
●●O caráter ético envolve a persistência e a esse processo de integração, o corpo de sargentos
determinação na perseguição das metas morais, desenvolveria uma postura ética profissional
i.e., a capacidade de exercer o autocontrole para muito mais construtiva e confiante.
cumprir a linha de ação moral.
Entender o código. Portanto, o exemplo Descrever o Sargento

moral é idealmente um perito na teoria e na Moralmente Ideal

prática da ética. Por conseguinte, pedir que um A integração dos cinco critérios de Colby e
sargento seja um exemplo moral é dizer que Damon com o modelo de quatro componentes
de um sargento deve-se esperar a prática das produz sete extrapolações para descrever o
habilidades relacionadas aos códigos morais sargento ideal como um exemplo moral:
do Exército como exemplificados no Credo do ●●Compromisso moral.
Soldado, o Etos do Guerreiro e os Valores do ●●Sensibilidade moral.
Exército. Um sargento deve ir além de decorar ●●Juízo moral.
os códigos morais do Exército. Deve interiorizá­ ●●Primazia dos valores morais.
los como elementos de sua identidade pessoal, ●●Inspiração moral.
para entendê-los realmente no contexto de sua ●●Humildade (evitando ares de superioridade
própria vida. Portanto, um sargento deve entender moral).
a lógica, não simplesmente as regras pelas quais ●●Caráter.
ele ou ela tem de agir como soldado. É lógico Compromisso moral. Um compromisso
que uma pessoa que decidiu entrar em um sustentado de um estilo de vida moral é ideal. A
campo de carreira profissional deve se esforçar confiabilidade ética não pode ser encontrada em
para viver à altura dos padrões envolvidos na acessos isolados e convenientes de ações morais.

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 51


A ação deve corresponder a um princípio. Tal códigos, regulamentos e normas da profissão de
compromisso sustentado deve se originar do respeitouma pessoa, e o reconhecimento de quando eles
para com todas as pessoas como fins individuais em se aplicam”.13 Por isso, um sargento moralmente
si mesmos, da mesma forma que se vê a si mesmo exemplar será bem versado nos princípios da
(quer dizer, não simplesmente como o meio para tradição da Guerra Justa, da lei de guerra terrestre,
alcançar um objetivo). Por isso, esse critério remove
das Convenções de Genebra e dos códigos
a discriminação associada com racismo, sexismo morais do Exército. Como sugerido mais cedo, a
e outras generalizações semelhantes. O sargento, sensibilidade moral não significa simplesmente
como exemplo moral, deve se comprometer com ter conhecimento superficial de ou ter decorado
esse princípio moral principal como uma questão esses padrões. Significa ser capaz de aplicá-los a
de integridade pessoal. A vida pessoal de tal uma variedade de situações com conhecimento
sargento, então, deve servir como a fundação para de sua lógica ética. O FM 6-22 enfatiza esse
o compromisso na vida profissional. Deve primeiro requerimento: “Ser um líder ético exige mais
comprometer-se com um tratamento justo e certo que conhecer os valores do Exército. Os líderes
para todas as pessoas sem importar as prevenções devem ser capazes de aplicá-los para encontrar
e preconceitos de uma pessoa. Deve disciplinar-se soluções morais aos problemas diversos”.14 Tudo
para alinhar habitualmente a ação pessoal para com isso implica no mais alto grau de educação ética
os outros como o princípio de tratar cada pessoa que o Exército emprega atualmente.
como um fim em si e não como um meio para Juízo moral. O juízo moral envolve a
alcançar um objetivo. capacidade de pensar criticamente e tomar
Sensibilidade moral. A sensibilidade moral decisões baseadas em um compromisso a
exige discernimento, a capacidade de identificar princípios éticos, no cultivo de virtudes (por meio
os assuntos e forças morais em jogo em um dilema de valores fundamentados) e na sensibilidade
moral.12 Um exemplo moral deve ser capaz de se moral da pessoa.15 Ambos, os princípios gerais e
colocar na posição de outros e ver as coisas das as regras específicas, influenciam o juízo moral.
perspectivas de outros. Essa habilidade envolve O juízo moral envolve as decisões baseadas no
não apenas o engajamento em empatia para com interesse e nos benefícios pessoais, na manutenção
da ordem atual da vida social, ou nos princípios
e valores essenciais. O padrão de juízo moral do
Portanto, um sargento Exército parece ser baseado principalmente nas
regras, regulamentos e procedimentos padrões.
deve entender a lógica, não Em um ensaio recente, discuti o juízo moral
de soldados no treinamento inicial na Polícia
simplesmente as regras pelas do Exército. Meu estudo indicou que seu juízo
quais ele ou ela tem de agir moral no início e na conclusão do treinamento
era avaliado em:
como soldado. ●●42% manutenção das normas (baseado em
regras).
●●28% interesse pessoal.
os outros, mas também ser sensível à necessidade ●●24% baseado em princípios.16
de tomar uma ação moral. A capacidade de O estudo não apresentou nenhuma mudança
assumir a perspectiva de outros também evoca estatisticamente significativa em juízo moral
o sentido de reciprocidade que deve se estender como resultado do treinamento inicial na Polícia
aos cidadãos locais dos países em que as forças do Exército. Embora tal estudo não fosse
dos EUA são desdobradas, e até ao inimigo. A conduzido em outras populações, há razão para
assunção de perspectiva e a empatia servem para acreditar que resultados semelhantes ocorrerão.
prevenir uma pessoa de cometer atos imorais (i.e., Embora as regras sejam necessárias para a estru­
crimes de guerra) contra essas pessoas. tura e a ordem, uma abordagem com base em regras
A sensibilidade moral também envolve, muitas vezes é inadequada para resolver enigmas
como acima mencionado, “o conhecimento dos morais e dilemas aparentes. As regras entram

52 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


EXEMPLAR MORAL

frequentemente em conflito.
Muitas vezes, pode-se encon­
trar uma razão em torno de uma
regra como justificativa para se
agir segundo os próprios inte­
resses. Um profissional leva
tal juízo ético seriamente em
consideração, cauteloso de jus­
tificativas simplistas e superfi­
ciais para evitar as implicações
do princípio moral. Como dois
peritos conhecidos observa­

Departamento de Defesa
ram, “A prática profissional é
essencialmente um empreen­
dimento moral”.17 O Exército
enfrenta um inimigo adaptável
e mudanças na guerra; os sol­
dados devem ser capazes de
O Sgt Keven Jaques, membro do Comitê de Detenção da Divisão de Adestramento
“raciocinar cuidadosamente Básico da Polícia do Exército, instrui soldados sobre a execução de uma
sobre os dilemas de uma pro­ transferência forçada de detidos entre células. Relacionar os valores do Exército
fissão...”18 e o Etos do Guerreiro ao tratamento moral de detidos prepara os soldados para
enfrentarem dilemas morais sem violar o código moral do Exército.
P r i m a z i a d e v a l o re s
morais. O estudo de Colby e Damon indica que ambiente ao redor dele. A influência é a essência
para manter seus valores morais os exemplos da liderança. Outro autor define liderança como
morais estão dispostos a anular seu ganho pessoal “um relacionamento de influência entre líderes e
para o bem de outros. Isso não significa que os seguidores que planejam mudanças verdadeiras
exemplos morais desconsideram sua saúde e que reflitam seus propósitos mútuos”. 20
bem-estar pessoais, mas significa que os valores Paralelamente, um exemplo moral inspira outros
essenciais têm precedência sobre os benefícios a terem um desempenho de mais alto nível, por
pessoais quando uma pessoa enfrenta um dilema meio dessa influência associada.
moral. Os exemplos morais cumprem seu Idealmente, um sargento deve facilitar
compromisso com os valores morais. a mudança e o crescimento, construir
Para um sargento, ser um exemplo moral uma equipe e motivar outros para o
resume o valor do Exército de “serviço altruísta”. desenvolvimento ético e a ação moral. Da
Um sargento escolhe a ação moral acima do mesma forma que um exemplo mostra tais
autointeresse, não usa soldados para ganho pessoal atributos em sua vida, os sargentos devem
e vê o código moral do Exército como a premissa liderar os soldados a incorporá-los em
dominante para o sucesso a longo prazo, como suas vidas. O FM 6-22 enfatiza o poder
uma influência duradoura e que faz a diferença no do exemplo do sargento: Os líderes de
mundo. Quando enfrentado com um dilema moral, caráter do Exército lideram pelo exemplo
o sargento acata o princípio em vez de agir em seu pessoal e agem consistentemente como
autointeresse. Por exemplo, o Credo de Sargentos modelos de vida, por meio de um esforço
afirma, “Não usarei minha graduação ou posição dedicado ao longo da vida para aprender e
para conseguir prazer, lucro ou segurança pessoal... se desenvolver. Alcançam a excelência para
sempre colocarei suas [soldados] necessidades suas organizações quando os seguidores são
acima das minhas”. O Army Study Guide (Guia disciplinados para fazer seus deveres, são
de Estudo do Exército, em tradução livre) também comprometidos com os Valores do Exército e
enumera esse princípio.19 se sentem capacitados para cumprir qualquer
Inspiração moral. O estudo de Colby e Damon missão, enquanto melhoram simultaneamente
reconhece que um exemplo moral influencia o suas organizações com o enfoque no futuro.21

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 53


Humildade. O estudo de Colby e Damon com os Valores do Exército, fortalece os
também enfatiza o elemento da humildade. Um líderes a tomarem as decisões certas quando
exemplo moral se esforça para uma autoavaliação confrontados com assuntos difíceis. Visto
realista e não assume a postura de superioridade que os líderes do Exército buscam fazer
moral. Tal exemplo confere mérito a qualquer o que é certo e inspiram outros a fazerem
um que mereça e que entenda que ele ou ela não o mesmo, eles têm de personificar esses
é a fonte de toda a sabedoria. A humildade não valores.24
é um sinal de fraqueza, mas de força. É a força A coerência tem a ideia de integridade. Em
para proativamente evitar a autoilusão, ao avaliar sua descrição de integridade, o FM 6-22 expõe:
e reconhecer suas próprias vulnerabilidades, e se Os líderes íntegros agem consistentemente
conforme princípios claros, não apenas
pelo que está atualmente em vigor. O
...soldados devem ser Exército depende de líderes íntegros que
possuam altos padrões morais e que sejam
capazes de “raciocinar honestos em palavras e ações. Os líderes
cuidadosamente sobre os são honestos para com os outros ao não
apresentarem eles mesmos, ou suas ações,
dilemas de uma profissão...” como qualquer outra coisa diferente do que
eles são, permanecendo comprometidos com
a verdade.25
proteger contra elas, confiando nos pontos fortes Para se engajar em uma ação moral coerente
dos outros membros da equipe. com o caráter de uma pessoa, deve-se muitas
O FM 6-22 assinala que todos os soldados são vezes demonstrar uma coragem pessoal. O FM
líderes, quer estejam ou não em uma posição, 6-22 proporciona uma descrição fiel de coragem:
ou tenham a autoridade para a liderança. Tais A coragem moral é a vontade de manter-se
“líderes sem autoridade”, também conhecidos firme nos valores, princípios e convicções.
como líderes informais, demonstram a liderança Ela capacita todos os líderes a defender o que
por meio de uma combinação de autoconfiança acreditam ser certo, sem se importar com as
e humildade.22 A raiz das palavras humildade e consequências. Os líderes, que aceitam toda
humilde vem da palavra latina “da terra”.23 O a responsabilidade por suas decisões e ações,
sargento tem de pôr os pés no chão. demonstram a coragem moral.26
Caráter. Nenhuma das opções acima tem O modelo de quatro componentes descreve o
valor a não ser que seja sustentada com uma ação caráter não como um conjunto de características
que seja consistente com os valores e crenças ou qualidades, mas como a persistência e a
de uma pessoa. Não é suficiente ter valores e coragem de permanecer integralmente com os
crenças morais. Um exemplo exerce tais valores valores morais pessoais e morais.27 O sargento
e crenças na vida cotidiana. A capacidade de se como exemplo moral exibe idealmente as
engajar em uma ação que é consistente com os habilidades éticas profissionais que demonstram
próprios valores e crenças muitas vezes é chamada um caráter com uma ação consistente. Essas
autorregulação. Ela envolve a integração dos habilidades o capacitam a:
elementos de pensamento moral e emoções ●●Agir sobre o principal valor moral discernido.

morais. ●●Assumir o papel de outros.

O caráter moral é um dos elementos do modelo ●●Conduzir ética e moralmente a tomada de

de quatro componentes. Segundo o FM 6-22: decisões.


O caráter (as qualidades morais e éticas ●●Exercer a força apropriada.
de uma pessoa) ajuda a determinar o que é ●●Tratar todos com respeito.
certo e proporciona ao líder a motivação para
fazer o que é apropriado, sem se importar O Sargento como Exemplo
com as circunstâncias ou consequências. Formar o caráter envolve o desenvolvimento
Uma consciência ética esclarecida, coerente da perícia. Um sargento é um profissional ideal

54 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


EXEMPLAR MORAL

porque ele ou ela é um perito, i.e., o mestre. instrução.30 A instrução que um sargento como
O subordinado é o aprendiz. Um processo exemplo moral proporciona deve incluir elementos
aplicável de desenvolvimento moral e de caráter específicos.
é a educação ética integrada, que aborda o Os métodos do exemplo moral são
desenvolvimento do caráter com três premissas autoconstrutivos, quer dizer, deve-se resolver ter
básicas: a assimilação por si próprio. Susan Martinelli-
●●O caráter é o desenvolvimento da perícia. Fernandez, inferindo a noção de autonomia na
●●O cultivo do caráter é o cultivo da perícia. educação moral de Immanuel Kant, afirma que
●●A autorregulação é necessária para manter a autonomia não significa que os soldados têm o
o caráter.28 direito de agir espontaneamente para aceitar ou
Portanto, a educação ética integrada envolve a rejeitar certas ações ou regras morais.31 Aautonomia
transformação de um aprendiz em perito por meio significa que os soldados têm o direito, a liberdade
do treinamento da aprendizagem. O sargento, e, mais importante, a responsabilidade de participar
como exemplo moral, serve de modo ideal como ativamente na construção de sua identidade moral à
um treinador ou perito que guia o novato ou luz da razão. Porque a ação moral tem princípios, os
aprendiz à perícia. Nesse processo de treinamento líderes não podem forçar que os soldados mudem.
da aprendizagem, o sargento serve como exemplo Os soldados têm de escolher mudar.
pessoal, como instrutor e como criador de um No entanto, os líderes podem criar as condições
clima de autoridade. pelas quais os soldados são capacitados, e eles
Exemplo pessoal. No treinamento da podem escolher mudar. Se os líderes alimentam
aprendizagem, o soldado raso novato observa à força as regras, a motivação para engajar em ou
as ações e atitudes do perito, o sargento. A ignorar uma ação moral se reduz ao autointeresse,
autorregulação é resultado da observação evitar uma punição ou à obtenção de uma
do exemplo de líderes e a aplicação do
código moral e as normas e procedimentos da
organização. O sargento como exemplo moral ...os líderes não podem forçar
proporciona ao soldado um modelo visível. O
FM 6-22 afirma: que os soldados mudem. Os
Vivendo conforme os Valores do Exército soldados têm de escolher
e o Etos do Guerreiro, vizualiza-se melhor
o caráter e a liderança pelo exemplo. mudar.
Isso significa priorizar a organização e
os subordinados antes do autointeresse,
da carreira e do conforto pessoais. Para recompensa. Como Martinelli-Fernandez observa,
o líder do Exército, isso exige priorizar a “A meta de educação moral, portanto, não é
vida dos outros acima do desejo pessoal de simplesmente conseguir que o agente obedeça às
autopreservação.29 regras. É o cultivo da atuação moral, uma atuação
O exemplo pessoal de um sargento não pode que envolve uma pessoa para que ela se torne
ser subestimado. Os resultados de meu estudo um pensador correto e independente, e que aja
de 2009 mostram que o exemplo de líderes em corretamente.”32
geral e o de sargentos no treinamento inicial, Um exemplo moral deve desenvolver uma
em particular, tinham o efeito mais significativo perícia em duas dimensões: o entendimento
no desenvolvimento moral dos soldados. Se os explícito e consciente, e o entendimento implícito
soldados têm de ser preparados para a batalha, e intuitivo. A instrução deve envolver a aquisição
não apenas tática e tecnicamente, mas, de modo do conhecimento específico do código moral do
especial, moralmente, o Exército precisa de Exército e o desenvolvimento da capacidade de
sargentos como exemplos morais. aplicá-lo a uma variedade de soluções. O exemplo
Métodos de instrução. O fracasso de muitos moral desenvolve a capacidade de autorregulação
programas de educação ética e de caráter não e de automonitoramento do soldado. Os soldados
é devido ao conteúdo, mas aos métodos de devem ser capazes de demonstrar o caráter moral

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 55


instrutivos do sargento como exemplo moral
devem incluir o raciocínio moral, a emoção
moral de empatia, a descoberta de significado e
propósito e o ensaio de tarefas morais difíceis,
além disso, os métodos instrutivos devem ser um
pouco agradáveis.34
Ambiente de autoridade. O exemplo moral é
um líder que cria um ambiente de autoridade que
proporciona as condições para o desenvolvimento
ideal.35 Ao criar um ambiente de autoridade, o
exemplo moral usa erros como oportunidades
de aprendizagem. Tudo o que ocorre é uma
experiência de aprendizagem sobre como agir
ou como não agir. Uma alta prioridade do
exemplo moral é o desenvolvimento da coesão

Cortesia do autor.
da unidade. Um ambiente de autoridade fomenta
relacionamentos positivos entre pares porque
esses relacionamentos incentivam a aprendizagem
O Sgt Todd Warner, sargento de instrução básica, da cooperativa e o encorajamento mútuo.36
Companhia Alfa/795° Batalhão de Polícia do Exército, Dentro de um ambiente de autoridade, o exemplo
discute com soldados sobre o código moral do Exército
para desenvolver seu entendimento moral. O sargento cria moral reforça o comportamento consistente com
as condições para o desenvolvimento moral ideal, i.e., um o código moral da organização por meio de
ambiente de autoridade. honrarias públicas e elogio pessoal individual. Ele
solicita uma realimentação dos seus seguidores
“quando ninguém está olhando”. Isso significa sobre o ambiente moral da organização. Ele faz
que os soldados devem interiorizar o código moral com que seja seguro discutir os assuntos sem
do Exército. Essa autorregulação é mais bem medo de retaliação. O exemplo enfoca a melhora
desenvolvida pela observação do desempenho no desempenho e no comportamento moral da
moral de um líder.33 unidade, não os sentimentos pessoais de seus
Os métodos de um exemplo moral envolvem soldados.
uma prática extensiva. As unidades ensaiam Ao criar o ambiente de autoridade, os exemplos
missões e devem também ensaiar os dilemas morais também incentivam a participação ativa do
morais. Os métodos instrutivos eficazes desafiam novato/aprendiz no desenvolvimento do caráter
os padrões atuais do pensamento moral. Se o juízo moral. O papel do sargento na educação moral e
moral de um soldado é baseado principalmente no caráter não se refere a “imprimir as mensagens
em regras, o sargento deve apresentar os dilemas do código moral” nas mentes dos soldados.37
que criam o conflito entre as regras e orientá-lo Tampouco é o sargento um agente de marketing
a aplicar princípios e valores morais ao dilema. que usa cartazes e slogans em “uma abordagem
Os métodos mais eficazes de facilitar a perícia de conscientização pública dos valores”.38 As
no juízo moral incluem discussões do dilema abordagens de mudanças rápidas da educação
e exercícios de interpretação de um papel. moral e do caráter tendem a produzir agentes
O elemento mais significativo do processo é morais que são soldados morais “apenas nos
repensar um assunto ao interagir com outros. bons momentos”. Aderem a seu código moral em
Em meu estudo, os soldados em grupos de situações favoráveis, mas tendem a não segui-lo
discussão indicaram que muito do treinamento em situações adversas ou ambíguas.39 Em vez
moral atual consiste em correção em vez de disso, o sargento engaja os soldados em diálogos
instrução. Esse enfoque no que não fazer em vez planejados para desafiar seu pensamento moral.
do que fazer contribuiu para uma descoberta­ O ambiente de autoridade envolve o exemplo
chave do estudo — a interiorização superficial do moral na prática dos estilos de liderança e de
código moral do Exército. Contudo, os métodos comunicação que fomentam relacionamentos

56 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


EXEMPLAR MORAL

e educação para o conhecimento. Isso significa Olhando para o Futuro


que a relação entre líderes e seguidores tem de Os sargentos têm uma obrigação moral de
ser interativa, não unidimensional, na aplicação assegurar que os soldados estejam preparados
das regras e na memorização do código. O estilo para a batalha. A preparação para a batalha
de comunicação e de liderança do sargento deve vai além da proficiência tática e técnica e
engajar os soldados na prática que os leva à perícia. inclui a aplicação moral de força letal. Essa
O FM 6-22 assinala: aplicação moral é a base fundamental de ser
Uma das principais responsabilidades do de um profissional militar. Progressivamente,
líder do Exército é manter um ambiente os soldados estão em situações em que têm
ético que apoia o desenvolvimento desse de tomar decisões morais e realizar ações que
caráter. Quando o ambiente ético de uma podem causar a morte de seus pares e civis
organização fomenta o comportamento inocentes, bem como do inimigo. Além disso,
ético, as pessoas, ao longo do tempo, o comportamento de um soldado no dia a dia
pensarão, sentirão e agirão eticamente. deve facilitar os relacionamentos positivos entre
Incorporarão os aspectos do caráter.40 os pares para o desenvolvimento de uma forte
Mais tarde, “Os líderes do Exército devem coesão. Essas ações devem aderir aos códigos
consistentemente enfocar a formação de morais do Exército e às normas da Constituição.
ambientes organizacionais baseados na ética, Os meios mais eficazes de se criar soldados
onde subordinados e organizações podem morais são por sargentos que exibem um alto
alcançar todo o seu potencial.”41 caráter moral todos os dias.MR

REFERÊNCIAS

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Office), p. vii. 18. Ibid.
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p. 139. (15 de dezembro de 1997). 20. REST e NARVAEZ, Eds., Moral Development in the Professions (Hillsdale,
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John Wiley and Sons Inc., 2006), pp. 248-296. 32. Ibid., p. 57.
9. KOUZES, James e POSNER, Barry. A Leader’s Legacy (San Francisco: 33. BEBEAU e MONSON, p. 560.
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11. BEBEAU, Muriel e MONSON, Verna. “Guided by theory, grounded in BREDEMEIER, Brenda, “Sport and the development of character, em NUCCI,
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NARVAEZ, Darcia. Handbook of Moral and Character Education (New York: Routledge, 2008).
Routledge, 2008). 36. BERKOWITZ, Marvin e BIER, Melinda. “The Interpersonal Roots of
12. LAPSLEY e NARVAEZ; REST, NARVAEZ, BEBEAU e THOMA; Character Education,” em LAPSLEY, Daniel e POWER, F. Clark Eds., Character
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13. BEBEAU, Muriel. “The Defining Issues Test and the Four Component Press, 2005), p. 10.
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31(3), (2002), pp. 271-295; 283. e POWER, F. Clark, Eds., Character Psychology and Character Education, p. 211.
14. FM 6-22, para 4-68. 38. DAVIDSON, p. 229.
15. LAPSLEY e NARVAEZ; REST, NARVAEZ, BEBEAU e THOMA; 39. KUPPERMAN.
THOMA. 40. FM 6-22, para 4-56.
16. WILLIAMS. 41. Ibid., para 4-67.

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 57


A Tendência para os Crimes de Guerra

Tenente-Coronel Robert Rielly, Exército dos EUA, Reformado

V OCÊ PENSA QUE sua unidade não


pode ser envolvida em crimes de
guerra? Como sabe? A maioria dos
líderes acredita que isso nunca ocorreria em sua
unidade, mas histórias relacionadas aos soldados
e fuzileiros navais americanos que supostamente
participaram em crimes de guerra apareceram,
uma após a outra, nos noticiários. Abu Ghraib,
Haditha, Hamandiya e Mahmudiya agora são
partes da história militar. As investigações estão
em curso, e alguns conselhos de guerra ocorreram,
mesmo assim, as questões que atormentam os
comandantes desses soldados e fuzileiros navais
permanecem. O que saiu errado? Há algo que me
passou despercebido? Eu poderia ter evitado isso?
Outros comandantes são gratos porque crimes de
guerra não aconteceram em sua unidade. Alguns
estão convencidos que isso não poderia ocorrer em
suas organizações. Embora haja muitas diferenças

(Biblioteca do Congresso)
entre os incidentes acima listados, a tragédia para
as forças militares não é apenas porque esses atos
foram cometidos, mas que grupos de soldados ou
fuzileiros navais os cometeram ou os toleraram.
Portanto, na prática, nenhuma das salvaguardas
que as forças militares associam com grupos Foto exibida no Inquérito Peers (Relatório do Departamento
do Exército das Investigações Preliminares do Incidente de My
coesivos funcionou nessas unidades. Lai). RON HAEBERLE, ex-fotógrafo do Exército dos EUA: Por
Os líderes estão agora buscando respostas e acaso encontrei um grupo de soldados rodeando essas pessoas
pensando se aconteceria de novo. Infelizmente, a e um dos soldados americanos gritou: ‘Olhe ele tem uma
câmera’. Então se dispersaram um pouco, e me aproximei deles
história indica que acontecerá. Como identificar a e ao olhar a cena percebi que aquela menina estava um pouco
probabilidade de uma unidade cometer um crime frenética e uma mulher mais velha tentou proteger a pequena
criança e a mulher idosa à frente estava, você sabe, tentando
de guerra é uma preocupação de liderança. Parte da suplicar, tentando implorar, você sabe, e uma outra pessoa,
resposta a essa pergunta pode estar nos achados de uma mulher, estava abotoando a blusa e segurando um pequeno
uma investigação, conduzida a 39 anos, de outro bebê. Tirei a fotografia e pensei que apenas iriam questionar
as pessoas, mas logo que eu virei e fui embora, ouvi disparos,
evento lamentável e trágico na história militar olhei por cima dos ombros e vi as pessoas caídas. Continuei
americana, o Massacre de My Lai. O Exército a andar. Na época eu estava apenas, você sabe, capturando
conduziu um inquérito sobre as razões pelas quais uma reação, mas quando se olha mais tarde na vida, você sabe
agora que essas pessoas estão mortas, foram fuziladas, é uma
a tragédia de My Lai ocorreu. Os resultados desse sensação estranha, que passa, você sabe, por todo o corpo e
inquérito são importantes. Proporcionam aos você reflete, eu poderia ter evitado isso? Como é que eu poderia
líderes de hoje maneiras para monitorar e avaliar ter impedido isso? Isso é uma pergunta que ainda, você sabe,
me questiono hoje.

O tenente-coronel Robert Rielly, do Exército dos EUA, Norwich University, Mestre pela Kansas State University e
reformado, é professor adjunto no Departamento de Comando e Mestre pela College of Naval Command and Staff. Seu artigo
Liderança, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército “The Darker Side of the Force” foi publicado na edição em
dos EUA, no Forte Leavenworth, Kansas. Ele é bacharel pela inglês da Military Review de Março-Abril de 2001.

58 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


CRIMES DE GUERRA

as unidades para determinar se seria possível operacional sobre as forças americanas e aliadas
que cometessem um crime de guerra. Os líderes na Zona Tática do II Corpo de Exército, bem como
poderiam então implantar medidas preventivas proporcionar assessoria de combate às unidades
para evitar que isso ocorresse. vietnamitas na área]. Ele entrou no Exército
imediatamente após graduar-se pela UCLA em
O Inquérito Peers 1937 e serviu na Birmânia durante a II Guerra
As palavras “My Lai” são sinônimas de um Mundial. Como Peers não havia se formado
colapso significativo de liderança. Com muita em West Point, Westmoreland reconheceu que
frequência, repudiamos os eventos como My Lai ninguém poderia acusá-lo de fidelidade ou
como incidentes isolados, ações de um pelotão favoritismo a outros graduados de West Point.
indisciplinado ou um fracasso de liderança de Peers tinha uma tarefa nada invejável. Em
nível direto. Essa análise não consegue entender essência, o Exército estava investigando a
a profundidade, amplitude e complexidade dos si mesmo e estaria sujeito a críticas se não
eventos e decisões associados com My Lai. Muitas conduzisse a investigação devidamente. Ao
pessoas, embora chocadas com a magnitude de dirigir-se aos membros do inquérito, Peers
My Lai, reconheceram uma tendência parecida e explicou, “Não importa o que qualquer um de nós
se preocuparam que My Lai poderia ocorrer de possa acreditar, é nosso trabalho apenas averiguar
novo, se ocorrerem as circunstâncias certas. O e relatar os fatos, e que aconteça o que tiver que
Exército reconheceu isso também e, muito a seu acontecer. Não é nosso trabalho determinar a
favor, tentou descobrir por que os eventos de 16 inocência ou a culpa de indivíduos, tampouco
de março de 1968 aconteceram. Embora poucas ficar preocupado sobre os possíveis efeitos que
pessoas percebam, além da investigação criminal o inquérito terá na imagem do Exército, ou sobre
executada sobre My Lai, o Exército também a reação da imprensa ou do público a nossos
investigou áreas adicionais associadas com as procedimentos.”2 Para garantir a objetividade,
operações daquele dia. Peers foi até ao ponto de incluir dois advogados
Em novembro de 1969, o chefe do Estado-Maior civis no grupo, Robert MacCrate e Jerome Walsh,
do Exército, general William C. Westmoreland, para servir como a “consciência pública”.3
escolheu o general William Peers para conduzir O inquérito estava sujeito às pressões de
o inquérito de My Lai para determinar: tempo desde o início. A investigação tinha que
●●o que aconteceu de errado com a sistemática se encerrar em quatro meses porque todas essas
de relatórios; ofensas militares como negligência, falta de
●●por que o comandante das forças dos EUA
no Vietnã, na época, não foi totalmente informado;
●●se a operação foi investigada.1 …My Lai poderia ocorrer
O título oficial do inquérito foi a “Análise de novo se ocorrerem as
do Departamento do Exército das Investigações
Preliminares do Incidente de My Lai”. Contudo, foi circunstâncias certas.
mais comumente referido como o Inquérito Peers.
Uma das partes mais significativas do relatório é o
capítulo que discute os fatores contribuintes para cumprimento do dever, ausência de relatório,
a tragédia. Esse capítulo contém informação de informação falsa e cumplicidade em um crime
grande valor aos comandantes de hoje. grave tinham um período limitado de dois anos
Na decisão de quem dirigiria a investigação, o para prescrição. 4 Sob a direção de Peer, os
general Westmoreland não poderia ter escolhido militares e civis do inquérito terminaram sua
um oficial mais apropriado. William Peers era o investigação em 14 semanas, entrevistando mais
chefe do Gabinete dos Componentes da Reserva, de 400 testemunhas, muitas das quais tinham se
tinha uma reputação de objetividade e justiça e afastado do Exército.5 Os membros do inquérito
tinha servido no Vietnã como comandante da 4ª tinham que organizar as viagens, marcar os
Divisão de Infantaria e comandante da I Field comparecimentos perante o júri e coletar todos
Force [que tinha a missão de exercer o controle os documentos associados — que incluíram ao

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 59


final mais de 20.000 páginas só de testemunhos. Nove Fatores
Em dezembro de 1969, apenas com dois meses Embora o relatório oficial enumerasse 13
de investigação, Peers e vários membros do grupo fatores que contribuíram para My Lai, Peers
viajaram ao Vietnã para ter uma experiência em reduziu a lista para nove em seu livro de 1979.
primeira mão da aldeia de My Lai. Ao fazer isso, parece ter combinado vários fatores
Enfim, os membros do inquérito compilaram em vez de eliminar qualquer um dos 13 originais.
uma “lista de 30 pessoas que tinham conhecimento Peers chegou a nove fatores que incluem:
sobre a matança de não combatentes e outras sérias ●●Falta de adequado treinamento.
ofensas cometidas durante a operação de My Lai, ●●Atitude para com os vietnamitas.
mas não tinham feito relatórios oficiais, tinham ●●Atitude permissiva.
suprimido informações relevantes, tinham deixado ●●Fatores psicológicos.
de ordenar uma investigação ou não tinham ●●Problemas organizacionais.
acompanhado as investigações que foram feitas”.6 ●●Natureza do inimigo.
Na conclusão do relatório, Peers pediu aos ●●Planos e ordens.
membros do grupo para que chegassem a ●●Atitude de oficiais e líderes governamentais.
conclusões sobre as razões pelas quais My Lai ●●Liderança.
ocorreu, com base nas evidências que tinham Cada um dos nove fatores merece uma
examinado. Peers acreditava que era importante explicação.
incluir os resultados detalhando por que e como a Falta de adequado treinamento. O inquérito
operação se transformou em um massacre. Vários determinou que “nem as unidades nem os
membros argumentaram contra a inclusão das membros individualmente da Força-Tarefa Barker
conclusões porque parecia ser uma única razão ou e da 11a Brigada receberam treinamento adequado
padrão. Bob MacCrate, um dos dois advogados sobre a Lei da Guerra, a salvaguarda de não
civis trabalhando no inquérito, sustentou que a combatentes ou as regras de engajamento”.9 O
inclusão do capítulo conclusivo poderia invalidar inquérito determinou que a falta de treinamento
o relatório inteiro se os leitores achassem as foi devido a uma programação acelerada de
conclusões errôneas. Peers entendia o risco, mas movimentação, grande rotatividade de pessoal
acreditava que o capítulo precisava ser incluído antes do desdobramento e a chegada continuada
“para não somente salientar as deficiências na de novos soldados à unidade. 10 No entanto,
operação de May Lai, mas também para indicar
algumas das diferenças entre essa operação e
aquelas de outras unidades no sul do Vietnã”.7
Também queria chamar a atenção para os
problemas de comando e controle que existiam
dentro da Divisão América (Americal Division),
problemas que exigiriam ações corretivas
vigorosas do Exército para evitar a repetição de
tal incidente no futuro”.8 Finalmente, Peers foi
capaz de persuadir o grupo a incluir o capítulo, e,
depois de muito estudo, o grupo determinou que
13 fatores contribuíram para My Lai.
Essa lista de fatores compilada pelo Inquérito
Peers hoje proporciona aos comandantes uma
maneira de avaliar suas organizações e determinar
se os soldados ou pequenas unidades sob seu
comando têm a propensão para cometer crimes de
Foto da AP

guerra. A intuição de Peers de incluir os resultados


do grupo foi certa e não intencionalmente deu
ao Exército uma ferramenta com implicações de O general William R. Peers, 10 de dezembro de 1969, chefiando um
longo alcance. júri do Exército investigando o massacre de My Lai.

60 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


CRIMES DE GUERRA

o problema da falta de treinamento não foi status abaixo de um americano, os comandantes


predeterminado. A investigação descobriu que devem reparar. O pouco respeito com que
alguns soldados receberam treinamento sobre a alguns membros da unidade consideravam
Lei da Guerra, mas alguns não podiam lembrá-la. os vietnamitas, rotineiramente referindo-se a
O inquérito determinou que parte da razão eles com palavras pejorativas que se referem
disso foi porque o treinamento foi conduzido à etnia asiática, perturbou Peers.13 Hoje, basta
apenas falar com soldados e fuzileiros navais
ou ler entrevistas de revistas e jornais para notar
…o grupo [Peers] determinou termos depreciativos usados para descrever
que 13 fatores contribuíram cidadãos iraquianos. Mesmo que o comandante
realmente não ouvisse, seria ingênuo pensar que
para My Lai. alguns soldados em comando não possuem uma
atitude negativa em relação à população local.
O problema é maior durante uma insurgência
de uma maneira “relaxada”. Além disso, os quando a lealdade da população está em questão
comandos superiores distribuíram cartões de ou há uma lacuna cultural significativa, ambas
bolso e memorandos, mas nunca explicaram ou das quais são condições prováveis no ambiente
reforçaram a informação contida neles.11 Peers operacional contemporâneo.
declara “Alguns membros do grupo pensavam que Para evitar que isso ocorra, os líderes devem
a política do Comando de Assistência Militar no avaliar a atitude, crenças e normas de operações
Vietnã (Military Assistance Command Vietnam — de sua unidade em relação ao inimigo e à
MACV) de exigir que os soldados levassem uma população local. Além disso, os comandantes
variedade de carteiras não passava de ridículo. devem prevenir que seus jovens líderes tolerem
Podiam servir como lembranças, mas não eram uma atitude depreciativa de seus soldados e
substitutos de instrução”.12 fuzileiros navais para com a população.
Nas forças militares de hoje, muitos líderes Uma das formas consagradas com que exércitos
sustentariam que a falta de treinamento não é tentaram superar o medo de seus soldados de
um problema porque todas as unidades recebem matar outros em combate foi de desumanizar o
treinamento sobre a Lei da Guerra, salvaguarda inimigo e fazer com que os soldados o odiassem.
de não combatentes e regras de engajamento Matar pelo ódio é um motivador poderoso, mas
antes do desdobramento. No entanto, os pode render consequências não intencionais.
mesmos problemas que afligiram a 11a Brigada Por exemplo, se treinamos uma unidade para
em 1968 também atormentam as unidades odiar os insurgentes e matá-los em combate, e
hoje. Movimentações aceleradas, perturbações se torna cada vez mais difícil para essa unidade
pessoais excessivas, rotatividade da liderança das distinguir os insurgentes no meio da população,
pequenas unidades e novos militares chegando nas mentes dos soldados, a população pode virar
ao teatro de operações, todos esses fatos em pouco tempo o inimigo odiado e, assim, as
ocorrem durante as operações de hoje. A lição vítimas de uma conduta ilegal. Para dissuadir
para os líderes em todos os níveis é assegurar isso, na medida em que os líderes preparam seus
que a qualidade do treinamento combine com a soldados e fuzileiros navais para as realidades do
importância do assunto e que eles o conduzam, combate, devem enfatizar razões positivas para
integrem e o reforcem constantemente. Avaliar matar o inimigo.
a qualidade do treinamento e assegurar que esse Atitude permissiva. Peers escreve “A Divisão
é contínuo e que os soldados entendam as regras América e a 11a Brigada tinham políticas bem
proporcionam ao líder um controle do ambiente concebidas sobre o tratamento de prisioneiros,
de sua organização. o tratamento de civis vietnamitas e a proteção
Atitude para com os vietnamitas. Se os de seus bens. No entanto, foi evidente que
soldados fazem comentários depreciativos ou houve lapsos de comunicação e na execução
raciais e parecem tratar a população local como dessas políticas”.14 De fato, incidentes de mau
uma forma de ser humano inferior ou com um tratamento de prisioneiros não começaram

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 61


com My Lai, mas estavam presentes por algum Fatores psicológicos. Quando as praças de My
tempo antes da operação. Peers sugere que Lai prestaram depoimento perante o inquérito,
os comandantes deixaram de descobrir que o Peers declarou que muitas vezes usaram as
tratamento ilegal ocorria ou permitiram que palavras “medo”, “apreensão” e “tensão” para
acontecesse pela aprovação tácita. O resultado foi descrever suas emoções. 16 Os soldados da
que ele rapidamente se tornou parte do modo com Companhia Charlie do 1º Batalhão/20° Regimento
que as unidades operavam. Como as operações de Infantaria, em particular, estavam apreensivos
continuaram no Vietnã, os soldados suspeitaram e frustrados pelo número de baixas que a unidade
que a população estivesse em conluio com o sofreu oriundas de minas e armadilhas e de sua
inimigo devido à capacidade da população de incapacidade de estabelecer qualquer contato com
evitar minas e armadilhas no solo.15 o inimigo. Para os homens da Companhia Charlie,
Exemplos históricos das operações de ver outros soldados feridos ou desfigurados
contrainsurgência têm mostrado que os soldados durante as operações, sem qualquer forma de
e fuzileiros navais ficarão frustrados pela retaliação, levou à frustração crescente.
ambivalência da população que tentam ajudar Além disso, os comandantes da Divisão
e proteger. Isso pode frustrar os soldados e América e da Força-Tarefa Barker tinham
fuzileiros navais, e o desrespeito e o mau pressionado as unidades para “serem mais
tratamento da população podem surgir agressivas e engajar o inimigo”.17 No caso de
rapidamente. Os incidentes no Iraque levaram à My Lai, a natureza agressiva do comandante
ênfase do tratamento apropriado de prisioneiros, da força-tarefa, tenente-coronel Frank Barker, e
detidos e civis, mas em um ambiente estressado, seu fomento de competição entre as companhias
as atitudes podem mudar rapidamente. Os pressionaram os soldados a fazer contato com o
comandantes devem definir os rumos da inimigo evasivo.
organização e avaliar como suas unidades A apreensão, frustração e a pressão vinda dos
tratam os prisioneiros, detidos e civis e seus escalões superiores formam uma mistura volátil
bens. Os líderes em todos os escalões devem para qualquer organização. Cada um desses
claramente expor a seus subordinados quais elementos isoladamente pode levar a problemas,
comportamentos devem tolerar e quais não especialmente em operações de estabilidade e
tolerar e reforçar continuamente essa orientação. apoio. Na medida em que as baixas aumentam
causadas por um inimigo evasivo e oculto, os
comandantes devem estar mais visíveis e exercer
mais influência e orientação. Os líderes devem
avaliar e monitorar as atitudes de seus soldados
e a coesão de suas pequenas unidades para
determinar se há um nível não saudável de pressão
e frustração. Além disso, os comandantes devem
estabelecer um ambiente em sua organização
que fomente discussões abertas das emoções dos
soldados, especialmente o medo.
Problemas organizacionais. Peers escreve
que embora “problemas organizacionais
existissem em todos os níveis, de companhia
a força-tarefa e brigada até o quartel-general
da Divisão América”, os problemas podiam
Scott Andrew Ewing

ser encontrados em cada Grande Unidade


no Vietnã. 18 A Força-Tarefa Barker era um
batalhão improvisado com uma companhia de
cada um dos batalhões orgânicos da brigada.
Pichação deixada em uma casa iraquiana após uma unidade O comandante na realidade era o oficial de
americana ter executado uma busca, setembro de 2005. operações da 11ª Brigada e escolheu seu estado­

62 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


CRIMES DE GUERRA

maior de dentro da força-tarefa, tirando um Planos e ordens. Peers observou que em My


número mínimo de pessoal do estado-maior da Lai, “como as ordens de Barker foram transmi­
brigada para assisti-lo. Peers opinou que embora tidas pela cadeia de comando, elas foram ampli­
os problemas educativos contribuíssem, não ficadas e expandidas, com o resultado que um
podiam ser “citados como a causa principal”.19 grande número de soldados adquiriu a impressão
Podemos ver muitos dos problemas de que apenas o inimigo ficaria em My Lai 4 e
organizacionais que a unidade enfrentou em que todos os encontrados seriam eliminados”.21
My Lai nas organizações de hoje. Pequenos O problema foi exacerbado devido a uma atmos­
estados-maiores, organizações improvisadas, fera de comando em que os subordinados tinham
incorporações temporárias e faltas de pessoal medo de questionar ou pedir esclarecimentos de
ainda são problemas que algumas organizações qualquer instrução proporcionada pelo coman­
enfrentam. Os líderes lutam com a proporção dante de companhia, o capitão Ernest Medina,
“soldados-tarefa” associada com combate a pelo comandante da FT Barker ou pelo coman­
uma insurgência. A determinação se as unidades dante da divisão, general Samuel Koster.22 Além
possuem homens suficientes para cumprir suas de estabelecer um ambiente em que os soldados
missões sem quebrar sua cadeia de comando ou acreditem que possam fazer perguntas, os coman­
coesão de grupo é uma consideração importante. dantes devem assegurar que todas as pessoas em
Para aliviar quaisquer problemas potenciais suas unidades ou anexadas a suas organizações
associados com a estrutura organizacional,
os comandantes de unidade devem avaliar o
impacto que sua estrutura organizacional tem Hoje,basta apenas falar
nas operações bem como o efeito que novas
organizações têm na organização original quando com soldados e fuzileiros
se juntam à unidade. navais ou ler entrevistas de
Natureza do inimigo. Da mesma forma que
ocorre com as operações de hoje e provavelmente revistas e jornais para notar
será no futuro próximo, era difícil distinguir entre
os combatentes e não combatentes no Vietnã. termos depreciativos usados
Peers escreveu que nos “redutos comunistas para descrever cidadãos
tradicionais e nas áreas dominadas pelo Viet
Cong (VC)…, pode-se razoavelmente presumir iraquianos.
que todo homem em idade militar era um VC, de
uma forma ou outra”.20 Contudo, isso não era o
caso por todo o país. acreditem que os subordinados podem se apro­
Os comandantes enfrentarão situações ximar deles em qualquer tempo, com qualquer
semelhantes no futuro e deverão considerar a tipo de informação. Em situações ambíguas e
natureza do inimigo quando avaliarem suas flexíveis, os líderes devem assegurar que eles
unidades. Como o inimigo tem pouco ou e seus subordinados promulguem ordens claras
nenhum respeito pela Lei de Guerra Terrestre, que as unidades em todos os níveis entendam.
ele não obedece ao que nós consideramos “a lei Além disso, embora o treinamento e a escola de
do jogo”, e irá testar constantemente o nosso formação enfatizem a importância da clareza de
compromisso com a moralidade, caso torne ordens e planos, os líderes nem sempre salientam
tentador para os soldados frustrados responder essa importância durante as operações reais, onde
da mesma forma. As forças inimigas continuarão o tempo e a familiaridade afetam o processo. Os
a tirar proveito dessa tática. Em um ambiente líderes devem continuamente assegurar que todo
como esse, os comandantes devem apreciar o o pessoal, especialmente aqueles nas organizações
efeito que as táticas do inimigo têm sobre seus incorporadas, entendam claramente suas ordens
próprios soldados e avaliar o impacto no ambiente ou instruções.
organizacional e nas normas operacionais das Atitude de governos oficiais. Os Estados
pequenas unidades. Unidos nem sempre poderão se dar ao luxo de

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 63


trabalhar com governos nacionais
e locais que tenham um grande
respeito pela vida humana. Peers
escreve que os funcionários
vietnamitas locais acreditavam
que qualquer um morando na área
de My Lai era ou Viet Cong ou
um simpatizante do Viet Cong
e, portanto, a consideravam uma

Haberle, Biblioteca do Congresso


zona de fogo livre, aprovando
automaticamente qualquer pedido
de disparo na área.
Os líderes podem enfrentar
situações parecidas hoje, em que
um governo local não valoriza as
vidas de seus cidadãos ou usa a
área para fins políticos, como o Um soldado americano queimando produtos agrícolas em My Lai, Vietnã,
1968. Tais atos são crimes de guerra.
controle do apoio ao partido de
oposição, por meio de operações
militares. Ao mesmo tempo de My Lai, a atitude relação de trabalho com seus subordinados”.26
dos vietnamitas do sul influenciou alguns dos Portanto, ninguém questionou suas ordens. Foi
soldados americanos, que logo começaram a uma situação bem parecida com o comandante
ver a população como descartável. Se o governo da Companhia Charlie, Ernest Medina, cujos
é indiferente sobre as baixas civis, as forças soldados e subordinados o valorizaram muito.
dos EUA também podem ficar indiferentes e O inquérito comentou “Ninguém questionou sua
descuidados em relação à redução de baixas de autoridade ou seu discernimento”.27 O general
não combatentes, como ocorreu em My Lai.23 Samuel Koster exacerbou essa situação ainda
Como os comandantes avaliam suas unidades, mais ao criar uma atmosfera de comando em que
devem levar em consideração as crenças, atitudes seu estado-maior tinha medo de se aproximar
e costumes dos governos locais e nacionais dele com más notícias ou um problema. 28
para com seus cidadãos. Se existe uma atitude Portanto, quando informações começaram
indiferente, eles precisam assegurar que seus surgir sobre o que ocorreu em My Lai, ninguém
subordinados não adotem uma atitude parecida. no estado-maior da divisão teve a coragem de
Será difícil, mas essencial, determinar se a informar o general em comando. Em vez disso,
atitude existe no nível de governo local. os membros da cadeia de comando ignoraram a
Liderança. O Inquérito Peers determinou informação.
que, acima de tudo, uma falta de liderança foi O inquérito concluiu que os comandantes de
24
a causa principal do massacre. A falha em pelotão da Companhia Charlie se identificavam
seguir políticas, a falta de imposição da política, mais com seus homens que com os comandos
o fracasso no controle da situação, o fracasso superiores. Os tenentes queriam ser aceitos
na verificação, o fracasso na execução de uma pelos homens de seus pelotões e ser um dos
investigação e a falta de acompanhamento “rapazes”. Peers concluiu que como eram jovens
estavam todos presentes. Os responsáveis pelo e inexperientes, não tomaram ações positivas
Inquérito determinaram que, embora Barker para corrigir as injustiças.29
empregasse a missão pela finalidade, ele deixou O fracasso em fomentar o ambiente certo e em
de verificar se seus subordinados cumpriram impor os padrões é suficientemente ruim, mas
suas ordens corretamente. 25 Além disso, o fica aquém de ser a razão abrangente para um
ambiente de comando por toda a organização fracasso de liderança. Entre as causas principais
não fomentou comunicações francas. Na do massacre de My Lai está o fato que os valores
força-tarefa, Barker não tinha “uma estreita e normas de uma unidade coesa toleraram a

64 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


CRIMES DE GUERRA

prática desses crimes e também asseguraram tais grupos. Os comandantes erram ao assumir
a lealdade ao grupo em vez da instituição, que uma vez incutidos, todas as unidades retêm
justificando assim o silêncio sobre os crimes. No para sempre os bons valores organizacionais. Os
caso de My Lai e de alguns incidentes recentes, valores precisam ser reforçados constantemente,
foi necessária a coragem de indivíduos fora da e os comandantes devem monitorar os valores
organização para relatar o que ocorreu, porque dos pequenos grupos em sua organização para
ninguém dentro da unidade o fez. A coesão era determinar se alcançam os padrões de sua
forte demais. instituição.
Muitas vezes os líderes assumem que seus A lição mais significativa que esses últimos
soldados e fuzileiros navais ficarão mais fiéis à incidentes no Iraque nos ensinaram é que os
organização que a seus camaradas. As pesquisas crimes de guerra ainda podem ocorrer, até em
do historiador Richard Holmes comprovam de uma força militar profissional e disciplinada.
modo diferente. Holmes escreve “Há toda chance Os comandantes têm de permanecer vigilantes
que as normas do grupo irão conflitar com as e perceber que isso de fato pode acontecer em
metas da organização da qual ele faz parte”.30 suas unidades. A compreensão das áreas de
Uma conclusão sensata para qualquer líder – avaliação em suas organizações pode lhes dar
mas que se deve dar importância. Os achados uma vantagem na identificação de problemas
do Centro de Lições Aprendidas do Exército e atitudes incipientes. William Peers e sua
(Center for Army Lessons Learned — CALL) comissão prestaram um serviço para a Nação ao
validam a conclusão de Holmes de que um dos identificarem as áreas em que os comandantes
desafios enfrentados pelos líderes de unidades militares devem monitorar e avaliar. A vigilância
pequenas é que eles se identificam demais com sustentada e a educação proporcionalmente
os homens com quem vivem e compartilham os focalizada ajudarão os futuros comandantes a
perigos das operações. O CALL previne que a evitar que um crime de guerra aconteça. MR
missão, em vez dos relacionamentos, deve ser o
elemento-chave da tomada de decisões.31
REFERÊNCIAS
1. PEERS, Gen W.R., The My Lai Inquiry (New York and London: W.W.
Norton and Company, 1979), p. 3.
Podemos ver muitos dos 2. Ibid., p. 10.
3. Ibid., p. 20.
problemas organizacionais 4. Ibid., p. 50.
5. Ibid., p. 11.
6. Ibid., p. 212.
que a unidade enfrentou em 7. Ibid., pp. 229-230.
8. Ibid., p. 230.

My Lai nas organizações de 9. Ibid.


10. Ibid.
11. Ibid.
hoje. 12. Ibid.
13. Ibid., p. 230-231.
14. Ibid., p. 232.
15. ANDERSON, David L., Facing My Lai: Moving Beyond the Massacre
(Lawrence: University of Kansas Press, 1998), p. 100.
Implicações Atuais 16. PEERS, p. 234.
17. Ibid.
Os atuais comandantes têm de avaliar o 18. Ibid., p. 235.
clima da unidade para determinar se seus 19. Ibid.
20. Ibid., p. 236.
subordinados acreditam que podem questionar 21. Ibid.
instruções ambíguas ou incertas ou repassar más 22. ANDERSON, p. 126.
23. PEERS, p. 237.
notícias aos comandos superiores. É igualmente 24. Ibid., p. 232.
importante para os comandantes avaliar o 25. Ibid., p. 233.
26. Ibid.
clima das unidades subordinadas. Os líderes 27. Ibid.
devem reconhecer que os valores podem mudar 28. ANDERSON, p. 126.
29. PEERS, p. 233.
durante eventos emocionais significativos como 30. HOLMES, Richard, Acts of War: The Behavior of Men in Battle (New
York: The Free Press, 1985), p. 323.
o combate, e avaliar a coesão das pequenas 31. Center for Army Lessons Learned, Leader Challenges: Initial Impressions
unidades e os valores subjacentes presentes em Report (Fort Leavenworth, KS, December 2005), p. 14.

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 65


Intenções Equivocadas – Resistindo ao
AFRICOM
Capitão Moussa Diop Mboup, Exército Senegalese,
Michael Mihalka, Pd. D., e
Major Douglas Lathrop, Exército dos EUA, Reformado

“Eu creio que, de alguma forma, nós Command — AFRICOM), o qual adota um novo
provavelmente, não fizemos o trabalho necessário estilo de interação, compreendendo uma gama
para ganhar o apoio para o AFRICOM.” de assuntos que vai desde terrorismo até AIDS.
—–Secretário de Defesa Robert Gates, 13 de junho de 20081 Todavia, os africanos encaram o AFRICOM
com cepticismo e suspeita.

A ÁFRICA AUMENTOU
DRASTICAMENTE de importância
durante a administração do presidente
George W. Bush. O presidente expressou a
A reação da imprensa ao AFRICOM por
toda a África foi tenaz. Em Johanesburgo,
o periódico Business Daily protestou: “O
estabelecimento de uma base militar americana
mudança estratégica em termos inequívocos: estratégica e geopolítica no continente agravará
“A África está se tornando cada vez mais muitos dos problemas atuais da África.”2 O Le
importante e vital para os nossos interesses Reporter de Argel disse: “Os países africanos
estratégicos. Temos visto que acontecimentos deveriam despertar após verem as cicatrizes
no outro lado do mundo podem ter um impacto dos outros (Iraque e Afeganistão).”3 E Duleu
direto na nossa própria segurança.” Bush mais Mbachu, um jornalista nigeriano, lamentou:
do que quadruplicou o auxílio enviado à África. “A exagerada presença militar dos EUA na
Ele lançou um bom número de programas África pode simplesmente servir para proteger
de auxílio à África, incluindo o Millennium regimes não populares que sejam amigáveis
Challenge Account (Conta do Desafio Milenar), aos interesses americanos, como aconteceu
o Plano de Emergência do ppara Assistência à durante a Guerra Fria, enquanto a África
AIDS, o África Education Initiative (Iniciativa mergulhava cada vez mais na pobreza.” 4 Os
de Educação para a África), o Malaria Initiative meios africanos, em geral, também reagiram
(Iniciativa do Presidente contra a Malária), a com muita negatividade, vendo o AFRICOM
Congo Basin Forest Partnership (Parceria da como um trampolim para facilitar a exploração
Floresta da Bacia do Congo) e a Initiative to do continente pelos EUA e interferir nos seus
End Hunger in Africa (Iniciativa para Terminar assuntos internos.5
com a Fome na África). Muitos oficiais africanos não têm tido
No lado militar, sua maior realização foi o nada melhor a dizer. Abdullahi Alzubedi, o
estabelecimento de um novo comando militar, embaixador da Líbia para a África do Sul,
o Comando da África — AFRICOM (Africa declarou a um jornalista:

O capitão Moussa Diop Mboup é oficial encarregado de assuntos regionais Hungria, Eslováquia e Romênia. Dr. Mihalka recebeu o seu Ph. D. em
das operações de paz na Defesa Geral do Estado-Maior das Forças Ciência Politica pela Michigan University
Armadas Senegalesas, Divisão de Organização e Treinamento, Dakar. Ele
recebeu seu Mestrado em relações internacionais pela Webster University O major Douglas Lathrop, Exército dos EUA, reformado, passou a maior
de Missouri e o Mestrado de Artes Militares e Ciência pela Escola de parte de sua carreira como oficial na área de serviço no exterior. O Sr.
Comando e Estado-Maior dos EUA. Lathrop é instrutor para a Centro de Ensino de Comando e Estado-Maior
Maior do Exército dos EUA. É bacharel pela Western Michigan University
Michael Mihalka, Ph.D., é atualmente professor na Escola de Estudos e pela University of Saint Mary, e possui um Mestrado em em Assuntos de
Militares Avançados. Ele tem palestrado em universidades na Ucrânia, Segurança Nacional e Estudos Africanos da Escola Naval de Pós-Graduação.

66 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


AFRICOM

e a China. Dessa forma, a resistência


contra um engajamento americano
elevado no continente é um símbolo e
um sinal precoce de uma luta emergente
sobre zonas de influência. Nessa luta,
a estratégia de guerra pragmática,
oportunista e política da China está
vencendo o primeiro round (A China
seguiu uma estratégia militarmente bem
sucedida na Ásia Central).8
A Rússia também pode se tornar um
participante. A Gazprom, a companhia

(Foto AP. Rebecca Blackwell)


de gás Russa, está competindo para
assumir o poder dos campos de gás
abandonados pela Royal Dutch Shell
na Nigéria.9 Diversas firmas chinesas
também expressaram interesse nos
campos em Ogoniland que contém
Trabalhadores senegaleses se preparam para a chegada do USS Fort reservas de gás estimadas em 10 trilhões
McHenry no porto de Dakar, Senegal, em 5 de novembro de 2007.
Africanos temem que os EUA possuam intenções veladas, destorcidas de metros cúbicos.
pela guerra contra o terrorismo e pela disputa de autointeresse por Os africanos, e a maior parte dos
recursos. jornalistas, julgam haver falta de
sinceridade nas alegações dos EUA de
Como pode, os EUA, dividir o mundo que o AFRICOM não tem nada a ver com a China.
entre seus próprios comandos militares? Não Uma das primeiras perguntas feitas à assistente
é essa a função das Nações Unidas? O que do secretário da defesa para políticas na África,
aconteceria se a China também decidisse Theresa Whelan, em junho de 2008, foi: “Porque
criar o seu comando da África? Não levaria a China está ausente da sua sessão informativa?”
isso a um conflito no continente?6 Ela respondeu:
Somente pequenos países africanos, como Estão ausentes por uma simples razão:
a Libéria, mostraram algum entusiasmo pelo porque isso não é sobre a China. Todo
projeto, em parte porque acreditam que os o mundo parece querer que seja sobre a
EUA servirão como um efetivo contrapeso as China e talvez seja um pouco de nostalgia
7
hegemonias regionais locais. pela Guerra Fria, eu não sei. Mas não é
De fato, os detentores desse poder hegemônico, sobre a China. É sobre os interesses de
em particular a Nigéria, África do Sul, Argélia e segurança dos EUA na África no contexto
Líbia, foram críticos estrondosos no início. Existe de segurança global. A China, sim, tem se
um bom número de razões para que os africanos tornado bem mais engajada na África, ambos
resistam à presença do AFRICOM, e elas variam — por razões primariamente econômicas.
de região para região, porém quatro delas se Eles também têm interesses nos mercados
destacam. africanos, e isso é normal. Os EUA não estão
preocupados com a competição econômica
A Elevada Influência da China da China. O que quero dizer é que somos uma
A elevada influência da China se apresenta às nação capitalista. Fomos criados no princípio
nações africanas como uma alternativa que, pelo de competição e, dessa forma, isso não é,
menos a curto prazo, é de muitas formas bem mais realmente, um problema para nós.10
atraente. Isso tem uma importância tremenda para a Os africanos simplesmente não acreditam
política dos EUA na África. O continente africano nisso, e muitos americanos também não.
se tornou um dos campos de batalha-chave na Um briefing circulando pela África registra
iminente “Guerra Fria” entre os Estados Unidos quatro pontos comuns nos motivos dos EUA

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 67


pelo AFRICOM: Os recursos naturais da África, para proteger regimes não populares, que sejam
a debilidade da democracia, a elevada presença amigáveis aos interesses dos EUA, enquanto a
da China, e o terrorismo. 11 Outros analistas África se afunda cada vez mais na pobreza.13
dizem diretamente: “O Pentágono alega que o Países africanos e organizações regionais
AFRICOM visa a integração, a coordenação possuem opiniões similares. A Comunidade de
e ‘edificação da capacidade dos parceiros.’ Desenvolvimento Sul Africana (South African
No entanto a nova estrutura é, realmente, para Development Community — SADC), a qual
assegurar reservas petrolíferas, fazer oposição representa 14 países meridionais africanos,
ao terrorismo e diminuir a influência chinesa.”12 declarou que nenhum de seus membros hospedaria
o AFRICOM. O ministro da Defesa Sul Africana,
Mosiuoa Lekota, disse:
Na reunião do comitê de defesa e
A elevada influência da segurança interestadual, em Dar Es Salaam,
China se apresenta às os ministros de defesa e segurança do
SADC chegaram a uma deliberação e
nações africanas como uma recomendaram que países irmãos da região
não deveriam concordar em hospedar o
alternativa que, pelo menos AFRICOM — em particular, não hospedar
a curto prazo, é de muitas forças armadas [dos EUA.] 14
Ele ainda acrescentou que todos os 53 membros
formas bem mais atraente. da União Africana não deveriam, igualmente,
hospedar as Forças Armadas dos EUA e, mais,
advertiu que, se o fizerem, os “outros países
A Estratégia
irmãos poderão se recusar a cooperar com eles
Antiterrorista Americana
também em outras áreas.”
O continente africano não é insensível ao Em uma análise de 2007, os Estudos Estratégicos
recuo da estratégia antiterrorista americana. da Escola de Guerra do Exército dos EUA,
A estratégia antiterrorista deixou as nações concluiu que os esforços de contraterrorismo
africanas convencidas de que há egocentrismo nas dos EUA na África têm sido contraproducentes
preocupações de segurança dos EUA na África. desde 2001:
A Guerra ao Terrorismo se tornou uma situação Essas tentativas — contra insurgentes
política delicada para algumas nações africanas, algerianos ao Norte da África e um grupo
especialmente aquelas que contam com uma de islamitas na Somália— apesar de serem
parcela significativa de população muçulmana bem sucedidas taticamente, em muitos casos
e que, por isso, temem os seus efeitos radicais não beneficiaram os interesses de segurança
e desestabilizadores. Além disso, grupos civis norte-americanos nem estabilizaram eventos
africanos, ativistas de direitos humanos e partidos em suas respectivas regiões. Esse fracasso
de oposição política, condenam vigorosamente pode ser creditado, em parte, aos prováveis
seus impactos negativos nas liberdades civis e erros de planejamento quanto à execução
reformas democráticas. Algumas organizações da Guerra Global Contra o Terrorismo na
não-governamentais acreditam que a presença de África. Os Estados Unidos têm baseado as
forças militares dos EUA em solo africano terá suas iniciativas de contraterrorismo na África,
um efeito oposto ao almejado pelo AFRICOM. O desde 11 de Setembro, em uma política
AFRICOM foi planejado para trazer estabilidade à de “agrupamento,” nas quais insurgências
África, mas somente serve aos interesses dos EUA. localizadas e desiguais tem sido amalgamadas
Muitos africanos acreditam que o AFRICOM, na como um assustador, porém artificialmente
verdade, desestabilizará o continente e colocará monolítico todo. Análises equivocadas com
os parceiros dos EUA na África em risco. Com respeito à considerável população muçulmana
toda a conversa de ser um engajamento novo e da África, a sua esmagadora pobreza, além
inovador, o AFRICOM pode simplesmente servir de seus numerosos espaços desgovernados

68 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


AFRICOM

e falidos, contribuem também para uma de uma organização que, aparentemente,


imagem destorcida da ameaça terrorista procura misturar desenvolvimento
emanando do continente.15 econômico e administração de governo
Em outras palavras, o contraterrorismo na (outrora responsabilidade de agências civis)
África começou a replicar o anticomunismo com atividades militares. Os africanos, dada
durante a Guerra Fria. O Al-Qaeda se tornou o a tradição de golpes militares que muitas
bicho-papão moderno, comandando tentativas vezes atormentaram o continente, tendem
dispersas e desiguais quando muitos dos problemas a encarar essa militarização de espaço civil
são locais. Os EUA ainda não aprenderam a lição com grande temor.16
do fiasco da Guerra do Vietnã. Outro analista tem uma opinião similar: As
forças militares não podem criar as condições
Aparência de Irrelevância sob as quais a democracia poderia crescer
O AFRICOM pode ter se tornado irrelevante e prosperar. Muito foi feito em nome da
aos olhos dos líderes africanos, que teriam democracia que resultou em desestabilização e
apreciado uma sólida e concreta assistência destruição do país anfitrião. E isso é um processo
de segurança dos Estados Unidos. De um que não pode ser facilmente revertido. “17
modo inegável, a segurança permanece uma
alta preocupação na África e poderia ter se A Estratégia Bilateral

tornado uma formidável ficha de barganha, Inicial do AFRICOM

bem mais confiável, por causa do significado A estratégia bilateral inicial do AFRICOM
das forças militares mais poderosas do mundo. tem impedido que o mesmo ganhe aceitação.
No entanto, colocando à frente uma agenda Uma avaliação mais abrangente do ambiente
humanitária e de democratização inconcebível diplomático atual no continente africano teria
desperdiçou a influência. O resultado fomentou levado os seus arquitetos a identificar dois
suspeita, descrença e preocupações sobre a elementos essenciais. O primeiro é o empenho
militarização da diplomacia americana. Embora do continente em promover integração e sua
o AFRICOM aponte com orgulho a sua estrutura preferência por mecanismos de segurança
de interagência, líderes africanos o observam coletiva para tratar a sua instabilidade. O
segundo, e talvez o elemento mais crucial, é que
a orientação da segurança é influenciada pelos
A estratégia antiterrorista seus costumes ou condição militar — África do
deixou as nações africanas Sul, Nigéria e de certa forma Líbia — todos os
quais são unânimes na ação de tentar frustrar
convencidas de que interferências não africanas. A África do Sul, a
Nigéria e a Líbia expressaram a oposição mais
há egocentrismo nas radical contra o AFRICOM em suas “áreas de
preocupações de segurança influência.” Uma estratégia bem melhor teria
sido abrir um diálogo inicial com as estruturas
dos EUA na África. regionais do continente e engajá-los diretamente.
Temos de admitir que, em face de uma
resistência quase unânime, oAFRICOM começou
com suspeita. Que líder africano acolheria uma a abrandar algumas das suas características mais
organização militar para lhe ensinar democracia inovadoras. A imprensa divulgou especulações
e bom governo? de que todos os países que os comandantes do
Um analista acredita que a combinação do AFRICOM visitam, em viagens ao continente,
idealismo democrático com forças militares servirão como sede, porém o AFRICOM nega
serviu apenas para promover o pior em ambos essa alegação.
os lados — nem democracia e nem segurança: Por exemplo, quando o chefe do AFRICOM,
Ao invés de uma visão nítida, os oficiais general William E. Ward visitou a Uganda em
dos EUA criaram uma imagem confusa, abril de 2008, o chefe de informação pública

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 69


do AFRICOM disse, “Nós não temos interesse Mary Yates, que na época era a subsecretaria
em criar mais bases na África e particularmente do comandante para assuntos civis-militares no
na Uganda.” 18 Marrocos, Argélia e Líbia se AFRICOM, admitiu que o AFRICOM “não foi
recusaram a permitir uma base militar em muito bem apresentado. E você sabe, que quando
seu território. 19 Além disso, o AFRICOM se trabalha na África, a consulta é uma coisa
diminuiu suas atividades, especialmente em muito importante. É bom que você vá, preste
assistência humanitária e de interagência. atenção e tome umas 10 xícaras de chá. E isso
Um analista recentemente comentou, “Eles provavelmente não aconteceu.”25
estão retrocedendo significantemente em
interagência. O que eles estão dizendo agora é Um Fracasso nas

que proporcionarão programas militares de uma Relações Públicas?

forma mais eficiente e efetiva.”20 Alguns analistas têm debatido e concluído


Essa mudança produziu alguns frutos. O que relações públicas medíocres contribuíram
governo da Nigéria começou a suavizar o significantemente para com a resistência inicial
seu tom com respeito ao AFRICOM. Quando ao AFRICOM. Brett Schaeffer da Heritage
questionado sobre o comando militar, o Foundation alega:
presidente nigeriano produziu uma resposta Os EUA, ao se mostrarem hesitantes em
obscura, porém notou que o AFRICOM anunciar os detalhes, permitiram que o povo
era sobre assistência militar tradicional. O preenchesse esse espaço em branco com
Ministro de Relações Exteriores da Nigéria teorias de conspiração, sem nenhuma base
falou sobre o “AFRICOM 2,” indicando que a que levasse a essas conclusões....Tudo que os
Nigéria preferiria muito mais um AFRICOM EUAdevem fazer agora é explicar claramente
que combatesse o terrorismo e melhorasse o papel que veem para oAFRICOM — o qual
a capacidade dos soldados africanos do que eu vejo como muito positivo. 26
o velho “AFRICOM 1,” através do qual os Todavia, nem mesmo as mais intensas
Estados Unidos interferiram no continente sem relações públicas irão convencer o poder
consultar os governos locais.21 Além disso, disse hegemônico de que o renovado interesse dos
que isso aumentaria as chances
da Nigéria de obter um assento
permanente no Conselho de
Segurança das Nações Unidas.
O g e n e r a l Wa r d t e m s e
esforçado muito para refutar o
silêncio inicial. Por exemplo,
o presidente Festus Mogae,
Departamento de Defesa dos EUA, Sargento Jeremy T. Lock

da República de Botsuana,
recentemente sancionou o
AFRICOM.22 Um comentarista
ganês viu o seu país como
o “perfeito anfitrião” para o
AFRICOM.23 Mesmo assim, os
três maiores — Líbia, Nigéria e
África do Sul — ainda observam
o AFRICOM com suspeita.
A notícia de que o presidente
Barack Obama planejava visitar
a Nigéria foi interpretada como
tendo por alvo, entre outros General William E. Ward do Exército dos EUA, comandante do Comando do
motivos, a resistência da Nigéria EUA da África, fala com o coronel Sam Kavuma das Forças de Defesa do
Povo da Uganda durante uma visita no distrito de Gulu, Uganda, em 10 de
ao AFRICOM.24 abril de 2008.

70 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


AFRICOM

EUA na África não resultará em ações que ●●Redefinir o conceito do AFRICOM e


possam opor-se aos seus interesses. Nada fazer convergir a orientação para os assuntos
convencerá os africanos de que o AFRICOM de segurança. Manter a agenda humanitária,
não é para fazer oposição aos chineses (ou aos civil e de libertação, sob os auspícios do
índios ou aos russos). Eles veem, entretanto
outra versão do “Great Scramble.”27 Pior ainda,
eles veem a retórica do idealismo democrático O AFRICOM pode ter se
como uma versão moderna do “fardo do homem
branco,” ou missão civilizadora. O governo tornado irrelevante aos
atual dos EUA pode ter esquecido a retórica olhos dos líderes Africanos,
degradante do século XIX, mas os africanos
certamente não. Alguns deles comparam a que teriam apreciado uma
reunião do G8, em 2006, que promoveu esse
recente interesse na África, à conferencia sólida e concreta assistência
de Berlim, no século XIX, que mutilou o de segurança dos Estados
continente. Também nenhum africano assistiu
à conferência. Unidos.
Recomendações de Estratégia
Para corrigir os passos errados iniciais, Departamento de Estado e da Agencia dos
o plano estratégico inicial e a estratégia de EUA para Desenvolvimento Internacional,
comunicação do AFRICOM deveria pensar em os quais têm demonstrado sua eficácia nesse
promover os seguintes pontos: sentido e tem a confiança dos africanos no nível
●●Reformular a estratégia dos EUA com da comunidade local. Isso também aplacaria
relação à África, de uma forma mais abrangente, grandemente a preocupação dos líderes
coerente, consistente e bem definida. A orientação africanos com a política de militarização dos
deveria reconhecer o novo significado da África EUA na África.
para os EUA e promover o estímulo político ●●Fortificar o programa de segurança e
necessário para a mobilização de recursos demonstrar o interesse dos EUA em fornecer
voltados ao desenvolvimento de uma burocracia apoio logístico e de Inteligência para dar
dedicada. suporte às operações de paz da União Africana.
●●Estabelecer um esquema de colaboração Dependendo das circunstâncias, especialmente
formal envolvendo o AFRICOM, a União no contexto de missões do tipo do Capítulo
Africana e as Comunidades Econômicas VII, o apoio do AFRICOM a essas missões
Regionais, incluindo planejamento conjunto e poderia prover mais apoio aéreo (transporte
estruturas de coordenação. O reconhecimento e apoio aéreo aproximado). “A declaração
formal do AFRICOM pelo Conselho Executivo da missão do comando indica que está sendo
da União Africana e suas extensões regionais adotada uma postura mais voltada à segurança,
se constituiria em um marco importantíssimo. enfatizando “o engajamento de segurança
Consequentemente, o AFRICOM deveria constante por meio de programas conjuntos de
renunciar a sua habitual estratégia bilateral e se forças militares” e “outras operações, também
concentrar na colaboração com as instituições militares, conforme requeridas, para promover
continentais. um ambiente africano estável e seguro de apoio
●●Elaborar, conjuntamente, a estratégia do à política exterior dos EUA.” O AFRICOM
AFRICOM com os mecanismos de segurança deveria acentuar essa reorientação e consolidá-la
coletivos do continente, tais como a “União da através de mecanismos de segurança negociados
Paz Africana e Conselho de Segurança” e os e planejamento combinado.
conselhos econômicos regionais para prevenção, ●●Aproveitar a oportunidade ensejada pela
gerenciamento e resolução de conflitos. Negociar atual promoção da UNAMID (Missão das Uniões
acordos com essas estruturas. Africanas em Darfur –— African Union Missions

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 71


in Darfur) para expor a decisão dos EUA em dar ●●Comprometer os líderes políticos africanos
amparo às iniciativas de paz no continente por com as finalidades atuais do AFRICOM para
meio de apoio logístico e de inteligência. eliminar suas percepções negativas contra o
●●Dar apoio ao treinamento do AFRICOM, comando. Nesse aspecto, um documento de
em termos multilaterais, por meio da Força estratégia abrangente, emitido ao nível político,
Africana de Prontidão (African Standby Force) seria útil para esclarecer os objetivos estratégicos
e suas brigadas regionais e prover exercícios no dos EUA. Há poucas dúvidas de que as nações
nível de batalhão e brigada, exercícios de posto africanas entenderiam e poderiam, mesmo,
de comando e treinamento de centro de paz em aceitar o direito legítimo dos EUA de aspirar seus
cada região apoiados pelos EUA. O Centro de interesses globais.
Treinamento de Paz Internacional Kofi Annan ●●Abrir um diálogo com a sociedade civil
(Kofi Annan International Peace Training Center) africana, esclarecendo os objetivos do comando
poderia servir como um interessante laboratório e ressaltando seus benefícios para a segurança e
para esse conceito. O AFRICOM poderia ajudar estabilidade do continente.
no aumento da capacidade do centro com fundos, ●●Suavizar a narrativa antiterrorista e mudá-la,
equipamento e instrutores. mencionando os principais problemas de segurança
africanos. Restaurar a centralização dos problemas
Recomendações de
de segurança da África na agenda do AFRICOM.
Comunicação Estratégica
●●Lançar uma campanha na imprensa, por
As recomendações para relações, que poderiam todo o continente, para promover e enfatizar a
propiciar um diálogo mais construtivo, são as natureza benevolente do AFRICOM e sua agenda
seguintes: de assistência.MR

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72 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


O Serviço Militar Obrigatório, a República e o
Futuro dos Estados Unidos
Adrian R. Lewis, Ph.D.

à baixa do serviço ativo impedem,


muitas vezes, a concretização de
seus sonhos; que existem tão poucos
deles para implementar corretamente
a doutrina de contrainsurgência; que
suas famílias têm de se sacrificar
muito devido a seus desdobramentos
repetitivos; e, ainda, porque, embora
muitos deles tenham servido duas
ou mais vezes no Iraque ou no
Afeganistão, muitos americanos da
mesma idade não contribuíram em
nada para o esforço de guerra. E isso
(Foto AP, Darren Abate)
acontece devido a um fato: os líderes
políticos americanos decidiram
colocar o peso total da Guerra contra
o Terrorismo nos ombros de apenas
uma pequena força profissional.
Soldados ficam em posição de sentido durante o alistamento de novos Isso gera mágoa, aflição e
recrutas do Exército dos EUA antes do jogo de futebol All American Bowl, indignação. Contudo, o que os olhos
em 3 de janeiro de 2009, no Alamodome, em San Antonio, Texas.
não veem o coração não sente. O
isolamento do povo americano em

O EXÉRCITO DOS EUA e o Corpo de relação às suas Forças Armadas aumentou


Fuzileiros Navais (CFN) contam com consideravelmente desde a Guerra do Vietnã,
um efetivo insuficiente para fazer dando ao mesmo a ilusão de que tem apenas um
tudo o que lhes pedimos e exigimos, enquanto papel para desempenhar nas guerras da Nação:
o povo americano vive confortavelmente aquele de espectador. O povo americano precisa
com uma mentira. A mentira é que as Forças convencer-se da necessidade de reinstituir o
Armadas dos EUA possuem homens e mulheres serviço militar obrigatório.
suficientes para fazer o seu trabalho, que a Alguns sustentam que isso não é possível,
moral está alta e que a carga e as aflições são principalmente porque os Estados Unidos já não
insignificantes. Contudo, o povo americano está seriam uma nação coesa e unificada, e também
desinformado sobre o que acontece nos campos porque os americanos possuiriam uma cultura
de batalha e os soldados e os fuzileiros navais muito pobre, sendo por demais consumistas.
estão contrariados. Estão descontentes porque De acordo com essa escola de pensamento, a
têm de servir por períodos prolongados no cultura de consumo produziu pessoas egoístas,
Iraque; porque as políticas que criam obstáculos incapazes de se sacrificar por um bem maior.

Adrian Lewis é professor de História na University of Kansas. doutorado pela University of Chicago. Ele é o autor de: The
Ele prestou serviço militar com o 2º Batalhão (Comandos), do American Culture of War: The History of U.S. Military Force
75º Regimento de Infantaria e como professor de História na from World War II to Operation Iraqi Freedom and Omaha Beach:
Academia Militar dos EUA em West Point. Possui o título de A Flawed Victory.

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 73


Outros afirmam que o serviço militar obrigatório os líderes militares estão muito inseguros com
não é possível porque os líderes políticos e relação ao povo americano e, ao mesmo tempo,
militares temem que o público possa restringir acomodados demais com as forças profissionais
a sua liberdade de ação. Também temem que a para desafiar o status quo.
vontade do povo seja tão fraca hoje como quando Nos primeiros anos após a Guerra do Vietnã,
da guerra do Vietnã. Considere as palavras de as Forças Armadas se tornaram um “agrupamento
Andrew no seu recente livro, The Limits of militar” (representando 0.5% das famílias
Power: (“Os Limites do Poder, em tradução americanas), um grupo profissional com seu
livre”): “A esperança de que o restabelecimento próprio sistema exclusivo e conjunto de valores,
do serviço militar obrigatório possa estimular éticas e crenças. Eles travaram as guerras dos
novas políticas é semelhante à noção de que Estados Unidos de 1973 até o presente. O fim
enfatizar o Cristo no Natal poderá restaurar do serviço militar obrigatório em 1973 afastou
a espiritualidade americana. Uma fantasia efetivamente o povo americano das guerras;
agradável, com uma vista panorâmica das forças sem dúvida, eles queriam ser afastados. A
que transformaram um feriado religioso em uma Guerra do Vietnã deixou no país uma atmosfera
orgia de consumo, em primeiro lugar.1 Essa antimilitar, e isso permaneceu assim até que a
afirmação revela o espírito do público americano administração Reagan começou a mudar essa
nos tempos no século XXI. mentalidade. Todavia, a administração Reagan
O Exército e o Corpo de Fuzileiros Navais não fez nenhum esforço para colocar o povo
estão sobrecarregados, exigidos ao limite, de volta na equação da guerra. O afastamento
muito além de suas capacidades. Os constantes do povo das guerras enfrentadas pela Nação
desdobramentos estão desgastando nossos continua a ter ramificações significativas, e a falta
soldados, fuzileiros navais e suas famílias, física, de reconhecimento do resultado final tem sido
psicológica e emocionalmente. Os Estados Unidos calamitoso para as forças militares e a Segurança
carecem da reserva estratégica para responder Nacional.
imediatamente às ameaças sérias. Como essa Depois dos atentados horrendos de 11/9
é uma questão de Segurança Nacional, o país contra os Estados Unidos, a administração
precisa aumentar significativamente o efetivo Bush declarou a “Guerra contra o Terrorismo”,
do Exército e do Corpo de Fuzileiros Navais. A promulgou uma nova doutrina estratégica
única maneira de fazer isso no ambiente político agressiva de “guerra de preempção” (na realidade
atual, social e econômico é reinstituindo o serviço guerra preventiva) e comprometeu a Nação nas
militar obrigatório. guerras do Afeganistão e do Iraque. Também
Embora haja muitos motivos para apoiar a desdobrou forças militares dos EUA em outras
conclusão de Bacevich, não podemos perder partes do mundo tais como no Chifre da África
e nas Filipinas. A administração Bush dependeu
das forças já existentes para travar essa guerra
…o povo americano tem prolongada. Não mobilizou o povo americano
para “uma luta longa e difícil”, embora insistisse
apenas um papel para em uma campanha de propaganda demagógica
por medo de designá-la dessa forma. Com a
desempenhar nas guerras sua visão maniqueísta de um mundo simplista
da Nação — aquele de e retórica belicosa, efetivamente, afastou seus
aliados e lhes disse que não precisava deles.
espectador. Portanto, quase todo o ônus da assim chamada
Guerra contra o Terrorismo recaiu sobre o
Exército, o Corpo de Fuzileiros Navais, a Marinha,
de vista um fato: o povo americano não foi a Força Aérea, a Guarda Nacional e as Reservas
consultado sobre isso. Não houve um debate profissionais regulares. O ônus fica com menos
nacional sobre o assunto. Aos líderes políticos de 1% dos 300 milhões de americanos. Além
falta a coragem de iniciar esse debate, enquanto disso, com o povo americano afastado da equação,

74 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO

era mais fácil ir à guerra. Não havia medo de


um movimento antiguerra como aquele que as
administrações Johnson e Nixon experimentaram.
As guerras de Bush não são esforços nacionais

Força Aérea dos EUA, Sargento Caycee Cook


em tal magnitude que despertem a ira de um
grande número de pessoas. De fato, é errado
dizer, “Os Estados Unidos estão em guerra”.
É mais exato dizer que as forças militares
dos Estados Unidos estão em guerra e que o
povo americano é espectador, ou observador
desinteressado. O povo americano não tem
deveres, responsabilidades ou compromissos. De
fato, depois de declarar a guerra, a administração
Bush instituiu uma redução de impostos e disse
ao povo americano para ir às compras. Bush Um sargento da Força Aérea dos EUA na Base da Guarda
Nacional Conjunta McEntire, Carolina do Sul, dirige-se aos
nunca pediu ao povo americano para fazer, pelo novos recrutas durante a formação da manhã na reunião de
menos, pequenos sacrifícios, nem apelou à sua treinamento da Unidade, 12 de julho de 2009.
boa índole. Apelou à avareza e ao auto-interesse.
Isso não era a reação americana tradicional a
uma guerra, e isso não era o papel tradicional de do Iraque, mesmo assim, os Estados Unidos
presidentes americanos em guerra. foram incapazes de formar e manter duzentos
mil soldados lá. A estabilidade obtida nos
Por que o Serviço Militar
anos recentes no Iraque é fraca, e o país
Obrigatório?
provavelmente precisará da presença de grandes
O Serviço Militar Obrigatório é necessário neste forças americanas por muitos anos.
momento porque temos um número insuficiente O Talibã e o Al-Qaeda estão se recuperando no
de soldados e fuzileiros navais fazendo muito. Afeganistão e no Paquistão, e os aliados da Otan
Contudo, isso é apenas uma explicação parcial. fracassaram em prover as forças ou liderança
As ameaças que os Estados Unidos enfrentam necessárias para prevenir esse ressurgimento.
são reais, substanciais e crescentes. Uma parte A estabilidade do governo na Coreia do Norte
da razão dessas ameaças é a inépcia no manejo é incerta. Uma mudança na liderança parece
de relações exteriores e políticas militares. A estar em progresso. Isso sempre cria incerteza
presença de forças americanas em várias partes nas oligarquias, porque lhes faltam os sistemas
do mundo, nos últimos 60 anos, criou estabilidade institucionais e constitucionais para uma
e prosperidade, favorecendo melhorias na transição disciplinada de liderança; e a guerra
economia desses povos, resguardando-os, ao às vezes parece ser uma opção viável para a
mesmo tempo, de vizinhos agressores. Da Coreia consolidação do poder político. Mesmo assim, os
à Europa, as forças americanas mantiveram Estados Unidos retiraram a maioria da 2a Divisão
o status quo. A retirada unilateral das forças de Infantaria da Coreia do Sul.
americanas pelo Pentágono de Rumsfeld, embora Não satisfeita com o status quo, a Rússia
necessária para alcançar as exigências crescentes invadiu recentemente a Geórgia. A Rússia
das forças dos EUA no Oriente Médio, criou também trabalhou para desestabilizar o governo
novos riscos de agressão. A reserva estratégica da Ucrânia e desafiou o planejamento americano
dos Estados Unidos agora consiste principalmente de um sistema de defesa antimíssil na Europa
em poderes aéreos e navais. As forças terrestres oriental. Suas forças navais estão emergindo
dos EUA não podem responder adequadamente novamente como uma força substancial. Apesar
a novas ou velhas ameaças. disso, os Estados Unidos retiraram a maior parte
A doutrina de contrainsurgência dos EUA de dois corpos de exército da Europa, e a Marinha
exige quatrocentos a quinhentos mil soldados em dos EUA comprometeu recursos consideráveis na
um país da dimensão geográfica e populacional região do Golfo Pérsico.

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 75


Os Estados Unidos ainda são responsáveis da administração Bush. Os EUA não podem
pela segurança de Taiwan. A República Popular contar com a Europa ocidental para fornecer uma
da China está rapidamente expandindo sua reserva estratégica de forças armadas.
marinha, em particular sua frota de submarinos O general George W. Casey, perante o Comitê
silenciosos a diesel, e melhorou sua capacidade das Forças Armadas do Senado, discutiu o
de destruir satélites de comunicações. Também desequilíbrio atual das forças americanas:
está modernizando suas forças terrestres. Mesmo Embora permaneçamos uma força profissional
assim, os Estados Unidos não retêm uma reserva flexível e comprometida, nosso Exército está
estratégica substancial comprometida com a desequilibrado por várias razões. A exigência
guerra convencional. atual para nossas forças excede a procura
O Irã está desenvolvendo rapidamente as sustentável. Estamos ocupados no cumprimento
tecnologias nucleares e de mísseis e, segundo das exigências da luta atual e somos incapazes
algumas estimativas, talvez possua os recursos de proporcionar forças prontas tão rápido quanto
para produzir armas nucleares e mísseis capazes necessário para outras contingências potenciais.
de atingir a Europa em, aproximadamente, dois Nossos componentes da Reserva desempenham
a cinco anos. um papel operacional para o qual não foram
A reconciliação entre a Rússia e a China alinha preparados ou adequadamente providos de
duas das nações mais poderosas do planeta, sendo recursos. As exigências operacionais atuais para
que ambas são aliadas do Irã e não têm afinidade as forças disponíveis, e os períodos limitados entre
com os Estados Unidos. desdobramentos tornam necessário um enfoque
O Paquistão, um Estado que possui armas na contrainsurgência, com prejuízo da prontidão
nucleares, passa por um período de instabilidade. para a gama completa das missões militares.
Ao seu novo governo falta expressivo apoio Os soldados, famílias e equipamento estão
público, além de estar sob pressão do Exército. sobrecarregados e estressados pelas exigências de
A desintegração do governo do Paquistão operações prolongadas e repetitivas, com tempo
influenciaria diretamente as decisões do governo insuficiente para recuperação. Os sistemas de
da Índia, que também é uma potência nuclear. apoio do Exército, incluindo saúde, educação e
sistemas de apoio à família, que foram planejados
para a época pré-11/9, estão sofrendo sob a
Os americanos estão, também, pressão de seis anos de guerra. Em geral, nossa
prontidão é consumida logo que a criamos.2
encantados com sistemas de Nenhuma organização terrorista, país em
armas sofisticados e caros, que desenvolvimento ou Estado fracassado possuem
recursos para causar mais que prejuízos modestos
fazem crer na inverdade de que aos Estados Unidos. No entanto, a China,
Rússia, Coreia do Norte, Irã e Paquistão podem
não são necessários efetivos alterar a situação internacional estratégica,
maiores para o enfrentamento dramaticamente. A simples presença de forças
americanas bem equipadas, prontas e treinadas
de guerras. cria a estabilidade, detém uma agressão e é a
evidência do compromisso dos EUA com a paz.
A ausência das forças americanas é um convite
A Índia, também, experimenta instabilidade e para a agressão. Os Estados Unidos precisam
ataques terroristas. manter uma reserva estratégica significativa de
A influência americana na Europa declinou. A forças terrestres prontas para organizar e executar
União Europeia está inadequadamente armada e operações convencionais, além de manter uma
muitas vezes parece mais disposta a lidar com presença marcante de forças terrestres em várias
a Rússia do que com os Estados Unidos. Isso é regiões para prevenir uma possível guerra.
compreensível, dada sua dependência do petróleo A administração Bush sobrecarregou as
e gás russos e à atitude indiferente e independente forças americanas e criou vulnerabilidades. Ela

76 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO

desperdiçou muitas oportunidades de diminuir e asiática, e nunca aceitaram completamente


as ameaças e adquirir aliados verdadeiros. A o fato de que tinham de ter forças terrestres
administração Obama herdou essa situação. Ela significativas e prontas para a guerra desde
precisa restaurar o equilíbrio, e a única maneira de o primeiro dia. Em consequência, os Estados
fazer isso sem sacrificar nossos ganhos no Iraque Unidos não estavam bem preparados quando
e no Afeganistão é aumentar significativamente o a guerra chegou e tinham de depender do
tamanho das forças terrestres americanas. serviço militar obrigatório para alcançar suas
Não entramos em um novo ambiente. necessidades de elemento humano. Considere
Estivemos nesta situação antes. Os Estados o seguinte:
Unidos têm uma história longa de conscrição. ●●Em 1939, quando a Segunda Guerra
O serviço militar obrigatório foi a resposta da Mundial começou na Europa, o Exército tinha
Nação para as guerras de grandes efetivos, desde menos de 190.000 homens. Quando a Segunda
a Guerra Civil. Em 2006, escrevi: Guerra Mundial terminou em 1945, as forças
Muitos americanos acreditam que é errado terrestres do Exército dos EUA contavam com
um pequeno “agrupamento militar” sofrer o mais de 6 milhões de homens em 89 divisões.
ônus inteiro da guerra enquanto o restante Isso foi o resultado de um Exército de conscritos.
dos EUA não faz nada. Portanto, houve ●●Em 1950, quando a Guerra da Coreia
chamados pela restituição do serviço militar começou, o Exército dos EUA tinha menos
obrigatório. À medida que a necessidade de de 600.000 homens, organizados em 10
forças americanas por todo o mundo aumenta, divisões. Conforme o general Ridgway notou:
o que é bem compreensível após os atentados “Estávamos, em resumo, em um estado de
de 11 de setembro de 2001, os argumentos e não prontidão vergonhoso quando a Guerra
exigências para a restituição do serviço militar da Coreia estourou e absolutamente não
obrigatório também aumentarão. No final de havia desculpa para isso. A única razão para
2005, o Exército e o Corpo de Fuzileiros Navais a existência de uma unidade militar é, em
estavam sobrecarregados, tentando fazer mais primeiro lugar, estar pronta para lutar no caso
do que o razoavelmente viável com os níveis de uma emergência repentina, e nenhum ser
de tropas atuais.3 humano pode predizer quando essa emergência
Obviamente, eu estava errado, pelo menos em surgirá. O estado de nosso Exército no Japão,
parte. As exigências pelas forças militares dos quando da deflagração da Guerra da Coreia, era
EUA em várias partes do mundo aumentaram. imperdoável.”4 Em 1952, no auge da Guerra da
No entanto, não havia um chamado enérgico de Coreia, o Exército dos EUA tinha 1.596.419
qualquer segmento da sociedade americana para soldados, organizados em 20 divisões no
restituir o serviço militar obrigatório. A razão serviço ativo. Esse Exército foi o resultado de
para isso é o fato de os americanos estarem mais um Serviço Militar Obrigatório, e com apenas
uma vez desgostosos com a guerra. A maioria algumas divisões a mais o Exército poderia ter
dos americanos acredita que a guerra no Iraque é parado os chineses ao norte do 38o paralelo e
desnecessária, mal planejada e inadequadamente mantido a Coreia do Norte.
executada. Os americanos estão, também, ●●Em 1961, na véspera da Guerra do Vietnã,
encantados com sistemas de armas sofisticados o Exército dos EUA constava de 858.622
e caros, que fazem crer na inverdade de que soldados, organizados em 14 divisões no
não são necessários efetivos maiores para o serviço ativo, aproximadamente a metade de
enfrentamento de guerras. seu tamanho de dez anos antes. Em 1968,
Depois da Segunda Guerra Mundial, os o ano da Ofensiva do Tet, o Exército dos
Estados Unidos se tornaram uma potência EUA constituía-se de 1.570.343 soldados,
responsável pela segurança, na Europa e na Ásia, organizados em 19 divisões no serviço ativo.5
de centenas de milhões de pessoas, portanto, fora Muitas lições surgiram do fracasso dos Estados
de suas fronteiras geográficas. O problema é que Unidos em conseguir seu objetivo político de
os americanos nunca reconheceram totalmente um Vietnã do Sul livre, contudo, uma dessas
o que significava ser uma potência europeia lições não deve ser a de que o Exército de civis-

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 77


soldados fracassou. Tática e operacionalmente, ●●A crença de que a guerra limitada,
o Exército e o CFN dos EUA não foram assimétrica, que não está de acordo com a visão
derrotados no Vietnã. americana da guerra, não seja uma ameaça
Nas vésperas da primeira Guerra do Golfo que exija a atenção e a participação do povo
Pérsico, a administração de George H. W. Bush
estava no processo de redução das forças militares
dos EUA. A Guerra Fria terminou e o povo Por todo o século XX, o Exército
americano estava para receber um “dividendo
da paz”, principalmente à custa do Exército. A dos EUA esteve, repetidamente
desmobilização parou, temporariamente, para com baixo contingente e mal
travar uma guerra convencional no Iraque.
Depois da guerra, a desmobilização continuou, preparado para as guerras
e o Exército diminuiu de uma força de quase
800.000 soldados para menos de 500.000 e de que travou, e o Serviço
16 para 10 divisões.
Quando George W. Bush assumiu a presidência,
Militar Obrigatório se tornou
o Exército ainda contava com menos de 500.000 necessário.
homens e mulheres, organizados em 10 divisões,
mas, em 2001, sob o título de “transformação”, a
nova administração Bush começou a desenvolver americano.
planos de diminuir o Exército em mais duas ●●A presumida inabilidade dos soldados
divisões. Os atentados de 11de Setembro conscritos de dominar as tecnologias e doutrinas
botaram um fim nesses planos, e, em vez disso, requeridas para lutar no campo de batalha
a administração se preparou para a guerra no moderno, com sistemas de armamentos
Afeganistão. sofisticados, durante um único e curto período
Por todo o século XX, o Exército dos EUA de serviço.
esteve, repetidamente, com baixo contingente ●●A difundida preferência por soldados
e mal preparado para as guerras que travou, e o profissionais, que são mais consistentes e
serviço militar obrigatório se tornou necessário. confiáveis, que não restringem o alcance de ação
Em cada caso, o Exército de cidadãos-soldados de seu líder e que minimizam o envolvimento do
superou e atingiu as exigências da guerra e foi público na luta.
bem sucedido. Sem dúvida, esta lista de argumentos
é incompleta, e estes argumentos não são
Os Argumentos e considerações mutuamente exclusivos, mas é importante
da idéia contrária ao Serviço entendê-los.
Militar Obrigatório Ciência e Tecnologia. Após a Segunda Guerra
Por que a Nação não empregou o seu método Mundial, com o desenvolvimento do bombardeiro
tradicional de procura de potencial humano na pesado e a doutrina estratégica de bombardeio,
situação atual? Alguns argumentos apresentam o poder aéreo se tornou uma panaceia, a solução
explicações políticas e militares, e outros para evitar o morticínio que ocorre quando dois
promovem explicações sociais culturais e grandes exércitos se confrontam em uma batalha
econômicas. As razões principais são as seguintes: terrestre. Durante a Segunda Guerra Mundial,
●●A crença de que Ciência e Tecnologia é alguns argumentaram que o poder aéreo era uma
uma panaceia para todos os problemas humanos. tecnologia que venceria a guerra.
●●A crença de que o serviço militar não deve Em 1948, após testemunhar duas bombas
interromper a inexorável busca de prosperidade atômicas que trouxeram o final da guerra contra
e consumo cada vez maiores. o Japão, Eisenhower pronunciou enfaticamente
●●A fragmentação da Nação em pequenas a nova visão americana da guerra:
“tribos,” cada uma delas com o seu conjunto de Em um instante, muitos dos velhos conceitos
valores, princípios e crenças. de guerra foram eliminados. Daqui em diante, ao

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que parece, o propósito de uma nação agressora mais do que quaisquer outros empreendimentos
será armazenar bombas atômicas. Mesmo as é esmagadora. 9 O consumo influencia todos
ruínas bombardeadas da Alemanha fornecem os aspectos da vida americana, incluindo a
apenas um débil aviso do que as guerras futuras capacidade da Nação de produzir soldados de
poderiam significar para o povo da Terra.6 combate. Em 2007, escrevi:
Esse foco no poder aéreo era evidente em 2003, A cada década subsequente, a partir da última
na doutrina do “choque e pavor”, onde se supunha metade do século XX, o povo americano se
vencer a guerra no Iraque sem o envolvimento de tornou física e psicologicamente menos capaz
um número significativo de forças terrestres dos de travar guerras. Nos anos 90, os departamentos
EUA. Supunha-se que a invasão iria demonstrar do Corpo de Treinamento de Oficiais da Reserva
o acerto da mais recente “revolução nos assuntos (Reserve Officers’ Training Corps - ROTC) por
militares.” O desenvolvimento das tecnologias todo o país reclamaram que os novos recrutas
da informação, aeronaves Stealth e armamentos não conseguiam correr meia milha (0.8 km).
de precisão produziram a doutrina estratégica Novos programas de treinamento físico foram
conhecida como “guerra centrada em redes” e a iniciados para conseguir que possíveis candidatos
doutrina operacional de “choque e pavor” para alcançassem a mínima condição física exigida
eliminar ou reduzir ao mínimo o uso de soldados. para o serviço, um padrão bem mais baixo do
Infelizmente, o Pentágono estava errado que o requerido para as unidades de infantaria
novamente. É duro ver a revolução em assuntos do Exército dos EUA. Os recrutadores tiveram
militares nas atuais operações no Iraque e o mesmo problema.10
Afeganistão. Os profetas do poder aéreo e Isso é um assunto de Segurança Nacional,
da tecnologia contribuíram de novo para um que só piorou desde o final da Guerra Fria.
desastre, que as forças de combate terrestres Esses problemas, embora identificados durante
tiveram que consertar. a Guerra da Coreia, atormentaram os serviços
Abundância e consumo. Leve em consideração militares durante toda a Guerra do Vietnã. Em
as palavras de Andrew Bacevich: 1957, Robert Osgood escreveu:
Para os Estados Unidos, a busca da liberdade, Muito além do ódio moral da guerra, o
como definido na era do consumismo, induziu medo da violência e da revolta da guerra serão
uma condição de dependência — em bens e certamente fortes entre um povo que passou a
petróleo importados e no crédito. O principal apreciar a ordem social e o bem-estar material,
desejo do povo americano, admitam ou não, como os americanos. A guerra altera toda a
é que nada deveria interromper seu acesso a escala social das prioridades de um esquema de
esses produtos, petróleo e crédito. A intenção vida individualista e materialista, de modo que
primária do governo dos EUA é de satisfazer a rotina diária de obter e gastar é subordinada
esse desejo, feito em parte pela distribuição de ao bem-estar coletivo da Nação em centenas de
facilidades em sua própria casa (com o Congresso formas dolorosas — da tributação à morte. Isso
assumindo o papel principal) e em parte por meio justifica a aversão emocional à guerra, brotando
da busca de ambições imperialistas no exterior essencialmente dos motivos dos próprios
(predominantemente os ramos de negócios e interesses. 11
executivos).7 “Obter e Gastar” não são mais subordinados
A
U.S. News & World Report recentemente à guerra; eles, de fato, governam a conduta
divulgou, “Os Estados Unidos estão incrivelmente americana da guerra. A ausência de uma discussão
endividados. O débito no mundo financeiro subiu nacional sobre o serviço militar obrigatório
de 21% de US$3 trilhões do produto interno claramente indica que a Segurança Nacional
bruto, em 1980, para 120% de US$13 trilhões é subordinada ao maior empreendimento
do PIB em 2007, refletindo um incrível acúmulo americano, a busca de abundância e consumo.
de US$30 de dívida para cada US$1 de capital Fragmentação. Alguns sustentam que os
em muitas firmas.”8 A evidência de que a busca Estados Unidos não são mais uma entidade
de abundância e maiores níveis de consumo cultural coesa. A evidência da fragmentação da
domina o pensamento e as ações americanas Nação é algo mais do que rumores. “De acordo

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com geodemógrafos em Claritas, a sociedade a necessidade de os americanos participarem dela.
americana hoje é composta de 62 tipos distintos As responsabilidades que um dia pertenceram ao
de estilos de vida — um aumento de 55% sobre povo americano agora pertencem a empresas
os 40 segmentos que definiram a população do militares leais ao dólar, e não ao povo, ao governo
EUA durante os anos 70 e 80.”12 ou ao Exército.
Alguns acreditam que o povo ignoraria A estrutura estratégica da guerra limitada e
qualquer lei que requeresse o serviço militar assimétrica. Embora a Nação tenha lutado muitas
nacional. O patriotismo, então, é mais retórica do guerras limitadas, o paradigma da guerra que
que a realidade. Robert L. Palmer observa que: ocupa o pensamento da maioria dos americanos é
O vínculo entre o soberano e o vassalo era o da Guerra Civil e o da Segunda Guerra Mundial,
burocrático, administrativo e fiscal, uma conexão ambas as quais demandaram uma mobilização
mecânica externa do governante e governado, total. O presidente Harry Truman observou o
em forte contraste com o princípio induzido desejo americano por paz: “Americanos odeiam
pela Revolução Francesa, a qual, em sua a guerra . . . Não se sabe de povo algum na
doutrina de cidadania responsável e soberania história que tenha se desligado tão rapidamente
do povo, efetuou uma fusão quase religiosa do do hábito da guerra. Essa impaciência é expressão
governo com o governado. O bom governo do de um ideal nacional enraizado profundamente
Velho Regime era um que exigia pouco de seus de querer viver em paz.”15
membros, que os considerava como úteis, dignos ●●Os americanos têm, tradicionalmente,
e bens produtivos do estado, o qual, em tempo de acreditado que:
guerra, interferia o mínimo possível com a vida ●●Os Estados Unidos são um Estado-Nação
singular, não influenciado pelas leis que
governam outras nações.
As responsabilidades que ●●A Guerra é um assunto sério, e que os
Estados Unidos não devem participar dela sem
um dia pertenceram ao povo motivo.
americano agora pertencem a ●●As Guerras de grande porte são um
empreendimento nacional envolvendo os
empresas militares… recursos da Nação.
●●Deveríamos conduzir guerras de uma
maneira profissional, eficiente, inexorável,
civil. O ‘povo bom’ era aquele que obedecia às e trazê-las a um final rápido, decisivo e bem
leis, pagava seus impostos e era leal à casa no sucedido.
poder; não necessitava ter senso de sua identidade ●●A guerra deveria ser estratégica e
como povo ou unidade, como uma nação, nem doutrinariamente ofensiva e curta.
ter responsabilidade por assuntos públicos ou ●●Seus objetivos deveriam ser a destruição
obrigação de oferecer um esforço supremo em do Exército principal do inimigo, seguido pela
guerra.13 ocupação do país, e sua transformação política,
De forma argumentável, o termo “regime econômica, social e cultural.
velho” fornece uma descrição precisa dos Estados ●●O objetivo pós-guerra é mudar o Estado
Unidos na emergência do século XXI bem como derrotado para um que tenha mais semelhança
dos novos Estados-Nação criados durante as com os Estados Unidos: uma democracia
revoluções francesa e americana. capitalista.
A evidência de fragmentação é visível na ●●A guerra é luta; a luta deveria começar
recente conduta americana na Guerra. Empresas tão cedo quanto possível e prosseguir contínua
militares privadas têm tomado o comando de e agressivamente até que os Estados Unidos
muitas responsabilidades que outrora pertenceram conseguissem a vitória.
exclusivamente às forças militares.14 A guerra nos ●●Não há nada que os americanos não
Estados Unidos se tornou um negócio lucrativo, o possam conseguir quando estão completamente
qual, de forma argumentável, ainda diminui mais mobilizados.

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●●A identidade do inimigo deveria ser retirada do Vietnã antes da missão estar completa
determinada, sua posição certa e suas forças e a irritação com George H. W. Bush por não
visíveis e desejosas de aceitar a batalha. ter ido até Bagdá na primeira Guerra do Golfo.
●●A luta deveria produzir um progresso Portanto, a falta de discussão sobre o Serviço
demonstrável e resultados decisivos. Militar Obrigatório, principalmente hoje, quando
●●Soluções de concessão não são americanas forças terrestres dos EUA estão sobrecarregadas,
e não justificam o custo humano da guerra ou travando duas guerras simultaneamente, é
não alcançam os objetivos políticos da Nação, nitidamente antipatriótica.
os quais são absolutos. Soldados não podem dominar a tecnologia e
●●As exigências da batalhas deveriam ditar a doutrina da guerra moderna. Essa premissa
o curso e a conduta da guerra e reduzir a perda é demonstravelmente falsa. A maior parte dos
de vidas. Os assuntos políticos não deveriam americanos pode dominar as tecnologias e
interromper o uso eficiente da força e o rápido doutrinas necessárias para lutar efetivamente no
prosseguimento da guerra. campo de batalha moderno em um ano. Assim,
Os americanos acreditam na igualdade de com um compromisso de dois anos, as Forças
sacrifício — na distribuição justa do peso da Armadas ainda teriam outros 12 meses para
guerra entre a população adulta. Eles acreditam empregar os soldados conscritos na guerra ou
que o capital humano da Nação é o seu recurso em outras funções no exterior. Em um ou dois
mais precioso e que, enquanto americanos estão anos, a maior parte das pessoas pode obter um
lutando e morrendo, nenhum outro recurso mestrado numa boa universidade. Certamente,
deveria ser poupado para trazer a guerra a um indivíduo pode dominar o uso de armas
uma conclusão rápida e bem sucedida. Os básicas e aprender como operá-las como parte
americanos gostam de travar guerras altamente de uma equipe em um ano. Em doze meses, um
organizadas, sistemáticas, baseadas em tecnologia americano típico pode satisfazer os requisitos
e equipamento militar. Acreditam que a guerra é rigorosos de treinamento requeridos para se
uma aberração que subverte o princípio de que o desempenhar como parte de uma unidade de
homem não é um meio para alcançar o objetivo combate efetiva. O problema real de hoje, que
e que a meta é a busca da felicidade. não foi encarado por gerações passadas, é obter
Os americanos acreditam em agir unilateral jovens americanos na requerida condição física.
e agressivamente e que a guerra prolongada A falta do serviço militar obrigatório dá
é antipatriótica e potencialmente danosa à aos líderes maior liberdade de ação. O uso
democracia americana. Os americanos não de forças regulares livra o povo americano da
aceitam a derrota. Eles aumentam o esforço, guerra, além de diminuir enormemente o seu
empregam mais recursos, improvisam, adaptam papel na decisão política de participar da mesma
e procuram novas soluções. Infelizmente, poucas e em decisões relativas à sua conduta. Sem o
guerras se parecem com isso. Serviço Militar Obrigatório, os líderes políticos
A bomba atômica criou uma guerra moderna e militares podem ser menos sensíveis ao povo
e limitada. As armas nucleares destruíram o americano. Neutro, desmotivado, e em muitos
princípio de Clausewitz de que a guerra é a casos desinteressado, o povo americano não tem
continuação da política por outros meios. Não voz nas decisões feitas pelos líderes políticos e
há nada de consequência política para discutir militares. Eles não estão envolvidos na luta. Com
após uma troca de ataques nucleares entre os uma força militar completamente voluntária, os
grandes poderes. O domínio americano em forças responsáveis não devem explicações ao povo
convencionais pôs fim a esse tipo de guerra, pelos americano como em guerras anteriores. Como
menos em um futuro próximo. Dessa forma, a Bacevich explica, “A verdade é que generais e
cultura da guerra americana estratégica não se almirantes de quatro estrelas olham o cidadão­
aplica ao ambiente atual. soldado como uma dor de cabeça.”16 Desde o
Se os americanos não podem travar o tipo de final do serviço militar obrigatório, o Exército se
guerra que se propõem a travar, eles não lutarão tornou mais parecido com o Corpo de Fuzileiros
de modo algum. Por conseguinte, isso explica a Navais, uma pequena força de luta de elite,

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 81


altamente treinada, e ao mesmo tempo, menos era mais uma vez usada como forma de manter
representativa do povo americano.17 o estado unido, a cidadania era essencialmente
Muitos acreditam que não foram as Forças um prestígio, que transmitia certos poderes legais
Armadas, mas o desejo do povo americano, ou benefícios. Também era uma exigência moral
que resultou no fracasso na Guerra do Vietnã. que, fora da crença ética e prática histórica ou
O espectro do Vietnã ainda influencia as contemporânea, colocava ante o homem a agenda
decisões em Washington. A vontade do povo de suas responsabilidades para com a Pátria.
foi eliminada da Operação Desert Storm, e, de Historicamente, a cidadania convocava ao
forma questionável, não é mais um fator a ser pagamento de tributos; agora, Roma estava tão
considerado nas guerras americanas. Na opinião rica que esses tributos não eram mais requeridos.
da Casa Branca e do Pentágono, isso é o ideal. Além disso, essa mesma prosperidade aboliu o
No entanto, os líderes políticos e militares são serviço militar, que todos os romanos deviam à
limitados. Eles se concentram muito no nível sua Pátria. Cidadãos mercenários recrutados das
operacional da guerra para notarem o vasto classes baixas [e estrangeiros] agora preenchiam
ambiente operacional. as fileiras e davam sua lealdade a Mário, Sula,
Como Bacevich argumenta, ser um americano ou outro general, político [ou corporação], que
significa que podemos consumir mais do que lhes prometia um bom pagamento e benefícios
qualquer outro povo na Terra, dirigir carros de aposentadoria.18
bebedores de gasolina, morar em casas maiores, É isso o que nos tornamos? Estamos seguindo o
usar mais crédito, acumular mais débito e comer caminho de declínio pavimentado pelos romanos?
mais do que outras pessoas? É isso o que a
exclusividade americana significa? A lição da Nossa Realidade Estratégica
Roma Republicana se eleva agora para nós: As Forças Armadas dos EUA, especificamente
Entre os séculos iniciais da expansão da o Exército e o Corpo de Fuzileiros Navais, são
República, quando a concessão de cidadania muito pequenas para fazer tudo o que lhes é

Foto AP, Jason E. Miczek

O sargento R. Scott Gianfrancesco, do Exército dos EUA, conversa com os estudantes da escola de ensino médio Wilkes
Central sobre a carreira militar, no município de Wilkes, Carolina do Norte, em 30 de abril de 2008.

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exigido e estão concentradas nas ameaças erradas, propósito mais alto, o bem público. A cidadania
ou seja, nas ameaças de menor importância. Os sobreviveu por tanto tempo e serviu em muitos
Estados Unidos precisam reinstalar o serviço ambientes políticos por causa de seu grande
militar obrigatório e reorientar seus maiores desafio inspirador para os indivíduos de fazer a
recursos nas grandes ameaças, como quando for vida melhor para seus vizinhos, compatriotas e,
o caso de um confronto com outras nações do assim agindo, fazer a sua própria vida mais nobre.
mundo. É um assunto de Segurança Nacional. O Tal aspiração fez sentido aos gregos e romanos
gasto de 10 bilhões de dólares por mês no Iraque em suas cidades, bem como faz sentido para nós,
é irresponsável. O gasto de um bilhão de dólares hoje, em nosso ambiente muito diferente.19
em uma aeronave é imperdoável, irresponsável A guerra no Iraque não valeu a pena pelos
e absurdo. Os argumentos contra o Serviço recursos que os Estados Unidos dedicaram a
Militar Obrigatório não são tão fortes quanto os ela. Todavia, agora que estamos lá, agora que
argumentos a favor dele. Eu creio que, se o povo iniciamos a guerra baseada em “falsa inteligência”
americano possuir a informação pertinente sobre e que destroçamos aquele país, o problema não
as ameaças de hoje e da condição do Exército e do é mais um assunto sobre recursos. Nós temos
Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, responderá obrigações. Temos de lidar com a situação que
dentro do seu dever, se não de uma maneira agora encaramos, e a situação requer um Exército
entusiasmada, pelo serviço militar obrigatório. significativamente maior. O que não podemos
As consequências de manter a política atual são absolutamente fazer é deixar o Iraque da forma
destinar o Exército e o Corpo de Fuzileiros Navais como deixamos o Vietnã.
dos EUAao estado de deterioração na condução de Tom Brokaw cunhou o termo “A Melhor
operações de combate convencionais, ofendendo Geração” para caracterizar a geração de americanos
o povo a quem servem, e sofrendo de síndrome que sofreram e viveram por toda a Grande
de estresse pós-traumático, problemas familiares, Depressão, lutaram na Segunda Guerra Mundial e
divórcios e uma taxa crescente de suicídios. Os tomaram uma posição inicial contra o surgimento
riscos para o país são a derrota no Afeganistão, do comunismo internacional. Essa geração não era
Iraque, ou em alguma outra parte do mundo; a grande pelo quanto consumia, ou de quão grandes
inabilidade de confrontar a China e a Rússia com eram os carros e casas que possuía, ou quanto
forças dissuasivas confiáveis, que desestimulem crédito usava. Era grande por causa do caráter de
o aventureirismo; e a inabilidade de enfrentar seu povo e de seus líderes. Daqui a cinquenta ou
agressões, exceto no caso de armas nucleares. sessenta anos, como chamarão a nossa geração? “A
Outra vez, Riesenberg nos lembra que: Geração Eu?” A vida é um teste de caráter. Estarão
Para a cidadania, as paixões normalmente os Estados Unidos sofrendo de uma insuficiência
dedicadas a si mesmo e à família são guiadas a um de caráter?MR

REFERÊNCIAS

1. BACEVICH, Andrew, The Limits of Power (New York: Henry Holt, 12. WEISS, Michael J., The Clustered World (Boston: Little, Brown and
2008), p. 173. Company, 2000), 10.
2. CASEY, General George W., “Chief of Staff of the Army Statement on 13. PALMER, Robert R., “Frederick the Great, Guibert, Bulow: From
the Army’s Strategic Imperatives,” perante o Senate Armed Services Committee Dynastic to National War,” Makers of Modern Strategy (New Jersey: Princeton
United States House of Representatives, 15 de novembro de 2007. University Press, 1986), 92.
3. LEWIS, Adrian R., The American Culture of War (New York: Routledge, 14. Veja SINGER, Peter W. Corporate Warriors: The Rise of the Privatized
2007), p. 36. Military Industry (Ithaca, NY: Cornell University Press, 2003); e RASOR Dina
4. RIDGWAY, Matthew, Soldier: The Memoirs of Matthew B. Ridgway (New and Robert Bauman, Betraying our Troops: The Destructive Results of Privatizing
York: Harper, 1956), p. 191. War (New York: Palgrave, 2007).
5. O Centro de História Militar do Exército dos EUA forneceu os dados sobre 15. TRUMAN, Harry, Memoirs of Harry S. Truman 1945, vol. 1 (New York:
a força de recursos humanos e o número de divisões. Da Capo, 1986), p. 506.
6. EISENHOWER, Dwight D., Crusade in Europe (New York: Doubleday, 16. BACEVICH, p. 153.
1948), p. 456. 17. Simultaneamente, o Corpo de Fuzileiros Navais se desenvolveu para
7. BACEVICH, 173. parecer mais com o Exército dos EUA. À medida que seu orçamento se expande,
8. ZUCKERMAN, Mortimer B. Editor-in-Chief, U.S. News & World Report, à proporção que adquire mais máquinas, e conforme a sua tecnologia se torna
27 October 2008, p. 92. mais sofisticada, necessariamente obtêm mais gerenciadores de guerra e mais
9. LEWIS, 29. técnicos de guerra que substituem os guerreiros heroicos.
10. Ibid., 31, 32. 18. REISENBERG, Peter. Citizenship in the Western Tradition (Chapel Hill:
11. OSGOOD, Robert, Limited War (IL: University of Chicago Press, University of North Carolina Press, 1992).
1957), p. 33. 19. Ibid., xi.

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 83


Jihad e Contrainsurgência:

Concepções Distintas da Guerra Psicológica

Major Alessandro Visacro, Exército Brasileiro

A DOUTRINA MILITAR DO século


XX foi influenciada sobremaneira
pelas ideias de Carl Von Clausewitz,
para quem “o desarmamento do inimigo era o
“... a guerra moderna é de natureza quádrupla
– diplomática, econômica, psicológica e, apenas
como último recurso, militar.” 5
Ainda que a maioria dos soldados profissionais
objetivo de qualquer ato de guerra” 1. De acordo continue impregnada das ideias de Clausewitz,
com o ilustre prussiano, “desarmar um Estado” a destruição das forças inimigas, a conquista do
não possuía o sentido estrito da palavra, mas, terreno e a posse de acidentes capitais possuem
de qualquer forma, era “preciso conquistar o valor secundário, se não irrelevante, no campo
território” e “destruir as forças militares. O de batalha assimétrico, no combate irregular
que significa que estas teriam de ser colocadas ou na guerra de quarta geração. Em conflitos
em tais condições que se tornassem incapazes dessa natureza, o verdadeiro centro de gravidade
de prosseguir o combate” 2. Apesar de admitir (ou schwerpuntkt como diriam os competentes
“nem sempre ser necessário combater até que alemães) encontra-se no apoio da população.
um dos campos fosse aniquilado” 3, Clausewitz Moradores locais são capazes de dar suporte a
fez largo uso da expressão “destruição das forças organizações terroristas, células subterrâneas e
militares do inimigo” 4 em sua consagrada obra grupos paramilitares no nível tático, viabilizando,
“Da Guerra” e os soldados profissionais, em sua direta e indiretamente, o funcionamento dos
fiel ortodoxia, interpretaram-na literalmente. As diferentes sistemas operacionais. Em termos
duas guerras mundiais, as operações de busca e estratégicos, podem, com o seu apoio, protelar
destruição conduzidas pelos norte-americanos por tempo indeterminado o término do conflito.
no Vietnã e a brilhante aplicação da doutrina da Politicamente, exercem pressão sobre decisões
batalha ar-terra durante a operação Desert Storm, governamentais e influenciam a opinião pública
em 1991, são alguns exemplos que poderiam doméstica e internacional. Assim sendo, é lícito
bem ilustrar a ampla aceitação dos dogmas de afirmar que a guerra assimétrica, em sua essência,
Clausewitz no decurso do último século. resume-se à luta pelo apoio da população,
Entretanto, uma análise um pouco mais realçando claramente a importância que deve ser
acurada dos conflitos ocorridos no Terceiro atribuída às operações psicológicas.
Mundo, durante o período da Guerra Fria, As campanhas militares desencadeadas pelos
suscita conclusões contrárias. Militarmente, Estados Unidos na Ásia Central e no Oriente
os franceses não foram batidos na Argélia, os Médio, em resposta aos atentados perpetrados
Estados Unidos não foram derrotados no sudeste pela Al-Qaeda em setembro de 2001, colocaram
asiático e os portugueses venceram em Angola em evidência dois modelos distintos de luta pelo
e Moçambique, contudo, paradoxalmente, apoio da população: o ocidental e o islamita.
perderam essas guerras de forma inconteste. De um modo geral, os preceitos que norteiam
Pois, como bem observou Sigmund Newmann, a conduta das forças ocidentais desdobradas

O Major Alessandro Visacro é oficial de infantaria da turma Batalhão de Forças Especiais, onde foi instrutor dos cursos
de 1991 da Academia Militar das Agulhas Negras. Possui os de ações de comandos e forças especiais. Entre 2003 e 2007,
cursos de aperfeiçoamento de oficiais, básico pára-quedista, serviu na 3ª Companhia de Forças Especiais, organização
mestre de salto pára-quedista, ações de comandos, forças militar sediada em Manaus (AM) e diretamente subordinada
especiais e comando e estado-maior. Exerceu as funções de ao Comando Militar da Amazônia. Atualmente, desempenha
oficial subalterno no 29º Batalhão de Infantaria Blindado e as funções de oficial de estado-maior no Comando da
no 26º Batalhão de Infantaria Pára-quedista. Serviu no 1º Brigada de Operações Especiais do Exército Brasileiro.

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GUERRA PSICOLÓGICA

no Iraque e no Afeganistão apresentam certa Eles apontam, de um modo geral, para a


homogeneidade, pois se fundamentam na necessidade de uma abordagem civil militar
bem-sucedida contra-insurgência conduzida integrada; a ênfase na promoção de reformas
pelos britânicos na Malásia, entre os anos de sociais e no desenvolvimento de políticas
1951 e 1960. Ademais, os países membros da públicas focadas na melhoria das condições de
Organização do Tratado do Atlântico Norte vida da população, em detrimento da condução
compartilham uma doutrina comum. de operações de combate de maior envergadura;
O mesmo não acontece, porém, com o apontam para a necessidade preponderante
islamismo político, que se revela um movimento de isolar os guerrilheiros e os terroristas da
multifacetado. As ações do Harkat-ul-Mujahidin população civil; a necessidade de privar os
(HUM) paquistanês, da Jihad Islâmica egípcia insurretos de seus apoios domésticos, de seus
ou da Frente Islâmica de Salvação (FIS) locais de refúgios e de seus patrocinadores
argelina, por exemplo, apresentam entre si externos; enfatizam a importância das operações
significativas discrepâncias. No campo das psicológicas, das atividades de inteligência e
operações psicológicas, algumas facções de luta das missões tipo polícia; advogam o emprego
armada têm sido inadvertidamente absorvidas moderado da força letal e o uso de forças nativas
por um ciclo crescente de violência que faz de segurança.
do terror um fim em si mesmo, atraindo a Unidades militares operam, em ambientes de
reprovação da opinião pública e perdendo, quarta geração, com restrições legais, políticas,
por conseguinte, o imprescindível apoio da geográficas e temporais, além de se verem
população. Entretanto, duas organizações se privadas da plena liberdade de empregar seu
destacam por seus notáveis feitos, são elas: o poderio bélico convencional. Na disputa vital
palestino Movimento da Resistência Islâmica pelo apoio da população, as forças regulares
(Hamas) e o Partido de Deus (Hezbollah) e os demais órgãos de segurança do Estado
libanês, cujos métodos semelhantes têm lhes devem combater o proselitismo radical das
assegurado expressivas vitórias, auferidas por organizações militantes, proporcionando aos
uma sólida base de apoio popular. moradores locais “segurança e esperança”.
Comparar ambos os modelos de luta pelo apoio Para tanto, defrontam-se com os seguintes
da população (a consagrada doutrina ocidental de óbices e desafios:
“corações e mentes” e a fórmula bem-sucedida ●●necessidade de proporcionar segurança
aplicada pelo Hamas e pelo Hezbollah) permite à população local, a despeito da atuação de
ampliar a própria capacidade de compreensão células terroristas, milícias locais, forças
dos conflitos armados no século XXI. Porquanto, paramilitares e grupos de guerrilha;
algumas diferenças que, aparentemente, não ●●n e c e s s i d a d e d e i m p o r m e d i d a s
passam de mera semântica, na verdade, encobrem, complementares de segurança que restringirão
de forma sutil, estratégias e concepções bastante os direitos civis e tornar-se-ão impopulares;
distintas de guerra psicológica. ●●necessidade de assegurar a legitimidade
de suas ações, dispondo de uma legislação que
Corações & Mentes na
nem sempre proporciona o adequado suporte
Contrainsurgência
jurídico às operações militares e às atividades
“A única maneira de se acabar com uma policiais;
insurreição está na remoção das condições ●●suportar um número crescente de baixas
econômicas e sociais nocivas que deram origem por tempo indeterminado, sem intensificar a
à revolta.” resposta armada de forma desproporcional;
—–Bevin Alexander 6 ●●obter inteligência de boa qualidade, que
viabilize a execução de operações precisas
Na verdade, não existe muita divergência (“cirúrgicas”), a fim de reduzir ao máximo os
acerca dos fundamentos da contrainsurgência danos colaterais, isto é, a ocorrência de baixas
(COIN). Os manuais militares, em todo mundo, entre civis inocentes e a destruição de seu
versam, basicamente, sobre as mesmas ideias. patrimônio;

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 85


●●disponibilidade de uma propaganda eficaz, absorvidas por um ciclo decadente e infrutífero
que proporcione transparência aos objetivos, de violência. De acordo com o General britânico
métodos e resultados das operações militares; Nigel Aylwin-Foster:
●●necessidade de neutralizar a propaganda “A doutrina de contra-insurreição ocidental
dos insurgentes, por meio de amplas campanhas geralmente identifica a ‘campanha de corações
de operações psicológicas, que atendam às e mentes’ – conquistar e manter o apoio da
demandas prioritárias da população local. população doméstica para isolar o insurreto
Sendo o apoio da população o verdadeiro – como a chave para o êxito. Por isso, percebe
centro de gravidade dos conflitos irregulares, o povo como um instrumento potencialmente
compete ao Estado assenhorar-se desse apoio vantajoso. Além disso, reconhece que as
por meio da ampla aceitação pública de sua operações militares têm que contribuir para
legitimidade. Portanto, todos os esforços a realização deste efeito e ser subordinadas à
empreendidos na COIN devem possuir como campanha política. Isso implica que, acima de
objetivo principal assegurar, respaldar e tudo, uma força de contra-insurreição deverá
fortalecer a legitimidade do poder central. ter duas habilidades que não são necessárias
Orientadas nesse sentido, as forças armadas e na guerra convencional: primeiro, tem de ser
as corporações policiais devem: capaz de visualizar os assuntos e as ações sob a
●●atuar dentro dos limites legais, dispondo, perspectiva da população doméstica; segundo,
para tanto, de um arcabouço jurídico adequado tem que entender o valor relativo de força e como
às ações policiais e à condução das operações a força excessiva, até quando for aparentemente
militares; justificável, poderá facilmente enfraquecer o
●●apresentar conduta ética e, tanto quanto apoio popular.” 7
possível, transparente; Somos, portanto, obrigados a reconhecer que
●●fazer uso limitado da força letal e a legitimidade do Estado e o apoio da população
●●sobretudo, colaborar para que sejam dadas constituem, de fato, as questões centrais da COIN.
respostas eficazes às necessidades básicas, aos Todos os militares e civis envolvidos, direta
anseios e às reivindicações da população local. ou indiretamente, na erradicação de ameaças
Se as forças insurgentes mostraram-se assimétricas devem ter em mente que qualquer
capazes de se desenvolver além de seus estágios ação deverá ser avaliada, necessariamente, sob
iniciais de organização e expansão, tornando-se o prisma da contribuição que prestará para o
uma ameaça factível ao poder do Estado, é fortalecimento da legitimidade do poder central
lícito supor, portanto, que existe um ambiente e para a conquista dos “corações e mentes” da
político-social degradado o bastante para população local.
fomentar a violência coletiva. O poder central
encontra-se, ao menos momentaneamente, em Síntese da Construção do
desvantagem. Dessa forma, para que tenha Pensamento Islâmico Radical
êxito, o Estado, necessariamente, deverá “Por certo, nós fizemos descer o Alcorão e,
formular uma abordagem política e militar por certo, dele somos Custódios.”
integrada, calcada em empreendimentos —–Alcorão 15:9
públicos destinados a atender às demandas
sociais, invalidando o proselitismo radical e o O Islã é uma religião completa, na verdadeira
apelo dos insurretos à luta armada. acepção da palavra. Associá-lo à violência
O Estado só terá vencido quando contar com perpetrada por organizações extremistas,
o apoio ativo da população, deixando os grupos apontando-o como a causa de atentados terroristas
insurretos, permanentemente, isolados dos ou ataques deliberados contra civis inocentes
habitantes locais. Se isso acontecer, as facções seria, no mínimo, injusto e equivocado. O
armadas ainda poderão permanecer ativas, próprio uso do termo “fundamentalismo”,
conservar alguma capacidade operacional que pressupõe uma interpretação literal das
ou desenvolver intensas atividades; contudo, escrituras, é inadequado, pois o que prega o
a partir desse momento, estarão derrotadas, salafismo jihadista internacional é, na verdade,

86 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


GUERRA PSICOLÓGICA

uma leitura maniqueísta


das fontes do Islã, quais
sejam: o Alcorão e a
Hadith (ditos e feitos do
profeta Maomé).
A gênese do proseli­
tismo islâmico radical
tem sua origem no pen­
samento de Ahmed Ibn
Taimiya (1263-1338). No
século XIII, o Império
Abássida, responsável
pela “era de ouro” do
Islã, já apresentava sinais
de decadência. Em 1258,
hordas mongóis conquis­
OTAN

taram e destruíram Bagdá,


sede do califado. Para Ibn Sob a precária lona da UNICEF, crianças afegãs recebem sua educação, fruto do
Taimiya, os mulçumanos trabalho das Equipes de Reconstrução Provinciais da Otan.
tornaram-se os principais
responsáveis pela sua
própria desventura, pois haviam se desviado islâmico independente, regido pela shari’a (a lei
da verdadeira fé, corrompendo a religião de corânica). Nesse contexto, destacaram-se Jamal
Allah. Somente um retorno à doutrina da pri­ al-Din al-Afghâni, Mohamed Abduh, Rashid Rida
meira geração de seguidores do profeta Maomé e Abu al-Ala Mawdudi. Este último, oriundo
(salaf) permitiria recuperar o status quo perdido. da escola conservadora deobandi, fundou, em
Atualmente, igual discurso procura justificar a 1941, a Jamaat-e-Islami, partido político que iria
condição de inferioridade (militar, econômica e desempenhar destacado papel na criação de um
tecnológica) à qual o mundo muçulmano foi sub­ Estado Nacional muçulmano independente da
metido ao confrontar-se com a sanha predatória Índia – o Paquistão.
das potências industriais. Entretanto, a primeira organização a politizar o
No século XVIII, surgiu, na Península Arábica, Islã, na Idade Contemporânea e dentro do contexto
um importante movimento ultratradicionalista neocolonial dos séculos XIX e XX, foi a Irmandade
protagonizado por Mohamed Ibn Abd al Wahhab, Muçulmana (Al-Ikhwan Al-Muslimeen). Fundada,
dedicado a resgatar a pureza primitiva do Islã. em 1928, por Hassan Al-Banna, em Ismailiah,
Assim como Ibn Taimiya, Wahhab era um uma cidade às margens do Canal de Suez, onde
hanbalita, isto é, pertencia à mais conservadora se tornara nítida a exploração dos egípcios pelos
das escolas de jurisprudência sunita. Foi a aliança colonizadores europeus. Ao longo dos anos, a
firmada entre Wahhab e Mohamed ibn Saud que “Irmandade” conseguiu levar sua mensagem
viabilizou o advento do Estado saudita em 1924. universal a outros países do Oriente Médio,
O fundamentalismo apregoado pelo wahhabismo, transcendendo as fronteiras do Egito e, ainda hoje,
cuja difusão pelo mundo muçulmano tem sido exerce grande influência dentro e fora dos círculos
intensamente patrocinada pelos petrodólares fundamentalistas. Militantes da Al Qaeda,
da monarquia saudita, proporcionou uma base como Mohammed Atef e Ayman al-Zawahiri,
teológica adequada ao florescimento de ideias pertenceram à Irmandade Muçulmana. O próprio
ainda mais radicais. Hamas originou-se da filial palestina dos irmãos
Na segunda metade do século XIX, a oposição muçulmanos.
ao neocolonialismo europeu no norte da África, Desde sua origem, a Irmandade Muçulmana
no Oriente Médio, na Índia e no Afeganistão, notabilizou-se pela capacidade de organizar as
fez germinar a ideia de criação de um governo massas e mobilizar jovens descontentes. Ela,

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 87


também, tem demonstrado destacado poder de da Irmandade Muçulmana a outros povos do
penetração em sindicatos e no meio estudantil, Oriente Médio, passaram a ter contato com
obtendo êxito na intensa educação política e grupos extremistas do mundo árabe, o que levou
religiosa – a base de sua força. A “Irmandade” à radicalização da própria organização.
dedicou cerca de uma década à sua estruturação, Entretanto, foi na obra do escritor e educador
mas, naturalmente, não conseguiu fugir do Sayyid Qutb que o discurso fundamentalista
debate interno sobre duas possíveis linhas de ganhou seu tom mais radical. Considerado o grande
ação: convencimento político ou luta armada. ideólogo islamita, Qutb ingressou na Irmandade
No início dos anos 40, surgiram os primeiros Muçulmana no final da década de 40. Sua principal
campos (clandestinos) de treinamento militar. obra, “Marcos do Caminho”, tornou-se a “bíblia”
Pouco depois, iniciavam-se ações de guerra não do islamismo político contemporâneo. Fortemente
convencional. influenciado pelo pensamento deobandi do paquis­
Em 1949, Hassan Al-Banna foi morto pelo tanês Abu Al-Ala Mawdudi, Qutb inseriu, em seus
serviço de segurança egípcio. Entretanto, textos, um virulento ataque contra aquilo que con­
determinados a derrubar o Estado monárquico, os siderava a permissividade degradante da civilização
militantes da Irmandade Muçulmana uniram-se ocidental e “redefiniu” o conceito de jihad, fazendo
aos “Oficiais Livres”, o movimento nacionalista uma apologia cega ao uso da violência em nome de
vigente nas forças armadas de onde emergiu a Deus. SeAl-Banna desenvolveu com êxito o modelo
liderança carismática de Gamal Abdel Nasser. Em islâmico caritativo de mobilização de massas, Qutb
1952, o Rei Faruk foi deposto. A nova república delineou os princípios do obstinado combate subter­
laica atraiu a oposição dos fundamentalistas, râneo islamita. Veremos que o êxito tanto do Hamas
outrora aliados, que advogavam a criação de quanto do Hezbollah se deve à hábil e equilibrada
um Estado islâmico. Uma vez no poder, Nasser combinação do trabalho assistencialista deAl-Banna
rompeu com a “Irmandade” e perseguiu seus com a “guerra santa” clandestina de Qutb.
militantes de forma mais obstinada que a própria Contudo, a ideologia de Qutb permaneceria
monarquia. Isso obrigou muitos dos membros da restrita aos círculos intelectuais superiores. O
organização a deixarem o país. No exílio, esses próprio Ayman al-Zawahiri se vangloriaria do
militantes, além de difundirem a mensagem grau de instrução de seus dedicados militantes,
graduados em medicina e engenharia. Assim,
coube ao xeque palestino Abdallah Yussuf Azzam
(membro da Irmandade Muçulmana), carismático
e apaixonado apologista da resistência afegã contra
a ocupação soviética, popularizar o apelo à jihad.
Se o discurso de Sayyid Qutb era mais adequado
ao perfil do islamita instruído nas universidades do
mundo mulçumano, como a célebre universidade
Foto da Força Aérea dos EUA. Sgt Russell E. Cooley IV.

de Al-Azhar no Egito, a convocação de Azzam ao


martírio nas imponentes montanhas da Ásia Central
era dirigida à imensa massa de desvalidos da umma
(a comunidade islâmica universal).

O Apoio da População na Luta


Contra Israel
“Podem ter certeza que a resistência
continuará e vamos derrotar o inimigo, o sangue
dos nossos mártires não será em vão.”
—–Hassan Nasrallah 8

Uma evacuada fugindo o conflito entre as Forças de


Segurança de Israel as as forças paramilitares de Hezbollah, O Partido de Deus, ou Hezbollah, é uma
27 de julho de 2006. organização fundamentalista xiita, fundada por

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GUERRA PSICOLÓGICA

Abbas Musawi durante a guerra civil libanesa gerados mecanismos de ação e realizada a
(1975-1983). Sob a orientação espiritual de preparação para a luta armada. Com a eclosão
Mohammed Hussein Fadlallah e a liderança da primeira intifada em dezembro de 1987,
carismática de Sayyed Hassan Nasrallah e Imad surgiu o Hamas. Em janeiro de 2006, o Hamas
Fayez Mugniyah, o Hezbollah desempenhou sagrou-se vencedor das eleições para o Conselho
destacado papel na luta contra a permanência Legislativo Palestino, derrotando os nacionalistas
de forças israelenses no sul do país, iniciada em da Fatah.
1982 – fato que lhe conferiu grande prestígio em Não se pode ignorar o fato de que a excessiva
todo o mundo muçulmano. Quando o governo de ênfase dada pelo Estado de Israel ao emprego
Telavive determinou a retirada de suas tropas, de seu poderio bélico convencional contribui
em maio de 2000, a desocupação militar que para a adesão à luta armada dos desafortunados
se seguiu foi vista como uma vitória inédita palestinos e xiitas libaneses. Na verdade,
da tenaz resistência movida pelo Hezbollah. O os paupérrimos campos de refugiados na
Partido de Deus alcançou, por meio da guerra Cisjordânia, na faixa de Gaza e no sul do
irregular, aquilo que nenhum exército nacional ou Líbano representam solos férteis, permeáveis ao
outra organização militante do mundo islâmico proselitismo radical, onde germinam as sementes
fora capaz de realizar, até então. Pela primeira da violência que se perpetua por décadas a fio de
vez, desde 1948, os muçulmanos conseguiram forma ininterrupta. Dentro desse contexto, tanto
forçar os israelenses a cederem território. Após o Hamas quanto Hezbollah têm se notabilizado
a retirada das Forças de Defesa de Israel (FDI), pelos êxitos alcançados junto às suas respectivas
o Hezbollah não declinou da luta armada, bases de apoio popular. Distinguem-se, por
mas reestruturou-se como um partido político exemplo, de organizações como a Jihad Islâmica
legítimo, conquistando assentos no parlamento Palestina, cuja política está calcada, quase
e vencendo 60% das eleições municipais no sul exclusivamente, em ações armadas. A linha de
do país. A organização dispõe de uma vasta rede persuasão adotada pelo Hamas e pelo Hezbollah
de serviços sociais e possui, ainda, a emissora fundamenta-se no intenso uso de ataques
de televisão al-Manar (o farol). Por tudo isso, o idiossincráticos contra Israel combinados com a
Hezbollah conta com o sólido apoio da população ideia de “reformar as almas e iluminar as mentes”
9
xiita – a maior do Líbano. A colaboração formal dos muçulmanos, restituindo-lhes a esperança
dos governos da Síria e do Irã, além de fundos, por meio da restauração da fé islâmica. De acordo
lhe assegura farto suprimento de material bélico, com Khaled Hroub, para quem o trabalho social
o que inclui mísseis e foguetes de curto e médio do Hamas constitui seu recurso estratégico mais
alcances, que têm fustigado incessantemente valioso:
alvos civis em território israelense. “Aos olhos palestinos, o Hamas tem conseguido
O Movimento da Resistência Islâmica (Harakat traçar um caminho paralelo e harmonioso
Muqawama Islamiyya), ou simplesmente tanto em relação ao confronto militar contra a
Hamas, é a maior e mais influente organização ocupação israelense quanto aos trabalhos sociais
fundamentalista palestina. Sua origem remonta voltados para as camadas mais desfavorecidas,
ao ano de 1946, com a criação de uma filial mobilização religiosa e ideológica e relações
palestina da Irmandade Muçulmana em Gaza. públicas com outros Estados e movimentos.
Ainda sem a atual denominação, o movimento (...) Os trabalhos realizados nas camadas
sunita desenvolveu um trabalho lento, porém, menos favorecidas sempre foram a principal
contínuo e metódico de instrução dogmática e característica do Hamas. Seu crescimento
assistência social. Em 1973, com o propósito de incontrolável nos últimos 20 anos e subsequente
coordenar suas atividades políticas, foi criado triunfo sobre as facções palestinas são
pelo famoso Sheikh paraplégico, Ahmed Yassin, atribuídos ao seu sucesso no trabalho social.
o Centro Islâmico que viabilizou, ao longo da Esse trabalho se caracteriza por oferecer a
década de 1970, a expansão de seus quadros educação, saúde e serviços de assistência
e de sua infraestrutura, levando-a também à social estruturados e auxílio aos pobres. Por
Cisjordânia. Nos seis anos seguintes, foram intermédio de poderosas e abrangentes redes

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 89


de caridade – mesquitas, sindicatos, escolas, legítima do Líbano... Esse tipo de ataque
clubes esportivos – a assistência e proteção transformou-se em uma ferramenta eficaz de
do Hamas às pessoas carentes têm sido propaganda, se tornou o símbolo que definiu um
experimentadas pessoalmente por centenas movimento e aqueles que apoiavam suas metas,
de milhares de palestinos. O oferecimento legitimou os membros do Hezbollah como os
desses serviços também foi marcado pela representantes da resistência.” 11
honestidade e transparência, que igualmente Na palestina, produtos que fazem apologia
sempre foi comparado com o desempenho ao martírio, criados especificamente para
corrupto das outras principais facções o público infantil, somam-se à ausência de
palestinas, particularmente a Fatah, que perspectivas que impera no seio da população
controlou a Autoridade Palestina desde 1994. carente e à destruição que se segue às frequentes
A popularidade do Hamas e sua vitória nas retaliações promovidas pelas FDI. Dessa forma,
eleições de 2006 são ao menos parcialmente crianças são ornadas de homem-bomba para o
uma consequência de sua constante dedicação regozijo de seus próprios pais, que almejam,
em ajudar a população carente.” 10 algum dia, vê-las martirizadas nas fileiras da
O pragmatismo demonstrado pelos líderes Izzedin al-Qassam – a ala militar do Hamas.
do Hamas e do Hezbollah os obriga a levar A competência para identificar oportunidades
em conta os resultados psicológicos de de difundir mensagens e ideias-força,
suas ações políticas, sociais e militares, explorando-as com maestria, também pode
produzindo uma abordagem da guerra, não ser ilustrada pelo ataque de foguetes que se
como mero evento político na estrita acepção seguiu ao término da intervenção israelense no
ocidental de Clausewitz, mas, de forma mais Líbano no verão de 2006. Naquela ocasião, as
abrangente, como fenômeno sócio-cultural – FDI lançaram uma ofensiva com o propósito
descrito por Sayyid Qutb como “guerra santa”. explícito de desmantelar a estrutura militar do
Observa-se, por exemplo, que suas operações Hezbollah, destruindo o poderoso arsenal da
de martírio (um eufemismo para atentados organização xiita de Hassan Nasrallah. Quando
suicidas) não são aleatórias. Ao contrário, são a resolução 1701 do Conselho de Segurança das
criteriosamente concebidas e executadas com Nações Unidas estabeleceu um cessar-fogo e
vistas a proporcionar um impacto psicológico determinou a retirada do contingente israelense
muito maior que seus danos físicos imediatos. do território libanês (aproximadamente 10.000
Para o Capitão Daniel Helmer, do Exército dos homens), o Hezbollah desferiu um derradeiro
Estados Unidos: ataque de foguetes contra o solo de Israel.
“As pessoas do Ocidente continuaram a Seu efeito destrutivo e, por conseguinte,
considerar esses eventos como evidência de seus resultados táticos foram irrelevantes.
um fanatismo islâmico sem propósito. Contudo, Entretanto, sua mensagem clara e inequívoca
a decisão do Hezbollah de utilizar ataques ecoou por todo mundo muçulmano, alcançando
suicidas foi tudo, menos irracional... Os líderes objetivos psicológicos no nível estratégico: se a
do Hezbollah identificaram cedo as metas guerra tinha por meta impor uma derrota militar
políticas que queriam realizar no Líbano. ao Hezbollah, os israelenses fracassaram, pois
(...) O Hezbollah empregou os homens-bomba o braço armado da organização sobreviveu ao
em uma série limitada de circunstâncias onde peso da ofensiva inimiga – mais uma vez, todo
planejou tirar mais vantagens. Frequentemente, poderio bélico das FDI foi ineficaz diante da
o uso judicioso da tática evidentemente resultou determinação do Partido de Deus.
na consecução bem-sucedida das metas O pragmatismo do Hezbollah também pôde
político-militares. ser observado, após os intensos bombardeios
(...) O Hezbollah transformou a imagem israelenses de julho de 2006, nos trabalhos de
dos ataques suicidas em paradigmas de reconstrução executados pela ala denominada
resistência... Os profícuos louvores recebidos Jihad al-Bina. De acordo com Erik Claessen:
pelos mártires... inspiraram o reconhecimento “... ‘O governo pode fazer obras em pontes
internacional do Hezbollah como a resistência e estradas, mas quando chega a hora de

90 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


GUERRA PSICOLÓGICA

LUTA PELO APOIO DA POPULAÇÃO


Linha de persuasão ocidental: Linha de persuasão islamita:
“Conquistar Corações & Mentes” “Reformar as Almas & Iluminar as Mentes”
Doutrina britânica – legada da bem-sucedida contra­ Doutrina egípcia – legada da experiência da Irmandade
insurgência britânica na Malásia, durante a década de 1950 Muçulmana na primeira metade do século XX (Hassan
(Generais Harold Briggs e Gerald Templer). Al-Banna).
CG: população civil
Objetivo: conquistar o apoio (ativo e passivo) da população local
A degradação do quadro político, social e econômico gera um ambiente pernicioso, favorável à disseminação do
discurso sectário e à manifestação da violência social (como o banditismo) e/ou da violência política (como o
terrorismo e outras formas de combate irregular).
População local: (situação em que se encontra)
• necessidades básicas não atendidas;
• estado de frustração psicológica;
• quadro de indigência atual;
• ausência de perspectivas futuras; e
• suscetibilidade ao proselitismo radical.
Ênfase na propaganda Ênfase na doutrinação ideológica
Restaurar a esperança, proporcionando melhoria nas
Restaurar a esperança por meio da restauração da fé.
condições de vida da população local.
Operações de informações: • Ações caritativas em todas as áreas e esferas da vida
• operações psicológicas (Psychological Operations - social: educação, saúde, habitação, infraestrutura
Psyc Ops); básica (água, esgoto, luz, coleta de lixo etc.),
• assuntos civis; redistribuição de renda e equidade social.
• cooperação civil-militar (Civilian Military • Trabalho de massa desenvolvido em organizações
Cooperation - CIMIC); filantrópicas, escolas, mesquitas, sindicatos, clubes
• comunicação social, informações públicas, relações esportivos e movimentos sociais.
públicas e divulgação institucional. • Infiltração nos círculos intelectuais e agremiações
estudantis.
• Busca de representatividade política.
Propósito: isolar a população civil das forças irregulares, Propósito: mobilizar todos os segmentos sociais.
deslegitimando o discurso sectário e tornando os
habitantes locais imunes ao proselitismo radical.
Busca deslegitimar o poder central laico
por meio da edificação de hierarquias paralelas e
Busca a legitimação do poder central.
pelo eficaz fornecimento de serviços básicos que deveriam
ser prestados, em tese, pelo próprio Estado.
Pragmatismo político que se traduz em Pragmatismo psicológico que se traduz em
objetivos de campanhas psicológicas. ações políticas, sociais e militares.
No campo militar, produz uma abordagem da guerra como No campo militar, produz uma abordagem da guerra como
fenômeno político (Clausewitz): COIN fenômeno sócio-cultural (Sayyid Qutb): JIHAD
A Barreira Cultural constitui um obstáculo de vulto que
exige um considerável esforço para a sua superação,
acentuando, dentre outros aspectos, a importância A Identidade Cultural opera como um catalisador,
da inteligência etnográfica e a necessidade de prover permitindo a superação de arraigados antagonismos, como
adestramento cultural à tropa empregada na contra­ a histórica divergência entre sunitas e xiitas, por exemplo.
insurgência.

Exemplo: esforços despendidos pelas tropas norte­ Exemplo: Hamas (sunita palestino) e Hezbollah (xiita
americanas desdobradas no Iraque. libanês).

Tabela 1 – quadro resumo

MILITARY REVIEW  Janeiro-Fevereiro 2010 91


reconstruir casas, o Hezbollah desempenha uma tarefa mais difícil e complexa. Assim sendo,
um grande papel’. Embora obras em estradas constitui um grave erro supor que a vitória na
e pontes produzam mais para a restauração luta por “corações e mentes” possa ser obtida por
de uma economia independente e aumento da meio da farta disseminação de cartazes, doces
autossuficiência que o conserto de casas é este e sorrisos. Operações psicológicas não podem,
último que proporciona o apoio popular. Os jamais, ser confundidas com mera panfletagem.
ocidentais sempre tentam reduzir a dependência Nesse mesmo sentido, é um equívoco acreditar
do povo de assistência, enquanto as insurgências que uma competente agência civil de propaganda
jihadistas enfocam sua linha de operações e marketing seja, por si só, capaz de atender ao
logísticas de serviços básicos no fornecimento vasto repertório de ações necessárias para cooptar
de assistência diretamente ao povo. Como o apoio ativo e/ou passivo das massas.
resultado, frequentemente as pessoas consideram Uma comparação sumária entre os preceitos
ocidentais indiretos e frios, por isso eles que norteiam a doutrina ocidental de “corações e
associam as insurgências jihadistas com calor mentes” e os métodos bem-sucedidos aplicados
humano e conforto. Além do mais, a dependência pelo Hamas e pelo Hezbollah na guerra contra
contínua do público à assistência prestada pela Israel nos permitiu refletir sobre a complexidade
insurgência jihadista é uma vantagem e não uma da luta pelo apoio da população nos conflitos
desvantagem.” 12 do século XXI. Ambas as linhas de persuasão
Dessa forma, Hamas e Hezbollah têm, ao tiveram, ao longo das últimas décadas, sua
longo das três últimas décadas, logrado arrebatar eficácia testada, atendendo adequadamente a
o apoio da população que lhes é tão caro. Seus seus propósitos. Portanto, o cerne do problema
êxitos, que podem ser mensurados até mesmo para futuros desdobramentos de tropas consiste
pelo processo eleitoral, respaldam a proficiência em tornar factíveis essas ideias, colocando-as
de seus métodos e se fazem merecedores da efetivamente em prática. No combate moderno, a
atenção de todos os profissionais militares batalha decisiva será travada na “estreita faixa do
do século XXI, sobretudo porque a linha de terreno compreendida entre os ouvidos do público­
persuasão islamita, de fato, distingue-se da alvo” – um tipo de “terreno” que se mostra muito
concepção ocidental de “corações e mentes”, pouco tolerante ao erro. Contudo, até mesmo
conforme sintetiza a tabela 1. lá, constata-se que a guerra continua sendo um
confronto de vontades, que rejeita o empirismo
Conclusão e a superficialidade, porquanto exige habilidade,
Desde o término da Segunda Guerra Mundial, competência e rígido profissionalismo.MR
em 1945, a importância atribuída ao apoio da
população vem aumentando consideravelmente.
Analistas creem que, nos conflitos do século XXI, REFERÊNCIAS
a postura, as tendências e as suscetibilidades 1. CLAUSEWITZ, Carl Von., “Da Guerra”, Martins Fontes, 1979, p. 75.
dos diversos públicos-alvo existentes dentro e 2. CLAUSEWITZ, Carl Von., Ibid, p. 91.
3. CLAUSEWITZ, Carl Von., Ibid, p. 93.
fora de uma área conflagrada ou de um teatro 4. CLAUSEWITZ, Carl Von., Ibid, p. 91.
de guerra continuarão a desempenhar um papel 5. Citado por FULLER, J. F. C., “A Conduta da Guerra”, Bibliex, 1966, p. 75.
6. BEVIN, Alexander, “A Guerra do Futuro”, Bibliex, 1999, p. 166.
decisivo. As campanhas militares hoje em curso 7. AYLWIN-FOSTER, Nigel, “Mudar o Exército para as Operações de
no Oriente Médio e na Ásia Central corroboram Contra-Insurreição”, Military Review, Março - Abril 2006, Ed. Brasileira, p. 21.
8. Discurso proferido durante o funeral de Imad Fayez Mugniyah (líder da
essa assertiva. ala militar do Hezbollah), Agência BBC Brasil.Com, 14 de fevereiro de 2008,
A ascensão dos órgãos de imprensa, a www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc.
9. GARCÍA, Leopoldo G, “El Islan Moderno. Las Fuentes II”, Revista
onipresença da mídia, a universalização da Ejército, Junio 2005, número extraorinario 771, p. 59.
informação digital, o acesso irrestrito aos meios 10. HROUB, Khaled, “Hamas - Um Guia Para Iniciantes”, Difel, 2006,
pp. 8 e 102
de comunicação de massa, o fortalecimento 11. HELMER, Daniel, “O Emprego de Terroristas Suicidas pelo Hezbollah
Durante a Década de 80: Desenvolvimento Teológico, Político e Operacional de
de identidades culturais locais, a pressão uma Nova Tática”, Military Review, Novembro - Dezembro 2006, Ed. Brasileira,
demográfica e a atuação cada vez mais expressiva pp. 67, 68, 70 e 72.
12. CLAESSEN, A. Erik, “Serviços Imprescindíveis e Sangue: A Importância
de atores não-estatais contribuem para tornar, dia dos Serviços Básicos na Batalha entre Insurgentes e Contra-Insurgentes”, Military
após dia, o desafio de angariar o apoio popular Review, Julho - Agosto 2008, Ed. Brasileira, p. 68.

92 Janeiro-Fevereiro 2010  MILITARY REVIEW


O Coronel Messen recebe um certificado de apreciação por serviços rendidos do Sr. Dale A. Ormond, Assistente do
Comandante General do Centro de Armas Combinadas do Exército dos EUA no Forte Leavenworth.

O coronel Mario Andres Messen Cañas Desde dezembro de 2010, o coronel Messen
retorna ao Chile após cumprir sua missão como passou a exercer as funções de Diretor
Oficial de Ligação do Exército Chileno junto ao da Escola Militar do “Libertador Capitán
Centro de Armas Combinadas do Exército dos General Bernardo O’Higgins Riquelme”,
EUA e Redator-Assessor da Military Review, no Exército Chileno. Esperamos que sua
no Forte Leavenworth, Kansas. experiência no Forte Leavenworth tenha
Durante os dois anos que conviveu conosco, sido compensadora, tanto do ponto de vista
o cel Messen evidenciou um elevado grau de profissional como pessoal.
profissionalismo e dedicação, bem como as A equipe da Military Review — militares
qualidades de cidadão e de soldado. Dotado de e civis —, e em particular a Edição Hispano-
uma grande experiência profissional e cultural, Americana, aproveita esta oportunidade para
sua contribuição foi de valor inestimável para agradecer a sua dedicada e valorosa colabora­
elevar o conceito da Military Review. ção, formulando-lhe os mais sinceros votos de
Sua personalidade ímpar tornou-o um grande pleno êxito e de felicidades no desempenho de
diplomata ao se relacionar com os representantes suas novas e importantes funções no Exército
de outros exércitos, com os quais teve a Chileno, extensivos à sua digníssima esposa
oportunidade de trabalhar durante a sua missão. e filhos.
JANEIRO-FEVEREIRO 2010
EDIÇÃO BRASILEIRA JANEIRO-FEVEREIRO 2010

http://militaryreview.army.mil
(Exército dos EUA, Sgt Teddy Wade)

Soldados do 3º Regimento de Infantaria, da Guarda dos Mais Antigos, formados durante uma parada dos Sargentos, no Forte Mayer, Virginia,
em 19 de maio de 2009.

EDIÇÃO BRASILEIRA

CENTRO DE ARMAS COMBINADAS, FORTE LEAVENWORTH, KANSAS

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