Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
EPIDEMIOLOGIA
DESCRITIVA APLICADA À
VIGILÂNCIA EM SAÚDE
FICHA TÉCNICA
EQUIPE DO PROGRAMA DE FORTALECIMENTO DA EPIDEMIOLOGIA NOS SERVIÇOS
DE SAÚDE – PROFEPI
SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE E AMBIENTE/MINISTÉRIO DA SAÚDE/ BRASIL
Coordenação Geral
Ethel Leonor Noia Maciel –Secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente/SVSA/MS
Pedro Eduardo Almeida da Silva – Diretor do Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde
e Ambiente/Daevs/SVSA/MS
Guilherme Loureiro Werneck – Coordenador Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia nos Serviços/
CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Equipe Técnica
Maryane Oliveira Campos – Coordenação Executiva e revisora técnica – CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Lúcia Rolim Santana de Freitas – Colaboradora e revisora técnica – CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Sarah Yasmin Lucena Gomes – Colaboradora e revisora técnica – CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Sheyla Maria Araújo Leite –Colaboradora – CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Carla Tatiana Miyuki Igarashi – Colaboradora – CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Equipe Pedagógica
Sandhi Maria Barreto – Professor e conteudista, docente da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Luana Giatti Gonçalves – Professor e conteudista, docente da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Lidyane do Valle Camelo – Professor e conteudista, docente da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Carolina Gomes Coelho – Professor e conteudista, docente da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Tatiane Leite e Amanda Quadros – Coordenação Pedagógica – CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Coordenação Geral
Socorro Gross – Representante da OPAS/OMS no Brasil
Sebastian Garcia Saiso – Diretor do Departamento de Evidência e Inteligência para Ação em Saúde (EIH) da
OPAS/OMS, com sede em Washington D.C.
Equipe Técnica
Juan Cortez-Escalante – Coordenação executiva e revisor técnico – Consultor Nacional da Unidade Técnica
de Vigilância, preparação e resposta à emergências e desastres/OPAS/OMS
Equipe Pedagógica
Mônica Diniz Durães – Colaboradora – Consultora Nacional de Capacidades Humanas para a Saúde/OPAS/OMS
INTRODUÇÃO..................................................................................................................................04
O CURSO.............................................................................................................................................. 06
INTRODUÇÃO
A epidemiologia estuda a dinâmica da saúde em
populações, dispondo de um arsenal conceitu-
al e técnico amplo e essencial para o exercício
qualificado de avaliação em saúde, e para o pla-
nejamento e direcionamento de ações de pre-
venção e controle de doenças e agravos nos três
níveis federados.
4
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Assim, o conteúdo é introduzido gradualmente. Ao final de cada capítulo haverá uma breve
avaliação com a finalidade de verificar a apreensão do conteúdo dado e reforçar os itens
essenciais do aprendizado.
Cada capítulo apresenta um conjunto de informações, conceitos e ferramentas que são im-
portantes para organizar e orientar a busca de conhecimento sobre a saúde de populações
a partir de três dimensões: pessoa, tempo e lugar. Ou seja, discorre sobre como qualificar e
quantificar um agravo ou fenômeno de saúde e conhecer sua distribuição em um município,
estado ou no país a partir da resposta a três perguntas: a) a agravo em estudo afeta igualmente
os subgrupos populacionais definidos por gênero, idade, escolaridade, raça ou cor da pele, por
exemplo? b) a ocorrência desse agravo é constante ou indica variações ao longo do tempo?
e c) o agravo é distribuído desigualmente nas diferentes regiões ou localidades estudadas?
Estas perguntas orientam toda e qualquer análise de um problema de saúde, seja ele novo ou
antigo. A ocorrência de agravos emergentes em saúde, como a covid-19, é um exemplo atual
da importância destas três perguntas para realizar o diagnóstico de um problema, bem como
para direcionar políticas públicas de prevenção e controle do mesmo, e avaliar seus impactos.
5
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
O CURSO
6
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
CAPÍTULO 1
Importância da epidemiologia para os serviços de saúde
Este capítulo tem por objetivo demonstrar como e por que a epidemiologia se tornou essencial
para compreender a dinâmica da ocorrência de doenças e agravos em populações, em especial
para gerar evidências qualificadas e subsidiar a tomada de decisão e a avaliação da saúde em
diferentes níveis. Apresenta também os aspectos éticos que regem a aquisição, manejo e divul-
gação de informações em saúde.
7
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
CAPÍTULO 2
Características do dado epidemiológico e medidas de ocorrência
Este capítulo tem por objetivo caracterizar o dado epidemiológico, as fontes e instrumentos de
obtenção da informação, indicadores de validade e confiabilidade da informação. Apresenta,
diferencia e compara as medidas de ocorrência de doenças e agravos em saúde, tanto absolutas
como relativas, demonstrando suas inter-relações e vantagens.
CAPÍTULO 3
Construção, utilização e análise de indicadores de saúde
Este capítulo demonstra como são construídas e para que servem as medidas de mortalidade e
morbidade. Discute a importância da padronização por idade e sexo para a comparação de taxas
de mortalidade entre diferentes populações ou ao longo do tempo. Finalmente, introduz os
passos que devem orientar uma analise epidemiológica descritiva da ocorrência de um agravo
ou situação de saúde.
8
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Objetivos de aprendizagem: entender a importância das dimensões pessoa, tempo e lugar para
descrever um fenômeno de saúde em populações humanas, e saber construir e utilizar indica-
dores de mortalidade e morbidade para avaliar a situação de saúde de uma localidade.
CAPÍTULO 4
Epidemiologia e Vigilância em Saúde: conceitos, importância e aplicações
Este capítulo apresenta o conceito e os objetivos e discorre sobre a importância da vigilância em
saúde, e como a mesma é organizada no país. Apresenta ainda a diversidade e as especificidades
das estratégias e instrumentos utilizados para realizar a vigilância das doenças transmissíveis,
das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e dos acidentes e violência.
9
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
4.3. Importância da epidemiologia na vigilância das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)
10
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
CAPÍTULO 1
Importância da
Epidemiologia para os
serviços de saúde
11
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A epidemiologia pode ser definida como o estudo da distribuição de eventos relacionados a saúde em
populações incluindo o estudo dos determinantes que influenciam esses processos e a aplicação desse
conhecimento para controlar problemas de saúde (Porta, 2014). Essa definição reflete a origem grega da
palavra epidemiologia: epi “sobre”, demos “população” e logos “estudo”, ou seja, “estudo sobre a população”.
MÉTODO CIENTÍFICO
O método científico consiste em princípios gerais utilizados em todos os campos científicos para a
geração de conhecimento válido e verdadeiro. Envolve várias etapas que iniciam com a observação e
pesquisa detalhada sobre o fenômeno em questão. Essas etapas fornecem elementos que possibili-
tam a criação de hipóteses explicativas que serão testadas por meio de um estudo/experimento. Em
seguida os dados serão analisados e ao final o pesquisador terá informações que permitirá aceitar ou
não a hipótese elaborada. Por fim, esses resultados deverão ser divulgados (Figura 1).
12
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Observação
Conclusões
do relatório
Teste com
experimento
Método
Científico
Analisar
datas Hipotese
Teste com
experimento
13
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Ressalta-se que a análise da distribuição das doenças e agravos nas populações além de permi-
tir caracterizar quem adoece, quando e onde esse adoecimento ocorre, cria importantes pistas
para a identificação de determinantes centrais envolvidos no processo de adoecimento.
PARA REFLETIR
Quais os fatores você acredita que poderiam explicar a distribuição de sífilis adquirida encontrada no Brasil?
FIGURA 2 – Número de casos novos identificados de sífilis adquirida no Brasil por 100.000 habitantes, segun-
do região de residência por ano de diagnóstico. Brasil, 2010 a 2019
120
100
Taxa de detecção x 100.000 habitantes
80
60
40
20
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Ano do diagnós o
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Fonte: Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis 2020. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/
assuntos/media/pdf/2020/outubro/29/BoletimSfilis2020especial.pdf.
14
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
FIGURA 3 – Número de casos novos identificados de sífilis adquirida no Brasil por 100.000 habitantes, segun-
do faixa etária. Brasil, 2010 a 2019
160
140
120
Taxa de detecção x 100.000 habitantes
100
80
60
40
20
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Fonte: Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis 2020. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/
assuntos/media/pdf/2020/outubro/29/BoletimSfilis2020especial.pdf.
15
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Um importante exemplo do uso da epidemiologia para compreensão da etiologia das doenças foi
a descoberta do John Snow (1813-1858) acerca da forma de transmissão da cólera no século XIX
em Londres. John Snow era um anestesiologista inglês, que ficou conhecido por ter anestesiado a
rainha Vitória em um de seus partos. Além de seu pioneirismo no uso do clorofórmio e do éter, ele
tinha um grande interesse pela epidemiologia da cólera. No século XIX o vibrião colérico, bactéria
causadora da cólera, ainda não tinha sido identificado e acreditava-se que essa doença era causada
por exposições aos miasmas, que consistiam em um conjunto de odores fétidos provenientes de
matéria orgânica em putrefação. Entretanto, Snow via essa hipótese de forma muito cética, já que
a cólera não atingia os pulmões dos enfermos e não era mais frequente em populações altamente
expostas aos miasmas, como catadores de lixo (Morabia, 2004; Scliar et al., 2014).
16
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Para investigar esse surto e buscar evidências a favor da hipótese de transmissão hídrica da cólera,
Snow visitou as residências onde houveram óbitos por cólera para perguntar aos moradores sobre a
procedência da água consumida e percebeu que a maioria consumia água retirada de uma bomba de
água específica: a bomba de Broad Street. Isso ficou ainda mais evidente ao representar graficamente
os óbitos em um mapa, o que evidenciou uma concentração desses óbitos nos arredores da bomba
da Broad Street (Figura 4). Após apresentar esses achados para as autoridades locais, foi decidido
desativar a bomba da Broad Street o que levou a uma redução na incidência e na mortalidade por
cólera na região, o que corroborou a hipótese de transmissão hídrica da cólera (Cerda et al. 2007).
Figura 4 – Mapa do surto de cólera na região de Gonden Square realizado com resultados das investigações
de John Snow que evidencia a aglomeração de óbitos por cólera em torno da bomba de Broad Street (A) e
detalhes da região (B)
Fonte: Vinten-Johansen P et al. Cholera, Chloroform, and the Science of Medicine: A Life of John Snow. Oxford University Press, 2003.
17
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Dessa forma, Snow deduziu que se a sua hipótese de transmissão hídrica da cólera estivesse correta,
seria esperado uma menor a taxa de mortalidade por cólera entre indivíduos que recebiam água da
Lambeth Company em comparação àqueles que obtinham água de outras companhias (Morabia, 2004).
Nessa época, Willian Farr, que era Superintendente do Registro Geral de Londres, havia criado um
sistema único e inovador de procedimentos padronizados para a coleta, classificação, análise e no-
tificação das causas das mortes, que foi muito importante para viabilizar a investigação de Snow.
Farr também forneceu os endereços de todos os casos de cólera, o que permitiu Snow ir de casa
em casa para coletar informações sobre a companhia fornecedora de água. Os principais achados
de Snow podem ser vistos na Tabela 1. Enquanto nas casas abastecidas pela Southwark e Vauxhall
Company foi observado uma taxa de mortalidade de 315 por 10.000 casas, nas casas abastecidas
pelas Lambeth Company essa taxa foi de apenas 38 mortes por 10.000 casas (Morabia, 2004; Gordis
2017). Apesar dos resultados dessa investigação não ter provado que a cólera era transmitida por
água contaminada, as evidências fornecidas foram suficientes para que fossem feitas proposição de
melhorias no suprimento de água, tendo um grande impacto no controle da cólera em Londres.
Tabela 1 – Morte por cólera por 10.000 casas, segundo companhia abastecimento de água em Londres 1854
Abastecimento de água Número de casas Mortes por cólera Mortes por 10.000 casas
FONTE: Dados adaptados de SNOW J. On the mode of communication of cholera, 1936 apud Gordis L. Epidemiologia, 5ª Ed. – Rio de
Janeiro – RJ: Thieme Revinter Publicações, 2017[7].
1.1.2.2 Determinar a magnitude dos problemas de saúde da população: análise da situação de saúde
Por meio da análise da situação de saúde conseguimos, por exemplo, identificar que houve no Brasil
uma queda acentuada da mortalidade por doenças transmissíveis no último século em decorrência
do controle de doenças como cólera, doença de Chagas e várias doenças imunopreveníveis.
18
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
PARA REFLETIR
Você saberia traçar as principais características do perfil de saúde do seu município?
Assintomático Assintomáticos e forma leve da doença (81%) Severa (14%) Estado crítico e falecimento(5%)
Fonte: Hu B, Guo H, Zhou P, Shi ZL. Characteristics of SARS-CoV-2 and covid-19. Nat Rev Microbiol. 2021 Mar;19(3):141-154.
19
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Podemos avaliar inclusive o efeito de políticas públicas na saúde das populações. Por exemplo,
será que o aumento da cobertura da estratégia de saúde da família observado no país foi associa-
do a diminuição da mortalidade por doença cardiovascular? A resposta para essa pergunta é SIM!
Hoje sabemos que a municípios com cobertura consolidada da Estratégia de Saúde da Família (≥
70% da população) conseguiram reduzir a mortalidade por doenças cardiovasculares em 18% e
as doenças cerebrovasculares em 21%. Além disso cobertura a Estratégia de Saúde da Família
também foi associada menores taxas de hospitalização por essas doenças (Rasella 2014).
Esse objetivo está estreitamente relacionado aos descritos anteriormente, pois evidências para o de-
senvolvimento de políticas públicas são produzidas justamente por meio dos estudos epidemiológicos
que investigam as causas e história natural das doenças, que permitem a identificação dos principais
problemas de saúde da população e que avaliam as mais diversas medidas preventivas e terapêuticas.
O potente papel dos estudos epidemiológicos para fornecer evidências para o desenvolvimento
de políticas públicas pode ser ilustrado a partir dos achados de um médico e um estatístico
inglês - Richard Doll e Austin Bradford Hill - com relação a associação entre o tabagismo e
o câncer de pulmão. No início do século XX o câncer de pulmão, que era uma doença rara,
começou a aumentar notavelmente tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos. Várias
foram as possíveis hipóteses que poderiam explicar esse aumento como o aumento do número
de automóveis, estradas e fábricas. Entretanto, a partir da década de 1950 os primeiros estudos
epidemiológicos conduzidos pelos epidemiologistas britânicos Richard Doll e Bradford Hill,
incluindo um estudo que acompanhou cerca de 40 mil médicos britânicos, começaram a de-
mostrar uma forte associação entre o tabagismo e câncer de pulmão (Figura 5). Posteriormente,
essa relação acabou sendo comprovada por diversos outros estudos.
20
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Os resultados das pesquisas conduzidas por Richard Doll e Austin Bradford Hill subsidiaram
a publicação do relatório “Tabagismo e Saúde” (“Smoking and Health”) pelo Royal College of
Physicians of London em 1962 em que foram apresentados evidências epidemiológicas con-
tundentes para os danos causados pelo fumo com objetivo de orientar os médicos e uma série
de recomendações de medidas de saúde pública para prevenir tanto a iniciação do tabagismo,
quanto promover sua cessação entre aqueles que fumavam. As estratégias populacionais de
prevenção do tabagismo aprimoraram com o tempo, incluindo restrição de publicidade; maior
tributação; restrições à venda para crianças e ao fumo em locais públicos; informações sobre o
teor de alcatrão e nicotina entre outras (Figura 6).
Figura 6 – Taxa de mortalidade por câncer de pulmão (por mil) de acordo com o número médio de cigarros
fumados por dia entre médicos britânicos, 1951-1961
Taxax 1.000 nascidos vivos
Fonte: Bonita R, et al. Epidemiologia básica . 2.ed. São Paulo, Santos. 2010.
Figura 7 – Relatório elaborado pelo Royal College of Physicians of London com base nos resultados dos
estudos conduzidos por Richard Doll e Austin Bradford Hill
21
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
O Brasil começou a implementar políticas como as sugeridas por esse relatório partir de 1989
e desde então vem conduzindo importantes políticas públicas com o objetivo de aumentar
os impostos sobre os cigarros, exigir advertências nas embalagens de cigarros, proibição de
propagandas de cigarro e proibição do tabagismo em locais de uso coletivo. Como fruto dessas
políticas, a frequência de tabagismo da população brasileira caiu drasticamente (Figura 7), o
que tornou o Brasil uma referência mundial no combate ao tabagismo.
Figura 8 – Prevalência de tabagismo para indivíduos com 18 anos ou mais e as ações de controle do tabaco
no Brasil, 1989–2010
Prevalência
Advertências Advertências
Sanitárias, Sanitárias
Restrições de Mais Fortes,
Publicidade, Restrições de
Leis Antifumo Publicidade e
e Aumentos Suporte Para
de Preço – Tratamento de
Primeiro
1996 Cessação –
Imposto
Específico 2000-2001
de Tabagismo
Sobre Aumento de
Cigarros – Impostos
1990 Sobre
Cigarros –
2006
Lei de Acesso
dos Jovens –
1998
Aumento de
Impostos
Sobre Leis Antifumo
Cigarros – Nas Cidades –
2013 2007-2009
Fonte. Levy D, Almeida LM, Szklo A. The Brazil SimSmoke policy simulation model: the effect of strong tobacco control policies on
smoking prevalence and smoking-attributable deaths in a middle income nation. PLoS Med. 2012;9(11):e1001336.
Alguns autores indicam que a Epidemiologia nasceu com Hipócrates na Grécia antiga há mais de
2500 anos, pois ele foi pioneiro em relacionar o contexto (social, de moradia, de trabalho, etc)
com o adoecimento, antecipando de certa forma o raciocínio epidemiológico. Porém, a epide-
miologia apenas surge como disciplina científica no final do século XVII, quando começaram a
ser coletados, analisados e interpretados dados populacionais sobre as causas de morte.
22
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Um marco importante para a epidemiologia foi a publicação do livro de John Graunt “The na-
ture and political observations made upon de bills of mortality” (“A natureza e as observações
políticas feitas nas contas de mortalidade”) em 1662 em Londres. O conteúdo desse livro de-
monstrou de forma inédita a existência de padrões, regularidade e previsibilidade no número
de nascimentos, óbitos totais e segundo grupos de causas ao longo dos anos. Tais observações
eram inéditas na época já que a nível individual o nascimento e a morte consistem em eventos
completamente imprevisíveis. Foi a partir da análise desses padrões que se percebeu que o
conhecimento produzido pela observação dos fenômenos de saúde em populações ia muito
além daquele derivado do exame a nível individual. Por exemplo, a previsibilidade do número
de óbitos e suas causas ao longo do tempo permitia a identificação da ocorrência de surtos de
doenças fatais, ou seja, a identificação de mortes que ocorriam além do esperado para aquela
causa naquele local e período. Dessa forma, pela primeira vez percebeu-se que as populações
são muito mais do que agregados de indivíduos e cada grupo populacional acaba sendo uma
“entidade própria” (Morabia 2004; Morabia 2013). Assim surge o pensamento populacional que
é a base da epidemiologia moderna.
1.1.4 Conclusão
A epidemiologia é uma ferramenta essencial para fornecer evidências para prevenir e controlar
problemas de saúde, pois reúne uma base metodológica robusta para a realização de investi-
gações que permitem identificar, entre outras coisas, causas e história natural das doenças, os
problemas de saúde mais frequentes na população e eficácia de medidas preventivas e terapêu-
ticas. Dessa forma, a epidemiologia tem valor inestimável para a produção de evidências cienti-
ficas que podem guiar a proposição de políticas públicas, o cuidado em saúde e o planejamento
e avaliação do desempenho dos serviços de saúde.
23
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bonita R, et al. Epidemiologia básica. 2.ed. São Paulo, Santos. 2010.
Cerda L, Jaime, & Valdivia C, Gonzalo. (2007). John Snow, la epidemia de cólera y el nacimiento de
la epidemiología moderna. Revista chilena de infectologia. 2007; 24(4), 331-334.
Gordis L. Epidemiologia, 5ª Ed. – Rio de Janeiro – RJ: Thieme Revinter Publicações, 2017.
Hu B, Guo H, Zhou P, Shi ZL. Characteristics of SARS-CoV-2 and covid-19. Nat Rev Microbiol. 2021
Mar;19(3):141-154.
Levy D, Almeida LM, Szklo A. The Brazil SimSmoke policy simulation model: the effect of strong
tobacco control policies on smoking prevalence and smoking-attributable deaths in a middle income
nation. PLoS Med. 2012;9(11):e1001336
Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis 2020. Brasília, 2020. Disponível em: https://
www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/media/pdf/2020/outubro/29/BoletimSfilis2020especial.pdf
Olliaro P, Els Torreele E, Vaillant M. Covid-19 vaccine efficacy and effectiveness-the elephant (not)
in the room. Lancet Microbe. 2021 Jul;2(7):e279-e280
Porta M. Dictionary of epidemiology. 6°ed. New York: Oxford University Press; 2014. p. 95.
Rasella D, Harhay MO, Pamponet ML, Aquino R, Barreto ML. Impact of primary health care on
mortality from heart and cerebrovascular diseases in Brazil: a nationwide analysis of longitudinal
data. BMJ. 2014 Jul 3;349:g4014.
Royal College of Physicians. Smoking and Health: a report by the tobacco advisory group of the
Royal College of Physicians on smoking in realtion to cancer of the lung and other diseases. London,
RCP. 1962. Disponivel em: file:///C:/Users/Samsung/Downloads/smoking-and-health-1962_1%20
(1).pdf
Vinten-Johansen P et al. Cholera, Chloroform, and the Science of Medicine: A Life of John Snow.
Oxford University Press, 2003.
24
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
1.2.1 Introdução
Discutimos na aula anterior que um dos principais objetivos da epidemiologia é fornecer evi-
dências para prevenir e controlar problemas de saúde das populações. Consequentemente, os
conhecimentos obtidos a partir de investigações epidemiológicos conseguem atingir seu valor
integral apenas quando são traduzidos em políticas públicas comprometidas com a promoção,
prevenção ou recuperação da saúde das populações.
A política pública pode ser entendida como uma resposta do Estado diante de um problema vi-
vido ou manifestado pela sociedade e sabemos que o sucesso dessa resposta está diretamente
relacionado à compreensão das causas do problema a ser objeto de ação política. A implemen-
tação de uma política pública também precisa considerar o efeito esperado dessa política para
responder tal problema (Marques, 2013).
2) ambas precisam considerar que um problema tem múltiplos determinantes que devem ser
focos de intervenção para alcançar a redução ou controle desse problema nas populações.
No caso de uma política pública na área da saúde esse problema será sempre um problema de
saúde pública que precisará ser respondido para garantir a melhoria da saúde e das condições
de vida da população. Mas qual deve ser o foco dessa política de saúde? Onde exatamente
o Estado precisa atuar para se obter maiores ganhos em saúde da população? Esta aula foi
planejada justamente para discutirmos as possíveis respostas para essas questões.
25
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Conhecer a historia natural de uma doença é fundamental para a definição de políticas e ações de preven-
ção, pois melhorar as condições de saúde de uma população implica necessariamente em influenciar a
historia natural da doença prevenindo a sua ocorrência ou atrasando ao máximo seu inicio e diminuindo
o potencial de gerar incapacidades e/ou óbito.
Muitas vezes as repercussões negativas de uma exposição no organismo podem ser reparadas
antes que a doença ocorra. Um exemplo disso é o colesterol elevado que é um importante fator
de risco para doença arterial coronariana, mas que seus níveis podem ser controlados antes de
chegar a causar a doença. Adicionalmente, é possível também que o efeito da exposição seja
rapidamente contido pelos mecanismos de defesa do organismo levando ao não desenvolvi-
mento da doença ou gerando uma doença com manifestação clínica leve. Sabemos que pessoas
bem nutridas tem maior capacidade de defesa mediante a exposição a um agravo. Por fim, a
exposição pode levar ao desenvolvimento da doença que poderá progredir até resultar em cura,
incapacidade e, eventualmente, ao óbito (Figura 1).
26
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Mas por que uma mesma exposição pode causar desfechos tão diferentes entre os indivíduos?
Uma vez que o início biológico da doença surge em consequência da exposição, começam a
surgir mudanças patológicas no organismo sem que o indivíduo perceba, já que nesse momento
a doença ainda está assintomática (Figura 1). Esse estágio é denominado de fase subclínica ou
fase pré-clínica da doença e se estende desde o início biológico da doença até o início dos pri-
meiros sintomas. Esse período também é conhecido como período de incubação para doenças
infecciosas e período de latência para doenças crônicas. A duração desse período pode variar
consideravelmente. Por exemplo, enquanto o período de incubação de uma gastroenterite viral
pode ser de horas, o período de latência para o diabetes pode levar vários anos. Mesmo entre
indivíduos com a mesma doença esse período pode variar. Por exemplo, o tempo de incubação
do sarampo varia de 7 a 21 dias e da covid-19 varia de 1 a 14 dias (Brasil, 2019).
A fase clínica da doença inicia quando aparecem os primeiros sintomas, período no qual a maior
parte dos diagnósticos ocorrem (Figura 1). Ressalta-se que uma mesma doença possui diversos
sinais, sintomas e gravidade. Essa variação é denominada de espectro da doença. Dessa forma,
é possível que alguns indivíduos se mantenham assintomáticos, outros apresentem sintomas
leves, enquanto alguns indivíduos tem manifestações graves com grande risco de óbito. A covid-19
é um exemplo de doença que possui um amplo espectro de apresentação, desde casos assin-
tomáticos até casos graves e fatais. Por fim, a história natural da doença termina com a cura, a
invalidez ou morte (Figura 1).
27
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
O conceito da história natural da doença passa pela ideia de que os indivíduos nascem saudáveis,
mas à medida que eles vão envelhecendo passam a acumular diferentes exposições que progres-
sivamente irão aumentar a suscetibilidade desses à ocorrência de doenças que, eventualmente,
podem levar ao óbito. A Figura 2 ilustra esse processo ao demostrar esquematicamente a história
natural da doença coronariana em um indivíduo. Podemos verificar que as exposições começam
a aparecer ainda na infância (ex. privação socioeconômica, dieta não saudável, sedentarismo) e
nesse início o efeito dessas exposições não leva a um aumento importante da suscetibilidade
do indivíduo. Entretanto, à medida que o tempo passa o acúmulo das exposições aumenta a
suscetibilidade individual a ponto de desencadear o estágio subclínico da doença. Com o avançar
da idade, a suscetibilidade aumenta ainda mais desencadeando um evento clínico pela primeira
vez: um infarto agudo do miocárdio. Em seguida, o indivíduo se recupera desse evento, mas sua
suscetibilidade fica ainda mais reduzida devido ao evento. Como as exposições continuam se
acumulando, há uma recorrência do infarto que leva o indivíduo ao óbito.
Morte
Recorrência
e morte
A doença e a primeira
manifestação podem ser
diagnosticadas aqui,
exemplo im (infarto do
miocádio)
As causas começam a
exercer sua influência aqui
Fonte: Bhopal RS. Concepts of Epidemiology: Integrating the ideas, theories, principles, and methods of epidemiology. 3th edition.
Oxford University Press, 2016
Ressalta-se história natural da doença não deve ser considerado como sinônimo de história
biológica da doença, pois sabemos que o curso de uma doença não é determinado apenas por
fenômenos biológicos, mas depende em grande medida do contexto socioambiental, cultural
e político. Por exemplo, viver em um país com um sistema de saúde universal como o SUS
aumenta a probabilidade de busca por serviços de saúde, o que pode levar ao diagnóstico pre-
coce da doença resultando em melhor curso da doença nessa população. Por isto, conhecer
a história natural de uma doença é fundamental para a definição de políticas e ações de pre-
venção, pois melhorar as condições de saúde de uma população implica necessariamente em
influenciar a história natural da doença prevenindo a sua ocorrência ou atrasando ao máximo
28
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
seu início e diminuindo o potencial de gerar incapacidades e/ou óbito. A Figura 3 ilustra esse
processo ao demostrar a história natural da doença sem medidas preventivas (passado), com
a implementação de medidas preventivas que temos conhecimento atualmente (presente) e
com a instauração de novas medidas preventivas ainda não disponíveis (futuro). Como pode
ser visto, a incorporação de novas medidas preventivas tende a retardar o adoecimento e,
consequentemente o óbito, prolongando o tempo de vida com saúde.
Ações de Prevenção
Óbito
Saudável
Criança Adolescente Adulto Idoso Muito idoso
Fonte: Figura adaptada de Bhopal RS. Concepts of Epidemiology: Integrating the ideas, theories, principles, and methods of epidemio-
logy. 3th edition. Oxford University Press, 2016.
A história natural das doenças nos indica a existência de diferentes períodos no curso da doença
em que é possível agir por meio de medidas preventivas para reduzir a ocorrência da doença
ou minimizar o impacto da doença retardando seu progresso. Tal análise permite distinguir
quatro diferentes níveis de prevenção denominados de prevenção primária, secundária, terciária
e quaternária. Vamos discutir detalhadamente cada um desses níveis a seguir.
O objetivo da prevenção primária é evitar a ocorrência das doenças e envolve ações destina-
das a remover causas e fatores de risco dessa doença antes do seu desenvolvimento (Figura
4). Essas iniciativas evolvem tanto ações que previnem a iniciação de uma exposição, quanto
29
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
estímulos para cessação dessa exposição ou estratégias que neutralizam o efeito da exposição
(ex. imunização de doenças).
Fonte: Szklo M. História natural das doenças e níveis de aplicação de medidas preventivas. Rio de Janeiro, 2004. Apresentação em
Power Point apud Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do
câncer / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; organização Mario Jorge Sobreira da Silva. – 4. ed. rev. atual. – Rio
de Janeiro: Inca, 2018.
A prevenção secundária tem por objetivo detectar precocemente a doença, antes do indivíduo
apresentar sinais e sintomas, ou seja, na fase subclínica da doença (Figura 4). Pretende-se com
isso, instaurar o tratamento mais rapidamente com o intuito de controlar a doença e minimizar
a incapacidade relacionada. Os exames de rastreamento de doenças, como câncer de colo de
útero e mama, consistem em bons exemplos de ações de prevenção secundária.
30
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
normalmente é organizado por sistemas nacionais de saúde, como SUS, que irão fornecer, além
do diagnóstico, todo o tratamento necessário, visto que não faz sentido diagnosticar precoce-
mente uma doença se o indivíduo não terá acesso ao tratamento. Destaca-se que a finalidade
de qualquer tipo de rastreamento é a redução da morbimortalidade pela doença. Logo, medidas
de prevenção secundária pressupõe que o inicio precoce do tratamento é mais efetivo, ou seja,
resulta em ganhos em sobrevida e qualidade de vida quando comparado ao tratamento iniciado
na fase clínica da doença, ou seja, após o aparecimento de sinais e sintomas.
A prevenção terciária é caracterizada por ações a nível individual ou populacional que visam
amenizar o impacto da doença ao longo prazo prevenindo complicações e sofrimento nos indiví-
duos que já desenvolveram a doença em sua forma clínica (Figura 4). Dessa forma, visa diminuir
os prejuízos funcionais consequentes de uma doença, incluindo ações com foco na reabilitação.
A prevenção quaternária tem por objetivo evitar danos associado às intervenções diag-
nósticas e terapêuticas desnecessárias. Incluem também a identificação de indivíduos e
grupos em risco de sobrediagnóstico ou medicação excessiva. Consequentemente, as ações
de prevenção quaternária visam diminuir a probabilidade do tratamento médico ser uma
fonte de doenças, efeitos adversos e complicações.
Por exemplo, a indicação de medicamentos sem eficácia comprovada para uma doença é
uma prática que deve ser combatida visando a prevenção quaternária, visto que além do
medicamento não tratar a doença em questão, seu uso expõe os indivíduos ao risco de
efeitos colaterais que podem ser graves.
31
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A história natural das doenças também é fortemente influenciada pelo contexto social,
cultural, político e histórico de cada indivíduo. Consequentemente, qualquer medida pre-
ventiva que considere apenas as exposições individuais de forma descontextualizada tende
a ser ineficaz. Hoje sabemos que os determinantes da saúde atuam em distintos níveis e
variam desde características proximais e individuais como herança genética, idade e sexo
até os determinantes sociais mais distais que englobam as condições do ambiente em que
o indivíduo nasce, cresce, vive, trabalha e envelhece.
(LEI 8.080/1.990)
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.
Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação,
a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte,
o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a
organização social e econômica do País.
Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como
determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso
aos bens e serviços essenciais.
O Modelo dos Determinantes Sociais de Dahgren e Whitehead ilustra bem esses diferentes
níveis de determinação ao caracterizar os determinantes sociais em camadas ao redor das
características individuais não modificáveis como pode ser visualizado na Figura 4. Neste
modelo, a camada mais externa diz respeito as condições socioeconômicas, culturais e am-
bientais gerais e, dessa forma, são os determinantes de saúde mais distais aos indivíduos. Os
determinantes dessa camada exercem uma enorme influência sobre as demais, já que eles
32
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
irão ditar as condições de vida e trabalho dos indivíduos, que consiste nos determinantes da
camada seguinte, que por sua vez irão gerar diferenciais de exposições e vulnerabilidades
a diversas doenças e agravos como ilustrado na Figura 4. A terceira camada consiste nas
redes sociais comunitárias que expressam os tipos de vínculos entre os indivíduos do grupo
social e que também influenciam o processo saúde-doença.
Em seguida está a camada de estilo de vida dos indivíduos que expressam os comportamen-
tos adotados por cada um de nós. Essa camada ao contrário do que pode parecer não consiste
em escolhas individuais, já que os comportamentos se estabelecem como resultado de uma
interação entre os determinantes sociais mais distais (camadas anteriores) e as características
individuais. Por exemplo, todos sabemos hoje em dia que fazer atividade física faz bem para
a saúde, entretanto nem todos nós temos condições de aderir a essa prática. Uma pessoa
que trabalha 44 horas semanais e gasta 4 horas do seu dia no trajeto de ida e volta para o
trabalho, que precisa cuidar da casa e família e, além disso, mora em uma vizinhança sem
locais apropriados e seguros para fazer atividade física terá uma probabilidade de fazer ativi-
dade física pequena, mesmo desejando se engajar neste hábito. Portanto, podemos dizer que
todas as nossas “escolhas” são socialmente determinadas e, por isso, a camada do modelo de
Dahgren e Whitehead de estilos de vida também faz parte dos determinantes sociais.
Por fim no centro no modelo estão as características individuais que também exercem influ-
ência sobre o risco de adoecer isoladamente e ao interagir com as demais camadas do modelo.
Fonte: Adaptado de Dahlgren G, Whitehead M. Policies and Strategies to promote social equity in health. Stockholm: Institute for
Future Studies; 1991.
33
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Considerando tudo que discutimos até aqui, agora seria bom voltarmos para uma pergunta que
fizemos no início desta aula a respeito do planejamento e execução de políticas públicas de saúde
que foi a seguinte:
PARA REFLETIR
Onde o Estado precisa atuar para obter maiores ganhos em saúde da população?
Para responder essa pergunta, precisamos discutir dois tipos de enfoque possíveis para o estabeleci-
mento de medidas preventivas: a estratégia individual de alto risco e a estratégia populacional.
34
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
em conjunto por uma pequena porção do total de casos dessa doença, já que são minoria na po-
pulação. Logo ao fazermos prevenção apenas nos indivíduos de alto risco, estaremos deixando de
fora da intervenção a maior parte da população, que também está submetida ao risco de adoecer
e que irá gerar o maior percentual de casos da doença em questão.
Figura 6 – Abordagem de alto risco ilustrada considerando a relação entre níveis de pressão arterial e risco para
doença cerebrovascular (A) e distribuição dos níveis de pressão arterial na população (B)
(A) (B)
140 mmHg
140 mmHg
Mas que tipo de intervenção então seria necessária para prevenir a doença cerebrovascular em
toda a população? A resposta a essa pergunta remete a estratégia populacional de prevenção
proposta pelo epidemiologista inglês Geoffrey Rose (Rose, 1985). Segundo essa abordagem, se
quisermos prevenir a ocorrência de doença cerebrovascular em toda a população precisaríamos
realizar intervenções com o objetivo reduzir a pressão arterial de todos os indivíduos, inde-
pendente de pertencer ou não ao grupo de alto risco. Ou seja, devemos intervir na população
como um todo para mover para a esquerda toda a curva da distribuição da pressão arterial,
diminuindo a média da pressão arterial do conjunto de indivíduos da população (Figura 6).
Essa mudança beneficiaria toda a população e causaria também uma diminuição no número
de indivíduos no grupo de alto risco (Figura 6).
Para deslocar toda a curva de um fator de risco, como pressão arterial, para a esquerda é
necessário estabelecer ações com o potencial de modificar características do contexto de vida
(seja características sociais, econômicas, culturais, ambientais, etc.) que estão relacionadas
ao aumento do risco de adoecer. São esses fatores contextuais que explicam porque algumas
sociedades são mais saudáveis que as outras. Por exemplo, a redução da concentração de
sódio em alimentos industrializados e no pão francês afeta toda a população e concorre
para reduzir os níveis pressóricos no conjunto dos indivíduos. A estratégia populacional de
prevenção visa também diminuir as desigualdades de oportunidades para aumentar as pos-
35
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Intervenção populacional
140 mmHg
Podemos ilustrar esse tipo de abordagem a partir do problema crescente na sociedade atual:
a obesidade. A Figura 6 ilustra diferentes exemplos de intervenções que podem auxiliar na
prevenção da obesidade na população a níveis mais distais, como a sociedade e a vizinhança,
que são exemplos de ações da estratégia populacional até ações que utilizam a estratégia
individual (proximal).
36
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Distal
Reduzir o desemprego
Acordos com a indústria para reduzir as gorduras/açúcar dos alimentos processados Sociedade
Política intersetorial para reduzir preços de alimentos in natura
Esse exemplo deixa claro que a estratégia populacional e a estratégia individual não são exclu-
dentes, muito antes pelo contrário, precisam ser combinadas e estabelecidas de forma conjunta.
Tudo que discutimos até aqui são conceitos relevantes para guiar ações de saúde pública com
o intuito de melhorar a saúde e as condições de vida da população. A utilização do conheci-
mento científico de forma explicita para orientar o processo de decisão em saúde pública vem
crescendo, sendo denominado de saúde pública baseada em evidências. A racionalidade desse
processo está baseada no pressuposto de que políticas formuladas com base em conhecimentos
científicos serão mais eficazes e eficientes.
Entretanto, cabe ressaltar que o processo de tradução das evidências científicas em intervenções
de saúde pública não é um processo simples e rápido, pois mesmo a existência de evidências de
qualidade que apontem a direção que uma intervenção deve seguir, não garante que essa medida
preventiva seja implementada. Isso acontece porque a decisão final para a criação de uma política
preventiva será determinada, principalmente, por fatores econômicos e políticos, além de valo-
37
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Por exemplo, desde a década de 1960 já existia um grande volume de evidências científicas de-
monstrando que o tabagismo consiste em uma das principais causas do câncer de pulmão e que
este comportamento está fortemente associado ao aumento do risco de doenças cardiovasculares
e outras várias doenças. Entretanto, somente a partir da década de 1990 que o Brasil começou a
realizar de forma sistemática políticas públicas intersetoriais com foco na redução do tabagismo,
como aumento da tributação dos produtos do tabaco, restrições de marketing, advertências de
saúde nas embalagens, criação de ambientes livres do cigarro, entre outras medidas. O atraso
entre a produção da evidência e a implementação de intervenções de saúde pública de redução
do tabagismo foi fortemente influenciado pela indústria do tabaco, que conseguiu bloquear a
implementação de medidas de controle do tabagismo por anos, devido a sua força econômica e
política (o Brasil é o segundo maior produtor de produtos do tabaco do mundo).
Apesar das dificuldades, o processo decisório baseado em evidências na saúde pública consiste
em uma oportunidade de desenvolver medidas preventivas mais coerentes com realidade da
população e com maior probabilidade de alcançar o resultado pretendido. Além disso, fortalece
a confiança da população na ciência, o que é extremamente relevante nos tempos atuais.
1.2.8 Conclusão
A história natural das doenças envolve múltiplos processos que sofrem forte influência do
contexto onde cada população está inserida, demonstrando de forma inequívoca que a saúde
não pode ser entendida de forma individual e que precisa ser compreendida como fenômeno
coletivo, histórico e socialmente determinado. Essas características tornam a realização de
políticas públicas de saúde uma tarefa complexa, já que precisa considerar um grande núme-
ro de determinantes para compreender um mesmo problema de saúde pública. Os estudos
epidemiológicos e o trabalho da vigilância em saúde facilitam esse processo ao produzirem
evidências que auxiliam a tomada de decisão em saúde.
38
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bhopal RS. Concepts of Epidemiology: Integrating the ideas, theories, principles, and methods of
epidemiology. 3th edition. Oxford University Press, 2016
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Rastre-
amento / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – 1.
ed., 1. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2013.
Brownson CR, et al. Evidence-based public health. 2nd ed. Oxford University Press, New York, 2011.
Dahlgren G, Whitehead M. Policies and Strategies to promote social equity in health. Stockholm:
Institute for Future Studies; 1991.
Hill AB. The environment and disease: Association or causation? Proc R Soc Med 58:295-300, 1965.
Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. ABC do câncer: abordagens básicas
para o controle do câncer / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; organização
Mario Jorge Sobreira da Silva. – 4. ed. rev. atual. – Rio de Janeiro: Inca, 2018.
Marques EC. As políticas públicas na ciência política. In: E. Marques; Faria, C.A.P. (org.). A política
pública como campo multidisciplinar. Rio de Janeiro-São Paulo: FIOCRUZ-UNESP, 2013, p. 23-46
Rose G. Sick individuals and sick populations. International Journal of Epidemiology 1985;14:32–38.
Silverstein M, Simon MA, Siu AL, Tseng CW. Screening for Prostate Cancer: US Preventive Services
Task Force Recommendation Statement. JAMA. 2018 May 8;319(18):1901-1913.
39
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
1.3.1. Introdução
PARA REFLETIR
Você já parou para pensar por que a Ética é tão importante nos serviços de saúde?
E na pesquisa em saúde, por que considerar os princípios éticos?
Bem, a ética não é somente um compilado de regras a serem seguidas, um padrão que define o
que é “certo” ou “errado”. Ela vai além, ao se referir ao caráter dos indivíduos e à moralidade de
suas ações, ou seja, remete à melhor escolha a ser tomada diante de alternativas geralmente
opostas e igualmente insatisfatórias – o que é típico entre os dilemas éticos.
40
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
VOCÊ SABIA?
A palavra ética vem origem no termo grego ethos, que significa “modo de ser”, “caráter”, “costume”,
“comportamento”.
E o que são esses problemas ou dilemas éticos? Vamos a alguns exemplos com os quais os
profissionais de saúde podem se deparar nos serviços e na pesquisa em saúde:
> Um paciente que vive com vírus HIV/Aids chega com parceiro (a) para uma consulta e o mé-
dico sabe que o(a) parceiro(a) ainda não tem conhecimento da situação. O que fazer?
> Um paciente internado no hospital segue uma religião que veta a transfusão de sangue e
a equipe de profissionais de saúde constata que tal paciente necessita desse procedimento
para sobreviver. Como proceder?
> Uma mãe chega ao centro de saúde querendo saber dos resultados do exame do seu filho,
maior de 18 anos, sendo que o filho esclareceu previamente que apenas ele deveria ter
acesso a tais resultados. Você atenderia ao pedido da mãe?
> Em uma pesquisa realizada em um centro de saúde, uma voluntária condiciona sua partici-
pação a saber se sua amiga também está como voluntária na pesquisa, e exige fazer parte
do mesmo grupo que ela faz. Você alocaria essa voluntária no mesmo grupo da sua amiga?
> Em uma consulta , o profissional de saúde sai do consultório por um momento deixando o
paciente em seu consultório com o prontuário de outro paciente aberto na tela. O paciente
acaba lendo o prontuário e reconhece que se trata do seu vizinho que mora no andar de
cima ao dele, que teve resultado positivo para covid-19. Logo que o médico chega, o pacien-
te exige saber mais sobre o caso, já que ele está exposto a essa doença que se “pega no ar”.
Como o médico deve proceder diante dessa exposição de dados?
> Um técnico de enfermagem de uma Unidade de Pronto Atendimento percebe que um mé-
dico da mesma unidade emitiu um atestado para um paciente se ausentar ao trabalho sob
alegação falsa de uma doença, mas sob pretexto de que o paciente não conseguiu ninguém
que pudesse cuidar do seu filho de 1 ano de idade naquele dia. O que o técnico de enfer-
magem deve fazer?
41
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
> Ao inserir dados de óbito no sistema de mortalidade, você se depara com uma pessoa co-
nhecida e vê que há dados “errados” sobre sua escolaridade na declaração de óbito. Você
pode comentar isto com um colega e alterar o dado?
Em todas as situações citadas acima, não há uma saída preferencial ou totalmente satisfatória
para todos os envolvidos. Dessa forma, na área de saúde pública - seja ela clínica, epidemioló-
gica, ou outra –, os conflitos estarão presentes justamente por envolver decisões difíceis como
as que exemplificamos. Essa tomada de decisões pode ser influenciada por diversos fatores,
como crenças religiosas, culturais ou filosóficas desenvolvidas ao longo do tempo, frutos de
influências familiares, de amigos, escola, origem étnica, religião, mídia e seus modelos e men-
tores pessoais (Schluter et al., 2008). No entanto, o respeito ao ser humano, como ser atuante
e autônomo, deve sempre guiar as decisões e os conflitos éticos que permeiam o dia a dia dos
serviços de saúde (Cohen et al., 2021).
Assim, com o intuito de prezar por esse respeito ao ser humano, os princípios éticos devem fazer
parte da tomada de decisão e guiar não somente a conduta dos profissionais de saúde como
também outras atividades humanas.
Antes de compreender melhor o que preconizam os princípios éticos assim como a regulação ética
para a pesquisa, especialmente no Brasil, é importante compreendermos um pouco sobre o histórico
recente da ética em pesquisa com seres humanos e que envolve a origem de tais princípios.
Principais princípio éticos que devem observados no cotidiano dos serviços de saúde e/ou pesquisas em saúde
Beneficência
> Não maleficência
Respeito pelos direitos humanos (Justiça)
> Consentimento informado (autonomia)
> Confidencialidade (privacidade)
Assista ao vídeo sobre do histórico recente sobre ética na pesquisa com seres humanos:
https://youtu.be/1lk3Y-ZeYzU
42
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
SAIBA MAIS
Clique no botão abaixo e veja a versão da Decla-
ração de Helsinque de 2013.
CLIQUE AQUI
No Brasil, a instância que regula a ética em pesquisa é o Conselho Nacional de Saúde (CNS) - ór-
gão de controle social vinculado ao Ministério da Saúde -, por meio de uma comissão específica
para tal fim, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
A Conep foi criada por meio da Resolução CNS n°196/96 (revogada em 2012 pela Resolução
CNS nº 466), e é a instância máxima de avaliação dos aspectos éticos em protocolos de pesquisa
envolvendo seres humanos no Brasil. Sua atribuição envolve ainda normatizar, regular, deliberar
e promover ações educativas relacionadas aos aspectos éticos de pesquisas nacionais com seres
humanos. Além disso, exerce um papel coordenador da rede de Comitês de Ética em Pesquisa
(CEP), criados nas instituições com os quais forma o Sistema CEP/Conep (Freitas et al., 2005).
Assim, os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) são órgãos colegiados de caráter consultivo, deli-
berativo e educativo, de âmbito regional e distribuídos em todo território brasileiro. Os CEP são a
porta de entrada para todos os projetos de pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil, sendo
43
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
os responsáveis pelo processo de revisão dos aspectos éticos dos projetos de pesquisa em
cada instituição – responsabilidade instituída pela Resolução CNS n° 466, de 12 de dezembro
de 2012** (Resolução n° 466/2012).
**SAIBA MAIS!
A Resolução CNS n° 466, de 12 de dezembro de 2012 estabelece as diretrizes e normas regulamenta-
doras de pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil.
A depender da complexidade dos protocolos de pesquisa apresentados ao CEP, eles podem ser
direcionados ao Conep. Assim, após a análise do CEP, à Conep cabe ainda a análise ética de
protocolos de pesquisa que envolvam dilemas éticos mais complexos, que pertençam a áreas
temáticas especiais (genética humana, reprodução humana, populações indígenas e pesqui-
sas de cooperação internacional), e ainda aqueles propostos pelo próprio Ministério da Saúde
(Freitas et al., 2005). Diante dessas experiências, a Conep frequentemente elabora diretrizes
complementares à Resolução CNS n°466/12 que tratam de requisitos específicos de análise
ética e da responsabilidade aos CEPs (Tabela 1):
Tabela 1. Exemplos de resoluções complementares à Resolução CNS n°196/96 (revogada em 2012 pela Reso-
lução CNS nº 466), elaboradas para áreas temáticas específicas
Para a área temática especial de novos fármacos, vacinas e testes diagnósticos. Dele-
1997 Resolução CNS 251/97 ga aos Cep a análise final dos projetos exclusivos dessa área, quando não enquadra-
dos em outras áreas especiais.
Para protocolos de pesquisa com cooperação estrangeira. Requisito de aprovação final
1999 Resolução CNS 292/99
pela Conep, após aprovação do CEP.
Para a área de Pesquisas com Povos Indígenas, a serem apreciadas na Conep após
2000 Resolução CNS 304/00
aprovação nos Cep.
Para pesquisas em genética humana. Estabelece critérios para análise na Conep e
2004 Resolução CNS 340/04
para aprovação final delegada aos CEPs.
Para projetos multicêntricos do grupo I, definindo o envio apenas do projeto do primei-
2005 Resolução CNS 346/05
ro centro à Conep e delegando aos CEPsdos outros centros a aprovação final.
Para projetos que incluem armazenamento ou uso de materiais biológicos armazena-
2011 Resolução CNS 441/11
dos (formação de bancos de materiais).
Um exemplo de protocolos de pesquisa que foram direcionados à avaliação pela Conep podem
44
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
ser vistas no mapa abaixo, que mostra a quantidade de protocolos de pesquisa relacionados à
covid-19 aprovados pela Conep até o dia 28/08/21 (Figura 1):
Figura 1 – Mapa geral dos protocolos de pesquisa relacionados ao coronavírus e/ou à covid-19 aprovados pela
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - Conep. 2021
Fonte: Boletim Ética em Pesquisa – Edição Especial Coronavírus (covid-19). Relatório Semanal 79. Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa, 2021.
45
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Veja abaixo a figura que detalha a distribuição do quantitativo de CEPs por estado, por região e
o quantitativo de pessoas atuantes nos comitês de ética em pesquisa (Figura 2):
Agora que você já sabe quais órgãos avaliam os aspectos éticos de uma pesquisa, você deve
estar se perguntando: como envio o meu projeto de pesquisa para ser avaliado eticamente
pelo Sistema CEP/Conep?
Para a submissão de projetos de pesquisa à avaliação pelo Sistema CEP/Conep, existe uma
plataforma virtual, chamada Plataforma Brasil. Ela foi criada para aperfeiçoar e intermediar a
tramitação dos projetos de pesquisa, fazendo essa comunicação entre os pesquisadores, Co-
mitês de Ética e Conep. Assim, o envio os documentos relativos à pesquisa que você pretende
realizar deve ser feita por essa plataforma, que é inteiramente on-line.
SAIBA MAIS
Quer conhecer a Plataforma Brasil?
CLIQUE AQUI
46
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
IMPORTANTE!
> A condução da pesquisa não deve interferir na rotina de assistência à saúde ou nas
atividades profissionais dos trabalhadores no serviço (a não ser quando houver justifi-
cativa e houver pactuação com o dirigente da instituição).
> A pesquisa que incluir trabalhadores da saúde como participantes deverá respeitar
os preceitos administrativos e legais da instituição, sem prejuízo das suas ativida-
des funcionais.
SAIBA MAIS
** Clique aqui para visualizar a
Resolução CNS n°580/2018 na íntegra.
CLIQUE AQUI
É importante lembrar ainda que, caso a pesquisa seja conduzida em instituições integrantes do
SUS, o projeto de pesquisa deve ter seu mérito ético analisado pelos CEPs das Secretarias de Saú-
de, seja em âmbito estadual e/ou municipal a depender dos equipamentos de saúde envolvidos.
Ainda que somente parte da pesquisa ocorra no âmbito das instituições do SUS ou que ainda só
seja fornecido algum banco de dados, o projeto deve ser submetido a tais instâncias.
47
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Destaca-se que os princípios éticos devem conduzir a tomada de decisão diante dos dilemas
e problemas éticos que surgem no dia a dia dos serviços de saúde, e também na condução
de pesquisas. Compreender os conceitos e aplicações desses princípios é fundamental para
identificar situações que possam violar tais princípios e comprometer a premissa ética básica de
respeito ao ser humano.
A depender do serviço de saúde, os problemas éticos podem ser mais ou menos evidentes.
Estudos que compilaram os principais problemas éticos identificados na relação entre enfer-
meiros atuantes da Atenção Primária à Saúde (APS) e seus usuários destaca que os problemas
éticos na APS podem ser sutis e de difícil reconhecimento por parte dos profissionais de saúde
(Dourado et al., 2020; Nora, et al., 2015). O quadro 1 retrata alguns dos principais problemas
éticos relatados pelos autores:
Quadro 1. Exemplos de problemas éticos na relação entre enfermeiros atuantes da Atenção Primária à Saúde
e os usuários da atenção.
Fonte: Nora CRD, Zoboli ELCP, Vieira M. Problemas éticos vivenciados por enfermeiros na atenção primária à saúde: revisão integrativa
da literatura. Revista Gaúcha de Enfermagem. 2015, 36:112-121.
A seguir, vamos descrever e exemplificar os princípios éticos que se destacam na busca pela
dignidade e autonomia dos indivíduos.
48
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Beneficência
Esse princípio discorre sobre os benefícios voltados aos sujeitos da pesquisa para que ela seja
eticamente viável. Os benefícios englobam qualquer proveito direto ou indireto, imediato ou
posterior, ganho pelo participante e/ou sua comunidade em decorrência de sua participação na
pesquisa, e como falado anteriormente, devem estar descritos minuciosamente no TCLE.
Muitas vezes os benefícios são evidentes e mais facilmente reconhecidos, como aqueles que pro-
porcionam maior conhecimento sobre doenças, envolvendo sua cura, tratamento e reabilitação.
No entanto, existem estudos de igual importância na geração de benefícios mas que são menos
perceptíveis no âmbito individual, e por vezes menos evidentes para sociedade como um todo.
Um estudo, por exemplo, pode demonstrar que os parâmetros antropométricos que definem o
excesso de peso abdominal devem ser alterados. É possível que os participantes do estudo não
se beneficiem diretamente de programas de promoção à saúde que venham a ser desenvolvidos
no âmbito do SUS utilizando os novos parâmetros. Ainda assim, os participantes contribuíram
para que a saúde da população fosse mais bem cuidada e monitorada.
É importante ressaltar ainda que os benefícios de estudos epidemiológicos devem ser também
considerados de forma complementar e cumulativa, pois o fomento e a construção de evidên-
cias que subsidiam políticas públicas geralmente demandam tempo. Antes de serem aceitos e
incorporados por gestores e serviços de saúde, novos conhecimentos enfrentam várias etapas
e discussões, incluindo análises de viabilidade logística, financeira e operacional, dentre outros.
Desse modo, mesmo que a longo prazo, o estudo deve contribuir para o cuidado e bem-estar
dos indivíduos e da comunidade.
Não maleficência
Além dos benefícios, citamos ainda que o TCLE deve conter os possíveis riscos e danos aos volun-
tários da pesquisa epidemiológica a ser desenvolvida. Assim, estando cientes dos possíveis riscos,
é dever dos pesquisadores identificar os danos potenciais decorrentes e garantir que eles serão
evitados, esclarecendo ainda aos voluntários que qualquer risco ao participar da pesquisa será
reduzido ao máximo durante a realização do estudo. Esse é o princípio da não maleficência, que
parte da premissa de que a pesquisa não deve causar danos aos seus voluntários.
Nota-se que toda pesquisa científica possui algum tipo de risco aos seus voluntários. Muitas vezes
eles são associados a danos biológicos ou físicos somente, como a dor ou medo de uma picada
de agulha, mas também podem englobar dimensões psicológicas, morais, intelectuais, sociais,
culturais, espirituais, entre outros. Por exemplo: O questionário de pesquisa pode conter pergun-
tas sensíveis, relacionadas a religião ou a sexualidade por exemplo, e que podem provocar algum
49
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Concluindo, os riscos potenciais atrelados à pesquisa científica devem ser identificados e dimen-
sionados claramente pelos pesquisadores, que devem refletir o nível aceitável de risco para os
voluntários – tarefa nem sempre fácil de ser executada (Rates et al., 2014).
A condução de uma pesquisa deve considerar o princípio de justiça entre seus voluntários, ou
seja, todos devem ser tratados de forma justa, equitativa e apropriada. Deve-se ainda buscar
minimizar os riscos e danos para os voluntários, como dito no tópico anterior, principalmente
com relação aos sujeitos mais vulneráveis.
Uma vez que já mencionamos sobre os princípios éticos gerais para a investigação e pesquisa,
vamos abordar alguns aspectos específicos, mas também importantes para zelar pela ética na
pesquisa e na prática epidemiológica nos serviços de saúde.
A autonomia é um dos princípios éticos mais relevantes a serem considerados na pesquisa e práticas
epidemiológicas nos serviços de saúde. Seu conceito incorpora os direitos de liberdade, privacidade,
escolha individual, liberdade da vontade e da autodeterminação do comportamento.
50
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Para tal, é necessário que o pesquisador esclareça ao voluntário sobre os objetivos do estudo,
suas vantagens e desvantagens, sua aprovação ética no CEP,em CEP, assim como benefícios,
potenciais riscos, direitos do participante e procedimentos aos quais ele será submetido. Além
disso, é dever ético do pesquisador proteger as informações obtidas (garantindo o sigilo das
mesmas), prezar pela privacidade do voluntário, e por fim obter o seu consentimento para re-
alizar o estudo, incluindo coleta e estocagem de material biológico e de informações pessoais
(inclusive imagens, se for o caso).
Todas as informações citadas acima a respeito da pesquisa a ser desenvolvida devem constar
em um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), documento que contém ainda todas
as informações necessárias, em linguagem clara e objetiva, de fácil entendimento, para o mais
completo esclarecimento sobre a pesquisa a ser desenvolvida (Resolução n° 466/2012).
Vale lembrar que a participação na pesquisa inclui o direito de deixar o estudo a qualquer
momento durante o seu desenvolvimento.
Fonte: Freepik.
51
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
IMPORTANTE!
Obter consentimento do participante por meio do TCLE pode ser uma tarefa árdua ou até
mesmo ser inviável em alguns estudos, conforme exemplificado abaixo:
> Pesquisas que envolvam apenas a utilização de dados secundários, como por exemplo,
dados sobre mortalidade por Doenças Isquêmicas do Coração obtidos pelo Sistema de
Informação em Mortalidade, por meio do DATASUS;
> Casos em que a obtenção do TCLE signifique riscos substanciais à privacidade e con-
fidencialidade dos dados do participante ou aos vínculos de confiança entre pesquisa-
dor e pesquisado;
> Estes são exemplos de situações no qual a dispensa de assinatura do TCLE pelos partici-
pantes pode ser solicitada ao Sistema CEP/CONEP para apreciação, por meio do Termo de
Dispensa de TCLE, que deve conter as causas da impossibilidade de obtê-lo (Resolução n°
466/2012). Caso tal solicitação seja aprovada, isso não exime o pesquisador de honrar a
privacidade do participante e a confidencialidade das informações obtidas.
Confidencialidade (privacidade)
Dentre os direitos dos voluntários que concordam em participar de uma pesquisa, estão a segu-
rança quanto à confidencialidade dos seus dados e quanto a sua privacidade.
Quando os voluntários concedem sua participação na pesquisa por meio do TCLE, conforme men-
cionado no tópico anterior, eles concordam que informações pessoais sejam utilizadas em prol do
bem comum. Desse modo, os pesquisadores têm obrigação ética de prever ações e procedimentos
para assegurar a confidencialidade dos dados, garantindo que tais informações não sejam utiliza-
das em prejuízo dos indivíduos ou das comunidades envolvidas. A confidencialidade também se
aplica aos voluntários entre si: um não pode obter informações sobre o outro.
Um exemplo de ação para proteger a confidencialidade dos dados em uma pesquisa é atribuir
códigos aleatórios para cada indivíduo participante. A correspondência entre o nome do par-
ticipante (ou qualquer outra característica que o identifique) e seu código ficaria a salvo e de
posse de apenas um integrante da equipe de pesquisa. Todos os documentos utilizados durante
a coleta de dados seriam identificados por meio desses códigos.
52
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Além da pesquisa em saúde, algumas atitudes podem contribuir para que profissionais de saúde
cometam violações da confidencialidade dos usuários no cotidiano dos serviços de saúde, como
ao falar ao telefone próximo a outros usuários, deixar o computador sem supervisão sendo que
sua tela exibe o registro de informações dos usuários, ou por conversas sobre questões privadas
aos usuários em espaços públicos ou com pessoas que não estão envolvidas diretamente com o
caso em questão (Deshefy-Longhi et al., 2004). A atribuição de códigos aleatórios aos dados dos
indivíduos também pode se aplicar aos prontuários dos usuários dos serviços de saúde como
forma de proteger a sua identidade e privacidade (Figura 4).
Figura 4 – Exemplo de prontuário médico que contém número para identificar o paciente
PRIMEIRO ATENDIMENTO
PRONTUÁRIO 12345
Nome Apelido
Rua/Sítio Nº Comp.
Bairro/Dist. Munic.
Ponto de Ref. Tel. CEP
Local Nasc. Data Idade anos meses
Município onde nasceu Estado PB
Estado Civil
Solteiro Casado Viúvo Divorciado Outro Masc. Fem.
Página 53
Caso haja necessidade de envio dos dados dos participantes ao financiador da pesquisa ou a
pesquisadores em outras localidades, por exemplo, deve-se assegurar a privacidade do parti-
cipante, ocorrendo somente após a devida anonimização (ou seja, desde que o voluntário não
possa ser identificado).
53
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
PARA REFLETIR!
Você saberia dizer se seus dados pessoais estão protegidos?
Você já percebeu a quantidade de dados que possui e produz (no celular, no computador)?
No Brasil, um importante passo foi dado nessa direção. A Lei Geral de Proteção de Dados Pes-
soais (LGPD) (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018) foi instituída recentemente e ganhou
destaque na mídia. Essa lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais por pessoa física ou
jurídica, inclusive nos meios digitais, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de
liberdade e de privacidade dos indivíduos.
Ou seja, a LGPD regulamenta o uso, a proteção e a transferência de dados pessoais no Brasil, e exige
que haja um consentimento explícito para coleta e uso dos dados por parte de seus titulares.
A LGPD garante ainda direitos ao titular dos dados, como a possibilidade de visualizar, corrigir
e excluir, total ou parcialmente, esses dados, e estabelece critérios e requisitos que empresas e
órgãos devem seguir para que haja maior cautela no tratamento de informações pessoais e seu
compartilhamento com terceiros.
Com a finalidade de garantir o cumprimento das normas sobre proteção de dados, foi criada a
Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) (Lei n. 13.853, de 8 de julho de 2019), órgão
vinculado à Presidência da República.
Como a LGPD afeta o uso de dados na pesquisa e prática epidemiológica? Vale lembrar que
vários aspectos dessa lei já são adotados por estudos envolvendo seres humanos por meio dos
princípios éticos que abordamos no tópico anterior (e já descritas na Resolução n° 466/2012).
Dentre os impactos diretos da LGPD na área da saúde e na pesquisa acadêmica, podemos desta-
car: conceito de tratamento de dados; necessidade de autorização dos usuários (consentimento);
ampliação do conceito de dados (dados sensíveis); possibilidade de os usuários acessarem os
dados (segurança e transparência); prerrogativa de corrigir, atualizar ou modificar os dados (pri-
vacidade e liberdade de expressão). Veremos cada um deles a seguir:
54
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
2. Agora vamos abordar o consentimento. Esse conceito foi abordado como um princípio ético
no tópico anterior, mas existem algumas peculiaridades quanto à LGPD.
Como regra, não há como os dados serem tratados sem o consentimento do titular dos
dados. No entanto, existe a possibilidade de tratar dados sem o consentimento na área da
saúde e da pesquisa nas seguintes situações:
> Realização de estudos científicos por órgão de pesquisa: desde que garantida, sempre que
possível, a anonimização dos dados pessoais. No caso de acesso a bancos de dados pesso-
ais, o órgão de pesquisa (universidades, por exemplo) deve mantê-los em segurança e deve
tratá-los dentro do referido órgão. Assim, caso você necessite acessar os prontuários dos
usuários do serviço de saúde que você trabalha para verificar o percentual de hipertensos
na área de abrangência, por exemplo, não há necessidade de solicitar o consentimento dos
titulares dos dados para a realização desse levantamento. Isso vale também para algum
projeto de pesquisa que tenha ocorrido em sua unidade de saúde e que tenha coletado
informações sobre os seus voluntários: também não há necessidade de consentimento es-
pecífico para a análise desses dados, contanto que estejam em formato anônimo e que seja
viabilizado por órgãos de pesquisa. Mas atenção: isso não exclui o fato de que o voluntário
da pesquisa tem que consentir sua participação na mesma.
DICA!
> Preservar a vida e a integridade física de uma pessoa ou para a tutela da saúde, exclusiva-
mente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autori-
dade sanitária: principalmente quando o titular dos dados está impossibilitado de oferecer
o consentimento. Por exemplo: se uma pessoa está internada na rede pública de saúde,
55
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
3. Outro ponto importante é a diferença de conceitos entre “dados pessoais” e “dados pessoais
sensíveis”.
Já os dados pessoais sensíveis são aqueles “sobre origem racial ou étnica, convicção reli-
giosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico
ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico”, ou
seja, informações que podem vir a causar algum dano ou constrangimento ao seu titular.
Dada essa diferença, o tratamento de dados sensíveis só poderá ocorrer “quando o seu
titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades
específicas”, ou seja, deve ser precedido de cautelas ainda maiores do que as destinadas aos
dados pessoais amplos.
IMPORTANTE!
O cuidado redobrado com os dados pessoais sensíveis se deve à sua natureza: qualquer
eventual incidente de segurança com esse tipo de dado pode levar a consequências
graves aos direitos e liberdades dos titulares.
4. A possibilidade de os usuários acessarem seus próprios dados é garantida pela LGPD, por
meio do princípio da transparência. Ou seja, garantia de informações claras e acessíveis
sobre qual o tratamento será realizado sobre os dados, quem vai realizá-lo, e quais medidas
estão sendo tomadas para proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e possí-
veis vazamentos (contemplando ainda o princípio da segurança).
56
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
SAIBA MAIS
A ANPD publicou dois fascículos da Cartilha
de Segurança para a Internet: “Proteção de
dados” e “Vazamento de dados”. Os links
para acesso às cartilhas estão logo abaixo:
CLIQUE AQUI
5. Além de ter acesso aos próprios dados, existe ainda a possibilidade de o indivíduo corrigir,
atualizar ou modificar os dados fornecidos. Assim, o cidadão poderá solicitar, por exemplo,
que seus dados sejam excluídos de pesquisas ou empresas com as quais não queira mais ter
esse vínculo.
> Um pesquisador pode ser inibido a divulgar os resultados de sua pesquisa sobre o impacto
negativo de alguma política pública de saúde em razão de pressões políticas.
> Em um hospital universitário, um paciente tem sua alta hospitalar adiada para que o caso
clínico possa ser visto por um maior número de alunos (o interesse secundário de apren-
dizado dos alunos foi colocado à frente do interesse primário de cuidado adequado do pa-
ciente) (Rios & Moraes, 2013).
57
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
> Uma pesquisa pode ter seus resultados direcionados para favorecer o desempenho de al-
guma nova abordagem terapêutica medicamentosa, devido aos interesses financeiros do
patrocinador do estudo.
• Nos Estados Unidos, por exemplo, é comum que a indústria farmacêutica patrocine estu-
dos com o intuito de testar novos medicamentos, tanto que ela é responsável por cerca
de 70% de todos os recursos destinados a esse tipo de investigação clínica (Bodenhei-
mer, 2000).
Vale frisar que a presença de conflito de interesse não necessariamente enfraquece os achados
de uma pesquisa. O preconizado é analisar cada situação específica e avaliar se há conflito de
interesse explicito ou não, e quando ele existe, reportá-lo e explicitar as potenciais fontes de
conflito nos produtos divulgados ou nos protocolos a serem submetidos ao CEP.
Como discutido na aula 2.1, os dados obtidos em uma pesquisa são analisados e os resultados
devem ser interpretados para gerar informação. O uso indevido de dados pode resultar em infor-
mações seletivas ou tendenciosas que atendem a fins específicos e interessados. Por exemplo,
divulgar resultados que possam atender a interesses políticos ou econômicos e omitir resultados
que contrariam esses interesses. Vale observar que o uso seletivo e interessado da informação em
estudos epidemiológicos geralmente resulta de um conflito de interesses não declarado.
Um estudo mostrou que as conclusões de estudos conduzidos por organizações com fins
lucrativos (como indústrias farmacêuticas e cosméticas, por exemplo) tendem ser mais
favoráveis aos produtos testados do que estudos sobre os mesmos produtos conduzidos
por grupos independentes (Als-Nielsen et al., 2003).
Outro exemplo bem difundido no meio científico é a manipulação da informação científica por
parte da indústria do tabaco. Entre 1920 e 1950, a indústria do tabaco estadunidense investiu na
propaganda positiva quanto ao hábito de fumar, recrutando inclusive enfermeiras para promo-
ver o tabagismo como saudável, moderno, elegante e seguro, conforme podemos ver na Figura
5 abaixo (Soine & Sioban, 2018):
58
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 5 –Propagandas protagonizadas por enfermeiras e veiculadas para incentivar o hábito de fumar
Fonte: Soine A, Sioban N. “Selling the (Anti-) Smoking Nurse: Tobacco Advertising and Commercialism in the American Journal of
Nursing.” Journal of Women’s History. 2018, 30(3):82-106.
Evitar ou minimizar comportamentos não éticos, como o uso seletivo da informação, requer vi-
gilância ativa de comitês de ética e editores de publicações, além de medidas como inclusão da
declaração de conflitos de interesse em publicações e pesquisas, e capacitação de profissionais de
saúde para reconhecer e prevenir tais conflitos nas mais diversas situações em que possam ocorrer.
1.3.8. Conclusão
Nesta aula falamos sobre o arcabouço teórico e histórico que regula a ética em pesquisa com
seres humanos, mostrando que as decisões, conflitos e problemas éticos devem estar ampara-
dos pelos princípios de autonomia, confidencialidade, não maleficência, beneficência e justiça.
A identificação de dilemas e problemas éticos pelos profissionais que atuam nos serviços de
saúde é de extrema importância para assegurar o respeito à dignidade e autonomia dos seres
humanos presentes naquele convívio, sejam eles os próprios profissionais de saúde, pesquisa-
dores ou usuários desses serviços. Neste sentido, a educação permanente dos profissionais de
saúde pode contribuir para desenvolver habilidades e competências voltadas para a discussão
59
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Para concluir, segue abaixo um resumo feito pelo Conep dos principais atributos de uma pesquisa ética:
> Respeitar o participante da pesquisa em sua dignidade e autonomia, reconhecendo sua vul-
nerabilidade, assegurando sua vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa, por
intermédio da manifestação expressa, livre e esclarecida;
> Ponderar entre riscos e benefícios, tanto conhecidos como potenciais, individuais ou coleti-
vos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;
> Ter relevância social, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não per-
dendo o sentido de sua destinação sócio humanitária.
60
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Almeida Filho N, Baretto ML. Epidemiologia & saúde: fundamentos, métodos e aplicações. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.
Als-Nielsen B, Chen W, Gluud C, Kjaergard LL. Association of funding and conclusions in randomi-
zed drug trials: a reflection of treatment effect or adverse events? JAMA. 2003; 290(7):921-8.
Alves, Elaine Maria de Oliveira e Tubino, Paulo. Conflito de interesses em pesquisa clínica. Acta
Cirúrgica Brasileira [online]. 2007;22(5):412-15.
Bero LA. Tobacco industry manipulation of research. Public Health Rep. 2005;120(2):200-208.
Bodenheimer T. Uneasy alliance: clinical investigators and the pharmaceutical industry. N Engl J
Med. 2000;342:1539-44.
Cohen C, Gobbetti G, Oliveira, RA de. Breve discurso sobre ética, moral, estética e bioética das
relações. Rev. bras. Psicanál. 2021, 55(2):41-57.
Conselho Nacional de Saúde (Brasil). Resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012. Brasília, 2012.
Disponível em: http://www.conselho.saude.gov.br/web_comissoes/conep/index.html Acesso em
13 set. 2021.
Deshefy-Longhi T, Dixon JK, Olsen D, Grey M. Privacy and confidentiality issues in primary care:
views of advanced practice nurses and their patients. Nurs Ethics. 2004;11(4):378-93.
Dourado, João Víctor Lira et al. Problemas éticos vivenciados por enfermeiros na Estratégia Saúde
da Família. Revista Bioética [online]. 2020, 28(2).
Freitas CBD de, Lobo M, Hossne WS. Oito anos de evolução: um balanço do sistema CEP-CONEP.
Cad. ética pesqui, 2005. 17-20.
61
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
International Ethical Guidelines for Health-related Research Involving Humans, Fourth Edition.
Geneva. Council for International Organizations of Medical Sciences (CIOMS); 2016.
Kottow M. História da ética em pesquisa com seres humanos. Revista Eletrônica de Comunicação,
Informação e Inovação em Saúde. 2008. 2.
Nora CRD, Zoboli ELCP, Vieira M. Problemas éticos vivenciados por enfermeiros na atenção primária
à saúde: revisão integrativa da literatura. Revista Gaúcha de Enfermagem. 2015, 36:112-121.
Rates CMP, Costa MR, Pessalacia JDR. Caracterização de riscos em protocolos submetidos a um
comitê de ética em pesquisa: análise bioética. Revista Bioética [online]. 2014, 22(3):493-499.
Rios LE, MoraesVA. Uma abordagem ética do conflito de interesses na área de saúde. Revista
Bioethikos-Centro Universitário São Camilo. 2013, 7(4):398-403.
Schluter J, Winch S, Holzhauser K, Henderson A. Nurses moral sensitivity and hospital ethical
climate: a literature review. Nurs Ethics. 2008;15(3):304-21.
Soine A, Sioban N. “Selling the (Anti-) Smoking Nurse: Tobacco Advertising and Commercialism in
the American Journal of Nursing.” Journal of Women’s History. 2018, 30(3):82-106.
World Health Organization (WHO). Covid-19 and mandatory vaccination: Ethical considerations
and caveats. 2021. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-
-Policy-brief-Mandatoryvaccination-2021.1
Maciel FB, Nogaro A. Conflitos bioéticos vivenciados por enfermeiros em hospital universitário. Re-
vista Bioética [online]. 2019, 27(3):455-464.
62
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
CAPÍTULO 2
Características do dado
epidemiológico e medidas
de ocorrência
63
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
CARACTERÍSTICAS DO DADO
EPIDEMIOLÓGICO E MEDIDAS DE OCORRÊNCIA
Este capítulo tem por objetivo caracterizar o dado epidemiológico, as fontes e instrumentos de
obtenção da informação, indicadores de validade e confiabilidade da informação. Apresenta,
diferencia e compara as medidas de ocorrência de doenças e agravos em saúde, tanto absolutas
como relativas, demonstrando suas inter-relações e vantagens.
2.1.1 Introdução
Para que a epidemiologia consiga fornecer evidências que possam auxiliar a promoção da saú-
de e o controle de problemas de saúde das populações precisamos necessariamente obter e
analisar dados epidemiológicos. Esses dados consistem em qualquer característica que pode
afetar ou demonstrar a saúde, o bem estar e a qualidade de vida das populações. Dessa forma,
envolve dados demográficos, socioeconômicos, biológicos, clínicos, comportamentais, ambien-
tais, de utilização e acesso aos serviços de saúde etc. Ou seja, inclui todos os determinantes
da ocorrência e distribuição de eventos relacionados à saúde e ao processo saúde-doença em
uma população. Somente por meio dos dados epidemiológicos que conseguimos acompanhar e
identificar padrões e tendências de eventos relacionados à saúde nas populações.
O dado epidemiológico pode ser entendido como uma representação, ainda que incompleta,
de uma realidade. Por exemplo, o número de casos de dengue em 2020 no município de For-
taleza é um dado epidemiológico. Esse dado pode ser utilizado para a obtenção de diversos
indicadores de saúde quando combinado a outros dados (ver Aula 3.1 Indicadores de Saúde
Parte 1 e Aula 3.2 Indicadores de Saúde Parte 2). Essa combinação permitirá a realização de
análises que vão ampliar o significado desse dado ao criar uma informação qualificada sobre a
ocorrência, a distribuição ou potenciais determinantes da dengue na população. Dessa forma,
64
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
enquanto os dados são representações de fatos em sua forma primária não trabalhados, a
informação é o resultado da combinação de vários dados que ao serem processados e anali-
sados trazem um significado adicional ao dado primário.
Para que seja possível produzir informações qualificadas sobre uma realidade observada em
um local e período específicos, os dados precisam ser qualificados e precisam ser interpretados
adequadamente considerando sua real abrangência e as limitações inerentes ao processo de
obtenção dos dados. Por isso, nesta aula iremos estudar a estrutura e as propriedades dos dados
epidemiológicos.
Os dados epidemiológicos são estruturados por meio de variáveis que quantificam ou catego-
rizam uma determinada característica que compõe uma dada unidade de análise. Dessa forma,
para compreender a estrutura dos dados epidemiológicos precisamos compreender o conceito
de variável e de unidade de análise.
65
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Variáveis qualitativas
As variáveis qualitativas são definidas por diferentes categorias, ou seja, apresentam uma clas-
sificação. Elas são chamadas nominais quando não existe uma ordenação entre as categorias
como sexo, raça/cor da pele, doente/sadio. E são chamadas ordinais caso exista algum tipo de
ordenação entre as características como níveis de escolaridade (fundamental, ensino médio,
superior) e estadiamento de uma doença (inicial, intermediário e avançado). As variáveis quali-
tativas podem ter duas ou mais categorias dependendo do objeto de estudo.
Variáveis quantitativas
66
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
podem assumir um conjunto valores que diferem entre si por quantidades fixas, indivisíveis,
contendo, por isto, apenas valores inteiros. As variáveis discretas são geralmente resultados de
contagens como número de casos confirmados de zika, número de filhos, número de consultas
médicas e número de óbitos por covid-19.
Discreta
Quantitativa
Contínua
Variável
Nominal
Qualitativa
Ordinal
Algumas variáveis podem ser qualitativas ou quantitativas dependendo da forma que será ana-
lisada. Por exemplo, a glicemia de jejum pode ser uma variável contínua, se considerarmos o
valor exato medido (em mg/dL), como também pode ser uma variável nominal se utilizarmos o
ponto de corte de ≥126 mg/dL para classificar os indivíduos em diabéticos e não diabéticos. A
renda pode ser utilizada como variável contínua (renda mensal em reais), mas também pode ser
uma variável ordinal se a categorizarmos em alta, média e baixa, por exemplo.
Ressalta-se que as variáveis discretas são diferentes das variáveis ordinais, pois o significado da
ordenação é diferente. Para exemplificar considere as duas seguintes variáveis: número de casos
confirmados de sarampo (1, 2, 3, 4, 5...) e classe social (A, B, C, D ou E). Não podemos dizer que a
classe social D é três vezes mais baixa que a classe A, pois não é possível quantificar a diferença
entre essas categorias. Por outro lado, podemos dizer que 4 casos de sarampo correspondem
exatamente ao dobro de 2 casos de sarampo e a diferença entre o número de casos de sarampo
tem sempre o mesmo significado para todos os valores, ou seja, um município com 10 casos de
sarampo tem exatamente 2 casos a menos que um município com 12 casos de sarampo, que por
sua vez tem 2 casos a menos que um município com 14 casos de sarampo, etc.
É importante que os dados quantitativos sejam coletados de forma discreta ou contínua. Reali-
zar a categorização somente após a coleta para não ter perda da informação.
67
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Entende-se por unidade de análise o objeto da descrição ou da investigação. Por exemplo, supo-
nhamos que você pretenda realizar um estudo epidemiológico com o objetivo de investigar se a
cobertura vacinal entre crianças menores de 2 anos é maior nos municípios com maior cobertura
do Programa Bolsa Família. Nesse caso a unidade de análise serão os municípios, pois os dados
obtidos permitirão descrever e classificar a cobertura vacinal em cada município, cujos valores
expressam coletivos e não indivíduos. Quando isso acontece dizemos que os dados são agregados.
Por outro lado, se pretendemos investigar se existe associação entre raça/cor da pele autorrela-
tada e a ocorrência da óbitos maternos em seu município, a unidade de análise será o indivíduo,
pois o dado necessário para essa análise precisa ser registrado para cada indivíduo que foi
incluído no estudo separadamente. Nesse caso dizemos que os dados são individuados.
Os dados primários consistem naqueles obtidos diretamente pelo pesquisador que delineou a
metodologia do estudo, planejou a coleta de dados e definiu exatamente todas a variáveis que
precisarão ser coletadas em virtude do objetivo da investigação em questão. Por exemplo, na
investigação epidemiológica de um surto de origem alimentar em seu município você poderia
coletar dados primários entrevistando pessoas que adoeceram após comer em um determinado
restaurante para identificar quais alimentos específicos foram consumidos para tentar identifi-
car a provável fonte de contaminação.
Os dados primários tendem a ser mais adequados para responder aos objetivos de um estudo,
já que a coleta de dados foi planejada pelo pesquisador envolvido na investigação em questão.
Além disso, a obtenção de dados primários tende a ser submetida a um maior controle de
qualidade, pois o pesquisador tem mais controle sobre os processos e instrumentos de coleta
de dados. Por outro lado, os dados primários demoram mais para serem obtidos, dependem de
recursos financeiros adicionais e requerem um grande trabalho, tanto no planejamento como na
execução da coleta de dados.
Já os dados secundários são aqueles que já foram coletados, mas estão disponíveis para serem
analisados. A análise de dados secundários normalmente será baseada em fontes governamentais,
a exemplo do DATASUS com dados de óbitos e nascimentos. O uso dos dados secundários é um
68
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
recurso valioso, pois apresenta a grande vantagem de estarem prontamente disponíveis e não
demandarem custos adicionais de coleta de dados. Além disso, fornecem dados populacionais,
vitais, epidemiológicos, administrativos e clínicos essenciais para a caracterização do perfil de
saúde da população. Por outro lado, o investigador interessado em analisar tais dados não pode
modificar o tipo de dado que é coletado, nem tem controle sobre a qualidade do processo de
coleta dos mesmos. Consequentemente, os dados secundários podem apresentar limitações para
atender aos interesses de um pesquisador. Além disso, exigem um grande cuidado na análise e
interpretação, já que as características, propriedades, qualidade e abrangência dos dados nem
sempre são amplamente conhecidas ou aquelas almejadas.
Uma das mais importantes fontes de dados secundária é o Censo Demográfico que geralmente
é realizado a cada 10 anos com todos os habitantes do território nacional para coletar informa-
ções referentes a aspectos demográficos e socioeconômicos e às características do domicílio. O
Censo Demográfico consiste na principal fonte de referência para o conhecimento das condições
de vida da população em todos os municípios do país e em seus recortes territoriais internos.
Além disso, o Brasil possui um grande conjunto de dados provenientes de Sistemas de Informação
em Saúde de âmbito nacional e de Inquéritos Populacionais amostrais que contemplam milhões de
dados individuais que incluem uma ampla gama de dados de morbidades, mortalidade, comporta-
mentos e vários outros determinantes de eventos relacionados à saúde. Grande parte desses dados
estão disponíveis pela Internet (Departamento de Informática do SUS; https://www.datasus.gov.br).
69
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Quadro 1 – Exemplos de Sistemas de Informações do SUS e com dados disponíveis para análise
Representativida-
Sistema Descrição e temas cobertos Instrumento de coleta
de e abrangência
Sistema de Informa- O SIM reúne dados de mortalidade obtidos conti- Declaração de Óbito Nacional
ções sobre Mortalida- nuamente em todo o território nacional
de (SIM)
Sistema de Informação O Sinan reúne dados continuamente das noti- Ficha de Notificação/ Ficha Nacional
de Agravos de Notifica- ficações e investigações de casos de doenças investigação
ção (Sinan) e agravos que constam da lista nacional de
doenças de notificação compulsória (Portaria
GM/MS nº 420, de 2 de março de 2022)
Sistema de informação O Sinasc reúne dados sobre nascidos vivos Declaração de Nascido Vivo Nacional
sobre Nascidos Vivos registrados continuamente em todo o território
(Sinasc) nacional
Sistema de Informação O SIA/SUS reúne informações Boletim de Produção Ambu- Nacional, mas
Ambulatoriais do SUS de atendimento ambulatorial financiados pelo latorial (BPA); Autorização restrito a atendi-
(SIA/SUS) SUS registrados continuamente pelos prestado- de procedimentos de alta mentos ambulato-
res públicos ou privados contratados/convenia- complexidade (APAC); riais financiados
dos ao SUS Cadastro de Estabelecimen- pelo SUS
tos de Saúde (CNES), entre
outros
Sistema de Informa- SIH/SUS consolida os dados da Autorização de Autorização de Internação Nacional, mas
ções Hospitalares do Internação Hospitalar (AIH) que é necessária Hospitalar (AIH) restrito a interna-
SUS (SIH/SUS) para todas as internações hospitalares financia- ções financiadas
das pelo SUS registrados continuamente pelos pelo SUS
prestadores públicos ou privados contratados/
conveniados ao SUS
LEMBRE-SE DO TABNET
Lembrando que com o TABNET https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/
é possível acessar diversas bases de dados do Sistema de Informação em Saúde de forma
simples e ágil. O TABNET foi desenvolvido pelo DATAUS para ser uma ferramenta que auxilie
na organização de dados de forma rápida conforme a consulta que se deseja tabular. Permite
a visualização de tabelas, gráficos e mapas, além de possibilitar a exportação dos dados
para planilhas eletrônicas com extensão (.csv e TabWin). O TABNET é um instrumento criado
com o objetivo de subsidiar: análises objetivas da situação sanitária; tomadas de decisão ba-
seadas em evidências; e elaboração de programas de ações de saúde. Maiores informações
podem ser acessadas no “Tutorial TABNET” disponibilizado no site do DATASUS:
CLIQUE AQUI
70
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
VIGITEL – Vigilância O VIGITEL é um inquérito realizado por telefo- Questionário aplicado por Amostra repre-
de Fatores de Risco ne anualmente desde 2006 entre pessoas com telefone sentativa das 26
e Proteção para Do- 18 ano ou mais para monitorar a frequência e Capitais brasilei-
enças Crônicas por a distribuição dos principais fatores de risco ras e do Distrito
Inquérito Telefônico para as doenças crônicas não transmissíveis. Federal
Pesquisa Nacional de A PNS é um inquérito de base domiciliar que Questionário aplicado no Amostra repre-
Saúde (PNS) geralmente é realizado a cada 5 anos com o domicílio sentativa nacio-
objetivo de produzir dados em âmbito nacional nal (áreas urbana
sobre a situação de saúde e os estilos de vida e rural), Grandes
da população brasileira, bem como sobre a Regiões, Unida-
atenção à saúde, no que diz respeito ao acesso des Federativas,
e uso dos serviços, às ações preventivas, à Capitais, Restante
continuidade dos cuidados e ao financiamento das Unidades
da assistência. Federativas e
Regiões Metropo-
litanas.
SAIBA MAIS
ACESSE
https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/svs/
vigilancia-de-doencas-cronicas-nao-transmissiveis/
sistemas-de-informacao-em-saude
71
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Os instrumentos utilizados para coleta de dados em saúde variam conforme o objetivo da cole-
ta. Por exemplo, os dados que integram os Sistemas de Informação em Saúde são coletados de
forma contínua em todo o território nacional por meio de instrumentos padronizados de regis-
tros como a Declaração de Óbito, Declaração de Nascido Vivo, Ficha de Notificação de doenças/
agravos, Ficha de Investigação, etc. A padronização desse tipo de instrumento é fundamental
para garantir que os dados coletados sejam comparáveis ao longo do tempo e para que seja
possível comparar diferentes grupos populacionais no território nacional. Dessa forma, tanto os
campos de preenchimento do instrumento (que irão gerar as variáveis do banco de dados) como
a forma de preenchimento desses campos devem ser padronizados por meio de manuais ou
protocolos e treinamento adequado dos profissionais envolvidos na coleta de dados.
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Dessa forma, mudanças na forma de coletar esse tipo de dado devem ser evitadas, pois podem
levar a variações em indicadores de saúde que não expressarão variações reais na ocorrência
do problema de saúde que está sendo analisado. Por outro lado, muitas vezes mudanças no
instrumento ou método de coleta de dados podem ser necessárias para aprimorar ou atualizar o
Sistema de Informação, mas nesse caso essas mudanças precisam ser consideradas para permi-
tir a adequada análise e intepretação dos dados. Por exemplo, em 2018 em comparação com o
ano de 2017, observou-se aumento 26% no número de casos confirmados de sífilis em gestantes
no Brasil (Brasil, 2019). Apesar de estarmos observando um aumento progressivo do número de
casos de sífilis em gestante no Brasil durante a última década, o aumento ocorrido entre 2017
e 2018 foi mais acentuado. Pode ser que parte desse acréscimo no número de casos não reflita
um aumento real, pois em 2017 houve uma mudança no critério de definição de casos de sífilis
em gestante, que tornou a definição de caso mais ampla, já que passou a considerar como caso
não apenas a presença de teste positivo para sífilis durante o pré-natal, mas também os testes
positivos durante o parto e puerpério (Brasil, 2019).
72
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A construção de instrumentos de coleta de dados epidemiológicos precisa ser pensada com muito
cuidado, pois o instrumento precisa ter um número suficiente de variáveis para permitir a produ-
ção de informação qualificada em saúde, mas também não pode ser muito extensos e complexos
a ponto de dificultar seu preenchimento, o que poderia levar a erros e perda de qualidade do dado.
Tabela 1 - Percentual de incompletude da variável raça/cor da pele nas declarações de óbito de idosos no
Brasil e grandes regiões entre 2000-2015
% Incompletude
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Norte 8,4 6,6 2,8 2,4 2,4 2,1 2,3 2,2 2,2 1,8 1,5 1,4 1,2 1,2 1,2 1,1
Nordeste 15,4 13,8 12,1 10,9 10,5 9,2 9,0 7,9 6,9 7,0 6,1 5,4 4,8 4,8 4,3 4,0
Sudeste 6,4 5,5 5,0 4,2 3,6 3,4 4,7 4,5 4,3 4,2 4,0 3,6 3,5 3,4 3,1 2,9
Sul 4,6 3,9 3,2 2,8 2,6 2,5 2,3 2,1 1,9 1,8 1,6 1,8 1,9 2,2 2,0 1,8
Centro- 7,2 4,8 4,1 2,9 2,8 2,5 2,6 2,8 2,7 2,1 1,8 2,2 2,0 1,9 1,8 1,7
-Oeste
Brasil 8,4 7,3 6,3 5,5 5,1 4,6 5,1 4,7 4,4 4,3 3,8 3,6 3,3 3,4 3,0 2,8
Fonte: Romero DE et al. Tendência e desigualdade na completude da informação sobre raça/cor dos óbitos de idosos no Sistema de
Informações sobre Mortalidade no Brasil, entre 2000 e 2015. Cadernos de Saúde Pública. v. 35, n. 12, 2019.
Já a cobertura diz respeito a participação de todos os indivíduos que foram incluídos no estudo
73
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
ou no sistema de informação. Caso a cobertura planejada dos dados coletados não tenha sido
alcançada, isso precisa ser levado em consideração na criação de qualquer indicador que utilize
esse dado como fonte de informação. Por exemplo, o Sistema de Informações sobre Nascidos
Vivos (Sinasc) reúne dados de todos os nascidos vivos que foram registrados no país. A obten-
ção desse dado acontece de forma contínua em todo o território brasileiro e estima-se que a
cobertura nacional desse sistema seja de 95% (Almeida et al, 2019). Por outro lado, sabemos
que ainda há subnotificação de nascimentos de crianças em situação de maior vulnerabilidade
como as procedentes de regiões mais carentes, zona rural, indígenas etc. Ao analisar a Figura 2
podemos observar uma variabilidade da cobertura do Sinasc segundo os municípios brasileiros,
sendo importante destacar que no Amazonas, Pará e Maranhão, mais de 10% dos municípios têm
coberturas inferiores a 60% (Almeida et al, 2019). Dessa forma, municípios com baixas coberturas
do Sinasc devem considerar essa subnotificação na estimativa dos indicadores de saúde que utili-
zam o número de nascidos vivos como fonte de informação como a mortalidade infantil e a razão
de mortalidade materna (ver Aula 3.2 Indicadores de Saúde Parte 2).
Figura 3 – Cobertura das informações de nascidos vivos por município. Brasil, 2012-2014
Fonte: Almeida WS, et al. Avaliação das informações do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), Brasil . Cad. Saúde
Pública. 2019, vol.35, n.10.
É fundamental também que a cobertura dos dados coletados seja considerada em qualquer
74
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
análise que utilize esses dados. Veja um exemplo sobre essa questão a seguir:
A cobertura populacional também é muito importante nos inquéritos populacionais. Nos in-
quéritos, utilizamos amostras com o intuito conhecer uma população, ou seja, pretendemos
generalizar os resultados para toda a população (Figura 3). Os inquéritos são realizados com
amostras por que é muito caro e demorado incluir toda a população. O processo de amostragem
envolve uma combinação de técnicas que permite selecionar uma amostra representativa da
população. Uma amostra é considerada representativa quando consegue representar corre-
tamente a variabilidade dos dados existente na população alvo. Ou seja, pressupõe-se que
todos os indivíduos selecionados para inclusão na amostra irão participar. Como a participação
em inquéritos é voluntária, alguns indivíduos podem recusar participar de um inquérito. Se o
percentual de recusas for muito alto, a representatividade da amostra pode ser comprometida,
limitando ou mesmo inviabilizando a generalização dos resultados para a população que deu
origem à amostra.
75
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Generalização
Resultados
Amostragem
Amostra
População
Banco de dados consiste em um arquivo em que estão reunidos um conjunto de dados de forma
organizada. Em geral essa consolidação de dados é feita utilizando programas de computador
e planilhas eletrônicas. Um método comum para construção de bancos de dados consiste em
organizar uma planilha com linhas e colunas como exibido na Figura 4.
Normalmente, cada linha representa uma unidade de analise, que pode ser uma pessoa, um
caso de doença, uma internação, um município, etc. Ou seja, o total de linhas representa o
total de indivíduos (ou unidades analíticas) naquela base. Nas colunas são descritas as variá-
veis incluídas como sexo, idade, local de residência. A primeira variável de um banco de dados
geralmente é aquela que identifica o dado, pode ser o nome da pessoa, número da AIH, CPF,
ou mesmo um número arbitrário (identificador) alocado a cada indivíduo em um inquérito
de saúde. Este último recurso é usado para garantir o anonimato de dados por questões de
sigilo e confidencialidade (para mais informações veja Aula 1.3. Princípios éticos na pesquisa
e prática epidemiológicas nos serviços de saúde).
76
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A construção de um banco de dados é simples quando existem poucas variáveis (poucas colu-
nas) e o número de indivíduos/unidades analíticas é pequeno (poucas linhas) ou mais complexa
quando envolve um conjunto grande de dados. Cabe ressaltar que todos os bancos de dados
precisam ser revistos antes de iniciar a análise para checar a possibilidade de erros, especial-
mente em grandes bancos de dados. Nesse sentido é importante checar, por exemplo, se os
dados registrados em uma variável assumem valores possíveis. Por exemplo, na variável altura
corporal não esperamos um valor igual a 4 metros. Se encontramos, é provável que seja um erro
que necessita ser corrigido. Caso não seja possível verificar o dado correto o melhor a ser feito
é codificar esse dado como “faltante”.
Com frequência as variáveis categóricas são registradas nos bancos de dados de forma codifica-
da para facilitar a análise de dados em softwares estatísticos. Por exemplo, a variável sexo pode
ser codificar como “1” se o sexo for masculino e como “2” se for feminino. Essa codificação deve
ser documentada em um dicionário de variáveis com descrição detalhada do significado de cada
77
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
código nas variáveis do banco de dados. Recomenda-se também não deixar nenhuma observa-
ção vazia, pois nesse caso não sabemos se a ausência de informação representa realmente um
dado inexistente ou se quem registrou a informação no banco se esqueceu de preencher os dados
dessa variável. Dessa forma, na presença de dados faltantes recomenda-se preencher com valores
extremos, geralmente usamos o valor 9 (ou 99, 999, 9999).
Ressalta-se também que as variáveis contínuas devem ser registradas no banco de dados em
sua forma original e, posteriormente, se necessário o pesquisador pode criar uma variável ca-
tegórica usando a variável original. Por exemplo, no banco de dados poderemos ter a variável
idade em anos, mas também podemos criar uma variável faixa etária (de dez em dez anos, por
exemplo), preservando a variável original para possibilitar uma eventual mudança na forma de
analisar os dados caso seja necessário.
Os dados na forma em que foram coletados, mesmo que reunidos em bancos de dados bem
estruturados, não permitem extrair informações qualificadas sem que antes sejam resumidos e
descritos. Por isso, iremos apresentar a seguir os passos iniciais de uma análise descritiva dos
dados. Esses passos visam identificar a frequência em que os eventos ocorrem, e descrevê-los
por meio de medidas resumidas, chamadas de medidas de tendência central.
Geralmente, utilizamos tabelas e gráficos para descrever a distribuição da frequência com que
cada observação ocorre em um banco de dados. São as formas mais comuns de descrever variá-
veis qualitativas e podem ser utilizadas também para descrição de algumas variáveis discretas.
A frequência pode ser absoluta ou relativa. A frequência absoluta informa a quantidade de
vezes que determinado evento ocorre. Já a frequência relativa é o resultado obtido da divisão
entre frequência absoluta da variável e o número total de observações.
Por exemplo, utilizando dados do Sinan, foi possível construir a Tabela 2 com frequência abso-
luta de casos de sarampo no ano de 2020 e a frequência relativa de casos segundo cada estado
do país. Por meio dessa tabela percebemos em 2020 foram confirmados 8442 casos de sarampo
e que os estados do Pará, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Amapá concentraram o maior
número de casos confirmados, totalizando 96,7% dos casos.
78
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Confirmados Óbitos
ID UF
N % N %
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Volume 52 | Jan. 2021.
79
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 6 – Percentual da população vacinada (1a dose) para covid-19 no Brasil ao longo de 2021
Fonte: FIOCRUZ. Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT). Monitoracovid-19. Rio de Janeiro, 2021.
A importância da realização de gráficos para deixar mais evidente uma tendência também pode
ser exemplificada com os dados da frequência relativa de tabagismo no Brasil entre 2006 e 2017,
para a população total e para e homens e mulheres separadamente (Figura 6). Percebemos que a
frequência relativa de tabagismo é maior entre homens do que entre as mulheres e que em ambos
os grupos houve uma queda do percentual de tabagistas ao longo do tempo. Essas informações
ficaram muito mais nítidas de serem observadas em gráficos do que se estivessem em uma tabela.
Figura 7 – Frequência de fumantes no Brasil segundo sexo no Brasil entre 2006 e 2017
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Vigilância em Saúde no Brasil 2003|2019: Da
criação da Secretaria de Vigilância em Saúde aos dias atuais. Número Especial | Set. 2019.
80
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Situação do Sarampo no Brasil – 2018-2019. Informe no37, 2019.
Também podemos utilizar distribuições de frequência para descrever variáveis continuas, mas
para isso precisaremos de criar categorias ou faixa de valores para podermos contar o número
de ocorrências em cada faixa. Por exemplo, a Figura 8 descreve a proporção de indivíduos com
18 anos ou mais que referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial na Pesquisa Nacional
de Saúde, segundo faixas etárias.
Figura 9 – Proporção de indivíduos de 18 anos ou mais que referem diagnóstico médico de hipertensão
arterial, segundo grupos de idade.
70
62,1
60 56,6
50 46,9
40
30
20,3
20
10 2,8
0
De 18 a 29 anos
De 30 a 59 anos
De 60 a 64 anos
De 65 a 74 anos
75 anos ou mais
81
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A descrição dos dados também envolve a utilização de medidas de tendência central que irão
sintetizar em um único número um conjunto de dados. As medidas de tendência central mais
frequentemente utilizadas são a média, a mediana e a moda.
A média resulta da divisão entre o somatório dos valores encontrados em cada observação de
uma variável e a quantidade de observações. A média frequentemente é denotada de xx. Se
tivermos uma série de n valores de uma variável x, a média aritmética simples será determinada
pela expressão:
Por exemplo, no Brasil entre 2003 e 2018 foram registrados mais de 155.539 casos confirmados
meningite viral (Brasil, 2019b). Mas qual seria a média anual de casos nesse mesmo período?
Para calcular essa média basta dividir a somatória de casos confirmados meningite viral em
todos os 16 anos de observação (155.539 casos) pelo número de anos observados (16 anos), que
resultará em uma média anual de casos de 9.722.
A mediana é o valor que divide a distribuição no meio, ou seja, 50% dos valores encontrados
ficam acima da mediana e 50% abaixo. Para localizar a mediana o primeiro passo é ordenar
os valores existentes para poder identificar o valor do meio. Para exemplificar, considere que
temos dois conjuntos de dados individuais, com as seguintes idades ordenadas (em anos):
Por fim, a moda é o valor que ocorre com maior frequência. Por exemplo, considere o conjunto de
dados a seguir: {1, 2, 2, 2, 5, 6, 9, 13, 20, 40, 42, 43}. Nesse conjunto a moda é igual a 2. Ressalta-se
que distribuições em que todas as observações ocorrem na mesma frequência não haverá moda.
Além disso, é possível haver mais de uma moda em uma distribuição caso ela tenha mais de uma
observação com frequência máxima. A moda é uma medida pouco utilizada, pois serve apenas para
evidenciar qual o(s) valor(es) que mais se repete(m) em um conjunto de dados.
82
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Para distribuições simétricas, a média, a mediana e a moda são muito próximas (Figura 9). Uma
distribuição é simétrica quando os valores observados se distribuem em torno de um valor (o
mais frequente) de forma igual, ou seja, metade dos valores ficam acima e metade abaixo da
média). Muitas variáveis como idade, peso, altura se distribuem dessa forma e dizemos que elas
têm distribuição normal, pois assumem o formato da curva normal ou de Gauss.
Figura 10 – Exemplo da distribuição simétrica da variável altura corporal em uma amostra de 13 mil pessoas
(média =165,3 cm; mediana=164,7; moda=164,0)
83
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Fonte:https://cesad.ufs.br/ORBI/public/uploadCatalago/09215427022012Bioestatistica_Aula_03.pdf.
Quando queremos sumarizar uma distribuição usando as medidas de tendência central (média,
mediana e moda), a característica da curva de distribuição orienta a melhor medida a usar. No
caso de variáveis contínuas com distribuições simétricas, com frequência utilizamos a média
como medida de tendência central. Já variáveis contínuas com distribuições assimétricas o uso
da mediana é mais adequado. Ou seja, distribuições simétricas, usamos média. Para distribuições
assimétricas, usamos mediana.
Cabe ressaltar que mesmo em distribuições simétricas podem ocorrer alguns valores extremos
isolados, que diferem muito dos demais, seja por serem muito elevados ou muito baixos. Tais
valores podem influenciar muito o cálculo da média, e resultar em uma média estimada que não
reflete bem a tendência central dos dados em questão. Portanto, lembre-se, a média é muito
sensível a dados com valores extremos, principalmente em pequenas amostras. A mediana
não sofre deste problema, por isso, podemos dizer que a mediana é uma medida de tendência
central mais robusta por ser menos influenciada por valores discrepantes.
A amplitude de um conjunto de dados consiste na diferença entre o maior elemento desse con-
84
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
junto e o menor. Por exemplo, se no Brasil os números de casos confirmados de febre maculosa
no ano de 2018 tivesse variado de 3 a 72 casos dependendo do estado brasileiro, poderíamos
dizer que a amplitude seria igual a 69. Essa medida apesar de localizar os valores mínimos e
máximos vem sendo pouco utilizada, por ser fortemente influenciada, ou até mesmo distorcida,
por apenas uma observação.
A variância é uma medida de variabilidade dos dados em torno da média sendo denotada por
s2. Ela considera os desvios em relação à média de cada uma das observações do conjunto de
dados, ou seja, subtrai-se o valor observado da média para cada observação. Cada um desses
desvios é elevado ao quadrado e, posteriormente somados e dividido pelo número de observa-
ções do conjunto de dados menos 1. Logo, se tivermos uma série de n valores de uma variável
x com uma média igual a xx, a variância será:
85
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Fonte: https://cesad.ufs.br/ORBI/public/uploadCatalago/09215427022012Bioestatistica_Aula_03.pdf.
O baixo desvio-padrão é a medida de dispersão mais utilizada para variáveis simétricas, mas por
ser medida de variabilidade dos dados em torno da média, seu uso não é adequado para variá-
veis assimétricas. Como discutimos anteriormente, para variáveis assimétricas o uso da mediana
é mais apropriado como medida de tendência central. Nesses casos podemos usar os percentis
para caracterizar a variabilidade da variável. Os percentis consistem em uma medida de posição
que divide as observações de uma variável em 100 partes iguais, cada uma com um percentual
de dados aproximadamente igual. Trata-se de uma medida de posição relativa de uma observa-
ção em relação a todas as demais. O valor da mediana é o percentil 50 de uma distribuição, pois
divide as observações no meio. Por exemplo, a mediana do tempo decorrido entre a exposição
ao SARS-Cov2 e a manifestação dos primeiros sintomas (período de incubação) é de 5,1 dias, o
percentil 2,5 dessa distribuição é igual a 2,2 dias e o percentil 97,5 é igual a 11,5 (Lauer et al
2020). Dessa forma, menos de 2,5% da população estudada possui período de incubação menor
do que 2,2 dias e 97,5% possuem período de incubação abaixo de 11,5 dias.
Também podemos dividir as nossas observações em 4 grupos para criar quantis. Nesse caso os
percentis 25, 50 e 75 são o que chamamos de primeiro, segundo e terceiro quartis, respectiva-
mente. Utilizamos essa divisão para calcular o intervalo interquartil que consiste no intervalo
entre o primeiro e terceiro quartis. Se calcularmos a diferença entre o primeiro e o terceiro
quartis chegaremos na amplitude interquartil. Tanto o intervalo interquartil como a amplitude
interquartil são medidas de dispersão frequentemente utilizadas para variáveis assimétricas.
Por exemplo, a Tabela 3 mostra resultados de um estudo que analisou o tempo de espera
86
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Tabela 3 – Medianas do tempo de espera de consulta médica (n=4.001) na região metropolitana de Manaus,
segundo sexo 2015
Mediana (Intervalo interquartil)
Variáveis
Tempo de espera (minutos)
Sexo
Masculino 65 (30;130)
Feminino 90 (30;180)
Fonte: Galvão, Taís Freire et al. Tempo de espera e duração da consulta médica na região metropolitana de Manaus, Brasil: estudo
transversal de base populacional, 2015. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2020, v. 29, n. 4, e2020026.
2.1.7 Conclusão
Nesta aula demonstramos que a compreensão das características e propriedades dos dados
epidemiológicos é fundamental para se produzir, descrever, analisar e interpretar dados epi-
demiológicos de forma rigorosa, cautelosa e crítica. Todas essas etapas são essenciais para se
produzir informações epidemiológicas de qualidade e, portanto, são essenciais para qualquer
profissional que atue na área de vigilância em saúde.
87
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Almeida WS, et al. Avaliação das informações do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos
(Sinasc), Brasil . Cad. Saúde Pública. 2019, vol.35, n.10.
Galvão, Taís Freire et al. Tempo de espera e duração da consulta médica na região metropolitana de
Manaus, Brasil: estudo transversal de base populacional, 2015. Epidemiologia e Serviços de Saúde.
2020, v. 29, n. 4, e2020026.
Lauer SA, Grantz KH, Bi Q, Jones FK, Zheng Q, Meredith HR, Azman AS, Reich NG, Lessler J. The
Incubation Period of Coronavirus Disease 2019 (covid-19) From Publicly Reported Confirmed Cases:
Estimation and Application. Ann Intern Med. 2020 May 5;172(9):577-582.
Lima, Francisca Elisângela Teixeira et al. Intervalo de tempo decorrido entre o início dos sintomas
e a realização do exame para covid-19 nas capitais brasileiras, agosto de 2020*. Epidemiologia e
Serviços de Saúde. v. 30, n. 1 , e2020788.
Romero DE et al. Tendência e desigualdade na completude da informação sobre raça/cor dos óbitos
de idosos no Sistema de Informações sobre Mortalidade no Brasil, entre 2000 e 2015. Cadernos de
Saúde Pública. v. 35, n. 12, 2019.
88
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
2.2.1. Introdução
Em geral, utilizamos testes/exames disponíveis na rotina nos serviços de saúde seja para
triagem ou rastreamento de pacientes, diagnóstico de doenças ou ainda para acompanhar a
evolução clínica.
Os testes/exames podem ser de vários tipos, de imagem, de laboratório, exames físicos, entre
outros. Veja no quadro 1 alguns exemplos de testes/exames comuns, frequentemente utilizados
para a distinção entre pessoas com e sem a doença em questão.
Exemplos de testes ou instrumento utilizados para auxiliar na distinção
de indivíduos com ou sem uma determinada doença ou condições de saúde
Glicemia de jejum Diabete Melitus
Aferição de Pressão Arterial Hipertensão Arterial
Balança (aferição de peso corporal) Obesidade
Mamografia Câncer de Mama
Exame Papanicolau Câncer de Colo Uterino
Pressão Intraocular Glaucoma
Muitas doenças podem ser diagnosticadas por mais de um teste ou exame, como a dengue por
89
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
exemplo. Mas, mesmo testes/exames caros e/ou invasivos, frequentemente não garantem que
100% dos indivíduos que tem uma doença serão detectados corretamente. Seja qual for o tipo
de teste/exame realizado, fica sempre a pergunta:
“Quão bom esse teste/exame é em separar os indivíduos com e sem a doença em questão?”
Diante desse questionamento, temos que ter em mente que, na maioria das vezes, o resulta-
do de um teste/exame nos fornece uma probabilidade de o indivíduo estar ou não doente, e
não uma certeza absoluta. Para compreender melhor essa probabilidade, vamos a um exemplo
hipotético. Suponha que 1.000 mulheres já tem o seu diagnóstico confirmado com relação à
presença ou ausência de câncer de colo uterino (Tabela 1):
Tabela 1 – Diagnóstico de câncer de colo uterino em uma população hipotética de 1.000 mulheres
Positivo 200
Negativo 800
Total 1.000
Positivo 530
Negativo 470
Total 1.000
Agora perceba: a quantidade de indivíduos com resultado positivo é a mesma nas duas situa-
ções? E para os indivíduos com resultado negativo? Será que todos os indivíduos com câncer de
colo uterino tiveram resultado positivo no exame de Papanicolau?
Para compreender melhor a diferença observada nas duas tabelas acima, vamos cruzar as infor-
mações obtidas e colocá-las em uma só tabela (Tabela 3):
90
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Observe que existem mulheres que possuem o diagnóstico de câncer de colo uterino, mas que
receberam o resultado negativo pelo exame de Papanicolau (20 mulheres) – tais resultados são
chamados de falso negativos. Existem ainda mulheres que não possuem câncer de colo uterino,
mas que receberam o resultado positivo pelo teste/exame (350 mulheres). Ou seja, são resultados
falso positivos. Ainda, dá-se o nome de verdadeiros positivos àqueles indivíduos que tem a doença
e que receberam o resultado do teste/exame positivo, e verdadeiros negativos aqueles que não
estão doentes e tiveram o resultado negativo do teste/exame realizado.
Essa situação é bastante comum na quase totalidade dos testes/exames diagnósticos ou instru-
mentos: eles produzem resultados verdadeiro positivos, falso positivos, verdadeiro negativos e
falso negativos, como pode ser visto na Tabela 4 abaixo:
Tabela 4 – Comparação dos resultados de um teste com o estado da doença, evidenciando os quatro grupos
de resultados possíveis
Doença
Presente Ausente
Então, podemos apresentar a Tabela 3 novamente aplicando esses novos conceitos (Tabela 3.1):
Tabela 4.1 – Comparação hipotética para efeito de análise da validade, evidenciando os quatro grupos de
resultados possíveis
91
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Mas, por que foi realizado o exame de Papanicolau se o diagnóstico de câncer de colo uterino
já havia sido confirmado? Como essa informação de diagnóstico foi obtida?
Em geral, a melhor informação sobre a ausência ou presença da doença (ou status da doença)
é obtida por um teste/exame, geralmente chamado de padrão-ouro ou padrão de referência.
Como o teste/exame padrão nos fornece uma informação mais correta sobre a ausência ou pre-
sença da doença, eles são usados para comparação com os demais testes/exames que tenham
o mesmo objetivo diagnóstico. O teste/exame padrão utilizado para confirmar o diagnóstico de
câncer de colo uterino dessas 1.000 mulheres, no nosso exemplo, foi a biópsia.
Já que esse teste/exame padrão é mais acurado, por que não o utilizamos para fazer o diagnóstico
da doença? Porque em geral os testes/exames padrão são mais caros, são tecnicamente mais
complexos ou demorados, ou mais invasivos e podem oferecer algum tipo de risco ao paciente.
Por estas razões, eles são pouco práticos para uso recorrente, no dia a dia dos serviços de saúde **.
**SAIBA MAIS!
Testes padrão ouro ou padrão referência x testes usuais para algumas condições de saúde:
Assim, quando usamos um teste menos acurado, temos que considerar a probabilidade de o resul-
tado ser falso, tanto falso positivo (o indivíduo não está doente, mas o resultado do teste/exame
é positivo); como falso negativo (o indivíduo está doente, mas o resultado é negativo). Por isto,
precisamos conhecer estas probabilidades, e é o que vamos verificar no próximo tópico.
92
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Lembram-se dessa tabela 4 do tópico anterior? Vamos relembrá-la atribuindo uma letra para
cada grupo de resultados possíveis:
Tabela 4 – Comparação dos resultados de um teste com o estado da doença, evidenciando os quatro grupos
de resultados possíveis
Doença
Presente Ausente
a+c b+d
Sensibilidade é a probabilidade que um resultado de um teste seja positivo, quando realizado em pessoas que realmente
estejam doentes.
Especificidade é a probabilidade que um resultado de um teste seja negativo, quando realizado em pessoas que realmente não
estejam doentes.
Então, a sensibilidade revela a proporção de verdadeiros positivos (a) entre todos os doentes (a +
c). Desse modo, podemos perceber que quanto maior a sensibilidade de um teste/exame, menor
a proporção de resultados falso negativos.
A mesma lógica pode ser aplicada à especificidade: quanto maior a especificidade de um teste/
93
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Vamos ver agora um exemplo de como podemos obter esses valores de sensibilidade e especi-
ficidade de um teste/exame, utilizando a mesma tabela 3 que vimos no tópico 1.
2. Logo após, realizamos a divisão dos valores e multiplicamos o resultado por 100 para faci-
litar a interpretação (em termos percentuais).
Assim temos:
Assim, a sensibilidade do exame de Papanicolau nessa população de 1.000 mulheres foi de 90%.
--- A proporção de pessoas doentes que foram corretamente identificadas como “positivas” é de
90 a cada 100, ou de 90% -----
94
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
---- 90% das pessoas com câncer de colo uterino foram corretamente identificadas como “posi-
tivas” pelo exame de Papanicolau ----
2. Logo após, realizamos a divisão dos valores e multiplicamos o resultado por 100 para faci-
litar a interpretação (em termos percentuais).
Assim temos:
--- A proporção de pessoas não-doentes que foram corretamente identificadas como “negativas”
é de 56 a cada 100, ou de 56% -----
---- 56% das pessoas sem câncer de colo uterino foram corretamente identificadas como “nega-
tivas” pelo exame de Papanicolau ----
95
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Quadro 2 – Desempenho de dois testes diagnósticos sorológicos para covid-19 registrados na ANVISA
Sensibilidade: 86%
Eco F covid-19 Ag
Especificidade 95
Sensibilidade 70%
Covid-19 Ag Eco Teste
Especificidade 97%
Fonte: Ministério da Saúde. Acurácia dos testes diagnósticos registrados na ANVISA para a covid-19. Brasília, Maio, 2020. Disponível
em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/June/02/AcuraciaDiagnostico-covid19-atualizacaoC.pdf.
Perceba que o teste “Covid-19 Ag ECO Teste” é capaz de identificar corretamente como positivos
70% dos verdadeiramente doentes. E quem seriam esses 30% restantes?
São justamente aqueles que o teste/exame foi incapaz de identificar corretamente como doen-
tes, ou seja, identificou como negativos indivíduos que estavam doentes de fato. Desse modo,
os 30% se referem à proporção de falso negativos que aquele teste/exame resulta dentre os
indivíduos sabidamente doentes.
LEMBRE-SE!
A sensibilidade e especificidade são características fixas do teste/exame.
Qual a importância dos testes/exames de rastreamento e por que eles devem ser mais sensíveis?
96
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
No entanto, temos que lembrar que a informação que teremos em um programa de rastreamento
serão os resultados dos testes/exames realizados. E, dentre o total de resultados positivos que
um teste/exame fornece, temos aqueles que são falsos positivos também, além dos verdadeiros
positivos (Destaque em verde na tabela 4 abaixo)!
Tabela 4 – Comparação dos resultados de um teste com o estado da doença, evidenciando os quatro grupos
de resultados possíveis
Doença
Presente Ausente
a+c b+d
97
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Caso os testes/exames rápidos utilizados no programa de rastreamento para HIV forem pou-
co específicos, o problema também é crítico. A proporção de resultados falso positivos seria
alta, ou seja, muitos receberiam o resultado positivo sem de fato ter o vírus. Esse cenário po-
deria acarretar, no mínimo, em ansiedade e preocupação nessas pessoas, sem mencionar a
possiblidade de tratamento inadequado e o estigma que pessoas vivendo com HIV ainda car-
regam na sociedade atual. Sem mencionar na sobrecarga no sistema de saúde para atender
à demanda desses indivíduos com o resultado “positivo”. Obviamente é possível realizar um
teste/exame mais específico que permita confirmar a existência do vírus no corpo, mas as
consequências morais e psicológicas desse tipo de resultado falso podem ser irreversíveis.
No entanto, existem doenças cujo resultado falso positivo ou negativo não tem um impacto
tão significativo na vida dos indivíduos quanto no exemplo acima. Então, a importância dos
resultados falsos depende da natureza e da severidade da doença, e das oportunidades e
disponibilidade de tratamento e intervenção confiável para tal.
Até o momento, nos perguntamos o quanto um teste/exame é bom para identificar as pessoas
com e sem a doença. Ou seja, se fizermos um rastreamento na população, por exemplo, já
podemos obter a proporção de pessoas com a doença que terão o seu resultado do teste/exame
positivo, sendo corretamente identificadas. Essa informação é de grande relevância para a saú-
98
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
No entanto, na prática clínica de muitos serviços de saúde, não é raro ter que lidar com os resultados
de testes/exames dos indivíduos que procuram esse serviço ou que são acompanhados por ele.
Então, uma vez que temos o resultado de um teste/exame em mãos, é natural que se pergunte: “Se o
resultado do teste for positivo, qual a probabilidade desse paciente realmente ter a doença?” ou “Se
o resultado do teste for negativo, qual a probabilidade desse paciente realmente não ter a doença?”.
Isso é chamado de valor preditivo positivo e negativo, respectivamente:
Valor Preditivo Positivo (VPP) é a probabilidade de uma pessoa com um resultado do exame positivo apresentar realmente a doença.
Valor Preditivo Negativo (VPN) é a probabilidade de uma pessoa com um resultado do exame negativo realmente não
apresentar a doença.
O valor preditivo positivo (VPP) revela a proporção de verdadeiros positivos (a) entre todos
os indivíduos que receberam o resultado positivo do teste realizado (a + b). Desse modo,
podemos perceber que quanto maior o VPP, menor a proporção de resultados falso positivos.
A mesma lógica pode ser aplicada ao valor preditivo negativo (VPN): quanto maior o VPN,
menor a proporção de resultados falso negativos.
Vamos retornar ao nosso exemplo sobre o diagnóstico do câncer de colo uterino visto em tópi-
cos anteriores (Tabela 3):
99
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Assim temos que o VPP nessa população de 1.000 mulheres foi de 34%. E como interpretar esse
valor? E só lembrar-se do conceito de VPP:
--- A proporção de pessoas com resultado do teste positivo que realmente apresentam a doença
é de 34 a cada 100, ou de 34% -----
---- 34% das pessoas com resultado “positivo” para câncer de colo uterino pelo exame de Papa-
nicolau realmente apresentam tal doença ----
--- A proporção de pessoas com resultado do teste negativo que realmente não apresentam a
doença é de 96 a cada 100, ou de 96%-----
100
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
---- 96% das pessoas com resultado “negativo” para câncer de colo uterino pelo exame de
Papanicolau realmente não apresentam tal doença ----
IMPORTANTE!
Para ilustrar a relação entre o valor preditivo e a frequência da doença na população vamos
utilizar o exemplo da dengue e da prova do laço:
101
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Um estudo avaliou a qualidade das evidências que apoiam o uso da prova do laço para o diag-
nóstico da dengue em comparação com o resultado obtido pela resposta de anticorpos medida
pelo método ELISA (teste padrão). Considerando os estudos analisados, a prova do laço apre-
sentou uma sensibilidade de 58% e especificidade de 71% para diagnóstico de dengue (Grande
et al, 2016).
Com os dados de sensibilidade e especificidade do teste “prova do laço”, a tabela 5 foi constru-
ída considerando que a frequência hipotética de Dengue na população testada foi de 1% (1 a
cada 100 pessoas apresentam Dengue):
Tabela 5 – Proporção de resultados positivos e negativos de acordo com o teste ELISA (teste padrão) e o teste
“Prova do laço” (frequência de Dengue na população = 1%)
Diante dos resultados obtidos, podemos obter o VPP igual a 1,98%. Ou seja, cerca de 2% das pessoas
com resultado “positivo” para Dengue pela prova do laço realmente apresentam tal doença.
Vamos considerar os mesmos dados de sensibilidade e especificidade para a prova do laço, mas
102
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
agora com a frequência de Dengue um pouco maior: 5%. Vejamos os resultados na Tabela 6.
Tabela 6 – Proporção de resultados positivos e negativos de acordo com o teste ELISA (teste padrão) e o teste
“Prova do laço” (frequência de Dengue na população = 5%)
Com a frequência de Dengue em 5%, o percentual de pessoas com resultado “positivo” para
Dengue pela prova do laço e que realmente apresentam tal doença passa para 9,52%.
Diante das duas tabelas acima, percebemos que quanto maior a prevalência da Dengue, maior
será a proporção de doentes entre os que tem o resultado do teste “prova do laço” positivo para
dengue. Ou seja:
Quanto maior a prevalência da doença em questão, maior o valor preditivo positivo. E por que devemos
nos atentar a isso?
Imagine que iremos planejar um programa de rastreamento para a dengue utilizando a prova do laço em
uma população cuja frequência da doença é 1%. Já sabemos que, a cada 100 pessoas com teste positivo
para dengue pela prova do laço, apenas cerca de 2 realmente terão a doença. Percebe-se assim que o
rastreamento de uma população para uma determinada doença que é pouco frequente pode ser pouco
custo-efetivo considerando o número de indivíduos corretamente identificados e o esforço dos profissionais
de saúde e o gasto de recursos materiais para tal programa.
No entanto, vamos supor agora que um subgrupo da população vive em uma área de alto risco para Dengue,
e a frequência dessa doença nessa área é de 15%. Considerando os dados que mostramos acima, o VPP
seria de 26%. Assim, se um programa de rastreamento para Dengue for direcionado para essa população de
mais alto risco, tal programa provavelmente será mais produtivo.
Assim, podemos concluir que os valores de sensibilidade e especificidade de um determinado teste devem
estar acompanhados da frequencia da doenca na populacao em que foi realizado o teste, para que possa-
mos prever qual a proporcao de individuos com o diagnostico correto dentre aqueles com resultado positivo
ou negativo do teste em questao.
103
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
o teste, para que possamos prever qual a proporção de indivíduos com o diagnóstico correto
dentre aqueles com resultado positivo ou negativo do teste em questão.
2.2.3. Confiabilidade
Além da acurácia, outro aspecto que deve ser considerado para avaliar a qualidade de um
instrumento diagnóstico é a confiabilidade.
Vamos observar novamente dados sobre o desempenho de testes sorológicos para diagnóstico
de covid-19, agora com relação à precisão dos testes:
Quadro 3 – Desempenho de dois testes diagnósticos sorológicos para covid-19 registrados na ANVISA
Sensibilidade: 86%
Eco F covid-19 Ag
Especificidade 95
Sensibilidade 70%
Covid-19 Ag Eco Teste
Especificidade 97%
Fonte: Ministério da Saúde. Acurácia dos testes diagnósticos registrados na ANVISA para a covid-19. Brasília, Maio, 2020. Disponível
em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/June/02/AcuraciaDiagnostico-covid19-atualizacaoC.pdf.
Então, vamos considerar a confiabilidade (ou precisão) do teste “MedTeste Coronavírus (covid-19)
IgG/IgM (TESTE RÁPIDO)” para o IgG. Se realizarmos 100 desses testes sob as mesmas condi-
ções, vamos obter resultados semelhantes em cerca de 99 deles. Percebe-se que quanto menor
a variabilidade entre os valores encontrados, maior a precisão da aferição.
É importante lembrar que existem fatores que podem influenciar na variação dos resultados
diante da repetição dos testes/exames, como a variações intrasujeito, intraobservador e intero-
bservador. A seguir, vamos falar um pouco mais sobre cada uma delas:
104
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Um exemplo dessa variação pode ser observado nas aferições da pressão arterial de um indiví-
duo em um mesmo dia ou em dias diferentes, uma vez que existem vários fatores que podem
interferir nessa variação: local de aferição (casa ou consultório), prática de exercícios físicos
antes da aferição, estado de jejum ou após alguma refeição. Então, as medidas realizadas em
um mesmo indivíduo podem sofrer variações.
Diante de um resultado de determinado teste/exame que necessite de uma análise técnica para
definição de diagnóstico ou na determinação de algum diagnóstico de caráter subjetivo, um mes-
mo observador pode realizar diferentes interpretações desse mesmo teste/exame em dois ou mais
momentos distintos.
A variação intraobservador descrita no tópico anterior também pode ser vista entre diferentes
observadores, ou seja, a variação interobservador. A percepção diferenciada entre observadores
de um mesmo conjunto de testes/exames ou medidas também pode ocorrer mais frequente-
mente naquelas que requerem um julgamento mais subjetivo.
105
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
106
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Imaginem que um paciente tenha sua pressão arterial aferida por dois aferidores treinados, e o protocolo explicita que
deve haver um repouso de 5 minutos antes dessa aferição. Um aferidor respeita o protocolo e o outro não. Imaginem
o quanto haverá de variação interobservador nas medidas desse paciente!
Por isso é tão importante que os aferidores tanto conheçam os protocolos quanto sejam treinados e certificados por
profissionais capacitados para que as medidas sejam realizadas da maneira mais padronizada possível.
Dessa forma, é importante que protocolos de calibração, com a periodicidade explicitada, sejam feitos para garantir
que o instrumento está medindo o que ele se propõe a medir e da maneira mais acurada e confiável possível.
A aferição da pressão arterial, novamente, é um exemplo frequente. Muitas vezes tal aferição é realizada em du-
plicata ou triplicata e a média das medidas é utilizada. Isso ocorre pois alguma das aferições pode ter sido alvo
de desvios no protocolo de aferição: o paciente pode ter se movimentado bruscamente, ou não se posicionado
corretamente, ou pode não ter feito o repouso de forma apropriada, dentre outras situações.
Diante dessas ações para melhorar a confiabilidade de um teste, exame ou medida, percebemos a importância do estabe-
lecimento de protocolos de aferição, treinamento e certificação de entrevistadores e da garantia e controle de qualidade
desses procedimentos.
107
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
AMBOS!
Se um teste for altamente sensível e específico, mas seus resultados não puderem ser reprodu-
zidos, não terá grande valia.
Da mesma forma, se os resultados obtidos de seguidas repetições do mesmo teste foram ex-
tremamente semelhantes, mas for capaz de distinguir apropriadamente doentes e não doentes,
também não será útil.
O que devemos buscar é um teste/exame que seja adequado para o propósito específico e ter
em mente que todas as características abordadas nessa aula devem ser levadas em considera-
ção em sua escolha e avaliação de sua qualidade.
108
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Altman DG, Bland M. Diagnostic tests. 2: predictive values. BMJ. 1994;309(6947):102.
De Oliveira Filho, PF. Epidemiologia e Bioestatística–Fundamentos para a Leitura Crítica. 1.ed. Rio
de Janeiro: Editora Rubio, 2015.
Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 1. J Bras Pneumol. 2017;43(5):330.
Grande AJ, et al. Tourniquet Test for Dengue Diagnosis: Systematic Review and Meta-analysis of
Diagnostic Test Accuracy. PLoS Negl Trop Dis. 2016 Aug 3;10(8):e0004888
Patino CM, Ferreira JC. Understanding diagnostic tests. Part 2. J Bras Pneumol. 2017;43(5):408
109
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
2.3.1 Introdução
Como já vimos na primeira aula deste curso, um dos objetivos da epidemiologia é determinar a
magnitude dos problemas de saúde nas populações humanas. O primeiro passo para conhecer um
problema de saúde é mensurar a frequência com que ocorre. Por eventos entendemos diferentes
problemas de saúde como casos de uma doença, óbitos, nascimentos, internações hospitalares e
reações adversas a vacinas, por exemplo. Nesta aula vamos discutir os conceitos, a construção e
a interpretação das medidas que quantificam a frequência dos eventos de saúde em populações e
como aplicá-las para conhecer e acompanhar a saúde de uma dada população.
110
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
No Quadro 1, temos a contagem desses eventos desde o início da pandemia até o dia 25 de
agosto de 2021.
Quadro 1 – Número de casos acumulados, casos novos, óbitos acumulados e óbitos novos. Brasil, março de
2020 até 25/08/2021.
Os *números absolutos de um evento, como a covid-19 são úteis para dimensionar a demanda
por testes para diagnóstico da covid-19 ou o número de leitos para assistir os casos mais graves.
Permite também monitorar a evolução do problema em curto prazo em uma dada população,
como pode ser visto na Figura 1.
Figura 1 – Distribuição do número de casos novos e óbitos por data de notificação. Brasil, março de 2020 a
25/08/2021.
Veja agora o Quadro 2 a seguir. Ele apresenta o número de casos e óbitos acumulados e novos
de covid-19 desde o início da pandemia até o dia 25/08/2021 em alguns estados brasileiros.
111
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Quadro 2 – Casos acumulados de covid-19 em estados da federação selecionados desde a semana epidemio-
lógica março de 2020 até o dia 25/08/21.
De uma forma geral, são utilizadas três medidas básicas de números relativos: *razão, **proporção
e ***taxa.
Incidência e prevalência
As medidas de ocorrência de doenças e agravos à saúde também chamadas de medidas de
morbidade, são a incidência e prevalência. Antes de prosseguir, é preciso distinguir essas duas
as medidas de morbidade:
112
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
> Casos incidentes: casos novos de uma doença em uma população sob risco de adoecer em
um período de tempo determinado.
> Casos prevalentes: casos existentes, antigos e novos, de uma doença em uma população
A incidência refere-se ao número de casos novos da doença que ocorrem em uma população
que está sob risco durante de desenvolver a doença em um determinado período de tempo.
Em que:
113
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Lembre-se: o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por uma potencia de 10.
A população sob risco corresponde ao número de indivíduos livres da doença no início do pe-
ríodo de observação e que, portanto, estavam sob risco de desenvolver a doença. Assim todo
indivíduo incluído no denominador deve ter o potencial para se tornar um caso novo e ser
parte do grupo contabilizado no numerador. Portanto, se a doença de interesse é uma doenças
crônica, indivíduos já acometidos pela doença de interesse no início do período de observação
devem ser excluídos da população sob risco. Da mesma forma, se a doença de interesse for uma
doença infecciosa que confere imunidade, as pessoas que já tiveram a doença também serão
excluídas do denominador. Porém, se for uma doença infecciosa que não confere imunidade,
mesmo aqueles que já foram acometidos pela doença, estão sob risco de um novo episódio,
portanto devem ser incluídas no denominador.
Exemplo: Para obter a incidência de câncer de próstata, identifica-se uma população de interes-
se (A). Inicialmente deve-se excluir as mulheres, pois não poderão vir a desenvolver câncer de
próstata (B). Por fim, deve-se excluir da população de homens, os que já têm câncer de próstata.
Como podem na ilustração abaixo, a população sob risco será constituída por homens livres de
câncer de próstata (Figura 2).
A
B
C
Se indivíduos que não estão sob risco são incluídos no denominador, população sob risco, a me-
dida da incidência irá subestimar a verdadeira medida de incidência. Toda medida de incidência,
deve ter o denominador adequado, que represente corretamente a população sob risco.
114
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A incidência acumulada é uma proporção, assim seu valor irá variar de 0 a 1, e, embora não pos-
sua uma unidade de tempo, sempre é se refere a um período de tempo específico. A incidência
acumulada tem um pressuposto importante, assume que todos os indivíduos da população sob
risco são acompanhados por todo o período de tempo em estudo.
Este estudo foi desenvolvido com objetivo de mensurar a incidência de doenças crônicas e
dos seus fatores de risco intermediários como a hipertensão arterial. Foi constituído por uma
população de 15.105 servidores públicos de instituições de ensino e pesquisa em seis capitais
brasileiras. No início do estudo, em 2008-2010, também chamado de linha de base, a população
de estudo realizou uma série de exames e entrevistas, que permitiram identificar, entre outras
condições, os indivíduos que já apresentavam hipertensão arterial no início do estudo (n=5.402
participantes) e aqueles que estavam livres da hipertensão arterial (n=9.703 participantes), ou
seja a população sob risco. Um ano após a realização exames na linha de base, os participantes
do estudo passaram a responder entrevistas anuais sobre o diagnóstico médico de doenças,
inclusive sobre o diagnóstico de hipertensão arterial, por meio de ligações telefônicas. Após 4
anos do início do estudo, em 2012-2014, os participantes realizaram novos exames e entrevistas
presenciais. Ao final, foram identificados 1205 casos novos de hipertensão arterial na população
sob risco. Veja a representação deste estudo na Figura 4.
115
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 3 – Identificação de casos existentes e de casos novos em uma população sob risco em participantes
do ELSA-Brasil
Com
1205
hipertesão
casos novos
arteriais
Casos novos
hipertensão
15.105
participantes
Sem
População
hipertesão
sob risco
arteriais Sem
hipertesão
2008-2010 2012-2014
Início do estudo Novos exames
Tempo de seguimento
Exames e entrevistas e entrevistas
4 anos
iniciais
Temos:
116
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Em geral, nem todos os indivíduos de uma população são acompanhados até o final do período
de estudo por vários motivos, incluindo óbitos por outras doenças que não a de interesse,
recusa de participação ou motivos como mudança de cidade por exemplo. Para levar em conta
os diferentes períodos de seguimento e aproveitar ao máximo o tempo de seguimento de cada
indivíduo, utilizamos a densidade de incidência.
Em que:
Lembre-se: o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por uma potencia de 10.
117
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
O total de pessoas-tempo sob risco corresponde à soma do período de tempo em que cada
pessoa esteve sob risco de adoecer e foi acompanhada pelos pesquisadores. Pode ser expres-
so em pessoas-semana, pessoas-mês ou pessoas-anos de observação. Em geral, a unidade de
pessoa-tempo é definido com base na frequência da doença em estudo, se for uma doença rara,
será mais conveniente utilizar a unidade pessoa-ano; por outro lado, se for uma doença muito
frequente, pode ser mais conveniente utilizar uma unidade de tempo menor, como mês ou se-
mana. Por exemplo, durante a pandemia, a densidade de incidência covid-19 pode ser estimada
com o denominador pessoas-semana ou pessoas-dia.
Se uma pessoa sob risco for acompanhada por um ano, temos uma pessoa-ano. Uma pesso-
as sob risco acompanhada por 10 anos, corresponderá a 10 pessoas-ano; 5 pessoas sob risco
acompanhadas por 2 ano resultam em 10 pessoas-ano de seguimento da mesma forma que
10 pessoas acompanhada por 1 ano. Assim, grupos variados de indivíduos acompanhados por
distintos períodos contribuirão com a mesma quantidade de pessoa-tempo.
Vamos considerar que durante os 4 anos de seguimento do ELSA-Brasil, algumas pessoas muda-
ram de cidade e deixaram de participar do estudo e outras morreram por outras doenças. Como
os pesquisadores ligam todos os anos para os participantes para saber da sua saúde, eles têm o
registro anual do tempo de seguimento por telefone. Na Figura 5, as setas representam pessoas
que deixaram de participar do estudo em algum momento até a segunda realização de exames
e novas entrevistas presenciais. Qual a densidade de incidência de hipertensão arterial nessa
população de estudo no período de seguimento de 4 anos?
118
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 4 – Identificação de casos existentes, de casos novos em população sob risco e perdas de seguimento
em participantes do ELSA-Brasil
Casos novos
hipertensão
15.105
participantes
Sem
População
hipertesão
sob risco
arteriais Sem
hipertesão
2008-2010 2012-2014
Início do estudo Novos exames
Tempo de seguimento
Exames e entrevistas e entrevistas
4 anos
iniciais
2. A partir deste momento esses indivíduos passam a compor o numerador e deixam de contri-
buir com o denominador pessoa-tempo;
3. O período de tempo em que cada indivíduo que não desenvolveu a hipertensão arterial foi
acompanhado até o final de 4 anos (2012-2014);
4. O período em que cada indivíduo contribuiu para o estudo até o momento que deixou de
participar do estudo (por exemplo: p1=6 meses; p2=8meses; p3=14 meses; p4=16meses, e
assim por diante).
Ao somar os períodos de tempo de cada indivíduo, foi identificado um total de 32.120,5 pesso-
as-ano sob risco.
Temos:
119
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
> População sob risco de hipertensão arterial no início do estudo = 9703 indivíduos
Densidade de incidência = 1205 casos novos de hipertensão x 1000= 37,5/1000 pessoas-ano sob risco
32.120,5 pessoas-tempo sob risco
Densidade de incidência = 1205 casos novos de hipertensão x 1000= 37,5/1000 pessoas-ano sob risco
Interpretando o resultado, podemos observar que no ELSA-Brasil ocorreu uma média 37,4 casos
novos de hipertensão arterial para cada 1000 pessoas sob risco observadas durante um ano. A
densidade de incidência mede a taxa na qual novos casos de hipertensão arterial ocorrem por
unidade de pessoa-tempo sob risco. Mensura a rapidez com que novos casos de hipertensão
arterial estão ocorrendo nessa população.
120
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Fonte: Saúde Brasil 2018 uma análise de situação de saúde e das doenças e agravos crônicos: desafios e perspectivas.
Para estimar essa medida de incidência de tuberculose foi utilizado o número de casos novos de
tuberculose identificados em cada ano no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan),
e como denominador utilizou-se a estimativa populacional produzida pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) a partir da população censitária obtida em julho de 2000.
Quando estimamos a incidência para áreas geográficas como um município, estado ou pais, não
é possível conhecer a população sob risco, nem o tempo em que cada indivíduo esteve sob risco
de adoecer. O denominador utilizado é a população do meio do ano, que é uma estimativa do
tamanho da população no ponto médio do período de tempo de um ano. Veja o calculo:
121
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Lembre-se: o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por uma potência de 10.
Página 122
122
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Observe as informações sobre a ocorrência de hipertensão arterial divulgadas pelo IBGE, resul-
tados obtidos na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS)-2019. O que essas informações revelam?
Qual a sua importância?
A prevalência é definida como o número de pessoas afetadas por uma dada doença ou outro
agravo na população dividido pelo número de pessoas passíveis de serem acometidas nessa
população. Nos informa a proporção da população afetada pela doença, indicando a magnitude
da doença ou outro agravo na população. Assemelha-se a uma fotografia que registra a pro-
porção de pessoas acometidas pela doença de interesse na população no momento observado.
Portanto é considerada uma medida estática em relação ao processo de adoecimento.
Prevalência = número de casos de uma doença (casos novos e antigos) na população em determinado momento x 10n
número de pessoas da população no momento
123
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Lembre-se: o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por uma potência de 10.
A prevalência é uma proporção, assim seu valor irá variar de 0 a 1, e, embora não possua uma
unidade de tempo, sempre é se refere a um período de tempo específico.
Para realizar a PNS em 2019, foi selecionada uma amostra representativa da população brasi-
leira com 18 anos e mais de idade e por meio de entrevistas foram identificados vários eventos
de interesse. Para conhecer a prevalência de hipertensão arterial no Brasil, incluiu-se no nu-
merador o número de pessoas que reportaram o diagnóstico médico de hipertensão arterial
e no denominador o total de pessoas que participaram da amostra. Assim, estimou-se que a
prevalência de hipertensão arterial na população brasileira com 18 anos ou mais de idade em
2019 de 23,9% , ou seja quase um quarto da população brasileira com 18 anos e mais de idade
reportou hipertensão arterial em 2019!
Prevalência pontual
É a prevalência de uma doença em um ponto definido tempo. Este tempo pode ser um dia,
uma semana, um mês ou ano. Mede a proporção da população que apresenta a doença no
tempo considerado. Em geral, quando utilizamos o termo prevalência sem outra especificação,
estamos referindo à prevalência pontual. A prevalência de hipertensão arterial estimada pela
PNS é uma medida de prevalência pontual.
A prevalência por período é aquela que abrange um determinado intervalo de tempo. O nume-
rador consistirá na soma dos casos existentes no início do período definido e dos casos novos
que ocorrerem durante o mesmo intervalo. O denominador será constituído por todas as pessoas
124
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
presentes no local durante este período e que sejam passiveis de acometimento pelo agravo em
questão. Não serão excluídos casos que morreram, mudaram ou foram curadas durante o período.
2.3.3.2 Um pouco mais sobre prevalência: o que influencia a prevalência de uma doença na população?
A prevalência de uma doença é determinada pela sua incidência e duração e por movimentos
migratórios. Quando casos novos (incidentes) ocorrem em uma população e são agregados aos
casos já existentes, a prevalência da doença aumentará. Mas se casos prevalentes morrem ou
são curados, a prevalência da doença irá diminuir, pois haverá redução do número de pessoas
doentes na população. Entretanto, se casos prevalentes tem sobrevida com a doença prolongada
em função do tratamento sem, contudo, obter a cura, a prevalência da doença irá aumentar.
Além disso, a prevalência pode ser influenciada por movimentos migratórios. Se casos forem
importados em movimentos imigratórios, a prevalência irá aumentar; mas se casos prevalentes
forem exportados em movimentos emigratórios, a prevalência irá diminuir.
> Um novo teste diagnóstico, mais sensível, passa a ser utilizado no sistema de saúde de um muni-
cípio: neste caso, a incidência aumentará e consequentemente a prevalência também.
> Um novo tratamento é introduzido e reduz a mortalidade pela doença, mas não leva à cura da do-
ença: neste caso, a duração da doença aumentará, e consequentemente a prevalência também.
> Um novo tratamento é introduzido e aumenta o suceSso na cura da doença: neste caso, a preva-
lência da doença tende a diminuir.
125
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A prevalência é uma medida útil para estimar a magnitude ou o peso de uma doença em uma
população. As medidas de prevalência geram informações valiosas para o planejamento e
organização dos serviços de saúde. Por exemplo, conhecer o número de casos existentes de
hipertensão arterial e de outras doenças, orienta a previsão da quantidade de medicamentos,
número de profissionais de saúde e exames complementares necessários em um município.
Além disso, medidas de prevalência em diferentes pontos do tempo possibilitam fazer proje-
ções para estimar tendências das doenças e agravos ao longo do tempo e até mesmo avaliar
se medias de intervenção estão sendo efetivas.
Veja que no quadro das informações apresentadas no início deste tópico, são apresentadas
as prevalências de hipertensão arterial na população brasileira em 2013 era de 21,4% e em
2019, era 23,9%. Temos também a prevalência de consulta médica para cuidados referentes à
hipertensão ha menos de um ano (72%) entre as pessoas que relataram hipertensão arterial
em 2019, e a prevalência dessas consultas realizadas no SUS (66%). Dessa forma, temos in-
formações básicas para conhecer a ocorrência de hipertensão arterial na população brasileira
e a utilização de serviços de saúde no subgrupo da população que relatou diagnóstico de
hipertensão arterial em 2019.
As estimativas medidas de morbidade são influenciadas pelos critérios utilizados para iden-
tificar os casos das doenças e agravos que pretendemos conhecer. Vimos que o critério para
definição de hipertensão arterial adotado no ELSA-Brasil e na PNS são distintos. No ELSA-Brasil,
a identificação de casos existentes no início do estudo (casos prevalentes) foi baseado na me-
dida dos níveis pressóricos (pressão sistólica >140mmHg e/ou pressão diastólica >90mmHg) e/
ou relato de uso de medicamento anti-hipertensivo para tratar hipertensão nas duas últimas
semanas anteriores à entrevista. Na PNS, foi definido com base no relato de diagnóstico médico
de hipertensão arterial.
Considerando os dois critérios, como você avalia as prevalência obtidas? O critério utilizado pela
PNS é baseado no relato de diagnóstico médico, assim para que os participantes da PNS reportem
a hipertensão arterial será necessário ter utilizado os serviços de saúde, ter a pressão arterial afe-
rida, ter o diagnóstico estabelecido pelo médico e lembrar de reportar ao entrevistador. Enquanto
o critério utilizado pelo ELSA-Brasil utiliza as medidas dos níveis pressóricos ou o relato de uso de
medicamentos. Assim , é bastante provável que a estimativa da prevalência da PNS seja menor do
que seria se utilizasse também a medida dos níveis pressóricos.
126
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
2.3.3.5 Dificuldades e limitações para estimar população sob risco em serviços de saúde
Para a estimativa da incidência, nem sempre será possível excluir do denominador aqueles que
não fazem parte da população sob risco. Por exemplo ,ao estimar o coeficiente médio de inci-
dência de câncer de colo de útero para o Brasil, estados e municípios, idealmente deveriam ser
retiradas do denominador as mulheres que fizeram histerectomia. Entretanto essa informação
dificilmente estará disponível para a população do pais, estados e municípios. Nesse caso, a
incidência obtida pelo coeficiente médio estará subestimada.
127
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de
Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2018 uma análise de
situação de saúde e das doenças e agravos crônicos: desafios e perspectivas / Ministério da
Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos
Não Transmissíveis e Promoção da Saúde – Brasília: Ministério da Saúde, 2019. 424 p. : il.
GORDIS, Leon. Epidemiologia. 5ed. Rio de janeiro: Revinter, 2017. 372p. Capítulo 3 – Medidas de
Ocorrência de Doenças – Morbidade, páginas 37 a 57
Mota E, Kerr LRFS. Medidas de Ocorrência de Doenças e Agravos e Óbitos. In: Almeida-Filho N, Bar-
reto ML. Epidemiologia e Saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2014. p.3-
Mota E, Kerr LRFS. Medidas de Ocorrência de Doenças e Agravos e Óbitos. In: Almeida-Filho N,
Barreto ML. Epidemiologia e Saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guana-
bara Koogan, 2014. p.95-117.
Costa AJL, Kale PL, Vermelho LL. Indicadores de Saúde. In: Medronho R A e cols. Epidemiologia.
São Paulo: Atheneu, 2009, p31-82
128
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
CAPÍTULO 3
Construção, utilização e análise
de indicadores de saúde
129
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
3.1.1 Introdução
Estudar a mortalidade é um dos primeiros passos para conhecer o estado de saúde de uma
população e tem a grande vantagem de utilizar dados já disponíveis coletados rotineiramente.
A mortalidade é de grande interesse pois permite determinar o risco de morrer em uma popu-
lação, identificar as principais causas de morte, quão precoces as mortes ocorrerem, os grupos
mais vulneráveis e é um importante sinalizador da gravidade de uma doença. Análises baseadas
em dados de mortalidade subsidiam medidas preventivas e de controle das doenças e agravos
e permitem avaliar resultados de programas e políticas de saúde.
Os óbitos, suas causas e várias outras características dos indivíduos que faleceram são regis-
trados na Declaração de Óbito (DO). A DO é um formulário padronizado do SIM, utilizado em
todo o território nacional e em acordo com padrão internacional, de preenchimento obrigatório
e imprescindível para a emissão da Certidão de Óbito pelos cartórios de Registro Civil em todo
o território nacional.
130
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
26
Brasil. Ministério da Saúde. A declaração de óbito: documento necessário e importante / Ministério da Saúde, Conselho Federal de
Medicina, Centro Brasileiro de Classificação de Doenças. – 3. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2009. 38 p. – (Série A. Normas e
Manuais Técnicos). Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2015/agosto/14/Declaracao-de-Obito-WEB.pdf
131
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A verificação do óbito e o registro na DO das causas e condições que possam ter influenciado a
ocorrência do óbito é responsabilidade ética e legal do médico. Entretanto, compete aos codifi-
cadores das secretarias de saúde municipais e estaduais verificar se as condições que levaram ao
óbito estão descritas em uma sequência coerente e selecionar a causa básica do óbito.
IMPORTANTE!
A causa básica da morte é definida como doença ou circunstância do acidente ou violência que iniciou
a cadeia de eventos mórbidos que levou diretamente à morte. Essa é a causa que será utilizada nas es-
tatísticas e indicadores de mortalidade. Dessa forma, informar corretamente a causa básica de morte é
importante para que sejam geradas informações corretas para decisão de políticas públicas de saúde.
SAIBA MAIS
O aplicativo Atestado foi desenvolvido por pesquisadores da
Universidade Federal de Minas Gerais em parceria com o Minis-
tério da Saúde com orientações sobre o preenchimento correto
da DO. Para conhecer o aplicativo, basta baixar em seu celular.
CLIQUE AQUI
132
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
local específicos. Expressa o risco de morrer por qualquer causa em uma população e tempo
específico. É obtida pelo cálculo:
Lembre-se: o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por uma potência de 10.
Como inclui a dimensão tempo, as taxas de mortalidade não são proporções. Usualmente as taxas
de mortalidade são calculadas para o período de um ano. Como apresentado na Tabela 1.
Fonte: Datasus-Tabnet.
Nota: Taxa Geral de Mortalidade por 1.000 habitantes.
133
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Observe que, em 2019, o risco de morrer para a população brasileira correspondeu a 6,4 por
1000 habitantes. Entre as macrorregiões brasileiras, o risco de morrer variou de 4,7 por 1000
habitantes na região Norte à 7,0 por mil habitantes na Região Sudeste.
Uma das vantagens da TGM é sua simplicidade, mas por outro lado, tem limitações em apontar
grupos de maior risco de morrer. Perguntas como “O risco de morrer é maior em homens ou em
mulheres?” ; “O risco de morrer depois de 60 anos é maior na Região Sul ou Norte?”; “O risco de mor-
rer por homicídio em homens de 19 a 24 anos difere entre as regiões brasileiras?” requerem outras
estratégias para serem respondidas. As taxas específicas de mortalidade podem agregar novas
informações que permitirão melhor conhecer a situação de saúde de uma população, verificar
diferenças no risco de morrer e apontar prioridades para as intervenções.
A taxa de mortalidade específica é uma razão entre a frequência absoluta de óbitos e a popu-
lação sob risco de morrer em um tempo específico restrita a grupos específicos. O numerador
e denominador serão restritos ao grupo de interesse, por exemplo à faixa etária ou sexo; de
tal forma que cada pessoa incluída no denominador esteja sob risco de passar para o grupo do
numerador. Vamos ver como calcular essas taxas:
TEM por idade = Número de óbitos em determinada faixa etária em um ano x 10n
População em risco no meio do ano
Atenção! Veja: Denominador: população sob risco = população da faixa etária estudada
134
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Atenção! Denominador: população em risco de morrer por determinada causa no meio do ano.
É importante lembrar que a população sob risco pode variar conforme a causa de morte.
Para obter a taxa específica de mortalidade por câncer no Brasil em 2020, incluiremos no nu-
merador todos os óbitos por cânceres em 2020 e no denominador, a população estimada para
o meio do ano.
Taxa de específica mortalidade por câncer = Número de óbitos por câncer x 10n
População em risco no meio do ano
Mas se nosso interesse for na taxa específica de mortalidade por câncer de próstata, incluiremos
no numerador todos os óbitos por câncer de próstata. E no denominador? No denominador, vamos
incluir apenas os homens, pois mulheres não constituem população sob risco de câncer de próstata.
Taxa de específica mortalidade por câncer de próstata = Número de óbitos por câncer x 10n
População de homens no meio do ano
A Figura 1 mostra taxas específicas de mortalidade por causas de acordo com sexo no Brasil em
2019. Quais diferenças você destacaria ao comparar as taxas de mulheres e homens? Destaca-se
o elevado risco de morrer por violência interpessoal e por acidentes de trânsito, respectivamen-
te segunda e sexta maior taxa de mortalidade entre os homens.
Figura 1 – Taxa de mortalidade específica para as 10 principais causas de morte por sexo Brasil. 2019
Sexo feminino Sexo masculino
135
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Tabela 2 – Taxas das principais causas de morte em mulheres com 60 anos e mais. Brasil, 2000, 2005, 2013
Groupe d’âge Causes spécifiques de décès 2000 2005 2013
Maladies Cérébrovasculaire 401,8 389,0 333,5
Pneumonies 119,5 150,2 236,8
>=60 ans Infarctus aigu du myocarde 235,7 226,2 231,4
Diabète mellitus 204,6 202,8 220,1
Maladies hypertensives 125,6 157,6 173,2
Tabela 3. Taxas das principais causas de morte em homens com 60 anos e mais. Brasil, 2000, 2005, 2013
Groupe d’âge Causes spécifiques de décès 2000 2005 2013
D. cerebrovasculares 495,4 473,9 411,4
Infarctus aigu du myocarde 355,2 347,7 355,0
>=60 ans Pneumonies 135,7 164,8 259,8
Bronchite, emphysème, a asthme 278,2 262,9 221,8
Diabète mellitus 162,2 174,8 203,6
Compare as taxas de mortalidade por doenças cerebrovasculares nas duas tabelas. O que as
taxas apresentadas sugerem? No Brasil, em homens e mulheres com 60 anos e mais de idade,
as maiores taxas de mortalidade foram por doenças cerebrovasculares. As taxas de mortalidade
por doenças cerebrovasculares foram mais altas no sexo masculino do que no feminino nos
três anos, e, os resultados sugerem que o risco de morrer por doenças cerebrovasculares tem
diminuído ao longo do tempo.
Uma das utilidades dos dados de mortalidade é a comparação do risco de morrer em duas ou mais
populações ou de uma mesma população em diferentes períodos de tempo. Mas uma indagação
é importante: podemos comparar populações sem considerar algumas diferenças que influenciam
o risco de morrer? O risco de morrer em um município cuja população que tem alto percentual de
idosos será comparável ao de um município com proporção elevada de jovens?
136
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
métodos são utilizados para permitir comparações da mortalidade. Vamos abordar um destes, o
método direto de padronização
Tabela 4 – População, número de óbitos e taxas geral de mortalidade em Natal e Porto Alegre, 2019
Fonte: Datasus.
Observamos que a taxa geral de mortalidade é maior em Porto Alegre do que em Natal. Como
você explica o maior risco de morrer em Porto Alegre do que em Natal? Vamos agregar mais
informações para refletir. Veja a Tabela 5.
Tabela 5 – População, número de óbitos e mortalidade específica por idade. Natal e Porto Alegre, 2019
Natal Porto Alegre
População Mortalidade População Mortalidade
Faixa etária1 Número % Óbitos TEM idade2 Número % Número TEM idade2
0-4 51.263 5,8 162 3,2 85.912 5,8 169 2,0
5-14 116.885 13,2 25 0,2 168.786 11,4 35 0,2
15-24 139.561 15,8 210 1,5 211.932 14,3 235 1,1
25-34 154.612 17,5 207 1,3 220.730 14.9 277 1,3
35-44 141.337 16,0 302 2,1 229.570 15,5 489 2,1
45-54 111.674 12,6 477 4,3 180.106 12,1 753 4,2
55-64 85.380 9,7 780 9,1 176.802 11,9 1.700 9,6
65-74 51.653 5,8 989 19,1 124.124 8,4 2.482 20,0
75 e + 31.757 3,6 2.448 77,1 85.809 5,8 5.961 69,5
Total 884.122 100,0 5.600 6,3 1.483.771 100,0 12.101 8,2
2
TEM idade: taxa específica de mortalidade por idade por 1000 habitantes.
Fonte: Datasus.
137
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Observe que nas duas capitais, a taxa específica de mortalidade é maior nos grupos etários mais
velhos, sendo ainda mais elevada a partir dos 75 anos de idade. Como já destacamos, a idade é
o fator que isoladamente mais influencia o risco de morrer; portanto esse resultado é esperado.
Agora, compare as taxas de mortalidade em cada faixa etária nas duas capitais. Observe que na
faixa de 0 a 4 anos, a TEM é maior em Natal; de 5-14 anos de idade até a idade de 65-74 anos, as
taxas são similares; e no grupo mais velho, com 75 anos e mais de idade, a taxa de mortalidade
é maior em Natal do que em Porto Alegre (77,1/1.000 habitantes versus 69,5/1.000 habitantes).
Como explicar a mortalidade geral mais alta em Porto Alegre do que em Natal?
A explicação está na diferença na estrutura etária. Em Natal, quase 35% da população apresen-
tava entre 0 a 24 anos de idade e em Porto Alegre, 32%; mas 26% da população de Porto Alegre
tinha de 55 anos ou mais, enquanto em Natal, esse percentual era de 19%.
Então vamos responder à seguinte pergunta: se as populações das capitais tivessem a mesma
estrutura etária, existiria diferença na mortalidade entre elas?
A padronização pelo método direto é utilizada para eliminar o efeito da diferença nas estruturas
etárias entre duas ou mais populações, tornando-as comparáveis. Utiliza-se uma população pa-
drão que poderá ser a população do país, somente uma das populações estudadas ou a soma das
populações. Aplica-se as taxas específicas de mortalidade por idade de cada população estudada
em cada grupo etário da população padrão, obtendo-se o número de óbitos esperados em cada
grupo etário. A soma dos óbitos em cada grupo etário relativos a cada população corresponderá
ao total de óbitos esperados em cada uma dessas populações caso tivessem a distribuição etária
da população padrão. Dividindo o número total de óbitos esperados em cada população pelo total
da população padrão, calculamos a taxa de mortalidade esperada na população padrão e serão
denominadas taxas de mortalidade padronizada por idade.
138
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Tabela 6 – População, número de óbitos e mortalidade específica por idade. Natal e Porto Alegre 2019
Fonte: Datasus.
Tabela 7 – Taxa de mortalidade geral e taxa de mortalidade padronizada por idade. Natal e Porto Alegre 2019
Taxa geral de Taxa geral de mortalidade Taxa geral de Taxa geral de mortalidade Número Taxa geral de
mortalidade padronizada por idade mortalidade padronizada por idade de óbitos mortalidade por 1000
Fonte: Datasus.
Assim, a taxa geral de mortalidade mais elevada observada em Porto Alegre se deve à composi-
ção etária com maior percentual de idosos do que em Natal. As taxas ajustadas são hipotéticas,
pois envolvem a aplicação das taxas específicas por idade reais em uma população hipotética,
139
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
note que o valor numérico da taxa padronizada dependerá da população padrão usada. A padro-
nização direta também denominada ajuste direto torna as taxas comparáveis em relação a um
fator, como a idade. Entretanto, lembre-se que o verdadeiro risco de morrer nas duas capitais é
estimado pela taxa geral de mortalidade sem padronização.
Assim, temos o numerador variando segundo o tipo de mortalidade proporcional que se deseja
calcular, enquanto o denominador será sempre o total de óbitos. O resultado obtido a partir do
cálculo deve ser multiplicado por 100.
A Figura 2 apresenta a importância relativa dos principais grupos de causa no Brasil em 2019
e aponta que as doenças do aparelho circulatório foram as principais causas de morte no pais
140
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Fonte: Datasus.
141
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 3 – Mortalidade Proporcional (%) por grupos de causas, Brasil, 1930 a 2006
A mortalidade proporcional por idade revela aspectos importantes da situação de saúde de uma
população, pois quanto maior a proporção de óbitos nos grupos etários mais velhos, melhor será
a condição de saúde. A Figura 4 apresenta a distribuição da mortalidade proporcional por idade e
sexo no Brasil em 2013. Comparando as curvas de mortalidade proporcional por idade, o que você
pode dizer sobre a saúde de homens e mulheres? As curvas de mortalidade proporcional por sexo
mostram que o percentual de óbitos nos grupos etários de menores de 1 ano até 10-14 anos são
semelhantes em homens e mulheres, nas faixas etárias de 15-19 até 60-69 anos o percentual de
mortes é maior no sexo masculino do que no feminino e a partir dessa faixa de idade, o percentual
de mortes é maior entre as mulheres. Portanto, entre as mulheres, menores percentuais de óbitos
ocorreram em idades mais jovens e 35% dos óbitos nas idade de 80 anos e mais, sugerindo melhores
condições de saúde. O que poderia explicar parte das diferenças observadas?
142
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 4 – Mortalidade proporcional por grupo de idade, segundo o sexo. Brasil 2013
40
M F
35
30
25
20
15
10
0
01-04a
05-09a
10-14a
15-19a
20-29a
30-39a
40-49a
50-59a
60-69a
70-79a
80 e +
< 01a
Observe agora a mortalidade proporcional por grande grupos de causa e idade em homens
e mulheres no Brasil em 2013. Como os resultados apresentados ajudam a explicar a maior
proporção de óbitos em mulheres acima de 70 anos?
Figura 5 – Mortalidade proporcional por grupo de causa segundo idade e sexo. Brasil 2013
Féminin Masculin
Observem que dos três grandes grupos de doenças, as doenças não transmissíveis represen-
taram a principal causa de morte entre as mulheres em praticamente todas as faixas de idade,
143
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
exceto em menores de 1 ano e em idades próximas aos 20 anos quando as causas externas
apresentaram percentuais superiores. Verifica-se que entre os adolescentes e adultos jovens
(10 anos até os 40 anos) do sexo masculino, as causas externas responderam por elevado
percentual de óbitos, e que após essas idades as doenças não transmissíveis passaram a
responder pelo maior percentual de óbitos. As causas externas foram a principal diferença de
mortalidade entre homens e mulheres, justificando o maior percentual de mortes em idades
mais jovens no sexo masculino.
3.1.4 Letalidade
A letalidade é definida como a proporção de mortes dentre os doentes por uma causa específica
durante um período específico. A letalidade expressa o maior ou menor poder de uma doença
ou agravo levar à morte as pessoas acometidas pela doença ou agravo.
A letalidade responde à seguinte pergunta: que percentual de indivíduos com o diagnóstico por
uma certa doença morre em um determinado tempo após o diagnóstico? Veja que no Brasil, no
período compreendido entre 1980 a junho de 2018, em média, quase 40% das pessoas que ti-
veram diagnóstico de febre amarela faleceram pela doença (Figura 6). Portanto uma letalidade
muito elevada, indicando a gravidade da doença, com o agravante de ser uma doença evitável
pela vacinação. Interessante observar que quando o número de casos de febre amarela aumen-
ta, a letalidade diminui. Possivelmente, esse fenômeno ocorre porque, em função de alertas da
vigilância epidemiológica, o diagnóstico da doença pode ter sido mais precoce e influenciando
positivamente a evolução da febre amarela ou porque casos menos graves são diagnosticados
e notificados influenciando o denominador da letalidade.
144
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 6 – Número de casos humanos confirmados de febre amarela e a letalidade segundo o início dos
sintomas, Brasil 1980 a junho/2018
Descrever a ocorrência de mortes e suas causas revela os problemas de saúde das populações,
orienta intervenções e organização dos sistemas de saúde, além de permitir avaliar ações e
políticas de saúde. No entanto, problemas na cobertura, notificação oportuna, qualidade,
disponibilidade dos dados, o sub-registro e as falhas de preenchimento da declaração de
óbito comprometem sua qualidade e limitam a interpretação dos indicadores de mortalidade.
Ressalta-se que m bom sistema de dados, deve ter uma ótima cobertura da população de
interesse e qualidade.
145
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A cobertura do registro dos óbitos do SIM vem melhorando ao longo do tempo. Avaliação da
qualidade dos dados sobre a mortalidade no Brasil, indica que a cobertura do registro para o
sexo masculino e feminino, respectivamente, foram de 90,7% e 89,4% em 2000, e em 2016,
essas coberturas aumentaram para 97,2% e 96,7% (Brasil, 2019), portanto uma cobertura de
quase todos os óbitos.
Como já mencionado, as causas básicas de morte são codificadas de acordo com a Classifi-
cação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), atualmente na 10a
revisão. Mudanças nas revisões da CID devem ser consideradas ao comparar os indicadores de
mortalidade por causa em diferentes períodos, pois é possível que mudanças observadas sejam
devidas, em parte ou totalmente, à mudança da CID e não na mortalidade.
As medidas de mortalidade são sensíveis ao denominador. Cuidados devem ser observados para
considerar adequadamente a população sob risco referente à taxa de mortalidade que está
sendo calculada.
146
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doen-
ças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2014 : uma análise da situação
de saúde e das causas externas / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde,
Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento do Período Sazonal da Febre Amarela Brasil – 2018/2019.
informe nº 03 | 2018/2019. Disponível em: https://antigo.saude.gov.br/images/pdf/2019/janei-
ro/28/informe-FA-n.3-21jan19.pdf
Mota E, Kerr LRFS. Medidas de Ocorrência de Doenças e Agravos e Óbitos. In: Almeida-Filho N,
Barreto ML. Epidemiologia e Saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guana-
bara Koogan, 2014. p.95-117.
Costa AJL, Kale PL, Vermelho LL. Indicadores de Saúde. In: Medronho R A e cols. Epidemiologia.
São Paulo: Atheneu, 2009, p31-82
147
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Um indicador de saúde é uma medida que expressa algum aspecto particular da situação de
saúde de uma população e que permite avaliar as condições de vida e saúde, especialmente
quando combinado com outros indicadores.
Introdução
> Por que é importante conhecer a mortalidade infantil?
Medidas que expressam o nível de saúde de uma população são essenciais para apontar priori-
dades e monitorar o impacto de políticas econômicas, sociais e, em particular, das intervenções
em saúde. As medidas de mortalidade são tradicionalmente utilizadas com este propósito. Mas
à medida que novos problemas de saúde ganharam relevância, como as doenças crônicas não
transmissíveis, novos indicadores se tornaram necessários para orientar medidas que visam
prevenir sua ocorrência, complicações ou incapacidades relacionadas.
Vamos discutir alguns indicadores de saúde selecionados, seja por sua relevância em refletir as-
pectos das condições de vida e saúde da população, seja por serem eventos evitáveis ou por reve-
larem a precocidade da perda de vidas. Daremos destaque também a um indicador que sintetiza a
precocidade das mortes e impacto das incapacidades associadas às doenças e agravos de saúde.
148
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A taxa de mortalidade infantil é uma taxa de mortalidade específica por idade, discutida na Aula
Indicadores de Saúde Parte 1, baseada nos óbitos ocorridos em menores de um ano registrados
no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e nos dados do Sistema de Informação sobre
Nascidos Vivos (Sinasc) do Ministério da Saúde. A Declaração de Óbito, formulário base e padroni-
zado que coleta os dados para serem consolidados no SIM, contém um conjunto de perguntas de
preenchimento exclusivo para óbitos fetais e de menores de um ano incluídas na Parte IV – Fetal
ou menor de 1 ano.
149
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Lembre-se: o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por 1.000.
O número de nascidos vivos registrado no Sinasc é considerado a melhor aproximação para a popula-
ção de menores de um ano, portanto a população sob risco de morrer em um local e ano específicos.
PARA REFLETIR
A TMI é considerada um importante indicador do nível geral de saúde e do nível de de-
senvolvimento social de uma população, pois o risco de morrer no primeiro ano de vida
é determinado por fatores que podem influenciar o estado de saúde de toda população
como o nível de desenvolvimento econômico e social, condições gerais de vida, qualidade
do meio ambiente bem como o acesso, a estrutura e a qualidade dos serviços de saúde
(Reidpath e Allotey, 2003).
Seguindo tendência mundial, no Brasil a TMI vem apresentando importante declínio nas últimas
décadas (Figura 1). Veja que em 1970, a TMI era de 115 por 1000 nascidos vivos, chegando a 13
por 1000 nascidos vivos em 2017.
115/
1000 83/
1000
47/
1000
27/
1000 19/
1000 13/
1000
Fonte: Adaptado de Victora CG et al. Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios. Lancet Series,2011. 32-46; Saúde Brasil, 2019.
Entre os principais determinantes da queda da TMI no Brasil são apontadas as políticas públicas
que promoveram melhorias na rede de abastecimento de água e esgoto, a redução da taxa
de fertilidade, especialmente na década de 80, avanços da escolaridade das mães brasileiras,
150
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
aumento da renda per capita, expansão e melhoria na atenção à saúde especialmente da aten-
ção básica, sobretudo aqueles direcionados aos cuidados maternos e da criança, o incentivo ao
aleitamento materno e melhoria do estado nutricional das crianças, bem como a ampliação da
vacinação. Importante destacar que em 2010, a TMI no Brasil era 15,6 por mil nascidos vivos,
atingindo a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que correspondia à 15,7 por mil
nascidos vivos em 2015 (Leal e cols, 2018).
Apesar dos resultados positivos alcançados, devemos comparar a taxa no país com a observada
em outros países. Um conjunto relevante de países como Japão, Noruega, Itália e Portugal,
apresentam TMI bem inferiores às observadas no Brasil (Figura 2). Este fato demonstra que,
apesar do considerável avanço observado, o Brasil pode reduzir mais a mortalidade infantil.
Figura 2 – Taxa de mortalidade infantil por mil nascidos vivos em países selecionados, 2016-2020
(menor ano disponível)
25
TM=12,4/1.000
20 nascidos vivos em 2019
15
10
0
Irlanda
Estônia
Japão
Noruega
Finlândia
Eslovênia
Suécia
Itália
Espanha
República Tcheca
Coreia
Irlanda
Portugal
Áustria
Dinamarca
Israel
Alemanha
Austrália
Ucrânia
Letônia
França
Hungria
Holanda
Bélgica
Grécia
Suíça
Reino Unido
Polônia
Canadá
Nova Zelândia
Rússia
Eslováquia
Luxemburgo
Estados Unidos
Chile
Costa Rica
Turquia
Brasil
México
Colômbia
Indonésia
África do Sul
Índia
China
151
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Sudeste. Observe que há acentuadas desigualdades no risco de morrer dos nascidos vivos em
cada Região brasileira em todos os anos e que essa desigualdade se mantem praticamente
inalterada ao longo deste período.
Faça o cálculo para você ver: a TMI na região Norte em 2010 era quantas vezes maior do que a
TMI na região Sul? E, em 2016?
Infantil Neonatal Precoce Neonatal Tardio
Figura 3 - Taxa de mortalidade infantil Brasil e11regiões, 2010 a 2017 3.0
20
10
Infantil Neonatal Precoce
Taxa de Mortalidade
Taxa de Mortalidade
Taxa de Mortalidade
2.8
18
9 2.6
16
8
14
2.4 11
7
20 2.2
12
10
Taxa de Mortalidade
Taxa de Mortalidade
6
2.0
10
18 5
2010 2012 2014 2016 2010 2012 2014 2016 2010 2012 2014 9 2016
Taxa de Mortalidade
Taxa de Mortalidade
6 22
12
11
12 20
6
5 18
10
9 10 4
16
5
8 14
Anos
Anos
Anos Anos
Anos
N NE SE
Neonatal
S CO BR
Pós-Neonatal
Fonte: Saúde Brasil, 2019. 14 7
13
Taxa de Mortalidade
Taxa de Mortalidade
11
O risco de morrer não é homogêneo ao longo do primeiro ano de vida, assim 5 como são distintas
10
as causas que levam ao óbito e os seus respectivos determinantes neste período. Por esse motivo,
a TMI é subdividida em componentes 9 que mensuram o risco de morrer em 4dois períodos distintos:
o componente neonatal e o componente
8 pós-neonatal. O componente neonatal compreende os
óbitos ocorridos até 270 dia de vida, 3
7 em que predominam as mortes por condições relacionadas
aos cuidados de saúde durante à gestação,
2010
parto
2012
e primeiros
2014
dias de vida; enquanto
2016 2010
o2012
componente
2014 2016
pós-neonatal considera os óbitos ocorridos do 280 dia ao 3640 dia de vida, quando prevalecem as
Anos Anos
mortes relacionadas às condições gerais de vida.
N NE SE S CO
Analisar separadamente os componentes neonatal e pós-neonatal permite avaliar o impacto de
medidas para o enfrentamento da mortalidade infantil e identificar os desafios futuros, como
demonstraremos mais adiante.
152
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A taxa de mortalidade infantil neonatal é uma estimativa do risco de crianças nascidas vivas
morrerem antes de completar 28 dias de vida em um local e ano específicos, obtida pelo cálculo:
TMIN = Número de óbitos de zero a 27 dias de vida x 1.000
A taxa de mortalidade neonatal pode ser analisada segundo outros dois períodos por meio
da taxa de mortalidade infantil neonatal precoce e da taxa de mortalidade infantil neonatal
tardia. Veja como obter essas taxas nos quadros a seguir.
Taxa de mortalidade infantil neonatal precoce - TMINP Taxa de mortalidade infantil neonatal tardia - TMINT
TMINP = Número de óbitos de 0 a 6 dias de vida x 1.000 TMINT = Número de óbitos de 7 a 27 dias de vida x 1.000
A TMINP estima o risco de crianças nascidas vivas morrerem na primeira semana de vida (até
o 60 dia) em um local e ano específicos. A TMINP estima o risco de crianças nascidas vivas
morrerem entre o 70 e o 270 dia de vida em um local e ano específicos
Para compreender melhor a importância dos componentes da TMI, vamos conhecer as causas de
morte mais frequentes em cada período. A Tabela 1 discrimina as principais causas de morte em
cada período do primeiro ano de vida observadas no Brasil em 2017.
153
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Tabela 1 – Número e percentual de óbitos por componentes da mortalidade infantil e grupos de causas. Brasil, 2017
Componente do óbito infantil
Neonatal
Grupo de Neonatal tardio Pós-neonatal
Subcategorias precoce Infantil
Causas (7-27dias) (28dias-<1ano)
(< 7dias)
n % n % n % n %
7 – Asma 1 0 0 0 8 0 9 0
8 – Doenças imunizáveis 1 0 5 0 39 0 45 0
Os estudos mostram que à medida em que há melhoria do nível de vida e de saúde da po-
pulação, diminui o risco de morrer no período pós-neonatal, pois neste período da vida, as
crianças são mais vulneráveis à desnutrição, às doenças infecto-parasitárias, como diarreia,
respiratórias, e doenças previníveis pela imunização. Por isto, países e regiões com piores
condições socioeconômicas e ambientais tendem a apresentar maiores taxas de mortalida-
de pós-neonatal.
154
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
155
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 4 – Taxa de mortalidade infantil por componente no Brasil e regiões, anos selecionados
156
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Cabe a vigilância em saúde contribuir para que o Brasil seja bem sucedido no alcance desta meta.
Assim como ocorre com a mortalidade geral, os óbitos no primeiro ano de vida ainda apresentam
subregistros que causam algumas distorções nas taxas de mortalidade infantil. A subnotificação
de óbitos, bem como de nascidos vivos ainda existe no país, especialmente em estados da
Região Nordeste e da Amazônia Legal (Saúde Brasil, 2019), levando à subestimação das taxas
de mortalidade infantil e comprometendo o real dimensionamento da mortalidade no primeiro
ano de vida e o estabelecimento de intervenções adequadas.
157
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A baixa qualidade das informações nas declarações de óbito, representada pelo contingente de
causas mal definidas de óbito – imprecisões na declaração da “causa da morte” – e campos não
preenchidos, prejudica a análise dos fatores que influenciam a mortalidade nessa fase da vida e
consequentemente na definição de ações.
A vigilância do óbito infantil é competência das três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde
(SUS) e obrigatória nos serviços de saúde que integram o Sistema (Bittencourt, 2013).
Para refletir
A mortalidade materna revela o estado de saúde da mulher, o seu acesso à assistência à saúde
e a adequação do sistema de saúde em responder às suas necessidades. Segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS), a mortalidade materna ainda é inaceitavelmente alta. Em 2017, cerca
de 295.000 mulheres morreram durante a gestação e após o parto em todo o mundo; 94%
dessas mortes ocorreram em locais com recursos reduzidos e a maioria poderia ter sido evitada
(WHO, 2021). O elevado número de mortes maternas em locais com recursos insuficientes,
reflete iniquidades no acesso a serviços de saúde de qualidade.
A mortalidade materna é considerada uma morte altamente evitável! Sua redução é uma prioridade
em nível global e este compromisso está expresso nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
da ONU que estabeleceu como meta reduzir a razão da mortalidade materna para valores inferiores
a 70 mortes por 100 mil nascidos vivos entre 2016 até 2030 (United Nations, 2015).
158
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Observe que o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por 100.000.
A morte materna é definida como qualquer causa relacionada ou agravada pela gravidez ou
por medidas em relação a ela, exceto as causas acidentais ou incidentais. Este grupo de
causas pode ser dividida em dois grupos:
> Mortes obstétricas indiretas: as mortes que resultam de doenças existentes antes da
gravidez ou de doenças ocorridas durante a gravidez, não devidas a causas obstétri-
cas diretas e que foram agravadas pelos efeitos fisiológicos da gravidez.
O número de óbitos maternos é obtido no SIM. A declaração de óbito em sua parte VI-Condições e
causas relacionadas ao óbito, contem dois campos específicos para obter dados relativos à morte
materna: A morte ocorreu durante a gravidez, parto ou aborto; A morte ocorreu durante o puerpério.
159
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A razão da mortalidade materna é decrescente no Brasil desde a década de 90. Redução acen-
tuada ocorreu entre 1990 e 2000 (Figura 5A) em decorrência do aumento da escolaridade fe-
minina, queda do número de filhos por mulher, expansão da rede básica de saúde e diminuição
das desigualdades sociais. A Interrupção deste declínio nos anos seguintes até 2009 é atribuída
à melhoria da captação e identificação de óbitos maternos. A partir de 2009 há uma oscilação
na Razão da Morte Materna até 2017, sendo o menor valor observado em 2012 (Figura 5B). A
projeção da Razão da Morte Materna realizada pelo Ministério da Saúde apresentada na Figura 5B
sugere que, em 2030, este indicador poderá alcançar 56,6 mortes por 100 mil nascidos vivos, po-
dendo variar de 35,5 mortes por 100 mil nascidos vivos à 75,8 mortes por 100 mil nascidos vivos.
Figura 5 – Razão da Mortalidade Materna, Brasil 1990 a 2016 (4A) e 2009 a 2017 e previsão para 2018 a 2030 (4B)
5A 5B
160 80,0 75,8
72,4 72,3 74,9
68,9
140 70,0 63,8 62,0 64,4 64,5 62,4
61,8 62,1
59,3 59,0
60,0 55,6
120
RMM por 100 mil nasc. vivos
100 50,0
52,5
40,0
80 43,1
30,0 35,5
60
20,0
40
10,0
20 RMM Brasil
Meta ODM= 35,8 0,0
2011
2017
2012
2013
2016
2010
2015
2014
2009
2020
2030
2025
0
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
Fonte: Saúde Brasil, 2018 (Figura 4A) e Saúde Brasil, 2019 (4B).
Mais uma vez, é importante ressaltar que a mortalidade materna ocorre desigualmente nas
regiões e estados brasileiros como pode ser visto na Figura 6. Valores mais elevados da Razão
de Mortalidade Materna são observados nos estados do Amapá, Maranhão, Piauí e Paraíba
enquanto menores valores são vistos em Santa Catarina.
160
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
160 142
140 122
109
120 100
92
100 86 85
80 79 77
73 72 70
80 65 64 63
58 57 56 56 54 53 52
60 50 49 47 46
40 32
20
SC
MS
SP
AC
MT
AP
MA
PA
AM
TO
SE
ES
MG
RS
PB
GO
CE
PI
BA
RJ
AL
PE
PR
RO
RN
DF
RR
BRASIL
Fonte: Saúde Brasil, 2018.
No Brasil, as principais causas de morte materna são causas diretas como a hipertensão, as he-
morragias e a infecção puerperal e aborto ( Saúde Brasil, 2019; Boletim Epidemiológico N° 20.
Volume 51). Todas essas causas são evitáveis por acompanhamento no pré-natal, atendimento
durante o parto e acompanhamento no puerpério. Conhecer as causas das mortes maternas e
suas circunstâncias é de fundamental importância para definir melhorias na atenção à saúde
das mulheres em idade reprodutível.
161
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
PARA REFLETIR
As taxas de mortalidade estimam o risco de morrer em diferentes populações, mas não per-
mitem conhecer o impacto dessas mortes em uma comunidade, pois não consideram a idade
em que o óbito ocorreu. A mortalidade prematura é crescentemente valorizada pois afeta o
potencial econômico e social dos indivíduos com impactos nas famílias e na sociedade.
162
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
da magnitude dos óbitos, baseado em sua frequência, o APVP considera também o tempo que
se deixou de viver em decorrência da morte, reconhecendo o valor social atribuído `a ocorrência
prematura da morte.
Inicialmente, determina-se a idade limite para considerar a precocidade da morte. Esse limite é
arbitrário, alguns estabelecem 75 anos e outros, definem 70 anos. A primeira etapa do cálculo
do APVP consiste em, para cada causa de morte, subtrair a idade de cada pessoa falecida da ida-
de limite estabelecida para aquela população e multiplicar pelo número de mortes observadas.
Veja um exemplo fictício no Quadro 1. Se consideramos a idade 70 anos como limite para
óbito precoce, a morte de uma criança com dois anos de idade por acidente de trânsito repre-
senta a perda de 68 anos de vida; a morte de dois adultos aos 36 anos por acidente de trânsito
também representa a perda de 68 anos de vida. Dessa forma, quanto mais cedo na vida ocorre
a morte, mais anos de vida serão perdidos. Importante observar que os óbitos ocorridos antes
de 1 ano de idade podem ser excluídos do cálculo do APVP, pois as mortes nessa idade tem
causas específicas relacionadas ao primeiro ano de vida. Entretanto, essa exclusão não é
consensual na literatura.
A segunda etapa do cálculo do APVP consiste no somatório dos anos potenciais perdidos em cada
idade por cada causa de óbito, produzindo o total de APVP por cada causa específica de morte. O
somatório dos anos potenciais de vida perdidos por todas as causas também poderá ser obtido.
Usualmente referido a grupos de causas ou causas específicas de morte, os APVP podem ser
apresentados como valores absolutos ou proporções em relação ao total de APVP. Pode-se
também obter a taxa de APVP pela população de referência no mesmo período dos óbitos. Ao
somar-se os APVP e dividir pelo número de óbitos, totais ou por uma determinada causa, tem-se
o número médio de APVP por óbito.
163
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A Tabela 2 apresenta os anos potenciais de vida perdidos por transportes terrestres no Brasil
em 2013 por faixa etária, excluídos os óbitos em menores de um ano de idade e considerando a
idade limite de 70 anos. Veja que são apresentados os APVP em cada faixa etária; o percentual
de APVP em cada faixa etária em relação ao total de APVP; a taxa de APVP, calculadas pela
divisão dos APVP em cada faixa etária pela população correspondente multiplicado por 100 mil
habitantes; e a média de APVP por total de óbito (APVP/óbito) segundo faixa etária.
Quais as faixas etárias apresentaram maior percentual de APVP por acidentes terrestres no
Brasil em 2013?
A tabela mostra que foram perdidos 1.309.191,5 anos potenciais de vida por acidente de transporte terrestre
em 2013 no Brasil. A taxa de APVP foi de 694,5 anos perdidos para cada 100 mil habitantes. Em média foram
perdidos 33,8 anos por óbito por acidente de transporte terrestre em 2013. A faixa etária de 20 a 29 anos
apresentou maior proporção de APVP decorrente por esses acidentes em 2013.
Tabela 2 – Anos potenciais de vida perdidos, percentual, taxa e média por acidentes de transporte terrestres
segundo faixa etária, Brasil 2013
APVP: anos potenciais de vida perdido; Taxa APVP: anos potenciais de vida perdidos por 100 mil
* Média por 10 mil habitantes.
Fonte: Adaptado de Andrade SSCA, Mello-Jorge MHP. Mortalidade e anos potenciais de vida perdidos por acidentes de transporte no
Brasil, 2013. Rev Saúde Pública. 2016;50:59.
164
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
O APVP pode ser utilizado para definir prioridades de intervenção em saúde pública ao compa-
rar a importância relativa de diferentes causas de mortes prematuras em uma população, para
monitoramento das tendências da mortalidade prematura ao longo do tempo e em diferentes
populações, além de apoiar a avaliação da efetividade das medidas de intervenção. A Figura 7
apresenta taxas de APVP por 100 mil habitantes em 2019 para diferentes países. O Brasil apre-
sentou uma das maiores taxas de APVP em 2019: 8.382,0 por 100 mil habitantes, valor inferior
ao apresentado apenas por 3 países.
Figura 7 – Total de anos potenciais de vida perdidos por 100 mil habitantes em idade de 0 a 69 anos por países
selecionados, 2019
9k
8k
7k
6.6k
6k
5k
3.1k
3k 3.0k
2k
1k
0k
Eslovênia
Canadá
Reuino Unido
Polônia
Estados Unidos
Hungria
Lituania
Brasil
Letônia
México
Luxemburgo
Suiça
Japão
Irlanda
Italia
Suécia
Israel
Noruega
Korea
Holanda
Australia
Austria
Dinamarca
Alemanha
Grécia
Nova Zelândia
France
Belgica
Portugal
República Tcheca
Chile
Turquia
Estônia
Costa Rica
Colômbia
Espanha
Finlândia
165
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
3.2.5 DALY
Os problemas de saúde e as doenças podem imprimir distintos impactos na população, tais como
levar à mortalidade prematura ou gerar sofrimento físico e emocional e resultar em incapacidades.
Por isto, na década de 90, estudo denominado Carga Global de Doenças, comissionado pelo Ban-
co Mundial e pela OMS, propôs uma avaliação abrangente dos impactos das doenças e agravos,
contemplando tanto sua importância para a mortalidade prematura quanto para as incapacidades.
Para conhecer mais: http://www.healthdata.org/gbd/about/history
Para tanto, o estudo da Carga Global das Doenças desenvolveu o indicador Anos de Vida Perdi-
dos Ajustados por Incapacidade (do inglês, Disability Adjusted Life Years = DALY). O DALY é um
indicador composto que integra medidas de mortalidade e morbidade. É obtido pelo somatório
dos Anos de Vida Perdidos por Morte Prematura (do inglês, Years of Life Lost = YLL) e dos Anos
Vividos com Incapacidade (do inglês, Years Lost due to Disability = YLD) que mensura problemas
de saúde não fatais (Veja a Figura 8) . Ao somar os anos de vida perdidos devido à mortalidade
precoce aos anos vividos com incapacidade por doenças, o indicador DALY pretende expressar
a carga total que a perda de saúde impõe às populações.
DALY
Anos de vida ajustados por incapacidades
YLL YLD
Anos de vida perdidos pela morte prematura Anos vividos com incapacidade
> Os anos de vida perdidos por morte prematura são calculados de forma similar ao APVP,
entretanto, não utiliza limites potenciais de vida fixo e sim limites estabelecidos a partir de
166
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
diferentes expectativas de vida observadas nas diferentes idades em que os óbitos ocorre-
ram. Além disso, incorpora outros parâmetros como uma ponderação por idade, que torna o
seu cálculo ainda mais complexo.
> O cálculo dos anos vividos com incapacidade é baseado na incidência da doença ou agravo
de interesse em um ano e local específicos que é multiplicada pelo peso que quantifica a
perda de saúde plena por esse evento. Os anos vividos por incapacidades são calculados por
causa, idade e sexo específicos, assim o resultado se refere à duração média da incapacidade
resultante de cada causa, idade e sexo específicos.
> As únicas características individuais consideradas no cálculo do DALY são sexo e idade.
> O indicador é mensurado em unidades de tempo, assim agrega o tempo vivido com incapaci-
dade e o tempo perdido em função da morte prematura. A unidade de tempo utilizada é o ano.
> O DALY pode ser calculado segundo a causa básica da morte e incapacidade sob a forma
de valores absolutos (número de anos), proporções e taxas relativas a uma população e ano
SciELO Preprints - Este documento é um preprint e sua situação atual está disponível em: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.2375
A Figura
16000
14000
9 apresenta o Daly por 100 mil habitantes
35000 10000
9000
estimado para o 60000
Brasil em 2009 e 2019. Ao
30000 50000
interpretar
12000 as figuras é necessário
25000 observar que as escalas
8000
7000
do DALY total e para cada grupo de causa
DALY (por 100 mil)
40000
são diferentes. Nos dois anos,
20000 as doenças crônicas apresentaram as mais elevadas taxas de DALY
10000 6000
8000 5000 30000
em ambos
6000 os sexos. As taxas de DALY das doenças 4000
15000
10000
infecciosas
3000
diminuíram
20000em ambos os sexos neste
4000
período. Os diferenciais por sexo
2000 5000 das taxas de DALY2000
foram mais acentuadas
1000
10000 para as causas externas.
SciELO Preprints - Este documento é um preprint e sua situação atual está disponível em: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.2375
0 0 0 0
1990 2019 1990 2019 1990 2019 1990 2019
Figura 9 – DALY por
Ano 100 mil habitantes segundo
Ano sexo e grupo de causa,
Ano Brasil, 1990 e 2019
Ano
200
14000 700 9000
140
30000 50000
1000
600 8000
120
12000
150 25000 7000 800
500 100 40000
10000 6000
20000
400 80 600
100
8000 5000 30000
300
15000 60 400
6000 4000
50 200 40 20000
10000 3000 200
4000 100 20
2000 10000
0
2000 5000
0 0 0
DA
1000
M
1000
600 120
150 800
500 100
Fonte: Thalyta Cassia de Freitas Martins, José Henrique Costa Monteiro da Silva, Geovane da Conceição Máximo, Raphael Mendonça
400 80 600
Guimarães.
100
Preprint em Português | SciELO
300 Preprints | ID: pps-2375.60https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.2375
400
50 200 40
200
100 20
0 0 0 0
1990 2019 1990 2019 1990 2019 1990 2019 1/1
Ano Ano Ano Ano
167
Doenças Infecciosas Doenças Crônicas Causas Externas Total
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 10 – Principais causas de DALY, Brasil 2009 e variação percentual, 2009 e 2019
Fonte: Health Metrics and Evaluation (IHME). Brasil. Http://www.healthdata.org/brazil?language=129. Acesso em setembro 2021.
Como será mais discutido no capítulo 4 - Vigilância em Saúde, com o desenvolvimento so-
cioeconômico e envelhecimento populacional, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)
ganham relevância para a carga de doenças, enquanto as doenças transmissíveis (DT) tendem
a ter menor relevância. Vale ressaltar que a pandemia de covid-19 serve de alerta para a im-
portância das doenças transmissíveis, trazendo à tona inclusive a gravidade da combinação das
DCNT e DT. Concluindo, o DALY é um indicador que permite comparar as condições de saúde de
uma população ao longo do tempo, bem como comparar diferentes populações. Ao combinar
a experiência de mortes prematuras e os impactos das incapacidades em um único indicador,
o DALY tem se mostrado um indicador vantajoso para projeções futuras e desenvolvimento de
intervenções apropriadas.
168
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Seu cálculo é feito a partir de procedimentos mais complexos, utilizando tábuas de vida, que
não serão apresentados nesta aula. Em resumo, é obtido dividindo-se o somatório total de anos
vividos por uma geração de nascidos vivos em um ano específico e local pelo número total de
nascimentos dessa geração sendo, portanto, mensurado em anos.
Tabela 3 – Esperança de vida ao nascer, Brasil e regiões, 1991, 1995, 2000 e 2005
Homens Mulheres Ambos os sexos
Regiões
1991 1995 2000 2005 1991 1995 2000 2005 1991 1995 2000 2005
Brasil 63,2 64,7 66,7 68,4 70,9 72,5 74,4 75,9 66,9 68,5 70,4 72,1
Norte 63,7 65,1 66,8 68,2 70,3 71,3 72,4 74,0 66,9 68,1 69,5 71,0
Nordeste 59,6 61,4 63,6 65,5 66,3 68,4 70,9 72,7 62,8 64,8 67,2 69,0
Sudeste 64,5 66,0 67,9 69,5 73,4 74,8 76,3 77,7 68,8 70,3 72,0 73,5
Sul 66,7 67,9 69,4 70,8 74,3 75,2 76,3 77,7 70,4 71,5 72,7 74,2
Centro-Oeste 65,2 66,7 68,4 69,8 72,0 73,6 75,3 76,7 68,6 70,0 71,8 73,2
Fonte: Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações / Rede Interagencial de Informação para a Saúde - Ripsa. – 2.
ed. – Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2008. 349 p.: il.
169
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
observado. Também notamos na Tabela 3 que as mulheres têm expectativa de vida nitidamente
mais elevada do que os homens em todas as regiões e em todos os anos.
O incremento da esperança de vida média dos brasileiros reflete mudanças importantes nos pa-
drões de mortalidade, especialmente a redução da mortalidade infantil. O diferencial por sexo
se deve à maior mortalidade masculina seja por causas externas e por outras causas devido aos
diferenciais de gênero nos cuidados de saúde e maior exposição à fatores de riscos dos homens.
A esperança de vida ao nascer permaneceu crescente no Brasil. Uma pessoa nascida em 2019
tinha expectativa de viver, em média, 76,6 anos. A expectativa de vida dos homens nascidos
neste ano foi de 73,1 anos e a das mulheres de 80,1 anos, em média (IBGE, 2020). Entretanto,
a expectativa de vida no país é marcadamente inferior aos níveis observados em países de alta
renda da Europa e da Ásia ou mesmo da América do Sul, como o Chile (Figura 11).
Figura 11 – Esperança de vida ao nascer por países selecionados por último ano disponível entre 2016 a 2020
90
85
80
75
Taxax 1.000 nascidos vivos
70
65
60
Africa do Sul
Rússia
Índia
Indonésia
Lituania
Letônia
Brasil
México
Hungria
Polônia
Eslováquia
Colômbia
Estônia
China
Turquia
Estados Unidos
Eslovênia
Chile
Portugal
Costa Rica
Bélgica
Áustria
Alemanha
França
Finlândia
Luxemburgo
Dinamarca
Reino Unido
Espanha
Holanda
Canadá
Itália
Coreia
Nova Zelândia
Suécia
Irlanda
Austrália
Israel
Suíça
Japão
Noruega
Irlanda
Grécia
170
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
IMPORTANTE!
A expectativa de vida ao nascer representa uma síntese do efeito da mortalidade em todas as ida-
des. Melhores condições de saúde e de vida são acompanhadas por expectativas de vida mais longa
decorrente da redução das taxas de mortalidade, especialmente a redução das taxas de mortalidade
em idades mais jovens. Entretanto, o contínuo incremento da expectativa de vida ao nascer, poderá
ser impactado pela Pandemia de covid-19. Resultado de estudo publicado em 2021, aponta que a
expectativa de vida ao nascer dos brasileiros caiu em média 1,3 anos em 2020, este declínio foi maior
em homens e nos estados mais atingidos pela pandemia (Castro e cols, 2021).
CONCLUSÃO
Medir a ocorrência de doenças, agravos à saúde e óbitos constitui um dos objetivos da epide-
miologia e etapa fundamental para conhecer a saúde da população. As medidas de mortalidade
e morbidade em conjunto com outras informações revelam aspectos das condições de vida e de
saúde da população e ajudam a apontar prioridades para intervenções e monitorar seus impactos.
Algumas dessas medidas podem revelar aspectos particulares da saúde, como os indicadores
de mortalidade infantil e materna. Estes eventos ocorrem precocemente, são em sua maioria
evitáveis e decorrem de uma combinação de fatores biológicos, sociais, culturais e de falhas do
sistema de saúde. Juntamente com outras mortes precoces, como as mortes violentas ou mortes
por acidente vascular encefálico aos 60 anos, por exemplo, estas mortes precoces configuram
padrões de mortalidade que refletem na menor esperança de vida média dos nascidos vivos de
uma população. Ademais, vimos que à medida que a sociedade evolui e novos problemas de saúde
ganham relevância, novos indicadores, como o DALY, que abarcam outros aspectos da saúde são
incorporados para dimensionar mais amplamente a saúde da população.
171
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Andrade SSCA, Mello-Jorge MHP. Mortalidade e anos potenciais de vida perdidos por acidentes
de transporte no Brasil, 2013. Rev Saúde Pública. 2016;50:59.
Bittencourt, SDA (Org.) Vigilância do óbito materno, infantil e fetal e atuação em comitês de
mortalidade. / organizado por Sonia Duarte de Azevedo Bittencourt, Marcos Augusto Bastos Dias
e Mayumi Duarte Wakimoto. Rio de Janeiro, EAD/Ensp, 2013. 268 p., il., tab., graf. ISBN: 978-85-
61445-87-4.
Bronberg RA & Dipierri JE. Infant mortality due to congenital malformations in the Autonomous
City of Buenos Aires (1998-2015): Spatial, temporal analysis and relation to the socioeconomic
status. Arch Argent Pediatr. 2019;117(3):171-178. doi: 10.5546/aap.2019.eng.171.
Carvalho, C.A., Silva, A.A.M.d., Victora, C. et al. Changes in Infant and Neonatal Mortality and Asso-
ciated Factors in Eight Cohorts from Three Brazilian Cities. Sci Rep 10, 3249 (2020). doi.org/10.1038/
s41598-020-59910-7.
172
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Castro MC, Gurzenda S, Turra CM et al. Reduction in life expectancy in Brazil after Covid-19. Nat
Med. 2021;27(9):1629-1635. doi: 10.1038/s41591-021-01437-z.
Costa AJL, Kale PL, Vermelho LL. Indicadores de Saúde. In: Medronho R A e cols. Epidemiologia.
São Paulo: Atheneu, 2009, p31-82.
Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações / Rede Interagencial de Informa-
ção para a Saúde - Ripsa. – 2. ed. – Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2008. 349
p.: il.
Laurenti R, Mello-Jorge MHP, Gotlieb SLD. Reflexões sobre a mensuração da mortalidade mater-
nal. Cad. Saúde Pública. 2000;16(1):23-30.
Leal MC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, et al. Saúde repro-
dutiva, materna, neonatal e infantil nos 30 anos do Sistema Único de Saúde (SUS). Ciênc Saúde
Colet 2018; 23:1915-28.
Leite IC, Valente JG, Schramm JMA e cols. Carga de doença no Brasil e suas regiões, 2008. Cad.
Saúde Pública. 2015; 31 (7). https://doi.org/10.1590/0102-311X00111614
Maia LTS, Wayner, Souza WV, Mendes ACG. Determinantes individuais e contextuais associados à
mortalidade infantil nas capitais brasileiras: uma abordagem multinível. Cad. Saúde Pública 2020;
36(2):e00057519.
Mota E, Kerr LRFS. Medidas de Ocorrência de Doenças e Agravos e Óbitos. In: Almeida-Filho N,
Barreto ML. Epidemiologia e Saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2014. p.95-117.
Nyarko KA, Lopez-Camelo J, Castilla EE 1, Wehby GL. Explaining racial disparities in infant he-
alth in Brazil. Am J Public Health. 2015;105 Suppl 4(Suppl 4):S575-84, S563-74. doi: 10.2105/
AJPH.2012.301021r.
173
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
DOI: 10.2105/AJPH.2012.301021r.
Reidpath, D. D. & Allotey, P. Infant mortality rate as an indicator of population health. J. Epidemiol.
Community Health. 2003, 57:344–6).
Thalyta Cassia de Freitas Martins, José Henrique Costa Monteiro da Silva, Geovane da Conceição
Máximo, Raphael Mendonça Guimarães. Preprint em Português | SciELO Preprints | ID: pps-2375.
https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.2375
United Nations, 2015. Resolution adopted by the General Assembly on 25 September 2015. Trans-
forming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. Disponível em: https://sdgs.
un.org/2030agenda. Acesso em setembro 2021.
Victora CG et al. Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios. Lancet Series,2011.
32-46.
World Heathy Organization, 2021. Maternal Mortality: acessado em setembro 2021: https://www.
who.int/news-room/fact-sheets/detail/maternal-mortality
174
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
3.3.1. Introdução
Como já pudemos ver em aulas anteriores, a epidemiologia tem por objetivo estudar a distribuição
e a frequência das doenças nas populações e dos fatores que determinam essa distribuição. E
uma das premissas fundamentais dessa ciência é que as doenças e problemas de saúde não se
distribuem de forma aleatória nas populações, pelo contrário, elas seguem padrões.
PARA REFLETIR
Você já parou para pensar por que algumas doenças acometem mais algumas populações
que outras?
Para compreender qual o comportamento de uma doença nas populações, a descrição deta-
lhada da sua ocorrência se torna um passo imprescindível para tal. No entanto, a obtenção
de indicadores de saúde, como a mortalidade, a incidência e a prevalência, podem não ser
suficientes para caracterizar o perfil dessa doença. Saber onde a doença é mais prevalente, se
ocorre com mais frequência entre homens ou mulheres por exemplo, ou se a incidência é maior
em alguma época do ano já nos dão indícios mais claros sobre esse perfil. Assim, podemos
perceber que características como idade, sexo, ocupação, local de moradia, tempo desde o início
175
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
dos sintomas, variação da prevalência ao longo do tempo, ocorrência mais frequente em épocas
mais frias do ano, dentre outros, podem auxiliar nessa descrição.
A epidemiologia descritiva busca justamente fazer essa descrição detalhada da ocorrência da do-
ença de acordo com tais dimensões, possibilitando traçar o perfil epidemiológico daquela doença.
Quando existe alguma diferença na ocorrência da doença de acordo com esses tipos de infor-
mações, é possível identificar grupos populacionais específicos mais vulneráveis à doença em
questão e gerar hipóteses sobre a origem e/ou a causa dessa doença para que outras investiga-
ções sejam realizadas no futuro, com vistas à sua prevenção e promoção da saúde dos indivídu-
os e populações. As perguntas contidas no quadro 1 a seguir exemplificam as dimensões que a
epidemiologia descritiva busca investigar.
PARA REFLETIR
Perguntas para investigar as dimensões de pessoa, tempo e lugar de uma determinada doença:
> Pertencer a uma dada classe social torna o indivíduo mais vulnerável?
> Existe uma época do ano em que os casos são mais frequentes?
> Quais são as caraterísticas de sexo e idade entre os grupos mais vulneráveis?
> Aqueles que moram com quem possui a doença tem maior chance de tê-la também?
E do que se trata cada uma dessas dimensões? Vamos ver a seguir cada uma delas delineando
o perfil de dois problemas de saúde em específico de acordo com suas características: Sífilis** e
mortalidade por causas evitáveis***.
176
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
**SAIBA MAIS
O Guia de Vigilância em Saúde descreve a Sífilis Adquirida como:
> Uma infecção bacteriana sistêmica, de evolução crônica, causada pelo Treponema palli-
dum. Quando não tratada, progride ao longo dos anos, sendo classificada em sífilis recente
(primária, secundária, latente recente) e tardia (latente tardia e terciária).
> Sua transmissão pode ser sexual, vertical ou sanguíneo, sendo que a transmissão sexual
é a predominante.
> Consulte o Guia de Vigilância em Saúde para mais informações sobre a Sífilis
e outras doenças:
CLIQUE AQUI
Fonte: Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em
Serviços. Guia de Vigilância em Saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 740 p.
177
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
***SAIBA MAIS
O estudo que originou os gráficos que vamos mostrar concentrou-se nos cinco grupamentos
de óbitos evitáveis, a saber:
4. reduzíveis por adequada ação de prevenção, controle e atenção as causas de morte materna;
3.3.2. Tempo
178
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 1 – Taxa de detecção de sífilis adquirida (por 100.000 habitantes), taxa de detecção de sífilis em
gestantes e taxa de incidência de sífilis congênita (por 1.000 nascidos vivos), segundo ano de diagnóstico.
Brasil, 2010 a 2019
76,2
72,8
70
59,0
60
Taxa x 1.000 nascidos vivos
50
44,5
40
34,1
30
25,1
21,5 20,8
19,7
20 17,0
14,4 13,4
10,9
9,5 8,9
10 7,2 9,0
5,7 8,5 8,2
4,7 6,5 7,4
3,5 4,8 5,5
2,1 3,3 4,0
2,4
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Ano do diagnós o
Adquirida Gestante Congênita
Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.
Perceba que temos três tipos de informações que foram mensuradas ao longo do tempo: sífilis
adquirida, sífilis em gestantes e sífilis congênita. Apenas com as informações que podemos ver
nesse gráfico, responda:
Como você interpretaria esse gráfico? Qual é a tendência de cada uma dessas variáveis?
Bem, podemos perceber que todos os indicadores apresentaram tendência de aumento em suas
taxas de 2010 a 2018, seguido de um leve declínio em 2019 se comparado ao ano anterior.
179
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
PARA REFLETIR
Para você, o que pode justificar a queda nos três indicadores relacionados à Sífilis entre os
anos de 2018 e 2019?
Dica: os motivos podem estar relacionados com a doença em sí (evolução dos casos) quanto
a disponibilidade de tratamento.
Outro exemplo interessante pode ser visto quando à mortalidade proporcional (Gráfico 2) e a
taxa padronizada de mortalidade (Gráfico 3) por causas evitáveis e seus principais grupamentos
na população brasileira:
Gráfico 2 – Mortalidade proporcional por causas evitáveis e principais grupamentos, na faixa etária de 5 a 74
anos – Brasil, 2010 a 2017
70%
Causas evitáveis
60% Imunopreveníveis
Doenças infecciosas
50%
Doenças
não transmissíveis
40%
Causas maternas
o dos novos registros de óbitos (A) por covid-19 por semana epidemiológica de notificação.
0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
180
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 3 – Taxa padronizada de mortalidade (por 100 mil habitantes) por causas evitáveis e principais grupa-
mentos, na faixa etária de 5 a 74 anos – Brasil, 2010 a 2017
350
300
250
200
150
100
50
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Causas evitáveis Doenças infecciosas Doenças não transmissíveis Causas externas
No Gráfico 2 percebemos que, dentre todos os óbitos de residentes brasileiros na faixa etária de 5 a
74 anos em 2017, por exemplo, 76,8% foram atribuídos a causas evitáveis, sendo que esse percentual
se manteve estável ao longo dos anos. Já no Gráfico 3, nota-se uma tendência leve de declínio na
taxa de mortalidade por causas evitáveis sendo que, dentre os seus grupamentos, somente a taxa
de mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis apresentou a mesma tendência.
181
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
DICA!
Mortalidade
Estudar a mortalidade e um dos primeiros passos para conhecer o estado de saúde de uma
população e tem a grande vantagem de utilizar dados já disponíveis coletados rotineiramen-
te. A mortalidade e de grande interesse pois permite determinar o risco de morrer em uma
população, identificar as principais causas de morte, quão precoces as mortes ocorrerem, os
grupos mais vulneráveis e é um importante sinalizador da gravidade de uma doença.
A taxa de mortalidade especifica e uma razão entre a frequência absoluta de óbitos e a popu-
lação sob risco de morrer em um tempo especifico restrita a grupos específicos. O numerador
e denominador serão restritos ao grupo de interesse, por exemplo a faixa etária ou sexo; de
tal forma que cada pessoa incluída no denominador esteja sob risco de passar para o grupo
do numerador.
Letalidade
A letalidade e definida como a proporção de mortes dentre os doentes por uma causa espe-
cifica durante um período especifico. A letalidade expressa o maior ou menor poder de uma
doença ou agravo levar a morte as pessoas acometidas pela doença ou agravo.
182
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Exemplo
Existem tendências temporais que são chamadas sazonais, ou seja, variam em períodos fixos de
tempo que coincidem com as estações do ano. Como, por exemplo, a maior frequência de casos
de dengue no verão, ou maior incidência de casos de pneumonia no inverno. Um exemplo interes-
sante é o da Síndrome Respiratória Aguda Grave, conforme podemos ver na figura 1 abaixo:
Figura 1 – Distribuição dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave no Brasil, segundo agente etiológico e sema-
na epidemiológica do início dos sintomas, até a Semana Epidemiológica 52, nos anos de (a) 2017, (b) 2018 e (c) 2019
(a)
Fonte: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/17/Informe-Epidemiol--gico-Influenza-2017-SE-52.pdf.
(b)
Fonte: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/fevereiro/01/Informe-Epidemiologico-Influenza-2018-SE-52.pdf
183
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
(c)
Os três gráficos nos mostram que o número de hospitalizações por Síndrome Respiratória Aguda
Grave é maior em períodos mais frios do ano no Brasil, que são mais propícios à circulação
e contaminação pelos vírus respiratórios descritos nos gráficos. Percebemos então que esse
indicador é influenciado pela sazonalidade.
3.3.3. Lugar
Conforme dito na nossa introdução, as doenças não são distribuídas aleatoriamente, e na di-
mensão de espaço isso não seria diferente. Assim, a análise que considera o local de ocorrência
do evento, também chamada de espacial, determina a distribuição das doenças, eventos rela-
cionados à saúde e serviços de saúde com referenciamento geográfico.
Desta forma é possível identificar padrões espaciais de morbidade, mortalidade e outros in-
dicadores de saúde, além da frequência dos fatores de risco relacionados. Voltando ao nosso
exemplo sobre a Sífilis, veja o Gráfico 4:
184
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 4 – Taxa de detecção (por 100.000 habitantes) de sífilis adquirida, segundo região de residência por
ano de diagnóstico. Brasil, 2010 a 2019
120
100
Taxa de detecção x 100.000 habitantes
80
60
40
20
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Ano do diagnós o
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.
No tópico anterior, percebemos que a taxa de detecção de sífilis adquirida apresentou uma
crescente até 2018, com leve queda em 2019 (e a mesma informação agora consta na linha
contínua em preto do Gráfico 4). Agora, temos essa informação por região do país: percebam
que a tendência nacional praticamente se mantém entre as regiões, mas de forma diferente.
Por exemplo, quando comparamos as taxas de 2018 e 2019, apesar de ambos apresentarem
uma queda na taxa em 2019, tal redução foi de 9,8% no Nordeste e de 3,6% no Sudeste. E ainda
comparando 2018 e 2019: a Região Norte apresentou um aumento em sua taxa de detecção
de sífilis adquirida enquanto todos as outras regiões apresentaram um aumento nesse período.
Além disso, a região Sul se destaca com as maiores taxas.
E se considerarmos os estados de cada região: será que existem diferenças? Um estado contribui-
ria mais para a taxa de detecção de sífilis do que outro? E quanto às capitais de cada estado?
185
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 5 – Taxas de detecção de sífilis adquirida (por 100.000 habitantes) segundo UF e capitais. Brasil, 2019
250
200
Taxa x 100.000 habitantes
150
100
Brasil 72,8
50
AL
AP
AC
AM
GO
CE
ES
TO
RR
RJ
RN
RO
BA
RS
MA
MG
MT
MS
SP
SE
SC
PA
DF
PB
PI
PR
PE
UF Capital Brasil
Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.
Note que existem estados que contribuem mais e outros menos para a taxa média nacional de
detecção de sífilis adquirida, sendo que 12 estados apresentaram taxas superiores à essa média.
Você consegue identificar esses 12 estados no Gráfico?
É interessante observar a discrepância dessa taxa quando comparamos os estados (UF) e suas
capitais. Vamos analisar a região norte, que apresentou elevação na sua taxa média de detecção
entre 2018 e 2019 (Gráfico 4): enquanto a capital Rio Branco apresenta taxa muito inferior à
média apresentada no estado do Acre, a capital Manaus possui taxa muito superior à média do
seu estado Amazonas (Gráfico 5).
Então percebam que somente o dado sobre a taxa de detecção de sífilis adquirida para o Brasil
ao longo dos anos não consegue evidenciar as diferenças regionais e locais que podem existir –
e que podem demandar diferentes estratégias para intervir na melhoria desse indicador.
186
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Agora veja os dados da taxa padronizada de mortalidade por causas evitáveis no Gráfico 6:
Gráfico 6 – Taxa padronizada de mortalidade (por 100 mil habitantes) por causas evitáveis, na faixa etária de
5 a 74 anos – Brasil e regiões, 2010 a 2017
306,4 307,2
305,7
302,3
300,9
300,8 299,0
290,2
287,4
282,6
282,1
274,5
Vocês se lembram que mencionamos no Gráfico 3 que houve um leve declínio na taxa de
mortalidade por causas evitáveis no Brasil? Pois bem, quando analisamos essa mesma taxa por
região do país no Gráfico 6, percebemos algumas regiões seguem a mesma tendência nacional,
mas outras não: nas regiões Norte e Nordeste, a taxa aumentou entre 2010 e 2017, e ambas
deixaram de ter as menores taxas em 2010 para apresentarem as maiores em 2017.
PARA REFLETIR
Se considerarmos os principais grupamentos das causas evitáveis de óbito (doenças infeccio-
sas, não transmissíveis e causas externas), qual contribuiria mais ou menos para as taxas de
mortalidade em cada região?
Exemplo
Algumas tendências no espaço podem ser retratadas por meio de mapas, que é o modo mais
elementar para descrever a distribuição espacial de doenças e eventos relacionados à saúde. A
Figura 2 abaixo compara as taxas médias de incidência de AIDS, por 100.000 habitantes, nos
diferentes municípios brasileiros (quanto mais escura a região no mapa, maior a incidência), e
em quatro diferentes períodos, permitindo uma análise espacial e temporal ao mesmo tempo:
187
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 2 – Taxas médias de incidência de aids (por 100 mil habitantes) segundo município de residência,
Brasil, 1996-2011
Fonte: Sousa, Artur Iuri Alves de, & Pinto Júnior, Vitor Laerte. (2016). Análise espacial e temporal dos casos de aids no Brasil em 1996-
2011: áreas de risco aumentado ao longo do tempo. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 25(3), 467-476.
Diante dos exemplos que citamos, podemos perceber a importância de compreender o perfil da
doença de acordo com o tempo, mas também não podemos deixar de ressaltar a relevância das
mudanças que ocorreram ao longo tempo nos diferentes locais ou regiões.
3.3.4. Pessoa
Por fim, as características dos indivíduos são claramente relacionadas com a ocorrência de
problemas de saúde de interesse, e elas são inúmeras.
188
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
De um modo geral e para fins didáticos, as características pessoais podem ser consideradas in-
dividuais, ou relacionadas comportamentos no cotidiano e estilo de vida, ou ainda relacionadas
às condições de vida desses indivíduos. Veja abaixo alguns exemplos:
> Individuais: sexo, idade, etnia, raça/cor da pele, estado imunitário, estado civil, escolarida-
de, ocupação, presença de comorbidades.
> Comportamentos e estilo de vida: prática de atividade física, práticas religiosas, costumes
regionais, tabagismo, consumo de bebidas alcóolicas, hábitos alimentares.
Gráfico 7 – Taxa de detecção de sífilis adquirida (por 100.000 habitantes) segundo faixa etária. Brasil, 2010 a 2019
160
140
120
Taxa de detecção x 100.000 habitantes
100
80
60
40
20
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.
No Gráfico 4, a linha contínua em preto nos mostrava a tendência da taxa de detecção de sífilis
adquirida no Brasil ao longo dos anos. Agora, no Gráfico 7, temos a distribuição dessa taxa ao
longo do mesmo período e segundo a faixa etária dos indivíduos. A tendência de aumento na
taxa com posterior redução em 2019 pode ser vista em todas as idades, porém a faixa etária
189
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
PARA REFLETIR
A idade é um dos principais preditores de morbimortalidade em uma população. A frequência de
casos e óbitos de doenças, por exemplo, vão variar conforme a idade dos indivíduos e da população.
É notório que o componente biológico dessa característica é de extrema relevância para sua relação
com os eventos em saúde, mas as diferentes etapas ao longo do curso da vida propiciam diferentes
experiências que podem representar um aumento ou diminuição na ocorrência das doenças, ressal-
tando também o componente social da idade (Melo et al., 2017; Torres et al., 2018).
E quando consideramos o sexo dos indivíduos com sífilis? Você acha que mais homens ou mais
mulheres são afetados? Vamos observar o Gráfico 8:
Gráfico 8 – Casos notificados de sífilis adquirida e sífilis em gestante, segundo sexo e razão homem/mulher
por ano de diagnóstico. Brasil, 2010 a 2019
100% 1,2
90%
1,0
80%
65,6
0,5
40%
0,4
30%
82,4
10%
17,6
0% -
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.
190
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
PARA REFLETIR
Entre as mulheres, que tendências você consegue perceber comparando a proporção ao longo
do tempo de mulheres com sífilis adquirida e com sífilis em gestante?
Gráfico 9 – Distribuição proporcional de casos de sífilis adquirida segundo raça/cor e ano de diagnóstico.
Brasil, 2010 a 2019
100
70
0,9
32,1 31,2 33,3 34,5 36,7 38,1
0,6 31,2 30,7 31,5
60
Percentual raça/cor
25,4
50
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Ano de diagnó co
Branca Preta Parda Amarela Indígena Ignorado
Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.
191
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A raça/cor dos indivíduos se revela como um importante construto social, e se configura como
um determinante socioeconômico, auxiliando na compreensão de como as relações raciais pro-
duzem desigualdades sociais em saúde. Desvantagens quanto às condições de vida e saúde
podem ser vistas mais frequentemente na população preta e parda no país (Monteiro et al.,
2021; Romero et al., 2019).
É interessante observar que a proporção de casos com a informação sobre raça/cor ignorada di-
minuiu: passando de 34,0% em 2010 para 15,1% em 2019. Reflita: por que esse fato é importante?
IMPORTANTE!
A informação sobre a raça/cor dos indivíduos com Sífilis, assim como sexo, idade, den-
tre outros, deve constar na ficha de notificação dessa doença, já que ela está entre as
doenças que devem obrigatoriamente ser notificadas às autoridades sanitárias, ou seja,
pertence à Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças**.
192
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 10 – Distribuição proporcional de casos de sífilis adquirida segundo escolaridade e ano de diagnós-
tico. Brasil, 2010 a 2019
100
90
40 12,7
15,9 15,3 15,8 16,0
30 16,4 16,2 16,6
12,8 17,0
17,0
20
27,0 26,1 25,1 24,3 22,0
20,6 21,3 20,7 20,0 18,4
10
1,4 1,6 1,4 1,4 1,3 1,2 1,2 1,1 1,2 1,1
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Analfabeto Fundamental incompleto Fundamental completo Médio completo Superior completo Não se aplica/Ignorado
Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.
A escolaridade revela muito sobre o estado de saúde dos indivíduos. Por exemplo, quanto maior
o nível de escolaridade, maior a expectativa de vida. É importante considerar que a escolaridade
materna também pode ser utilizada como indicador da posição socioeconômica do indivíduo ou
ser utilizada como parâmetro a ser comparado com a escolaridade do indivíduo por exemplo,
indicando ou não uma mobilidade educacional entre gerações distintas.
Agora vamos observar os dados sobre taxa padronizada de mortalidade por causas evitáveis de
acordo com as características dos indivíduos, começando pelo sexo e principais grupamentos
das causas evitáveis, no Gráfico 11:
193
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 11 – Taxa padronizada de mortalidade (por 100 mil habitantes) por causas evitáveis, segundo sexo –
Brasil, 2010 e 2017
450
400
350
300
2010-F
250
2017-F
200
2010-M
150
2017-M
100
50
0
Infecciosas Não transmissíveis Causas externas Causas evitáveis
O gráfico 11 nos mostra que a taxa de mortalidade por todos os grupamentos e em ambos os
sexos caiu entre 2010 e 2017. Entre os homens, as taxas foram sempre maiores, com destaque
para as doenças não transmissíveis e grande destaque para as causas externas (que contem-
plam as violências e os acidentes em geral) veja maiores detalhes na Aula 4.4 - Epidemiologia
de acidentes e violências.
194
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 12 – Taxa padronizada de mortalidade (por 100 mil habitantes) por causas evitáveis, segundo sexo e
faixa etária – Brasil, 2010 e 2017
2.000
Taxa de mortalidade por 100 mil habitantes
1.800
1.600
1.400
2010-F
1.200
2017-F
1.000
800 2010-M
600 2017-M
400
200
Apesar de não termos as informações sobre os grupamentos das causas evitáveis, o Gráfico
12 nos fornece 3 diferentes variáveis: sexo, idade (faixas etárias) e períodos de tempo (2010 e
2017). Observa-se que mortalidade aumentou com o avançar da idade, e que existe uma dife-
rença entre os sexos, que já havíamos percebido no Gráfico 11 mas que aqui notamos ser mais
proeminente a partir da faixa etária de 15 a 19 anos – que foi a única a apresentar aumento da
mortalidade entre 2010 e 2017 (somente entre os homens).
O Gráfico 13 abaixo nos traz informações de uma forma diferente do que vimos até o momento,
revelando a correlação entre as taxas de mortalidade (eixo x) e o Índice de Vulnerabilidade
Social – IVS (eixo y). O IVS engloba diversos indicadores, agrupados em três dimensões: infraes-
trutura urbana, capital humano (como mortalidade infantil, por exemplo) e relacionados a renda
e trabalho. O Gráfico 13 nos mostra o IVS quanto à dimensão capital humano.
195
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Quadro 2 – Indicadores que compõem as três dimensões do Índice de Vulnerabilidade Social – IVS
Porcentagem da população que vive em domicílios urbanos sem serviço de coleta de lixo.
IVS infraestrutura urbana
Porcentagem de pessoas que vivem em domicílios com renda per capita inferior a meio salário-
-mínimo (de 2010) e que gastam mais de uma hora até o trabalho no total de pessoas ocupadas,
vulneráveis e que retornam diariamente do trabalho.
Porcentagem de mães chefes de família sem o ensino fundamental completo e com pelo menos
IVS capital humano um filho menor de 15 anos de idade, no total de mulheres chefes de família.
Porcentagem de crianças que vivem em domicílios em que nenhum dos moradores tem o ensi-
no fundamental completo.
Porcentagem de pessoas de 15 a 24 anos que não estudam, não trabalham e possuem renda
domiciliar per capita igual ou inferior a meio salário-mínimo (de 2010), na população total dessa
faixa etária.
Proporção de pessoas com renda domiciliar per capita igual ou inferior a meio salário-mínimo (2010).
Fonte: BRASIL. Ministério da Economia. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. A nova plataforma da vulnerabilidade social:
primeiros resultados do índice de vulnerabilidade social para a série histórica da Pnad (2011-2015) e desagregações por sexo, cor e
situação de domicílios. Rio de Janeiro: Ipea, 2018.
196
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 13 – Tendência da taxa de mortalidade por causas evitáveis (2017), segundo Índice de Vulnerabilidade
Social – componente capital humano.
Quanto mais alto o IVS de um território, maior é a vulnerabilidade da população. Então, quanto
mais próximo de 1 o IVS está, piores são as condições de vida da população.
Em geral, nota-se que quanto maiores as taxas de mortalidade por causas evitáveis e seus
grupamentos, maior o IVS (capital humano). Ou seja, maior vulnerabilidade social em uma po-
pulação está relacionada a maiores taxa de mortalidade por causas evitáveis.
Diante dessas informações que coletamos sobre a Sífilis e as causas evitáveis de óbitos, pode-
mos traçar um perfil sobre os indivíduos que possuem tais condições de saúde:
Quanto à sífilis, percebe-se que as taxas de detecção aumentaram ao longo do tempo no Brasil
de 2009 até 2018, com leve declínio em 2019 – padrão esse observado em todas as regiões
exceto o Norte do país que apresentou aumento em 2019. Destaque para a região Sul do país
197
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
que apresentou as maiores taxas de detecção comparando às demais regiões. Percebemos ainda
que, em 2019, as taxas são maiores na faixa etária de 20 a 29 anos, e a proporção de casos é
maior entre as mulheres, aqueles de raça/cor preta ou parda e entre os que completaram até o
ensino médio. Ressalta-se ainda o crescimento, ao longo dos 9 anos, da proporção de homens
entre os casos de sífilis.
Antes de prosseguirmos, que tal você tentar traçar o perfil sobre as causas evitáveis de óbitos
na população, assim como fizemos para a Sífilis?
O perfil populacional, espacial e temporal que acabamos de delinear é uma pequena amostra
do que ocorrer no processo de Análise de Situação de Saúde. Conforme a definição da Organi-
zação Pan-Americana de Saúde, a Análise de Situação de Saúde (Asis) consiste em “processos
analítico-sintéticos que permitem caracterizar, medir e explicar o perfil saúde-doença de uma
população, bem como os agravos, problemas de saúde e seus determinantes”. Portanto, trata-
-se de uma ferramenta que, através da análise demográfica, socioeconômica e epidemiológica,
possibilita a identificação dos problemas e necessidades de saúde não satisfeitas de certa po-
pulação, bem como a determinação de uma ordem de prioridade (Brasil, 2015).
198
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Vamos praticar?
SAIBA MAIS
A seguir você vai realizar um exercício, cujo objetivo é analisar
a situação de saúde do estado do Piauí, comparando com os
dados do Brasil. Você deverá calcular e analisar indicadores de
saúde (gerais e específicos) relacionados à mortalidade.
Os dados serão acessados no DATASUS (Departamento de
informática do Sistema Único de Saúde), via TABNET (Link para
acesso: https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-
-tabnet/). As estimativas populacionais disponibilizadas pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obtidas
a partir da projeção da população de 2010 a 2060, devem ser
utilizadas para o cálculo dos indicadores necessários (https://
www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9109-proje-
cao-da-populacao. html?=&t=resultados).
1° passo. Identificar o número de óbitos por Capítulo da CID-10 no Piauí e no Brasil em 2018.
Dicas:
> Na opção “Abrangência Geográfica”, selecione a opção “Brasil por região e Unidade da Federação”.
199
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Após a exportação da tabela resultante pelo TABNET e exclusão das colunas correspondentes
aos demais estados da federação, temos a seguinte tabela:
200
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Utilizando a tabela resultante do passo 1, foi possível calcular a mortalidade proporcional por
causa (Capítulo da CID-10), conforme podemos ver abaixo:
Tabela 2 – Número de óbitos e mortalidade proporcional segundo capítulo da CID-10, Piauí e Brasil, 2018
Capítulo CID-10 Casos Acum. Óbitos Acum. Casos Novos Óbitos Novos
III. Doenças sangue órgãos hemat e transt imunitár 137 6.601 0,69 0,50
201
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Capítulo CID-10 Casos Acum. Óbitos Acum. Casos Novos Óbitos Novos
XVI. Algumas afec originadas no período perinatal 468 20.764 2,34 1,58
XVIII.Sint sinais e achad anorm ex clín e laborat 859 70.505 4,30 5,35
XIX. Lesões enven e alg out conseq causas externas 0 0 0,00 0,00
Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060.
E utilizando os dados sobre número de óbitos e sobre estimativas populacionais fornecidas pelo
IBGE para Piauí e Brasil, é possível calcular as taxas de mortalidade geral:
Piauí Brasil
3° passo. Identifique quais são as três causas de óbito (por Capítulo da CID-10) proporcional-
mente mais frequentes no Piauí.
De acordo com a mortalidade proporcional por causa (por Capítulo da CID-10), as causas que mais
contribuem para o total de óbitos no Piauí são: IX. Doenças do aparelho circulatório (31,56%),
II. Neoplasias (tumores) (13,70%) e XX. Causas externas de morbidade e mortalidade (12,37%).
Juntas, elas correspondem a mais de 50% das mortes ocorridas em 2018 no estado.
4° passo. Calcule as taxas de mortalidade específicas (por Capítulo da CID-10) para as três
causas de óbito identificadas no passo 3, para o Piauí e Brasil.
202
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Tabela 4– Óbitos e taxa de mortalidade específica por Neoplasias, Doenças do aparelho circulatório e Causas
externas, Piauí e Brasil, 2018
Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060
Notas: *População estimada Piauí (2018): 3.263.754 habitanteS
**População estimada Brasil (2018): 208.494.900 habitantes
Gráfico 14 – Taxas de mortalidade específica por Doenças do aparelho circulatório, Neoplasias (tumores) e
Causas externas de morbidade e mortalidade, Piauí e Brasil, 2018
200 193,21
180 171,60
Taxa de mortalidade (por 100.000 habitantes)
160
140
120 109,32
100
83,86
80 75,74
72,33
60
40
20
0
II. Neoplasias (tumores) IX. Doenças do aparelho XX. Causas externas (de
circulatório morbidade e mortalidade
Piauí Brasil
203
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Passo 1:
204
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Passo 2:
Tabela 6 – Número de óbitos e mortalidade proporcional segundo capítulo da CID-10, Piauí e Brasil, 2010
III. Doenças sangue órgãos hemat e transt imunitár 93 6.284 0,60 0,55
XVI. Algumas afec originadas no período perinatal 523 23.723 3,35 2,09
XVIII.Sint sinais e achad anorm ex clín e laborat 678 79.622 4,34 7,00
XIX. Lesões enven e alg out conseq causas externas 0 0 0,00 0,00
Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060.
205
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Piauí Brasil
Passo 3:
De acordo com a mortalidade proporcional por causa (por Capítulo da CID-10), as causas que
mais contribuíram para o total de óbitos no Piauí, em 2010, são: IX. Doenças do aparelho cir-
culatório (35,58%), II. Neoplasias (tumores) (12,97%) e XX. Causas externas de morbidade e
mortalidade (12,65%). Juntas, elas correspondem a mais de 50% das mortes ocorridas em 2010
no estado.
Passo 4:
Tabela 8 – Óbitos e taxa de mortalidade específica por Neoplasias, Doenças do aparelho circulatório e Causas
externas em Piauí e no Brasil, 2010
Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060.
206
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráficoé15
O Gráfico abaixo – Taxas da
resultante de comparação
mortalidade específica por Doenças
das três causas do aparelho circulatório,
acima identificadas para o PiauíNeoplasias
e (tu
de morbidade e mortalidade, Piauí e Brasil, 2010
Brasil, em 2010.
Gráfico 15 – Taxas de mortalidade específica por Doenças do aparelho circulatório, Neoplasias (tumores) e
Causas externas de morbidade e mortalidade, Piauí e Brasil, 2010
200
173,99
180
167,46
Taxa de mortalidade (por 100.000 habitantes)
160
140
120
100
91,84
80
63,43 61,86 73,51
60
40
P
20
0
II. Neoplasias (tumores) IX. Doenças do aparelho XX. Causas externas (de
circulatório morbidade e mortalidade
Piauí Brasil
5° passo. Compare os resultados das taxas de mortalidade específicas entre Piauí e Brasil, nos
anos de 2010 e 2018 (considerando as três causas mais frequentes no Piauí em 2018).
207
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 16 – Página 108
Gráfico 16 – Taxas de mortalidade específica por Doenças do aparelho circulatório, Neoplasias (tumores) e
Causas externas de morbidade e mortalidade, Piauí e Brasil, 2010 e 2018
Gráfico –15
Fonte: MS/SVS/CGIAE – Taxas
Sistema de mortalidade
de informações específica
sobre Mortalidade por Doenças
– SIM; Estimativas populacionaisdo aparelho
IBGE - circulatório, Neoplasia
Fonte:Notas:
MS/SVS/CGIAE – Sistema de informações sobre Mortalidade – SIM; Estimativas populacionais IBGE -
de morbidade e mortalidade, Piauí e
*População estimativa Piauí (2018): 3.263.754 habitantes Brasil, 2010
**População estimativa Brasil (2018): 208.494.900 habitantes
Notas:*População estimativa Piauí (2018): 3.263.754 habitantes
**População estimativa Brasil (2018): 208.494.900 habitantes
200 193,21
180
173,99 171,60
167,46
Taxa de mortalidade (por 100.000 habitantes)
160
140
120
109,32
100 91,84
83,86
80 75,14 73,51
63,43 61,86 72,33
Subs
60
40
gráf
20
Pági
II. Neoplasias (tumores) IX. Doenças do aparelho XX. Causas externas (de
circulatório morbidade e mortalidade
6° passo. Com base nos dados obtidos até o momento, escolha as causas de óbitos cujas taxas
de mortalidade específica no Piauí sejam maiores do que no Brasil em ambos os períodos ou
somente em 2018.
De acordo com o critério estabelecido acima, as causas de óbito selecionadas foram: Doenças
do aparelho circulatório e Causas externas de morbidade e mortalidade.
208
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
7° passo. Descreva as causas de óbitos escolhidas no passo anterior de acordo com sexo,
idade, raça/cor e escolaridade, no Piauí e no Brasil em 2018.
Dicas:
> Na opção “Abrangência Geográfica”, selecione a opção “Brasil por região e Unidade da Federação”.
• Período: 2018
• eleções disponíveis: no item “Capítulo da CID-10”, selecione a(s) causa(s) de óbito pre-
S
viamente escolhida(s) no passo anterior.
A proporção óbitos por sexo no Piauí e no Brasil apresenta comportamento semelhantes: a razão
homem/mulher revela que a proporção de homens que vieram a óbito por DAC é ligeiramente
maior que a de mulheres em ambos os locais, sendo um pouco maior no Piauí (1,17) do que no
Brasil (1,11). A taxa de mortalidade específica também reflete essa tendência, como podemos
ver no gráfico a seguir:
209
(página 210) profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 17 – Taxa de mortalidade específica por doenças do aparelho circulatório de acordo com o sexo, Piauí
e Brasil, 2018
250
214,74
184,67
(por 100.000 habitantes) 200
172,90 159,04
Taxa de mortalidade
150
100
50
0
Piauí Brasil
Homens Mulheres
Tabela 9 – Óbitos e Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com o sexo,
Piauí e Brasil, 2018
Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060
Percebe-se que a taxa de mortalidade por DAC aumenta conforme a idade em ambos os locais. A
mortalidade proporcional também revela esse aumento da proporção de indivíduos que vieram
a óbito por DAC conforme o avançar da idade, o que é de se esperar pela natureza da variável;
210
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 18 – Taxa de mortalidade específica por doenças do aparelho circulatório de acordo com a idade, Piauí
e Brasil, 2018
5000
Taxa de mortalidade específica (por 100.000 habitantes)
4500
4000
3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
0 a 4 5 a 9 10 a 14 15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 80 ou
anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos mais
Piauí Brasil
Gráfico 19 – Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com a idade, Piauí e
Brasil, 2018
211
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Tabela 10 – Óbitos e Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com a idade,
Piauí e Brasil, 2018
Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060.
Dentre os óbitos que tinham a informação sobre a raça/cor da pele do indivíduo disponível, no-
ta-se uma diferença na distribuição dos óbitos por doenças do aparelho circulatório: enquanto
no Brasil mais de 50% dos óbitos ocorreram em indivíduos de raça/cor da pele branca, no Piauí
tais óbitos ocorreram em maioria parda (68,18%). É importante ressaltar que dentre todos os
óbitos por DAC notificados, 3,82% no Piauí e 2,59% no Brasil não possuíam informação sobre a
raça/cor da pele.
212
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 20 – Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com a raça/cor da pele,
Piauí e Brasil, 2018
Tabela 11 – Óbitos e Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com a raça/ cor
da pele, Piauí e Brasil, 2018
Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060.
213
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Por fim, dentre os indivíduos que vieram a óbito por doenças do aparelho circulatório, 80,5% pos-
suem menos de 3 anos de estudo no Piauí, sendo esse percentual chega a pouco mais de 50% no
Brasil (52,5%). Em geral, percebemos uma menor escolaridade entre os que vieram a óbito no Piauí
em comparação ao Brasil. É importante ressaltar que dentre todos os óbitos por DAC notificados,
12,59% no Piauí e 16,53% no Brasil não possuíam informação sobre a escolaridade.
Gráfico 21 – Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com a escolaridade
(anos de estudo), Piauí e Brasil, 2018
214
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Tabela 12 – Óbitos e Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com a escola-
ridade (anos de estudo), Piauí e Brasil, 2018
Já para os óbitos por causas externas, o perfil dos indivíduos está a seguir:
A proporção óbitos por sexo no Piauí e no Brasil apresenta comportamento semelhantes: a ra-
zão homem/mulher revela que a proporção de homens que vieram a óbito por causas externas
é bastante superior à de mulheres em ambos os locais, sendo um pouco maior no Piauí (4,62)
do que no Brasil (4,32). A taxa de mortalidade específica também reflete essa tendência, como
podemos ver no gráfico logo a seguir:
Gráfico 22 – Taxa de mortalidade específica por causas externas de acordo com o sexo, Piauí e Brasil, 2018
140
120
TAXA DE MORTALIDADE ESPECÍFICA
127,38 119,94
100
(100.000 HAB.)
80
60
40
20 26,02 26,55
0
Piauí Brasil
Homens Mulheres
215
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Tabela 13 – Óbitos e Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com o sexo, Piauí e Brasil, 2018
Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060.
Quanto à idade, percebe-se que a taxa de mortalidade aumenta conforme a idade, com um leve
pico na faixa etária de 20 a 29 anos. Na mortalidade proporcional, percebemos claramente que
uma parte considerável dos óbitos ocorrem dos 20 aos 39 anos, especialmente entre 20 e 29
anos. Tais tendências são bastante semelhantes entre o Piauí e o Brasil.
Gráfico 23 – Taxa de mortalidade específica por causas externas de acordo com a idade, Piauí e Brasil, 2018
216
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 24 – Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com a idade, Piauí e Brasil, 2018
Tabela 14 – Óbitos e Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com a idade, Piauí e Brasil, 2018
Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de 2010 a 2060.
217
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Em relação à raça/cor da pele, a maioria dos indivíduos que vieram a óbito devido a causas
externas são de raça/ cor da pele preta ou parda. Mas tal percentual é maior no Piauí (84,0%)
do que no Brasil (62,3%). É importante ressaltar que dentre todos os óbitos por causas externas
notificados, 6,3% no Piauí e 2,1% no Brasil não possuíam informação sobre a raça/cor da pele.
Gráfico 25 – Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com a raça, Piauí e Brasil, 2018
Tabela 15 – Óbitos e Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com a raça/cor da pele, Piauí
e Brasil, 2018
218
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Por fim, dentre os indivíduos que vieram a óbito por causas externas, a maioria deles possuem
menos de 7 anos de estudo, sendo esse percentual mais elevado no Piauí (73,0%) do que no
Brasil (65,6%). É importante ressaltar que dentre todos os óbitos por causas externas notifica-
dos, 15,9% no Piauí e 22,2% no Brasil não possuíam informação sobre a raça/cor da pele.
Gráfico 26 – Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com a escolaridade (anos de estudo),
Piauí e Brasil, 2018
Tabela 16 – Óbitos e Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com a raça/cor da pele, Piauí
e Brasil, 2018
219
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
8° passo. Descreva o perfil dos indivíduos que vieram a óbito no Piauí e no Brasil, com enfo-
que nas causas de morte selecionadas no 6° passo do exercício.
Ao verificar as taxas de mortalidade e a mortalidade proporcional de acordo com o capítulo
da CID-10 no Piauí e no Brasil, verificamos que tanto em 2010 quanto em 2018, as causas que
mais contribuíram para o total de mortes em ambos os locais foram as Doenças do aparelho
circulatório, Neoplasias e Causas externas de morbidade e mortalidade. Observamos ainda que
a taxa de mortalidade específica por doenças do aparelho circulatório no Piauí é maior que a
média nacional. Além disso, a taxa de mortalidade específica por causas externas foi maior no
Brasil em 2010, mas passou a ser maior no Piauí em 2018. Portanto, essas duas causas de morte
tiveram seu perfil mais detalhado.
No Piauí, entre os óbitos por as doenças do aparelho circulatório, a maioria era do sexo masculi-
no de raça/cor da pele parda e com escolaridade inferior a 3 anos de estudo. Nota-se ainda que,
quando maior a idade, maior o risco de morrer por DAC. Entre os óbitos por causas externas,
algumas caraterísticas se diferem: a maioria também era do sexo masculino, mas em proporções
bem superiores às encontradas entre os óbitos por DAC. A raça/ cor da pele parda, idade entre
20 e 39 anos, e escolaridade inferior a 7 anos de estudo predominaram no perfil daqueles que
morreram devido a causas externas.
Merece destaque a proporção de óbitos que não possuem informação sobre a raça/cor da pele
e escolaridade dos indivíduos.
Diante desse perfil de mortalidade traçado para o estado do Piauí, é possível perceber pecu-
liaridades para cada causa de morte. A idade da maior parte dos indivíduos que morreram por
causas externas não é a mesma daqueles que cuja causa de morte foram as doenças do apare-
lho circulatório (DAC). O mesmo vale para o sexo por exemplo: entre os que morrem devido a
causas externas, a proporção de homens é muito maior se comparado aos que morrem por DAC,
apesar de que em ambas as situações a proporção é maior do que entre as mulheres. E diante
desse perfil que elaboramos, seria possível, por exemplo, direcionar ações de prevenção contra
a violência e na prevenção de acidentes de trânsito para a população mais vulnerável, que nes-
se caso foram os homens em idades mais jovens (especialmente de 20 a 29 anos). Além disso,
como a mortalidade por DAC aumenta conforme a idade e como tal doença caracteriza como
uma doença crônica não transmissível, as ações poderiam ser voltadas tanto para o público
com idade mais avançada quanto para os mais jovens, com intuito de prevenir o surgimento ou
o agravamento do quadro já instalado. Tais ações poderiam ser voltadas, por exemplo, para o
incentivo à adoção de hábitos saudáveis de vida, como a alimentação adequada, prática regular
de exercícios físicos, e ao acompanhamento regular, longitudinal e integral da saúde.
220
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Ressalta-se que o exemplo é uma versão simplificada de uma análise de situação de saúde
cujo objetivo foi fazer você conhecer as ferramentas da epidemiologia descritiva e, por isso,
não utilizou de todas as ferramentas para tal, como a padronização das taxas de mortalidade,
e se restringiu a poucas características – tudo para que você pudesse compreender melhor a
construção dessa análise. A análise de situação de saúde pode conter várias outras caracterís-
ticas, como as relativas a morbidade, internações, fatores de risco para doenças, indicadores
relacionados ao uso dos serviços de saúde. Enfim, uma diversa gama de fatores que podem
contribuir para traçar esse perfil populacional e que devem ser escolhidos e apresentados de
forma a contribuir para compreender tal perfil.
3.3.6. Conclusão
Para cada doença, para cada causa de morte, para cada local, para cada comunidade, para
cada país existem características que vão tornar aquele perfil populacional peculiar. Sob tais
circunstâncias, a epidemiologia descritiva se faz essencial: a utilização esse conjunto diverso de
características relacionadas às dimensões de pessoa, tempo e lugar vai permitir a identificação
de padrões e a construção de hipóteses etiológicas. Portanto, tal ciência é diretamente ligada à
análise de situação de saúde, que nos permite elaborar e reunir conhecimentos e informações
válidos sobre a situação de saúde de uma população em um contexto específico. Tal conhe-
cimento pode ser empregado na definição de prioridades, alocação de recursos, orientando
as ações em saúde coletiva e, principalmente, na tomada de decisão em saúde de maneira
oportuna em todas as suas instâncias.
221
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Almeida Filho N, Baretto ML. Epidemiologia & saúde: fundamentos, métodos e aplicações. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.
Brasil. Ministério da Saúde. Asis - Análise de Situação de Saúde / Ministério da Saúde, Universi-
dade Federal de Goiás. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. 3v.: il.
Lima-Costa MF, Barreto SM. Tipos de estudos epidemiológicos: conceitos básicos e aplicações na área
do envelhecimento. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2003, 12(4), 189-201.
Melo, APS et al. Mortalidade por cirrose, câncer hepático e transtornos devidos ao uso de álcool:
Carga Global de Doenças no Brasil, 1990 e 2015. Revista Brasileira de Epidemiologia [online]. 2017,
20(1):61-74
Monteiro MFG, Romio JAF, Drezett J. Is there race/color differential on femicide in Brazil? The ine-
quality of mortality rates for violent causes among white and black women. J Hum Growth Dev.
2021; 31(2):358-366.
222
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Porta, M. A Dictionary of Epidemiology. 6th ed. Oxford: Oxford University Press; 2014.
Romero DE, Maia L, Muzy J. Tendência e desigualdade na completude da informação sobre raça/
cor dos óbitos de idosos no Sistema de Informações sobre Mortalidade no Brasil, entre 2000 e 2015.
Cadernos de Saúde Pública. 2019, 35(12).
Torres KDP, Cunha GM, Valente JG. Tendências de mortalidade por doença pulmonar obstrutiva
crônica no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, 1980-2014. Epidemiologia e Serviços de Saúde [onli-
ne]. 2018, 27(3).
223
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
CAPÍTULO 4
Epidemiologia e Vigilância
em Saúde: conceitos,
importância e aplicações
224
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
4.1.1 Introdução
Por que a saúde deve ser vigiada?
A vigilância de doenças e agravos produz evidências que auxiliam as diversas etapas do proces-
so de gestão em saúde:
225
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
IMPORTANTE!
Vigilância em Saúde é o processo contínuo e sistemático de coleta, consolidação, análise de dados e disse-
minação de informações sobre eventos relacionados à saúde, visando o planejamento e a implementação
de medidas de saúde pública, incluindo a regulação, intervenção e atuação em condicionantes e deter-
minantes da saúde, para a proteção e promoção da saúde da população, prevenção e controle de riscos,
agravos e doenças (Resolução 588 do CONASS, Política Nacional de Vigilância em Saúde, 2018).
divulgação de
informações
pertinentes
226
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
IMPORTANTE!
Chamamos atenção para a abrangência e padronização da informação. Somente podemos comparar
eventos ao longo do tempo, ou entre locais e subgrupos populacionais se a cobertura e o significado
da informação coletada não diferir entre os grupos comparados ou ao longo do tempo. Mudanças na
cobertura ou em instrumentos ou métodos de coleta de informação podem ocasionar variações em
taxas e indicadores de saúde que podem não expressar variações reais na ocorrência do problema de
saúde que está sendo comparado.
Portanto, qualquer análise de vigilância em saúde tem que considerar estes dois questionamentos:
1) Houve mudança na cobertura populacional da informação?
2) As definições ou formas de coleta da informação/indicador comparado sofreram alterações?
A Pesquisa Nacional de Saúde 2018 mostra que 71,5% dos brasileiros, ou seja, mais de 150 mi-
lhões de pessoas, dependiam exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) para tratamento
em 2019. Entretanto, esta situação varia por regiões. Enquanto no Sudeste, 62,5% dependiam
do SUS, no Norte este percentual era 85,3% (Figura 2). Portanto, análises da vigilância epide-
miológica mostraram que as coberturas dos planos de saúde são muito distintas, e não podem
ser comparadas sem considerar esta importante diferença.
Figura 2 – Proporção de pessoas que tinham algum plano de saúde, médico ou odontológico, com indicação
do intervalo de confiança de 95%, segundo as grandes regiões do país
50
45
37,5
40
32,8
35 28,9
28,5
30
25
20 14,7 16,6
15
10
5
0
Fonte: IBGE, Diretora de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional de Saúde. 2019.
227
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A partir da 21ª Assembleia Mundial de Saúde realizada em 1968, o uso da expressão “vigilância epide-
miológica” passou a ser internacionalmente adotado compreendendo variados problemas de saúde pú-
blica, além das doenças transmissíveis, como malformações congênitas, envenenamentos na infância,
leucemia, abortos, acidentes, doenças profissionais, comportamentos de risco, riscos ambientais etc.
No Brasil, a vigilância epidemiológica tem como marco formal a criação do Sistema Nacional de Vigi-
lância Epidemiológica (SNVE) pela V Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1975, que instituiu
a notificação compulsória de casos e/ou óbitos de quatorze doenças em todo o território nacional (Lei
nº 6.259/75 e Decreto nº 78.231/76).
228
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Ou seja, o Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou o SNVE, definindo a vigilância epidemiológica em
seu texto legal como “um conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a detecção ou prevenção
de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com
a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos”.
Em 2018, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), por meio da Resolução n. 588/2018, instituiu a Política
Nacional de Vigilância em Saúde como uma “política pública de Estado e função essencial do SUS,
de caráter universal, transversal e orientadora do modelo de atenção à saúde nos territórios. Sua
efetivação depende de seu fortalecimento e articulação com outras instâncias do sistema de saúde,
enquanto sua gestão é de responsabilidade exclusiva do poder público” (https://conselho.saude.gov.
br/resolucoes/2018/Reso588.pdf)
229
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
SAGE -Sala de Apoio à Gestão Estratégica disponibiliza informações para subsidiar a tomada
de decisão, a gestão e a geração de conhecimento
CTA BR-FIC - Câmara Técnica Assessora para Gestão da Família de Classificações Internacio-
nais no âmbito da Secretaria de Vigilância em Saúde
230
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios tem as seguintes atribuições, entre ou-
tras: acompanhamento, avaliação e divulgação do nível de saúde da população e das condições
ambientais, organização e coordenação do sistema de informação de saúde, além de realizar
pesquisas e estudos na área de saúde. Dessa forma, a epidemiologia é um pilar essencial na
Vigilância em Saúde para compreender a dinâmica da ocorrência de doenças e agravos em
populações, em especial para gerar evidências qualificadas e subsidiar a tomada de decisão e a
avaliação da saúde em diferentes níveis da federação.
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que
integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no
art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
> Como prática em saúde direcionar de forma mais assertiva os serviços de saúde para ativi-
dades de promoção da saúde e prevenção e controle de doenças.
231
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
SAIBA MAIS
Clique no botão abaixo e assista o vídeo sobre
Os desafios da implantação da Política Nacional
de Vigilância em Saúde: https://www.youtube.
com/watch?v=PTXdYFfnmX4
CLIQUE AQUI
O conceito de território oferece uma possibilidade da observação das dinâmicas das situações
de risco e das atividades humanas nele materializados, com uma historicidade e mobilidade
intercambiada com cenários mais amplos e trajetórias da população e seus modos de reprodu-
ção, dadas por fluxos e configurações demográficas espacializadas relacionadas aos modos de
232
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Deve-se considerar aspectos de natureza econômica, social, ambiental, cultural, política e suas
mediações. A Vigilância em Saúde amplia e empodera a sua capacidade de identificar onde e
como devem ser feitas as intervenções de maior impacto no território. Por fim, o desafio perma-
nente da implementação de territórios saudáveis depende da integração das ações de Vigilância
em Saúde com a rede de assistência, moldada com a participação social e pelos problemas
definidos no território.
SAIBA MAIS
Clique no botão abaixo e leia o artigo: Vigilância
em Saúde brasileira: reflexões e contribuição ao
debate da 1a Conferência Nacional de Vigilân-
cia em Saúde: https://www.scielo.br/j/csc/a/
gkJPYXnymhVD4TG5MSdN9MG/?format=pd-
f&lang=pt
CLIQUE AQUI
233
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
234
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARREAZA, A. L. V.; MORAES, J. C. Vigilância da saúde: fundamentos, interfaces e tendências. Ciên-
cia & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, supl. 4, p. 2215-2228, 2010.
Franco G Netto, Villardi JWR, Machado JMH, Souza MDS, Brito IF, Santorum JA, Ocké-Reis CO,
Fenner ALD. Brazilian Health Surveillance: reflections and contribution to the debate of the First
National Conference on Health Surveillance. Cien Saude Colet. 2017 Oct;22(10):3137-3148. doi:
10.1590/1413-812320172210.18092017.
Cesar CLG, Laurenti R, Buchala CM, Figueiredo GMC, Carvalho WO; Caratin CVS. Using the Interna-
tional Classification of Diseases in health surveys. Rev. Bras. Epidemiol.2001; 4 (2): 120-130.
235
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
4.2.1 Introdução
Durante séculos as doenças transmissíveis foram a principal causa de morbidade e mortalidade da hu-
manidade. A carga dessas doenças começou a diminuir somente a partir do final do século XIX e início
do século XX quando foi possível identificar as causas, os determinantes, dinâmica de transmissão e
disseminação bem como os meios de prevenção de várias doenças a partir de um conjunto diverso de co-
nhecimento acumulado por disciplinas científicas entre as quais a Epidemiologia tem papel de destaque.
Como resultados da melhoria das condições de vida durante várias décadas, da adoção de medidas
eficazes, do tratamento adequado com antibióticos e com o desenvolvimento de vacinas, grande
progresso foi alcançado no controle e prevenção das doenças infecciosas em todo o mundo. Entre-
tanto, essas doenças permanecem causando adoecimento e mortes e atingem desproporcionalmen-
te as populações dos países mais pobres com importantes custos econômicos e sociais e familiares.
Em 2019, a tuberculose aparecia como uma das 10 principais causas de DALY em todo o mundo (The
Global Health Observatory). Também em 2019, nas populações de países de baixa renda, doenças
como malária, tuberculose e AIDS figuravam entre as 10 principais causas de morte (WHO).
236
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Dentre as doenças emergentes, se destacam as que têm como agente etiológico os vírus, como a
AIDS, descrita em 1981, as febres hemorrágicas, como a febre do Nilo Ocidental, a febre do Lassa
e a febre pelo vírus Ebola. Em 1995 surgiu na Inglaterra a encefalite espongiforme (doença da vaca
louca), doença fatal e irreversível causada por uma proteína modificada, denominada príon, que in-
duz a formação de proteínas idênticas, causando lesões cerebrais (Paz & Bercini, 2009). Os primeiros
registros da influenza aviária (H5N1) foram realizados em 1997 e desde então passou a se considerar
o risco potencial de uma nova Pandemia de Gripe em populações humanas.
Em 2003, em Hong Kong emergiu a epidemia de SARS causada pelo coronavírus, com uma leta-
lidade de 10% e em 2012, na Arábia Saudita, emergiu a síndrome respiratória do Oriente Médio
(MERS) com uma letalidade de 30%. Finalmente em 2020, o novo coronavírus SARS-CoV-2 levou
ao surto de covid-19 na China, que rapidamente foi disseminada no mundo (Lana, 2020), levando
ao reconhecimento da Pandemia pela Organização Mundial de Saúde em março de 2021.
As doenças transmissíveis têm forte impacto econômico, social e para a saúde. As principais cau-
sas da manutenção, emergência e reemergência dessas doenças são os determinantes sociais,
econômicos e ambientais. A interconexão entre os seres humanos, animais domésticos e selva-
gens, o meio ambiente e contexto social demanda uma abordagem integrada desses fatores para
compreensão dessas doenças (Yeh, 2021). Além disso a urbanização crescente e desorganizada,
habitações de baixa qualidade, ausência de saneamento básico, a pobreza são causas fundamen-
tais para a permanência das DT como problema de saúde.
O estudo das características, fatores de risco e mecanismos de transmissão dos agentes etiológicos
dessas doenças é essencial para o seu enfrentamento. Alguns conceitos básicos são necessários para
compreender a dinâmica do conjunto de doenças abrigadas entre as doenças transmissíveis e para o
desenvolvimento de estratégias de controle centradas na interrupção de um ou mais elos da cadeia
de transmissão, mas também dos determinantes mais distais de sua ocorrência.
Doença transmissível ou infeciosa é qualquer doença causada por um agente infecioso específi-
co ou por seus produtos tóxicos, que ocorre pela transmissão desse agente ou de seus produtos
de uma pessoa ou animal infectado ou de um reservatório a um hospedeiro suscetível. Entre-
tanto, são contagiosas, somente as doenças infecciosas cujo agente etiológico é transmitido
por contato direto, ou seja, de uma pessoa para outra, como ocorre com doenças como a covid-19,
sífilis, sarampo e tuberculose. Como exemplo de doença transmissível, mas não contagiosa, pois sua
transmissão ocorre por outros meios, podemos citar o tétano, transmitida pelos esporos dispersos no
meio ambiente; e a febre amarela, Zika e leishmaniose visceral transmitidas pelos mosquitos.
237
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
O conjunto de processos interativos que envolvem o agente infeccioso, o ser humano suscetível
e o meio ambiente em que ambos estão inseridos e cujas mudanças resultam em condições que
levam ao desequilíbrio de suas relações podendo levar ao adoecimento são representados na
história natural das doenças infecciosas, representado na Figura 1.
DESFECHO
INÍCIO BIOLÓGICO SINAIS E RECUPERAÇÃO
EXPOSIÇÃO
DA DOENÇA SINTOMAS DEFICIÊNCIA
ÓBITO
238
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
As doenças infecciosas podem ser diagnosticadas na fase clínica e pré-clínica pelo isolamento do
próprio agente infeccioso ou seus antígenos, ou mesmo pela detecção da presença de anticorpos
desenvolvidos pelo hospedeiro em reação à infecção.
Para a epidemiologia conhecer algumas características dos agentes, os mecanismos, veículos, vias
de transmissão e existência de reservatórios é de fundamental importância por serem elementos
do ciclo epidemiológico dos agentes importantes na dinâmica de transmissão e ocorrência das
doenças nas populações. Esses aspectos serão abordados neste tópico.
O agente infeccioso é um agente biológico, um organismo vivo capaz de causar uma infecção. Po-
dem ser uma bactéria, vírus, protozoário, metazoário, fungo, príons (proteína com poder infectan-
te), rickettsias. Ao ser introduzido em outro ser vivo, o agente infeccioso é capaz de se multiplicar
e, dependendo das condições intrínsecas do indivíduo, gerar ou não um estado patológico.
O hospedeiro é um ser humano ou outro animal vivo incluindo os artrópodes (mosquito) e as aves
que permitem a subsistência e o alojamento de um agente infeccioso. A entrada de um agente
infeccioso no hospedeiro suscetível inicia o processo de infecção que poderá ou não se tornar
uma doença aparente. A infecção constitui a entrada e desenvolvimento ou multiplicação de um
agente infeccioso específico no corpo humano ou de outro animal que pode resultar em uma
doença infecciosa ou em uma infecção inaparente.
Para dar continuidade a seu ciclo vital e garantir a sobrevivência da espécie, os agentes infeccio-
sos necessitam de infectar novos hospedeiros. A capacidade do agente infeccioso de alojar-se e
multiplicar-se dentro de um hospedeiro é denominada infectividade. Alguns agentes como o vírus
do sarampo possuem alta infectividade, por outro lado, os fungos, embora bastante difundidos
no ambiente, apresentam baixa infectividade. Cada agente infeccioso possui uma dose infectante,
ou seja, um número mínimo necessário de partículas infecciosas para produzir uma infecção. En-
tretanto, para um mesmo agente, a dose infectante poderá variar de acordo com a resistência do
hospedeiro, características como idade e estado nutricional.
239
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A capacidade do agente infeccioso de produzir casos graves e fatais é denominada virulência. O vírus
da raiva tem virulência altíssima, praticamente todo caso é fatal; já o vírus do sarampo, embora te-
nha alta infectividade, é de baixa virulência. A virulência está associada às propriedades bioquímicas
do agente, capacidade de multiplicação, mas também é influenciada pelas condições do hospedeiro;
a criança desnutrida por exemplo tem maior probabilidade de desenvolver casos graves.
VOCÊ SABIA?
Apesar da alta letalidade, a raiva é uma doença que pode ser prevenida principalmente por meio da
profilaxia pós-exposição. A profilaxia antirrábica humana pós-exposição inclui a lavagem imediata do
ferimento com água e sabão, a observação do animal agressor, geralmente cães e gatos, por 10 dias e a
administração de imunobiológicos. Além disso, as campanhas massivas de vacinação de cães e gatos,
o bloqueio de foco animal e a vigilância laboratorial, também são medidas de prevenção e controle da
doença em animais e humanos.
Outro aspecto importante é a imunogenicidade, a capacidade que o agente tem de induzir imunidade
no hospedeiro. Há alguns agentes como o vírus da rubéola, do sarampo, da varicela que são dotados
de alto poder de imunogenicidade. Dessa forma, uma vez infectado, a pessoa se torna imune. Outros
agentes tem baixo poder de imunogenicidade, por exemplo as bactérias salmonelas e as shigelas.
Reservatório é o habitat natural em que o agente infeccioso vive, se multiplica e/ou cresce de
tal forma que pode ser transmitido para um hospedeiro suscetível. Pode ser um ser humano, um
animal, artrópode, planta ou matéria inanimada. Algumas doenças como o sarampo, sífilis, hanse-
níase tem como reservatório principal o ser humano, no caso dessas doenças o tratamento efetivo
das pessoas com a doença, também elimina reservatórios. Outras doenças como a leptospirose
e a raiva, tem animais como reservatório, dessa forma medidas para prevenção dessas doenças
devem ser direcionadas ao controle dos animais. A fonte de infeção é o ser vivo, por exemplo uma
pessoa infectada, ou substância (água, leite) de onde um agente passa para um novo hospedeiro.
O período de tempo necessário entre a infecção do hospedeiro até que se torne uma fonte de
infecção e desenvolva a doença é muito variável entre os diferentes agentes infecciosos. O perí-
odo de incubação é o intervalo de tempo decorrente entre a exposição a um agente infeccioso e
o surgimento dos primeiros sinais e sintomas clínicos da doença. Este período é extremamente
variável entre os distintos agentes infecciosos, variando de horas (cólera ou salmonelose) até
meses ou anos (hanseníase, Aids).
240
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
O período de latência é o intervalo de tempo que transcorre desde a infecção até o momento em
que o hospedeiro possa eliminar o agente etiológico. E o período de transmissibilidade correspon-
de ao intervalo de tempo durante o qual hospedeiro infectado, doente ou não, elimina agente
infeccioso para o ambiente, possibilitando que novos indivíduos suscetíveis venham a se infectar.
O período de latência é o intervalo de tempo que transcorre desde a infecção até o momento
em que o hospedeiro possa eliminar a doença. E o período de transmissibilidade corresponde ao
intervalo de tempo durante o qual hospedeiro infectado, doente ou não, elimina agente infeccioso
para o ambiente, possibilitando que novos indivíduos suscetíveis venham a se infectar.
Vamos retomar a história natural das doenças infecciosas para melhor visualizar estes períodos.
Veja na Figura 2. Qual a importância do período de incubação para a transmissão da doença?
Observe que durante o período de incubação o hospedeiro está assintomático, mas na parte final
deste período, o hospedeiro já estará eliminando o agente infeccioso, podendo vir a infectar um
novo indivíduo suscetível. Portanto, para adoção de medidas de controle é preciso considerar essa
fase da infecção. A quarentena tem o objetivo de restringir as atividades de comunicantes durante
o período máximo de incubação e fim de evitar a propagação do agente infeccioso.
Figura 2 – História natural das doenças transmissíveis e períodos de incubação, latência e transmissão
PERÍODO DE INCUBAÇÃO
DESFECHO
INÍCIO BIOLÓGICO SINAIS E RECUPERAÇÃO
EXPOSIÇÃO
DA DOENÇA SINTOMAS DEFICIÊNCIA
ÓBITO
241
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
> Mediata: é o mecanismo pelo qual um substrato vital eliminado de um hospedeiro infecta-
do, situado nas proximidades de um hospedeiro suscetível, carreia o agente infeccioso com
passagem rápida pelo meio ambiente até atingir o meio interno do indivíduo suscetível.
Possibilidades mais frequentes são por meio das mãos, de fômites ou secreções oronasais
quando o indivíduo infectado ao falar, tossir ou espirrar produz aerossóis na atmosfera
circundante e o indivíduo suscetível recebe em sua mucosa esse material contaminado.
Sarampo, tuberculose, hanseníase são doenças transmitidas dessa forma.
> Imediata: é o mecanismo segundo o qual um substrato vital, eliminado por um indivíduo
infectado em uma relação intima com o suscetível, carreia o agente até o meio interno do
indivíduo suscetível, sem passagem pelo meio ambiente. O modo mais comum é por meio
das relações sexuais, além de mordeduras ou beijo. As infecções sexualmente transmissí-
veis são transmitidas dessa forma.
> um veículo de transmissão como a água, alimentos, objetos ou materiais contaminados como
brinquedos, lenços, instrumentos cirúrgicos que transportam um agente infeccioso.
> um vetor, um inseto ou qualquer portador vivo que adquire um agente infeccioso de um hospe-
deiro vivo e transmite para outro. A esquistossomose mansônica, doença de Chagas e malária
são doenças transmitidas por vetores. A cólera é uma doença transmitida por água/alimentos.
242
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Sífilis: causada pelo Treponema pallindum, pode ser transmitida diretamente de uma pessoa
para outra em uma relação sexual sem proteção, principalmente em seu estágio inicial, a
sífilis primária; mas também pode ser transmitida forma direta vertical, de uma gestante
infectada para o feto.
Doença de Chagas: Trypanosoma cruzi, protozoário causador da Doença de Chagas, pode ser
transmitido indiretamente pelas fezes dos triatomíneos, popularmente conhecidos com “Bar-
beiros”; pela ingestão de formas infectantes do T. cruzi a partir de insetos macerados junto
com alimentos consumidos in natura, tais como açaí e caldo de cana; e por transfusão de
sangue contaminado. Pode ainda ser transmitido pela forma direta vertical pela gestante
infectada para o feto ou por acidentes laboratoriais com amostras biológicas infectadas.
Conhecer os elementos abordados até agora permite elaborar os ciclos de transmissão das do-
enças infecciosas que possibilita a identificação dos elos vulneráveis na cadeia de transmissão
passíveis de serem interrompidas na perspectiva de prevenção e controle da doença. Veja o ciclo
de transmissão simplificado da dengue, chikungunhya e Zika.
243
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
ARN vírus
Agente
Humanos infectados
Hospedeiro
suscetível Fontes
Vetor
Pessoas que
não tiveram a
doença
Aedes aegypti
infectado
Mecanismo
de
transmissão
Página
Não se transmite 244
diretamente entre
humanos
No caso da dengue, há também a transmissão vertical do vírus no vetor, ou seja o vetor passa o
vírus para os ovos, assim as novas fêmeas chegam à fase adulta já infectadas, dessa forma o vetor
funciona também como reservatório.
244
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
ou seja, quanto mais insetos, maior a probabilidade delas ocorrerem. Por isso, a importância de
combater o mosquito como forma de prevenção da doença.
Se toda a população for imune a um agente infeccioso não haverá transmissão de doenças, mas
quando o balaço entre indivíduos imunes e suscetíveis tende para o pólo da susceptibilidade,
aumenta a probabilidade de ocorrências de surtos e epidemias. Quando predomina a imunidade,
a probabilidade de ocorrência de surtos e epidemias diminui.
Por que ocorre a imunidade coletiva? Se há elevado percentual da população imune à uma
doença transmissível, a probabilidade de uma pessoa susceptível ter contato com uma pessoa
infectada tende a zero. Este fato é extremamente importante para o sucesso dos programas de
vacinação, porque não é necessário alcançar 100% da população vacinada para que a transmis-
são seja interrompida na comunidade. A proporção da população que deve ser vacinada para
que a imunidade coletiva ocorra varia para os diferentes agentes infecciosos. Para o sarampo,
que é uma doença altamente transmissível, a imunidade coletiva é atingida quando cerca 94%
da população está imunizada.
É importante frisar que a imunidade coletiva deve ser alcançada por meio da vacinação e não pela
exposição e infecção maciça da comunidade. Para sustentar essa ideia basta lembrar que durante
séculos, sem a existência das vacinas, doenças como varíola e o sarampo provocaram epidemias
devastadoras sem que se atingisse a imunidade de rebanho.
245
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Monitorar a ocorrência de novos caso das doenças transmissíveis estabelecendo o nível de ocor-
rência ao longo do tempo é uma atividade própria da vigilância para identificar precocemente
situações de emergência de saúde pública e adotar as medidas necessárias.
A ocorrência das doenças transmissíveis pode ser caracterizada em níveis endêmico, epidê-
mico e pandêmico.
> Endemia refere-se à presença habitual da doença em uma determinada população ou área ge-
ográfica. Quando uma doença é endêmica, mantém uma incidência praticamente constante,
independentemente de flutuações sazonais que caracterizam algumas doenças transmissíveis.
> Epidemia é definida como a ocorrência de uma doença em uma área geográfica excedendo
claramente a incidência habitual esperada naquela área. Observa-se um incremento crescente,
inesperado e descontrolado da incidência ultrapassando os limites habitualmente observados.
> Surto refere-se ao aumento da incidência de casos acima do esperado, mas refere-se ao
aumento de casos restrito a um local específico, por exemplo, uma escola, uma sala de aula,
uma pequena comunidade.
> Pandemia corresponde à disseminação mundial de uma doença. O termo passa a ser usado
quando uma epidemia ou um surto que afeta uma região se espalha por diferentes continen-
tes com transmissão sustentada. A transmissão sustentada da doença ocorre quando o vírus
já circula livremente e há transmissão de uma pessoa para a outra no país, sem que haja
vinculação com indivíduos infectados provenientes do exterior.
Variação sazonal refere-se à variação na ocorrência da doença de acordo com as estações em do-
enças em nível endêmico, mas pode se reproduzir caso a doença tenha atingido nível epidêmico.
A influenza e outras doenças infecciosas respiratórias tem maior intensidade na frequência
de casos nos meses mais frios do ano. Já a dengue ocorre com maior intensidade nos meses
mais quentes e úmidos. O reconhecimento destas características sazonais, entre outras pos-
sibilidades, orienta a organiza as ações de prevenção e controle de doenças e assistenciais. A
vacinação contra influenza ocorre nos meses de março e abril, antes do início do período de
maior transmissão do vírus.
Para monitorar a ocorrência das doenças ao longo do tempo, utiliza-se as curvas de distribuição
da incidência pelo tempo, em geral o mês ou a semana epidemiológica de notificação.
246
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Qual o número de casos esperados de uma doença? Quando podemos dizer que o aumento da
incidência de uma doença sugere uma epidemia? Para estabelecer qual o número de casos espe-
rados, precisamos construir o diagrama de controle. Para isso, utilizamos a incidência observada
em um período de sete ou mais anos prévios. Existem diferentes métodos para construir o nível
endêmico, vamos descrever uma das possíveis estratégias que utiliza cálculos baseados na média
e desvio padrão, mas vale salientar que outras podem ser utilizadas também.
Veja os passos:
> Importante: se houver anos epidêmicos neste período, estes devem ser excluídos da série.
> Cálculo da incidência mensal média: para cada mês do ano (janeiro, fevereiro etc.) será
realizada a soma das incidências dos 10 anos. Em seguida, o resultado dessa soma será di-
vidido por 10. A curva construída com as incidências médias de cada mês, constitui a curva
endêmica da doença.
> O próximo passo será calcular o canal endêmico. Para isso calcula-se o desvio padrão para
cada média mensal.
> Em seguida, obtém-se a incidência máxima esperada em cada mês, obtida pelo cálculo:
média mensal + 1,96 desvio padrão
> E a Incidência mínima esperada, obtida pelo cálculo: média mensal - 1,96 desvio padrão
> Os limites do canal endêmico com 95% de certeza encontram-se entre a média + 1,96 des-
vio padrão. A Incidência máxima esperada e a incidência mínima esperada delimitam o canal
endêmico. Ao finalizar os cálculos, representa-se graficamente o diagrama de controle.
247
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde, Ministério da Saúde. Módulos de Princípios de Epidemiologia para o Controle de Enfer-
midades. Módulo 2: Saúde e doença na população / Organização Pan-Americana da Saúde. Brasília, 2010.
No Brasil, desde o século passado, a importância relativa das doenças infecciosas como causa
de morte vem sendo reduzida continuamente, como pode ser observado na Figura 5 a seguir.
Entretanto ainda são um problema de saúde pública que nos anos mais recentes tem ganhado
novos contornos com retorno de doenças antes erradicadas como o sarampo e o crescimento da
sífilis congênita e a emergência da covid-19.
90%
Porcentagem de todas as mortes
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2007
Fonte: Barreto ML, et al. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environmental context,
policies, interventions, and research needs. Lancet. 2011. 28;377(9780):1877-89,
26
248
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Em 2016, entre as 10 principais causas de morte no Brasil, as infecções respiratórias baixas eram a
quarta causa mais frequente, assim como em todo o mundo (Tabela 1). Entretanto, se consideramos so-
mente as mortes consideradas evitáveis, entre 2010 e 2017 as doenças infecciosas foram responsáveis
por cerca de 10% das mortes evitáveis e as doenças preveníveis pela vacinação por 1% (Brasil, 2019a).
Tabela 1 – dez principais causas de morte no Brasil (frequência absoluta e taxa bruta por 100 mil habitantes)
e no mundo, 2016
Taxa
Ordem Causas no Brasil N Causas no mundo
bruta
Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Trans-
missíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2018 uma análise de situação de saúde e das doenças e agravos crônicos: desafios e
perspectivas. Brasília: Ministério da Saúde, 2019.
O Programa Nacional de Imunização (PNI) que oferta gratuitamente um extenso número de vacinas,
com uma das mais altas taxas de cobertura vacinal do mundo contribuiu de maneira fundamental
para o controle das doenças preveníveis por imunização. Em 1990, a poliomielite foi erradicada no
Brasil (Barreto el al, 2011) e em 2016, a Organização Mundial de Saúde concedeu o certificado de
eliminação do sarampo (Brasil, 2019b). Além disso, resultados importantes foram alcançados no
controle de outras doenças como a difteria e tétano. A doença meningocócica é endêmica, com
ocorrência esporádica de surtos em diferentes locais com a incidência no país variando de 1,36 casos
por 100 mil habitantes em 2007 para 0,54 casos por 100 mil em 2018 (Brasil, 2019b).
A despeito dos avanços, doenças já eliminadas como o sarampo foram reintroduzidas no Brasil e
em vários países das Américas. Em 2018, houve a introdução do vírus do sarampo no Brasil, com
o surgimento de casos confirmados na região Norte e posteriormente em outras regiões do país
(Brasil, 2019b).
249
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A cobertura vacinal tem decrescido nos últimos anos, como mostra a Figura 6, sinalizando re-
trocessos poderão ocorrer. Na atualidade, é imperioso fortalecer os Programas de Imunizações
Regionais, melhorando o alcance das metas de coberturas vacinais, sobretudo, a homogeneidade
de coberturas nos contextos nacional e internacional.
Figura 6 – Coberturas vacinais médias em triênio, por tipo de vacinas em menores de 1 ano de idade. Brasil 1980 a 2018
100
90
Cobertura vacinal (%)
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1980 - 1982 1983 - 1985 1986 - 1988 1989 - 19911992 - 1994 1995 - 19971998 - 2000 2001 - 20032004 - 2006 2007 - 2009 2010 - 2012 2013 - 2015 2016 - 2018
Triênio
BCG Sarampo; triplice viral Pneumocócica
Poliomielite Hepatite B Miningocócica
DTP; DTP/Hib. DTP/Hib/HB Rotavírus Hepatite A
Fonte Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não
Transmissíveis. Saúde Brasil 2019 uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização.
Brasília: Ministério da Saúde, 2019.
250
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
4.2.6.2.1 Tuberculose
A tuberculose é a doença infecciosa que mais leva à óbito em todo o mundo. Causada pelo My-
cobacterium tuberculosis, ganhou ainda maior relevância com a expansão da epidemia de Aids. É
transmitida apenas pela forma direta por aerossóis emitidos por uma pessoa infectada. O trata-
mento da infecção latente da Tuberculose, forma em que as pessoas infectadas estão saudáveis
sem transmitir o bacilo e com imunidade parcial à doença, é importante estratégia de prevenção
para evitar o desenvolvimento da tuberculose ativa e infectante. A vacina BCG (bacilo Calmete-
-Guérin) é eficaz para proteger contra as formas mais graves da doença.
No Brasil, em 2017, a tuberculose foi a quarta causa de morte entre as doenças infecciosas e a
primeira entre as doenças infecciosas em pessoas com HIV. Entretanto, tendência do risco de
desenvolver tuberculose no Brasil decresceu entre 2008 e 2017, da mesma forma que o risco de
morrer pela doença, como apresenta a Figura 7A e 7B
Figura 7 – Coeficiente de incidência e de mortalidade (por 100 mil habitantes) por tuberculose no Brasil de 2008 a 2017
7A 7B
Fonte Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não
Transmissíveis. Saúde Brasil 2019 uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização.
Brasília: Ministério da Saúde, 2019.
Esses coeficientes são desigualmente distribuídos entre os estados brasileiros, a incidência variou
de 74,7 por 100 mil habitantes no Amazonas a 10,3 por 100 mil no Distrito Federal, enquanto a
mortalidade foi de 4,0 por 100 mil habitantes no Rio de Janeiro a 0,5 por 100 mil habitantes no
Distrito Federal.
251
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
4.2.6.2.2 Hansenianse
A hanseníase é uma doença de alta infectividade e baixa patogenicidade e longo período de incu-
bação (em média de 5 anos) e, se não tratada adequadamente, produz incapacidades permanentes.
Endêmica no Brasil, em 2017 foram registrados 321.771 casos novos de hanseníase no pais. Desde
2006 as a taxa de detecção pela doença está decrescente. Nota-se declínio mais proeminente entre
2014 e 2016, caindo de 15,3 para 12,9 casos por 100 mil habitantes (Figura 8).
Figura 8 – Taxa de detecção de hanseníase (por 100 mil habitantes) no Brasil de 2006 a 2017
25,0
20,0
(por 100 mil habitantes)
Taxa de Detecção Geral
15,0
10,0
5,0
0,0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Ano
Fonte Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não
Transmissíveis. Saúde Brasil 2019 uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização.
Brasília: Ministério da Saúde, 2019.
Por que taxa de detecção? A hanseníase é uma doença de longo período de incubação, como
início da manifestações clínicas insidioso. Em geral quando o diagnóstico é realizado, a doença já
se encontra instalada há algum tempo, sendo mais apropriado a denominação taxa de detecção
de casos do que coeficiente ou taxa de incidência.
252
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A doença de Chagas é a infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, apresenta uma fase
aguda que pode ser sintomática ou não, e uma fase crônica, que pode se manifestar nas formas
indeterminada, cardíaca, digestiva ou cardiodigestiva. Pode ser transmitida por diferentes formas,
pela picada do Triatomineo infestans, por via oral com a ingestão de alimentos contaminados com
os parasitos provenientes dos triatomíneos, por via direta vertical pela passagem de parasitos de
mulheres infectadas pela placenta ou durante o parto ou ainda transfusão de sangue ou trans-
plante . Tem período de incubação variando de 4 a 40 dias, a depender da forma de transmissão.
Desde que foi reconhecida em 1981, a Aids se espalhou rapidamente, sendo considerada uma
epidemia mundial no final da década de 1980. A doença é causada pelo vírus HIV (vírus da imuno-
deficiência humana), compromete o funcionamento do sistema imunológico, levando a suscetibi-
lidade a infecções por outros agentes e cânceres. Pode ser transmitida por via direta imediata na
relação sexual desprotegida ou compartilhamento de seringas, agulhas e objetos cortantes, por
transfusão de sangue contaminado, no momento do parto. O período de incubação pode chegar
à 10 anos. O diagnóstico e tratamento precoce da infecção por este vírus, tendo ou não desenvol-
vido Aids e a prevenção por meio de relações sexuais protegidas, cuidados nos bancos de sangue
são medidas disponíveis para a prevenção da doença. Mais recentemente novas abordagens como
a profilaxia pré-exposição também estão disponíveis. Com os avanços no tratamento, Aids cursa
com longo período de duração.
Segundo o Boletim Epidemiológico de HIV e Aids de 2020 do Ministério da Saúde, o país tem re-
gistrado, anualmente, uma média de 39 mil novos casos de Aids nos últimos cinco anos. O número
anual de casos de Aids vem diminuindo desde 2013, quando se observaram 43.368 casos; em 2019
foram registrados 37.308 casos. Em um período de dez anos, a taxa de detecção apresentou queda
de 17,2%: em 2009, foi de 21,5 casos por 100 mil habitantes e, em 2019, era de 17,8 casos a cada
100 mil habitantes. Taxa de detecção é se justifica pelo longo período de incubação da doença,
início clínico insidioso, podendo o diagnóstico ser realizado em fase mais adiantado da doença.
253
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 9 – Taxa de detecção de Aids por 100 mil habitantes por região de residência e ano de diagnóstica,
Brasil 2009 a 2019
Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde Boletim Epidemiológico Especial HIV e Aids, SVS, MS, 2020.
A febre amarela é causada por um Vírus RNA e transmitida por mosquito infectado. O ciclo urbano
e o silvestre têm mosquitos transmissores distintos. No ciclo urbano o ser humano é o único hos-
pedeiro com importância epidemiológica; no ciclo silvestre, os primatas não humanos (macacos)
são os hospedeiros mais importantes.
A doença tem importância epidemiológica pela virulência do agente etiológico, a letalidade varia
de 20% e 50%. Atualmente, a febre amarela silvestre é uma doença endêmica na região Amazôni-
ca. Na região extra-Amazônica tem sido registrados períodos epidêmicos ocasionais, caracterizan-
do a reemergência do vírus no pais. Observa-se que a maior parte destes casos ocorreram entre
dezembro e maio e que os surtos têm ocorrido com periodicidade irregular. Os surtos registrados a
254
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
partir de 2014 alcançaram áreas sem registro de circulação do vírus há décadas, incluindo regiões
metropolitanas da Região Sudeste e Sul (Figura 9) (Brasil, 2019b).
Figura 10 – Distribuição dos municípios com casos humanos e/ou epizootias em primatas não humanos con-
firmada durante reemerg6encia extra-Amazônica de febra amarela, por período de monitoramento, julho/2014
a junho /2019. Brasil
Fonte Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não
Transmissíveis. Saúde Brasil 2019 uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização.
Brasília: Ministério da Saúde, 2019.
255
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
4.2.6.5 Dengue
A dengue permanece um importante problema de saúde publica desde sua introdução no Brasil em
1986. Causada por um vírus RNA que têm 4 subtipos, explicando assim as reinfecções. A medida de
prevenção e controle mais importante é evitar a proliferação do mosquito transmissor.
Figura 11 – Casos notificados de dengue por semana epidemiológica, Brasil, 2015 a 2017
Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico, vol 49. n.1, 2018
Essas viroses foram recentemente introduzidas no Brasil. O zika, um vírus transmitido pelo Aedes
aegypti, foi identificado pela primeira vez no Brasil em abril de 2015. No geral, a evolução da
doença é benigna e os sintomas desaparecem espontaneamente após 3 a 7 dias. Formas graves
e atípicas são raras, mas quando ocorrem podem, excepcionalmente, evoluir para óbito. Tem im-
portância epidemiológica adicional pelo grave surto de microcefalia congênita ocorrido no Brasil
em 2016 (Brasil, 2021a).
256
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A febre chikungunya é transmitida pelos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus. No Brasil,
a circulação do vírus foi identificada pela primeira vez em 2014. Caracterizada por dor intensa, os
sintomas iniciam entre dois e doze dias após a picada do mosquito. Cerca de 30% dos casos não
apresentam sintomas.
A distribuição dos casos notificados por semana epidemiológica da Zika e Chikungnhya são apresen-
tados nas Figuras X e X. Observe que a transmissão tem sido mantida em 2019 3 2020 (Brasil, 2021a).
Figura 12 – Distribuição dos casos notificados de Zika por semana epidemiológica, Brasil, 2019 e 2020
120.000 2019 2020
100.000
Casos Prováveis (n)
80.000
60.000
40.000
20.000
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53
Semana Epidemiológica
Fonte Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Vol 52, n.3, 2021.
Figura 13 – Distribuição dos casos notificados de Chikungunhya por semana epidemiológica, Brasil, 2019 e 2020
9.000
2019 2020
8.000
7.000
Casos Prováveis (n)
6.000
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53
Semana Epidemiológica
Fonte Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Vol 52, n3, 2021.
257
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Outras doenças infecciosos ainda mantem relevância no Brasil. A malária ainda persiste nos es-
tados da região Amazônica onde fatores ambientais, econômicos e sociais estabelecem condi-
ções favoráveis à transmissão do agente infeccioso da doença. A esquistossomose, causada pelo
Schistossoma mansôni, teve relativo sucesso no seu controle de sua ocorrência e na gravidade
dos casos, permanece endêmica em áreas onde existem coleções hídricas com moluscos trans-
missores em estados da região Nordeste (Alagoas, Bahia, Rio Grande do Norte, Paraiba e Sergipe)
e Sudeste (Espirito Santo e Minas Gerais), entretanto existe transmissão focal em outro estados.
A Leishmmniose visceral ainda é transmitida em nível importante em municípios localizados nos
estados de Roraima, Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí, Ceará, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.
(Brasil, 2021b).
Tem como objetivos principais 1) quantificar a ocorrência de casos novos das doenças alvo da
vigilância; 2) identificar mudanças na sua magnitude e distribuição ao longo do tempo e os grupos
mais afetados; 3) identificar a ocorrência de surto e epidemia e investigar essas ocorrências; 4)
propor adoção das medidas de controle; e 5) avaliar o impacto das medidas adotadas.
MINISTÉRIO DA SAÚDE
GUIA DE
VIGILÂNCIA
SAIBA MAIS
EM SAÚDE
5ª edição
rev_atual.pdf).
258
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
TIPOS DE VIGILÂNCIA
> Vigilância passiva é baseada no registro de casos das doenças pelos profissionais e serviços de
saúde. É a estratégia mais simples e mais barata, mas está sujeita a limitações, especialmente
subregistro de casos.
> A vigilância ativa é baseada na busca intencional de casos para pesquisar suas características,
buscar pistas para apontar possíveis causas e identificar novos casos. Essa estratégia, garante
maior integridade da informações. Deve ser realizada sempre que é necessário uma resposta rápi-
da, como a ocorrência de um caso de sarampo ou um surto de uma doença.
> A vigilância sentinela é uma estratégia utilizada quando conhecer apenas um subconjunto dos ca-
sos é suficiente para fornecer as informações necessárias. É o que ocorre na vigilância da Síndrome
Gripal, por exemplo. Apenas alguns serviços de saúde fazem o registro dos casos e são chamados
de unidades sentinela.
> Em outras situações, são definidos eventos sentinela, que corresponde a doença, incapacidade ou
morte inesperada, cuja ocorrência serve como um sinal de alerta. Sinalizam problemas de saúde
passíveis de prevenção e que não deveriam ocorrer, é o caso dos óbitos em menores de um ano.
VOCÊ SABIA?
Que na estratégia da vigilância sentinela não são utilizados coeficientes que consideram a população
total como denominador? Por exemplo, neste tipo de vigilância não se calcula coeficientes de inci-
dência, pois a estratégia considera apenas um subconjunto de casos, mas não a totalidade ocorrida
na população. Por este motivo os casos podem ser monitorados a partir de curvas de distribuição
de casos ao longo do tempo, geralmente semana epidemiológica, em relação ao canal endêmico, ou
diagrama de controle.
As atividades da vigilância podem ser organizadas em etapas interligadas. Vamos abordar cada
uma dessas etapas.
259
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Quais doenças devemos notificar? A definição das doenças de notificação compulsória considera
alguns critérios, como incidência elevada, o poder de transmissão do agente infecciosos e a vi-
rulência. Considera também o impacto social e econômico da doença e a existência de medidas
efetivas para o seu controle. Além disso, toda epidemia ou surto deve ser notificado. A varíola,
poliomielite por poliovírus selvagem, influenza humana por um novo subtipo viral e síndrome
respiratória aguda grave são de notificação obrigatória por definição do Regulamento Sanitário
Internacional. Por fim, agravos inusitados que podem constituir risco de saúde pública, denomina-
das Emergências de Saúde Pública, também devem ser notificados. Nos últimos anos, ocorreram
algumas emergências de saúde como surtos de Ebola, surto de microcefalia por Zika vírus no
Brasil e a covid-19.
260
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Análises mais sofisticadas podem ser necessárias, mas essa etapa descritiva é fundamental
na vigilância.
A interpretação dos dados analisados juntamente com outras informações disponíveis irá subsi-
diar o julgamento sobre identificar a necessidade de implementar medidas de controle e se sim,
quais medidas deverão ser adotadas. Por fim, a etapa seguinte consiste em avaliar a efetividade
das intervenções e medidas adotadas no âmbito da vigilância. A simples observação de séries
temporais de incidência das doenças sob vigilância é capaz de fornecer elementos para avaliar as
medidas de intervenção.
Por fim, divulgar as informações produzidas pela vigilância a todos os técnicos envolvidos em
todos os níveis do sistema é fundamental para garantir a retroalimentação do sistema, demons-
trando a importância e necessidade de notificar os eventos. Também é preciso dar publicidade a
toda sociedade com a divulgação ampla utilizando meios como a produção de boletins físico e
eletrônicos para divulgar nos sítios das secretarias municipal e estadual de saúde e d ministério da
saúde. A normatização de procedimentos técnicos embasados no conhecimento científico vigente,
sistematizados em manuais e atualizadas periodicamente para incorporar os avanços técnicos-
-científicos é também função da vigilância.
Em março de 2020 foi identificado o primeiro caso importado de covid-19 no Brasil, evoluindo
com fases dramáticas em números de casos, em números de mortes. Vamos apresentar alguns
resultados descritivos de dados baseados na notificação de casos de covid-19.
Em situações como uma epidemia, a distribuição do número absoluto de casos permite monitorar
a tendência em um período de tempo relativamente curto. A distribuição do número de casos
novos por semana epidemiológica da covid-19 , denominada de curva epidêmica, é apresentada
261
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
na Figura 13. Este padrão apresentado pela curva, denominado progressiva ou propagada, é ca-
racterístico de uma doença causada por um agente infeccioso transmitido de uma pessoa para
outra de forma mediata. A propagação se dá em cadeias, gerando uma corrente de transmissão
para indivíduos suscetíveis. Após um fase inicial crescente, observa-se queda-se do número de ca-
sos novos, seguida de aumento sustentado de casos novos que a partir da semana epidemiológica
27 (aproximadamente) de 2021 começam a diminuir novamente (Figura 13A). A distribuição por
semana epidemiológica é apresentada na Figura 13B.
Figura 14 – Número de casos novos notificados de covid-19 (13A) e de óbitos (13B)de março/2020 a 30/
outubro de 2021, Brasil
13A 13B
Fonte: SES. Dados atualizados em 8/1/2022, às 19h, sujeitos a revisões. Fonte: SES. Dados atualizados em 8/1/2022, às 19h, sujeitos a revisões.
Fonte: Brasil. Boletim Epidemiológico Especial – Doença do novo Coronavirus-covid10. Semana Epidemiológica 40 (24/10 a 30/10). 2021.
A variação do coeficiente de incidência (14A)e da taxa de mortalidade (14B) de covid-19 por sema-
na epidemiológica pode ser observada na Figura 14.
262
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 15 – Número de óbitos por covid-19 por data de notificação, março/2020 a 30/outubro de 2021
14A 14B
Fonte: Brasil. Boletim Epidemiológico Especial – Doença do novo Coronavirus-covid10. Semana Epidemiológica 40 (24/10 a 30/10). 2021.
263
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 16 – Número de óbitos e proporção da população total vacinada com esquema completo ao longo de 2021
3500 60
3000 50
1500
20
1000
500 10
0 0
Maio
Setembro
Novembro
Junho
Janeiro
Julho
Outubro
Agosto
Fevereiro
Março
Abril
Mês (2021)
Fonte: Fiocruz. Boletim Observatório covid-19, Fiocruz. Boletim Extraordinário, 4/11 de 2021
264
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Barreto ML, et al. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environ-
mental context, policies, interventions, and research needs. Lancet. 2011. 28;377(9780):1877-89,
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico, vol 49. n.1, 2018.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico, vol 51, n.39.
2020 (A).
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Especial HIV e
Aids, SVS, MS, 2020 (B).
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Vol 52, n.3,
2021 (A).
Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Doenças tropi-
cais negligenciadas. Número Especial. Mar, 2021 (B).
Lana RM, Coelho FC, Gomes MFC et al. Emergência do novo coronavírus (SARS-CoV-2) e o papel de
uma vigilância nacional em saúde oportuna e efetiva. Cad. Saúde Pública 2020; 36(3):e00019620.
265
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Paz FAZ, Bercini MA. Doenças Emergentes e Reemergentes no Contexto da Saúde Pública. Boletim
Escola de Saúde Pública. Rio Grande Do SUL v23, n 1, 2009.
Rouquayrol MZ, Barbosa LMM, Machado CB. In: Rouquayrol MZ, Gurgel M. Epidemiologia & Saúde.
Rio de Janeiro: Medbook, 2013.p.97-119.
Rouquayrol MZ, Veras FMF, Távora LGF. In: Rouquayrol MZ, Gurgel M. Epidemiologia & Saúde. Rio de
Janeiro: Medbook, 2013.p.201-234.
THE GLOBAL HEALTH OBSERVATORY. Acesso em outubro 2021. Disponível em: https://www.who.
int/data/gho/data/themes/mortality-and-global-health-estimates.
Teixeira MG, Costa MCN, Pereira SM, Barreto FR, Barreto ML. Epidemiologia das Doenças Infeccio-
sas. In: Almeida-Filho N, Barreto ML. Epidemiologia e Saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. p.458-74.
World Health Organization. The top 10 causes of death. Acesso em outubro 2021. Disponível em :
https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/the-top-10-causes-of-death
Yeh H-I, Chen K-H, Chen K-T. Environmental Determinants of Infectious Disease Transmission: A Focus
on One Health Concept. Int. J. Environ. Res. Public Health 2018, 15, 1183; doi:10.3390/ijerph15061183
266
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
4.3.1 Introdução
O desenvolvimento das DCNT pode começar cedo na vida, como a aterosclerose, mas sua frequ-
ência aumenta expressivamente com o avançar da idade, sugerindo que mudanças modificáveis e
não modificáveis relacionadas ao envelhecimento aumentam a suscetibilidade dos indivíduos a esse
conjunto de doenças. As exposições a diferentes fatores de risco modificáveis ao longo da vida con-
tribuem decisivamente para sua ocorrência e progressão e indicam janelas de oportunidade para a
implementação de medidas preventivas para estas doenças.
Entre as DCNT mais importantes estão as doenças do aparelho circulatório (cardiovasculares e cere-
brovasculares), as neoplasias, as doenças pulmonares obstrutivas crônicas e o diabetes. Esse conjunto
de doenças respondem pela maior carga de morbimortalidade por DCNT e compartilham fatores de
risco comuns, criando assim a possibilidade de traçar estratégias integradas de prevenção e controle.
Por esse motivo a OMS vem recomendando um modelo de ação “4 x 4” para deter o avanço das DCNT,
que é caracterizado pela priorização de ações de prevenção e promoção da saúde relacionadas a esses
quatro conjuntos de doenças que são causados, principalmente, por quatro fatores de risco comporta-
mentais (uso de tabaco, uso prejudicial de álcool, dietas não saudáveis e sedentarismo).
267
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Em 2016, cerca de 57% das mortes no Brasil foram atribuídas às doenças cardiovasculares, ne-
oplasias, doença respiratórias crônicas e diabetes. Ao incluir as demais doenças crônicas não
transmissíveis, esse percentual sobe para 74%, o que evidencia o protagonismo desse conjunto de
doenças no perfil epidemiológico brasileiro (Figura 1)(WHO, 2018). Destaca-se que esse percentu-
al vem subindo ao longo do tempo, já que era 61,6% em 1991, 67,6% em 2000 e 72,4% em 2009
(Duncan et al 2011).
NTINA
2016 TOTAL POPULATION: 43 847 000
2016 TOTAL DEATHS: 328 000
28% 17%
Cardiovascular Other NCDs
diseases
20% 16%
Cancers Communicable,
maternal, perinatal NCDs are
10% and nutritional estimated to
conditions account for 78%
Chronic
of all deaths.
respiratory
2010 2015 2020 2025
diseases 6%
Injuries
Projected linear trends Global targets 3%
Diabetes
37 500 LIVES CAN BE SAVED BY 2025 BY IMPLEMENTING ALL OF THE WHO "BEST BUYS"
Fonte:
NATIONAL TARGET SETWorld Health Organization. Noncommunicable diseases
DATAcountry
YEAR profiles
MALES 2018. Geneva: World
FEMALES TOTALHealth Organization, 2018.
Total NCD deaths 2016 128 500 126 000 254 500
✓ QuandoRiskanalisamos as principais causa de óbito
of premature death between 30-70 years (%) 2016
no Brasil,
20
segundo
12
faixa
16
etária, percebemos que
as DCNT começam a liderar as principais causas de óbito da população a partir dos 50 anos de
-
idade, com destaque para as doenças do aparelho
Suicide mortality rate (per 100 000 population) 2016
circulatório,
- -
as neoplasias
9
e as doenças do
aparelho respiratório como pode ser visualizado no Quadro 1 (Brasil, 2021).
Total alcohol per capita consumption, adults aged 15+
✓ 2016 16 4 10
(litres of pure alcohol)
Quadro 1 – Principais causas de óbito segundo capítulos da CID-10 e o número absoluto de óbitos por faixa
etária no BrasilQuadro 1 – Ranking das causas básicas de óbito segundo capítulos da CID-10 e o
em 2019
número absoluto de óbitos por faixa etária no Brasil em 2019
1 C. Perinat. C. Ext. C. Ext. C. Ext. D. Ap. Circ. D. Ap. Circ. D. Ap. Circ. D. Ap. Circ.
20.269 13.384 32.100 43.961 113.488 91.237 130.243 364.132
2 Malform. Neoplasias Neoplasias D. Ap. Circ. Neoplasias Neoplasias D. Ap. Resp. Neoplasias
9.420 1.406 2.735 25.019 98.966 58.088 75.657 235.301
3 C. Ext. D. Sist. Nerv. D. Ap. Circ. Neoplasias D. Ap. Resp. D. Ap. Resp. Neoplasias D. Ap. Resp.
2.926 1.109 2.461 23.847 35.272 38.018 48.997 162.005
D. Ap.
4 Resp. C. Mal Def. C. Mal Def. D.I.P. D. Endocr. D. Endocr. D. Endocr. C. Ext.
2.917 988 2.379 10.506 26.946 21.997 27.238 142.800
5 D.I.P. D. Ap. Resp. D.I.P. D. Ap. Dig. C. Ext. D. Ap. Dig. C. Mal Def. D. Endocr.
1.933 777 2.268 10.043 25.940 14.369 25.185 83.483
D. Sist.
6 Nerv. D. Ap. Circ. D. Ap. Resp. C. Mal Def. D. Ap. Dig. C. Mal Def. D. Sist. Nerv. C. Mal Def.
1.430 776 1.566 9.703 25.935 13.688 24.194 74.972
Fonte: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/SVS/MS).
Nota: D.I.P.: doenças infecciosas e parasitárias; neoplasias; C. Exter.: causas externas; C. Perinat.: afecções do período
Fonte: Brasil. Ministério daMalSaúde.
perinatal; Secretaria
form.: anomalias de Vigilância
cromossômicas em Saúde. congênitas;
e malformações Departamento D. Ap. de Análise
Resp.: doenças emdoSaúde
aparelhoe respi-
Vigilância de Doenças
ratório; D. Sist. Nerv: doenças do sistema nervoso; D. Ap. Circ.: doenças do aparelho circulatório; D. Ap. Dig.: doenças
Não Transmissíveis. Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não
do aparelho digestivo; D. Endócr.: doenças endócrinas; D. Ap. Uri.: doenças do aparelho geniturinário; C. Mal Def.:Transmissíveis no Brasil,
2021-2030. Brasília: Ministério
causas da Saúde,
mal definidas 2021.sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório não classificados
(sintomas,
em outra parte).
Ministério da Saúde 18
Uma característica marcante das DCNT no Brasil é que uma parcela expressiva dos óbitos por
essas doenças acontece entre indivíduos com idade entre 30 e 69 anos, ou seja, ocorrem pre-
maturamente, indicando que poderiam ser evitados. Em 2017, o Brasil registrou 556.639 óbitos
evitáveis e 58,9% desses óbitos foram devido às DCNT (Malta et al, 2020).
VOCÊ SABIA?
Nos países de alta renda menos de 15% das mortes por DCNT ocorrem antes dos 70
anos, enquanto nos países de renda media e baixa, como o Brasil, este percentual mais
que dobra. Por isso, as mortes prematuras por DCNT, ou seja, entre 30-69 anos de ida-
de, são consideradas um importante indicador de sucesso das políticas de prevenção
e controle destas doenças, sendo alvo de acompanhamento continuo da vigilância em
saúde. Por esta razão, esse indicador faz parte do Plano de Ações Estratégicas para o
Enfrentamento das Doenças e Agravos Não transmissíveis no Brasil 2021-2030.
CLIQUE AQUI
269
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Historicamente, verificamos que o risco de morrer prematuramente por DCNT vem reduzindo no
país. Entre 1990 e 2017 as taxas de mortalidade prematura por DCNT apresentaram uma queda
de 35,2%, sobretudo devido a reduções na mortalidade por doenças cardiovasculares (47,8%) e
doenças respiratórias crônicas (41,3%) conforme pode ser visualizado na Tabela 1. Quedas bem
mais discretas foram observadas para a mortalidade por diabetes (17,8%) e neoplasias (11,8%).
Essas tendências também podem ser verificadas graficamente na Figura 3.
Tabela 1 – Taxa de mortalidade padronizada por idade (por 100.000) na população entre 30 e 69 anos no Brasil
em 1990 e 2017 e percentual de mudança dessa taxa no período
DCNT= doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crônicas, diabetes mellitus e neoplasias. Fonte: Malta DC, et al. Trends in
mortality due to non-communicable diseases in the Brazilian adult population: national and subnational estimates and projections for
2030. Popul Health Metr. 2020 Sep 30;18(Suppl 1):16.
Figura 3 – Taxa de mortalidade padronizada por idade por DCNT em população entre 30 e 69 anos (por 100.000
habitantes) no Brasil entre 1990 e 2017. NCD= non-communicable chronic diseases
Fonte: Malta DC, et al. Trends in mortality due to non-communicable diseases in the Brazilian adult population: national and subnatio-
nal estimates and projections for 2030. Popul Health Metr. 2020 Sep 30;18(Suppl 1):16.
270
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A Figura 4, apresenta a evolução da taxa padronizada por idade de mortalidade prematura por
DCNT de acordo com a região de residência entre 2000 e 2019. Podemos observar que em 2000
há uma grande desigualdade nas taxas observadas, sendo as menores taxas de mortalidade
observadas nas regiões Norte e Nordeste e as maiores nas regiões Sul e Sudeste. Entretanto,
essa desigualdade foi diminuindo progressivamente ao longo dos anos, já que as taxas de mor-
talidade precoce por DCNT aumentaram nas regiões norte e nordeste e reduziram nas regiões
sudeste, sul e centro-oeste (Brasil, 2021).
271
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
PARA REFLETIR
Ao analisar a Figura 4 duas informações chamam a atenção: 1) As regiões Norte e Nordeste eram
as regiões com menores taxas de mortalidade prematura por DCNT em 2000; e 2) As regiões Norte
e Nordeste apresentaram aumento nas taxas de mortalidade prematura por DCNT enquanto as
demais regiões observaram uma queda nessa mortalidade.
Essas duas informações chamam a atenção, pois esperaríamos que as regiões Norte e Nordeste do
país apresentassem as maiores taxas de mortalidade prematura por DCNT, já que populações em des-
vantagens sociais e econômicas tendem a ser mais acometidas pelas DCNT e seus fatores de risco. É
possível que os dados evidenciados na Figura 4 não estejam refletindo a real realidade observada na
população das regiões Norte e Nordeste devido a um maior sub-registro de óbitos e maior proporção de
óbitos por causas mal definidas nessas duas regiões (Malta et al, 2020). O sub-registro de óbitos leva
a uma redução da cobertura do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) nessas duas regiões
(ver Aula 2.1. O dado epidemiológico: estrutura, fontes, propriedade e instrumentos) e a maior propor-
ção de óbitos por causas mal definidas levam a uma menor a validade da informação sobre causa dos
óbitos no SIM nas regiões Norte e Nordeste (ver Aula 2.2. Qualidade dos instrumentos epidemiológicos)
quando comparada as outras regiões do país. Isso poderia explicar o fato das regiões Norte e Nordeste
serem as regiões com menores taxas de mortalidade prematura por DCNT observadas no ano 2000.
Consequentemente, é possível que o crescimento dessas taxas de mortalidade observado no Norte
e Nordeste ao longo do tempo seja reflexo de um aumento na captação de óbitos e da melhoria na
definição das causas de morte na última década, que ocorreram especialmente nas regiões Norte e
Nordeste. Por isso para utilizar essas informações para subsidiar a realização de políticas regionais tor-
na-se necessário a realização de ajustes metodológicos para cobertura e redistribuição de causas mal
definidas, ainda mais em se tratando de análises das séries históricas em épocas em que a qualidade
do SIM era mais comprometida (Malta et al. 2020).
Você pode obter mais informações sobre a realização desses ajustes metodológicos neste artigo:
CLIQUE AQUI
272
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Outro importante pergunta que podemos fazer é: será que as tendências de mortalidade prema-
tura por DCNT é igual para homens e mulheres? A resposta para essa pergunta é NÃO, como po-
demos observar ao analisar a Figura 5. Podemos verificar que as taxas de mortalidade prematura
por doenças cardiovasculares foram maiores entre os homens do que entre as mulheres em todo o
período. Tais diferenças favoráveis as mulheres são especialmente importantes antes dos 50 anos,
sendo explicadas, em grande parte, pelo menor engajamento das mesmas em alguns compor-
tamentos de risco, como o tabagismo, e pelo efeito protetor do estrógeno antes da menopausa.
Vale notar que a tendência de queda na taxa de mortalidade prematura por doença cardiovascular
ocorreu em ambos os sexos. Porém, enquanto as doenças cardiovasculares permaneceram como
maior causa de morte por DCNT durante todo o período entre os homens, a partir de 2014 a
mortalidade por neoplasias malignas passou a ser a maior causa de morte por DCNT entre as
mulheres (Figura 5) (Brasil, 2021).
Figura 4 – Taxas de mortalidade prematura (30 a 69 anos) por DCNT padronizadas por idade segundo região
de residência,
Figura 12Brasil (2000-2019)
– Taxa padronizada de mortalidade prematura (30 a 69 anos) por doenças
crônicas não transmissíveis segundo região de residência, Brasil (2000-2019)
500
450
Taxa de mortalidade padronizada (/100 mil hab.)
400
350
300
250
200
150
100
50
0
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
Ano do óbito
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Fonte: Óbitos – Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/CGDANT/SVS/MS), População residente – Estimativas
preliminares elaboradas pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/Cgiae. Foram considerados os óbitos classificados
Fonte: Brasil.
com os Ministério da Saúde.E10-E14,
códigos C00-C97, Secretaria de Vigilância
I00-I99, em Saúde.
J30-J98 (exceto J36) Departamento de Análise
(Doenças crônicas em Saúde e Vigilância
não transmissíveis) da CID-10.de Doenças
Não Transmissíveis. Plano depor
Nota: Padronização Ações
idadeEstratégicas
utilizando opara o Enfrentamento
método das Doenças Crônicas
direto. População-padrão: e Agravos
Brasil Censo não Transmissíveis
2010. Foram desconside- no Brasil,
rados
2021-2030. os óbitos
Brasília: cuja faixa
Ministério da etária
Saúde,ou região de residência da vítima estava assinalada como “ignorada”.
2021.
Masculino
300
Taxa de mortalidade (/100 mil hab.)
250
200
150
100
50
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Ano do óbito
Neoplasias Malignas (C00-C97) Doenças Cardiovasculares (I00-I99)
Diabetes (E10-E14) Doenças Respiratórias Crônicas (J30-J98 - exceto J36)
Feminino
300
Taxa de MOrtalidade (/100 mil hab.)
250
200
150
100
50
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Ano do óbito
Neoplasias Malignas (C00-C97) Doenças Cardiovasculares (I00-I99)
Diabetes (E10-E14) Doenças Respiratórias Crônicas (J30-J98 - exceto J36)
Fonte: Óbitos – Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/CGDANT/SVS/MS), População residente – Estimativas
preliminares elaboradas pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/Cgiae. Foram considerados os óbitos classificados
Fonte: Brasil. Ministério dacódigos
com os Saúde.C00-C97,
Secretaria de I00-I99,
E10-E14, Vigilância em(exceto
J30-J98 Saúde. Departamento
J36) de não
(Doenças crônicas Análise em Saúde
transmissíveis) e Vigilância de Doenças
da CID-10.
Não Transmissíveis. Nota:
Plano de Ações
Padronização Estratégicas para
por idade utilizando ooEnfrentamento das Doenças
método direto. População-padrão:Crônicas e Agravos
Brasil Censo
derados os óbitos cuja faixa etária ou sexo da vítima estava assinalada como “ignorada”.
não
2010. Foram Transmissíveis
desconsi- no Brasil,
2021-2030. Brasília: Ministério da Saúde, 2021.
274
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Como discutido na Aula 1.2 Saúde Pública Baseada em Evidências, as DCNTs, como a grande
maioria dos problemas de saúde, são doenças social e historicamente determinadas. No Bra-
sil, assim como em outros países do mundo, os indivíduos em desvantagem socioeconômica
tendem a apresentar maiores taxas de morbimortalidade por DCNT. Por exemplo, a taxas de
mortalidade por doença cardiovascular no país aumenta à medida que a escolaridade diminui
(Ishitani et al, 2006). Maiores prevalências de autorrelato de diagnóstico médico de hipertensão,
acidente vascular cerebral, diabetes (Malta et al, 2016) e presença de multimorbidade (presença
de 2 ou mais doenças crônicas) (Hone et al 2021) também são observadas entre em brasileiros
de baixa escolaridade.
No Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto, que é um estudo que acompanha 15.105 servidores
públicos de ensino superior e pesquisa em 6 capitais brasileiras, também foi encontrado que
quanto menor a posição socioeconômica do indivíduo maior o risco cardiovascular. Além disso,
maiores as prevalências e incidências de hipertensão arterial, diabetes e doença renal crônica (de
Sousa Andrade et al, 2017; Chor et al, 2015; Schmidt et al 2014; Lopes, 2021; Faleiro et al, 2017;
Barreto et al, 2016 ).
Além disso, no Brasil há uma desigualdade racial profunda na carga de DCNTs e de seus fatores
de risco, com grandes desvantagens observadas entre autodeclarados pretos e pardos quando
comparados aos brancos (Hone et al 2021; Machado et al, 2021).
Por tudo isso, a vigilância em DCNT precisa sempre analisar a ocorrência destas doenças local,
regional ou nacionalmente segundo os indicadores socioeconômico e de raça/cor, além dos tradi-
cionais desdobramentos por sexo e faixa etária.
A ocorrência da maioria das DCNT está relacionada a múltiplos fatores de risco, sendo os fatores
de risco tabagismo, inatividade física, consumo excessivo de álcool e alimentação não saudável
comuns a maioria delas e responsáveis por alta carga destas doenças. Como todos esses fatores
são passíveis de modificação, eles representam uma janela de oportunidade para implementação
de medidas de preventivas. Como já discutimos na Aula 1.2 Saúde Pública Baseada em Evidências,
esses fatores de risco não devem ser considerados como simples escolhas individuais, pois resul-
tam também de contexto socioeconômico e político adversos que diminuem as possibilidades
de escolha saudáveis da população (Figura 6). Por isto mesmo, não é incomum que a exposição
simultânea a múltiplos fatores de risco comportamentais, e geralmente, este acúmulo é maior
ainda naqueles grupos sociais mais vulneráveis socialmente.
275
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Sexo
Idade
Herança genética
Conforme discutido na aula 1.2 Saúde Pública Baseada em Evidências, o conhecimento do pro-
cesso de determinação das DCNTs esquematizado na Figura 6 serve para orientar intervenções de
prevenção com diferentes níveis de abrangência. A prevenção primordial (estratégia populacional
de prevenção) inclui ações intersetoriais direcionadas a modificação do contexto socioeconômico,
político, cultural e ambiental com o objetivo de evitar o surgimento e a consolidação dos fatores
de risco modificáveis para as DCNT. Ao direcionar esforços para esse tipo de intervenção estare-
mos diminuindo as desigualdades de oportunidades e aumentando as possibilidades de escolha
saudáveis da população. Por exemplo, podemos implementar políticas que ampliam o acesso à
educação; políticas de planejamento urbano para tornar a cidades mais seguras para a realização
de atividade física; políticas intersetoriais para diminuir os custos de alimentos saudáveis; elevar
a taxação e limitar o acesso de jovens ao tabaco e álcool, etc. Uma característica marcante desse
tipo de intervenção é a intersetorialidade, já que ações restritas ao setor saúde não tem alcance
276
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
suficiente para realizar essas medidas preventivas. Por atingir toda a população, as medidas de
prevenção primordial têm grande impacto sobre os fatores de risco modificáveis, promovendo a
saúde e o bem estar, e reduzindo consequentemente a ocorrência e progressão das DCNT e ten-
dem a ter impacto mais amplo sobre a prevenção dessas doenças como discutido aula 1.2 Saúde
Pública Baseada em Evidências.
Dando seguimento a análise do diagrama apresentado na Figura 6, podemos perceber que além
das ações de prevenção primordial, é importante realizar ações que objetivem evitar, modificar
ou controlar os fatores de risco comportamentais para as DCNT. Ações como a oferta de práticas
corporais/atividade física na rede de atenção primária à saúde e o aumento do acesso dos fuman-
tes aos métodos eficazes para cessação de fumar são exemplos dessas intervenções. Entretanto,
muitos indivíduos já apresentam alterações fisiopatológicas que os aproxima mais do risco de
desenvolver DCNT. Assim, o diagnóstico precoce controle adequado da hipertensão, dislipidemia,
sobrepeso/obesidade são exemplos de ações que devem ser realizadas na atenção primária para
reduzir a probabilidade de ocorrência das DCNT. Há casos também que o rastreamento de DCNT,
ainda em seu estágio subclínico, pode melhorar o prognóstico da doença reduzindo sua morbi-
mortalidade. Nesses casos, o rastreamento deve ser realizado de forma sistemática seguindo pro-
tocolos e diretrizes baseadas em sólidas evidências de efetividade, que estabeleçam a população
alvo a ser rastreada e os exames diagnósticos que precisam ser utilizados. No Brasil há diretrizes
que estabelecem o rastreio populacional para câncer de colo de útero, câncer de mama e diabetes,
por exemplo. Uma vez que as DCNT já estão estabelecidas, as medidas preventivas passam a ter
como foco a redução da probabilidade de complicações que podem levar a incapacidade e óbito. O
controle da diabetes, por exemplo, é fundamental para prevenir complicações como a ocorrência
de doença renal crônica, doença cardiovascular, amputações e óbito.
Finalmente, não podemos esquecer da prevenção quaternária durante a abordagem das DCNTs.
Por exemplo, o uso de múltiplos medicamentos para controlar múltiplos fatores de risco é fre-
quente. Nesse caso, torna-se necessário criar estratégias para evitar a ocorrência de interações
medicamentosas e reduzir o risco de reações adversas. Adicionalmente, não devemos realizar
rastreamentos de forma indiscriminada para DCNTs.
277
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 7 – História natural das DCNT e oportunidade de prevenção ao longo do curso de vida
Fonte: adaptado de Aboderin I, Kalache A, Ben-Shlomo Y, Lynch JW, Yajnik CS, Kuh D, Yach D. Life Course Perspectives on Coronary
Heart Disease, Stroke and Diabetes: Key Issues and Implications for Policy and Research. Geneva: World Health Organization, 2002.
278
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
para as DCNTs, conforme mostra a Figura 6, pois só assim podemos reduzir a incidência das
mesmas, de forma efetiva e duradoura, e reduzir as desigualdades em sua ocorrência no país.
A vigilância em DCNT tem como objetivo conhecer a magnitude, os determinantes sociais, econômicos, comporta-
mentais e monitorar tendências, para subsidiar políticas e estratégias de promoção da saúde e prevenção e avaliar
o impacto das intervenções, orientando a continuidade das ações (CGDANT/MS, 2004).
Desde 2003 a vigilância de DCNT no Brasil tem se construído e aprimorado com base nesse
conceito. Um sistema de monitoramento periódico de fatores de risco e proteção a saúde foi
estruturado com base em diferentes inquéritos populacionais em adultos e escolares e combi-
nado com análises sistemáticas de dados proveniente dos Sistemas de Informação do SUS. Tais
análises nos permitem monitorar os impactos das ações de prevenção e controle de fatores de
risco modificáveis sobre as taxas de internação e mortalidade pelas principais DCNTs, conforme
discutiremos a seguir.
Atualmente, a vigilância dos fatores de risco modificáveis no país vem sendo realizada principal-
mente por meio dos três inquéritos descritos na Figura 8.
Figura 8 – Principais Inquéritos de saúde que integram atualmente a vigilância de DCNT no Brasil
Principais inquéritos populacionais que atualmente integram a vigilância das DCNTs no Brasil
Telefônico Escolar
Vigilância de fatores de risco e Pesquisa Nacional de Saúde Domiciliar
proteção para doenças crônicas do Escolar (PeNSE) Pesquisa Nacional de Saúde
por inquerito telefônica (VIGITEL) 2009, 2012, 2015, 2019 (PNS) 2013, 2019
2006 - 2021
279
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Dois inquéritos fornecem informações sobre fatores de risco modificáveis para as DCNTs em adul-
tos: o Vigitel e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS).
O Vigitel (Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico)
é um inquérito anual, iniciado em 2006, com o objetivo de monitorar a prevalência dos principais
fatores de risco e proteção para as DCNT em adultos. Anualmente, são entrevistados por telefone
cerca de 2000 adultos (≥ 18 anos de idade) das 26 capitais brasileiras e do Distrito Federal. O
processo amostral do Vigitel visa obter amostras probabilísticas da população de adultos resi-
dentes em domicílios que são servidos por pelo menos uma linha telefônica fixa em cada cidade.
Após 15 anos de realização, o Vigitel tem contribuído de forma substancial para conhecer tanto
a distribuição quanto as tendências temporais das prevalências dos principais fatores de risco e
proteção para DCNT como pode ser observado Tabela 3.
Tabela 3 – Prevalência de fatores de risco para DCNT na população adulta (≥18 anos) das capitais dos 26
estados brasileiros e do Distrito Federal entre os anos de 2006 a 2019
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
Indicadores
% de fumantes 15,7 15,6 14,8 14,3 14,1 13,4 12,1 11,3 10,8 10,4 10,2 10,1 9,3 9,8
% de fumantes de ≥ 20 cigarros por dia 4,6 4,7 4,6 4,1 4,3 4,0 4,0 3,4 3,0 3,1 2,8 2,6 2,4 2,3
% de fumantes passivos no domicílio * * * 12,7 11,5 11,3 10,2 10,2 9,4 9,1 7,3 7,9 7,6 6,8
% de fumantes passivos no trabalho * * * 12,1 10,5 11,2 10,4 9,8 8,9 8,0 7,0 6,7 6,8 6,6
% com excesso de peso (IMC ≥ 25 kg/m 2) 42,6 43,4 44,9 45,9 48,2 48,8 51,0 50,8 52,5 53,9 53,8 54,0 55,7 55,4
% com obesidade (IMC ≥ 30kg/m 2) 11,8 13,3 13,7 14,3 15,1 16,0 17,4 17,5 17,9 18,9 18,9 18,9 19,8 20,3
% com consumo recomendado de frutas
* * 20,0 20,2 19,5 22,0 22,7 23,6 24,1 25,2 24,4 23,7 23,1 22,9
e hortaliças
% com consumo regular de feijão
* 66,8 65,6 64,9 65,6 67,6 67,5 66,9 66,1 64,8 61,3 59,5 * 59,7
(≥ 5 dias/semana)
% com consumo regular de refrigerantes
* 30,9 26,4 26,0 26,8 27,5 26,0 23,3 20,8 19,0 16,5 14,6 14,4 15,0
(≥ 5 dias/semana)
% de ativos no lazer * * * 30,3 30,5 31,6 33,5 33,8 35,3 37,6 37,6 37,0 38,1 39,0
% de ativos no deslocamento 10,8 10,8 11,3 17,0 17,9 14,8 14,2 12,1 12,3 11,9 14,4 13,4 14,4 14,1
% de insuficientemente ativos * * * * * * * 49,4 48,7 47,5 45,1 46,0 44,1 44,8
% de inativos * * * 15,9 15,3 14,9 14,9 16,2 15,4 16,0 13,7 13,9 13,7 13,9
% com consumo abusivo de álcool 15,7 16,5 17,2 18,5 18,1 16,5 18,4 16,4 16,5 17,2 19,1 19,1 17,9 18,8
% com diabetes 5,5 5,8 6,2 6,3 6,8 6,3 7,4 6,9 8,0 7,4 8,9 7,6 7,7 7,4
Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças
Não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico:
estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos
26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde, 2020.
280
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
PARA REFLETIR
Como você descreveria as tendências temporais nas prevalências dos fatores de risco para
DCNT observados no VIGITEL?
Os dados do Vigitel evidenciaram uma queda progressiva na prevalência de fumantes e au-
mento da prevalência da prática de atividade física no lazer ao longo do tempo. Por outro lado,
a prevalência do consumo recomendado de frutas e hortaliças tem se mantido relativamente
estável no período e a prevalência de obesidade, excesso de peso e consumo abusivo de
álcool apresentaram uma tendência de aumento.
Conforme discutimos anteriormente, precisamos agir precocemente na vida para alcançar maior
sucesso na redução da incidência de DCNTs. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE),
contribui de forma importante para esta importante meta, fornecendo informações de saúde sobre
um período particularmente vulnerável e relevante do desenvolvimento humano, a fase escolar.
A PeNSE é um inquérito realizado a cada três anos em amostra de escolares de escolas públicas
e privadas do país com o objetivo de conhecer e dimensionar os principais fatores de risco e
proteção à saúde dos adolescentes incluindo informações sobre aspectos socioeconômicos, como
escolaridade dos pais, trabalho infantil, posse de bens e serviços; contextos domiciliar, familiar e
escolar; além de comportamentos em saúde como hábitos alimentares, sedentarismo, tabagismo,
consumo de álcool e outras drogas; saúde sexual e reprodutiva; exposição a acidentes e violên-
cias; hábitos de higiene; saúde bucal; e saúde mental, entre outros tópicos.
A primeira edição da PeNSE ocorreu em 2009 e desde então outras três edições já foram con-
duzidas. O inquérito é realizado por meio de questionário autoaplicável, durante o período de
aula. A população alvo da primeira edição da PeNSE foram os escolares do nono ano do ensino
fundamental das escolas públicas e privadas dos municípios das capitais brasileiras. A escolha
do nono ano do ensino fundamental como população alvo justifica-se tanto por ser o mínimo de
escolarização necessária para compreender o questionário, quanto por aproximar das idades de
referência preconizadas pela Organização Mundial da Saúde - OMS - 13 a 15 anos. Na segunda
edição, a PeNSE passou a ser representativa não apenas dos escolares do nono ano do ensino
fundamental das capitais brasileiras, mas também do conjunto do País e as Grandes Regiões. Na
terceira edição a PeNSE passou a contar com dois planos amostrais distintos: escolares do nono
ano do ensino fundamental e escolares de 13 a 17 anos de idade frequentando do sexto ao nono
ano fundamental e da primeira a terceira série do ensino médio. A incorporação desse novo plano
amostral foi importante para permitir uma maior comparabilidade com indicadores internacionais,
particularmente aqueles utilizados pela OMS (IBGE, 2021a).
281
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
PARA REFLETIR
Qual a relevância da realização um inquérito de saúde como a PeNSE entre adolescentes se
as DCNT acometem principalmente adultos e idosos?
A PNS é uma pesquisa domiciliar realizada em uma amostra representativa de brasileiros com 18
anos ou mais anos residentes em áreas urbana e rural do país. A PNS se destaca tanto pela sua
abrangência nacional e volume de dados coletados, como por realizar também a mensuração
direta de importantes indicadores de saúde para a vigilância de DCNTs, como as medidas antropo-
métricas e de pressão arterial. A PNS foi realizada pela primeira vez em 2013 e sua segunda edição
foi conduzida em 2019. A PNS coleta informações sobre as condições de saúde da população, o
acesso e o uso dos serviços de saúde, bem como à continuidade dos cuidados, além de apresentar
informações sobre as morbidades, os estilos de vida, a dimensão da exposição da população bra-
sileira aos acidentes de trânsito, trabalho e violências, entre outros temas. As estimativas desses
resultados são representativas para o conjunto do País, Grandes Regiões, Unidades da Federação,
áreas urbanas e rural, capitais e regiões metropolitanas, permitindo estabelecer medidas consis-
tentes, constituindo-se em um importante subsídio para a formulação de políticas públicas nas
áreas de promoção, vigilância e atenção à saúde do SUS (IBGE, 2021b).
282
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
PARA REFLETIR
Uma importante contribuição da PNS foi a capacidade de monitorar a prevalência do sobrepeso da
obesidade entre homens e mulheres adultos no país como pode ser observado na Figura 9. Você sabe
qual a diferença entre excesso de peso e obesidade?
Tanto o sobrepeso e como a obesidade se referem ao acúmulo excessivo de gordura corporal, mas
a diferença entre esses dois conceitos é na quantidade de gordura em excesso. A obesidade está
relacionada a um acúmulo maior de gordura do que o sobrepeso e, consequentemente, tem maior
probabilidade de impactar negativamente na saúde. A definição dessas duas condições é verificada
por meio do cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) que é feito pela razão entre o peso e altura
ao quadrado (peso/altura ²). Enquanto no sobrepeso o IMC fica entre 25 e 29,99, na obesidade o
IMC é igual ou superior a 30. Tanto o sobrepeso quanto a obesidade são fatores de risco para várias
DCNT como doenças cardiovasculares, problemas nas articulações, doenças respiratórias, alguns
tipos de cânceres, diabetes e até mesmo depressão. Como podemos verificar ao analisar a Figura 9 a
prevalência de sobrepeso e obesidade tem crescido em homens e mulheres no Brasil, o que consiste
em um enorme desafio a ser enfrentado.
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional de saúde: 2019 / IBGE, Coordenação de População e Indicado-
res Sociais. – Rio de Janeiro: IBGE, 2021.
283
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 10 – Fontes de informação para realização da vigilância de morbidade e mortalidade por DCNT no Brasil
FONTE: adaptado de Brasil. Ministério da Saúde. A vigilância, o controle e a prevenção das doenças crônicas não-transmissíveis:
DCNT no contexto do Sistema Único de Saúde brasileiro. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2005.
Destaca-se que qualquer análise envolvendo dados secundários, como os do Sistema de Infor-
mação do SUS, devem atentar para a validade e confiabilidade (ver Aula 2.2. Qualidade dos ins-
trumentos epidemiológicos), assim como a completude e cobertura desses dados (ver Aula 2.1 O
dado epidemiológico: estrutura, fontes, propriedades e instrumentos).
284
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Conforme definido no Capítulo 4.1, a vigilância epidemiológica tem por finalidade orientar e ava-
liar intervenções voltadas para a prevenção de doenças e promoção da saúde. Nesse sentido, o
Brasil vem implementando progressivamente um plano de ação para enfrentar as DCNTs que
prioriza ações intersetoriais focadas em quatro áreas:
A priorização desses quatro eixos de ação está em consonância com as políticas internacionais
lideradas pela OMS que recomenda um modelo de ação “4 x 4” para deter o avanço das DCNT.
Esse modelo é caracterizado pela priorização de ações relacionadas à quatro conjuntos de do-
enças (doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias crônicas e cânceres) causados,
principalmente, por quatro fatores de risco comportamentais (uso de tabaco, uso prejudicial de
álcool, dietas não saudáveis e sedentarismo).
285
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
PARA REFLETIR
Recentemente o Ministério da Saúde realizou um balanço do Plano de Ações Estratégicas para o
enfrentamento das DCNT no Brasil para o período de 2011-2022 para identificar avanços e desafios
em relação as metas propostas em 2011. O resultado desse balanço pode ser visto na Figura 11.
Para auxiliar a interpretação da Figura 11 você pode consultar o Plano de Ações Estratégicas para o en-
frentamento das DCNT no Brasil (https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/
publicacoes-svs/doencas-cronicas-nao-transmissiveis-dcnt/09-plano-de-dant-2022_2030.pdf/)
Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância
de Doenças Não Transmissíveis. Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos
não Transmissíveis no Brasil, 2021-2030. Brasília : Ministério da Saúde, 2021. Instruções equipe de design: verificar com
Maryane a possibilidade de obter uma versão dessa figura com as informações de texto da terceira coluna mais visíveis.
286
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Podemos observar que conseguimos atingir a meta de reduzir a prevalência de tabagismo em 30% em
10 anos, pois conseguimos reduzir essa prevalência de 14,1% em 2010 para 9,8% em 2019. Ressalta-se
que as iniciativas brasileiras de combate ao tabagismo é um grande sucesso e, provavelmente, é o fator
que mais explique a queda na mortalidade prematura por DCNT que mostramos no início dessa aula. Em
1989 a prevalência de tabagismo no Brasil chegou a 35%. Estudo que investigou as causas da redução
do tabagismo entre 1989 até 2010 estimou que cerca de 76% da redução da prevalência foi atribuídas
às políticas intersetoriais regulatórias, legislativas e fiscais que geraram aumentos de preços dos pro-
dutos do tabaco, as leis antifumo que proibiram tabagismo em ambientes fechados e locais públicos
e as restrições de marketing e propaganda dos produtos do tabaco (Levy et al, 2012). Esses resultados
ilustram a importância da estratégia populacional de prevenção com foco em ações intersetoriais como
discutimos no início desta aula para se reduzir os comportamentos de risco para a saúde.
Com relação às outras metas do Plano de Enfrentamento, podemos observar que conseguimos
atingir a meta de aumentar o consumo recomendado de frutas e hortaliças em 10%, assim como
a de aumentar a prevalência da prática de atividade física no tempo livre em 10% e de aumentar
a cobertura de mamografia em mulheres de 50-69 de idade anos nos últimos dois anos para 70%.
No entanto, não foi possível atingir as metas de: reduzir a mortalidade prematura (30-69 anos)
por DCNT em 2 pontos percentuais ao ano, reduzir o consumo abusivo de bebidas alcoólicas em
10%, deter o crescimento da obesidade em adultos e de aumentar a cobertura de Papanicolau
em mulheres de 25-64 de idade nos últimos três anos para 85%. Isso ilustra a complexidade que
envolve os processos de prevenção, cuidado e tratamento de DCNT e a necessidade de o país
avançar em vários aspectos relativos à prevenção desse conjunto de doenças.
4.3.6 Conclusão
As DCNTs no Brasil lideram a causas de morbimortalidade e têm se tornado cada vez mais uma
prioridade de saúde pública no país. Grande parte da incidência e mortalidade desse conjunto de
doenças podem ser evitadas, pois decorrem da presença de fatores de risco modificáveis e que
são compartilhados entre as diferentes DCNTs, o que gera uma oportunidade ímpar para a imple-
mentação de medidas de prevenção integradas. O enfrentamento do avanço das DCNT não é uma
tarefa simples, pois são necessárias intervenções de diferentes naturezas com foco na prevenção
primordial e desenvolvimento de ações intersetoriais. Nesse contexto a vigilância em DCNT as-
sume um papel de destaque por proporcionar informações que permitem conhecer e monitorar
situação de saúde e a distribuição dos principais fatores de risco para DCNT. Essas informações
são fundamentais pra guiar a condução de estratégias de promoção da saúde e prevenção além
de permitir a avaliação do impacto das intervenções implementadas.
287
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Aboderin I, Kalache A, Ben-Shlomo Y, Lynch JW, Yajnik CS, Kuh D, Yach D. Life Course Perspectives
on Coronary Heart Disease, Stroke and Diabetes: Key Issues and Implications for Policy and Research.
Geneva: World Health Organization, 2002.
Barreto ML, et al. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environ-
mental context, policies, interventions, and research needs. Lancet. 28;377(9780):1877-89, 2011.
Barreto SM, Ladeira RM, Duncan BB, Schmidt MI, Lopes AA, Benseñor IM, Chor D, Griep RH, Vidigal
PG, Ribeiro AL, Lotufo PA, Mill JG. Chronic kidney disease among adult participants of the ELSA-Bra-
sil cohort: association with race and socioeconomic position. J Epidemiol Community Health. 2016
Apr;70(4):380-9.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS). E-Gestor. Cobertura da
Atenção Básica. Disponivel em https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/
relHistoricoCoberturaAB.xhtml.
Brasil. Ministério da Saúde. A vigilância, o controle e a prevenção das doenças crônicas não-transmis-
síveis : DCNT no contexto do Sistema Único de Saúde brasileiro. Brasília: Organização Pan-Americana
da Saúde, 2005.
288
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Chor D, Pinho Ribeiro AL, Sá Carvalho M, Duncan BB, Andrade Lotufo P, Araújo Nobre A, Aquino
EM, Schmidt MI, Griep RH, Molina Mdel C, Barreto SM, Passos VM, Benseñor IJ, Matos SM, Mill JG.
Prevalence, Awareness, Treatment and Influence of Socioeconomic Variables on Control of High Blood
Pressure: Results of the ELSA-Brasil Study. PLoS One. 2015 Jun 23;10(6):e0127382.
de Sousa Andrade DR, Camelo LV, Dos Reis RC, Santos IS, Ribeiro AL, Giatti L, Barreto SM. Life course
socioeconomic adversities and 10-year risk of cardiovascular disease: cross-sectional analysis of the
Brazilian Longitudinal Study of Adult Health. Int J Public Health. 2017 Mar;62(2):283-292.
Duncan BB et al. Mortalidade por doenças crônicas no Brasil: situação em 2009 e tendências de 1991 a
2009. In: Saúde Brasil, 2010. Uma análise da situação de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.
Faleiro JC, Giatti L, Barreto SM, Camelo LD, Griep RH, Guimarães JM, Fonseca MJ, Chor D, Cha-
gas MD. Posição socioeconômica no curso de vida e comportamentos de risco relacionados à saúde:
ELSA-Brasil [Lifetime socioeconomic status and health-related risk behaviors: the ELSA-Brazil study].
Cad Saude Publica. 2017
Hone T, Stokes J, Trajman A, Saraceni V, Coeli CM, Rasella D, Durovni B, Millett C. Racial and socio-
economic disparities in multimorbidity and associated healthcare utilisation and outcomes in Brazil: a
cross-sectional analysis of three million individuals. BMC Public Health. 2021 Jul 1;21(1):1287.
Hone T, Stokes J, Trajman A, Saraceni V, Coeli CM, Rasella D, Durovni B, Millett C. Racial and socio-
economic disparities in multimorbidity and associated healthcare utilisation and outcomes in Brazil: a
cross-sectional analysis of three million individuals. BMC Public Health. 2021 Jul 1;21(1):1287.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional de saúde do escolar, 2021a. Dispo-
nível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/9134-pesquisa-nacional-de-sau-
de-do-escolar.html?=&t=o-que-e. Acessado em 14/10/2021.
289
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional de saúde do escolar, 2021b. Dis-
ponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/vigilancia-em-saude-svs/inqueritos-de-
-saude/pesquisa-nacional-de-saude. Acessado em 14/10/2021.
Ishitani, Lenice Harumi et al. Desigualdade social e mortalidade precoce por doenças cardiovasculares
no Brasil. Revista de Saúde Pública [online]. 2006, v. 40, n. 4 [Acessado 24 Setembro 2021] , pp.
684-691.
Levy D, de Almeida LM, Szklo A. The Brazil SimSmoke policy simulation model: the effect of strong
tobacco control policies on smoking prevalence and smoking-attributable deaths in a middle income
nation. PLoS Med. 2012;9(11):e1001336.
Lopes JAS, Giatti L, Griep RH, Lopes AADS, Matos SMA, Chor D, Fonseca MJM, Barreto SM. Life
Course Socioeconomic Position, Intergenerational Social Mobility, and Hypertension Incidence in ELSA-
-Brasil. Am J Hypertens. 2021 Aug 9;34(8):801-809.
Lopes JAS, Giatti L, Griep RH, Lopes AADS, Matos SMA, Chor D, Fonseca MJM, Barreto SM. Life
Course Socioeconomic Position, Intergenerational Social Mobility, and Hypertension Incidence in ELSA-
-Brasil. Am J Hypertens. 2021 Aug 9;34(8):801-809.
Machado AV, Camelo LV, Chor D, Griep RH, Guimarães JMN, Giatti L, Barreto SM. Racial inequality,
racial discrimination and obesity incidence in adults from the ELSA-Brasil cohort. J Epidemiol Commu-
nity Health. 2021 Jan 8:jech-2020-214740.
Malta DC, et al. Trends in mortality due to non-communicable diseases in the Brazilian adult popu-
lation: national and subnational estimates and projections for 2030. Popul Health Metr. 2020 Sep
30;18(Suppl 1):16.
Malta, D.C., Bernal, R.T.I., de Souza, M.d.F.M. et al. Social inequalities in the prevalence of self-repor-
ted chronic non-communicable diseases in Brazil: national health survey 2013. Int J Equity Health 15,
153 (2016).
Malta DC, Teixeira R, Oliveira GMM, Ribeiro ALP. Mortalidade por Doenças Cardiovasculares Segun-
do o Sistema de Informação sobre Mortalidade e as Estimativas do Estudo Carga Global de Doenças no
Brasil, 2000-2017. Arq. Bras. Cardiol. 2020;115(2):152-60.
Mikkelsen B, Williams J, Rakovac I, Wickramasinghe K, Hennis A, Shin H et al. Life course approach
to prevention and control of non-communicable diseases BMJ 2019; 364 :l257.
290
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Rasella D, Harhay MO, Pamponet ML, Aquino R, Barreto ML. Impact of primary health care on
mortality from heart and cerebrovascular diseases in Brazil: a nationwide analysis of longitudinal data.
BMJ. 2014 Jul 3;349:g4014.
Schmidt et al. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: carga e desafios atuais. Lancet.
28;377(9780):1877-89, 2011.
Schmidt MI, Hoffmann JF, de Fátima Sander Diniz M, Lotufo PA, Griep RH, Bensenor IM, Mill JG,
Barreto SM, Aquino EM, Duncan BB. High prevalence of diabetes and intermediate hyperglycemia
- The Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Diabetol Metab Syndr. 2014 Nov
18;6:123.
Schwartz LN, Shaffer JD, Bukhman G. The origins of the 4 × 4 framework for noncommunicable disease
at the World Health Organization. SSM Popul Health. 2021;13:100731. Published 2021 Jan 11.
Transmissíveis. Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não
Transmissíveis no Brasil, 2021-2030. Brasília : Ministério da Saúde, 2021.
World Health Organization. Noncommunicable diseases country profiles 2018. Geneva: World Health
Organization, 2018.
World Health Organization. Preventing chronic diseases: a vital investment: WHO global report. Swit-
zerland, 2005.
291
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
4.4.1. Introdução
292
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 1 – Taxas de mortalidade específicas por causa (padronizadas por idade) das 10 principais causas de
morte no Brasil, 2019
Análise do período de 2000 a 2019, mostram que as causas externas estiveram dentre as 4 prin-
cipais causas de mortes no Brasil (WHO, 2020), embora tenha ocorrido ligeira queda taxa de mor-
talidade (76,5 óbitos/100.000 habitantes em 2000 para 70,8 óbitos por 100.000 habitantes em
2019). Ao desdobrar por subgrupo de causas externas percebemos uma inversão na contribuição
dos acidentes e violências para a mortalidade global por essas causas: enquanto a mortalidade por
acidentes apresentou queda nesse período (40,2 óbitos/100.000 habitantes em 2000 em 2000,
para 32,3 óbitos/100.000 habitantes em 2019), a mortalidade por violências, que era inferior à de
acidentes em 2000 e 2010, apresentou aumento, chegando a 38,5 óbitos por 100.000 habitantes
em 2019 (Figura 2).
293
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 2 – Taxas de mortalidade por causas externas, por acidentes e por violências no Brasil (padronizadas
por idade), 2000 - 2019
No ano de 2019, a taxa de mortalidade por causas externas do Brasil superou a dos países norte-
-americanos (México, Estados Unidos e Canadá) e de países do MERCOSUL, como Argentina, Chile,
Colômbia, Equador e Peru, além da maioria dos países da União Europeia. Apenas a Colômbia
superou o Brasil em relação à taxa de mortalidade específica por violências (40,8 /100.000 vs.
38,5/100.000).
O impacto das causas externas se estende para além da mortalidade: em 2019, as causas ex-
ternas foram responsáveis por cerca de um milhão de internações (aproximadamente 10% do
total). Somado a isso, um percentual importante dos indivíduos que sofrem acidentes ou violência
necessitam de cuidados de saúde ambulatorial e/ou hospitalar, muitos apresentam incapacidade
temporária ou permanente, e/ou requerem reabilitação e cuidados continuados devido à gravidade
das lesões sofridas. Em consequência, as causas externas sobrecarregam os serviços pré-hospita-
lares e hospitalares, os centros especializados e os institutos médico-legais (Minayo, 1994). Po-
de-se depreender, portanto, que as causas externas impactam de forma expressiva a capacidade
laborativa e a qualidade de vida dos indivíduos e familiares atingidos, afetando negativamente a
previdência social e a economia como um todo (Campos et al., 2015).
Quando consideramos os anos de vida perdidos por morte ou incapacidade, o DALYs (Reveja o
conceito de DALYs na Aula 3.2.) , as causas externas foram responsáveis, no Brasil, por aproximada-
mente 10% do total da carga de doença estimada em 1998, 2008 e 2017. No entanto, ao analisar
294
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
os dois componentes de DALY (anos de vida perdidos por morte prematura e anos de vida vividos
com incapacidade) relativos às causas externas, percebe-se um ligeiro crescimento do componente
morbidade em relação ao de mortalidade entre em 1998 e 2017. Em 2008, os anos de vida perdidos
por morte prematura representaram 52% do total de DALYS por causas externas, 4% a mais do que
em 1998, crescimento este atribuído ao aumento da violência. Do total de anos de vida vividos com
incapacidade, 95% foram devidos aos acidentes (Campos et al., 2015).
No Brasil, o Ministério da Saúde, em 16 de maio 2001, por meio da Portaria nº 737 MS/GM, ins-
tituiu a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (PNRMAV),
instrumento orientador da atuação do setor saúde nesse contexto. Tal política foi revista em 2005
e reconhece as causas externas como um problema relevante de saúde pública no país, enfatizan-
do os fundamentos do processo de promoção da saúde relativos ao fortalecimento da capacidade
dos indivíduos, das comunidades e da sociedade em geral para desenvolver, melhorar e manter
condições e estilos de vida saudáveis. Destaca-se ainda outras iniciativas voltadas para a redução
da morbimortalidade por causas externas, como a estruturação da Rede Nacional de Prevenção das
Violências e Promoção da Saúde e a implantação de Núcleos de Prevenção das Violências e Pro-
moção da Saúde (2004), a Política Nacional de Promoção da Saúde (2006) e ainda o Plano Nacional
de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito - PNATRANS (2018), cujo objetivo principal é reduzir no
mínimo em 50% o número de mortes e lesões no trânsito em 10 anos.
Apesar das iniciativas descritas e do Brasil ser um dos poucos países do mundo a ter uma política
específica de saúde voltada para a redução e prevenção dos acidentes e violência, as causas
externas se mantêm como desafio crescente para a sociedade e a saúde pública. É fundamental
ressaltar que as causas externas são fenômenos sociais complexos e historicamente determinados.
A PNRMAV apresenta definições específicas para acidentes e violências, que auxiliam a distinção
desses agravos e a tomada de decisão em relação às implicações de saúde, jurídicas e de outras
naturezas. Vejamos as definições de cada um desses tipos de causa externa:
Acidente: “evento não intencional e evitável, causador de lesões físicas e emocionais, no âmbito doméstico ou
social como trabalho, escola, esporte e lazer”. Portanto, em maior ou menor grau, esses eventos são perfeitamente
previsíveis e preveníveis. (Brasil, 2005)
Exemplos: acidentes de transporte, acidentes de trabalho, quedas, queimaduras, envenenamento acidental, afoga-
mento, queda de objetos sobre a pessoa.
295
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Violência: “Uso intencional da força ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou
contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte,
dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação” (Krug et al., 2002).
Exemplos: lesões autoprovocadas voluntariamente/tentativa de suicídio, agressões físicas, maus-tratos, homicí-
dio, tráfico de seres humanos, violência sexual, negligência/abandono, trabalho infantil, violência psicológica.
Apesar das definições acima, a distinção prática entre um evento acidental ou violento pode não
ser uma tarefa fácil. Existe um certo grau de imprecisão na interpretação desses eventos, já que,
muitas vezes, é difícil ou falta elementos para estabelecer o caráter de intencionalidade. Minayo
alerta para o fato de que “em sua grande maioria, os eventos violentos e os traumatismos não são
acidentais, não são fatalidades, não são falta de sorte: eles podem ser enfrentados, prevenidos e
evitados” (Minayo, 1994). Assim, no cotidiano dos serviços de saúde, é possível que muitos even-
tos de natureza violenta sejam interpretados como acidentes, devido justamente à linha divisória
muito tênue entre as duas categorias. As mortes e traumas no trânsito, muitas vezes decorrentes
de imprudência, são um exemplo desse quadro (Njaine et al., 2020). Diante dos fatos apontados,
reconhece-se que os dados e as interpretações sobre as tendências na ocorrência de acidentes e
violências comportarão sempre um certo grau de imprecisão.
Até mesmo a terminologia “acidente”, embora adotada pela CID-10, vem sendo questionada na
literatura internacional, já que essa palavra está ligada ao conceito de “evento não previsível” e,
portanto, não passível de prevenção.
A seguir, abordaremos a tipologia da violência e dos acidentes, como uma forma de auxiliar na
determinação da causa externa em questão.
A OMS utiliza como base o Capítulo XX da CID-10, chamado “Causas externas de morbidade e de
mortalidade”, para estabelecer os três grandes grupos de violência cometida, de acordo com o
autor do ato violento: violência autoprovocada; violência interpessoal; e violência coletiva (Krug
et al., 2002). A seguir, vamos falar sobre cada uma delas:
296
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
> Violência interpessoal: é aquela cometida por outro indivíduo ou por um pequeno grupo
de indivíduos. Pode ser classificada em:
> Violência coletiva: cometida por grupos maiores, como estados, grupos políticos organi-
zados, grupos de milícia e organizações terroristas. Pode possuir caráter social, político ou
econômico, como por exemplo:
• Violência social: crimes carregados de ódio, praticados por grupos organizados, atos
terroristas;
Além da tipologia em si, ou seja, o tipo de violência de acordo com o autor da agressão, existe
ainda a classificação da natureza da violência, que pode ser:
> Física;
> Sexual;
> Psicológica;
Esses quatro tipos de atos de violência podem acontecer em cada uma das três tipologias cita-
das acima (assim como em suas subdivisões). A ocorrência de violência familiar entre parceiros
297
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
íntimos, por exemplo, pode ter natureza física, sexual e psicológica. Outro exemplo seria durante
uma guerra, no qual a violência política pode estar presente de maneira física e psicológica, como
por meio de torturas. A Figura 3 nos traz um resumo sobre a tipologia da violência, bem como a
relação com sua natureza:
Violência
Fonte: Adaptado de DAHLBERG, Linda L.; KRUG, Etienne G. Violência: um problema global de saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva,
v. 11, p. 1163-1178, 2006.
Essa tipologia da violência, bem como a determinação da sua natureza, propostas pela OMS,
auxiliam na compreensão desse agravo tão complexo. Nem sempre é uma tarefa fácil identificar
e classificar os tipos de violências, uma vez que linha entre esses diferentes tipos de violência
pode ser apresentar tênue. Há de se considerar ainda a situação de vulnerabilidade das vítimas no
momento do relato – que pode até nem ocorrer.
298
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
3. Quedas: engloba quedas de todas as naturezas, como por exemplo por escorregão ou tropeço,
por colisão com outra pessoa, envolvendo cadeira de rodas, de uma cadeira ou leito, ou ainda
de um andaime, de edifícios, árvores ou penhascos.
4. Exposição à fumaça, ao fogo e às chamas: inclui exposição a fogo dentro ou fora de algum
tipo de construção, exposição a combustão de materiais ou a fumaça, fogo ou chamas, e ainda
o contato com materiais e substâncias quentes, como alimentos, óleo, água, vapor de água,
gases, aparelhos domésticos ou qualquer outro metal quente.
6. Exposição a forças mecânicas: inclui impacto acidental por objetos, esmagamento, contato
com elementos cortantes, armas de fogo, explosão ou ruptura de aparelhos pressurizados
(ex.: cilindro de gás), exposição a ruídos ou vibrações, contato com agulha, ou ainda golpe,
pancada, pontapé executados por outra pessoa, esmagamento ou pisoteamento por multidão,
sufocação ou estrangulamento,
7. Desastres naturais: engloba as vítimas de exposição a forças da natureza, como raios, terremo-
to, erupção vulcânica, desabamento de terra, tempestades e inundações.
8. Outros tipos de acidentes: inclui os demais acidentes não listados nos itens anteriores, como
o contato com animais peçonhentos, picadas de insetos, mordedura por animais, privação de
água ou alimento, efeitos adversos por drogas ou medicamentos. Destaca-se alguns acidentes
que podem ocorrer durante a prestação de cuidados médicos ou cirúrgicos, como corte, punção,
perfuração ou hemorragia acidentais, assepsia insuficiente, objeto estranho deixado acidental-
mente no corpo e sequelas em geral.
299
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Mas será que as causas externas afetam igualmente homens e mulheres? O que você espera
encontrar? A Figura 4 nos mostra que elas não ocuparam os mesmos lugares entre as 10 causas
de morte mais frequentes de homens e mulheres em 2019. Enquanto a violência interpessoal e os
acidentes de trânsito ocuparam, respectivamente, o 2° e o 6° lugar dentre as 10 principais causas
de morte nos homens, as causas externas não estão listadas entre as 10 principais causas de
morte entre as mulheres.
Figura 4 – Taxas de mortalidade específicas por causa (padronizadas por idade) das 10 principais causas de
morte no Brasil com todas as idades para (a) homens e (b) mulheres, 2019
(a)
(b)
300
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Página 301
E com relação a faixa etária, como se distribuem as causas externas de óbito?
Quadro 1 – Ranking dos principais grupos de causas de óbito entre as causas externas, segundo faixa etária.
Brasil, 2019
1
Outras C. Ext. Acidentes de Outras C. Ext. Outras C. Ext.
Agressões Agressões Agressões
Acidentais Transporte Acidentais Acidentais
6.561 26.402 44.033
1.751 10.034 7.779 9.508
Nota: Foram considerados como óbitos por causas externas aqueles cuja causa básica consta no Capítulo XX da CID-10. Foram
desconsiderados os óbitos cuja faixa etária ou sexo da vítima estava assinalada como “ignorada”.
Como mostra o Quadro 1, as agressões (violência interpessoal) lideraram os óbitos por causas
externas nas faixas etárias de 10-19 e de 20-39 anos, enquanto os acidentes de transporte se
destacaram na faixa de 40 a 59 anos. Em crianças (0-9 anos) e no grupo mais velho (60-69 e 80
anos ou mais), predominaram as outras causas externas.
301
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
As diferenças na distribuição das causas externas por sexo e faixa etária, impactam a posição
dessas causas quando olhamos as 10 principais causas de óbitos entre todas as causas, em
2019. As figuras 3 e 4 abaixo mostram como elas se situam para homens e mulheres na faixa
de 25 a 29 anos.
Figura 5 – Taxas de mortalidade específicas por causa (padronizadas por idade) das 10 principais causas de
morte no Brasil entre mulheres com 25 a 29 anos, 2019
302
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 6 – Taxas de mortalidade específicas por causa (padronizadas por idade) das 10 principais causas de
morte no Brasil entre homens com 25 a 29 anos, 2019
303
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 7 – Taxa de homicídio (violência interpessoal) por 100 mil habitantes em homens e mulheres de 20 a
29 anos de idade, no Brasil
Fonte: Nadanovsky P, Santos APP dos. Mortes por causas externas no Brasil: previsões para as próximas duas décadas. Rio de Janeiro:
Fundação Oswaldo Cruz, 2021. 60 p. – (Textos para Discussão; n. 56).
É notória a diferença entre homens e mulheres jovens no risco de morrer por homicídio, um tipo
de violência interpessoal. A Figura 7 nos ajuda a visualizar a diferença nas tendências de morte
por homicídios, causa mais frequente de morte por violência interpessoal, na faixa de 20-29 anos
entre 1980 e 2018. Em quase quarenta anos de acompanhamento desse indicador, a taxa de homi-
cídio entre mulheres jovens permaneceu relativamente constante, entre sete e nove por 100 mil
habitantes por ano, enquanto entre homens jovens subiu de menos de 80 para aproximadamente
120 por 100 mil por ano, ou seja, registrou um crescimento de quase 50%.
Devido ao grande impacto social, econômico e na saúde no Brasil das violências e acidentes,
comunicação das violências contra populações mais vulneráveis (crianças, adolescentes, mulheres
e idosos) tornou-se obrigatória no SUS a partir de 1990 (Brasil, 2021). Dando seguimento a este
reconhecimento, a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências
foi publicada em 2001 (conforme mencionamos na primeira parte da Aula) com foco na promoção
da saúde, prevenção da ocorrência de violências e acidentes, (Brasil, 2005).
304
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Em 2006 foi lançado o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) pelo Ministério
da Saúde (MS) com o intuito de conhecer a realidade dos serviços hospitalares de urgência em
relação às violências e acidentes, e ampliar o diagnóstico sobre as outras formas de violências
frequentes no país (Brasil, 2017a). Para dar conta destes desafios, o VIVA apresenta dois com-
ponentes: a) Vigilância de violência interpessoal e autoprovocada do Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (VIVA/Sinan) e b) Vigilância de violências e acidentes em unidades de
urgência e emergência (VIVA Inquérito). Vamos falar mais sobre esses componentes a seguir:
O objetivo do VIVA é conhecer a magnitude e a gravidade das violências e acidentes, por meio da coleta de dados
e produção e divulgação das informações resultantes. Diante de tais informações, é possível ainda identificar e
monitorar os casos de violências e acidentes, caracterizar o perfil das vítimas e do autor (no caso das violências) e
delinear políticas públicas para o seu enfrentamento, com o intuito de prevenir tais agravos e suas consequências,
identificar fatores de risco e de proteção e proteger as pessoas em situação de violência (Brasil, 2021).
Veja abaixo a linha do tempo que retrata os principais marcos históricos e regulatórios iniciados
desde o lançamento do VIVA.
Ano Histórico
Portaria MS/GM nº 1.271/2014: casos de violência sexual e tentativa de suicídio passam a ser
2014 agravos de notificação imediata (em até 24 horas pelo meio de comunicação mais rápido) para
as Secretarias Municipais de Saúde.
Fonte:https://antigo.saude.gov.br/vigilancia-em-saude/vigilancia-de-violencias-e-acidentes-viva.
305
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
VIVA/Sinan
Como vocês viram na Aula 4.2, existem doenças transmissíveis que são alvo de notificação com-
pulsória, uma vez que o conhecimento desses casos pelos serviços de vigilância propicia que
maior agilidade no desdobramento das ações de controle da doença. Já a notificação dos casos
de violência é um elemento-chave para permitir um melhor diagnóstico e monitoramento dessas
causas pela sociedade e setores envolvidos. Além disso, a notificação é importante para orientar
necessidades e cuidados em saúde, promover atenção integral a essas pessoas, prevenir novos
episódios e acionar e articular a rede de proteção e de garantia de direitos (Brasil, 2017b).
A decisão pela notificação desses casos em particular foi feita para priorizar grupos populacionais
mais vulneráveis à violência. Por isso, por exemplo, que os casos de violência comunitária só serão
notificados se populações específicas foram acometidas. A Figura 9 nos fornece um panorama
geral sobre os tipos de violência que são alvo de notificação (clique aqui https://bvsms.saude.gov.
br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf para acessar
o Instrutivo do VIVA para Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada e ver mais detalhes):
306
Página 307 profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
OBJETO DE NOTIFICAÇÃO
Casos suspeitos ou confirmados
IMPORTANTE!
Os casos de tentativa de suicídio e a violência sexual são objetos de notificação
IMEDIATA, ou seja, deve ser realizada em até 24 horas após o atendimento, pelo meio
mais rápido disponível.
E por que esses dois casos em específico (Tentativa de suicídio e Violência sexual) são
objetos de notificação IMEDIATA?
> nos casos de violência sexual, visa agilizar o acesso às medidas de profilaxia para
infecções sexualmente transmissíveis e à contracepção de emergência, no caso de
mulheres ou meninas (Brasil, 2017).
307
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Em casos de violência extrafamiliar, as vítimas que forem adultos (20 a 59 anos) do sexo masculino
e que não pertençam aos grupos prioritários não terão seus casos notificados no VIVA/Sinan. Por
exemplo, em brigas entre gangues, em estádios de futebol, agressão por desconhecidos na rua,
entre outros. O monitoramento dessa modalidade de violência pode ser feito por outros sistemas
de informação, incluindo o VIVA Inquérito.
Viva inquérito
Diferentemente do VIVA/ Sinan, o VIVA Inquérito tem o objetivo de analisar a tendência das
violências e acidentes e descrever o perfil das violências (interpessoais ou autoprovocadas) e
dos acidentes (trânsito, quedas, queimaduras, entre outros) que foram atendidos em unidades de
urgência e emergência nas principais capitais e municípios do país.
Assim, os serviços de saúde escolhidos para integrar o monitoramento do VIVA Inquérito são
denominados sentinela, por serem as principais portas de entrada para violências e acidentes nos
municípios. A coleta dos dados em cada unidade sentinela é realizada no período de 30 dias con-
secutivos, em turnos de 12 horas elegidos por sorteio. O quadro 2 nos mostra alguns dos serviços
selecionados para a realização do VIVA Inquérito em 2014:
Quadro 2 – Serviços de urgência e emergência selecionados para a realização do Viva Inquérito 2014, nos
municípios de Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Boa Vista e Brasília
Então, a população incluída no VIVA inquérito abrange aquela que esteve em atendimento nos
serviços de saúde de urgência e emergência selecionados, e que cumpriram as definições de
violência e acidente que mencionamos no primeiro tópico dessa aula e as definições referentes
ao capítulo XX da CID-10. Após a informação sobre os atendimentos ser coletada, ela segue um
fluxo específico até as Secretarias de Saúde **.
**SAIBA MAIS
Tanto o VIVA/Sinan e o VIVA Inquérito possuem fluxos próprios para encaminhar a ficha noti-
ficação da violência e as informações sobre os atendimentos dos indivíduos vítimas de violên-
cia ou acidente aos órgãos competentes, com o intuito de consolidar e analisar os dados, para
que políticas de enfrentamento aos acidentes e violências sejam elaboradas e implementadas.
Componente I Componente II
Viva/Sinan Viva inquérito
Unidades Sentinela de
Serviços de saúde
Urgência e Emergência
Regionais de Saúde
Consolidação e análise dos dados
Implementação de políticas de enfrentamento
Ministério da Saúde
Secretaria de Vigilância em Saúde
Consolidação e análise dos dados
Implementação de políticas de enfrentamento
Componentes E Viva/Sinan
Componente II: Viva inquérito
Componentes I e II
Fonte: Brasil, 2016.
309
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
A prevenção da ocorrência e morte por tais agravos tem foco portanto nos fatores de risco
modificáveis, ou seja, que podem ser alterados por políticas públicas e ações tanto no setor
saúde quanto nos demais setores implicados na gênese destes problemas. As causas externas
são fenômenos complexos e polissistêmicos e expressam o nível de desenvolvimento social de
um país, ou seja, as condições politicas, sociais, culturais e econômicas vigentes e construídos
ao longo da história. Portanto, a redução da morbimortalidade por estas causas não dependem
apenas de políticas e ações contidas no setor saúde.
Como vimos anteriormente, dentre as causas externas que mais se destacam quanto aos óbi-
tos por elas provocados, temos a violência interpessoal, os acidentes de trânsito e a violência
autoprovocada. Desse modo, vamos apresentar um panorama das mesmas e discutir alguns
determinantes e fatores implicados na sua ocorrência e distribuição no país.
Fonte: óbitos – Sistema de informações sobre mortalidade (SIM/SVS/MS), população residente – Estimativas preliminares elaboradas
pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/Cgiae. Gastos e internações – Sistema de informações hospitalares do SUS (SIH-SUS).
310
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
As vítimas de homicídio são notoriamente jovens (15 a 29 anos) do sexo masculino. Entre os
fatores que aumentam o risco de homicídios podemos listar a baixa escolaridade, pior posição
socioeconômica, abuso e tráfico de substâncias ilícitas, desemprego, rede social e falta de acesso
a direitos (Krug et al., 2002, Ruotti et al., 2011). De modo geral, os fatores sociais e culturais
interagem entre si e vão influenciar na vida desses jovens de acordo com a posição social que eles
ocupam, o que determina suas trajetórias e, consequentemente, as situações de vulnerabilidade à
violência (Ruotti et al., 2011).
Merece especial destaque o papel da desigualdade racial e do racismo na ocorrência dos homi-
cídios no país: do total de homicídios ocorridos em 2017 entre os jovens de 15 a 29 anos, 79,4%
eram indivíduos de raça/cor da pele preta (Brasil, 2019). O Atlas da Violência**, publicado em 2021,
mostrou que a chance de um negro ser vítima de homicídio é cerca de 2,6 vezes maior que a de
um não negro (raça/cor branca, amarela e indígena). Segundo o mesmo Atlas, a taxa de homicídios
de indígenas subiu 9,8% de 2018 para 2019.
O Atlas da violência também abordou a questão racial especificamente entre as mulheres: 67% das
vítimas de homicídio, em 2019, eram negras. Além disso, entre 2009 e 2019, o total de mulheres
negras vítimas de homicídios apresentou aumento de 2%, enquanto que o número de mulheres
não negras assassinadas caiu 26,9% no mesmo período.
Importante salientar que o Atlas da Violência detectou uma piora substancial da qualidade
dos dados, demonstrados pelo aumento da taxa de Mortes Violentas por Causa Indeterminada
(MVCI) nas unidades da federação, impedindo uma análise mais abrangente e confiável da real
situação da violência no país em 2019. Vale ressaltar que a MVCI é uma categoria utilizada para
os casos de mortes por causas externas em que não foi possível estabelecer a causa básica do
óbito ou sua motivação.
311
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
** SAIBA MAIS
O Atlas da Violência é um relatório produzido anualmente em parceria entre o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Esse
documento busca retratar a violência no Brasil, principalmente a partir dos dados do Sistema
de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notifica-
ção (Sinan) do Ministério da Saúde.
Para ter acesso ao infográfico referente aos dados publicados no ano de 2021.
CLIQUE AQUI
Também chamadas de lesões de trânsito, os acidentes de trânsito têm como vítimas indivíduos de
praticamente todas as faixas etárias. E, apesar das reduções das taxas de mortalidade por lesões
de trânsito no Brasil nos últimos anos, ainda são milhares de vidas perdidas, principalmente de
jovens adultos economicamente ativos. Um perfil mais específico pode ser visto a seguir:
Fonte: óbitos – Sistema de informações sobre mortalidade (SIM/SVS/MS), população residente – Estimativas preliminares elaboradas
pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/Cgiae. Gastos e internações – Sistema de informações hospitalares do SUS (SIH-SUS).
312
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Destaca-se que os ocupantes de motocicleta e triciclo possuem uma taxa de mortalidade (pa-
dronizada por idade) superior se comparado às outras condições, como ciclistas, pedestres e
ocupantes de automóveis, respondendo por 33,0% dos óbitos por acidentes de trânsito em
2019, sendo muitos destes acidentes relacionados diretamente ao exercício do trabalho. A maior
vulnerabilidade dessas vítimas ocupantes de motocicleta e triciclo faz com que os traumas
resultantes dos acidentes sejam mais graves e letais, resultando em sequelas e incapacidades
permanentes– e impactando ainda na renda familiar e na reinserção no mercado de trabalho
(Brasil, 2019; Brasil, 2021).
Os fatores mais comumente associados à ocorrência e óbito por acidentes de trânsito são a
mobilidade urbana de pedestres e ciclistas, uso de álcool associado à direção de veículos, con-
dições da via, alta velocidade, desrespeito à legislação vigente, o não uso de dispositivos e equi-
pamentos de segurança (cintos de segurança, capacetes) e uso do celular pelo condutor (Brasil,
2021). Entre os trabalhadores motociclistas, ressalta-se que a pressão exercida pelas empresas
e clientes por entregas rápidas é fator determinante para a adoção de comportamento de risco
no trânsito (Silva et al., 2008).
É importante destacar que o Brasil possui legislações específicas para limitar diversos desses
fatores de risco, como o Código de Trânsito Brasileiro, que entrou em vigor em janeiro de 1998,
e que foi a primeira lei contra dirigir alcoolizado com base na concentração de álcool no sangue.
Outro marco importante foi a Lei Seca, que entrou em vigor em junho de 2008 reduzindo o limite
do álcool no sangue – sendo revista em dezembro de 2012 tornando-a mais aplicável e rígida. A
Figura abaixo ilustra o impacto dessas medidas na taxa de mortalidade por acidentes de trânsito
em homens, destacando os períodos em que as medidas entraram em vigor:
313
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 13 – Taxa de mortalidade (por 100.000) por acidente de trânsito em homens nas Regiões do Brasil
Fonte: Nadanovsky P, Santos APP dos. Mortes por causas externas no Brasil: previsões para as próximas duas décadas. Rio de Janeiro:
Fundação Oswaldo Cruz, 2021. 60 p. – (Textos para Discussão; n. 56)
Entretanto, a OMS destaca que ter as leis não é suficiente, sendo necessário assegurar que elas
sejam respeitadas, por meio de fiscalização e policiamento (WHO, 2018).
314
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Fonte: óbitos – Sistema de informações sobre mortalidade (SIM/SVS/MS), população residente – Estimativas preliminares elaboradas
pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/Cgiae. Gastos e internações – Sistema de informações hospitalares do SUS (SIH-SUS).
O suicídio é um fenômeno complexo, e sua determinação não poderia ser diferente. Fatores de
diversas naturezas podem contribuir ou desfavorecer a ideação suicida e o ato em si, como por
exemplo problemas financeiros, rupturas de relacionamento, desemprego atual ou perda do
emprego, estado civil divorciado ou viúvo, relacionamentos familiares e de amizade, tentativa
prévia de suicídio, acesso aos meios letais, pertencer a minorias populacionais (étnicas, sexuais,
entre outros) experiências de violência física/sexual, e características pessoais, como autoes-
tima, habilidades sociais, sentimentos de solidão e presença de transtornos mentais (Pereira,
et al., 2018; Brasil, 2021; Bertolote et al., 2010; Nadanovsky & Santos, 2021). As estratégias
preventivas do suicídio se baseiam nesses fatores de risco, sendo de caráter populacional, como
a restrição ao acesso aos meios de suicídio, ou direcionadas a grupos ou indivíduos de alto risco
(Nadanovsky & Santos, 2021).
315
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
IMPORTANTE!
Apesar das quedas acidentais estarem presentes entre as 10 principais causas de óbito em 2019
apenas em idosos acima de 80 anos para mulheres e acima de 85 anos para homens, a taxa de mor-
talidade por este agravo (padronizada por idade) cresceu nos períodos de 2000 a 2017, entre homens
e mulheres com 60 ou mais anos.
Porque pessoas mais idosas estão mais suscetíveis às quedas e suas consequências mais graves
como internação, incapacidade funcional, perda de autonomia e morte. Além disso, as quedas em
idosos geram custos sociais e econômicos potencialmente evitáveis e contribuem para aumentar o
isolamento social do idoso (Brasil, 2021).
4.4.8. Desafios
316
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Figura 14 – Indicadores e metas para acidentes e violências. Plano de Ações Estratégicas para o enfrenta-
mento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil (2021-2030), 2021
Fonte: óbitos – Sistema de informações sobre mortalidade (SIM/SVS/MS), população residente – Estimativas preliminares elaboradas
pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/Cgiae. Gastos e internações – Sistema de informações hospitalares do SUS (SIH-SUS).
317
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Fonte: VIVA/Sinan
Contudo, os casos de violência ainda são subnotificados devido a diversos fatores: desconhecimento
da existência da ficha de notificação, do seu preenchimento e da sua obrigatoriedade, desconheci-
mento das diferenças entre notificação e denúncia**, receio de quebra do sigilo profissional, de perda
de vínculo com paciente ou de algum tipo de retaliação do agressor, além de falta de confiança nas
autoridades e nos serviços de proteção (Garbin et al., 2016; Pedrosa, Zanello, 2016).
318
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
**SAIBA MAIS
Você sabe a diferença entre notificação e a denúncia de um episódio de violência?
Denúncia: Nome técnico dado à peça processual que dá início à ação penal promovida pelo Ministério
Público. Existe ainda o Boletim de ocorrência, que é o documento que registra o suposto fato criminoso
para a polícia, que deverá investigar a ocorrência desse crime. Assim, ambas buscam aferir a responsa-
bilidade penal do suposto agressor.
4.4.9. Conclusão
No entanto, sabemos que as causas externas são fenômenos interdisciplinares complexos, de-
terminados em grande medida pelo ambiente social, cultural, político e econômico. A redução
da desigualdade, a inclusão social, a ampliação do acesso e qualidade da educação e segurança
públicas, além e em combinação com ações especificas de saúde, entre outras, são questões fun-
damentais que concorrem para a redução sustentável da morbimortalidade por causas externas.
Tais áreas devem ser consideradas na formulação e aplicação de políticas públicas sólidas cujos
frutos não serão vistos de imediato, mas podem provocar mudanças lentas e graduais, sustentá-
veis e substanciais, para redução dos acidentes e violências no país.
319
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bertolote JM, Mello-Santos C de, Botega NJ. Detecção do risco de suicídio nos serviços de emergência
psiquiátrica. Brazilian Journal of Psychiatry [online]. 2010, 32(suppl 2):S87-S95
Campos, MR et al. Diferenciais de morbimortalidade por causas externas: resultados do estudo Carga
Global de Doenças no Brasil, 2008. Cadernos de Saúde Pública [online]. 2015, 31(1):121-136.
Cerqueira, D. et al. Atlas da Violência – 2021. Rio de Janeiro: Ipea/FBSP. Disponível em: https://www.
ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/1375-atlasdaviolencia2021completo.pdf. Acesso em:
11 nov. 2021.
320
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Dahlberg LL, Krug EG. Violência: um problema global de saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva.
2006, 11:1163-1178.
DATASUS: Departamento de Informática do SUS. Brasília, DF, 2021. Site. Disponível em: http://
www.datasus.gov.br. Acesso em: 05 nov 2021.
Garbin CAS. et al. Percepção e atitude do cirurgião-dentista servidor público frente à violência intra-
familiar em 24 municípios do interior do estado São Paulo, 2013-2014. Epidemiologia e Serviços de
Saúde. 2016, 25(1):179-186.
Gawryszewski VP, Koizumi MS, Mello-Jorge MHP de. As causas externas no Brasil no ano 2000:
comparando a mortalidade e a morbidade. Cadernos de Saúde Pública. 2004, 20:995-1003.
Global Health Estimates 2020: Deaths by Cause, Age, Sex, by Country and by Region, 2000-2019.
Geneva, World Health Organization; 2020.
Krug EG, et al. (eds.). World report on violence and health. Geneva: World Health Organization, 2002.
KYU, Hmwe Hmwe et al. Global, regional, and national disability-adjusted life-years (DALYs) for 359 di-
seases and injuries and healthy life expectancy (HALE) for 195 countries and territories, 1990–2017: a sys-
tematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. The Lancet. 2018, 392(10159):1859-1922.
Mendes LVP, et al. A evolução da carga de causas externas no Brasil: uma comparação entre os anos
de 1998 e 2008. Cad. Saúde Pública. 2015, 31(10):2169-2184.
Minayo, MC de S. Violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cadernos de Saúde Pública
[online]. 1994, 10 (s1):S7-S18.
Nadanovsky P, Santos APP dos. Mortes por causas externas no Brasil: previsões para as próximas duas
décadas. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2021. 60 p. – (Textos para Discussão; n. 56)
Njaine K, Assis SG, Constantino P, Avanci JQ (eds.). Impactos da Violência na Saúde [online]. 4th ed.
updat. Rio de Janeiro: Coordenação de Desenvolvimento Educacional e Educação a Distância da
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, ENSP, Editora FIOCRUZ, 2020, 448 p.
321
Pereira, AS et al. Fatores de risco e proteção para tentativa de suicídio na adultez emergente.
Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2018, 23(11):3767-3777.
Ruotti C, Massa VC, Peres MFT. Vulnerabilidade e violência: uma nova concepção de risco para o estudo
dos homicídios de jovens. Interface - Comunicação, Saúde, Educação [online]. 2011, 15(37):377-389.
Silva DW da et al. Condições de trabalho e riscos no trânsito urbano na ótica de trabalhadores moto-
ciclistas. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online]. 2008, 18(2): 339-360.
WHO Global Consultation on Violence and Health. Violence: a public health priority. Geneva, World
Health Organization, 1996 (document WHO/EHA/ SPI.POA.2).
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Global status report on road safety 2018. Geneva: World
Health Organization, 2018.