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PROFEPI PROGRAMA DE FORTALECIMENTO DA EPIDEMIOLOGIA NOS SERVIÇOS DE SAÚDE

EPIDEMIOLOGIA
DESCRITIVA APLICADA À
VIGILÂNCIA EM SAÚDE
FICHA TÉCNICA
EQUIPE DO PROGRAMA DE FORTALECIMENTO DA EPIDEMIOLOGIA NOS SERVIÇOS
DE SAÚDE – PROFEPI
SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE E AMBIENTE/MINISTÉRIO DA SAÚDE/ BRASIL

Coordenação Geral
Ethel Leonor Noia Maciel –Secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente/SVSA/MS
Pedro Eduardo Almeida da Silva – Diretor do Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde
e Ambiente/Daevs/SVSA/MS
Guilherme Loureiro Werneck – Coordenador Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia nos Serviços/
CGDEP/Daevs/SVSA/MS

Equipe Técnica
Maryane Oliveira Campos – Coordenação Executiva e revisora técnica – CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Lúcia Rolim Santana de Freitas – Colaboradora e revisora técnica – CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Sarah Yasmin Lucena Gomes – Colaboradora e revisora técnica – CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Sheyla Maria Araújo Leite –Colaboradora – CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Carla Tatiana Miyuki Igarashi – Colaboradora – CGDEP/Daevs/SVSA/MS

Equipe Pedagógica
Sandhi Maria Barreto – Professor e conteudista, docente da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Luana Giatti Gonçalves – Professor e conteudista, docente da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Lidyane do Valle Camelo – Professor e conteudista, docente da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Carolina Gomes Coelho – Professor e conteudista, docente da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Tatiane Leite e Amanda Quadros – Coordenação Pedagógica – CGDEP/Daevs/SVSA/MS

Equipe Criação Digital


Raones Ramos da Silva – Designer Gráfico/Web – CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Lauro Adolfo Gontijo dos Santos – Designer Gráfico – CGDEP/Daevs/SVSA/MS
Otávio Francisco Batista Martins – Motion Designer – CGDEP/Daevs/SVSA/MS

ORGANIZAÇÃO PAN- AMERICANA DE SAÚDE/ ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OPAS/OMS)

Coordenação Geral
Socorro Gross – Representante da OPAS/OMS no Brasil
Sebastian Garcia Saiso – Diretor do Departamento de Evidência e Inteligência para Ação em Saúde (EIH) da
OPAS/OMS, com sede em Washington D.C.

Equipe Técnica
Juan Cortez-Escalante – Coordenação executiva e revisor técnico – Consultor Nacional da Unidade Técnica
de Vigilância, preparação e resposta à emergências e desastres/OPAS/OMS

Equipe Pedagógica
Mônica Diniz Durães – Colaboradora – Consultora Nacional de Capacidades Humanas para a Saúde/OPAS/OMS
INTRODUÇÃO..................................................................................................................................04

O CURSO.............................................................................................................................................. 06

CAPÍTULO 1: IMPORTÂNCIA DA EPIDEMIOLOGIA


SUMÁRIO PARA OS SERVIÇOS DE SAÚDE.....................................................................................11
1.1. Usos e aplicações da epidemiologia................................................................................... 12
1.2. Saúde pública baseada em evidências.............................................................................. 25

1.3. Princípios éticos na pesquisa e prática


epidemiológicas nos serviços de saúde.....................................................................................40

CAPÍTULO 2: CARACTERÍSTICAS DO DADO


EPIDEMIOLÓGICO E MEDIDAS DE OCORRÊNCIA.......................................... 63
2.1. O dado epidemiológico: estrutura fontes, propriedade e instrumentos...........64
2.2. Qualidade dos instrumentos epidemiológicos.............................................................. 89
2.3. Medidas de ocorrência de doenças e agravos.............................................................110

CAPÍTULO 3: CONSTRUÇÃO, UTILIZAÇÃO


E ANÁLISE DE INDICADORES DE SAÚDE..........................................................129
3.1. Indicadores de Saúde Parte 1..............................................................................................130
3.2. Indicadores de Saúde Parte 2..............................................................................................148
3.3. Epidemiologia descritiva: dimensões pessoa, tempo e lugar...............................175

CAPÍTULO 4 : EPIDEMIOLOGIA E VIGILÂNCIA EM SAÚDE:


CONCEITOS, IMPORTÂNCIA E APLICAÇÕES................................................ 224
4.1. Conceito e importância da vigilância em saúde.........................................................225
4.2. Aplicações da epidemiologia na vigilância das doenças transmissíveis.........236
4.3. Aplicações da epidemiologia na vigilância das doenças crônicas
não transmissíveis (DCNT).............................................................................................................267
4.4 Aplicações da Epidemiologia na vigilância dos acidentes e violências............292
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

INTRODUÇÃO
A epidemiologia estuda a dinâmica da saúde em
populações, dispondo de um arsenal conceitu-
al e técnico amplo e essencial para o exercício
qualificado de avaliação em saúde, e para o pla-
nejamento e direcionamento de ações de pre-
venção e controle de doenças e agravos nos três
níveis federados.

O persente curso dedica-se à epidemiologia des-


critiva, que fornece as bases teóricas e práticas
da produção de informação e análises de situa-
ção de saúde.

O curso “Epidemiologia Descritiva Aplicada à


Vigilância em Saúde” foi construído na modali-
dade de ensino à distancia para garantir amplo
acesso e benefício a todos os profissionais de
saúde do Sistema Único de Saúde, em qualquer
nível de atuação: municipal, estadual e federal.
O curso foi concebido com o objetivo de dissemi-
nar e promover o uso de conceitos e ferramen-
tas epidemiológicas básicas para a realização de
análises críticas da situação de saúde a partir
de bases de dados secundárias disponíveis no
DATASUS. Os conceitos e ferramentas apresen-
tados também são fundamentais para o exercí-
cio continuado e proativo da vigilância epide-
miológica de doenças e agravos transmissíveis
e não transmissíveis. Por isto, utiliza exemplos,
situações e perguntas epidemiológicas de inte-
resse dos serviços de saúde na atualidade.

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O curso é estruturado em quatro capítulos, organizado da seguinte forma:

Capítulo 1: Importância da epidemiologia para os serviços de saúde;


Capítulo 2: Características do dado epidemiológico e medidas de ocorrência;
Capítulo 3: Construção, utilização e análise de indicadores de saúde;
Capítulo 4: Epidemiologia e Vigilância em Saúde: conceitos, importância e aplicações.

Assim, o conteúdo é introduzido gradualmente. Ao final de cada capítulo haverá uma breve
avaliação com a finalidade de verificar a apreensão do conteúdo dado e reforçar os itens
essenciais do aprendizado.

Cada capítulo apresenta um conjunto de informações, conceitos e ferramentas que são im-
portantes para organizar e orientar a busca de conhecimento sobre a saúde de populações
a partir de três dimensões: pessoa, tempo e lugar. Ou seja, discorre sobre como qualificar e
quantificar um agravo ou fenômeno de saúde e conhecer sua distribuição em um município,
estado ou no país a partir da resposta a três perguntas: a) a agravo em estudo afeta igualmente
os subgrupos populacionais definidos por gênero, idade, escolaridade, raça ou cor da pele, por
exemplo? b) a ocorrência desse agravo é constante ou indica variações ao longo do tempo?
e c) o agravo é distribuído desigualmente nas diferentes regiões ou localidades estudadas?
Estas perguntas orientam toda e qualquer análise de um problema de saúde, seja ele novo ou
antigo. A ocorrência de agravos emergentes em saúde, como a covid-19, é um exemplo atual
da importância destas três perguntas para realizar o diagnóstico de um problema, bem como
para direcionar políticas públicas de prevenção e controle do mesmo, e avaliar seus impactos.

O curso demonstra como a coleta de informações em saúde e a sua organização em bases de


dados abrangentes, diversificadas e confiáveis são fundamentais para realizar o diagnóstico
e monitoramento da saúde das populações, permitindo a combinação de informações que se
complementam. Ao mesmo tempo, introduz conceitos epidemiológicos importantes para uma
interpretação cautelosa e crítica dos resultados obtidos a partir da análise das bases de dados
disponíveis no DATASUS.

A saúde das populações é um fenômeno complexo e multideterminado. Por se tratar de um


curso introdutório de epidemiologia voltado para os serviços de saúde, ele será focado em
três grandes áreas da epidemiologia e da vigilância em saúde: doenças infecciosas, doenças
crônicas não transmissíveis e acidentes e violências. Estas três áreas respondem pelas maio-
res cargas de morbidade, mortalidade e custo assistencial, social e familiar em saúde no país.
Além disso, requerem estratégias de coleta e análise de dados diferenciadas para melhor
compreensão e monitoramento das mesmas.

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O CURSO

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CAPÍTULO 1
Importância da epidemiologia para os serviços de saúde
Este capítulo tem por objetivo demonstrar como e por que a epidemiologia se tornou essencial
para compreender a dinâmica da ocorrência de doenças e agravos em populações, em especial
para gerar evidências qualificadas e subsidiar a tomada de decisão e a avaliação da saúde em
diferentes níveis. Apresenta também os aspectos éticos que regem a aquisição, manejo e divul-
gação de informações em saúde.

1.1. Usos e aplicações da epidemiologia

Objetivos de aprendizagem: compreender a origem e a importância histórica da epidemiologia


e conhecer a abrangência de sua utilização nos serviços de saúde.

1.2. Saúde pública baseada em evidências

Objetivos de aprendizagem: entender as diferenças entre a saúde como fenômeno individual e


a saúde como fenômeno coletivo, histórico e socialmente determinado; reconhecer o papel das
evidências científicas para orientar ações em saúde coletiva; apresentar e compreender como a
história natural das doenças e se articula com os níveis de prevenção em saúde.

1.3. Princípios éticos na pesquisa e prática epidemiológicas nos serviços de saúde

Objetivos de aprendizagem: conhecer e compreender os princípios éticos e marcos regulatórios


que orientam a pesquisa e a coleta, manipulação e divulgação das informações em saúde.

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CAPÍTULO 2
Características do dado epidemiológico e medidas de ocorrência
Este capítulo tem por objetivo caracterizar o dado epidemiológico, as fontes e instrumentos de
obtenção da informação, indicadores de validade e confiabilidade da informação. Apresenta,
diferencia e compara as medidas de ocorrência de doenças e agravos em saúde, tanto absolutas
como relativas, demonstrando suas inter-relações e vantagens.

2.1. O dado epidemiológico: estrutura, fontes, propriedade e instrumentos

Objetivos de aprendizagem: conhecer o conceito de variável e os tipos de variáveis existentes


e a estruturação de base de dados em saúde. Entender e caracterizar as diferentes fontes e
instrumento de coleta de dados.

2.2. Qualidade dos instrumentos epidemiológicos

Objetivos de aprendizagem: compreender as propriedades de testes e medidas de saúde e


entender como a escolha de um teste ou medida influencia a interpretação de resultados de
análises descritivas em saúde.

2.3. Medidas de ocorrência de doenças e agravos

Objetivos de aprendizagem: conhecer e compreender os conceitos, diferenças e vantagens das


medidas absolutas e relativas de incidência e prevalência; diferenciar razão e taxa; e entender
como as medidas de incidência e prevalência se relacionam no tempo.

CAPÍTULO 3
Construção, utilização e análise de indicadores de saúde
Este capítulo demonstra como são construídas e para que servem as medidas de mortalidade e
morbidade. Discute a importância da padronização por idade e sexo para a comparação de taxas
de mortalidade entre diferentes populações ou ao longo do tempo. Finalmente, introduz os
passos que devem orientar uma analise epidemiológica descritiva da ocorrência de um agravo
ou situação de saúde.

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3.1. Indicadores de Saúde Parte 1

Objetivos de aprendizagem: saber como construir e interpretar indicadores de mortalidade


proporcional e taxas de mortalidade geral e específicas. Entender a importância e saber re-
alizar a comparação de taxas utilizando o método de padronização direta por idade e sexo.

3.2. Indicadores de Saúde Parte 2

Objetivos de aprendizagem: conhecer, produzir e interpretar os indicadores de mortalidade


infantil e a razão de mortalidade materna. Compreender o indicador anos potenciais de vida
perdidos, anos de vida perdidos ajustados por incapacidade, e a esperança de vida ao nascer.

3.3. Epidemiologia descritiva: dimensões pessoa, tempo e lugar

Objetivos de aprendizagem: entender a importância das dimensões pessoa, tempo e lugar para
descrever um fenômeno de saúde em populações humanas, e saber construir e utilizar indica-
dores de mortalidade e morbidade para avaliar a situação de saúde de uma localidade.

CAPÍTULO 4
Epidemiologia e Vigilância em Saúde: conceitos, importância e aplicações
Este capítulo apresenta o conceito e os objetivos e discorre sobre a importância da vigilância em
saúde, e como a mesma é organizada no país. Apresenta ainda a diversidade e as especificidades
das estratégias e instrumentos utilizados para realizar a vigilância das doenças transmissíveis,
das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e dos acidentes e violência.

4.1 Conceito e importância da vigilância em saúde

Objetivos de aprendizagem: compreender a origem, importancia e conceito de vigilancia em saú-


de; saber como é estruturado e as propriedades que regem um bom sistema de vigilancia.

4.2. Importância da epidemiologia na vigilância das doenças transmissíveis

Objetivos de aprendizagem: conceituar e conhecer como se distribuem e os modos de transmissão


das doenças transmissíveis. Diferenciar endemia, surto, epidemia e pandemia. Compreender o
que é imunidade de rebanho, período de incubação e diagrama de controle. Saber o papel da
notificação de casos e sua importância para prevenção e controle das doenças transmissíveis.

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4.3. Importância da epidemiologia na vigilância das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)

Objetivos de aprendizagem: conhecer as principais DCNT, os aspectos comuns da história


natural destas doenças e como a mesma se articula com os diferentes níveis de prevenção
em saúde (primordial, primária, secundária, terciária e quaternária). Reconhecer os principais
fatores de risco modificáveis comuns para estas doenças, bem como suas principais fontes de
informação e limitações.

4.4. Importância da epidemiologia na vigilância de acidentes e violências

Objetivos de aprendizagem: saber diferenciar acidentes e violência, e os tipos de violência mais


comuns. Entender como se distribuem no país e os principais fatores de risco modificáveis.
Compreender as diferenças e a importância do VIVA Inquérito e da Vigilância de Violência Inter-
pessoal e Autoprovocada (VIVA/Sinan). Reconhecer a importância das ações Inter setoriais para
a prevenção de acidentes e violência.

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CAPÍTULO 1
Importância da
Epidemiologia para os
serviços de saúde

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IMPORTÂNCIA DA EPIDEMIOLOGIA PARA OS SERVIÇOS DE SAÚDE


1.1 - Usos e Aplicações da Epidemiologia
Neste capítulo, estudaremos o conceito e objetivos da epidemiologia, suas aplicações na pesqui-
sa e nos serviços de saúde e sua origem histórica. Pretendemos que ao final deste capítulo você
seja capaz de compreender o papel do arsenal metodológico da epidemiologia para identificar
e solucionar os problemas de saúde das populações.

1.1.1 O que é Epidemiologia?

A epidemiologia pode ser definida como o estudo da distribuição de eventos relacionados a saúde em
populações incluindo o estudo dos determinantes que influenciam esses processos e a aplicação desse
conhecimento para controlar problemas de saúde (Porta, 2014). Essa definição reflete a origem grega da
palavra epidemiologia: epi “sobre”, demos “população” e logos “estudo”, ou seja, “estudo sobre a população”.

Entende-se por estudo as diferentes formas de investigação no campo da epidemiologia que


emprega de forma sólida o método científico com o intuito de produzir informações e conheci-
mento para apoiar a tomada de decisão em saúde. Inclui estudos de vigilância em saúde, estu-
dos descritivos, estudos analíticos observacionais e experimentais, entre outros. Nos estudos
epidemiológicos são utilizados um arsenal de abordagens que são baseadas em conhecimentos
tanto de probabilidade e estatística como de outros campos científicos, como a medicina, ciên-
cias biológicas, sociais, econômicas, entre outras. Devido a essas características, a epidemiolo-
gia consiste em um importante pilar, não apenas da saúde coletiva, mas também das demais
formações profissionais em saúde.

MÉTODO CIENTÍFICO
O método científico consiste em princípios gerais utilizados em todos os campos científicos para a
geração de conhecimento válido e verdadeiro. Envolve várias etapas que iniciam com a observação e
pesquisa detalhada sobre o fenômeno em questão. Essas etapas fornecem elementos que possibili-
tam a criação de hipóteses explicativas que serão testadas por meio de um estudo/experimento. Em
seguida os dados serão analisados e ao final o pesquisador terá informações que permitirá aceitar ou
não a hipótese elaborada. Por fim, esses resultados deverão ser divulgados (Figura 1).

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Figura 1 – Etapas do Método Científico

Observação

Conclusões
do relatório
Teste com
experimento

Método
Científico
Analisar
datas Hipotese

Teste com
experimento

Fonte: Adaptado de Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/metodo_cientifico.

Os eventos relacionados à saúde consistem em qualquer característica que afeta a saúde e o


bem estar das populações. O uso dessa terminologia surge devido a ampliação do escopo da -
epidemiologia, inicialmente focada no estudo das doenças transmissíveis, mas que posterior-
mente incluiu também as investigações de uma ampla gama de outros eventos como doenças
crônicas, incapacidades, acidentes, violências, exposições ambientais, ocupacionais, comporta- -
mentais, uso de serviços de saúde, cobertura vacinal entre outros.

A distribuição refere-se à caracterização de eventos relacionados à saúde a partir de sua fre-


quência e de seus padrões de ocorrência na população. Por exemplo, o Brasil detectou uma
incidência de 72,8 casos de sífilis adquirida por 100.000 habitantes em 2019. Mas será que essa
incidência variou entre as regiões do país? Será que essa incidência está aumentando, diminuin-
do ou se mantendo constante no Brasil? Existe alguma faixa etária em que esses casos foram
mais frequentes? Para respondermos essas perguntas precisamos de conhecer a distribuição da
sífilis adquirida no Brasil e a análise das informações contidas nas Figuras 2 e 3 podem nos au-
xiliar. Podemos observar ao analisar a Figura 2 que há uma grande desigualdade na incidência
de sífilis adquirida entre as regiões do país sendo que a maior incidência foi observada na região
Sul e a menor na região Nordeste. Essa desigualdade parece ter aumentado entre 2010 e 2018,
período no qual também verificamos um aumento expressivo na incidência de sífilis adquirida
em todas as regiões do Brasil. Entre 2018 e 2019, essa tendência ascendente na incidência foi -
revertida em quase todas as regiões do país, exceto na região Norte. Observamos também que
o incremento na incidência de sífilis adquirida foi observado em todas as faixas etárias, mas foi
mais expressivo na faixa etária de 20 a 29 anos (Figura 3).

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Ressalta-se que a análise da distribuição das doenças e agravos nas populações além de permi-
tir caracterizar quem adoece, quando e onde esse adoecimento ocorre, cria importantes pistas
para a identificação de determinantes centrais envolvidos no processo de adoecimento.

O estudo da epidemiologia também perpassa necessariamente pela compreensão das doenças


nas populações que podem ser definidas de acordo com características específicas, como loca-
lidade de moradia ou tipo de ocupação, consistindo, portanto, em um conjunto de indivíduos
que juntos foram uma categoria. Devido a essas especificidades, cada grupo populacional acaba
sendo uma “entidade própria” que possui características particulares que não podem ser resu-
midas a um simples agregado do pessoas.

PARA REFLETIR
Quais os fatores você acredita que poderiam explicar a distribuição de sífilis adquirida encontrada no Brasil?

FIGURA 2 – Número de casos novos identificados de sífilis adquirida no Brasil por 100.000 habitantes, segun-
do região de residência por ano de diagnóstico. Brasil, 2010 a 2019

120

100
Taxa de detecção x 100.000 habitantes

80

60

40

20

0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Ano do diagnós o
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Fonte: Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis 2020. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/
assuntos/media/pdf/2020/outubro/29/BoletimSfilis2020especial.pdf.

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FIGURA 3 – Número de casos novos identificados de sífilis adquirida no Brasil por 100.000 habitantes, segun-
do faixa etária. Brasil, 2010 a 2019

160

140

120
Taxa de detecção x 100.000 habitantes

100

80

60

40

20

0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

13 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 50 anos ou mais

Fonte: Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Sífilis 2020. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/
assuntos/media/pdf/2020/outubro/29/BoletimSfilis2020especial.pdf.

A epidemiologia se organiza a partir da premissa fundamental de que as doenças não se


distribuírem aleatoriamente nas populações e que cada indivíduo possui características que
poderão aumentar ou diminuir a probabilidade de ocorrência de uma variedade de doenças.
Essas características são o que denominamos de determinantes. Esses determinantes podem
ser desde características individuais não modificáveis como herança genética, idade e sexo até
os determinantes sociais que englobam as condições do ambiente em que o indivíduo nasce,
cresce, vive, trabalha e envelhece. Conhecer esses determinantes consiste no principal “objeto
de conhecimento” da epidemiologia como disciplina científica. Consequentemente, utilizando
as ferramentas da epidemiologia podemos responder a questões como “por que uma doença se
desenvolve em algumas populações e não em outras?”.

O epidemiologista ao buscar compreender essas características populacionais se distingue mui-


to das demais disciplinas da área da saúde. Por exemplo, enquanto os outros profissionais se
concentram no estabelecimento de um tratamento, plano de cuidado e de reabilitação para os
indivíduos, o epidemiologista visa identificar as causas da ocorrência do evento, os grupos po-
pulacionais mais afetados, os grupos em maior risco, a magnitude do problema na comunidade
e as possíveis intervenções para prevenir a ocorrência desses eventos ou a sua recorrência.

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1.1.2 Objetivos e Aplicações da Epidemiologia

A EPIDEMIOLOGIA BUSCA FORNECER EVIDÊNCIAS PARA O


DESENVOLVIMENTO DE INTERVENÇÕES VISANDO O CONTROLE DE
PROBLEMAS DE SAÚDE. DESSA FORMA, A EPIDEMIOLOGIA TEM COMO
PRINCIPAIS OBJETIVOS:
1. identificar as causas das doenças;

2. determinar a magnitude dos problemas de saúde que acometem as populações;

3. estudar a história natural das doenças;

4. avaliar medidas preventivas e terapêuticas; e

5. fornecer evidências para o desenvolvimento de políticas públicas.

Esses objetivos serão descritos detalhadamente a seguir.

1.1.2.1 Identificar as causas das doenças

O objetivo de muitos estudos epidemiológicos é identificar os fatores causais que influenciam


o risco de adoecimento, já que a sua identificação permite a realização de intervenções com o
objetivo de reduzir a frequência da exposição a esses fatores e, consequentemente, diminuir a
ocorrência de adoecimento, mortes e incapacidades relacionadas.

Um importante exemplo do uso da epidemiologia para compreensão da etiologia das doenças foi
a descoberta do John Snow (1813-1858) acerca da forma de transmissão da cólera no século XIX
em Londres. John Snow era um anestesiologista inglês, que ficou conhecido por ter anestesiado a
rainha Vitória em um de seus partos. Além de seu pioneirismo no uso do clorofórmio e do éter, ele
tinha um grande interesse pela epidemiologia da cólera. No século XIX o vibrião colérico, bactéria
causadora da cólera, ainda não tinha sido identificado e acreditava-se que essa doença era causada
por exposições aos miasmas, que consistiam em um conjunto de odores fétidos provenientes de
matéria orgânica em putrefação. Entretanto, Snow via essa hipótese de forma muito cética, já que
a cólera não atingia os pulmões dos enfermos e não era mais frequente em populações altamente
expostas aos miasmas, como catadores de lixo (Morabia, 2004; Scliar et al., 2014).

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Após a observação cuidadosa da ocorrência de casos de cólera em Londres ao longo da primeira


metade do século XIX, Snow conseguiu reunir elementos que o fez chegar na hipótese de que a
água poluída era um dos meios de transmissão da doença. Entretanto, sua hipótese ainda pre-
cisava ser testada e demonstrada. Esse processo foi iniciado na epidemia de cólera que assolou
Londres em 1854. Nesse período, Snow conduziu uma de suas investigações mais conhecidas com
o intuito de elucidar a origem do grande surto de cólera na região de Londres chamada de Golden
Square que matou cerca de 500 pessoas em apenas 10 dias (Cerda et al. 2007).

Para investigar esse surto e buscar evidências a favor da hipótese de transmissão hídrica da cólera,
Snow visitou as residências onde houveram óbitos por cólera para perguntar aos moradores sobre a
procedência da água consumida e percebeu que a maioria consumia água retirada de uma bomba de
água específica: a bomba de Broad Street. Isso ficou ainda mais evidente ao representar graficamente
os óbitos em um mapa, o que evidenciou uma concentração desses óbitos nos arredores da bomba
da Broad Street (Figura 4). Após apresentar esses achados para as autoridades locais, foi decidido
desativar a bomba da Broad Street o que levou a uma redução na incidência e na mortalidade por
cólera na região, o que corroborou a hipótese de transmissão hídrica da cólera (Cerda et al. 2007).

Figura 4 – Mapa do surto de cólera na região de Gonden Square realizado com resultados das investigações
de John Snow que evidencia a aglomeração de óbitos por cólera em torno da bomba de Broad Street (A) e
detalhes da região (B)

Fonte: Vinten-Johansen P et al. Cholera, Chloroform, and the Science of Medicine: A Life of John Snow. Oxford University Press, 2003.

A segunda investigação de Snow foi um “experimento natural” viabilizado devido a transferência


do local de captação da água de uma das companhias fornecedoras de água para a população
londrina: a Lambeth Company. Por razões técnicas, essa companhia precisou começar a captar água
em uma região do Rio Tâmisa mais afastada de Londres que era muito menos poluída do que o
local de captação anterior. Por outro lado, as outras companhias, Southwark and Vauxhall Company,
continuaram a captar água de regiões fortemente contaminadas por esgoto.

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Dessa forma, Snow deduziu que se a sua hipótese de transmissão hídrica da cólera estivesse correta,
seria esperado uma menor a taxa de mortalidade por cólera entre indivíduos que recebiam água da
Lambeth Company em comparação àqueles que obtinham água de outras companhias (Morabia, 2004).

Nessa época, Willian Farr, que era Superintendente do Registro Geral de Londres, havia criado um
sistema único e inovador de procedimentos padronizados para a coleta, classificação, análise e no-
tificação das causas das mortes, que foi muito importante para viabilizar a investigação de Snow.
Farr também forneceu os endereços de todos os casos de cólera, o que permitiu Snow ir de casa
em casa para coletar informações sobre a companhia fornecedora de água. Os principais achados
de Snow podem ser vistos na Tabela 1. Enquanto nas casas abastecidas pela Southwark e Vauxhall
Company foi observado uma taxa de mortalidade de 315 por 10.000 casas, nas casas abastecidas
pelas Lambeth Company essa taxa foi de apenas 38 mortes por 10.000 casas (Morabia, 2004; Gordis
2017). Apesar dos resultados dessa investigação não ter provado que a cólera era transmitida por
água contaminada, as evidências fornecidas foram suficientes para que fossem feitas proposição de
melhorias no suprimento de água, tendo um grande impacto no controle da cólera em Londres.

Tabela 1 – Morte por cólera por 10.000 casas, segundo companhia abastecimento de água em Londres 1854

Abastecimento de água Número de casas Mortes por cólera Mortes por 10.000 casas

Companhia Southwark e Vauxhall 40.046 1.263 315

Companhia Lambeth 26.107 98 38


Outros distritos em Londres 256.423 1.422 56

FONTE: Dados adaptados de SNOW J. On the mode of communication of cholera, 1936 apud Gordis L. Epidemiologia, 5ª Ed. – Rio de
Janeiro – RJ: Thieme Revinter Publicações, 2017[7].

1.1.2.2 Determinar a magnitude dos problemas de saúde da população: análise da situação de saúde

O arsenal metodológico da epidemiologia possibilita a realização da análise da situação de saúde das


populações que é necessária para caracterizar, medir e explicar o perfil epidemiológico das coletivida-
des. As informações obtidas nesse processo são fundamentais por permitir diagnosticar e determinar a
magnitude dos problemas de saúde e identificar prioridades em saúde. Além disso, subsidia o planeja-
mento dos serviços de saúde, as intervenções em saúde e a avaliação do impacto dessas intervenções.

Por meio da análise da situação de saúde conseguimos, por exemplo, identificar que houve no Brasil
uma queda acentuada da mortalidade por doenças transmissíveis no último século em decorrência
do controle de doenças como cólera, doença de Chagas e várias doenças imunopreveníveis.

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Observamos também uma queda na morbimortalidade materno-infantil e mortalidade por causas


evitáveis. Essas modificações levaram um aumento da expectativa de vida da população, o que favo-
receu o crescimento da carga das Doenças Crônicas Não Transmissíveis, como as doenças cardiovas-
culares e diabetes, que lideram como principal causa de morte. Nesse mesmo período, observamos
houve um forte crescimento da carga das causas externas ao mesmo tempo que ainda temos uma
agenda não concluída de doenças infecciosas como dengue e, mais recentemente, a covid-19.

PARA REFLETIR
Você saberia traçar as principais características do perfil de saúde do seu município?

1.1.2.3 Estudar a história natural das doenças


Estudar a história natural de uma doença consiste em reunir informações que irão permitir co-
nhecer mudanças ou marcadores que precedem e acompanham a evolução das doenças nas
populações. Esse conhecimento é fundamental para estabelecer o controle de doenças e realizar
medidas preventivas. Por exemplo, hoje sabemos que a covid-19 é caracterizada pela presença
de febre, tosse seca e fadiga e, em casos mais graves, dispneia. Sabemos também que muitas in-
fecções, em particular em crianças e adultos jovens, são assintomáticas, enquanto os idosos e/ou
pessoas com comorbidades correm maior risco de doença grave, insuficiência respiratória e morte.
O tempo decorrido entre a exposição ao vírus e a manifestação dos primeiros sintomas (período
de incubação) é de aproximadamente cinco dias. A doença grave geralmente se desenvolve oito
dias após o início dos sintomas e o estágio crítico da doença que está fortemente relacionado ao
óbito ocorrem em média após 16 dias (Figura 4) (Hu et al., 2021). Percebam que para conhecer
todas essas informações precisamos observar o curso da doença em grupos populacionais, já que
as observações a nível individual não conseguem responder essas perguntas.

Figura 5 – História natural da covid-19


Idade como principal fator de risco

<10 anos <50 anos >60 anos >68 anos


Provável Provável Provável

Casos de COVID-19: percentual de todos os casos

Assintomático Assintomáticos e forma leve da doença (81%) Severa (14%) Estado crítico e falecimento(5%)

Período de incubação • Febre • Dispneia • Sídrome de dificuldade respiratória


• Fadiga e tosse seca – opacidades aguda (SDRA)
em vidro fosco • Doença coexistente
• Necessidade de UTI • insuficiência cardíaca aguda
• Pneumonia • Falência múltipla de órgãos

~5 dias ~8 dias ~16 dias


(1–14) Início da doença (7–14) (12–20)

Fonte: Hu B, Guo H, Zhou P, Shi ZL. Characteristics of SARS-CoV-2 and covid-19. Nat Rev Microbiol. 2021 Mar;19(3):141-154.

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1.1.2.4 Avaliar medidas preventivas e terapêuticas

O método epidemiológico também permite avaliar medidas preventivas e terapêuticas. Por


exemplo, o desenvolvimento de estudos epidemiológicos nos permitiu saber hoje que a re-
dução do risco de infecção pelo SARS-Cov-2 relacionada a vacinação varia de 67% até 95%
dependendo da vacina utilizada (Olliaro et al. 2021). Assim, com o arsenal metodológico da
epidemiologia podemos responder a perguntas como: qual o melhor tratamento para diabetes?
A investigação de óbitos de mulher em idade fértil melhorou a qualidade da informação sobre
os óbitos maternos? O aumento de números de consulta de pré-natal diminui a probabilidade de
desfechos maternos-infantis adversos? A adesão a grupos operativos aumenta a probabilidade
de sucesso nas tentativas de cessar o tabagismo? Qual o custo do tratamento da hipertensão?

Podemos avaliar inclusive o efeito de políticas públicas na saúde das populações. Por exemplo,
será que o aumento da cobertura da estratégia de saúde da família observado no país foi associa-
do a diminuição da mortalidade por doença cardiovascular? A resposta para essa pergunta é SIM!
Hoje sabemos que a municípios com cobertura consolidada da Estratégia de Saúde da Família (≥
70% da população) conseguiram reduzir a mortalidade por doenças cardiovasculares em 18% e
as doenças cerebrovasculares em 21%. Além disso cobertura a Estratégia de Saúde da Família
também foi associada menores taxas de hospitalização por essas doenças (Rasella 2014).

1.1.2.5 Fornecer evidências para o desenvolvimento de políticas públicas

Esse objetivo está estreitamente relacionado aos descritos anteriormente, pois evidências para o de-
senvolvimento de políticas públicas são produzidas justamente por meio dos estudos epidemiológicos
que investigam as causas e história natural das doenças, que permitem a identificação dos principais
problemas de saúde da população e que avaliam as mais diversas medidas preventivas e terapêuticas.

O potente papel dos estudos epidemiológicos para fornecer evidências para o desenvolvimento
de políticas públicas pode ser ilustrado a partir dos achados de um médico e um estatístico
inglês - Richard Doll e Austin Bradford Hill - com relação a associação entre o tabagismo e
o câncer de pulmão. No início do século XX o câncer de pulmão, que era uma doença rara,
começou a aumentar notavelmente tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos. Várias
foram as possíveis hipóteses que poderiam explicar esse aumento como o aumento do número
de automóveis, estradas e fábricas. Entretanto, a partir da década de 1950 os primeiros estudos
epidemiológicos conduzidos pelos epidemiologistas britânicos Richard Doll e Bradford Hill,
incluindo um estudo que acompanhou cerca de 40 mil médicos britânicos, começaram a de-
mostrar uma forte associação entre o tabagismo e câncer de pulmão (Figura 5). Posteriormente,
essa relação acabou sendo comprovada por diversos outros estudos.

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Os resultados das pesquisas conduzidas por Richard Doll e Austin Bradford Hill subsidiaram
a publicação do relatório “Tabagismo e Saúde” (“Smoking and Health”) pelo Royal College of
Physicians of London em 1962 em que foram apresentados evidências epidemiológicas con-
tundentes para os danos causados pelo fumo com objetivo de orientar os médicos e uma série
de recomendações de medidas de saúde pública para prevenir tanto a iniciação do tabagismo,
quanto promover sua cessação entre aqueles que fumavam. As estratégias populacionais de
prevenção do tabagismo aprimoraram com o tempo, incluindo restrição de publicidade; maior
tributação; restrições à venda para crianças e ao fumo em locais públicos; informações sobre o
teor de alcatrão e nicotina entre outras (Figura 6).

Figura 6 – Taxa de mortalidade por câncer de pulmão (por mil) de acordo com o número médio de cigarros
fumados por dia entre médicos britânicos, 1951-1961
Taxax 1.000 nascidos vivos

Fonte: Bonita R, et al. Epidemiologia básica . 2.ed. São Paulo, Santos. 2010.

Figura 7 – Relatório elaborado pelo Royal College of Physicians of London com base nos resultados dos
estudos conduzidos por Richard Doll e Austin Bradford Hill

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O Brasil começou a implementar políticas como as sugeridas por esse relatório partir de 1989
e desde então vem conduzindo importantes políticas públicas com o objetivo de aumentar
os impostos sobre os cigarros, exigir advertências nas embalagens de cigarros, proibição de
propagandas de cigarro e proibição do tabagismo em locais de uso coletivo. Como fruto dessas
políticas, a frequência de tabagismo da população brasileira caiu drasticamente (Figura 7), o
que tornou o Brasil uma referência mundial no combate ao tabagismo.

Figura 8 – Prevalência de tabagismo para indivíduos com 18 anos ou mais e as ações de controle do tabaco
no Brasil, 1989–2010
Prevalência

Advertências Advertências
Sanitárias, Sanitárias
Restrições de Mais Fortes,
Publicidade, Restrições de
Leis Antifumo Publicidade e
e Aumentos Suporte Para
de Preço – Tratamento de
Primeiro
1996 Cessação –
Imposto
Específico 2000-2001
de Tabagismo

Sobre Aumento de
Cigarros – Impostos
1990 Sobre
Cigarros –
2006
Lei de Acesso
dos Jovens –
1998
Aumento de
Impostos
Sobre Leis Antifumo
Cigarros – Nas Cidades –
2013 2007-2009

Prevalência masculina: Projeções do simsmoke Ano


Prevalência feminina: Projeções do simsmoke
Prevalência masculina: Pesquisa nacional de saúde e nutrição, 1989 – Pesquisa mundial de saúde, 2003 – Pesquisa mundial sobre
tabagismo em adulto, 2008.
Prevalência feminina: Pesquisa nacional de saúde e nutrição, 1989 – Pesquisa mundial de saúde, 2003 – Pesquisa mundial sobre
tabagismo em adulto, 2008.

Fonte. Levy D, Almeida LM, Szklo A. The Brazil SimSmoke policy simulation model: the effect of strong tobacco control policies on
smoking prevalence and smoking-attributable deaths in a middle income nation. PLoS Med. 2012;9(11):e1001336.

1.1.3 Origem histórica da Epidemiologia

Alguns autores indicam que a Epidemiologia nasceu com Hipócrates na Grécia antiga há mais de
2500 anos, pois ele foi pioneiro em relacionar o contexto (social, de moradia, de trabalho, etc)
com o adoecimento, antecipando de certa forma o raciocínio epidemiológico. Porém, a epide-
miologia apenas surge como disciplina científica no final do século XVII, quando começaram a
ser coletados, analisados e interpretados dados populacionais sobre as causas de morte.

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Um marco importante para a epidemiologia foi a publicação do livro de John Graunt “The na-
ture and political observations made upon de bills of mortality” (“A natureza e as observações
políticas feitas nas contas de mortalidade”) em 1662 em Londres. O conteúdo desse livro de-
monstrou de forma inédita a existência de padrões, regularidade e previsibilidade no número
de nascimentos, óbitos totais e segundo grupos de causas ao longo dos anos. Tais observações
eram inéditas na época já que a nível individual o nascimento e a morte consistem em eventos
completamente imprevisíveis. Foi a partir da análise desses padrões que se percebeu que o
conhecimento produzido pela observação dos fenômenos de saúde em populações ia muito
além daquele derivado do exame a nível individual. Por exemplo, a previsibilidade do número
de óbitos e suas causas ao longo do tempo permitia a identificação da ocorrência de surtos de
doenças fatais, ou seja, a identificação de mortes que ocorriam além do esperado para aquela
causa naquele local e período. Dessa forma, pela primeira vez percebeu-se que as populações
são muito mais do que agregados de indivíduos e cada grupo populacional acaba sendo uma
“entidade própria” (Morabia 2004; Morabia 2013). Assim surge o pensamento populacional que
é a base da epidemiologia moderna.

Os estudos comparativos populacionais começaram a ser realizados no século XVIII, sen-


do as descobertas de John Snow em 1854, que descrevemos anteriormente, outro marco
importante para a epidemiologia. Snow foi pioneiro em utilizar todas as etapas do método
científico utilizando a comparação entre grupos para testar sua hipótese de transmissão hí-
drica da cólera, o que permitiu compreender a etiologia de uma doença. Desde a então,
o arsenal metodológico da epidemiologia tem sido desenvolvido, refinado e teorizado e cada
vez mais se tornado um pilar das demais formações profissionais em saúde.

1.1.4 Conclusão

A epidemiologia é uma ferramenta essencial para fornecer evidências para prevenir e controlar
problemas de saúde, pois reúne uma base metodológica robusta para a realização de investi-
gações que permitem identificar, entre outras coisas, causas e história natural das doenças, os
problemas de saúde mais frequentes na população e eficácia de medidas preventivas e terapêu-
ticas. Dessa forma, a epidemiologia tem valor inestimável para a produção de evidências cienti-
ficas que podem guiar a proposição de políticas públicas, o cuidado em saúde e o planejamento
e avaliação do desempenho dos serviços de saúde.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bonita R, et al. Epidemiologia básica. 2.ed. São Paulo, Santos. 2010.

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Levy D, Almeida LM, Szklo A. The Brazil SimSmoke policy simulation model: the effect of strong
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Morabia A. Epidemiology: An epistemological perspective. In: Morabia A(ed.)A History of Epidemiologic


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Morabia A. Epidemiology’s 350th Anniversary: 1662-2012. Epidemiology. 2013 Mar;24(2):179-83.

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Scliar M, Almeida-Filho N, Medronho R. Raízes Históricas da Epidemiologia. In: Almeida-Filho N,


Barreto ML. Epidemiologia e Saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara
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Vinten-Johansen P et al. Cholera, Chloroform, and the Science of Medicine: A Life of John Snow.
Oxford University Press, 2003.

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IMPORTÂNCIA DA EPIDEMIOLOGIA PARA OS SERVIÇOS DE SAÚDE


Aula 1.2 - Saúde pública baseada em evidências
Nesta aula, vamos estudar as diferenças entre a saúde como fenômeno individual e a saúde
como fenômeno coletivo, histórico e socialmente determinado. Vamos discutir também o papel
das evidências científicas para orientar ações em saúde coletiva e a articulação entre história
natural das doenças e os níveis de prevenção em saúde.

1.2.1 Introdução

Discutimos na aula anterior que um dos principais objetivos da epidemiologia é fornecer evi-
dências para prevenir e controlar problemas de saúde das populações. Consequentemente, os
conhecimentos obtidos a partir de investigações epidemiológicos conseguem atingir seu valor
integral apenas quando são traduzidos em políticas públicas comprometidas com a promoção,
prevenção ou recuperação da saúde das populações.

A política pública pode ser entendida como uma resposta do Estado diante de um problema vi-
vido ou manifestado pela sociedade e sabemos que o sucesso dessa resposta está diretamente
relacionado à compreensão das causas do problema a ser objeto de ação política. A implemen-
tação de uma política pública também precisa considerar o efeito esperado dessa política para
responder tal problema (Marques, 2013).

Consequentemente, a epidemiologia e a política pública possuem duas importantes inter-relações:

1) ambas precisam utilizar a abordagem populacional para a compreensão de um problema, já que


o conhecimento a nível individual é insuficiente para se conhecer as causas dos problemas enfren-
tados pela sociedade e não permite estimar os efeitos esperados de uma intervenção política; e

2) ambas precisam considerar que um problema tem múltiplos determinantes que devem ser
focos de intervenção para alcançar a redução ou controle desse problema nas populações.

No caso de uma política pública na área da saúde esse problema será sempre um problema de
saúde pública que precisará ser respondido para garantir a melhoria da saúde e das condições
de vida da população. Mas qual deve ser o foco dessa política de saúde? Onde exatamente
o Estado precisa atuar para se obter maiores ganhos em saúde da população? Esta aula foi
planejada justamente para discutirmos as possíveis respostas para essas questões.

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1.2.2 História Natural da Doença

Conhecer a historia natural de uma doença é fundamental para a definição de políticas e ações de preven-
ção, pois melhorar as condições de saúde de uma população implica necessariamente em influenciar a
historia natural da doença prevenindo a sua ocorrência ou atrasando ao máximo seu inicio e diminuindo
o potencial de gerar incapacidades e/ou óbito.

A história natural da doença refere-se a progressão da doença em um indivíduo desde o mo-


mento em que é iniciada a exposição aos agentes causais até a recuperação ou a morte (Bhopal,
2016), conforme ilustrado pela Figura 1. Para uma doença infecciosa, a exposição pode ser
uma bactéria ou um vírus, e para uma doença crônica, como o diabetes, a exposição pode ser
a obesidade. Geralmente, é necessário a exposição a mais de um fator provocar alterações em
saúde que levarão a ocorrência de uma doença. Além disso, uma mesma exposição pode ter
diferentes repercussões entre os indivíduos. Por exemplo, é possível que nenhum efeito seja
observado no indivíduo após a exposição a um vírus, seja porque a dose da exposição foi muito
baixa, seja pelo fato do receptor não ser suscetível (por exemplo, ser vacinado) ou ainda porque
a exposição requer a presença de algum outro fator para trazer algum malefício a saúde (por
exemplo na presença de doença crônica o vírus da covid-19 é mais letal).

Muitas vezes as repercussões negativas de uma exposição no organismo podem ser reparadas
antes que a doença ocorra. Um exemplo disso é o colesterol elevado que é um importante fator
de risco para doença arterial coronariana, mas que seus níveis podem ser controlados antes de
chegar a causar a doença. Adicionalmente, é possível também que o efeito da exposição seja
rapidamente contido pelos mecanismos de defesa do organismo levando ao não desenvolvi-
mento da doença ou gerando uma doença com manifestação clínica leve. Sabemos que pessoas
bem nutridas tem maior capacidade de defesa mediante a exposição a um agravo. Por fim, a
exposição pode levar ao desenvolvimento da doença que poderá progredir até resultar em cura,
incapacidade e, eventualmente, ao óbito (Figura 1).

Figura 1 – História Natural das Doenças

Início da exposição Início Mudanças Início dos Período em que normalmente


e fatores de risco biológico da patológicas sintomas ocorre o diagnóstico
doença

Fase em que pode


Fase subclínica da doença Fase clínica da doença haver recuperação,
incapacidade ou morte

Fonte: elaborado pela autora.

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Mas por que uma mesma exposição pode causar desfechos tão diferentes entre os indivíduos?

Porque o efeito da exposição depende da interação entre características individuais (imunidade,


predisposição genética), da exposição (ex.: dose e tempo de exposição) e do ambiente em que
o indivíduo está inserido (ex: contexto social, econômico, cultural, político). Por exemplo, a
hanseníase é uma doença infecciosa cujo agente etiológico (Mycobacterium leprae) é capaz de
infectar um grande número de indivíduos (alta infectividade), entretanto poucos adoecem (bai-
xa patogenicidade). Essas propriedades não ocorrem apenas devido a características intrínsecas
do agente etiológico, mas dependem especialmente de características do hospedeiro (sabe-se
por exemplo que suscetibilidade ao bacilo tem influência genética) e está fortemente associada
a condições econômicas, sociais e ambientais desfavoráveis (Brasil, 2019).

Uma vez que o início biológico da doença surge em consequência da exposição, começam a
surgir mudanças patológicas no organismo sem que o indivíduo perceba, já que nesse momento
a doença ainda está assintomática (Figura 1). Esse estágio é denominado de fase subclínica ou
fase pré-clínica da doença e se estende desde o início biológico da doença até o início dos pri-
meiros sintomas. Esse período também é conhecido como período de incubação para doenças
infecciosas e período de latência para doenças crônicas. A duração desse período pode variar
consideravelmente. Por exemplo, enquanto o período de incubação de uma gastroenterite viral
pode ser de horas, o período de latência para o diabetes pode levar vários anos. Mesmo entre
indivíduos com a mesma doença esse período pode variar. Por exemplo, o tempo de incubação
do sarampo varia de 7 a 21 dias e da covid-19 varia de 1 a 14 dias (Brasil, 2019).

Na fase subclínica da doença ocorrem mudanças patológicas no organismo que geralmente


podem ser detectadas por meio de exames laboratoriais, de imagem e ou outros procedimentos
diagnósticos. Essa detecção precoce é exatamente o objetivo de programas de rastreamento,
já que para algumas doenças o diagnóstico precoce está relacionado a um melhor prognóstico
devido ao estabelecimento do tratamento no estágio inicial da doença.

A fase clínica da doença inicia quando aparecem os primeiros sintomas, período no qual a maior
parte dos diagnósticos ocorrem (Figura 1). Ressalta-se que uma mesma doença possui diversos
sinais, sintomas e gravidade. Essa variação é denominada de espectro da doença. Dessa forma,
é possível que alguns indivíduos se mantenham assintomáticos, outros apresentem sintomas
leves, enquanto alguns indivíduos tem manifestações graves com grande risco de óbito. A covid-19
é um exemplo de doença que possui um amplo espectro de apresentação, desde casos assin-
tomáticos até casos graves e fatais. Por fim, a história natural da doença termina com a cura, a
invalidez ou morte (Figura 1).

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O conceito da história natural da doença passa pela ideia de que os indivíduos nascem saudáveis,
mas à medida que eles vão envelhecendo passam a acumular diferentes exposições que progres-
sivamente irão aumentar a suscetibilidade desses à ocorrência de doenças que, eventualmente,
podem levar ao óbito. A Figura 2 ilustra esse processo ao demostrar esquematicamente a história
natural da doença coronariana em um indivíduo. Podemos verificar que as exposições começam
a aparecer ainda na infância (ex. privação socioeconômica, dieta não saudável, sedentarismo) e
nesse início o efeito dessas exposições não leva a um aumento importante da suscetibilidade
do indivíduo. Entretanto, à medida que o tempo passa o acúmulo das exposições aumenta a
suscetibilidade individual a ponto de desencadear o estágio subclínico da doença. Com o avançar
da idade, a suscetibilidade aumenta ainda mais desencadeando um evento clínico pela primeira
vez: um infarto agudo do miocárdio. Em seguida, o indivíduo se recupera desse evento, mas sua
suscetibilidade fica ainda mais reduzida devido ao evento. Como as exposições continuam se
acumulando, há uma recorrência do infarto que leva o indivíduo ao óbito.

Figura 2 – História Natural da doença coronariana

Morte
Recorrência
e morte

A doença e a primeira
manifestação podem ser
diagnosticadas aqui,
exemplo im (infarto do
miocádio)
As causas começam a
exercer sua influência aqui

Saúde plena Tempo

Fase fetal 2ª e 3ª infância Adolescência Idade adulta/ Velhice


1ª infância/

Fonte: Bhopal RS. Concepts of Epidemiology: Integrating the ideas, theories, principles, and methods of epidemiology. 3th edition.
Oxford University Press, 2016

Ressalta-se história natural da doença não deve ser considerado como sinônimo de história
biológica da doença, pois sabemos que o curso de uma doença não é determinado apenas por
fenômenos biológicos, mas depende em grande medida do contexto socioambiental, cultural
e político. Por exemplo, viver em um país com um sistema de saúde universal como o SUS
aumenta a probabilidade de busca por serviços de saúde, o que pode levar ao diagnóstico pre-
coce da doença resultando em melhor curso da doença nessa população. Por isto, conhecer
a história natural de uma doença é fundamental para a definição de políticas e ações de pre-
venção, pois melhorar as condições de saúde de uma população implica necessariamente em
influenciar a história natural da doença prevenindo a sua ocorrência ou atrasando ao máximo

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seu início e diminuindo o potencial de gerar incapacidades e/ou óbito. A Figura 3 ilustra esse
processo ao demostrar a história natural da doença sem medidas preventivas (passado), com
a implementação de medidas preventivas que temos conhecimento atualmente (presente) e
com a instauração de novas medidas preventivas ainda não disponíveis (futuro). Como pode
ser visto, a incorporação de novas medidas preventivas tende a retardar o adoecimento e,
consequentemente o óbito, prolongando o tempo de vida com saúde.

Figura 3 – História natural da doença em diferentes cenários de medidas preventivas implementadas.

Ações de Prevenção
Óbito

Saudável
Criança Adolescente Adulto Idoso Muito idoso
Fonte: Figura adaptada de Bhopal RS. Concepts of Epidemiology: Integrating the ideas, theories, principles, and methods of epidemio-
logy. 3th edition. Oxford University Press, 2016.

1.2.3 Níveis de Prevenção

A história natural das doenças nos indica a existência de diferentes períodos no curso da doença
em que é possível agir por meio de medidas preventivas para reduzir a ocorrência da doença
ou minimizar o impacto da doença retardando seu progresso. Tal análise permite distinguir
quatro diferentes níveis de prevenção denominados de prevenção primária, secundária, terciária
e quaternária. Vamos discutir detalhadamente cada um desses níveis a seguir.

1.2.3.1 Prevenção primária

O objetivo da prevenção primária é evitar a ocorrência das doenças e envolve ações destina-
das a remover causas e fatores de risco dessa doença antes do seu desenvolvimento (Figura
4). Essas iniciativas evolvem tanto ações que previnem a iniciação de uma exposição, quanto

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estímulos para cessação dessa exposição ou estratégias que neutralizam o efeito da exposição
(ex. imunização de doenças).

A prevenção primária envolve estratégias a nível individual e populacional. Por exemplo,


quando a equipe multiprofissional de saúde orienta seu paciente a parar de fumar, iniciar a
prática de atividade física ou reduzir seu peso corporal ela está fazendo ações de prevenção
primária a nível individual. Já as políticas públicas de taxação do cigarro, fluoretação da água
de abastecimento público ou imunização de toda a população são medidas de prevenção
primária a nível populacional.

Figura 4 – História Natural da doença e níveis de prevenção

Fonte: Szklo M. História natural das doenças e níveis de aplicação de medidas preventivas. Rio de Janeiro, 2004. Apresentação em
Power Point apud Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do
câncer / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; organização Mario Jorge Sobreira da Silva. – 4. ed. rev. atual. – Rio
de Janeiro: Inca, 2018.

1.2.3.2 Prevenção secundária

A prevenção secundária tem por objetivo detectar precocemente a doença, antes do indivíduo
apresentar sinais e sintomas, ou seja, na fase subclínica da doença (Figura 4). Pretende-se com
isso, instaurar o tratamento mais rapidamente com o intuito de controlar a doença e minimizar
a incapacidade relacionada. Os exames de rastreamento de doenças, como câncer de colo de
útero e mama, consistem em bons exemplos de ações de prevenção secundária.

O rastreamento pode ser realizado individualmente, de forma oportunística, quando o paciente


procura os serviços de saúde por outros motivos. Pode também ser fruto de uma política pú-
blica que vise rastrear toda uma população alvo para uma dada doença. Esse tipo de rastreio

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normalmente é organizado por sistemas nacionais de saúde, como SUS, que irão fornecer, além
do diagnóstico, todo o tratamento necessário, visto que não faz sentido diagnosticar precoce-
mente uma doença se o indivíduo não terá acesso ao tratamento. Destaca-se que a finalidade
de qualquer tipo de rastreamento é a redução da morbimortalidade pela doença. Logo, medidas
de prevenção secundária pressupõe que o inicio precoce do tratamento é mais efetivo, ou seja,
resulta em ganhos em sobrevida e qualidade de vida quando comparado ao tratamento iniciado
na fase clínica da doença, ou seja, após o aparecimento de sinais e sintomas.

1.2.3.3 Prevenção terciária

A prevenção terciária é caracterizada por ações a nível individual ou populacional que visam
amenizar o impacto da doença ao longo prazo prevenindo complicações e sofrimento nos indiví-
duos que já desenvolveram a doença em sua forma clínica (Figura 4). Dessa forma, visa diminuir
os prejuízos funcionais consequentes de uma doença, incluindo ações com foco na reabilitação.

Como exemplo de ação de prevenção terciária podemos citar a instauração oportuna do


tratamento da diabetes com o intuito de prevenir a ocorrência e doenças cardiovasculares,
doença renal crônica, amputações, etc.

1.2.3.4 Prevenção quaternária

A prevenção quaternária tem por objetivo evitar danos associado às intervenções diag-
nósticas e terapêuticas desnecessárias. Incluem também a identificação de indivíduos e
grupos em risco de sobrediagnóstico ou medicação excessiva. Consequentemente, as ações
de prevenção quaternária visam diminuir a probabilidade do tratamento médico ser uma
fonte de doenças, efeitos adversos e complicações.

Por exemplo, a indicação de medicamentos sem eficácia comprovada para uma doença é
uma prática que deve ser combatida visando a prevenção quaternária, visto que além do
medicamento não tratar a doença em questão, seu uso expõe os indivíduos ao risco de
efeitos colaterais que podem ser graves.

Outro exemplo de prevenção quaternária é a recomendação do Ministério da Saúde para


não realizar rastreamento para câncer de próstata (Brasil, 2013), já que não há evidência
de que esse rastreio reduza a morbimortalidade da doença e o seu tratamento tem grande
potencial de trazer sequelas que reduzem muito a qualidade de vida, como incontinência
urinária e impotência sexual (Silverstein et al, 2018).

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1.2.5 Saúde e seus determinantes sociais

A história natural das doenças também é fortemente influenciada pelo contexto social,
cultural, político e histórico de cada indivíduo. Consequentemente, qualquer medida pre-
ventiva que considere apenas as exposições individuais de forma descontextualizada tende
a ser ineficaz. Hoje sabemos que os determinantes da saúde atuam em distintos níveis e
variam desde características proximais e individuais como herança genética, idade e sexo
até os determinantes sociais mais distais que englobam as condições do ambiente em que
o indivíduo nasce, cresce, vive, trabalha e envelhece.

(LEI 8.080/1.990)

Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômi-


cas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento
de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua
promoção, proteção e recuperação.

Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação,
a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte,
o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a
organização social e econômica do País.

Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como
determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso
aos bens e serviços essenciais.

O Modelo dos Determinantes Sociais de Dahgren e Whitehead ilustra bem esses diferentes
níveis de determinação ao caracterizar os determinantes sociais em camadas ao redor das
características individuais não modificáveis como pode ser visualizado na Figura 4. Neste
modelo, a camada mais externa diz respeito as condições socioeconômicas, culturais e am-
bientais gerais e, dessa forma, são os determinantes de saúde mais distais aos indivíduos. Os
determinantes dessa camada exercem uma enorme influência sobre as demais, já que eles

32
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irão ditar as condições de vida e trabalho dos indivíduos, que consiste nos determinantes da
camada seguinte, que por sua vez irão gerar diferenciais de exposições e vulnerabilidades
a diversas doenças e agravos como ilustrado na Figura 4. A terceira camada consiste nas
redes sociais comunitárias que expressam os tipos de vínculos entre os indivíduos do grupo
social e que também influenciam o processo saúde-doença.

Em seguida está a camada de estilo de vida dos indivíduos que expressam os comportamen-
tos adotados por cada um de nós. Essa camada ao contrário do que pode parecer não consiste
em escolhas individuais, já que os comportamentos se estabelecem como resultado de uma
interação entre os determinantes sociais mais distais (camadas anteriores) e as características
individuais. Por exemplo, todos sabemos hoje em dia que fazer atividade física faz bem para
a saúde, entretanto nem todos nós temos condições de aderir a essa prática. Uma pessoa
que trabalha 44 horas semanais e gasta 4 horas do seu dia no trajeto de ida e volta para o
trabalho, que precisa cuidar da casa e família e, além disso, mora em uma vizinhança sem
locais apropriados e seguros para fazer atividade física terá uma probabilidade de fazer ativi-
dade física pequena, mesmo desejando se engajar neste hábito. Portanto, podemos dizer que
todas as nossas “escolhas” são socialmente determinadas e, por isso, a camada do modelo de
Dahgren e Whitehead de estilos de vida também faz parte dos determinantes sociais.

Por fim no centro no modelo estão as características individuais que também exercem influ-
ência sobre o risco de adoecer isoladamente e ao interagir com as demais camadas do modelo.

Figura 5 – Modelo dos determinantes sociais de Dahgren e Whitehead

Fonte: Adaptado de Dahlgren G, Whitehead M. Policies and Strategies to promote social equity in health. Stockholm: Institute for
Future Studies; 1991.

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1.2.6 Medidas preventivas: abordagem individual versus abordagem populacional

Considerando tudo que discutimos até aqui, agora seria bom voltarmos para uma pergunta que
fizemos no início desta aula a respeito do planejamento e execução de políticas públicas de saúde
que foi a seguinte:

PARA REFLETIR
Onde o Estado precisa atuar para obter maiores ganhos em saúde da população?

Para responder essa pergunta, precisamos discutir dois tipos de enfoque possíveis para o estabeleci-
mento de medidas preventivas: a estratégia individual de alto risco e a estratégia populacional.

A estratégia individual enfatiza o estabelecimento de intervenções a nível individual para


prevenir as causas e fatores de risco das doenças, sendo essas intervenções particularmente
direcionadas aos indivíduos de alto risco. Por exemplo, com frequência na atenção primária
rastreamos pessoas maiores de 18 anos para hipertensão arterial com intuito de identificar os
indivíduos com pressão arterial elevada (sistólica ≥140 mmHg ou diastólica ≥90 mmHg), ou seja,
os indivíduos de alto risco para ocorrência de várias doenças como doenças cardiovasculares
e cerebrovasculares. A identificação de pessoas de alto risco permite definir os indivíduos que
serão alvo de intervenções preventivas (farmacológicas e comportamentais) com o intuito de
reduzir seu risco e evitar a ocorrência de doenças cardiovasculares e cerebrovasculares.

Essa abordagem consiste na estratégia tradicional de prevenção utilizada pelos profissionais de


saúde e apesar de ser adequada para a prevenção a nível individual, ela é limitada já que o
impacto para a saúde pública desse tipo de intervenção é pequeno. Por exemplo, os estudos
epidemiológicos mostram que quanto maior a pressão arterial, maior o risco de doenças cere-
brovasculares (Figura 5A). Ou seja, um individuo com pressão arterial igual a 135 x 85 mmHg
tem mais risco de desenvolver doença cardiovascular do que um da mesma idade e sexo com
pressão arterial igual a 130 x 80 mmHg. Mas, a abordagem individual baseia-se em um ponto
de corte para definir o grupo de alto risco e, consequentemente, todos que não estiverem nesse
grupo serão automaticamente classificados como “normais”. Entretanto, o risco entre esse grupo
de “normais” (pressão sistólica <140 mmHg) não é nulo como pode ser visualizado no Figura 5A.
Logo, várias pessoas vão desenvolver doenças cerebrovascular mesmo com níveis pressóricos
considerados “normais”. Vale lembrar que a maior parcela da população possui níveis pressóricos
“normais” (pressão sistólica <140 mmHg) como mostra a Figura 5B. Consequentemente, apesar
dos hipertensos terem um risco mais elevado de doença cerebrovascular, eles são responsáveis

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profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

em conjunto por uma pequena porção do total de casos dessa doença, já que são minoria na po-
pulação. Logo ao fazermos prevenção apenas nos indivíduos de alto risco, estaremos deixando de
fora da intervenção a maior parte da população, que também está submetida ao risco de adoecer
e que irá gerar o maior percentual de casos da doença em questão.

Figura 6 – Abordagem de alto risco ilustrada considerando a relação entre níveis de pressão arterial e risco para
doença cerebrovascular (A) e distribuição dos níveis de pressão arterial na população (B)

(A) (B)

140 mmHg

140 mmHg

Pressão arterial sistólica Pressão arterial sistólica

Fonte: elaborado pela autora.

Mas que tipo de intervenção então seria necessária para prevenir a doença cerebrovascular em
toda a população? A resposta a essa pergunta remete a estratégia populacional de prevenção
proposta pelo epidemiologista inglês Geoffrey Rose (Rose, 1985). Segundo essa abordagem, se
quisermos prevenir a ocorrência de doença cerebrovascular em toda a população precisaríamos
realizar intervenções com o objetivo reduzir a pressão arterial de todos os indivíduos, inde-
pendente de pertencer ou não ao grupo de alto risco. Ou seja, devemos intervir na população
como um todo para mover para a esquerda toda a curva da distribuição da pressão arterial,
diminuindo a média da pressão arterial do conjunto de indivíduos da população (Figura 6).
Essa mudança beneficiaria toda a população e causaria também uma diminuição no número
de indivíduos no grupo de alto risco (Figura 6).

Para deslocar toda a curva de um fator de risco, como pressão arterial, para a esquerda é
necessário estabelecer ações com o potencial de modificar características do contexto de vida
(seja características sociais, econômicas, culturais, ambientais, etc.) que estão relacionadas
ao aumento do risco de adoecer. São esses fatores contextuais que explicam porque algumas
sociedades são mais saudáveis que as outras. Por exemplo, a redução da concentração de
sódio em alimentos industrializados e no pão francês afeta toda a população e concorre
para reduzir os níveis pressóricos no conjunto dos indivíduos. A estratégia populacional de
prevenção visa também diminuir as desigualdades de oportunidades para aumentar as pos-

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sibilidades de escolha saudáveis em toda a população. Esse tipo de intervenção é conhecida


também como prevenção primordial.

Figura 7 – Foco da abordagem populacional de prevenção

Intervenção populacional

140 mmHg

Pressão arterial sistólica

Fonte: elaborado pela autora.

Podemos ilustrar esse tipo de abordagem a partir do problema crescente na sociedade atual:
a obesidade. A Figura 6 ilustra diferentes exemplos de intervenções que podem auxiliar na
prevenção da obesidade na população a níveis mais distais, como a sociedade e a vizinhança,
que são exemplos de ações da estratégia populacional até ações que utilizam a estratégia
individual (proximal).

Os exemplos de intervenções enumerados na Figura 6 mostram que a estratégia populacional


de prevenção não pode ficar restrita ao setor saúde, já que para promover mudanças no
contexto de vida e normas sociais são necessárias combinações de ações entre vários setores
da sociedade. Por exemplo, para reduzir o desemprego, que leva a uma serie de repercussões
negativas que podem elevar o risco de obesidade (ex. diminuição da renda e aumento do
estresse), são necessárias mudanças na política econômica e na política de mercado de traba-
lho. Para reduzir o preço de alimentos frescos seria necessário a redução de impostos, taxas
ou ainda o estabelecimento de subsídios. As políticas de planejamento urbano poderiam au-
mentar a disponibilidade de locais apropriados para realização de atividade física perto das
residências das pessoas, criação de ciclovias etc.

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Figura 8 – Diferentes intervenções políticas com foco na redução da obesidade

Distal
Reduzir o desemprego
Acordos com a indústria para reduzir as gorduras/açúcar dos alimentos processados Sociedade
Política intersetorial para reduzir preços de alimentos in natura

Aumentar a disponibilidade de alimentos saudáveis e locais apropriados para prática


de atividade física perto da casa dos indivíduos Vizinhança

Educação em saúde: promover alimentação saudável e atividade física Indivíduos


Proximal

Fonte: elaborado pela autora.

Esse exemplo deixa claro que a estratégia populacional e a estratégia individual não são exclu-
dentes, muito antes pelo contrário, precisam ser combinadas e estabelecidas de forma conjunta.

1.2.7 Saúde pública baseada em evidências

Tudo que discutimos até aqui são conceitos relevantes para guiar ações de saúde pública com
o intuito de melhorar a saúde e as condições de vida da população. A utilização do conheci-
mento científico de forma explicita para orientar o processo de decisão em saúde pública vem
crescendo, sendo denominado de saúde pública baseada em evidências. A racionalidade desse
processo está baseada no pressuposto de que políticas formuladas com base em conhecimentos
científicos serão mais eficazes e eficientes.

Os estudos epidemiológicos e o trabalho da vigilância em saúde produzem evidências que permitem,


além de caracterizar um problema de saúde pública, estabelecer as principais causas desse problema
e estimar os impactos de uma possível intervenção. Dessa forma, essas evidências consistem em
um importante elemento a ser considerado pelos tomadores de decisão na argumentação e debate,
ajudando desde a priorização de ações, levantamento de pautas, definição de agendas, até na formu-
lação e avaliação das políticas de saúde.

Entretanto, cabe ressaltar que o processo de tradução das evidências científicas em intervenções
de saúde pública não é um processo simples e rápido, pois mesmo a existência de evidências de
qualidade que apontem a direção que uma intervenção deve seguir, não garante que essa medida
preventiva seja implementada. Isso acontece porque a decisão final para a criação de uma política
preventiva será determinada, principalmente, por fatores econômicos e políticos, além de valo-

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res, prioridades da sociedade e interesses de diferentes atores sociais.

Por exemplo, desde a década de 1960 já existia um grande volume de evidências científicas de-
monstrando que o tabagismo consiste em uma das principais causas do câncer de pulmão e que
este comportamento está fortemente associado ao aumento do risco de doenças cardiovasculares
e outras várias doenças. Entretanto, somente a partir da década de 1990 que o Brasil começou a
realizar de forma sistemática políticas públicas intersetoriais com foco na redução do tabagismo,
como aumento da tributação dos produtos do tabaco, restrições de marketing, advertências de
saúde nas embalagens, criação de ambientes livres do cigarro, entre outras medidas. O atraso
entre a produção da evidência e a implementação de intervenções de saúde pública de redução
do tabagismo foi fortemente influenciado pela indústria do tabaco, que conseguiu bloquear a
implementação de medidas de controle do tabagismo por anos, devido a sua força econômica e
política (o Brasil é o segundo maior produtor de produtos do tabaco do mundo).

Apesar das dificuldades, o processo decisório baseado em evidências na saúde pública consiste
em uma oportunidade de desenvolver medidas preventivas mais coerentes com realidade da
população e com maior probabilidade de alcançar o resultado pretendido. Além disso, fortalece
a confiança da população na ciência, o que é extremamente relevante nos tempos atuais.

1.2.8 Conclusão

A história natural das doenças envolve múltiplos processos que sofrem forte influência do
contexto onde cada população está inserida, demonstrando de forma inequívoca que a saúde
não pode ser entendida de forma individual e que precisa ser compreendida como fenômeno
coletivo, histórico e socialmente determinado. Essas características tornam a realização de
políticas públicas de saúde uma tarefa complexa, já que precisa considerar um grande núme-
ro de determinantes para compreender um mesmo problema de saúde pública. Os estudos
epidemiológicos e o trabalho da vigilância em saúde facilitam esse processo ao produzirem
evidências que auxiliam a tomada de decisão em saúde.

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profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bhopal RS. Concepts of Epidemiology: Integrating the ideas, theories, principles, and methods of
epidemiology. 3th edition. Oxford University Press, 2016

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Rastre-
amento / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – 1.
ed., 1. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2013.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Desenvolvi-


mento da Epidemiologia em Serviços. Guia de Vigilância em Saúde: volume único. 3ª ed. – Brasília:
Ministério da Saúde, 2019. 740 p

Brownson CR, et al. Evidence-based public health. 2nd ed. Oxford University Press, New York, 2011.

Dahlgren G, Whitehead M. Policies and Strategies to promote social equity in health. Stockholm:
Institute for Future Studies; 1991.

Hill AB. The environment and disease: Association or causation? Proc R Soc Med 58:295-300, 1965.

Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. ABC do câncer: abordagens básicas
para o controle do câncer / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva; organização
Mario Jorge Sobreira da Silva. – 4. ed. rev. atual. – Rio de Janeiro: Inca, 2018.

Marques EC. As políticas públicas na ciência política. In: E. Marques; Faria, C.A.P. (org.). A política
pública como campo multidisciplinar. Rio de Janeiro-São Paulo: FIOCRUZ-UNESP, 2013, p. 23-46

Rose G. Sick individuals and sick populations. International Journal of Epidemiology 1985;14:32–38.

Silverstein M, Simon MA, Siu AL, Tseng CW. Screening for Prostate Cancer: US Preventive Services
Task Force Recommendation Statement. JAMA. 2018 May 8;319(18):1901-1913.

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profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

IMPORTÂNCIA DA EPIDEMIOLOGIA PARA OS SERVIÇOS DE SAÚDE


Aula 1.3. Princípios éticos na pesquisa e prática epidemiológicas nos
serviços de saúde
Nessa aula, vamos falar sobre os princípios éticos que regem a conduta ética na pesquisa epi-
demiológica e nos cuidados em saúde, abordando sua importância, aspectos sobre a história
recente da ética em pesquisa, e a regulação da ética em pesquisa no país. Ainda, vamos discutir
os principais pontos trazidos pela lei geral de proteção de dados, caracterizar o conflito de inte-
resses e o uso seletivo e interessado da informação. Pretendemos, ao final dessa aula, que você
seja capaz de conhecer e compreender os princípios éticos e marcos regulatórios que orientam
a pesquisa e a coleta, manipulação e divulgação das informações em saúde.

1.3.1. Introdução

A Ética é um assunto recorrente e bastante difundido entre os profissionais de saúde, frequen-


temente é pauta de conversas, sendo considerada em abordagens terapêuticas e na relação
profissional-usuário e profissional-profissional dentro dos serviços de saúde. Apesar disso, vários
problemas éticos não são reconhecidos e tratados como tal.

PARA REFLETIR
Você já parou para pensar por que a Ética é tão importante nos serviços de saúde?
E na pesquisa em saúde, por que considerar os princípios éticos?

Bem, a ética não é somente um compilado de regras a serem seguidas, um padrão que define o
que é “certo” ou “errado”. Ela vai além, ao se referir ao caráter dos indivíduos e à moralidade de
suas ações, ou seja, remete à melhor escolha a ser tomada diante de alternativas geralmente
opostas e igualmente insatisfatórias – o que é típico entre os dilemas éticos.

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VOCÊ SABIA?
A palavra ética vem origem no termo grego ethos, que significa “modo de ser”, “caráter”, “costume”,
“comportamento”.

E o que são esses problemas ou dilemas éticos? Vamos a alguns exemplos com os quais os
profissionais de saúde podem se deparar nos serviços e na pesquisa em saúde:

> Um paciente que vive com vírus HIV/Aids chega com parceiro (a) para uma consulta e o mé-
dico sabe que o(a) parceiro(a) ainda não tem conhecimento da situação. O que fazer?

> Um paciente internado no hospital segue uma religião que veta a transfusão de sangue e
a equipe de profissionais de saúde constata que tal paciente necessita desse procedimento
para sobreviver. Como proceder?

> Uma mãe chega ao centro de saúde querendo saber dos resultados do exame do seu filho,
maior de 18 anos, sendo que o filho esclareceu previamente que apenas ele deveria ter
acesso a tais resultados. Você atenderia ao pedido da mãe?

> Em uma pesquisa realizada em um centro de saúde, uma voluntária condiciona sua partici-
pação a saber se sua amiga também está como voluntária na pesquisa, e exige fazer parte
do mesmo grupo que ela faz. Você alocaria essa voluntária no mesmo grupo da sua amiga?

> Em uma consulta , o profissional de saúde sai do consultório por um momento deixando o
paciente em seu consultório com o prontuário de outro paciente aberto na tela. O paciente
acaba lendo o prontuário e reconhece que se trata do seu vizinho que mora no andar de
cima ao dele, que teve resultado positivo para covid-19. Logo que o médico chega, o pacien-
te exige saber mais sobre o caso, já que ele está exposto a essa doença que se “pega no ar”.
Como o médico deve proceder diante dessa exposição de dados?

> Um técnico de enfermagem de uma Unidade de Pronto Atendimento percebe que um mé-
dico da mesma unidade emitiu um atestado para um paciente se ausentar ao trabalho sob
alegação falsa de uma doença, mas sob pretexto de que o paciente não conseguiu ninguém
que pudesse cuidar do seu filho de 1 ano de idade naquele dia. O que o técnico de enfer-
magem deve fazer?

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profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

> Ao inserir dados de óbito no sistema de mortalidade, você se depara com uma pessoa co-
nhecida e vê que há dados “errados” sobre sua escolaridade na declaração de óbito. Você
pode comentar isto com um colega e alterar o dado?

Em todas as situações citadas acima, não há uma saída preferencial ou totalmente satisfatória
para todos os envolvidos. Dessa forma, na área de saúde pública - seja ela clínica, epidemioló-
gica, ou outra –, os conflitos estarão presentes justamente por envolver decisões difíceis como
as que exemplificamos. Essa tomada de decisões pode ser influenciada por diversos fatores,
como crenças religiosas, culturais ou filosóficas desenvolvidas ao longo do tempo, frutos de
influências familiares, de amigos, escola, origem étnica, religião, mídia e seus modelos e men-
tores pessoais (Schluter et al., 2008). No entanto, o respeito ao ser humano, como ser atuante
e autônomo, deve sempre guiar as decisões e os conflitos éticos que permeiam o dia a dia dos
serviços de saúde (Cohen et al., 2021).

Assim, com o intuito de prezar por esse respeito ao ser humano, os princípios éticos devem fazer
parte da tomada de decisão e guiar não somente a conduta dos profissionais de saúde como
também outras atividades humanas.

Antes de compreender melhor o que preconizam os princípios éticos assim como a regulação ética
para a pesquisa, especialmente no Brasil, é importante compreendermos um pouco sobre o histórico
recente da ética em pesquisa com seres humanos e que envolve a origem de tais princípios.

Principais princípio éticos que devem observados no cotidiano dos serviços de saúde e/ou pesquisas em saúde

Beneficência
> Não maleficência
Respeito pelos direitos humanos (Justiça)
> Consentimento informado (autonomia)
> Confidencialidade (privacidade)

1.3.2. Breve Histórico

Assista ao vídeo sobre do histórico recente sobre ética na pesquisa com seres humanos:
https://youtu.be/1lk3Y-ZeYzU

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profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

SAIBA MAIS
Clique no botão abaixo e veja a versão da Decla-
ração de Helsinque de 2013.

CLIQUE AQUI

Para que as diretrizes contidas na Declaração de Helsinque fossem implementadas, instâncias


em agências internacionais foram criadas, a exemplo do Conselho Internacional para a Organi-
zação das Ciências Médicas (CIOMS) da Organização Mundial da Saúde (OMS) (Almeida & Filho,
2011). Tais instâncias procuram elaborar recomendações baseadas na divulgação e aplicação
dos princípios da ética em pesquisa com seres humanos em todo o mundo, como a publica-
da pela CIOMS em 2016: “International Ethical Guidelines for Health-related Research Involving
Humans”(clique aqui e acesse), e a publicada pela OMS em abril de 2021 diante do desenvolvi-
mento de vacinas para enfrentamento da pandemia de covid-19, propondo considerações éticas
e advertências envolvendo a vacinação obrigatória para tal doença: “Ethical considerations and
caveats regarding mandatory covid-19 vaccination” (clique aqui e acesse) .

1.3.3. Regulação da Ética em pesquisa no Brasil

No Brasil, a instância que regula a ética em pesquisa é o Conselho Nacional de Saúde (CNS) - ór-
gão de controle social vinculado ao Ministério da Saúde -, por meio de uma comissão específica
para tal fim, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

A Conep foi criada por meio da Resolução CNS n°196/96 (revogada em 2012 pela Resolução
CNS nº 466), e é a instância máxima de avaliação dos aspectos éticos em protocolos de pesquisa
envolvendo seres humanos no Brasil. Sua atribuição envolve ainda normatizar, regular, deliberar
e promover ações educativas relacionadas aos aspectos éticos de pesquisas nacionais com seres
humanos. Além disso, exerce um papel coordenador da rede de Comitês de Ética em Pesquisa
(CEP), criados nas instituições com os quais forma o Sistema CEP/Conep (Freitas et al., 2005).

Assim, os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) são órgãos colegiados de caráter consultivo, deli-
berativo e educativo, de âmbito regional e distribuídos em todo território brasileiro. Os CEP são a
porta de entrada para todos os projetos de pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil, sendo

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os responsáveis pelo processo de revisão dos aspectos éticos dos projetos de pesquisa em
cada instituição – responsabilidade instituída pela Resolução CNS n° 466, de 12 de dezembro
de 2012** (Resolução n° 466/2012).

**SAIBA MAIS!
A Resolução CNS n° 466, de 12 de dezembro de 2012 estabelece as diretrizes e normas regulamenta-
doras de pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil.

A depender da complexidade dos protocolos de pesquisa apresentados ao CEP, eles podem ser
direcionados ao Conep. Assim, após a análise do CEP, à Conep cabe ainda a análise ética de
protocolos de pesquisa que envolvam dilemas éticos mais complexos, que pertençam a áreas
temáticas especiais (genética humana, reprodução humana, populações indígenas e pesqui-
sas de cooperação internacional), e ainda aqueles propostos pelo próprio Ministério da Saúde
(Freitas et al., 2005). Diante dessas experiências, a Conep frequentemente elabora diretrizes
complementares à Resolução CNS n°466/12 que tratam de requisitos específicos de análise
ética e da responsabilidade aos CEPs (Tabela 1):

Tabela 1. Exemplos de resoluções complementares à Resolução CNS n°196/96 (revogada em 2012 pela Reso-
lução CNS nº 466), elaboradas para áreas temáticas específicas

Ano Resolução Observação

Para a área temática especial de novos fármacos, vacinas e testes diagnósticos. Dele-
1997 Resolução CNS 251/97 ga aos Cep a análise final dos projetos exclusivos dessa área, quando não enquadra-
dos em outras áreas especiais.
Para protocolos de pesquisa com cooperação estrangeira. Requisito de aprovação final
1999 Resolução CNS 292/99
pela Conep, após aprovação do CEP.
Para a área de Pesquisas com Povos Indígenas, a serem apreciadas na Conep após
2000 Resolução CNS 304/00
aprovação nos Cep.
Para pesquisas em genética humana. Estabelece critérios para análise na Conep e
2004 Resolução CNS 340/04
para aprovação final delegada aos CEPs.
Para projetos multicêntricos do grupo I, definindo o envio apenas do projeto do primei-
2005 Resolução CNS 346/05
ro centro à Conep e delegando aos CEPsdos outros centros a aprovação final.
Para projetos que incluem armazenamento ou uso de materiais biológicos armazena-
2011 Resolução CNS 441/11
dos (formação de bancos de materiais).

Fonte: Conselho Nacional de Saúde, 2021.

Um exemplo de protocolos de pesquisa que foram direcionados à avaliação pela Conep podem

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ser vistas no mapa abaixo, que mostra a quantidade de protocolos de pesquisa relacionados à
covid-19 aprovados pela Conep até o dia 28/08/21 (Figura 1):

Figura 1 – Mapa geral dos protocolos de pesquisa relacionados ao coronavírus e/ou à covid-19 aprovados pela
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - Conep. 2021

Fonte: Boletim Ética em Pesquisa – Edição Especial Coronavírus (covid-19). Relatório Semanal 79. Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa, 2021.

Assim, o Sistema CEP/Conep tem o propósito de avaliar eticamente os projetos de pesquisa de


todas as áreas científicas e acadêmicas envolvendo seres humanos, além de defender os direitos
e interesses dos participantes de pesquisa.

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Veja abaixo a figura que detalha a distribuição do quantitativo de CEPs por estado, por região e
o quantitativo de pessoas atuantes nos comitês de ética em pesquisa (Figura 2):

Figura 2 – Informações sobre os comitês de ética em pesquisa no Brasil, 2021

Fonte: Núcleo Gestão de CEP da Conep, 2021.

Agora que você já sabe quais órgãos avaliam os aspectos éticos de uma pesquisa, você deve
estar se perguntando: como envio o meu projeto de pesquisa para ser avaliado eticamente
pelo Sistema CEP/Conep?

Para a submissão de projetos de pesquisa à avaliação pelo Sistema CEP/Conep, existe uma
plataforma virtual, chamada Plataforma Brasil. Ela foi criada para aperfeiçoar e intermediar a
tramitação dos projetos de pesquisa, fazendo essa comunicação entre os pesquisadores, Co-
mitês de Ética e Conep. Assim, o envio os documentos relativos à pesquisa que você pretende
realizar deve ser feita por essa plataforma, que é inteiramente on-line.

SAIBA MAIS
Quer conhecer a Plataforma Brasil?

CLIQUE AQUI

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IMPORTANTE!

Existem especificidades éticas em relação às pesquisas realizadas em instituições integrantes


do Sistema Único de Saúde (SUS)! Veja abaixo os principais pontos trazidos pela Resolução
CNS n°580/2018**:

> A condução da pesquisa não deve interferir na rotina de assistência à saúde ou nas
atividades profissionais dos trabalhadores no serviço (a não ser quando houver justifi-
cativa e houver pactuação com o dirigente da instituição).

> É dever do pesquisador divulgar os resultados da pesquisa para os participantes e


instituições onde os dados foram coletados, ao término do estudo.

> A pesquisa que incluir trabalhadores da saúde como participantes deverá respeitar
os preceitos administrativos e legais da instituição, sem prejuízo das suas ativida-
des funcionais.

SAIBA MAIS
** Clique aqui para visualizar a
Resolução CNS n°580/2018 na íntegra.

CLIQUE AQUI

É importante lembrar ainda que, caso a pesquisa seja conduzida em instituições integrantes do
SUS, o projeto de pesquisa deve ter seu mérito ético analisado pelos CEPs das Secretarias de Saú-
de, seja em âmbito estadual e/ou municipal a depender dos equipamentos de saúde envolvidos.
Ainda que somente parte da pesquisa ocorra no âmbito das instituições do SUS ou que ainda só
seja fornecido algum banco de dados, o projeto deve ser submetido a tais instâncias.

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1.3.4. Princípios Éticos

Diante do conhecimento acerca do histórico e da regulação da ética em pesquisa com seres


humanos no Brasil, podemos ter uma ideia da importância em compreender os princípios éticos
fundamentais que devem ser aplicados à pesquisa e à prática epidemiológica.

Destaca-se que os princípios éticos devem conduzir a tomada de decisão diante dos dilemas
e problemas éticos que surgem no dia a dia dos serviços de saúde, e também na condução
de pesquisas. Compreender os conceitos e aplicações desses princípios é fundamental para
identificar situações que possam violar tais princípios e comprometer a premissa ética básica de
respeito ao ser humano.

A depender do serviço de saúde, os problemas éticos podem ser mais ou menos evidentes.
Estudos que compilaram os principais problemas éticos identificados na relação entre enfer-
meiros atuantes da Atenção Primária à Saúde (APS) e seus usuários destaca que os problemas
éticos na APS podem ser sutis e de difícil reconhecimento por parte dos profissionais de saúde
(Dourado et al., 2020; Nora, et al., 2015). O quadro 1 retrata alguns dos principais problemas
éticos relatados pelos autores:

Quadro 1. Exemplos de problemas éticos na relação entre enfermeiros atuantes da Atenção Primária à Saúde
e os usuários da atenção.

Subcategoria Problemas éticos identificados

> Informação ao paciente


Comunicação > Privacidade
> Confidencialidade
Autonomia Respeito a autonomia do usuário
Respeito Falta de respeito do enfermeiro para com o usuário

Fonte: Nora CRD, Zoboli ELCP, Vieira M. Problemas éticos vivenciados por enfermeiros na atenção primária à saúde: revisão integrativa
da literatura. Revista Gaúcha de Enfermagem. 2015, 36:112-121.

A seguir, vamos descrever e exemplificar os princípios éticos que se destacam na busca pela
dignidade e autonomia dos indivíduos.

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Beneficência
Esse princípio discorre sobre os benefícios voltados aos sujeitos da pesquisa para que ela seja
eticamente viável. Os benefícios englobam qualquer proveito direto ou indireto, imediato ou
posterior, ganho pelo participante e/ou sua comunidade em decorrência de sua participação na
pesquisa, e como falado anteriormente, devem estar descritos minuciosamente no TCLE.

Muitas vezes os benefícios são evidentes e mais facilmente reconhecidos, como aqueles que pro-
porcionam maior conhecimento sobre doenças, envolvendo sua cura, tratamento e reabilitação.
No entanto, existem estudos de igual importância na geração de benefícios mas que são menos
perceptíveis no âmbito individual, e por vezes menos evidentes para sociedade como um todo.

Um estudo, por exemplo, pode demonstrar que os parâmetros antropométricos que definem o
excesso de peso abdominal devem ser alterados. É possível que os participantes do estudo não
se beneficiem diretamente de programas de promoção à saúde que venham a ser desenvolvidos
no âmbito do SUS utilizando os novos parâmetros. Ainda assim, os participantes contribuíram
para que a saúde da população fosse mais bem cuidada e monitorada.

É importante ressaltar ainda que os benefícios de estudos epidemiológicos devem ser também
considerados de forma complementar e cumulativa, pois o fomento e a construção de evidên-
cias que subsidiam políticas públicas geralmente demandam tempo. Antes de serem aceitos e
incorporados por gestores e serviços de saúde, novos conhecimentos enfrentam várias etapas
e discussões, incluindo análises de viabilidade logística, financeira e operacional, dentre outros.
Desse modo, mesmo que a longo prazo, o estudo deve contribuir para o cuidado e bem-estar
dos indivíduos e da comunidade.

Não maleficência

Além dos benefícios, citamos ainda que o TCLE deve conter os possíveis riscos e danos aos volun-
tários da pesquisa epidemiológica a ser desenvolvida. Assim, estando cientes dos possíveis riscos,
é dever dos pesquisadores identificar os danos potenciais decorrentes e garantir que eles serão
evitados, esclarecendo ainda aos voluntários que qualquer risco ao participar da pesquisa será
reduzido ao máximo durante a realização do estudo. Esse é o princípio da não maleficência, que
parte da premissa de que a pesquisa não deve causar danos aos seus voluntários.

Nota-se que toda pesquisa científica possui algum tipo de risco aos seus voluntários. Muitas vezes
eles são associados a danos biológicos ou físicos somente, como a dor ou medo de uma picada
de agulha, mas também podem englobar dimensões psicológicas, morais, intelectuais, sociais,
culturais, espirituais, entre outros. Por exemplo: O questionário de pesquisa pode conter pergun-
tas sensíveis, relacionadas a religião ou a sexualidade por exemplo, e que podem provocar algum

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tipo de sofrimento ou desconforto ao serem mencionadas. É preciso que o participante saiba, de


antemão, que tais situações podem ocorrer e que tem a liberdade de não participar.

Concluindo, os riscos potenciais atrelados à pesquisa científica devem ser identificados e dimen-
sionados claramente pelos pesquisadores, que devem refletir o nível aceitável de risco para os
voluntários – tarefa nem sempre fácil de ser executada (Rates et al., 2014).

Respeito pelos direitos humanos (Justiça)

A condução de uma pesquisa deve considerar o princípio de justiça entre seus voluntários, ou
seja, todos devem ser tratados de forma justa, equitativa e apropriada. Deve-se ainda buscar
minimizar os riscos e danos para os voluntários, como dito no tópico anterior, principalmente
com relação aos sujeitos mais vulneráveis.

Um exemplo desse princípio se aplica à seleção e recrutamento dos futuros participantes da


pesquisa. Em geral, as populações mais desfavorecidas tendem a ser mais receptivas a convites
para participação de pesquisas do que aqueles mais privilegiados, e por isso podem se sujeitar
a maiores riscos em contrapartida a benefícios buscados por tal população, como algum tipo
de atendimento médico ou realização de exame mais sofisticado. As iniquidades são bastante
evidentes na população brasileira, e na condução de um estudo isso não seria diferente.

Uma vez que já mencionamos sobre os princípios éticos gerais para a investigação e pesquisa,
vamos abordar alguns aspectos específicos, mas também importantes para zelar pela ética na
pesquisa e na prática epidemiológica nos serviços de saúde.

Consentimento informado (autonomia)

A autonomia é um dos princípios éticos mais relevantes a serem considerados na pesquisa e práticas
epidemiológicas nos serviços de saúde. Seu conceito incorpora os direitos de liberdade, privacidade,
escolha individual, liberdade da vontade e da autodeterminação do comportamento.

E o que isso significa?

Considerando as pesquisas epidemiológicas, isso significa que os voluntários convidados a par-


ticipar de qualquer estudo tem o direito de decidir sobre sua participação, sem que qualquer
pressão ou que conversas coercitivas sejam conduzidas.

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Para tal, é necessário que o pesquisador esclareça ao voluntário sobre os objetivos do estudo,
suas vantagens e desvantagens, sua aprovação ética no CEP,em CEP, assim como benefícios,
potenciais riscos, direitos do participante e procedimentos aos quais ele será submetido. Além
disso, é dever ético do pesquisador proteger as informações obtidas (garantindo o sigilo das
mesmas), prezar pela privacidade do voluntário, e por fim obter o seu consentimento para re-
alizar o estudo, incluindo coleta e estocagem de material biológico e de informações pessoais
(inclusive imagens, se for o caso).

Todas as informações citadas acima a respeito da pesquisa a ser desenvolvida devem constar
em um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), documento que contém ainda todas
as informações necessárias, em linguagem clara e objetiva, de fácil entendimento, para o mais
completo esclarecimento sobre a pesquisa a ser desenvolvida (Resolução n° 466/2012).

De posse de todas as informações pertinentes à pesquisa e contidas no TCLE, o voluntário pode


formalizar a sua participação, ou seja, registrar o seu consentimento por meio da assinatura
e rubrica em todas as páginas do TCLE, e em duas vias: uma para o voluntário e outra para o
pesquisador (Figura 3).

Figura 3 – Assinatura do TCLE em duas vias

Vale lembrar que a participação na pesquisa inclui o direito de deixar o estudo a qualquer
momento durante o seu desenvolvimento.

Fonte: Freepik.

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IMPORTANTE!
Obter consentimento do participante por meio do TCLE pode ser uma tarefa árdua ou até
mesmo ser inviável em alguns estudos, conforme exemplificado abaixo:

> Pesquisas que envolvam apenas a utilização de dados secundários, como por exemplo,
dados sobre mortalidade por Doenças Isquêmicas do Coração obtidos pelo Sistema de
Informação em Mortalidade, por meio do DATASUS;

> Casos em que a obtenção do TCLE signifique riscos substanciais à privacidade e con-
fidencialidade dos dados do participante ou aos vínculos de confiança entre pesquisa-
dor e pesquisado;

> Estes são exemplos de situações no qual a dispensa de assinatura do TCLE pelos partici-
pantes pode ser solicitada ao Sistema CEP/CONEP para apreciação, por meio do Termo de
Dispensa de TCLE, que deve conter as causas da impossibilidade de obtê-lo (Resolução n°
466/2012). Caso tal solicitação seja aprovada, isso não exime o pesquisador de honrar a
privacidade do participante e a confidencialidade das informações obtidas.

Confidencialidade (privacidade)

Dentre os direitos dos voluntários que concordam em participar de uma pesquisa, estão a segu-
rança quanto à confidencialidade dos seus dados e quanto a sua privacidade.

Quando os voluntários concedem sua participação na pesquisa por meio do TCLE, conforme men-
cionado no tópico anterior, eles concordam que informações pessoais sejam utilizadas em prol do
bem comum. Desse modo, os pesquisadores têm obrigação ética de prever ações e procedimentos
para assegurar a confidencialidade dos dados, garantindo que tais informações não sejam utiliza-
das em prejuízo dos indivíduos ou das comunidades envolvidas. A confidencialidade também se
aplica aos voluntários entre si: um não pode obter informações sobre o outro.

Um exemplo de ação para proteger a confidencialidade dos dados em uma pesquisa é atribuir
códigos aleatórios para cada indivíduo participante. A correspondência entre o nome do par-
ticipante (ou qualquer outra característica que o identifique) e seu código ficaria a salvo e de
posse de apenas um integrante da equipe de pesquisa. Todos os documentos utilizados durante
a coleta de dados seriam identificados por meio desses códigos.

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Além da pesquisa em saúde, algumas atitudes podem contribuir para que profissionais de saúde
cometam violações da confidencialidade dos usuários no cotidiano dos serviços de saúde, como
ao falar ao telefone próximo a outros usuários, deixar o computador sem supervisão sendo que
sua tela exibe o registro de informações dos usuários, ou por conversas sobre questões privadas
aos usuários em espaços públicos ou com pessoas que não estão envolvidas diretamente com o
caso em questão (Deshefy-Longhi et al., 2004). A atribuição de códigos aleatórios aos dados dos
indivíduos também pode se aplicar aos prontuários dos usuários dos serviços de saúde como
forma de proteger a sua identidade e privacidade (Figura 4).

Figura 4 – Exemplo de prontuário médico que contém número para identificar o paciente

PRIMEIRO ATENDIMENTO

PRONTUÁRIO 12345

Nome Apelido

Rua/Sítio Nº Comp.

Bairro/Dist. Munic.
Ponto de Ref. Tel. CEP
Local Nasc. Data Idade anos meses
Município onde nasceu Estado PB
Estado Civil
Solteiro Casado Viúvo Divorciado Outro Masc. Fem.

Gravar Cancelar Limpar


Gravar os dados

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Caso haja necessidade de envio dos dados dos participantes ao financiador da pesquisa ou a
pesquisadores em outras localidades, por exemplo, deve-se assegurar a privacidade do parti-
cipante, ocorrendo somente após a devida anonimização (ou seja, desde que o voluntário não
possa ser identificado).

1.3.5. Lei de proteção de uso de dados

Em geral, a cultura de proteção de dados não é bem estabelecida no Brasil. A exposição de


dados pessoais na internet e os casos de vazamentos noticiados são cada vez mais frequentes
atualmente. Diante disso, é notória a necessidade de instruir a população para que todos conhe-
çam o que é proteção de dados, quais os seus direitos, como agir para minimizar os riscos e as
obrigações para aqueles que armazenam e analisam dados pessoais.

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PARA REFLETIR!
Você saberia dizer se seus dados pessoais estão protegidos?
Você já percebeu a quantidade de dados que possui e produz (no celular, no computador)?

No Brasil, um importante passo foi dado nessa direção. A Lei Geral de Proteção de Dados Pes-
soais (LGPD) (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018) foi instituída recentemente e ganhou
destaque na mídia. Essa lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais por pessoa física ou
jurídica, inclusive nos meios digitais, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de
liberdade e de privacidade dos indivíduos.

Ou seja, a LGPD regulamenta o uso, a proteção e a transferência de dados pessoais no Brasil, e exige
que haja um consentimento explícito para coleta e uso dos dados por parte de seus titulares.

A LGPD garante ainda direitos ao titular dos dados, como a possibilidade de visualizar, corrigir
e excluir, total ou parcialmente, esses dados, e estabelece critérios e requisitos que empresas e
órgãos devem seguir para que haja maior cautela no tratamento de informações pessoais e seu
compartilhamento com terceiros.

Com a finalidade de garantir o cumprimento das normas sobre proteção de dados, foi criada a
Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) (Lei n. 13.853, de 8 de julho de 2019), órgão
vinculado à Presidência da República.

Como a LGPD afeta o uso de dados na pesquisa e prática epidemiológica? Vale lembrar que
vários aspectos dessa lei já são adotados por estudos envolvendo seres humanos por meio dos
princípios éticos que abordamos no tópico anterior (e já descritas na Resolução n° 466/2012).

Dentre os impactos diretos da LGPD na área da saúde e na pesquisa acadêmica, podemos desta-
car: conceito de tratamento de dados; necessidade de autorização dos usuários (consentimento);
ampliação do conceito de dados (dados sensíveis); possibilidade de os usuários acessarem os
dados (segurança e transparência); prerrogativa de corrigir, atualizar ou modificar os dados (pri-
vacidade e liberdade de expressão). Veremos cada um deles a seguir:

1. Primeiramente devemos esclarecer o que é o “tratamento dos dados”. Trata-se de todas as


ações que podem ser aplicadas a uma informação, como por exemplo a coleta dos dados,
que seria a forma de obtenção de novos dados: por e-mail, por formulários em sites na
web, por preenchimento de formulário em papel, entre outros.

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Outros exemplos de tratamento de dados são: produção, recepção, classificação, utiliza-


ção, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, arma-
zenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação,
transferência, difusão ou extração.

2. Agora vamos abordar o consentimento. Esse conceito foi abordado como um princípio ético
no tópico anterior, mas existem algumas peculiaridades quanto à LGPD.

Como regra, não há como os dados serem tratados sem o consentimento do titular dos
dados. No entanto, existe a possibilidade de tratar dados sem o consentimento na área da
saúde e da pesquisa nas seguintes situações:

> Realização de estudos científicos por órgão de pesquisa: desde que garantida, sempre que
possível, a anonimização dos dados pessoais. No caso de acesso a bancos de dados pesso-
ais, o órgão de pesquisa (universidades, por exemplo) deve mantê-los em segurança e deve
tratá-los dentro do referido órgão. Assim, caso você necessite acessar os prontuários dos
usuários do serviço de saúde que você trabalha para verificar o percentual de hipertensos
na área de abrangência, por exemplo, não há necessidade de solicitar o consentimento dos
titulares dos dados para a realização desse levantamento. Isso vale também para algum
projeto de pesquisa que tenha ocorrido em sua unidade de saúde e que tenha coletado
informações sobre os seus voluntários: também não há necessidade de consentimento es-
pecífico para a análise desses dados, contanto que estejam em formato anônimo e que seja
viabilizado por órgãos de pesquisa. Mas atenção: isso não exclui o fato de que o voluntário
da pesquisa tem que consentir sua participação na mesma.

DICA!

Existem situações que dispensam a assinatura do TCLE pelo participante da pesquisa.


Não se lembrou? Revisite o tópico “Princípios Éticos”, quando falamos sobre o princípio
do Consentimento.

> Preservar a vida e a integridade física de uma pessoa ou para a tutela da saúde, exclusiva-
mente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autori-
dade sanitária: principalmente quando o titular dos dados está impossibilitado de oferecer
o consentimento. Por exemplo: se uma pessoa está internada na rede pública de saúde,

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encontra-se inconsciente, e os médicos detectam a necessidade de acesso aos prontuários


dessa pessoa que se encontram em um hospital da rede privada de saúde de outra cidade,
o acesso pode ser fornecido sem o seu consentimento.

3. Outro ponto importante é a diferença de conceitos entre “dados pessoais” e “dados pessoais
sensíveis”.

A LGPD refere-se à primeira como “informação relacionada a pessoa natural identificada


ou identificável”, ou seja, nome, o endereço, o endereço de e-mail, número de documentos,
telefone, entre outros.

Já os dados pessoais sensíveis são aqueles “sobre origem racial ou étnica, convicção reli-
giosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico
ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico”, ou
seja, informações que podem vir a causar algum dano ou constrangimento ao seu titular.

Dada essa diferença, o tratamento de dados sensíveis só poderá ocorrer “quando o seu
titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades
específicas”, ou seja, deve ser precedido de cautelas ainda maiores do que as destinadas aos
dados pessoais amplos.

IMPORTANTE!
O cuidado redobrado com os dados pessoais sensíveis se deve à sua natureza: qualquer
eventual incidente de segurança com esse tipo de dado pode levar a consequências
graves aos direitos e liberdades dos titulares.

4. A possibilidade de os usuários acessarem seus próprios dados é garantida pela LGPD, por
meio do princípio da transparência. Ou seja, garantia de informações claras e acessíveis
sobre qual o tratamento será realizado sobre os dados, quem vai realizá-lo, e quais medidas
estão sendo tomadas para proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e possí-
veis vazamentos (contemplando ainda o princípio da segurança).

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SAIBA MAIS
A ANPD publicou dois fascículos da Cartilha
de Segurança para a Internet: “Proteção de
dados” e “Vazamento de dados”. Os links
para acesso às cartilhas estão logo abaixo:

CLIQUE AQUI

5. Além de ter acesso aos próprios dados, existe ainda a possibilidade de o indivíduo corrigir,
atualizar ou modificar os dados fornecidos. Assim, o cidadão poderá solicitar, por exemplo,
que seus dados sejam excluídos de pesquisas ou empresas com as quais não queira mais ter
esse vínculo.

1.3.6. Conflito de interesse

Conflito de interesses surge quando o julgamento profissional relativo a um interesse primá-


rio, como o bem-estar do paciente ou a validade dos resultados de uma pesquisa, pode ser
afetado por um interesse secundário, como ganho financeiro, por exemplo. Ou seja, conflito
de interesse existe sempre que a imparcialidade do profissional se encontra comprometida
(Alves & Tubino, 2007).

Interesses que podem influenciar o julgamento do pesquisador ou profissional de saúde podem


ser tanto relacionados a prestígio profissional, interesses políticos e relações pessoais, como
também a retornos financeiros, como participação em sociedades profissionais, consultorias ou
recebimento de honorários. Abaixo seguem alguns exemplos de potenciais conflitos de interesse:

> Um pesquisador pode ser inibido a divulgar os resultados de sua pesquisa sobre o impacto
negativo de alguma política pública de saúde em razão de pressões políticas.

> Em um hospital universitário, um paciente tem sua alta hospitalar adiada para que o caso
clínico possa ser visto por um maior número de alunos (o interesse secundário de apren-
dizado dos alunos foi colocado à frente do interesse primário de cuidado adequado do pa-
ciente) (Rios & Moraes, 2013).

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> Uma pesquisa pode ter seus resultados direcionados para favorecer o desempenho de al-
guma nova abordagem terapêutica medicamentosa, devido aos interesses financeiros do
patrocinador do estudo.

• Nos Estados Unidos, por exemplo, é comum que a indústria farmacêutica patrocine estu-
dos com o intuito de testar novos medicamentos, tanto que ela é responsável por cerca
de 70% de todos os recursos destinados a esse tipo de investigação clínica (Bodenhei-
mer, 2000).

Vale frisar que a presença de conflito de interesse não necessariamente enfraquece os achados
de uma pesquisa. O preconizado é analisar cada situação específica e avaliar se há conflito de
interesse explicito ou não, e quando ele existe, reportá-lo e explicitar as potenciais fontes de
conflito nos produtos divulgados ou nos protocolos a serem submetidos ao CEP.

1.3.7. Uso seletivo e interessado da informação

Como discutido na aula 2.1, os dados obtidos em uma pesquisa são analisados e os resultados
devem ser interpretados para gerar informação. O uso indevido de dados pode resultar em infor-
mações seletivas ou tendenciosas que atendem a fins específicos e interessados. Por exemplo,
divulgar resultados que possam atender a interesses políticos ou econômicos e omitir resultados
que contrariam esses interesses. Vale observar que o uso seletivo e interessado da informação em
estudos epidemiológicos geralmente resulta de um conflito de interesses não declarado.

Um estudo mostrou que as conclusões de estudos conduzidos por organizações com fins
lucrativos (como indústrias farmacêuticas e cosméticas, por exemplo) tendem ser mais
favoráveis aos produtos testados do que estudos sobre os mesmos produtos conduzidos
por grupos independentes (Als-Nielsen et al., 2003).

Outro exemplo bem difundido no meio científico é a manipulação da informação científica por
parte da indústria do tabaco. Entre 1920 e 1950, a indústria do tabaco estadunidense investiu na
propaganda positiva quanto ao hábito de fumar, recrutando inclusive enfermeiras para promo-
ver o tabagismo como saudável, moderno, elegante e seguro, conforme podemos ver na Figura
5 abaixo (Soine & Sioban, 2018):

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Figura 5 –Propagandas protagonizadas por enfermeiras e veiculadas para incentivar o hábito de fumar

Fonte: Soine A, Sioban N. “Selling the (Anti-) Smoking Nurse: Tobacco Advertising and Commercialism in the American Journal of
Nursing.” Journal of Women’s History. 2018, 30(3):82-106.

Em meados de 1950, a indústria tabagista tentou desmoralizar resultados de pesquisas que


mostravam efeitos adversos ligados ao tabagismo. Tal atitude perdurou ao longo dos anos,
culminando em uma campanha criticando os relatórios governamentais que condenavam o ta-
bagismo no início da década de 1990. Para tanto, a indústria tabagista desenvolveu estratégias
para manipular os dados, como o financiamento e divulgação de pesquisas que defendessem o
hábito de fumar, e supressão e críticas às pesquisas que dissessem que destacassem os male-
fícios do tabaco (Bero, 2005).

Evitar ou minimizar comportamentos não éticos, como o uso seletivo da informação, requer vi-
gilância ativa de comitês de ética e editores de publicações, além de medidas como inclusão da
declaração de conflitos de interesse em publicações e pesquisas, e capacitação de profissionais de
saúde para reconhecer e prevenir tais conflitos nas mais diversas situações em que possam ocorrer.

1.3.8. Conclusão

Nesta aula falamos sobre o arcabouço teórico e histórico que regula a ética em pesquisa com
seres humanos, mostrando que as decisões, conflitos e problemas éticos devem estar ampara-
dos pelos princípios de autonomia, confidencialidade, não maleficência, beneficência e justiça.

A identificação de dilemas e problemas éticos pelos profissionais que atuam nos serviços de
saúde é de extrema importância para assegurar o respeito à dignidade e autonomia dos seres
humanos presentes naquele convívio, sejam eles os próprios profissionais de saúde, pesquisa-
dores ou usuários desses serviços. Neste sentido, a educação permanente dos profissionais de
saúde pode contribuir para desenvolver habilidades e competências voltadas para a discussão

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e resolução cautelosa e responsável dos problemas éticos, tão fundamentais no cotidiano da


atenção e pesquisa em saúde.

Para concluir, segue abaixo um resumo feito pelo Conep dos principais atributos de uma pesquisa ética:

> Respeitar o participante da pesquisa em sua dignidade e autonomia, reconhecendo sua vul-
nerabilidade, assegurando sua vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa, por
intermédio da manifestação expressa, livre e esclarecida;

> Ponderar entre riscos e benefícios, tanto conhecidos como potenciais, individuais ou coleti-
vos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;

> Garantir que danos previsíveis sejam evitados; e

> Ter relevância social, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não per-
dendo o sentido de sua destinação sócio humanitária.

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62
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CAPÍTULO 2
Características do dado
epidemiológico e medidas
de ocorrência

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CARACTERÍSTICAS DO DADO
EPIDEMIOLÓGICO E MEDIDAS DE OCORRÊNCIA
Este capítulo tem por objetivo caracterizar o dado epidemiológico, as fontes e instrumentos de
obtenção da informação, indicadores de validade e confiabilidade da informação. Apresenta,
diferencia e compara as medidas de ocorrência de doenças e agravos em saúde, tanto absolutas
como relativas, demonstrando suas inter-relações e vantagens.

Aula 2.1 O dado epidemiológico: estrutura, fontes, propriedades e


instrumentos
Nesta aula, estudaremos o conceito de variável, os tipos de variáveis existentes e a estruturação
de base de dados em saúde. Iremos aprender também a caracterizar as diferentes fontes e ins-
trumento de coleta de dados. Além disso, estudaremos maneiras de descrição e sumarização de
dados por meio de medidas de frequência, tendência central e dispersão. Pretendemos que ao
final desta aula você seja capaz de compreender características do dado epidemiológico incluindo
sua estrutura, suas principais fontes, propriedades, instrumentos e principais formas de descrição.

2.1.1 Introdução

Para que a epidemiologia consiga fornecer evidências que possam auxiliar a promoção da saú-
de e o controle de problemas de saúde das populações precisamos necessariamente obter e
analisar dados epidemiológicos. Esses dados consistem em qualquer característica que pode
afetar ou demonstrar a saúde, o bem estar e a qualidade de vida das populações. Dessa forma,
envolve dados demográficos, socioeconômicos, biológicos, clínicos, comportamentais, ambien-
tais, de utilização e acesso aos serviços de saúde etc. Ou seja, inclui todos os determinantes
da ocorrência e distribuição de eventos relacionados à saúde e ao processo saúde-doença em
uma população. Somente por meio dos dados epidemiológicos que conseguimos acompanhar e
identificar padrões e tendências de eventos relacionados à saúde nas populações.

O dado epidemiológico pode ser entendido como uma representação, ainda que incompleta,
de uma realidade. Por exemplo, o número de casos de dengue em 2020 no município de For-
taleza é um dado epidemiológico. Esse dado pode ser utilizado para a obtenção de diversos
indicadores de saúde quando combinado a outros dados (ver Aula 3.1 Indicadores de Saúde
Parte 1 e Aula 3.2 Indicadores de Saúde Parte 2). Essa combinação permitirá a realização de
análises que vão ampliar o significado desse dado ao criar uma informação qualificada sobre a
ocorrência, a distribuição ou potenciais determinantes da dengue na população. Dessa forma,

64
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

enquanto os dados são representações de fatos em sua forma primária não trabalhados, a
informação é o resultado da combinação de vários dados que ao serem processados e anali-
sados trazem um significado adicional ao dado primário.

Para que seja possível produzir informações qualificadas sobre uma realidade observada em
um local e período específicos, os dados precisam ser qualificados e precisam ser interpretados
adequadamente considerando sua real abrangência e as limitações inerentes ao processo de
obtenção dos dados. Por isso, nesta aula iremos estudar a estrutura e as propriedades dos dados
epidemiológicos.

2.1.2 Estrutura dos dados

Os dados epidemiológicos são estruturados por meio de variáveis que quantificam ou catego-
rizam uma determinada característica que compõe uma dada unidade de análise. Dessa forma,
para compreender a estrutura dos dados epidemiológicos precisamos compreender o conceito
de variável e de unidade de análise.

2.1.2.1 Conceito e tipos de variáveis

Variável é a quantificação ou categorização de uma determinada característica de interesse.


Por exemplo, na área de identificação da Declaração de Óbito (Figura 1) são preenchidos
dados sobre idade, sexo, escolaridade, raça/cor da pele, estado civil, ocupação e outras carac-
terísticas da pessoa falecida. Os dados registrados em cada um desses campos irão compor as
variáveis de identificação do banco de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade
(SIM). Dessa forma, as variáveis definem características que se pretende medir, quantificar,
classificar e descrever.

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Figura 1 – Dados de Identificação da Declaração de Óbito.

As variáveis podem ser qualitativas ou quantitativas (Figura 2).

Variáveis qualitativas

As variáveis qualitativas são definidas por diferentes categorias, ou seja, apresentam uma clas-
sificação. Elas são chamadas nominais quando não existe uma ordenação entre as categorias
como sexo, raça/cor da pele, doente/sadio. E são chamadas ordinais caso exista algum tipo de
ordenação entre as características como níveis de escolaridade (fundamental, ensino médio,
superior) e estadiamento de uma doença (inicial, intermediário e avançado). As variáveis quali-
tativas podem ter duas ou mais categorias dependendo do objeto de estudo.

Variáveis quantitativas

Já as variáveis quantitativas são essencialmente numéricas e podem ser continuas ou discretas.


Variáveis contínuas são características mensuráveis que assumem valores em uma escala con-
tínua, para as quais valores intermediários (fração) fazem sentido como o peso, altura, tempo,
pressão arterial, idade. Já as variáveis discretas consistem em características mensuráveis que

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podem assumir um conjunto valores que diferem entre si por quantidades fixas, indivisíveis,
contendo, por isto, apenas valores inteiros. As variáveis discretas são geralmente resultados de
contagens como número de casos confirmados de zika, número de filhos, número de consultas
médicas e número de óbitos por covid-19.

Figura 2 – Tipos de variáveis

Discreta

Quantitativa

Contínua

Variável

Nominal

Qualitativa

Ordinal

Fonte: elaborado pela autora.

Algumas variáveis podem ser qualitativas ou quantitativas dependendo da forma que será ana-
lisada. Por exemplo, a glicemia de jejum pode ser uma variável contínua, se considerarmos o
valor exato medido (em mg/dL), como também pode ser uma variável nominal se utilizarmos o
ponto de corte de ≥126 mg/dL para classificar os indivíduos em diabéticos e não diabéticos. A
renda pode ser utilizada como variável contínua (renda mensal em reais), mas também pode ser
uma variável ordinal se a categorizarmos em alta, média e baixa, por exemplo.

Ressalta-se que as variáveis discretas são diferentes das variáveis ordinais, pois o significado da
ordenação é diferente. Para exemplificar considere as duas seguintes variáveis: número de casos
confirmados de sarampo (1, 2, 3, 4, 5...) e classe social (A, B, C, D ou E). Não podemos dizer que a
classe social D é três vezes mais baixa que a classe A, pois não é possível quantificar a diferença
entre essas categorias. Por outro lado, podemos dizer que 4 casos de sarampo correspondem
exatamente ao dobro de 2 casos de sarampo e a diferença entre o número de casos de sarampo
tem sempre o mesmo significado para todos os valores, ou seja, um município com 10 casos de
sarampo tem exatamente 2 casos a menos que um município com 12 casos de sarampo, que por
sua vez tem 2 casos a menos que um município com 14 casos de sarampo, etc.

É importante que os dados quantitativos sejam coletados de forma discreta ou contínua. Reali-
zar a categorização somente após a coleta para não ter perda da informação.

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2.1.2.2 Unidade de Análise

Entende-se por unidade de análise o objeto da descrição ou da investigação. Por exemplo, supo-
nhamos que você pretenda realizar um estudo epidemiológico com o objetivo de investigar se a
cobertura vacinal entre crianças menores de 2 anos é maior nos municípios com maior cobertura
do Programa Bolsa Família. Nesse caso a unidade de análise serão os municípios, pois os dados
obtidos permitirão descrever e classificar a cobertura vacinal em cada município, cujos valores
expressam coletivos e não indivíduos. Quando isso acontece dizemos que os dados são agregados.

Por outro lado, se pretendemos investigar se existe associação entre raça/cor da pele autorrela-
tada e a ocorrência da óbitos maternos em seu município, a unidade de análise será o indivíduo,
pois o dado necessário para essa análise precisa ser registrado para cada indivíduo que foi
incluído no estudo separadamente. Nesse caso dizemos que os dados são individuados.

2.1.3 Fonte dos dados

Conforme a fonte de informação, podemos classificar os dados epidemiológicos em duas cate-


gorias: dados primários e dados secundários.

Os dados primários consistem naqueles obtidos diretamente pelo pesquisador que delineou a
metodologia do estudo, planejou a coleta de dados e definiu exatamente todas a variáveis que
precisarão ser coletadas em virtude do objetivo da investigação em questão. Por exemplo, na
investigação epidemiológica de um surto de origem alimentar em seu município você poderia
coletar dados primários entrevistando pessoas que adoeceram após comer em um determinado
restaurante para identificar quais alimentos específicos foram consumidos para tentar identifi-
car a provável fonte de contaminação.

Os dados primários tendem a ser mais adequados para responder aos objetivos de um estudo,
já que a coleta de dados foi planejada pelo pesquisador envolvido na investigação em questão.
Além disso, a obtenção de dados primários tende a ser submetida a um maior controle de
qualidade, pois o pesquisador tem mais controle sobre os processos e instrumentos de coleta
de dados. Por outro lado, os dados primários demoram mais para serem obtidos, dependem de
recursos financeiros adicionais e requerem um grande trabalho, tanto no planejamento como na
execução da coleta de dados.

Já os dados secundários são aqueles que já foram coletados, mas estão disponíveis para serem
analisados. A análise de dados secundários normalmente será baseada em fontes governamentais,
a exemplo do DATASUS com dados de óbitos e nascimentos. O uso dos dados secundários é um

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recurso valioso, pois apresenta a grande vantagem de estarem prontamente disponíveis e não
demandarem custos adicionais de coleta de dados. Além disso, fornecem dados populacionais,
vitais, epidemiológicos, administrativos e clínicos essenciais para a caracterização do perfil de
saúde da população. Por outro lado, o investigador interessado em analisar tais dados não pode
modificar o tipo de dado que é coletado, nem tem controle sobre a qualidade do processo de
coleta dos mesmos. Consequentemente, os dados secundários podem apresentar limitações para
atender aos interesses de um pesquisador. Além disso, exigem um grande cuidado na análise e
interpretação, já que as características, propriedades, qualidade e abrangência dos dados nem
sempre são amplamente conhecidas ou aquelas almejadas.

Uma das mais importantes fontes de dados secundária é o Censo Demográfico que geralmente
é realizado a cada 10 anos com todos os habitantes do território nacional para coletar informa-
ções referentes a aspectos demográficos e socioeconômicos e às características do domicílio. O
Censo Demográfico consiste na principal fonte de referência para o conhecimento das condições
de vida da população em todos os municípios do país e em seus recortes territoriais internos.

Além disso, o Brasil possui um grande conjunto de dados provenientes de Sistemas de Informação
em Saúde de âmbito nacional e de Inquéritos Populacionais amostrais que contemplam milhões de
dados individuais que incluem uma ampla gama de dados de morbidades, mortalidade, comporta-
mentos e vários outros determinantes de eventos relacionados à saúde. Grande parte desses dados
estão disponíveis pela Internet (Departamento de Informática do SUS; https://www.datasus.gov.br).

No Quadro 1 podemos observar alguns exemplos dessas fontes de informação.

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Quadro 1 – Exemplos de Sistemas de Informações do SUS e com dados disponíveis para análise

Representativida-
Sistema Descrição e temas cobertos Instrumento de coleta
de e abrangência
Sistema de Informa- O SIM reúne dados de mortalidade obtidos conti- Declaração de Óbito Nacional
ções sobre Mortalida- nuamente em todo o território nacional
de (SIM)
Sistema de Informação O Sinan reúne dados continuamente das noti- Ficha de Notificação/ Ficha Nacional
de Agravos de Notifica- ficações e investigações de casos de doenças investigação
ção (Sinan) e agravos que constam da lista nacional de
doenças de notificação compulsória (Portaria
GM/MS nº 420, de 2 de março de 2022)
Sistema de informação O Sinasc reúne dados sobre nascidos vivos Declaração de Nascido Vivo Nacional
sobre Nascidos Vivos registrados continuamente em todo o território
(Sinasc) nacional
Sistema de Informação O SIA/SUS reúne informações Boletim de Produção Ambu- Nacional, mas
Ambulatoriais do SUS de atendimento ambulatorial financiados pelo latorial (BPA); Autorização restrito a atendi-
(SIA/SUS) SUS registrados continuamente pelos prestado- de procedimentos de alta mentos ambulato-
res públicos ou privados contratados/convenia- complexidade (APAC); riais financiados
dos ao SUS Cadastro de Estabelecimen- pelo SUS
tos de Saúde (CNES), entre
outros
Sistema de Informa- SIH/SUS consolida os dados da Autorização de Autorização de Internação Nacional, mas
ções Hospitalares do Internação Hospitalar (AIH) que é necessária Hospitalar (AIH) restrito a interna-
SUS (SIH/SUS) para todas as internações hospitalares financia- ções financiadas
das pelo SUS registrados continuamente pelos pelo SUS
prestadores públicos ou privados contratados/
conveniados ao SUS

LEMBRE-SE DO TABNET
Lembrando que com o TABNET https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/
é possível acessar diversas bases de dados do Sistema de Informação em Saúde de forma
simples e ágil. O TABNET foi desenvolvido pelo DATAUS para ser uma ferramenta que auxilie
na organização de dados de forma rápida conforme a consulta que se deseja tabular. Permite
a visualização de tabelas, gráficos e mapas, além de possibilitar a exportação dos dados
para planilhas eletrônicas com extensão (.csv e TabWin). O TABNET é um instrumento criado
com o objetivo de subsidiar: análises objetivas da situação sanitária; tomadas de decisão ba-
seadas em evidências; e elaboração de programas de ações de saúde. Maiores informações
podem ser acessadas no “Tutorial TABNET” disponibilizado no site do DATASUS:

CLIQUE AQUI

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Quadro 2 – Exemplos de inquéritos de saúde com dados disponíveis para análise


Representativida-
Sistema Descrição e temas cobertos Instrumento de coleta
de e abrangência

VIGITEL – Vigilância O VIGITEL é um inquérito realizado por telefo- Questionário aplicado por Amostra repre-
de Fatores de Risco ne anualmente desde 2006 entre pessoas com telefone sentativa das 26
e Proteção para Do- 18 ano ou mais para monitorar a frequência e Capitais brasilei-
enças Crônicas por a distribuição dos principais fatores de risco ras e do Distrito
Inquérito Telefônico para as doenças crônicas não transmissíveis. Federal

Pesquisa Nacional de A PNS é um inquérito de base domiciliar que Questionário aplicado no Amostra repre-
Saúde (PNS) geralmente é realizado a cada 5 anos com o domicílio sentativa nacio-
objetivo de produzir dados em âmbito nacional nal (áreas urbana
sobre a situação de saúde e os estilos de vida e rural), Grandes
da população brasileira, bem como sobre a Regiões, Unida-
atenção à saúde, no que diz respeito ao acesso des Federativas,
e uso dos serviços, às ações preventivas, à Capitais, Restante
continuidade dos cuidados e ao financiamento das Unidades
da assistência. Federativas e
Regiões Metropo-
litanas.

SAIBA MAIS

ACESSE

https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/svs/
vigilancia-de-doencas-cronicas-nao-transmissiveis/
sistemas-de-informacao-em-saude

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2.1.4 Instrumentos de coleta e qualidade dos dados

Os instrumentos utilizados para coleta de dados em saúde variam conforme o objetivo da cole-
ta. Por exemplo, os dados que integram os Sistemas de Informação em Saúde são coletados de
forma contínua em todo o território nacional por meio de instrumentos padronizados de regis-
tros como a Declaração de Óbito, Declaração de Nascido Vivo, Ficha de Notificação de doenças/
agravos, Ficha de Investigação, etc. A padronização desse tipo de instrumento é fundamental
para garantir que os dados coletados sejam comparáveis ao longo do tempo e para que seja
possível comparar diferentes grupos populacionais no território nacional. Dessa forma, tanto os
campos de preenchimento do instrumento (que irão gerar as variáveis do banco de dados) como
a forma de preenchimento desses campos devem ser padronizados por meio de manuais ou
protocolos e treinamento adequado dos profissionais envolvidos na coleta de dados.

MINISTÉRIO DA SAÚDE

Um exemplo da importância dessa padronização é a definição de caso suspeito


GUIA DE
VIGILÂNCIA e confirmado de cada uma das doenças/agravos de notificação compulsória dis-
EM SAÚDE
5ª edição
ponível no Guia de Vigilância em Saúde (https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publi-
cacoes/guia_vigilancia_saude_5ed_rev_atual.pdf). Sem essa homogeneização
na definição de caso seria impossível comparar a frequência de ocorrência das
doenças/agravos de notificação compulsória entre regiões ou em uma mesma
Brasília DF 2021

localidade ao longo do tempo.

Dessa forma, mudanças na forma de coletar esse tipo de dado devem ser evitadas, pois podem
levar a variações em indicadores de saúde que não expressarão variações reais na ocorrência
do problema de saúde que está sendo analisado. Por outro lado, muitas vezes mudanças no
instrumento ou método de coleta de dados podem ser necessárias para aprimorar ou atualizar o
Sistema de Informação, mas nesse caso essas mudanças precisam ser consideradas para permi-
tir a adequada análise e intepretação dos dados. Por exemplo, em 2018 em comparação com o
ano de 2017, observou-se aumento 26% no número de casos confirmados de sífilis em gestantes
no Brasil (Brasil, 2019). Apesar de estarmos observando um aumento progressivo do número de
casos de sífilis em gestante no Brasil durante a última década, o aumento ocorrido entre 2017
e 2018 foi mais acentuado. Pode ser que parte desse acréscimo no número de casos não reflita
um aumento real, pois em 2017 houve uma mudança no critério de definição de casos de sífilis
em gestante, que tornou a definição de caso mais ampla, já que passou a considerar como caso
não apenas a presença de teste positivo para sífilis durante o pré-natal, mas também os testes
positivos durante o parto e puerpério (Brasil, 2019).

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A construção de instrumentos de coleta de dados epidemiológicos precisa ser pensada com muito
cuidado, pois o instrumento precisa ter um número suficiente de variáveis para permitir a produ-
ção de informação qualificada em saúde, mas também não pode ser muito extensos e complexos
a ponto de dificultar seu preenchimento, o que poderia levar a erros e perda de qualidade do dado.

A qualidade dos dados epidemiológicos é frequentemente avaliada pela validade e confiabi-


lidade, que são atributos que iremos discutir na aula Aula 2.2. Qualidade dos instrumentos
epidemiológicos. Além disso, essa avaliação também inclui a completude e cobertura dos
dados. A completude diz respeito a quantidade de campos dos formulários de coleta de dados
que foram completamente preenchidos. Um grande percentual de dados faltantes compro-
mete fortemente a análise e interpretação dos dados em questão. Por exemplo, em 1996 foi
adicionado a variável raça/cor da pele na Declaração de Óbito e nos primeiros anos após esse
acréscimo havia um grande percentual de dados faltantes para essa variável, mas ao longo
do tempo a completude dessa variável foi melhorando. Estudo que analisou a completude
dessa variável nos registros de óbitos de idosos no SIM encontrou que o percentual de dados
faltantes de campo reduziu de 8,4% em 2000 para 2,8% em 2015 (Tabela 1) (Romero et al.,
2019). Ressalta-se também que houve grande variação regional em relação a completude
dessa variável e o percentual de dados faltantes variou de 1,1% na região norte para 4% na
região nordeste em 2015 (Tabela 1) (Romero et al., 2019). Dessa forma, essas informações
precisam ser consideradas na interpretação adequada de tendências de mortalidade segundo
raça/cor da pele no Brasil.

Tabela 1 - Percentual de incompletude da variável raça/cor da pele nas declarações de óbito de idosos no
Brasil e grandes regiões entre 2000-2015

% Incompletude

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Norte 8,4 6,6 2,8 2,4 2,4 2,1 2,3 2,2 2,2 1,8 1,5 1,4 1,2 1,2 1,2 1,1
Nordeste 15,4 13,8 12,1 10,9 10,5 9,2 9,0 7,9 6,9 7,0 6,1 5,4 4,8 4,8 4,3 4,0
Sudeste 6,4 5,5 5,0 4,2 3,6 3,4 4,7 4,5 4,3 4,2 4,0 3,6 3,5 3,4 3,1 2,9
Sul 4,6 3,9 3,2 2,8 2,6 2,5 2,3 2,1 1,9 1,8 1,6 1,8 1,9 2,2 2,0 1,8
Centro- 7,2 4,8 4,1 2,9 2,8 2,5 2,6 2,8 2,7 2,1 1,8 2,2 2,0 1,9 1,8 1,7
-Oeste
Brasil 8,4 7,3 6,3 5,5 5,1 4,6 5,1 4,7 4,4 4,3 3,8 3,6 3,3 3,4 3,0 2,8

Fonte: Romero DE et al. Tendência e desigualdade na completude da informação sobre raça/cor dos óbitos de idosos no Sistema de
Informações sobre Mortalidade no Brasil, entre 2000 e 2015. Cadernos de Saúde Pública. v. 35, n. 12, 2019.

Já a cobertura diz respeito a participação de todos os indivíduos que foram incluídos no estudo

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ou no sistema de informação. Caso a cobertura planejada dos dados coletados não tenha sido
alcançada, isso precisa ser levado em consideração na criação de qualquer indicador que utilize
esse dado como fonte de informação. Por exemplo, o Sistema de Informações sobre Nascidos
Vivos (Sinasc) reúne dados de todos os nascidos vivos que foram registrados no país. A obten-
ção desse dado acontece de forma contínua em todo o território brasileiro e estima-se que a
cobertura nacional desse sistema seja de 95% (Almeida et al, 2019). Por outro lado, sabemos
que ainda há subnotificação de nascimentos de crianças em situação de maior vulnerabilidade
como as procedentes de regiões mais carentes, zona rural, indígenas etc. Ao analisar a Figura 2
podemos observar uma variabilidade da cobertura do Sinasc segundo os municípios brasileiros,
sendo importante destacar que no Amazonas, Pará e Maranhão, mais de 10% dos municípios têm
coberturas inferiores a 60% (Almeida et al, 2019). Dessa forma, municípios com baixas coberturas
do Sinasc devem considerar essa subnotificação na estimativa dos indicadores de saúde que utili-
zam o número de nascidos vivos como fonte de informação como a mortalidade infantil e a razão
de mortalidade materna (ver Aula 3.2 Indicadores de Saúde Parte 2).

Figura 3 – Cobertura das informações de nascidos vivos por município. Brasil, 2012-2014

Fonte: Almeida WS, et al. Avaliação das informações do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), Brasil . Cad. Saúde
Pública. 2019, vol.35, n.10.

É fundamental também que a cobertura dos dados coletados seja considerada em qualquer
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análise que utilize esses dados. Veja um exemplo sobre essa questão a seguir:

REPORTAGEM ERRA AO INTERPRETAR EQUIVOCADAMENTE


DADOS DO SISTEMA DE INFORMAÇÕES SOBRE MORTALIDADE
Tanto o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) como o Sistema de Infor-
mações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) são sistemas de informação com abrangência
nacional. Mas enquanto o SIM tem uma cobertura praticamente universal, já que reúne
dados de mortalidade obtidos continuamente por meio das Declarações de Óbito em
todo o território nacional, o SIH/SUS contempla apenas as internações financiadas pelo
SUS. O não reconhecimento da cobertura desses sistemas de informação pode levar a
erros graves de interpretação.

A cobertura populacional também é muito importante nos inquéritos populacionais. Nos in-
quéritos, utilizamos amostras com o intuito conhecer uma população, ou seja, pretendemos
generalizar os resultados para toda a população (Figura 3). Os inquéritos são realizados com
amostras por que é muito caro e demorado incluir toda a população. O processo de amostragem
envolve uma combinação de técnicas que permite selecionar uma amostra representativa da
população. Uma amostra é considerada representativa quando consegue representar corre-
tamente a variabilidade dos dados existente na população alvo. Ou seja, pressupõe-se que
todos os indivíduos selecionados para inclusão na amostra irão participar. Como a participação
em inquéritos é voluntária, alguns indivíduos podem recusar participar de um inquérito. Se o
percentual de recusas for muito alto, a representatividade da amostra pode ser comprometida,
limitando ou mesmo inviabilizando a generalização dos resultados para a população que deu
origem à amostra.

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Figura 4 – Seleção de amostras para realizar generalizações para a população

Generalização

Resultados

Amostragem

Amostra

População

Fonte: elaborado pela autora.

2.1.5 Banco de dados

Banco de dados consiste em um arquivo em que estão reunidos um conjunto de dados de forma
organizada. Em geral essa consolidação de dados é feita utilizando programas de computador
e planilhas eletrônicas. Um método comum para construção de bancos de dados consiste em
organizar uma planilha com linhas e colunas como exibido na Figura 4.

Normalmente, cada linha representa uma unidade de analise, que pode ser uma pessoa, um
caso de doença, uma internação, um município, etc. Ou seja, o total de linhas representa o
total de indivíduos (ou unidades analíticas) naquela base. Nas colunas são descritas as variá-
veis incluídas como sexo, idade, local de residência. A primeira variável de um banco de dados
geralmente é aquela que identifica o dado, pode ser o nome da pessoa, número da AIH, CPF,
ou mesmo um número arbitrário (identificador) alocado a cada indivíduo em um inquérito
de saúde. Este último recurso é usado para garantir o anonimato de dados por questões de
sigilo e confidencialidade (para mais informações veja Aula 1.3. Princípios éticos na pesquisa
e prática epidemiológicas nos serviços de saúde).

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Figura 5 – Exemplo de um banco de dados

A construção de um banco de dados é simples quando existem poucas variáveis (poucas colu-
nas) e o número de indivíduos/unidades analíticas é pequeno (poucas linhas) ou mais complexa
quando envolve um conjunto grande de dados. Cabe ressaltar que todos os bancos de dados
precisam ser revistos antes de iniciar a análise para checar a possibilidade de erros, especial-
mente em grandes bancos de dados. Nesse sentido é importante checar, por exemplo, se os
dados registrados em uma variável assumem valores possíveis. Por exemplo, na variável altura
corporal não esperamos um valor igual a 4 metros. Se encontramos, é provável que seja um erro
que necessita ser corrigido. Caso não seja possível verificar o dado correto o melhor a ser feito
é codificar esse dado como “faltante”.

Com frequência as variáveis categóricas são registradas nos bancos de dados de forma codifica-
da para facilitar a análise de dados em softwares estatísticos. Por exemplo, a variável sexo pode
ser codificar como “1” se o sexo for masculino e como “2” se for feminino. Essa codificação deve
ser documentada em um dicionário de variáveis com descrição detalhada do significado de cada

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código nas variáveis do banco de dados. Recomenda-se também não deixar nenhuma observa-
ção vazia, pois nesse caso não sabemos se a ausência de informação representa realmente um
dado inexistente ou se quem registrou a informação no banco se esqueceu de preencher os dados
dessa variável. Dessa forma, na presença de dados faltantes recomenda-se preencher com valores
extremos, geralmente usamos o valor 9 (ou 99, 999, 9999).

Ressalta-se também que as variáveis contínuas devem ser registradas no banco de dados em
sua forma original e, posteriormente, se necessário o pesquisador pode criar uma variável ca-
tegórica usando a variável original. Por exemplo, no banco de dados poderemos ter a variável
idade em anos, mas também podemos criar uma variável faixa etária (de dez em dez anos, por
exemplo), preservando a variável original para possibilitar uma eventual mudança na forma de
analisar os dados caso seja necessário.

2.1.6 Organização e apresentação dos dados

Os dados na forma em que foram coletados, mesmo que reunidos em bancos de dados bem
estruturados, não permitem extrair informações qualificadas sem que antes sejam resumidos e
descritos. Por isso, iremos apresentar a seguir os passos iniciais de uma análise descritiva dos
dados. Esses passos visam identificar a frequência em que os eventos ocorrem, e descrevê-los
por meio de medidas resumidas, chamadas de medidas de tendência central.

2.1.6.1 Análise de frequência

Geralmente, utilizamos tabelas e gráficos para descrever a distribuição da frequência com que
cada observação ocorre em um banco de dados. São as formas mais comuns de descrever variá-
veis qualitativas e podem ser utilizadas também para descrição de algumas variáveis discretas.
A frequência pode ser absoluta ou relativa. A frequência absoluta informa a quantidade de
vezes que determinado evento ocorre. Já a frequência relativa é o resultado obtido da divisão
entre frequência absoluta da variável e o número total de observações.

Por exemplo, utilizando dados do Sinan, foi possível construir a Tabela 2 com frequência abso-
luta de casos de sarampo no ano de 2020 e a frequência relativa de casos segundo cada estado
do país. Por meio dessa tabela percebemos em 2020 foram confirmados 8442 casos de sarampo
e que os estados do Pará, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Amapá concentraram o maior
número de casos confirmados, totalizando 96,7% dos casos.

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Tabela 2 – Casos confirmados de sarampo por unidade da federação, Brasil 2020

Confirmados Óbitos
ID UF
N % N %

1 Pará 5.383 63,8 5 71,4


2 Rio de Janeiro 1.348 16,0 1 14,3
3 São Paulo 866 10,3 1 14,3
4 Paraná 377 4,5 0 0,0
5 Amapá 189 2,2 0 0,0
6 Santa Catarina 110 1,3 0 0,0
7 Rio Grande do Sul 37 0,4 0 0,0
8 Pernambuco 3 34 0,4 0 0,0
9 Minas Gerais 21 0,2 0 0,0
10 Maranhão 17 0,2 0 0,0
11 Ceará 9 0,1 0 0,0
12 Goiás 8 0,1 0 0,0
13 Mato Grosso do Sul 8 0,1 0 0,0
14 Sergipe 8 0,1 0 0,0
15 Bahia 7 0,1 0 0,0
16 Rondônia 6 0,1 0 0,0
17 Distrito Federal 5 0,1 0 0,0
18 Amazonas 4 0,0 0 0,0
19 Alagoas 3 0,0 0 0,0
20 Mato Grosso 1 0,0 0 0,0
21 Tocantins 1 0,0 0 0,0

Total 8.442 100,0 7 100,0

Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Volume 52 | Jan. 2021.

Geralmente, construímos gráficos quando queremos mostrar alguma tendência ou padrão de


variação de frequências de uma variável no tempo ou segundo alguma característica. Observe
a Figura 5. Ela mostra dados sobre o percentual da população brasileira que recebeu a primeira
dose da vacina de covid-19 ao longo de 2021. Ao analisar a figura fica muito nítido que houve
um aumento progressivo no percentual da população vacinada ao longo do tempo.

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Figura 6 – Percentual da população vacinada (1a dose) para covid-19 no Brasil ao longo de 2021

Fonte: FIOCRUZ. Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT). Monitoracovid-19. Rio de Janeiro, 2021.

A importância da realização de gráficos para deixar mais evidente uma tendência também pode
ser exemplificada com os dados da frequência relativa de tabagismo no Brasil entre 2006 e 2017,
para a população total e para e homens e mulheres separadamente (Figura 6). Percebemos que a
frequência relativa de tabagismo é maior entre homens do que entre as mulheres e que em ambos
os grupos houve uma queda do percentual de tabagistas ao longo do tempo. Essas informações
ficaram muito mais nítidas de serem observadas em gráficos do que se estivessem em uma tabela.

Figura 7 – Frequência de fumantes no Brasil segundo sexo no Brasil entre 2006 e 2017

Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Vigilância em Saúde no Brasil 2003|2019: Da
criação da Secretaria de Vigilância em Saúde aos dias atuais. Número Especial | Set. 2019.

O uso de gráficos também facilita detectar a presença de aumento ou redução inusitados na


distribuição da variável. A Figura 7 mostra um aumento abrupto do número absoluto de casos
de sarampo no Brasil partir do mês de junho de 2018, com uma maior concentração de casos
nos meses de julho e agosto e o início da redução a partir do mês de setembro.

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Figura 8 – Frequência de casos confirmados de sarampo no Brasil, 2018-2019

Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Situação do Sarampo no Brasil – 2018-2019. Informe no37, 2019.

Também podemos utilizar distribuições de frequência para descrever variáveis continuas, mas
para isso precisaremos de criar categorias ou faixa de valores para podermos contar o número
de ocorrências em cada faixa. Por exemplo, a Figura 8 descreve a proporção de indivíduos com
18 anos ou mais que referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial na Pesquisa Nacional
de Saúde, segundo faixas etárias.

Figura 9 – Proporção de indivíduos de 18 anos ou mais que referem diagnóstico médico de hipertensão
arterial, segundo grupos de idade.

70
62,1
60 56,6

50 46,9

40

30
20,3
20

10 2,8
0
De 18 a 29 anos

De 30 a 59 anos

De 60 a 64 anos

De 65 a 74 anos

75 anos ou mais

Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde, 2019.

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2.1.6.2 Medidas de tendência central

A descrição dos dados também envolve a utilização de medidas de tendência central que irão
sintetizar em um único número um conjunto de dados. As medidas de tendência central mais
frequentemente utilizadas são a média, a mediana e a moda.

A média resulta da divisão entre o somatório dos valores encontrados em cada observação de
uma variável e a quantidade de observações. A média frequentemente é denotada de xx. Se
tivermos uma série de n valores de uma variável x, a média aritmética simples será determinada
pela expressão:

Por exemplo, no Brasil entre 2003 e 2018 foram registrados mais de 155.539 casos confirmados
meningite viral (Brasil, 2019b). Mas qual seria a média anual de casos nesse mesmo período?
Para calcular essa média basta dividir a somatória de casos confirmados meningite viral em
todos os 16 anos de observação (155.539 casos) pelo número de anos observados (16 anos), que
resultará em uma média anual de casos de 9.722.

A mediana é o valor que divide a distribuição no meio, ou seja, 50% dos valores encontrados
ficam acima da mediana e 50% abaixo. Para localizar a mediana o primeiro passo é ordenar
os valores existentes para poder identificar o valor do meio. Para exemplificar, considere que
temos dois conjuntos de dados individuais, com as seguintes idades ordenadas (em anos):

10, 40, 50,60, 70

14, 24, 55, 61, 71, 95

As idades marcadas localizam a mediana. No primeiro exemplo, a mediana é igual a 50 anos. Já


no segundo exemplo, como o número de observações é par, a mediana será a média dos dois
valores centrais que estão marcados, ou seja, a mediana é igual a 58 anos.

Por fim, a moda é o valor que ocorre com maior frequência. Por exemplo, considere o conjunto de
dados a seguir: {1, 2, 2, 2, 5, 6, 9, 13, 20, 40, 42, 43}. Nesse conjunto a moda é igual a 2. Ressalta-se
que distribuições em que todas as observações ocorrem na mesma frequência não haverá moda.
Além disso, é possível haver mais de uma moda em uma distribuição caso ela tenha mais de uma
observação com frequência máxima. A moda é uma medida pouco utilizada, pois serve apenas para
evidenciar qual o(s) valor(es) que mais se repete(m) em um conjunto de dados.

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Para distribuições simétricas, a média, a mediana e a moda são muito próximas (Figura 9). Uma
distribuição é simétrica quando os valores observados se distribuem em torno de um valor (o
mais frequente) de forma igual, ou seja, metade dos valores ficam acima e metade abaixo da
média). Muitas variáveis como idade, peso, altura se distribuem dessa forma e dizemos que elas
têm distribuição normal, pois assumem o formato da curva normal ou de Gauss.

Figura 10 – Exemplo da distribuição simétrica da variável altura corporal em uma amostra de 13 mil pessoas
(média =165,3 cm; mediana=164,7; moda=164,0)

Fonte: elaborado pela autora.

Por outro lado, a distribuição de valores de algumas variáveis na população é assimétrica, ou


seja, a média, a mediana e a moda são diferentes. Tal fato, cria uma assimetria de distribuição
dos valores em torno da média, gerando dois tipos de assimetria: 1) os valores se concentram
à esquerda (assimetria negativa); e 2) os valores se concentram à direita (assimetria com con-
centração positiva). A figura 10 apresenta uma ilustração aproximada das posições relativas da
moda, média e mediana para os dois tipos de distribuições assimétricas.

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Figura 11 – Exemplo dos dois tipos de distribuições assimétricas

Fonte:https://cesad.ufs.br/ORBI/public/uploadCatalago/09215427022012Bioestatistica_Aula_03.pdf.

Quando queremos sumarizar uma distribuição usando as medidas de tendência central (média,
mediana e moda), a característica da curva de distribuição orienta a melhor medida a usar. No
caso de variáveis contínuas com distribuições simétricas, com frequência utilizamos a média
como medida de tendência central. Já variáveis contínuas com distribuições assimétricas o uso
da mediana é mais adequado. Ou seja, distribuições simétricas, usamos média. Para distribuições
assimétricas, usamos mediana.

Cabe ressaltar que mesmo em distribuições simétricas podem ocorrer alguns valores extremos
isolados, que diferem muito dos demais, seja por serem muito elevados ou muito baixos. Tais
valores podem influenciar muito o cálculo da média, e resultar em uma média estimada que não
reflete bem a tendência central dos dados em questão. Portanto, lembre-se, a média é muito
sensível a dados com valores extremos, principalmente em pequenas amostras. A mediana
não sofre deste problema, por isso, podemos dizer que a mediana é uma medida de tendência
central mais robusta por ser menos influenciada por valores discrepantes.

2.1.6.3 Medidas de variabilidade

A medida de tendência central isoladamente é insuficiente para descrever de maneira completa um


conjunto de dados, pois precisamos saber também em que medida os dados tendem a se dispersar
(variar) em torno de um valor médio. As medidas de dispersão mais frequentemente utilizadas para
variáveis contínuas com distribuição simétrica são a amplitude, variância e desvio-padrão.

A amplitude de um conjunto de dados consiste na diferença entre o maior elemento desse con-

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junto e o menor. Por exemplo, se no Brasil os números de casos confirmados de febre maculosa
no ano de 2018 tivesse variado de 3 a 72 casos dependendo do estado brasileiro, poderíamos
dizer que a amplitude seria igual a 69. Essa medida apesar de localizar os valores mínimos e
máximos vem sendo pouco utilizada, por ser fortemente influenciada, ou até mesmo distorcida,
por apenas uma observação.

A variância é uma medida de variabilidade dos dados em torno da média sendo denotada por
s2. Ela considera os desvios em relação à média de cada uma das observações do conjunto de
dados, ou seja, subtrai-se o valor observado da média para cada observação. Cada um desses
desvios é elevado ao quadrado e, posteriormente somados e dividido pelo número de observa-
ções do conjunto de dados menos 1. Logo, se tivermos uma série de n valores de uma variável
x com uma média igual a xx, a variância será:

Como os desvios na variância foram elevados ao quadrado, a unidade de medida da variância


não é a mesma da variável original o que dificulta a interpretação. Para resolver esse problema
podemos tirar a raiz quadrada da variância e teremos uma medida de dispersão dos dados na
mesma unidade de medida da variável original. Essa medida é denominada de desvio-padrão e
é denotada por s e dada por:

E como podemos interpretar o desvio-padrão? Considere um estudo que analisou as notificações


de síndrome gripal entre março e agosto 2020 nas capitais brasileiras para identificar o intervalo
de tempo decorrido entre início dos sintomas e realização do exame para covid-19 (Lima et al.
2020). Após o exame de 1.942.514 notificações, foi encontrado o tempo médio entre início dos
sintomas e execução dos testes de 10 dias e desvio-padrão de 17 dias, ou seja, em média os
tempos médios entre início dos sintomas e execução dos testes nesta distribuição se afastam
da média por 17 dias (para mais ou para menos). É importante destacar que se a variável se
distribui normalmente, 68,26% das observações estarão dentro de ± 1 desvio-padrão (DP) da
média, 95,44% dentro de ± 2 DP e 99,9% dentro de ± 3 DP (Figura 11). Isso acontece devido a
propriedades da curva normal.

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Figura 12 – Curva normal

Fonte: https://cesad.ufs.br/ORBI/public/uploadCatalago/09215427022012Bioestatistica_Aula_03.pdf.

O baixo desvio-padrão é a medida de dispersão mais utilizada para variáveis simétricas, mas por
ser medida de variabilidade dos dados em torno da média, seu uso não é adequado para variá-
veis assimétricas. Como discutimos anteriormente, para variáveis assimétricas o uso da mediana
é mais apropriado como medida de tendência central. Nesses casos podemos usar os percentis
para caracterizar a variabilidade da variável. Os percentis consistem em uma medida de posição
que divide as observações de uma variável em 100 partes iguais, cada uma com um percentual
de dados aproximadamente igual. Trata-se de uma medida de posição relativa de uma observa-
ção em relação a todas as demais. O valor da mediana é o percentil 50 de uma distribuição, pois
divide as observações no meio. Por exemplo, a mediana do tempo decorrido entre a exposição
ao SARS-Cov2 e a manifestação dos primeiros sintomas (período de incubação) é de 5,1 dias, o
percentil 2,5 dessa distribuição é igual a 2,2 dias e o percentil 97,5 é igual a 11,5 (Lauer et al
2020). Dessa forma, menos de 2,5% da população estudada possui período de incubação menor
do que 2,2 dias e 97,5% possuem período de incubação abaixo de 11,5 dias.

Também podemos dividir as nossas observações em 4 grupos para criar quantis. Nesse caso os
percentis 25, 50 e 75 são o que chamamos de primeiro, segundo e terceiro quartis, respectiva-
mente. Utilizamos essa divisão para calcular o intervalo interquartil que consiste no intervalo
entre o primeiro e terceiro quartis. Se calcularmos a diferença entre o primeiro e o terceiro
quartis chegaremos na amplitude interquartil. Tanto o intervalo interquartil como a amplitude
interquartil são medidas de dispersão frequentemente utilizadas para variáveis assimétricas.
Por exemplo, a Tabela 3 mostra resultados de um estudo que analisou o tempo de espera

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de consultas médicas realizadas na região metropolitana de Manaus (Galvão et al, 2020). A


mediana do tempo de espera entre as mulheres foi de 90 minutos com intervalo interquartil de
30-180 minutos. Isso quer dizer que 50% dos tempos de espera das consultas entre as mulheres
observadas variou entre 30 e 180 minutos e que 25% desses tempos estavam abaixo de 30
minutos e 25% estavam acima de 180 min. Para homens o tempo de espera mediano foi menor,
já que a mediana foi 65 minutos e dispersão dos dados também foi menor, já que amplitude
interquartil foi menor (100 minutos em homens versus 150 minutos em mulheres).

Tabela 3 – Medianas do tempo de espera de consulta médica (n=4.001) na região metropolitana de Manaus,
segundo sexo 2015
Mediana (Intervalo interquartil)
Variáveis
Tempo de espera (minutos)
Sexo
Masculino 65 (30;130)
Feminino 90 (30;180)

Fonte: Galvão, Taís Freire et al. Tempo de espera e duração da consulta médica na região metropolitana de Manaus, Brasil: estudo
transversal de base populacional, 2015. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2020, v. 29, n. 4, e2020026.

2.1.7 Conclusão

Nesta aula demonstramos que a compreensão das características e propriedades dos dados
epidemiológicos é fundamental para se produzir, descrever, analisar e interpretar dados epi-
demiológicos de forma rigorosa, cautelosa e crítica. Todas essas etapas são essenciais para se
produzir informações epidemiológicas de qualidade e, portanto, são essenciais para qualquer
profissional que atue na área de vigilância em saúde.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Almeida WS, et al. Avaliação das informações do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos
(Sinasc), Brasil . Cad. Saúde Pública. 2019, vol.35, n.10.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico: Sífilis.


Número Especial, 2019a.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico: Vigilância


em Saúde no Brasil 2003|2019: da criação da Secretaria de Vigilância em Saúde aos dias atuais.
Número Especial | Set. 2019b.

FIOCRUZ. Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT). Moni-


toraCovid-19. Rio de Janeiro, 2021.

Galvão, Taís Freire et al. Tempo de espera e duração da consulta médica na região metropolitana de
Manaus, Brasil: estudo transversal de base populacional, 2015. Epidemiologia e Serviços de Saúde.
2020, v. 29, n. 4, e2020026.

Lauer SA, Grantz KH, Bi Q, Jones FK, Zheng Q, Meredith HR, Azman AS, Reich NG, Lessler J. The
Incubation Period of Coronavirus Disease 2019 (covid-19) From Publicly Reported Confirmed Cases:
Estimation and Application. Ann Intern Med. 2020 May 5;172(9):577-582.

Lima, Francisca Elisângela Teixeira et al. Intervalo de tempo decorrido entre o início dos sintomas
e a realização do exame para covid-19 nas capitais brasileiras, agosto de 2020*. Epidemiologia e
Serviços de Saúde. v. 30, n. 1 , e2020788.

Romero DE et al. Tendência e desigualdade na completude da informação sobre raça/cor dos óbitos
de idosos no Sistema de Informações sobre Mortalidade no Brasil, entre 2000 e 2015. Cadernos de
Saúde Pública. v. 35, n. 12, 2019.

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CARACTERÍSTICAS DO DADO EPIDEMIOLÓGICO E MEDIDAS DE OCORRÊNCIA


2.2 - Qualidade dos instrumentos epidemiológicos
Nessa aula estudaremos sobre a qualidade dos instrumentos epidemiológicos, abordando as
medidas de validade, como a sensibilidade e especificidade, valores preditivos e sua relação
com a frequência da doença, bem como sua confiabilidade. Pretendemos, ao final dessa aula,
que você seja capaz de compreender as propriedades de testes e medidas de saúde e entender
como sua a escolha influencia a interpretação de resultados de análises descritivas em saúde.

2.2.1. Introdução

Um dos importantes desafios da prática e cotidiano dos profissionais de saúde é identificar


corretamente quem está doente. Saber diferenciar aqueles que estão doentes dos que não
possuem uma doença se faz essencial para fornecer uma atenção e cuidado à saúde adequados
e efetivos. Além disso, diferentes medidas de aferição de uma dada doença podem impactar di-
retamente as estimativas de frequência de uma dada doença na população (como a prevalência
e a incidência, que serão abordadas na Aula 2.3).

Em geral, utilizamos testes/exames disponíveis na rotina nos serviços de saúde seja para
triagem ou rastreamento de pacientes, diagnóstico de doenças ou ainda para acompanhar a
evolução clínica.

Os testes/exames podem ser de vários tipos, de imagem, de laboratório, exames físicos, entre
outros. Veja no quadro 1 alguns exemplos de testes/exames comuns, frequentemente utilizados
para a distinção entre pessoas com e sem a doença em questão.
Exemplos de testes ou instrumento utilizados para auxiliar na distinção
de indivíduos com ou sem uma determinada doença ou condições de saúde
Glicemia de jejum Diabete Melitus
Aferição de Pressão Arterial Hipertensão Arterial
Balança (aferição de peso corporal) Obesidade
Mamografia Câncer de Mama
Exame Papanicolau Câncer de Colo Uterino
Pressão Intraocular Glaucoma

Muitas doenças podem ser diagnosticadas por mais de um teste ou exame, como a dengue por

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exemplo. Mas, mesmo testes/exames caros e/ou invasivos, frequentemente não garantem que
100% dos indivíduos que tem uma doença serão detectados corretamente. Seja qual for o tipo
de teste/exame realizado, fica sempre a pergunta:

“Quão bom esse teste/exame é em separar os indivíduos com e sem a doença em questão?”

Diante desse questionamento, temos que ter em mente que, na maioria das vezes, o resulta-
do de um teste/exame nos fornece uma probabilidade de o indivíduo estar ou não doente, e
não uma certeza absoluta. Para compreender melhor essa probabilidade, vamos a um exemplo
hipotético. Suponha que 1.000 mulheres já tem o seu diagnóstico confirmado com relação à
presença ou ausência de câncer de colo uterino (Tabela 1):

Tabela 1 – Diagnóstico de câncer de colo uterino em uma população hipotética de 1.000 mulheres

Câncer de colo uterino Número de indivíduos

Positivo 200
Negativo 800
Total 1.000

Para verificar se o exame de Papanicolau (teste/exame utilizado para rastreamento de câncer de


colo uterino) é capaz de fornecer os mesmos resultados encontrados acima, as mesmas 1.000
mulheres foram submetidas a esse exame. Veja o resultado logo abaixo na Tabela 2:

Tabela 2 – Resultado do exame de Papanicolau em uma população hipotética de 1.000 mulheres

Resultado do exame de Papanicolau Número de indivíduos

Positivo 530
Negativo 470
Total 1.000

Agora perceba: a quantidade de indivíduos com resultado positivo é a mesma nas duas situa-
ções? E para os indivíduos com resultado negativo? Será que todos os indivíduos com câncer de
colo uterino tiveram resultado positivo no exame de Papanicolau?

Para compreender melhor a diferença observada nas duas tabelas acima, vamos cruzar as infor-
mações obtidas e colocá-las em uma só tabela (Tabela 3):

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Tabela 3 – Comparação hipotética para efeito de análise da validade

Resultado do exame Câncer de colo uterino


Total
de Papanicolau Positivo Negativo
Positivo 180 350 530

Negativo 20 450 470

Total 200 800 1.000

Observe que existem mulheres que possuem o diagnóstico de câncer de colo uterino, mas que
receberam o resultado negativo pelo exame de Papanicolau (20 mulheres) – tais resultados são
chamados de falso negativos. Existem ainda mulheres que não possuem câncer de colo uterino,
mas que receberam o resultado positivo pelo teste/exame (350 mulheres). Ou seja, são resultados
falso positivos. Ainda, dá-se o nome de verdadeiros positivos àqueles indivíduos que tem a doença
e que receberam o resultado do teste/exame positivo, e verdadeiros negativos aqueles que não
estão doentes e tiveram o resultado negativo do teste/exame realizado.

Essa situação é bastante comum na quase totalidade dos testes/exames diagnósticos ou instru-
mentos: eles produzem resultados verdadeiro positivos, falso positivos, verdadeiro negativos e
falso negativos, como pode ser visto na Tabela 4 abaixo:

Tabela 4 – Comparação dos resultados de um teste com o estado da doença, evidenciando os quatro grupos
de resultados possíveis

Doença
Presente Ausente

Positivo Verdadeiro Positivo Falso Positivo


Teste
Negativo Falso Negativo Verdadeiro Negativo

Então, podemos apresentar a Tabela 3 novamente aplicando esses novos conceitos (Tabela 3.1):

Tabela 4.1 – Comparação hipotética para efeito de análise da validade, evidenciando os quatro grupos de
resultados possíveis

Resultado do exame Câncer de colo uterino


Total
de Papanicolau Positivo Negativo
Positivo 180 (Verdadeiro positivo) 350 (Falso positivo) 530

Negativo 20(Falso negativo) 450 (Verdadeiro negativo) 470

Total 200 800 1.000

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Mas, por que foi realizado o exame de Papanicolau se o diagnóstico de câncer de colo uterino
já havia sido confirmado? Como essa informação de diagnóstico foi obtida?

Em geral, a melhor informação sobre a ausência ou presença da doença (ou status da doença)
é obtida por um teste/exame, geralmente chamado de padrão-ouro ou padrão de referência.
Como o teste/exame padrão nos fornece uma informação mais correta sobre a ausência ou pre-
sença da doença, eles são usados para comparação com os demais testes/exames que tenham
o mesmo objetivo diagnóstico. O teste/exame padrão utilizado para confirmar o diagnóstico de
câncer de colo uterino dessas 1.000 mulheres, no nosso exemplo, foi a biópsia.

Já que esse teste/exame padrão é mais acurado, por que não o utilizamos para fazer o diagnóstico
da doença? Porque em geral os testes/exames padrão são mais caros, são tecnicamente mais
complexos ou demorados, ou mais invasivos e podem oferecer algum tipo de risco ao paciente.
Por estas razões, eles são pouco práticos para uso recorrente, no dia a dia dos serviços de saúde **.

**SAIBA MAIS!
Testes padrão ouro ou padrão referência x testes usuais para algumas condições de saúde:

Condições de saúde Teste padrão Teste usual

Câncer de pulmão Biópsia Tomografia computadorizada e/ou


ressonância nuclear megnética
Presença do vírus HIV ELISA e/ou Western Blot Teste rápido
Configuração coportal Ressonância Magnética Aferição de pregas cutâneas
(percentual de gordura corporal)

Assim, quando usamos um teste menos acurado, temos que considerar a probabilidade de o resul-
tado ser falso, tanto falso positivo (o indivíduo não está doente, mas o resultado do teste/exame
é positivo); como falso negativo (o indivíduo está doente, mas o resultado é negativo). Por isto,
precisamos conhecer estas probabilidades, e é o que vamos verificar no próximo tópico.

2.2.2. Validade dos testes e instrumentos

A validade de um teste/exame ou instrumento é a expressão do grau de acerto entre o teste/


exame ou instrumento e o que ele se propõe a medir, ou seja, é a habilidade de um teste/exame
em diferenciar corretamente quem tem ou não a doença.

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A validade possui dois componentes: a sensibilidade e a especificidade, consideradas proprieda-


des inerentes do teste/exame.

Percebemos então que a sensibilidade é a taxa de verdadeiros positivos de um teste/exame,


enquanto a especificidade é a sua taxa de verdadeiros negativos. Quanto maiores os valores de
sensibilidade e especificidade, mais próximo esse teste/exame é do seu padrão de referência e,
portanto, maior a sua validade (também chamada de acurácia).

Lembram-se dessa tabela 4 do tópico anterior? Vamos relembrá-la atribuindo uma letra para
cada grupo de resultados possíveis:

Tabela 4 – Comparação dos resultados de um teste com o estado da doença, evidenciando os quatro grupos
de resultados possíveis

Doença

Presente Ausente

Positivo Verdadeiro Positivo (a) Falso Positivo (b) a+b


Teste
Negativo Falso Negativo (c) Verdadeiro Negativo (d) c+d

a+c b+d

E aqui temos a definição de sensibilidade e especificidade, incorporando o seu cálculo de acordo


com as letras atribuídas a cada casela da tabela anterior:

Sensibilidade é a probabilidade que um resultado de um teste seja positivo, quando realizado em pessoas que realmente
estejam doentes.

Sensibilidade = Verdadeiros positivos / total de doentes (a / (a + c))

Especificidade é a probabilidade que um resultado de um teste seja negativo, quando realizado em pessoas que realmente não
estejam doentes.

Especificidade = Verdadeiros negativos / total de não doentes (d / (b + d))

Como os indicadores são interpretados?

Então, a sensibilidade revela a proporção de verdadeiros positivos (a) entre todos os doentes (a +
c). Desse modo, podemos perceber que quanto maior a sensibilidade de um teste/exame, menor
a proporção de resultados falso negativos.

A mesma lógica pode ser aplicada à especificidade: quanto maior a especificidade de um teste/
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exame, menor a proporção de resultados falso positivos.

Vamos ver agora um exemplo de como podemos obter esses valores de sensibilidade e especi-
ficidade de um teste/exame, utilizando a mesma tabela 3 que vimos no tópico 1.

Tabela 3 – Comparação hipotética para efeito de análise da validade

Resultado do exame Câncer de colo uterino (Biópsia)


Total
de Papanicolau Positivo Negativo
Positivo 180 350 530

Negativo 20 450 470

Total 200 800 1000

Como calcula-se a sensibilidade do exame de Papanicolau?

1. Identificamos primeiramente os verdadeiros positivos e o total de doentes identificados pelo


teste padrão (Biópsia).

2. Logo após, realizamos a divisão dos valores e multiplicamos o resultado por 100 para faci-
litar a interpretação (em termos percentuais).

Assim temos:

Verdadeiros positivos = 180

Total de doentes = 200

Sensibilidade = 180 / 200 = 0,90 ----------------->> 90%

Assim, a sensibilidade do exame de Papanicolau nessa população de 1.000 mulheres foi de 90%.

E como interpretar esse valor?

E só lembrar-se do conceito de sensibilidade:

--- A proporção de pessoas doentes que foram corretamente identificadas como “positivas” é de
90 a cada 100, ou de 90% -----

OU aplicando ao problema de saúde em questão:

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---- 90% das pessoas com câncer de colo uterino foram corretamente identificadas como “posi-
tivas” pelo exame de Papanicolau ----

E como se calcula a especificidade do exame Papanicolau?

1. Identificamos primeiramente os verdadeiros negativos e o total de não-doentes identifica-


dos pelo teste padrão (Biópsia).

2. Logo após, realizamos a divisão dos valores e multiplicamos o resultado por 100 para faci-
litar a interpretação (em termos percentuais).

Assim temos:

Verdadeiros negativos = 450

Total de não-doentes = 800

Especificidade = 450 / 800 = 0,56 ----------------->> 56%

E como interpretar esse valor?

E só lembrar-se do conceito de especificidade:

--- A proporção de pessoas não-doentes que foram corretamente identificadas como “negativas”
é de 56 a cada 100, ou de 56% -----

OU aplicando ao problema de saúde em questão:

---- 56% das pessoas sem câncer de colo uterino foram corretamente identificadas como “nega-
tivas” pelo exame de Papanicolau ----

Idealmente, os testes/exames utilizados devem ter alta sensibilidade e especificidade, mas na


prática nem sempre existem testes disponíveis com características ótimas. Percebemos que o
exame de Papanicolau do nosso exemplo não distingue doentes e não-doentes de uma forma
isenta de erros, o que, na prática é bastante comum como já dissemos anteriormente. Veja no
quadro 2 abaixo sobre os dados de acurácia sobre dois testes diagnósticos sorológicos para
covid-19 (comparados ao teste padrão RT-PCR):

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Quadro 2 – Desempenho de dois testes diagnósticos sorológicos para covid-19 registrados na ANVISA

Nome do teste Dados de acurácia

Sensibilidade: 86%
Eco F covid-19 Ag
Especificidade 95

Sensibilidade 70%
Covid-19 Ag Eco Teste
Especificidade 97%

Fonte: Ministério da Saúde. Acurácia dos testes diagnósticos registrados na ANVISA para a covid-19. Brasília, Maio, 2020. Disponível
em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/June/02/AcuraciaDiagnostico-covid19-atualizacaoC.pdf.

Perceba que o teste “Covid-19 Ag ECO Teste” é capaz de identificar corretamente como positivos
70% dos verdadeiramente doentes. E quem seriam esses 30% restantes?

São justamente aqueles que o teste/exame foi incapaz de identificar corretamente como doen-
tes, ou seja, identificou como negativos indivíduos que estavam doentes de fato. Desse modo,
os 30% se referem à proporção de falso negativos que aquele teste/exame resulta dentre os
indivíduos sabidamente doentes.

LEMBRE-SE!
A sensibilidade e especificidade são características fixas do teste/exame.

Aplicação na Saúde Pública

Qual a importância dos testes/exames de rastreamento e por que eles devem ser mais sensíveis?

Quando se conduz um programa de rastreamento, a intenção é detectar o máximo de indiví-


duos que podem ter a doença, inclusive os assintomáticos. O intuito é não deixar de identificar
nenhuma pessoa que esteja doente, pois presume-se que todos os doentes se beneficiariam de
uma intervenção, tratamento, ou até da realização de algum outro teste/exame confirmatório
mais sofisticado. Então, com essa lógica em mente, espera-se que testes/exames mais sensíveis
sejam os mais adequados, já que identificariam mais pessoas doentes ou até todos os que são
verdadeiramente doentes, mesmo que as custas de uma proporção pequena de falso negativos.
Assim, testes/exames mais sensíveis são úteis para descartar a existência de uma doença, já que
um teste/exame negativo tem pouca probabilidade de ser falso.

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No entanto, temos que lembrar que a informação que teremos em um programa de rastreamento
serão os resultados dos testes/exames realizados. E, dentre o total de resultados positivos que
um teste/exame fornece, temos aqueles que são falsos positivos também, além dos verdadeiros
positivos (Destaque em verde na tabela 4 abaixo)!

Tabela 4 – Comparação dos resultados de um teste com o estado da doença, evidenciando os quatro grupos
de resultados possíveis

Doença

Presente Ausente

Positivo Verdadeiro Positivo (a) Falso Positivo (b) a+b


Teste
Negativo Falso Negativo (c) Verdadeiro Negativo (d) c+d

a+c b+d

Assim, após a realização de um teste/exame mais sensível conduzido em um programa de ras-


treamento, o ideal é que se realize um teste/exame mais específico entre os indivíduos positi-
vos no rastreamento. Os testes mais específicos são ideais para confirmar a existência de uma
doença. Independentemente se utilizado após um teste/exame mais sensível ou isoladamente,
um teste/exame mais específico dificilmente vai classificar de forma equivocada os indivíduos
não-doentes como doentes, já que idealmente apresentam uma proporção irrisória ou inexis-
tente de resultados falsos positivos. Assim, se um teste/exame bastante específico fornecer um
resultado positivo para a doença em questão, é muito provável que o indivíduo realmente esteja
com a determinada doença.

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*E QUAL O PROBLEMA DE TER UM RESULTADO


FALSO POSITIVO? E FALSO NEGATIVO?
Depende da doença em questão!!
Suponha que o programa de rastreamento realizado foi para detectar indivíduos portadores
do vírus HIV, por meio de testes/exames rápidos pouco sensíveis (com alta proporção de re-
sultados falso negativos). Assim, é bastante provável que um indivíduo que vive com HIV não
seja identificado e continue a viver normalmente. Essa situação é grave pois esse indivíduo
poderia ter a oportunidade de buscar tratamento gratuito na rede pública de saúde, aumen-
tando sua sobrevida e diminuindo as chances de transmitir o vírus para outras pessoas. No
Brasil, o Ministério da Saúde estimou em 2019 que mais de 135 mil pessoas vivem com o
vírus, mas não sabem disso (Brasil, 2019). E a utilização de um teste/exame pouco sensível
para rastreamento pode contribuir para perpetuar essa situação.

Caso os testes/exames rápidos utilizados no programa de rastreamento para HIV forem pou-
co específicos, o problema também é crítico. A proporção de resultados falso positivos seria
alta, ou seja, muitos receberiam o resultado positivo sem de fato ter o vírus. Esse cenário po-
deria acarretar, no mínimo, em ansiedade e preocupação nessas pessoas, sem mencionar a
possiblidade de tratamento inadequado e o estigma que pessoas vivendo com HIV ainda car-
regam na sociedade atual. Sem mencionar na sobrecarga no sistema de saúde para atender
à demanda desses indivíduos com o resultado “positivo”. Obviamente é possível realizar um
teste/exame mais específico que permita confirmar a existência do vírus no corpo, mas as
consequências morais e psicológicas desse tipo de resultado falso podem ser irreversíveis.

No entanto, existem doenças cujo resultado falso positivo ou negativo não tem um impacto
tão significativo na vida dos indivíduos quanto no exemplo acima. Então, a importância dos
resultados falsos depende da natureza e da severidade da doença, e das oportunidades e
disponibilidade de tratamento e intervenção confiável para tal.

2.2.2.1. Valor preditivo de um teste/exame ou medida

Até o momento, nos perguntamos o quanto um teste/exame é bom para identificar as pessoas
com e sem a doença. Ou seja, se fizermos um rastreamento na população, por exemplo, já
podemos obter a proporção de pessoas com a doença que terão o seu resultado do teste/exame
positivo, sendo corretamente identificadas. Essa informação é de grande relevância para a saú-

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de pública e para medidas de âmbito populacional, como campanhas de promoção do controle


da hipertensão arterial, por exemplo.

No entanto, na prática clínica de muitos serviços de saúde, não é raro ter que lidar com os resultados
de testes/exames dos indivíduos que procuram esse serviço ou que são acompanhados por ele.
Então, uma vez que temos o resultado de um teste/exame em mãos, é natural que se pergunte: “Se o
resultado do teste for positivo, qual a probabilidade desse paciente realmente ter a doença?” ou “Se
o resultado do teste for negativo, qual a probabilidade desse paciente realmente não ter a doença?”.
Isso é chamado de valor preditivo positivo e negativo, respectivamente:

Valor Preditivo Positivo (VPP) é a probabilidade de uma pessoa com um resultado do exame positivo apresentar realmente a doença.

VPP = Verdadeiro positivo/ total de testes positivos (a / (a + b))

Valor Preditivo Negativo (VPN) é a probabilidade de uma pessoa com um resultado do exame negativo realmente não
apresentar a doença.

VPN = Verdadeiro positivo/ total de testes negativos (d / (b + d))

O valor preditivo positivo (VPP) revela a proporção de verdadeiros positivos (a) entre todos
os indivíduos que receberam o resultado positivo do teste realizado (a + b). Desse modo,
podemos perceber que quanto maior o VPP, menor a proporção de resultados falso positivos.

A mesma lógica pode ser aplicada ao valor preditivo negativo (VPN): quanto maior o VPN,
menor a proporção de resultados falso negativos.

Vamos retornar ao nosso exemplo sobre o diagnóstico do câncer de colo uterino visto em tópi-
cos anteriores (Tabela 3):

Tabela 3. Comparação hipotética para efeito de análise da validade.

Resultado do exame Câncer de colo uterino (Biópsia)


Total
de Papanicolau Positivo Negativo
Positivo 180 350 530

Negativo 20 450 470

Total 200 800 1.000

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Como calcular o VPP?

Para obter VPP, identificamos primeiramente os verdadeiros positivos e o total de resultados


positivos fornecidos pelo exame de Papanicolau. Logo após, realizamos a divisão dos valores
e multiplicamos o resultado por 100 para facilitar a interpretação (em termos percentuais).
Assim temos:

Verdadeiros positivos = 180

Total de indivíduos com resultado positivo = 530

VPP = 180 / 530 = 0,34 ----------------->> 34%

Assim temos que o VPP nessa população de 1.000 mulheres foi de 34%. E como interpretar esse
valor? E só lembrar-se do conceito de VPP:

--- A proporção de pessoas com resultado do teste positivo que realmente apresentam a doença
é de 34 a cada 100, ou de 34% -----

OU aplicando ao problema de saúde em questão:

---- 34% das pessoas com resultado “positivo” para câncer de colo uterino pelo exame de Papa-
nicolau realmente apresentam tal doença ----

Como calcular o VPN?

Para calcular o VPN, a lógica é a mesma, baseada em sua definição:

Verdadeiros negativos = 450

Total de indivíduos com resultado negativo = 470

VPN = 450 / 470 = 0,96 ----------------->> 96%

E interpretamos o valor de 96% encontrado da seguinte forma:

--- A proporção de pessoas com resultado do teste negativo que realmente não apresentam a
doença é de 96 a cada 100, ou de 96%-----

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OU aplicando ao problema de saúde em questão:

---- 96% das pessoas com resultado “negativo” para câncer de colo uterino pelo exame de
Papanicolau realmente não apresentam tal doença ----

IMPORTANTE!

Ao contrário da sensibilidade e da especificidade que são propriedades inerentes ao teste/


exame em questão, o valor preditivo é afetado, dentre outros fatores, pela frequência (preva-
lência**) da doença na população testada.

** Mais detalhes sobre esse conceito serão abordados na Aula 2.3.

2.2.2.1.1. Relação entre o valor preditivo e a frequência da doença na população.

Para ilustrar a relação entre o valor preditivo e a frequência da doença na população vamos
utilizar o exemplo da dengue e da prova do laço:

O diagnóstico clínico da dengue é desafiador, pois os sintomas são inespecíficos e comuns a


muitas outras infecções. Para auxiliar no diagnóstico, especificamente durante a fase inicial,
aguda e febril, a Organização Mundial da Saúde recomenda o uso do Teste do Torniquete (tam-
bém conhecido como prova do laço) para apoiar a tomada de decisão diagnóstica. Por ser um
procedimento barato, rápido e fácil de realizar, o uso da prova do laço se tornou amplamente
difundida na prática clínica em todo o mundo (Grande et al, 2016).

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Figura 1 – Prova do laço

Fonte: Telessaúde RS-UFRGS (2020).

Um estudo avaliou a qualidade das evidências que apoiam o uso da prova do laço para o diag-
nóstico da dengue em comparação com o resultado obtido pela resposta de anticorpos medida
pelo método ELISA (teste padrão). Considerando os estudos analisados, a prova do laço apre-
sentou uma sensibilidade de 58% e especificidade de 71% para diagnóstico de dengue (Grande
et al, 2016).

Com os dados de sensibilidade e especificidade do teste “prova do laço”, a tabela 5 foi constru-
ída considerando que a frequência hipotética de Dengue na população testada foi de 1% (1 a
cada 100 pessoas apresentam Dengue):

Tabela 5 – Proporção de resultados positivos e negativos de acordo com o teste ELISA (teste padrão) e o teste
“Prova do laço” (frequência de Dengue na população = 1%)

Resultado do teste ELISA


Total
“prova do laço” Positivo Negativo
Positivo 58 2.871 2.929

Negativo 42 7.029 7.071

Total 100 9.900 10.000

Diante dos resultados obtidos, podemos obter o VPP igual a 1,98%. Ou seja, cerca de 2% das pessoas
com resultado “positivo” para Dengue pela prova do laço realmente apresentam tal doença.

Vamos considerar os mesmos dados de sensibilidade e especificidade para a prova do laço, mas

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agora com a frequência de Dengue um pouco maior: 5%. Vejamos os resultados na Tabela 6.

Tabela 6 – Proporção de resultados positivos e negativos de acordo com o teste ELISA (teste padrão) e o teste
“Prova do laço” (frequência de Dengue na população = 5%)

Resultado do teste ELISA


Total
“prova do laço” Positivo Negativo
Positivo 290 2.755 3.045

Negativo 210 6.745 6.955

Total 500 9.500 10.000

Com a frequência de Dengue em 5%, o percentual de pessoas com resultado “positivo” para
Dengue pela prova do laço e que realmente apresentam tal doença passa para 9,52%.

Diante das duas tabelas acima, percebemos que quanto maior a prevalência da Dengue, maior
será a proporção de doentes entre os que tem o resultado do teste “prova do laço” positivo para
dengue. Ou seja:

Quanto maior a prevalência da doença em questão, maior o valor preditivo positivo. E por que devemos
nos atentar a isso?

Imagine que iremos planejar um programa de rastreamento para a dengue utilizando a prova do laço em
uma população cuja frequência da doença é 1%. Já sabemos que, a cada 100 pessoas com teste positivo
para dengue pela prova do laço, apenas cerca de 2 realmente terão a doença. Percebe-se assim que o
rastreamento de uma população para uma determinada doença que é pouco frequente pode ser pouco
custo-efetivo considerando o número de indivíduos corretamente identificados e o esforço dos profissionais
de saúde e o gasto de recursos materiais para tal programa.

No entanto, vamos supor agora que um subgrupo da população vive em uma área de alto risco para Dengue,
e a frequência dessa doença nessa área é de 15%. Considerando os dados que mostramos acima, o VPP
seria de 26%. Assim, se um programa de rastreamento para Dengue for direcionado para essa população de
mais alto risco, tal programa provavelmente será mais produtivo.

Assim, podemos concluir que os valores de sensibilidade e especificidade de um determinado teste devem
estar acompanhados da frequencia da doenca na populacao em que foi realizado o teste, para que possa-
mos prever qual a proporcao de individuos com o diagnostico correto dentre aqueles com resultado positivo
ou negativo do teste em questao.

Assim, podemos concluir que os valores de sensibilidade e especificidade de um determinado


teste devem estar acompanhados da frequência da doença na população em que foi realizado

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o teste, para que possamos prever qual a proporção de indivíduos com o diagnóstico correto
dentre aqueles com resultado positivo ou negativo do teste em questão.

2.2.3. Confiabilidade

Além da acurácia, outro aspecto que deve ser considerado para avaliar a qualidade de um
instrumento diagnóstico é a confiabilidade.

A confiabilidade de um teste/exame, também chamada de reprodutibilidade ou precisão, é


medida por sua capacidade de obter resultados semelhantes uma vez que o teste/exame é
replicado sob as mesmas condições. Por exemplo, um teste/exame é considerado de alta re-
produtibilidade quando se obtém praticamente o mesmo resultado em testes feitos de forma
independente e mediante as mesmas condições.

Vamos observar novamente dados sobre o desempenho de testes sorológicos para diagnóstico
de covid-19, agora com relação à precisão dos testes:

Quadro 3 – Desempenho de dois testes diagnósticos sorológicos para covid-19 registrados na ANVISA

Nome do teste Dados de acurácia

Sensibilidade: 86%
Eco F covid-19 Ag
Especificidade 95

Sensibilidade 70%
Covid-19 Ag Eco Teste
Especificidade 97%

Fonte: Ministério da Saúde. Acurácia dos testes diagnósticos registrados na ANVISA para a covid-19. Brasília, Maio, 2020. Disponível
em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/June/02/AcuraciaDiagnostico-covid19-atualizacaoC.pdf.

Então, vamos considerar a confiabilidade (ou precisão) do teste “MedTeste Coronavírus (covid-19)
IgG/IgM (TESTE RÁPIDO)” para o IgG. Se realizarmos 100 desses testes sob as mesmas condi-
ções, vamos obter resultados semelhantes em cerca de 99 deles. Percebe-se que quanto menor
a variabilidade entre os valores encontrados, maior a precisão da aferição.

É importante lembrar que existem fatores que podem influenciar na variação dos resultados
diante da repetição dos testes/exames, como a variações intrasujeito, intraobservador e intero-
bservador. A seguir, vamos falar um pouco mais sobre cada uma delas:

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2.2.3.1. Variação Intrasujeito

Os valores obtidos em cada teste/exame realizado em um mesmo indivíduo estão sujeitos a


variações. Então, a variação intrasujeito refere-se àquela variação encontrada quando se repete
um exame ou medida em uma mesma pessoa.

Um exemplo dessa variação pode ser observado nas aferições da pressão arterial de um indiví-
duo em um mesmo dia ou em dias diferentes, uma vez que existem vários fatores que podem
interferir nessa variação: local de aferição (casa ou consultório), prática de exercícios físicos
antes da aferição, estado de jejum ou após alguma refeição. Então, as medidas realizadas em
um mesmo indivíduo podem sofrer variações.

2.2.3.2. Variação Intraobservador

Diante de um resultado de determinado teste/exame que necessite de uma análise técnica para
definição de diagnóstico ou na determinação de algum diagnóstico de caráter subjetivo, um mes-
mo observador pode realizar diferentes interpretações desse mesmo teste/exame em dois ou mais
momentos distintos.

Por exemplo, ao avaliar um conjunto de radiografias em dois momentos diferentes, um radiolo-


gista pode ter interpretações diferentes a respeito de uma ou mais radiografias.

2.2.3.3. Variação Interobservador

A variação intraobservador descrita no tópico anterior também pode ser vista entre diferentes
observadores, ou seja, a variação interobservador. A percepção diferenciada entre observadores
de um mesmo conjunto de testes/exames ou medidas também pode ocorrer mais frequente-
mente naquelas que requerem um julgamento mais subjetivo.

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Ao avaliar as mesmas lâminas em um microscópio para a pesquisa de hematozoários, dois ava-


liadores podem produzir ou não os mesmos resultados a respeito de cada lâmina.

Diante das possibilidades de se obter diferentes resultados quando os testes/exames/medidas


são realizados, é importante pensar nos fatores que podem melhorar a confiabilidade do resul-
tado ou diminuir a probabilidade desses tipos de variações citadas acima ocorrerem.

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** O QUE FAZER PARA MELHORAR A CONFIABILIDADE?

> Padronização dos métodos de aferição


Os métodos de aferição dos testes, exames ou medidas devem ser padronizados, de forma que todo o protocolo que en-
volva a sequência de procedimentos que devem ser seguidos para tal aferição deve ser previamente planejado e descrito.
Mais detalhes sobre a padronização dos métodos de aferição podem ser vistos na Aula 2.1.

> Treinamento e certificação do aferidor


Uma vez que existe um protocolo que descreve os procedimentos a serem realizados para se obter o resultado do
teste, exame ou medida em questão, existe a necessidade de treinamento dos profissionais que vão executar tais
procedimentos. Eles devem primeiramente compreender a importância de se cumprir tais procedimentos da forma
descrita e na ordem que foi proposta.

Imaginem que um paciente tenha sua pressão arterial aferida por dois aferidores treinados, e o protocolo explicita que
deve haver um repouso de 5 minutos antes dessa aferição. Um aferidor respeita o protocolo e o outro não. Imaginem
o quanto haverá de variação interobservador nas medidas desse paciente!

Por isso é tão importante que os aferidores tanto conheçam os protocolos quanto sejam treinados e certificados por
profissionais capacitados para que as medidas sejam realizadas da maneira mais padronizada possível.

> Calibração do instrumento


O instrumento que será utilizado na aferição da medida, exame ou teste a ser realizado deve estar devidamente
calibrado. Imaginem o impacto de ter uma balança descalibrada em um programa de triagem para captar indivíduos
que estejam com excesso de peso. Indivíduos serão erroneamente classificados como tendo excesso de peso ou
não, o que pode influenciar diretamente na oportunidade participação de um programa de intervenção que proponha
melhorias no estilo de vida desses indivíduos, por exemplo.

Dessa forma, é importante que protocolos de calibração, com a periodicidade explicitada, sejam feitos para garantir
que o instrumento está medindo o que ele se propõe a medir e da maneira mais acurada e confiável possível.

> Repetição de medidas e uso da média


Por fim, é muito comum que algumas medidas sejam feitas mais de uma vez em uma mesma pessoa, e que a média
dessas medidas seja utilizada para fins diagnósticos ou decisões terapêuticas.

A aferição da pressão arterial, novamente, é um exemplo frequente. Muitas vezes tal aferição é realizada em du-
plicata ou triplicata e a média das medidas é utilizada. Isso ocorre pois alguma das aferições pode ter sido alvo
de desvios no protocolo de aferição: o paciente pode ter se movimentado bruscamente, ou não se posicionado
corretamente, ou pode não ter feito o repouso de forma apropriada, dentre outras situações.

Diante dessas ações para melhorar a confiabilidade de um teste, exame ou medida, percebemos a importância do estabe-
lecimento de protocolos de aferição, treinamento e certificação de entrevistadores e da garantia e controle de qualidade
desses procedimentos.

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Enfim, o que buscamos: um resultado válido ou confiável?

AMBOS!

Se um teste for altamente sensível e específico, mas seus resultados não puderem ser reprodu-
zidos, não terá grande valia.

Da mesma forma, se os resultados obtidos de seguidas repetições do mesmo teste foram ex-
tremamente semelhantes, mas for capaz de distinguir apropriadamente doentes e não doentes,
também não será útil.

O que devemos buscar é um teste/exame que seja adequado para o propósito específico e ter
em mente que todas as características abordadas nessa aula devem ser levadas em considera-
ção em sua escolha e avaliação de sua qualidade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Altman DG, Bland M. Diagnostic tests. 2: predictive values. BMJ. 1994;309(6947):102.

Bonita R, et al. Epidemiologia básica. 2.ed. São Paulo, Santos. 2010.

Brasil. Ministério da Saúde. Boletim epidemiológico HIV-Aids. Brasília, 2015.

De Oliveira Filho, PF. Epidemiologia e Bioestatística–Fundamentos para a Leitura Crítica. 1.ed. Rio
de Janeiro: Editora Rubio, 2015.

Ferreira JC, Patino CM. Understanding diagnostic tests. Part 1. J Bras Pneumol. 2017;43(5):330.

Gordis L. Epidemiologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Thieme Revinter Publicações, 2017.

Grande AJ, et al. Tourniquet Test for Dengue Diagnosis: Systematic Review and Meta-analysis of
Diagnostic Test Accuracy. PLoS Negl Trop Dis. 2016 Aug 3;10(8):e0004888

Patino CM, Ferreira JC. Understanding diagnostic tests. Part 2. J Bras Pneumol. 2017;43(5):408

Ranganathan P, Aggarwal R. Common pitfalls in statistical analysis: Understanding the properties


of diagnostic tests - Part 1. Perspect Clin Res. 2018;9(1):40-43.

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MEDIDAS DE OCORRÊNCIA DE DOENÇAS E AGRAVOS


2.3 Medidas de morbidade: Incidência e Prevalência
Objetivos de aprendizagem: Conhecer e compreender os conceitos, diferenças e vantagens das
medidas absolutas e relativas de incidência e prevalência; diferenciar razão e taxa; e entender
como as medidas de incidência e prevalência se relacionam no tempo.

2.3.1 Introdução

> Por que medir eventos relacionados à saúde?


> Toda medida é igual?
> Quais medidas de saúde são importantes no planejamento e gestão de serviços de saúde?
> Que medidas de saúde estima o risco de adoecer?

Como já vimos na primeira aula deste curso, um dos objetivos da epidemiologia é determinar a
magnitude dos problemas de saúde nas populações humanas. O primeiro passo para conhecer um
problema de saúde é mensurar a frequência com que ocorre. Por eventos entendemos diferentes
problemas de saúde como casos de uma doença, óbitos, nascimentos, internações hospitalares e
reações adversas a vacinas, por exemplo. Nesta aula vamos discutir os conceitos, a construção e
a interpretação das medidas que quantificam a frequência dos eventos de saúde em populações e
como aplicá-las para conhecer e acompanhar a saúde de uma dada população.

Mensurar eventos de saúde significa quantificar a frequência de um evento em uma população e


período de tempo específicos. Frequentemente, na prática dos serviços de saúde, enumeramos
a eventos relacionados à saúde como, por exemplo, casos e óbitos por covid-19 ocorridos desde
o início da pandemia no Brasil ou na semana epidemiológica “X”.

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No Quadro 1, temos a contagem desses eventos desde o início da pandemia até o dia 25 de
agosto de 2021.

Quadro 1 – Número de casos acumulados, casos novos, óbitos acumulados e óbitos novos. Brasil, março de
2020 até 25/08/2021.

Casos Acumulados Casos Novos* Óbitos Acumulados Óbitos Novos*

20.614.866 30.872 575.742 894

Fonte: Monitora covid-19. Fiocruz. Acesso em 25/08/2021. Disponível em: https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/


Nota: Casos novos e óbitos novos referem-se aos eventos notificados no último dia

Os *números absolutos de um evento, como a covid-19 são úteis para dimensionar a demanda
por testes para diagnóstico da covid-19 ou o número de leitos para assistir os casos mais graves.
Permite também monitorar a evolução do problema em curto prazo em uma dada população,
como pode ser visto na Figura 1.

Figura 1 – Distribuição do número de casos novos e óbitos por data de notificação. Brasil, março de 2020 a
25/08/2021.

Fonte: Boletim Observatório covid-19. Semanas epidemiológicas 31 e 32. Fiocruz. https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/


files/documentos/boletim_covid_2021-semanas_31-32-red_1.pdf

Veja agora o Quadro 2 a seguir. Ele apresenta o número de casos e óbitos acumulados e novos
de covid-19 desde o início da pandemia até o dia 25/08/2021 em alguns estados brasileiros.

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Quadro 2 – Casos acumulados de covid-19 em estados da federação selecionados desde a semana epidemio-
lógica março de 2020 até o dia 25/08/21.

UF Casos acumulados Óbitos acumulados Casos novos Óbitos

São Paulo 4.222.902 144.510 8.349 267

Minas Gerais 2.047.252 52.521 2.895 13

Paraná 1.445.954 37.098 1.919 78

Rio Grande do Sul 1.402.070 34.011 1.426 47

Bahia 1.215.884 26.307 844 20

Santa Catarina 1.147.023 18.558 1.960 28

Rio de Janeiro 1.112.203 61.605 4.409 202

Fonte: Monitora covid-19. Fiocruz. Acesso em 25/08/2021. Disponível em: https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/


Nota: Casos novos e óbitos novos referem-se aos dados notificados até o dia 25/08/21.

Ao examinar esse quadro, intuitivamente comparamos os números de casos e de óbitos nos


diferentes estados. Mas, pergunta-se: estes números são comparáveis? Podemos comparar o
número de casos acumulados em São Paulo e no Rio Grande do Sul? E o número de casos novos
notificados em Minas Gerais com o número de casos novos notificados no Paraná?

O que você acha?

O uso de números absolutos é bastante limitado para estimar a magnitude da ocorrência de um


problema de saúde na população. A maioria das medidas de ocorrência dos eventos de saúde
não são interpretáveis se não forem expressas como o número de eventos relativos ao tamanho
da população na qual os casos ocorreram. Para estimar a magnitude da ocorrência de um evento
de saúde em populações e comparar sua ocorrência entre diferentes populações, por exemplo
os estados apresentados no Quadro 2, é necessário utilizar números relativos Números relativos
expressam a relação de um numerador com o um denominador

De uma forma geral, são utilizadas três medidas básicas de números relativos: *razão, **proporção
e ***taxa.

Incidência e prevalência
As medidas de ocorrência de doenças e agravos à saúde também chamadas de medidas de
morbidade, são a incidência e prevalência. Antes de prosseguir, é preciso distinguir essas duas
as medidas de morbidade:

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> Casos incidentes: casos novos de uma doença em uma população sob risco de adoecer em
um período de tempo determinado.

> Casos prevalentes: casos existentes, antigos e novos, de uma doença em uma população

2.3.2 Medidas de Incidência

A incidência refere-se ao número de casos novos da doença que ocorrem em uma população
que está sob risco durante de desenvolver a doença em um determinado período de tempo.

Portanto, esta medida se refere à população suscetível de apresentar um dado problema de


saúde. Ou seja, identifica casos novos de uma doença entre pessoas não acometidas previa-
mente pela doença e que sejam suscetíveis de desenvolver a doença. Normalmente, se refere
a um período de observação delimitado, como um ano, um mês ou uma semana, por exemplo.
Portanto é uma medida dinâmica, uma medida da transição de um estado de não doença para
doença, que avalia com que frequência casos novos ocorrem.

2.3.2.1 Incidência acumulada

A incidência acumulada estima a proporção de indivíduos que desenvolvem a doença durante


um período de tempo específico. É definida como o número de casos novos da doença que
ocorrem durante um determinado período de tempo em uma população sob risco. O cálculo
para estimar a incidência acumulada é dada pela expressão:

Incidência acumulada = número de casos novos no período de tempo x 10n


total da população sob risco no início do período

Em que:

Numerador = número de casos novos da doença ocorridos em uma população e período de


tempo específicos.

Denominador = População sob risco

Especificação de um período de tempo: necessário designar o período de tempo em que a


população sob risco foi observada.

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Lembre-se: o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por uma potencia de 10.

A população sob risco corresponde ao número de indivíduos livres da doença no início do pe-
ríodo de observação e que, portanto, estavam sob risco de desenvolver a doença. Assim todo
indivíduo incluído no denominador deve ter o potencial para se tornar um caso novo e ser
parte do grupo contabilizado no numerador. Portanto, se a doença de interesse é uma doenças
crônica, indivíduos já acometidos pela doença de interesse no início do período de observação
devem ser excluídos da população sob risco. Da mesma forma, se a doença de interesse for uma
doença infecciosa que confere imunidade, as pessoas que já tiveram a doença também serão
excluídas do denominador. Porém, se for uma doença infecciosa que não confere imunidade,
mesmo aqueles que já foram acometidos pela doença, estão sob risco de um novo episódio,
portanto devem ser incluídas no denominador.

Exemplo: Para obter a incidência de câncer de próstata, identifica-se uma população de interes-
se (A). Inicialmente deve-se excluir as mulheres, pois não poderão vir a desenvolver câncer de
próstata (B). Por fim, deve-se excluir da população de homens, os que já têm câncer de próstata.
Como podem na ilustração abaixo, a população sob risco será constituída por homens livres de
câncer de próstata (Figura 2).

Figura 2. População sob risco

População sob risco

A
B
C

População total População de homens População de homens


sem câncer de próstata

Fonte: elaborado pela autora

Se indivíduos que não estão sob risco são incluídos no denominador, população sob risco, a me-
dida da incidência irá subestimar a verdadeira medida de incidência. Toda medida de incidência,
deve ter o denominador adequado, que represente corretamente a população sob risco.

114
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

A incidência acumulada é uma proporção, assim seu valor irá variar de 0 a 1, e, embora não pos-
sua uma unidade de tempo, sempre é se refere a um período de tempo específico. A incidência
acumulada tem um pressuposto importante, assume que todos os indivíduos da população sob
risco são acompanhados por todo o período de tempo em estudo.

A incidência acumulada é uma medida do risco de adoecer. Em epidemiologia, risco é definido


como a probabilidade dos indivíduos livres da doença no início de um período de tempo de-
senvolverem a doença durante esse período. É exatamente esta estimativa que a incidência
acumulada fornece: estima a probabilidade dos indivíduos da população sob risco adoecerem
no período de tempo avaliado. Assim, uma incidência acumulada alta significa alto risco de
adoecer na população em um dado período de tempo.

Vamos ver um exemplo, baseado no Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil).

Este estudo foi desenvolvido com objetivo de mensurar a incidência de doenças crônicas e
dos seus fatores de risco intermediários como a hipertensão arterial. Foi constituído por uma
população de 15.105 servidores públicos de instituições de ensino e pesquisa em seis capitais
brasileiras. No início do estudo, em 2008-2010, também chamado de linha de base, a população
de estudo realizou uma série de exames e entrevistas, que permitiram identificar, entre outras
condições, os indivíduos que já apresentavam hipertensão arterial no início do estudo (n=5.402
participantes) e aqueles que estavam livres da hipertensão arterial (n=9.703 participantes), ou
seja a população sob risco. Um ano após a realização exames na linha de base, os participantes
do estudo passaram a responder entrevistas anuais sobre o diagnóstico médico de doenças,
inclusive sobre o diagnóstico de hipertensão arterial, por meio de ligações telefônicas. Após 4
anos do início do estudo, em 2012-2014, os participantes realizaram novos exames e entrevistas
presenciais. Ao final, foram identificados 1205 casos novos de hipertensão arterial na população
sob risco. Veja a representação deste estudo na Figura 4.

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Figura 3 – Identificação de casos existentes e de casos novos em uma população sob risco em participantes
do ELSA-Brasil

Com
1205
hipertesão
casos novos
arteriais

Casos novos
hipertensão
15.105
participantes
Sem
População
hipertesão
sob risco
arteriais Sem
hipertesão

2008-2010 2012-2014
Início do estudo Novos exames
Tempo de seguimento
Exames e entrevistas e entrevistas
4 anos
iniciais

Fonte: elaborado pela autora

Uma observação relevante para interpretar os resultados é a definição de hipertensão arterial


utilizada para identificar os casos. Neste estudo hipertensão arterial foi definida como pressão
sistólica >140mmHg e/ou pressão diastólica >90mmHg e ou relato de uso de medicamento
anti-hipertensivo para tratar hipertensão nas duas últimas semanas anteriores à entrevista,
tanto para os casos existentes no início do estudo e quanto para os casos novos. Além disso,
para identificação de casos novos, considerou-se também o relato de diagnóstico médico de
hipertensão arterial na ligação anual de seguimento.

Qual a incidência acumulada de hipertensão arterial nessa população de estudo no período


de seguimento de 4 anos?

Temos:

População do início do estudo = 15.105 indivíduos

População com hipertensão arterial no início do estudo = 5402 indivíduos

População sob risco de hipertensão arterial no início do estudo = 9703 indivíduos

Número de casos novos de hipertensão arterial = 1205

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Incidência acumulada = 1.205 casos novos de hipertensão x 100 = 12,4%


9.703 pessoas sob risco

A incidência acumulada de hipertensão arterial em na população do ELSA-Brasil em 4 anos de


seguimento, entre 2008-2010 e 2012-2014, foi de 12,4%. Ou seja, o risco de hipertensão arterial
dessa população em 4 anos de seguimento foi de 12,4%.

2.3.2.2 Densidade de incidência

Em geral, nem todos os indivíduos de uma população são acompanhados até o final do período
de estudo por vários motivos, incluindo óbitos por outras doenças que não a de interesse,
recusa de participação ou motivos como mudança de cidade por exemplo. Para levar em conta
os diferentes períodos de seguimento e aproveitar ao máximo o tempo de seguimento de cada
indivíduo, utilizamos a densidade de incidência.

Densidade de Incidência é a medida de incidência que incorpora diretamente o tempo no de-


nominador. Portanto é uma taxa que relaciona os casos novos de doença ao somatório das
unidades de tempo em que cada indivíduo na população permaneceu sob risco de desenvolver
a doença e estava sob acompanhamento. É calculada como o número de casos novos que
ocorreram em um período dividido pelo número de pessoas-tempo sob risco, como pode ser
visto abaixo:

Densidade de Incidência = número de casos novos no período de tempo x 10n


total da pessoas-tempo sob risco

Em que:

Numerador = número de casos novos da doença ocorridos em indivíduos livres da doença no


início em um período de tempo

Denominador = Total de pessoas-tempo sob risco

Lembre-se: o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por uma potencia de 10.

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O total de pessoas-tempo sob risco corresponde à soma do período de tempo em que cada
pessoa esteve sob risco de adoecer e foi acompanhada pelos pesquisadores. Pode ser expres-
so em pessoas-semana, pessoas-mês ou pessoas-anos de observação. Em geral, a unidade de
pessoa-tempo é definido com base na frequência da doença em estudo, se for uma doença rara,
será mais conveniente utilizar a unidade pessoa-ano; por outro lado, se for uma doença muito
frequente, pode ser mais conveniente utilizar uma unidade de tempo menor, como mês ou se-
mana. Por exemplo, durante a pandemia, a densidade de incidência covid-19 pode ser estimada
com o denominador pessoas-semana ou pessoas-dia.

Se uma pessoa sob risco for acompanhada por um ano, temos uma pessoa-ano. Uma pesso-
as sob risco acompanhada por 10 anos, corresponderá a 10 pessoas-ano; 5 pessoas sob risco
acompanhadas por 2 ano resultam em 10 pessoas-ano de seguimento da mesma forma que
10 pessoas acompanhada por 1 ano. Assim, grupos variados de indivíduos acompanhados por
distintos períodos contribuirão com a mesma quantidade de pessoa-tempo.

O denominador pessoa-tempo assume que a probabilidade da doença durante o período do


estudo é constante. Assim a probabilidade da doença em 10 pessoas sob risco seguidas durante
um ano deve ser equivalente à probabilidade da doença em 5 pessoas seguidas por 2 anos ou
em uma pessoas seguidas por 10 anos. Como o risco de grande parte das doenças aumenta com
a idade, é importante considerar esse pressuposto.

Como obter o denominador total de pessoa-tempo sob risco? O denominador pessoa-tempo


pode ser contabilizado sempre que for possível identificar por quanto tempo cada pessoa da
população acompanhada esteve sob risco de ser acometida por uma doença. Essa condição é
alcançada nos estudos epidemiológicos de seguimento longitudinal de populações sob risco,
como o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil).

Vamos considerar que durante os 4 anos de seguimento do ELSA-Brasil, algumas pessoas muda-
ram de cidade e deixaram de participar do estudo e outras morreram por outras doenças. Como
os pesquisadores ligam todos os anos para os participantes para saber da sua saúde, eles têm o
registro anual do tempo de seguimento por telefone. Na Figura 5, as setas representam pessoas
que deixaram de participar do estudo em algum momento até a segunda realização de exames
e novas entrevistas presenciais. Qual a densidade de incidência de hipertensão arterial nessa
população de estudo no período de seguimento de 4 anos?

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Figura 4 – Identificação de casos existentes, de casos novos em população sob risco e perdas de seguimento
em participantes do ELSA-Brasil

Com Perdas de seguimento


1205
hipertesão
p1 p2 p3 p4 p5 casos novos
arteriais

Casos novos
hipertensão
15.105
participantes
Sem
População
hipertesão
sob risco
arteriais Sem
hipertesão

2008-2010 2012-2014
Início do estudo Novos exames
Tempo de seguimento
Exames e entrevistas e entrevistas
4 anos
iniciais

Fonte: elaborado pela autora

Para obter o total de pessoas-tempo sob risco será somado:


1. O período de tempo que cada indivíduo da população sob risco foi acompanhado até a
identificação da hipertensão arterial.

2. A partir deste momento esses indivíduos passam a compor o numerador e deixam de contri-
buir com o denominador pessoa-tempo;

3. O período de tempo em que cada indivíduo que não desenvolveu a hipertensão arterial foi
acompanhado até o final de 4 anos (2012-2014);

4. O período em que cada indivíduo contribuiu para o estudo até o momento que deixou de
participar do estudo (por exemplo: p1=6 meses; p2=8meses; p3=14 meses; p4=16meses, e
assim por diante).

Ao somar os períodos de tempo de cada indivíduo, foi identificado um total de 32.120,5 pesso-
as-ano sob risco.

Temos:

> População do início do estudo = 15.105 indivíduos

> População com hipertensão arterial no início do estudo = 5402 indivíduos

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> População sob risco de hipertensão arterial no início do estudo = 9703 indivíduos

> Pessoas-tempo sob risco = 32.120,5 pessoas-ano sob risco

> Número de casos novos de hipertensão arterial = 1205

Densidade de incidência = 1205 casos novos de hipertensão x 1000= 37,5/1000 pessoas-ano sob risco
32.120,5 pessoas-tempo sob risco

Densidade de incidência = 1205 casos novos de hipertensão x 1000= 37,5/1000 pessoas-ano sob risco

32.120,5 pessoas-tempo sob risco

Interpretando o resultado, podemos observar que no ELSA-Brasil ocorreu uma média 37,4 casos
novos de hipertensão arterial para cada 1000 pessoas sob risco observadas durante um ano. A
densidade de incidência mede a taxa na qual novos casos de hipertensão arterial ocorrem por
unidade de pessoa-tempo sob risco. Mensura a rapidez com que novos casos de hipertensão
arterial estão ocorrendo nessa população.

A densidade de incidência é uma taxa, portanto o tempo é parte integrante do denominador. O


valor numérico da densidade de incidência não tem significado próprio, ele depende da unidade
de tempo a qual se refere (semana, mês ou ano) e pode variar de zero ao infinito.

2.3.2.3 Incidência baseada em dados agregados: coeficiente médio de incidência

A Figura 6 descreve o coeficiente médio da incidência de tuberculose no Brasil de 2008 a 2017.

Você sabe como esta medida de incidência foi obtida?

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Figura 5 – Coeficiente médio de incidência de tuberculose no Brasil 2008 a 2017

Fonte: Saúde Brasil 2018 uma análise de situação de saúde e das doenças e agravos crônicos: desafios e perspectivas.

Para estimar essa medida de incidência de tuberculose foi utilizado o número de casos novos de
tuberculose identificados em cada ano no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan),
e como denominador utilizou-se a estimativa populacional produzida pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) a partir da população censitária obtida em julho de 2000.

Quando estimamos a incidência para áreas geográficas como um município, estado ou pais, não
é possível conhecer a população sob risco, nem o tempo em que cada indivíduo esteve sob risco
de adoecer. O denominador utilizado é a população do meio do ano, que é uma estimativa do
tamanho da população no ponto médio do período de tempo de um ano. Veja o calculo:

Coeficiente médio de incidência = número de casos novos no período de tempo x 10n


população média do meio do período

Coeficiente médio de incidência = número de casos novos no período de tempo x 10n

população média do meio do período

Numerador = número de casos novos em um período de um ano

Denominador = população do meio do ano, ou seja a população censitária de 1º de julho ou as


estimativas populacionais para 1º de julho.

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Lembre-se: o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por uma potência de 10.

Considera-se que a população do meio do ano reflete a dinâmica da população no período de


um ano: alguns indivíduos nascem, imigram enquanto outros morrem ou emigram. Ou seja,
a população do meio do ano é maior que a população de início do ano, mas menor que a do
final do ano. Assim é uma estimativa do tempo médio que o total da população esteve sob
risco no período de um ano. Veja o exemplo: coeficiente média de incidência de covid-19 no
Brasil em 2020.
Coeficiente médio de
Número de casos
Ano População1 incidência por 1000
notificados2
habitantes
2020 212.077.375 7.626.563 36,0

1 Projeção da população brasileira-meio do ano: Fonte Datasus


2 Número de casos notificados entre 27 de março a 31 de dezembro de 2020: Fonte Rede covida

A incidência é importante porque:

> É uma medida do risco de adoecer;


> Permite estabelecer relações de causalidade
> Permite estudar os fatores associados ao risco de adoecer;
> É utilizada em estudos que pretendem identificar a sobrevida.

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2.3.3 Medidas de Prevalência

Observe as informações sobre a ocorrência de hipertensão arterial divulgadas pelo IBGE, resul-
tados obtidos na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS)-2019. O que essas informações revelam?
Qual a sua importância?

Fonte: Instituto Brasileiro de Bioestatística. Pesquisa Nacional de Saúde – 2019 https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_


mediaibge/arquivos/005355051927a647d3b01a5c8f735494.pdf.

A prevalência é definida como o número de pessoas afetadas por uma dada doença ou outro
agravo na população dividido pelo número de pessoas passíveis de serem acometidas nessa
população. Nos informa a proporção da população afetada pela doença, indicando a magnitude
da doença ou outro agravo na população. Assemelha-se a uma fotografia que registra a pro-
porção de pessoas acometidas pela doença de interesse na população no momento observado.
Portanto é considerada uma medida estática em relação ao processo de adoecimento.

A prevalência é obtida pelo cálculo:

Prevalência = número de casos de uma doença (casos novos e antigos) na população em determinado momento x 10n
número de pessoas da população no momento

Especificação de um período de tempo: necessário designar o momento em que a população foi


observada e os casos foram identificados.

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Lembre-se: o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por uma potência de 10.

Os casos prevalentes correspondem às pessoas que apresentam a doença no momento no qual


se determina quem apresenta a doença e quem não a apresenta. Assim, entre os indivíduos que
apresentam a doença (casos prevalentes) há diferentes tempos de duração da doença. Tomando
como exemplo a hipertensão arterial, entre os casos prevalentes, alguns já estão com a doentes
há 15 anos, outros há 5 anos e ainda outros há alguns meses.

A prevalência é uma proporção, assim seu valor irá variar de 0 a 1, e, embora não possua uma
unidade de tempo, sempre é se refere a um período de tempo específico.

Para realizar a PNS em 2019, foi selecionada uma amostra representativa da população brasi-
leira com 18 anos e mais de idade e por meio de entrevistas foram identificados vários eventos
de interesse. Para conhecer a prevalência de hipertensão arterial no Brasil, incluiu-se no nu-
merador o número de pessoas que reportaram o diagnóstico médico de hipertensão arterial
e no denominador o total de pessoas que participaram da amostra. Assim, estimou-se que a
prevalência de hipertensão arterial na população brasileira com 18 anos ou mais de idade em
2019 de 23,9% , ou seja quase um quarto da população brasileira com 18 anos e mais de idade
reportou hipertensão arterial em 2019!

Duas medidas de prevalência são mais utilizadas em epidemiologia: prevalência pontual e a


prevalência de período.

2.3.3.1 Tipos de medidas de prevalência

Prevalência pontual

É a prevalência de uma doença em um ponto definido tempo. Este tempo pode ser um dia,
uma semana, um mês ou ano. Mede a proporção da população que apresenta a doença no
tempo considerado. Em geral, quando utilizamos o termo prevalência sem outra especificação,
estamos referindo à prevalência pontual. A prevalência de hipertensão arterial estimada pela
PNS é uma medida de prevalência pontual.

Prevalência por período

A prevalência por período é aquela que abrange um determinado intervalo de tempo. O nume-
rador consistirá na soma dos casos existentes no início do período definido e dos casos novos
que ocorrerem durante o mesmo intervalo. O denominador será constituído por todas as pessoas

124
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presentes no local durante este período e que sejam passiveis de acometimento pelo agravo em
questão. Não serão excluídos casos que morreram, mudaram ou foram curadas durante o período.

2.3.3.2 Um pouco mais sobre prevalência: o que influencia a prevalência de uma doença na população?

A prevalência de uma doença é determinada pela sua incidência e duração e por movimentos
migratórios. Quando casos novos (incidentes) ocorrem em uma população e são agregados aos
casos já existentes, a prevalência da doença aumentará. Mas se casos prevalentes morrem ou
são curados, a prevalência da doença irá diminuir, pois haverá redução do número de pessoas
doentes na população. Entretanto, se casos prevalentes tem sobrevida com a doença prolongada
em função do tratamento sem, contudo, obter a cura, a prevalência da doença irá aumentar.

Além disso, a prevalência pode ser influenciada por movimentos migratórios. Se casos forem
importados em movimentos imigratórios, a prevalência irá aumentar; mas se casos prevalentes
forem exportados em movimentos emigratórios, a prevalência irá diminuir.

Em situações em que a incidência e duração da doença são relativamente constante e a popula-


ção é estável, ou seja sem movimentos migratórios importantes, podemos expressar a relação
entre a incidência e prevalência pela equação:

Prevalência = incidência x Duração da doença

Observe que conhecendo dois destes parâmetros, podemos obter o terceiro.

SITUAÇÕES PARA REFLETIR


Leia as afirmativas abaixo e responda o que você espera observar em cada uma delas em relação à
incidência e prevalência:

> Um novo teste diagnóstico, mais sensível, passa a ser utilizado no sistema de saúde de um muni-
cípio: neste caso, a incidência aumentará e consequentemente a prevalência também.
> Um novo tratamento é introduzido e reduz a mortalidade pela doença, mas não leva à cura da do-
ença: neste caso, a duração da doença aumentará, e consequentemente a prevalência também.
> Um novo tratamento é introduzido e aumenta o suceSso na cura da doença: neste caso, a preva-
lência da doença tende a diminuir.

125
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2.3.3.3 Por que estimar a prevalência?

A prevalência é uma medida útil para estimar a magnitude ou o peso de uma doença em uma
população. As medidas de prevalência geram informações valiosas para o planejamento e
organização dos serviços de saúde. Por exemplo, conhecer o número de casos existentes de
hipertensão arterial e de outras doenças, orienta a previsão da quantidade de medicamentos,
número de profissionais de saúde e exames complementares necessários em um município.
Além disso, medidas de prevalência em diferentes pontos do tempo possibilitam fazer proje-
ções para estimar tendências das doenças e agravos ao longo do tempo e até mesmo avaliar
se medias de intervenção estão sendo efetivas.

Veja que no quadro das informações apresentadas no início deste tópico, são apresentadas
as prevalências de hipertensão arterial na população brasileira em 2013 era de 21,4% e em
2019, era 23,9%. Temos também a prevalência de consulta médica para cuidados referentes à
hipertensão ha menos de um ano (72%) entre as pessoas que relataram hipertensão arterial
em 2019, e a prevalência dessas consultas realizadas no SUS (66%). Dessa forma, temos in-
formações básicas para conhecer a ocorrência de hipertensão arterial na população brasileira
e a utilização de serviços de saúde no subgrupo da população que relatou diagnóstico de
hipertensão arterial em 2019.

2.3.3.4 Dificuldades e limitações para estimar incidência e prevalência em serviços de saúde

As estimativas medidas de morbidade são influenciadas pelos critérios utilizados para iden-
tificar os casos das doenças e agravos que pretendemos conhecer. Vimos que o critério para
definição de hipertensão arterial adotado no ELSA-Brasil e na PNS são distintos. No ELSA-Brasil,
a identificação de casos existentes no início do estudo (casos prevalentes) foi baseado na me-
dida dos níveis pressóricos (pressão sistólica >140mmHg e/ou pressão diastólica >90mmHg) e/
ou relato de uso de medicamento anti-hipertensivo para tratar hipertensão nas duas últimas
semanas anteriores à entrevista. Na PNS, foi definido com base no relato de diagnóstico médico
de hipertensão arterial.

Considerando os dois critérios, como você avalia as prevalência obtidas? O critério utilizado pela
PNS é baseado no relato de diagnóstico médico, assim para que os participantes da PNS reportem
a hipertensão arterial será necessário ter utilizado os serviços de saúde, ter a pressão arterial afe-
rida, ter o diagnóstico estabelecido pelo médico e lembrar de reportar ao entrevistador. Enquanto
o critério utilizado pelo ELSA-Brasil utiliza as medidas dos níveis pressóricos ou o relato de uso de
medicamentos. Assim , é bastante provável que a estimativa da prevalência da PNS seja menor do
que seria se utilizasse também a medida dos níveis pressóricos.

126
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As pesquisas como a PNS realizadas em grandes amostras representativas da população, mais


frequentemente, utilizam apenas entrevistas como fonte dos dados, enquanto outras pesquisas
poderão utilizar além de entrevistas, resultados de medidas e outros exames. Entretanto, é
importante destacar que pesquisas como a PNS são extremamente importantes para conhecer
a população de um país.

Os dados produzidos rotineiramente nos serviços de saúde, como as notificações de doenças de


notificação compulsória ou os registros de casos de câncer, podem ser utilizados para estimar
a incidência desses agravos. A qualidade e completude dos dados vai depender do registro e
preenchimento adequado dos formulários nos serviços de saúde. Além disso, é importante lem-
brar que os registros hospitalares são fontes importantes de dados, mas sujeito à limitações. As
hospitalizações são seletivas uma vez que representam casos mais graves que necessitaram de
internação não sendo representativos de todos os casos da doença na população.

2.3.3.5 Dificuldades e limitações para estimar população sob risco em serviços de saúde

Para a estimativa da incidência, nem sempre será possível excluir do denominador aqueles que
não fazem parte da população sob risco. Por exemplo ,ao estimar o coeficiente médio de inci-
dência de câncer de colo de útero para o Brasil, estados e municípios, idealmente deveriam ser
retiradas do denominador as mulheres que fizeram histerectomia. Entretanto essa informação
dificilmente estará disponível para a população do pais, estados e municípios. Nesse caso, a
incidência obtida pelo coeficiente médio estará subestimada.

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profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de
Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2018 uma análise de
situação de saúde e das doenças e agravos crônicos: desafios e perspectivas / Ministério da
Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos
Não Transmissíveis e Promoção da Saúde – Brasília: Ministério da Saúde, 2019. 424 p. : il.

GORDIS, Leon. Epidemiologia. 5ed. Rio de janeiro: Revinter, 2017. 372p. Capítulo 3 – Medidas de
Ocorrência de Doenças – Morbidade, páginas 37 a 57

Mota E, Kerr LRFS. Medidas de Ocorrência de Doenças e Agravos e Óbitos. In: Almeida-Filho N, Bar-
reto ML. Epidemiologia e Saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2014. p.3-

GORDIS, Leon. Ocorrência de doenças: II Mortalidade e outras medidas de impacto. Epidemiologia.


5ed. Rio de janeiro: Revinter, 2017. P. 61 a 77

Mota E, Kerr LRFS. Medidas de Ocorrência de Doenças e Agravos e Óbitos. In: Almeida-Filho N,
Barreto ML. Epidemiologia e Saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guana-
bara Koogan, 2014. p.95-117.

Costa AJL, Kale PL, Vermelho LL. Indicadores de Saúde. In: Medronho R A e cols. Epidemiologia.
São Paulo: Atheneu, 2009, p31-82

128
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

CAPÍTULO 3
Construção, utilização e análise
de indicadores de saúde

129
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

CONSTRUÇÃO, UTILIZAÇÃO E ANÁLISE DE INDICADORES DE SAÚDE


Este capítulo demonstra como são construídas e para que servem as medidas de mortalidade e
morbidade. Discute a importância da padronização por idade e sexo para a comparação de taxas
de mortalidade entre diferentes populações ou ao longo do tempo. Finalmente, introduz os
passos que devem orientar uma análise epidemiológica descritiva da ocorrência de um agravo
ou situação de saúde.

3.1. Indicadores de Saúde Parte 1


Nesta aula vamos discutir como construir e interpretar diferentes indicadores de mortalidade,
incluindo taxas de mortalidade, mortalidade proporcional e letalidade. Vamos entender por que
e como realizar a comparação de taxas utilizando o método de padronização direta.

3.1.1 Introdução

A MORTALIDADE É UMA DAS MAIS ANTIGAS MEDIDAS DE SAÚDE!


A contagem da ocorrência de óbitos remonta ao século XVII, quando foram iniciados os primeiros
registros e apuração de óbitos na Inglaterra. Desde então, comparações da mortalidade, seja entre
homens e mulheres, grupos de idade, ou segundo local de moradia ou ocupação tem servido para
identificar importantes determinantes e diferenciais das condições de saúde das populações.

Estudar a mortalidade é um dos primeiros passos para conhecer o estado de saúde de uma
população e tem a grande vantagem de utilizar dados já disponíveis coletados rotineiramente.
A mortalidade é de grande interesse pois permite determinar o risco de morrer em uma popu-
lação, identificar as principais causas de morte, quão precoces as mortes ocorrerem, os grupos
mais vulneráveis e é um importante sinalizador da gravidade de uma doença. Análises baseadas
em dados de mortalidade subsidiam medidas preventivas e de controle das doenças e agravos
e permitem avaliar resultados de programas e políticas de saúde.

Os óbitos, suas causas e várias outras características dos indivíduos que faleceram são regis-
trados na Declaração de Óbito (DO). A DO é um formulário padronizado do SIM, utilizado em
todo o território nacional e em acordo com padrão internacional, de preenchimento obrigatório
e imprescindível para a emissão da Certidão de Óbito pelos cartórios de Registro Civil em todo
o território nacional.

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profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Além de registrar os dados sociodemográficos, residência do falecido, local da ocorrência do


óbito, inclui o Bloco V, Condições e Causas do óbito, que discrimina as causas da morte e outras
condições que contribuíram para a mesma.

26

Brasil. Ministério da Saúde. A declaração de óbito: documento necessário e importante / Ministério da Saúde, Conselho Federal de
Medicina, Centro Brasileiro de Classificação de Doenças. – 3. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2009. 38 p. – (Série A. Normas e
Manuais Técnicos). Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2015/agosto/14/Declaracao-de-Obito-WEB.pdf

Os dados da DO são registrados eletronicamente no Sistema de Informação sobre Mortalidade


(SIM) sistema de informação oficial do Ministério da Saúde para registro de óbitos no Brasil.
Implantado em 1975/76, o SIM tem abrangência nacional e possibilita o acesso aos dados de
mortalidade, incluindo as causas de morte dos residentes em todo o território nacional. As

131
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causas de morte são classificadas segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças


e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), atualmente em sua 10o revisão.

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde,


frequentemente designada pela sigla CID (em inglês: International Statistical Classification
of Diseases and Related Health Problems - ICD) fornece códigos relativos à classificação de
doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circuns-
tâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças.

A verificação do óbito e o registro na DO das causas e condições que possam ter influenciado a
ocorrência do óbito é responsabilidade ética e legal do médico. Entretanto, compete aos codifi-
cadores das secretarias de saúde municipais e estaduais verificar se as condições que levaram ao
óbito estão descritas em uma sequência coerente e selecionar a causa básica do óbito.

IMPORTANTE!
A causa básica da morte é definida como doença ou circunstância do acidente ou violência que iniciou
a cadeia de eventos mórbidos que levou diretamente à morte. Essa é a causa que será utilizada nas es-
tatísticas e indicadores de mortalidade. Dessa forma, informar corretamente a causa básica de morte é
importante para que sejam geradas informações corretas para decisão de políticas públicas de saúde.

SAIBA MAIS
O aplicativo Atestado foi desenvolvido por pesquisadores da
Universidade Federal de Minas Gerais em parceria com o Minis-
tério da Saúde com orientações sobre o preenchimento correto
da DO. Para conhecer o aplicativo, basta baixar em seu celular.
CLIQUE AQUI

3.1.2. Taxas de mortalidade

Taxa geral de mortalidade (TGM)

Define-se genericamente a taxa de mortalidade ou coeficiente geral de mortalidade como a


razão entre o número absoluto de óbitos e a população sob risco de morrer em um período e

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local específicos. Expressa o risco de morrer por qualquer causa em uma população e tempo
específico. É obtida pelo cálculo:

TGM = Número total de óbitos por todas as causas em um ano x 10n


População total sob risco no meio do ano

• População total sob risco no meio do ano;


• Numerador = número total de óbitos em um ano;
• Denominador = população do meio do ano, ou seja a população censitária de 1º de julho ou
as estimativas populacionais para 1º de julho.

Lembre-se: o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por uma potência de 10.

A taxa geral de mortalidade corresponde ao coeficiente médio de incidência discutido na aula


anterior e Inclui no numerador o número de eventos novos, total de óbitos, e no denominador
a população do meio do ano sob risco.

Relembrando: Considera-se que a população do meio do ano reflete a dinâmica da população no


período de um ano: alguns indivíduos nascem, imigram enquanto outros morrem ou emigram. Ou
seja, a população do meio do ano é maior que a população do início do ano, mas menor que a do
final do ano. Assim é uma estimativa da população média que esteve sob risco no período de um
ano, por isso utilizamos a estimativa populacional do meio da ano para os cálculos das taxas.

Como inclui a dimensão tempo, as taxas de mortalidade não são proporções. Usualmente as taxas
de mortalidade são calculadas para o período de um ano. Como apresentado na Tabela 1.

Observe a Tabela 1. Qual o risco de morrer no Brasil em 2019?

Tabela 1 – Taxa geral de mortalidade no Brasil e Regiões, 2019

UF Casos Acum. Óbitos Acum.

Brasil 1.349.801 6,4


Região Norte 85.686 4,7
Região Nordeste 52.801 6,1
Região Sudeste 616.243 7,0
Região Sul 206.086 6,9
Região Centro-Oeste 88.985 5,5

Fonte: Datasus-Tabnet.
Nota: Taxa Geral de Mortalidade por 1.000 habitantes.

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Observe que, em 2019, o risco de morrer para a população brasileira correspondeu a 6,4 por
1000 habitantes. Entre as macrorregiões brasileiras, o risco de morrer variou de 4,7 por 1000
habitantes na região Norte à 7,0 por mil habitantes na Região Sudeste.

Uma das vantagens da TGM é sua simplicidade, mas por outro lado, tem limitações em apontar
grupos de maior risco de morrer. Perguntas como “O risco de morrer é maior em homens ou em
mulheres?” ; “O risco de morrer depois de 60 anos é maior na Região Sul ou Norte?”; “O risco de mor-
rer por homicídio em homens de 19 a 24 anos difere entre as regiões brasileiras?” requerem outras
estratégias para serem respondidas. As taxas específicas de mortalidade podem agregar novas
informações que permitirão melhor conhecer a situação de saúde de uma população, verificar
diferenças no risco de morrer e apontar prioridades para as intervenções.

Taxas específicas de mortalidade (TEM)

A taxa de mortalidade específica é uma razão entre a frequência absoluta de óbitos e a popu-
lação sob risco de morrer em um tempo específico restrita a grupos específicos. O numerador
e denominador serão restritos ao grupo de interesse, por exemplo à faixa etária ou sexo; de
tal forma que cada pessoa incluída no denominador esteja sob risco de passar para o grupo do
numerador. Vamos ver como calcular essas taxas:

Taxa específica de mortalidade por idade

TEM por idade = Número de óbitos em determinada faixa etária em um ano x 10n
População em risco no meio do ano

Atenção! Veja: Denominador: população sob risco = população da faixa etária estudada

TEM por sexo = Número de óbitos em determinado sexo em um ano x 10n


População em risco no meio do ano

Atenção! Denominador: população sob risco = população do sexo estudado

Taxa específica de mortalidade por causa

TEM por causa = Número de óbitos por determinada causa x 10n


População em risco no meio do ano

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Atenção! Denominador: população em risco de morrer por determinada causa no meio do ano.
É importante lembrar que a população sob risco pode variar conforme a causa de morte.

Para obter a taxa específica de mortalidade por câncer no Brasil em 2020, incluiremos no nu-
merador todos os óbitos por cânceres em 2020 e no denominador, a população estimada para
o meio do ano.

Taxa de específica mortalidade por câncer = Número de óbitos por câncer x 10n
População em risco no meio do ano

População em risco no meio do ano

Mas se nosso interesse for na taxa específica de mortalidade por câncer de próstata, incluiremos
no numerador todos os óbitos por câncer de próstata. E no denominador? No denominador, vamos
incluir apenas os homens, pois mulheres não constituem população sob risco de câncer de próstata.

Taxa de específica mortalidade por câncer de próstata = Número de óbitos por câncer x 10n
População de homens no meio do ano

População de homens no meio do ano

A Figura 1 mostra taxas específicas de mortalidade por causas de acordo com sexo no Brasil em
2019. Quais diferenças você destacaria ao comparar as taxas de mulheres e homens? Destaca-se
o elevado risco de morrer por violência interpessoal e por acidentes de trânsito, respectivamen-
te segunda e sexta maior taxa de mortalidade entre os homens.

Figura 1 – Taxa de mortalidade específica para as 10 principais causas de morte por sexo Brasil. 2019
Sexo feminino Sexo masculino

Fonte: Organização Mundial de Saúde. https://www.who.int/data/gho/data/themes/mortality-and-global-health-estimates/ghe-lea-


ding-causes-of-death

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Muito frequentemente temos interesse em combinações das taxas específicas de mortalidade,


como mostram as Tabelas a seguir.

Tabela 2 – Taxas das principais causas de morte em mulheres com 60 anos e mais. Brasil, 2000, 2005, 2013
Groupe d’âge Causes spécifiques de décès 2000 2005 2013
Maladies Cérébrovasculaire 401,8 389,0 333,5
Pneumonies 119,5 150,2 236,8
>=60 ans Infarctus aigu du myocarde 235,7 226,2 231,4
Diabète mellitus 204,6 202,8 220,1
Maladies hypertensives 125,6 157,6 173,2

Fonte: Saúde Brasil 2014.

Tabela 3. Taxas das principais causas de morte em homens com 60 anos e mais. Brasil, 2000, 2005, 2013
Groupe d’âge Causes spécifiques de décès 2000 2005 2013
D. cerebrovasculares 495,4 473,9 411,4
Infarctus aigu du myocarde 355,2 347,7 355,0
>=60 ans Pneumonies 135,7 164,8 259,8
Bronchite, emphysème, a asthme 278,2 262,9 221,8
Diabète mellitus 162,2 174,8 203,6

Fonte: Saúde Brasil 2014.

Compare as taxas de mortalidade por doenças cerebrovasculares nas duas tabelas. O que as
taxas apresentadas sugerem? No Brasil, em homens e mulheres com 60 anos e mais de idade,
as maiores taxas de mortalidade foram por doenças cerebrovasculares. As taxas de mortalidade
por doenças cerebrovasculares foram mais altas no sexo masculino do que no feminino nos
três anos, e, os resultados sugerem que o risco de morrer por doenças cerebrovasculares tem
diminuído ao longo do tempo.

Uma das utilidades dos dados de mortalidade é a comparação do risco de morrer em duas ou mais
populações ou de uma mesma população em diferentes períodos de tempo. Mas uma indagação
é importante: podemos comparar populações sem considerar algumas diferenças que influenciam
o risco de morrer? O risco de morrer em um município cuja população que tem alto percentual de
idosos será comparável ao de um município com proporção elevada de jovens?

Quando se comparam taxas gerais de mortalidade ou as taxas de mortalidade por causas,


tais como doenças cardiovasculares, a diferença entre elas pode se dever ao simples fato de
uma das populações apresentar maior proporção de idosos do que outra. A idade é o fator que
isoladamente mais influencia o risco de morrer, portanto, populações com maior proporção
idosos terão maior risco de morrer do que populações com maior percentual de jovens. Alguns

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métodos são utilizados para permitir comparações da mortalidade. Vamos abordar um destes, o
método direto de padronização

3.1.2.3 Método direto de padronização

Observe os dados apresentados na Tabela 4.

Tabela 4 – População, número de óbitos e taxas geral de mortalidade em Natal e Porto Alegre, 2019

Natal Porto Alegre

Taxa geral de mortalidade


População Número de óbitos Taxa geral de mortalidade por 1000 População Número de óbitos
por 1000

884.122 5.600 6,3 1.483.771 12.101 8,2

Fonte: Datasus.

Observamos que a taxa geral de mortalidade é maior em Porto Alegre do que em Natal. Como
você explica o maior risco de morrer em Porto Alegre do que em Natal? Vamos agregar mais
informações para refletir. Veja a Tabela 5.

Tabela 5 – População, número de óbitos e mortalidade específica por idade. Natal e Porto Alegre, 2019
Natal Porto Alegre
População Mortalidade População Mortalidade
Faixa etária1 Número % Óbitos TEM idade2 Número % Número TEM idade2
0-4 51.263 5,8 162 3,2 85.912 5,8 169 2,0
5-14 116.885 13,2 25 0,2 168.786 11,4 35 0,2
15-24 139.561 15,8 210 1,5 211.932 14,3 235 1,1
25-34 154.612 17,5 207 1,3 220.730 14.9 277 1,3
35-44 141.337 16,0 302 2,1 229.570 15,5 489 2,1
45-54 111.674 12,6 477 4,3 180.106 12,1 753 4,2
55-64 85.380 9,7 780 9,1 176.802 11,9 1.700 9,6
65-74 51.653 5,8 989 19,1 124.124 8,4 2.482 20,0
75 e + 31.757 3,6 2.448 77,1 85.809 5,8 5.961 69,5
Total 884.122 100,0 5.600 6,3 1.483.771 100,0 12.101 8,2

Faixa etária em anos.


1

2
TEM idade: taxa específica de mortalidade por idade por 1000 habitantes.
Fonte: Datasus.

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Observe que nas duas capitais, a taxa específica de mortalidade é maior nos grupos etários mais
velhos, sendo ainda mais elevada a partir dos 75 anos de idade. Como já destacamos, a idade é
o fator que isoladamente mais influencia o risco de morrer; portanto esse resultado é esperado.
Agora, compare as taxas de mortalidade em cada faixa etária nas duas capitais. Observe que na
faixa de 0 a 4 anos, a TEM é maior em Natal; de 5-14 anos de idade até a idade de 65-74 anos, as
taxas são similares; e no grupo mais velho, com 75 anos e mais de idade, a taxa de mortalidade
é maior em Natal do que em Porto Alegre (77,1/1.000 habitantes versus 69,5/1.000 habitantes).

Como explicar a mortalidade geral mais alta em Porto Alegre do que em Natal?

A explicação está na diferença na estrutura etária. Em Natal, quase 35% da população apresen-
tava entre 0 a 24 anos de idade e em Porto Alegre, 32%; mas 26% da população de Porto Alegre
tinha de 55 anos ou mais, enquanto em Natal, esse percentual era de 19%.

Então vamos responder à seguinte pergunta: se as populações das capitais tivessem a mesma
estrutura etária, existiria diferença na mortalidade entre elas?

A padronização pelo método direto é utilizada para eliminar o efeito da diferença nas estruturas
etárias entre duas ou mais populações, tornando-as comparáveis. Utiliza-se uma população pa-
drão que poderá ser a população do país, somente uma das populações estudadas ou a soma das
populações. Aplica-se as taxas específicas de mortalidade por idade de cada população estudada
em cada grupo etário da população padrão, obtendo-se o número de óbitos esperados em cada
grupo etário. A soma dos óbitos em cada grupo etário relativos a cada população corresponderá
ao total de óbitos esperados em cada uma dessas populações caso tivessem a distribuição etária
da população padrão. Dividindo o número total de óbitos esperados em cada população pelo total
da população padrão, calculamos a taxa de mortalidade esperada na população padrão e serão
denominadas taxas de mortalidade padronizada por idade.

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Tabela 6 – População, número de óbitos e mortalidade específica por idade. Natal e Porto Alegre 2019

Natal Porto Alegre

População Mortalidade População Mortalidade


Faixa etária1 Número % Óbitos TEM idade2 Número % Número TEM idade2

0-4 137.175 3,2 438.960,0 2,0 274.350,0 5,8 169 2,0

5-14 285.671 0,2 57.134,2 0,2 57.134,2 11,4 35 0,2

15-24 351.493 1,5 527.239,5 1,1 386.642,3 14,3 235 1,1

25-34 375.342 1,3 487.944,6 1,3 487.944,6 14.9 277 1,3

35-44 370.907 2,1 778.904,7 2,1 778.904,7 15,5 489 2,1

45-54 291.780 4,3 1.254.654,0 4,2 1.225.476,0 12,1 753 4,2

55-64 262.182 9,1 2.385.856,2 9,6 2.516.947,2 11,9 1.700 9,6

65-74 175.777 19,1 3.357.340,7 20,0 3.515.540,0 8,4 2.482 20,0

75 e + 117.566 77,1 9.064.338,6 69,5 8.170.837,0 5,8 5.961 69,5

Total 2.367.893 18.352.372,5 17.413.776,0 100,0 12.101 8,2

Fonte: Datasus.

Taxa de mortalidade padronizada por idade Natal = 18352372,5/2367893 = 7,8/1000 habitantes

Taxa de mortalidade padronizada por idade Natal = 17413776,0/2367893 = 7,4/1000 habitantes

Tabela 7 – Taxa de mortalidade geral e taxa de mortalidade padronizada por idade. Natal e Porto Alegre 2019

Natal Porto Alegre

Taxa geral de Taxa geral de mortalidade Taxa geral de Taxa geral de mortalidade Número Taxa geral de
mortalidade padronizada por idade mortalidade padronizada por idade de óbitos mortalidade por 1000

6,3 7,8 8,2 7,4 12.101 8,2

Fonte: Datasus.

Assim, a taxa geral de mortalidade mais elevada observada em Porto Alegre se deve à composi-
ção etária com maior percentual de idosos do que em Natal. As taxas ajustadas são hipotéticas,
pois envolvem a aplicação das taxas específicas por idade reais em uma população hipotética,

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note que o valor numérico da taxa padronizada dependerá da população padrão usada. A padro-
nização direta também denominada ajuste direto torna as taxas comparáveis em relação a um
fator, como a idade. Entretanto, lembre-se que o verdadeiro risco de morrer nas duas capitais é
estimado pela taxa geral de mortalidade sem padronização.

3.1.3 Mortalidade proporcional (MP)

Os indicadores de mortalidade proporcional medem a proporção de óbitos por uma caracte-


rística, seja sexo, faixa etária ou causa do óbito em relação ao total de óbitos. A mortalidade
proporcional expressa a importância relativa de uma causa, faixa etária ou sexo no conjunto de
óbitos e é utilizada para fazer um ranqueamento das causas de morte ou indicar em qual grupo
observamos maior proporção de óbitos. Para calcular a mortalidade proporcional realizamos os
cálculos apresentados a seguir:

Mortalidade proporcional por causa

MP por causa = Número de óbitos por determinada causa x 100


Total de óbitos

Mortalidade proporcional por sexo

MP por sexo = Número de óbitos em determinado sexo x 100


Total de óbitos

Mortalidade proporcional por idade

MP por idade = Número de óbitos em determinada faixa etária x 100


Total de óbitos

Assim, temos o numerador variando segundo o tipo de mortalidade proporcional que se deseja
calcular, enquanto o denominador será sempre o total de óbitos. O resultado obtido a partir do
cálculo deve ser multiplicado por 100.

A Figura 2 apresenta a importância relativa dos principais grupos de causa no Brasil em 2019
e aponta que as doenças do aparelho circulatório foram as principais causas de morte no pais

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nesse ano, seguidas da neoplasias e doenças do aparelho respiratório mostrando a importância


das doenças crônicas não transmissíveis para a mortalidade global.

Figura 2 – Mortalidade Proporcional (%) por grupos de causas, Brasil, 2019

Fonte: Datasus.

Na Figura 3, verifica-se a mortalidade proporcional por grupos de causa de óbitos no Brasil


entre 1930 e 2006. Necessário observar que a proporção de óbitos por um grupo de causa é
influenciada pela variação percentual das demais causas. Assim, a distribuição percentual de
um grupo de causa de morte pode mudar mesmo que a mortalidade por este grupo de causas
permaneça estável. Veja na Figura 3, que a diminuição da importância relativa das doenças
infecciosas e parasitárias ao longo do tempo decorre, dentre outros motivos, do aumento da
importância relativa das doenças do aparelho circulatório e das neoplasias no mesmo período.

141
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Figura 3 – Mortalidade Proporcional (%) por grupos de causas, Brasil, 1930 a 2006

Fonte: SVS/MS 2007.

A mortalidade proporcional por idade revela aspectos importantes da situação de saúde de uma
população, pois quanto maior a proporção de óbitos nos grupos etários mais velhos, melhor será
a condição de saúde. A Figura 4 apresenta a distribuição da mortalidade proporcional por idade e
sexo no Brasil em 2013. Comparando as curvas de mortalidade proporcional por idade, o que você
pode dizer sobre a saúde de homens e mulheres? As curvas de mortalidade proporcional por sexo
mostram que o percentual de óbitos nos grupos etários de menores de 1 ano até 10-14 anos são
semelhantes em homens e mulheres, nas faixas etárias de 15-19 até 60-69 anos o percentual de
mortes é maior no sexo masculino do que no feminino e a partir dessa faixa de idade, o percentual
de mortes é maior entre as mulheres. Portanto, entre as mulheres, menores percentuais de óbitos
ocorreram em idades mais jovens e 35% dos óbitos nas idade de 80 anos e mais, sugerindo melhores
condições de saúde. O que poderia explicar parte das diferenças observadas?

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Figura 4 – Mortalidade proporcional por grupo de idade, segundo o sexo. Brasil 2013

40
M F
35

30

25

20

15

10

0
01-04a

05-09a

10-14a

15-19a

20-29a

30-39a

40-49a

50-59a

60-69a

70-79a

80 e +
< 01a

Fonte: Saúde Brasil, 2014.

Nota: M = sexo masculino; F = sexo feminino

Observe agora a mortalidade proporcional por grande grupos de causa e idade em homens
e mulheres no Brasil em 2013. Como os resultados apresentados ajudam a explicar a maior
proporção de óbitos em mulheres acima de 70 anos?

Figura 5 – Mortalidade proporcional por grupo de causa segundo idade e sexo. Brasil 2013

Féminin Masculin

I- Maladies transmissibles, Causes maternelles, périnatales et carences nutritionnelles


Maladies chroniques non transmissibles II - Causes externes

Fonte: Saúde Brasil, 2014.

Observem que dos três grandes grupos de doenças, as doenças não transmissíveis represen-
taram a principal causa de morte entre as mulheres em praticamente todas as faixas de idade,

143
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exceto em menores de 1 ano e em idades próximas aos 20 anos quando as causas externas
apresentaram percentuais superiores. Verifica-se que entre os adolescentes e adultos jovens
(10 anos até os 40 anos) do sexo masculino, as causas externas responderam por elevado
percentual de óbitos, e que após essas idades as doenças não transmissíveis passaram a
responder pelo maior percentual de óbitos. As causas externas foram a principal diferença de
mortalidade entre homens e mulheres, justificando o maior percentual de mortes em idades
mais jovens no sexo masculino.

3.1.4 Letalidade

A letalidade é definida como a proporção de mortes dentre os doentes por uma causa específica
durante um período específico. A letalidade expressa o maior ou menor poder de uma doença
ou agravo levar à morte as pessoas acometidas pela doença ou agravo.

Letalidade = Número de óbitos por determinada causa x 100


Número de indivíduos com a doença ou agravo

A letalidade responde à seguinte pergunta: que percentual de indivíduos com o diagnóstico por
uma certa doença morre em um determinado tempo após o diagnóstico? Veja que no Brasil, no
período compreendido entre 1980 a junho de 2018, em média, quase 40% das pessoas que ti-
veram diagnóstico de febre amarela faleceram pela doença (Figura 6). Portanto uma letalidade
muito elevada, indicando a gravidade da doença, com o agravante de ser uma doença evitável
pela vacinação. Interessante observar que quando o número de casos de febre amarela aumen-
ta, a letalidade diminui. Possivelmente, esse fenômeno ocorre porque, em função de alertas da
vigilância epidemiológica, o diagnóstico da doença pode ter sido mais precoce e influenciando
positivamente a evolução da febre amarela ou porque casos menos graves são diagnosticados
e notificados influenciando o denominador da letalidade.

144
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Figura 6 – Número de casos humanos confirmados de febre amarela e a letalidade segundo o início dos
sintomas, Brasil 1980 a junho/2018

Fonte: Brasil 2018/2019.

Qual a diferença entre a taxa de mortalidade e a letalidade? A taxa de mortalidade representa


o risco de morrer pela doença na população sob risco de morrer, incluindo os que têm e não
têm a doença. A letalidade tem como denominador os indivíduos que apresentam a doença,
sendo portanto uma medida da gravidade da doença. Pode ser utilizada também para avaliar
benefícios de novos tratamentos, se novo tratamento for benéfico a letalidade da doença, de-
verá diminuir!!!! A letalidade também é influenciada pela capacidade do sistema de saúde dar
respostas adequadas no atendimento das pessoas com a doença.

3.1.5 Problemas com os dados de Mortalidade

Descrever a ocorrência de mortes e suas causas revela os problemas de saúde das populações,
orienta intervenções e organização dos sistemas de saúde, além de permitir avaliar ações e
políticas de saúde. No entanto, problemas na cobertura, notificação oportuna, qualidade,
disponibilidade dos dados, o sub-registro e as falhas de preenchimento da declaração de
óbito comprometem sua qualidade e limitam a interpretação dos indicadores de mortalidade.
Ressalta-se que m bom sistema de dados, deve ter uma ótima cobertura da população de
interesse e qualidade.

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A cobertura do registro dos óbitos do SIM vem melhorando ao longo do tempo. Avaliação da
qualidade dos dados sobre a mortalidade no Brasil, indica que a cobertura do registro para o
sexo masculino e feminino, respectivamente, foram de 90,7% e 89,4% em 2000, e em 2016,
essas coberturas aumentaram para 97,2% e 96,7% (Brasil, 2019), portanto uma cobertura de
quase todos os óbitos.

No entanto, em relação à qualidade dos registros, há ainda uma proporção substancial de


causas básicas de morte mal definidas ou imprecisas. Em 2016, quase 35% dos óbitos tinham
como causa básica de morte pouco úteis ou insuficientemente especificadas (Brasil, 2019). Es-
ses códigos têm pouca ou nenhuma informação útil sobre a real causa de morte. Proporções
acima de 10%-15% de causas mal definidas são consideradas altas (Brasil, 2019), impactando
substancialmente nas taxas específicas de mortalidade por causas, bem como na mortalidade
proporcional por causa. Esses indicadores estão subestimados em relação ao verdadeiro valor.

Como já mencionado, as causas básicas de morte são codificadas de acordo com a Classifi-
cação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), atualmente na 10a
revisão. Mudanças nas revisões da CID devem ser consideradas ao comparar os indicadores de
mortalidade por causa em diferentes períodos, pois é possível que mudanças observadas sejam
devidas, em parte ou totalmente, à mudança da CID e não na mortalidade.

As medidas de mortalidade são sensíveis ao denominador. Cuidados devem ser observados para
considerar adequadamente a população sob risco referente à taxa de mortalidade que está
sendo calculada.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doen-
ças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2014 : uma análise da situação
de saúde e das causas externas / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde,

Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde.


Brasília : Ministério da Saúde, 2015. 462 p. : il.

Brasil. Ministério da Saúde. Monitoramento do Período Sazonal da Febre Amarela Brasil – 2018/2019.
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Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de


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147
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

CONSTRUÇÃO, UTILIZAÇÃO E ANÁLISE DE INDICADORES DE SAÚDE


Aula 3.2. Indicadores de Saúde Parte 2
Nesta aula vamos conhecer, produzir e interpretar os indicadores de mortalidade infantil e a
razão de mortalidade materna. Além disso, vamos apresentar e discutir os seguintes indica-
dores: anos potenciais de vida perdidos, anos de vida perdidos ajustados por incapacidade e
esperança de vida ao nascer.

Um indicador de saúde é uma medida que expressa algum aspecto particular da situação de
saúde de uma população e que permite avaliar as condições de vida e saúde, especialmente
quando combinado com outros indicadores.

Introdução
> Por que é importante conhecer a mortalidade infantil?

> O que a mortalidade materna revela sobre a saúde da população?

> O que é esperança de vida ao nascer?

> O que são anos vividos com incapacidade?

Medidas que expressam o nível de saúde de uma população são essenciais para apontar priori-
dades e monitorar o impacto de políticas econômicas, sociais e, em particular, das intervenções
em saúde. As medidas de mortalidade são tradicionalmente utilizadas com este propósito. Mas
à medida que novos problemas de saúde ganharam relevância, como as doenças crônicas não
transmissíveis, novos indicadores se tornaram necessários para orientar medidas que visam
prevenir sua ocorrência, complicações ou incapacidades relacionadas.

Vamos discutir alguns indicadores de saúde selecionados, seja por sua relevância em refletir as-
pectos das condições de vida e saúde da população, seja por serem eventos evitáveis ou por reve-
larem a precocidade da perda de vidas. Daremos destaque também a um indicador que sintetiza a
precocidade das mortes e impacto das incapacidades associadas às doenças e agravos de saúde.

148
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3.2.1 Mortalidade infantil


A mortalidade infantil refere-se aos óbitos ocorridos ao longo do primeiro ano de vida, antes de
se completar um ano de idade.

É um importante indicador de saúde da população por tratar-se de mortes precoces e, em sua


grande maioria, evitáveis. O óbito infantil resulta de uma combinação de fatores biológicos, so-
ciais, culturais e relacionados ao acesso e qualidade da atenção à saúde. Portanto, as intervenções
dirigidas à sua redução dependem tanto de mudanças estruturais relacionadas às condições de
vida da população, quanto de ações diretas para melhorias da atenção e cuidados de saúde volta-
das para a gestação, parto e e primeiro ano de vida (Maia e cols, 2021).

A taxa de mortalidade infantil é uma taxa de mortalidade específica por idade, discutida na Aula
Indicadores de Saúde Parte 1, baseada nos óbitos ocorridos em menores de um ano registrados
no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e nos dados do Sistema de Informação sobre
Nascidos Vivos (Sinasc) do Ministério da Saúde. A Declaração de Óbito, formulário base e padroni-
zado que coleta os dados para serem consolidados no SIM, contém um conjunto de perguntas de
preenchimento exclusivo para óbitos fetais e de menores de um ano incluídas na Parte IV – Fetal
ou menor de 1 ano.

O Sinasc, implantado em 1990, é um sistema de informação de abrangência nacional que registra


eletronicamente dados da Declaração de Nascido Vivo (DN), documento obrigatório em todo o
território nacional e indispensável para o registro civil do recém-nascido. A DN é um documento
padronizado, que coleta dados relativos ao local de ocorrência do parto; à mãe do recém-nascido
incluindo sua idade, estado civil, escolaridade, ocupação e número de filhos; à duração da gesta-
ção, ao número de consultas de pré-natal, ao tipo de parto e dados referentes ao recém-nascido,
tais como data e hora dos nascimento, sexo, raça/cor, peso ao nascer e registro de anomalias
congênitas. A consolidação desses dados no Sinasc, além de permitir conhecer e subsidiar inter-
venções para a melhoria da atenção às gestantes e aos recém-nascidos, fornece o denominador
para estimativas das taxas de mortalidade em crianças menores de um ano (Saúde-Brasil, 2019).

3.2.1.1 Taxa de mortalidade infantil (TMI)

Define-se a taxa de mortalidade infantil ou coeficiente de mortalidade infantil como a razão


entre o número de óbitos de crianças menores de um ano ocorridos em período específico,
geralmente um ano, pelo número de nascidos vivos no mesmo ano em uma determinada área. A
TMI expressa o risco de crianças nascidas vivas morrerem no primeiro ano de vida em um local
e ano específicos. É obtida pelo cálculo:

TMI = Número de óbitos de crianças menores de 1 ano x 1.000


Número de nascidos vivos

149
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Lembre-se: o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por 1.000.

O número de nascidos vivos registrado no Sinasc é considerado a melhor aproximação para a popula-
ção de menores de um ano, portanto a população sob risco de morrer em um local e ano específicos.

PARA REFLETIR
A TMI é considerada um importante indicador do nível geral de saúde e do nível de de-
senvolvimento social de uma população, pois o risco de morrer no primeiro ano de vida
é determinado por fatores que podem influenciar o estado de saúde de toda população
como o nível de desenvolvimento econômico e social, condições gerais de vida, qualidade
do meio ambiente bem como o acesso, a estrutura e a qualidade dos serviços de saúde
(Reidpath e Allotey, 2003).

Seguindo tendência mundial, no Brasil a TMI vem apresentando importante declínio nas últimas
décadas (Figura 1). Veja que em 1970, a TMI era de 115 por 1000 nascidos vivos, chegando a 13
por 1000 nascidos vivos em 2017.

Figura 1 – Taxa de mortalidade infantil, no Brasil de 1970 à 2017

115/
1000 83/
1000
47/
1000
27/
1000 19/
1000 13/
1000

1970 1980 1990 2000 2007 2017

Fonte: Adaptado de Victora CG et al. Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios. Lancet Series,2011. 32-46; Saúde Brasil, 2019.

Entre os principais determinantes da queda da TMI no Brasil são apontadas as políticas públicas
que promoveram melhorias na rede de abastecimento de água e esgoto, a redução da taxa
de fertilidade, especialmente na década de 80, avanços da escolaridade das mães brasileiras,

150
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

aumento da renda per capita, expansão e melhoria na atenção à saúde especialmente da aten-
ção básica, sobretudo aqueles direcionados aos cuidados maternos e da criança, o incentivo ao
aleitamento materno e melhoria do estado nutricional das crianças, bem como a ampliação da
vacinação. Importante destacar que em 2010, a TMI no Brasil era 15,6 por mil nascidos vivos,
atingindo a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio que correspondia à 15,7 por mil
nascidos vivos em 2015 (Leal e cols, 2018).

Apesar dos resultados positivos alcançados, devemos comparar a taxa no país com a observada
em outros países. Um conjunto relevante de países como Japão, Noruega, Itália e Portugal,
apresentam TMI bem inferiores às observadas no Brasil (Figura 2). Este fato demonstra que,
apesar do considerável avanço observado, o Brasil pode reduzir mais a mortalidade infantil.

Figura 2 – Taxa de mortalidade infantil por mil nascidos vivos em países selecionados, 2016-2020
(menor ano disponível)

25

TM=12,4/1.000
20 nascidos vivos em 2019

15

10

0
Irlanda
Estônia
Japão
Noruega
Finlândia
Eslovênia
Suécia
Itália

Espanha
República Tcheca

Coreia
Irlanda
Portugal
Áustria
Dinamarca
Israel
Alemanha
Austrália
Ucrânia
Letônia
França
Hungria
Holanda
Bélgica
Grécia
Suíça
Reino Unido
Polônia
Canadá

Nova Zelândia
Rússia
Eslováquia
Luxemburgo

Estados Unidos
Chile

Costa Rica
Turquia
Brasil
México
Colômbia
Indonésia
África do Sul
Índia
China

Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) https://data.oecd.org/healthstat/infant-mortality-ra-


tes.htm. Acesso: setembro 2021.

Um aspecto fundamental para que a mortalidade infantil permaneça decrescente no Brasil, é


a redução das acentuadas desigualdades regionais no risco de morrer antes de completar um
ano de vida entre as regiões brasileiras. As tendências nas TMI regionais mostradas na Figura
3 refletem a permanência de desigualdades das condições de vida e de acesso aos serviços
de saúde no Brasil. Observe e interprete a Figura 3. A figura apresenta as TMI para o Brasil e
Regiões brasileiras entre 2010 e 2017. Podemos observar que as taxas de mortalidade infantil
permanecem em queda ao longo desses anos em praticamente todas as Regiões, exceto no ano
de 2016, em que se observa aumento das TMI em todas as Regiões, com exceção da Região

151
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Sudeste. Observe que há acentuadas desigualdades no risco de morrer dos nascidos vivos em
cada Região brasileira em todos os anos e que essa desigualdade se mantem praticamente
inalterada ao longo deste período.

Faça o cálculo para você ver: a TMI na região Norte em 2010 era quantas vezes maior do que a
TMI na região Sul? E, em 2016?
Infantil Neonatal Precoce Neonatal Tardio
Figura 3 - Taxa de mortalidade infantil Brasil e11regiões, 2010 a 2017 3.0
20
10
Infantil Neonatal Precoce
Taxa de Mortalidade

Taxa de Mortalidade

Taxa de Mortalidade
2.8
18
9 2.6
16
8
14
2.4 11
7
20 2.2
12
10
Taxa de Mortalidade

Taxa de Mortalidade
6
2.0
10
18 5
2010 2012 2014 2016 2010 2012 2014 2016 2010 2012 2014 9 2016

Anos Anos Anos


16
Neonatal Pós-Neonatal 8
Infância
14 7
14
13
24
7
Taxa de Mortalidade

Taxa de Mortalidade

Taxa de Mortalidade
6 22
12
11
12 20
6
5 18
10
9 10 4
16
5
8 14

7 2010 3 2012 2014 2016 12 2010 2012 2014 2016


2010 2012 2014 2016 2010 2012 2014 2016 2010 2012 2014 2016

Anos
Anos
Anos Anos
Anos
N NE SE
Neonatal
S CO BR
Pós-Neonatal
Fonte: Saúde Brasil, 2019. 14 7
13
Taxa de Mortalidade

Taxa de Mortalidade

O risco de morrer pode mudar ao12longo do primeiro ano de vida? 6

11
O risco de morrer não é homogêneo ao longo do primeiro ano de vida, assim 5 como são distintas
10
as causas que levam ao óbito e os seus respectivos determinantes neste período. Por esse motivo,
a TMI é subdividida em componentes 9 que mensuram o risco de morrer em 4dois períodos distintos:
o componente neonatal e o componente
8 pós-neonatal. O componente neonatal compreende os
óbitos ocorridos até 270 dia de vida, 3
7 em que predominam as mortes por condições relacionadas
aos cuidados de saúde durante à gestação,
2010
parto
2012
e primeiros
2014
dias de vida; enquanto
2016 2010
o2012
componente
2014 2016
pós-neonatal considera os óbitos ocorridos do 280 dia ao 3640 dia de vida, quando prevalecem as
Anos Anos
mortes relacionadas às condições gerais de vida.
N NE SE S CO
Analisar separadamente os componentes neonatal e pós-neonatal permite avaliar o impacto de
medidas para o enfrentamento da mortalidade infantil e identificar os desafios futuros, como
demonstraremos mais adiante.

152
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3.2.2.2 Taxa de mortalidade infantil neonatal (TMIN)

A taxa de mortalidade infantil neonatal é uma estimativa do risco de crianças nascidas vivas
morrerem antes de completar 28 dias de vida em um local e ano específicos, obtida pelo cálculo:
TMIN = Número de óbitos de zero a 27 dias de vida x 1.000

Número de nascidos vivos

A taxa de mortalidade neonatal pode ser analisada segundo outros dois períodos por meio
da taxa de mortalidade infantil neonatal precoce e da taxa de mortalidade infantil neonatal
tardia. Veja como obter essas taxas nos quadros a seguir.
Taxa de mortalidade infantil neonatal precoce - TMINP Taxa de mortalidade infantil neonatal tardia - TMINT

TMINP = Número de óbitos de 0 a 6 dias de vida x 1.000 TMINT = Número de óbitos de 7 a 27 dias de vida x 1.000

Número de nascidos vivos Número de nascidos vivos

A TMINP estima o risco de crianças nascidas vivas morrerem na primeira semana de vida (até
o 60 dia) em um local e ano específicos. A TMINP estima o risco de crianças nascidas vivas
morrerem entre o 70 e o 270 dia de vida em um local e ano específicos

3.2.2.3 Taxa de mortalidade infantil pós-neonatal (TMIPN)

A taxa de mortalidade infantil pós-neonatal é uma estimativa do risco de crianças nascidas


vivas morrerem a partir do 28o dia de vida até antes de completar um ano de idade em um local
e ano específicos.
TMIPN = Número de óbitos de 28 a 364 dias de vida x 1.000

Número de nascidos vivos

Atenção: Observe que o denominador de todas as taxas é o número de nascidos vivos em um


local e ano determinados.

Para compreender melhor a importância dos componentes da TMI, vamos conhecer as causas de
morte mais frequentes em cada período. A Tabela 1 discrimina as principais causas de morte em
cada período do primeiro ano de vida observadas no Brasil em 2017.

153
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Quais são os principais grupos de causas de morte em cada componente?


Verifica-se que o Grupo de Causas denominado fatores maternos e perinatais foi o principal responsável
pelos óbitos nos dois componentes da mortalidade neonatal no Brasil em 2017. Entre as subcategorias de
causas que compõem esse agrupamento, destacam-se a prematuridade (21%), os fatores maternos (19%)
e malformações congênitas (19%) no período neonatal precoce, e no período neonatal tardio, as infecções
perinatais (25%) e malformações congênitas (23%). Interessante observar a importância das mortes por ano-
malias congênitas também no período pós-neonatal!

Tabela 1 – Número e percentual de óbitos por componentes da mortalidade infantil e grupos de causas. Brasil, 2017
Componente do óbito infantil

Neonatal
Grupo de Neonatal tardio Pós-neonatal
Subcategorias precoce Infantil
Causas (7-27dias) (28dias-<1ano)
(< 7dias)

n % n % n % n %

1 – Fatores maternos e perinatais 13.537 70 3.856 62 1.548 15 18.945 52

a) Prematuridade 4.087 21 835 13 450 4 5.372 15

b) Fatores maternos 3.763 19 866 14 286 3 4.917 14

c) Infecções perinatais 2.003 10 1.547 25 547 5 4.097 11

d) Asfixia/hipóxia 3.070 16 482 8 184 2 3.738 10


e) Transtornos CV originados no período
509 3 96 2 61 1 666 2
perinatal
f) Afecções respiratórias perinatais 105 1 30 0 20 0 155 0

2 – Malformações congênitas 3.761 19 1.455 23 3.000 28 8.216 23

3 – Infecções da criança 18 0 115 2 2.209 21 2.342 6

4 – Causas externas na criança 104 1 107 2 993 9 1.204 3


5 – Síndrome da morte súbita em menores
37 0 28 0 105 1 170 0
de 5 anos
6 – Desnutrição e anemia nutricionais 2 0 7 0 170 2 179 0

7 – Asma 1 0 0 0 8 0 9 0

8 – Doenças imunizáveis 1 0 5 0 39 0 45 0

9 – Causas mal definidas ou inespecíficas 1.071 6 222 4 768 7 2.062 6

10 – Demais causas 857 4 424 7 1.769 17 3.051 8

Total 19.389 100 6.219 100 10.609 100 36.223 100

Fonte: Saúde Brasil, 2019.

Os estudos mostram que à medida em que há melhoria do nível de vida e de saúde da po-
pulação, diminui o risco de morrer no período pós-neonatal, pois neste período da vida, as
crianças são mais vulneráveis à desnutrição, às doenças infecto-parasitárias, como diarreia,
respiratórias, e doenças previníveis pela imunização. Por isto, países e regiões com piores
condições socioeconômicas e ambientais tendem a apresentar maiores taxas de mortalida-
de pós-neonatal.

154
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No período neonatal, destacam-se como principais causas de morte as intercorrências da


gravidez e do parto que dependem do acesso e qualidade da assistência no pré-natal, parto
e primeiros dias de vida do recém-nascido, além das anomalias congênitas ou doenças de
origem genética. Os fatores maternos e perinatais podem ser, em grande parte evitáveis, por
melhorias no acesso e qualidade da assistência no pré-natal, parto e primeiros dias de vida do
recém-nascido. Algumas das causas de mortalidade neonatal, entretanto, são de difícil con-
trole, especialmente as malformações congênitas. No entanto, as condições socioeconômicas
precárias e restrições de acesso aos serviços também influenciam a ocorrência dos óbitos por
malformações congênitas (Bronberg & Dipierri , 2019; Nyarko e col 2015).

Como tem se comportado os componentes da mortalidade infantil no Brasil? Em qual fase do


primeiro ano de vida há maior risco de morrer? Observe a Figura 4.

155
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Figura 4 – Taxa de mortalidade infantil por componente no Brasil e regiões, anos selecionados

Fonte: Saúde Brasil, 2014.

156
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A Figura 4 mostra a evolução dos componentes da mortalidade infantil no Brasil e regiões


brasileiras entre 1990 e 2013. Em 1990, a taxa de mortalidade pós-neonatal era claramente su-
perior à taxa de mortalidade neonatal, com valor mais extremo na região Nordeste. Ao longo do
período analisado houve redução da taxa de mortalidade neonatal e das taxas de mortalidade
pós-neonatal no país e em todas as regiões. Ao final do período, a taxa de mortalidade neonatal
tornou-se mais relevante do que a pós-neonatal, com destaque para a taxa de mortalidade ne-
onatal precoce, tanto no Brasil quanto nas regiões. Assim, observamos que a redução da TMI ao
longo do tempo foi maior para o componente de mortalidade pós-neonatal, especialmente na
região Norte e Nordeste, indicando mudança do perfil das mortes. Apesar da redução expressiva
no período indicado, as taxas de mortalidade infantil permanecem mais elevadas nas regiões
Norte e Nordeste, inclusive a mortalidade neonatal precoce, apontando que parte dessas mor-
tes neonatais precoces são evitáveis. As diferenças regionais reveladas na Figura 2 enfatizam a
evitabilidade de óbitos infantis neonatais, sobretudo os óbitos neonatais precoces.

A mortalidade neonatal pode ser evitada ou substancialmente redu-


zida por melhoria das condições de vida da população e da qualidade
da assistência pré- natal, ao parto e ao recém nascido.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 3) definido pela Organização das Nações


Unidas (ONU), Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos em todas as
idades, tem como uma de suas metas reduzir a mortalidade infantil neonatal para 12 por mil
nascidos vivos até 2030 (United Nations, 2015).

Cabe a vigilância em saúde contribuir para que o Brasil seja bem sucedido no alcance desta meta.

3.2.2.4 Problemas com o indicador de mortalidade infantil

Assim como ocorre com a mortalidade geral, os óbitos no primeiro ano de vida ainda apresentam
subregistros que causam algumas distorções nas taxas de mortalidade infantil. A subnotificação
de óbitos, bem como de nascidos vivos ainda existe no país, especialmente em estados da
Região Nordeste e da Amazônia Legal (Saúde Brasil, 2019), levando à subestimação das taxas
de mortalidade infantil e comprometendo o real dimensionamento da mortalidade no primeiro
ano de vida e o estabelecimento de intervenções adequadas.

157
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A baixa qualidade das informações nas declarações de óbito, representada pelo contingente de
causas mal definidas de óbito – imprecisões na declaração da “causa da morte” – e campos não
preenchidos, prejudica a análise dos fatores que influenciam a mortalidade nessa fase da vida e
consequentemente na definição de ações.

VIGILÂNCIA DO ÓBITO INFANTIL


A vigilância das mortes em menores de um ano é uma importante estratégia para a redução da morta-
lidade infantil. Os resultados dão visibilidade às desigualdades e diferenciais nas taxas de mortalidade
no país, contribui para melhorar o registro dos óbitos, investiga as causas de óbitos e identifica medi-
das necessárias para evitar novos óbitos orientando a adoção de medidas para a prevenção de óbitos
evitáveis pelos serviços de saúde.

A vigilância do óbito infantil é competência das três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde
(SUS) e obrigatória nos serviços de saúde que integram o Sistema (Bittencourt, 2013).

Para refletir

> Quais são as taxas de mortalidade infantil do seu município?


> Em que período do primeiro ano de vida há maior risco de morrer?
> Como funciona a Vigilância do óbito infantil no seu município?

3.2.3 Mortalidade materna

A mortalidade materna é um indicador de saúde da mulher e da população geral.

A mortalidade materna revela o estado de saúde da mulher, o seu acesso à assistência à saúde
e a adequação do sistema de saúde em responder às suas necessidades. Segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS), a mortalidade materna ainda é inaceitavelmente alta. Em 2017, cerca
de 295.000 mulheres morreram durante a gestação e após o parto em todo o mundo; 94%
dessas mortes ocorreram em locais com recursos reduzidos e a maioria poderia ter sido evitada
(WHO, 2021). O elevado número de mortes maternas em locais com recursos insuficientes,
reflete iniquidades no acesso a serviços de saúde de qualidade.

A mortalidade materna é considerada uma morte altamente evitável! Sua redução é uma prioridade
em nível global e este compromisso está expresso nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
da ONU que estabeleceu como meta reduzir a razão da mortalidade materna para valores inferiores
a 70 mortes por 100 mil nascidos vivos entre 2016 até 2030 (United Nations, 2015).

158
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3.2.3.1 Razão de Mortalidade Materna

A razão da mortalidade materna (RMM) é o indicador utilizado para mensurar a mortalidade


materna. Constitui uma medida do risco de óbito da mulher no período transcorrido desde o
início da gravidez até o 42º dia após o término da gravidez. É obtida dividindo-se o número de
óbitos por causas ligadas à gestação, parto, e puerpério em um local e períodos definidos pelo
número de nascidos vivos no mesmo local e períodos multiplicado por 100.000, como mostrado
no quadro a seguir:

RMM = Número de óbitos maternos em local e períodos específicos x 100.000


Número de nascidos vivos no mesmo local e período

Observe que o resultado obtido a partir do cálculo deve ser multiplicado por 100.000.

A morte materna é definida como qualquer causa relacionada ou agravada pela gravidez ou
por medidas em relação a ela, exceto as causas acidentais ou incidentais. Este grupo de
causas pode ser dividida em dois grupos:

> Mortes obstétricas diretas: são as mortes resultantes de complicações obstétricas


na gravidez, parto ou puerpério decorrentes de intervenções, omissões, tratamento
incorreto ou uma cadeia de eventos resultantes de quaisquer dessas causas.

> Mortes obstétricas indiretas: as mortes que resultam de doenças existentes antes da
gravidez ou de doenças ocorridas durante a gravidez, não devidas a causas obstétri-
cas diretas e que foram agravadas pelos efeitos fisiológicos da gravidez.

O número de óbitos maternos é obtido no SIM. A declaração de óbito em sua parte VI-Condições e
causas relacionadas ao óbito, contem dois campos específicos para obter dados relativos à morte
materna: A morte ocorreu durante a gravidez, parto ou aborto; A morte ocorreu durante o puerpério.

O número de nascidos vivos utilizado no denominador é uma aproximação do total de mulheres


grávidas que constitui o grupo sob risco de morte materna, portanto uma estimativa da popu-
lação de gestantes que em geral não é conhecida.

159
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A razão da mortalidade materna é decrescente no Brasil desde a década de 90. Redução acen-
tuada ocorreu entre 1990 e 2000 (Figura 5A) em decorrência do aumento da escolaridade fe-
minina, queda do número de filhos por mulher, expansão da rede básica de saúde e diminuição
das desigualdades sociais. A Interrupção deste declínio nos anos seguintes até 2009 é atribuída
à melhoria da captação e identificação de óbitos maternos. A partir de 2009 há uma oscilação
na Razão da Morte Materna até 2017, sendo o menor valor observado em 2012 (Figura 5B). A
projeção da Razão da Morte Materna realizada pelo Ministério da Saúde apresentada na Figura 5B
sugere que, em 2030, este indicador poderá alcançar 56,6 mortes por 100 mil nascidos vivos, po-
dendo variar de 35,5 mortes por 100 mil nascidos vivos à 75,8 mortes por 100 mil nascidos vivos.

Figura 5 – Razão da Mortalidade Materna, Brasil 1990 a 2016 (4A) e 2009 a 2017 e previsão para 2018 a 2030 (4B)

5A 5B
160 80,0 75,8
72,4 72,3 74,9
68,9
140 70,0 63,8 62,0 64,4 64,5 62,4
61,8 62,1
59,3 59,0
60,0 55,6
120
RMM por 100 mil nasc. vivos

100 50,0
52,5
40,0
80 43,1
30,0 35,5
60
20,0
40
10,0
20 RMM Brasil
Meta ODM= 35,8 0,0
2011

2017
2012
2013

2016
2010

2015
2014
2009

2020

2030
2025
0
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016

RMM RMM projetada Limite de projeção inferior Limite de projeção superior

Fonte: Saúde Brasil, 2018 (Figura 4A) e Saúde Brasil, 2019 (4B).

Mais uma vez, é importante ressaltar que a mortalidade materna ocorre desigualmente nas
regiões e estados brasileiros como pode ser visto na Figura 6. Valores mais elevados da Razão
de Mortalidade Materna são observados nos estados do Amapá, Maranhão, Piauí e Paraíba
enquanto menores valores são vistos em Santa Catarina.

160
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Figura 6 – Razão de Mortalidade Materna, Brasil e unidades da federação, 2016

160 142

140 122

109
120 100
92
100 86 85
80 79 77
73 72 70
80 65 64 63
58 57 56 56 54 53 52
60 50 49 47 46

40 32

20

SC
MS

SP
AC
MT
AP

MA

PA

AM
TO

SE

ES

MG

RS
PB

GO
CE
PI

BA

RJ

AL
PE

PR
RO
RN

DF

RR
BRASIL
Fonte: Saúde Brasil, 2018.

No Brasil, as principais causas de morte materna são causas diretas como a hipertensão, as he-
morragias e a infecção puerperal e aborto ( Saúde Brasil, 2019; Boletim Epidemiológico N° 20.
Volume 51). Todas essas causas são evitáveis por acompanhamento no pré-natal, atendimento
durante o parto e acompanhamento no puerpério. Conhecer as causas das mortes maternas e
suas circunstâncias é de fundamental importância para definir melhorias na atenção à saúde
das mulheres em idade reprodutível.

161
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

VIGILÂNCIA DO ÓBITO MATERNO


Com o objetivo de aprimorar a captação e a qualificação dos dados sobre a causa da morte e das
circunstâncias relacionadas com o óbito materno foi estabelecida a vigilância do óbito materno,
realizada de forma articulada entre as três esferas de gestão do SUS. A investigação do óbito com
preenchimento de um formulário padronizado que permite reconstruir a história da mulher e melhorar
a compreensão dos problemas ocorridos durante a gestação, parto e os dias seguintes ao parto e
estabelecer medidas para evitar a ocorrência de novos óbitos maternos (Bittencourt, 2013).

A vigilância consiste em identificar os óbitos e classificá-los por causas; comparar os óbitos no


tempo, no espaço e entre os grupos populacionais; identificar as principais causas, fatores de risco
e distribuição; divulgar a investigação oportunamente, tornando a vigilância confiável tanto para as
instituições internacionais quanto para a população. A vigilância contribui para a qualificação das
informações de mortalidade, pois ao identificar um óbito materno não registrado como tal, pode
proceder com correção dos dados vitais (Bittencourt, 2013).

PARA REFLETIR

> Como está evoluindo a mortalidade materna no seu município?


> A vigilância ao óbito materno está contribuindo para a melhoria deste indicador de saúde no
seu município?

Saiba mais sobre a Vigilância do Óbito Materno e Infantil em: https://www.gov.br/saude/pt-br/


assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-da-crianca/publicacoes/manual-de-vigilancia-do-obito-infan-
til-e-fetal-e-do-comite-de-prevencao-do-obito-infantil-e-fetal/view

3.2.4 Anos potenciais de vida perdidos

As taxas de mortalidade estimam o risco de morrer em diferentes populações, mas não per-
mitem conhecer o impacto dessas mortes em uma comunidade, pois não consideram a idade
em que o óbito ocorreu. A mortalidade prematura é crescentemente valorizada pois afeta o
potencial econômico e social dos indivíduos com impactos nas famílias e na sociedade.

A mortalidade prematura ou precoce é mensurada pelo indicador “Anos Potenciais de Vida


Perdidos” (APVP). O APVP é a estimativa dos anos de vida potencialmente perdidos pela pre-
maturidade do óbito. Este indicador considera a idade em que o óbito ocorreu e atribui maior
peso para os que ocorrem nas idades mais jovens e menor peso para os que ocorrem em idades
mais velhas, pois reconhece que a morte de uma pessoa em idade mais jovem resulta em perda
maior de anos futuros do que a morte da mesma pessoa em idade avançada. Dessa forma, além

162
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

da magnitude dos óbitos, baseado em sua frequência, o APVP considera também o tempo que
se deixou de viver em decorrência da morte, reconhecendo o valor social atribuído `a ocorrência
prematura da morte.

Como calcular o APVP?

Inicialmente, determina-se a idade limite para considerar a precocidade da morte. Esse limite é
arbitrário, alguns estabelecem 75 anos e outros, definem 70 anos. A primeira etapa do cálculo
do APVP consiste em, para cada causa de morte, subtrair a idade de cada pessoa falecida da ida-
de limite estabelecida para aquela população e multiplicar pelo número de mortes observadas.

Veja um exemplo fictício no Quadro 1. Se consideramos a idade 70 anos como limite para
óbito precoce, a morte de uma criança com dois anos de idade por acidente de trânsito repre-
senta a perda de 68 anos de vida; a morte de dois adultos aos 36 anos por acidente de trânsito
também representa a perda de 68 anos de vida. Dessa forma, quanto mais cedo na vida ocorre
a morte, mais anos de vida serão perdidos. Importante observar que os óbitos ocorridos antes
de 1 ano de idade podem ser excluídos do cálculo do APVP, pois as mortes nessa idade tem
causas específicas relacionadas ao primeiro ano de vida. Entretanto, essa exclusão não é
consensual na literatura.

Quadro 1 – Primeira etapa para o cálculo do APVP

Causa do óbito Idade do óbito em anos Número de óbitos APVP

Acidente de trânsito 2 anos 1 1 x (70 - 2)

Acidente de trânsito 36 anos 2 2 x (70 - 36)

Infarto agudo do miocárdio 56 anos 4 4 x (70 - 56)

Infarto agudo do miocárdio 64 5 5 x (70 – 64)

A segunda etapa do cálculo do APVP consiste no somatório dos anos potenciais perdidos em cada
idade por cada causa de óbito, produzindo o total de APVP por cada causa específica de morte. O
somatório dos anos potenciais de vida perdidos por todas as causas também poderá ser obtido.

Usualmente referido a grupos de causas ou causas específicas de morte, os APVP podem ser
apresentados como valores absolutos ou proporções em relação ao total de APVP. Pode-se
também obter a taxa de APVP pela população de referência no mesmo período dos óbitos. Ao
somar-se os APVP e dividir pelo número de óbitos, totais ou por uma determinada causa, tem-se
o número médio de APVP por óbito.

163
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

A Tabela 2 apresenta os anos potenciais de vida perdidos por transportes terrestres no Brasil
em 2013 por faixa etária, excluídos os óbitos em menores de um ano de idade e considerando a
idade limite de 70 anos. Veja que são apresentados os APVP em cada faixa etária; o percentual
de APVP em cada faixa etária em relação ao total de APVP; a taxa de APVP, calculadas pela
divisão dos APVP em cada faixa etária pela população correspondente multiplicado por 100 mil
habitantes; e a média de APVP por total de óbito (APVP/óbito) segundo faixa etária.

Observe a Tabela 2 e descreva os resultados observados.

Quais as faixas etárias apresentaram maior percentual de APVP por acidentes terrestres no
Brasil em 2013?
A tabela mostra que foram perdidos 1.309.191,5 anos potenciais de vida por acidente de transporte terrestre
em 2013 no Brasil. A taxa de APVP foi de 694,5 anos perdidos para cada 100 mil habitantes. Em média foram
perdidos 33,8 anos por óbito por acidente de transporte terrestre em 2013. A faixa etária de 20 a 29 anos
apresentou maior proporção de APVP decorrente por esses acidentes em 2013.

Tabela 2 – Anos potenciais de vida perdidos, percentual, taxa e média por acidentes de transporte terrestres
segundo faixa etária, Brasil 2013

Faixa etária Total


(anos) APVP % Taxa APVP Média*
1-4 23.557,5 1,8 193,2 67,5
5-9 31.311,0 2,4 192,8 63,0
10-14 42.688,0 3,3 248,9 58,0
15-19 181.525,0 13,9 1.058,9 53,0
20-29 464.373,0 35,5 1.341,2 45,5
30-39 296.602,5 22,7 918,3 35,5
40-49 172.456,5 13,2 662,5 25,5
50-59 78.104,5 5,9 384,2 15,5
60-69 18.573,5 1,4 148,4 5,5
Total 1.309.191,5 100 694,5 33,8

APVP: anos potenciais de vida perdido; Taxa APVP: anos potenciais de vida perdidos por 100 mil
* Média por 10 mil habitantes.

Fonte: Adaptado de Andrade SSCA, Mello-Jorge MHP. Mortalidade e anos potenciais de vida perdidos por acidentes de transporte no
Brasil, 2013. Rev Saúde Pública. 2016;50:59.

164
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

O APVP pode ser utilizado para definir prioridades de intervenção em saúde pública ao compa-
rar a importância relativa de diferentes causas de mortes prematuras em uma população, para
monitoramento das tendências da mortalidade prematura ao longo do tempo e em diferentes
populações, além de apoiar a avaliação da efetividade das medidas de intervenção. A Figura 7
apresenta taxas de APVP por 100 mil habitantes em 2019 para diferentes países. O Brasil apre-
sentou uma das maiores taxas de APVP em 2019: 8.382,0 por 100 mil habitantes, valor inferior
ao apresentado apenas por 3 países.

Figura 7 – Total de anos potenciais de vida perdidos por 100 mil habitantes em idade de 0 a 69 anos por países
selecionados, 2019

9k

8k

7k
6.6k

6k

5k

4.1k 4.2k 4.2k


4k 3.9k

3.1k
3k 3.0k

2k

1k

0k
Eslovênia

Canadá

Reuino Unido

Polônia

Estados Unidos

Hungria

Lituania

Brasil

Letônia

México
Luxemburgo

Suiça

Japão

Irlanda

Italia

Suécia

Israel

Noruega

Korea

Holanda

Australia

Austria

Dinamarca

Alemanha

Grécia

Nova Zelândia

France

Belgica

Portugal

República Tcheca

Chile

Turquia

Estônia

Costa Rica

Colômbia
Espanha

Finlândia

Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) https://data.oecd.org/healthstat/potential-years-of-li-


fe-lost.htm. Acesso em setembro 2021.

165
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

3.2.5 DALY

Os problemas de saúde e as doenças podem imprimir distintos impactos na população, tais como
levar à mortalidade prematura ou gerar sofrimento físico e emocional e resultar em incapacidades.
Por isto, na década de 90, estudo denominado Carga Global de Doenças, comissionado pelo Ban-
co Mundial e pela OMS, propôs uma avaliação abrangente dos impactos das doenças e agravos,
contemplando tanto sua importância para a mortalidade prematura quanto para as incapacidades.
Para conhecer mais: http://www.healthdata.org/gbd/about/history

Para tanto, o estudo da Carga Global das Doenças desenvolveu o indicador Anos de Vida Perdi-
dos Ajustados por Incapacidade (do inglês, Disability Adjusted Life Years = DALY). O DALY é um
indicador composto que integra medidas de mortalidade e morbidade. É obtido pelo somatório
dos Anos de Vida Perdidos por Morte Prematura (do inglês, Years of Life Lost = YLL) e dos Anos
Vividos com Incapacidade (do inglês, Years Lost due to Disability = YLD) que mensura problemas
de saúde não fatais (Veja a Figura 8) . Ao somar os anos de vida perdidos devido à mortalidade
precoce aos anos vividos com incapacidade por doenças, o indicador DALY pretende expressar
a carga total que a perda de saúde impõe às populações.

Figura 8 – Esquema do DALY

DALY
Anos de vida ajustados por incapacidades

YLL YLD
Anos de vida perdidos pela morte prematura Anos vividos com incapacidade

Efeito da mortalidade precoce Efeito da morbidade

Fonte: elaborado pela autora

O cálculo do DALY é bastante complexo, vamos fazer apenas alguns comentários:

> Os anos de vida perdidos por morte prematura são calculados de forma similar ao APVP,
entretanto, não utiliza limites potenciais de vida fixo e sim limites estabelecidos a partir de

166
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

diferentes expectativas de vida observadas nas diferentes idades em que os óbitos ocorre-
ram. Além disso, incorpora outros parâmetros como uma ponderação por idade, que torna o
seu cálculo ainda mais complexo.

> O cálculo dos anos vividos com incapacidade é baseado na incidência da doença ou agravo
de interesse em um ano e local específicos que é multiplicada pelo peso que quantifica a
perda de saúde plena por esse evento. Os anos vividos por incapacidades são calculados por
causa, idade e sexo específicos, assim o resultado se refere à duração média da incapacidade
resultante de cada causa, idade e sexo específicos.

> As únicas características individuais consideradas no cálculo do DALY são sexo e idade.

> O indicador é mensurado em unidades de tempo, assim agrega o tempo vivido com incapaci-
dade e o tempo perdido em função da morte prematura. A unidade de tempo utilizada é o ano.

> O DALY pode ser calculado segundo a causa básica da morte e incapacidade sob a forma
de valores absolutos (número de anos), proporções e taxas relativas a uma população e ano
SciELO Preprints - Este documento é um preprint e sua situação atual está disponível em: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.2375

específicos. É possível também estimar o DALY segundo fatores de risco.

A Figura
16000
14000
9 apresenta o Daly por 100 mil habitantes
35000 10000
9000
estimado para o 60000
Brasil em 2009 e 2019. Ao
30000 50000
interpretar
12000 as figuras é necessário
25000 observar que as escalas
8000
7000
do DALY total e para cada grupo de causa
DALY (por 100 mil)

40000
são diferentes. Nos dois anos,
20000 as doenças crônicas apresentaram as mais elevadas taxas de DALY
10000 6000
8000 5000 30000

em ambos
6000 os sexos. As taxas de DALY das doenças 4000
15000

10000
infecciosas
3000
diminuíram
20000em ambos os sexos neste
4000
período. Os diferenciais por sexo
2000 5000 das taxas de DALY2000
foram mais acentuadas
1000
10000 para as causas externas.
SciELO Preprints - Este documento é um preprint e sua situação atual está disponível em: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.2375
0 0 0 0
1990 2019 1990 2019 1990 2019 1990 2019
Figura 9 – DALY por
Ano 100 mil habitantes segundo
Ano sexo e grupo de causa,
Ano Brasil, 1990 e 2019
Ano

250 900 180 1400


16000 35000
800 10000
160 60000
1200
orLtYa(lipdoard1e0(0pomr i1l)00 mil)

200
14000 700 9000
140
30000 50000
1000
600 8000
120
12000
150 25000 7000 800
500 100 40000
10000 6000
20000
400 80 600
100
8000 5000 30000
300
15000 60 400
6000 4000
50 200 40 20000
10000 3000 200
4000 100 20
2000 10000
0
2000 5000
0 0 0
DA

1000
M

1990 2019 1990 2019 1990 2019 1990 2019


0 0 0 0
1990 Ano 2019 1990 Ano 2019 1990 Ano 2019 1990 Ano 2019
Ano Ano Ano Ano
Doenças Infecciosas Doenças Crônicas Causas Externas Total
250 900 180 1400
Legenda Masculino
800 160Feminino Total
1200
Figura 200
1: Evolução histórica das taxas de 700
mortalidade e DALY segundo sexo e140
grupo de causa. Brasil, 1990-2019.
Mortalidade (por 100 mil)

1000
600 120
150 800
500 100
Fonte: Thalyta Cassia de Freitas Martins, José Henrique Costa Monteiro da Silva, Geovane da Conceição Máximo, Raphael Mendonça
400 80 600
Guimarães.
100
Preprint em Português | SciELO
300 Preprints | ID: pps-2375.60https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.2375
400
50 200 40
200
100 20
0 0 0 0
1990 2019 1990 2019 1990 2019 1990 2019 1/1
Ano Ano Ano Ano
167
Doenças Infecciosas Doenças Crônicas Causas Externas Total
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Na Figura 10 são apresentadas as 10 principais causas específicas de morte e incapacidades


(DALY) para o Brasil em 2019 e a variação percentual entre 2009 e 2019 para todas as idades
combinadas. A violência interpessoal ocupou a primeira posição em 2019, seguida pela doença
isquêmica do coração e pelos transtornos neonatais. Duas das principais causas de DALY eram
causas externas e seis dessas causas, eram doenças crônicas não transmissíveis, com destaque
para doença isquêmica do coração, doença cerebrovascular e diabetes. No período de 10 anos,
os transtornos neonatais apresentaram a variação percentual negativa mais importante, en-
quanto o diabetes, a variação percentual positiva mais pronunciada.

Figura 10 – Principais causas de DALY, Brasil 2009 e variação percentual, 2009 e 2019

Fonte: Health Metrics and Evaluation (IHME). Brasil. Http://www.healthdata.org/brazil?language=129. Acesso em setembro 2021.

Como será mais discutido no capítulo 4 - Vigilância em Saúde, com o desenvolvimento so-
cioeconômico e envelhecimento populacional, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)
ganham relevância para a carga de doenças, enquanto as doenças transmissíveis (DT) tendem
a ter menor relevância. Vale ressaltar que a pandemia de covid-19 serve de alerta para a im-
portância das doenças transmissíveis, trazendo à tona inclusive a gravidade da combinação das
DCNT e DT. Concluindo, o DALY é um indicador que permite comparar as condições de saúde de
uma população ao longo do tempo, bem como comparar diferentes populações. Ao combinar
a experiência de mortes prematuras e os impactos das incapacidades em um único indicador,
o DALY tem se mostrado um indicador vantajoso para projeções futuras e desenvolvimento de
intervenções apropriadas.

168
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

3.2.6 Esperança de vida ao nascer

A esperança de vida ou expectativa de vida ao nascer é um indicador geral das condições de


vida e de saúde de uma população e reflete o seu padrão de mortalidade. Expressa o número de
anos, em média, que recém-nascidos em um determinado ano e local irão viver, se as taxas de
mortalidade observadas no ano de nascimento forem mantidas constantes ao longo do tempo.

Seu cálculo é feito a partir de procedimentos mais complexos, utilizando tábuas de vida, que
não serão apresentados nesta aula. Em resumo, é obtido dividindo-se o somatório total de anos
vividos por uma geração de nascidos vivos em um ano específico e local pelo número total de
nascimentos dessa geração sendo, portanto, mensurado em anos.

A esperança de vida ao nascer está diretamente associada às condições de saúde da população.


Ganhos na expectativa de vida ao nascer podem ser atribuídos a inúmeros fatores, em especial
às melhorias nas condições de vida, dos indicadores socioeconômicos como aumento da esco-
laridade e do acesso e qualidade dos serviços de saúde.

O aumento da esperança de vida ao nascer é observado no Brasil desde o século passado. A


Tabela 3 apresenta essa informação para o Brasil e Regiões estimada para nascidos nos anos de
1991, 1995, 2000 e 2005 para homens e mulheres e em ambos os sexos.

Tabela 3 – Esperança de vida ao nascer, Brasil e regiões, 1991, 1995, 2000 e 2005
Homens Mulheres Ambos os sexos
Regiões
1991 1995 2000 2005 1991 1995 2000 2005 1991 1995 2000 2005
Brasil 63,2 64,7 66,7 68,4 70,9 72,5 74,4 75,9 66,9 68,5 70,4 72,1
Norte 63,7 65,1 66,8 68,2 70,3 71,3 72,4 74,0 66,9 68,1 69,5 71,0
Nordeste 59,6 61,4 63,6 65,5 66,3 68,4 70,9 72,7 62,8 64,8 67,2 69,0
Sudeste 64,5 66,0 67,9 69,5 73,4 74,8 76,3 77,7 68,8 70,3 72,0 73,5
Sul 66,7 67,9 69,4 70,8 74,3 75,2 76,3 77,7 70,4 71,5 72,7 74,2
Centro-Oeste 65,2 66,7 68,4 69,8 72,0 73,6 75,3 76,7 68,6 70,0 71,8 73,2
Fonte: Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações / Rede Interagencial de Informação para a Saúde - Ripsa. – 2.
ed. – Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2008. 349 p.: il.

Verifica-se que a esperança de vida ao nascer aumentou em todas as regiões e em ambos


os sexos. Entretanto, verifica-se que os menores valores são observados na região Nordeste,
permanecendo assim nos quatro anos examinados. A região Sul apresenta os maiores valores
para os dois sexos, nos quatro anos registrados. Vale notar que o Nordeste continua na pior
situação, mesmo após registrar os maiores ganhos na esperança de vida ao nascer no período

169
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

observado. Também notamos na Tabela 3 que as mulheres têm expectativa de vida nitidamente
mais elevada do que os homens em todas as regiões e em todos os anos.

O incremento da esperança de vida média dos brasileiros reflete mudanças importantes nos pa-
drões de mortalidade, especialmente a redução da mortalidade infantil. O diferencial por sexo
se deve à maior mortalidade masculina seja por causas externas e por outras causas devido aos
diferenciais de gênero nos cuidados de saúde e maior exposição à fatores de riscos dos homens.

A esperança de vida ao nascer permaneceu crescente no Brasil. Uma pessoa nascida em 2019
tinha expectativa de viver, em média, 76,6 anos. A expectativa de vida dos homens nascidos
neste ano foi de 73,1 anos e a das mulheres de 80,1 anos, em média (IBGE, 2020). Entretanto,
a expectativa de vida no país é marcadamente inferior aos níveis observados em países de alta
renda da Europa e da Ásia ou mesmo da América do Sul, como o Chile (Figura 11).

Figura 11 – Esperança de vida ao nascer por países selecionados por último ano disponível entre 2016 a 2020

90

85

80

75
Taxax 1.000 nascidos vivos

70

65

60
Africa do Sul

Rússia

Índia

Indonésia

Lituania

Letônia

Brasil

México

Hungria

Polônia

Eslováquia

Colômbia

Estônia

China

Turquia

Estados Unidos

Eslovênia

Chile

Portugal

Costa Rica

Bélgica

Áustria

Alemanha

França

Finlândia

Luxemburgo

Dinamarca

Reino Unido

Espanha

Holanda

Canadá

Itália

Coreia

Nova Zelândia

Suécia

Irlanda

Austrália

Israel

Suíça

Japão

Noruega

Irlanda
Grécia

Homens Mulheres Total

Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) https://data.oecd.org/healthstat/life-expectancy-at-


-birth.htm#indicator-chart.

170
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

IMPORTANTE!
A expectativa de vida ao nascer representa uma síntese do efeito da mortalidade em todas as ida-
des. Melhores condições de saúde e de vida são acompanhadas por expectativas de vida mais longa
decorrente da redução das taxas de mortalidade, especialmente a redução das taxas de mortalidade
em idades mais jovens. Entretanto, o contínuo incremento da expectativa de vida ao nascer, poderá
ser impactado pela Pandemia de covid-19. Resultado de estudo publicado em 2021, aponta que a
expectativa de vida ao nascer dos brasileiros caiu em média 1,3 anos em 2020, este declínio foi maior
em homens e nos estados mais atingidos pela pandemia (Castro e cols, 2021).

CONCLUSÃO
Medir a ocorrência de doenças, agravos à saúde e óbitos constitui um dos objetivos da epide-
miologia e etapa fundamental para conhecer a saúde da população. As medidas de mortalidade
e morbidade em conjunto com outras informações revelam aspectos das condições de vida e de
saúde da população e ajudam a apontar prioridades para intervenções e monitorar seus impactos.
Algumas dessas medidas podem revelar aspectos particulares da saúde, como os indicadores
de mortalidade infantil e materna. Estes eventos ocorrem precocemente, são em sua maioria
evitáveis e decorrem de uma combinação de fatores biológicos, sociais, culturais e de falhas do
sistema de saúde. Juntamente com outras mortes precoces, como as mortes violentas ou mortes
por acidente vascular encefálico aos 60 anos, por exemplo, estas mortes precoces configuram
padrões de mortalidade que refletem na menor esperança de vida média dos nascidos vivos de
uma população. Ademais, vimos que à medida que a sociedade evolui e novos problemas de saúde
ganham relevância, novos indicadores, como o DALY, que abarcam outros aspectos da saúde são
incorporados para dimensionar mais amplamente a saúde da população.

171
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

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174
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

CONSTRUÇÃO, UTILIZAÇÃO E ANÁLISE DE INDICADORES DE SAÚDE


Aula 3.3 - Epidemiologia descritiva: distribuição dos eventos nas
dimensões pessoa, tempo e lugar
Nessa aula estudaremos sobre a epidemiologia descritiva e o uso das dimensões pessoa, tempo
e lugar, abordando as características sobre cada dimensão e realizando uma atividade prática
para compreender a análise de situação de saúde de uma população. Pretendemos, ao final dessa
aula, que você seja capaz de entender a importância das dimensões pessoa, tempo e lugar para
descrever um fenômeno de saúde em populações humanas, e saber construir e utilizar indicadores
de mortalidade e morbidade para avaliar a situação de saúde de uma localidade.

3.3.1. Introdução

Como já pudemos ver em aulas anteriores, a epidemiologia tem por objetivo estudar a distribuição
e a frequência das doenças nas populações e dos fatores que determinam essa distribuição. E
uma das premissas fundamentais dessa ciência é que as doenças e problemas de saúde não se
distribuem de forma aleatória nas populações, pelo contrário, elas seguem padrões.

PARA REFLETIR
Você já parou para pensar por que algumas doenças acometem mais algumas populações
que outras?

Por que uma doença é mais prevalente em um local do que em outro?

E por quais motivos algumas doenças ocorrem em determinados períodos do ano?

Para compreender qual o comportamento de uma doença nas populações, a descrição deta-
lhada da sua ocorrência se torna um passo imprescindível para tal. No entanto, a obtenção
de indicadores de saúde, como a mortalidade, a incidência e a prevalência, podem não ser
suficientes para caracterizar o perfil dessa doença. Saber onde a doença é mais prevalente, se
ocorre com mais frequência entre homens ou mulheres por exemplo, ou se a incidência é maior
em alguma época do ano já nos dão indícios mais claros sobre esse perfil. Assim, podemos
perceber que características como idade, sexo, ocupação, local de moradia, tempo desde o início

175
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

dos sintomas, variação da prevalência ao longo do tempo, ocorrência mais frequente em épocas
mais frias do ano, dentre outros, podem auxiliar nessa descrição.

As características que acabamos de descrever acima se referem a dimensões de pessoa, tempo


e lugar. Ou seja, temos que nos perguntar:

Em quem, quando e onde a doença ocorre?

A epidemiologia descritiva busca justamente fazer essa descrição detalhada da ocorrência da do-
ença de acordo com tais dimensões, possibilitando traçar o perfil epidemiológico daquela doença.

E qual é a utilidade dessas informações sobre pessoa, tempo e lugar?

Quando existe alguma diferença na ocorrência da doença de acordo com esses tipos de infor-
mações, é possível identificar grupos populacionais específicos mais vulneráveis à doença em
questão e gerar hipóteses sobre a origem e/ou a causa dessa doença para que outras investiga-
ções sejam realizadas no futuro, com vistas à sua prevenção e promoção da saúde dos indivídu-
os e populações. As perguntas contidas no quadro 1 a seguir exemplificam as dimensões que a
epidemiologia descritiva busca investigar.

PARA REFLETIR
Perguntas para investigar as dimensões de pessoa, tempo e lugar de uma determinada doença:

> Em que áreas do país ou do município a doença é mais frequente?

> Pertencer a uma dada classe social torna o indivíduo mais vulnerável?

> Existe uma época do ano em que os casos são mais frequentes?

> Quais são as caraterísticas de sexo e idade entre os grupos mais vulneráveis?

> Aqueles que moram com quem possui a doença tem maior chance de tê-la também?

E do que se trata cada uma dessas dimensões? Vamos ver a seguir cada uma delas delineando
o perfil de dois problemas de saúde em específico de acordo com suas características: Sífilis** e
mortalidade por causas evitáveis***.

176
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**SAIBA MAIS
O Guia de Vigilância em Saúde descreve a Sífilis Adquirida como:

> Uma infecção bacteriana sistêmica, de evolução crônica, causada pelo Treponema palli-
dum. Quando não tratada, progride ao longo dos anos, sendo classificada em sífilis recente
(primária, secundária, latente recente) e tardia (latente tardia e terciária).

> Sua transmissão pode ser sexual, vertical ou sanguíneo, sendo que a transmissão sexual
é a predominante.

> Consulte o Guia de Vigilância em Saúde para mais informações sobre a Sífilis
e outras doenças:

CLIQUE AQUI

Fonte: Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em
Serviços. Guia de Vigilância em Saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 740 p.

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***SAIBA MAIS

O que foi considerado como causa evitável de óbito?

O estudo que originou os gráficos que vamos mostrar concentrou-se nos cinco grupamentos
de óbitos evitáveis, a saber:

1. reduzíveis pelas ações de imunoprevenção;

2. reduzíveis por ações de promoção à saúde, adequada prevenção, controle e atenção às


doenças de causas infecciosas;

3. reduzíveis por ações adequadas de promoção à saúde, prevenção, controle e atenção às


doenças não transmissíveis;

4. reduzíveis por adequada ação de prevenção, controle e atenção as causas de morte materna;

5. reduzíveis por ações intersetoriais e de promoção à saúde, prevenção e atenção adequada


às causas externas (acidentes e violências).

3.3.2. Tempo

A distribuição de acordo com o tempo é a observação da ocorrência da doença ou evento


ao longo de uma determinada unidade de tempo (anos, meses, dias). Elas podem nos revelar
tendências específicas de diminuição, aumento ou estabilização dos indicadores relacionados à
doença em questão de acordo com os anos, por exemplo. Podemos ver um exemplo logo abaixo
no Gráfico 1:

178
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Gráfico 1 – Taxa de detecção de sífilis adquirida (por 100.000 habitantes), taxa de detecção de sífilis em
gestantes e taxa de incidência de sífilis congênita (por 1.000 nascidos vivos), segundo ano de diagnóstico.
Brasil, 2010 a 2019

76,2
72,8

70

59,0
60
Taxa x 1.000 nascidos vivos

50
44,5

40
34,1

30
25,1
21,5 20,8
19,7
20 17,0
14,4 13,4
10,9
9,5 8,9
10 7,2 9,0
5,7 8,5 8,2
4,7 6,5 7,4
3,5 4,8 5,5
2,1 3,3 4,0
2,4
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Ano do diagnós o
Adquirida Gestante Congênita

Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.

Perceba que temos três tipos de informações que foram mensuradas ao longo do tempo: sífilis
adquirida, sífilis em gestantes e sífilis congênita. Apenas com as informações que podemos ver
nesse gráfico, responda:

Como você interpretaria esse gráfico? Qual é a tendência de cada uma dessas variáveis?

Bem, podemos perceber que todos os indicadores apresentaram tendência de aumento em suas
taxas de 2010 a 2018, seguido de um leve declínio em 2019 se comparado ao ano anterior.

179
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PARA REFLETIR

Para você, o que pode justificar a queda nos três indicadores relacionados à Sífilis entre os
anos de 2018 e 2019?

Dica: os motivos podem estar relacionados com a doença em sí (evolução dos casos) quanto
a disponibilidade de tratamento.

Outro exemplo interessante pode ser visto quando à mortalidade proporcional (Gráfico 2) e a
taxa padronizada de mortalidade (Gráfico 3) por causas evitáveis e seus principais grupamentos
na população brasileira:

Gráfico 2 – Mortalidade proporcional por causas evitáveis e principais grupamentos, na faixa etária de 5 a 74
anos – Brasil, 2010 a 2017

80% 77,4% 77,3% 77,1% 77,0% 76,9% 76,6% 76,6% 76,8%

70%
Causas evitáveis

60% Imunopreveníveis

Doenças infecciosas
50%
Doenças
não transmissíveis
40%
Causas maternas

30% Causas externas


22,6% 22,7% 22,9% 23,0% 23,1% 23,4% 23,4% 23,2% Demais causas (não
20% claramente evitáveis)

dos em 8/1/2022, às 19h, sujeitos a revisões. 10%

o dos novos registros de óbitos (A) por covid-19 por semana epidemiológica de notificação.
0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Fonte: Saúde Brasil, 2019.

180
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Gráfico 3 – Taxa padronizada de mortalidade (por 100 mil habitantes) por causas evitáveis e principais grupa-
mentos, na faixa etária de 5 a 74 anos – Brasil, 2010 a 2017

350

300

250

200

150

100

50

0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Causas evitáveis Doenças infecciosas Doenças não transmissíveis Causas externas

Fonte: Saúde Brasil, 2019.

No Gráfico 2 percebemos que, dentre todos os óbitos de residentes brasileiros na faixa etária de 5 a
74 anos em 2017, por exemplo, 76,8% foram atribuídos a causas evitáveis, sendo que esse percentual
se manteve estável ao longo dos anos. Já no Gráfico 3, nota-se uma tendência leve de declínio na
taxa de mortalidade por causas evitáveis sendo que, dentre os seus grupamentos, somente a taxa
de mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis apresentou a mesma tendência.

181
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DICA!

Reveja alguns indicadores de saúde parte 1:

Mortalidade

Estudar a mortalidade e um dos primeiros passos para conhecer o estado de saúde de uma
população e tem a grande vantagem de utilizar dados já disponíveis coletados rotineiramen-
te. A mortalidade e de grande interesse pois permite determinar o risco de morrer em uma
população, identificar as principais causas de morte, quão precoces as mortes ocorrerem, os
grupos mais vulneráveis e é um importante sinalizador da gravidade de uma doença.

Taxa geral de mortalidade (TGM)

Define-se genericamente a taxa de mortalidade ou coeficiente geral de mortalidade como a razão


entre o número absoluto de óbitos e a população sob risco de morrer em um período e local es-
pecíficos. Expressa o risco de morrer por qualquer causa em uma população e tempo Especifico.

Taxas específicas de mortalidade (TEM)

A taxa de mortalidade especifica e uma razão entre a frequência absoluta de óbitos e a popu-
lação sob risco de morrer em um tempo especifico restrita a grupos específicos. O numerador
e denominador serão restritos ao grupo de interesse, por exemplo a faixa etária ou sexo; de
tal forma que cada pessoa incluída no denominador esteja sob risco de passar para o grupo
do numerador.

Mortalidade proporcional (MP)

Os indicadores de mortalidade proporcional medem a proporção de óbitos por uma caracte-


rística, seja sexo, faixa etária ou causa do óbito em relação ao total de óbitos. A mortalidade
proporcional expressa a importância relativa de uma causa, faixa etária ou sexo no conjunto
de óbitos e é utilizada para fazer um ranqueamento das causas de morte ou indicar em qual
grupo observamos maior proporção de óbitos.

Letalidade

A letalidade e definida como a proporção de mortes dentre os doentes por uma causa espe-
cifica durante um período especifico. A letalidade expressa o maior ou menor poder de uma
doença ou agravo levar a morte as pessoas acometidas pela doença ou agravo.

182
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Exemplo

Existem tendências temporais que são chamadas sazonais, ou seja, variam em períodos fixos de
tempo que coincidem com as estações do ano. Como, por exemplo, a maior frequência de casos
de dengue no verão, ou maior incidência de casos de pneumonia no inverno. Um exemplo interes-
sante é o da Síndrome Respiratória Aguda Grave, conforme podemos ver na figura 1 abaixo:

Figura 1 – Distribuição dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave no Brasil, segundo agente etiológico e sema-
na epidemiológica do início dos sintomas, até a Semana Epidemiológica 52, nos anos de (a) 2017, (b) 2018 e (c) 2019

(a)

Fonte: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/17/Informe-Epidemiol--gico-Influenza-2017-SE-52.pdf.

(b)

Fonte: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/fevereiro/01/Informe-Epidemiologico-Influenza-2018-SE-52.pdf

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profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

(c)

Fonte: informe-epidemiologico_influenza-2019-se52.pdf (www.gov.br).

Os três gráficos nos mostram que o número de hospitalizações por Síndrome Respiratória Aguda
Grave é maior em períodos mais frios do ano no Brasil, que são mais propícios à circulação
e contaminação pelos vírus respiratórios descritos nos gráficos. Percebemos então que esse
indicador é influenciado pela sazonalidade.

3.3.3. Lugar

Conforme dito na nossa introdução, as doenças não são distribuídas aleatoriamente, e na di-
mensão de espaço isso não seria diferente. Assim, a análise que considera o local de ocorrência
do evento, também chamada de espacial, determina a distribuição das doenças, eventos rela-
cionados à saúde e serviços de saúde com referenciamento geográfico.

Desta forma é possível identificar padrões espaciais de morbidade, mortalidade e outros in-
dicadores de saúde, além da frequência dos fatores de risco relacionados. Voltando ao nosso
exemplo sobre a Sífilis, veja o Gráfico 4:

184
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Gráfico 4 – Taxa de detecção (por 100.000 habitantes) de sífilis adquirida, segundo região de residência por
ano de diagnóstico. Brasil, 2010 a 2019

120

100
Taxa de detecção x 100.000 habitantes

80

60

40

20

0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Ano do diagnós o
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.

No tópico anterior, percebemos que a taxa de detecção de sífilis adquirida apresentou uma
crescente até 2018, com leve queda em 2019 (e a mesma informação agora consta na linha
contínua em preto do Gráfico 4). Agora, temos essa informação por região do país: percebam
que a tendência nacional praticamente se mantém entre as regiões, mas de forma diferente.
Por exemplo, quando comparamos as taxas de 2018 e 2019, apesar de ambos apresentarem
uma queda na taxa em 2019, tal redução foi de 9,8% no Nordeste e de 3,6% no Sudeste. E ainda
comparando 2018 e 2019: a Região Norte apresentou um aumento em sua taxa de detecção
de sífilis adquirida enquanto todos as outras regiões apresentaram um aumento nesse período.
Além disso, a região Sul se destaca com as maiores taxas.

E se considerarmos os estados de cada região: será que existem diferenças? Um estado contribui-
ria mais para a taxa de detecção de sífilis do que outro? E quanto às capitais de cada estado?

185
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Considerando o ano de 2019, temos o seguinte:

Gráfico 5 – Taxas de detecção de sífilis adquirida (por 100.000 habitantes) segundo UF e capitais. Brasil, 2019

250

200
Taxa x 100.000 habitantes

150

100

Brasil 72,8

50

AL
AP

AC
AM

GO

CE
ES

TO
RR

RJ

RN

RO

BA
RS

MA
MG

MT
MS

SP

SE
SC

PA
DF

PB

PI
PR

PE

UF Capital Brasil

Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.

Note que existem estados que contribuem mais e outros menos para a taxa média nacional de
detecção de sífilis adquirida, sendo que 12 estados apresentaram taxas superiores à essa média.
Você consegue identificar esses 12 estados no Gráfico?

É interessante observar a discrepância dessa taxa quando comparamos os estados (UF) e suas
capitais. Vamos analisar a região norte, que apresentou elevação na sua taxa média de detecção
entre 2018 e 2019 (Gráfico 4): enquanto a capital Rio Branco apresenta taxa muito inferior à
média apresentada no estado do Acre, a capital Manaus possui taxa muito superior à média do
seu estado Amazonas (Gráfico 5).

Então percebam que somente o dado sobre a taxa de detecção de sífilis adquirida para o Brasil
ao longo dos anos não consegue evidenciar as diferenças regionais e locais que podem existir –
e que podem demandar diferentes estratégias para intervir na melhoria desse indicador.

186
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Agora veja os dados da taxa padronizada de mortalidade por causas evitáveis no Gráfico 6:

Gráfico 6 – Taxa padronizada de mortalidade (por 100 mil habitantes) por causas evitáveis, na faixa etária de
5 a 74 anos – Brasil e regiões, 2010 a 2017

306,4 307,2
305,7
302,3
300,9
300,8 299,0

290,2
287,4
282,6
282,1

274,5

2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017


Fonte: SES. Dados atualizados em 8/1/2022, às 19h, sujeitos a revisões.
Brasil Região Norte Região Nordeste
Fonte: SES. Dados atualizados em 8/1/2022, às 19h, sujeitos a revisões.
Região Sudeste Região Sul Região Centro-OesteFIGURA 9 Distribuição dos novos registros de óbitos (A) por covid-19 por sem
Distribuição dos novos registros de casos por covid-19 por semana epidemiológica de notificação. Brasil,Brasil, 2020-22

Fonte: Saúde Brasil, 2019.

Vocês se lembram que mencionamos no Gráfico 3 que houve um leve declínio na taxa de
mortalidade por causas evitáveis no Brasil? Pois bem, quando analisamos essa mesma taxa por
região do país no Gráfico 6, percebemos algumas regiões seguem a mesma tendência nacional,
mas outras não: nas regiões Norte e Nordeste, a taxa aumentou entre 2010 e 2017, e ambas
deixaram de ter as menores taxas em 2010 para apresentarem as maiores em 2017.

PARA REFLETIR
Se considerarmos os principais grupamentos das causas evitáveis de óbito (doenças infeccio-
sas, não transmissíveis e causas externas), qual contribuiria mais ou menos para as taxas de
mortalidade em cada região?

Exemplo

Algumas tendências no espaço podem ser retratadas por meio de mapas, que é o modo mais
elementar para descrever a distribuição espacial de doenças e eventos relacionados à saúde. A
Figura 2 abaixo compara as taxas médias de incidência de AIDS, por 100.000 habitantes, nos
diferentes municípios brasileiros (quanto mais escura a região no mapa, maior a incidência), e
em quatro diferentes períodos, permitindo uma análise espacial e temporal ao mesmo tempo:

187
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Figura 2 – Taxas médias de incidência de aids (por 100 mil habitantes) segundo município de residência,
Brasil, 1996-2011

Fonte: Sousa, Artur Iuri Alves de, & Pinto Júnior, Vitor Laerte. (2016). Análise espacial e temporal dos casos de aids no Brasil em 1996-
2011: áreas de risco aumentado ao longo do tempo. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 25(3), 467-476.

Diante dos exemplos que citamos, podemos perceber a importância de compreender o perfil da
doença de acordo com o tempo, mas também não podemos deixar de ressaltar a relevância das
mudanças que ocorreram ao longo tempo nos diferentes locais ou regiões.

3.3.4. Pessoa

Por fim, as características dos indivíduos são claramente relacionadas com a ocorrência de
problemas de saúde de interesse, e elas são inúmeras.

188
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

De um modo geral e para fins didáticos, as características pessoais podem ser consideradas in-
dividuais, ou relacionadas comportamentos no cotidiano e estilo de vida, ou ainda relacionadas
às condições de vida desses indivíduos. Veja abaixo alguns exemplos:

> Individuais: sexo, idade, etnia, raça/cor da pele, estado imunitário, estado civil, escolarida-
de, ocupação, presença de comorbidades.

> Comportamentos e estilo de vida: prática de atividade física, práticas religiosas, costumes
regionais, tabagismo, consumo de bebidas alcóolicas, hábitos alimentares.

> Condições de vida: renda familiar, condições de trabalho, disponibilidade de transporte


público, classe social, condições de moradia, nível de poluição atmosférica.

Agora vejamos o nosso exemplo a respeito da Sífilis no Gráfico 7:

Gráfico 7 – Taxa de detecção de sífilis adquirida (por 100.000 habitantes) segundo faixa etária. Brasil, 2010 a 2019

160

140

120
Taxa de detecção x 100.000 habitantes

100

80

60

40

20

0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

13 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 50 anos ou mais

Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.

No Gráfico 4, a linha contínua em preto nos mostrava a tendência da taxa de detecção de sífilis
adquirida no Brasil ao longo dos anos. Agora, no Gráfico 7, temos a distribuição dessa taxa ao
longo do mesmo período e segundo a faixa etária dos indivíduos. A tendência de aumento na
taxa com posterior redução em 2019 pode ser vista em todas as idades, porém a faixa etária

189
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de 20 a 29 anos se destaca quanto à sua trajetória mais pronunciada de aumento da taxa,


chegando a mais de 160 casos por 100.000 habitantes em 2018 e 2019.

PARA REFLETIR
A idade é um dos principais preditores de morbimortalidade em uma população. A frequência de
casos e óbitos de doenças, por exemplo, vão variar conforme a idade dos indivíduos e da população.
É notório que o componente biológico dessa característica é de extrema relevância para sua relação
com os eventos em saúde, mas as diferentes etapas ao longo do curso da vida propiciam diferentes
experiências que podem representar um aumento ou diminuição na ocorrência das doenças, ressal-
tando também o componente social da idade (Melo et al., 2017; Torres et al., 2018).

E quando consideramos o sexo dos indivíduos com sífilis? Você acha que mais homens ou mais
mulheres são afetados? Vamos observar o Gráfico 8:

Gráfico 8 – Casos notificados de sífilis adquirida e sífilis em gestante, segundo sexo e razão homem/mulher
por ano de diagnóstico. Brasil, 2010 a 2019
100% 1,2

90%

1,0
80%

58,2 58,2 57,3 57,3


70%
59,1 0,8
61,1 60,5
61,6
60%
0,7 0,7 0,7 0,7 0,7 0,7
Proporção de casos

65,6

50% 0,6 0,6 0,6 Razão de sexos

0,5
40%

0,4
30%
82,4

20% 40,9 41,8 41,8 42,7 42,7


38,4 38,9 39,5
0,2 34,4 0,2

10%
17,6

0% -
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Masculino Feminino - Adquirida Feminino - Gestante Razão de sexos

Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.

190
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A razão homem/mulher esteve em um patamar de 0,2 em 2010, e apresentando um crescimen-


to até 2014, atingindo o valor de 0,7 e se mantendo nesse patamar até o último ano em 2019.
Notamos, então, que existe um aumento na proporção de homens com sífilis adquirida.

PARA REFLETIR
Entre as mulheres, que tendências você consegue perceber comparando a proporção ao longo
do tempo de mulheres com sífilis adquirida e com sífilis em gestante?

Homens e mulheres exercem diferentes papéis na sociedade, e apresentam diferentes riscos


quanto aos problemas de saúde não somente devido a diferenças biológicas, mas também re-
lacionados aos comportamentos e estilo de vida presentes no cotidiano de cada um. Hábitos
de risco, como o consumo excessivo de álcool e o tabagismo, por exemplo, são mais comuns
entre os homens, além de serem eles a procurarem os serviços de saúde com menor frequência
(Brasil, 2020b).

Gráfico 9 – Distribuição proporcional de casos de sífilis adquirida segundo raça/cor e ano de diagnóstico.
Brasil, 2010 a 2019

100

17,8 16,1 15,1 15,1


90 19,8 20,2 19,3 17,9 18,8
0,5 0,7 0,5
0,4 0,4 0,5
33,9 0,4
0,7 0,5 0,9 0,8
80 0,6 0,8
0,5 0,5 0,5 0,6 0,6

70
0,9
32,1 31,2 33,3 34,5 36,7 38,1
0,6 31,2 30,7 31,5
60
Percentual raça/cor

25,4
50

9,1 9,3 8,9 9,2 9,2 9,4 9,7


40 10,3 10,2
8,6
30

20 38,8 38,7 39,3 39,7 39,8 38,3 38,3 36,3 35,3


30,7
10

0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Ano de diagnó co
Branca Preta Parda Amarela Indígena Ignorado

Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.

191
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

A raça/cor dos indivíduos se revela como um importante construto social, e se configura como
um determinante socioeconômico, auxiliando na compreensão de como as relações raciais pro-
duzem desigualdades sociais em saúde. Desvantagens quanto às condições de vida e saúde
podem ser vistas mais frequentemente na população preta e parda no país (Monteiro et al.,
2021; Romero et al., 2019).

No Gráfico 9, nota-se um aumento da proporção de casos de sífilis adquirida em indivíduos


de raça/cor preta e parda ao longo dos anos, e uma consequente diminuição na proporção de
pessoas que relataram raça/cor branca.

É interessante observar que a proporção de casos com a informação sobre raça/cor ignorada di-
minuiu: passando de 34,0% em 2010 para 15,1% em 2019. Reflita: por que esse fato é importante?

IMPORTANTE!

A informação sobre a raça/cor dos indivíduos com Sífilis, assim como sexo, idade, den-
tre outros, deve constar na ficha de notificação dessa doença, já que ela está entre as
doenças que devem obrigatoriamente ser notificadas às autoridades sanitárias, ou seja,
pertence à Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças**.

**Mais detalhes serão vistos na Aula 4.2: Epidemiologia de doenças transmissíveis.

192
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Gráfico 10 – Distribuição proporcional de casos de sífilis adquirida segundo escolaridade e ano de diagnós-
tico. Brasil, 2010 a 2019

100

90

36,3 35,0 35,6 35,3 36,9 37,6 37,3 36,7 36,2


80
49,7
70

3,1 3,8 3,6 4,0 4,4


60 3,9 3,7 3,8 3,9

16,1 18,4 18,5 19,2


50 2,9 19,6 20,1 20,4 21,3 22,9

40 12,7
15,9 15,3 15,8 16,0
30 16,4 16,2 16,6
12,8 17,0
17,0

20
27,0 26,1 25,1 24,3 22,0
20,6 21,3 20,7 20,0 18,4
10

1,4 1,6 1,4 1,4 1,3 1,2 1,2 1,1 1,2 1,1
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Analfabeto Fundamental incompleto Fundamental completo Médio completo Superior completo Não se aplica/Ignorado

Fonte: 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Sífilis, 2020. 2. Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan), atualizado em 30/06/2020.

A escolaridade revela muito sobre o estado de saúde dos indivíduos. Por exemplo, quanto maior
o nível de escolaridade, maior a expectativa de vida. É importante considerar que a escolaridade
materna também pode ser utilizada como indicador da posição socioeconômica do indivíduo ou
ser utilizada como parâmetro a ser comparado com a escolaridade do indivíduo por exemplo,
indicando ou não uma mobilidade educacional entre gerações distintas.

No nosso exemplo, observa-se uma redução da proporção de casos em indivíduos analfabetos


ou com ensino fundamental incompleto, além de um incremento no percentual dos casos com
ensino fundamental ou médio completos. É importante notar que, desde de 2011, a maior
proporção dos casos se encontra entre os que completaram até o ensino médio (58,3%).

Agora vamos observar os dados sobre taxa padronizada de mortalidade por causas evitáveis de
acordo com as características dos indivíduos, começando pelo sexo e principais grupamentos
das causas evitáveis, no Gráfico 11:

193
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Gráfico 11 – Taxa padronizada de mortalidade (por 100 mil habitantes) por causas evitáveis, segundo sexo –
Brasil, 2010 e 2017

450

400

350

300
2010-F
250
2017-F
200
2010-M
150
2017-M
100

50

0
Infecciosas Não transmissíveis Causas externas Causas evitáveis

Fonte: Saúde Brasil, 2019.

O gráfico 11 nos mostra que a taxa de mortalidade por todos os grupamentos e em ambos os
sexos caiu entre 2010 e 2017. Entre os homens, as taxas foram sempre maiores, com destaque
para as doenças não transmissíveis e grande destaque para as causas externas (que contem-
plam as violências e os acidentes em geral) veja maiores detalhes na Aula 4.4 - Epidemiologia
de acidentes e violências.

194
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Gráfico 12 – Taxa padronizada de mortalidade (por 100 mil habitantes) por causas evitáveis, segundo sexo e
faixa etária – Brasil, 2010 e 2017

2.000
Taxa de mortalidade por 100 mil habitantes

1.800

1.600

1.400
2010-F
1.200
2017-F
1.000

800 2010-M

600 2017-M

400

200

0 Fonte: SES. Dados atualizados em 8/


5 a 9 anos 10 a 14 anos 15 a 19 anos 20 a 39 anos 40 a 59 anos 60 a 74 anos
FIGURA
2020-22

Fonte: Saúde Brasil, 2019.

Apesar de não termos as informações sobre os grupamentos das causas evitáveis, o Gráfico
12 nos fornece 3 diferentes variáveis: sexo, idade (faixas etárias) e períodos de tempo (2010 e
2017). Observa-se que mortalidade aumentou com o avançar da idade, e que existe uma dife-
rença entre os sexos, que já havíamos percebido no Gráfico 11 mas que aqui notamos ser mais
proeminente a partir da faixa etária de 15 a 19 anos – que foi a única a apresentar aumento da
mortalidade entre 2010 e 2017 (somente entre os homens).

O Gráfico 13 abaixo nos traz informações de uma forma diferente do que vimos até o momento,
revelando a correlação entre as taxas de mortalidade (eixo x) e o Índice de Vulnerabilidade
Social – IVS (eixo y). O IVS engloba diversos indicadores, agrupados em três dimensões: infraes-
trutura urbana, capital humano (como mortalidade infantil, por exemplo) e relacionados a renda
e trabalho. O Gráfico 13 nos mostra o IVS quanto à dimensão capital humano.

195
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Quadro 2 – Indicadores que compõem as três dimensões do Índice de Vulnerabilidade Social – IVS

Índice de Vulnerabilidade Social – IVS

Porcentagem de pessoas em domicílios com abastecimento de água e esgotamento sanitário


inadequados.

Porcentagem da população que vive em domicílios urbanos sem serviço de coleta de lixo.
IVS infraestrutura urbana
Porcentagem de pessoas que vivem em domicílios com renda per capita inferior a meio salário-
-mínimo (de 2010) e que gastam mais de uma hora até o trabalho no total de pessoas ocupadas,
vulneráveis e que retornam diariamente do trabalho.

Mortalidade até um ano de idade.

Porcentagem de crianças de 0 a 5 anos que não frequentam a escola.

Porcentagem de pessoas de 6 a 14 anos que não frequentam a escola.

Porcentagem de mulheres de 10 a 17 anos de idade que tiveram filhos.

Porcentagem de mães chefes de família sem o ensino fundamental completo e com pelo menos
IVS capital humano um filho menor de 15 anos de idade, no total de mulheres chefes de família.

Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais de idade.

Porcentagem de crianças que vivem em domicílios em que nenhum dos moradores tem o ensi-
no fundamental completo.

Porcentagem de pessoas de 15 a 24 anos que não estudam, não trabalham e possuem renda
domiciliar per capita igual ou inferior a meio salário-mínimo (de 2010), na população total dessa
faixa etária.

Proporção de pessoas com renda domiciliar per capita igual ou inferior a meio salário-mínimo (2010).

Taxa de desocupação da população de 18 anos ou mais de idade.

Porcentagem de pessoas de 18 anos ou mais sem fundamental completo e em ocupação informal.


IVS renda e trabalho
Porcentagem de pessoas em domicílios com renda per capita inferior a meio salário-mínimo (de
2010) e dependentes de idosos.

Taxa de atividade das pessoas de 10 a 14 anos de idade.

Fonte: BRASIL. Ministério da Economia. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. A nova plataforma da vulnerabilidade social:
primeiros resultados do índice de vulnerabilidade social para a série histórica da Pnad (2011-2015) e desagregações por sexo, cor e
situação de domicílios. Rio de Janeiro: Ipea, 2018.

196
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Gráfico 13 – Tendência da taxa de mortalidade por causas evitáveis (2017), segundo Índice de Vulnerabilidade
Social – componente capital humano.

Doenças infecciosas Doenças não transmissíveis


0,5 0,5
0,5 0,5
0,4 0,4
0,4 0,4
0,3 0,3
0,3 0,3
0,2 0,2
0,2 0,2
0,1 0,1
0,1 R = 0,111 0,1 R = 0,323
0,0 0,0
0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 0,0 50,0 100,0 150,0 200,0 250,0

Causas externas Causas evitáveis


0,5 0,5
0,5 0,5
0,4 0,4
0,4 0,4
0,3 0,3
0,3 0,3
0,2 0,2
0,2 0,2
0,1 0,1
0,1 R = 0,627 0,1 R = 0,558
0,0 0,0
0,0 20,0 40,0 60,0 80,0 100,0 120,0 140,0 0,0 50,0 100,0 150,0 200,0 250,0 300,0 350,0 400,0

Fonte: Saúde Brasil, 2019.

Quanto mais alto o IVS de um território, maior é a vulnerabilidade da população. Então, quanto
mais próximo de 1 o IVS está, piores são as condições de vida da população.

Em geral, nota-se que quanto maiores as taxas de mortalidade por causas evitáveis e seus
grupamentos, maior o IVS (capital humano). Ou seja, maior vulnerabilidade social em uma po-
pulação está relacionada a maiores taxa de mortalidade por causas evitáveis.

3.3.5. Análise da situação de saúde

O que fazer com os dados que coletamos?

Diante dessas informações que coletamos sobre a Sífilis e as causas evitáveis de óbitos, pode-
mos traçar um perfil sobre os indivíduos que possuem tais condições de saúde:

Quanto à sífilis, percebe-se que as taxas de detecção aumentaram ao longo do tempo no Brasil
de 2009 até 2018, com leve declínio em 2019 – padrão esse observado em todas as regiões
exceto o Norte do país que apresentou aumento em 2019. Destaque para a região Sul do país

197
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que apresentou as maiores taxas de detecção comparando às demais regiões. Percebemos ainda
que, em 2019, as taxas são maiores na faixa etária de 20 a 29 anos, e a proporção de casos é
maior entre as mulheres, aqueles de raça/cor preta ou parda e entre os que completaram até o
ensino médio. Ressalta-se ainda o crescimento, ao longo dos 9 anos, da proporção de homens
entre os casos de sífilis.

Antes de prosseguirmos, que tal você tentar traçar o perfil sobre as causas evitáveis de óbitos
na população, assim como fizemos para a Sífilis?

O perfil populacional, espacial e temporal que acabamos de delinear é uma pequena amostra
do que ocorrer no processo de Análise de Situação de Saúde. Conforme a definição da Organi-
zação Pan-Americana de Saúde, a Análise de Situação de Saúde (Asis) consiste em “processos
analítico-sintéticos que permitem caracterizar, medir e explicar o perfil saúde-doença de uma
população, bem como os agravos, problemas de saúde e seus determinantes”. Portanto, trata-
-se de uma ferramenta que, através da análise demográfica, socioeconômica e epidemiológica,
possibilita a identificação dos problemas e necessidades de saúde não satisfeitas de certa po-
pulação, bem como a determinação de uma ordem de prioridade (Brasil, 2015).

Dessa forma, a Asis auxilia no direcionamento e formulação de medidas adequadas de inter-


venção, à medida que contribui para a compreensão de causas, consequências e impactos na
saúde - considerando possíveis limitações e a realidade socioeconômica – e para a otimização
dos recursos disponíveis aos gestores e profissionais de saúde, de modo a gerar um impacto
positivo na saúde do local estudado (Brasil, 2015).

198
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Vamos praticar?

SAIBA MAIS
A seguir você vai realizar um exercício, cujo objetivo é analisar
a situação de saúde do estado do Piauí, comparando com os
dados do Brasil. Você deverá calcular e analisar indicadores de
saúde (gerais e específicos) relacionados à mortalidade.
Os dados serão acessados no DATASUS (Departamento de
informática do Sistema Único de Saúde), via TABNET (Link para
acesso: https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-
-tabnet/). As estimativas populacionais disponibilizadas pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obtidas
a partir da projeção da população de 2010 a 2060, devem ser
utilizadas para o cálculo dos indicadores necessários (https://
www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9109-proje-
cao-da-populacao. html?=&t=resultados).

Vamos analisar o perfil de mortalidade da população do Piauí, em comparação aos dados de


âmbito nacional, nos anos de 2010 e 2018. A proposta é que você faça os passos a seguir e
depois consulte as respostas.

1° passo. Identificar o número de óbitos por Capítulo da CID-10 no Piauí e no Brasil em 2018.

Dicas:

> Acesse o link: https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/

> Selecione a opção “Estatísticas Vitais” (coluna em azul à esquerda da tela)

> Selecione a opção “Mortalidade – desde 1996 pela CID-10”.

> Selecione a opção “Mortalidade geral”

> Na opção “Abrangência Geográfica”, selecione a opção “Brasil por região e Unidade da Federação”.

199
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A partir da tela que se abrirá, selecione os dados a seguir:

> Linha: capítulo da CID

> Coluna: unidade da federação

> Conteúdo: óbitos por residência

> Período: 2018

Após a exportação da tabela resultante pelo TABNET e exclusão das colunas correspondentes
aos demais estados da federação, temos a seguinte tabela:

Tabela 1 – Número de óbitos segundo capítulo da CID-10, Piauí e Brasil, 2018

Capítulo CID-10 Piauí Brasil (Total)

Capítulo CID-10 Piauí Brasil (Total)

I. Algumas doenças infecciosas e parasitárias 740 54679

II. Neoplasias (tumores) 2.737 227.920

III. Doenças sangue órgãos hemat e transt imunitár 137 6.601

IV. Doenças endócrinas nutricionais e metabólicas 1426 81.365

V. Transtornos mentais e comportamentais 253 13.697

VI. Doenças do sistema nervoso 472 41.035

VII. Doenças do olho e anexos - 21

VIII.Doenças do ouvido e da apófise mastóide 5 169

IX. Doenças do aparelho circulatório 6.306 357.770

X. Doenças do aparelho respiratório 2.203 155.191

XI. Doenças do aparelho digestivo 1.040 67.316

XII. Doenças da pele e do tecido subcutâneo 102 6.273

XIII.Doenças sist osteomuscular e tec conjuntivo 66 6.153

XIV. Doenças do aparelho geniturinário 437 43.428

XV. Gravidez parto e puerpério 51 1.862

XVI. Algumas afec originadas no período perinatal 468 20.764

XVII.Malf cong deformid e anomalias cromossômicas 209 11.156

200
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Capítulo CID-10 Piauí Brasil (Total)

XVIII.Sint sinais e achad anorm ex clín e laborat 859 70.505

XIX. Lesões enven e alg out conseq causas externas - -

XX. Causas externas de morbidade e mortalidade 2.472 150.814

XXI. Contatos com serviços de saúde - -

XXII.Códigos para propósitos especiais - -

Total 19.983 1.316.719

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM.

2° passo. Calcular a taxa de mortalidade geral no Piauí e no Brasil em 2018 e a mortalidade


proporcional por Capítulo da CID-10 no Piauí e no Brasil em 2018.

Utilizando a tabela resultante do passo 1, foi possível calcular a mortalidade proporcional por
causa (Capítulo da CID-10), conforme podemos ver abaixo:

Tabela 2 – Número de óbitos e mortalidade proporcional segundo capítulo da CID-10, Piauí e Brasil, 2018

Capítulo CID-10 Casos Acum. Óbitos Acum. Casos Novos Óbitos Novos

I. Algumas doenças infecciosas e parasitárias 740 54.679 3,70 4,15

II. Neoplasias (tumores) 2.737 227.920 13,70 17,31

III. Doenças sangue órgãos hemat e transt imunitár 137 6.601 0,69 0,50

IV. Doenças endócrinas nutricionais e metabólicas 1.426 81.365 7,14 6,18

V. Transtornos mentais e comportamentais 253 13.697 1,27 1,04

VI. Doenças do sistema nervoso 472 41.035 2,36 3,12

VII. Doenças do olho e anexos 0 21 0,00 0,00

VIII.Doenças do ouvido e da apófise mastóide 5 169 0,03 0,01

IX. Doenças do aparelho circulatório 6.306 357.770 31,56 27,17

X. Doenças do aparelho respiratório 2.203 155.191 11,02 11,79

XI. Doenças do aparelho digestivo 1.040 67.316 5,20 5,11

XII. Doenças da pele e do tecido subcutâneo 102 6.273 0,51 0,48

XIII.Doenças sist osteomuscular e tec conjuntivo 66 6.153 0,33 0,47

XIV. Doenças do aparelho geniturinário 437 43.428 2,19 3,30

201
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Capítulo CID-10 Casos Acum. Óbitos Acum. Casos Novos Óbitos Novos

XV. Gravidez parto e puerpério 51 1.862 0,26 0,14

XVI. Algumas afec originadas no período perinatal 468 20.764 2,34 1,58

XVII.Malf cong deformid e anomalias cromossômicas 209 11.156 1,05 0,85

XVIII.Sint sinais e achad anorm ex clín e laborat 859 70.505 4,30 5,35

XIX. Lesões enven e alg out conseq causas externas 0 0 0,00 0,00

XX. Causas externas de morbidade e mortalidade 2.472 150.814 12,37 11,45

XXI. Contatos com serviços de saúde 0 0 0,00 0,00

XXII.Códigos para propósitos especiais 0 0 0,00 0,00

Total 19.983 1.316.719 100,00 100,00

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060.

E utilizando os dados sobre número de óbitos e sobre estimativas populacionais fornecidas pelo
IBGE para Piauí e Brasil, é possível calcular as taxas de mortalidade geral:

Tabela 3 – Taxa de mortalidade geral, Piauí e Brasil, 2018

Piauí Brasil

Taxa de mortalidade Taxa de mortalida-


Número de óbitos Número de
População (n) geral (por 1.000 habi- População (n) de geral (por 1.000
(n) óbitos (n)
tantes) habitantes)

3.263.754 19.983 6,12 208.494.900 1.316.719 6,32

3° passo. Identifique quais são as três causas de óbito (por Capítulo da CID-10) proporcional-
mente mais frequentes no Piauí.

De acordo com a mortalidade proporcional por causa (por Capítulo da CID-10), as causas que mais
contribuem para o total de óbitos no Piauí são: IX. Doenças do aparelho circulatório (31,56%),
II. Neoplasias (tumores) (13,70%) e XX. Causas externas de morbidade e mortalidade (12,37%).
Juntas, elas correspondem a mais de 50% das mortes ocorridas em 2018 no estado.

4° passo. Calcule as taxas de mortalidade específicas (por Capítulo da CID-10) para as três
causas de óbito identificadas no passo 3, para o Piauí e Brasil.

202
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Tabela 4– Óbitos e taxa de mortalidade específica por Neoplasias, Doenças do aparelho circulatório e Causas
externas, Piauí e Brasil, 2018

Taxa de mortalidade Piauí (por Taxa de mortalidade Brasil


Capítulo CID-10 Óbitos Piauí (n) Óbitos Brasil (n)
100.000 habitantes)* (por 100.000 habitantes)**

II. Neoplasias (tumores) 2.737 227.920 83,86 109,32

IX. Doenças do aparelho


6.306 357.770 193,21 171,60
circulatório

XX. Causas externas (de


2.472 150.814 75,74 72,33
morbidade e mortalidade)

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060
Notas: *População estimada Piauí (2018): 3.263.754 habitanteS
**População estimada Brasil (2018): 208.494.900 habitantes

Gráfico 14 – Taxas de mortalidade específica por Doenças do aparelho circulatório, Ne


O Gráfico abaixo é resultante
externas da comparação
de morbidade das três causas
e mortalidade, Piauí acima identificadas
e Brasil, 2018 para o Piauí e Brasil.

Gráfico 14 – Taxas de mortalidade específica por Doenças do aparelho circulatório, Neoplasias (tumores) e
Causas externas de morbidade e mortalidade, Piauí e Brasil, 2018

200 193,21

180 171,60
Taxa de mortalidade (por 100.000 habitantes)

160

140

120 109,32
100
83,86
80 75,74
72,33
60

40

20

0
II. Neoplasias (tumores) IX. Doenças do aparelho XX. Causas externas (de
circulatório morbidade e mortalidade

Piauí Brasil

Fonte: elaborado pela autora

203
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

4° passo. Repita os 3 primeiros passos, agora considerando o ano de 2010.

Passo 1:

Tabela 5 – Número de óbitos segundo capítulo da CID-10, Piauí e Brasil, 2010

Capítulo CID-10 Piauí Brasil (Total)

I. Algumas doenças infecciosas e parasitárias 596 48823

II. Neoplasias (tumores) 2025 178990

III. Doenças sangue órgãos hemat e transt imunitár 93 6284

IV. Doenças endócrinas nutricionais e metabólicas 1228 70276

V. Transtornos mentais e comportamentais 211 12759

VI. Doenças do sistema nervoso 258 25303

VII. Doenças do olho e anexos 1 31

VIII.Doenças do ouvido e da apófise mastóide 2 125

IX. Doenças do aparelho circulatório 5555 326371

X. Doenças do aparelho respiratório 1076 119114

XI. Doenças do aparelho digestivo 748 58061

XII. Doenças da pele e do tecido subcutâneo 44 3225

XIII.Doenças sist osteomuscular e tec conjuntivo 70 4541

XIV. Doenças do aparelho geniturinário 255 24519

XV. Gravidez parto e puerpério 51 1728

XVI. Algumas afec originadas no período perinatal 523 23723

XVII.Malf cong deformid e anomalias cromossômicas 225 10196

XVIII.Sint sinais e achad anorm ex clín e laborat 678 79622

XIX. Lesões enven e alg out conseq causas externas - -

XX. Causas externas de morbidade e mortalidade 1975 143256

XXI. Contatos com serviços de saúde - -

XXII.Códigos para propósitos especiais - -

Total 15614 1136947

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM.

204
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Passo 2:

Tabela 6 – Número de óbitos e mortalidade proporcional segundo capítulo da CID-10, Piauí e Brasil, 2010

Óbitos Mortalidade Pro- Mortalidade Propor-


Capítulo CID-10 Óbitos Brasil (n)
Piauí (n) porcional Piauí (%) cional Brasil (%)

I. Algumas doenças infecciosas e parasitárias 596 48.823 3,82 4,29

II. Neoplasias (tumores) 2.025 178.990 12,97 15,74

III. Doenças sangue órgãos hemat e transt imunitár 93 6.284 0,60 0,55

IV. Doenças endócrinas nutricionais e metabólicas 1.228 70.276 7,86 6,18

V. Transtornos mentais e comportamentais 211 12.759 1,35 1,12

VI. Doenças do sistema nervoso 258 25.303 1,65 2,23

VII. Doenças do olho e anexos 1 31 0,01 0,00

VIII.Doenças do ouvido e da apófise mastóide 2 125 0,01 0,01

IX. Doenças do aparelho circulatório 5.555 326.371 35,58 28,71

X. Doenças do aparelho respiratório 1.076 119.114 6,89 10,48

XI. Doenças do aparelho digestivo 748 58.061 4,79 5,11

XII. Doenças da pele e do tecido subcutâneo 44 3.225 0,28 0,28

XIII.Doenças sist osteomuscular e tec conjuntivo 70 4.541 0,45 0,40

XIV. Doenças do aparelho geniturinário 255 24.519 1,63 2,16

XV. Gravidez parto e puerpério 51 1.728 0,33 0,15

XVI. Algumas afec originadas no período perinatal 523 23.723 3,35 2,09

XVII.Malf cong deformid e anomalias cromossômicas 225 10.196 1,44 0,90

XVIII.Sint sinais e achad anorm ex clín e laborat 678 79.622 4,34 7,00

XIX. Lesões enven e alg out conseq causas externas 0 0 0,00 0,00

XX. Causas externas de morbidade e mortalidade 1.975 143.256 12,65 12,60

XXI. Contatos com serviços de saúde 0 0 0,00 0,00

XXII.Códigos para propósitos especiais 0 0 0,00 0,00

Total 15.614 1.136.947 100,00 100,00

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060.

205
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Tabela 7 – Taxa de mortalidade geral, Piauí e Brasil, 2010

Piauí Brasil

Taxa de mortalidade Taxa de mortalida-


Número de óbitos Número de
População (n) geral (por 1.000 habi- População (n) de geral (por 1.000
(n) óbitos (n)
tantes) habitantes)

3.263.754 19.983 6,12 194.890.682 1.136.947 5,83

Passo 3:

De acordo com a mortalidade proporcional por causa (por Capítulo da CID-10), as causas que
mais contribuíram para o total de óbitos no Piauí, em 2010, são: IX. Doenças do aparelho cir-
culatório (35,58%), II. Neoplasias (tumores) (12,97%) e XX. Causas externas de morbidade e
mortalidade (12,65%). Juntas, elas correspondem a mais de 50% das mortes ocorridas em 2010
no estado.

Passo 4:

Tabela 8 – Óbitos e taxa de mortalidade específica por Neoplasias, Doenças do aparelho circulatório e Causas
externas em Piauí e no Brasil, 2010

Taxa de mortalidade Piauí (por Taxa de mortalidade Brasil


Capítulo CID-10 Óbitos Piauí (n) Óbitos Brasil (n)
100.000 habitantes)* (por 100.000 habitantes)**

II. Neoplasias (tumores) 2025 178990 63,43 91,84

IX. Doenças do aparelho


5555 326371 173,99 167,46
circulatório

XX. Causas externas (de


1975 143256 61,86 73,51
morbidade e mortalidade)

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060.

Notas: *População estimada Piauí (2018): 3.263.754 habitantes.


**População estimada Brasil (2018): 208.494.900 habitantes.

206
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Gráficoé15
O Gráfico abaixo – Taxas da
resultante de comparação
mortalidade específica por Doenças
das três causas do aparelho circulatório,
acima identificadas para o PiauíNeoplasias
e (tu
de morbidade e mortalidade, Piauí e Brasil, 2010
Brasil, em 2010.

Gráfico 15 – Taxas de mortalidade específica por Doenças do aparelho circulatório, Neoplasias (tumores) e
Causas externas de morbidade e mortalidade, Piauí e Brasil, 2010

200
173,99
180
167,46
Taxa de mortalidade (por 100.000 habitantes)

160

140

120

100
91,84
80
63,43 61,86 73,51
60

40
P
20

0
II. Neoplasias (tumores) IX. Doenças do aparelho XX. Causas externas (de
circulatório morbidade e mortalidade

Piauí Brasil

Fonte: elaborado pela autora.

5° passo. Compare os resultados das taxas de mortalidade específicas entre Piauí e Brasil, nos
anos de 2010 e 2018 (considerando as três causas mais frequentes no Piauí em 2018).

É possível perceber um aumento em todas as taxas de mortalidade específicas mencionadas


entre 2010 e 2018, exceto pela taxa de mortalidade por causas externas no Brasil que apre-
sentou uma leve queda no referido período. É interessante observar que as taxas referentes às
Neoplasias foram maiores no Brasil, e as taxas referentes às Doenças do aparelho circulatório
foram maiores no Piauí, em ambos os períodos. No entanto, vemos uma mudança no padrão das
taxas referentes às Causas externas: enquanto a taxa do Brasil superava a do Piauí em 2010, a
situação se inverteu em 2018.

207
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde
Gráfico 16 – Página 108

Gráfico 16 – Taxas de mortalidade específica por Doenças do aparelho circulatório, Neoplasias (tumores) e
Causas externas de morbidade e mortalidade, Piauí e Brasil, 2010 e 2018

Taxa de mortalidade Piauí (por Taxa de mortalidade Brasil (por


100.habitantes)* 100.habitantes)*
Capítulo CID-10 2010 2018 2010 2018

II. Neoplasias (tumores)


63,43 83,86 91,84 109,32

IX. Doenças do aparelho circulatório


173,99 193,21 167,46 171,60

XX. Causas externas (de morbidade e mortalidade


61,86 75,14 73,51 72,33

Gráfico –15
Fonte: MS/SVS/CGIAE – Taxas
Sistema de mortalidade
de informações específica
sobre Mortalidade por Doenças
– SIM; Estimativas populacionaisdo aparelho
IBGE - circulatório, Neoplasia
Fonte:Notas:
MS/SVS/CGIAE – Sistema de informações sobre Mortalidade – SIM; Estimativas populacionais IBGE -
de morbidade e mortalidade, Piauí e
*População estimativa Piauí (2018): 3.263.754 habitantes Brasil, 2010
**População estimativa Brasil (2018): 208.494.900 habitantes
Notas:*População estimativa Piauí (2018): 3.263.754 habitantes
**População estimativa Brasil (2018): 208.494.900 habitantes

Exemplo de Gráfico a ser feito:

200 193,21
180
173,99 171,60
167,46
Taxa de mortalidade (por 100.000 habitantes)

160

140

120
109,32
100 91,84
83,86
80 75,14 73,51
63,43 61,86 72,33

Subs
60

40

gráf
20

Pági
II. Neoplasias (tumores) IX. Doenças do aparelho XX. Causas externas (de
circulatório morbidade e mortalidade

Piauí 2010 Piauí 2018 Brasil 2010 Brasil 2018

6° passo. Com base nos dados obtidos até o momento, escolha as causas de óbitos cujas taxas
de mortalidade específica no Piauí sejam maiores do que no Brasil em ambos os períodos ou
somente em 2018.

De acordo com o critério estabelecido acima, as causas de óbito selecionadas foram: Doenças
do aparelho circulatório e Causas externas de morbidade e mortalidade.

208
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

7° passo. Descreva as causas de óbitos escolhidas no passo anterior de acordo com sexo,
idade, raça/cor e escolaridade, no Piauí e no Brasil em 2018.

Dicas:

> Acesse o link: https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/

> Selecione a opção “Estatísticas Vitais” (coluna em azul à esquerda da tela)

> Selecione a opção “Mortalidade – desde 1996 pela CID-10”.

> Selecione a opção “Mortalidade geral”

> Na opção “Abrangência Geográfica”, selecione a opção “Brasil por região e Unidade da Federação”.

• A partir da tela que se abrirá, selecione os dados a seguir:

• Linha: Sexo (ou “Faixa etária” ou “Cor/ raça” ou “Escolaridade”)

• Coluna: unidade da federação

• Conteúdo: óbitos por residência

• Período: 2018

•  eleções disponíveis: no item “Capítulo da CID-10”, selecione a(s) causa(s) de óbito pre-
S
viamente escolhida(s) no passo anterior.

Considerando as doenças do aparelho circulatório, temos o seguinte:

A proporção óbitos por sexo no Piauí e no Brasil apresenta comportamento semelhantes: a razão
homem/mulher revela que a proporção de homens que vieram a óbito por DAC é ligeiramente
maior que a de mulheres em ambos os locais, sendo um pouco maior no Piauí (1,17) do que no
Brasil (1,11). A taxa de mortalidade específica também reflete essa tendência, como podemos
ver no gráfico a seguir:

209
(página 210) profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Gráfico 17 – Taxa de mortalidade específica por doenças do aparelho circulatório de acordo com o sexo, Piauí
e Brasil, 2018

250
214,74
184,67
(por 100.000 habitantes) 200
172,90 159,04
Taxa de mortalidade

150

100

50

0
Piauí Brasil

Homens Mulheres

Fonte: elaborado pela autora

Tabela para conferência dos valores:

Tabela 9 – Óbitos e Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com o sexo,
Piauí e Brasil, 2018

Taxa de mortalidade específica


Óbitos (n) População (n)
(por 100.000 habitantes)

Sexo Piauí Brasil Piauí Brasil Piauí Brasil

Masculino 3402 188313 1584209 101971173 214,74 184,67

Feminina 2904 169416 1679545 106523727 172,90 159,04

Total 6306 357729 3263754 208494900 193,21 171,58

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060

Percebe-se que a taxa de mortalidade por DAC aumenta conforme a idade em ambos os locais. A
mortalidade proporcional também revela esse aumento da proporção de indivíduos que vieram
a óbito por DAC conforme o avançar da idade, o que é de se esperar pela natureza da variável;

210
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Gráfico 18 – Taxa de mortalidade específica por doenças do aparelho circulatório de acordo com a idade, Piauí
e Brasil, 2018

5000
Taxa de mortalidade específica (por 100.000 habitantes)

4500

4000

3500

3000

2500

2000

1500

1000

500

0
0 a 4 5 a 9 10 a 14 15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 80 ou
anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos mais

Piauí Brasil

Fonte: elaborado pela autora

Gráfico 19 – Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com a idade, Piauí e
Brasil, 2018

Fonte: elaborado pela autora

211
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Tabela para conferência dos valores:

Tabela 10 – Óbitos e Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com a idade,
Piauí e Brasil, 2018

Taxa de mortalidade específica


Óbitos (n) População (n)
(por 100.000 habitantes)

Faixa Etária Piauí Brasil Piauí Brasil Piauí Brasil

0 a 4 anos 6 564 237.950 14.787.557 2,52 3,81

5 a 9 anos 0 119 241.507 14.537.829 0,00 0,82

10 a 14 anos 8 227 271.304 15.182.024 2,95 1,50

15 a 19 anos 12 552 298.973 16.439.846 4,01 3,36

20 a 29 anos 43 2.303 557.838 34.363.373 7,71 6,70

30 a 39 anos 109 6.867 517.065 33.958.624 21,08 20,22

40 a 49 anos 282 18.339 413.084 28.160.322 68,27 65,12

50 a 59 anos 584 41.496 324.944 23.040.023 179,72 180,10

60 a 69 anos 1.048 70.959 220.458 15.621.201 475,37 454,25

70 a 79 anos 1.579 90.019 123.785 8.314.779 1275,60 1.082,64

80 ou mais 2.633 126.116 56.846 4.089.322 4631,81 3.084,03

Total 6.304 357.561 3.263.754 208.494.900 193,15 171,50

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060.

Dentre os óbitos que tinham a informação sobre a raça/cor da pele do indivíduo disponível, no-
ta-se uma diferença na distribuição dos óbitos por doenças do aparelho circulatório: enquanto
no Brasil mais de 50% dos óbitos ocorreram em indivíduos de raça/cor da pele branca, no Piauí
tais óbitos ocorreram em maioria parda (68,18%). É importante ressaltar que dentre todos os
óbitos por DAC notificados, 3,82% no Piauí e 2,59% no Brasil não possuíam informação sobre a
raça/cor da pele.

212
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Gráfico 20 – Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com a raça/cor da pele,
Piauí e Brasil, 2018

Fonte: elaborado pela autora

Tabela para conferência dos valores:

Tabela 11 – Óbitos e Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com a raça/ cor
da pele, Piauí e Brasil, 2018

Óbitos (n) Mortalidade Proporcional (%)

Raça/cor da pele Piauí Brasil Piauí Brasil

Preta 645 30869 10,23 8,63

Parda 4135 128625 65,57 35,95

Branca 1254 186163 19,89 52,03

Amarela 26 2126 0,41 0,59

Indígena 5 728 0,08 0,20

Ignorado 241 9259 3,82 2,59

Total 6306 357770 100,00 100,00

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060.

213
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Por fim, dentre os indivíduos que vieram a óbito por doenças do aparelho circulatório, 80,5% pos-
suem menos de 3 anos de estudo no Piauí, sendo esse percentual chega a pouco mais de 50% no
Brasil (52,5%). Em geral, percebemos uma menor escolaridade entre os que vieram a óbito no Piauí
em comparação ao Brasil. É importante ressaltar que dentre todos os óbitos por DAC notificados,
12,59% no Piauí e 16,53% no Brasil não possuíam informação sobre a escolaridade.

Gráfico 21 – Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com a escolaridade
(anos de estudo), Piauí e Brasil, 2018

Fonte: elaborado pela autora

214
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Tabela para conferência dos valores:

Tabela 12 – Óbitos e Mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório de acordo com a escola-
ridade (anos de estudo), Piauí e Brasil, 2018

Óbitos (n) Mortalidade Proporcional (%)

Escolaridade Piauí Brasil Piauí Brasil

Nenhuma 2888 70951 45,80 19,83


1 a 3 anos 1551 85961 24,60 24,03
4 a 7 anos 606 77687 9,61 21,71
8 a 11 anos 351 47661 5,57 13,32
12 anos ou mais 116 16372 1,84 4,58
Ignorado 794 59138 12,59 16,53
Total 6306 357770 100,00 100,00

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM.

Já para os óbitos por causas externas, o perfil dos indivíduos está a seguir:

A proporção óbitos por sexo no Piauí e no Brasil apresenta comportamento semelhantes: a ra-
zão homem/mulher revela que a proporção de homens que vieram a óbito por causas externas
é bastante superior à de mulheres em ambos os locais, sendo um pouco maior no Piauí (4,62)
do que no Brasil (4,32). A taxa de mortalidade específica também reflete essa tendência, como
podemos ver no gráfico logo a seguir:

Gráfico 22 – Taxa de mortalidade específica por causas externas de acordo com o sexo, Piauí e Brasil, 2018
140

120
TAXA DE MORTALIDADE ESPECÍFICA

127,38 119,94
100
(100.000 HAB.)

80

60

40

20 26,02 26,55

0
Piauí Brasil

Homens Mulheres

Fonte: elaborado pela autora

215
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Tabela para conferência dos valores:

Tabela 13 – Óbitos e Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com o sexo, Piauí e Brasil, 2018

Taxa de mortalidade específica


Óbitos (n) População (n)
(por 100.000 habitantes)

Sexo Piauí Brasil Piauí Brasil Piauí Brasil

Masculino 3402 188313 1584209 101971173 214,74 184,67

Feminina 2904 169416 1679545 106523727 172,90 159,04

Total 6306 357729 3263754 208494900 193,21 171,58

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de
2010 a 2060.

Quanto à idade, percebe-se que a taxa de mortalidade aumenta conforme a idade, com um leve
pico na faixa etária de 20 a 29 anos. Na mortalidade proporcional, percebemos claramente que
uma parte considerável dos óbitos ocorrem dos 20 aos 39 anos, especialmente entre 20 e 29
anos. Tais tendências são bastante semelhantes entre o Piauí e o Brasil.

Gráfico 23 – Taxa de mortalidade específica por causas externas de acordo com a idade, Piauí e Brasil, 2018

Fonte: elaborado pela autora

216
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Gráfico 24 – Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com a idade, Piauí e Brasil, 2018

Fonte: elaborado pela autora

Tabela para conferência dos valores:

Tabela 14 – Óbitos e Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com a idade, Piauí e Brasil, 2018

Taxa de mortalidade específica


Óbitos (n) População (n)
(por 100.000 habitantes)

Faixa Etária Piauí Brasil Piauí Brasil Piauí Brasil

0 a 4 anos 32 2222 237950 14787557 13,45 15,03


5 a 9 anos 11 794 241507 14537829 4,55 5,46
10 a 14 anos 29 1741 271304 15182024 10,69 11,47

15 a 19 anos 177 14248 298973 16439846 59,20 86,67

20 a 29 anos 580 35891 557838 34363373 103,97 104,45

30 a 39 anos 497 26878 517065 33958624 96,12 79,15


40 a 49 anos 343 19049 413084 28160322 83,03 67,64
50 a 59 anos 258 14884 324944 23040023 79,40 64,60
60 a 69 anos 193 10939 220458 15621201 87,55 70,03
70 a 79 anos 130 9122 123785 8314779 105,02 109,71
80 ou mais 160 13384 56846 4089322 281,46 327,29

Total 2410 149152 3263754 208494900 73,84 71,54

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM; Estimativas populacionais IBGE - projeção da população de 2010 a 2060.

217
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Em relação à raça/cor da pele, a maioria dos indivíduos que vieram a óbito devido a causas
externas são de raça/ cor da pele preta ou parda. Mas tal percentual é maior no Piauí (84,0%)
do que no Brasil (62,3%). É importante ressaltar que dentre todos os óbitos por causas externas
notificados, 6,3% no Piauí e 2,1% no Brasil não possuíam informação sobre a raça/cor da pele.

Gráfico 25 – Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com a raça, Piauí e Brasil, 2018

Fonte: elaborado pela autora

Tabela para conferência dos valores:

Tabela 15 – Óbitos e Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com a raça/cor da pele, Piauí
e Brasil, 2018

Óbitos (n) Mortalidade Proporcional (%)

Raça/cor da pele Piauí Brasil Piauí Brasil

Preta 224 10108 9,06 6,70

Parda 1721 81851 69,62 54,27

Branca 366 54467 14,81 36,12

Amarela 4 500 0,16 0,33

Indígena 1 704 0,04 0,47

Ignorado 156 3184 6,31 2,11

Total 2472 150814 100,00 100,00

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM.

218
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Por fim, dentre os indivíduos que vieram a óbito por causas externas, a maioria deles possuem
menos de 7 anos de estudo, sendo esse percentual mais elevado no Piauí (73,0%) do que no
Brasil (65,6%). É importante ressaltar que dentre todos os óbitos por causas externas notifica-
dos, 15,9% no Piauí e 22,2% no Brasil não possuíam informação sobre a raça/cor da pele.

Gráfico 26 – Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com a escolaridade (anos de estudo),
Piauí e Brasil, 2018

Fonte: elaborado pela autora

Tabela para conferência dos valores:

Tabela 16 – Óbitos e Mortalidade proporcional por causas externas de acordo com a raça/cor da pele, Piauí
e Brasil, 2018

Óbitos (n) Mortalidade Proporcional (%)

Escolaridade Piauí Brasil Piauí Brasil

Nenhuma 343 9.612 13,88 6,37


1 a 3 anos 626 24.190 25,32 16,04
4 a 7 anos 548 43.154 22,17 28,61
8 a 11 anos 447 33.296 18,08 22,08
12 anos ou mais 114 7137 4,61 4,73
Ignorado 394 33425 15,94 22,16
Total 2.472 150.814 100,00 100,00

Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM.

219
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

8° passo. Descreva o perfil dos indivíduos que vieram a óbito no Piauí e no Brasil, com enfo-
que nas causas de morte selecionadas no 6° passo do exercício.
Ao verificar as taxas de mortalidade e a mortalidade proporcional de acordo com o capítulo
da CID-10 no Piauí e no Brasil, verificamos que tanto em 2010 quanto em 2018, as causas que
mais contribuíram para o total de mortes em ambos os locais foram as Doenças do aparelho
circulatório, Neoplasias e Causas externas de morbidade e mortalidade. Observamos ainda que
a taxa de mortalidade específica por doenças do aparelho circulatório no Piauí é maior que a
média nacional. Além disso, a taxa de mortalidade específica por causas externas foi maior no
Brasil em 2010, mas passou a ser maior no Piauí em 2018. Portanto, essas duas causas de morte
tiveram seu perfil mais detalhado.

No Piauí, entre os óbitos por as doenças do aparelho circulatório, a maioria era do sexo masculi-
no de raça/cor da pele parda e com escolaridade inferior a 3 anos de estudo. Nota-se ainda que,
quando maior a idade, maior o risco de morrer por DAC. Entre os óbitos por causas externas,
algumas caraterísticas se diferem: a maioria também era do sexo masculino, mas em proporções
bem superiores às encontradas entre os óbitos por DAC. A raça/ cor da pele parda, idade entre
20 e 39 anos, e escolaridade inferior a 7 anos de estudo predominaram no perfil daqueles que
morreram devido a causas externas.

Merece destaque a proporção de óbitos que não possuem informação sobre a raça/cor da pele
e escolaridade dos indivíduos.

Diante desse perfil de mortalidade traçado para o estado do Piauí, é possível perceber pecu-
liaridades para cada causa de morte. A idade da maior parte dos indivíduos que morreram por
causas externas não é a mesma daqueles que cuja causa de morte foram as doenças do apare-
lho circulatório (DAC). O mesmo vale para o sexo por exemplo: entre os que morrem devido a
causas externas, a proporção de homens é muito maior se comparado aos que morrem por DAC,
apesar de que em ambas as situações a proporção é maior do que entre as mulheres. E diante
desse perfil que elaboramos, seria possível, por exemplo, direcionar ações de prevenção contra
a violência e na prevenção de acidentes de trânsito para a população mais vulnerável, que nes-
se caso foram os homens em idades mais jovens (especialmente de 20 a 29 anos). Além disso,
como a mortalidade por DAC aumenta conforme a idade e como tal doença caracteriza como
uma doença crônica não transmissível, as ações poderiam ser voltadas tanto para o público
com idade mais avançada quanto para os mais jovens, com intuito de prevenir o surgimento ou
o agravamento do quadro já instalado. Tais ações poderiam ser voltadas, por exemplo, para o
incentivo à adoção de hábitos saudáveis de vida, como a alimentação adequada, prática regular
de exercícios físicos, e ao acompanhamento regular, longitudinal e integral da saúde.

220
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Ressalta-se que o exemplo é uma versão simplificada de uma análise de situação de saúde
cujo objetivo foi fazer você conhecer as ferramentas da epidemiologia descritiva e, por isso,
não utilizou de todas as ferramentas para tal, como a padronização das taxas de mortalidade,
e se restringiu a poucas características – tudo para que você pudesse compreender melhor a
construção dessa análise. A análise de situação de saúde pode conter várias outras caracterís-
ticas, como as relativas a morbidade, internações, fatores de risco para doenças, indicadores
relacionados ao uso dos serviços de saúde. Enfim, uma diversa gama de fatores que podem
contribuir para traçar esse perfil populacional e que devem ser escolhidos e apresentados de
forma a contribuir para compreender tal perfil.

3.3.6. Conclusão

Para cada doença, para cada causa de morte, para cada local, para cada comunidade, para
cada país existem características que vão tornar aquele perfil populacional peculiar. Sob tais
circunstâncias, a epidemiologia descritiva se faz essencial: a utilização esse conjunto diverso de
características relacionadas às dimensões de pessoa, tempo e lugar vai permitir a identificação
de padrões e a construção de hipóteses etiológicas. Portanto, tal ciência é diretamente ligada à
análise de situação de saúde, que nos permite elaborar e reunir conhecimentos e informações
válidos sobre a situação de saúde de uma população em um contexto específico. Tal conhe-
cimento pode ser empregado na definição de prioridades, alocação de recursos, orientando
as ações em saúde coletiva e, principalmente, na tomada de decisão em saúde de maneira
oportuna em todas as suas instâncias.

221
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Almeida Filho N, Baretto ML. Epidemiologia & saúde: fundamentos, métodos e aplicações. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.

Brasil. Ministério da Saúde. Asis - Análise de Situação de Saúde / Ministério da Saúde, Universi-
dade Federal de Goiás. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. 3v.: il.

Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não


Transmissíveis. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação
de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização. Brasília: Ministério da
Saúde; 2019a. p. 445-84.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico: Sífilis.


Número Especial, 2020a.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Desen-


volvimento da Epidemiologia em Serviços. Guia de Vigilância em Saúde [Internet]. Brasília:
Ministério da Saúde; 2019b. 740 p.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saú-


de e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e
proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição
sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados
brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde, 2020b. 137 p.

Gomes, EC de S. Conceitos e ferramentas da epidemiologia. Recife: Ed. Universitária da UFPE; 2015.

Lima-Costa MF, Barreto SM. Tipos de estudos epidemiológicos: conceitos básicos e aplicações na área
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Carga Global de Doenças no Brasil, 1990 e 2015. Revista Brasileira de Epidemiologia [online]. 2017,
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Monteiro MFG, Romio JAF, Drezett J. Is there race/color differential on femicide in Brazil? The ine-
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profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Porta, M. A Dictionary of Epidemiology. 6th ed. Oxford: Oxford University Press; 2014.

Romero DE, Maia L, Muzy J. Tendência e desigualdade na completude da informação sobre raça/
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Torres KDP, Cunha GM, Valente JG. Tendências de mortalidade por doença pulmonar obstrutiva
crônica no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, 1980-2014. Epidemiologia e Serviços de Saúde [onli-
ne]. 2018, 27(3).

223
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

CAPÍTULO 4
Epidemiologia e Vigilância
em Saúde: conceitos,
importância e aplicações

224
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

EPIDEMIOLOGIA E VIGILÂNCIA EM SAÚDE:


CONCEITO, IMPORTÂNCIA E APLICAÇÕES
4.1 Conceito e importância da vigilância em saúde
Objetivos de aprendizagem: compreender a origem, importância e conceito de vigilância em
saúde; saber como é estruturado e as propriedades que regem um bom sistema de vigilância.

4.1.1 Introdução
Por que a saúde deve ser vigiada?

Vigiar não é um ato passivo e descompromissado. A vigilância em saúde consiste na observação


sistemática de um evento de saúde, com o objetivo de identificar mudanças em sua ocorrência
no tempo ou em sua distribuição espacial e social, com vistas a subsidiar e direcionar medidas
de prevenção e controle deste evento.

A vigilância em saúde está na essência da saúde pública baseada em evidências. As informações


coletadas, processadas e analisadas pela vigilância são de importância crucial para detectar e in-
formar alterações relevantes no estado de saúde da população, em nível local, estadual, nacional ou
mesmo mundial. Ou seja, vigilância é informação para ação. É considerada um instrumento vital para
qualificar a comunicação em saúde, tanto intra- quanto inter-setorial, e com a população em geral.

A vigilância de doenças e agravos produz evidências que auxiliam as diversas etapas do proces-
so de gestão em saúde:

> seleção de problemas,

> identificação de prioridades,

> disseminação da informação aos interessados e,

> avaliação de resultados das ações implementadas.

225
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

IMPORTANTE!
Vigilância em Saúde é o processo contínuo e sistemático de coleta, consolidação, análise de dados e disse-
minação de informações sobre eventos relacionados à saúde, visando o planejamento e a implementação
de medidas de saúde pública, incluindo a regulação, intervenção e atuação em condicionantes e deter-
minantes da saúde, para a proteção e promoção da saúde da população, prevenção e controle de riscos,
agravos e doenças (Resolução 588 do CONASS, Política Nacional de Vigilância em Saúde, 2018).

Ou seja, a vigilância abrange eventos e agravos em saúde, como os acidentes e as violências,


comportamentos em saúde, uso/realização de serviços de saúde como aqueles preventivos de
câncer, etc. Ela inclui tanto informações obtidas por meio da busca ativa na população fonte ou
entre provedores de cuidados de saúde, quanto informações obtidas por meio de registros de
rotina de unidades de saúde, como internações hospitalares, notificação de casos, etc. As etapas
e dinâmica da vigilância em saúde podem ser sintetizadas na Figura 1.

Figura 1 – As etapas e dinâmica da vigilância em saúde

coleta de dados processamento de análise e interpretação


dados coletados dos dados processados

avaliação da eficácia promoção das ações de recomendação das


e efetividade das prevenção e controle medidas de prevenção e
medidas adotadas indicadas controle apropriadas

divulgação de
informações
pertinentes

Fonte: elaborado pela autora

226
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

A vigilância epidemiológica requer a existência de sistemas de informações padronizadas e


de qualidade, atualizado continuamente ao longo do tempo. A qualidade, abrangência e a pa-
dronização das informações existentes são os pressupostos de um sistema de vigilância em
saúde robusto, confiável e efetivo. As propriedades da informação em saúde foram discutidas no
capítulo “Características do dado epidemiológico e medidas de ocorrência” do capítulo 2.

IMPORTANTE!
Chamamos atenção para a abrangência e padronização da informação. Somente podemos comparar
eventos ao longo do tempo, ou entre locais e subgrupos populacionais se a cobertura e o significado
da informação coletada não diferir entre os grupos comparados ou ao longo do tempo. Mudanças na
cobertura ou em instrumentos ou métodos de coleta de informação podem ocasionar variações em
taxas e indicadores de saúde que podem não expressar variações reais na ocorrência do problema de
saúde que está sendo comparado.

Portanto, qualquer análise de vigilância em saúde tem que considerar estes dois questionamentos:
1) Houve mudança na cobertura populacional da informação?
2) As definições ou formas de coleta da informação/indicador comparado sofreram alterações?

A Pesquisa Nacional de Saúde 2018 mostra que 71,5% dos brasileiros, ou seja, mais de 150 mi-
lhões de pessoas, dependiam exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) para tratamento
em 2019. Entretanto, esta situação varia por regiões. Enquanto no Sudeste, 62,5% dependiam
do SUS, no Norte este percentual era 85,3% (Figura 2). Portanto, análises da vigilância epide-
miológica mostraram que as coberturas dos planos de saúde são muito distintas, e não podem
ser comparadas sem considerar esta importante diferença.

Figura 2 – Proporção de pessoas que tinham algum plano de saúde, médico ou odontológico, com indicação
do intervalo de confiança de 95%, segundo as grandes regiões do país

50
45
37,5
40
32,8
35 28,9
28,5
30
25
20 14,7 16,6
15
10
5
0

Fonte: IBGE, Diretora de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional de Saúde. 2019.

227
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID)


criada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é um importante exemplo de padronização. A
função da CID é permitir monitorar e comparar, entre e intra-países e populações, a incidência e
prevalência de doenças, por meio da padronização universal das doenças, problemas de saúde
pública, sinais e sintomas, queixas, causas externas para ferimentos e circunstâncias sociais.
Periodicamente a CID é revisada. Até 1995, o Brasil utilizou a CID-9 - 9ª Revisão da Classificação.
A partir de 1996, passou a utilizar a CID-10 -10ª Revisão da Classificação. Como não existe uma
correspondência exata entre estas duas revisões, não podemos comparar dados da CID-9 com
dados da CID-10 sem atentar para as mudanças ocorridas e fazer as devidas adequações. Estudo
comparou a CID 9 e CID 10 e mostrou que 51 códigos do Capítulo XVI da CID-9 transformaram-
-se em 70 códigos na CID-10, sendo que 8 códigos mudaram de capítulo (Cesar et. al, 2001),

Problemas relacionados a padronização e cobertura de dados e suas implicações para análises


de vigilância e situação de saúde serão discutidos mais detalhadamente nos capítulos seguin-
tes, quando serão apresentados e desenvolvidos os aspectos específicos da epidemiologia de
doenças transmissíveis, doenças crônicas não transmissíveis, acidentes e violência.

ALGUNS MARCOS HISTÓRICOS DA VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA


O conceito de vigilância como um instrumento de saúde pública surgiu no final do século XIX, e referia-se
à coleta, análise e divulgação de dados para as autoridades de saúde e o público em geral, atrelando-se
então à detecção precoce de doentes com vistas ao seu isolamento (Arreaza e Moraes, 2010).

A partir da 21ª Assembleia Mundial de Saúde realizada em 1968, o uso da expressão “vigilância epide-
miológica” passou a ser internacionalmente adotado compreendendo variados problemas de saúde pú-
blica, além das doenças transmissíveis, como malformações congênitas, envenenamentos na infância,
leucemia, abortos, acidentes, doenças profissionais, comportamentos de risco, riscos ambientais etc.

No Brasil, a vigilância epidemiológica tem como marco formal a criação do Sistema Nacional de Vigi-
lância Epidemiológica (SNVE) pela V Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1975, que instituiu
a notificação compulsória de casos e/ou óbitos de quatorze doenças em todo o território nacional (Lei
nº 6.259/75 e Decreto nº 78.231/76).

A Vigilância foi oficialmente incluída como responsabilidade do Estado brasileiro na Constituição


de 1988, sendo a partir daí integrada ao Sistema Único de Saúde. A Lei Orgânica da Saúde (Lei nº
8.080/90) incorporou um conceito mais amplo de vigilância epidemiológica, criando as bases para o
alargamento do foco da vigilância para além das doenças transmissíveis.

228
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Ou seja, o Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou o SNVE, definindo a vigilância epidemiológica em
seu texto legal como “um conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a detecção ou prevenção
de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com
a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos”.

A criação e esforço de consolidação do SUS, trouxe em seu bojo a ampliação e descentralização da


vigilância em saúde, e desencadeou novos arranjos institucionais, levando a grandes avanços nos
sistemas de informação em saúde, integração e consolidação do papel essencial da vigilância no
processo de gestão em saúde.

Em 2018, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), por meio da Resolução n. 588/2018, instituiu a Política
Nacional de Vigilância em Saúde como uma “política pública de Estado e função essencial do SUS,
de caráter universal, transversal e orientadora do modelo de atenção à saúde nos territórios. Sua
efetivação depende de seu fortalecimento e articulação com outras instâncias do sistema de saúde,
enquanto sua gestão é de responsabilidade exclusiva do poder público” (https://conselho.saude.gov.
br/resolucoes/2018/Reso588.pdf)

4.1.2 Sistema de Informação Epidemiológica no Brasil

Os sistemas de informação em saúde são instrumentos padronizados de monitoramento e co-


leta de dados, que têm como objetivo primordial o fornecimento de informações para análise e
melhor compreensão de importantes problemas de saúde da população, subsidiando a tomada
de decisões nos níveis municipal, estadual e federal.

Os dados e informações que alimentam o Sistema de Vigilância Epidemiológica podem ser


resumidos em:
Incluem dados que permitem caracterizar a população segundo sexo, idade, raça/cor da
Dados sócio- demográficos pele, escolaridade, renda e outros indicadores de condições de vida e sócio ambientais,
como saneamento, condições de moradia etc.

Reúne informações sobre doenças e agravos, utilização de serviços de saúde, comporta-


Dados de morbidade
mentos e eventos em saúde

Reúne conjunto de informações obtidas a partir das declarações de óbitos e declarações


Dados de mortalidade e natalidade
de nascidos vivos, respectivamente.

Reúne informação sobre ocorrência de casos de doenças incluídas na lista de eventos de


notificação obrigatória, atualizada continuamente. Objetiva a detecção precoce de surtos
Notificação de surtos e epidemias
e epidemias e o controle de doenças endêmicas como a tuberculose (ver 4.1 Epidemiolo-
gia de doenças transmissíveis)

229
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

A Plataforma Integrada de Vigilância em


Saúde (IVIS) do Ministério da Saúde reú-
ne os dados epidemiológicos produzidos
pela Secretaria de Vigilância em Saúde
do Ministério da Saúde (SVS-MS), e tem
por objetivo auxiliar gestores e trabalha-
dores de saúde na tomada de decisões
para a proteção e promoção da saúde
da população, prevenção e controle de
riscos, agravos e doenças, bem como ser
um mecanismo de controle social para a
população geral.

A seguir apresentamos os sistemas que


fazem parte do IVIS. Clique aqui para
interagir com a Plataforma:
(http://plataforma.saude.gov.br/)

Cidades - Panorama da situação epidemiológica de agravos em saúde na sua cidade

Natalidade - Painel com dados de nascimento e natalidade de todo o território nacional

Mortalidade - Painel dados de mortalidade (monitoramento, estimativa, causas)

DATASUS - Provê os órgãos do SUS de sistemas de informação e suporte de informática,


necessários ao processo de planejamento, operação e controle

HIV/Aids - Painel de indicadores epidemiológicos de HIV/aids, sífilis e hepatites virais

SAGE -Sala de Apoio à Gestão Estratégica disponibiliza informações para subsidiar a tomada
de decisão, a gestão e a geração de conhecimento

Covid-19 - Informações sobre a doença pelo Coronavírus 2019 (covid-19)

Anomalias Congênitas - Repositório de materiais produzidos pela Unidade Técnica de Vigilân-


cia de Anomalias Congênitas (UT-VAC/CGIAE/DASNT/SVS)

CTA BR-FIC - Câmara Técnica Assessora para Gestão da Família de Classificações Internacio-
nais no âmbito da Secretaria de Vigilância em Saúde

230
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

4.1.3 Epidemiologia, Vigilância e Serviços de Saúde

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios tem as seguintes atribuições, entre ou-
tras: acompanhamento, avaliação e divulgação do nível de saúde da população e das condições
ambientais, organização e coordenação do sistema de informação de saúde, além de realizar
pesquisas e estudos na área de saúde. Dessa forma, a epidemiologia é um pilar essencial na
Vigilância em Saúde para compreender a dinâmica da ocorrência de doenças e agravos em
populações, em especial para gerar evidências qualificadas e subsidiar a tomada de decisão e a
avaliação da saúde em diferentes níveis da federação.

Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas eco-


nômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabele-
cimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para
a sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que
integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no
art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos


e a orientação programática;

Ressalta-se que a epidemiologia como disciplina científica tem seu papel:

> Na produção de conhecimento sobre o processo saúde-doença na dimensão coletiva anali-


sando a distribuição dos processos e seus determinantes na sociedade.

> Como prática em saúde direcionar de forma mais assertiva os serviços de saúde para ativi-
dades de promoção da saúde e prevenção e controle de doenças.

231
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

POLÍTICA NACIONAL DE VIGIÂNCIA EM SAÚDE - PNVS


Princípios
• Conhecimento do território: utilização da epidemiologia e da avaliação de risco para a definição
de prioridades nos processos de planejamento, alocação de recursos e orientação programática.

Processos de trabalhos integrados com a atenção à saúde


• Pautados pelo conhecimento epidemiológico, sanitário, social, demográfi co, ambiental, eco-
nômico, cultural, político, de produção, trabalho e consumo no território, e organizados em
diversas situações.

• Planejamento integrado da atenção, que contempla as ações de vigilância e assistência à saúde,


como ferramenta para a defi nição de prioridades comuns para atuação conjunta, tomando como
base a análise da situação de saúde e a avaliação dos riscos e vulnerabilidades do território.

Apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisa


• Articulação estreita entre os serviços e instituições de pesquisa e universidades, com envolvimen-
to de toda a rede de serviços do SUS na construção de saberes, normas, protocolos, tecnologias
e ferramentas, voltadas à produção de respostas aos problemas e necessidades identificadas
pelos serviços, profi ssionais, comunidade e controle social.

Resolução n 588, de 12 de julho de 2018

SAIBA MAIS
Clique no botão abaixo e assista o vídeo sobre
Os desafios da implantação da Política Nacional
de Vigilância em Saúde: https://www.youtube.
com/watch?v=PTXdYFfnmX4

CLIQUE AQUI

O conceito de território oferece uma possibilidade da observação das dinâmicas das situações
de risco e das atividades humanas nele materializados, com uma historicidade e mobilidade
intercambiada com cenários mais amplos e trajetórias da população e seus modos de reprodu-
ção, dadas por fluxos e configurações demográficas espacializadas relacionadas aos modos de

232
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

desenvolvimento regionais. Os casos e as situações de risco, objetos concretos da vigilância,


operam uma interconexão de territórios estabelecendo redes de Vigilância Sanitária articula-
doras das diferentes abordagens da Vigilância em Saúde. Tendo além da expressão local uma
configuração articulada com outros territórios, transpondo assim fronteiras de um determinado
local, oferecendo e absorvendo informações da dinâmica de determinação, condicionamentos e
nexos causais dos casos e situações de risco em foco.

O território na Vigilância em Saúde responde a interações inter-espaciais configuradas por


problemas sanitários que conectam espacialmente distintos territórios, por fluxos de cadeias
produtivas e distributivas de produtos de interesse sanitário e pela vigilância de situações de
risco similares (Franco Neto et al. 2017).

Deve-se considerar aspectos de natureza econômica, social, ambiental, cultural, política e suas
mediações. A Vigilância em Saúde amplia e empodera a sua capacidade de identificar onde e
como devem ser feitas as intervenções de maior impacto no território. Por fim, o desafio perma-
nente da implementação de territórios saudáveis depende da integração das ações de Vigilância
em Saúde com a rede de assistência, moldada com a participação social e pelos problemas
definidos no território.

SAIBA MAIS
Clique no botão abaixo e leia o artigo: Vigilância
em Saúde brasileira: reflexões e contribuição ao
debate da 1a Conferência Nacional de Vigilân-
cia em Saúde: https://www.scielo.br/j/csc/a/
gkJPYXnymhVD4TG5MSdN9MG/?format=pd-
f&lang=pt

CLIQUE AQUI

233
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Figura – Vetores e elementos articuladores da Vigilância em Saúde

Fonte: Ciência & Saúde Coletiva, 22(10):3137-3148, 2017

As aulas seguintes dedicam-se a apresentar e discutir a epidemiologia das doenças transmissí-


veis, das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e dos acidentes e violência. Como veremos,
esses três agrupamentos reúnem os principais problemas de saúde que afetam a população
brasileira e mundial, apresentando especificidades e diferenças importantes na sua dinâmica
de ocorrência e distribuição. Por isto, as estratégias de vigilância de cada um destes eventos
também apresentam diferenças quanto aos indicadores utilizados, as estratégias de coleta de
dados, ações, intervenções e metas de prevenção e controle dos mesmos.

234
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARREAZA, A. L. V.; MORAES, J. C. Vigilância da saúde: fundamentos, interfaces e tendências. Ciên-
cia & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, supl. 4, p. 2215-2228, 2010.

Brasil. Portaria GM No 1.378, de 9 de julho de 2013. Regulamenta as responsabilidades e define


diretrizes para execução e financiamento das ações de Vigilância em Saúde pela União, Estados, Dis-
trito Federal e Municípios, relativos ao Sistema Nacional de Vigilância em Saúde e Sistema Nacional
de Vigilância Sanitária. Diário Oficial da União 2013, 9 julho.

Franco G Netto, Villardi JWR, Machado JMH, Souza MDS, Brito IF, Santorum JA, Ocké-Reis CO,
Fenner ALD. Brazilian Health Surveillance: reflections and contribution to the debate of the First
National Conference on Health Surveillance. Cien Saude Colet. 2017 Oct;22(10):3137-3148. doi:
10.1590/1413-812320172210.18092017.

Cesar CLG, Laurenti R, Buchala CM, Figueiredo GMC, Carvalho WO; Caratin CVS. Using the Interna-
tional Classification of Diseases in health surveys. Rev. Bras. Epidemiol.2001; 4 (2): 120-130.

235
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

EPIDEMIOLOGIA E VIGILÂNCIA EM SAÚDE:


CONCEITO, IMPORTÂNCIA E APLICAÇÕES
Aula 4.2. Aplicações da epidemiologia na vigilância das doenças
transmissíveis
Nesta aula vamos discutir o conceito, discutir como se distribuem e os modos de transmissão das do-
enças transmissíveis. Apresenta ainda os conceitos de endemia, surto, epidemia e pandemia. Iremos
também abordar a imunidade de rebanho, período de incubação e diagrama de controle e o papel
da notificação de casos e sua importância para prevenção e controle das doenças transmissíveis.

4.2.1 Introdução

Durante séculos as doenças transmissíveis foram a principal causa de morbidade e mortalidade da hu-
manidade. A carga dessas doenças começou a diminuir somente a partir do final do século XIX e início
do século XX quando foi possível identificar as causas, os determinantes, dinâmica de transmissão e
disseminação bem como os meios de prevenção de várias doenças a partir de um conjunto diverso de co-
nhecimento acumulado por disciplinas científicas entre as quais a Epidemiologia tem papel de destaque.

Como resultados da melhoria das condições de vida durante várias décadas, da adoção de medidas
eficazes, do tratamento adequado com antibióticos e com o desenvolvimento de vacinas, grande
progresso foi alcançado no controle e prevenção das doenças infecciosas em todo o mundo. Entre-
tanto, essas doenças permanecem causando adoecimento e mortes e atingem desproporcionalmen-
te as populações dos países mais pobres com importantes custos econômicos e sociais e familiares.
Em 2019, a tuberculose aparecia como uma das 10 principais causas de DALY em todo o mundo (The
Global Health Observatory). Também em 2019, nas populações de países de baixa renda, doenças
como malária, tuberculose e AIDS figuravam entre as 10 principais causas de morte (WHO).

Em décadas mais recentes, o fenômeno mundial de emergência de novas doenças infecciosas ou


reemergência de doenças já conhecidas deu novo destaque às doenças infecciosas. Novas doenças
ou emergentes constituem um grupo de doenças que já poderia existir, mas ainda não havi am sido
identificadas como entidade noológica ou que não existiam em populações humanas, mas existiam
em população animal ou doenças completamente novas, cujo agente causal e/ou condições am-
bientais necessárias não existiam antes. Por outro lado, doenças já bem conhecidas e controladas no
passado retornaram como problemas de saúde pública coexistindo com doenças persistentes como
a malária e a tuberculose.

236
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Dentre as doenças emergentes, se destacam as que têm como agente etiológico os vírus, como a
AIDS, descrita em 1981, as febres hemorrágicas, como a febre do Nilo Ocidental, a febre do Lassa
e a febre pelo vírus Ebola. Em 1995 surgiu na Inglaterra a encefalite espongiforme (doença da vaca
louca), doença fatal e irreversível causada por uma proteína modificada, denominada príon, que in-
duz a formação de proteínas idênticas, causando lesões cerebrais (Paz & Bercini, 2009). Os primeiros
registros da influenza aviária (H5N1) foram realizados em 1997 e desde então passou a se considerar
o risco potencial de uma nova Pandemia de Gripe em populações humanas.

Em 2003, em Hong Kong emergiu a epidemia de SARS causada pelo coronavírus, com uma leta-
lidade de 10% e em 2012, na Arábia Saudita, emergiu a síndrome respiratória do Oriente Médio
(MERS) com uma letalidade de 30%. Finalmente em 2020, o novo coronavírus SARS-CoV-2 levou
ao surto de covid-19 na China, que rapidamente foi disseminada no mundo (Lana, 2020), levando
ao reconhecimento da Pandemia pela Organização Mundial de Saúde em março de 2021.

As doenças transmissíveis têm forte impacto econômico, social e para a saúde. As principais cau-
sas da manutenção, emergência e reemergência dessas doenças são os determinantes sociais,
econômicos e ambientais. A interconexão entre os seres humanos, animais domésticos e selva-
gens, o meio ambiente e contexto social demanda uma abordagem integrada desses fatores para
compreensão dessas doenças (Yeh, 2021). Além disso a urbanização crescente e desorganizada,
habitações de baixa qualidade, ausência de saneamento básico, a pobreza são causas fundamen-
tais para a permanência das DT como problema de saúde.

O estudo das características, fatores de risco e mecanismos de transmissão dos agentes etiológicos
dessas doenças é essencial para o seu enfrentamento. Alguns conceitos básicos são necessários para
compreender a dinâmica do conjunto de doenças abrigadas entre as doenças transmissíveis e para o
desenvolvimento de estratégias de controle centradas na interrupção de um ou mais elos da cadeia
de transmissão, mas também dos determinantes mais distais de sua ocorrência.

4.2.2 Doenças transmissíveis ou infecciosas

Doença transmissível ou infeciosa é qualquer doença causada por um agente infecioso específi-
co ou por seus produtos tóxicos, que ocorre pela transmissão desse agente ou de seus produtos
de uma pessoa ou animal infectado ou de um reservatório a um hospedeiro suscetível. Entre-
tanto, são contagiosas, somente as doenças infecciosas cujo agente etiológico é transmitido
por contato direto, ou seja, de uma pessoa para outra, como ocorre com doenças como a covid-19,
sífilis, sarampo e tuberculose. Como exemplo de doença transmissível, mas não contagiosa, pois sua
transmissão ocorre por outros meios, podemos citar o tétano, transmitida pelos esporos dispersos no
meio ambiente; e a febre amarela, Zika e leishmaniose visceral transmitidas pelos mosquitos.

237
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

As doenças transmissíveis constituem um conjunto diverso causadas por diferentes agentes


etiológicos e transmitidos por mecanismos distintos, com repercussões clínicas e impacto na
população variados. As doenças agudas são aquelas de curta duração, como o sarampo, dengue
e tétano. Algumas doenças transmissíveis são caracteristicamente crônicas como a tuberculose
e a hanseníase e podem ser curadas com o tratamento adequado, mas outras doenças crônicas
como a Aids permanecem sem um tratamento que possibilite a cura. A duração da doença importa
porque esta persistência pode significar a persistência da transmissão da doença.

O conjunto de processos interativos que envolvem o agente infeccioso, o ser humano suscetível
e o meio ambiente em que ambos estão inseridos e cujas mudanças resultam em condições que
levam ao desequilíbrio de suas relações podendo levar ao adoecimento são representados na
história natural das doenças infecciosas, representado na Figura 1.

Figura 1 – História natural das doenças transmissíveis


FASE SUBCLÍNICA FASE CLÍNICA

DESFECHO
INÍCIO BIOLÓGICO SINAIS E RECUPERAÇÃO
EXPOSIÇÃO
DA DOENÇA SINTOMAS DEFICIÊNCIA
ÓBITO

PERÍODO PRÉ-PATOGÊNICO PERÍODO PATOGÊNICO

Fonte: elaborado pela autora

Os determinantes da ocorrência dessas doenças são complexos e interrelacionados. Incluem


características individuais como a constituição genética, idade, sexo e estado nutricional, mas
especialmente as condições ambientais como a ausência de saneamento básico, as condições de
moradia, as mudanças climáticas, condições socioeconômicas e culturais e a pobreza que esta-
belecem um contexto favorável a exposição de indivíduos suscetíveis ao agente infeccioso. Essa
interação ocorre no período pré-patogênico. Uma vez que o processo infeccioso tenha iniciado
passamos ao período patogênico. Nesta fase, a infecção inicialmente se desenvolve sem apresen-
tar sinais ou sintomas da doença, por isso é chamado de fase pré-clínica. Quando as alterações
bioquímicas, fisiológicas e histológicas próprias de cada enfermidade passam a ser detectáveis por
meio de sinais e sintomas, inicia-se a fase clínica da doença que evolui até seu desfecho final. Há
casos em que a doença nunca chega a se manifestar clinicamente, permanecendo assintomática.

238
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

As doenças infecciosas podem ser diagnosticadas na fase clínica e pré-clínica pelo isolamento do
próprio agente infeccioso ou seus antígenos, ou mesmo pela detecção da presença de anticorpos
desenvolvidos pelo hospedeiro em reação à infecção.

4.2.3 Conceitos importantes

Para a epidemiologia conhecer algumas características dos agentes, os mecanismos, veículos, vias
de transmissão e existência de reservatórios é de fundamental importância por serem elementos
do ciclo epidemiológico dos agentes importantes na dinâmica de transmissão e ocorrência das
doenças nas populações. Esses aspectos serão abordados neste tópico.

O agente infeccioso é um agente biológico, um organismo vivo capaz de causar uma infecção. Po-
dem ser uma bactéria, vírus, protozoário, metazoário, fungo, príons (proteína com poder infectan-
te), rickettsias. Ao ser introduzido em outro ser vivo, o agente infeccioso é capaz de se multiplicar
e, dependendo das condições intrínsecas do indivíduo, gerar ou não um estado patológico.

O hospedeiro é um ser humano ou outro animal vivo incluindo os artrópodes (mosquito) e as aves
que permitem a subsistência e o alojamento de um agente infeccioso. A entrada de um agente
infeccioso no hospedeiro suscetível inicia o processo de infecção que poderá ou não se tornar
uma doença aparente. A infecção constitui a entrada e desenvolvimento ou multiplicação de um
agente infeccioso específico no corpo humano ou de outro animal que pode resultar em uma
doença infecciosa ou em uma infecção inaparente.

Para dar continuidade a seu ciclo vital e garantir a sobrevivência da espécie, os agentes infeccio-
sos necessitam de infectar novos hospedeiros. A capacidade do agente infeccioso de alojar-se e
multiplicar-se dentro de um hospedeiro é denominada infectividade. Alguns agentes como o vírus
do sarampo possuem alta infectividade, por outro lado, os fungos, embora bastante difundidos
no ambiente, apresentam baixa infectividade. Cada agente infeccioso possui uma dose infectante,
ou seja, um número mínimo necessário de partículas infecciosas para produzir uma infecção. En-
tretanto, para um mesmo agente, a dose infectante poderá variar de acordo com a resistência do
hospedeiro, características como idade e estado nutricional.

A qualidade do agente infeccioso de produzir sinais e sintomas, portanto lesões, é denominada


patogenicidade, que corresponde à proporção de infectados que desenvolve a doença. Alguns
agentes como o vírus da varicela e do sarampo são altamente patogênicos, em situação oposta
está o vírus da poliomielite, dotado de baixa patogenicidade. A patogenicidade é também influen-
ciada por características do hospedeiro.

239
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A capacidade do agente infeccioso de produzir casos graves e fatais é denominada virulência. O vírus
da raiva tem virulência altíssima, praticamente todo caso é fatal; já o vírus do sarampo, embora te-
nha alta infectividade, é de baixa virulência. A virulência está associada às propriedades bioquímicas
do agente, capacidade de multiplicação, mas também é influenciada pelas condições do hospedeiro;
a criança desnutrida por exemplo tem maior probabilidade de desenvolver casos graves.

VOCÊ SABIA?
Apesar da alta letalidade, a raiva é uma doença que pode ser prevenida principalmente por meio da
profilaxia pós-exposição. A profilaxia antirrábica humana pós-exposição inclui a lavagem imediata do
ferimento com água e sabão, a observação do animal agressor, geralmente cães e gatos, por 10 dias e a
administração de imunobiológicos. Além disso, as campanhas massivas de vacinação de cães e gatos,
o bloqueio de foco animal e a vigilância laboratorial, também são medidas de prevenção e controle da
doença em animais e humanos.

Outro aspecto importante é a imunogenicidade, a capacidade que o agente tem de induzir imunidade
no hospedeiro. Há alguns agentes como o vírus da rubéola, do sarampo, da varicela que são dotados
de alto poder de imunogenicidade. Dessa forma, uma vez infectado, a pessoa se torna imune. Outros
agentes tem baixo poder de imunogenicidade, por exemplo as bactérias salmonelas e as shigelas.

Reservatório é o habitat natural em que o agente infeccioso vive, se multiplica e/ou cresce de
tal forma que pode ser transmitido para um hospedeiro suscetível. Pode ser um ser humano, um
animal, artrópode, planta ou matéria inanimada. Algumas doenças como o sarampo, sífilis, hanse-
níase tem como reservatório principal o ser humano, no caso dessas doenças o tratamento efetivo
das pessoas com a doença, também elimina reservatórios. Outras doenças como a leptospirose
e a raiva, tem animais como reservatório, dessa forma medidas para prevenção dessas doenças
devem ser direcionadas ao controle dos animais. A fonte de infeção é o ser vivo, por exemplo uma
pessoa infectada, ou substância (água, leite) de onde um agente passa para um novo hospedeiro.

4.2.3.1 Período de incubação, de latência e de transmissão

O período de tempo necessário entre a infecção do hospedeiro até que se torne uma fonte de
infecção e desenvolva a doença é muito variável entre os diferentes agentes infecciosos. O perí-
odo de incubação é o intervalo de tempo decorrente entre a exposição a um agente infeccioso e
o surgimento dos primeiros sinais e sintomas clínicos da doença. Este período é extremamente
variável entre os distintos agentes infecciosos, variando de horas (cólera ou salmonelose) até
meses ou anos (hanseníase, Aids).

240
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O período de latência é o intervalo de tempo que transcorre desde a infecção até o momento em
que o hospedeiro possa eliminar o agente etiológico. E o período de transmissibilidade correspon-
de ao intervalo de tempo durante o qual hospedeiro infectado, doente ou não, elimina agente
infeccioso para o ambiente, possibilitando que novos indivíduos suscetíveis venham a se infectar.

O período de latência é o intervalo de tempo que transcorre desde a infecção até o momento
em que o hospedeiro possa eliminar a doença. E o período de transmissibilidade corresponde ao
intervalo de tempo durante o qual hospedeiro infectado, doente ou não, elimina agente infeccioso
para o ambiente, possibilitando que novos indivíduos suscetíveis venham a se infectar.

Vamos retomar a história natural das doenças infecciosas para melhor visualizar estes períodos.
Veja na Figura 2. Qual a importância do período de incubação para a transmissão da doença?
Observe que durante o período de incubação o hospedeiro está assintomático, mas na parte final
deste período, o hospedeiro já estará eliminando o agente infeccioso, podendo vir a infectar um
novo indivíduo suscetível. Portanto, para adoção de medidas de controle é preciso considerar essa
fase da infecção. A quarentena tem o objetivo de restringir as atividades de comunicantes durante
o período máximo de incubação e fim de evitar a propagação do agente infeccioso.

Figura 2 – História natural das doenças transmissíveis e períodos de incubação, latência e transmissão

PERÍODO DE LATÊNCIA PERÍODO DE TRANSMISSÃO

PERÍODO DE INCUBAÇÃO

FASE SUBCLÍNICA FASE CLÍNICA

DESFECHO
INÍCIO BIOLÓGICO SINAIS E RECUPERAÇÃO
EXPOSIÇÃO
DA DOENÇA SINTOMAS DEFICIÊNCIA
ÓBITO

PERÍODO PRÉ-PATOGÊNICO PERÍODO PATOGÊNICO

Fonte: elaborado pela autora

241
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4.2.3.2 Modo de transmissão

Modo de transmissão é o processo pelo qual o agente infeccioso oriundo de um reservatório


tem acesso ao meio interno de um novo hospedeiro. A transmissão do agente infeccioso en-
volve uma variedade de mecanismos, que podem ser mais amplamente classificados em modo
transmissão direto e indireto.

A transmissão direta é o modo de transmissão em que o agente infeccioso é passado de uma


pessoa a outra pessoa e pode ser dividida em vertical e horizontal. A transmissão direta vertical
ocorre quando o agente infeccioso é transferido para o feto por meio da placenta ou durante o
parto como observado a mãe apresenta Aids, Zika ou rubéola, entre outras.

A transmissão direta horizontal ocorre basicamente de duas formas, mediata e imediata

> Mediata: é o mecanismo pelo qual um substrato vital eliminado de um hospedeiro infecta-
do, situado nas proximidades de um hospedeiro suscetível, carreia o agente infeccioso com
passagem rápida pelo meio ambiente até atingir o meio interno do indivíduo suscetível.
Possibilidades mais frequentes são por meio das mãos, de fômites ou secreções oronasais
quando o indivíduo infectado ao falar, tossir ou espirrar produz aerossóis na atmosfera
circundante e o indivíduo suscetível recebe em sua mucosa esse material contaminado.
Sarampo, tuberculose, hanseníase são doenças transmitidas dessa forma.

> Imediata: é o mecanismo segundo o qual um substrato vital, eliminado por um indivíduo
infectado em uma relação intima com o suscetível, carreia o agente até o meio interno do
indivíduo suscetível, sem passagem pelo meio ambiente. O modo mais comum é por meio
das relações sexuais, além de mordeduras ou beijo. As infecções sexualmente transmissí-
veis são transmitidas dessa forma.

A transmissão indireta é o mecanismo pelo o qual o agente infeccioso necessita de um suporte


mediador para ser transmitido do seu reservatório para um hospedeiro suscetível. Esse suporte
pode ser:

> um veículo de transmissão como a água, alimentos, objetos ou materiais contaminados como
brinquedos, lenços, instrumentos cirúrgicos que transportam um agente infeccioso.

> um vetor, um inseto ou qualquer portador vivo que adquire um agente infeccioso de um hospe-
deiro vivo e transmite para outro. A esquistossomose mansônica, doença de Chagas e malária
são doenças transmitidas por vetores. A cólera é uma doença transmitida por água/alimentos.

242
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Vejam alguns exemplos:

Sífilis: causada pelo Treponema pallindum, pode ser transmitida diretamente de uma pessoa
para outra em uma relação sexual sem proteção, principalmente em seu estágio inicial, a
sífilis primária; mas também pode ser transmitida forma direta vertical, de uma gestante
infectada para o feto.

Vírus da hepatite B ou o HIV: podem ser transmitidos indiretamente pelo compartilhamento de


agulhas ou em acidentes perfuro-cortantes como os que ocorrem, eventualmente, com profissio-
nais da saúde; e podem ser transmitidos diretamente por secreções na relação sexual desprotegida.

Doença de Chagas: Trypanosoma cruzi, protozoário causador da Doença de Chagas, pode ser
transmitido indiretamente pelas fezes dos triatomíneos, popularmente conhecidos com “Bar-
beiros”; pela ingestão de formas infectantes do T. cruzi a partir de insetos macerados junto
com alimentos consumidos in natura, tais como açaí e caldo de cana; e por transfusão de
sangue contaminado. Pode ainda ser transmitido pela forma direta vertical pela gestante
infectada para o feto ou por acidentes laboratoriais com amostras biológicas infectadas.

Conhecer os elementos abordados até agora permite elaborar os ciclos de transmissão das do-
enças infecciosas que possibilita a identificação dos elos vulneráveis na cadeia de transmissão
passíveis de serem interrompidas na perspectiva de prevenção e controle da doença. Veja o ciclo
de transmissão simplificado da dengue, chikungunhya e Zika.

243
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Figura 3 – Ciclo de transmissão da dengue, chikungunya e Zika

ARN vírus
Agente

Humanos infectados
Hospedeiro
suscetível Fontes
Vetor
Pessoas que
não tiveram a
doença

Aedes aegypti
infectado
Mecanismo
de
transmissão
Página
Não se transmite 244
diretamente entre
humanos

Fonte: Adaptado de Secretaria Municipal de Belo Horizonte

A Figura 3 apresenta elementos do processo que resulta na ocorrência da transmissão de dengue,


chikungunya e zika. Cada uma dessas doenças têm como agente infeccioso um vírus RNA, que é
um arbovírus pois é transmitido por artrópodes. O vetor é a fêmea do mosquito Aedes aegypti.
Ao picar uma pessoa infectada, que funciona como fonte de infecção, a fêmea do Aedes aegypti
ingere sangue com o vírus que se multiplica no intestino do mosquito e infecta suas glândulas
salivares. Ao picar um hospedeiro suscetível, a fêmea transmite o vírus que entra na corrente
sanguínea deste hospedeiro, se múltipla em órgãos alvos e vão circular na corrente sanguínea do
hospedeiro. O novo hospedeiro passa a ser uma nova fonte de infecção.

No caso da dengue, há também a transmissão vertical do vírus no vetor, ou seja o vetor passa o
vírus para os ovos, assim as novas fêmeas chegam à fase adulta já infectadas, dessa forma o vetor
funciona também como reservatório.

O Aedes aegypti, o principal transmissor da dengue, tem se caracterizado por um comportamento


estritamente urbano. Devido à presença do vetor no ciclo de transmissão da doença, a magnitude
da ocorrência da doença está diretamente relacionada à concentração da densidade do mosquito,

244
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

ou seja, quanto mais insetos, maior a probabilidade delas ocorrerem. Por isso, a importância de
combater o mosquito como forma de prevenção da doença.

Na atualidade, considera-se que a eliminação do Aedes aegypti é praticamente impossível, dada


a ocupação desordenada do ambiente urbano, a infraestrutura inadequada dos grandes centros
urbanos, juntamente com a produção intensiva e eliminação de forma incorreta de produtos des-
cartáveis que se transformam em possíveis focos para a multiplicação do vetor.

4.2.4 Imunidade coletiva

A transmissão de uma doença infeciosa e a magnitude da ocorrência de casos em uma dada


população resulta do balaço entre pessoas imunes e susceptíveis, ou seja, entre as pessoas sob
risco de adoecer e as pessoas imunes, sem risco de adoecer. Imunidade é o estado de resistência
associado à presença de anticorpos específicos para cada agente que pode ser inata (natural) ou
adquirida por infecção anterior que gere imunidade duradoura ou por vacina.

Se toda a população for imune a um agente infeccioso não haverá transmissão de doenças, mas
quando o balaço entre indivíduos imunes e suscetíveis tende para o pólo da susceptibilidade,
aumenta a probabilidade de ocorrências de surtos e epidemias. Quando predomina a imunidade,
a probabilidade de ocorrência de surtos e epidemias diminui.

A imunidade coletiva ou imunidade de rebanho é definida como a resistência de um grupo à


infecção e disseminação de uma doença transmissível, como resultado de uma grande proporção
da população ser resistente à infecção. (Porta 2008).

Por que ocorre a imunidade coletiva? Se há elevado percentual da população imune à uma
doença transmissível, a probabilidade de uma pessoa susceptível ter contato com uma pessoa
infectada tende a zero. Este fato é extremamente importante para o sucesso dos programas de
vacinação, porque não é necessário alcançar 100% da população vacinada para que a transmis-
são seja interrompida na comunidade. A proporção da população que deve ser vacinada para
que a imunidade coletiva ocorra varia para os diferentes agentes infecciosos. Para o sarampo,
que é uma doença altamente transmissível, a imunidade coletiva é atingida quando cerca 94%
da população está imunizada.

É importante frisar que a imunidade coletiva deve ser alcançada por meio da vacinação e não pela
exposição e infecção maciça da comunidade. Para sustentar essa ideia basta lembrar que durante
séculos, sem a existência das vacinas, doenças como varíola e o sarampo provocaram epidemias
devastadoras sem que se atingisse a imunidade de rebanho.

245
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

4.2.5 Nível de ocorrência das doenças transmissíveis

Monitorar a ocorrência de novos caso das doenças transmissíveis estabelecendo o nível de ocor-
rência ao longo do tempo é uma atividade própria da vigilância para identificar precocemente
situações de emergência de saúde pública e adotar as medidas necessárias.

A ocorrência das doenças transmissíveis pode ser caracterizada em níveis endêmico, epidê-
mico e pandêmico.

> Endemia refere-se à presença habitual da doença em uma determinada população ou área ge-
ográfica. Quando uma doença é endêmica, mantém uma incidência praticamente constante,
independentemente de flutuações sazonais que caracterizam algumas doenças transmissíveis.

> Epidemia é definida como a ocorrência de uma doença em uma área geográfica excedendo
claramente a incidência habitual esperada naquela área. Observa-se um incremento crescente,
inesperado e descontrolado da incidência ultrapassando os limites habitualmente observados.

> Surto refere-se ao aumento da incidência de casos acima do esperado, mas refere-se ao
aumento de casos restrito a um local específico, por exemplo, uma escola, uma sala de aula,
uma pequena comunidade.

> Pandemia corresponde à disseminação mundial de uma doença. O termo passa a ser usado
quando uma epidemia ou um surto que afeta uma região se espalha por diferentes continen-
tes com transmissão sustentada. A transmissão sustentada da doença ocorre quando o vírus
já circula livremente e há transmissão de uma pessoa para a outra no país, sem que haja
vinculação com indivíduos infectados provenientes do exterior.

Variação sazonal refere-se à variação na ocorrência da doença de acordo com as estações em do-
enças em nível endêmico, mas pode se reproduzir caso a doença tenha atingido nível epidêmico.
A influenza e outras doenças infecciosas respiratórias tem maior intensidade na frequência
de casos nos meses mais frios do ano. Já a dengue ocorre com maior intensidade nos meses
mais quentes e úmidos. O reconhecimento destas características sazonais, entre outras pos-
sibilidades, orienta a organiza as ações de prevenção e controle de doenças e assistenciais. A
vacinação contra influenza ocorre nos meses de março e abril, antes do início do período de
maior transmissão do vírus.

Para monitorar a ocorrência das doenças ao longo do tempo, utiliza-se as curvas de distribuição
da incidência pelo tempo, em geral o mês ou a semana epidemiológica de notificação.

246
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Qual o número de casos esperados de uma doença? Quando podemos dizer que o aumento da
incidência de uma doença sugere uma epidemia? Para estabelecer qual o número de casos espe-
rados, precisamos construir o diagrama de controle. Para isso, utilizamos a incidência observada
em um período de sete ou mais anos prévios. Existem diferentes métodos para construir o nível
endêmico, vamos descrever uma das possíveis estratégias que utiliza cálculos baseados na média
e desvio padrão, mas vale salientar que outras podem ser utilizadas também.

Veja os passos:

> Tempo de observação = 10 anos.

> Importante: se houver anos epidêmicos neste período, estes devem ser excluídos da série.

> Cálculo da incidência mensal média: para cada mês do ano (janeiro, fevereiro etc.) será
realizada a soma das incidências dos 10 anos. Em seguida, o resultado dessa soma será di-
vidido por 10. A curva construída com as incidências médias de cada mês, constitui a curva
endêmica da doença.

> O próximo passo será calcular o canal endêmico. Para isso calcula-se o desvio padrão para
cada média mensal.

> Em seguida, obtém-se a incidência máxima esperada em cada mês, obtida pelo cálculo:
média mensal + 1,96 desvio padrão

> E a Incidência mínima esperada, obtida pelo cálculo: média mensal - 1,96 desvio padrão

> Os limites do canal endêmico com 95% de certeza encontram-se entre a média + 1,96 des-
vio padrão. A Incidência máxima esperada e a incidência mínima esperada delimitam o canal
endêmico. Ao finalizar os cálculos, representa-se graficamente o diagrama de controle.

A Figura a seguir é uma representação de um diagrama de controle: temos a curva endêmica e o


canal endêmico definido pela incidência máxima e incidência mínima esperadas. A linha central
do gráfico que corresponde à incidência esperada em cada ponto, representa o nível endêmico
da doença. O limite superior, ou limiar epidêmico, que corresponde à linha superior do gráfico e
representa a frequência esperada máxima de casos em cada unidade de tempo. O limite inferior,
ou nível de segurança, que corresponde à linha inferior do gráfico e representa a frequência espe-
rada mínima de casos em cada unidade de tempo. O limite superior e o limite inferior delimitam
o canal endêmico.

247
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Figura 4 – Diagrama de controle

Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde, Ministério da Saúde. Módulos de Princípios de Epidemiologia para o Controle de Enfer-
midades. Módulo 2: Saúde e doença na população / Organização Pan-Americana da Saúde. Brasília, 2010.

4.2.6 Doenças Infecciosas no Brasil

No Brasil, desde o século passado, a importância relativa das doenças infecciosas como causa
de morte vem sendo reduzida continuamente, como pode ser observado na Figura 5 a seguir.
Entretanto ainda são um problema de saúde pública que nos anos mais recentes tem ganhado
novos contornos com retorno de doenças antes erradicadas como o sarampo e o crescimento da
sífilis congênita e a emergência da covid-19.

Figura 5 – Mortalidade proporcional por grupos de causas, Brasil 1930 a 2007

A Todas as mortes entre 1930–2007


Doenças infecciosas Câncer Doença cardiovascular Violência Outro
100%

90%
Porcentagem de todas as mortes

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2007

Fonte: Barreto ML, et al. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environmental context,
policies, interventions, and research needs. Lancet. 2011. 28;377(9780):1877-89,
26

248
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Em 2016, entre as 10 principais causas de morte no Brasil, as infecções respiratórias baixas eram a
quarta causa mais frequente, assim como em todo o mundo (Tabela 1). Entretanto, se consideramos so-
mente as mortes consideradas evitáveis, entre 2010 e 2017 as doenças infecciosas foram responsáveis
por cerca de 10% das mortes evitáveis e as doenças preveníveis pela vacinação por 1% (Brasil, 2019a).

Tabela 1 – dez principais causas de morte no Brasil (frequência absoluta e taxa bruta por 100 mil habitantes)
e no mundo, 2016

Taxa
Ordem Causas no Brasil N Causas no mundo
bruta

1 Doenças cardíacas isquêmicas 185.192 89,9 Doenças cardíacas isquêmicas

2 Acidente cérebro vascular 107.658 52,2 Acidente cérebro vascular

3 D. de Alzheimer e outras demências 80.600 39,1 DPOC*

4 Infecções respiratórias baixas 69.961 34,0 Infecções respiratórias baixas

5 DPOC* 64.673 31,4 D. de Alzheimer e outras demências

6 Agressões 59.772 29,0 Câncer de traqueia, brônquio e pulmão

7 Diabetes mellitus 56.793 27,6 Diabetes mellitus

8 ATT** 48.754 23,6 ATT**

9 Doença renal crônica 34.092 16,5 Doenças diarreicas

10 Câncer de traqueia, brônquio e pulmão 30.066 14,6 Tuberculose

Doenças não transmissíveis Doenças transmissíveis Causa externas

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Trans-
missíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2018 uma análise de situação de saúde e das doenças e agravos crônicos: desafios e
perspectivas. Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

4.2.6.1 Doenças preveníveis por imunização

O Programa Nacional de Imunização (PNI) que oferta gratuitamente um extenso número de vacinas,
com uma das mais altas taxas de cobertura vacinal do mundo contribuiu de maneira fundamental
para o controle das doenças preveníveis por imunização. Em 1990, a poliomielite foi erradicada no
Brasil (Barreto el al, 2011) e em 2016, a Organização Mundial de Saúde concedeu o certificado de
eliminação do sarampo (Brasil, 2019b). Além disso, resultados importantes foram alcançados no
controle de outras doenças como a difteria e tétano. A doença meningocócica é endêmica, com
ocorrência esporádica de surtos em diferentes locais com a incidência no país variando de 1,36 casos
por 100 mil habitantes em 2007 para 0,54 casos por 100 mil em 2018 (Brasil, 2019b).

A despeito dos avanços, doenças já eliminadas como o sarampo foram reintroduzidas no Brasil e
em vários países das Américas. Em 2018, houve a introdução do vírus do sarampo no Brasil, com
o surgimento de casos confirmados na região Norte e posteriormente em outras regiões do país
(Brasil, 2019b).

249
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Em 2019, o vírus manteve-se em atividade; entre as semanas epidemiológicas 01 a 37 (29/12/2019


a 12/09/2020), foram notificados 15.734 casos de sarampo, confirmados 7.939 (50,5%), descarta-
dos 7.177 (45,6%) e estão em investigação 618 (3,9%) (Brasil 2020a)

A cobertura vacinal tem decrescido nos últimos anos, como mostra a Figura 6, sinalizando re-
trocessos poderão ocorrer. Na atualidade, é imperioso fortalecer os Programas de Imunizações
Regionais, melhorando o alcance das metas de coberturas vacinais, sobretudo, a homogeneidade
de coberturas nos contextos nacional e internacional.

Figura 6 – Coberturas vacinais médias em triênio, por tipo de vacinas em menores de 1 ano de idade. Brasil 1980 a 2018

100
90
Cobertura vacinal (%)

80
70
60
50
40
30
20
10
0
1980 - 1982 1983 - 1985 1986 - 1988 1989 - 19911992 - 1994 1995 - 19971998 - 2000 2001 - 20032004 - 2006 2007 - 2009 2010 - 2012 2013 - 2015 2016 - 2018

Triênio
BCG Sarampo; triplice viral Pneumocócica
Poliomielite Hepatite B Miningocócica
DTP; DTP/Hib. DTP/Hib/HB Rotavírus Hepatite A

Fonte Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não
Transmissíveis. Saúde Brasil 2019 uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização.
Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

4.2.6.2 Tuberculose, Hanseníase e Doença de Chagas

Essas doenças continuam acometendo a população, causando incapacidades e mortes, per-


manecendo problemas de saúde pública. São doenças que podem cursar com longa duração,
associadas a múltiplos fatores sociais e ambientais, à pobreza e à urbanização desordenada que
geram condições de vida e circunstancias favoráveis à transmissão com surgimento de casos
novos, apesar dos programas de controle, vigilância e diagnóstico e tratamentos disponíveis no
Sistema Único de Saúde.

250
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4.2.6.2.1 Tuberculose

A tuberculose é a doença infecciosa que mais leva à óbito em todo o mundo. Causada pelo My-
cobacterium tuberculosis, ganhou ainda maior relevância com a expansão da epidemia de Aids. É
transmitida apenas pela forma direta por aerossóis emitidos por uma pessoa infectada. O trata-
mento da infecção latente da Tuberculose, forma em que as pessoas infectadas estão saudáveis
sem transmitir o bacilo e com imunidade parcial à doença, é importante estratégia de prevenção
para evitar o desenvolvimento da tuberculose ativa e infectante. A vacina BCG (bacilo Calmete-
-Guérin) é eficaz para proteger contra as formas mais graves da doença.

No Brasil, em 2017, a tuberculose foi a quarta causa de morte entre as doenças infecciosas e a
primeira entre as doenças infecciosas em pessoas com HIV. Entretanto, tendência do risco de
desenvolver tuberculose no Brasil decresceu entre 2008 e 2017, da mesma forma que o risco de
morrer pela doença, como apresenta a Figura 7A e 7B

Figura 7 – Coeficiente de incidência e de mortalidade (por 100 mil habitantes) por tuberculose no Brasil de 2008 a 2017
7A 7B

Nota: observe que as duas figuras tem escala diferentes.

Fonte Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não
Transmissíveis. Saúde Brasil 2019 uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização.
Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

Esses coeficientes são desigualmente distribuídos entre os estados brasileiros, a incidência variou
de 74,7 por 100 mil habitantes no Amazonas a 10,3 por 100 mil no Distrito Federal, enquanto a
mortalidade foi de 4,0 por 100 mil habitantes no Rio de Janeiro a 0,5 por 100 mil habitantes no
Distrito Federal.

251
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4.2.6.2.2 Hansenianse

A hanseníase é uma doença de alta infectividade e baixa patogenicidade e longo período de incu-
bação (em média de 5 anos) e, se não tratada adequadamente, produz incapacidades permanentes.
Endêmica no Brasil, em 2017 foram registrados 321.771 casos novos de hanseníase no pais. Desde
2006 as a taxa de detecção pela doença está decrescente. Nota-se declínio mais proeminente entre
2014 e 2016, caindo de 15,3 para 12,9 casos por 100 mil habitantes (Figura 8).

Figura 8 – Taxa de detecção de hanseníase (por 100 mil habitantes) no Brasil de 2006 a 2017

25,0

20,0
(por 100 mil habitantes)
Taxa de Detecção Geral

15,0

10,0

5,0

0,0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Ano

Fonte Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não
Transmissíveis. Saúde Brasil 2019 uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização.
Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

Por que taxa de detecção? A hanseníase é uma doença de longo período de incubação, como
início da manifestações clínicas insidioso. Em geral quando o diagnóstico é realizado, a doença já
se encontra instalada há algum tempo, sendo mais apropriado a denominação taxa de detecção
de casos do que coeficiente ou taxa de incidência.

O ser humano é o único reservatório da bactéria Mycobacteruim leprae, agente etiológico da


hanseníase, sendo o diagnóstico e tratamento adequado de infectados em fase pré-clínica ou
clínica a principal estratégia para o controle da doença. Não há vacina para prevenir a ocorrência
de novos casos.

252
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4.2.6.2.3 Doença de Chagas

A doença de Chagas é a infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, apresenta uma fase
aguda que pode ser sintomática ou não, e uma fase crônica, que pode se manifestar nas formas
indeterminada, cardíaca, digestiva ou cardiodigestiva. Pode ser transmitida por diferentes formas,
pela picada do Triatomineo infestans, por via oral com a ingestão de alimentos contaminados com
os parasitos provenientes dos triatomíneos, por via direta vertical pela passagem de parasitos de
mulheres infectadas pela placenta ou durante o parto ou ainda transfusão de sangue ou trans-
plante . Tem período de incubação variando de 4 a 40 dias, a depender da forma de transmissão.

A prevenção está relacionada à forma de transmissão, mas destacamos a necessidade do controle


do triatomíneo. Há limitação importante no registro dos casos novos de Doença de Chagas pois
até recentemente apenas as formas agudas eram notificadas. As taxas de mortalidade sugerem
tendência decrescente discreta entre 2008 e 2016 no país (Brasil, 2019b).

4.2.6.3 Síndrome de imunodeficiência adquirida - Aids

Desde que foi reconhecida em 1981, a Aids se espalhou rapidamente, sendo considerada uma
epidemia mundial no final da década de 1980. A doença é causada pelo vírus HIV (vírus da imuno-
deficiência humana), compromete o funcionamento do sistema imunológico, levando a suscetibi-
lidade a infecções por outros agentes e cânceres. Pode ser transmitida por via direta imediata na
relação sexual desprotegida ou compartilhamento de seringas, agulhas e objetos cortantes, por
transfusão de sangue contaminado, no momento do parto. O período de incubação pode chegar
à 10 anos. O diagnóstico e tratamento precoce da infecção por este vírus, tendo ou não desenvol-
vido Aids e a prevenção por meio de relações sexuais protegidas, cuidados nos bancos de sangue
são medidas disponíveis para a prevenção da doença. Mais recentemente novas abordagens como
a profilaxia pré-exposição também estão disponíveis. Com os avanços no tratamento, Aids cursa
com longo período de duração.

Segundo o Boletim Epidemiológico de HIV e Aids de 2020 do Ministério da Saúde, o país tem re-
gistrado, anualmente, uma média de 39 mil novos casos de Aids nos últimos cinco anos. O número
anual de casos de Aids vem diminuindo desde 2013, quando se observaram 43.368 casos; em 2019
foram registrados 37.308 casos. Em um período de dez anos, a taxa de detecção apresentou queda
de 17,2%: em 2009, foi de 21,5 casos por 100 mil habitantes e, em 2019, era de 17,8 casos a cada
100 mil habitantes. Taxa de detecção é se justifica pelo longo período de incubação da doença,
início clínico insidioso, podendo o diagnóstico ser realizado em fase mais adiantado da doença.

253
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Observe a Figura 9 e descreva a tendência observada para as regiões brasileiras no período. As


regiões Sudeste e Sul apresentaram tendência decrescente nos últimos dez anos; em 2009, as
taxas de detecção dessas regiões foram de 23,2 e 32,7, passando para 15,4 e 22,8 casos por 100
mil habitantes em 2019. No entanto, a região Norte apresentou tendência de crescimento na
detecção nesse período, passando de 20,9 por 100 mil habitantes em 2009 para 26,0 por 100
mil habitantes em 2019. As regiões Nordeste e Centro-Oeste apresentaram mudanças menos
expressivas no período.

Figura 9 – Taxa de detecção de Aids por 100 mil habitantes por região de residência e ano de diagnóstica,
Brasil 2009 a 2019

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde Boletim Epidemiológico Especial HIV e Aids, SVS, MS, 2020.

4.2.6.4 Febre Amarela

A febre amarela é causada por um Vírus RNA e transmitida por mosquito infectado. O ciclo urbano
e o silvestre têm mosquitos transmissores distintos. No ciclo urbano o ser humano é o único hos-
pedeiro com importância epidemiológica; no ciclo silvestre, os primatas não humanos (macacos)
são os hospedeiros mais importantes.

A doença tem importância epidemiológica pela virulência do agente etiológico, a letalidade varia
de 20% e 50%. Atualmente, a febre amarela silvestre é uma doença endêmica na região Amazôni-
ca. Na região extra-Amazônica tem sido registrados períodos epidêmicos ocasionais, caracterizan-
do a reemergência do vírus no pais. Observa-se que a maior parte destes casos ocorreram entre
dezembro e maio e que os surtos têm ocorrido com periodicidade irregular. Os surtos registrados a

254
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partir de 2014 alcançaram áreas sem registro de circulação do vírus há décadas, incluindo regiões
metropolitanas da Região Sudeste e Sul (Figura 9) (Brasil, 2019b).

A vacina é a principal estratégia para a prevenção e controle da febre amarela.

Figura 10 – Distribuição dos municípios com casos humanos e/ou epizootias em primatas não humanos con-
firmada durante reemerg6encia extra-Amazônica de febra amarela, por período de monitoramento, julho/2014
a junho /2019. Brasil

Fonte Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não
Transmissíveis. Saúde Brasil 2019 uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização.
Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

255
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4.2.6.5 Dengue

A dengue permanece um importante problema de saúde publica desde sua introdução no Brasil em
1986. Causada por um vírus RNA que têm 4 subtipos, explicando assim as reinfecções. A medida de
prevenção e controle mais importante é evitar a proliferação do mosquito transmissor.

Observou-se uma sucessão de epidemias em todo o território nacional. A incidência anual de


dengue variou de 40 casos por 100 mil habitantes em 1986 a 400 caso por 100 mil em 2008. A
distribuição dos casos notificados em 2015, 2016 e 2017 na Figura 10. Observa-se a sazonalidade
na ocorrência dos casos, com maior nos primeiros meses do ano, e que após dois anos consecu-
tivos com maior número de casos nesses meses, houve queda acentuada em 2017 (Brasil,2018).

Figura 11 – Casos notificados de dengue por semana epidemiológica, Brasil, 2015 a 2017

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico, vol 49. n.1, 2018

4.2.6.6 Novas arboviroses: Zika e Chikungunhya

Essas viroses foram recentemente introduzidas no Brasil. O zika, um vírus transmitido pelo Aedes
aegypti, foi identificado pela primeira vez no Brasil em abril de 2015. No geral, a evolução da
doença é benigna e os sintomas desaparecem espontaneamente após 3 a 7 dias. Formas graves
e atípicas são raras, mas quando ocorrem podem, excepcionalmente, evoluir para óbito. Tem im-
portância epidemiológica adicional pelo grave surto de microcefalia congênita ocorrido no Brasil
em 2016 (Brasil, 2021a).

256
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

A febre chikungunya é transmitida pelos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus. No Brasil,
a circulação do vírus foi identificada pela primeira vez em 2014. Caracterizada por dor intensa, os
sintomas iniciam entre dois e doze dias após a picada do mosquito. Cerca de 30% dos casos não
apresentam sintomas.

A distribuição dos casos notificados por semana epidemiológica da Zika e Chikungnhya são apresen-
tados nas Figuras X e X. Observe que a transmissão tem sido mantida em 2019 3 2020 (Brasil, 2021a).

Figura 12 – Distribuição dos casos notificados de Zika por semana epidemiológica, Brasil, 2019 e 2020
120.000 2019 2020

100.000
Casos Prováveis (n)

80.000

60.000

40.000

20.000

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53
Semana Epidemiológica

Fonte Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Vol 52, n.3, 2021.

Figura 13 – Distribuição dos casos notificados de Chikungunhya por semana epidemiológica, Brasil, 2019 e 2020
9.000
2019 2020
8.000

7.000
Casos Prováveis (n)

6.000

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53

Semana Epidemiológica

Fonte Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Vol 52, n3, 2021.

257
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Outras doenças infecciosos ainda mantem relevância no Brasil. A malária ainda persiste nos es-
tados da região Amazônica onde fatores ambientais, econômicos e sociais estabelecem condi-
ções favoráveis à transmissão do agente infeccioso da doença. A esquistossomose, causada pelo
Schistossoma mansôni, teve relativo sucesso no seu controle de sua ocorrência e na gravidade
dos casos, permanece endêmica em áreas onde existem coleções hídricas com moluscos trans-
missores em estados da região Nordeste (Alagoas, Bahia, Rio Grande do Norte, Paraiba e Sergipe)
e Sudeste (Espirito Santo e Minas Gerais), entretanto existe transmissão focal em outro estados.
A Leishmmniose visceral ainda é transmitida em nível importante em municípios localizados nos
estados de Roraima, Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí, Ceará, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.
(Brasil, 2021b).

4.2.7 A vigilância das doenças transmissíveis

A vigilância das doenças infecciosas constitui um processo contínuo e sistemático de coleta de


dados, análise, interpretação e disseminação de informações com a finalidade de recomendar e
adotar medidas para a prevenção e controle.

Tem como objetivos principais 1) quantificar a ocorrência de casos novos das doenças alvo da
vigilância; 2) identificar mudanças na sua magnitude e distribuição ao longo do tempo e os grupos
mais afetados; 3) identificar a ocorrência de surto e epidemia e investigar essas ocorrências; 4)
propor adoção das medidas de controle; e 5) avaliar o impacto das medidas adotadas.

MINISTÉRIO DA SAÚDE

GUIA DE
VIGILÂNCIA
SAIBA MAIS
EM SAÚDE
5ª edição

Acesse o Guia de Vigilância em Saúde que aborda as principais doenças trans-


missíveis que a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde aborda
(https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_saude_5ed_
Brasília DF 2021

rev_atual.pdf).

258
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TIPOS DE VIGILÂNCIA

> Vigilância passiva é baseada no registro de casos das doenças pelos profissionais e serviços de
saúde. É a estratégia mais simples e mais barata, mas está sujeita a limitações, especialmente
subregistro de casos.

> A vigilância ativa é baseada na busca intencional de casos para pesquisar suas características,
buscar pistas para apontar possíveis causas e identificar novos casos. Essa estratégia, garante
maior integridade da informações. Deve ser realizada sempre que é necessário uma resposta rápi-
da, como a ocorrência de um caso de sarampo ou um surto de uma doença.

> A vigilância sentinela é uma estratégia utilizada quando conhecer apenas um subconjunto dos ca-
sos é suficiente para fornecer as informações necessárias. É o que ocorre na vigilância da Síndrome
Gripal, por exemplo. Apenas alguns serviços de saúde fazem o registro dos casos e são chamados
de unidades sentinela.

> Em outras situações, são definidos eventos sentinela, que corresponde a doença, incapacidade ou
morte inesperada, cuja ocorrência serve como um sinal de alerta. Sinalizam problemas de saúde
passíveis de prevenção e que não deveriam ocorrer, é o caso dos óbitos em menores de um ano.

VOCÊ SABIA?
Que na estratégia da vigilância sentinela não são utilizados coeficientes que consideram a população
total como denominador? Por exemplo, neste tipo de vigilância não se calcula coeficientes de inci-
dência, pois a estratégia considera apenas um subconjunto de casos, mas não a totalidade ocorrida
na população. Por este motivo os casos podem ser monitorados a partir de curvas de distribuição
de casos ao longo do tempo, geralmente semana epidemiológica, em relação ao canal endêmico, ou
diagrama de controle.

4.2.7.1 Etapas da vigilância

As atividades da vigilância podem ser organizadas em etapas interligadas. Vamos abordar cada
uma dessas etapas.

259
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4.2.7.1.1 Coleta de dados

Compreende a detecção de casos, a sua notificação e a registro em um sistema de informação.


A definição de caso deve ser suficientemente sensível para captar os casos verdadeiros de forma
simples e rápida e suficientemente específica para evitas que o número de casos falsos positivos
seja excessivo. Todo caso suspeito ou confirmado deve ser notificado na Ficha de Notificação
Compulsória, um formulário padronizado para coleta de dados.

A notificação é o procedimento que comunica a ocorrência de um caso suspeito ou confirmado à


autoridade sanitária. É obrigatória para todo e qualquer profissional de saúde, de serviços públicos
ou privados e ainda pode ser realizada por todo cidadão. É sigilosa, assim, ao divulgar seus dados,
deve-se respeitar o anonimato das pessoas.

Quais doenças devemos notificar? A definição das doenças de notificação compulsória considera
alguns critérios, como incidência elevada, o poder de transmissão do agente infecciosos e a vi-
rulência. Considera também o impacto social e econômico da doença e a existência de medidas
efetivas para o seu controle. Além disso, toda epidemia ou surto deve ser notificado. A varíola,
poliomielite por poliovírus selvagem, influenza humana por um novo subtipo viral e síndrome
respiratória aguda grave são de notificação obrigatória por definição do Regulamento Sanitário
Internacional. Por fim, agravos inusitados que podem constituir risco de saúde pública, denomina-
das Emergências de Saúde Pública, também devem ser notificados. Nos últimos anos, ocorreram
algumas emergências de saúde como surtos de Ebola, surto de microcefalia por Zika vírus no
Brasil e a covid-19.

As doenças de notificação compulsória fazem parta de Lista Nacional de Doenças e Agravos de


Notificação Compulsória. Esta lista é publicada em portaria ministerial e atualizada periodicamente.

O Sistema de Agravo de Notificação (Sinan) é o Sistema de Informação que agrega os dados


coletados na ficha de notificação compulsória. Outras fontes de dados utilizados na vigilância são
o Sistema de Internações Hospitalares (SIH-SUS), o Sistema de Informações sobre Mortalidade
(SIM), Sistema Informatizado de Vigilância Epidemiológica (Sivep), dados oriundos de laboratórios,
de investigações de surtos e epidemias e inquéritos populacionais, como por exemplo, os inquéri-
tos realizados para avaliar a cobertura vacinal.

4.2.7.1.2 Analise dos dados

A análise consiste na descrição dos dados e comparação da ocorrência da doença em relação


às características de interesse da epidemiologia: pessoa, lugar e tempo. A principal medida de

260
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

ocorrência de eventos de saúde de interesse na vigilância das doenças transmissíveis é a incidên-


cia. A distribuição da incidência no tempo permite identificar variações sazonais ou tendência a
longo prazo. A descrição segundo as características das pessoas como idade, sexo, escolaridade,
ocupação, estado nutricional entre outras permite identificar grupos de maior risco. E a analise
comparando a ocorrência da doença conforme os lugares onde ocorreram os casos contribui para
a descrição dos eventos e pode indicar a existência aglomeração dos casos em certos locais.

Análises mais sofisticadas podem ser necessárias, mas essa etapa descritiva é fundamental
na vigilância.

4.2.7.1.3 Demais etapas da vigilância

A interpretação dos dados analisados juntamente com outras informações disponíveis irá subsi-
diar o julgamento sobre identificar a necessidade de implementar medidas de controle e se sim,
quais medidas deverão ser adotadas. Por fim, a etapa seguinte consiste em avaliar a efetividade
das intervenções e medidas adotadas no âmbito da vigilância. A simples observação de séries
temporais de incidência das doenças sob vigilância é capaz de fornecer elementos para avaliar as
medidas de intervenção.

Por fim, divulgar as informações produzidas pela vigilância a todos os técnicos envolvidos em
todos os níveis do sistema é fundamental para garantir a retroalimentação do sistema, demons-
trando a importância e necessidade de notificar os eventos. Também é preciso dar publicidade a
toda sociedade com a divulgação ampla utilizando meios como a produção de boletins físico e
eletrônicos para divulgar nos sítios das secretarias municipal e estadual de saúde e d ministério da
saúde. A normatização de procedimentos técnicos embasados no conhecimento científico vigente,
sistematizados em manuais e atualizadas periodicamente para incorporar os avanços técnicos-
-científicos é também função da vigilância.

4.2.7.2 Pandemia de covid-19 no Brasil: alguns dados descritivos

Em março de 2020 foi identificado o primeiro caso importado de covid-19 no Brasil, evoluindo
com fases dramáticas em números de casos, em números de mortes. Vamos apresentar alguns
resultados descritivos de dados baseados na notificação de casos de covid-19.

Em situações como uma epidemia, a distribuição do número absoluto de casos permite monitorar
a tendência em um período de tempo relativamente curto. A distribuição do número de casos
novos por semana epidemiológica da covid-19 , denominada de curva epidêmica, é apresentada

261
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

na Figura 13. Este padrão apresentado pela curva, denominado progressiva ou propagada, é ca-
racterístico de uma doença causada por um agente infeccioso transmitido de uma pessoa para
outra de forma mediata. A propagação se dá em cadeias, gerando uma corrente de transmissão
para indivíduos suscetíveis. Após um fase inicial crescente, observa-se queda-se do número de ca-
sos novos, seguida de aumento sustentado de casos novos que a partir da semana epidemiológica
27 (aproximadamente) de 2021 começam a diminuir novamente (Figura 13A). A distribuição por
semana epidemiológica é apresentada na Figura 13B.

Figura 14 – Número de casos novos notificados de covid-19 (13A) e de óbitos (13B)de março/2020 a 30/
outubro de 2021, Brasil

13A 13B

Fonte: SES. Dados atualizados em 8/1/2022, às 19h, sujeitos a revisões. Fonte: SES. Dados atualizados em 8/1/2022, às 19h, sujeitos a revisões.
Fonte: Brasil. Boletim Epidemiológico Especial – Doença do novo Coronavirus-covid10. Semana Epidemiológica 40 (24/10 a 30/10). 2021.

A variação do coeficiente de incidência (14A)e da taxa de mortalidade (14B) de covid-19 por sema-
na epidemiológica pode ser observada na Figura 14.

262
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Figura 15 – Número de óbitos por covid-19 por data de notificação, março/2020 a 30/outubro de 2021

14A 14B

Fonte: Brasil. Boletim Epidemiológico Especial – Doença do novo Coronavirus-covid10. Semana Epidemiológica 40 (24/10 a 30/10). 2021.

A pandemia é complexa e a variação é influenciada pela disseminação do agente infeccioso, do


surgimento das novas variantes, da adoção e adesão as medidas de distanciamento social e de
uso de máscaras e cuidados com as mãos e da cobertura vacinal. A figura 15 mostra o número de
óbitos por covid-19 no Brasil ocorridos de janeiro a outubro de 2021 e a cobertura vacinal com a
segunda dose. Esses resultados mostram que a vacinação está atingindo um dos seus objetivos
que é a redução dos casos graves e da mortalidade, mas sem bloqueio completo da transmissão).
Tais resultados confirmam a necessidade de manter os cuidados como uso de máscaras e higieni-
zação e intensificação da vacinação.

263
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Figura 16 – Número de óbitos e proporção da população total vacinada com esquema completo ao longo de 2021

3500 60

3000 50

Cobertura Vacinal (2ª dose, %)


2500
40
2000
30
Óbitos diários

1500
20
1000

500 10

0 0
Maio

Setembro

Novembro
Junho
Janeiro

Julho

Outubro
Agosto
Fevereiro

Março

Abril

Mês (2021)

Óbitos diários Cobertura Vacinal (2ª dose)

Fonte: Fiocruz. Boletim Observatório covid-19, Fiocruz. Boletim Extraordinário, 4/11 de 2021

264
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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enças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2018 uma análise de situação
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2019 (A). 424 p. : il.

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enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização. Brasília: Ministério da Saúde, 2019 (B). 520
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266
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

EPIDEMIOLOGIA E VIGILÂNCIA EM SAÚDE:


CONCEITO, IMPORTÂNCIA E APLICAÇÕES
4.3 Aplicações da epidemiologia na vigilância de doenças crônicas não-
transmissíveis (DCNT)
Nesta aula, vamos conhecer as principais doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT), os aspectos
comuns da história natural dessas doenças e como as mesmas se articulam com os diferentes níveis
de prevenção em saúde. Iremos aprender também a reconhecer os principais fatores de risco modi-
ficáveis comuns para estas doenças, identificar suas principais fontes de informações e limitações.

4.3.1 Introdução

As DCNT lideram as estatísticas de mortalidade, morbidade e incapacidade no Brasil e em todo


mundo e seu rápido crescimento representa um grande desafio para a sociedade. As DCNT se carac-
terizam pela sua progressão lenta, longa duração e estão frequentemente associadas a deficiências
e incapacidades funcionais prolongadas. Possuem etiologia complexa e multifatorial envolvendo a
participação e interação de múltiplos fatores de risco sociais, ambientais, comportamentais e bioló-
gicos. Geralmente elas apresentam longo curso assintomático e manifestações clínicas com períodos
de exacerbação e outros de remissão.

O desenvolvimento das DCNT pode começar cedo na vida, como a aterosclerose, mas sua frequ-
ência aumenta expressivamente com o avançar da idade, sugerindo que mudanças modificáveis e
não modificáveis relacionadas ao envelhecimento aumentam a suscetibilidade dos indivíduos a esse
conjunto de doenças. As exposições a diferentes fatores de risco modificáveis ao longo da vida con-
tribuem decisivamente para sua ocorrência e progressão e indicam janelas de oportunidade para a
implementação de medidas preventivas para estas doenças.

Entre as DCNT mais importantes estão as doenças do aparelho circulatório (cardiovasculares e cere-
brovasculares), as neoplasias, as doenças pulmonares obstrutivas crônicas e o diabetes. Esse conjunto
de doenças respondem pela maior carga de morbimortalidade por DCNT e compartilham fatores de
risco comuns, criando assim a possibilidade de traçar estratégias integradas de prevenção e controle.
Por esse motivo a OMS vem recomendando um modelo de ação “4 x 4” para deter o avanço das DCNT,
que é caracterizado pela priorização de ações de prevenção e promoção da saúde relacionadas a esses
quatro conjuntos de doenças que são causados, principalmente, por quatro fatores de risco comporta-
mentais (uso de tabaco, uso prejudicial de álcool, dietas não saudáveis e sedentarismo).

267
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Outras doenças crônicas, como os transtornos mentais e neurológicos e distúrbios musculoesque-


léticos, também acarretam grande carga de morbidade e sofrimento (uso de serviços de saúde,
perda de qualidade de vida, incapacidades, custos econômicos etc.) para os indivíduos, famílias e
sociedade. Apesar de compartilharem muitos fatores de risco modificáveis com o grupo de doen-
ças citadas anteriormente, elas também apresentam características e fatores de risco diferencia-
dos que não serão tratados na presente aula. Portanto, o foco desta aula será principalmente a
epidemiologia e estratégias de prevenção e vigilância para as doenças do aparelho circulatório, as
neoplasias, as doenças pulmonares obstrutivas crônicas e o diabetes.

4.3.2 A carga das DCNT no Brasil: mortalidade e morbidade

Em 2016, cerca de 57% das mortes no Brasil foram atribuídas às doenças cardiovasculares, ne-
oplasias, doença respiratórias crônicas e diabetes. Ao incluir as demais doenças crônicas não
transmissíveis, esse percentual sobe para 74%, o que evidencia o protagonismo desse conjunto de
doenças no perfil epidemiológico brasileiro (Figura 1)(WHO, 2018). Destaca-se que esse percentu-
al vem subindo ao longo do tempo, já que era 61,6% em 1991, 67,6% em 2000 e 72,4% em 2009
(Duncan et al 2011).
NTINA
2016 TOTAL POPULATION: 43 847 000
2016 TOTAL DEATHS: 328 000

Figura 1 – Mortalidade proporcional segundo causa no Brasil em 2016


DUE TO NCDS (%) PROPORTIONAL MORTALITY

28% 17%
Cardiovascular Other NCDs
diseases

20% 16%
Cancers Communicable,
maternal, perinatal NCDs are
10% and nutritional estimated to
conditions account for 78%
Chronic
of all deaths.
respiratory
2010 2015 2020 2025
diseases 6%
Injuries
Projected linear trends Global targets 3%
Diabetes

37 500 LIVES CAN BE SAVED BY 2025 BY IMPLEMENTING ALL OF THE WHO "BEST BUYS"
Fonte:
NATIONAL TARGET SETWorld Health Organization. Noncommunicable diseases
DATAcountry
YEAR profiles
MALES 2018. Geneva: World
FEMALES TOTALHealth Organization, 2018.

Total NCD deaths 2016 128 500 126 000 254 500
✓ QuandoRiskanalisamos as principais causa de óbito
of premature death between 30-70 years (%) 2016
no Brasil,
20
segundo
12
faixa
16
etária, percebemos que
as DCNT começam a liderar as principais causas de óbito da população a partir dos 50 anos de
-
idade, com destaque para as doenças do aparelho
Suicide mortality rate (per 100 000 population) 2016
circulatório,
- -
as neoplasias
9
e as doenças do
aparelho respiratório como pode ser visualizado no Quadro 1 (Brasil, 2021).
Total alcohol per capita consumption, adults aged 15+
✓ 2016 16 4 10
(litres of pure alcohol)

✓ Physical inactivity, adults aged 18+ (%) 2016 38 46 42

✓ Mean population salt intake, adults aged 20+ (g/day) 2010 8 7 8

✓ Current tobacco smoking, adults aged 15+ (%) 2016 28 15 21

✓ Raised blood pressure, adults aged 18+ (%) 2015 28 21 24


268
X Raised blood glucose, adults aged 18+ (%) 2014 10 11 10

Obesity, adults aged 18+ (%) 2016 27 30 29


acelerada, que resulta da redução abrupta da taxa de fecundidade e de elevados
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índices de envelhecimento populacional. Por sua vez, a transição epidemiológica
observada no País é marcada, entre outros aspectos, pelo desafio das doenças
crônicas e de seus fatores de risco, além de forte crescimento das causas externas
de morbimortalidade (DUARTE; BARRETO, 2012).

Quadro 1 – Principais causas de óbito segundo capítulos da CID-10 e o número absoluto de óbitos por faixa
etária no BrasilQuadro 1 – Ranking das causas básicas de óbito segundo capítulos da CID-10 e o
em 2019
número absoluto de óbitos por faixa etária no Brasil em 2019

Posição 0a9 10 a 19 20 a 29 30 a 49 50 a 69 70 a 79 ≥80 anos Total


anos anos anos anos anos anos

1 C. Perinat. C. Ext. C. Ext. C. Ext. D. Ap. Circ. D. Ap. Circ. D. Ap. Circ. D. Ap. Circ.
20.269 13.384 32.100 43.961 113.488 91.237 130.243 364.132

2 Malform. Neoplasias Neoplasias D. Ap. Circ. Neoplasias Neoplasias D. Ap. Resp. Neoplasias
9.420 1.406 2.735 25.019 98.966 58.088 75.657 235.301

3 C. Ext. D. Sist. Nerv. D. Ap. Circ. Neoplasias D. Ap. Resp. D. Ap. Resp. Neoplasias D. Ap. Resp.
2.926 1.109 2.461 23.847 35.272 38.018 48.997 162.005
D. Ap.
4 Resp. C. Mal Def. C. Mal Def. D.I.P. D. Endocr. D. Endocr. D. Endocr. C. Ext.
2.917 988 2.379 10.506 26.946 21.997 27.238 142.800

5 D.I.P. D. Ap. Resp. D.I.P. D. Ap. Dig. C. Ext. D. Ap. Dig. C. Mal Def. D. Endocr.
1.933 777 2.268 10.043 25.940 14.369 25.185 83.483
D. Sist.
6 Nerv. D. Ap. Circ. D. Ap. Resp. C. Mal Def. D. Ap. Dig. C. Mal Def. D. Sist. Nerv. C. Mal Def.
1.430 776 1.566 9.703 25.935 13.688 24.194 74.972
Fonte: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/SVS/MS).
Nota: D.I.P.: doenças infecciosas e parasitárias; neoplasias; C. Exter.: causas externas; C. Perinat.: afecções do período
Fonte: Brasil. Ministério daMalSaúde.
perinatal; Secretaria
form.: anomalias de Vigilância
cromossômicas em Saúde. congênitas;
e malformações Departamento D. Ap. de Análise
Resp.: doenças emdoSaúde
aparelhoe respi-
Vigilância de Doenças
ratório; D. Sist. Nerv: doenças do sistema nervoso; D. Ap. Circ.: doenças do aparelho circulatório; D. Ap. Dig.: doenças
Não Transmissíveis. Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não
do aparelho digestivo; D. Endócr.: doenças endócrinas; D. Ap. Uri.: doenças do aparelho geniturinário; C. Mal Def.:Transmissíveis no Brasil,
2021-2030. Brasília: Ministério
causas da Saúde,
mal definidas 2021.sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório não classificados
(sintomas,
em outra parte).

Ministério da Saúde 18
Uma característica marcante das DCNT no Brasil é que uma parcela expressiva dos óbitos por
essas doenças acontece entre indivíduos com idade entre 30 e 69 anos, ou seja, ocorrem pre-
maturamente, indicando que poderiam ser evitados. Em 2017, o Brasil registrou 556.639 óbitos
evitáveis e 58,9% desses óbitos foram devido às DCNT (Malta et al, 2020).

VOCÊ SABIA?
Nos países de alta renda menos de 15% das mortes por DCNT ocorrem antes dos 70
anos, enquanto nos países de renda media e baixa, como o Brasil, este percentual mais
que dobra. Por isso, as mortes prematuras por DCNT, ou seja, entre 30-69 anos de ida-
de, são consideradas um importante indicador de sucesso das políticas de prevenção
e controle destas doenças, sendo alvo de acompanhamento continuo da vigilância em
saúde. Por esta razão, esse indicador faz parte do Plano de Ações Estratégicas para o
Enfrentamento das Doenças e Agravos Não transmissíveis no Brasil 2021-2030.

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269
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Historicamente, verificamos que o risco de morrer prematuramente por DCNT vem reduzindo no
país. Entre 1990 e 2017 as taxas de mortalidade prematura por DCNT apresentaram uma queda
de 35,2%, sobretudo devido a reduções na mortalidade por doenças cardiovasculares (47,8%) e
doenças respiratórias crônicas (41,3%) conforme pode ser visualizado na Tabela 1. Quedas bem
mais discretas foram observadas para a mortalidade por diabetes (17,8%) e neoplasias (11,8%).
Essas tendências também podem ser verificadas graficamente na Figura 3.

Tabela 1 – Taxa de mortalidade padronizada por idade (por 100.000) na população entre 30 e 69 anos no Brasil
em 1990 e 2017 e percentual de mudança dessa taxa no período

Causas de óbito 1990 2017 % mudança

DCNT* 509 330 − 35.2


Doenças Cardiovasculares 294 153 − 47.8
Doenças respiratórias crônicas 38 22 − 41.3
Diabetes mellitus 29 24 − 17.8
Neoplasias 148 131 − 11.8

DCNT= doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crônicas, diabetes mellitus e neoplasias. Fonte: Malta DC, et al. Trends in
mortality due to non-communicable diseases in the Brazilian adult population: national and subnational estimates and projections for
2030. Popul Health Metr. 2020 Sep 30;18(Suppl 1):16.

Figura 3 – Taxa de mortalidade padronizada por idade por DCNT em população entre 30 e 69 anos (por 100.000
habitantes) no Brasil entre 1990 e 2017. NCD= non-communicable chronic diseases

Fonte: Malta DC, et al. Trends in mortality due to non-communicable diseases in the Brazilian adult population: national and subnatio-
nal estimates and projections for 2030. Popul Health Metr. 2020 Sep 30;18(Suppl 1):16.

270
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Considerando a dimensão continental do Brasil, e as conhecidas desigualdades regionais que per-


sistem no país, precisamos perguntar: será que as diversas regiões do país apresentam as mesmas
tendências de mortalidade prematura por DCNT?

A Figura 4, apresenta a evolução da taxa padronizada por idade de mortalidade prematura por
DCNT de acordo com a região de residência entre 2000 e 2019. Podemos observar que em 2000
há uma grande desigualdade nas taxas observadas, sendo as menores taxas de mortalidade
observadas nas regiões Norte e Nordeste e as maiores nas regiões Sul e Sudeste. Entretanto,
essa desigualdade foi diminuindo progressivamente ao longo dos anos, já que as taxas de mor-
talidade precoce por DCNT aumentaram nas regiões norte e nordeste e reduziram nas regiões
sudeste, sul e centro-oeste (Brasil, 2021).

271
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

PARA REFLETIR
Ao analisar a Figura 4 duas informações chamam a atenção: 1) As regiões Norte e Nordeste eram
as regiões com menores taxas de mortalidade prematura por DCNT em 2000; e 2) As regiões Norte
e Nordeste apresentaram aumento nas taxas de mortalidade prematura por DCNT enquanto as
demais regiões observaram uma queda nessa mortalidade.

Quais fatores poderiam explicar esses achados?

Essas duas informações chamam a atenção, pois esperaríamos que as regiões Norte e Nordeste do
país apresentassem as maiores taxas de mortalidade prematura por DCNT, já que populações em des-
vantagens sociais e econômicas tendem a ser mais acometidas pelas DCNT e seus fatores de risco. É
possível que os dados evidenciados na Figura 4 não estejam refletindo a real realidade observada na
população das regiões Norte e Nordeste devido a um maior sub-registro de óbitos e maior proporção de
óbitos por causas mal definidas nessas duas regiões (Malta et al, 2020). O sub-registro de óbitos leva
a uma redução da cobertura do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) nessas duas regiões
(ver Aula 2.1. O dado epidemiológico: estrutura, fontes, propriedade e instrumentos) e a maior propor-
ção de óbitos por causas mal definidas levam a uma menor a validade da informação sobre causa dos
óbitos no SIM nas regiões Norte e Nordeste (ver Aula 2.2. Qualidade dos instrumentos epidemiológicos)
quando comparada as outras regiões do país. Isso poderia explicar o fato das regiões Norte e Nordeste
serem as regiões com menores taxas de mortalidade prematura por DCNT observadas no ano 2000.
Consequentemente, é possível que o crescimento dessas taxas de mortalidade observado no Norte
e Nordeste ao longo do tempo seja reflexo de um aumento na captação de óbitos e da melhoria na
definição das causas de morte na última década, que ocorreram especialmente nas regiões Norte e
Nordeste. Por isso para utilizar essas informações para subsidiar a realização de políticas regionais tor-
na-se necessário a realização de ajustes metodológicos para cobertura e redistribuição de causas mal
definidas, ainda mais em se tratando de análises das séries históricas em épocas em que a qualidade
do SIM era mais comprometida (Malta et al. 2020).

Você pode obter mais informações sobre a realização desses ajustes metodológicos neste artigo:

CLIQUE AQUI

272
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Outro importante pergunta que podemos fazer é: será que as tendências de mortalidade prema-
tura por DCNT é igual para homens e mulheres? A resposta para essa pergunta é NÃO, como po-
demos observar ao analisar a Figura 5. Podemos verificar que as taxas de mortalidade prematura
por doenças cardiovasculares foram maiores entre os homens do que entre as mulheres em todo o
período. Tais diferenças favoráveis as mulheres são especialmente importantes antes dos 50 anos,
sendo explicadas, em grande parte, pelo menor engajamento das mesmas em alguns compor-
tamentos de risco, como o tabagismo, e pelo efeito protetor do estrógeno antes da menopausa.
Vale notar que a tendência de queda na taxa de mortalidade prematura por doença cardiovascular
ocorreu em ambos os sexos. Porém, enquanto as doenças cardiovasculares permaneceram como
maior causa de morte por DCNT durante todo o período entre os homens, a partir de 2014 a
mortalidade por neoplasias malignas passou a ser a maior causa de morte por DCNT entre as
mulheres (Figura 5) (Brasil, 2021).

Figura 4 – Taxas de mortalidade prematura (30 a 69 anos) por DCNT padronizadas por idade segundo região
de residência,
Figura 12Brasil (2000-2019)
– Taxa padronizada de mortalidade prematura (30 a 69 anos) por doenças
crônicas não transmissíveis segundo região de residência, Brasil (2000-2019)

500

450
Taxa de mortalidade padronizada (/100 mil hab.)

400

350

300

250

200

150

100

50

0
2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

Ano do óbito
Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Fonte: Óbitos – Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/CGDANT/SVS/MS), População residente – Estimativas
preliminares elaboradas pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/Cgiae. Foram considerados os óbitos classificados
Fonte: Brasil.
com os Ministério da Saúde.E10-E14,
códigos C00-C97, Secretaria de Vigilância
I00-I99, em Saúde.
J30-J98 (exceto J36) Departamento de Análise
(Doenças crônicas em Saúde e Vigilância
não transmissíveis) da CID-10.de Doenças
Não Transmissíveis. Plano depor
Nota: Padronização Ações
idadeEstratégicas
utilizando opara o Enfrentamento
método das Doenças Crônicas
direto. População-padrão: e Agravos
Brasil Censo não Transmissíveis
2010. Foram desconside- no Brasil,
rados
2021-2030. os óbitos
Brasília: cuja faixa
Ministério da etária
Saúde,ou região de residência da vítima estava assinalada como “ignorada”.
2021.

Ao se analisar o comportamento das quatro principais DCNT por sexo é possível


observar que, na população masculina, as doenças cardiovasculares foram res-
ponsáveis pelas maiores taxas de mortalidade em todo o período, embora tenha
havido decréscimo em sua magnitude. Na população feminina, as doenças car-
diovasculares foram responsáveis pelas maiores taxas de mortalidade até o ano
de 2013. A partir de 2014, a mortalidade273
por neoplasias malignas passou a ser a
maior causa de morte por DCNT entre as mulheres (Figura 13).
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Figura 5 – Taxas Figura


mortalidade prematura
13 – Taxa (30de
padronizada a 69 anos) porprematura
mortalidade DCNT padronizadas porpor
(30 a 69 anos) idade segundo sexo, Brasil
doenças
(2000-2019) crônicas não transmissíveis segundo grupo de causa, Brasil (2000-2019)

Masculino

300
Taxa de mortalidade (/100 mil hab.)
250

200

150

100

50

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Ano do óbito
Neoplasias Malignas (C00-C97) Doenças Cardiovasculares (I00-I99)
Diabetes (E10-E14) Doenças Respiratórias Crônicas (J30-J98 - exceto J36)

Feminino

300
Taxa de MOrtalidade (/100 mil hab.)

250

200

150

100

50

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Ano do óbito
Neoplasias Malignas (C00-C97) Doenças Cardiovasculares (I00-I99)
Diabetes (E10-E14) Doenças Respiratórias Crônicas (J30-J98 - exceto J36)

Fonte: Óbitos – Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/CGDANT/SVS/MS), População residente – Estimativas
preliminares elaboradas pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/Cgiae. Foram considerados os óbitos classificados
Fonte: Brasil. Ministério dacódigos
com os Saúde.C00-C97,
Secretaria de I00-I99,
E10-E14, Vigilância em(exceto
J30-J98 Saúde. Departamento
J36) de não
(Doenças crônicas Análise em Saúde
transmissíveis) e Vigilância de Doenças
da CID-10.
Não Transmissíveis. Nota:
Plano de Ações
Padronização Estratégicas para
por idade utilizando ooEnfrentamento das Doenças
método direto. População-padrão:Crônicas e Agravos
Brasil Censo
derados os óbitos cuja faixa etária ou sexo da vítima estava assinalada como “ignorada”.
não
2010. Foram Transmissíveis
desconsi- no Brasil,
2021-2030. Brasília: Ministério da Saúde, 2021.

Como as DCNT têm longa por


A mortalidade duração
neoplasias e estãomalignas muito tem associadas
crescido em todo a deficiências
o mundo e esta e incapacidades

funcionais, nãorepresenta
podemosa segunda
nos restringir causa de a morte
dadosnademaioria mortalidade dos países para
(WORLD avaliar adequadamente
HEALTH
a carga desse ORGANIZATION,
conjunto de doenças
2011). Em 80% na dos população. Por isso,dacomo
países, a tendência mortalidadedemonstrado prematurana Aula 3.2
Indicadores depor câncer
Saúde está 2,
Parte prejudicando
foi desenvolvido o progresso um paraindicadoro atingimento da meta tanto
que considera 3.4 dosa ocorrência
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que é a redução de 1/3 da mortalidade
de morte prematura, como a presença de incapacidade decorrente da DCNT, o DALY (Disability
prematura de DCNT até 2030 (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020).
Adjusted Life Years - Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade). Podemos dizer que
um DALY significa um ano perdido de vida saudável (seja por morte prematura ou devido a
Em 2019, foram registrados, no Brasil, 120.994 óbitos por neoplasias malignas,
ocorrência de incapacidade). Estudo na
cujos indivíduos estavam recente
faixa etáriaque de utilizou
30 a 69 o DALY
anos. padronizado
A Figura 14 apresenta para
a idade para
mensurar a carga da DCNT
evolução no Brasil
das taxas padronizadas verificou que 36% do
de mortalidade total depelos
prematura DALYs gruposdo país em 2017 eram
de cau-
devidos às DCNTs - doenças
sas incluídos nascardiovasculares,
neoplasias malignas,doenças no período respiratórias
de 2000 a 2019, crônicas,
segundodiabetes sexo. mellitus
e neoplasias. Tal percentual representa uma queda, já em 1990 esse percentual era de 43%
(Malta et al, 2020). Portanto, considerando como o DALY é calculado (Ver Quadro 1), essa queda
pode representar tanto aPlanodiminuição
de ações estratégicasda
para incidência , quanto
o enfrentamento das doenças da não
crônicas e agravos duração, gravidade
transmissíveis no Brasil 2021-2030 e/ou
23 aumento
do controle (tratamento) das DCNT, ou um pouco de tudo isto.

274
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Como discutido na Aula 1.2 Saúde Pública Baseada em Evidências, as DCNTs, como a grande
maioria dos problemas de saúde, são doenças social e historicamente determinadas. No Bra-
sil, assim como em outros países do mundo, os indivíduos em desvantagem socioeconômica
tendem a apresentar maiores taxas de morbimortalidade por DCNT. Por exemplo, a taxas de
mortalidade por doença cardiovascular no país aumenta à medida que a escolaridade diminui
(Ishitani et al, 2006). Maiores prevalências de autorrelato de diagnóstico médico de hipertensão,
acidente vascular cerebral, diabetes (Malta et al, 2016) e presença de multimorbidade (presença
de 2 ou mais doenças crônicas) (Hone et al 2021) também são observadas entre em brasileiros
de baixa escolaridade.

No Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto, que é um estudo que acompanha 15.105 servidores
públicos de ensino superior e pesquisa em 6 capitais brasileiras, também foi encontrado que
quanto menor a posição socioeconômica do indivíduo maior o risco cardiovascular. Além disso,
maiores as prevalências e incidências de hipertensão arterial, diabetes e doença renal crônica (de
Sousa Andrade et al, 2017; Chor et al, 2015; Schmidt et al 2014; Lopes, 2021; Faleiro et al, 2017;
Barreto et al, 2016 ).

Além disso, no Brasil há uma desigualdade racial profunda na carga de DCNTs e de seus fatores
de risco, com grandes desvantagens observadas entre autodeclarados pretos e pardos quando
comparados aos brancos (Hone et al 2021; Machado et al, 2021).

Por tudo isso, a vigilância em DCNT precisa sempre analisar a ocorrência destas doenças local,
regional ou nacionalmente segundo os indicadores socioeconômico e de raça/cor, além dos tradi-
cionais desdobramentos por sexo e faixa etária.

4.3.3 Fatores de risco comuns e oportunidade de prevenção

A ocorrência da maioria das DCNT está relacionada a múltiplos fatores de risco, sendo os fatores
de risco tabagismo, inatividade física, consumo excessivo de álcool e alimentação não saudável
comuns a maioria delas e responsáveis por alta carga destas doenças. Como todos esses fatores
são passíveis de modificação, eles representam uma janela de oportunidade para implementação
de medidas de preventivas. Como já discutimos na Aula 1.2 Saúde Pública Baseada em Evidências,
esses fatores de risco não devem ser considerados como simples escolhas individuais, pois resul-
tam também de contexto socioeconômico e político adversos que diminuem as possibilidades
de escolha saudáveis da população (Figura 6). Por isto mesmo, não é incomum que a exposição
simultânea a múltiplos fatores de risco comportamentais, e geralmente, este acúmulo é maior
ainda naqueles grupos sociais mais vulneráveis socialmente.

275
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

O contexto socioambiental, portanto, pode potencializar ou minimizar os efeitos de fatores de


risco não modificáveis como sexo, idade e herança genética, e, em combinação com os fatores de
risco modificáveis acarretar alterações fisiopatológicas, chamadas fatores de risco intermediários,
como hipertensão e dislipidemia, que por sua vez aumentarão a probabilidade da ocorrência e
progressão das DCNTs (Figura 6).

Figura 6 – Determinantes das DCNTs e oportunidade de prevenção.

Contexto socioeconômico, Fatores de riscos Fatores de riscos Eventos que


político, cultural e ambiental modificáveis intermediários desejamos evitar

Política macroeconômicas Tabagismo Hipertensão Doenças


cardiovasculares
Políticas sociais Alimentação DIslipidemia
não saudável Doenças
(educação, saúde, Obesidade/sobrepeso cerebrovasculares
emprego, seguridade Inatividade física
social, transporte, Intolerância à glicose Neoplasias
habitação, renda e Consumo abusivo
de álcool Doenças respiratórias
bem-estar, etc) crônicas

Políticas públicas Diabetes


Fatores de riscos não
Cultura e valores sociais modificáveis

Sexo
Idade
Herança genética

Fonte: Adaptado de World Health Organization.


Preventing chronic diseases: a vital investment: WHO global report. Switzerland, 2005

Conforme discutido na aula 1.2 Saúde Pública Baseada em Evidências, o conhecimento do pro-
cesso de determinação das DCNTs esquematizado na Figura 6 serve para orientar intervenções de
prevenção com diferentes níveis de abrangência. A prevenção primordial (estratégia populacional
de prevenção) inclui ações intersetoriais direcionadas a modificação do contexto socioeconômico,
político, cultural e ambiental com o objetivo de evitar o surgimento e a consolidação dos fatores
de risco modificáveis para as DCNT. Ao direcionar esforços para esse tipo de intervenção estare-
mos diminuindo as desigualdades de oportunidades e aumentando as possibilidades de escolha
saudáveis da população. Por exemplo, podemos implementar políticas que ampliam o acesso à
educação; políticas de planejamento urbano para tornar a cidades mais seguras para a realização
de atividade física; políticas intersetoriais para diminuir os custos de alimentos saudáveis; elevar
a taxação e limitar o acesso de jovens ao tabaco e álcool, etc. Uma característica marcante desse
tipo de intervenção é a intersetorialidade, já que ações restritas ao setor saúde não tem alcance

276
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

suficiente para realizar essas medidas preventivas. Por atingir toda a população, as medidas de
prevenção primordial têm grande impacto sobre os fatores de risco modificáveis, promovendo a
saúde e o bem estar, e reduzindo consequentemente a ocorrência e progressão das DCNT e ten-
dem a ter impacto mais amplo sobre a prevenção dessas doenças como discutido aula 1.2 Saúde
Pública Baseada em Evidências.

Dando seguimento a análise do diagrama apresentado na Figura 6, podemos perceber que além
das ações de prevenção primordial, é importante realizar ações que objetivem evitar, modificar
ou controlar os fatores de risco comportamentais para as DCNT. Ações como a oferta de práticas
corporais/atividade física na rede de atenção primária à saúde e o aumento do acesso dos fuman-
tes aos métodos eficazes para cessação de fumar são exemplos dessas intervenções. Entretanto,
muitos indivíduos já apresentam alterações fisiopatológicas que os aproxima mais do risco de
desenvolver DCNT. Assim, o diagnóstico precoce controle adequado da hipertensão, dislipidemia,
sobrepeso/obesidade são exemplos de ações que devem ser realizadas na atenção primária para
reduzir a probabilidade de ocorrência das DCNT. Há casos também que o rastreamento de DCNT,
ainda em seu estágio subclínico, pode melhorar o prognóstico da doença reduzindo sua morbi-
mortalidade. Nesses casos, o rastreamento deve ser realizado de forma sistemática seguindo pro-
tocolos e diretrizes baseadas em sólidas evidências de efetividade, que estabeleçam a população
alvo a ser rastreada e os exames diagnósticos que precisam ser utilizados. No Brasil há diretrizes
que estabelecem o rastreio populacional para câncer de colo de útero, câncer de mama e diabetes,
por exemplo. Uma vez que as DCNT já estão estabelecidas, as medidas preventivas passam a ter
como foco a redução da probabilidade de complicações que podem levar a incapacidade e óbito. O
controle da diabetes, por exemplo, é fundamental para prevenir complicações como a ocorrência
de doença renal crônica, doença cardiovascular, amputações e óbito.

Finalmente, não podemos esquecer da prevenção quaternária durante a abordagem das DCNTs.
Por exemplo, o uso de múltiplos medicamentos para controlar múltiplos fatores de risco é fre-
quente. Nesse caso, torna-se necessário criar estratégias para evitar a ocorrência de interações
medicamentosas e reduzir o risco de reações adversas. Adicionalmente, não devemos realizar
rastreamentos de forma indiscriminada para DCNTs.

Concluindo, o conhecimento da história natural e do processo de determinação comum à maioria


das doenças crônicas é fundamental para orientar as ações e políticas públicas de saúde de forma
a obter maiores reduções no risco dessas doenças, além de retardar o aparecimento de complica-
ções e incapacidades naqueles já acometidos por elas. Vale reforçar que, apesar das DCNTs serem
doenças que acometem adultos e especialmente os idosos, elas precisam ser prevenidas ao longo
de toda a vida, desde o período fetal, conforme ilustra a Figura 7. Estudos mostram, por exemplo,
que crianças com baixo peso ao nascer tem maior probabilidade de apresentar obesidade e doenças
cardiovasculares, por exemplo. Além disso, sabemos que indivíduos expostos a piores condições

277
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

de vida e nutrição na infância tendem a ter menor escolaridade e engajar em comportamentos de


risco para a saúde, como o tabagismo (Mikkelsen et al, 2019). A figura 7 ilustra como as exposições
a fatores que aumentam a chance de DCNT tendem a se acumular ao longo da vida, e por que é
essencial que a prevenção das DCNTs ocorra em todas as etapas do ciclo de vida para colher os
melhores resultados na prevenção das DCNTs e promoção da saúde em médio e longo prazos.

Figura 7 – História natural das DCNT e oportunidade de prevenção ao longo do curso de vida

Fonte: adaptado de Aboderin I, Kalache A, Ben-Shlomo Y, Lynch JW, Yajnik CS, Kuh D, Yach D. Life Course Perspectives on Coronary
Heart Disease, Stroke and Diabetes: Key Issues and Implications for Policy and Research. Geneva: World Health Organization, 2002.

4.3.4 Vigilância de DCNT no Brasil


A vigilância epidemiológica das DCNTs tem como objetivo coletar e processar informações que
permitam agir com maior efetividade possível na prevenção e controle dessas doenças. Por isso,
ela tem premissas e características próprias, distintas da vigilância de doenças transmissíveis (ver
aula 4.1 Epidemiologia de doenças transmissíveis para mais detalhes). Como vimos, as DCNTs,
tendem a ser doenças silenciosas, que demoram a se expressar em sinais e sintomas, e uma vez
estabelecidas, dificilmente conseguimos reverter todos os danos que ela causa ao organismo. Por
isso, precisamos agir precocemente, antes que a doença ocorra, e até mesmo antes que mudanças
subclínicas que indicam um processo de adoecimento em curso, como a dislipidemia, se estabele-
ça. É por esta razão que a oportunidade de prevenção das DCNTs é maior quando evitamos a ex-
posição a fatores de risco como o tabagismo ou a inatividade física, do que quando identificamos
o diabetes na atenção primária, mesmo que precocemente. Consequentemente, não faz sentido
basear a vigilância de DCNTs na notificação compulsória de casos, como ocorre com as doenças
transmissíveis, pois a detecção de casos de DCNT não cria oportunidade de reduzir a incidência
dessas doenças na população. Precisamos monitorar e atuar sobre os fatores de risco modificáveis

278
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

para as DCNTs, conforme mostra a Figura 6, pois só assim podemos reduzir a incidência das
mesmas, de forma efetiva e duradoura, e reduzir as desigualdades em sua ocorrência no país.

A vigilância em DCNT tem como objetivo conhecer a magnitude, os determinantes sociais, econômicos, comporta-
mentais e monitorar tendências, para subsidiar políticas e estratégias de promoção da saúde e prevenção e avaliar
o impacto das intervenções, orientando a continuidade das ações (CGDANT/MS, 2004).

Desde 2003 a vigilância de DCNT no Brasil tem se construído e aprimorado com base nesse
conceito. Um sistema de monitoramento periódico de fatores de risco e proteção a saúde foi
estruturado com base em diferentes inquéritos populacionais em adultos e escolares e combi-
nado com análises sistemáticas de dados proveniente dos Sistemas de Informação do SUS. Tais
análises nos permitem monitorar os impactos das ações de prevenção e controle de fatores de
risco modificáveis sobre as taxas de internação e mortalidade pelas principais DCNTs, conforme
discutiremos a seguir.

4.3.4.1 Vigilância dos fatores de risco e proteção para DCNT

Atualmente, a vigilância dos fatores de risco modificáveis no país vem sendo realizada principal-
mente por meio dos três inquéritos descritos na Figura 8.

Figura 8 – Principais Inquéritos de saúde que integram atualmente a vigilância de DCNT no Brasil

Principais inquéritos populacionais que atualmente integram a vigilância das DCNTs no Brasil

Telefônico Escolar
Vigilância de fatores de risco e Pesquisa Nacional de Saúde Domiciliar
proteção para doenças crônicas do Escolar (PeNSE) Pesquisa Nacional de Saúde
por inquerito telefônica (VIGITEL) 2009, 2012, 2015, 2019 (PNS) 2013, 2019
2006 - 2021

Periodicidade: anual Periodicidade: a cada 3 anos Periodicidade: a cada 5 anos

Amostra representativa Amostra representativa de


escolares do nono ano do Amostra representativa
de adultos das capitais
Ensino Fundamental de escolas nacional de adultos
brasileiras e do DF
públicas e privadas brasileiras

279
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Dois inquéritos fornecem informações sobre fatores de risco modificáveis para as DCNTs em adul-
tos: o Vigitel e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS).

O Vigitel (Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico)
é um inquérito anual, iniciado em 2006, com o objetivo de monitorar a prevalência dos principais
fatores de risco e proteção para as DCNT em adultos. Anualmente, são entrevistados por telefone
cerca de 2000 adultos (≥ 18 anos de idade) das 26 capitais brasileiras e do Distrito Federal. O
processo amostral do Vigitel visa obter amostras probabilísticas da população de adultos resi-
dentes em domicílios que são servidos por pelo menos uma linha telefônica fixa em cada cidade.
Após 15 anos de realização, o Vigitel tem contribuído de forma substancial para conhecer tanto
a distribuição quanto as tendências temporais das prevalências dos principais fatores de risco e
proteção para DCNT como pode ser observado Tabela 3.

Tabela 3 – Prevalência de fatores de risco para DCNT na população adulta (≥18 anos) das capitais dos 26
estados brasileiros e do Distrito Federal entre os anos de 2006 a 2019
2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019
Indicadores

% de fumantes 15,7 15,6 14,8 14,3 14,1 13,4 12,1 11,3 10,8 10,4 10,2 10,1 9,3 9,8
% de fumantes de ≥ 20 cigarros por dia 4,6 4,7 4,6 4,1 4,3 4,0 4,0 3,4 3,0 3,1 2,8 2,6 2,4 2,3
% de fumantes passivos no domicílio * * * 12,7 11,5 11,3 10,2 10,2 9,4 9,1 7,3 7,9 7,6 6,8
% de fumantes passivos no trabalho * * * 12,1 10,5 11,2 10,4 9,8 8,9 8,0 7,0 6,7 6,8 6,6
% com excesso de peso (IMC ≥ 25 kg/m 2) 42,6 43,4 44,9 45,9 48,2 48,8 51,0 50,8 52,5 53,9 53,8 54,0 55,7 55,4
% com obesidade (IMC ≥ 30kg/m 2) 11,8 13,3 13,7 14,3 15,1 16,0 17,4 17,5 17,9 18,9 18,9 18,9 19,8 20,3
% com consumo recomendado de frutas
* * 20,0 20,2 19,5 22,0 22,7 23,6 24,1 25,2 24,4 23,7 23,1 22,9
e hortaliças
% com consumo regular de feijão
* 66,8 65,6 64,9 65,6 67,6 67,5 66,9 66,1 64,8 61,3 59,5 * 59,7
(≥ 5 dias/semana)
% com consumo regular de refrigerantes
* 30,9 26,4 26,0 26,8 27,5 26,0 23,3 20,8 19,0 16,5 14,6 14,4 15,0
(≥ 5 dias/semana)
% de ativos no lazer * * * 30,3 30,5 31,6 33,5 33,8 35,3 37,6 37,6 37,0 38,1 39,0
% de ativos no deslocamento 10,8 10,8 11,3 17,0 17,9 14,8 14,2 12,1 12,3 11,9 14,4 13,4 14,4 14,1
% de insuficientemente ativos * * * * * * * 49,4 48,7 47,5 45,1 46,0 44,1 44,8
% de inativos * * * 15,9 15,3 14,9 14,9 16,2 15,4 16,0 13,7 13,9 13,7 13,9
% com consumo abusivo de álcool 15,7 16,5 17,2 18,5 18,1 16,5 18,4 16,4 16,5 17,2 19,1 19,1 17,9 18,8
% com diabetes 5,5 5,8 6,2 6,3 6,8 6,3 7,4 6,9 8,0 7,4 8,9 7,6 7,7 7,4

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças
Não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico:
estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos
26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasília: Ministério da Saúde, 2020.

280
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

PARA REFLETIR
Como você descreveria as tendências temporais nas prevalências dos fatores de risco para
DCNT observados no VIGITEL?
Os dados do Vigitel evidenciaram uma queda progressiva na prevalência de fumantes e au-
mento da prevalência da prática de atividade física no lazer ao longo do tempo. Por outro lado,
a prevalência do consumo recomendado de frutas e hortaliças tem se mantido relativamente
estável no período e a prevalência de obesidade, excesso de peso e consumo abusivo de
álcool apresentaram uma tendência de aumento.

Conforme discutimos anteriormente, precisamos agir precocemente na vida para alcançar maior
sucesso na redução da incidência de DCNTs. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE),
contribui de forma importante para esta importante meta, fornecendo informações de saúde sobre
um período particularmente vulnerável e relevante do desenvolvimento humano, a fase escolar.

A PeNSE é um inquérito realizado a cada três anos em amostra de escolares de escolas públicas
e privadas do país com o objetivo de conhecer e dimensionar os principais fatores de risco e
proteção à saúde dos adolescentes incluindo informações sobre aspectos socioeconômicos, como
escolaridade dos pais, trabalho infantil, posse de bens e serviços; contextos domiciliar, familiar e
escolar; além de comportamentos em saúde como hábitos alimentares, sedentarismo, tabagismo,
consumo de álcool e outras drogas; saúde sexual e reprodutiva; exposição a acidentes e violên-
cias; hábitos de higiene; saúde bucal; e saúde mental, entre outros tópicos.

A primeira edição da PeNSE ocorreu em 2009 e desde então outras três edições já foram con-
duzidas. O inquérito é realizado por meio de questionário autoaplicável, durante o período de
aula. A população alvo da primeira edição da PeNSE foram os escolares do nono ano do ensino
fundamental das escolas públicas e privadas dos municípios das capitais brasileiras. A escolha
do nono ano do ensino fundamental como população alvo justifica-se tanto por ser o mínimo de
escolarização necessária para compreender o questionário, quanto por aproximar das idades de
referência preconizadas pela Organização Mundial da Saúde - OMS - 13 a 15 anos. Na segunda
edição, a PeNSE passou a ser representativa não apenas dos escolares do nono ano do ensino
fundamental das capitais brasileiras, mas também do conjunto do País e as Grandes Regiões. Na
terceira edição a PeNSE passou a contar com dois planos amostrais distintos: escolares do nono
ano do ensino fundamental e escolares de 13 a 17 anos de idade frequentando do sexto ao nono
ano fundamental e da primeira a terceira série do ensino médio. A incorporação desse novo plano
amostral foi importante para permitir uma maior comparabilidade com indicadores internacionais,
particularmente aqueles utilizados pela OMS (IBGE, 2021a).

281
profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

PARA REFLETIR
Qual a relevância da realização um inquérito de saúde como a PeNSE entre adolescentes se
as DCNT acometem principalmente adultos e idosos?

Conforme apresentado na Figura 7, os fatores de risco para DCNT vão se acumulando ao


longo da vida e a adolescência é um período de grande relevância, pois consiste no mo-
mento em que os comportamentos começam a ser construídos. Sabemos que hábitos
adquiridos na adolescência, tendem a se perpetuar na vida adulta, com as respectivas
consequências para a saúde e qualidade de vida. Assim, dados que permitam identificar e
monitorar a presença de comportamentos de risco e proteção para DCNT nesta parcela po-
pulacional são muito importantes para subsidiar a realização de políticas públicas focadas
no desenvolvimento de comportamentos saudáveis em idades precoces.

A PNS é uma pesquisa domiciliar realizada em uma amostra representativa de brasileiros com 18
anos ou mais anos residentes em áreas urbana e rural do país. A PNS se destaca tanto pela sua
abrangência nacional e volume de dados coletados, como por realizar também a mensuração
direta de importantes indicadores de saúde para a vigilância de DCNTs, como as medidas antropo-
métricas e de pressão arterial. A PNS foi realizada pela primeira vez em 2013 e sua segunda edição
foi conduzida em 2019. A PNS coleta informações sobre as condições de saúde da população, o
acesso e o uso dos serviços de saúde, bem como à continuidade dos cuidados, além de apresentar
informações sobre as morbidades, os estilos de vida, a dimensão da exposição da população bra-
sileira aos acidentes de trânsito, trabalho e violências, entre outros temas. As estimativas desses
resultados são representativas para o conjunto do País, Grandes Regiões, Unidades da Federação,
áreas urbanas e rural, capitais e regiões metropolitanas, permitindo estabelecer medidas consis-
tentes, constituindo-se em um importante subsídio para a formulação de políticas públicas nas
áreas de promoção, vigilância e atenção à saúde do SUS (IBGE, 2021b).

282
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PARA REFLETIR
Uma importante contribuição da PNS foi a capacidade de monitorar a prevalência do sobrepeso da
obesidade entre homens e mulheres adultos no país como pode ser observado na Figura 9. Você sabe
qual a diferença entre excesso de peso e obesidade?

Como você descreveria as tendências temporais dessas prevalências no Brasil?

Figura 9 - Prevalência de excesso de peso e de obesidade na população adulta de 20 anos ou


mais de idade, segundo sexo no Brasil em 2013 e 2019. Pesquisa Nacional de Saúde.

Tanto o sobrepeso e como a obesidade se referem ao acúmulo excessivo de gordura corporal, mas
a diferença entre esses dois conceitos é na quantidade de gordura em excesso. A obesidade está
relacionada a um acúmulo maior de gordura do que o sobrepeso e, consequentemente, tem maior
probabilidade de impactar negativamente na saúde. A definição dessas duas condições é verificada
por meio do cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) que é feito pela razão entre o peso e altura
ao quadrado (peso/altura ²). Enquanto no sobrepeso o IMC fica entre 25 e 29,99, na obesidade o
IMC é igual ou superior a 30. Tanto o sobrepeso quanto a obesidade são fatores de risco para várias
DCNT como doenças cardiovasculares, problemas nas articulações, doenças respiratórias, alguns
tipos de cânceres, diabetes e até mesmo depressão. Como podemos verificar ao analisar a Figura 9 a
prevalência de sobrepeso e obesidade tem crescido em homens e mulheres no Brasil, o que consiste
em um enorme desafio a ser enfrentado.

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional de saúde: 2019 / IBGE, Coordenação de População e Indicado-
res Sociais. – Rio de Janeiro: IBGE, 2021.

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4.3.4.2 Vigilância da morbidade e mortalidade por DCNT

Como apontado anteriormente, os dados provenientes dos Sistemas Informações Hospitalares e


de Mortalidade do SUS (SIH-SUS e SIM) são importantes fontes de informações para acompanhar
o impacto esperado das medidas de prevenção populacional e individuais sobre a morbidade e
a mortalidade, especialmente a mortalidade prematura por DCNT. Adicionalmente, os dados das
Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC), que é parte integrante do Sistema
de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS), permite monitorar tendências e desigualdades na rea-
lização de exames e procedimentos de alta complexidade nas áreas de cardiologia, oncologia,
nefrologia entre outras, que fazem parte do cuidado integral às DCNTs e também ajudam a reduzir
incapacidades e óbitos. Adicionalmente, os Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP) e
os Registros Hospitalares de Câncer (RHC) são as principais fontes para monitoramento destes
eventos e estimativas de incidência, sobrevida e mortalidade por câncer.

Figura 10 – Fontes de informação para realização da vigilância de morbidade e mortalidade por DCNT no Brasil

FONTE: adaptado de Brasil. Ministério da Saúde. A vigilância, o controle e a prevenção das doenças crônicas não-transmissíveis:
DCNT no contexto do Sistema Único de Saúde brasileiro. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2005.

Destaca-se que qualquer análise envolvendo dados secundários, como os do Sistema de Infor-
mação do SUS, devem atentar para a validade e confiabilidade (ver Aula 2.2. Qualidade dos ins-
trumentos epidemiológicos), assim como a completude e cobertura desses dados (ver Aula 2.1 O
dado epidemiológico: estrutura, fontes, propriedades e instrumentos).

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4.3.5 Enfrentamento das DCNT no Brasil

Conforme definido no Capítulo 4.1, a vigilância epidemiológica tem por finalidade orientar e ava-
liar intervenções voltadas para a prevenção de doenças e promoção da saúde. Nesse sentido, o
Brasil vem implementando progressivamente um plano de ação para enfrentar as DCNTs que
prioriza ações intersetoriais focadas em quatro áreas:

1) promoção da alimentação saudável;

2) promoção da atividade física;

3) prevenção e redução do tabagismo;

4) diminuição do uso prejudicial de álcool.

A priorização desses quatro eixos de ação está em consonância com as políticas internacionais
lideradas pela OMS que recomenda um modelo de ação “4 x 4” para deter o avanço das DCNT.
Esse modelo é caracterizado pela priorização de ações relacionadas à quatro conjuntos de do-
enças (doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias crônicas e cânceres) causados,
principalmente, por quatro fatores de risco comportamentais (uso de tabaco, uso prejudicial de
álcool, dietas não saudáveis e sedentarismo).

A utilização da estratégia “4 x 4” foi utilizada na Política Nacional de Promoção da Saúde


https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_promocao_saude.pdf e no Plano
de Ações Estratégicas para o enfrentamento das DCNT no Brasil para o período de 2011-2022
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_acoes_enfrent_dcnt_2011.pdf e, posterior-
mente, para o período de 2021 a 2030 (inserir hiperlink para: https://www.gov.br/saude/pt-br/
centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/doencas-cronicas-nao-transmissiveis-dcnt/
09-plano-de-dant-2022_2030.pdf/). Por meio dessas políticas foram definidos objetivos, metas,
ações prioritárias e investimentos necessários para enfrentar e deter as DCNT no país.

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PARA REFLETIR
Recentemente o Ministério da Saúde realizou um balanço do Plano de Ações Estratégicas para o
enfrentamento das DCNT no Brasil para o período de 2011-2022 para identificar avanços e desafios
em relação as metas propostas em 2011. O resultado desse balanço pode ser visto na Figura 11.

Como você avaliaria esse balanço?

Para auxiliar a interpretação da Figura 11 você pode consultar o Plano de Ações Estratégicas para o en-
frentamento das DCNT no Brasil (https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/
publicacoes-svs/doencas-cronicas-nao-transmissiveis-dcnt/09-plano-de-dant-2022_2030.pdf/)

Figura 11 – Monitoramento das metas do Plano de Enfrentamento de DCNT, 2011-2022.

Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância
de Doenças Não Transmissíveis. Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos
não Transmissíveis no Brasil, 2021-2030. Brasília : Ministério da Saúde, 2021. Instruções equipe de design: verificar com
Maryane a possibilidade de obter uma versão dessa figura com as informações de texto da terceira coluna mais visíveis.

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Podemos observar que conseguimos atingir a meta de reduzir a prevalência de tabagismo em 30% em
10 anos, pois conseguimos reduzir essa prevalência de 14,1% em 2010 para 9,8% em 2019. Ressalta-se
que as iniciativas brasileiras de combate ao tabagismo é um grande sucesso e, provavelmente, é o fator
que mais explique a queda na mortalidade prematura por DCNT que mostramos no início dessa aula. Em
1989 a prevalência de tabagismo no Brasil chegou a 35%. Estudo que investigou as causas da redução
do tabagismo entre 1989 até 2010 estimou que cerca de 76% da redução da prevalência foi atribuídas
às políticas intersetoriais regulatórias, legislativas e fiscais que geraram aumentos de preços dos pro-
dutos do tabaco, as leis antifumo que proibiram tabagismo em ambientes fechados e locais públicos
e as restrições de marketing e propaganda dos produtos do tabaco (Levy et al, 2012). Esses resultados
ilustram a importância da estratégia populacional de prevenção com foco em ações intersetoriais como
discutimos no início desta aula para se reduzir os comportamentos de risco para a saúde.

Com relação às outras metas do Plano de Enfrentamento, podemos observar que conseguimos
atingir a meta de aumentar o consumo recomendado de frutas e hortaliças em 10%, assim como
a de aumentar a prevalência da prática de atividade física no tempo livre em 10% e de aumentar
a cobertura de mamografia em mulheres de 50-69 de idade anos nos últimos dois anos para 70%.
No entanto, não foi possível atingir as metas de: reduzir a mortalidade prematura (30-69 anos)
por DCNT em 2 pontos percentuais ao ano, reduzir o consumo abusivo de bebidas alcoólicas em
10%, deter o crescimento da obesidade em adultos e de aumentar a cobertura de Papanicolau
em mulheres de 25-64 de idade nos últimos três anos para 85%. Isso ilustra a complexidade que
envolve os processos de prevenção, cuidado e tratamento de DCNT e a necessidade de o país
avançar em vários aspectos relativos à prevenção desse conjunto de doenças.

4.3.6 Conclusão

As DCNTs no Brasil lideram a causas de morbimortalidade e têm se tornado cada vez mais uma
prioridade de saúde pública no país. Grande parte da incidência e mortalidade desse conjunto de
doenças podem ser evitadas, pois decorrem da presença de fatores de risco modificáveis e que
são compartilhados entre as diferentes DCNTs, o que gera uma oportunidade ímpar para a imple-
mentação de medidas de prevenção integradas. O enfrentamento do avanço das DCNT não é uma
tarefa simples, pois são necessárias intervenções de diferentes naturezas com foco na prevenção
primordial e desenvolvimento de ações intersetoriais. Nesse contexto a vigilância em DCNT as-
sume um papel de destaque por proporcionar informações que permitem conhecer e monitorar
situação de saúde e a distribuição dos principais fatores de risco para DCNT. Essas informações
são fundamentais pra guiar a condução de estratégias de promoção da saúde e prevenção além
de permitir a avaliação do impacto das intervenções implementadas.

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EPIDEMIOLOGIA E VIGILÂNCIA EM SAÚDE:


CONCEITO, IMPORTÂNCIA E APLICAÇÕES
Aula 4.4 Aplicações da epidemiologia na vigilância de acidentes e
violências
Nessa aula apresentaremos a definição e tipologia dos acidentes e violências, e discutiremos a es-
truturação e atuação do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes e os desafios do monitora-
mento das causas externas no país. Além disso, mostraremos a distribuição das principais causas de
violências e acidentes no Brasil e seus fatores de risco. Pretendemos, ao final dessa aula, que você
seja capaz de diferenciar acidentes e violência e as tipologias apresentadas, conhecer os componen-
tes do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA Inquérito e VIVA/Sinan) e a importância
das ações intersetoriais para a prevenção e controle de acidentes e violências.

4.4.1. Introdução

Os acidentes e violências configuram em um conjunto de agravos à saúde, que provocam algum


tipo de lesão ao indivíduo, seja física, mental ou psicológica, podendo ou não levar ao óbito.
A esse conjunto de eventos dá-se o nome de causas externas, de acordo com a 10° revisão da
Classificação Estatística Internacional de Doenças e problemas relacionados à Saúde (CID-10).

As causas externas resultam de ações ou omissões humanas e de condicionantes técnicos e sociais.


Elas constituem um dos maiores problemas e desafios da saúde pública mundial, e no Brasil em
especial, devido a sua grande magnitude e transcendência e forte impacto na morbimortalidade.
Em 2019, foram registrados 142.800 óbitos por causas externas no Brasil (11% do total), estando a
violência interpessoal (4° lugar) e os acidentes de trânsito (8° lugar) entre as 10 principais causas
de mortalidade padronizada por idade, considerando ambos os sexos. Dentre as mortes por aci-
dentes no Brasil, os acidentes de trânsito (15,1 óbitos/100.000) e as quedas (7,6 óbitos/100.000)
foram as causas mais frequentes. Como mencionado, entre os óbitos por violências, a mortalidade
por violência interpessoal (31,6 óbitos/100.000), foi a mais frequente em 2019 (Figura 1).

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Figura 1 – Taxas de mortalidade específicas por causa (padronizadas por idade) das 10 principais causas de
morte no Brasil, 2019

Fonte: WHO, 2020.

Análise do período de 2000 a 2019, mostram que as causas externas estiveram dentre as 4 prin-
cipais causas de mortes no Brasil (WHO, 2020), embora tenha ocorrido ligeira queda taxa de mor-
talidade (76,5 óbitos/100.000 habitantes em 2000 para 70,8 óbitos por 100.000 habitantes em
2019). Ao desdobrar por subgrupo de causas externas percebemos uma inversão na contribuição
dos acidentes e violências para a mortalidade global por essas causas: enquanto a mortalidade por
acidentes apresentou queda nesse período (40,2 óbitos/100.000 habitantes em 2000 em 2000,
para 32,3 óbitos/100.000 habitantes em 2019), a mortalidade por violências, que era inferior à de
acidentes em 2000 e 2010, apresentou aumento, chegando a 38,5 óbitos por 100.000 habitantes
em 2019 (Figura 2).

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Figura 2 – Taxas de mortalidade por causas externas, por acidentes e por violências no Brasil (padronizadas
por idade), 2000 - 2019

Fonte: WHO, 2020.

No ano de 2019, a taxa de mortalidade por causas externas do Brasil superou a dos países norte-
-americanos (México, Estados Unidos e Canadá) e de países do MERCOSUL, como Argentina, Chile,
Colômbia, Equador e Peru, além da maioria dos países da União Europeia. Apenas a Colômbia
superou o Brasil em relação à taxa de mortalidade específica por violências (40,8 /100.000 vs.
38,5/100.000).

O impacto das causas externas se estende para além da mortalidade: em 2019, as causas ex-
ternas foram responsáveis por cerca de um milhão de internações (aproximadamente 10% do
total). Somado a isso, um percentual importante dos indivíduos que sofrem acidentes ou violência
necessitam de cuidados de saúde ambulatorial e/ou hospitalar, muitos apresentam incapacidade
temporária ou permanente, e/ou requerem reabilitação e cuidados continuados devido à gravidade
das lesões sofridas. Em consequência, as causas externas sobrecarregam os serviços pré-hospita-
lares e hospitalares, os centros especializados e os institutos médico-legais (Minayo, 1994). Po-
de-se depreender, portanto, que as causas externas impactam de forma expressiva a capacidade
laborativa e a qualidade de vida dos indivíduos e familiares atingidos, afetando negativamente a
previdência social e a economia como um todo (Campos et al., 2015).

Quando consideramos os anos de vida perdidos por morte ou incapacidade, o DALYs (Reveja o
conceito de DALYs na Aula 3.2.) , as causas externas foram responsáveis, no Brasil, por aproximada-
mente 10% do total da carga de doença estimada em 1998, 2008 e 2017. No entanto, ao analisar

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os dois componentes de DALY (anos de vida perdidos por morte prematura e anos de vida vividos
com incapacidade) relativos às causas externas, percebe-se um ligeiro crescimento do componente
morbidade em relação ao de mortalidade entre em 1998 e 2017. Em 2008, os anos de vida perdidos
por morte prematura representaram 52% do total de DALYS por causas externas, 4% a mais do que
em 1998, crescimento este atribuído ao aumento da violência. Do total de anos de vida vividos com
incapacidade, 95% foram devidos aos acidentes (Campos et al., 2015).

No Brasil, o Ministério da Saúde, em 16 de maio 2001, por meio da Portaria nº 737 MS/GM, ins-
tituiu a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (PNRMAV),
instrumento orientador da atuação do setor saúde nesse contexto. Tal política foi revista em 2005
e reconhece as causas externas como um problema relevante de saúde pública no país, enfatizan-
do os fundamentos do processo de promoção da saúde relativos ao fortalecimento da capacidade
dos indivíduos, das comunidades e da sociedade em geral para desenvolver, melhorar e manter
condições e estilos de vida saudáveis. Destaca-se ainda outras iniciativas voltadas para a redução
da morbimortalidade por causas externas, como a estruturação da Rede Nacional de Prevenção das
Violências e Promoção da Saúde e a implantação de Núcleos de Prevenção das Violências e Pro-
moção da Saúde (2004), a Política Nacional de Promoção da Saúde (2006) e ainda o Plano Nacional
de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito - PNATRANS (2018), cujo objetivo principal é reduzir no
mínimo em 50% o número de mortes e lesões no trânsito em 10 anos.

Apesar das iniciativas descritas e do Brasil ser um dos poucos países do mundo a ter uma política
específica de saúde voltada para a redução e prevenção dos acidentes e violência, as causas
externas se mantêm como desafio crescente para a sociedade e a saúde pública. É fundamental
ressaltar que as causas externas são fenômenos sociais complexos e historicamente determinados.

4.4.2. Componentes das causas externas

A PNRMAV apresenta definições específicas para acidentes e violências, que auxiliam a distinção
desses agravos e a tomada de decisão em relação às implicações de saúde, jurídicas e de outras
naturezas. Vejamos as definições de cada um desses tipos de causa externa:

Acidente: “evento não intencional e evitável, causador de lesões físicas e emocionais, no âmbito doméstico ou
social como trabalho, escola, esporte e lazer”. Portanto, em maior ou menor grau, esses eventos são perfeitamente
previsíveis e preveníveis. (Brasil, 2005)
Exemplos: acidentes de transporte, acidentes de trabalho, quedas, queimaduras, envenenamento acidental, afoga-
mento, queda de objetos sobre a pessoa.

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Violência: “Uso intencional da força ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou
contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte,
dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação” (Krug et al., 2002).
Exemplos: lesões autoprovocadas voluntariamente/tentativa de suicídio, agressões físicas, maus-tratos, homicí-
dio, tráfico de seres humanos, violência sexual, negligência/abandono, trabalho infantil, violência psicológica.

Apesar das definições acima, a distinção prática entre um evento acidental ou violento pode não
ser uma tarefa fácil. Existe um certo grau de imprecisão na interpretação desses eventos, já que,
muitas vezes, é difícil ou falta elementos para estabelecer o caráter de intencionalidade. Minayo
alerta para o fato de que “em sua grande maioria, os eventos violentos e os traumatismos não são
acidentais, não são fatalidades, não são falta de sorte: eles podem ser enfrentados, prevenidos e
evitados” (Minayo, 1994). Assim, no cotidiano dos serviços de saúde, é possível que muitos even-
tos de natureza violenta sejam interpretados como acidentes, devido justamente à linha divisória
muito tênue entre as duas categorias. As mortes e traumas no trânsito, muitas vezes decorrentes
de imprudência, são um exemplo desse quadro (Njaine et al., 2020). Diante dos fatos apontados,
reconhece-se que os dados e as interpretações sobre as tendências na ocorrência de acidentes e
violências comportarão sempre um certo grau de imprecisão.

Até mesmo a terminologia “acidente”, embora adotada pela CID-10, vem sendo questionada na
literatura internacional, já que essa palavra está ligada ao conceito de “evento não previsível” e,
portanto, não passível de prevenção.

A seguir, abordaremos a tipologia da violência e dos acidentes, como uma forma de auxiliar na
determinação da causa externa em questão.

4.4.3. Tipologia da violência

A OMS utiliza como base o Capítulo XX da CID-10, chamado “Causas externas de morbidade e de
mortalidade”, para estabelecer os três grandes grupos de violência cometida, de acordo com o
autor do ato violento: violência autoprovocada; violência interpessoal; e violência coletiva (Krug
et al., 2002). A seguir, vamos falar sobre cada uma delas:

> Violência autoprovocada: também conhecida como violência auto-infligida, é o tipo de


violência que o indivíduo comete contra si, podendo ainda ser categorizada em compor-
tamento suicida e agressão auto-infligida. O primeiro inclui tentativas de suicídio, pensa-
mentos suicidas e o suicídio em si. Já o segundo engloba as lesões autoprovocadas, como
a automutilação.

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> Violência interpessoal: é aquela cometida por outro indivíduo ou por um pequeno grupo
de indivíduos. Pode ser classificada em:

• Violência familiar ou de parceiros íntimos: ocorre na maioria das vezes no ambiente


de casa (mas não unicamente), principalmente entre membros da família, incluindo
pessoas que passam a assumir função parental. Como exemplos temos os maus-tratos
de idosos, abuso infantil e violência entre parceiros íntimos.

• Violência comunitária: também chamado de violência extrafamiliar, é a que ocorre


entre pessoas que não possuem relação pessoal, mas que podem ou não se conhecer.
Geralmente acontece na rua ou fora dos lares.

> Violência coletiva: cometida por grupos maiores, como estados, grupos políticos organi-
zados, grupos de milícia e organizações terroristas. Pode possuir caráter social, político ou
econômico, como por exemplo:

• Violência social: crimes carregados de ódio, praticados por grupos organizados, atos
terroristas;

• Violência política: violência do estado e atos semelhantes praticados por grandes


grupos, guerra e conflitos violentos relacionados;

• Violência econômica: ataques motivados pelo lucro econômico, geralmente performa-


dos por grandes grupos, com o objetivo, por exemplo, de abalar a atividade econômica
e impedir o acesso aos serviços essenciais.

Além da tipologia em si, ou seja, o tipo de violência de acordo com o autor da agressão, existe
ainda a classificação da natureza da violência, que pode ser:

> Física;

> Sexual;

> Psicológica;

> Privação ou abandono.

Esses quatro tipos de atos de violência podem acontecer em cada uma das três tipologias cita-
das acima (assim como em suas subdivisões). A ocorrência de violência familiar entre parceiros

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íntimos, por exemplo, pode ter natureza física, sexual e psicológica. Outro exemplo seria durante
uma guerra, no qual a violência política pode estar presente de maneira física e psicológica, como
por meio de torturas. A Figura 3 nos traz um resumo sobre a tipologia da violência, bem como a
relação com sua natureza:

Figura 3 – Tipologia da violência

Violência

Autodirigida Interpessoal Coletiva

Comportamento Auto-abuso Família/parceiro Comunidade Social Política Econômica


suicida

Criança Parceiro Idoso Conhecido Estranho

Natureza da Física Sexual Psicológica Privação ou


violência abandono

Fonte: Adaptado de DAHLBERG, Linda L.; KRUG, Etienne G. Violência: um problema global de saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva,
v. 11, p. 1163-1178, 2006.

Essa tipologia da violência, bem como a determinação da sua natureza, propostas pela OMS,
auxiliam na compreensão desse agravo tão complexo. Nem sempre é uma tarefa fácil identificar
e classificar os tipos de violências, uma vez que linha entre esses diferentes tipos de violência
pode ser apresentar tênue. Há de se considerar ainda a situação de vulnerabilidade das vítimas no
momento do relato – que pode até nem ocorrer.

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4.4.4. Tipologia dos acidentes


A determinação dos tipos de acidentes também é sugerida pela OMS com base no Capítulo XX
da CID-10. A proposta engloba o agrupamento dos acidentes em 8 categorias, descritas a seguir:

1. Acidentes de transporte: incluem lesões e óbitos decorrentes do trânsito, segundo condição


da vítima: pedestre, ciclista, motociclista e triciclo, ocupante de automóvel e caminhonetes e
ocupantes dos demais veículos.

2. Envenenamentos, intoxicações por ou exposições a substâncias nocivas: inclui intoxicação


acidental por substâncias potencialmente nocivas à saúde, como medicamentos, solventes
orgânicos, gases, vapores e pesticidas.

3. Quedas: engloba quedas de todas as naturezas, como por exemplo por escorregão ou tropeço,
por colisão com outra pessoa, envolvendo cadeira de rodas, de uma cadeira ou leito, ou ainda
de um andaime, de edifícios, árvores ou penhascos.

4. Exposição à fumaça, ao fogo e às chamas: inclui exposição a fogo dentro ou fora de algum
tipo de construção, exposição a combustão de materiais ou a fumaça, fogo ou chamas, e ainda
o contato com materiais e substâncias quentes, como alimentos, óleo, água, vapor de água,
gases, aparelhos domésticos ou qualquer outro metal quente.

5. Afogamento e submersões acidentais: envolve o afogamento e submersão em banheira, pisci-


na e águas naturais, consequente ou não a queda nesses locais.

6. Exposição a forças mecânicas: inclui impacto acidental por objetos, esmagamento, contato
com elementos cortantes, armas de fogo, explosão ou ruptura de aparelhos pressurizados
(ex.: cilindro de gás), exposição a ruídos ou vibrações, contato com agulha, ou ainda golpe,
pancada, pontapé executados por outra pessoa, esmagamento ou pisoteamento por multidão,
sufocação ou estrangulamento,

7. Desastres naturais: engloba as vítimas de exposição a forças da natureza, como raios, terremo-
to, erupção vulcânica, desabamento de terra, tempestades e inundações.

8. Outros tipos de acidentes: inclui os demais acidentes não listados nos itens anteriores, como
o contato com animais peçonhentos, picadas de insetos, mordedura por animais, privação de
água ou alimento, efeitos adversos por drogas ou medicamentos. Destaca-se alguns acidentes
que podem ocorrer durante a prestação de cuidados médicos ou cirúrgicos, como corte, punção,
perfuração ou hemorragia acidentais, assepsia insuficiente, objeto estranho deixado acidental-
mente no corpo e sequelas em geral.

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4.4.5. Distribuição dos acidentes e violências no país (por sexo e idade)


Ao analisar apenas as causas externas, observamos que, em 2019, as agressões (violência interpes-
soal) responderam por 30,8% dos óbitos por causas externas, seguido dos acidentes de transporte
(23,0% dos óbitos por causas externas). As lesões autoprovocadas foram responsáveis por 9,5%
dos óbitos e as outras causas externas de lesões acidentais, incluindo quedas e afogamentos, por
22,3% do total de óbitos por causas externas (Quadro 1).

Mas será que as causas externas afetam igualmente homens e mulheres? O que você espera
encontrar? A Figura 4 nos mostra que elas não ocuparam os mesmos lugares entre as 10 causas
de morte mais frequentes de homens e mulheres em 2019. Enquanto a violência interpessoal e os
acidentes de trânsito ocuparam, respectivamente, o 2° e o 6° lugar dentre as 10 principais causas
de morte nos homens, as causas externas não estão listadas entre as 10 principais causas de
morte entre as mulheres.

Figura 4 – Taxas de mortalidade específicas por causa (padronizadas por idade) das 10 principais causas de
morte no Brasil com todas as idades para (a) homens e (b) mulheres, 2019

(a)

(b)

Fonte: WHO, 2020

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E com relação a faixa etária, como se distribuem as causas externas de óbito?

Quadro 1 – Ranking dos principais grupos de causas de óbito entre as causas externas, segundo faixa etária.
Brasil, 2019

Posição 0 a 9 anos 10 a 19 anos 20 a 39 anos 40 a 59 anos 60 a 79 anos ≥ 80 anos Total

1
Outras C. Ext. Acidentes de Outras C. Ext. Outras C. Ext.
Agressões Agressões Agressões
Acidentais Transporte Acidentais Acidentais
6.561 26.402 44.033
1.751 10.034 7.779 9.508

2 Acidentes de Acidentes de Acidentes de Acidentes de Acidentes de


Agressões Eventos intenção
Transporte Transporte Transporte Transporte Transporte
8.242 indeterminada
568 2.588 13.620 4.987 32.879

3 Eventos Outras C. Ext. Acidentes de Outras C. Ext.


Outras C. Ext. Lesões Eventos intenção
intenção Acidentais Transporte Acidentais
Acidentais autoprovocadas indeterminada
indeterminada 6.267 848 31.865
5.061
290

Fonte: 1. Brasil 2021. 2. Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/SVS/MS).

Nota: Foram considerados como óbitos por causas externas aqueles cuja causa básica consta no Capítulo XX da CID-10. Foram
desconsiderados os óbitos cuja faixa etária ou sexo da vítima estava assinalada como “ignorada”.

Como mostra o Quadro 1, as agressões (violência interpessoal) lideraram os óbitos por causas
externas nas faixas etárias de 10-19 e de 20-39 anos, enquanto os acidentes de transporte se
destacaram na faixa de 40 a 59 anos. Em crianças (0-9 anos) e no grupo mais velho (60-69 e 80
anos ou mais), predominaram as outras causas externas.

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As diferenças na distribuição das causas externas por sexo e faixa etária, impactam a posição
dessas causas quando olhamos as 10 principais causas de óbitos entre todas as causas, em
2019. As figuras 3 e 4 abaixo mostram como elas se situam para homens e mulheres na faixa
de 25 a 29 anos.

Entre as mulheres, a violência interpessoal e os acidentes de trânsito ocupam, respectivamente, o


1° e 2° lugares entre todas as causas de óbitos na idade de 25-29 anos (Figura 5).

Figura 5 – Taxas de mortalidade específicas por causa (padronizadas por idade) das 10 principais causas de
morte no Brasil entre mulheres com 25 a 29 anos, 2019

Fonte: WHO, 2020.

Entre os homens, a violência interpessoal e os acidentes de trânsito também ocupam, o 1° e 2°


lugares, respectivamente, entre as causas de óbitos nas idades entre 25 e 29 anos. Além disso, o
afogamento e a violência coletiva e devido a intervenção legal também integra a lista das 10 causas
de óbito entre nessa faixa etária, listadas na 9ª e 10ª posições, respectivamente (Figura 6).

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Figura 6 – Taxas de mortalidade específicas por causa (padronizadas por idade) das 10 principais causas de
morte no Brasil entre homens com 25 a 29 anos, 2019

Fonte: WHO, 2020.

Apesar da violência interpessoal, acidentes de trânsito e violência autoprovocada serem os maio-


res responsáveis pela mortalidade tanto em homens quanto em mulheres jovens, é importante
observar que há diferença nas magnitudes dessas taxas. Enquanto a taxa de mortalidade por
violência interpessoal entre as mulheres é de 9,4 óbitos/100.000 habitantes, entre os homens
essa taxa chega a 112,6 óbitos/100.000 habitantes.

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Figura 7 – Taxa de homicídio (violência interpessoal) por 100 mil habitantes em homens e mulheres de 20 a
29 anos de idade, no Brasil

Fonte: Nadanovsky P, Santos APP dos. Mortes por causas externas no Brasil: previsões para as próximas duas décadas. Rio de Janeiro:
Fundação Oswaldo Cruz, 2021. 60 p. – (Textos para Discussão; n. 56).

É notória a diferença entre homens e mulheres jovens no risco de morrer por homicídio, um tipo
de violência interpessoal. A Figura 7 nos ajuda a visualizar a diferença nas tendências de morte
por homicídios, causa mais frequente de morte por violência interpessoal, na faixa de 20-29 anos
entre 1980 e 2018. Em quase quarenta anos de acompanhamento desse indicador, a taxa de homi-
cídio entre mulheres jovens permaneceu relativamente constante, entre sete e nove por 100 mil
habitantes por ano, enquanto entre homens jovens subiu de menos de 80 para aproximadamente
120 por 100 mil por ano, ou seja, registrou um crescimento de quase 50%.

4.4.6. Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA): VIVA Inquérito e VIVA/Sinan

Devido ao grande impacto social, econômico e na saúde no Brasil das violências e acidentes,
comunicação das violências contra populações mais vulneráveis (crianças, adolescentes, mulheres
e idosos) tornou-se obrigatória no SUS a partir de 1990 (Brasil, 2021). Dando seguimento a este
reconhecimento, a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências
foi publicada em 2001 (conforme mencionamos na primeira parte da Aula) com foco na promoção
da saúde, prevenção da ocorrência de violências e acidentes, (Brasil, 2005).

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Em 2006 foi lançado o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) pelo Ministério
da Saúde (MS) com o intuito de conhecer a realidade dos serviços hospitalares de urgência em
relação às violências e acidentes, e ampliar o diagnóstico sobre as outras formas de violências
frequentes no país (Brasil, 2017a). Para dar conta destes desafios, o VIVA apresenta dois com-
ponentes: a) Vigilância de violência interpessoal e autoprovocada do Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (VIVA/Sinan) e b) Vigilância de violências e acidentes em unidades de
urgência e emergência (VIVA Inquérito). Vamos falar mais sobre esses componentes a seguir:

O objetivo do VIVA é conhecer a magnitude e a gravidade das violências e acidentes, por meio da coleta de dados
e produção e divulgação das informações resultantes. Diante de tais informações, é possível ainda identificar e
monitorar os casos de violências e acidentes, caracterizar o perfil das vítimas e do autor (no caso das violências) e
delinear políticas públicas para o seu enfrentamento, com o intuito de prevenir tais agravos e suas consequências,
identificar fatores de risco e de proteção e proteger as pessoas em situação de violência (Brasil, 2021).

Veja abaixo a linha do tempo que retrata os principais marcos históricos e regulatórios iniciados
desde o lançamento do VIVA.

Figura 8 – Marcos históricos e regulatórios do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA)

Ano Histórico

Portaria MS/GM nº 1.356/2006: implantou o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes


2006
(VIVA), com 2 componentes: VIVA/Sinan e o VIVA Inquérito

Vigilância implantada em serviços de referência para violências (centros de referência para


2006 a 2008 violências, centros de referência para IST/Aids, ambulatórios especializados, maternidades, entre
outros)

VIVA integra o Sistema de Informação de Agravos de Notificação, sendo incluído na Lista de


2009
Notificação Compulsória em Unidades Sentinela.

Portaria MS/GM nº 104/2011: universalizou a notificação de violência doméstica, sexual e outras


2011 violências para todos os serviços de saúde (incluído na relação de doenças e agravos de notifica-
ção compulsória que são registradas no Sinan)

Portaria MS/GM nº 1.271/2014: casos de violência sexual e tentativa de suicídio passam a ser
2014 agravos de notificação imediata (em até 24 horas pelo meio de comunicação mais rápido) para
as Secretarias Municipais de Saúde.

Portaria de Consolidação nº 4/2017: estabelece a notificação compulsória de violências interpes-


2017
soais e autoprovocadas nos serviços de saúde públicos e privados

Fonte:https://antigo.saude.gov.br/vigilancia-em-saude/vigilancia-de-violencias-e-acidentes-viva.

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profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

VIVA/Sinan

O VIVA/Sinan é o componente do VIVA responsável pela vigilância contínua de violências, cujos


dados são coletados por meio de Ficha de Notificação/Investigação individual (https://bvsms.
saude.gov.br/bvs/folder/ficha_notificacao_violencia_domestica.pdf).

Mas porque as violências devem ser notificadas?

Como vocês viram na Aula 4.2, existem doenças transmissíveis que são alvo de notificação com-
pulsória, uma vez que o conhecimento desses casos pelos serviços de vigilância propicia que
maior agilidade no desdobramento das ações de controle da doença. Já a notificação dos casos
de violência é um elemento-chave para permitir um melhor diagnóstico e monitoramento dessas
causas pela sociedade e setores envolvidos. Além disso, a notificação é importante para orientar
necessidades e cuidados em saúde, promover atenção integral a essas pessoas, prevenir novos
episódios e acionar e articular a rede de proteção e de garantia de direitos (Brasil, 2017b).

Quais tipos de violências em todos os indivíduos devem ser notificados?

Para que seja preenchida a ficha de notificação de violências interpessoais e autoprovocadas, é


necessário que o tipo de violência cumpra a seguinte definição:

“Caso suspeito ou confirmado de violência doméstica/intrafamiliar, sexual, autoprovocada, tráfico


de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil, tortura, intervenção legal e violências homofóbi-
cas contra mulheres e homens em todas as idades. No caso de violência extrafamiliar/comunitária,
somente serão objetos de notificação as violências contra crianças, adolescentes, mulheres, pes-
soas idosas, pessoa com deficiência, indígenas e população LGBT.”

A decisão pela notificação desses casos em particular foi feita para priorizar grupos populacionais
mais vulneráveis à violência. Por isso, por exemplo, que os casos de violência comunitária só serão
notificados se populações específicas foram acometidas. A Figura 9 nos fornece um panorama
geral sobre os tipos de violência que são alvo de notificação (clique aqui https://bvsms.saude.gov.
br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf para acessar
o Instrutivo do VIVA para Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada e ver mais detalhes):

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Figura 9 – Objetos de notificação do VIVA/Sinan

OBJETO DE NOTIFICAÇÃO
Casos suspeitos ou confirmados

Homens e mulheres em todo os ciclos de vida


Doméstica VIOLÊNCIA COMUNITÁRIA
Sexual Autoprovocada (extrafamiliar)
(intrafamiliar)
Tráfico de Notificar violências contra:
Trabalho escravo Trabalho infantil
pessoas Crianças, adolescentes,
mulheres, pessoas idosas,
Violências indígenas, pessoas com
Intervenção legal Tortura
homofóbicas deficiências e população LGBT

Fonte: Brasil, 2016.

IMPORTANTE!
Os casos de tentativa de suicídio e a violência sexual são objetos de notificação
IMEDIATA, ou seja, deve ser realizada em até 24 horas após o atendimento, pelo meio
mais rápido disponível.

E por que esses dois casos em específico (Tentativa de suicídio e Violência sexual) são
objetos de notificação IMEDIATA?

Porque ambos envolvem uma tomada rápida de decisão:

> nos casos de tentativa de suicídio, é necessário o encaminhamento adequado do


indivíduo para os serviços de atenção psicossocial, com o intuito de prevenir ou-
tras tentativas.

> nos casos de violência sexual, visa agilizar o acesso às medidas de profilaxia para
infecções sexualmente transmissíveis e à contracepção de emergência, no caso de
mulheres ou meninas (Brasil, 2017).

Resumindo, a notificação individual de violência interpessoal e autoprovocada é obrigatória se as


vítimas forem crianças, adolescentes, mulheres e pessoas idosas, e ainda para os(as) indígenas, pes-
soas com deficiência e a população LGBT, considerando a maior vulnerabilidade desses grupos.

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profePI • curso: Epidemiologia Descritiva Aplicada à Vigilância em Saúde

Em quais casos não se aplica a notificação compulsória?

Em casos de violência extrafamiliar, as vítimas que forem adultos (20 a 59 anos) do sexo masculino
e que não pertençam aos grupos prioritários não terão seus casos notificados no VIVA/Sinan. Por
exemplo, em brigas entre gangues, em estádios de futebol, agressão por desconhecidos na rua,
entre outros. O monitoramento dessa modalidade de violência pode ser feito por outros sistemas
de informação, incluindo o VIVA Inquérito.

Viva inquérito

Diferentemente do VIVA/ Sinan, o VIVA Inquérito tem o objetivo de analisar a tendência das
violências e acidentes e descrever o perfil das violências (interpessoais ou autoprovocadas) e
dos acidentes (trânsito, quedas, queimaduras, entre outros) que foram atendidos em unidades de
urgência e emergência nas principais capitais e municípios do país.

Assim, os serviços de saúde escolhidos para integrar o monitoramento do VIVA Inquérito são
denominados sentinela, por serem as principais portas de entrada para violências e acidentes nos
municípios. A coleta dos dados em cada unidade sentinela é realizada no período de 30 dias con-
secutivos, em turnos de 12 horas elegidos por sorteio. O quadro 2 nos mostra alguns dos serviços
selecionados para a realização do VIVA Inquérito em 2014:

Quadro 2 – Serviços de urgência e emergência selecionados para a realização do Viva Inquérito 2014, nos
municípios de Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Boa Vista e Brasília

UF Cidade Cnes Serviço


2816210 Hospital de Urgência de Sergipe (Gov. João Alves Filho)
SE Aracaju
3841375 Hospital Municipal Zona Norte Dr. Nestor Piva
2337339 Hospital Pronto-Socorro Municipal Mario Pinotti
PA Belém 2694778 HPSM Dr. Humberto Maradei Pereira
7260784 Unidade de Pronto Atendimento – UPA Daico
26921 Hospital João XXIII
MG Belo Horizonte 27863 Hospital Universitário Risoleta Tolentino Neves
2192896 Hospital Municipal Odilon Bherens
2319659 Hospital Geral de Roraima
RR Boa Vista 2320681 Hospital da Criança Santo Antônio – HCSA
2566206 Policlínica Cosme e Silva
10456 Hospital de Base do Distrito Federal
DF Brasília
10480 Hospital Regional de Ceilândia
9717 Santa Casa de Misericórdia de Campo Grande
Fonte: Brasil, 2017a.
10049 UPA Coronel Antonino
MS Campo Grande 10057 UPA Universitário
10081 UPA Dr. Alessandro
308 Martins de Souza e Silva Vila Almeida
10383 Centro Regional de Saúde Dr. Enio Cunha Guanandy
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Então, a população incluída no VIVA inquérito abrange aquela que esteve em atendimento nos
serviços de saúde de urgência e emergência selecionados, e que cumpriram as definições de
violência e acidente que mencionamos no primeiro tópico dessa aula e as definições referentes
ao capítulo XX da CID-10. Após a informação sobre os atendimentos ser coletada, ela segue um
fluxo específico até as Secretarias de Saúde **.

**SAIBA MAIS
Tanto o VIVA/Sinan e o VIVA Inquérito possuem fluxos próprios para encaminhar a ficha noti-
ficação da violência e as informações sobre os atendimentos dos indivíduos vítimas de violên-
cia ou acidente aos órgãos competentes, com o intuito de consolidar e analisar os dados, para
que políticas de enfrentamento aos acidentes e violências sejam elaboradas e implementadas.

Componente I Componente II
Viva/Sinan Viva inquérito

Unidades Sentinela de
Serviços de saúde
Urgência e Emergência

Plantões sorteados (amostragem)


Coleta contínua Coleta durante 30 dias consecutivos
Ocorrência periódica

1a via: serviços de saúde Única via: vigilância em saúde


2a via: vigilância epidemiológica Vig. Epidemiológica

Secretaria Municipal de Saúde


Vigilância em Saúde/Vig. Epidemiológica
DIgitação, consolidação e análise dos dados
Implementação de políticas de enfrentamento

Regionais de Saúde
Consolidação e análise dos dados
Implementação de políticas de enfrentamento

Secretaria Estadual de Saúde


Vigilância em Saúde/Vig. Epidemiológica Divulgação Políticas públicas
Consolidação e análise dos dados dos resultados de enfrentamento
Implementação de políticas de enfrentamento

Ministério da Saúde
Secretaria de Vigilância em Saúde
Consolidação e análise dos dados
Implementação de políticas de enfrentamento

Componentes E Viva/Sinan
Componente II: Viva inquérito
Componentes I e II
Fonte: Brasil, 2016.

309
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4.4.7 Prevenção dos acidentes e violências


Conforme vimos anteriormente, um dos objetivos do monitoramento da ocorrência das causas
externas de morbimortalidade no Brasil é a prevenção desses agravos - e tanto os acidentes
quanto as violências são eventos passíveis de prevenção.

A prevenção da ocorrência e morte por tais agravos tem foco portanto nos fatores de risco
modificáveis, ou seja, que podem ser alterados por políticas públicas e ações tanto no setor
saúde quanto nos demais setores implicados na gênese destes problemas. As causas externas
são fenômenos complexos e polissistêmicos e expressam o nível de desenvolvimento social de
um país, ou seja, as condições politicas, sociais, culturais e econômicas vigentes e construídos
ao longo da história. Portanto, a redução da morbimortalidade por estas causas não dependem
apenas de políticas e ações contidas no setor saúde.

Como vimos anteriormente, dentre as causas externas que mais se destacam quanto aos óbi-
tos por elas provocados, temos a violência interpessoal, os acidentes de trânsito e a violência
autoprovocada. Desse modo, vamos apresentar um panorama das mesmas e discutir alguns
determinantes e fatores implicados na sua ocorrência e distribuição no país.

> Violência interpessoal

Dentre as modalidades de violência interpessoal existentes, as agressões, mais conhecidos como


homicídios, merecem destaque no Brasil. Logo abaixo, a Figura 11 nos mostra um panorama geral
desse agravo no Brasil.

Figura 11 – Panorama da morbimortalidade por homicídios no Brasil, 2019

Fonte: óbitos – Sistema de informações sobre mortalidade (SIM/SVS/MS), população residente – Estimativas preliminares elaboradas
pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/Cgiae. Gastos e internações – Sistema de informações hospitalares do SUS (SIH-SUS).

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As vítimas de homicídio são notoriamente jovens (15 a 29 anos) do sexo masculino. Entre os
fatores que aumentam o risco de homicídios podemos listar a baixa escolaridade, pior posição
socioeconômica, abuso e tráfico de substâncias ilícitas, desemprego, rede social e falta de acesso
a direitos (Krug et al., 2002, Ruotti et al., 2011). De modo geral, os fatores sociais e culturais
interagem entre si e vão influenciar na vida desses jovens de acordo com a posição social que eles
ocupam, o que determina suas trajetórias e, consequentemente, as situações de vulnerabilidade à
violência (Ruotti et al., 2011).

Merece especial destaque o papel da desigualdade racial e do racismo na ocorrência dos homi-
cídios no país: do total de homicídios ocorridos em 2017 entre os jovens de 15 a 29 anos, 79,4%
eram indivíduos de raça/cor da pele preta (Brasil, 2019). O Atlas da Violência**, publicado em 2021,
mostrou que a chance de um negro ser vítima de homicídio é cerca de 2,6 vezes maior que a de
um não negro (raça/cor branca, amarela e indígena). Segundo o mesmo Atlas, a taxa de homicídios
de indígenas subiu 9,8% de 2018 para 2019.

O Atlas da violência também abordou a questão racial especificamente entre as mulheres: 67% das
vítimas de homicídio, em 2019, eram negras. Além disso, entre 2009 e 2019, o total de mulheres
negras vítimas de homicídios apresentou aumento de 2%, enquanto que o número de mulheres
não negras assassinadas caiu 26,9% no mesmo período.

Importante salientar que o Atlas da Violência detectou uma piora substancial da qualidade
dos dados, demonstrados pelo aumento da taxa de Mortes Violentas por Causa Indeterminada
(MVCI) nas unidades da federação, impedindo uma análise mais abrangente e confiável da real
situação da violência no país em 2019. Vale ressaltar que a MVCI é uma categoria utilizada para
os casos de mortes por causas externas em que não foi possível estabelecer a causa básica do
óbito ou sua motivação.

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** SAIBA MAIS
O Atlas da Violência é um relatório produzido anualmente em parceria entre o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Esse
documento busca retratar a violência no Brasil, principalmente a partir dos dados do Sistema
de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notifica-
ção (Sinan) do Ministério da Saúde.

Para ter acesso ao infográfico referente aos dados publicados no ano de 2021.

CLIQUE AQUI

> Acidentes de trânsito

Também chamadas de lesões de trânsito, os acidentes de trânsito têm como vítimas indivíduos de
praticamente todas as faixas etárias. E, apesar das reduções das taxas de mortalidade por lesões
de trânsito no Brasil nos últimos anos, ainda são milhares de vidas perdidas, principalmente de
jovens adultos economicamente ativos. Um perfil mais específico pode ser visto a seguir:

Figura 12 – Panorama da morbimortalidade por lesões de trânsito no Brasil, 2019

Fonte: óbitos – Sistema de informações sobre mortalidade (SIM/SVS/MS), população residente – Estimativas preliminares elaboradas
pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/Cgiae. Gastos e internações – Sistema de informações hospitalares do SUS (SIH-SUS).

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Destaca-se que os ocupantes de motocicleta e triciclo possuem uma taxa de mortalidade (pa-
dronizada por idade) superior se comparado às outras condições, como ciclistas, pedestres e
ocupantes de automóveis, respondendo por 33,0% dos óbitos por acidentes de trânsito em
2019, sendo muitos destes acidentes relacionados diretamente ao exercício do trabalho. A maior
vulnerabilidade dessas vítimas ocupantes de motocicleta e triciclo faz com que os traumas
resultantes dos acidentes sejam mais graves e letais, resultando em sequelas e incapacidades
permanentes– e impactando ainda na renda familiar e na reinserção no mercado de trabalho
(Brasil, 2019; Brasil, 2021).

Os fatores mais comumente associados à ocorrência e óbito por acidentes de trânsito são a
mobilidade urbana de pedestres e ciclistas, uso de álcool associado à direção de veículos, con-
dições da via, alta velocidade, desrespeito à legislação vigente, o não uso de dispositivos e equi-
pamentos de segurança (cintos de segurança, capacetes) e uso do celular pelo condutor (Brasil,
2021). Entre os trabalhadores motociclistas, ressalta-se que a pressão exercida pelas empresas
e clientes por entregas rápidas é fator determinante para a adoção de comportamento de risco
no trânsito (Silva et al., 2008).

É importante destacar que o Brasil possui legislações específicas para limitar diversos desses
fatores de risco, como o Código de Trânsito Brasileiro, que entrou em vigor em janeiro de 1998,
e que foi a primeira lei contra dirigir alcoolizado com base na concentração de álcool no sangue.
Outro marco importante foi a Lei Seca, que entrou em vigor em junho de 2008 reduzindo o limite
do álcool no sangue – sendo revista em dezembro de 2012 tornando-a mais aplicável e rígida. A
Figura abaixo ilustra o impacto dessas medidas na taxa de mortalidade por acidentes de trânsito
em homens, destacando os períodos em que as medidas entraram em vigor:

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Figura 13 – Taxa de mortalidade (por 100.000) por acidente de trânsito em homens nas Regiões do Brasil

Fonte: Nadanovsky P, Santos APP dos. Mortes por causas externas no Brasil: previsões para as próximas duas décadas. Rio de Janeiro:
Fundação Oswaldo Cruz, 2021. 60 p. – (Textos para Discussão; n. 56)

Entretanto, a OMS destaca que ter as leis não é suficiente, sendo necessário assegurar que elas
sejam respeitadas, por meio de fiscalização e policiamento (WHO, 2018).

> Violência autoprovocada

O suicídio, violência autoprovocada mais relevante para o perfil de morbimortalidade no país, é


um problema de saúde pública crescente no Brasil. Notamos que tal agravo esteve presente entre
as 10 principais causas de óbito nas faixas etárias mais jovens, e ainda mais entre homens – mas
a tendência crescente na sua ocorrência pode ser vista em indivíduos de 10 a 59 anos e em ambos
os sexos. Veja a seguir mais detalhes:

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Figura 14 – Panorama da morbimortalidade por suicídios no Brasil, 2019

Fonte: óbitos – Sistema de informações sobre mortalidade (SIM/SVS/MS), população residente – Estimativas preliminares elaboradas
pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/Cgiae. Gastos e internações – Sistema de informações hospitalares do SUS (SIH-SUS).

O suicídio é um fenômeno complexo, e sua determinação não poderia ser diferente. Fatores de
diversas naturezas podem contribuir ou desfavorecer a ideação suicida e o ato em si, como por
exemplo problemas financeiros, rupturas de relacionamento, desemprego atual ou perda do
emprego, estado civil divorciado ou viúvo, relacionamentos familiares e de amizade, tentativa
prévia de suicídio, acesso aos meios letais, pertencer a minorias populacionais (étnicas, sexuais,
entre outros) experiências de violência física/sexual, e características pessoais, como autoes-
tima, habilidades sociais, sentimentos de solidão e presença de transtornos mentais (Pereira,
et al., 2018; Brasil, 2021; Bertolote et al., 2010; Nadanovsky & Santos, 2021). As estratégias
preventivas do suicídio se baseiam nesses fatores de risco, sendo de caráter populacional, como
a restrição ao acesso aos meios de suicídio, ou direcionadas a grupos ou indivíduos de alto risco
(Nadanovsky & Santos, 2021).

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IMPORTANTE!
Apesar das quedas acidentais estarem presentes entre as 10 principais causas de óbito em 2019
apenas em idosos acima de 80 anos para mulheres e acima de 85 anos para homens, a taxa de mor-
talidade por este agravo (padronizada por idade) cresceu nos períodos de 2000 a 2017, entre homens
e mulheres com 60 ou mais anos.

E por que é importante monitorar as quedas acidentais em idosos?

Porque pessoas mais idosas estão mais suscetíveis às quedas e suas consequências mais graves
como internação, incapacidade funcional, perda de autonomia e morte. Além disso, as quedas em
idosos geram custos sociais e econômicos potencialmente evitáveis e contribuem para aumentar o
isolamento social do idoso (Brasil, 2021).

4.4.8. Desafios

Considerando a complexidade, interdisciplinaridade e peculiaridades que contribuem para as cau-


sas externas que mais impactam no perfil de morbimortalidade da população, o Plano de Ações
Estratégicas para o enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil
(2021-2030) delineou as seguintes metas para os acidentes e violências no Brasil para o período
2021-2030:

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Figura 14 – Indicadores e metas para acidentes e violências. Plano de Ações Estratégicas para o enfrenta-
mento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil (2021-2030), 2021

Fonte: óbitos – Sistema de informações sobre mortalidade (SIM/SVS/MS), população residente – Estimativas preliminares elaboradas
pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/Cgiae. Gastos e internações – Sistema de informações hospitalares do SUS (SIH-SUS).

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Outro desafio contempla especificamente a notificação compulsória de violências. Entre 2011 e


2018, houve um aumento no percentual de municípios que notificaram violências o Brasil, indi-
cando uma melhoria na adesão ao VIVA/Sinan, conforme mostram os mapas abaixo.

Figura 15 – Cobertura do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva/Sinan).Brasil, 2011 e 2018

Fonte: VIVA/Sinan

Contudo, os casos de violência ainda são subnotificados devido a diversos fatores: desconhecimento
da existência da ficha de notificação, do seu preenchimento e da sua obrigatoriedade, desconheci-
mento das diferenças entre notificação e denúncia**, receio de quebra do sigilo profissional, de perda
de vínculo com paciente ou de algum tipo de retaliação do agressor, além de falta de confiança nas
autoridades e nos serviços de proteção (Garbin et al., 2016; Pedrosa, Zanello, 2016).

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**SAIBA MAIS
Você sabe a diferença entre notificação e a denúncia de um episódio de violência?

Denúncia: Nome técnico dado à peça processual que dá início à ação penal promovida pelo Ministério
Público. Existe ainda o Boletim de ocorrência, que é o documento que registra o suposto fato criminoso
para a polícia, que deverá investigar a ocorrência desse crime. Assim, ambas buscam aferir a responsa-
bilidade penal do suposto agressor.

Notificação: a notificação compulsória de doenças e agravos é um instrumento público utilizado para


monitoramento do perfil de morbimortalidade da população. A notificação não tem caráter de julgamen-
to e não está vinculado a juízo de valor, ou seja, é feita pra que a vítima seja beneficiada das ações e
políticas provenientes da informação da notificação

Assim, o aumento da cobertura do VIVA/Sinan, juntamente com estratégias de sensibilização,


capacitação e empoderamento dos profissionais de saúde, podem melhorar a notificação dos ca-
sos de violência, com benefícios tanto para o sistema de saúde quanto para as vítimas, além de
conferir um panorama mais acurado da situação da violência no país.

4.4.9. Conclusão

Os acidentes e violências contribuem com parcela considerável da carga de morbimortalidade


no Brasil. Compreender suas tipologias e conceitos, conhecer sua distribuição nas populações e
subgrupos mais vulneráveis, bem como entender o funcionamento do VIVA e suas dificuldades e
desafios é fundamental para orientar políticas públicas e planejar ações de prevenção e redução
dos danos decorrentes desses agravos.

No entanto, sabemos que as causas externas são fenômenos interdisciplinares complexos, de-
terminados em grande medida pelo ambiente social, cultural, político e econômico. A redução
da desigualdade, a inclusão social, a ampliação do acesso e qualidade da educação e segurança
públicas, além e em combinação com ações especificas de saúde, entre outras, são questões fun-
damentais que concorrem para a redução sustentável da morbimortalidade por causas externas.
Tais áreas devem ser consideradas na formulação e aplicação de políticas públicas sólidas cujos
frutos não serão vistos de imediato, mas podem provocar mudanças lentas e graduais, sustentá-
veis e substanciais, para redução dos acidentes e violências no país.

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