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(EXCERTOS DE “EDUCAÇÃO METANÓICA, PARA UMA CULTURA DE PAZ”)

(...)
Tão habituados estamos à comunicação síncrona, seja ela presencial ou por telefone ou
fax, que tendemos a supor a interação síncrona como sendo o tipo predominante na rede
Internet. Tanto, que nos irritamos se o e-mail “demora a chegar”! Mas não é assim... Na
maioria esmagadora das vezes buscamos conhecimento em sites assíncronos, nos
comunicamos por e-mails assíncronos e conhecemos ou registramos opiniões em blogs
assíncronos.
Desculpe-me a aborrecida repetição do termo, mas é para não deixar dúvida: o potencial
da interação coletiva assíncrona em modo texto é enorme, mesmo!
Por sua vez, a expressão “interação coletiva” destaca a possibilidade de todos os que
freqüentam o mesmo espaço virtual poderem interagir mutuamente no decurso da troca
grupal de informações, com a colaboração conjunta de todos e a despeito das diferenças
pessoais de compreensão, enfoque ou ritmo.
Já “modo texto” se refere a espaços virtuais nos quais predomina amplamente o uso de
textos e não imagens, arquivos de áudio ou material dinâmico, como videoteipes. Então, a
expressão indica espaços virtuais onde as pessoas interagem ao ler e analisar o que ali está
escrito, digitando o que pensam sobre o conteúdo existente, em resposta a ele e de modo
participativo, cada um a seu tempo e de seu próprio local de acesso, propiciando que
continuadas visitas ao conteúdo terminem gerando um extenso material que é o resultado do
trabalho coletivo, isto é, de todos os que colaboraram.
Sacou?
Vamos ver de outro jeito. Você está lendo este texto agora e, em silêncio, interage todo o
tempo com o conteúdo: concorda, discorda, faz associações, recorda assuntos discutidos
alhures, talvez até mesmo anote algo para reflexão posterior. Imagine isto ocorrendo entre
mim, você e trinta pessoas no mesmo espaço virtual, como em uma mesa de bar quando se
discute algo, mas de um modo tal que o fruto da interação coletiva com os assuntos expostos
e com a avaliação ou conhecimento de cada um, e mais as opiniões de todos que ali se
reúnem, ficassem registrados e pudessem ser recobrados em qualquer instante. Você não
teria de se perguntar: “O que foi, mesmo, que fulano argumentou”?, e ficar escarafunchando
a memória até lembrar. Bastaria conferir o arquivo.
Assim é uma interação coletiva assíncrona em modo texto e, graças a isso, todos
participam da mesma construção colaborativa de conhecimento. Percebe seu potencial
imenso? O que um expõe é considerado por outro, servindo de base para que os demais
opinem e, ao assim fazer, forneçam mais informação ainda ao grupo inteiro, com o que se
desenvolve em conjunto o conhecimento e no qual (o e-grupo) cada um pode recobrar o que
foi discutido algum tempo antes, em qualquer ordem, com todos conhecendo, aprendendo e
ensinando juntos.
Eta!, turminha boa, que raramente está reunida a um tempo só mas trabalha e colabora
mais até do que se estivesse presencialmente unida!

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Por isso, acima, vimos que “o conjunto resultante é como uma malha de múltiplos fios,
que pode se espalhar indefinidamente para todos os lados, sem que nenhum dos seus nós
possa ser considerado principal ou central, nem representante dos demais. Não há um
‘chefe’, o que há é uma vontade coletiva de realizar certo objetivo”.
Melhor dizendo, não há obrigatoriamente um “chefe”, pois ele pode existir na rede social
se assim estiver estabelecido e aceito ou tiver brotado no grupo de forma espontânea, como
ocorre em qualquer coletividade humana. Nas listas de discussão na Internet, por exemplo,
costuma haver o “moderador”, assim como em um blog ou em uma página do Orkut existe o
“dono”, que ao seu jeito exerce o papel de “chefe”, mas isso não impede que um
participante, por traço de temperamento, competência pessoal ou domínio do assunto, possa
assumir a “chefia” sempre que for preciso, instalando um tipo de liderança espontânea e
legítima aceita com naturalidade pelos integrantes do e-grupo.
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No final da década dos noventa dois pesquisadores da norte-americana FIELDING
GRADUATE UNIVERSITY, Rena Palloff e Keith Pratt, cunharam a expressão “electronic
personality”, ou “personalidade eletrônica” (que prefiro chamar “personalidade digital”),
segundo eles caracterizada por certos atributos, todos essenciais à ativa e plena participação
em e-grupos:
a. habilidade em imaginar o ambiente onde está cada integrante do e-grupo, com os quais
se interage,
b. capacidade de manter “diálogos internos” no transcorrer da busca de respostas para
questões tidas como importantes,
c. habilidade em “fazer-se presente”, embora a distância, por meio de comunicação
acentuadamente personalizada,
d. habilidade em expor ou discutir questões afetivas por escrito.
Bem verdade que a personalidade digital precisa redigir para se expor e interagir, já que a
comunicação na Internet ocorre principalmente no modo texto, o que para muitos é um
desafio – haja vista a “ciberlinguagem” simbólica ou criptografada que se desenvolveu de
modo espontâneo na rede, com o uso de acrônimos ou onomatopéias de palavras existentes
(kd, vc, bjs, blz, kakaka, naum, cmg, d+, fmz etc.). Voltaremos a este aspecto adiante, pois,
em que pese o empobrecimento vocabular dos usuários, decorrência de décadas de educação
de baixa qualidade e da predominância da mídia televisiva (que não obriga a ler ou
interpretar textos), isso vem oferecendo uma importante oportunidade de aprender a
conviver e aprender a ser sem subordinar-se tanto ao manejo de regras gramaticais ou ao uso
de vocabulário mais extenso e preciso, quase como em reinvenção daquilo que Oswald de
Andrade propusera em 1924 no manifesto “Pau brasil”, quando da afirmação do
Modernismo: “a língua sem arcaísmos, sem erudição. A contribuição milionária de todos os
erros. Como falamos. Como somos”.
Ademais, Palloff e Pratt mostraram que os e-grupos costumam evoluir feito grupos
presenciais: eles se formam, estabelecem normas, experimentam contrastes, desenvolvem-se
e se reorganizam graças à vivência articulada dos conflitos, enquanto todos descobrem

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coletivamente o que sabem e o que podem, mas, e ao mesmo tempo, que estão se preparando
e querem mais.
Isso é muito importante: a vivência articulada de conflitos!
Essa atitude humana (para quem opta por lidar com um conflito como fonte de
possibilidades), também possível nos e-grupos, é o que faz todos evoluírem enquanto seres
humanos e, no caso de um projeto educacional, aprendam a conhecer (uns com os outros e
com o conteúdo específico do curso), aprendam a fazer (levando para o seu dia-a-dia o
conhecimento absorvido e discutindo uns com os outros como fazer “melhor”, conforme
certos resultados desejados), aprendam a conviver (ao administrar em grupo as diferenças
pessoais de enfoque, ritmo ou bagagem e os inevitáveis conflitos decorrentes dos contrastes)
e aprendam a ser (ao expor, da forma mais franca e direta possível, em tela, o próprio
conhecimento, entendimento, assentimento ou discordância quanto ao que está sendo
aprendido e vivenciado no e-grupo).
Naquilo que os especialistas chamam de aprendizagem colaborativa: “pode-se definir
aprendizagem colaborativa como um conjunto de métodos e técnicas de aprendizagem para
utilização em grupos estruturados, assim como de estratégias de desenvolvimento de
competências mistas (aprendizagem e desenvolvimento pessoal e social), onde cada membro
é responsável, quer pela sua aprendizagem, quer pela aprendizagem dos restantes
elementos” (http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/9880.pdf).
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Para guiar os aprendizes na frutífera aventura da aprendizagem colaborativa, a turma terá
um “tutor”, profissional capacitado na tarefa de manter o e-grupo coeso, relacionado,
interativo e participante.
Mais do que especialista no conhecimento específico que estará sendo estudado, este
integrante fundamental da equipe de Educação a Distância acompanhará cada aprendiz da
turma e todos em conjunto, apoiando o processo e facilitando a tarefa coletiva, no sentido
que a Psicologia dá ao termo “facilitador” (colchetes meus): “O facilitador deve partir do
princípio de que o grupo tem condições para poder desenvolver as suas próprias
potencialidades e as dos membros que dele fazem parte. Neste sentido, o grupo pode ser
perspectivado como um organismo que tem o sentido da sua própria direção. Por outro
lado, o grupo tem a aptidão natural para reconhecer no seu processo de funcionamento e de
desenvolvimento os fatores que não se apresentam como saudáveis, centrar-se neles e filtrá-
los ou eliminá-los, possibilitando desta forma que se torne mais saudável [...] dado que este
tem competências para desenvolver as suas próprias direções e fins que mais lhe convêm.
Por sua vez, será conveniente que o facilitador procure, tanto quanto possível, tornar-se tão
participante do grupo quanto facilitador. [E] o facilitador deve sentir-se responsável para
com o grupo, mas não responsável pelo grupo. Este princípio em nada contraria o sentido
de responsabilidade que o facilitador deve assumir na relação com os outros”
(http://www.sociuslogia.com/artigos/caract01.htm).
Deve ser lembrado, contudo, que, ao contrário de grupos terapêuticos, nos quais brotou na
década dos setenta o conceito de “facilitador”, desenvolvido pelo psicólogo norte-americano
Carl Rogers, no caso de um e-grupo formado com a finalidade específica de cumprir um

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curso de Graduação superior há um objetivo fixado e um foco norteador das atividades
coletivas, entrelaçando conteúdo, aprendizes e tutor: o pleno desenvolvimento das
competências e habilidades necessárias para a Graduação em uma área determinada de
conhecimento e um tipo particular de especialização profissional.
Pois o tutor, segundo as boas práticas de Educação a Distância, é portador de variadas
competências e habilidades e atua mais como animador e motivador do e-grupo do que
propriamente como especialista no conteúdo que será ensinado, com clara concepção do
processo de ensino-aprendizagem, facilidade em estabelecer relações empáticas com os
aprendizes, sensibilidade para perceber e acolher o alternativo e o contraditório, disponibilidade
de partilhar sentidos e significados, preparação treinada para ajudar a construir uma forte
instância de personalização a distância e disponibilidade interna de facilitar a construção do
conhecimento. Assim (veja o Quadro IV), ele acompanha o e-grupo, retroalimenta todos os
aprendizes, lidera ou media as atividades grupais e favorece o estabelecimento de uma rede viva
de comunicação no ambiente de aprendizagem colaborativa
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Entendido isso tudo, suponha que a primeira atividade proposta seja participar da
intelecção de um texto, o qual está disponível em um espaço da biblioteca do ambiente de
ensino-aprendizagem: você recebe o endereço virtual do texto, uma lista de links com
conteúdo relacionado e o pedido de que comente em um espaço virtual de fórum este
material. Ao visitar o fórum do ambiente de ensino-aprendizagem, quer após ler o texto ou
apenas para, antes de qualquer coisa, conhecer o local de interação virtual, você depara com
os comentários de dois aprendizes que começaram o curso algo antes. Então, após verificar
na agenda qual o prazo para esta tarefa, você navega para os links, analisa o material
proposto e os comentários dos colegas, avalia tudo o que lê e, à luz de seus próprios
conhecimentos, registra sua opinião, propõe ângulos de debate, até mesmo discorda do que
já foi comentado e, dessa forma, começa a usufruir o imenso potencial da interatividade
coletiva assíncrona do modo texto.
Mais à frente, quando outros integrantes da turma entrarem no ambiente virtual de
ensino-aprendizagem, poderão também interagir com o material e os comentários sobre ele,
agregando novos enfoques, conteúdos, assentimentos ou discordâncias, sendo desimportante
o dia ou horário de participação de cada um (desde que no prazo previsto) e algo irrelevante
o local em que estudam (pois regionalismos poderão tonalizar em alguma medida a
participação na aprendizagem colaborativa, ora dinamizando o processo, ora o complicando
um pouco, em virtude de costumes locais). Daí por diante, a cada vez em que um aprendiz
adentrar o ambiente virtual de ensino-aprendizagem encontrará o produto do trabalho de
todos os outros, numa teia de participações mútuas interativas.
Caberá ao tutor – recordando que ele poderá estar em qualquer canto do mundo, bastando
ter acesso à rede Internet – moderar o trabalho coletivo também de modo assíncrono, ao
restringir desvios de foco, propor questões, solicitar o cumprimento de prazos, salientar
aspectos do conteúdo aportado pelos aprendizes, motivar participações e interferir
produtivamente nos debates surgidos, sempre apoiado pelos recursos da plataforma
tecnológica, a qual registra integralmente as interações havidas e todo o material depositado

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no ambiente de aprendizagem colaborativa, permitindo seu recobro, por todos e sempre, em
benefício do conhecimento de cada um e geral.
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Sempre em seu ritmo próprio, desde que obedeçam à agenda de atividades previstas, em
respeito a características pessoais. Um, mais arrojado ou com personalidade digital mais bem
estabelecida, buscará centralizar o processo, enquanto outro, mais hesitante ou menos bem
desenvolvido na habilidade de se expressar (por escrito) de modo pessoalizado, participará
na medida exata do necessário. Isto é dinâmica encontradiça em todo grupo de estudos,
como você recorda de seus tempos escolares, mas em um e-grupo, no qual os participantes
não estão submetidos à pressão interpessoal do encontro presencial e têm mais tempo para
cogitar cada argumento apresentado, podendo refletir criticamente, lidar com conflitos é
mais facilmente administrável e todos conseguem aprender a conhecer, aprender a fazer e
aprender a conviver, auxiliando-se mutuamente, com o que vão aprendendo a ser no seio do
coletivo.
(...)
Em tudo isso são facilitados pelo tutor, que atua como moderador e motivador, aparando
arestas, introduzindo temas, incitando a participação dos arredios, solicitando comedimento
aos afoitos e orientando o debate, sempre com atenção às características ou possibilidades de
cada um e focalizado na somatória de competências e habilidades a ser desenvolvida e
estabelecida pelos aprendizes, conforme o conteúdo do curso.
Em decorrência de tal dinâmica, em geral um componente curricular por Educação a
Distância (disciplina) começa com conteúdo não superior a vinte ou trinta páginas de texto e
imagens (definidas pelos professores conteudistas na modelagem inicial do curso) e termina,
ao final do período letivo, com várias centenas de páginas de remissão aos textos, de
sugestões de material associado (acessáveis por meio dos links sugeridos), de comentários
dos aprendizes e de sugestões do tutor.
Algo bastante próximo do que costuma ocorrer em um curso presencial, é verdade, se
somarmos o produto de todas as horas de aulas e debates existentes no transcorrer de uma
determinada disciplina, mas com a insuperável vantagem de, na modalidade de Educação a
Distância, ficar registrado categoricamente tudo o que foi apresentado e discutido no e-
grupo, em absolutamente todas as suas nuances, em função das possibilidades da plataforma
tecnológica, com uma riqueza de arquivo dinâmico impossível de obter em um curso
presencial (para isso, o conteúdo integral de todas as aulas deveria ser gravado, transcrito e
distribuído a todos ininterruptamente, e quem o faz?).

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