Você está na página 1de 2

Fichamento 7 | Autonomia, liberdade e software livre: algumas reflexões, de Doriedson de

Almeida e Nícia Rocha


Sobre a relação entre os termos e a aplicação possível no cotidiano dos indivíduos

Marília Abreu [Cibercultura] · Follow


7 min read · Sep 28, 2018

Share

O texto que é objeto deste fichamento faz parte do livro Inclusão digital: polêmica contemporânea, de Bonilla e Pretto. Publicado sob licença do Creative Commons, o livro está
disponível para download gratuito. O capítulo em questão cujo título é Autonomia, liberdade e software livre foi escrito por Doriedson Alves de Almeida e Nícia Cristina Rocha Riccio.
Ambos são doutores em Educação, o que explica, de certo modo, a associação feita em diversos momentos do texto com ambientes escolares e educacionais como espaços de aplicação
dos conceitos de autonomia e liberdade.

Mais de metade do capítulo é destinada a conceituar e a fazer refletir a respeito desses termos. Ao longo de um processo reflexivo, os autores propõem definições baseadas em filósofos
como Kant e Nietzsche. Enquanto a liberdade pode ser percebida como manifestação de vontade, a autonomia está associada à vontade como potência inicial. Nesse cenário, uma das
primeiras pontuações apresentadas sobre tecnologias é a seguinte:

O adensamento dos processos cibercomunicacionais em redes, que tendem a tornar-se cada vez mais difusas, portanto, autônomas em potência, embora fortemente reguladas, se
constituirá como permanente e crescente força tensionadora nessa busca por autonomia e liberdade. Esses meios permitem e permitirão cada vez mais a construção do que chamaremos
aqui de “mecanismos de interferências livres e autônomas” capazes de contribuir para a formação de ambientes fluídos e temporários e de provocar ruído nos fluxos
cibercomunicacionais fortemente regulados e já apropriados enquanto bem imaterial privado. (p.129)

As reflexões sobre autonomia e liberdade através de uma perspectiva filosófica são justificadas por contribuírem para “desvelar e desmistificar” os meios. Além disso, tomando
conhecimento sobre os conceitos, podem ser apontadas perspectivas que promovam aplicações livres e autônomas das tecnologias de informação e construção, as TIC, em espaços
educacionais, por exemplo.
o que se entende por autonomia
Uma das pontuações principais propostas neste tópico é de que a autonomia, na atualidade, nem sempre é percebida da maneira devida. Geralmente, tanto no campo educacional quanto
no profissional, por exemplo, ser autônomo está relacionado a aprender sozinho ou superar as dificuldades de forma individual. O problema é que utilizando-se dessa percepção estamos
desconsiderando “um processo social e coletivo de construção do conhecimento” (p.130), como exposto nos seguintes trechos:

Mas se vivemos numa coletividade, numa pluralidade de compreensões, de seres, de cultura, como entender a autonomia apenas no sentido individual? (p.131)

Dessa forma, a autonomia não pode ser pensada desvinculada do social (ou do meio, como traz Morin); pelo contrário, ela está impregnada do outro; do outro não como obstáculo
exterior a ser eliminado, mas como constitutivo do sujeito; a “existência humana é uma existência de muitos e que tudo que é dito fora deste pressuposto é sem sentido.” (CASTORIADIS,
2000, p. 130). (p.132)

Assim, ao longo da discussão sobre esses possíveis conceitos, conclui-se que a autonomia é uma busca coletiva de “assunção de si mesmo como autor, visando também a autoria do
outro”. Logo, é um processo conjunto e participativo, não mais individualizado como costumava ser, além de ser inerente ao ser humano.
o que entendemos por liberdade
Liberdade é outro termo que muito foi discutido ao longo da história, por diversos pensadores. Na percepção do senso comum, liberdade equivale ao livre arbítrio para a tomada de
decisões. Para teóricos como Kant, ser livre é ser autônomo, ou seja, dar a si mesmo as regras a serem seguidas racionalmente. Para a filosofia, por exemplo, ela pode ser vista como
autodeterminação, necessidade ou possibilidade. O que figura como conceito chave neste tópico é, no entanto, o seguinte:

Nesta perspectiva, liberdade e autonomia caminham de mãos dadas. A experiência da criação elaborando a autonomia; a experiência da autonomia, através da transgressão,
possibilitando o novo, o ir além. A liberdade amadurecendo no encontro de outras liberdades (FREIRE, 2006); a autonomia coletiva concebendo o começo da minha liberdade no
começo da liberdade do outro. (CASTORIADIS, 2000). (p.136)

como as tecnologias entram nessa história


É somente a partir da página 137 que o aspecto tecnológico da discussão é trazido, tendo o texto devaneado bastante a respeito dos outros dois conceitos propostos. Logo, a discussão se
torna mais breve, podendo ter sido um pouco mais aprofundada.
A possibilidade de produção cooperativa e colaborativa suportadas pelos ambientes cibercomunicacionais

Baseando o olhar a partir da perspectiva da educação, como já explicado anteriormente, os autores trazem os professores e os sistemas de ensino como potenciais utilizadores das
tecnologias. Os ambientes cibercomunicacionais para Almeida e Rocha são, por natureza, transgressores e supraespaciais, já que tanto permitem diversas apropriações culturais, técnicas
e artísticas diversas quanto ultrapassam fronteiras espaciais, como contido no trecho:

Sobre suas características supraespaciais, enfatizamos que, em tese, estas podem permitir um alargamento das fronteiras espaciais numa perspectiva de organização de redes
colaborativas de saberes, constituídas como teias cooperativas, que se sobrepõem às redes geográficas, entretanto sem superá-las, mas materializadas enquanto ambientes ciber
intangíveis nos territórios onde circunscrevem-se. (p.137)

No entanto, a construção desses ambientes na prática não é tão simples assim, e são destacados os “vazios informacionais”, nos quais as redes analógicas figuram de maneira mais forte
que as redes digitais. Convém lembrar que, por vezes, nem as redes tradicionais conseguem a chegar a certos locais do mapa, o que configura uma problemática ainda mais intensa.
Aspectos como esse são estudados pelo projeto Atlas da Notícia, por exemplo.

Assim, a apropriação desses espaços é gradual, dependendo também de aspectos externos à ação individual. Para os autores, “as informações e possibilidades de produção e cooperação
colaborativas são negadas a amplas parcelas da sociedade”, o que confirma dados expostos em outros fichamentos a respeito do acesso da população brasileira à internet. Como
possibilidade, é exposto que:
Numa visão otimista apontamos que, ao construirmos espaços que se preocupem em propor modos de apropriação desses meios de forma a preservar e estimular riquezas e
diversidades comuns aos coletivos sociais, podemos contribuir para uma mudança radical e significativa nos fluxos comunicacionais e consequentemente para o fortalecimento das
práticas cooperativas e colaborativas. (p.138)

A produção e distribuição de conteúdos e sua capacidade de subverter lógicas centralizadoras

Os modelos de comunicação que estabelecem o processo de emissão-recepção como base estão diretamente ligados às lógicas centralizadoras comunicacionais, que contribuem para
manutenção de poder e de status-quo de diversos grupos. A partir das tentativas de aplicar a autonomia e a liberdade às já citadas TIC, essa realidade pode ser transformada, ainda que
gradualmente.

Nesse sentido, quanto maior forem as autonomias e liberdades, mais estas contribuirão para essa “subversão lógica”, pois é a partir de reflexões sobre esses conceitos que os fluxos
cibercomunicacionais serão efetivamente colocados a serviço da produção e distribuição de conteúdos significantes para a diversidade e a pluralidade e para o fortalecimento dos
movimentos de emancipação social. (p.139)
Avanços técnicos e as estratégias de cooperação e colaboração a partir da escola

O aspecto educacional contido na utilização das novas tecnologias é recuperado neste tópico. Contribuindo para a cooperação e para a colaboração, as TIC destoam das “formas
pedagogizantes alienadas” e podem ressignificar práticas nos ambientes escolares, como dito em:

Ao fazermos tal afirmação, não estamos defendendo que a escola se acelere nessa busca comum e incessante pela eliminação do tempo, conforme nos aponta Virilio (1999), mas que ela
se permita lançar-se numa espécie de experiência sensorial plural onde múltiplos caminhos poderão ser percorridos sem a preocupação com receitas ou com trilhas mesmificantes já
abertas, cuja experimentação já se mostrou perigosa e incapaz de dar conta dos cenários complexos nos quais estamos imersos. (p.140)

Ainda, esse cenário, embora em processo de desenvolvimento e consolidação, pode auxiliar no desenvolvimento de uma postura autônoma e de liberdade pelos indivíduos, ponto
considerado fundamental pelos autores principalmente quando sabe-se que está cada vez mais difícil construir pessoas e sociedades às margens dos ambientes cibercomunicacionais.

o potencial do software livre na busca da autonomia

Somente nas últimas três páginas do texto a utilização dos softwares livres como possibilidade real é citada de maneira direta. A liberdade, principalmente, e os softwares estão conectados
por meio do que os autores chamam de quatro liberdades:

(1) A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito; (2) A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo para as suas necessidades; (3) A liberdade de
redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao seu próximo;(4) A liberdade de aperfeiçoar o programa, e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se
beneficie. (p.141)

Aqui, a possibilidade da inclusão digital também é ensaiada, devendo ser trazida como política pública nos dias atuais. A noção de coletividade é fundamental, logo, deve existir um
movimento para que a existência dela seja garantida em diversas instâncias:

Estamos, sim, falando de autonomia e de liberdade. Mais ainda, estamos falando de autonomia e liberdade coletivas. O movimento do software livre é um conceito de coletividade onde
se busca a garantia de que o produto dos esforços coletivos não será apropriado por ninguém; será sim de domínio não só da própria coletividade que o produziu, mas de domínio
público. (p.142)

O compartilhamento do conhecimento e a construção de uma inteligência coletiva são destacados como objetivos do movimento pelo software livre, sendo proporcionado o acesso
comum aos indivíduos por meio do acesso completo ao código fonte, por exemplo. Entende-se, assim, a interação existente entre os softwares, a liberdade e a autonomia, buscando
desenvolver uma autonomia coletiva, na qual muitos são beneficiados e até mesmo valores sociais são defendidos.

Você também pode gostar