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Geração Trianon

(Anamaria Nunes) ENSAIADOR — Mas é crítico de prestígio,


todo mundo lê.

Texto elaborado a partir de frases, EMPRESÁRIO — E por que esse apelido


expressões, citações e situações da nossa desairoso?
História Teatral nas décadas de 10, 20 e 30.
ENSAIADOR — Conta-se que, numa dada
ocasião, uma atriz tipo ingênua, após dar a
PRÓLOGO sessão, perguntou-lhe: "Então gostou?" Ao
que ele teria respondido: Senhorita, das
(A companhia apresenta a última cena de "A duas uma: ou meto-lhe o pau ou meto-lhe o
Ceia dos Cardeais" de costas para a platéia pau!
que entra no teatro. No palco temos os
bastidores, onde a ação principal se EMPRESÁRIO — Que sacripanta! (Entra
desenrolará) esse menino, o avisador)

EMPRESÁRIO — 102, 103, 104, 105, 106! ESSE MENINO — A crítica do Meto-lhe o
106 pessoas! Que prejuízo, meu Deus! pau.

ENSAIADOR — Não consigo entender, a EMPRESÁRIO — Meteu-nos?


peça é boa, está bem ensaiada!
ESSE MENINO — De uma vez só.
EMPRESÁRIO — Ë um fiasco. (Ouvem-se
soluços na platéia) EMPRESÁRIO — Papagaios!

ENSAIADOR — Ouve? A platéia parece ENSAIADOR — Dá-me o jornal, Esse


gostar... Menino! (Lendo) O elenco não se havia
muito bem, errando as marcas e solicitando
EMPRESÁRIO — Chama meia dúzia de o ponto a cada frase... Mas o pior mesmo
gatos pingados de platéia? eram os postiços que inventaram para
ornamento da cabeça do cardeal Montmer...
ENSAIADOR — Quem sabe amanhã o
público vem... EMPRESÁRIO — Cebolas! Bem que o
achei esquisito com aqueles cachinhos.
EMPRESÁRIO — Não adianta ficarmos Esse Menino, compre todos os jornais da
como baratas anunciando chuva... é um cidade! Não, deixa pra lá.
fracasso!
ENSAIADOR — Esconda o jornal do doutor,
ENSAIADOR — Mas pode vir a ser um Esse Menino.
sucesso!
ESSE MENINO — Sim, senhor.
EMPRESÁRIO — Para o senhor, que é o
ensaiador e, infelizmente, não paga ENSAIADOR — Imbecil.
ingresso!
ESSE MENINO — Não sou, não.
ENSAIADOR — Esperemos a crítica.
ENSAIADOR — O crítico. O crítico é um
EMPRESÁRIO — Isso acaba mal, olá se imbecil.
acaba! Espera, qual foi o critico que cá
esteve, ontem à noite? ESSE MENINO — (à parte) "Quando a
crítica é boa é a opinião de todo mundo;
ENSAIADOR — Foi o "Meto-lhe o pau". quando a crítica é má é apenas a opinião de
um imbecil."
EMPRESÁRIO — Esse é novo.
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EMPRESÁRIO — Um imbecil que todo
mundo lê, diga-se de passagem. DOUTOR — Ótimo. Esse Menino, o jornal!

ENSAIADOR — (lendo) Em meio a tal ENSAIADOR — (rápido) Então, doutor,


catástrofe teatral, salva-se a brilhante gostou do espetáculo?
interpretação do doutor que nos deu um
Cardeal Gonzaga exemplar! DOUTOR — Eu gosto. Gasto muito.

EMPRESÁRIO — Ao menos isso... ENSAIADOR — Não disse, seu Staffa?


Enquanto o pau vai e vem descansam as
costas! EMPRESÁRIO — um fracasso! 106
pessoas!
(Aplausos)
DOUTOR — 106 pessoas?
ESSE MENINO — Acabou o espetáculo!
ENSAIADOR — (rápido) O doutor fez o
ENSAIADOR — Veja, seu Staffa, como Cardeal Gonzaga esplendidamente!
aplaudem com vontade!
DOUTOR — Fiz mesmo (Grita) O ponto e o
EMPRESÁRIO — Mas é óbvio, temos um jornal!
excelente cabo de claque!
ESSE MENINO — Meto-lhe o pau escreveu.
ESSE MENINO — Lá vem o doutor! Ele fica
tão bonito vestido de cardeal! DOUTOR — Meteu-me?

EMPRESÁRIO — Isso acaba mal, mal se ENSAIADOR — Claro que não.


acaba. (Entra o doutor)
ESSE MENINO — Encheu o doutor de
DOUTOR — Ô Staffa, chama-me o ponto gentilezas... Era soberbo para cá, magnífico
agora. E ponha-o na tabela! pra lá!
EMPRESÁRIO — Na tabela? O
Almeidinha? Mas o que houve? ENSAIADOR — Disse que o doutor esteve
irrepreensível!
DOUTOR — Imagina que o salafrário
respondeu-me atravessado. Pedi-lhe a DOUTOR — Estive mesmo! E quanto aos
deixa e ele respondeu-me... Jesus, sabem o demais?
que ele me respondeu? Estudasse.
ESSE MENINO — Meteu-lhes o pau de uma
ESSE MENINO — Que desaforo! vez só!
DOUTOR — Esses críticos são engraçados,
ENSAIADOR — um impertinente! "eles acham que podem ensinar cachorro a
latir. Como me disse um grande amigo, ator
EMPRESÁRIO — Isso lá é cousa que se também: os críticos são os pingentes da
faça ao doutor? Ponho-o já na rua! glória e nós, de camaradagem, não lhes
cobramos a passagem!"
DOUTOR — Não! Isto é, estamos a meio de
temporada, Staffa, EMPRESÁRIO — Então, Doutor, mudamos
o repertório?
EMPRESÁRIO — Ponho-o já na tabela!
ENSAIADOR — Mas "A Ceia dos 26
DOUTOR — Isso sim. Cardeais" é um clássico!

EMPRESÁRIO — Multado em 50% do DOUTOR — 106 pagantes, a crítica meteu-


caché. lhes o pau... Bem.

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DOUTOR — Ousa chamar-me de
TODOS — Bem? mentiroso?

DOUTOR — Está decidido: tiramos a peça PONTO — Não. Digo que se engana,
de cartaz! doutor. O que disse foi: isto dá-se...

ENSAIADOR — Mas, doutor, a nossa DOUTOR — Pois então!


peça...
ESSE MENINO — Ainda repete!
EMPRESÁRIO — O que o senhor quer dizer
com "nossa peça?" É a sua peça! PONTO — (explicando) Isto... Dá-se.

ENSAIADOR — Com muita honra, seu ENSAIADOR — Creio ter ouvido


Staffa! "estudasse", seu Almeidinha.

ESSE MENINO — (à parte) Quando a peça PONTO — Freqüentemente isto se dá!


é sucesso tem muitos donos, quando é
fracasso é de um só! DOUTOR — Ah? Ora, claro, claro, seu
Almeidinha. (Brinca) E eu a jurar que o
ENSAIADOR — A peça é boa, doutor! senhor me repreendia...

DOUTOR — Mas eu sou mau! (Grita) PONTO — Jamais faria isso. Sei o meu
Almeidinha! (Entra o ponto) lugar.

PONTO — Pois não, doutor! EMPRESÁRIO — Então, doutor, tiro-o da


tabela?
DOUTOR — O senhor está na tabela.
DOUTOR — Claro que sim, idiota!
PONTO — Mas por quê?
PONTO — Preciso de um banho. Estou
DOUTOR — Então ousa fazer-se de exausto.
desentendido?
DOUTOR — Pontuar é trabalho que exige
EMPRESÁRIO — Foi um desaforo, seu devoção!
Almeidinha.
PONTO — E o doutor, em paga. Põe-me na
ENSAIADOR — Imperdoável, seu tabela.
Almeidinha.
DOUTOR — Vamos, seu Almeidinha, não
ESSE MENINO — Francamente, seu seja rancoroso. Foi um lamentável engano.
Almeidinha.
ENSAIADOR — Um mal entendido.
EMPRESÁRIO — Dizer ao doutor que
estudasse o texto... ESSE MENINO — Isso.

PONTO — Eu? DOUTOR — Está feito: convido-o a jantar


comigo no Hotel Palace, então?
DOUTOR — O senhor, sim. Quem mais?
Pedi-lhe a fala e o que o senhor me ESSE MENINO — Quanta honra, seu
respondeu? Estudasse! Almeidinha. Nossa, eu aceitava, sem
pestanejar.
PONTO — Não foi assim.
PONTO — Está bem, doutor. Com licença.
(Sai)

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DOUTOR — Vê? É a poesia do teatro,
EMPRESÁRIO — Então, doutor, como Staffa. "E é assim mesmo. E ora adeus.
ficamos? Assim é que é bom."

DOUTOR — Ficamos mal, muito mal. Enfim, EMPRESÁRIO — E o prejuízo? Enquanto o


é a vida. senhor faz poesia com o teatro, sou
obrigado a fazer mágica para arcar com as
EMPRESÁRIO — Se tiramos a peça dc despesas da companhia!
cartaz hoje, domingo, que peça vamos dar
na sexta-feira? É preciso renovar o DOUTOR — Tente outro ramo, ora!
repertório.
ENSAIADOR — Calma, senhores,
DOUTOR — Do repertório cuido eu. precisamos decidir o repertório!
EMPRESÁRIO — Somos sócios.
DOUTOR — Está bem. Reprisamos a última
DOUTOR — O senhor é o sócio de fora, eu peça que dei no Pathé.
sou o de dentro.
EMPRESÁRIO — Isto não vai dar nada.
EMPRESÁRIO — De fora ou de dentro, o Está muito visto. Quem é que ainda quer ver
meu dinheiro entra tanto quanto o seu. O Genro de Muitas Sogras?

DOUTOR — Mas, Staffa, recolher o ESSE MENINO — Se é o doutor quem faz o


repertório é tarefa ingrata. "Há peças que genro, eu quero.
são o meu ganha-pão..."
EMPRESÁRIO — Será que não há mais
EMPRESÁRIO — São as que me peças?
interessam!
DOUTOR — Você reclama demais, Staffa.
DOUTOR — Mas as outras são o meu luxo, EMPRESÁRIO — O teatro é meu, é justo
a minha fantasia. que me preocupe.

EMPRESÁRIO — Falemos do seu ganha- DOUTOR — Seu teatro não é lá grande


pão, doutor! cousa, anda mesmo precisando de
reparos...
DOUTOR — "Mas as outras são a poesia do
teatro, uma espécie de amantes ingratas, EMPRESÁRIO — Mas o público vem.
dispendiosas. quase sempre deliciosas."
DOUTOR — Vem ver a mim, vem por causa
EMPRESÁRIO — E que só dão prejuízo. do meu prestígio de ator!
(Pausa) Mas onde está o êxito?
EMPRESÁRIO — Não seja vaidoso, doutor.
DOUTOR — Na comédia, eu sei. "Desde o As pessoas gostam do Trianon, das
tempo de João Caetano, as peças que comédias ligeiras, do nosso apuro, do nosso
pegam, que o público gosta, que fazem estilo... Da nossa qualidade! Do Trianon,
sucesso são: as engraçadas, as enfim.
engraçadas, as engraçadas e as
engraçadas." DOUTOR — De mim.

EMPRESÁRIO — Mas se pensa assim, por EMPRESÁRIO — Do Trianon.


que monta "A Ceia dos Cardeais?"
DOUTOR — De mim.
ENSAIADOR — É um clássico.
EMPRESÁRIO — Do Trianon
ESSE MENINO — É tão bonita.

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ENSAIADOR — Dos dois.
DOUTOR — Então o quê? Estou indo
ESSE MENINO — Do doutor. embora!

ENSAIADOR — Dos dois, (Entra a 1ª atriz)

ESSE MENINO — Do doutor. 1ª ATRIZ — Boa noite, doutor!

EMPRESÁRIO — "Pois saiba que tenho um DOUTOR — Como? Ah, senhorita! (Beija-
artista muito melhor que o doutor!" lhe a mão) Mas vão todas de uma vez?
Assim o teatro fica feio!
(Silêncio)
1ª ATRIZ — O carro de aluguel espera-me à
DOUTOR — Então diga lá. Quem é essa porta...
sumidade!
DOUTOR — A senhorita está com uma
EMPRESÁRIO — "Mora na Avenida encadernação belíssima!
Central, tem um público certo e se chama
Trianon!" 1ª ATRIZ — E o senhor é um escangalhador
de corações!
DOUTOR — Qual, Staffa! O público certo do
Trianon, ainda hoje à noite, fazia a receita DOUTOR — Hoje à noite janto com o
do teatro Recreio, do teatro Fênix, do Carlos Almeidinha, mas jantamos amanhã, está
Gomes, por que aqui não veio! bem?

EMPRESÁRIO — Ou seria o público certo 1ª ATRIZ — Com prazer. Boa--noite. (Sai)


do doutor que fazia bacanal com as girls do
teatro São José, já que não deu as caras DOUTOR — Ciumenta!
esta noite por aqui?
EMPRESÁRIO — Isto acaba mal, olá se
TODOS — Ó. acaba!

DOUTOR — Ousa fazer pouco caso do meu DOUTOR — O que acaba mal, Staffa?
prestígio de ator? Seu teatro tem púbico
certo? Pois então alegre-se. Ele é todo seu. EMPRESÁRIO — Tudo, tudo, O doutor há
Estou indo embora. de compreender que a companhia, ainda
que artística, precisa de viver.
(Entra a 2ª. atriz)
2ª ATRIZ — Boa noite, doutor. DOUTOR — Está bem, Staffa, escolhamos
o repertório!
DOUTOR — Como? Ah! Senhorita! (Beija-
lhe a mão) Adoro quando a senhorita EMPRESÁRIO — Ufa.
besunta-me de beijos em cena aberta! Isto
compensa o mau humor do Staffa... ENSAIADOR — Aleluia.

2ª ATRIZ — Meu coração está à larga! ESSE MENINO — Até que enfim!
EMPRESÁRIO — Que tal o Felisberto do
DOUTOR — Malvada! Café?

2ª ATRIZ — Adeusinho! (Sai) ESSE MENINO — O Simpático Jeremias?

DOUTOR — Essa atriz é um suco! ENSAIADOR — Juriti.

EMPRESÁRIO — Então, doutor?

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DOUTOR — Não, não e não. Estão muito Aimée, a picante? Ora, não vêem que sem
vistas. elas não temos o mesmo sucesso de
ontem?
EMPRESÁRIO — Não Me Conte Esse
Pedaço. EMPRESÁRIO — Mas temos dona Emilia!

ESSE MENINO — O Bernardo Derrapou. ENSAIADOR — Dona Apolônia Pinto.

ENSAIADOR — O Elegante Doutorzinho. ESSE MENINO — Julinha Dias,

DOUTOR — Não, não e não. OS TRES — O doutor.

EMPRESÁRIO — Essa Terra. DOUTOR — Não. É tão difícil.,. Se temos a


peça não temos os atores. Por onde anda o
ENSAIADOR — Manhãs de Sol, Manoel Pera? E o Abel? O Brandâo? O
Palmeirim, o Pires, o Alexandre Azevedo?
ESSE MENINO — Flores de Sombra,
ESSE MENINO — O grande Chaby!
DOUTOR — Flores de Sombra... Que
sucesso, bem? DOUTOR — Ah, tempo ingrato!

TODOS — Então? EMPRESÁRIO — Nada de saudosismo,


doutor. Temos grandes atores na nossa
DOUTOR — Não, não e não. companhia mesmo...

EMPRESÁRIO — A Dama das Panelas. ESSE MENINO — O Mota, por exemplo!

ENSAIADOR — Ipanema Túnel Novo. ENSAIADOR — Cale-se, Esse Menino!

ESSE MENINO — Carnaval em Família. PONTO — (entra) Posso sugerir?

DOUTOR — Não, não e não, DOUTOR — Por favor, Almeidinha.

EMPRESÁRIO — Onde Canta o Sabiá. PONTO — Por que não um texto novo?

ENSAIADOR — Dança o Pai... As Filhas DOUTOR — Por que não?


Dançam.
TODOS — Por que não?
ESSE MENINO — Gigolô... Sangue Azul.
DOUTOR — Mas quem escreveria?
DOUTOR — Não, não e não e não.
EMPRESÁRIO — Gastão Tojeiro.
EMPRESÁRIO — As Fãs de George Walsh.
ENSAIADOR — Oduvaldo Viana.
ENSAIADOR — Sai da Porta, Deolinda.
ESSE MENINO — Armando Gonzaga.
ESSE MENINO — Cala a Boca, Etelvina.
DOUTOR — Cala a Boca, Etelvina! Pois PONTO — Renato Viana, Viriato Correia,
sim, onde está a Belmira de Almeida? No Paulo Magalhães...
teatro Carlos Gumes! A Iracema de
Alencar? No Fênix. Lucília Peres? Em São DOUTOR — Não, não e não. Sabem,
Paulo. Abigail Maia, Elza Gomes, Alda gostaria de ter um autor novo. Precisamos
Garrido? Onde está Margarida Max, meu de gente nova. E depois gosto de lançá-los,
Deus? E Palmira Bastos, bem? Cadê de levá-los glória!

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PONTO — Posso sugerir?
PONTO — "Um teatro vazio dá-me a
DOUTOR — Por favor, Almeidinha. impressão de que a vida foi ontem".

PONTO — Há um rapaz magrinho, que veio DOUTOR — Bonito.


do sul... É jornalista e tem estilo. Dizem que PONTO — Um grande ator me disse isso.
é excelente
DOUTOR — Fui eu?
DOUTOR — Quem é ele?
PONTO — Por que não?
PONTO — Abadie Faria Rosa.
Fim do Prólogo
DOUTOR — Está decidido: traga o homem!

EMPRESÁRIO — Onde podem encontrá- 1º ATO


lo?
(Luz de serviço. Cortina aberta. Palco nu.
ENSAIADOR — Será que ele escreve um Construção do cenário em "off". Martelo.
texto até sexta-feira? Máquina. Limpeza. Descem gambiarras,
panelões. Luzes vão acendendo no ritmo do
ESSE MENINO — Cinco dias é tempo samba que o pessoal da técnica improvisa.
demais pra se escrever um texto... Acaba o samba. Gambiarras no chão. Palco
aceso. Muito papel amassado que o autor
PONTO — Ele freqüenta o Café Simpatia. atira no palco. O avisador cata os papéis.
Barulho de máquina de escrever)
EMPRESÁRIO — Será que o encontramos
agora? AUTOR — Escuta, Esse Menino, como está
o humor do Staffa?
PONTO — É hora do jantar. Provável que
sim. ESSE MENINO — Parece-me alegre.

ENSAIADOR — Vamos até lá, seu Staffa? AUTOR — É o empresário!

EMPRESÁRIO — Vamos, sim. Apague o ESSE MENINO — É estréia. A casa vai


teatro, Esse Menino. estar à cunha. O lucro, certamente, será
fabuloso.
ENSAIADOR — Boa noite para todos.
AUTOR — Está decidido: peço-lhe um
TODOS — Boa noite. aumento!

(Saem todos, exceto o ponto e o doutor, O EMPRESÁRIO — (entrando) Isto ainda


ponto entrega o chapéu e o cachecol ao acaba mal, olá se acaba!
doutor)
AUTOR — Seu Staffa...
DOUTOR — Obrigado, Almeidinha.
EMPRESÁRIO — (à parte) O autor!
PONTO — É um prazer servi-lo, doutor.
AUTOR — Eu gostaria de saber se o senhor
DOUTOR — Ainda está magoado? não pode me dar um aumento...

PONTO — Não. EMPRESÁRIO — Um aumento? Pois se lhe


pago cinco cadeiras por espetáculo!
DOUTOR — Obrigado. Vamos? (Saída
falsa) Então, Almeidinha?

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AUTOR — É pouco se considerarmos o
tamanho do teatro. MOCINHA — Na companhia.

EMPRESÁRIO — É muito se considerarmos EMPRESÁRIO — Mas a senhorita já me


o tamanho do seu texto. disse isso. (Grita) Ô mestre Quintino,
aproveita que está aí e pega um reforço na
AUTOR — Ora, seu Staffa! tapadeira. O pano está a esgarçar-se e
cuidado para não esgarçar de vez!
EMPRESÁRIO — Qual, seu Abadie!
MOCINHA — Por favor.
AUTOR — Mas eu pensei...
EMPRESÁRIO — Fale de uma assentada
EMPRESÁRIO — Pensou errado. Isso é só. Estou muito ocupado.
com o doutor! Dou-lhe casa comida e cinco
cadeiras por espetáculo. O doutor dá-lhe a MOCINHA — Eu queria entrar para a
fama. Então, é pouco? É a escrita, seu companhia, fazer a ingênua.
Abadie!
EMPRESÁRIO — Ingênua? Que ingênua?
AUTOR — (à parte) Essa escrita não fui eu Olha, mocinha, se Deus existir, estreamos
que escrevi... Harpagão! dentro em pouco e não posso estar a
preocupar-me cem isso.
MOCINHA — Dá licença?
MOCINHA — Mas eu pensei...
TONICO — Seu Staffa, preciso de duas
lâmpadas. EMPRESÁRIO — Pensou errado. Isso é
com o doutor.
EMPRESÁRIO — O que o senhor quer dizer MOCINHA — Eu vou falar ao doutor?
com "preciso?"
EMPRESÁRIO — (à parte) Uma fã! E essa
TONICO — Queimaram duas lâmpadas do agora? (Para ela) Minha filha, é proibida a
panelão, ué. entrada de estranhos. Espere na porta, por
favor,
EMPRESÁRIO — De uma vez só? Olha o
prejuízo! Isto não vai acabar bem, olá se vai. ENSAIADOR — (entrando) Seu Staffa,
(Grita) Ó mestre Quintino, que barulheira é preciso que lIbere o palco para o ensaio do
essa? entreato.

QUINTINO — Conserto o banco, seu Staffa! EMPRESÁRIO — Já está liberado. Quando


quiser, professor.
MOCINHA — Dá licença?
ENSAIADOR — E pelo amor de Deus, seu
EMPRESÁRIO — Mocinha! Staffa, peça ao nosso autor que termine o
texto e a última cortina!
MOCINHA — É que... Vim candidatar-me ao
papel de ingênua! Eu gostaria de entrar para EMPRESÁRIO — Seu Abadie está a
a companhia. escrever, mas é lento demais, todavia tem
estilo!
EMPRESÁRIO — Ótimo! Mas de onde saiu
esse conto de réis? ENSAIADOR — E o doutor?

MOCINHA — Eu quero ser atriz. Possa EMPRESÁRIO — Devo estar estourando.


entrar?
ENSAIADOR — Vou buscar o elenco.
EMPRESÁRIO — Entrar onde? Libere o palco e apresse o autor. Assim não
é possível trabalhar...
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2ª ATRIZ — O seu Staffa? Ele sempre faz
EMPRESÁRIO — Faço o que posso. (Grita) isso. Quando não sabe resolver um assunto
Seu Abadie! diz que é o doutor quem resolve e no final é
assim mesmo. Então a senhorita quer ser
AUTOR — O que é? atriz?

EMPRESÁRIO — A peça está quase a dar- MOCINHA — Ingênua.


se e o senhor não termina o texto!
2ª ATRIZ — Tem experiência?
AUTOR — Pelo visto a peça há de dar-se
sem o autor! MOCINHA — Não, mas eu sempre quis ser
atriz, desde pequenina eu quero ser atriz e
EMPRESÁRIO — Hom’essa! E sem texto sei que um dia vou ser... Eu vou ser atriz!
final!
ENSAIADOR — Podemos começar?
AUTOR — Faço o que posso!
2ª ATRIZ — Querida, desculpe, mas durante
EMPRESÁRIO — É pouco’ o ensaio é proibida a entrada de estranhos.
É melhor você esperar o doutor na porta.
AUTOR — Pouco? Escrever um texto em Boa sorte, querida! (Entra o elenco do
quatro dias é pouco? entreato)

EMPRESÁRIO — O senhor é ou não é um MOTA — Estou pronto, professor.


escritor?
ENSAIADOR — Vamos lá, então. Quero
AUTOR — Sou escritor. Não sou máquina. muito realismo nas cenas. Muita emoção. É
preciso comover o público. Vamos?
EMPRESÁRIO — No Trianon trabalha-se
assim. É a escrita! MOTA — Intolerável!

ENSAIADOR — (gritando de fora) Elenco no OSVALDO — O senhor não pode acreditar


palco! Ensaio do entreato! nesta infâmia!

(Julinha, a 2ª.Atriz entra, é barrada pela MOTA — É a minha honra, canalha! A


Mocinha) minha honra!

MOCINHA — Dá licença? A senhorita é a 1ª OSVALDO — É uma vil calúnia!


atriz?
MOTA — Calúnia? Pois vou matá-lo como
2ª ATRIZ — Sou a 2ª Atriz. A primeira é se mata a um cão danado!
dona Isaurinha, mas ela ainda não chegou.
OSVALDO — Não.
MOCINHA — E o doutor?
MOTA — Sim. (Puxa a pistola)
2ª ATRIZ — Deve estar chegando, por quê?
OSVALDO — Não. — Morra, traidor! (Atira)
MOCINHA — Sabe o que é? Quero ser atriz. OSVALDO — Miserável, tua bala arrancou-
me a vida!
2ª ATRIZ — Sim.
ENSAIADOR — Excelente. Mota, por favor,
MOCINHA — O empresário dou-me falar ao um pouco mais de verdade no texto final. A
doutor. psicologia do personagem mostra um
homem atormentado, sanguinário.

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MOTA — Sim, professor. Vamos de novo, OSVALDO — Infame és tu, que vives a cair
seu Osvaldo? de bêbado pelas vielas, sempre na
companhia de peralvilhos do teu quilate.
OSVALDO — Claro.
MOTA — Tu não passas de um patife a
ENSAIADOR — Vamos. quem hei de mandar azorragar pelo primeiro
vagabundo que encontrar.
MOTA — Sim.
OSVALDO — Experimenta!
OSVALDO — Não.
MOTA — (Puxa a pistola e atira) Morra!
MOTA — Morra, traidor! (Atira)
OSVALDO — Covarde! (Cai morto)
ENSAIADOR — Excelente!
MOCINHA — Dá licença?
MOCINHA — Dá licença?
ENSAIADOR — Muito bem, muito bem.
TONICO — Queimou! Desce a gambiarra, Assim vamos bem. Logo, logo terminados. A
Vavá! cortina n° 5. Por favor.

ENSAIADOR — Dona Julinha e seu MOTA — Estou pronto.


Osvaldo, a cortina 3.
ENSAIADOR — As marcas, primeiro.
OSVALDO — Pronta?
MOTA — Muito bem. (Sai)
JULINHA — Meu batom.
ENSAIADOR — Vamos lá!
OSVALDO — Ah, vida miserável, que
fizeste de mim? MOTA — Ó Desgraça!

ENSAIADOR — Seu Osvaldo, não fale tão ENSAIADOR — Desgraça digo eu, seu
arrastado. Mota! Eu disse para o senhor entrar pela
direita baixa e vir para 2.
OSVALDO — Meu personagem é bêbado.
MOTA — Não foi o que eu fiz?
ENSAIADOR — Mas não precisa falar tão
arrastado... ENSAIADOR — O senhor veio pela
esquerda.
OSVALDO — Ah, vida miserável, que
fizeste de mim? Sem o meu único amor não MOTA — E olha que não sou canhoto! Com
quero mais viver! Mato-me de desespero e licença. (Sai)
de dor! (Aponta a pistola para o peito)
Adeus, vida ingrata! (Atira) OSVALDO — Pior que um canastrão, dona
Julinha, só mesmo outro canastrão!
JULINHA — (Entra) Que tiro foi esse? Ó,
meu Deus! Meu Deus! JULINHA — Que o Mota não nos ouça, seu
Osvaldinho, mas ele e mesmo um horror!
ENSAIADOR — Muito bom! Obrigado. Seu Gosta do meu batom?
Mota, por favor, a cortina número 4.
ENSAIADOR — Silêncio, por favor!
MOTA — "Miserável! Infame! Não sei onde
estou que não te esbofeteio!" MOTA — Ó Desgraça!

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ENSAIADOR — Mas o que foi agora, seu
Mota! MOTA — Perfeitamente.

MOTA — Perdoa-me, professor. Mas não ESSE MENINO — Seu peito vai ficar cheio
posso começar logo na 2? de sangue! Que bonito, professor!

ENSAIADOR — Não. ENSAIADOR — Obrigado, Esse Menino.


— Mas o meu desespero é grande e
toda essa movimentação é excessiva... JULINHA — A platéia há de se deliciar
vendo o Mota a esvair-se em sangue em
ENSAIADOR — O seu desespero vem de cena aberta!
lá, da direita baixa!
OSVALDO — Vão formar torcida, dona
MOTA — Sim, professor!... Ó Desgraça! Julinha!
Não suporto mais tanto remorso! Sou um
canalha! Só na morte encontrarei... EMPRESÁRIO — (em "off") O Esse Menino!
O Esse Menino!
ENSAIADOR — Dá-me apenas uma pausa
mais longa entre "canalha" e "só na morte!" ESSE MENINO! — Já vou, seu Staffa.
(Grita) Õ Esse Menino! ENSAIADOR — Pergunte ao seu Abadie
pelo texto final!
MOTA — Ó Desgraça! Não suporto mais
tanto remorso! Sou um canalha! (Pausa) Só ESSE MENINO — É comigo mesmo. (Sai)
na morte encontrarei perdão para todas as
minhas iniqüidades! (Apanha o punhal) ENSAIADOR — A cortina 6.
Morre, consciência! (Enfia o punhal no peito)
MOTA — Fui traído!
ENSAIADOR — Magnífico! Magnífico seu
Mota! JULINHA — Não é verdade, meu amor.

MOCINHA — Dá licença? MOTA — Ainda nega?

ESSE MENINO — (Entra) Chamou? JULINHA — Vou negar sempre, sempre. Só


a ti amo e desejo.
ENSAIADOR — Trouxe a bexiga com
sangue? MOTA — Traidora! (Avança para ela e a
estrangula) Traidora! Eu vou matá-la,
ESSE MENINO — Está na mão. Precisei matála! (Ela morte) Oh! O que fiz, meu
mandar matar a galinha do vizinho. Deus?

ENSAIADOR — Tudo pela arte. JULINHA — Ufa!

MOTA — A pobre galinha foi sacrificada ENSAIADOR — Muito bom!


pelo engrandecimento da arte teatral!
JULINHA — É uma espiga, isso sim. O seu
JULINHA — Seu Mota é um cretino! Mota podia ser mais gentil... Quase bato o
31!
OSVALDO — É um finório!
MOTA — Perdoa-me, dona Julinha, mas
ENSAIADOR — Quando o senhor se toda essa emoção...
apunhalar a bexiga arrebenta.
JULINHA — É uma espiga, seu Mota!
ESSE MENINO — Com a pressão da ponta
da faca. ENSAIADOR — Menos realismo, seu Mota.

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ENSAIADOR — Calma, dona Julinha,
JULINHA— Que horror! calma. Vamos repetir.

ENSAIADOR — Cortina nº 7, por favor. JULINHA— Preciso retocar o meu batom.

JULINHA— Não. ENSAIADOR — Mas está ótimo!

OSVALDO — Eu a desejo com toda JULINHA — Não, não está. E depois, sinto-
minh’alma. me insegura com tanta violência, sem meu
batom...
JULINHA— Não quero ser sua. Não o amo.
ENSAIADOR — (à parte) E essa agora?
OSVALDO — Se não for minha não será de
mais ninguém! (A pistola) ESSE MENINO — Seu Abadie...

JULINHA— Louco. AUTOR — Que é?

OSVALDO — Adeus, meu amor! (Atira) ESSE MENINO — O texto.

JULINHA— O! (Cai morta) AUTOR — Até você, estrupício?

ENSAIADOR — Mas o que há, seu Mota? ESSE MENINO — Gosto de estar bem
— Não ouvi a deixa. informado.

JULINHA — Eu caio morta, seu Mota, não é AUTOR — (à parte) Esta só pelo diabo!
suficiente? Eu caio morta e não vou cair nem
mais uma vez, ora. Que espiga! ESSE MENINO — Se o senhor quiser fazer
Francamente, professor, assim não é parte da companhia do doutor, tem que ser
possível! E depois quero deixar bem claro mais ligeiro, como o Gastão, por exemplo...
que sou do elenco nobre da companhia! Eu
não sou atriz de entreato! AUTOR — Gastão?
ESSE MENINO — O Tojeiro, naturalmente.
OSVALDO — Muito menos eu, professor! Escreve com as mãos nas costas. É nosso
autor favorito. Deu-nos grande sucesso.
ENSAIADOR — Compreendo
perfeitamente, dona Julinha! AUTOR — E por que não o chamaram?

OSVALDO — Atores gabaritados não fazem ESSE MENINO — Queríamos um autor


entreato! novo, desconhecido. Que gostamos de
lançálos, de levá-los à glória!
ENSAIADOR — Cousas do Staffa, seu
Osvaldo, que não contrata mais atores! AUTOR — (à parte) É possível isso?

JULINHA — É uma espiga! JULINHA— Estou pronta. professor.

ENSAIADOR — A deixa, seu Mota, é ENSAIADOR — Até que enfim. Vamos.


"Adeus, meu amor!"
JULINHA — Não.
MOTA — Pois jurava que era "O".
OSVALDO — Eu a desejo com toda
JULINHA — O senhor quer matar-me, isso minh’alma.
sim!
JULINHA— Não quero ser sua. Não o amo.

12
OSVALDO — Se não for minha não será de APRIGIO — Muito obrigado, dona Julinha,
mais ninguém! (Pistola) mas preciso entrar em cena. É a minha
primeira vez.. vem toda a minha família!
JULINHA — Louco!
JULINHA — Semana que vem, seu Aprígio,
OSVALDO — Adeus, meu amor! (Atira) confia em mim!

JULINHA— O! (Cai morta) ENSAIADOR — Estão liberados para o


café!
MOTA — O que fizeste, desgraçado?
(Os atores do entreato se juntam no fundo
OSVALDO — Resistiu-me, assassinei-a. do palco, à exceção de Aprígio)

ENSAIADOR — Excelente! Vamos à última EMPRESÁRIO — (entra) O mestre


cortina trágica! Seu Aprígio! Decorou o Quintino, que barulho dos infernos é esse?
texto? Pára com esse martelo um pouco! (Entra o
pianista. À parte) O pianista! (Grita) Mestre
APRIGIO — Sim, professor. Quintino, esquece o que disse e continua
martelando!
JULINHA — Então, doutor, qual o
diagnóstico? TONICO — Põe a lâmpada mais forte aqui.

APRIGIO — Tuberculose. VAVÁ — Mais aí é a marca do doutor.

JULINHA— Não pode ser. Meu pobre TONICO — Por isso mesmo, toupeira.
filhinho. O doutor por certo há de se ter
enganado... ESSE MENINO — Os borderô, seu Staffa.

APRIGIO — Não. Conheço esta criança EMPRESÁRIO — Borderôsss, Esse


desde... Desde... Desde o dia em que nasci! Menino!

ENSAIADOR — Então decorou o texto? ESSE MENINO — Então! (O pianista


começa a tocar)
APRIGIO — Desde o dia em que nascemos!
ENSAIADOR — Obrigado, seu Aprígio, mas EMPRESÁRIO — Jesus! Por que não estou
não temos mais tempo. O senhor fará esta no ramo de secos e molhados?
cortina na semana que vem.
ESSE MENINO — Ih, seu Staffa, os
APRIGIO — Então não entro em cena? entreatos estão uma beleza!

ENSAIADOR — Está visto que não. O EMPRESÁRIO — Tem muito tiro! Cebolas,
senhor não sabe as falas. isso ainda acaba mal, olá se acaba! E onde
anda o doutor que até esta hora não
APRIGIO — Mas temos o ponto. apareceu? Acaba não havendo estréia!
(Seu Aprígio aparece como que por milagre)
ENSAIADOR — O ponto pontua, não
interpreta, seu Aprígio. APRIGIO — Não faça isso!

JULINHA — Que espiga, seu Aprígio! Mas EMPRESÁRIO — Mas quem é o senhor?
na semana que vem o senhor consegue. Eu APRIGIO — Sou ator da companhia.
o ajudo.
ESSE MENINO — Sou o avisador.

13
EMPRESÁRIO — Eu sou o empresário. (À ISOLDA — Eu queria ser uma ave...
parte) Ator da companhia! A que ponto nós
chegamos! PIANISTA — A afinação, dona Isolda.

APRIGIO — O ensaiador não quer me ISOLDA — Eu queria ser uma ave Para
aproveitar... voar, voar. Eu queria ser uma ave Para
ruflar, ruflar.
EMPRESÁRIO — Boas razões terá...

APRIGIO — Mas minha família, em peso, PIANISTA — De novo! E mais agudo no 2º


virá! ruflar.

EMPRESÁRIO — (à parte) É poeta! EMPRESÁRIO — Professor!

APRIGIO — Preciso estar em cena. ENSAIADOR — (entra) Chamou?

EMPRESÁRIO — E quantos são? EMPRESÁRIO — Temos aqui um rapaz


iniciante... Aquele ali, escondido na
APRIGIO — O quê? tapadeira, com cara de imbecil!

ESSE MENINO — Os familiares, meu ENSAIADOR — O seu Aprígio!


amigo.
EMPRESÁRIO — Aprígio, pois é, gostaria
APRIGIO — São 26. que ele estivesse em cena.

ESSE MENINO — Que beleza, seu Staffa! ENSAIADOR — Mas ele é um horror!

EMPRESÁRIO — Continue ensaiando, EMPRESÁRIO — Acredito que sim, contudo


rapaz. O senhor irá longe. Papagaios, esse sua família tem 26 pessoas e, em tempo de
piano me deixa maluco! crise...

AUTOR — Seu Staffa, cadê o doutor? ENSAIADOR — Não acho que arte se faça
assim.
EMPRESÁRIO — Está chegando, está
chegando. E o texto? EMPRESÁRIO — Arte faz-se com dinheiro.

AUTOR — Está chegando, está chegando. ENSAIADOR — Mas eu pensei...

TONICO — Sobe a gambiarra da frente, EMPRESÁRIO — Pensou errado. Eu só


Vavá. quero os arames! (Faz sinal de dinheiro com
os dedos) Os arames!
ISOLDA — Boas tardes, seu Miguelzinho.
ENSAIADOR — Eu sei. Arte é com o
PIANISTA — Boas tardes, dona Isolda. Doutor!

ISOLDA — Ensaiei bastante em casa. EMPRESÁRIO — Pois sim! (Sai)

PIANISTA — Os graves? ENSAIADOR — O seu Abadie, o texto, seu


Abadie!
ISOLDA — E os agudos.
AUTOR — O doutor, professor, o doutor!
PIANISTA — Ótimo. Vamos?
ISOLDA — À vontade. ENSAIADOR — Ainda falta muito?

14
AUTOR — Só a última cortina trágica. E a
última cena da peça cena que o doutor quer APRIGIO — Uma o quê?
escrever comigo. Quer dar uns toques.
ENSAIADOR — Pois então termine, ao ENSAIADOR — Uma ponta, seu Aprígio.
menos, o entreato.
APRIGIO — Tenho alguma fala?
AUTOR — Estou tentando. Mas inspiração
não é cousa que se ache a toda hora! ENSAIADOR — O seu jornal, doutor.
APRIGIO — Só isso?
ENSAIADOR — Ah, seu Abadie. Inclua um
personagem que diz: o seu jornal, doutor! ENSAIADOR — E dê-se por satisfeito. E
trate de ensaiar para não esquecer a fala. O
AUTOR — Incluo onde? senhor entra pela direita alta e entrega o
jornal ao doutor. E sai.
ENSAIADOR — Onde o senhor quiser, mas
inclua. APRIGIO — Direita alta, o seu jornal, doutor!

AUTOR — Mas... ENSAIADOR — Perfeito. (Sai)

ENSAIADOR — Pensou errado. Cousas do VAVÁ — Tonico, sozinho não dá pra


Staffa. arrastar esse móvel.

ESSE MENINO — Então, professor? TONICO — Mas foi você que trouxe
sozinho.
ENSAIADOR — Então o quê?
VAVÁ — Trazer é uma cousa, levar é outra.
ESSE MENINO — Os tiros.
TONICO — (grita) Valdir, ajuda o Vavá! Isso
ENSAIADOR — Brilhantes. Não falhou um é pra hoje, gente!
sequer.
APRIGIO — Eu consegui, dona Julinha,
ESSE MENINO — Nem vai falhar. Descobri consegui. Eu entro.
um método novo, infalível.
JULINHA — Meus parabéns. Seu Aprígio.
ENSAIADOR — Tomara, tomara! Então,
dona Julinha, tem alguma cena que queira APRIGIO — Muito obrigado, dona Julinha.
passar?
JULINHA — Então o senhor conseguiu? Vai
JULINHA— Falta-me o último entreato. estar em cena.

ENSAIADOR — Não temos o texto ainda. APRIGIO — Apenas uma rábula.

JULINHA — É uma espiga! JULINHA — Uma rábula, não importa, mas


faz com vontade, como sé fosse o texto mais
ENSAIADOR — Seu Aprígio! importante do mundo.

APRIGIO — Sim. APRIGIO — A senhorita é muito boa.

ENSAIADOR — Quer estar em cena? JULINHA — O senhor vai conseguir. E logo-


logo estará fazendo grandes papéis. Ah.
APRIGIO — Se quero? estuda bem o texto, hein?

ENSAIADOR — O senhor fará a última APRIGIO — Vou estudar. (Senta-se)


cortina. É apenas uma rábula.

15
MOCINHA — O doutor vai demorar muito? VAVÁ — Tudo eu, tudo eu.

MOTA — Deve estar chegando. ESSE MENINO — As partituras. seu


Miguelzinho.
MOCINHA — Preciso falar-lhe.
PIANISTA — Obrigado, Esse Menino.
MOTA — Falar o quê, se me permite?
ESSE MENINO — O que tanto ensaia?
MOCINHA — Sou candidata à atriz ingênua.
APRIGIO — Vou entregar o jornal.
MOTA — Encantado. Sou Mota, grande ator
trágico e dono da Sapataria Mota, conhece? ESSE MENINO — Não tem fala?

MOCINHA — Claro! (Canta) Sapataria APRIGIO — Uma só.


Mota, chinelos e botas, Sapataria Mota...
(Entusiasma-se e canta e sapateia diante de ESSE MENINO — Que fala?
um Mota perplexo) Desculpe, não diga não.
Sou assim desde pequena, desenvolta. APRIGIO — O seu jornal, doutor,
Minha mãe sempre me diz isso. Mas é que
eu adoro o teatro. É tudo tão bonito aqui. ESSE MENINO — E ele o que diz?
APRIGIO — Não diz. Dá-me uma moeda.
MOTA — Pois veio ao lugar certo: Teatro
Trianon! E está falando com a pessoa certa: ESSE MENINO — Pois então aproveite.
Mota! Observe-me mocinha. (Começa a Nunca ouviu falar em caco?
fazer seu monólogo trágico)
APRIGIO — Caco?
ENSAIADOR — O texto, seu Abadie.
ESSE MENINO — É texto que os atores
AUTOR — Falta-me inspiração, professor. acrescentam às falas. Juro que muitas
vezes é melhor que o texto original. Tem até
ENSAIADOR — Ache-a, pelo amor de autores que se alimentam de cacos. Ah,
Deus! pode-se criar grandes papéis. Eu vi um
figurante transformar uma rábula num 2°
MOCINHA — Ah, eu estou adorando, seu papel!
Mota!
APRIGIO — Nossa!
ENSAIADOR — Seu Mota, por favor.
ESSE MENINO — Então?
MOTA — Com licença, mocinha. O dever
me chama. Ah, e não deixe de me assistir, APRIGIO — Não sei...
hem?
ESSE MENINO — Quando ele lhe der a
ENSAIADOR — O senhor está pronto para moeda...
a cena?
APRIGIO — Eu... eu lhe digo: Perdão,
MOTA — Quase, quase. senhor, mas não sou mendigo!

ENSAIADOR — Pois então avisei. (Sai) ESSE MENINO — Muito bem, muito bem.
Só que não é mendigo.
MOTA — Sim, senhor. (Senta-se)
APRIGIO — Não?
TONICO — Traz o tangão mais pra
esquerda, Vavá. ESSE MENINO — É mendigo.

16
APRIGIO — Mendigo? De forma alguma.
MOCINHA — Nossa! Deve ser bom ser
ESSE MENINO — Tenho certeza. É assim assim.., assim tão indispensável! Posso ir
que o doutor fala. com o senhor?

APRIGIO — O doutor? Jura? ENSAIADOR — Esse Menino!

ESSE MENINO — Juro. ESSE MENINO — O que é, professor?

APRIGIO — Mendigo... Tem certeza? ENSAIADOR — Fica nas marcas do


doutor... Vamos passar a luz.
ESSE MENINO — Absoluta.
ESSE MENINO — (para a Mocinha) Isso é
MOCINHA — O doutor vem ou não vem? fácil! É só ficar aqui, bem no centro, quando
muito um passinho pra lá, outro pra cá!
ESSE MENINO — Com licença, seu Aprígio.
Quem é a senhorita? ENSAIADOR — Vamos lá, seu Tonico.
(Experimenta-se a luz das gambiarras,
MOCINHA — Sou candidata ao papel de ribalta e tangões)
ingênua.
ENSAIADOR — Mais pra frente. Esse
ESSE MENINO — A senhorita é ótima, já Menino! Ai!
está aprovada!
ESSE MENINO — Não disse que era fácil?
MOCINHA — Obrigada. Mas quem é o
senhor? MOCINHA — Nossa!

ESSE MENINO — Esse Menino, um seu EMPRESÁRIO — (em "off") A cafiaspirina,


criado. Esse Menino!

MOCINHA — O senhor é da companhia? ESSE MENINO — (grita) Não posso agora.


Estou fazendo o Doutor!
ESSE MENINO — Desde pequerrucho. Sou
o avisador. (1ª atriz e o ensaiador discutem na escada
da platéia)
MOCINHA — Avisador?
ISAURINHA — Não.
ESSE MENINO — Então quer ser atriz e não
conhece os termos do ramo? Avisador é ENSAIADOR — Não faz assim, dona
assim.., é a figura indispensável! Isaurinha.
Vulgarmente conhecido como ‘pau pra toda
obra". Na verdade a companhia sem mim ISAURINHA — Não, não e não. (Entrando)
não anda. E muito em breve serei ENSAIADOR — Estamos em cima da hora.
promovido! O doutor prometeu-me até
mesmo umas cotas na sociedade. ISAURINHA — Recuso-me a dizer texto tão,
tão prosaico!
MOCINHA — Nossa
ENSAIADOR — Mas a situação pede, dona
EMPRESÁRIO — Esse Menino, traz um Isaurinha.
comprimido de cafiaspirina pra mim!
ISAURINHA — Não quero discutir,
ESSE MENINO — Vê? Sou até mesmo um professor. Sinto-me mal dizendo essa frase.
pouco médico. É como disse: sem mim a
companhia não anda! MOCINHA — Quem é esta?

17
EMPRESÁRIO — Então, dona Isaurinha,
ESSE MENINO — Dona Isaurinha, a mais satisfeita agora?
primeira atriz.
ISAURINHA — Um pouco. Então temos um
MOCINHA — Ai, que emoção. sucesso?

ESSE MENINO — Vem. (Saem) EMPRESÁRIO — A cousa anda confusa,


cheia de nós pelas costas, mas acaba
EMPRESÁRIO — O que houve, madame? acertando. Então, está melhorzinha da
constipação?
ISAURINHA — Não gosto da frase. Não vou
dizê-la. ISAURINHA — Apliquei bálsamo de benguê
às têmporas. Que alívio! O seu Staffa, não
EMPRESÁRIO — Madame não gosta da está. Na hora de darmos uma peça de
frase? Troca-se! (Grita) O seu Abadie! época?

AUTOR — O que é agora? EMPRESÁRIO — Agora nem pensar.


Estamos com o orçamento estourado.
EMPRESÁRIO — Madame não gosta de
suas frases. ISAURINHA — Eu também.

ISAURINHA — Desta frase apenas, seu EMPRESÁRIO — Mas é a escrita, madame.


Staffa. Nas peças de época, a companhia assume
os gastos, nas atuais; cada ator é
AUTOR — Que frase, madame? responsável por seu figurino.

ISAURINHA — Rosinha é minha criada. ISAURINHA — (à parte) É por isso que


quase nunca damos peças de época.
AUTOR — Mas é uma frase tola,
circunstancial. EMPRESÁRIO — Fazer arte é sacrifício.

ISAURINHA — Por isso mesmo. ISAURINHA — Sacrificam-se alguns, outros


nem tanto.
EMPRESÁRIO — Troque.
EMPRESÁRIO — Não seja malvada. Não
ENSAIADOR — Por favor, seu Abadie. sacrifico eu minha saúde? Sou movido a
comprimidos de cafiaspirina. (Grita) O Esse
Menino, meu comprimido!
AUTOR — Vejamos... Você, Rosinha,
infelizmente, por circunstâncias adversas da
PINTOR — Acabou a tinta preta, seu Staffa.
vida, má sorte no berço, acabou como
minha criada. Então?
EMPRESÁRIO — Pinta de outra cor,
sacripanta!
ISAURINHA — Eu gosto.

ESSE MENINO — (entra) Seu remédio; seu


EMPRESÁRIO — Quando o senhor quer até
que a senhor é ligeiro! Staffa (Sai)

ISAURINHA — Obrigada, seu Abadie. MOCINHA — Sua água, seu Staffa! (Para
Isaurinha, disfarçando) A senhora é a 1ª
atriz!
AUTOR — Foi uma honra, madame.
Transcrevo-a imediatamente.
ISAURINHA — Sim, e você, mocinha?
ENSAIADOR — Rápido, seu Abadie.
MOCINHA — Sou candidata a atriz.

18
EMPRESÁRIO — Minha filha, já lhe disse PONTO — Mas por quê? Eu mereço? Dou 3
que é proibida a permanência de estranhos sessões diárias. Acabo o dia coberto de
aqui. poeira. Toda a poeira que me chutam os
atores, que a saia das atrizes me sacodem
MOCINHA — (rindo do Staffa) É que o na cara. Isto de segunda a segunda. Fico
senhor não sabe ainda: o avisador exausto. E o calor? Os senhores já
aprovoume. Só falta falar ao doutor. Eu vou pensaram no calor que sinto dentro da
ser a 1ª Atriz da companhia. caixa? Não? Sou um profissional. Será isso
motivo de deboche? Eu mereço? Talvez
EMPRESÁRIO — Vai mesmo? (À parte) algum dia quando alguém quiser saber um
Que petulante! Mocinha, quer fazer o favor pouco sobre o que seja "amor ao teatro",
de se retirar? alguém se lembre do ponto. Eu amo o
ISAURINHA — (rindo) Deixe! Ela fica teatro. A glória é de vocês. Deus, é como se
comigo. Bonitinha! eu visse a mulher que amo (Olha para
Isaurinha) sempre distante de mim. Nunca
MOCINHA — Ai, eu estou adorando isto estou do lado dela. Sempre abaixo! Nunca
aqui! (O ponto chega) tenho os aplausos. Não recebo flores. Eu
sofro. "Outro dia quis cuspir e o cuspe não
me saia, tão ressecado ficou de poeira."
PONTO — Boas tardes!

ESSE MENINO — Que bonito, seu


ESSE MENINO — Até que enfim.
Almeidinha.
EMPRESÁRIO — Isso lá são horas, seu
MOCINHA — É tão romântico.
Almeidinha?
ENSAIADOR — Belas palavras, seu
PONTO — O que há?
Almeidinha. Estudou o texto?
PONTO — Perfeitamente. (Eles discutem a
EMPRESÁRIO — O senhor está com duas
cena a ser ensaiada com dona Isaurinha)
horas de atraso.
AUTOR — Seu Staffa.
ENSAIADOR — (entra) Afinal o senhor
chegou!
EMPRESÁRIO — O senhor não devia estar
no seu quarto escrevendo?
PONTO — Mas o que há por aqui? São três
horas da tarde e eu estou no rigor do meu
horário. AUTOR — Lembrei-me de uma cousa: o
doutor não ensaiou!
TODOS — São cinco horas, seu Almeidinha.
EMPRESÁRIO — Claro que ensaiou. Ele
estudou o texto em casa.
PONTO — Não pode ser. É uma
brincadeira. E de muito mau gosto por sinal.
(Todos riem) AUTOR - Mas ele não tem o texto!

ISAURINHA — Esse pessoal é da fuzarca! EMPRESÁRIO — Não tem porque o senhor


não escreveu, cebolas!
PONTO — Mas eu não sou, dona Isaurinha.
Que todos riam, não me importo, mas dóime AUTOR – Só não escrevi o final.
vê-la rir-se de mim...
EMPRESÁRIO — Pois então ele só não
ISAURINHA — Perdoe-me... ensaiou o final. E depois o doutor conta com
o Almeidinha. O melhor ponto da cidade,
quiçá do país...
ESSE MENINO — Queríamos pregar-lhe
uma potoça!
PONTO — Gentileza, seu Staffa.

19
AUTOR — E vai dar tudo certo?
PONTO — Eles montavam um dramalhão
PONTO — Sempre dá. tremebundo, lá no Recreio, e o Chaves
esfolava-se por dizer o papel...
EMPRESÁRIO — É melhor o senhor acabar
de escrever. Em teatro é assim, só se tem OSVALDO — Olhos pregados no ponto, ora
sucesso quando cada um faz a sua parte da gaguejando, ora dizendo as falas dos
melhor maneira possível. outros... Bom ator, igual ao Mota!

AUTOR — E como se juntam as partes? PONTO — Exatamente! Pois bem, a peça ia


se dando quando o Chaves, dizendo que se
PONTO — Algum anjo faz o arranjo no céu. ia, pergunta todo empolado: "Então, senhor
conde, quando devo partir?" Foi aí que
OSVALDO — Dona Julinha; vou confessar- alguém da platéia gritou: "Agora, no primeiro
lhe uma cousa... Sinto-me muito mal trem!"
fazendo o entreato!
OSVALDO — Foi uma gargalhada só!
JULINHA — Eu também. É uma espiga, seu
Osvaldo. Sou a 2ª Atriz, e o senhor é o 2° PONTO — A platéia ria às casquinadas!
Ator, não temos que fazer cortinas! Somos
do elenco principal! OSVALDO — (à parte) Num dramalhão
tremebundo!
OSVALDO — Mais que tudo, dói-me
contracenar com atores do naipe do Mota! MOTA — Cousas de canastrões!

JULINHA— E a Isolda? E o Aprígio? Seu ISAURINHA — Perdoa-me, professor, mas


Osvaldinho, vou queixar-me ao doutor! assim é demais.

ESSE MENINO — (entra com uma corbeille) ENSAIADOR — Paciência, dona Isaurinha.
Seu Staffa, seu Staffa!
ISAURINHA — Paciência, digo eu. Não vê
EMPRESÁRIO — O que é agora? que não posso entrar em cena sem o texto
final?
ESSE MENINO — A baleira não velo.
ENSAIADOR — Eu sei, mas o autor é novo
EMPRESÁRIO — O que você quer dizer no oficio.
com "não veio?"
ESSE MENINO — Ela faltou, fez "forfait". ISAURINHA — Que tente outro ofício então.
Não entro em cena.
EMPRESÁRIO — Fez "forfait"... (à parte) E
essa agora? ENSAIADOR — Não entra?

ESSE MENINO — Dona Isaurinha, veja que ISAURINHA — Não entro e está acabado.
"copélia" linda que mandaram para a
senhora"... JULINHA — Se dona Isaurinha não entra,
também não entro eu!
ISAURINHA — Não me manda-ram uma
"giselle", Esse Menino? OSVALDO — Nem eu.
MOTA — Também eu não entro.
ESSE MENINO — Não, só mandaram a
copélia! APRIGIO — (à parte) Eu entro!

OSVALDO — O Chaves foi pateado em


cena aberta?

20
ENSAIADOR — (para o Mota) O senhor é
um favor! (Para os outros) O que é isso, um DOUTOR — Calma, calma. Foi lamentável
motim? o meu atraso, mas toda essa canícula
obrigou-me a parar na Confeitaria Colombo
EMPRESÁRIO — Isso acaba mal, olá se para tomar um gelado. Aceitam? Ótimo.
acaba. Hom’essa! Cebolas! Cadê a Atrasei-me um pouco... Está delicioso! Mas
cafiaspirina? Isto vai à vela, vai devagar! creio que há tempo para fazer os acertos!
Meu Deus, quebrem este piano! Dane-se o Então, dona Isaurinha, não entra em cena?
prejuízo! Chega! Esse Menino, liga para o
doutor! Estou farto! Que ele venha logo, ISAURINHA — Sem a última cena, recuso-
senão quem sai... Sou eu! Cebolas! (Saída me.
falsa do Esse Menino)
AUTOR — Falta a cena que o doutor
ESSE MENINO — O doutor chegou! prometeu escrever...
(Aplausos)
DOUTOR — E se eu lhe garantir que a
ENSAIADOR — Finalmente! última cena não tem mistérios? Será uma
cena curta, muito curta, quando finalmente,
PONTO — Começava a preocupar-me. está tomando nota, seu Abadie?

AUTOR — Ainda tenho 10 minutos para AUTOR — Sim senhor.


terminar o texto!
DOUTOR — Tudo se resolve! A última cena
TONICO — Testa a luz do centro, Vavá! conterá o titulo da peça.

MOCINHA — O doutor, ai! PONTO — Excelente, doutor.

JULINHA — Retoco o batom já! DOUTOR — Acabei de inventar! Dona


Isaurinha, é uma cena sem dificuldades. E
APRIGIO — Estamos salvos! depois o Almeidinha estará lá, pronto a
ajudar-nos.
ISAURINHA — Não entro em cena!
PONTO — Madame, eu a garantirei em
MOCINHA — Vou falar ao doutor! cena com todo o brilho que a senhora
costuma ter!
OSVALDO — Queixo-me agora!
ISAURINHA — Não sei, sinto-me tão
EMPRESÁRIO — É deixar correr o marfim! insegura sem ter lido... (O doutor segura sua
(Entra o doutor tomando um gelado) mão e olha-a dentro dos olhos)

DOUTOR — Posso penetrar? DOUTOR — Confie em mim.

TODOS — Boas tardes, doutor. ISAURINHA — Está bem. Eu confio,

ENSAIADOR — Graças a Deus, doutor. ENSAIADOR — Finalmente.


Isso aqui está uma loucura! A peça está
quase a dar-se. Dona Isaurinha não entra DOUTOR — E dona Julinha hein?
em cena, dona Julinha também não. Seu
Abadie não termina o texto... JULINHA — Eu...

ESSE MENINO — A baleira não veio. DOUTOR — A senhorita está muito bem...

OSVALDO — Recuso-me a fazer os JULINHA — Sou a "soubrette."


entreatos!

21
MOCINHA — Ela é o quê?
TONICO — Faltam 10 minutos!
ESSE MENINO — A criada.
EMPRESÁRIO — Se der tudo certo, mudo
MOCINHA — Vou falar ao doutor! (Ela tenta, de ramo.
mas não consegue)
DOUTOR — Se der tudo certo, você fica no
DOUTOR — Então? ramo.

JULINHA— Se dona Isaurinha entra em ESSE MENINO — Para sempre, seu Staffa.
cena, também entro eu!
EMPRESÁRIO — Cebolas!
DOUTOR — Muito bem.
EMPRESÁRIO — (à parte) Que sacripanta! TONICO — Desce os painéis!

ENSAIADOR — Seu Osvaldo não faz o EMPRESÁRIO — Cebolas! Meu coração


entreato! ainda arrebenta!

DOUTOR — Posso saber por que, seu ESSE MENINO — Quem fica no lugar da
Osvaldinho? baleira?

OSVALDO — Pode. Somos, dona Julinha e EMPRESÁRIO — Eu é que não sou!


eu, do elenco nobre da companhia... Não
somos atores de entreato! MOCINHA — Doutor!
ENSAIADOR — Todos maquilados e
DOUTOR — Disso sei eu, seu Osvaldinho! vestidos?
Contudo, o senhor há de compreender que
depois do fracasso da semana passada... EMPRESÁRIO — A técnica está pronta?
Bem, a companhia não podia arcar com
mais despesa de contratação do elenco... TONICO — Eu terminei,
Estávamos num impasse: ou não fazíamos
o entreato, as cortinas, o que já é de VAVÁ — Eu também.
tradição, ou então, usávamos o seu talento
e o de dona Julinha para abrilhantar a nossa
QUINTINO — Eu também.
noite de estréia...
PINTOR — Falta só um retoque no painel.
OSVALDO — Sendo assim...
EMPRESÁRIO — Mas isto vai devagar, isto
DOUTOR — Fica em suas mãos, seu vai à vela! Mas vai como está!
Osvaldinho.
PINTOR — Está pronto, seu Staffa.
OSVALDO — Bem, se é de tradição, eu
faço!
EMPRESÁRIO — Ótimo, temos dois
minutos para arrumar o cenário, pessoal.
JULINHA — Também faço eu!
Vamos lá. Vão abrir a platéia!
DOUTOR — Fico-lhes devendo esse favor
ENSAIADOR — Por favor, todos prontos em
imenso! cinco minutos!

ENSAIADOR — O texto, doutor. MOTA — Ó Desgraça! Ó Desgraça!

DOUTOR — O texto. ISOLDA — Mimimimimimi.

AUTOR — Está aqui.

22
APRIGIO — O seu jornal, doutor! (Esse (Aos poucos a platéia do teatro vai
menino tropeça. Todos riem um riso transformando-se no Teatro Trianon. São
histérico) colocados os camarotes e a ribalta. Entra
vestido a caráter Esse Menino de apontador
MOCINHA — O que eu faço, meu Deus? Ai, de lugares, funcionando também como cabo
estou adorando isto aqui! Doutor! da claque, convocados sutilmente alguns
espectadores a fazerem parte desta. A
MOTA — Ó Desgraça! Não, é... Desgraça! seguir a Mocinha substituindo a baleira,
vendendo balas e bombons em beneficio da
APRIGIO — O seu jornal, doutor! Casa dos Artistas que o doutor pretende
construir. O empresário Staffa. saudando a
ISOLDA — Mimimimimimi. presença de todos os presentes. Em
determinado momento surge do centro do
palco uma figura que vem abrir o espetáculo
APRIGIO — Perdão, mas não sou mendigo!
da noite. Ao final de suas palavras a cortina
se abre e temos então o início do 2º. ato)
MOTA — Morre, consciência!
Simpático Jeremias:
JULINHA — Minha maquiagem está boa,
Posso penetrar? Perdão por importunar-vos,
seu Osvaldinho?
senhores. Se bem que esmolar seja uma
das contingências humanas, não estou aqui
OSVALDO — Está linda. E o meu repartido? para implorar a vossa caridade. Estou aqui
apenas para narrar-lhes a minha breve
JULINHA — Está torto. Dá-me o pente. história. A saga de um humilde servo do
saber. E necessário, pois, que eu me
OSVALDO — Estou nervoso. apresente: meu nome é Jeremias Taludo.
Jeremias é por parte de mãe, o Taludo é que
ISOLDA — Mimimimimimi. é por parte de pai. Mas todos me chamam
pela alcunha: O Simpático Jeremias,
MOTA — Morre, consciência! Ó Desgraça! personagem da peça homônima de Gastão
Tojeiro, grande sucesso do Teatro Trianon.
APRIGIO — Não sou mendigo! Como ia dizendo, vim narra-lhes a breve
história que empreendi na materialidade da
EMPRESÁRIO — Montem o cenário! vida em companhia do venerável,
ilustríssimo, do meu excelso mestre Sirênio
(Descem painéis, reguladores, tapadeiras. Calado. Como? Como? Quem foi Sirênio
Sobem as gambiarras. Os atores andam de Calado?
um lado para o outro. Uma loucura) Sirênio Calado foi um grande e imperecível
filósofo. Viveu e morreu na obscuridade
EMPRESÁRIO — Isto acaba mal, olá se sublime dos espíritos superiores. Durante
acaba! seis longos anos, estive eu em sua
companhia, ouvindo-lhe, dia a dia, suas
MOCINHA — O que é que eu faço, meu palavras sempre repassadas de grandes
Deus? Sou candidata a atriz! Vou falar ao ensinamentos, transbordantes de elevados
doutor. É pra já! (Decidida) Doutor! preceitos e imutáveis verdades sobre a vida
humana. Quanto te agradeço, ó excelso
mestre a tu que pairas nesse mundo
ENSAIADOR — Tudo pronto?
invisível para onde emigrou a tua alma
privilegiada de filósofo, a sabedoria da vida
TODOS — Tudo! que me legaste.
Continuando... Bem, primeiramente sentar-
Fim do 1º. Ato me-ei, pois como dizia o mestre: “Nunca
fiqueis de pé quando há um banquinho ao
vosso lado." Agora sim: entrei como criado
INTERVALO ao serviço do mestre. Ao fim do primeiro
mês, não tendo ele dinheiro para pagar-me
23
o ordenado, propôs ensinar-me a sua Simpático Jeremias" da peça homônima de
filosofia, tornando-me, assim, seu amado Gastão Tojeiro)
discípulo, pois descobriu em mim a bossa
filosofal. Daí em diante, todos os dias depois (Entrou de caixeiro e saiu de sócio)
de eu fazer a limpeza da sórdida baiúca em (1/2 ato cômico de Abadie Faria Rosa)
que habitávamos, punha-me a ouvir suas
lições só as interrompendo para despachar
os credores que nunca lhe deixavam a Cena 1
porta. Por absoluta falta de numerário para
satisfazer o aluguel da baiúca, fomos pelo ANTONICO — Cuidado, hem! Não virá
seu proprietário impiedosamente postos na ninguém?
rua. Tivemos que nos abrigar sob um
telheiro cuja existência era uma hipótese,
ROSINHA — Não há perigo. O patrão está
pois não impedia a passagem dos raios
se vestindo. D. Eulambia só se levanta mais
solares nem do líquido chuvoso. Contudo,
tarde.
contentamo-nos, pois "Tudo é bom desde
que abstraiamos da imaginação o que possa
ANTONICO — Mas é que deixei o armazém
existir de melhor" disse Sirênio Calado.
só com o menino.
A negra miséria purificadora das almas,
forçou o meu excelso mestre a admitir uma
ROSINHA — Então vai.
nova aluna, a preta Deolinda, que todos os
dias nos trazia restos de comida da casa em
que trabalhava como cozinheira. E nós, ANTONICO — Não! Quero primeiro o que
famintos, aceitávamos, pois como dizia o me prometeste. Subi só por isso.
mestre: "Nunca recuses o que uma mulher
te oferecer mesmo que dela não sejas o ROSINHA — Beijos comigo só depois do
gigolô." E assim, passara-se os dias, os casamento. Eu não vou nisso.
meses, os anos, até que meu excelso
mestre não podendo entregar a alma aos ANTONICO — Eu caso mesmo, já te disse.
credores, entregou-a ao criador. Ele, que ROSINHA — É. Mas pelo sim, pelo não... Eu
nunca me pagou um real ordenado, deixou- cá sei. O seguro morreu de velho,
me como herança: sua roupa, esta bengala,
este monóculo, seus livros e a sua ANTONICO — (ar zangado) Então pra que
incomparável filosofia. me prometeste?
Sentindo-me órfão, fui parar na Pensão das
Magnólias, onde me empreguei como criado ROSINHA — (dengosa) Para te ver. Para te
para fazer juz às parcas soldas para a dar bom dia. Eu gosto de ti. Tu sabes. Não
subsistência material do invólucro do posso gostar?
espírito.
Mas isso é apenas uma história, escrita por ANTONICO — Gostas... Mas nem uma
Gastão Tojeiro, e eu apenas uma carícia... Um abraço, um beijo...
personagem, um tipo criado pelo fabuloso
ator Leopoldo Fróes. E, no entanto, existem ROSINHA— Para quê? O melhor da festa é
inúmeras outras histórias, inúmeras outras esperar por ela.
personagens, pois estamos, senhores, no
templo do teatro, neste baluarte da cultura ANTONICO — Esperar? Sabe Deus lá
nacional que é o Teatro Trianon. Senhoras quanto tempo!
e senhores, eu, como um digno
representante desta época convido-os a ROSINHA — Pois casa logo.
assistir o 1/2 ato cômico de Abadie Faria
Rosa, "Entrou de caixeiro e saiu de sócio."
ANTONICO — Casar? Dizer não custa. Lá é
possível casar ganhando $15000 por mês?
(Este texto foi arranjado pelo ator Isio Não sabes o que dizes. (Sobe)
Ghelman a partir das falas do personagem
"O

24
ROSINHA — Então espera. Esperemos os (Os mesmos, mais Eulambia e Marcondes)
dois.
MARCONDES — Ela!
ANTONICO — Mas é que nem posso mais.
Tu não me sais da cabeça, já nem trabalho EULAMBIA — Ele!
direito, passo as noites sonhando contigo.
Mesmo acordado vejo teu rosto diante dos ANTONICO — O patrão!
meus olhos. Ah, meu amor, minha Rosinha.
Deixa ao menos abraçar-te para ver se ROSINHA — A patroa!
arrefece esse calor que queima por dentro.
EULAMBIA — (para Rosinha) Que estás
ROSINHA — (fugindo-lhe) Nada disso, fazendo aqui?

ANTONICO — Vês como tu és? Enquanto MARCONDES — E você, seu An-tonico?


sou louco por ti, doido por esse encanto que
vem da tua mocidade em flor. EULAMBIA — Serigaita!

ROSINHA — Bonito e ainda bem. É o que ANTONICO — Vim trazer o jor-nal!


me vale. Assim poderás casar...
MARCONDES — O jornal?
ANTONICO — Como és calculada!
ROSINHA — (entregando-lhe) Aqui está o
ROSINHA — Ah, meu filho, se todas se jornal.
defendessem como eu, não haveria tanta
"Filomena" por ai. Comigo é ali, na Pretoria.
MARCONDES — Ah, está bem. (Baixinho)
E é para quem quiser.
Sereia! (Alto para Antonico) Agora, raspe-
se, seu malandro!
ANTONICO — Isso não é querer bem, E
depois sabes que caso contigo. É só ele me
ANTONICO — Sim, senhor.
aumentar o ordenado.
EULAMBIA — E você também, já, suma-se,
ROSINHA — Pois então, esperemos.
sua espevitada! (Rosinha sai) Está me
ficando uma assanhada.
ANTONICO — És uma tola... E má.
MARCONDES — Se não me andar
ROSINHA — Não sei por quê. direitinho, ponho-o no olho da rua! (Antonico
sai) Vagabundo!
ANTONICO — Poderíamos aproveitar,
noivado às ocultas!

ROSINHA — Aproveitar como?

ANTONICO — Assim (atira-se atrevido e


resoluto para lá. Há barulho dentro)
Cena III
ROSINHA — Não, não e não.
(Eulambia e Marcondes)

EULAMBIA — (à parte) Bruto! (Para


Marcondes) Onde é que já se viu tratar
assim um rapaz tão delicado?

Cena II

25
MARCONDES — E você como trata essa
pequena... (Caindo em si) Quero dizer, essa EULAMBIA — O que o senhor quer?
rapariga, a Rosinha!
MARCONDES — Nada, Vim a procura do
EULAMBIA — É da sua conta? Rosinha, por jornal.
circunstâncias adversas da vida, má sorte EULAMBIA — Que jornal, seu palerma?
no berço, acabou como minha criada,
MARCONDES — O de hoje. Não sei onde o
MARCONDES — E ele é meu empregado. Antonico o botou.
EULAMBIA — Mas é que não quero que o
trates assim. (Entra Aprígio, muito timidamente,
cumprimenta os familiares na platéia. Lê a
MARCONDES — Não queres? cola da fala no chapéu e...)

EULAMBIA — Não quero e pronto. E outra APRIGIO — O seu jornal, doutor...


vez que você me altere a voz para esse
rapaz na minha frente, faço um escarcéu (Marcondes lhe dá uma moeda)
dos diabos e faço já se você duvida...
APRIGIO — Perdão, senhor, mas não sou
MARCONDES — Nada de escândalos, mendigo...
mulher! Lembra-te que sou um negociante
conhecido na praça e membro da União dos MARCONDES — Não és mendigo, és burro!
Varejistas e que a senhora é minha esposa
e faz parte da Sociedade Protetora das (Aprígio recua atordoado. E sai)
Donzelas Desamparadas. Veja lá!
EULAMBIA — O que é isso que você traz aí
EULAMBIA — Por que você começa logo o na mão, seu sonso?
dia me enfezando?
MARCONDES — Ah, sim, o jornal!
MARCONDES — Eu? Pois se foi a senhora
mesma... Essa agora é de se tirar o chapéu! EULAMBIA — E chamam a isso um
homem! Qual, seu Marcondes, você não é
EULAMBIA — Você, sim. E não quero mais um homem. Foi. Noutros tempos.
réplicas. Hoje não estou boa. Se me Agora.
contrarias, estouro aí que não é brincadeira.

MARCONDES — Está bem. (Saindo com o Cena V


jornal por onde saiu Rosinha. À parte)
Esta garota parece que tem um foguete (Os mesmos mais Rosinha)
aceso no corpo. (Sai. Eulambia fica só)
ROSINHA — A senhora chamou?
Cena IV
MARCONDES — Antes não fosse homem!
(Eulambia, depois Marcondes)
EULAMBIA — Peça ao seu Antonico, lá no
armazém, que venha até cá para as
EULAMBIA — Mas ele é tão bonitinho. Não. encomendas. E não fique por lá, sua
Não. Não resisto. Vou chamá-lo. Quero vê- derretida. (Sai) Eu já volto.
lo de perto. Falar-lhe. (Sobe da porta lateral)
Rosinha, oh, Rosinha, vem cá.
ROSINHA — Sim, senhora.
MARCONDES — Vejamos! Mas ele é uma
MARCONDES — Ah, diabinho, estou louco
tentação! Vou ver se consigo falar-lhe.
por ti.
(Vendo Eulambia) Oh, diabo, estou barrado!
Esse estafermo está aí!
26
ROSINHA — Cuidado, seu Marcondes! A
sua mulher... ANTONICO — O patrão chamou? (à parte)
1h, meu Deus, que perna!
MARCONDES — Não é uma mulher, é uma
fera! E eu sou um negociante conhecido na EULAMBIA — Entra, meu filho. Vem cá.
praça e membro da União dos Varejistas.
ANTONICO — (à parte) Meu filho? O que
ROSINHA — E então... será que ela quer?

MARCONDES — Então o quê? EULAMBIA — E que eu quero que você me


prepare umas encomendas lá no armazém.
ROSINHA — O que tem isso?
MARCONDES — Isso não me impede de ANTONICO — Ah, sim, senhora. (à parte)
arranjar por aí para os lados da cidade nova Esta velha me engole!
um ninho de amor para dois pombinhos e...
EULAMBIA — Você é daqui do Rio?
ROSINHA — Dois pombinhos? Pombinho?
Com essa cara? ANTONICO — Não, senhora, sou do Rio
Grande do Sul.
MARCONDES — Pombinho, sim,
EULAMBIA — Eu logo vi. Um rapaz guapo
ROSINHA — Qual, seu Marcondes, deixa assim... Bonito, varonil, másculo...
chamar o Antonico.
ANTONICO — São favores da senhora! (à
(Sai) parte) Qual! Acabo me atirando!
EULAMBIA — Quais favores? O senhor é
MARCONDES — Olha, vem cá, diabinho. um rapagão. As meninas devem
Ouve, pombinha... perseguilo...
ANTONICO — Mas eu não ligo.
(Sai)
EULAMBIA — Faz muito bem. Essas
meninas de hoje são um perigo. Você
Cena VI precisa de um amor mais recompensador...
Mais oculto... Mais desinteressado... (à
(Eulambia, depois Antonico) parte) Onde estou com a cabeça? (Um
momento) E não gosta de ninguém?
EULAMBIA — Com essa bata estou mais
vaporosa, mais jovem, mais fresca. ANTONICO — Eu gosto. Mas ela... (Olha
acanhado para Eulambia)
PONTO — Mais deliciosa, mais sublime,
mais celestial, mais infernal, mais EULAMBIA — (atirando-se) Ela... Ela é
pecadora... louca por si!

(Oferece uma flor para dona Isaurinha) ANTONICO — Mas... Não e... Trata-se...

EULAMBIA — Ai, quanto galanteio! Sim, ele EULAMBIA — Eu sei... De mim!


assim é capaz de me não resistir. Está
demorando.., ah, não! Ouço passos. Será ANTONICO — (à parte) Atiro-me que a
ele? Como estou nervosa. Meu coração velha não é nenhum peixe podre!
bate tanto. Tic tac tic tac. Será que vou ter
alguma cousa? Não, coragem. Prepare-se. EULAMBIA — Não posso mais... Ah, não,
(Sentase, arranja-se toda, levanta a saia de quero beijar-te! Amo-te. É uma loucura, mas
modo a se ver um pedaço de perna) Assim amo-te.
ele com certeza não resiste!
ANTONICO — Que é isso, dona Eulambia?
27
OSVALDO — É uma vil calúnia!
EULAMBIA — É a fogueira que me
incendeia a alma. MOTA — Calúnia? Pois vou matá-la como
se mata a um cão danado! (Puxa a pistola e
ANTONICO — Apague esse fogo que pode mira)
vir alguém.
OSVALDO — Não.
EULAMBIA — Nunca! (à parte) Sou da
Sociedade Protetora das Donzelas MOTA — Sim.
Desamparadas. Todo re-cato é pouco...
(Decidida) Senta-te no meu colo, bijuzinho! OSVALDO — Não.

ANTONICO — Cuidado, dona Eulambia! MOTA — Morra, traidor! (Atira, mas o tiro
falha)
EULAMBIA — Não me chame de dona. Só
Eulambia. Eulambinha, Minha Eulambinha! OSVALDO — Não!

ANTONICO — É uma imprudência! MOTA — Morra, traidor! (Atira de novo e de


novo o tiro falha... É quando, desesperado,
EULAMBIA — Senta-te. Um instantezinho Mota chuta Osvaldo com violência)
só.
OSVALDO — Miserável, tua bota arrancou-
ANTONICO — Mas é um perigo... me a vida porque estava envenenada!

EULAMBIA — Faze essa vontade à tua MOTA — É uma bota da Sapataria Mota!
Eulambinha, meu amor! Canalha!

ANTONICO — E se vier alguém? CORTINA TRÁGICA N° 2:

EULAMBIA — Senta-te, só um pouquinho. OSVALDO — Ah, vida miserável! Que


(Ele se senta) Ai, que bom! fizeste de mim? Sem o meu único amor não
quero mais viver! (Chora) Mato-me de
desespero e de dor! (Aponta a pistola para o
Cena VII peito) Adeus, vida ingrata! (Atira, mas o tiro
falha) Adeus vida ingrata! (Falha de novo.
(Os mesmos e Rosinha) Osvaldo pega o punhal na cintura e enfia no
peito. Cai morto)
ROSINHA — Que é isso?
JULINHA — Que tiro foi esse? Meu Deus!
ANTONICO — (levantando-se) Ela! Estou Meu Deus! Meu Deus!
entalado! Perco a pequena.
CORTINA TRÁGICA N° 3:
(Fecha a cortina, fim do 1o. Ato do Caixeiro. MOTA — Miserável, infame! Não sei onde
Início das cortinas trágicas) ‘estou que não te esbofeteio!

CORTINA TRÁGICA N° 1 OSVALDO — Infame és tu, que vives a cair


de bêbado pelas vielas, sempre na
MOTA — Intolerável! companhia de peralvilhos do teu quilate.

OSVALDO — O senhor não pode acreditar MOTA — Tu não passas de um patife a


nesta infâmia! quem hei de mandar azorragar pelo primeiro
vagabundo que encontrar!
MOTA — É a minha honra, canalha! A
minha honra! OSVALDO — Experimenta! (Avança para
Mota de chibata)
28
MOTA — Morra! (Atira, mas o tiro falha. OSVALDO — Adeus, meu amor. (Antes de
Mota pega o punhal com decisão) Morra! atirar ouvem-se 3 tiros)
(Quando vai esfaqueá-lo, punhal no ar,
ouvem-se três tiros) JULINHA — Ó! (Cai morta)

OSVALDO — Morro! (Cai morto) MOTA — Que fizeste, desgraçado?

MOTA — Covarde, morreste OSVALDO — ...


miseravelmente de susto, pulha!
MOTA — Que fizeste, desgraçado?
CORTINA TRÁGICA N° 4: Responda!

MOTA — Ó Desgraça! Não suporto mais COXIA — Resistiu-me...


tanto remorso! Sou um canalha! Só na morte
encontrarei perdão para todas as minhas MOTA — Que fizeste, animal? Fala senão
iniqüidades! (Apanha o punhal) Morre, te mato!
consciência! (Enfia o punhal no peito e a
bexiga com sangue cai do seu peito e sai COXIA — Resistiu-me, assassinei-a!
quicando pelo palco) Não fujas, consciência!
Não fujas, consciência! (Finalmente enterra- JULINHA — Resisti-lhe, assassinou-me! Ó!
lhe o punhal) Morro! (Cai morto)
CORTINA MUSICAL:
CORTINA TRÁGICA N° 5:
ISOLDA — Eu queria ser uma ave pra te
MOTA — Fui traído! matar, matar.

JULINHA — Não é verdade, meu amor. MULHER DO CHAPÉU — Eu queria um


revólver Pra te matar, matar.
MOTA — Ainda nega?
(Fim das Cortinas Trágicas. Abre o pano e
JULINHA — Vou negar sempre, sempre. Só recomeça “O Caixeiro”)
a ti amo e desejo.
EULAMBIA — Meu Deus!
MOTA — Traidora! (Avança para ela e a
estrangula) Traidora! Eu vou matá-la, ROSINHA — Vou contar tudo ao seu
matála. (Ela morre) Ó! O que fiz, meu’ Marcondes!
Deus?
EULAMBIA — És muito maliciosa, Rosinha.
MULHER DO CHAPEU — Mataste a única Dava apenas uns conselhos ao seu
atriz que sabia o papel, desgraçado! Antonico...
CORTINA TRÁGICA N° 6: ANTONICO — Isso.
JULINHA — Não.
ROSINHA — Assim? No colo?
OSVALDO — Eu a desejo com toda
EULAMBIA — No colo, sim. Que tem? Ele é
minh’alma.
uma criança...
JULINHA — Não quero ser sua. Não o amo.
ROSINHA — Criança? (Para Antonico) E
você também!
OSVALDO — Se não for minha não será de
mais ninguém!
EULAMBIA — Lembra-te que sou da
JULINHA — Louco! Sociedade Protetora das Donzelas

29
Desamparadas. Estava no exercício de MARCONDES — (à parte) Meu amor?
minhas funções.
EULAMBIA — Para me trazer sabão...
ROSINHA — Ele é desamparado? É
donzela? MARCONDES — Sabão? Pois se pegaste
ontem...
EULAMBIA — Consultou-me sobre um
namoro. EULAMBIA — Já se acabou.
ANTONICO — Foi.
MARCONDES — Aqui há cousa!
EULAMBIA — Duvidas assim, meu Deus,
de uma senhora como eu? ANTONICO — (saindo) Já trago o sabão,
dona Eulambia.
ANTONICO — (à parte) Tive uma idéia!
(Para Rosinha) Fiz de propósito. ROSINHA — Quer que ensaboe a roupa
agora?
ROSINHA — Não caio nessa. EULAMBIA — Eu mesma ensaboo. Arruma
a sala, é mais leve.
EULAMBIA — É Marcondes? Estou
perdida. ROSINHA — Sim, senhora.

ANTONICO — Aproveita a situação, tola. EULAMBIA — Precisas de alguma cousa,


meu amor? Estou às tuas ordens.
ROSINHA — Aproveitar? Ah. Sim... Agora
compreendo. (Para Eulambia) Está bem, MARCONDES — Meu amor? Eu? Sei.
dona Eulambia, não digo nada! Mas a (Eulambia sai) Então é ela que ensaboa a
senhora promete que não se mete mais na roupa? E eu já sou meu amor! E tu, Rosinha,
minha vida... sem mais pra que, passas a ser tratada
como uma filha...
EULAMBIA — Juro-te. (Marcondes
pigarreia fora) É ele! ROSINHA — É pra ver. Depois de apanhar
até!
Cena VIII
MARCONDES — Que transformação súbita
(Os mesmos mais Marcondes) é esta?

MARCONDES — Que é isso? O senhor aqui ROSINHA — Parece milagre.


outra vez?
MARCONDES — Milagre? É, é um milagre.
EULAMBIA — Fui eu. Não, aqui há manobra, oh se há...

MARCONDES — Foste tu? ROSINHA — Deve ser remorso. Judiou


tanto de mim.
EULAMBIA — (à parte) Terá desconfiado?
MARCONDES — E de mim então? Mas
MARCONDES — O senhor está cá em cima vamos deixar disso e voltar aquela nossa
quando devia estar lá embaixo. Ponho-o no palestrinha...
olho da rua, seu vadio.
ROSINHA — Já vem o senhor outra vez.
ROSINHA — (para Eulambia) Defenda-o.
MARCONDES — Não sejas tolinha. Dou-te
EULAMBIA — Fui quem o chamou, meu toda a garantia.
amor.
ROSINHA — E a patroa?

30
MARCONDES — Chama-me de meu amor.
MARCONDES — Nunca saberá Tu vais Está mansa. Não há perigo. Deixa-te de luxo
contar? Eu vou contar? Está visto que não. e senta-te. É só um minuto, tetéia. Dou-te
um beijinho e está tudo combinado,
ROSINHA — Não é isso. O que 44 o senhor
vai fazer dela? ROSINHA — Não. (Ouve passos fora) Então
vá lá. (Senta-se)
MARCONDES — Fica por aí, como um
traste imprestável. É um estafermo. MARCONDES — Vem gente! (Entra
Antonico)
ROSINHA — Dona Eulambia não vai se
conformar. Ela ainda está conservada.
Cena IX
MARCONDES — Conservada? Já tem até
gogó como galinha velha! (Atirando-se) Tu, (Os mesmos e Antonico)
sim, tetéia, minha candonga, tu é que és da
gente arregalar o olho! ANTONICO — Que vejo, meu Deus!

ROSINHA — Sai daqui, seu Marcondes. ROSINHA — Ele! Que bom!

MARCONDES — Malvada! Mas se quiseres MARCONDES — Céus! E eu que sou da


a casinha. Tu lá dentro. E eu, de vez em União dos Varejistas!
quando também. Sempre não, que eu sou
um negociante conhecido na praça e faço ROSINHA — Foi de propósito.
parte da União dos Varejistas.
ANTONICO — Ah, foi?
ROSINHA — Não sei...
ROSINHA — Aproveita também a situação.
MARCONDES — Aceita, pombinha!
ROSINHA — Se falhar uma outra cousa que ANTONICO — Essa é que eu não como.
tenho em vista, aceito.
ROSINHA — Não sejas tolo. Faze como eu
MARCONDES — Que outra cousa? fiz.

ROSINHA — Quero tudo que o senhor me ANTONICO — Ah? Boa idéia. (Alto) Vou
promete, mas casando. contar tudo a dona Eulambia.

MARCONDES — Casando? Na Igreja? MARCONDES — Estou desgraçado!

ROSINHA — Contento-me com a Pretoria. ROSINHA — Não. Seu Antonico não dirá
nada se o senhor souber ser grato.
MARCONDES — Ainda assim é difícil. Não
complica as cousas. Aceita a casinha e o ANTONICO — O sabão! (Alto) Dona
meu amor... Anda cá, senta-te aqui, ao meu Eulambia! (Sai)
colo, vamos conversar!

ROSINHA — Pode vir alguém... Cena X

MARCONDES — Não virá. Senta-te, meu (Rosinha e Marcondes)


bijuzinho!
MARCONDES — Afunda pelo chão,
ROSINHA — Mas dona Eulambia... Marcondes, antes que tua mulher chegue!

31
ROSINHA — Salvo o senhor se prometer ANTONICO — Peço-lhe a mão dela, dona
amparar o Antonico. Eulambia.

MARCONDES — Isto é chantagem. EULAMBIA — Ora! Francamente!

ROSINHA — Olha que digo que o senhor ANTONICO — Foi a senhora quem a criou...
me desencaminhou na vida!
ROSINHA — Olha que conto o que vi!
MARCONDES — Eu?
EULAMBIA — Pois sim. Aí a tem.
ROSINHA — Meta-se e verá.
ROSINHA — Antonico!
MARCONDES — E essa agora.
ANTONICO — Rosinha!
ROSINHA — Juro se for preciso.
ROSINHA — Agora pode me abraçar!
MARCONDES — Escândalo, não. Sou
negociante conhecido na praça e faço parte MARCONDES — Isto é que é... Entrou de
da União dos Varejistas. caixeiro...

EULAMBIA — ... E saiu de sócio!


Cena Final

(Os mesmos mais Eulambia e Antonico) FIM

EULAMBIA — Que há? Que é? Que houve?


Que foi? EPILOGO

MARCONDES — Estou frito. (Todo o elenco recebe os aplausos, Quando


o doutor entra os aplausos dobram.
EULAMBIA — O que há? Chamam pelo autor que entra timidamente.
O doutor agradece e pede silêncio)
ROSINHA — Seu Marcondes acaba de
fazer seu Antonico de sócio do armazém. DOUTOR — Boas noites. Eu queria
agradecer a presença dos senhores e dizer
MARCONDES — Sócio? que estou sinceramente emocionado. É,
estou sim. Emocionado porque é estréia. E
ANTONICO — Olha que conto o que vi! todos esses aplausos é assim que eu
esqueço todos os sacrifícios e sinto vontade
MARCONDES — Dei-lhe sociedade porque de subir ao palco de novo, de novo, de novo.
é um ‘rapaz trabalhador. É essa emoção sempre. Eu não sei, eu não
posso explicar esse fascínio, mas um dia
EULAMBIA — Fizeste bem, meu amor. sem o palco me deixa mais triste... Ai, esse
MARCONDES — E ela a dar com o "meu cheiro, esse barulho das gambiarras, as
amor!" luzes, os aplausos. Essa alegria toda... Tudo
isso é vida, a única que eu sei viver. Talvez
por isso a viva tão intensamente. E então a
ROSINHA — E também porque vai casar
cada dia sou um novo personagem, tenho
comigo!
uma nova emoção. Por tudo isso, quero lhes
dizer obrigado. Muito obrigado. De coração.
MARCONDES E EULAMBIA — Casar?
(Aplausos. Esse Menino entrega flores ao
MARCONDES — Por essa e não esperava!
Doutor, à dona Isaurinha e à dona Julinha.
Mais aplausos)
(Cai o pano)
32
PIANISTA — A senhora precisa ensaiar os
(Por trás das cortinas) agudos!

JULINHA — (grita) Não! ISOLDA — Mortos não dão agudos, seu


Miguelzinho. Mato-me! (Entra o doutor e
ENSAIADOR — Mas dona Julinha... (A dona Isaurinha)
cortina se abre)
DOUTOR — Mata-se? Por que, dona
JULINHA — Não faço mais entreatos! Isolda? A senhora é ótima!
Quase morro estrangulada. E a vergonha? ISOLDA — Eu?
É uma espiga, isso sim. Eu fiquei, ai, meu
Deus, eu fiquei pendurada nas cortinas! DOUTOR — A senhora, sim. E o senhor,
seu Mota, o senhor é um estouro!
MOTA — Eu não tive culpa, o meu
personagem... ENSAIADOR — Mota é um estouro?

ENSAIADOR — Cale-se! O senhor está na DOUTOR — O Mota, meu Deus, o Mota é


tabela! (Grita) Esse Menino! excelente! A partir de amanhã teremos
Cortinas Cômicas, professor!
ESSE MENINO — Chamou?
OSVALDO — Cortinas Cômicas? Então eu
ENSAIADOR — E os tiros, hein, sacripanta? faço, sou bom de comédia!

ESSE MENINO — Falharam todos! DOUTOR — Ótimo, seu Osvaldinho. E o


senhor, professor, é um gênio! Tapeou-me
ENSAIADOR — Que fiasco, meu Deus! com essa estória de tragédia, grand-
guignol... Fez tudo às avessas! Meus
OSVALDO — Também eu não faço mais os parabéns! E que amanhã saia tudo igual,
entreatos! Passei por maus bocados, professor!
professor!
ENSAIADOR — Está visto que sim, doutor!
ENSAIADOR — Um fiasco! (Entra o
empresário) ESSE MENINO — Deixa comigo!

EMPRESÁRIO — 1104, 1105, 1106! 1106 DOUTOR — (abraça Esse Menino) Não sei
pagantes! É um sucesso! se já lhe disse isso, Esse Menino, mas sem
você a companhia não anda!
TODOS — Sucesso?
EMPRESÁRIO — Que sucesso, doutor, que
(Entra Aprígio, guarda-chuva num braço, sucesso! 1106 pagantes!
malinha na mão. Todos ficam em silêncio.
Ele passa lentamente de uma coxia para a ISAURINHA — Podemos então pensar em
outra. Vê o revólver em cima de um móvel. uma peça de época, seu Staffa...
Pára. Apanha a arma. Olha fixamente para
ela, olha para todos. Leva o revólver até a EMPRESÁRIO — (à parte) Isso acaba mal,
testa e atira. O tiro não sai. Ele sacode os olá se acaba!
ombros e sai)
JULINHA— E eu, doutor? O que o senhor
EMPRESÁRIO — É um sucesso! tem para me dizer?

ENSAIADOR — Um fiasco! DOUTOR — A senhorita esteve


esplêndida... Fez uma criadinha deliciosa! A
EMPRESÁRIO — Um sucesso! partir de amanhã fará apenas a peça
principal!

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JULINHA — Aleluia! (Os dois saem. A luz vai caindo. Fica só um
piano na Mocinha vestida com a roupa de
ENSAIADOR — Mas quem fará as Julinha Dias no entreato)
cortinas... Cômicas, doutor?
MOCINHA — (num pulo de alegria) Estou
EMPRESÁRIO — Isso acaba mal, olá se adorando isso aqui!
acaba!

DOUTOR — Alguma cousa me diz que isso


não será problema... FIM

ISOLDA — (Feliz) Claro que não, doutor!


(Entra o ponto coberto de poeira)

DOUTOR — Dona Isaurinha...

ISAURINHA — Pois não.

DOUTOR — Janta comigo no Hotel Palace?

ISAURINHA — Aceito. (Vendo o ponto) Ah,


seu Almeidinha, muito obrigada pela
homenagem que me fez em cena aberta!

PONTO — Foi uma honra, dona Isaurinha!


(Para Julinha) Dona Julinha...

JULINHA — O que é?

PONTO — Quero dizer que a garantirei em


cena com todo o brilho que costuma ter...

JULINHA — Obrigada, seu Almeidinha!

PONTO — Será um prazer imenso, dona


Julinha!

(Todos saem, exceto a Mocinha, o doutor e


dona Isaurinha)

ISAURINHA — Vamos, doutor?

DOUTOR — Um teatro vazio dá--me a


impressão de que a vida foi ontem...

ISAURINHA — Bonito.

DOUTOR — Um grande ator disse isso.

ISAURINHA — Quem?

DOUTOR — (brincando) Eu.

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