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Texto da peça "O Cavalinho Azul" de Maria Clara Machado O 

2.º homem
em abril 06, 2013 O 3.º homem
A lavadeira
O  vendedor
Os três soldados
“O CAVALINHO AZUL” foi levado, pela primeira vez, pelo TABLADO, no Rio de Velha-que-viu
Janeiro, em maio de 1960, com cenário de Anna Letycia; música de Reginaldo de O  cowboy
Carvalho; figurinos de Kalma Murtinho; bichos de Marie Louise e Dirceu Nery; luz Os três elefantes
de Fernando Pamplona; assistente de direção, Heloisa Guimarães; piano, Martha Os quatro cavalos
Rosman; baixo, Livolsi Bartolomeo; flauta, Carlos Guimarães; maquiagem de
Fredy Amaral; execução de cenário, Wagner dos Santos; eletricistas, Anthero de Os personagens dos três elefantes podem ser os mesmos dos três soldados. Os
Oliveira e Diaci de Alencar; direção de Maria Clara Machado. Personagens: Cesar quatro cavalos podem ser os soldados, o 1.º e o 2.º homem.
Tozzi, Caire Isabella, José de Freitas, Anna Maria Magnus, Carlos Augusto Nem,
Delson de Almeida, Anthero de Oliveira, Yan Michaslki, Luiz de Affonseca, Ivan
Junqueira, Celina Whately, Diaci de Alencar, Núvio Pereira, Geisa Virgílio, Lejzor CENÁRIO
Bronz, Afonso Veiga, Reynaldo Pereira, Virginia Valli e Paulo Mathias da Costa.
O palco vazio com fundo azulado. Os elementos das várias cenas vão sendo
O CAVALINHO AZUL colocados à medida que a ação se desenrola.
1 ato e 9 cenas
Música de Reginaldo de Carvalho 1. ª  cena: Sugestão de uma casa.
PERSONAGENS 2. ª  cena: O mesmo.
3. ª  cena: Cena vazia.
4. ª  cena: Sugestão de arquibancada de circo. 3 cadeiras.
João, de Deus 5. ª  cena: O mesmo.
Vicente, o menino 6. ª  cena: Cena vazia.
O  pai 7. ª  cena: Sugestão de uma cidade: um coreto.
A mãe 8. ª  cena: O curral do cowboy.
O  pangaré 9. ª  cena: Cena vazia.
O palhaço 1.a CENA
O  músico gordo (Ao abrir-se o pano, vê-se apenas o palco vazio. Enquanto se ouve a música n.0n.º
O  músico alto 1A, 1B, um velho de longas barbas, maltrapilho e vagabundo, simpático e
O  músico baixo bonachão se dirige em direção à platéia segurando um tamborete.)
A menina VELHO
O  1.º homem
Eu me chamo João de Deus. Sou vagabundo. Estou aqui para contar a história do O que é, mamãe?
menino Vicente e de seu cavalo. Um dia perdi a tesoura de cortar barba e tive que MÃE
deixar crescer esta barba. No princípio não gostava; sujava muito quando eu (Saindo com uma trouxa de roupas para lavar.)
comia, mas agora gosto; quando faz frio cubro-me assim, (Mostra.) e minha barba Venha estudar, menino. Está quase na hora da escola.
serve de cobertor. Também aprendi a comer com minha barba: faço assim. VICENTE
(Mostra.) Gosto dela também por causa do Vicente, que me achou parecido com Já vou, mamãe. Deixe eu conversar mais um pouquinho só com meu cavalinho
o Padre Eterno. Isto quer dizer que minha barba se parece com a barba de Deus. azul.
Por isso cuido dela. Barba de Deus é coisa séria. Vou contar como e que esta MÃE
história começou. Aqui (Pela esquerda entram o pai e a mãe carregando a casa.) Que cavalinho azul, que nada! Um pangaré velho que não presta mais nem para
morava Vicente com seu pai e sua mãe, nesta casinha. (O pai e a mãe colocam a puxar a carroça de teu pai (Saindo com a trouxa.) Cavalinho azul!... Azul!
casa e o banquinho e desaparecem.) E ali vem ele — nem me viu ainda — com VICENTE
seu cavalo. Vou deixar esta história contar-se por si mesma, enquanto vou (Baixo, para o cavalo.) Não liga não, meu cavalinho. (Para a platéia.) Mamãe
ajudando aqui, ao lado. (O velho senta-se no tamborete, fora da cena, perto da chama meu cavalinho de sujo e velho porque ela pensa que ele é sujo e velho,
cortina, na semi-obscuridade, enquanto a luz cresce dentro do palco, onde se vê porque mamãe é gente grande e gente grande tem que lavar roupa, fica cansada
um menino pobre puxando uma enorme corda que prende ao pescoço de um feio e maltrata o cavalinho, sem querer. Como é que ela pode saber a cor do meu
pangaré, sujo, magro, com cara infeliz. O menino, em êxtase, procura convencer o cavalo se nem vê ele direito de tanto cozinhar, arrumar e lavar roupa? Também
cavalo. (Dois atores em pé, um fazendo a cabeça com uma máscara e o outro ele anda um pouco sujo hoje, mas é porque a água do nosso rio está quase seca,
fazendo de traseiro.) não lava mais direito, (Para o cavalo.) mas amanhã vou também te levar num rio
VICENTE muito grande, muito branco de tão limpo, que passa perto da campina verde. Lá
Se você der mais uma voltinha, só mais uma voltinha, meu cavalinho, eu prometo você tomará um banho e vamos para o circo. Quem não estiver muito limpo e
levar você lá numa campina toda verdinha de tanto capim verde. Vamos, vamos, lindo também não pode entrar no circo, está ouvindo?
meu cavalinho azul! (O cavalo se levanta com grande esforço e começa a trotar PAI
em volta do menino.) Vamos, meu cavalinho azul! Upa! Upa! Upa! (O cavalo, (Chegando com o balde.) Vicente, olha a ração do Mimoso. E chega de fazê-lo
cansado, começa a se arrastar.) rodar. Ele está muito magro, precisa descansar.
VICENTE VICENTE
(Zangado.) Assim você não poderá trabalhar no circo! Não pode. Veja como eu Vou levar ele, papai, para a grande campina verde e vou dar um banho nele no rio
faço. Como aquele grande cavalo branco lá do circo da cidade. Buuuuuuuu, assim, de água branca.
levantando as patas e depois me levando na garupa como a bailarina Lili, toda PAI
verde de tão bonita, e o domador Rogério de boné dourado e calças vermelhas... (Bem humorado.) Onde é que existe esta campina, menino? Tudo está seco, isto
Upa! Upa! Upa! Vamos, vamos! (O cavalo está exausto.) Bem, por hoje, chega. sim. Seco e esturricado. Onde é que tem um rio grande e branco?
Amanhã treinaremos mais. Você está cada vez melhor e mais bonito. VICENTE
MÃE Aquele lá longe.
(De dentro.) Vicente! PAI
VICENTE Longe, onde?
VICENTE Este pangaré não serve mais para nada. Já vendi a carroça. Este cavalo só serve
Ora, papai, lá longe, do outro lado daquele morro mais longe. para comer mais dinheiro. Se for vendido, posso apurar uns cobres e com eles
PAI comprar umas galinhas e começar uma criação.
Lá longe é a cidade. MÃE
VICENTE E o menino?
Onde está o circo, não é? PAI
PAI O menino esquece. Arranja outro brinquedo.
É. Vá estudar, menino. MÃE
VICENTE Esquece não. Ele só pensa nisto.
Vou buscar meu livro e venho estudar aqui, tá bem? (Entra por trás da casa.) PAI
PAI Está ficando doido; melhor é levar o cavalo logo. (Põe o chapéu, pega o cavalo
(Depois de misturar a comida do cavalo.) Toma, pangaré, come isto para não pela corda.) Vou à cidade vendê-lo. Pro menino trago um brinquedo. Adeus
morrer de fome. (O pangaré enfia a cara no balde. O pai sai e volta o menino.) mulher. (Sai.)
VICENTE MÃE
Você sabe o que é uma ilha? É uma quantidade de terra cercada de água por Por que você não vende a vaquinha?
todos os lados... Um istmo (Diz baixinho, como procurando decorar.) Um istmo... PAI
é... Sabe, cavalinho, nós vamos lá... nós vamos na ilha cercada de água por todos (Parando e voltando-se.) A vaquinha dá leite.
os lados, cercada de istmos... de cabos, de tudo. Depois vamos ao promontório. MÃE
Depois, eu monto em você e saímos correndo atrás das capitanias hereditárias... Mas o cavalo dá alegria ao menino.
Vai ser ótimo! PAI
MÃE Mas não dá dinheiro. O menino se acostuma. (O pai sai puxando o pangaré. No
(De dentro.) Vicente, venha estudar cá dentro. Sozinho, longe deste cavalo. proscênio ele se encontra com o velho João de Deus e pára.)
VICENTE VELHO
Estou indo. (Entra gritando.) Vamos para as capitanias hereditárias! Eu e meu Bom dia.
cavalinho azul... PAI
PAI Quem é o senhor?
(Chegando e ouvindo as últimas palavras do filho.) Mulher! venha cá. (A mãe VELHO
chega.) Mulher, temos que vender o pangaré. (O cavalo levanta a cara do balde, Sou João de Deus.
assustado.) PAI
MÃE O que é que está fazendo aqui?
(Preocupada.) Vender? Por quê? VELHO
PAI Estou vendo tudo.
PAI
Para quê?
VELHO (Com muito jeito.) Acho, meu filhinho, que seu cavalo não volta mais. Seu pai
Para contar aos outros, (Para a platéia.) eles. trouxe esta bola para você brincar com ela. Você não acha bonita esta bola?
PAI VICENTE
(Depois de olhar para a platéia.) Vai contar na certa que sou um pai muito ruim Acho. Por isso que eu quero mostrar ela ao meu cavalo.
porque vou vender o pangaré! MÃE
VELHO (Exasperada.) Seu cavalo foi vendido.
O senhor tem que vender mesmo? VICENTE
PAI Eu sei, mamãe, não precisa gritar. Papai me disse. Mas depois ele volta.
Depois quem vai arranjar dinheiro para o menino comer? É muito fácil ter pena MÃE
do pangaré, mas de mim ninguém tem. Adeus. (Sai muito zangado.) Mas agora ele tem outro dono.
VELHO VICENTE
O pai ficou muito zangado e partiu para a feira, onde vendeu o cavalo. Pensamos (Rindo.) Outro dono. Ah! ah! ah! Como é possível isto, mamãe? Dono a gente só
que o menino ia ficar muito triste. Alguns dias se passaram, e vejam o nosso tem um. Ele volta.
Vicente sentadinho na porta, com sua bola, presente do pai. (Escurece no velho e MÃE
clareia na cena.) Volta não.
2.ª CENA VICENTE
Vicente, sentado na soleira da porta, de vez em quando dá uma espiadela para Volta sim. Volta porque estou esperando ele para irmos ao circo.
fora. (Ouve-se a música n.º 3A.) MÃE
VICENTE (Entrando na casa.) Ah, menino. Assim não é possível.
Mamãe! VICENTE
(Aparecendo.) Que é, menino? (Música n.º 3B)
VICENTE (Sozinho.) Estou achando é que meu cavalinho perdeu o caminho. (Suspirando
Que horas que ele volta? forte.) Ele é tão distraído! Preciso ir atrás dele. Mamãe disse que este mundo está
MÃE cheio de perigos. Não posso mais deixar meu amigo perdido por aí. Talvez ele
Quem? tenha ido para as Antilhas Holandesas ou então para a ilha de Brocoió cercada de
VICENTE água por todos os lados, ou algum istmo ou cabo... sei lá, todos estes perigos... e
O meu cavalinho azul. se ele foi para a serra da Mantiqueira? Coitadinho! Adeus meu pai, adeus minha
MÃE mãe, me esperem que eu volto com ele. Adeus. (O menino sai pelo proscênio em
Acho que ele volta... amanhã. Venha para dentro, Vicente. Nem almoçou direito. direção oposta ao lugar onde está o velho e a música continua até o encontro
Assim sem comer você não pode ficar. com o velho.)
VICENTE 3.ª CENA
Estou esperando. (O velho entra na cena e tira a casa. Vicente  torna a aparecer na cena nua,
MÃE enquanto o velho o aguarda.)
VELHO
Sozinho, menino, neste caminho? VICENTE
VICENTE Cabos, ilhas, istmos, serra da Mantiqueira, e  tudo? e idéia na cabeça e tudo?
Quem é o senhor? VELHO
VELHO E tudo.
(Meio surdo.) O quê? VICENTE
VICENTE Então cadê ele?
Quem é o senhor? VELHO
VELHO Ele?
João de Deus. VICENTE
VICENTE O cavalo. Não viu? O meu?
(Espantadíssimo.) O senhor é... o Deus? VELHO
VELHO Não vi.
(Depois de uma pausa, gozador, topando a confusão.) Sou. VICENTE
VICENTE Mas você não vê tudo?
Do catecismo? VELHO
VELHO Ah! vi sim. Muito lindo seu cavalo.
Ih! ih!, hi... sou. VICENTE
VICENTE Azul!
Bem que eu estou vendo tanta barba. Deus no duro? Padre Eterno? VELHO
(Pausa.) Com cauda azul, muito grande...
VELHO VICENTE
No duro. Não, a cauda é branca, áó Deus, você esqueceu?
VICENTE VELHO
Aquele que está em toda a parte? Esqueci não. Fico cansado de ver tudo ao mesmo tempo...
VELHO VICENTE
Aquele mesmo. Deve cansar mesmo ver tudo ao mesmo tempo. Não tem dor de cabeça? Eu não.
VICENTE Não sou como o senhor. Coitado! Só vejo poucas coisas e meu cavalinho.
Então. Senhor Deus, quer fazer o favor de olhar onde está o meu cavalinho azul? VELHO
VELHO Então vamos achá-lo.
O quê? VICENTE
VICENTE O senhor vem comigo?
Pois o senhor não vê tudo? VELHO
VELHO Não posso, menino. Se vou procurar seu cavalo, quem é que vai vigiar o mundo?
Vejo. Claro que sim... VICENTE
O senhor não pode deixar algum santo fazer isso por uns dias? carregados e a música é tocada nos bastidores enquanto os músicos de cena
VELHO apenas pretendem que tocam como em instrumentos de brinquedo. O gordo
Não posso. abre a portinhola de seu violino que só tem a utilidade de guardar dinheiro, e
VICENTE retira uma flauta. Os três começam a tocar a música n.º 5A, enquanto chega a
Então, adeus. meninazinha que cumprimenta os velhos e senta na arquibancada. Os velhos
VELHO usam fraque e cartola, barbas postiças e pedaços de cabelos saindo das cartolas.)
Espera, menino. Onde é que você vai? VELHO
VICENTE Estes velhos alugaram um palhaço para fazer graça enquanto eles tocavam e
Vou indo por aí ver se acho ele. ganhavam dinheiro.
VELHO (Tambor forte para a chegada do palhaço.)
Quando você precisar de mim, é só chamar que estou ali sentado naquele PALHAÇO
banquinho. Caro público! Boa tarde, bom dia e boa noite! Este é o nosso grande circo
VICENTE americano! Boa tarde, bom dia e boa noite! Os melhores (Acentuando.)
É dali que o senhor vigia o mundo? trapezistas do mundo vão voar por este teto! Cinco elefantes vermelhos,
VELHO domesticados, educados, amestrados, vão cantar! Cantar, caro público, cantar
É. com voz de elefantes! Um cachorro chamado Doly vai tocar violino... Tocar
VICENTE violino, caro público, com pata de cachorro... Um gato vai cantar... Um gato
Ahn! Então, adeus! (Desaparece do lado oposto.) cantor, caro públicos com voz de barítono... Uma foca bailarina e uma bailarina
4.ª CENA gente vão dançar ao mesmo tempo, ao mesmo tempo, caro público, em cima de
VELHO cinco cavalos... cinco cavalos, caro público... Um homem que engole fogo e cospe
Foi assim que conheci Vicente. Uns achavam que ele era um menino mentiroso gelo, cospe gelo, caro público. (Ouve-se um tambor forte. Segue-se grande
porque inventava coisas; via cavalos azuis, circos enormes, campinas verdes; silêncio.)
achava que um vagabundo como eu era Deus, imaginem vocês. PALHAÇO
Outros achavam que ele era louquinho. Cá para mim, acho que ele nem era Tudo por cinco cruzeiros!
mentiroso, nem louco. Apenas via as coisas diferentes e acreditava mesmo no (O palhaço passa pela arquibancada esperando quem pague, enquanto os
que via. Só sei que ele andou pelo mundo atrás de seu cavalo. Será que músicos terminam a valsinha. A menina se levanta e tira de uma bolsinha cinco
encontrou? Vamos ver por onde ele anda agora. Depois de muito caminhar cruzeiros, que entrega ao palhaço; este leva o dinheiro para o gordo, que abre a
chegou primeiro a um circo numa cidade pequena perto da cidade dele. (O velho portinhola de seu violino e guarda o dinheiro.)
puxa a pequena arquibancada.) Os donos deste circo são aqueles três músicos E, para começar, o grande palhaço, o mais engraçado do mundo, vai fazer um
que vêm ali (O velho volta ao tamborete. Os músicos entram com suas cadeiras, número de corda bamba. Este palhaço sou eu e aqui está a corda bamba.
solenemente. Um gordo e alto, o segundo alto e magro, e o terceiro, baixinho. O (O palhaço estica no chão uma corda, abre um guarda-chuva mirim e começa a
gordo leva um violino, o alto leva um piano, e o baixinho, um contrabaixo, que fingir que se equilibra no clássico número. Os músicos acompanham o número. A
vão buscar fora de cena depois de colocarem as cadeiras no fundo da cena. Estes menina bate palmas.)
instrumentos são feitos de madeira compensada, bem leves para serem PALHAÇO
Muito obrigado! Muito obrigado, caro público! E agora o grande palhaço do Agora podem bater palmas. Acabei meu número de contorcionismo. (Vicente e a
grande... (Neste momento entra Vicente; o palhaço faz uma pausa para olhá-lo, menina batem palmas.)
depois do grande circo americano vai fazer o número de contorcionismo. PALHAÇO
(Vicente, entusiasmado, começa a bater palmas. O palhaço fica nervoso com (Trocando de casaca e pondo uniforme de domador.)
tanto entusiasmo e desanda a fazer uma série de números e evoluções, sempre Atenção. Agora o grande circo americano vai apresentar o número dos três
com Vicente e a menina batendo palmas, até que, exausto, se senta no chão.) elefantes que vieram especialmente da África para o nosso circo.
VICENTE (Entram três elefantes muito cansados que dançam muito sem graça uma valsa
(Aproximando-se.) Grande palhaço do grande circo americano, quer fazer o favor tocada pelos músicos (10). Depois, os elefantes vão-se embora e os meninos
de me dizer se o meu cavalo azul está aqui? batem palmas.)
PALHAÇO PALHAÇO
O quê? Um cavalo azul? Nunca vi. (Põe-se de pé. Os músicos também.) E por hoje é só, caro público.
VICENTE MENINA
Com um rabo enorme, branco! Mas o senhor disse que ia ter uma porção de coisas mais!
PALHAÇO PALHAÇO
Isto existe? Um cavalo azul? Eu disse?
VICENTE MENINA
O meu. É lindo. Dança, canta e voa. Disse sim. Cachorro que toca violino. Trapezistas no ar, e a dançarina Lili? E a -
PALHAÇO foca? Cadê?
(Correndo para os músicos.) Cavalo azul... Cavalo azul... Deve ser mentira... Deixa PALHAÇO
de bobagem, menino. Não vê que estou trabalhando? Não atrapalhe meu (Cortando.) Ah! é verdade... mas isto tudo vai ser amanhã... Amanhã, caro
número contando coisas (meio em dúvida) que não existem... Sai daí. (Num público. Imaginem que a dançarina Lili (Confidencial.) está com dor de barriga... e
canto, desconfiado.) Cavalo azul! o trapezista... o trapezista... (Entusiasmando-se.) caro público, torceu o pé... o
(Vicente sobe na arquibancada, os músicos tocam um acorde esquisito, o palhaço cachorro que toca violino foi despedido porque... porque mordeu o rabo do gato
presta atenção e corre para Vicente.) cantor... e o gato cantor foi para o hospital... mas amanhã... caro público...
PALHAÇO amanhã por cinco cruzeiros teremos tudo isto... Boa tarde... bom dia... boa
Se quiser assistir, tem que pagar. noite... (Vai saindo enquanto fala. A música recomeça: 5A.)
VICENTE (Vicente acompanha a música com o corpo. A menina observa-o.)
Mas eu não tenho dinheiro. MENINA
MENINA Ele é azul mesmo?
Eu pago para ele. (A menina tira o dinheiro e dá ao palhaço; este leva-o ao músico VICENTE
gordo, que o guarda dentro do violino.) O quê?
VICENTE (Os músicos param de tocar e põem ouvidos.)
Obrigado, menininha. MENINA
PALHAÇO (Repetindo.) Ele é azul mesmo?
VICENTE MENINA
Tão azul que nem sei! Tenho um tio que mora no Ceará. Vamos lá primeiro?
MENINA VICENTE
Eu gostaria tanto de procurar um cavalo azul! Capital Fortaleza?
VICENTE MENINA
Você quer vir comigo? É.
MENINA VICENTE
Não posso. Fortaleza é um nome lindo. Então vamos lá primeiro.
VICENTE (Saem. Clareia sobre o tamborete onde está o velho João de Deus.)
Por quê? VELHO
MENINA Enquanto Vicente saía com a menina, os três velhos músicos que na verdade são
Paguei cinco cruzeiros e estou esperando acontecer  alguma coisa bonita aqui no três bandidos disfarçados, (Os velhos tiram a barba e fazem cara de bandido.)
circo. estes bandidos que fingiam que eram músicos, obrigavam o palhaço a trabalhar
VICENTE de graça, não davam comida aos elefantes dançarinos, roubavam tudo que viam,
E não acontece nada? quando ouviram a história do cavalinho azul ficaram loucos para roubá-lo do
MENINA menino.
Todos os dias é a mesma coisa. O palhaço dá cambalhotas e os três elefantes (Penumbra sobre o velho.)
dançam. Já dei todas as minhas notas de cinco e ainda não vi o cachorro tocar BAIXINHO
violino. Você ouviu? Ele tem um cavalo azul.
VICENTE GORDO
Vai ver que é mentira do palhaço. Se conseguirmos este cavalo para o circo, ganharemos tanto dinheiro que
MENINA ficaremos milionários... Todo mundo vai querer ver esta maravilha.
Será? ALTO
VICENTE Vamos pegar o menino.
Vamos buscar o cavalinho. É melhor procurar nós dois do que sozinho. Vai ser BAIXINHO
lindo! Chame o palhaço.
MENINA (O Alto sai e volta com o palhaço.)
Tenho que pagar cinco cruzeiros? BAIXINHO
VICENTE Você ouviu o menino, palhaço?
Não. Você pode vir de graça. PALHAÇO
MENINA Ele tem um cavalo azul.
Então, vamos. ALTO
VICENTE Com um rabo enorme, branco.
Para que lado você quer ir primeiro? No Pacífico ou no Índico? BAIXINHO
E sabe dançar. VICENTE
OS QUATRO Não.
E voar. OS TRÊS
(Os três velhos se entreolham, vestem as barbas e se precipitam para fora de Oh!
cena, trazendo em seguida Vicente e a menina um pouco atrás. Vicente está BAIXINHO
assustado. Os três estão querendo adular o menino.) Como os olhos do palhaço?
BAIXINHO VICENTE
Palhaço, vai buscar pipocas para ele. (Palhaço sai.) Não.
ALTO ALTO
Sente-se aqui, menino. Então como é êle?
GORDO VICENTE
E você aqui, menina. (Os dois meninos sentam-se nas duas cadeiras oferecidas (Música n.º 13)
pelos músicos.) (Enleado.) Às vezes ele fica como o céu, depois, quando vem a tarde, ele fica um
(O palhaço volta com as pipocas. Os quatro olham para os meninos comerem as pouco como os olhos do palhaço, mas à noite é sempre como o mar à noite.
pipocas.) OS QUATRO
BAIXINHO É lindo! Sen-sa-ci-o-nal.
Faz uma graça, para o menino rir, palhaço. VICENTE
(O palhaço faz umas caretas, mas o menino não ri. Só os três músicos dão É. (Cessa a música.)
gargalhadas estrondosas para impressionar o menino, que finalmente começa a BAIXINHO
rir. A menina está um pouco assustada.) (Rapidamente.) Por quanto você quer vender?
BAIXINHO VICENTE
(Quando todos param de rir de repente.) É verdade mesmo, menino? Não quero vender nunca. Meu pai já vendeu, mas vou buscá-lo.
VICENTE MENINA
É. Não vende não!...
OS TRÊS BAIXINHO
Azul? (Chamando os outros para confabularem num canto.) Venham cá. Fica aí,
VICENTE palhaço, fazendo mais graça para ele.
Azul. (Enquanto os três músicos bandidos confabulam, o palhaço tenta continuar as
ALTO graças.)
Como o céu? VICENTE
VICENTE Não precisa disso não, palhaço. Você já deve estar cansado.
Não. BAIXINHO
GORDO (Voltando-se para Vicente.) Ele come muito, seu cavalo?
Como o mar? VICENTE
Só milho e capim, às vezes um pouco de nuvem que desmancha. E capim.
BAIXINHO BAIXINHO
(Como para si mesmo.) Nuvem desmanchada é chuva. É barato. (Para Vicente.) E Nós lhe daremos só capim. O milho está caro.
por onde anda ele? OS DOIS
VICENTE Só capim.
Aí pelo mundo... Na serra da Mantiqueira, no Ceará ou... (Os três se aproximam.) BAIXINHO
OS TRÊS Escutem aqui, amigos. Iremos atrás do menino. Quando ele achar o cavalo,
Ou... matamos o menino e trazemos, o cavalo.
VICENTE ALTO
Nas Capitanias Hereditárias. Que grande idéia, Baixinho!
OS TRÊS BAIXINHO
!!!! (Chamando.) Palhaço! Tira este circo dai. Vamos viajar.
VICENTE (O palhaço tira as arquibancadas. Os velhos saem com seus instrumentos. João de
É. Um dia ele fugiu de casa e foi correr o mundo; agora tenho que ir atrás dele, Deus tira as cadeiras e fala do meio da cena.)
senão ele é capaz de se perder aí por estes perigos que existem nos promontórios 6.ª  CENA
e istmos da terra. (Começa a sair com a menina.) VELHO
GORDO Vicente, sempre acompanhado pela menina, começou sua busca pela estrada. Foi
Você vai por que estrada? primeiro até o Ceará. E o cavalinho não estava nem em Fortaleza nem em
VICENTE Cabrobó, nem em lugar nenhum. Foi a Pernambuco, ao Amazonas, andou perto
Pela estrada do Ceará. Adeus, velhos. Na volta passo por aqui montado nele. do rio Negro e do Tocantins. E nada. Depois voltou para o sul. Os dois meninos
(Sai com a menina.) viajavam de dia e dormiam à noite. Mas não sabiam do perigo que vinha atrás
5.ª CENA deles. Os três velhos, fingindo que eram músicos de verdade, para não serem
BAIXINHO vistos, andavam durante a noite e dormiam de dia. Os velhos, cada vez mais
Precisamos deste cavalo. gulosos, só pensavam no dinheiro que o cavalo azul ia dar-lhes. (Volta para o
GORDO tamborete.)
Vamos matar o menino. (A cena da viagem dos meninos perseguidos pelos músicos é feita com mudanças
ALTO de luz e de música. Enquanto toca a música número 1.4A - BC - passam o menino
Não adianta matar o menino sem termos primeiro o cavalo. e a menina. A cena escurece para sugerir noite, mudando também a música para
BAIXINHO o número 14AB e passam os três músicos com ares de perseguição. Os meninos
É de um cavalo assim que estamos precisando. Um cavalo milagroso, que nos tornam a passar e torna a clarear em cena. Os meninos estão visivelmente
dará dinheiro sem precisarmos trabalhar. cansados. Voltam a passar os velhos também cansados e finalmente tornam os
ALTO meninos que se dirigem a João de Deus no proscênio. Cessa a música.)
Ele come pouco milho. MENINA
GORDO Já andamos muito, Vicente. Vamos descansar um pouco.
VICENTE Você está doido? Isto aqui é uma cidade. Não existe destas coisas por aqui. (Quer
Vamos. Também estou muito cansado. Ei, Sr. Deus! Este meu cavalo está me sair.)
dando tanto trabalho!... (Os dois sentam-se perto do velho e dormem.) VICENTE
VELHO (Puxando-o.)  Existe sim, o meu. Quer saber como ele é?
Tão cansados, coitadinhos. (O velho sussurra uma canção de ninar enquanto HOMEM
escurece sobre eles e os velhos entram em cena com sua música e param Tenho mais o que fazer do que ouvir histórias de cavalos azuis. Já estou atrasado
também para descansar. Cessa a música.) cinco minutos. Não posso chegar atrasado.
ALTO (Vem vindo outro homem.)
(Sentando-se perto de seu piano.) Quanto você acha que ele vale, hem Baixinho? VICENTE
BAIXINHO O senhor viu?
(Abrindo a portinhola do contrabaixo e tirando uma banana.) Milhares de notas 2.º HOMEM
de cinco cruzeiros. Meu relógio estava atrasado três minutos. Não posso perder a hora. (Sai.)
ALTO (Vem vindo o 3.º homem.)
Ficaremos ricos e não precisaremos mais trabalhar. (Abre seu piano e tira VICENTE
também uma banana, dando outra para o Gordo. Eles comem a banana.) Será que o senhor viu?
BAIXINHO 3.º HOMEM
Vamos embora que está amanhecendo. Não podemos perder a pista do menino. Não vi nada. (Desaparece.)
OS DOIS VICENTE
Não podemos perder a pista do cavalo azul. (Vem vindo a lavadeira.)
(Saem.) E a senhora viu?
7.ª CENA LAVADEIRA
VELHO Não adianta perguntar, que não vi nada. Se vejo alguma coisa, não posso lavar
Enquanto dormem um pouquinho, vou preparar a cidade aonde eles vão chegar. toda roupa. (Sai.)
(O velho puxa o coreto para o meio da cena. Os meninos se levantam, VICENTE
espreguiçam e entram na cidade enquanto o velho volta ao tamborete.) E os senhores?
VICENTE (Vêm vindo três soldadinhos.)
Vem ali um homem. (Aparece um homem bem vestido. Cessa a música.) Homem, TRÊS SOLDADINHOS MARCHANDO
será que o senhor viu um cavalo azul passando por aqui? (Cantando em cadência.) Não temos tempo a perder... Não temos tempo a
HOMEM perder... Não temos tempo a perder... (Saem.)
Um, o quê? (Surge o vendedor.)
VICENTE VENDEDOR
Um cavalo azul. Quem quer comprar?... Quem quer comprar?... Quem quer comprar?...
HOMEM
(A menina sai atrás do vendedor. A cidade, num ritmo mais acelerado, torna a (Sentando-se na escada do coreto muito desanimada.) Vicente, não adianta mais
voltar e todos, sem perceberem Vicente, passam de um lado para o outro, a gente procurar... já andamos tanto... tanto!
sempre dizendo suas frases apressadas.) VICENTE
VICENTE Já estamos quase encontrando. A velha viu. Ela vai nos dizer para onde ele foi...
(Gritando acima de todas as vozes.) Quem viu meu cavalo azul? Quem viu meu Onde? Onde está você, meu cavalinho? Bem perto?
cavalo azul? (Toda a cidade desaparece, ouve-se então a voz da Velha-Que-Viu.) VENDEDOR
VELHA-QUE-VIU (Chegando.) Quem quer comprar?... Quem quer comprar...
Eu vi... eu vi. (Entra em cena, vestida de uma maneira estranhamente fora de MENINA
moda, como estas loucas que usam chapéu, xale e bolsa e que, em outras épocas, (Desanimada.) O senhor tem um cavalinho azul?
foram elegantes.) VENDEDOR
VICENTE Azul, vermelho, amarelo... da cor que o freguês quiser.
(Precipitando-se para ela.) Viu? Azul? VICENTE
VELHA-QUE-VIU De verdade?
Todo azul com enormes asas para voar na terra. VENDEDOR
VICENTE De papelão.
É. É. MENINA
VELHA-QUE-VIU Quanto custa?
E com grandes barbatanas para nadar no mar... VENDEDOR
VICENTE Cinco cruzeiros. (Tira um cavalinho de massa azul.)
(Achando que a velha está exagerando.) Bem, isto... VICENTE
Será que o senhor não viu um de verdade?
VELHA-QUE-VIU MENINA
(Contando.) E dois olhos de fogo, numa cabeça tão linda... tão linda... Este mesmo serve, Vicente. Vamos embora. Estou com medo.
VICENTE VENDEDOR
(Não se contendo.) Ela viu... Ela viu!... (Para a velha.) Espera, vou chamar minha Por que é que você não procura no curral do Cowboy?
amiga. (Sai de cena.) Menina... menina... ela viu... VICENTE
(Enquanto Vicente procura a menina, chegam os três velhos e raptam a velha.) Lá tem cavalos?
GORDO VENDEDOR
Ela viu. É nossa. (Desaparecem com a velha, que não reage.) Muitos. (Sai.) Quem quer comprar? Quem quer comprar?
VICENTE
(Voltando com a menina.) Onde está a Velha-que-viu? para onde foi a Velha-que- VICENTE
viu? Desapareceu! Velha! Velha!
MENINA Então vamos lá, meninazinha?
MENINA
Quero ir para casa, Vicente. Este mesmo serve.
VICENTE BAIXINHO
É a última vez que procuramos, está bem? Um dragão
MENINA ALTO
Promete? Um dragãozão!
VICENTE VELHA-QUE-VIU
Depois você pode voltar. (Agora bem rápido.) Lá vem o menino cavalgando no cavalo azul... Cavalgando, na
MENINA nuvem que é preta e grita: ai! ai! ai! Quero cair, quero molhar... quero virar rio,
E você? pro cavalo beber... (A velha começa a passear pela cena seguida pelos velhos
VICENTE estupefatos.)
Só volto quando encontrar meu cavalinho. Coitado. Tão sozinho. Pacatá, pacatá... pacatá...
MENINA BAIXINHO
Então, vamos. (Os dois saem. A menina puxando o   cavalo de papelão.) Ela é doida!
VICENTE VELHA-QUE-VIU
(Saindo.) Pena que a Velha-que-viu tenha sumido. (Voltam os três músicos Quero cair.
carregando a velha.) Quero molhar.
BAIXINHO Virar um rio.
Agora pode falar, velha. Pacatá, pacatá, pacatá.
ALTO Um rio virar
E depressa, que não temos tempo a perder. (A velha fica quieta e entra no coreto Pro cavalo beber...
cantarolando.) Fala, velha. Onde é que está o cavalo? Você viu? ah! ah! ah!
VELHA-QUE-VIU BAIXINHO
(Calmamente.) Pára com isto, velha (Segura a velha.) Quer matar de susto três pobres velhos que
O vento é verde, a chuva é branca, e lá vem o menino cavalgando no cavalo azul... sofrem do coração? hem? Onde é que você viu o cavalo azul, hem? Diz logo,
OS TRÊS velha, senão eu te mato.
É ele. Onde? (Amedrontados, eles saem de cena e tornam a voltar com os VELHA
instrumentos de onde tiram armas.) Me larga, velho horroroso... (A velha se desprende e sai correndo com os velhos
VELHA-QUE-VIU atrás numa corrida bastante ridícula. A velha escapole e some.)
Cavalgando na nuvem... ALTO
OS TRÊS Depressa, Gordo. Lá vem gente. Ninguém deve saber que estamos aqui.
(Olhando e apontando armas para as nuvens.) Nas nuvens? Deve ser um (Os três mais do que depressa tomam seus instrumentos, guardam as armas,
monstro! entram no coreto e começam a tocar uma valsinha lenta. Música n.º 5AB. Pela
GORDO frente e por trás dos velhos passam os habitantes da cidade que nós já
Um dragão! conhecemos. Ninguém repara nos velhos. Todos saem. Menos o vendedor.)
VENDEDOR (O vendedor sai e o velho tira o coreto.)
Quem quer comprar... 8. ª CENA
GORDO VELHO
Psiu! Seu vendedor! O caminho para o curral do Cowboy era muito comprido. Vicente e a meninazinha
VENDEDOR começaram a andar pela estrada mas se perderam no caminho.
Quer comprar, senhor? (Enquanto o velho fala no proscênio, os meninos passam com a música n.º 1B)
BAIXINHO ... e foram para longe do curral. (Cessa a música.) Mas os velhos, que são
Queria saber se o senhor não viu um menino com uma menina. bandidos muito espertos, vão chegar primeiro ao curral. Neste lugar o cowboy
VENDEDOR criava cavalos para vender aos circos. Eram portanto cavalos ensinados. (Entram
Ora, senhor, eu vejo tantos todos os dias. os quatro cavalinhos brancos. Os atores que vestem a cabeça dos cavalinhos
BAIXINHO brancos entram de lado, levando uma única peça de cenário que esconde o corpo
Mas este é diferente. Ele anda atrás de um cavalo azul. e as pernas dos atores e representa o curral). De noite os bandidos chegaram.
VENDEDOR Estava muito escuro. (Escurece em cena enquanto surgem os três bandidos com
Ah! Aquele? Vi sim. A menina até me comprou um brinquedo. lanternas e começam a procura, iluminando a cara de cada cavalo que levanta o
ALTO focinho à medida que é iluminado.)
Para onde foram eles? BAIXINHO
VENDEDOR Este é branco (Os outros respondem sempre: é branco.) Este também é branco.
Acho que foram até o curral do Cowboy. Lá está cheio de cavalos. Pode ser que Este também é branco. Este também é branco.
ele encontre o dele lá. OS DOIS
BAIXINHO Tudo branco.
Curral do Cowboy onde é? OS TRÊS
VENDEDOR Onde está o azul?
No fim desta estrada que começa ali. Quem são os senhores? Parentes do ALTO
menino? Só se está trancado. Vamos esperar o dia chegar e perguntar ao vaqueiro.
GORDO
BAIXINHO Por que não procurar logo?
ALTO
Tios dele. E donos de um circo lá no sul. Obrigado pela informação. Vamos, Se o vaqueiro desconfia pode mandar nos prender.
pessoal. Precisamos encontrar nosso sobrinhozinho. GORDO
OS DOIS Por que não pedimos a ele para nos vender ?
Nosso sobrinhozinho. BAIXINHO
(Os velhos saem com a música n.º 14B.) Você é cretino, Gordo? Acha que alguém vai querer vender um cavalo que voa,
VENDEDOR que canta e que é azul?
Quem quer comprar... ALTO
Temos é que roubar. Vamos continuar a tocar para ele. (Os três põem-se a tocar a música - 5A,
GORDO enquanto o Cowboy passeia desconfiado. Enquanto tocam, chegam Vicente e a
Vamos logo, então. menina.)
ALTO VIcENTE
Vê se o dia está nascendo? Olha quem está aqui. O circo! Os nossos amigos do circo. Os músicos! (Os três
GORDO bandidos param de tocar e ficam estatelados.) Queridos músicos, como é que
(Olhando.) Já. (Clareia em cena, os cavalos relincham e levantam a cabeça. Os vocês vieram parar aqui? (Os três se entreolham e olham para o Cowboy).
bandidos se escondem. Chega o Cowboy com seu grande chapéu.) BAIXINHO
COWBOY Andando.
Que barulho é este? Se é ladrão de cavalo, atenção! que eu atiro. (Puxa os ALTO
revólveres.) Não há ninguém aí? (O Cowboy corre a cena até que ouve o barulho Andando.
de um dos instrumentos, e muito desconfiado aponta os revólveres. Os três GORDO
músicos, apavorados, imediatamente saem do esconderijo segurando os Andando.
instrumentos.) VICENTE
BAIXINHO Para que vocês estão aqui?
Somos três pobres músicos pedindo esmola. BAIXINHO
COWBOY Viemos tocar música para este Cowboy. (Música 5A).
Músicos, aqui no curral? Isto está me cheirando a mentira. ALTO E BAIXINHO
ALTO Viemos (Confirmando.)
Somos músicos, sim. COWBOY
GORDO Acho que eles são ladrões de cavalos.
Sim, somos músicos. VICENTE
BAIXINHO São não, seu Cowboy. Eles são músicos do maior circo do mundo. Como vai o
Ouça, senhor Cowboy. (Começam a tocar a música n.º 5B.) palhaço?
COWBOY GORDO
(Interrompendo.) Vocês não vieram roubar meus cavalos? (Os três começam a rir Vai bem.
nervosamente). ALTO
BAIXINHO Vai bem.
Que bobagem! BAIXINHO
ALTO Vai bem.
Que bobagem! VICENTE
GORDO Com licença. Quero falar agora com o Cowboy, porque (Falando
Que bobagem! confidencialmente.) o meu cavalinho azul está aqui. Com licença. (Vicente leva o
BAIXINHO
Cowboy para um canto e começa a conversar. Os músicos querem ouvir a Seu Cowboy, não tenho tempo a perder. O cavalo ou a vida.
conversa.) COWBOY
Ouve-se apenas o Cowboy dizer alto: (Vendo que não pode fazer nada contra tanta arma apontada.) Hip! Hip! Hip!
COWBOY Azul! Azul! (Todos aguardam ansiosos a chegada do cavalo.)
Azul? Sim, claro, venha comigo. (Os três saem de cena.) BAIXINHO
BAIXINHO Vamos, por que ele não aparece?
(Para os músicos.) Vocês não ouviram? (Os três abrem as portinholas dos COWBOY
instrumentos e tiram os revólveres.) Agora o cavalo está no papo. (Vem vindo o Hip Hip! Hip! Azul! (Surge um dos cavalos brancos, muito tímido.)
Cowboy com os meninos.) Mãos ao alto! GORDO
ALTO Mas este não é azul!
Mãos ao alto! OS TRÊS
BAIXINHO É branco.
Mãos ao alto! COWBOY
GORDO O nome dele é Azul, porque tem olho azul.
Passem já para cá o cavalo azul. (Os cavalos brancos, assustados, fogem em BAIXINHO
disparada. O Cowboy levanta a mão. Vicente e a menina olham sem (Para Vicente.) É este o seu?
compreenderem o que está se passando.) VICENTE
GORDO (Rindo.) Não O meu é todo azul e grande!
Mãos ao alto, menino! ALTO
ALTO (Meio alucinado.) E sabe cantar
Mãos ao alto, menina! GORDO
(Todos estão de mãos erguidas.) (Idem.) E voar!
COWBOY BAIXINHO
Ladrão de cavalos. Bem que eu desconfiava... (Realista.) E vai dar muito dinheiro ao Baixinho aqui... Vamos, (Gritando.) quero
BAIXINHO seu cavalo azul, está ouvindo? (Sacode o menino, enquanto o Cowboy e a menina
Passem logo o cavalo azul, se não querem levar tiros na barriga. saem disfarçadamente.) Quero o seu cavalo para o meu circo, compreende?
VICENTE Agora, neste minutinho.
Mas ele não está aqui, seu músico. VICENTE
BAIXINHO Mas eu estou procurando o meu cavalo, e depois vou levá-lo ao circo. Fica calmo,
Não me faça de bobo, sim, menino? Já estou cansado de ouvir mentiras. Pensa seu músico, não é preciso isso aí. (Revólver.) O senhor é músico mesmo, ou é
que não ouvi o Cowboy dizer que o azul estava aqui? bandido?
VICENTE BAIXINHO
Mas não é o meu, seu Baixinho. O meu não é igual àquele. Bandido... e músico.
BAIXINHO VICENTE
Mais bandido do que músico... ou mais músico  do que bandido? ALTO
BAIXINHO Não interessa.
Quase que só bandido. GORDO
VICENTE Não interessa.
Vocês três? (Ouve-se de fora a voz do Cowboy, que em seguida aparece armado.)
OS TRÊS COWBOY
Nós três. Mãos ao alto! (Os três largam tudo e ficam de mãos para o alto.) Músicos de meia
(Os três tiram as barbas e fazem caras de bandidos.) tigela! Ladrões de cavalos! Já, já, para a polícia, andem!...
VICENTE BAIXINHO
Que caras feias, meu santo Deus. Vocês roubam pianos, violões, violoncelos, (Fingindo.) Deixe ao menos levar nossos instrumentos, Sr. Cowboy. Assim,
violinos, violas e vitrolas? quando estivermos na prisão sozinhos, nossa música distrairá...
ALTO COWBOY
Nós roubamos tudo. Está bem. Mas andem logo. (Os músicos fingem que vão pegar os instrumentos e
BAIXINHO saem correndo com o Cowboy atrás.) Parem, seus bandidos, que eu atiro
Chega de conversa, amarrem o menino. Enquanto ele não nos der seu cavalo azul, mesmo... (Sai atrás dos bandidos. A menina se apressa em desamarrar o menino.)
não será solto. (O Alto e o Gordo amarram o menino.) Vamos, agora trate de MENINA
descobrir o seu cavalo. Vicente, meu amigo, vamos embora? para nossa casa? Minha mãe e meu pai
VICENTE devem estar muito aflitos procurando.
Amarrado ninguém pode procurar nada. Se vocês fazem o favor de me VICENTE
desamarrar. Estou com muitas saudades lá de casa, também.
BAIXINHO MENINA
Vai é morrer, porque estou desconfiado que este negócio todo é uma mentira. Então vamos.
ALTO VICENTE
Nos fez andar meses e meses atrás dele Preciso primeiro achar ele. Depois eu volto. Você vai na frente, está bem? A gente
GORDO pede ao Sr. Deus para te levar. O senhor leva? (Dirigindo-se ao velho.)
Estou cansado de procurar. VELHo
BAIXINHO (Sem se mexer.) Levo, sim, Vicente, Eu levo a meninazinha para a casa dela.
Menino que faz bandido ficar cansado e não acha cavalo azul, deve morrer. VICENTE
OS DOIS Eu sabia, Sr. Deus. (Para a menina.) Diga a papai e a mamãe que estou quase
Morrer. achando o meu cavalinho. Diga a mamãe para preparar uma cama bem macia
VICENTE para mim. Estou cansado de tanto dormir no chão duro. Diga a papai para
Mas, se eu morrer, quem vai procurar meu cavalinho? preparar capim verde para o cavalinho. Diga ao palhaço que os músicos são
BAIXINHO bandidos e quando eu chegar vamos fazer um circo só para nós. Me esperem
Não interessa.
todos na entrada da cidade que vou chegar como um doido galopando no meu como na primeira cena, caía do pescoço do cavalo e começa a fazer com ele as
cavalo... mesmas evoluções). Upa! Upa! meu cavalinho. Vamos já para casa, meu
MENINA cavalinho! Papai, mamãe, a menina, o palhaço, estão todos nos esperando na
Adeus, Vicente, e volta logo. Cuidado com os perigos. (Sai.) entrada da cidade! Todos esperam nossa volta! Upa! Upa! Upa! Para casa, meu
VICENTE cavalinho. A galope! Para casa!
(Enquanto a menina dá a mão ao velho, saindo em seguida pelo proscênio.)
Diga a mamãe para botar vestido novo para a minha chegada e fazer doce de (O cavalo dá várias galopadas em torno do menino, enquanto a música cresce, a
coco e canja de galinha para eu comer... Adeus. (Enquanto a menina sai, puxando luz se acende e se apaga em vários tons de cores, e o pano se fecha).
seu cavalinho de papelão, ouve-se a música n.º 1B (só flauta-contrabaixo.) Ao
mesmo tempo, o cavalinho branco de olho azul sai, levando seu curral. Vicente
fica sozinho, olhando sair o cavalo de papelão.) Agora vou à serra da Mantiqueira.
(Maroto.) Acho que você está é lá, meu cavalinho! (Vicente sai de cena. Cessa a
música.)
(Pela cena aparecem os três bandidos fugindo do Cowboy, que vem logo atrás
com a música n.º 14B. Voltam os três músicos em mãos ao alto com o cowboy
atrás. Desaparecem.)
(Música n.º 3B)
VELHO
Como vocês viram, os três músicos foram presos, a menina levei para a casa dela.
Todos na cidade estão esperando Vicente voltar. Ele continuou correndo mundo.
(Na cena surge Vicente todo esfarrapado, sem um pé de sapato, comendo um
pedaço de pão — o ator ou atriz que faz o Vicente deve trocar de roupa para esta
cena.) Quando estava muito cansado, vinha deitar aqui perto de mim. (Vicente
deita-se perto de João de Deus.) E foi assim que um dia... Vejam vocês.
(No palco uma luz azulada e estranha começa a clarear a cena. Vicente se apruma
e aproxima-se do meio do palco, atento. Ele está quase em silhueta. Tudo está
azulado e escuro. A música n.º 30 A.B.C. num crescendo, acompanhada pelo
galopar de um cavalo, anuncia a aproximação do cavalinho azul, que surge do
fundo da cena imponente e todo azul, com cauda branca. Este cavalo representa
o mesmo pangaré do início da peça agora transfigurado. Vicente, imóvel,
observa.)
VICENTE
(Como se estivesse fazendo a coisa mais natural do mundo, sem absolutamente
encarar a aparição do seu cavalinho como coisa impossível, pega a corda que,

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