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A estação de Vieira da Silva

Ana Margarida Oliveira 13513


3º ano Design de Comunicação
Índice

Introdução p.3

Arte Pública In Situ p.4

Breve história do comboio urbano subterrâneo p.4

A humanização do metro p.5

A exposição de obras de arte no metro p.6

O Metro de Lisboa como local de exposição de arte p.7

Maria Helena Vieira da Silva p.8

A estação da cidade universitária e os seus azulejos p.10

Análise do painel de azulejos p.11

Breve memória descritiva do projeto elaborado p.12

Conclusão p.13

Bibliografia p.14
Introdução

O presente trabalho apresenta um caso de estudo sobre os azulejos da estação


da Cidade Universitária do metropolitano de Lisboa, realizados por Maria Hel-
ena Vieira da Silva, para o projeto de reabilitação do Metro de Lisboa. Este tra-
balho é apresentado no contexto da Unidade Curricular de História da Arte do
Azulejo em Portugal, da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, e
culmina das aulas frequentadas e de uma investigação pessoal acerca dos azu-
lejos presentes na referida estação.
A escolha do tema foi fundamentada pela referência ao mesmo em
aula, semeando uma curiosidade crescente relativamente à biografia da artista,
assim como relativamente ao espaço público enquanto local albergador de ta-
manho património do azulejo português.
As principais dificuldades encontradas na produção tanto da com-
ponente escrita como do projeto elaborado a partir do caso de estudo, foram
as lacunas na informação de algumas das características dos azulejos analisados,
que por outro lado permitiram uma pesquisa mais a fundo sobre o tema, em
várias referências. Por outro lado, a formulação do projeto teve ainda a dificul-
dade na gravação e documentação dos azulejos por parte do próprio Metro de
Lisboa, que dificultou este processo nas burocracias para permissão de filma-
gens da estação que, embora não tenham sido para uso comercial, me foram
interditas numa primeira abordagem.
O trabalho incide ainda numa produção visual de uma animação dos
azulejos analisados, como forma de dar vida ao caso-estudo, permitindo uma
difusão da obra analisada junto das camadas mais jovens.

3
Arte Pública in Situ

A partir da arte pública contemporânea, os artistas requalificam os “(...) o desenvolvimento


dos espaços da circulação,
espaços públicos, revitalizam as zonas urbanas, e humanizam o contexto urba-
da comunicação e do consumo
no, procurando melhorar a vida do público e dos utilizadores destes espaços. é um traço empírico pertinente
A arte pública possui a característica de ser integrada num local da nossa contemporaneidade,
sobre o qual tem de exercer influência, partindo das condições do local, que esses espaços são menos
arquitetónicas, luminosas, espaciais, sociais, etc, com a preocupação da sat- simbólicos do que codificados,
isfação de qualquer tipo de público que tome contacto com as mesmas. Es- assegurando neles toda uma
sinalética e todo um conjunto
tas obras mantêm-se ligadas a um espaço e a um tempo específicos, sendo
de mensagens específicas
pensadas nestes contextos e visualizações, presentes e futuras.
(através de monitores, de vozes
Na arte pública contemporânea, todo o trabalho artístico se ba- sintéticas) na circulação dos
seia na relação entre o artista e o público. Há uma necessidade de ligação transeuntes e dos passageiros.”
dos artistas à sociedade. (Augé, 2006, p. 115).
Um projeto de intervenção estruturado por estes valores dá ori-
gem a uma arte interativa, participatória, afetiva, que promove a colabo-
ração do seu observador. Esta arte fala de quem somos, de qual o nosso
lugar, de como a nossa cultura e o nosso ambiente nos afetam, de como o
trabalho artístico afeta e comunica com as pessoas a ele expostas. A arte
pública está ligada à vida diária dos cidadãos, podendo alterar o quotidiano
de um cidadão, provocar reações, mudar perspetivas. Por isso, o artista que
intervém no espaço público pode ter um papel ativo na sociedade, poden-
do utilizá-la para informar, mudar ou criticar. Os espaços tornam-se vividos,
humanos, podem até tornar-se o mais próximo de lugares* que nos é pos-
sível nestes contextos.

Breve história do comboio


urbano subterrâneo
O metropolitano ou metro, é um meio de transporte que existe
em praticamente todas as grandes cidades do mundo que permite o trans-
porte rápido dos cidadãos, fugindo ao habitual caos do tráfego automóvel
das grandes cidades, ao mesmo tempo que evita o agravamento deste
tráfego, libertando a superfície para outras utilizações.
O transporte subterrâneo teve o seu início em Londres, no século
XIX, como forma de facilitar o transporte entre as margens sul e norte do rio
Tamisa. Depois de Londres seguiram-se os metros de Budapeste e Glasgow,
tendo Paris inaugurado o seu metro em 1900, não o tendo concluído a tempo
de transportar os primeiros visitantes para inauguração da Exposição Univer-
sal. Durante o século XX muitas foram as grandes cidades que inauguraram os
seus sistemas de metro, chegando a vez de Lisboa em 1959.

4
A humanização do metro

Apesar de todos os benefícios do metro, ocorreram queixas recor-


rentes por parte dos seus utilizadores, referindo a tristeza e a lugubridade dos
espaços. Ao ser subterrâneo, o espaço do metro é naturalmente fechado,
escuro, levando a uma ambiência própria, desconfortável e claustrofóbica.
Tendo em conta estas características do metro, e ocorrendo a ne-
cessidade de este ter de ser utilizado pelos habitantes, a bem do descon-
gestionamento da superfície e da viabilidade económica do metro, todos os
sistemas de metro tentaram, desde sempre e em maior ou menor medida,
humanizar o seu espaço, provendo-o de luz, de cor e de características que
o assemelhassem à superfície, de forma que as viagens quotidianas se torn-
assem agradáveis e o movimento dos passageiros fosse fluído. Para alcançar
estes objetivos, os sistemas de metro investiram não só na contratação de
arquitetos para a conceção das estações, mas também na exposição de obras
de arte, permanentes ou efémeras, nesses mesmos locais.
Várias redes de metropolitanos tinham já sido construídas quando
se deu a compreensão da necessidade desta humanização, com no metro de
Londres ou de Nova York, e, por isso, as suas construções eram já demasiado
estreitas e baixas, sem ser possível uma real revitalização da sua arquitetura,
e tornando assim estas redes de metro principalmente preocupadas com a
iluminação dos seus espaços.
Contrariando esta tendência, o metro de Moscovo foi construído
com todo o luxo e preocupação. Os responsáveis por esta construção enten-
diam que os países capitalistas gastavam apenas o mínimo indispensável com
os serviços públicos, visão totalmente diferente dos soviéticos: estes queriam
tornar as viagens subterrâneas dos passageiros tão confortáveis e agradáveis
quanto possível, pelo que construíram o que consideravam ser o metro mais
bonito do mundo. Assim, diferenciaram as estações entre si, de forma a que
os passageiros pudessem saber onde estavam mesmo quando dentro dos
comboios, e revestiram-nas a mármores e granitos. Como principal objetivo
foi definido que não devessem parecer estruturas subterrâneas nem lembras-
sem os utilizadores o facto de estarem no subsolo: deveriam ser inundadas
de luz e espaçosas, lugares claros e alegres, com materiais duráveis e resis-
tentes ao uso, que não acumulassem pó, e sendo fáceis de limpar.

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A exposição de obras
de arte no metro

Já só nos anos 30 é que foram expostas obras de arte na rede do


metro. A 8 de fevereiro de 1938 foi inaugurada uma exposição no Museum of
Modern Art de Nova Iorque (MoMA) sobre a arte no metro: foram expostos
esboços, pormenores e modelos de esculturas e murais concebidos, durante
um ano e para estações de metro dessa cidade.
A exposição tinha como objetivo mostrar ao público os trabalhos,
para que se pudessem avaliar as suas possibilidades, antes da sua colocação
nos locais a que se destinavam. Foram levadas em conta as exigências do
ambiente do metro (temperatura, vibrações, sujidade e vandalismo, sendo
este um local diariamente utilizado por centenas de pessoas, em qualquer
condição atmosférica, com acesso facilitado a qualquer zona do mesmo). As-
sim, foram desenvolvidas técnicas de esmalte de porcelana em folha de met-
al, azulejos, mosaicos e tinta de éster de silicone a aplicar em pedra, cimento
ou estuque. Foi ainda referida a dificuldade do ambiente não tradicional para
a exposição de arte e a necessidade de encontrar temas que pudessem inter-
essar e agradar ao público global do metro. Durante a exposição teve lugar
uma votação sobre a inclusão da arte no metro, tendo o público votado a
favor da mesma, bem como indicado os temas preferidos.
Ao metro de Buenos Aires chegaram os primeiros painéis de azulejos
em 1934, procedentes de Espanha e reproduzindo trabalhos de artistas como
Ignacio Zuloaga, Fernando Alvarez Sotomayor, Martin Noel e Manuel Escasany.
Estes painéis seguiram, assim, o costume de dotar as estações com
painéis de azulejo, muito comum em Portugal, de que o mais importante exem-
plo será o revestimento integral das paredes do grande átrio da estação de S.
Bento, no Porto, com painéis da autoria de Jorge Colaço, executados em 1915.
A exposição de arte nas estações teve como fio condutor a criação
de um meio aberto, vivo e original. As estações deveriam ser todas diferentes,
mas com unidade na decoração, sendo utilizados materiais nobres, que trans-
mitiriam uma sensação de conforto e luxo. Ao mesmo tempo, resistiriam ao
uso, amortizando o seu custo inicial. A diferenciação das estações, permite
uma mais fácil orientação dos passageiros, pois sendo os túneis todos iguais
e sem luz, e sucedendo-se as estações a espaços muito curtos, perde-se a
noção da localização. Tornou-se a intenção assumida mostrar a arte às pes-
soas comuns durante a sua rotina diária e fora do ambiente das galerias, dos
museus e dos centros culturais, normalmente por elas não frequentadas.

6
O Metro de Lisboa como local
de exposição de arte

Quando o metro de Lisboa foi inaugurado, em 29 de dezembro


de 1959, este beneficiou de alguma discussão anterior relativamente à ex-
posição de obras de arte nos seus espaços, com os precedentes de Nova
York, Londres, Moscovo, entre outras grandes construções até aí iniciadas.
A arquitetura das estações foi atribuída ao arquiteto Francis-
co Keil do Amaral (1910-1975). A contenção de gastos era uma condição
essencial do projeto do metro, pelo que foi definida pelo arquiteto uma
estação-tipo, repetida em todas as paragens, adaptada às necessidades
das condições locais, que acompanhava a estrutura do túnel e outras con-
struções subterrâneas
As estações verificaram-se, por isso, de reduzidas dimensões,
austeras e de uma grande limpidez formal, bem como monótonas, dada a
sua repetição. Todo o mobiliário e equipamento das estações foi concebi-
do com extremo cuidado, acompanhando as tendências de simplicidade
decorativa da época, desde as bilheteiras e as cabinas dos controladores
do tráfego nos cais, em vidro e metal cinzento, os bancos suspensos de
desenho liso em ripas de madeira, painéis publicitários curvos, a acompan-
har a curvatura das paredes dos cais, caixotes do lixo e cinzeiros em chapa
metálica lisa. No cais de embarque, as paredes eram revestidas até à altura
do arranque da abóbada do teto com ladrilhos de vidro azul esbatido, sen-
do a separação marcada por uma barra vermelha que também continha o
nome da estação repetido a intervalos regulares. O pavimento era executa-
do em cimento escuro. A contenção de custos, todavia, quase ia eliminando
qualquer ornamento adicional. Desta forma, Keil do Amaral encontrou uma
forma de animar as paredes dos corredores, escadas e átrios respeitando
a redução dos gastos: convidou a sua mulher, Maria Keil (1914-2012), para
conceber o revestimento das paredes, trabalho pelo qual não terá recebido
qualquer remuneração paga pela ML.
Assim, a unificação da imagem das estações contribuiu para a
desejada afirmação da ML, como presença forte e coerente no sistema de
transportes públicos de Lisboa e virada para a prestação do melhor serviço
público aos passageiros, com o revestimento em azulejos, já compreendido
como um material durável e que conferia uma estética agradável e interes-
sante aos espaços.
A partir desta implementação, e seguindo a contínua expansão
do metro, cada estação foi entregue a um artista diferente. As estações
foram inundadas de obras de arte com afirmação autoral. O facto de cada
estação ter um autor, quer da arquitetura, quer da intervenção plástica, per-
mite a individualização de cada uma delas, a fácil localização pelo passage-
iro, de dentro da carruagem ou fora dela.

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Maria Helena Vieira da Silva

Maria Helena Vieira da Silva (Lisboa, 13 junho 1908 - Paris, 6


março 1992), filha do embaixador Marcos Vieira da Silva, ficou órfã de pai
aos três anos, sendo educada pela mãe em casa do avô materno, José Joa-
quim da Silva Graça (1858-1931), diretor do jornal O Século. Mostrou inter-
esse, desde muito pequena, pela pintura e pela música, e começou a estu-
dar pintura, a partir de 1919, e em 1924, frequentou as aulas de Anatomia
Artística da Escola de Belas Artes de Lisboa.
Em 1928 vai viver para Paris, acompanhada pela mãe, visitando
a Itália e frequentando as aulas de escultura de Bourdelle (1861-1937), na
Academia La Grande Chaumière, mas que abandona depois, para frequen-
tar as aulas de Charles Despiau (1874-1946). Conheceu, entretanto, o pin-
tor húngaro de origem judaica Arpad Szenes (1897-1985), com quem casa
em 1930, e com quem visitará a Hungria e a Transilvânia. A artista e o seu
marido partilharam, assim, a convivência com vários dos artistas emergentes
daquele tempo, incluindo Joan Miró ou até Max Ernst; para além de terem
beneficiado da amizade com a negociadora de arte Jeanne Bucher para se
posicionarem neste meio, participando e aproximando-se, assim, de diver-
sos grupos antifascistas. Em 1935, António Pedro da Costa (1909-1966) or-
ganiza a primeira exposição da pintora em Portugal, o que a retém até out-
ubro de 1936, após o qual voltará para Paris, onde participará ativamente na
associação «Amis du Monde», criada por vários artistas parisienses devido
ao preocupante desenvolvimento da extrema direita na Europa.
Regressa a Portugal em 1939, devido à guerra, já que para o
seu marido, judeu húngaro, a proximidade dos nazis e o terem-lhe retirado
a nacionalidade, tornando-o apátrida, não lhes permitindo permanecer em
Paris. Em Portugal, o governo de Salazar não lhe restitui a cidadania por-
tuguesa, mesmo tendo casado pela igreja. O casal decide deste modo ir
para o Brasil, onde serão recebidos com passaportes diplomáticos, que sub-
stituem os de apátridas emitidos pela Sociedade das Nações, tendo mes-
mo recebido uma proposta de naturalização do governo brasileiro. Residem
no Rio de Janeiro até 1947, pintando, expondo e ensinando. Foram ainda
desenvolvendo um grande grupo de amigos, essencialmente artistas com
ideais modernistas e que muito admiravam as composições densas e com-
plexas da pintora. Entre estes, Carlos Scilar, Carlos Drummond de Andrade
e Cecília Meireles.
Vieira da Silva caminhava nas suas obras para dimensões cada
vez mais complexas e densas, em muito associadas ao Cubismo e ao ab-
stracionismo, embora também com o expressionismo abstrato e o tachis-
mo. Criava labirintos de ângulos visuais que colocavam em perspetiva os
enredos visuais dos edifícios e dos objetos, fazendo-se usar de desenhos,
de pinturas e de formas para outros suportes, como a serigrafia, a litografia,
cerâmica, a tapeçaria e até na elaboração de vitrais. O desejo de captar das
coisas mundanas e familiares, muitas vezes com manifestações de dor e de
saudade, foram sempre características muito fortes na sua obra.

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Vieira da Silva regressa a Portugal primeiro que o marido, retido
pelos seus compromissos académicos, tendo Vieira da Silva começado a ser
reconhecida na Europa, comprando-lhe o estado francês La Partie d’échecs,
um dos seus quadros mais famosos. Vende obras suas para vários museus,
realiza tapeçarias e vitrais, trabalha em gravura, faz ilustrações para livros,
cenários para peças de teatro expõe em todo o mundo e ganha o Grande
Prémio da Bienal de São Paulo de 1962, e no ano seguinte, o Grande Prémio
Nacional das Artes, em Paris, atribuído a uma mulher pela primeira vez. Ten-
do naturalidade francesa desde 1956, depois de várias condecorações, em
1979, foi-lhe atribuída Legião de Honra francesa. O seu reconhecimento em
Portugal será feito pela novel Fundação Calouste Gulbenkian, que lhe ad-
quire vários trabalhos, promove e divulga a sua obra. Mais tarde, será a Gul-
benkian a promover a instalação do Museu Arpad Szenes e Vieira da Silva,
inaugurado a 3 de novembro de 1994. Maria Helena Vieira da Silva e Árpád
Szenes formaram uma das parelhas mais criativas do século XX na pintura.
A morte de Szenes, em 1985, faria com que, após a queda do co-
munismo na Hungria, Vieira da Silva tomasse a iniciativa de criar a fundação
“Árpád Szenes-Vieira da Silva”, com vista à formação das novas gerações
de artistas e à investigação. Apesar da artista permanecer em Paris, não
abdicaria das suas raízes geográficas, sendo responsável, entre outras inter-
venções, pela decoração da estação de metro da Cidade Universitária, em
1988, a partir do recurso aos azulejos.
Vieira da Silva faleceria sete anos depois, em 1992, com 83 anos.
Não assistiria ao nascimento da sua fundação, que, até hoje, alberga grande
parte do seu repertório, assim como do seu marido.
Maria Helena Vieira da Silva notabilizou-se, assim, com a sua arte
pictórica, com muito espaço para a investigação dentro da própria criação.
Por um lado, a apresentação e utilização da geometria e da conversa en-
tre planos, perspetivas e linhas difusas, embora sempre com uma realidade
pensada. Noutra perspetiva, a sua obra apresenta uma busca crescente para
chegar mais longe, numa intimidade quase fechada ao exterior. A sua arte
é uma arte do dia-a-dia, compreendendo ainda figurações vanguardistas e
modernistas. Uma arte que, por mais pessoal que seja, tornou-se um diálo-
go entre as diversas visões sobre o que é o real.

9
A estação da cidade universitária
e os seus azulejos
O painel “Le Métro” constitui o elemento central de toda a inter-
venção plástica desta estação, é uma transposição para azulejo, por Manuel
Cargaleiro, de um guache de Vieira da Silva datado de 1940 inicialmente
denominado “Abrigo Anti-Aéreo”. Esse guache é hoje propriedade do Met-
ropolitano de Lisboa que o cedeu para figurar na exposição permanente do
museu da Fundação Arpad Szènés-Vieira da Silva. Trata-se de uma obra do
período em que a pintora viveu no Brasil, durante o qual o terrível conflito
que se vivia na Europa influenciou de forma decisiva a sua produção artísti-
ca, parte do ciclo criativo dos temas de pânico.
O painel “Le Métro” representa um aglomerado de pessoas que
se refugiaram no metropolitano de Paris para escapar aos bombardeamen-
tos. Vieira da Silva procurou retratar simbolicamente uma multidão em diver-
sos movimentos e dinâmicas. Esta é assim uma multidão anónima onde, no
entanto, colocou algumas figuras que se podem identificar. Algumas destas
figuras seriam: uma figura vestida à maneira do Renascimento, talvez Damião
de Góis, outra, envergando uma toga clássica, talvez Sócrates de quem citou
uma frase colocada em diversos outros locais da estação, outra ainda, um
personagem com uma máquina de escrever, que segundo o seu biógrafo
Guy Weelen, seria Mário de Sá Carneiro de quem a artista, enquanto pintava,
recordara um verso (“Via o meu braço valsar nos salões do vice-rei”).
No topo superior esquerdo o autorretrato de Vieira frente ao
de Arpad. O painel está assinado com o “petit-nom” que Arpad carinhosa-
mente lhe tinha dado Bicho- com o qual, durante um período da sua vida,
assinou algumas obras. A composição encontra-se estruturada num fundo
de malha quadrangular, a sugerir por si só um painel de azulejos, a noção de
fragmentação é usada para acentuar a enorme coerência estética.
Quase toda a restante criação plástica da estação deriva deste
painel central. Algumas das figuras foram destacadas e colocadas isolada-
mente ao longo dos cais, também foram retiradas pequenas figuras tais
como peixes, sóis, punhais, letras, que foram agrupadas em paineis de azu-
lejos, como figuras avulsas. Nos topos das plataformas surgem paisagens
urbanas de pendor abstratizante, manchas de casario denso, representando
os bairros antigos da cidade.
Duas frases aparecem, ao longo dos cais e ao longo dos espaços
de ligação, dizendo: “Não sou ateniense nem grego, mas sim um cidadão
do mundo” de Sócrates e “Se eu não morresse nunca! e eternamente bus-
casse e conseguisse a perfeição das coisas!” de Cesário Verde. Estas frases
dizem muito do seu percurso existencial, da sua atitude perante a vida e da
intensa exigência para com o seu trabalho.
No espaço do átrio das bilheteiras e corredores de acesso,
grandes corujas e olhos, símbolos do Conhecimento, da Sabedoria e da
Razão em ligação temática com o local, sendo os grandes olhos uma con-
stante morfologia usada por Vieira da Silva.No exterior da estação, encon-
tra-se um painel que representa Lisboa antiga, que foi doado à cidade no
trigésimo aniversário do Metropolitano de Lisboa.
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Análise do painel de azulejos
Este Painel de azulejos dePadrão, do género figurativo abstra-
tizante, de 1970, da referida artista Maria Helena Vieira da Silva, possui um
padrão formado por diversos elementos, que partem do já referido painel
central da estação da Cidade Universitária do Metropolitano de Lisboa. Es-
tes elementos são simples e geometrizados, com desenhos lineares e facil-
mente reconhecíveis na sua simplicidade.
São caracterizados por uma pintura manual, sendo central a fig-
ura de um animal de gado no plano central, sendo este o elemento com img1. Foto aproximada do painel
maior figuração, com três elementos ao seu redor num padrão de repetição: (imagem própria)
um jarro, um sol e uma sardinha, circunscritos por um círculo amarelo, e por
um quadrado azul-escuro, assim como dois azulejos pintados a verde-água,
com os restantes deixados num branco-amarelado. Os principais óxidos uti-
lizados na realização dos azulejos serão o óxido de manganês (MnO2), na
obtenção da cor preto; o óxido de ferro (Fe2O3), para os tons acastanhados
e avermelhados, o óxido de cobre (CuO), na obtenção dos verdes; assim
como o óxido de cobalto (CoO), na obtenção dos azuis. Todo o azulejo é
envolto por um vidrado transparente, que começa a difundir um pouco as
cores originais, com um leve tom amarelado na maioria destes. Apesar dis-
so, o estado de conservação é bom.
As peças foram produzidas na Fábrica de Cerâmica da Viúva
Lamego, de Lisboa, com a provável utilização da técnica da estampilha. Estes
azulejos ocupam uma área de 2,72 m, com 16x16cm de ocupação por azulejo.

img2. Foto geral do painel (imagem própria)

11
Breve memória descritiva
do projeto elaborado
O projeto foi desenvolvido com o objetivo de criar uma nova for-
ma visual para as figuras que empregam os azulejos da cidade universitária,
mostrando o dia-a-dia corrido que passa por elas, muitas vezes sem o aper-
cebimento da sua presença por parte do público, mas lhes confere sempre
uma presença subjacente ao espaço, seja essa presença percetível ou não.
As animações colocaram as figuras em movimento, ao numa possível narra-
tiva alternativa para aquelas figuras, e qual seria a possível interação entre as
mesmas no mundo figurativo e narrativo. Esta ideia de fantasia é transposta
também pelos próprios azulejos já presentes na estação, mantendo o imag-
inário aceso mesmo durante as alturas mais críticas do quotidiano de uma
rede de metropolitano numa grande urbe.

img3.Link clicável para o projeto

12
Conclusão

O espaço abordado neste trabalho foi compreendido nas suas


vertentes já esperadas aquando da sua iniciação: a compreensão das nar-
rativas, das técnicas e da vida da artista que as formulou. Para além destas
já previstas reflexões, foi ainda encontrado todo um contexto relativamente
ao papel que a arte pública desempenha num quotidiano tão característi-
co como o do Metropolitano de Lisboa, assim como uma compreensão da
evolução desta arte, e do valor que lhe é atribuído atualmente, sendo este
valor uma perceção recente. Assim, todo o trabalho culminou num tema de
grande interesse, com uma análise que passou por uma investigação funda-
mentada e completa.

13
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made/

14
Testamento

Lego aos meus amigos


um azul cerúleo para voar alto
um azul cobalto para a felicidade
um azul ultramarino para estimular o espírito
um vermelhão para fazer circular o sangue alegremente
um verde musgo para acalmar os nervos
um amarelo ouro: riqueza
um violeta cobalto para sonhar
um garança que faz ouvir o violoncelo
um amarelo barite: ficção científica, brilho, resplendor
um ocre amarelo para aceitar a terra
um verde veronese para a memória da primavera
um anil para poder afinar o espírito pela tempestade
um laranja para exercer a visão de um limoeiro ao longe
um amarelo limão para a graça
um branco puro: pureza
terra de siena natural: a transmutação do ouro
um preto sumptuoso para ver Ticiano
uma terra de sombra natural para aceitar melhor a melancolia negra
uma terra de siena queimada para noção de duração

Vieira da Silva

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