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Universidade Federal do Maranhão, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde,
Departamento de Biologia, Av. dos Portugueses, 1966, CEP 65080-805 - São Luís, MA -
Brasil
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Universidade Federal do Maranhão, Centro de Ciências Agrárias e Ambientais, Colegiado do
Curso de Ciências Biológicas, Br 222, Km 04, Boa Vista, CEP 65500000 - Chapadinha, MA -
Brasil
Autor para correspondência: Bárbara Rodrigues dos Santos, e-mail:
barbara.rodrigues_@outlook.com
Resumo
O Brasil possui uma grande diversidade de anuros e diferentes aspectos da biodiversidade de
helmintos associados a estes vertebrados vêm sendo investigados. No presente estudo, foi
estudada a fauna de helmintos de 191 indivíduos pertencentes a 19 espécies e 5 famílias de
anuros do Cerrado. 152 hospedeiros estavam parasitados (prevalência geral de 79,58%).
Encontramos 8403 endoparasitas no total, pertencentes a 10 táxons: 7 Nematoda (Rhabdias
sp. Physaloptera sp., Physalopteroides sp., Cosmocerca sp., Cosmocercoides sp.,
Oswaldocruzia sp. e um Cosmocercidae não identificado), 2 Acanthocephala
(Centrorhynchus sp. e 1 Acanthocephala não identificado) e 1 Cestoda não identificado.
Cosmocercidae, Rhabdias sp. e Acanthocephala foram os parasitas mais comuns na
comunidade hospedeira. Hospedeiros mais pesados e maiores em CRC tiveram maior
abundância de parasitas e os machos foram mais parasitados que as fêmeas. Cosmocerca sp.
foi o parasita menos específico e Centrorhynchus sp. foi o mais específico, de acordo com o
índice STD* de especificidade Como esperado, as espécies de parasitas mostraram-se
agregadas espacialmente, porém nenhuma característica biológica testada, tanto de
hospedeiros quanto de parasitas, influenciou os níveis de agregação encontrados. 17 novos
registros de hospedeiros são relatados.
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hospedeiros (Morand et al. 2015; Kamiya et al. 2014a). Essa é uma relação esperada, se
considerarmos que espécies hospedeiras abriguem pelo menos uma espécie específica de
parasita. Portanto, locais com grande diversidade de hospedeiros devem abrigar uma
diversidade de parasitas equivalente (Poulin et al. 2011a).
Assim como outros organismos, os parasitas restringiram seus nichos (Holmes 1990;
Rohde 1994) e na maioria das vezes são altamente especializados (Combes e Théron 2000). O
nível de especificidade pode variar entre cada espécie parasita (Goater et al. 2014). De acordo
com Combes e Théron (2000), devido à essa especialização, indivíduos de uma espécie
parasita são agregados em três níveis: (1) em poucas espécies hospedeiras; (2) em poucos
indivíduos de uma população hospedeira; e (3) em poucos microhabitats no corpo do
hospedeiro. Tal especialização pode eventualmente trazer restrições ou benefícios ao parasita
(Combes e Théron 2000). Aqui abordaremos os dois primeiros níveis.
Parasitas generalistas têm uma baixa especificidade e por isso infectam uma ampla
variedade de hospedeiros. Por outro lado, os especialistas têm alta especificidade e ocorrem
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em uma gama mais restrita de espécies hospedeiras (Poulin 1997). Essa importante
característica dos parasitas nos fornece a amplitude de seu nicho e até mesmo a probabilidade
de ajuste a novos hospedeiros e hábitats após sua introdução em uma nova área (Poulin e
Mouillot 2003). No entanto, é importante destacar que embora tradicionalmente seja medida
simplesmente como o número de espécies hospedeiras utilizadas por um parasita, a
especificidade também deve considerar a importância ecológica de cada espécie hospedeira
para população do parasita, bem como a distância filogenética dos hospedeiros e até mesmo
se o parasita explora os mesmos hospedeiros em diferentes áreas geográficas (Poulin e
Mouillot 2005; Poulin et al. 2011b). A especificidade do hospedeiro pode surgir da atuação de
fatores ecológicos mais imediatos ou através da coevolução entre hospedeiros e parasitas
(Rohde 1994; Poulin e Morand 2000a).
Parasitas frequentemente têm ciclos de vidas complexos (Bush et al. 1997). Quando
eles necessitam de um único hospedeiro para atingir a maturidade sexual, caracterizam-se por
ter um ciclo de vida direto. Já os parasitas que têm hospedeiros intermediários obrigatórios,
nos quais o parasita passa por alguma mudança no desenvolvimento ou morfologia e atinge a
maturidade sexual somente no hospedeiro definitivo, diz-se que eles têm ciclo de vida indireto
(Bush et al. 2001). Os helmintos podem apresentar ciclo de vida direto ou indireto,
dependendo do táxon. A transmissão ocorre pela predação do hospedeiro intermediário pelo
hospedeiro definitivo ou pela ingestão de estágios infecciosos de vida livre (Poulin et al.
2011a).
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Atualmente, 7347 espécies de anfíbios anuros são descritos no mundo todo (Frost
2021). Essas espécies têm tido um declínio global em suas populações, principalmente na
região Neotropical (Stuart et al. 2004; Verdade et al. 2010; Vitt e Caldwell, 2014; Cain et al.
2018). Com isso, 30% das espécies anuros estão ameaçadas de extinção (Vitt e Caldwell,
2014). A causa dos declínios é enigmática para a maioria das espécies, mas possíveis
influências incluem a perda de hábitat, poluição, introdução de espécies exóticas, mudanças
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climáticas e patógenos (Duelmann e Trueb, 1994; Daszak et al. 2003; Stuart et al. 2004; Vitt e
Caldwell 2014; Cain et al. 2018).
No Brasil, a ordem Anura é representada por 1144 espécies, 107 gêneros e 20 famílias
(Segalla et al. 2021). No Cerrado, os anuros também são os anfíbios mais comuns, sendo
conhecidas 209 espécies, 108 delas consideradas endêmicas (51,7%) (Valdujo et al. 2012).
Esse nível de endemismo é o maior entre todos os grupos de vertebrados do Cerrado (Klink e
Machado 2005). O Cerrado, um dos maiores hotspots do mundo (Myers et al. 2000; Vitt e
Caldwell 2014), é composto principalmente por Savanas, mas também é formado por
mosaicos de vegetação que são importantes para a sobrevivência de muitas espécies locais
(Silva et al. 2006). O Cerrado ocupa cerca de 21% da área total do Brasil. No entanto,
somente cerca de 20% dessa área permanece intacta, devido à conversão para pastos e
agricultura de milho e soja (Klink e Machado 2005; Vitt e Caldwell 2014). A perda e
fragmentação de habitat desse bioma é uma ameaça importante para as populações de anfíbios
(Duellman e Trueb 1994; Vitt e Caldwell 2014), especialmente porque ela pode ocasionar a
perda de muitas espécies endêmicas (Stuart et al. 2004; Klink e Machado 2005). O bioma
também possui uma marcada sazonalidade e alta heterogeneidade ambiental (Oliveira e
Marquis 2002; Silva et al. 2006). Poulin et al. (2011a) ressalta que é de se esperar que locais
considerados hotspots de diversidade de hospedeiros sejam também hotspots de diversidade
de parasitas.
Embora os estudos com a fauna de helmintos de anuros venham crescendo nos últimos
anos, cerca de 92% dos anfíbios brasileiros ainda não foram estudados quanto à fauna de
helmintos (Campião et al. 2014a). Nesse sentido, o Cerrado ainda conta com dados
incipientes. Entre eles, podemos destacar o trabalho de Toledo et al. (2013a) que verificou a
presença de Ochoterenella digiticauda (Nematoda: Onchocercidae) infectando Hypsiboas
lundii, anuro endêmico do Cerrado; Queiroz et al. (2020) que analisaram a fauna de helmintos
de 8 espécies de anuros do Cerrado e Aguiar et al. (2021) que analisaram a fauna de helmintos
de 25 espécies de anuros em uma área de transição Cerrado-Mata Atlântica.
Portanto, este estudo tem como objetivos: 1- conhecer a diversidade e estrutura da
comunidade de helmintos de anuros em uma área de Cerrado; 2- comparar a riqueza,
prevalência e intensidade de parasitas; 3- Avaliar a influência de características biológicas dos
hospedeiros na abundância de parasitas; 4- conhecer os níveis de especificidade e agregação
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dos parasitas; e 5- avaliar quais características da biologia dos hospedeiros e dos parasitas
influenciam os níveis de agregação parasitária.
Materiais e métodos
Área de estudo
As coletas dos animais foram realizadas no período chuvoso entre os meses de janeiro
a março de 2020, das 18h às 22h (autorização para a coleta emitida pelo SISBIO, licença
número: 71407-2; aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Universidade
Federal do Maranhão (CEUA - UFMA), processo nº 23115.031592/2019-38). Foram
realizadas nove buscas ativas, totalizando 36 horas de trabalho de campo. As buscas foram
realizadas por um mínimo de 2 e um máximo de 4 pessoas.
Os espécimes foram buscados ativamente no chão, nas bordas dos corpos d’água e na
vegetação ao redor. Após serem coletados manualmente, os anuros eram imediatamente
armazenados em sacos plásticos preenchidos com água ou em sacos de pano umedecidos. Em
seguida, eles foram transportados vivos para o laboratório de Herpetologia do Centro de
Ciências Agrárias e Ambientais da Universidade Federal do Maranhão, onde foram
eutanasiados por meio do uso de Tiopental intraperitoneal com uma dose letal (60 a 100
mg/Kg). Após a eutanásia, os animais eram etiquetados, identificados, pesados e tinham o
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Na região ventral dos anuros, foi feito um corte longitudinal em formato de “I”. Com o
auxílio de tesoura e pinça, os pulmões, o estômago e o intestino dos hospedeiros foram
removidos e colocados em placas de Petri individuais contendo álcool 70% para posterior
análise.
Durante a dissecação também foi verificado o sexo dos hospedeiros, por meio da
análise das gônadas. Os espécimes de anuros dissecados foram fixados em solução de
formalina a 10%, armazenados em frascos com álcool 70% e posteriormente depositados na
Coleção Herpetológica Claude d’Abbeville no Centro de Ciências Agrárias e Ambientais da
Universidade Federal do Maranhão, Brasil.
Para a coleta dos helmintos, os pulmões e o trato gastrointestinal dos anuros foram
analisados sob lupa estereomicroscópica. Quando presentes, os helmintos eram armazenados
em flaconetes com álcool 70%, identificados com seu respectivo sítio de infecção (estômago,
intestino, pulmão).
Prevalência e abundância
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Análises estatísticas
Para avaliar a influência do sexo, CRC e massa dos hospedeiros sobre a abundância de
parasitas, foi utilizado um Modelo Linear Generalizado misto (MLGM), com a distribuição de
Poisson, retirando-se o efeito das espécies de hospedeiros.
O modelo linear generalizado misto (MLGM) também foi utilizado para verificar se as
características biológicas dos hospedeiros (CRC, massa, abundância) e dos parasitas (ciclo de
vida e riqueza) influenciam os níveis de agregação. Os helmintos que infectam somente um
indivíduo hospedeiro foram excluídos das análises a fim de evitar estimativas inadequadas.
Todas as análises foram rodadas no programa R (Team 2012).
Resultados
Rhabdias sp. infectou 28,8%, Acanthocephala infectou 29,3%, sendo os três táxons mais
prevalentes na comunidade hospedeira. Boana raniceps foi a espécie com maior riqueza de
parasitas (8 táxons).
corporal e maior CRC possuíam mais parasitas. Os hospedeiros machos foram mais
parasitados que as fêmeas.
O índice de especificidade variou de 1 a 2,9905 (tabela 2), com valores próximos entre
si. Cosmocerca sp. foi a espécie menos específica (maior valor STD*). Centrorhynchus sp. foi
a espécie mais específica (menor valor STD*).
Tabela 2. Índice de especificidade STD* de cada espécie de parasita pelos hospedeiros analisados. O
valor do índice converge para 1 quanto mais específico for o parasita (Poulin & Mouillot, 2005). (N)
nº de espécies hospedeiras infectadas. O índice foi calculado somente para parasitas identificados até
nível de família.
N
Parasita STD*
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Cosmocercidae 2,6577 12
VAR D
t P t p
Ciclo de vida -0.293 0.769854 1.012 0.311
Riqueza de parasitas -0.603 0.5467 -0.607 0.544
Abundância de hospedeiros 0.484 0.6283 -1.564 0.118
CRC dos hospedeiros -1.395 0.16301 -0.567 0.570674
Massa dos hospedeiros 0.564 0.57268 0.622 0.533721
Discussão
10 táxons parasitas foram identificados, dentre os quais 25% representam novos
registros para os hospedeiros estudados. A fauna de helmintos de Elachistocleis piauienses,
Dendropsophus soaresi e Rhinella mirandaribeiroi é descrita pela primeira vez. Isso
evidencia a importância de levantamentos em áreas geográficas pouco ou nada estudadas
quanto à fauna de parasitas.
Os nematóides foram os parasitas mais frequentes em nosso estudo, sendo encontrados
em todas as espécies de hospedeiros analisados, com exceção de Scinax fuscomarginatus. Os
nematóides são relatados como os parasitas mais frequentes de anfíbios (Campião et al.
2014a; Campião et al. 2015b).
Entre os nematóides, a família Cosmocercidae e Rhabdias sp. foram os mais comuns.
São helmintos frequentemente encontrados em anuros (Anderson 2000; Bursey et al. 2001;
Santos et al. 2013; Campião et al. 2014a; Aguiar et al. 2014; Martins-Sobrinho et al. 2017;
Moretti et al. 2017; Graça et al. 2017; Hallinger et al. 2020; Aguiar et al. 2021). Até o
momento, 24 espécies de Cosmocercidae têm registros de infecção em anuros (Campião et al.
2014a; Santos et al. 2017; Felix nascimento et al. 2020), enquanto 15 espécies de Rhabdias
parasitam anfíbios, das quais 6 ocorrem somente na América do Sul (Kuzmin et al. 2015).
Encontrados em 12 espécies hospedeiras e com prevalência geral de 35,7%, os
Cosmocercidae foram frequentes em algumas espécies, como em L. vastus (76.92%), P.
nordestinus (42.11%), L. pustulatus (31.25%), e B. raniceps (35%) e chegam a atingir 530
helmintos/hospedeiro em L. mystaceus. Oliveira-Souza (2020) também observaram fêmeas
Cosmocercidae como os helmintos mais prevalentes (58.3 %) em Leptodactylus petersii, na
Amazônia, assim como Aguiar et al. (2014) em anuros da Mata Atlântica (35,38%). No
Cerrado, cosmocercídeos foram achados por Queiroz et al. (2020) na maioria das espécies de
anuros estudadas, com 35,7% de prevalência geral, sendo também os nematóides mais
comuns. Semelhantemente, Rhabdias sp. foi uma espécie prevalente na comunidade
hospedeira (28,8%) e infectou 10 espécies, com prevalências altas na maioria delas. No
Cerrado, Queiroz et al. (2020) já registraram esse gênero em Leptodactylus chaquensis, L.
mystacinus e L. podicipinus. As larvas de Rhabdias infectam os anuros diretamente por
penetração na pele, migrando posteriormente para os pulmões, onde se tornam hermafroditas.
Além de parasitar os pulmões, Rhabdias têm machos e fêmeas de vida livre que vivem no
solo úmido, onde se alimentam de bactérias (Anderson, 2000; Koprivnikar et al. 2012; Goater
et al. 2014). Membros de Cosmocercidae também têm ciclo de vida direto, mas além de
penetrarem na pele do hospedeiro definitivo (como Cosmocerca e Cosmocercoides), gêneros
como Aplectana são transmitidos pela ingestão dos ovos pelo hospedeiro (Anderson, 2000). O
ciclo de vida simples e a não dependência de hospedeiros intermediários associados com a
baixa vagilidade dos anuros pode facilitar a transmissão desses parasitas tornando-os
dominantes na comunidade (Aho 1990; McAlpine 1997).
O filo Acanthocephala é um grupo pequeno e pouco diverso de parasitas (Kennedy,
2006) que compreende 1298 espécies (Amin 2013). 15 espécies deste táxon foram registradas
infectando diversas espécies de anuros na América do Sul, mas são considerados bem mais
raros que os nematoides (Campião et al. 2014a). Porém, aqui eles foram encontrados em 10
das 19 espécies de anuros analisadas, sendo relativamente frequentes em termos de número de
espécies infectadas, e infectaram 29,3% de todos os hospedeiros analisados. Aguiar et al.
(2021) encontraram acantocéfalos em 13 de 25 espécies de anuros de uma área de transição
entre Cerrado e Mata Atlântica. Já Queiroz et al. (2020) os encontraram em Leptodactylus
mystaceus e L. podicipinus no Cerrado. Martins-Sobrinho et al. (2017) encontraram as
maiores prevalências para os acantocéfalos, em comparação com os nematoides. Santos &
Amato (2010) encontraram uma prevalência de 84% em Rhinella fernandezae no estado do
Rio Grande do Sul. Na Floresta Atlântica, Leivas et al., (2018) registraram acantocéfalos em
Physalaemus cuvieri, onde foram mais prevalentes que os nematóides, especialmente
cistacantos da família Centrorhynchidae. Porém, em muitas localidades os acantocéfalos são
completamente inexistentes ou não costumam dominar a fauna de helmintos encontrados em
anuros, seja como espécies muito prevalentes, abundantes ou que infectam muitas espécies
hospedeiras (Bursey et al. 2001; Santos et al. 2013; Toledo et al. 2013b; Toledo et al. 2017).
Todas as espécies de Acanthocephala utilizam um artrópode como hospedeiro
intermediário para alcançar o hospedeiro definitivo vertebrado ou o hospedeiro paratênico
(Kennedy 2006; Santos & Amato 2010) e, portanto, o hábito alimentar do hospedeiro é
determinante para essa associação (Kennedy 2006). Leivas et al. (2018) sugerem que a alta
prevalência de acantocéfalos encontrados em seu estudo se deve à dieta de P. cuvieri, devido
a ingestão de insetos (hospedeiros intermediários). Porém, em outras localidades, mesmo
com anuros servindo como hospedeiros adequados, os acantocéfalos podem ser raros devido à
ausência ou menor abundância de hospedeiros intermediários adequados (Kennedy 2006).
Fatores abióticos de cada localidade também atuam em conjunto com a biologia dos anuros e
com a dinâmica de transmissão na estrutura da comunidade de helmintos (McAlpine 1997),
resultando, provavelmente, nas diferenças observadas entre localidades. Já que os
acantocéfalos estavam presentes em diferentes espécies hospedeiras do presente estudo, é
provável que a dieta seja um fator ecológico em comum entre os hospedeiros infectados do
presente estudo (Kennedy 2006).
Os anuros são considerados hospedeiros definitivos de acantocéfalos (Richardson,
2013), mas algumas espécies têm registros como hospedeiros paratênicos (Schmidt 1985;
Santos e Amato 2010). Por exemplo, algumas espécies de Centrorhynchus podem utilizar
anfíbios como hospedeiros paratênicos para alcançar os hospedeiros definitivos, como aves ou
outros predadores terrestres (Kennedy, 2006; Santos & Amato, 2010; Hernández-Orts et al.
2019). No presente estudo, é provável que os indivíduos não identificados de Acanthocephala
pertençam ao gênero Centrorhynchus, já que eles são frequentemente encontrados no estágio
de cistacanto em anuros (Campião et al. 2014a; Aguiar et al. 2021).
Oswaldocruzia sp. infectou 7 espécies, todas com hábito terrestre, com exceção de
Boana raniceps. Estavam presentes em 14,1% da comunidade hospedeira. Nematóides deste
gênero são comuns em anuros na América do Sul, principalmente nas famílias
Leptodactylidae e Bufonidae (Campião et al. 2014a; Aguiar et al. 2014; Moretti et al. 2017),
porém Queiroz et al. (2020) não registraram parasitas deste gênero em nenhuma das 8
espécies de anuros do Cerrado analisadas em seu estudo (Boana raniceps, Dendropsophus
nanus, Leptodactylus chaquensis, Leptodactylus mystaceus, Leptodactylus mystacinus,
Leptodactylus podicipinus, Physalaemus cuvieri e Physalaemus nattereri). Esse helminto é
monoxênico e infecta o hospedeiro por penetração na pele (Vicente et al. 1990; Anderson
2000). Aqui, o hábito dos anuros aliado ao ciclo de vida direto desse helminto, pode ter
facilitado a infecção pelas larvas em anuros com hábito terrestre, já que pode existir uma forte
associação do hábito e modo de transmissão do parasita (Campião et al. 2015b; Santos 2020).
As espécies com maior riqueza parasitária foram Boana raniceps, Scinax x-signatus,
Leptodactylus macrosternum e Physalaemus cuvieri, que também foram as espécies
hospedeiras com maior esforço amostral. Isso é apoiado pelo fato da riqueza de parasitas está
fortemente ligada com o esforço de estudo (Campião et al. 2015b). Em geral, espécies com
baixo esforço amostral, como a maioria da família Hylidae, abrigaram nenhuma, 1 ou 2
espécies parasitas. Além disso, a riqueza de parasitas em uma espécie hospedeira deriva do
tamanho do corpo hospedeiro e densidade da população hospedeira, seja qual sistema
parasita-hospedeiro considerarmos (Kamiya et al. 2014b). A riqueza também pode mudar
dependendo da estação do ano em que os anuros foram coletados (Poulin e Morand 2004;
Hamann et al. 2014), do habitat dos anuros e aspectos ligados, como seu grau de perturbação
(Brooks et al. 2006; Aguiar et al. 2015; Campião et al. 2016b) e diversas restrições ambientais
que variam entre localidades e biomas, influenciando não só a riqueza, mas a estrutura da
comunidade de helmintos como um todo (Aho 1990; Campião et al. 2014b).
As características biológicas dos anuros ligadas ao sexo, tamanho e dieta têm sido
apontadas como determinantes para a comunidade de parasitas, afetando sua abundância,
prevalência, riqueza e composição (Hamann et al. 2014; Campião et al. 2015a; Ruiz-Torres et
al. 2017; Toledo et al. 2017; Silva Neta et al. 2020). No presente estudo, os machos foram
mais parasitados que as fêmeas. As diferenças biológicas entre sexos podem favorecer níveis
de infecção desiguais entre ambos. Essas diferenças podem resultar em maior exposição aos
parasitas ou menor resistência a eles, fazendo com que um sexo seja mais parasitado que
outro (Poulin 1996). Fatores fisiológicos causam diferenças na susceptibilidade entre sexos e
fatores ecológicos (como dieta, microhabitat, comportamento reprodutivo, padrões de
movimento, interações, territorialidade) causam diferenças nas taxas de exposição (Poulin
1996; Zuk & McKean 1996). É difícil distinguir qual causa (ecológica ou fisiológica)
podemos atribuir mais fortemente a diferenças nos níveis de infecção entre machos e fêmeas,
mas ambas devem ser consideradas (Zuk & McKean 1996). Uma possível explicação
fisiológica é que na época de reprodução os machos de anuros têm grandes gastos energéticos
para atrair fêmeas pelo canto, demarcar territórios e competir com outros machos (Vitt &
Caldwell 2014), atividades que podem refletir em maior estresse em comparação com as
fêmeas (Zuk 1990). Maiores níveis de estresse em machos atuam fortemente no sistema
imune, tornando-os mais susceptíveis aos parasitas (Zuk, 1990; Zuk & McKean 1996).
Também podemos citar o efeito de esteróides sexuais, como testosterona, como moduladores
do sistema imune dos machos (Zuk & McKean 1996).
Anuros com maior massa e comprimento também foram mais parasitados. Isso é
esperado, pois hospedeiros maiores são colonizados mais facilmente, seja pela maior
quantidade e diversidade de alimentos que consomem (hospedeiros intermediários) ou pela
maior superfície cutânea que possuem. Indivíduos maiores também oferecem espaço e
recursos/nichos para albergar mais parasitas, além de estarem há mais tempo acumulando
parasitas por serem mais velhos (Poulin 2013; Kamiya et al. 2014b). A abundância, riqueza,
diversidade e uniformidade de helmintos foram correlacionadas com o tamanho do corpo de
13 espécies de anuros da Mata Atlântica (Toledo et al. 2017). No Pantanal, o tamanho do
corpo de 11 anuros foi correlacionado com a riqueza de helmintos (Campião et al. 2015a).
Com exceção do espécime de Cestoda, nenhuma espécie de helminto foi restrita a uma
única espécie hospedeira, podendo ser considerados generalistas por infectar hospedeiros de
diferentes gêneros e famílias. Cerca de 50% dos helmintos registrados em anfíbios ocorrem
em mais de uma espécie hospedeira (Campião et al. 2014a). De acordo com Aho (1990),
generalistas de hospedeiros compõem boa parte da fauna de helmintos de anuros. Como
generalistas, os helmintos infectam uma ampla gama de hospedeiros em ambientes variáveis
espacial e temporalmente, aumentando as chances de sobrevivência da espécie (Aho, 1990).
Porém, o parasita pode diferir na intensidade que utiliza as espécies hospedeiras (Poulin &
Mouillot 2005) e as espécies hospedeiras utilizadas podem diferir na distância taxonômica
entre si (Caira et al. 2003). Por isso, apenas o número de espécies hospedeiras exploradas por
um parasita não reflete de forma apropriada sua especificidade, pois ignora aspectos
ecológicos e filogenéticos (Poulin e Mouillot 2005; Poulin et al. 2011b). Para exemplificar,
se considerarmos apenas o número de espécies infectadas, Cosmocercidae seria o táxon
menos específico da localidade, pois infectou 12 espécies hospedeiras. No entanto, de acordo
com o índice STD*, a espécie menos específica foi Cosmocerca sp., embora tenha infectado
somente 4 espécies, enquanto Cosmocercidae foi mais específico que Cosmocerca sp..
Podemos afirmar que, embora parasite poucas espécies, Cosmocerca sp. foi menos específica
pois utiliza mais intensamente espécies hospedeiras distantes filogeneticamente, em
comparação com Cosmocercidae, que utiliza com certa intensidade (prevalência) hospedeiros
mais próximos filogeneticamente (Poulin e Mouillot 2005). Por outro lado, observamos que
Acanthocephala, Oswaldocruzia sp. e Centrorhynchus sp. tiveram maiores prevalências em
hospedeiros próximos filogeneticamente e assim foram mais específicos (menor valor STD*).
Santos (2020) encontrou valores STD* variando entre 0 e 3,15 para 27 táxons de
helmintos de anuros da Floresta Atlântica. Também encontrou que quanto mais específico o
helminto, maiores eram valores de prevalência nos hospedeiros infectados. No entanto, aqui
observamos que o espécime de da classe Cestoda teve baixa prevalência e intensidade apesar
de ser bastante específica. Alguns gêneros de helmintos aqui encontrados são comuns aos
encontrados por Santos (2020), porém uma comparação mais profunda sobre sua
especificidade é difícil, pois não sabemos se os táxons pertencem às mesmas espécies nos dois
trabalhos.
Por ser um fenômeno tão comum, a agregação de parasitas é sugerida como requisito
essencial para definir o parasitismo (Crofton 1971). No presente estudo, a maioria das
espécies parasitas apresentaram valores de discrepância médios para altos. Embora seja um
padrão esperado, poucos trabalhos buscam conhecer os níveis de agregação de helmintos de
anuros. Entre eles, podemos citar Toledo et al. 2013b, que encontraram um padrão de
distribuição agregado em helmintos de Physalaemus cuvieri e Physalaemus olfersii usando o
índice de discrepância de Poulin. Hamann et al. (2014) também encontraram um padrão
agregado para a maioria dos helmintos que infectaram Melanophryniscus klappenbachi.
Referências
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