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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

MAÍSA VELOSO RIO LIMA

CAMINHO DAS ÁGUAS NA URBANIZAÇÃO EM TERESINA, PIAUÍ: DA


FUNDAÇÃO AO SISTEMA INTEGRADO DE DRENAGEM URBANA

SÃO PAULO
2017
2

MAÍSA VELOSO RIO LIMA

CAMINHO DAS ÁGUAS NA URBANIZAÇÃO EM TERESINA, PIAUÍ: DA


FUNDAÇÃO AO SISTEMA INTEGRADO DE DRENAGEM URBANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Arquitetura e Urbanismo.

ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª Gilda Collet Bruna

SÃO PAULO
2017
3

Um excelente educador não é um ser humano


perfeito, mas alguém que tem a serenidade para se
esvaziar e sensibilidade para aprender (Augusto
Cury).
4

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, inicio meus agradecimentos à Deus, por ser o meu pilar,
mostrando-me diariamente que o amor, a força e a fé são fundamentais para a vida.
Agradeço aos meus pais, Lúcia Maria Veloso e Sérgio Rio Lima por terem me
ensinado que o conhecimento é o bem mais precioso. Obrigada por todo apoio,
mesmo quando eles significam estar longe de quem amamos.
Aos meus amigos, que se tornaram a minha família em São Paulo, ao longo
dessa jornada de dois anos em busca do conhecimento e amadurecimento: Mônya
Freiras e família, Juliana Inoue. Obrigada por fazerem parte da minha vida e por todas
as palavras de força.
Agradecimentos à Prefeitura Municipal de Teresina, pela oportunidade de
desenvolvimento e aperfeiçoamento do meu trabalho, cedendo dois anos de
afastamento de serviços para a conclusão deste mestrado. O meu muito obrigada a
todos os profissionais que prestaram apoio durante o trabalho de pesquisa, em
especial aos engenheiros Ítalo Portela, Márcia Muniz e Olivan Araújo, pelos dados
informados mediante à falta de bibliografia e documentação dos aspectos relevantes
desta dissertação.
Muito obrigada ao amigo da família Esdras Leitão pelo apoio na obtenção do
título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo e por incentivar meu caminho como
urbanista.
Por fim, agradeço profundamente à Prof.ª Dr. ª Gilda Collet Bruna por sua
dedicação como mestre e orientadora deste trabalho, e principalmente pelas palavras
incentivadoras que nos levaram à apresentar parte deste em Portugal.
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RESUMO

Desde os primórdios a ocupação do território pelo homem esteve ligada à


natureza e os seus recursos naturais: ele retira da natureza toda sua fonte de
sobrevivência. O mundo nunca esteve tão urbano, e as cidades hoje aglomeram, no
caso da América Latina, mais de 80% do contingente populacional. Esta intensa
urbanização trouxe impactos significativos aos ecossistemas urbanos, alterando seus
fluxos naturais. Teresina, capital do estado do Piauí, foi idealizada e implantada em
um local onde a presença de seus dois rios favorecia o crescimento econômico da
nova capital. A expansão de Teresina manteve-se respeitando os fluxos naturais das
águas até o ano de 1950, quando a política de desenvolvimento do país proporcionou
um rápido crescimento e uma ocupação desordenada do solo urbano. A demanda por
espaço, habitação e urbanização foi modificando o caminho das águas de Teresina.
Esta dissertação objetiva descrever e analisar a urbanização de Teresina e as ações
públicas municipais quanto aos aspectos da drenagem urbana. A pesquisa foi
elaborada através de levantamento histórico e documental, e tem como recorte
espacial a área da sub-bacia PE-31, caracterizada por seu processo de urbanização
acelerado e pelos constantes alagamentos. A urbanização e as ações públicas
existentes resultaram em alterações no ciclo hidrológico, causando impactos
ambientais, sociais e econômicos em Teresina.

Palavras-chave: ecologia; ciclo hidrológico; Teresina; expansão urbana; drenagem


urbana; drenagem urbana sustentável;
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ABSTRACT

Since the beggining the occupation of the territory by man was linked to nature
and natural resources: it removes nature from its source of survival. The world has
never been so urban, for example, in the case of Latin America, more than 80% of the
population lives in cities. This intense urbanization has brought significant impacts to
urban ecosystems, altering their natural flows. Teresina, capital of Piauí, was designed
and implemented in a place where its two rivers presence favored capital the economic
growth. Teresina’s expansion remained respecting the natural water flows until 1950,
when the country development policy provided a faster growth and a disorderly
occupation of urban land. Demand for space, housing and urbanization altered
Teresina water flow. This dissertation aims to describe and analyze the urbanization
in Teresina and public actions regarding urban drainage aspects. The research was
elaborated through a historical and documentary survey, and has as a spatial clipping
the area of the sub-basin PE-31, characterized by its accelerated urbanization process
and flooding. Urbanization and public actions resulted in hydrological cycle changes,
causing environmental, social and economic impacts in Teresina.

Keywords: ecology; hydrological cycle; Teresina; urban sprawl; urban drainage;


sustainable urban drainag;
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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 Área urbanizada do território de Teresina e a localização


da sub-bacia PE-31.
Figura 02 Alagamento na área da sub-bacia PE-31.
Figura 03 Taxas de urbanização da América Latina e Caribe nos
anos 1950 e 2010.
Figura 04 Habitações em palafitas nas margens do Rio Negro,
Manaus – Amazonas.
Figura 05 Síntese da entrada e saída nos ecossistemas não
urbanos.
Figura 06 Síntese da entrada e saída nos ecossistemas urbanos.
Figura 07 Habitats urbanos.
Figura 08 Habitat construído em São Paulo – Edificações e ruas.
Figura 09 Habitat verde ou paisagem verde – Jardim Botânico, São
Paulo.
Figura 10 Habitat aquático ou paisagem azul – Rio Poti, Teresina,
Piauí.
Figura 11 Habitat residual.
Figura 12 Bacia hidrográfica em ecossistema natural.
Figura 13 Bacia urbana: Rio Tietê retificado em São Paulo - São
Paulo.
Figura 134 A paisagem azul modificada pelo homem: Rio
Tamanduateí canalizado em São Paulo – São Paulo.
Figura 15 Características do balanço hídrico pré-urbanização.
Figura 16 Características do balanço hídrico pós-urbanização.
Figura 17 Fluxo das águas pluviais e o ambiente urbano.
Figura 18 Instituições brasileiras de gerenciamento dos recursos
hídricos.
Figura 19 Relação entre águas pluviais e outros setores de gestão
urbana.
Figura 20 Sarjeta.
Figura 21 Boca de lobo.
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Figura 22 Galeria.
Figura 23 Hierarquia das soluções sustentáveis de drenagem
urbana.
Figura 24 Pavimentação em bloco de concreto intertravado
permeável.
Figura 25 Desenho técnico de pavimentação em blocos de
concreto intertravado permeável com infiltração total no
solo.
Figura 26 Pavimentação em concreto permeável.
Figura 27 Desenho técnico da pavimentação em concreto
permeável com infiltração total no solo.
Figura 28 Esquema de vala de infiltração.
Figura 29 Vala de infiltração em West Kingston – EUA.
Figura 30 Esquema de sistema baseado na gravidade para
captação de águas pluviais.
Figura 31 Cisterna de armazenamento de águas pluviais no
semiárido brasileiro.
Figura 32 Corte esquemático de telhado verde.
Figura 33 Prefeitura de São Paulo – Telhado verde.
Figura 34 Corte esquemático do sistema de infiltração.
Figura 35 Bacia de retenção.
Figura 36 Bacia de detenção.
Figura 37 Diferenças entre reservatórios de detenção em série e
em paralelo.
Figura 38 Mapa do estado do Piauí, localizando a antiga capital
Oeiras e a nova capital Teresina.
Figura 39 Local escolhido para implantação de Teresina.
Figura 40 Croqui do Plano Saraiva.
Figura 41 Mapa do Piauí com a localização das cidades de
Floriano, Amarante, Teresina, União e Parnaíba.
Figura 42 Planta de Teresina em 1940.
Figura 43 Avenida Frei Serafim no início do século XX.
9

Figura 44 Grotão localizado na atual Avenida José dos Santos e


Silva, em 1930.
Figura 45 Avenida José dos Santos e Silva, em 2015.
Figura 46 Área urbanizada de Teresina em 1990.
Figura 47 Conjunto habitacional do Mocambinho, zona norte, em
1982.
Figura 48 Vista aérea do Teresina Shopping e parte do Parque
Potycabana, construídos após aterro da Lagoa dos
Noivos.
Figura 49 Perímetro Urbano de Teresina em 2015.
Figura 50 Obra executada pertencente ao Programa Lagoas do
Norte.
Figura 51 Sub-bacias de Teresina.
Figura 52 Alagamento na área da sub-bacia PE 31.
Figura 53 Localização da sub-bacia PE 31.
Figura 54 Precipitação média de Teresina entre os anos de 1914 e
2009.
Figura 55 Relevo da área pertencente a sub-bacia PE-31.
Figura 56 Área urbanizada da sub-bacia PE 31 no ano de 2005.
Figura 57 Área urbanizada da sub-bacia PE 31 no ano de 2009.
Figura 58 Área urbanizada da sub-bacia PE 31 no ano de 2012
Figura 59 Área urbanizada da sub-bacia PE 31 no ano de 2017
Figura 60 Setores da sub-bacia PE 31.
Figura 61 Descarte de esgoto em vias públicas na região da sub-
bacia PE 31.
Figura 62 Ocupações irregulares no bairro Portal da Alegria.
Figura 63 Edificações residenciais no bairro Portal da Alegria.
Figura 64 Alagamento no residencial Torquato Neto em janeiro de
2017.
Figura 65 Resíduos sólidos no setor 02 da sub-bacia PE 31.
Figura 66 Alagamento no residencial Torquato Neto em janeiro de
2017.
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Figura 67 Passeio público no bairro Portal da Alegria com cotas


superiores a 30 centímetros.
Figura 68 Pavimentação danificada após precipitação em Janeiro
de 2017 no residencial Torquato Neto.
Figura 69 Via pública danificada no residencial Torquato Neto em
setembro de 2017.
Figura 70 Via pública danificada no bairro Portal da Alegria em
setembro de 2017.
Figura 71 Localização prévia das galerias e reservatórios de
amortecimento de cheias à serem executados na PE 31.
Figura 72 Corte esquemático de galeria à ser executada na PE 31.
Figura 73 Prancha padrão do projeto de drenagem integrado para
drenagem das águas pluviais na PE 31.
Figura 74 Localização do reservatório de amortecimento de cheias
sul – RAC SUL.
Figura 75 Localização do reservatório de amortecimento de cheias
centro-sul – RAC CENTRO-SUL.
Figura 76 Localização do reservatório de amortecimento de cheias
centro-norte – RAC CENTRO-NORTE.
Figura 77 Localização do reservatório de amortecimento de cheias
norte – RAC NORTE.
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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Efeitos da urbanização nos elementos de entradas de


água na equação do balanço hídrico.
Quadro 02 Efeitos da urbanização nos elementos de saídas de água
na equação do balanço hídrico.
Quadro 03 Capacidade de infiltração da água em diversos tipos de
cobertura de solo.
Quadro 04 Resumo das consequências hidrológicas da
urbanização.
Quadro 05 Evolução histórica da gestão das águas nos países
desenvolvidos e no Brasil.
Quadro 06 Dimensão dos lotes urbanos em Teresina.
Quadro 07 Recuos obrigatórios em Teresina – Zona Residencial 02.
Quadro 08 Recuos obrigatórios em Teresina – Zona de Serviços 01.
Quadro 09 Recuos obrigatórios em Teresina – Zona Industrial 01.
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LISTA DE ABREVIATURAS

ABCP Associação Brasileira de Cimento Portland


ANA Agência Nacional das Águas
BMP Best Managenment Pratices
CIRIA Construction Industry Research and Information
Association
ICLEI International Council for Local Environmental Initiatives
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LID Low Impact Development
ONU Organização das Nações Unidades
PUSA Planejamento Urbano Sensível à Água
PDDrU Plano Diretor de Drenagem Urbana
RAC Reservatório de Amortecimento de Cheias
SEMDUH Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e
Habitação
SEMAM Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos
Hídricos
SEMPLAN Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação
SIDrU Sistema Integrado de Drenagem Urbana
SUDS Sustainable Urban Drainage Systems
ZI Zona Industrial
ZS Zona de Serviços
ZR Zona Residencial
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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 14
JUSTIFICATIVA 17
2. CAPÍTULO I: URBANIZAÇÃO E O CAMINHO DAS ÁGUAS 20
1.1 A evolução das cidades e a ecologia 20
1.2 Ecossistemas urbanos: a infraestrutura azul 26
1.3 A urbanização e o ciclo hidrológico 35
3. CAPÍTULO II: GESTÃO DAS ÁGUAS PLUVIAIS E 42
SUSTENTABILIDADE NO BRASIL
2.1 Gestão das águas pluviais no Brasil: da fragmentação à 47
integração.
2.2 Gestão Integrada de controle das águas pluviais 50
4. CAPÍTULO III: TERESINA, PIAUÍ: O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E 67
AS ÁGUAS PLUVIAIS
3.1 Teresina e as águas urbanas até 1950 69
3.2 Teresina e as águas urbanas após 1950 72
3.3 Gestão municipal das águas urbanas 80
5. CAPÍTULO IV: O CAMINHO DAS ÁGUAS PLUVIAIS E GESTÃO NA 87
SUB-BACIA PE 31
4.1 A sub-bacia PE 31 87
4.2 Características geográficas e urbanísticas da PE 31 89
4.3 Impactos causados pela urbanização na sub-bacia PE 31 95
4.4 Manejo das águas pluviais: políticas propostas na sub-bacia PE 31 100
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 115
REFERÊNCIAS 113
GLOSSÁRIO
ANEXOS
14

INTRODUÇÃO

Pela primeira vez em toda a história a população urbana é maior do que a rural
e essa alteração veloz do território, conforme Nunes (2015), contribui para surgir e
ampliar riscos no meio urbano, que por sua vez podem tornar-se em desastres. As
áreas urbanas e sua alta taxa de impermeabilização do solo provocam vários impactos
ao ecossistema urbano. Sem um planejamento do espaço urbano a cidade tem seu
crescimento espontâneo e espraiado, voltado para as áreas próximas a rios ou à beira
mar, áreas consideradas de risco por serem facilmente inundáveis. A demanda de
água nas grandes cidades e as superfícies impermeáveis alteram de forma
substancial o fluxo natural das águas, conforme Adler e Tanner (2013). O volume de
água proveniente das chuvas que antes escoava para a jusante através da infiltração
e da evaporação agora escoa de forma superficial, tornando a velocidade das águas
cada vez maior e arrastando consigo os resíduos sólidos que se encontram no
caminho.
As enchentes, ou inundações urbanas, podem ser provocadas através dos
seguintes processos, conforme afirma Tucci (1995): enchentes de áreas ribeirinhas
e enchentes devido à urbanização.
As inundações de áreas ribeirinhas ocorrem pelo processo natural de cheia das
bacias de grande porte nas épocas chuvosas, fazendo com que o rio ocupe o seu leito
maior. O impacto nas cidades ocorre quando a população ocupa de forma inadequada
as áreas ribeirinhas. Já as enchentes devido à urbanização afetam as bacias de
pequeno porte e ocorrem quando há altas taxas de impermeabilização do solo,
fazendo com que o volume que antes escoava lentamente e infiltrava-se no solo passe
a correr e acumular-se na superfície, causando estragos e dados para o município.
Ainda segundo Tucci (1995), no Brasil, são raros os estudos que quantifiquem esses
impactos.
As atuais medidas de controle dos impactos das inundações das cidades
podem ser realizadas de duas maneiras distintas. Os gestores municipais podem
adotar medidas estruturais e não estruturais. As medidas estruturais relacionam-se
com as obras de capacitação, armazenamento e transporte das águas pluviais dentro
dos limites estabelecidos pela quantificação de riscos e conhecimento prévio das
ondas de cheia (RIGHETTO, 2009). São exemplos de medidas estruturais: diques,
reservatórios (bacias de detenção ou retenção das águas) e canais (canalização das
15

águas ou desvios). As ações não estruturais, que possuem caráter preventivo,


segundo Righetto (2009), englobam medidas que necessitam da conscientização da
população: são as legislações, planos diretores, manutenção regular dos sistemas
estruturais existentes, da fiscalização dos espaços urbanos em relação à ocupação.
Fundada em 16 de agosto de 1852 e caracterizada pelo seu traçado típico das
cidades portuguesas em planos regulares, Teresina foi estrategicamente posicionada
à margem direita do rio Parnaíba em uma área de chapada, região menos suscetível
aos impactos das cheias naturais dos rios e lagoas ali presentes. Com sua evolução,
a cidade foi perdendo seu traçado regular, e suas ruas e avenidas foram avançando
em direção aos cursos de água naturais existentes (lagoas e riachos, também
chamados de grotões), especialmente por servirem de pontos de parada para
descanso dos animais que carregavam produtos para o comércio entre vilas. Para a
continuação destas vias e avenidas estes cursos foram pavimentados, surgindo então
os primeiros problemas em relação à drenagem urbana e ocupação em Teresina.
Pensando em todos os problemas relativos à alteração do caminho natural das
águas e sua relação com a ocupação e a drenagem, após o ano de 2002 a Prefeitura
Municipal de Teresina, incluiu direcionamentos em seu Plano Diretor uma série de
projetos e intervenções referentes à melhoria do sistema de drenagem da cidade,
desta vez não somente corretivos como também considerando os conceitos do
desenvolvimento urbano sustentável, dentro de seu plano diretor nomeado Agenda
2015. Entre os planos, inclui-se o Plano Diretor de Drenagem Urbana de Teresina –
PDDrU/THE, publicado em 2012 e em vigor.
Em busca do desenvolvimento sustentável, os investimentos em planos e
estudos e execução de obras de drenagem urbana se fazem relevantes para a capital.
A PMT aprofundou-se em diretrizes e normas na última década, mediante os
constantes alagamentos ocorridos, principalmente, na área relativa à sub-bacia PE
31, que sofreu um processo acelerado de urbanização após o ano de 2009. As figuras
abaixo apontam a área urbanizada de Teresina, a localização da sub-bacia PE-31 e
o registro de um alagamento urbano causado pelas chuvas ocorridas em janeiro de
2017.
16

Figura 01. Área urbanizada do território de Teresina e a localização da bacia PE-31.


Fonte: Google Earth com modificações da autora.

Figura 02. Alagamento na área da sub-bacia PE-31.


Fonte: arquivo pessoal da autora.

Esta dissertação objetiva descorrer e analisar a urbanização de Teresina e as


ações públicas municipais quanto aos aspectos da drenagem urbana, sob a
perspectiva destes como modificadores do caminho natural das águas. A pesquisa foi
elaborada através de levantamento histórico e documental, e tem como recorte
17

espacial a área da sub-bacia PE-31, caracterizada por seu processo de urbanização


acelerado e pelos constantes alagamentos. O estudo visa contribuir, então, para a
criação de soluções práticas que resultem em um desenvolvimento urbano
sustentável.
A metodologia utilizada para análise se dá através do levantamento histórico e
documental do processo de urbanização da cidade e das ações públicas que visam o
manejo das águas pluviais de Teresina e da sub-bacia PE 31.

JUSTIFICATIVA

As soluções adotadas no Brasil para tais problemas, de um modo geral,


apresentam caráter localizado (CANHOLI, 2014). O autor considera que nas cidades
atuais a drenagem urbana é fundamentalmente uma questão de “alocação de
espaços”, transferindo toda a vazão para a jusante – rios e mares que recebem as
águas. Para que haja um perfeito controle e gestão das águas provenientes das
chuvas é preciso, antes de tudo, desenvolver uma série de estudos integrados,
conforme afirma Canholi (2014), que abrangem toda a bacia hidrográfica mesmo que
a mesma ocupe o território de municípios vizinhos. Diante todos os problemas
socioeconômicos causados pelas inundações e pela urbanização a questão da
drenagem urbana e a ocupação do solo entram em debate nos discursos políticos.
Conforme Tucci (1997), o planejamento urbano no Brasil é realizado na prática
em um âmbito restrito, não considerando aspectos fundamentais que trazem
transtornos e custos para a sociedade e para o meio ambiente. A falta de
planejamento adequado da ocupação solo urbano e para as águas pluviais urbanas,
focado em sua maior parte em medidas corretivas, tornam as ocorrências de
inundações urbanas cada vez mais frequentes.
A cidade de Teresina, capital do Piauí, embora tenha sido inicialmente
planejada, sofre com sua urbanização acelerada, tendo como um dos principais
problemas no seu território as constantes inundações. Localizada entre dois rios, Poti
e Parnaíba, e englobando um sistema lagunar que serve de drenagem natural das
águas provenientes de chuvas, teve seu processo de crescimento e expansão
caracterizado pela ocupação desordenada, não considerando os canais naturais de
escoamento das águas e expandindo-se para as regiões mais baixas. De acordo com
os dados da IBGE (2010), a população total da cidade no ano de 1970 era de 220.487
18

habitantes, passando para o total estimado de 844.245 habitantes no ano de 2015.


Somente na década de 70, a população de Teresina cresceu aproximadamente 160
mil habitantes, concentrando um contingente populacional superior ao que absorvia a
zona urbana de todo o estado do Piauí (MOURA, 2006).
O estudo das inundações urbanas e métodos preventivos é considerado
fundamental para o desenvolvimento sustentável das cidades. Trata-se de um estudo
multidisciplinar, abrangendo entre outros a hidrologia, a engenharia, o urbanismo e as
políticas públicas. É preciso maior conhecimento da população quanto à importância
da prevenção dos problemas ainda em fase de aprovação de projeto. As obras – que
ocorrem em toda a cidade em ritmo acelerado – por muitas vezes iniciam-se de forma
irregular, desconsiderando então toda a política pública existente para o controle dos
impactos.
Devido à ocorrência de alagamentos considerados pelo Relatório de
elaboração do Sistema Integrado de Drenagem Urbana de Teresina como de risco
para perdas de vida e perdas materiais na região da sub-bacia PE 31, localizada na
área de expansão do perímetro urbano no extremo sul de Teresina, faz-se importante
a análise do processo de transformação do território e das alterações ocorridas no
ciclo hidrológico natural, que provocaram a modificação do caminho das águas que
drenavam para a costa esquerda do rio Poti, e das ações públicas corretivas e
preventivas existentes, de modo à contribuir para a elaboração de futuros planos de
desenvolvimento sustentável voltados para a drenagem urbana.
Para análise das alterações ocorridas na região, através de levantamento de
dados históricos, esta dissertação descreve em quatro capítulos os aspectos
relevantes para diagnóstico de como o homem e as políticas públicas se tornaram
modificadoras do espaço urbano.
Para que se tenha dados de análise das relações entre o homem, a cidade e o
caminho das águas, no Capítulo I desta dissertação faz-se necessário o referencial
teórico dos aspectos da ecologia urbana e dos seus ecossistemas e como o processo
de urbanização altera o clico hidrológico.
O Capítulo II aborda as formas de gestão das águas urbanas, de modo a trazer
referências de modelos de gestão sustentáveis.
No o Capítulo III, inicia-se o estudo da cidade de Teresina e como se deu sua
urbanização desde a sua fundação até os tempos atuais em relação ao seu meio
ambiente e às águas urbanas.
19

Com base nos dados históricos de ocorrência de alagamentos urbanos, há um


recorte da região da sub-bacia PE 31 no capítulo 4, apontando suas características,
identificando os impactos ocorridos na área e as formas de gestão aplicadas para
solucionar os problemas existente.
Por fim, tem-se nas considerações finais os resultados obtidos após análise
dos dados apresentados, principalmente os obtidos no último capítulo.
20

CAPÍTULO I: URBANIZAÇÃO E O CAMINHO DAS ÁGUAS

1.1 A evolução das cidades e a ecologia

Pela primeira vez em toda a história a população urbana é maior do que a rural e
essa alteração veloz do território contribui para surgir e ampliar os impactos na
paisagem natural. Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – em apenas 60 anos o Brasil passou a abrigar a maior parte da sua
população nas cidades: em 1940, o país detinha apenas 31,3% de sua população nas
áreas urbanas, passando para 81,2% após o ano 2000.
A região da América Latina e do Caribe hoje possuem uma taxa de urbanização
em torno de 80%, a mais elevada do planeta, sendo praticamente o dobro das taxas
da África e Ásia, apontam os estudos da ONU-Habitat (2012) sobre os estados das
cidades da América Latina e Caribe, como demonstra a figura abaixo.

Figura 03. Taxas de urbanização da América Latina e Caribe nos anos 1950 e 2010.
Fonte: ONU-Habitat, 2012, p.21

As mudanças que veem ocorrendo de forma acelerada nesse meio construído pelo
homem têm relação com o crescimento desordenado, conforme afirma Silveira (2002),
e é muito comum nas grandes e médias cidades, pois seu desenvolvimento, muitas
vezes, não obedece aos condicionamentos biofísicos do lugar original de implantação.
21

Os homens, desde os primórdios, mantem uma relação de forma direta com a


natureza. Cada indivíduo necessita de um conhecimento do seu meio ambiente, pois
é da natureza que ele retira seus suprimentos básicos para garantir sua sobrevivência,
tais como a energia, alimentos e matérias para a construção de seu abrigo. Segundo
Odum e Barret (2007), a civilização começou, de fato, quando o homem aprendeu a
servir-se do fogo e de outros instrumentos para modificar seu ambiente. Dada esta
relação histórica entre o homem e a natureza, à medida que o mundo se tornou mais
populoso, as alterações e transformações do meio ambiente foram se tornando
maiores, bem como o poder do homem de ação sob este meio. Neste aspecto, o
elemento humano é o grande transformador do ambiente natural e vem, pelo menos
há doze milênios, promovendo essas adaptações nas mais variadas localizações
climáticas, geográficas e topográficas (PHILIPPI JR; ROMÉRO; BRUNA, 2014).
A ciência da ecologia teve, ao longo da história, um desenvolvimento gradual,
afirmam Odum e Barret (2007). Os autores afirmam que a palavra ecologia é de uso
recente, e foi proposta pelo biólogo alemão Ernerst Haeckel, em 1869, sendo
reconhecida como disciplina científica 20 anos após seu surgimento, aponta Forman
(2014).
A palavra ecologia provém do termo grego oikos, que significa lugar onde se
vive, moradia. Odum e Barret (2007) definem a palavra como o estudo dos organismos
em sua casa, ou o estudo das relações dos organismos ou grupos de organismos com
o seu meio ambiente. Desta forma, podemos entender que o homem está ligado à
natureza não só por esta ser uma fonte de suprimentos para à vida humana mas como
também por esta cumprir seu papel de abrigo.
O impacto gerado pelo homem na paisagem natural constituiu-se uma
preocupação nos mais variados campos de estudo, como a geografia e a sociologia.
As cidades cada vez mais atraem a população devido ao seu poder de oferecer ao
homem inovação e oportunidades. O elemento humano que se concentra nestes
núcleos urbanos gera o caráter das cidades de transformação do ambiente natural. A
aglomeração do homem em áreas urbanas e a consequente transformação do meio
causam a escassez dos recursos naturais e modificação da base física (solo, água,
fauna e flora) , se fazendo necessários mais estudos dentro da ecologia considerando
estes locais transformados.
A urbanização também pode ser considerada uma das áreas principais de
estudos da sociologia, uma vez que as cidades estão a crescer em um ritmo superior
22

ao da população em geral. Até mesmo as sociedades mais ricas e tecnologicamente


mais avançadas de hoje em dia enfrentam problemas ambientais e econômicos que
não devem ser subestimados (DIAMOND, 2005).

[...] apenas recentemente os sociólogos adotaram o tema ecológico a


saber, de que é o declínio na qualidade do espaço vital, e não no
abastecimento de energia ou recursos, que constituem o problema
critico; ou pondo a questão de outra forma: é como os materiais e
energia são utilizados, e como o crescimento e o uso do espaço são
planejados e controlados que determina se os valores humanos são
preservados ou perdidos (ODUM; BARRET, 2007).

Diversos são os pontos de vista dos estudiosos a respeito da ecologia, do


homem e das cidades. Odum e Barret (2007) afirmam que planejadores como o
paisagista Ian McHarg e o arquiteto Eliel Saarinen defendem o mesmo ponto de vista:
o declínio das cidades está ligado à diminuição do interesse público pelo planejamento
da cidade, resultante de uma sobrevalorização dos valores econômicos. O
crescimento dos centros urbanos torna-se um reflexo do modelo de mercado que
vivemos, decorrente do capitalismo. Andrade (2014) aponta que a forma de vida da
sociedade, com padrões de consumo baseados no modelo econômico atual dificulta
a apropriação do termo ecologia dentro a cidade. Já os sociólogos afirmam que a
cidade é, na verdade, uma alteração bruta da natureza, que proporciona várias formas
de rebaixamento das condições básicas da vida humana, e os ecologistas respondem
à esta visão como ser esta alteração inevitável, enquanto for permitido que as cidades
cresçam como elemento à parte dos seus sistemas de sustentação da vida. Por esta
visão, a cidade, o homem e a ecologia se inter-relacionam.

Com o crescimento populacional e a densificação, fatores como a


poluição doméstica e industrial se agravam, criando condições
ambientais inadequadas, propiciando o desenvolvimento de doenças
de veiculação hídrica, poluição do ar e sonora, aumento de
temperatura, contaminação da água subterrânea, entre outros. Este
processo, que se agravou a partir do final da década de 1960, mostrou
que o desenvolvimento urbano sem qualquer planejamento ambiental
resulta em prejuízos significativos para a sociedade (TUCCI, 2006, p.
399).

Após 60 anos de reconhecimento do termo ecologia como estudo científico


surge o termo ecologia moderna, que abrange novos conceitos, como o de
ecossistemas, e inclui a ecologia das áreas construídas, segundo Forman (2014). Esta
23

pode ser considerada origem do termo ecologia urbana. Ainda segundo o autor citado,
somente por volta de 1960 a importância da ecologia como matéria de estudo se torna
relevante frente à sociedade em geral, quando uma crise ambiental foi reconhecida,
fazendo com que a disciplina da ecologia não só se tornasse uma área de
conhecimento que busca entender os processos que ocorrem nos ecossistemas, seja
ele construído ou natural, como também uma solução para a crise ambiental.
Berdoulay (1997) aponta que o estudo sobre a ecologia urbana teve início na
França por um interesse de renovação da modernidade, construindo uma alternativa
possível ao “urbanismo racional”. É através da pesquisa da ecologia urbana que se
pode fornecer uma nova interpretação das cidades e também da forma como se agir.
Seu alcance operacional é grande, pois afirma com precisão as modalidades de
gestão dos elementos da natureza na cidade (BERDOULAY, 1997). É importante
ressaltar que a ecologia urbana vai além do estudo das áreas verdes presentes em
uma cidade, sendo uma matéria que considera todos os espaços e suas variedades.
Tal motivo levou o autor Forman (2014) a considerar este estudo como uma “ecologia
de mosaicos urbanos”.
A ecologia urbana, pela visão de Berdoulay (1997) é uma expressão que remete
a todo um feixe de aspirações sociais, de preocupações e de apostas metodológicas
envolvendo ao mesmo tempo a pesquisa fundamental e a ação. Atualmente, a
população vem mudando o seu olhar sobre o mundo e a natureza, ganhando uma
maior conscientização de sua própria responsabilidade ambiental. Os impactos
causados pela ocupação humana desordenada, dirigiu o olhar mais profundo para as
cidades, conectado não somente com as áreas do planejamento e arquitetura, mas
como também com a ecologia e a biologia. Berdoulay (1997) afirma que por trás da
ecologia urbana existe toda uma aspiração de mudar a relação com as condições de
vida que são fundamentalmente urbanas. Para muitos autores os termos ecologia e
urbanização possuem conceitos contrastantes, porém Forman (2014) defende que
trabalho dos ecologistas urbanos deve dissipar esta perspectiva, já que o que dois
conceitos se sobrepõem e são compatíveis, ao invés de contrastantes. Desta forma,
entende-se que o território construído e a ecologia se complementam e podem,
através dos estudos da ecologia urbana, desenvolver-se de forma equilibrada,
gerando menos impactos ao meio ambiente e ao homem.
24

Nem com tantos estudos especializados, os biólogos e ecólogos


conseguem evitar a crescente destruição da biodiversidade, a extinção
das espécies. Apenas agora começam a ser vislumbradas as relações
entre as causas de perda da biodiversidade, a mudança do clima e o
funcionamento dos ecossistemas. A diversidade biológica é uma das
propriedades fundamentais da natureza, responsável pelo equilíbrio e
estabilidade dos ecossistemas. Com o aumento da população urbana,
cresce, mesmo em outro território, a demanda por terras para a
urbanização e produção de alimentos, que afetarão drasticamente a
biodiversidade dos ecossistemas (ANDRADE, 2014).

Considerando este pensamento, Adler e Tanner (2015) descrevem os processos que


ocorrem devido à alteração da ecologia e dos ecossistemas:

1) As áreas urbanas transformam os habitats. 2) As cidades


aumentam imensamente a entrada e saída e reduzem a reciclagem de
materiais e nutrientes. 3) a modificação de habitats, entrada e saída
provoca consequências intencionais ou não no ecossistema urbano e
nos organismos que o habitam (ADLER; TANNER, 2015).

A resposta da sociedade aos danos no meio ambiente se mostra significativa


para que se evite um colapso ambiental, de acordo com Diamond (2005). O autor
exemplifica mostrando como as sociedades do passado enfrentaram problemas com
o desmatamento e as consequências de suas ações, concluindo que a forma como a
população e a gestão pública trata e administra o meio ambiente pode levar uma
sociedade ao declínio ou à ascensão. Diamond (2005) cita como exemplo o caso de
duas fazendas semelhantes em suas infraestruturas: a primeira, chamada Huls,
localizada no norte dos Estados Unidos da América, e a segunda, chamada Gadar,
localizada na Groelândia. Ambas eram prósperas, apesar de localizadas em áreas de
vulnerabilidade ambiental, onde a primeira sofria com os períodos de seca e a
segunda com o frio intenso. Com o passar dos anos, a Groelândia entrou em colapso
devido à destruição dos recursos naturais pelos quais a sociedade dependia, o que
causou o abandono da fazenda Gadar, enquanto os Estados Unidos da América
tornaram-se uma potência econômica, na qual permitiu que a fazenda Huls
continuasse em perfeito funcionamento. O exemplo mostra que, se não existir
conhecimento da forma como recursos naturais agem e desenvolvem-se em um
espaço ocupado, bem como da correta forma de utilização do mesmo, este espaço
tende a um desequilíbrio, gerando impactos que levam ao declínio da sociedade ali
presente.
25

Deve-se pensar em como adaptar a forma urbana e as formas de gestão do


uso e ocupação do solo urbano às atuais necessidades humanas, e esta forma
também deve estar em equilíbrio quanto aos processos naturais dos ecossistemas.
Tal afirmação remete que há um processo cíclico entre a relação cidade-natureza,
onde uma exerce influência sob a outra. Ao ocupar e instalar-se no espaço natural, o
homem molda e transforma este território, que por sua vez também pode agir na forma
como o homem atua sob ele, ditando por muitas vezes a forma de ocupação, como
pode-se observar nos assentamentos em palafitas na cidade de Manaus, Amazonas.

Figura 04. Habitações em palafitas nas margens do Rio Negro, Manaus – Amazonas.
Fonte: disponível em: https://www.flickr.com/photos/clovisferreira/35948717495 acesso em
10/05/2017

A ecologia urbana então desenvolveu-se para estudar e trazer o equilíbrio


necessário entre a cidade e a natureza ocupada. Dentro da ecologia urbana há a
atuação de diversos profissionais, tais como engenheiros, arquitetos, urbanistas,
sociólogos, geógrafos, paisagistas e gestores públicos, de modo que cada um deles
pode cumprir seu papel como solucionadores de problemas ambientais causados pela
urbanização. Forman (2014) relaciona os profissionais com os problemas ambientais
que cada uma pode solucionar, como por exemplo: a engenharia, o urbanismo e a
arquitetura podem atuar no desenvolvimento de estruturas urbanas sustentáveis, além
de planos urbanísticos e construções que tragam melhoramentos quanto às questões
climáticas e ao desmatamento, enquanto os gestores públicos podem promover um
26

planejamento urbano com foco na proteção e preservação das áreas verdes e dos
recursos hídricos, bem como planejar a forma de ocupação do território.
Para que a sociedade possa desenvolver-se sem gerar impactos no
ecossistema, deve existir uma busca pelo equilíbrio entre a retirada de recursos
naturais, o crescimento populacional e a natureza ao seu redor, sendo todos estes
fatores diretamente influenciados pela forma de gestão adotada pelo país, estado e
município.

1.2 Ecossistemas urbanos: a infraestrutura azul

O mundo tem se tornado cada vez mais populoso, com a formação acelerada de
extensas aglomerações urbanas. Toda cidade precisa promover a sua manutenção,
retirando da natureza os recursos necessários para sua sobrevivência: tira-se dela a
água, a energia, a matéria prima, entre outros, transformando-os em produtos e
eliminando resíduos. Esta equação resulta em um desequilíbrio ambiental, uma vez
que o crescimento da população mundial está em constante aumento e concentrada
principalmente nas zonas urbanas, tonando cada vez mais necessária a retirada
destes recursos para a sobrevivência.
De acordo com a ONU-Habitat (2012), os ecossistemas têm papel nas cidades de
regular o clima, proteger contra riscos de desastres naturais, satisfazer as
necessidades energéticas, dar suporte à agricultura, prevenir a erosão do solo e
propiciar recreação para os homens. Contudo foram os próprios seres humanos
modernos que dominaram a arte da substituição de ecossistemas (ADLER; TANNER,
2015).
Os estudos dos ecossistemas urbanos surgiram em 1970 quando pesquisadores
focaram seus estudos nos fluxos de nutrientes e matérias nas zonas urbanas, segundo
Forman (2014). Estes estudos estavam diretamente ligados às questões de saúde
pública.

Pode-se considerar os seres humanos como engenheiros definitivos


do ecossistema, que criam toda uma seria de mudanças simultâneas
(represamento de rios, construção de casas, deslocamento de
recursos, alterações do clima) em áreas muito grandes. No entanto os
seres humanos agem como engenheiros no ambiente urbano não só
modificando os recursos e materiais disponíveis no local como
também importando uma imensa quantidade de materiais, energia e
27

nutrientes distantes e exportando os resíduos resultantes. (ADLER;


TANNER, 2015)

Dentro da ecologia urbana e de seus ecossistemas Forman (2014) destaca os


estudos a respeito dos organismos, estruturas construídas e o meio ambiente físico
nas áreas populosas, onde se exploram os fluxos, movimentos e mudanças.
Adler e Tanner (2015) comparam uma cidade à uma árvore: ambas modificam
os habitats em sua volta, importam e concentram recursos para seus propósitos
intencionais, que incluem, dentre outros, o seu correto funcionamento. Estas
propostas intencionais podem levar à consequências não intencionais. Porém, os
autores afirmam que diferente de uma árvore, a cidade necessita de mais recursos, e
suas consequências não intencionais acabam por atingir uma região muito maior, com
um efeito muito mais generalizado sobre o ambiente que ocupam. Há, então, um
desequilíbrio dos processos naturais do ecossistema e seus ciclos.
Uma cidade retira da natureza quantidade suficiente de energia e nutrientes,
mas liberam resíduos após captação e utilização. Estes resíduos liberados quando
possuem volume maior do que os recursos retirados da natureza resultam no
desequilíbrio dos ciclos naturais do ecossistema, como acontece nas áreas
urbanizadas. Já no ecossistema natural, toda energia, água e nutrientes que entram
passam por um processo de alta reciclagem, liberando poucos resíduos e calor. As
ruas pavimentadas, por exemplo, alteram o ciclo da água, uma vez que são
impermeáveis e também o ciclo do ar, absorvendo e emitindo mais calor e energia
para a atmosfera. O movimento de materiais, a construção civil e a elevada densidade
populacional humana criam níveis de perturbação diferentes, em termos de tipo,
frequência e magnitude, diferente de outros ecossistemas (ADLER; TANNER, 2015).
28

Figura 05. Síntese da entrada e saída nos ecossistemas não urbanos.


Fonte: Elaborado pela autora à partir de Adler e Tanner (2015).

Figura 06. Síntese da entrada e saída nos ecossistemas urbanos.


Fonte: Elaborado pela autora à partir de Adler e Tanner (2015).

As diferenças entre entrada e saída nos ecossistemas naturais e urbanos,


exemplificadas na Figura 03, trás um novo termo, relativo ao entendimento deste
processo nas cidades, o metabolismo urbano. Segundo Adler e Tanner (2015), à
palavra metabolismo se refere aos processos pelos quais um organismo mantém a
vida por meio de obtenção de insumos. À medida que as cidades ficam mais
centralizadas e adensadas, a entrada e saída destes insumos aumenta, liberando
resíduos gasosos, sólidos e líquidos.
29

Como já mencionado, no outro lado deste processo de produção de


insumos para as cidades encontra-se o processo de saída de
resíduos: desde o lixo residencial – parte composto por resíduos
orgânicos, parte por embalagens e produtos sem serventia – até o lixo
industrial e hospitalar – por vezes químicos que demandam cuidados
especiais no tratamento e disposição – e também os efluentes líquidos
que não raramente são jogados in natura nos corpos d'água, sendo
posteriormente absorvidos pelo solo com eventuais efeitos danosos
aos organismos vivos, e ainda os resíduos gasosos que se dissipam
no ar recolhendo gases tóxicos resultantes de todos esses processos
e transformando-se em chuvas ácidas ou em bloqueios para a
respiração da fauna e flora (VEDRAMINI; BRUNA; MARQUES, 2004).

O metabolismo das cidades funciona de forma linear dentro de cada um dos


ecossistemas urbanos e habitats existentes em seu território. Forman (2014) define
habitats urbanos como áreas distintas dentro de um território urbano e suas condições
ambientais, onde um organismo ou um grupo de organismos vivem. O autor citado
classifica estes habitats em quatro tipos facilmente reconhecidos: áreas construídas,
áreas verdes construídas, áreas verdes seminaturais e áreas naturais. As áreas
construídas são representadas pelas edificações (residenciais, comerciais, mistas,
industriais, institucionais ou qualquer outra variedade erguida pelo homem) e vias de
circulação. Áreas verdes construídas são aquelas áreas onde a vegetação presente
foi plantada pelo homem, podendo ser pequena ou grande, como por exemplo um
campo de golf. Uma área seminatural refere-se a um pedaço de ecossistema natural
onde há uma significante alteração ou degradação causada pelo homem. Já a área
natural está representada pelas florestas, usualmente fora do anel urbano com pouca
influência do homem.
Já Adler e Tanner (2015) classificam os habitats urbanos de acordo como seu
predomínio. São eles: Habitats construídos (construções humanas), habitats residuais
(lixo humano, campos abandonados), habitats verdes ou paisagem verde (áreas
cobertas em sua maior parte por plantas) e os habitats aquáticos ou paisagem azul
(áreas com predominância de águas). Cada um destes habitats propiciam o
surgimento ou desaparecimento um diverso grupo de organismos, o que nos leva a
concluir que os ambientes urbanos possuem muito mais habitats do que apenas o
ambiente construído em si.
30

Figura 07. Habitats Urbanos


Fonte: Elaborado pela autora à partir de Adler e Tanner (2015).

Figura 08. Habitat Construído em São Paulo Figura 09. Habitat Verde ou Paisagem
– Edificações e Ruas Verde - Jardim Botânico, São Paulo -
Fonte: Arquivo pessoal Parque Urbano
Fonte: Arquivo pessoal
31

Figura 10. Habitat Aquático ou Paisagem Azul - Rio Poti, Teresina-Piauí


Fonte: http://www.portalpmt.teresina.pi.gov.br/pagina/Teresina/1

Figura 11. Habitat Residual - Aterro sanitário, Teresina-Piauí.


Fonte: https://www.portalaz.com.br

A urbanização faz com que estes habitats se alterem constantemente, como


por exemplo a construção de novas edificações, a pavimentação do solo permeável,
a canalização e retificação dos rios alterando a sua formação original, dentre outros.
Porém, ainda são escassas as pesquisas que tratam de padrões de uso e ocupação
do solo dos assentamentos urbanos e das formas de construção adaptadas aos
processos que estruturam os recursos naturais (ANDRADE, 2014).
Os seres humanos, historicamente, tendem a aglomerar-se próximo as áreas
onde a presença da água é abundante, instalando cidades nas margens de rios, lagos
ou mares, sendo esta infraestrutura azul essencial para o abastecimento desta
aglomeração.
Também chamada de paisagem azul, a água no meio urbano pode ser
encontrada sob várias formas. Inicialmente, quando o termo água é posto em ênfase
32

nos assuntos urbanos, a primeira questão colocada é sobre a presença dos rios e do
abastecimento de água. Contudo, estas águas podem sem encontradas em forma de
charcos (áreas onde o solo está úmido e com presença de água que acabam por
desaparecer da paisagem urbana pelo processo de impermeabilização do solo), rios,
lagos, lençóis freáticos (águas subterrâneas), águas pluviais e águas residuais. Adler
e Tanner (2015) afirmam que a maioria das pesquisas relativas aos habitats aquáticos
e à urbanização tem se concentrado na água que entra e sai da cidade, mas os
habitats costeiros vizinhos também são profundamente influenciados pela
urbanização.
Em uma bacia hidrográfica sem a ação antropogênica todos os elementos se
mostram bem definidos pela topografia do terreno, como representado na figura 09.
Já nas bacias urbanas, estes elementos se tornam imperceptíveis. As ruas tomam o
lugar dos afluentes: a água só aparece quando chove, ou é confinada nas tubulações
de drenagem e um simples valão ou canal de concreto pode ser o “rio principal”,
conforme afirma o texto “bacias urbanas” disposto no site da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro.

Figura 12. Bacia hidrográfica em ecossistema natural.


Fonte: http://geoconceicao.blogspot.com.br/2011/08/bacias-hidrograficas-do-brasil.html
acesso em: 05/06/2017
33

Figura 13. Bacia urbana: Rio Tietê retificado em São Paulo-São Paulo.
Fonte: http://sanderlei.com.br/PT/Silveira/Sao-Paulo/Sao-Paulo-Historia-Geografia-52
acesso em: 05/06/2017

O homem, no processo de ocupação do território, interfere nas características


naturais dos cursos de água. No Brasil, uma das primeiras interferências data do
século XVII, na cidade do Rio de Janeiro, aponta Botelho (2001), quando a Câmara
realizou em 1641 o aumento da vala de sangramento da Lagoa Santo Antônio, para
solucionar seu constante mau cheiro. Uma das primeiras bacias hidrográficas à ser
canalizada foi a do Rio Tietê, com a conclusão das obras de retificação do Rio
Tamanduateí, em 1849.

Figura 14. A paisagem azul modificada pelo homem: Rio Tamanduateí canalizado em São
Paulo-São Paulo.
Fonte: https://jornaldoporao.wordpress.com/tag/canada/ acesso em 10/06/2017
34

As águas urbanas sofrem impactos trazidos pelo crescimento populacional e


pela falta de gestão adequada. Segundo Tucci (2006), a próxima crise do século
deverá ser a da água, principalmente pelo aumento do consumo da mesma nas áreas
urbanas e pela poluição dos mananciais. Os cursos d’água realizam três importantes
processos geomorfológicos, conforme Botelho (2011): erosão, transporte e deposição.
Quando o homem intervém na bacia hidrográfica, este processo é afetado. Hoje os
principais problemas nas bacias hidrográficas são provenientes da retificação dos rios,
da impermeabilização do solo que afeta diretamente no ciclo hidrológico e da falta de
educação ambiental.

Poucos são os indivíduos que têm noção de que habitam uma bacia
hidrográfica, a compõem e são elementos que interagem dentro de um
sistema, cujo funcionamento também depende as suas ações. Se nas
áreas rurais essa visão é tênue, nas áreas urbanas ela é ainda mais
nebulosa, pois muitas vezes os rios são “invisíveis”. Como muitos
correm em canais fechados e subterrâneos, eles não são vistos.
(BOTELHO, 2011, p. 79).

O processo de urbanização desordenado e sem planejamento afeta,


principalmente, nos sistemas de abastecimento de água, saneamento básico e nos
elementos de drenagem das águas pluviais existentes no território. Exemplos de
impactos gerados são o aumento da vazão de escoamento de águas pluviais devido
às altas taxas de impermeabilização do solo, o aumento da produção de sedimentos
devido à produção de resíduos sólidos e a perda da qualidade da água causada pela
falta de saneamento básico adequado e tratamento das águas residuais.
O ICLEI (2011) afirma que as cidades e as águas pluviais são, a primeiro
momento, incompatíveis. Segundo o autor, a paisagem azul pode restringir o
desenvolvimento urbano por conta da sua necessidade de espaço, e por outro lado a
infraestrutura urbana pode destruir e poluir o regime natural das águas. Em
contrapartida, ao se compreender o papel e o funcionamento desta infraestrutura azul
e das águas pluviais dentro das cidades, abrem-se caminhos de possibilidades de
correto manejo e aproveitamento da mesma, bem como maior interação com todos os
habitats existentes no meio urbano e natural.
35

1.3 A urbanização e o ciclo hidrológico

Para um maior entendimento do comportamento das águas mediante ao intenso


processo de urbanização faz-se necessária a compreensão do processo natural do
ciclo hidrológico. Ao atingir a superfície, as águas provenientes das chuvas podem
assumir diferentes caminhos. Botelho (2011) afirma que em uma floresta tropical, por
exemplo, a água pode ser interceptada pela copa das árvores e posteriormente
evaporada, pode escoar pelo tronco e infiltrar no solo permeável atingindo grandes
profundidades até alimentar os aquíferos e lençóis subterrâneos ou, dependendo da
característica do solo, por exemplo o rochoso, pode escoar pela superfície. Nas áreas
urbanas toda essa diversidade de caminhos das águas se resume a um binômio:
escoamento e infiltração (BOTELHO, 2011). O volume proveniente das chuvas, que
antes escoava para a jusante através da infiltração natural pelo solo permeável e da
evaporação, agora escoa de forma superficial devido à alta taxa de impermeabilização
do solo nas cidades, carregando consigo os resíduos sólidos que afetam a
infraestrutura existente de drenagem, podendo provocar as enchentes.
Aproximadamente 70% da dos municípios atingidos por enchentes apresentam
mais de 60% das suas ruas pavimentadas, e cerca de 90% apresentam taxa de
urbanização superior a 50%, e 64% apresentam taxas maiores que 70%, afirma
Botelho (2011) em seus estudos quanto a urbanização e a drenagem urbana. As
inundações degradam a paisagem urbana, provocam a disseminação de doenças
através da contaminação das águas, desabrigam os habitantes e trazem prejuízos
para o município e munícipes.
A relação entre vegetação, solo e atmosfera exerce influência direta no ciclo
hidrológico, aponta o manual para apresentação de propostas de drenagem urbana
elaborado pelo Ministério das Cidades. Em um ecossistema não transformado, o
vapor de água concentrado nas nuvens de forma condensada retorna à superfície em
forma de chuva. Ao atingir o solo, esta precipitação escoa superficialmente até atingir
cursos de água superficiais e parte dela infiltra-se no solo atingindo as águas
subterrâneas. O processo acima descrito não cessa, por isso é chamado de ciclo
hidrológico. Em escala global, o ciclo hidrológico é fechado (TERESINA, 2012).

No ciclo hidrológico natural, a principal força motriz é a energia solar, que


provoca o aquecimento do ar, do solo e da água superficial resultando na
36

evaporação da água e no movimento das massas de ar. O vapor de água é


transportado de forma ascendente pelo ar e pode condensar na atmosfera
formando nuvens. A evaporação dos oceanos é a maior fonte de transferência
de vapor para a atmosfera, embora a evaporação de água dos solos, dos rios
e lagos e a transpiração da vegetação também contribuem (TERESINA, 2012).

Para que o ciclo hidrológico se mantenha fechado e constante é necessário que os


volumes de água da equação de entrada e saída permaneçam o mesmo, de modo a
manter o equilíbrio do ciclo. Quando o homem age transformando o ecossistema
natural, este processo entra em desequilíbrio. Em uma cidade, o aumento do
escoamento superficial acaba por transportar mais volume de água para os cursos
d’água do que este são capazes de transportar, causando as inundações. A adição
de novos elementos na cidade pelo homem, como as edificações, pavimentação,
canalização e retificação de rios, acaba por reduzir a infiltração (ANDRADE, 2014). O
ciclo hidrológico deve obedecer à uma equação onde a entrada de água deve ser igual
à saída no meio urbano conforme afirmam Adler e Tanner (2015, p. 121). A entrada
de água é resultado da somatória do volume de precipitação (P) , das entradas
antropogênicas (Ia) e das entradas dos ecossistemas à montante (Iu). A saída é
equivalente à somatória da evapotranspiração (E), transpiração (T), do escoamento
para a jusante (R), da infiltração no solo (G), da descarga de águas residuais (W) e
da variação do armazenamento de água (ΔS). Com esta afirmação, chega-se à
seguinte fórmula, definida por Adler e Tanner (2015):

P + Ia + Iu = E + T + R + G + W + ΔS

No meio ambiente urbano, o principal fator de alteração do ciclo hidrológico


natural está relacionado à redução da infiltração do solo: a vegetação existente é
alterada por uma camada de superfícies impermeáveis, como asfalto, aumentando o
volume de escoamento da água, diminuindo a evapotranspiração e o nível do lençol
freático. A desproteção da superfície (retirada da vegetação) também gera um
aumento da produção de sedimentos que são transportados pelas águas que escoam
pelas superfícies, obstruindo a rede de drenagem urbana existente e causando o
assoreamento dos rios e canais e a diminuição da qualidade da água da bacia
hidrográfica local. Os efeitos da urbanização geram alterações nos valores finais dos
elementos que compõem a equação do balanço hídrico, alterando o equilíbrio. Adler
37

e Tanner (2015, p. 123) demonstram, conforme as tabelas abaixo, estes efeitos em


cada componente da equação.

Elementos de entradas de água do balanço hidrológico e a urbanização


Entradas Símbolo Efeitos da urbanização
Precipitação P Pode aumentar ou diminuir
Entrada Ia Geralmente grande
antropogênica
Entrada a montante Iu Geralmente reduzida
Quadro 01. Efeitos da urbanização nos elementos de entradas de água na equação do
balanço hídrico.
Fonte: Elaborado pela autora à partir de Adler e Tanner (2015, p. 123)

Elementos de saída de água do balanço hidrológico e a urbanização


Saídas Símbolo Efeitos da urbanização
Evaporação E Reduzida em virtude do escoamento rápido
Transpiração T Reduzida em virtude da diminuição da
vegetação
Escoamento a R Aumentado em decorrência das superfícies
jusante impermeáveis
Recarga das águas G Reduzida devido à menor capacidade de
subterrâneas infiltração
Descarga das águas W Pode igualar-se à precipitação ou excede-
residuais la.
Quadro 02. Efeitos da urbanização nos elementos de saídas de água na equação do
balanço hídrico.
Fonte: Elaborado pela autora à partir de Adler e Tanner (2015, p. 123)

As figuras 12 e 13 esquematizam o comportamento das águas provenientes da


precipitação em locais pré-urbanização e pós-urbanização.
38

Figura 15. Características do balanço hídrico pré-urbanização.


Fonte: Elaborado pela autora à partir de Tucci (2006).

Figura 16. Características do balanço hídrico pós-urbanização.


Fonte: Elaborado pela autora à partir de Tucci (2006).
39

Segundo Adler e Tanner (2015) a dificuldade de recolhimento e tratamento da


água proveniente de chuvas faz com que toda água seja importada pela cidade ou
retirada do chão através de bombas.
Se toda água da chuva que cai em uma cidade fosse
captada para uso doméstico, sem deixar nada para as áreas
naturais ou escoamento até os cursos d’água, a maioria das
cidades dos Estados Unidos mal teria o suficiente para
sobreviver (ADLER; TANNER, 2015, p. 125).

Práticas sustentáveis como o reuso e a reciclagem das águas domesticas ainda


não são comuns, sendo a água das chuvas muitas vezes tratada como um problema
pela população. Evita-se ao máximo seu acúmulo, sendo a prática de
impermeabilização total do sítio comum, com a finalidade de escoamento rápido das
águas pluviais para fora do lote privado. Tucci (2000), afirma que o escoamento
superficial das águas dentro de um lote duplica com apenas 7% de área
impermeabilizada, subindo para até oito vezes mais se esta taxa for igual a 80%. O
quadro 03 aponta a capacidade de infiltração da água em diversos tipos de cobertura,
demonstrando que os itens em predominância no ambiente urbano, como as áreas
construídas e ruas asfaltadas, possuem pouco percentual de infiltração de água.

Capacidade de infiltração da água de acordo com o tipo de cobertura


do solo
Cobertura do Solo Percentual de Infiltração
Construída (Edificações) 5%
Asfalto 5%
Calçamento 20%
Terra nua 50%
Cascalho grosso de ferrovias 60%
Vegetação lenhosa 25%
Prado e pastagens 35%
Terra arável 40%
Quadro 03: Capacidade de infiltração da água em diversos tipos de cobertura do solo.
Fonte: elaborada pela autora à partir de Pauleit e Duhme apud Adller e Tanner (2015, p.
126)

Estas modificações do solo também geram transformações no funcionamento


das bacias hidrográficas, e embora o problema se concentre no meio urbano, ele
também pode afetar áreas do seu entorno, como no caso da contaminação das águas.
40

O ciclo hidrológico urbano não inclui apenas as funções naturais de


escoamento, absorção pelo solo e evapotranspiração; ele também
está diretamente e indiretamente vinculado com uma variedade de
serviços urbanos relacionados à água, tais como o abastecimento de
água, tratamento de esgotos, gestão das águas pluviais e também
outros serviços, como habitação, energia, transportes e gestão de
risco (ZAHED FILHO et al, 2013, p. 03).

Assim, o fluxo das águas pluviais envolve diversos setores, percorrendo


distintos caminhos. A água da chuva, em uma cidade, atinge tanto superfícies
permeáveis quanto impermeáveis, levando consigo, também, os resíduos existentes
em seu caminho, como aponta o esquema a seguir:

Figura 17. Fluxo das águas pluviais e o ambiente urbano.


Fonte: ICLEI (2011, p. 09).

O quadro abaixo, elaborado pelo Departamento de Engenharia Hidráulica e


Ambiental da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, resume as
consequências hidrológicas da urbanização:
41

Resumo das consequências hidrológicas da urbanização


CAUSAS EFEITOS
Impermeabilização Maiores picos e volumes de água
escoando pelas ruas e para as redes de
drenagem
Redes de Drenagem Maiores picos de água escoando para
jusante
Lixo Degradação da qualidade da água e
entupimento de bueiros e galerias
Redes de esgoto deficientes Degradação da qualidade da água e
doenças de veiculação hídrica
Desmatamento e desenvolvimento Maiores picos e volumes de água, maior
indisciplinado erosão do solo e assoreamento de
canais e galerias
Ocupação das várzeas Maiores prejuízos aos cofres públicos e
à população
Quadro 04: Resumo das consequências hidrológicas da urbanização.
Fonte: elaborado pela autora à partir de Filho et al (2013, p. 08)

Desta forma, pode-se afirmar que ao se tratar das águas pluviais urbanas e o
ciclo hidrológico é preciso envolver diversos setores diferenciados dentro de um
município de forma integrada, uma vez que a água da chuva se comporta de maneira
a envolver não só as questões de drenagem quanto também as questões de
saneamento básico e tratamento de esgotos, ocupação e uso do solo urbano, dentre
outros, que compete aos gestores em escala nacional, estadual e municipal.
42

CAPÍTULO II: GESTÃO DAS ÁGUAS PLUVIAIS E SUSTENTABILIDADE NO


BRASIL

2.1 Gestão das águas pluviais no Brasil: da fragmentação à integração.

A alteração no ciclo hidrológico e os impactos nas bacias hidrográficas vem


ocorrendo desde a intensa urbanização, como apontado no capítulo anterior. O
planejamento urbano, quando inexistente ou inadequado, afeta diretamente na
qualidade dos recursos hídricos, pois pode propiciar, segundo Zahed Filho et al (2013,
p.09) a produção de poluição difusa, impermeabilização do solo, entre outros.
Mundialmente, a preocupação quanto à drenagem de águas pluviais teve seu
início em meados do século XVIII, afirma Silveira (2002), quando constata-se na Itália
que as águas de banhados e das zonas alagadiças influenciavam na mortalidade das
pessoas e dos animais. Desta forma, por uma questão de saúde pública, iniciou-se
um processo por toda a Europa de deslocamento deste banhado e esgoto para longe
da população por canalização, além aterro das fossas sépticas. Assim, as redes de
esgoto deveriam evacuar as águas contaminadas, o mais rapidamente possível, e
para mais longe dos locais de sua produção (SILVEIRA, 2002), nascendo, assim, o
conceito sanitarista-higienista. No Brasil, este período foi marcado por uma intensa
exploração dos bens naturais, incluindo das águas existentes, havendo apenas a
proteção contra a poluição para que estes bens continuassem a ser explorados. Melo
et al (2012, p. 3) classifica este período no Brasil como “fase fragmentada”.
A grande epidemia de cólera no século XIX, fez com que grandes obras de
drenagem fossem concebidas por arquitetos e engenheiros por motivos de profilaxia
médica. Este conceito chegou ao Brasil rapidamente, onde se destacam as obras do
engenheiro Saturnino de Brito (1864-1929), que defendia um sistema de drenagem
com condutos separados para as águas pluviais e cloacais. Em decorrência de sua
forte atuação, como as obras de saneamento de Santos em 1898, este sistema
separador absoluto foi estabelecido como regra para as cidades brasileiras, afirma
Silveira (2002). Apenas em 1934, o Brasil teve seu primeiro código relativo à águas
urbanas, assegurando o acesso à água potável por todos e estabelecendo normas
para sua aplicação na agricultura, industria e higiene, aponta Tucci (2001, p. 88). Este
código apenas confirma que a maior preocupação perante os recursos hídricos era
garantir sua exploração, como por exemplo, para fins de abastecimento urbano sem
43

a necessidade de tratamento dos eflúvios, semelhante ao que se procedia na fase


fragmentada.
Até os anos 70, no Brasil, as ações públicas relativas às águas no meio urbano
eram realizadas mediante um objetivo específico a se cumprir, como no caso das
obras de drenagem por questões de saúde pública. Assim, na falta de disposição legal
que amparasse o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o legislador
do código penal de 1940 associou a proteção aos recursos hídricos com o direito à
saúde pois não podia assegura-la em ambiente degradado (MELO et al, 2012, p.5).
Esta fase ficou conhecida como “fase setorial”.
A abordagem higienista predominou neste século no mundo inteiro, mas o fim
da sua história já foi decretado nos anos 60, nos países desenvolvidos, quando a
consciência ecológica expos as limitações desta abordagem, fazendo com que
houvesse um, olhar mais profundo nos conflitos ambientais existentes entre cidades
e ciclo hidrológico. Havia necessidade de reflexões mais profundas sobre as ações
antrópicas sobre o meio ambiente (SILVEIRA, 2002). Apenas a partir dos anos 70, em
decorrência de diversos conflitos causados pela falta de regulação específica que
tratasse das águas nacionais como um todo, o assunto passou a ser levado em
consideração e debatido por profissionais do meio acadêmico, afirma Tucci et al
(2001, p. 80). Internacionalmente, a gestão das águas tornou-se foco de discussão
na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre a Água, em 1977, na cidade de
Mar del Plata, na Argentina. O Plano de Ação da conferência, segundo ANA (2016, p.
12), destacava que cada país deveria formular e analisar uma declaração geral de
políticas em relação ao uso, ordenação e conservação da água, gerando planos e
políticas sobre o este uso de forma articulada. Instala-se, então, um conceito de
preservação ambiental dentro das questões da urbanização e drenagem, iniciando a
era ambientalista e os princípios da sustentabilidade e da gestão integrada aplicados
ao manejo das águas urbanas.
O grande marco da gestão das águas no Brasil se deu após a promulgação da
lei 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos
Hídricos. Seu principal feito foi criar o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos, sendo este complementar aos poucos sistemas regionais já
existentes, elaborados pelo poder estadual ou municipal para gerenciamento das
bacias existentes no seu território. As diretrizes gerais desta lei estão dispostas no
seu Capítulo III, e dentre elas pode-se destacar: a aplicação de uma gestão
44

sistemática das águas considerando a qualidade e a quantidade sem dissocia-los, a


adequação dos planos de gestão levando em conta as características de cada região
(bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais), a integração destes planos
com a gestão ambiental, e a articulação dos setores usuários com o planejamento
regional existente, incluindo a gestão de uso do solo. Estas diretrizes estão baseadas
nas correlações entre as águas e meio ambiente como um todo, sendo esta fase
caracterizada pela busca da integração da gestão nacional das águas e a
sustentabilidade e definida por Melo et al (2012, p.06), como a “fase holística”.
A chamada “Lei das Águas”, como ficou conhecida a lei 9.433, de 08 de janeiro
de 1997, foi de importante avanço para a política de recursos hídricos nacional, onde
destaca-se, os comitês de bacias hidrográficas. Estes comitês buscam, através de um
fórum, discutir sobre o uso da água nas bacias (ANA, 2001, p. 11), já que os interesses
de uso são diversos, variando de acordo com seu objetivo final, como por exemplo a
manutenção da qualidade da água para fins de irrigação e, no caso de geração de
energia elétrica, a manutenção do volume de água. No contexto abordado nesta
dissertação (drenagem urbana), a recuperação dos recursos hídricos deve considerar
toda a bacia hidrográfica. Diferente das políticas públicas existentes, os comitês de
bacias através da participação da população e poder público exercem a função de
definir regras quanto ao manejo das águas, enquanto os demais órgãos possuem o
poder de fazer com que tais regras sejam seguidas. O comitê de bacia hidrográfica é,
assim, a instancia-base dessa nova forma de fazer política: descentralizada por bacia
hidrográfica e contando com a participação dos poderes públicos, dos usuários e das
organizações da sociedade civil (ANA, 2011, p.14).
O Brasil, tem como característica em sua história da gestão das águas a
resolução dos problemas provenientes da urbanização de forma pontual, com obras
estruturantes que resolvem apenas o problema específico sem um correto
planejamento de ações futuras. Além disto, as ações são trabalhadas sem maior
articulação entre a população, apesar da existência dos comitês de bacias, ficando
estas a cargo dos grandes setores usuários, empreendedores e dos gestores, como
afirma Tucci et al (2001).
A afirmação acima aponta uma falha no sistema de gestão brasileiro na qual a
Lei das Águas propõe modifica-la através da gestão integrada dos recursos hídricos.
Esta gestão de abordagem integrada, se tratando das águas provenientes das chuvas
no meio urbano, diferencia-se da abordagem tradicional, segundo ICLEI (2011, p. 13)
45

pois a primeira considera a água pluvial como um “recurso”, enquanto a segunda


como um “incômodo”.
De modo a assegurar as diretrizes e propostas da Lei das Águas, foi criada a
Agência Nacional das Águas – ANA (Lei 9.948 de 17 de julho de 2000), uma entidade
federal integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e
regulamentadora das políticas nacionais de recursos hídricos. O objetivo da Agência
é disciplinar a utilização dos rios, controlando os efeitos da poluição e desperdício,
garantindo a disponibilidade água potável para as gerações futuras (ANA, 2002, p.29).
A atuação da agência está focada em quatro grupos de ações, sendo o primeiro
dedicado à implementação de instrumentos técnicos de legislação, o segundo à
implantação e articulação dos instrumentos institucionais, o terceiro com foco em
estudos de apresentação de projetos de despoluição das bacias, controle de
enchentes, drenagem urbana e controle de qualidade e quantidade de água, e o
quarto e último grupo de ação voltado para descentralização da gestão. As principais
dificuldades do órgão, conforme aponta o texto elaborado pela ANA (2002, p. 35),
encontram-se na proporção continental do Brasil e suas peculiaridades:

Os avanços são significativos, mas a estratégia para enfrentar a


implementação desse sistema complexo num cenário diverso, com
peculiaridades regionais, deficits de investimentos em diversos
setores, principalmente no setor de saneamento e a falta de pessoal
capacitado, requer soluções criativas, inovadoras, além da constante
disposição para parceria e negociação (ANA, 2002, p.35).

Tratando-se de matriz institucional, o Brasil dispõe de variados órgãos


destinados ao gerenciamento dos recursos hídricos, mas carece de uma gestão
integrada. A figura abaixo resume as instituições brasileiras existentes de acordo com
suas escalas de atuação:
46

Figura 18: Instituições brasileiras de gerenciamento dos recursos hídricos


Fonte: Elaborado pela autora à partir de ANA (2011, p. 24).

A gestão brasileira dos recursos hídricos, ao longo da história, diferencia-se


dos países desenvolvidos, que iniciaram ainda nos anos 60 o controle ambiental das
águas. A tabela abaixo aponta a evolução histórica da gestão das águas nos países
desenvolvidos e no Brasil:

Evolução histórica da gestão das águas


Período Países Desenvolvidos Brasil
1945-1960 - Uso dos recursos hídricos: - Inventário dos recursos
Pouca abastecimento, navegação, hídricos;
preocupação energia elétrica, etc.; - Início de empreendimentos
ambiental - Medidas estruturais de controle hidroelétricos;
de enchentes;
1960-1970 - Controle de efluentes; - Deterioração da qualidade das
Inicio da - Medidas não estruturantes para águas dos rios e lagos próximos
pressão controle de enchentes; a centros urbanos;
ambiental - Legislação para a qualidade
das águas dos rios;
47

1970-1980 - Usos múltiplos; - Início da pressão ambiental;


Controle - Contaminação de aquíferos; - Deterioração da qualidade das
ambiental - Deterioração ambiental das águas dos rios e lagos devido à
grandes áreas urbanas; produção industrial e
- Drenagem urbana com controle concentração urbana;
na fonte;
- Legislação Ambiental;
1980-1990 - Impactos climáticos globais; - Crise fiscal e económica reduz
Interações - Prevenção de desastres; investimentos nos
do ambiente - Controle dos impactos da empreendimentos
global urbanização sobre o ambiente; hidroelétricos;
- Contaminação de aquíferos; - Piora nas condições urbanas:
enchentes, qualidade da água;
- Legislação ambiental;
1990-2000 - Desenvolvimento sustentável; - Legislação de recursos
Desenvolvi- - Controle ambiental das grandes hídricos;
mento metrópoles e da poluição de - Investimento no controle
sustentável aquíferos; sanitário das grandes cidades;
- Aumento dos impactos das
enchentes urbanas;
2000 - Desenvolvimento da visão - Avanços nos aspectos
Ênfase na mundial da Água; institucionais das águas;
água - Uso integrado dos recursos - Desenvolvimento de Planos
hídricos; de Drenagem Urbana para as
- Melhora da qualidade das águas cidades;
nas zonas urbanas e ruais;
- Gerenciamento dos recursos
hídricos com bases sustentáveis;
Quadro 05: Evolução histórica da gestão das águas nos países desenvolvidos e no Brasil.
Fonte: elaborada pela autora a partir de Tucci et al (2001, p. 148).

Observa-se que os aspectos de drenagem urbana sustentável no Brasil apenas


transpareceram a partir dos anos 2000, sendo até então esse sistema executado de
forma a resolver o problema existente com obras estruturantes, sem considerar os
48

preceitos da sustentabilidade, além de serem tratados de forma isolada. Os problemas


com alagamentos e enchentes veem à tona nos períodos mais chuvosos, quando há
uma uma divulgação pela imprensa das perdas causadas pelo ocorrido e forte
sensibilização por parte da população, que faz com que medidas sejam tomadas pelos
gestores. Tais medidas são de carater emergencial, não tratando o problema na fonte
ou prevenindo para futuras ocorrências.
Uma das maiores dificuldades encontrada é que embora o país tenha órgãos
na União, Estado e Município para gestão das águas urbanas, o manejo das águas
pluviais obras são geridas, de forma geral pelo município, segundo Tucci et al (2001,
p. 151), que por sua vez não possuem capacidade institucional econômica para
administrar o problema. Os Estados e a União estão distantes de buscar uma solução
gerencial adequada para apoiar os municípios (TUCCI et al, 2001, p. 151). O IBGE
(2008, p. 76) aponta que 93,75% do total de cidades que possuem algum tipo de
sistema de drenagem urbana, sua gestão, bem como a execução, está sob
responsabilidade das prefeituras.
O manejo das águas pluviais está ligado ao saneamento básico, uma vez que
esse este engloba vários sistemas, tais como aponta Righetto (2009, p. 19):
abastecimento de água, qualidade e quantidade, esgotamento sanitário,
infraestruturas de drenagem das águas pluviais e sistema de coleta, transporte e
tratamento dos resíduos sólidos.
No Brasil, as normas de saneamento básico estão dispostas na lei federal nº
11.445 de 05 de janeiro de 2007. A lei estabelece diretrizes, além definir as atribuições
de cada sistema componente do saneamento básico. Se tratando de drenagem
urbana e manejo das águas pluviais, a lei define em seu artigo 3º que esse sistema
engloba o conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de
drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o
amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais
drenadas nas áreas urbanas.
A falta de profissionais especializados em tratar das águas urbanas, em
especial as águas pluviais e os sistemas de drenagem na maioria dos municípios
brasileiros tornam a gestão precária. Cada município pode dispor de uma secretaria
exclusiva para tal, mas o que se percebe é que em boa parte deles o gerenciamento,
bem como a execução de obras estruturantes, fica ao cargo da secretaria de obras,
que, em geral, trabalha de forma desarticulada de outras secretarias. A figura abaixo
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demonstra quais outros setores da gestão urbana estão ligados às águas pluviais e
como eles se interrelacionam:

Figura 19: Relação entre águas pluviais e outros setores de gestão urbana
Fonte: produzido pela autora a partir de ICLEI (2011, p. 17).

A gestão do espaço urbano inclui o gerenciamento da drenagem, que por sua


vez, é feito através de planos diretores, leis de drenagem, leis de uso e ocupação do
solo urbano, dentre outros instrumentos. Destes instrumentos, destaca-se o Plano
Diretor de Drenagem Urbana como peça chave na gestão municipal das águas
provenientes de chuvas. As diretrizes, elaboradas através de estudos das bacias e
microbacias, podem eliminar o risco de eventos como enchentes e alagamentos,
minimizando os prejuízos ambientais, sociais e econômicos.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada pelo
IBGE, em 2008, apenas 17,99% do total de municípios brasileiros apresentava algum
tipo de instrumento regulador do manejo de águas pluviais, e deste valor, apenas
21,27% possuem planos diretores voltados especificadamente para à drenagem
urbana ou para os recursos hídricos. Com isto, observa-se que os planos
governamentais, embora existentes, não estão sendo praticados. Melo et al (2012, p.
10) defende que no Brasil há leis, órgãos reguladores, mas não há aplicabilidade
destas. Ainda segundo a autora, a quantidade de normas, a confusão existente na
aplicação destas e a falta de aptidão técnica de boa parte dos órgãos administrativos
são condicionantes para esta situação. É necessária a visão de integração, somada
aos preceitos da sustentabilidade.
50

2.2 Gestão Integrada de controle das águas pluviais

No Brasil há predominância da gestão convencional, baseada em obras


estruturantes que apenas retiram rapidamente a água do local, não considerando
aspectos como a qualidade dessa água e não observando os impactos que esta trás
para os cursos d’água, local de destino destas águas após escoamento. Neste tipo de
gestão, as águas são conduzidas para fora da zona urbana, ou para os cursos d’água,
através de dois sistemas diferenciados: 1) Sistema combinado de esgotos:
transportam o escoamento e os efluentes domésticos juntamente, sendo tratados em
antes de despejo final nos cursos d’água. 2) Sistema separador de águas superficiais:
responsável somente por coletar e transportar as águas pluviais para os cursos
d’água, podendo passar por tratamento prévio.
Os principais elementos da abordagem convencional de drenagem urbana são
dimensionados de acordo com o histórico pluviométrico e com as previsões
meteorológicas, o que torna a abordagem ineficiente, uma vez que os aspectos de
efeitos de futura urbanização podem não serem considerados. Os principais
elementos de drenagem convencional, presente na maioria das cidades brasileiras
são as sarjetas, bocas de lobo, galerias, estações de tratamento de efluentes, entre
outros.

Figura 20: Sarjeta


Fonte: MASCARÓ (2005, p. 161). Figura 21: Sarjeta
Fonte: MASCARÓ (2005, p. 164).
51

Figura 22: Galeria


Fonte: MASCARÓ (2005, p. 169).

As utilizações destes elementos possuem efeitos negativos ao decorrer dos


anos, não sendo estes suficientes para impedir os alagamentos urbanos e as
inundações e contribuindo para o surgimento de outros problemas ambientais, como
por exemplo o efeito das ilhas de calor nas cidades: o rápido escoamento das águas
nas áreas urbanas diminui os efeitos da evapotranspiração, provocando um maior
aquecimento das superfícies e alterando o microclima. Estes problemas passam a
possuir uma maior escala quando são associados à estrutura de gestão precária
existente, em geral, na maioria das cidades brasileiras. Outros exemplos de
consequências negativas da utilização da abordagem convencional são:

Extravasamento de efluentes nos sistemas unitários: Chuvas intensas


fazem com que a capacidade de sistemas unitários seja excedida,
resultando em transbordamentos de águas residuais não tratadas
para o ambiente;
Poluição difusa: Poluentes sem uma origem definida, como metais
pesados e óleos provenientes de telhados, ruas e estacionamentos,
além de nutrientes, pesticidas e herbicidas de jardins parques e
loteamentos são diluídos nos escoamentos superficiais até os cursos
d’água receptores;
Redução do escoamento de base: A impermeabilização das
superfícies esgota aquíferos ao reduzir sua recarga natural;
Erosão e sedimentação: Fluxos em alta velocidade causam erosão e,
consequentemente, assoreamento de córregos, rios e estuários
receptores;
Custos: Tratamento do tipo centralizado de águas pluviais é caro e tem
uso intensivo de energia;
Efeitos da ilha de calor: A rápida remoção de água de chuva de áreas
urbanas reduz a evapotranspiração. Quando combinado ao efeito de
aquecimento de superfícies impermeáveis, o resultado é um
microclima urbano mais quente;
52

Desperdício de um recurso valioso: A rápida remoção de água pluvial


de áreas urbanas impede que ela seja utilizada para fins não potáveis
e para paisagismo;
Inundações à jusante: A rápida coleta e transporte de águas pluviais
para cursos de água receptores como rios e córregos aumentam o
risco de inundações à jusante. Soluções para drenagem urbana.
(ICLEI, 2011, p. 11).

Diferente da abordagem convencional, a gestão sustentável trata as águas


pluviais urbanas como solução, e não como problema, além de considera-la como
parte integrante de todos os processos dos ecossistemas urbanos. Este aspecto faz
com que esta gestão seja multissetorial, integrando a gestão das águas urbanas com
a gestão de outros sistemas. A visão integrada e sustentável vê aspectos como
qualidade, quantidade, valor paisagístico, potencialidades das águas e recuperação
da biodiversidade, além de ter como objetivo criar soluções que tragam vantagens nos
campos sociais, ambientais e econômicos. Este modelo de gestão é conhecido como
GIAU – Gestão Integrada de Águas Urbanas.

Vazões e volumes continuam sendo as grandezas físicas principais da


hidrologia de superfícies urbanas, mas em estreita relação com a
qualidade das aguas, poluição difusa, transporte e retenção de
resíduos só lidos e utilização das águas pluviais urbanas como
recursos hídrico utilizável e de grande significância ao urbanismo e
estética da cidade (RIGHETTO, 2009, p.22).

As vantagens da utilização de uma abordagem não convencional busca, então,


não apenas um benefício ou solução para os deflúvios, mas para mais de um
benefício. Estes benefícios podem ser desde o controle de inundações e alagamentos,
através do aumento ou manutenção da área de solo permeável como também os
seguintes benefícios: controle da poluição, proteção contra a erosão, fonte alternativa
de água, aumento do valor recreativo, auxilio no controle das mudanças climáticas e
maior eficiência econômica, conforme ICLEI (2011, p. 14).
Para uma boa prática, além do manejo sustentável, a gestão das águas pluviais
deve passar por um processo que primeiramente leva em consideração as
características locais da bacia ou microbacia antes da urbanização, ou seja, um
cenário já instalado e desconectado com a urbanização e após a urbanização,
passando por um diagnóstico de toda a infraestrutura e normas públicas existentes
que atuam no espaço estudado. Após diagnóstico, inicia-se o processo de escolha e
execução de medidas estruturais e não estruturais para receber os deflúvios. Cabe
53

aos gestores, também, as ações de manutenção destas obras e medidas. Uma das
maiores preocupações quanto à implantação de um GIAU por parte dos gestores
públicos é o custo de sua operação, pois as medidas tendem a serem tomadas em
locais de alta vulnerabilidade, já castigados por enchentes e alagamentos, portanto a
execução deve ser rápida e de baixo custo. Por outro lado, é dentro dos próprios
órgãos públicos que os riscos nestes locais de vulnerabilidade podem ser evitados ou
controlados, através de leis, decretos, normas e diretrizes que direcionam o processo
de urbanização já com medidas sustentáveis, como por exemplo a obrigação por parte
dos proprietários nas regiões de alto risco de alagamentos de, no ato da construção,
executarem medidas de controle de escoamento das águas dentro do próprio lote.
Na gestão sustentável das águas urbanas os projetos e planos de drenagem
são uma combinação de soluções estruturantes e soluções não estruturantes.
As medidas não estruturantes de gestão estão baseadas em soluções que não
exigem a execução de obras por parte dos gestores, com efeitos positivos a longo
prazo. Os principais exemplos de medidas não estruturantes são os Planos Diretores
de Drenagem Urbana – PDDrUs e as leis e uso e ocupação do solo. Uma
infraestrutura urbana instalada de forma desorganizada causa problemas na
drenagem, obstruindo caminhos de escoamento, obras de drenagem inadequadas,
aterros, reduções na secção de escoamento, entre outros.
Enquanto os PDDrUs trabalham com diagnósticos e diretrizes, as leis de uso
e ocupação do solo podem regular o processo de urbanização de dentro para fora, ou
seja, ao se tornar obrigatório, por exemplo, que todos os lotes com edificações
possuam uma percentagem mínima de solo permeável em suas áreas de recuos, uma
parcela de água que escoaria superficialmente será absorvida na fonte, resultando em
menor volume de escoamento para os sistemas de drenagem existentes. Tal exemplo
é presente na maioria das leis municipais das cidades brasileiras, porém, muitas
vezes, é seguida à risca somente em fase de aprovação de projetos. As leis, neste
caso, possuem papel determinante para mitigação dos impactos a longo prazo, mas
necessitam de intensa e constante fiscalização de sua aplicação, em especial nas
áreas já ocupadas e consolidadas.

Com a expansão territorial, sem uma legislação e uma fiscalização que


garantissem o disciplinamento adequado do uso e ocupação do solo,
os problemas de alagamentos e inundações foram se intensificando e
distribuindo ao longo das linhas naturais de escoamento dos deflúvios
54

superficiais em função da planialtimetria da cidade e do grau de


impermeabilização da área de drenagem (RIGHETTO, 2009, p.20).

É importante, também, observar que estes sistemas de controle na fonte podem


estar ligados aos sistemas estruturantes convencionais existentes, e que para que
cada um destes sistemas funcionem de forma correta deve ser realizada a correta
limpeza e manutenção da rede existente de drenagem. Righetto (2009, p.33) sugere
a varrição das ruas quinzenalmente para remoção de partículas finas poluidoras, e
processo de lavagem a vácuo para retirada dos resíduos que obstruem a rede de
galerias.
Outro exemplo de medida não estruturante tem base na qualificação dos
servidores públicos e gestores envolvidos no controle das águas de chuva no meio
urbano, que ainda recorrem ao método convencional.
As medidas sustentáveis ditas estruturantes se tratam de obras cuja execução
tem o objetivo de reter temporariamente o escoamento e trata-lo, fazendo o controle
da qualidade e da quantidade dos deflúvios, trazendo valorização paisagística,
aumentando a qualidade social e diminuindo os custos de execução e manutenção
dos sistemas. Diversos modelos de sistemas estruturantes, associados aos não
estruturantes são adotados em todo o mundo, e levam nomenclaturas diferentes.
Segundo ICLEI (2011, p. 29), o melhor modelo de sistema sustentável de drenagem
é chamado de BMP (Best Management Pratices), que em português significa
Melhores Práticas de Gestão ou SUDS (Sustainable Urban Drainage Systems),
Sistemas de Drenagem Urbana Sustentáveis. Outros termos também encontrados
são: PUSA, que significa Planejamento Urbano Sensível à Água e LID (Low Impact
Development), que significa Desenvolvimento de Baixo Impacto.
Apesar de tantos termos e nomenclaturas encontradas ao redor do mundo,
todas possuem as mesmas visões e os mesmos objetivos. Estas estratégias, segundo
Cruz (2007) consistem no planejamento de empreendimentos e espaços urbanos para
a conservação dos processos hidrológicos e de recursos naturais, além da prevenção
à poluição do solo e das águas. É importante ressaltar que, estes sistemas não
possuem um padrão específico a ser seguido, sendo este dependente das condições
locais. A escolha de soluções deve, portanto, considerar aspectos como
disponibilidade de espaço, clima local, tipo de solo, níveis de águas subterrâneas,
55

topografia, tipos de construções, práticas de uso do solo, condições socioeconómicas,


entre outras (ICLEI, 2011, p.29).
Os SUDS possuem, dentre as suas principais características, o seu caracter
paisagístico: são obras que garantem a drenagem das águas de forma sustentável,
mantendo a qualidade e trazendo benefícios urbanísticos. A base desses sistemas
está no controle das águas pluviais diretamente na fonte e forma não convencional,
ou seja, são soluções práticas para controle dos deflúvios com implantação de
sistemas no local, ou próximos destes. Segundo Righetto (2009, p. 29), o objetivo
destes sistemas é preservar as condições hidrológicas da bacia pré-urbanizada
reduzindo os impactos para um nível aceitável. A hierarquia destes sistemas prioriza,
o controle na origem ou na fonte, sendo a descarga dos deflúvios nos corpos d’agua
a opção que se mantém como última, conforme a figura 20.

Figura 23: Hierarquia das soluções sustentáveis de drenagem urbana.


Fonte: ICLEI (2011, p. 30).

Estes sistemas de controle são executados de maneira a refletir a condição


urbana específica da região, considerando que suas características gerais influenciam
diretamente na reprodução do ciclo hidrológico natural, tais como o tipo de solo, a
profundidade do lençol freático e as áreas livres para implantação do sistema. A
escolha de quais soluções serão projetadas e executadas dependem, então, de
critérios que são específicos para cada localidade. De forma geral, descreve-se a
seguir exemplos de SUDS mais utilizados.
56

2.2.1 Pavimentação Permeável

Considera-se a pavimentação de ruas e de lotes com superfícies impermeáveis


o maior causador de escoamentos pluviais. Tendo em vista isso, é desejável cada vez
mais a utilização de pavimentações nas quais seus materiais de composição permitam
a infiltração das águas. Tais peças, são instaladas sobra uma camada de areia, que
funciona como um reservatório temporário de águas, que infiltram lentamente até
atingir as camadas inferiores do solo. Além do seu poder de infiltração, estas
estruturas, conforme ICLEI (2011, p. 34), podem remover os poluentes típicos de
rodovias, como hidrocarbonetos e metais pesados, por meio de absorção e filtragem
na camada entre os blocos porosos e o solo. Esta tecnologia possui carater flexível,
pois suporta grandes tempestades e pode ser aplicada nos mais variados tipos de
clima.

Figura 24: Pavimentação em blocos de concreto intetravado permeável


Fonte: ABCP (2012, p. 12).
57

Figura 25: Desenho técnico de pavimentação em blocos de concreto intetravado permeável


com infiltração total no solo.
Fonte: ABCP (2012, p. 08).

Figura 26: Pavimentação em concreto permeável.


Fonte: ABCP (2012, p. 15).

Figura 27: Desenho técnico da pavimentação em concreto permeável com infiltração total
no solo.
Fonte: ABCP (2012, p. 17).
58

Este material exerce influência, segundo a ABCP - Associação Brasileira de


Cimento Portland, em superfícies onde a área de drenagem seja menor que 10
hectares. Dentre os cuidados com a aplicação e utilização deste tipo de pavimentação,
destaca-se a observância do tipo de solo existente na região. Solos com baixa
capacidade de infiltração podem não ser adequados à pavimentação porosa e pode
ser necessária, alternativamente, a instalação de tanques ou tubulações de
amortecimento sob a via (ICLEI, 2011, p. 35).

2.2.3 Valas de Infiltração

Também chamadas de trincheiras de infiltração, as valas de infiltração são


desníveis no solo com profundidade entre 1,00 metro e 3,50 metros revestidos com
grama e brita. Os escoamentos são amortecidos e fluem pelas valas, onde são
parcialmente absorvidos pelo solo ao mesmo tempo em que recebem tratamento
natural, feito pela vegetação existente, antes de atingir as camadas mais baixas. Em
comparação a canais de drenagem de concreto, as valas amortecem o escoamento
e são capazes de remover matéria orgânica, sedimentos e sólidos suspensos, assim
como, em menor escala, metais pesados (ICLEI, 2011, p. 36).
Este sistema aparece, em geral, associado aos canais de drenagem uma vez
que sua capacidade de infiltração é parcial e dependente do tipo de solo. Recomenda-
se, antes da adoção deste tipo de sistema a verificação do nível do lençol freático,
uma vez que um nível muito elevado pode manter o escoamento retido na vala.

Figura 28: Esquema de vala de infiltração.


Fonte: https://help.xpsolutions.com/display/XDH2017v1/Swale acesso em 12/06/2017
59

Figura 29: Vala de infiltração em West Kingston – EUA


Fonte: https://web.uri.edu/riss/west-kingston-business/ acesso em 12/06/2017

2.2.3 Sistema de captação de águas pluviais

Na gestão sustentável as águas provenientes das chuvas são vistas como um


recurso, sendo uma fonte alternativa de abastecimento para lotes privados, conjuntos
habitacionais, comércio, indústrias e agricultura. Nas edificações com o sistema de
captação de águas pluviais, a água que escoa pelo telhado é armazenada em
reservatórios, podendo antes de sua reutilização ser tratada ou não. Os destinos mais
comuns desta água armazenada são para fins não potáveis, como a irrigação de
jardins privados, lavagem de carros e descarga de aparelhos sanitários. Substituir ou
complementar água tratada potável com água pluvial coletada auxilia muito na
redução da demanda sobre as fontes de abastecimento de água e é, portanto, uma
opção atraente em cidades que sofrem de escassez de água. (ICLEI, 2011, p. 38).
Este sistema, pode ser executado de três maneiras distintas, segundo CIRIA
(2015, p. 208): 1) sistema baseado na gravidade 2) sistema baseado em bombas 3)
sistema composto.
60

Figura 30: Esquema de sistema baseado na gravidade para captação de águas pluviais.
Fonte: CIRIA (2015, p. 210)

A quantidade de água coletada dependerá da área do telhado e das


taxas de precipitação. Investir em um complexo sistema de coleta
somente valerá a pena se o suprimento for suficiente para substituir
significativamente a demanda por água potável. Construções que
demandam grandes áreas de telhado, como aeroportos, estações
ferroviárias, arenas e centros comerciais são ideais para a tecnologia
(ICLEI, 2011, p. 39).

Este sistema, no ponto de vista da gestão e do planejamento urbano, pode


trazer benefícios às áreas urbanizadas tais como: maior crescimento econômico
incentivado pelo fornecimento de água sustentável, aumento da segurança de
abastecimento de água para os habitantes uma vez que se trata de uma fonte
alternativa, reduzindo também os custos com contas de água por parte destes,
economia para os cofres públicos quanto aos custos de captação e tratamento de
águas urbanas, devido à diminuição do volume de escoamento nas vias públicas.
Este sistema foi adotado para solucionar a escassez de água no semiárido
brasileiro, com a implantação de cisternas nos lotes rurais e urbanos, que garantem o
fornecimento de água não potável para irrigação e outros fins nos períodos de
estiagem.
61

Figura 31: Cisterna de armazenamento de águas pluviais no semiárido brasileiro.


Fonte: http://blogs.diariodonordeste.com.br/ acesso em 15/06/2017

2.2.4 Telhados Verdes

Os telhados verdes, também conhecidos como ecotelhados, tratam-se de uma


laje plana impermeabilizada que associa solo e vegetação com um sistema de
microdrenagem. Indicado para áreas com a densidade elevada, os telhados verdes
podem reduzir o escoamento, pois com a substituição dos sistemas de cobertura
tradicionais – que apenas escoam as águas pluviais – por solo e vegetação há um
aumento da infiltração e da evapotranspiração. Os poluentes contidos na chuva, que
caem diretamente na cobertura, podem ser removidos naturalmente através do
processo de filtragem no substrato utilizado.

Os benefícios dos telhados verdes vão além da gestão de águas


pluviais. A camada de vegetação fornece isolamento térmico eficiente
para a edificação, prevenindo a perda de calor durante tempo frio e
mantendo o interior fresco em tempo quente. Isso reduz o consumo
de energia do edifício com aquecimento e sistemas de ar
condicionado. A existência de telhados verdes também acrescenta um
atraente elemento ao ambiente urbano pela extensão de áreas com
vegetação, reduzindo o efeito urbano de ilha de calor, incentivando a
biodiversidade e removendo poluentes do ar (ICLEI, 2011, p. 41).
62

Figura 32: Corte esquemático de telhado verde.


Fonte: CIRIA (2015, p. 234)

Indicados para zonas urbanas de grande densidade, a utilização dos telhados


verdes pode ser incentivada por meio de medidas não estruturais, a exemplo da lei nº
18.112/2015, aprovada em 13 de janeiro de 2015 na cidade de Recife, capital do
Pernambuco, que dispõe em seu artigo 1º a obrigatoriedade de instalação deste
sistema nas edificações multifamiliares com mais de quatro pavimentos e nas
edificações não comerciais com mais de 400m2 de área de cobertura.

Figura 33: Prefeitura de São Paulo – Telhado Verde


Fonte: http://telhadoscriativos.blogspot.com.br acesso em 15/06/2017
63

Podem apresentar-se de maneira extensiva, quando a vegetação


predominante é rasteira, e intensiva, quando a vegetação simula um ecossistema
natural com árvores de pequeno a médio porte, a exemplo do prédio da Prefeitura de
São Paulo.

2.2.5 Sistemas de Infiltração

Assim como nas valas de infiltração, os sistemas de infiltração oferecem,


através da utilização de vegetação e brita em uma determinada área, a absorção das
águas pluviais diretamente na fonte. Contudo, sua área é menor, não havendo
necessidade de grande desnível de piso e pode apresentar-se sem conexão com o
sistema de drenagem convencional, e por este motivo também é conhecido como
jardins de chuva. A água escoada é retida e infiltrada no próprio local, abastecendo
os aquíferos.

Figura 34: Corte esquemático do sistema de infiltração.


Fonte: http://www.susdrain.org/delivering-suds/ acesso em 15/06/2017

A eficácia deste sistema depende do tipo de solo predominante na área à ser


adotado. Segundo ICLEI (2011, p. 44) solos menos permeáveis causam acúmulo de
material sedimentar no sistema, enquanto solos porosos demais oferecem pouco
tratamento, aumentando o risco de contaminação de águas subterrâneas. Trata-se de
uma solução de baixo custo e baixa manutenção.
64

2.2.6 Reservatórios e bacias de retenção

Estes dois sistemas são, devido sua eficácia de ação em grandes áreas à
serem drenadas, um dos SUDS mais adotados como solução para os alagamentos
urbanos. Segundo Righetto (2009, p. 37), os sistemas de retenção podem ser
divididos de duas formas: bacias de detenção e bacias de retenção.
Os reservatórios de retenção são soluções de grande sucesso na região
metropolitana de São Paulo e cidades de médio porte brasileiras (Righetto, 2009, p.
24). neste modelo o volume escoado é retido, existindo assim uma lâmina d’água
permanente que sofre uma pequena redução por infiltração. O sistema também conta
com tratamento natural para as águas retidas. A eficácia em grandes eventos é
verificada devido à sua capacidade de retenção ser bem maior que o volume
permanente do lago (RIGHETTO, 2009, p.39).

Figura 35: Bacia de retenção.


Fonte: http://www.susdrain.org/delivering-suds/using-suds/suds-
components/retention_and_detention/retention_ponds.html acesso em 16/07/2017

Já nas bacias de detenção o volume do escoamento é detido e lançado


gradualmente na rede de drenagem, impedindo o alagamento das áreas próximas.
São indicadas para áreas cuja drenagem seja maior que 5 hectares, funcionando
65

conectadas ao sistema de drenagem existente. Na saída deste sistema, há uma


estrutura de retenção responsável pela liberação gradual da água à rede de
drenagem, que controla o volume por até 48 horas. Durante os períodos com ausência
de chuvas, estas bacias podem dar lugar à áreas de lazer para a comunidade, como
campos de futebol, parques, etc.

Figura 36: Bacia de detenção.


Fonte: http://www.susdrain.org/delivering-suds/using-suds/suds-
components/retention_and_detention/Detention_basins.html acesso em 16/07/2017

As bacias de detenção podem ser dispostas de duas formas diferentes, que vão
de acordo com o curso d’água existente na sua área de influencia de drenagem. O
primeiro sistema é chamado de “in line” ou em série, e seu sistema funciona
conjuntamente na mesma cota do curso d’água. É recomendado para áreas onde há
disponibilidade de espaço para sua implantação. Já os reservatórios ditos “off line”,
ou em paralelos, trabalham fora do curso natural de escoamento de água, e são
recomendados para áreas densamente ocupadas. Neste caso, comumente há a
necessidade de utilização de bombas para o esvaziamento do reservatório, o que
encarece a implantação, operação e manutenção da estrutura (ABCP, 2012, p.06).
66

Figura 37: Diferenças entre reservatórios de detenção em série e em paralelo.


Fonte: ABCP (2012, p. 06).

Além destes exemplos, diversos outros sistemas não convencionais podem ser
adotados, tanto em áreas urbanizadas já consolidadas quanto nas áreas passíveis de
urbanização. No Brasil, o processo de adoção destes sistemas é lento, e se dá pela
falta de integração entre a adoção de sistemas estruturantes e não estruturantes,
sendo necessário maior intervenção por parte dos gestores públicos, profissionais
responsáveis e população no processo de urbanização. A existência de Planos
Diretores, embora tragam a vantagem do diagnóstico e auxilio na tomada de decisões,
não são suficientes para a mudança de pensamento e padrões adotados durante
décadas no país. Os investimentos públicos na drenagem urbana têm valorizado
intervenções estruturais em detrimento das não estruturais, afirma Righetto (2009, p.
67).
67

CAPÍTULO III: TERESINA, PIAUÍ: O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E AS ÁGUAS


PLUVIAIS

A ocupação do território brasileiro, bem como de seu interior, deu-se através


da exploração de seus recursos. O estado do Piauí, localizado na região nordeste do
país teve seu desbravamento relacionado à conquistadores de terra em busca de
novas áreas para a expansão da agropecuária, que partiam em expedições
financiadas pela Casa Torre1 com o objetivo de escravizar índios e desbravar os
sertões. A criação de gado, considerada, até então, o mais importante suporte da
economia piauiense, foi responsável pelo surgimento de muitas fazendas, freguesias
e vilas por todo território.

A ocupação do território piauiense resultou da expansão da pecuária,


que ali encontrou várias condições favoráveis no seu
desenvolvimento, melhores do que havia nos sertões da Bahia.
Destacam-se nas terras piauienses, dentre outras: a) a disponibilidade
de terras, que foram repartidas em grandes propriedades, quase todas
elas servidas de cursos d’água e pastagens naturais permanentes; b)
chuvas mais abundantes e com melhor distribuição; c) as facilidades
de instalações das fazendas para as quais dependiam poucos
esforços, não somente de equipamentos, mas também de recursos
humanos, na medida em que com um número reduzido de pessoas
era possível colocar em funcionamento uma fazenda de criação de
gado. (ALVES, 2003, p.67)

Conforme afirma Alves (2003, p. 58) a ocupação das terras do Piauí ocorreu na
segunda metade do século XVII e se iniciou pela costa leste e sul do território, pelas
margens dos rios Piauí, Canidé, Paraim e Gurguéia. A primeira capital do estado,
Oeiras, que foi fundada na Vila do Mocha em 1758, também se localizava às margens
do Rio Piauí. Tais fatores apontam que a água foi um direcionador da ocupação dos
sertões, conduzindo os rebanhos de gado até meados do século XVIII, época na qual
a atividade pecuarista aponta os primeiros sinais de declínio.
A crise profunda e progressiva da pecuária no Piauí, ocorrida no século XIX,
tornou-se um modificador da ocupação territorial do espaço. Tal decadência deve-se
principalmente pelo caráter rudimentar de seu modelo, baseado em uma atividade de
exploração extensiva em grandes latifúndios. Os núcleos urbanos eram escassos,
dificultando também as relações comerciais. Segundo Alves (2003, p.73) o gado era
vendido por um preço mais elevado em razão dos custos e dos transportes e chegava
nas feiras longínquas cansado e magro. A posição geográfica da capital Oeiras
68

dificultava as relações com as outras regiões e o escoamento da produção. Diante da


impossibilidade de Oeiras continuar sendo a capital do Piauí, devido ao declínio da
economia pecuária, chegou-se a conclusão que era necessário o planejamento da
mudança da capital (MACHADO et al. 2015, p. 04).
O objetivo era construir um centro urbano no Piauí que, além de trazer o
almejado progresso, tirasse hegemonia comercial da cidade de Caxias, localizada no
estado vizinho do Maranhão, em relação às cidades piauienses, conforme afirma Braz
e Silva (2012, p. 229).

Na viagem que fez ao Norte da província, de estudo de observação,


conheceu o Sr. Saraiva, muito bem que só o município do Poti era
capaz de oferecer maior garantia à mudança, garantia de presente e
ainda mais de futuro, que tão prudente e sabiamente estudou e
calculou. Assim pois o município do Poti foi escolhido, pela sua bela
situação topográfica, e por grande número de outras razões, para
receber a capital da província. (ALENCASTRE, 1981, p.128)

Figura 38: Mapa do estado do Piauí, localizando a antiga capital Oeiras e a nova capital
Teresina.
Fonte: elaborado pela autora a partir de Google Earth.
69

3.1 Teresina e as águas urbanas até 1950

Teresina teve seu local escolhido no ano de 1852 pelo Conselheiro Saraiva,
Presidente da Província do Piauí, na vila de pescadores denominada Vila do Poti,
próximo à confluência dos rios Parnaíba e Poti.

Devido ao problema enfrentado pelos habitantes da Vila do Poti com as


constantes inundações, o local para a construção da nova cidade foi escolhido para
situar-se à margem direita do Rio Parnaíba, à exemplo da figura abaixo. Nasce, a
partir da implantação da nova capital, a primeira relação entre o comportamento das
águas e a urbanização de Teresina.

Figura 39: Local escolhido para implantação de Teresina


Fonte: elaborado pela autora a partir de Braz e Silva, 2012, p. 219.

A localidade denominada Chapada do Corisco é caracterizada por sua cota


acima do nível do rio, mais elevada que a região do encontro dos rios, onde localizava-
se a antiga vila de pescadores. Teresina nasceu de um exuberante pedaço de
natureza que lhe deu uma beleza singular: emoldurada por dois grandes rios que se
abraçam (LIMA, 2002, p. 186).
Segundo Braz e Silva (2012, p. 218), Teresina foi uma capital planejada e
constituída sob o regime imperial. Em sua concepção inicial a malha urbana formava
70

um sistema ortogonal. Embora instituída no período imperial, o seu traçado,


denominado Plano Saraiva, seguia o padrão urbanístico aos moldes coloniais:
primeiro demarcava-se a praça central (no plano de Teresina equivale à Praça
Marechal Deodoro da Fonseca, popularmente conhecida como Praça da Bandeira) e
as demais edificações públicas ao seu redor e com forte presença da Igreja (Igreja
Matriz de Nossa Senhora do Amparo – considerada o marco-zero da cidade). Os lotes
eram padronizados, não excedendo 100 quarteirões, o que se associava ao cuidado
com os aspectos técnicos, como densidade, superfície, fluxo e dimensões (BRAZ E
SILVA, 2012, p. 230).

Figura 40: Croqui do Plano Saraiva


Fonte: elaborado pela autora a partir de Monteiro, 2015, p. 58.

Os lotes urbanos assemelhavam-se à pequenas chácaras, com amplos


quintais para criação de animais e plantio de árvores. A primeira expansão da malha
urbana de Teresina se deu em direção ao norte, após a desativação do cemitério
primitivo e a construção de um novo cemitério, chamado São José, em 1862, apenas
10 anos após sua fundação. Esta foi a primeira quebra da planura do relevo e a
primeira ação envolvendo alteração do caminho natural das águas urbanas: houve a
transposição de um vale existente, chamado “Baixa da Égua”, nome dado pelos
71

moradores locais por se tratar de uma região onde havia uma pousada – construída
pelo Governador Landri Sales – que servia de parada de descanso para os homens e
para os animais de carga que transportavam produtos para o centro da cidade.
Segundo Lima (2002, p.187), os sítios e as fazendas foram se incorporando à
cidade, fazendo nascer bairros com traçado de ruas e avenidas que não mais
obedeciam à forma tabuleiro de xadrez. A forma urbana tonou-se de caráter
espontâneo, comprometendo o plano inicial regular e causando os primeiros
problemas ambientais. Identifica-se que neste período surgiram as primeiras ações
provocadas pelo homem que, ao longo dos anos, provocaram os problemas de
drenagem existentes atualmente.

Deste modo começaram a surgir outros problemas ambientais na


cidade, provocados, principalmente, pela ocupação urbana e pela a
utilização da drenagem, pois com a expansão dos serviços de
calçamento, as lagoas e os vales dos riachos (chamados de “grotas”
ou “grotões”) foram sendo pavimentados, formando as primeiras
“baixas” do relevo do sitio urbano, ainda sem ter um sistema adequado
de galerias (LIMA, 2002, p.187).

Até a segunda metade do século XIX a base econômica do estado ainda se


baseava na produção pecuária, sendo este um fator também determinante para o
início da expansão da capital. No ano de 1929, a construção do Matadouro na planície
de inundação do Rio Parnaíba, incentivou a construção da “estrada do gado”,
interligando a zona norte à zona sul, e assim, possibilitando a urbanização em suas
margens, passando a contornar o centro da cidade. Contudo, a urbanização ainda era
lenta, e sua relação com as águas urbanas era pouco observada, sendo presente
somente o forte papel dos rios como “estradas de urbanização”.
Após o ano de 1900, iniciou-se uma nova dinâmica espacial no estado do Piauí.
Após o declínio da pecuária, o extrativismo aparece como nova fonte para a economia
do estado. Façanha (1998, p.26) explica que tal período trouxe modificações
importantes para a organização espacial do Piauí: a exportação da maniçoba1, da
cera de carnaúba2 e do babaçu3 consolidou a área centro-norte. O rio Parnaíba torna-

1
Arbusto nativo da caatinga encontrado no semiárido nordestino e centro oeste do Brasil.
2
Cera retirada das folhas da palmeira carnaúba, presente nos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte.
Comumente utilizada para cobertura de pisos, automóveis, tintas, vernizes, entre outros.
3
Palmeira presente em abundância na região dos estados de Mato Grosso, Goiás Tocantins, Maranhão e Piauí.
Seu fruto pode ser utilizado em diversas formas, tais como para fabricação de farinha e óleo.
72

se o grande meio de comunicação entre as cidades propulsoras de desenvolvimento:


Parnaíba, União, Teresina, Amarante e Floriano, por estas se situarem em sua
margem direita.

Figura 41: Mapa do Piauí com a localização das cidades de Floriano, Amarante, Teresina,
União e Parnaíba.
Fonte: elaborado pela autora a partir de Google Earth.

O período econômico favorável possibilitou que as famílias da elite local se


transferissem do centro antigo para a Avenida Frei Serafim, caracterizada por sua
arquitetura eclética e sua extensa arborização. Iniciou-se a expansão do centro
comercial de Teresina e a instalação mais significativa dos primeiros serviços urbanos,
como calçamentos, galerias pluviais, água encanada e iluminação pública a
querosene (LIMA, 2002, p.191).
73

Figura 42: Planta de Teresina em 1940


Fonte: elaborado pela autora a partir de Monteiro, 2015, p. 59.

Figura 43: Avenida Frei Serafim no início do século XX.


Fonte: http://comunicacaoorganizacionalufpi.blogspot.com.br
74

Teresina teve, até metade do século XX, um crescimento para as regiões norte
e sul, uma vez que a sua característica geográfica em forma de península
impossibilitava o crescimento para as demais áreas. A presença dos rios, neste
momento, apenas limitava a expansão urbana.

3.2 Teresina e as águas urbanas após 1950

Após o ano de 1950, o estado do Piauí e a capital apresentam uma nova


dinâmica. Segundo Façanha (1998), a nova conjuntura nacional e regional que estava
se implantando naquele momento iria contribuir para que ocorresse o
desenvolvimento do estado, consolidando a cidade de Teresina como a principal do
estado. O autor considera a década de 50 como um “divisor de águas” no processo
de evolução da capital.
Neste período, todo o Brasil sofre um acelerado processo de urbanização. O
Plano de Metas, criado pelo presidente Juscelino Kubitscheck, consistia em acelerar
o desenvolvimento do país através da modernização, da implantação de
infraestruturas (tais como as rodovias, hidrelétricas e aeroportos) e da
industrialização. Tal plano consolidou o governo estadual como um agente modelador
do espaço urbano. Melo e Bruna (2009) afirmam que não só em Teresina, mas a
economia Piauiense sempre dependeu do estado para sua expansão. Neste forte
período de urbanização e expansão não se observam obras estruturantes relativas às
águas urbanas.
Também após os anos de 1950, foi observada uma taxa de crescimento
populacional superior à 5% ao ano, resultante de um contingente migratório do interior
do estado para a capital. Esta migração foi favorecida pela construção das rodovias
que interligavam a capital ao interior do estado. Dentro de sua zona urbana, a capital
também recebe investimentos: o obstáculo causado pela existência dos dois rios para
a expansão da cidade, após a política desenvolvimentista, pode ser ultrapassado
através da construção da ponte dos Noivos, sobre o rio Poti, criando novos bairros. A
instalação de vários conjuntos habitacionais, resultante da política habitacional
delineada pelo Estado, proporcionou o desenvolvimento da indústria da construção
civil e estimulou ainda mais o avanço territorial para a zona sul e norte da cidade,
especialmente para as áreas de relevo mais baixo, suscetível a inundações.
75

Até meados de 1960, Teresina convivia com a presença de grotões, também


chamados de “barrocões”, especialmente em sua área central. Com os investimentos
da política de desenvolvimento, a expansão urbana passou a ignorar estes grotões,
sendo aterrados à medida que era necessária a ocupação de novos territórios.

Figura 44: Grotão localizado na atual Avenida José dos Santos e Silva, em 1930.
Fonte: http://teresinaantiga.com/pontilhao-sobre-o-barrocao.php acesso em 21/08/2017

Figura 45: Avenida José dos Santos e Silva, em 2015.


Fonte: http://teresinaantiga.com/pontilhao-sobre-o-barrocao.php acesso em 21/08/2017
76

Segundo Lima (2002, p.193) a política de desenvolvimento contribuiu tanto


para o preenchimento de muitos espaços vazios, bem como para gerar outros.

O crescimento de Teresina ocorreu em grande parte devido à


construção destes vários conjuntos habitacionais destinados à
população de baixa renda, financiados pelo BNH. Estes conjuntos
habitacionais surgiram como novos bairros para os quais se levava a
infraestrutura básica necessária, inclusive as vias de acesso. São
construções que hoje integram enormes bairros já incorporados ao
tecido urbano, mas que na ocasião de sua construção estavam
totalmente desconectadas da área urbana. Situavam-se em locais
ermos e desérticos, formando verdadeiras cidades-dormitórios que
foram implantadas a partir de terraplanagens excessivas, com graves
danos ambientais (MELO E BRUNA, 2009, p.3600).

Este processo de terraplanagem identificado por Melo e Bruna (2009, p. 3600)


pode se tratar de uma alteração dos caminhos das águas naturais, ao se modificar a
topografia natural de uma área.
A promulgação do I PET – Plano Estrutural de Teresina – no ano de 1977,
definindo uma área mínima dos lotes urbanos da zona leste com área superior aos
demais bairros e a obrigatoriedade do recuo para as edificações inseridas nos mesmo,
bem como a instalação da Universidade Federal do Piauí, segundo Lima (2002, p.
194), aumentaram a atração da população de classes alta e média-alta para esta nova
área urbana.
Neste momento, a especulação mobiliária estimulava a ocupação desta zona
através do slogan “área nobre de clima frio” devido à forte presença de arborização,
utilizando o fator natureza como como atrativo para a ocupação. Mais uma vez, o
estado aparece como um modelador do espaço urbano, trazendo consigo também a
segregação sócio-espacial. Os planos urbanos direcionaram a expansão da malha
urbana, originando duas segregações, conforme o estudo de Leal Júnior (2014).O
autor defende que a primeira segregação deu-se de forma não desejada: a camada
de menor renda familiar ocupava as zonas de relevo mais baixo na cidade, próximas
as áreas de vales e lagoas, susceptíveis a inundações provocadas anualmente pelas
cheias dos rios. A segunda deu-se de forma desejada: a população de renda alta
ocupava a área plana, de relevo elevado, isolado de inundações, criando a base da
configuração atual da cidade.
Nota-se a forte presença da água, do relevo, do clima e da vegetação como
fator relevante para a constituição do espaço urbano da cidade de Teresina. De
77

acordo com Mello Sales (2004, p.03), as políticas governamentais, embora ajudassem
na preservação do verde local com o intuito de embelezamento, captando o gás
carbônico produzido no local, também trouxeram alguns prejuízos importantes para
sua preservação. Até o final do século XX já poderiam ser identificados vários dos
problemas ambientais causados pela urbanização de Teresina, tais como a ocupação
irregular de área de várzeas, que somada à falta de saneamento básico acarretou na
poluição dos rios Poti e Parnaíba.
De acordo com os dados da IBGE (2010), a população total da cidade no ano
de 1970 era de 220.487 habitantes, passando para o total estimado de 844.245
habitantes no ano de 2015. Somente na década de 70, a população de Teresina
cresceu aproximadamente 160 mil habitantes, concentrando um contingente
populacional superior ao que absorvia a zona urbana de todo o estado do Piauí,
conforme Moura (2006, p.88). A dinâmica populacional e seu crescimento geométrico
trás consigo uma maior demanda de espaços, habitações e urbanização.

Figura 46: Área urbanizada de Teresina em 1990


Fonte: elaborado pela autora a partir de Monteiro, 2015, p. 60.
78

Assim, a política habitacional, além do espraiamento da cidade, provocou um


desmatamento das áreas de vegetação nativa e uma alta taxa de impermeabilização
o solo. Tal fator pode também ser associado à diminuição do tamanho dos lotes ao
longo dos anos, conforme estudo de Mello Sales (2004, p.04). Este autor afirma que
os custos gerados pela necessidade de infraestrutura básica, tais como drenagem, e
fornecimento de água potável nos conjuntos habitacionais levam à uma tendência de
redução no tamanho dos lotes, uma vez que ao se dividir o custo total da infraestrutura
por um número maior de unidades, o resultado é um valor menor quando se
comparado ao custo da operação. Ainda segundo Mello Sales (2004, p. 04), a
diminuição das áreas verdes dos quintais se agravam com as reformas e ampliações
pós-ocupação desses imóveis, reduzindo o verde da cidade e aumentando a área
impermeável. O quadro abaixo demonstra a dimensão dos lotes urbanos desde a sua
fundação até os anos 2000.

Dimensão dos lotes urbanos em Teresina


Ano Dimensão Áreas
1854 80 x 80 m 6.400 m2
1960 10 x 30 m 300 m2
1980 10 x 22 m 220 m2
2000 8 x 16 m 144 m2

Quadro 38: Dimensão dos lotes urbanos em Teresina


Fonte: elaborado pela autora a partir de Mello Sales (2004, p. 04)

A expansão para a região norte foi evitada no Plano Saraiva por se tratar de
uma área de risco de enchentes, e posteriormente a ocupação dessa área voltou a
ser incentivada pelo governo.
79

Figura 47: Conjunto Habitacional do Mocambinho, zona norte, em 1982.


Fonte: http://teresinaantiga.com/inauguracao-do-conjunto-mocambinho.php acesso em
21/08/2017
Conforme Moura (2006, p.104), esta expansão caracterizou-se pela ocupação
das margens das lagoas existentes na medida em que os habitantes das classes
empobrecidas, devido a valorização dos terrenos da zona sul e leste passaram a
ocupar as áreas marginais existentes, sendo estas áreas de baixo valor econômico.
A falta de planejamento e fiscalização na região resultou na ocupação irregular das
margens das lagoas, contribuindo para o processo de degradação e contaminação de
suas águas. As habitações ali presentes, muitas vezes construídas de maneira
precária, despejavam seus esgotos sanitários direto nas lagoas. Por outro lado, a forte
presença da indústria da construção civil provocou danos em diversas regiões da
cidade ao praticar a atividade de extração de material para suas obras.
À medida que a cidade se expandia, a necessidade de novos solos para
assentamento populacional, lazer e infraestrutura iam surgindo. Os vales naturais e
lagoas localizados preferencialmente nas zonas sul e leste foram aterrados e deram
espaço ao ambiente construído atualmente.
A zona sul abrange em sua área duas importantes microbacias, tais como a PE
31, uma das maiores presentes no município, que drenam suas águas diretamente
para os dois rios, Parnaíba e Poti. A construção dos conjuntos habitacionais ocasionou
o aterro desses vales e a retirada da cobertura permeável. Desse modo, ficou
prejudicando o sistema de drenagem natural da região. As lagoas existentes na zona
leste deram espaço às áreas lazer tais como Parque Potycabana e centros de
compras, como o Teresina Shopping, ambos construídos após aterro da Lagoa dos
Noivos.
80

Figura 48: Vista aérea do Teresina Shopping e parte do Parque Potycabana, construídos
após aterro da Lagoa dos Noivos.
Fonte: http://grupoclaudino.com.br/foto/teresina-shopping/ acesso em 20/08/2017

Observando as consequências da urbanização e o avanço para as áreas que


antes serviam de drenagem natural, na década de 90, o poder municipal propôs a
preservação das zonas ribeirinhas, com o intuito de proteger a cidade contra as
inundações e atender às novas leis ambientais estabelecidas após a Conferência Rio
92. Esse projeto de preservação, Segundo Matos (2014, p.04), pretendia manter
quase intocável a área, independentemente de qualquer situação, tamanho ou
localização. Apesar da existência do projeto, as áreas continuaram a sofrer ocupações
devido à falta de controle e fiscalização por parte do poder público.
Segundo Melo e Bruna (2009, p. 3609), com o Estatuto da Cidade pode-se
aplicar uma melhor politica habitacional, embora tenha-se observado a inexistência
de um sistema de fiscalização e controle de invasões de áreas públicas, áreas de risco
e áreas de proteção ambiental. No ano de 2015, o Estatuto da Cidade foi revisto pelo
Estatuto da Metrópole, lei nº 13.089/2015, que pede um plano urbano integrado, ou
seja, entender como a cidade se une à metrópole por meio de um planejamento
integrado. Apesar disso, programas habitacionais, à exemplo do PAR (Programa de
Arrendamento Residencial), continuaram a provocar o espraiamento, bem como a
supressão de áreas verdes, a impermeabilização do solo e o aterro de córregos e
lagoas, causando os alagamentos constantes ocorridos na cidade.
81

Figura 49: Perímetro Urbano de Teresina em 2015


Fonte: elaborado pela autora à partir de SEMPLAN (2015)

3.3 Gestão municipal das águas urbanas

A forte presença dos recursos hídricos foi desconsiderada por anos durante o
processo de expansão da cidade de Teresina, ocorridos principalmente após 1950.
Com base na afirmação de Rogers (2013), é uma ironia que as cidades, o habitat da
humanidade, caracterizem-se como o maior agente destruidor do ecossistema. Em
Teresina, sua rápida urbanização e seu crescimento, que ocorreram especialmente
por conta das políticas públicas habitacionais, foi provocando a supressão de áreas
verdes, impermeabilização do solo e alteração do ecossistema natural, fato estes que
moldaram a atual configuração da cidade e as atuais ações do poder público
referentes ao desenvolvimento urbano.
A urbanização causou alterações no ciclo hidrológico urbano provocando os
alagamentos urbanos. Após o ano de 2012, a Prefeitura Municipal de Teresina propõe
medidas não estruturais para prevenção dos episódios. A Secretaria Municipal de
Meio Ambiente e Recursos Hídricos - SEMAM, criada pela lei complementar nº
3.616/2007, tornou-se o órgão responsável quanto às questões ambientais, como a
preservação e o uso sustentável dos recursos naturais. Dentre os objetivos da
SEMAM encontra-se a promoção de uma maior articulação entre secretarias no
82

processo de gestão do crescimento e desenvolvimento urbano. Trata-se de um


objetivo focado na gestão integrada.
O que é importante para o desenvolvimento de Teresina?

O Plano Diretor Municipal deve considerar as condições do


ecossistema local e a capacidade do suporte de infraestrutura, além
da delimitação de áreas: de restrição ambiental, de preservação
permanente, de recuperação, de utilização e conservação de recursos
naturais, de risco, e da zona de transição entre as áreas a serem
preservadas, conservadas e ocupadas. Não obstante, o efeito da
ausência de controle da área urbana pode gerar o efeito perverso da
vulnerabilidade ambiental. (AVELAR; PASCHOAL; SARQUES; 2012,
p:01)

Após elaboração do Estatuto da Cidade (2001) e o Estatuto da Metrópole


(2015) que atribuem ao município a responsabilidade sobre a elaboração e aplicação
de políticas de desenvolvimento, o plano urbano de desenvolvimento integrado e a
Agenda 21 como instrumentos de planejamento local e regional sustentável, Teresina
incorpora através do Agenda 2015, no ano de 2002, o meio ambiente como aspecto
relevante para o desenvolvimento da cidade.
Através do método de Análise Swot4, procurou-se identificar os principais
problemas e potencialidades do meio urbano teresinense, tendo como categorias os
elementos da natureza, a legislação e a gestão da cidade (TERESINA, 2002, p.07). O
cenário existente e o cenário desejado, que deveria ser alcançado até o ano de 2015,
caracterizava a real situação da cidade as consequências da urbanização como
modificadora do meio ambiente. A Agenda 2015 identificou os pontos fortes, fracos e
as oportunidades quanto aos aspectos ambientais e de saneamento básico em
Teresina. Dentre os resultados, destacam-se como pontos fortes:

A beleza cênica da paisagem da cidade, cortada por dois rios, e sua


topografia relativamente plana, facilitando a urbanização e a
implantação de serviços públicos. A presença dos Rios Parnaíba e
Poti, além de vários riachos e um belo sistema lagunar. A abundância
dos recursos hídricos, com disponibilidade de água em qualidade e
quantidade para os diversos usos da cidade. A cobertura do sistema
de abastecimento de água para 95% da população. A abundância de
minerais para a construção civil, indústria e artesanato de cerâmica. A
existência de algum controle ambiental sobre as atividades de
mineração, procurando impedir um aumento da degradação, mas sem

4
Ferramenta de análise empresarial voltada para o planejamento estratégico com base no estudo das forças, fraquezas,
oportunidades e ameaças.
83

recuperação das áreas já degradadas. O tratamento de todo o esgoto


coletado. As operações de coleta de lixo e de limpeza de logradouros,
lagoas, piscinas naturais e galerias e a abertura de canais realizadas
de forma eficaz e atendendo aos padrões sanitários estabelecidos
(TERESINA, 2002, p. 20).

Dentre os pontos fracos observados na elaboração identificou-se, quanto aos


recursos naturais, drenagem e saneamento:

A grande quantidade de poluição sólida jogada nos terrenos baldios e


nos riachos, lagoas e rios. A falta ou a inadequação de galerias e a
pavimentação de vias públicas, contribuindo para o aumento das
inundações. Grande número de loteamentos irregulares em áreas com
restrições ambientais, como beiras de rios, lagoas e encostas. A baixa
cobertura do sistema de saneamento da cidade, com os esgotos
escorrendo pelas sarjetas, ruas e terrenos, e desaguando nos rios e
lagoas da cidade. O aterro sanitário da cidade, em condições
precárias, ameaçando contaminar o lençol freático da zona sul da
cidade. Retrocesso na gestão ambiental do município, com a
passagem das atribuições para as superintendências regionais,
situação agravada pela fragilidade da atuação do Governo do Estado
na área ambiental (TERESINA, 2002, p. 20).

Como oportunidade, A Agenda 2015 previa a implantação da gestão integrada


da bacia hidrográfica do Parnaíba pela ANA – Agência Nacional de Águas,
aumentando a disponibilidade de recursos para saneamento e preservação ambiental
(TERESINA, 2002, p. 20).
No período de abrangência das diretrizes propostas pela Agenda 2015, entre
os anos de 2002 a 2015, destaca-se a reformulação da lei de uso e ocupação do solo,
lei de nº 3.562/2006, assegurando normas que exercem influência sob o
comportamento das águas, tais como seu artigo nº 31, que obriga a ocupação de
qualquer lote por edificações de uso coletivo, uma área permeável de pelo menos
25% da área de recuo obrigatório.
Uma ação relevante para a minimização dos impactos causados pela
urbanização no meio ambiente foi a elaboração do Plano Diretor de Drenagem Urbana
de Teresina, no ano de 2012. Suas finalidades principais incluem:
1) A definição de diretrizes institucionais visando estabelecer
condições de sustentabilidade para as políticas de drenagem urbana;
2) a caracterização das condições de funcionamento hidráulico das
tubulações, galerias, canais a céu aberto, canais naturais, dispositivos
de captação e conexão entre redes; 3) as proposições, em nível de
anteprojeto, de obras de curto, médio e longo prazo necessárias ao
84

equacionamento dos problemas encontrados na drenagem urbana de


Teresina. (TERESINA, 2012, p:16)

O PDDrU de Teresina identificou as sub-bacias existentes na cidade,


caracterizando a sua ocupação, identificando os riscos de alagamentos com perdas
materiais e de vida, divulgando após analise destes as diretrizes para controle de
cheias e alagamentos.
A agenda 2015, por sua base, deveria ser um plano diretor participativo
norteador dos planos para o município, contudo, houve baixa participação pública
através dos fóruns propostos. Campos (2011, p. 66), em sua análise do plano,
identificou que a Agenda não consolidou os mecanismos de implantação das
propostas, e que a participação da população em sua elaboração deu-se de maneira
precipitada, deixando os planos distantes de sua execução.
A criação da lei complementar nº 4.724, no ano de 2015, foi de importante
avanço para estas áreas alagáveis, uma vez que define diretrizes para regulação e
controle da drenagem urbana e das ocupações ribeirinhas causada pelos novos
empreendimentos. Dentre suas principais diretrizes para controle de enchentes inclui,
além da proteção das Zonas de Preservação às margens dos rios, lagos e cursos
d’água, a obrigatoriedade, por parte do empreendedor, quando da implantação de
novos loteamentos e condomínios com lotes edificados que possuam área
impermeabilizada superior a 500 metros quadrados a execução de sistema de
captação e retenção das águas pluviais após apresentação de estudo de drenagem e
aprovação prévia pelo órgão. Porém, apesar da criação desta lei, observa-se uma
dificuldade por parte da própria administração em analisar e liberar tais
empreendimentos, já que há uma insuficiência de servidores públicos habilitados para
tal.
Após a finalização do período que a Agenda 2015 exerceu sua influência, o
poder público municipal continuou as suas ações em busca da conservação,
recuperação e utilização racional dos recursos naturais. A Agenda 2030, lançada no
ano de 2015 pela SEMPLAN – Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação,
une os objetivos de manter as propostas da Agenda 2015 e tomou como base a
construção de uma cidade para as pessoas: ambientalmente sustentável, socialmente
inclusiva e economicamente justa (TERESINA, 2015, p.09). As diretrizes e ações da
Agenda 2030 voltadas para o meio ambiente incluem a adoção dos princípios da
85

sustentabilidade ambiental em todos os instrumentos da gestão do município, através


da criação de programas de educação ambiental, monitoramento das áreas de
preservação, adoção de tecnologias limpas no processo de produção do espaço
construído, adoção de mecanismos de compensação ambiental, valorização e
implantação de mais espaços verdes, dentre outros. Áreas ocupadas de maneira
irregular, como as margens das lagoas da zona norte – área inundável pelas cheias
naturais dos rios Parnaíba e Poti – ganharam programas de reestruturação e
recuperação, a exemplo do Programa Lagoas do Norte.

Figura 50: Obra executada pertencente ao Programa Lagoas do Norte.


Fonte: http://www.portalodia.com/noticias/piaui/

Mesmo com tais medidas não estruturantes, incluindo o PDDrU, a cidade


manteve sua expansão de seu limite urbano, acabando por ocupar áreas de risco de
alagamentos. Em estudo elaborado pela SEMPLAN, foi-se identificado as principais
sub-bacias sujeitas a alagamentos, que possuem caráter emergencial para
elaboração e execução de planos de controle das águas pluviais, como aponta a figura
abaixo:
86

Figura 51: Sub-bacias de Teresina.


Fonte: SEMPLAN

Uma das principais sub-bacias sujeitas a alagamentos na cidade de Teresina


encontra-se no extremo sul, a PE 31. Entende-se a sigla “PE” como “Poti Esquerda”
pois está localizada à esquerda do rio Poti e drena suas águas diretamente para este.
Em sua área, destacam-se construções monofuncionais residenciais, com grandes
residenciais executados através do Programa Minha Casa Minha Vida principalmente
87

após o ano de 2012. A alteração do solo natural permeável para impermeável bem
como as obras de terraplanagem alteraram o ciclo hidrológico natural e o
comportamento de drenagem da sub-bacia em questão, ocasionando em
alagamentos que chegam a ter, em seu estado mais crítico, uma lâmina de água de
90 centímetros. A figura abaixo demonstra o alagamento causado por escoamento
das águas pluviais na área do residencial Torquato Neto.

Figura 52: Alagamento na área da sub-bacia PE 31.


Fonte: http://www.mppi.mp.br/internet/images/residncialtorquatoneto.jpg acesso em
20/08/2017

Para solucionar os decorrentes alagamentos da região, foi elaborado o Sistema


Integrado de Drenagem Urbana - SIDrU, no ano de 2016. A sua elaboração teve como
base o PDDrU/THE, sendo observada uma falha no plano: há subdimensionamento
do sistema em alguns trechos, além de incompatibilidade com a estrutura atual
existente para instalação dos modelos sugeridos.

Logo, a implementação de intervenções estruturais para a drenagem


e manejo sustentável das águas pluviais na sub-bacia PE 31 exige a
consolidação, otimização e detalhamento do SIDrU proposto pelo
PDDrU/THE. Para tanto, devem ser elaborados estudos
complementares a projetos de engenharia (i) pautados em
informações topográficas e geotécnicas consistentes e coerentes com
a realidade atual e (ii) que atendam aos requisitos da legislação em
vigor e das normas técnicas vigentes (SEMPLAN, 2016, p. 10.).
88

Dentre os objetivos do SIDrU (SEMPLAN, 2016, p. 16), destacam-se: promover


controle de riscos hidrológicos associados a tormentas quando estas oferecem perigo
de perdas humanas e alagamentos com grande profundidade de escoamento nas
vias, reduzir efeitos adversos da urbanização sob o comportamento hidrológico,
requalificar as áreas urbanas e otimizar seu uso com a adoção de equipamentos
urbanos voltados para o lazer e amortecimento de cheias.
Em nenhum outro lugar do mundo a implementação da palavra
sustentabilidade é tão poderosa e benéfica quanto na própria cidade, afirma Rogers
(2013, p.05). Teresina após as ações públicas existentes para preservação e controle
do meio ambiente e de seus recursos hídricos, tais como a Agenda 2030, as leis de
zonas de preservação ambiental e drenagem urbana, busca por um planejamento
urbano sustentável. Apesar do caráter participativo, a falta de conhecimento quanto à
importância dos elementos naturais e sustentabilidade da população para o
desenvolver da cidade proporcionou uma comunicação ineficiente entre os mesmos
e o poder público nos fóruns de elaboração das Agendas 2015 e 2030.
89

CAPÍTULO IV: O CAMINHO DAS ÁGUAS PLUVIAIS E GESTÃO DAS ÁGUAS NA


SUB-BACIA PE 31

A urbanização e sua consequente alteração do meio natural modificou o


caminho das águas em Teresina. Destaca-se a área da sub-bacia PE-31 como uma
das mais afetadas pela alteração do ciclo hidrológico natural, como apontado no
Capítulo III. Por se tratar de uma área ainda em processo de ocupação, esta se torna
a que mais recebe ações de medidas de controle de enchentes na zona sul do
município. Para efeito de análise, faz-se a seguir o estudo da ocupação e da situação
atual, bem como das intervenções existentes e das ações públicas para minimizar os
impactos causados pelos alagamentos, que geram custos ao município e prejuízos à
população. A figura abaixo apresenta a localização da sub-bacia PE-31 e sua
delimitação.

Figura 53. Localização da Sub-bacia PE31.


Fonte: Elaborado pela autora à partir de SEMPLAN (2016)
90

O período de chuvas em Teresina ocorre, em geral, entre os meses de dezembro à


maio, sendo os meses de fevereiro, março e abril os mais chuvosos.

A análise dos dados de precipitação é apresentada no gráfico 1, o qual


mostra a média mensal da precipitação em Teresina, onde é possível
observar que os meses mais chuvosos são março, com uma média de
321 mm, e abril, com altura média precipitada de 247 mm. O mês mais
seco é julho, cujo total médio é 8 mm. A média anual da precipitação
acumulada é de 1.332 mm, apesar disso, sua distribuição é bastante
irregular. O valor médio anual (reta vermelha) é apresentado como uma
referência para mostrar o período úmido (janeiro, fevereiro, março e
abril) e o período seco (de maio a dezembro). Portanto, o regime
pluviométrico da região concentra 75,6% da chuva nos primeiros quatro
meses do ano, e 24,4% restantes nos oitos meses subsequentes, o que
caracteriza uma distribuição anual de chuvas bastante irregular
(SEMPLAN, 2012).

Figura 54. Precipitação média de Teresina entre os anos de 1914 a 2009.


Fonte: SEMPLAN (2012).

4.1 A sub-bacia PE 31

A topografia de uma determinada área permite identificar o comportamento das


águas no local, facilitando a rápida identificação da presença da sub-bacia PE 31, que
drena suas águas para o rio Poti. Localizada no extremo sul da cidade, em uma área
acrescida à zona urbana após a aprovação da Lei nº 2.596, de 01 de dezembro de
1997, encontra-se parcialmente inserida no solo urbano e seu gradiente topográfico é
relativamente íngreme, com cotas que variam entre 150 metros a 60 metros. Com
91

formato é oval, conforme SEMPLAN (2012, p. 175), sua área de drenagem é


equivalente a 1.038,62 hectares, sendo uma das maiores da região.

Figura 55. Relevo da área da sub-bacia PE-31.


Fonte: SEMPLAN (2012).

A urbanização presente no seu curso médio, somado ao processo de


urbanização intenso e acelerado, resultou nos casos de alagamento e inundações
constantes no bairro.
Embora a ocupação deste território tenha sido iniciada após o ano de 1998,
ano de aprovação do primeiro loteamento Portal da Alegria, o seu maior
desenvolvimento deu-se após o ano de 2012, quando diversos conjuntos
habitacionais foram construídos pela iniciativa privada através do Minha Casa Minha
Vida, programa criado pelo governo federal com o objetivo de permitir acesso à
moradia pela população de baixa renda.
Área da sub-bacia PE 31 localizava-se parte em zona rural antes de sua
ocupação. Os empreendimentos instalados após o ano de 2012, como por exemplo o
residencial Torquato Neto, ampliaram o perímetro urbano de Teresina, beneficiados
92

pela lei municipal nº 3.651/2006, que permitia que glebas coladas a este limite fossem
consideradas urbanas, aprovando o parcelamento do solo e a criação de novos
loteamentos e empreendimentos na periferia.
Observa-se nas imagens abaixo que entre os anos de 2005 e 2009 a área
urbanizada da sub-bacia PE 31 não apresentou grande expansão:

Figura 56. Área urbanizada da sub-bacia PE 31 no ano de 2005


Fonte: Google Earth.

Figura 57. Área urbanizada da sub-bacia PE 31 no ano de 2005


Fonte: Google Earth.
93

Após 2009, esta ocupação deu-se de forma acelerada, principalmente entre os


anos de 2012 e 2017:

Figura 58. Área urbanizada da sub-bacia PE 31 entre os anos 2012.


Fonte: Google Earth.

Figura 59. Área urbanizada da sub-bacia PE 31 entre os anos 2012.


94

Fonte: Google Earth.

Os dados publicados, no ano de 2012, pelo Plano Diretor de Drenagem Urbana


de Teresina apontam que esta apresenta pequena tendência a inundações, dado este
que entra em contradição com o estudo elaborado por LIMA e VELOSO FILHO (2016)
quanto aos impactos hidrométricos nas sub-bacias de Teresina. Através do estudo do
formato da microbacia e de suas características físicas é possível identificar a
facilidade ou não dos escoamentos das águas.
Lima e Veloso Filho (2016, p. 100) identificaram que a PE 31 possui formato
oval, que tem como principal característica a relativa dificuldade de drenagem natural
devido a saída estreita do escoamento.

4.2 Características geográficas e urbanísticas da PE 31

Para a escolha da melhor solução de drenagem sustentável de uma área, é


necessário o conhecimento das características pertencentes à bacia ou sub-bacia
responsável por sua drenagem natural, tais como a topografia, o tipo de solo existente
e sua capacidade de absorção, os tipos de cobertura de solo predominantes, o índice
pluviométrico médio da região, dentre outros. As características geográficas,
hidrológicas e urbanísticas na sub-bacia PE 31 apresentam-se de maneira variada, o
que levou à divisão da área em três setores distintos na elaboração do relatório para
desenvolvimento do Sistema Integrado de Drenagem Urbana de Teresina. Observa-
se que em toda a sub-bacia apenas existe como sistema de drenagem de águas
superficiais ruas inclinadas, sarjetas e canaletas, inexistindo também obras de
saneamento básico, sendo as águas negras (água residual proveniente de vasos
sanitários) de cada unidade residencial depositado em fossas sépticas, ou, no caso
das águas cinzas (ou seja, águas residuais de processos domésticos tais como
lavagem de roupas, banhos, entre outros) lançados nos sistemas de microdrenagem.
A imagem abaixo demonstra a divisão dos setores na área da sub-bacia PE-31.
95

Figura 60. Setores da sub-bacia PE 31.


Fonte: Elaborado pela autora à partir de SEMPLAN (2016, p. 11).

4.2.1 Setor 01

Parte desse setor encontra-se na zona urbana, ocupado por residências


unifamiliares, e parte na zona rural. Sua área de montante, faz divisa com o setor 2
pela BR 343/316, principal rodovia da região, que liga a cidade de Teresina com a
cidade de Demerval Lobão. Identificou-se que sua cota de construção, mais alta que
a cota das ocupações, funciona como barreira natural para as águas pluviais. Neste
setor, com sua área urbana já consolidada e ruas pavimentadas com paralelepípedo,
há predominância do escoamento concentrado raso, segundo a SEMPLAN (2016,
p.12). O maior impacto ambiental nas águas urbanas nesta área se dá pelas obras de
96

duplicação da rodovia, pois quando há precipitação os resíduos desta obra são


carregados pelo escoamento.

4.2.2 Setor 02

Este setor é relativo a mais da metade da área da sub-bacia e é parcialmente


ocupado por loteamentos ainda não urbanizados por sua totalidade, destinados para
fins residenciais, comerciais e industriais
O Escoamento das águas se dá pelas vias existentes, pavimentadas ou não, e
por falta de mecanismos de drenagem específicos (apenas se observa a presença de
sarjetas e canaletas nas ruas inclinadas já pavimentadas) a área que já recebe um
considerável volume do setor 1 escoa todo o seu volume para o setor 3. A área é
responsável pelo escoamento é de cerca de 69% da sub-bacia, o que a torna
estratégica para a elaboração de projetos de drenagem (SEMPLAN, 2016, p. 12).

4.2.3 Setor 03

Apesar de ocupar apenas 31% da área da sub-bacia, é dentre os três setores


o mais atingido pelas águas pluviais, uma vez que recebe todo o volume dos setores
01 e 02. A área está parcialmente ocupada, porém pode-se observar que as áreas
ocupadas possuem maior densidade de edificações do que nos outros setores, devido
à construção de residenciais destinados à população de baixa renda financiados pelo
programa Minha Casa Minha Vida.
A região não recebe nenhum tipo sistema de drenagem diferente de sarjetas
como também não recebe nenhum sistema de captação de esgotos domésticos,
sendo este liberado nas vias públicas.
97

Figura 61. Descarte de esgoto em vias públicas na região da sub-bacia PE 31


Fonte: Acervo pessoal

Nos meses de maior ocorrência de precipitações, as águas, que já chegam com


os sedimentos do setor 01 e 02, escoam juntamente com o esgoto doméstico
produzido, causando a diminuição da qualidade.

4.2.4 Caracterização das ocupações existentes no local

Conforme o mapa de zoneamento de Teresina, observa-se que na área da sub-


bacia PE 31 encontram-se os seguintes zoneamentos: ZR 2 – Zona Residencial 2, ZI
1 – Zona Industrial 1 e ZS 1 – Zona de Serviço 1. As ocupações destes zoneamentos
devem obedecer à lei nº 3.562, em vigência desde 20 de outubro de 2006. Seu
ANEXO I dispõe das áreas de recuo obrigatório e seu artigo 31 obriga, na ocupação
de qualquer lote por edificações de uso coletivo, uma área permeável de pelo menos
25% da área de recuo obrigatório. As taxas de ocupação não podem ser superiores a
60% da área do lote nas zonas residenciais e de serviço e a 50% nas zonas industriais.
98

Quadro 07. Recuos obrigatórios em Teresina – Zona Residencial 2


Fonte: TERESINA, 2006.

Quadro 08. Recuos obrigatórios em Teresina – Zona de Serviços 1


Fonte: TERESINA, 2006.

Quadro 09. Recuos obrigatórios em Teresina – Zona de Industrial 1


Fonte: TERESINA, 2006.

Embora existente essa obrigatoriedade de recuos, de ocupação máxima e da


porcentagem de áreas permeáveis, observa-se que há um grande número de obras
irregulares, construídas sem a prévia autorização da prefeitura e de edificações que
mesmo com as devidas aprovações, após a liberação do HABITE-SE, executaram
ampliações irregulares, ocupando as áreas de recuo obrigatório e pavimentando as
áreas relativas a solo permeável, fator que contribui para um acumulo maior de volume
de águas pluviais escoando pelas vias públicas.
99

Figura 62. Ocupações irregulares no bairro Portal da Alegria


Fonte: Acervo Pessoal

Há predominância de conjuntos monofuncionais de baixa densidade além dos


empreendimentos comerciais e industriais. De acordo com os dados da SEMPLAN
(2006, p.09), há aproximadamente, somente de conjuntos residenciais, mais de 8.298
unidades habitacionais na região, construídas principalmente após o ano de 2012,
sendo os residenciais Portal da Alegria II, IV e VI o maior destes, com 3.598 unidades.
A área também sofre influencia de outros empreendimentos já construídos antes nos
bairros Portal da Alegria e Pedra Miúda.

Figura 63. Edificações residenciais no bairro Portal da Alegria


Fonte: http://www.portalodia.com/noticias/piaui acesso em 20/07/2017
100

4.3 Impactos causados pela urbanização na sub-bacia PE 31

Consideradas por Mascaró (2005, p. 159) como parte integrante do sistema


de escoamento convencional de águas pluviais em um projeto de loteamento, as ruas,
somadas às sarjetas e guias, são elementos presentes na sub-bacia em estudo,
porém não se tornaram eficientes em sua função de drenagem das águas, uma vez
que sua rápida ocupação, somada à ausência de um Plano Diretor específico em suas
primeiras fases de implantação, acarretou em impactos relevantes no local, já que as
águas provenientes das águas escoam pelas ruas rumo à jusante. As águas pluviais
que escoam pelos dois primeiros setores da sub-bacia PE 31 chegam ao terceiro setor
com o volume superior ao que os sistemas convencionais suportam, causando os
alagamentos, que se concentram principalmente nos cruzamentos.

Figura 64. Alagamento no residencial Torquato Neto em janeiro de 2017.


Fonte: Acervo Pessoal

A impermeabilização dos lotes com áreas cimentadas e a construção de


ampliações residenciais para as áreas de recuo obrigatório, realizada pelos
proprietários após recebimento do imóvel, aumenta o volume de escoamento, antes
calculado para receber um menor valor devido à área permeável existente. Esta água
não só causa transtorno para a população residente no local, como destrói as vias de
circulação, afetando a mobilidade urbana, além de carregar consigo quantidade
substancial de resíduos sólidos e sedimentos, vindos dos setores 02 e 01, já que a
101

área ainda se encontra em processo de urbanização, que se espalha por toda a


região.

Figura 65. Resíduos sólidos no setor 02 da sub-bacia PE 31.


Fonte: Acervo Pessoal

Em sua maior parte, as vias locais possuem pavimentação em paralelepípedos,


perfil que de acordo com Mascaró (2005, p. 175) funciona bem, desde que a via
possua baixo tráfego, solos bem drenados e declividade intermediária entre 2<i<6%.
Porém, esta declividade pode aumentar a velocidade de escoamento devido ao
grande volume de água, formando verdadeiros rios urbanos, como se observa nas
figuras abaixo, retiradas em janeiro de 2017 no residencial Torquato Neto.

Figura 66. Alagamento no residencial Torquato Neto em janeiro de 2017.


Fonte: Acervo Pessoal
102

Observa-se que na região já consolidada, pertencente ao setor 03, o mais


atingido pelos alagamentos, as edificações residenciais possuem passeio público com
cota superior a 30 centímetros, e em alguns trechos chegando a 50 centímetros. Esta
medida foi tomada pela população para proteger suas residências dos alagamentos
corriqueiros, criando diques laterais e estreitando o canal de passagem das águas.
Em alguns trechos, a lâmina de água após precipitação pode chegar aos 90
centímetros, aponta a SEMPLAN.

Figura 67. Passeio público no bairro Portal da Alegria com cotas superiores a 30
centímetros Fonte: Acervo Pessoal
Além dos transtornos causados pelo forte escoamento de águas na sub-bacia
PE 31 durante a precipitação, é possível observar que a velocidade das águas
degrada as vias públicas, causando erosão, destruindo a pavimentação existente e
acumulando os resíduos sólidos no seu entorno.
103

Figura 68. Pavimentação danificada após precipitação em janeiro de 2017 no residencial


Torquato Neto.
Fonte: Acervo Pessoal

Em estudo de campo realizado entre os dias 09 e 15 de setembro de 2017 é


possível identificar ruas ainda danificadas, resultantes das precipitações ocorridas
entre os meses de janeiro e abril do mesmo ano.

Figura 69. Via pública danificada no residencial Torquato Neto em setembro de 2017.
Fonte: Acervo Pessoal
104

Figura 70. Via pública danificada no bairro Portal da Alegria em setembro de 2017.
Fonte: Acervo Pessoal

Os decorrentes alagamentos, principalmente nos residenciais Torquato Neto,


fizeram com que os moradores destes residenciais entrassem com um processo no
PROCON, no ano de 2014, contra os responsáveis pela construção dos
empreendimentos, resultando em uma ação civil pública solicitando a solução dos
problemas ocasionados pela falta de sistema de drenagem adequado para a PE 31.
Desde então, diversos órgãos estão envolvidos na elaboração e execução das
medidas de controle das cheias, tais como a Prefeitura Municipal de Teresina –
responsável pela aprovação dos projetos de loteamentos e residenciais na região e
pela elaboração e execução dos projetos do futuro Sistema Integrado de Drenagem
Urbana da área em questão, A Caixa Econômica Federal – responsável pelo
financiamento das obras residenciais beneficiadas pelo Programa Minha Casa Minha
Vida, as construtoras responsáveis pelas obras dos residenciais Torquato Neto, o
Ministério Público Estadual do Piauí – responsável pelas perícias nas áreas atingidas
pelos alagamentos e o Ministério das Cidades – responsável por parte do
financiamento das futuras obras de drenagem de águas pluviais na PE 31.
Os impactos ocorridos nesta área exigem do município a tomada de ações
públicas e decisões para controle e prevenção destes, uma vez que acarreta em
105

perdas econômicas tanto para a sociedade quanto para a cidade. As medidas de


controle atualmente aplicadas incluem, além de um projeto de drenagem integrado,
estudos, leis e decretos que minimizam e desaceleram o escoamento das águas para
a jusante.

4.4 Manejo das águas pluviais: políticas propostas na sub-bacia PE 31

A principal variável do planejamento dos sistemas de drenagem urbana é a


densidade habitacional, e por meio do plano de ocupação urbana é possível prever
os problemas futuros. Pelo plano de ocupação do espaço urbano é definido o numero
de habitante por hectare e as regras de ocupação, contemplando-se o planejamento
de áreas a serem desenvolvidas e a densificação das áreas atualmente loteadas.
Então através do plano de desenvolvimento urbano, pode-se antever a população do
futuro e tomar medidas antecipadas ao problema, segundo Parkinson et al (2003).
Porém, na prática, observa-se que pode haver instalações irregulares, que não
obedecem aos planos de ocupação, tornando o cálculo desta variável impreciso.
Quando a ocupação urbana não está ainda consolidada, existindo previsão de
aumento de áreas impermeáveis e densidade, o município destaca como ações para
combate às inundações, como já descrito no capítulo III desta dissertação: 1) A
aplicação da lei de drenagem urbana, aprovada em 03 de junho de 2015, a através
da lei complementar nº 4.724, que dentre suas principais diretrizes para controle de
enchentes inclui, além da proteção das Zonas de Preservação às margens dos rios,
lagos e cursos d’água, a obrigatoriedade por parte do empreendedor, quando da
implantação de novos loteamentos e condomínios com lotes edificados que possuam
área impermeabilizada superior à 500 metros quadrados, a execução de sistema de
captação e retenção das águas pluviais e apresentação de estudo de drenagem do
lote aprovado pelo órgão responsável pela análise. 2) A ampliação da rede de
drenagem e controle das águas pluviais na fonte, tais como o uso de reservatórios de
amortecimento em áreas públicas. Este tipo de medida alternativa deve ser aplicado
em toda a sub-bacia de forma descentralizada, definidos após de estudo onde se
identificam os locais para sua implantação a fim de aumentar a permeabilidade do
solo, promover a renaturalização do ambiente e criar condições semelhantes à pré-
urbanização.
106

Após reunião entre a Caixa Econômica Federal, a SEMPLAN, o Ministério das


Cidades e o consórcio HYDROS/ENGECOR –, elaborou-se as premissas para
elaboração do projeto de amortecimento de cheias, que contava com os seguintes
itens: 1) reservatórios deverão ser posicionados em áreas previamente aprovadas
pela prefeitura 2) devem ser localizados em locais que facilitem o escoamento por
gravidade, evitando a instalação de de estações elevatórias (SEMPLAN, 2016, p. 20).
O projeto de drenagem da região da PE 31 foi elaborado pelo consórcio
HYDROS/ENGECOR, empresa especializada em estudos e projetos de engenharia
para manejo das águas pluviais, no ano de 2014 e 2015, mediante contrato com a
Prefeitura Municipal de Teresina de nº 03/2014. Seus resultados foram divulgados
pela SEMPLAN no ano de 2016, no relatório de readequação do projeto básico do
Sistema Integrado de Drenagem da sub-bacia PE 31. Segundo o relatório, os critérios
para elaboração do projeto de drenagem levaram em consideração o estudo do
cenário tendencial e e do cenário alternativo para o escoamento das águas pluviais,
em um período de tempo de 25 anos.
No cenário tendencial, são observados os impactos da urbanização futura na
PE 31, modelado para uma cheia provocada por 2 horas de chuva, o que resulta em
uma vazão máxima de 114,33 m3/s (SEMPLAN, 2016, p. 71). Já no cenário
alternativo, os impactos da urbanização futura são somados aos efeitos da obra de
drenagem proposta. Este cenário, conforme os dados da SEMPLAN (2016, p.71)
modelados considerando uma chuva de 1 hora, o que resulta na vazão máxima de
99,86m3/s.
O desempenho do projeto, também elaborado pelo relatório desenvolvido pelo
consórcio HYDROS/ENGECOR, foi avaliado de acordo com o risco de perdas
humanas e materiais no cenário tendencial e alternativo, gerando os seguintes
resultados: 1) Risco de perdas humanas: Após modelagem, verificou-se que após
implantação do sistema o percentual de da malha viária classificada de alto risco pode
cair de 43,1% para 7,8% (SEMPLAN, 2016, p. 71). 2) Risco de perdas materiais: A
implantação do sistema de drenagem pode aumentar a porcentagem de malha viária
com lâmina de água de escoamento inferiores a 30 centímetros para 99,6%
(SEMPLAN, 2016, p. 75).
Duas medidas estruturais associadas foram adotadas para solucionar os
problemas de alagamentos na PE 31. A primeira medida leva a abordagem
convencional, com a construção de uma rede de macrodrenagem para a região, e a
107

segunda leva em consideração os preceitos da sustentabilidade na drenagem urbana,


com a construção de bacias de detenção de águas pluviais, chamadas também de
reservatórios de detenção.
A maior dificuldade para as medidas adotadas observadas são as caixas das
ruas existentes, que possuem em alguns trechos apenas 6 metros de largura,
insuficientes para a construção dos canais de drenagem e galerias a exemplo Rua
José Miguel Adad, no bairro Portal da Alegria.

4.4.1 Medidas estruturantes para controle de alagamentos na sub-bacia PE 31

As principais medidas convencionais adotadas neste projeto são: captação das


águas pluviais nas vias públicas por meio de boca de lobo nas áreas ocupadas, caixas
coletoras de talvegue nas áreas não ocupadas e 43 linhas de galerias pluviais
totalizando mais de 36km de condutos subterrâneos, e quatro reservatórios de
amortecimento de cheias (SEMPLAN, 2016, p. 17). Estas linhas coletoras deverão ser
de largura não superior a 4 metros por conta da largura das vias existentes.

Figura 71. Localização prévia das galerias e reservatórios de amortecimento de cheias à


serem executados na PE 31.
Fonte: Elaborado pela autora a partir de SEMPLAN.
108

Figura 72. Corte esquemático de galeria à ser executada na PE 31.


Fonte: SEMPLAN

Figura 73. Prancha padrão do projeto de drenagem integrado para drenagem das águas
pluviais na PE 31.
Fonte: SEMPLAN

Seguindo as diretrizes do Manual de Drenagem Urbana Sustentável anexado


ao Plano Diretor de Drenagem Urbana de Teresina e elaborado pelo Ministério das
109

Cidades, foram adotados quatro reservatórios de amortecimento de cheias,


denominados de RAC e popularmente conhecidos como piscinões. Esta medida
estrutural pode relacionar-se com o seu entorno criando áreas de lazer e trazendo
benefícios para os moradores da região.
O primeiro reservatório, denominado Reservatório de Cheias Sul, está
localizado no bairro Pedra Miúda, ao sul da sub-bacia PE 31 e ocupa uma área total
de 2,97 hectares pertencentes a uma ZS 01, onde seria implantada a área verde
relativa ao loteamento Polo Empresarial Sul e indústrias.

Figura 74. Localização do reservatório de amortecimento de cheias sul – RAC SUL


Fonte: Elaborado pela autora à partir de SEMPLAN

Sua construção, do tipo “in line”, possui área de contribuição de drenagem de


aproximadamente 281 hectares, e ao todo comportará o volume de água equivalente
à 104.547,88m³, conforme SEMPLAN (2016, p. 21). Para seu entorno estará previsto
a plantação de vegetação rasteira e arbórea.
O segundo reservatório de amortecimento de cheias, denominado centro-sul,
ou RAC CENTRO-SUL, também será implantado no bairro Polo Empresarial Sul,
região inserida na zona industrial onde originalmente daria espaço à uma construção
institucional e indústrias. Com uma área total de 2,18 hectares, o reservatório tipo “in
110

line”, segundo a SEMPLAN (2016, p. 22) absorverá um volume de água de


51.837,12m³. Seu entorno seguirá o mesmo padrão adotado no reservatório de
amortecimento de cheias sul, com vegetação rasteira e arbórea.

Figura 75. Localização do reservatório de amortecimento de cheias centro-sul – RAC


CENTRO-SUL
Fonte: Elaborado pela autora a partir de SEMPLAN

Localizado no bairro Portal da Alegria, já no setor 03 da sub-bacia PE 31, o


reservatório de amortecimento de cheias centro-norte ocupará uma área de 2,56
hectares, contribuindo para retenção de 47.264,91m³ de águas pluviais, conforme
dados da SEMPLAN (2016, p. 23), dentro de um sistema de retenção do tipo “off line”.
O seu entorno será destinado à implantação de uma praça pública.
111

Figura 76. Localização do reservatório de amortecimento de cheias centro-norte – RAC


CENTRO-NORTE
Fonte: Elaborado pela autora a partir de SEMPLAN

O mais importante dos reservatórios estará localizado no extremo norte da sub-


bacia PE 31, a região mais afetada pelos alagamentos. O reservatório de
amortecimento de cheias norte, ou RAC NORTE, será executado no sistema “off line”
em uma área de 4,21 hectares, onde predomina uma ZR 02 – Zona Residencial 02.
Esta bacia de retenção receberá o volume de escoamento de 79.723,41m³,
conforme dados da SEMPLAN (2016, p. 23). Por se tratar de um lote já destinado para
a implantação de uma área verde, o mesmo receberá tratamento urbanístico
semelhante ao que será executado no RAC CENTRO-NORTE em seu entorno, com
equipamentos públicos e paisagismo que incorporam as águas pluviais retidas ao seu
espaço. As praças previstas deverão possuir piso em blocos de concreto intertravados
permeáveis, bancos, parques infantis, pergolados, quiosques de convivência, quadra
de esportes, dentre outros, conforme afirmado pela Gerência de Obras e Serviços –
GOS – da Superintendência de Desenvolvimento Urbano Sul – SDU-SUL,
responsável pela fiscalização e execução das obras da zona sul da capital.
112

Figura 77. Localização do reservatório de amortecimento de cheias centro-norte – RAC


NORTE
Fonte: Elaborado pela autora a partir de SEMPLAN

A SEMPLAN dispõe do projeto de todo o sistema integrado de drenagem da


PE 31, contudo após análise do projeto existente observou-se que ele trás
detalhamentos de execução das galerias, das caixas coletores e dos reservatórios de
amortecimento de cheias, não constando como parte integrante deste o projeto e
detalhamento das praças propostas na área das bacias de retenção centro-norte e
norte.
De acordo com o Portal da SEMPLAN, a Prefeitura Municipal busca por
recursos do Ministério da Integração para execução das obras de drenagem da sub-
bacia em questão, valor este estimado em mais de 100 milhões de reais.

4.4.2 Medidas não estruturantes para controle de alagamentos na sub-bacia PE


31

As medidas de controle de alagamentos não estruturantes são adotadas na


região desde a promulgação da Lei de Drenagem de Teresina, nº 4.724/2015, descrita
113

no capítulo III. Entre os anos de 2015 e 2016, os processos de solicitação de alvarás


de construção dos empreendimentos localizados na área da sub-bacia passaram por
um rigoroso processo de análise pelo setor de liberação de alvarás e licenciamentos,
a Gerência de Urbanismo – GURB da Superintendência de Desenvolvimento Urbano
Sul – SDU SUL. Tais obras não poderiam ser aprovadas para execução sem antes
apresentarem o relatório de estudo de drenagem, bem como um projeto de contenção
e liberação gradual de águas pluviais para as vias públicas. O estudo, conforme o
artigo 3º da lei nº 4.724/2015, deveria ser analisado pela pela Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Urbano e Habitação – SEMDUH.
A maior dificuldade encontrada para liberação dos processos durante os anos
de 2015 e 2016 foi a carência de servidores públicos capacitados para a análise dos
estudos de drenagem entregue pelos empreendedores, motivo este que fez com que
as solicitações de obtenção de alvarás de construção permanecessem sob análise
durante um tempo maior do que a lei municipal determina em seu artigo nº 24 da lei
nº 4.729/2015, que dispõe do novo código de obras da cidade.

Art. 24. O prazo máximo para a conclusão da análise do projeto,


aprovando-o ou emitindo ao responsável técnico e/ ou, ao proprietário
comunicação por escrito ou por meio digital relativa às normas
infringidas e aos erros técnicos cometidos, ou mesmo o seu
indeferimento, é de 45 (quarenta e cinco) dias, contados da data de
seu protocolo (TERESINA, 2015).

Após a ocupação total ou parcial de uma bacia as medidas não estruturantes


adotadas apenas evitam a somatização do problema. As ações públicas devem ser,
preferencialmente, preventivas, uma vez que esta pode evitar perdas econômicas
para o município.
Outras medidas ditas não estruturantes ainda estão sob fase de aprovação na
Câmara Municipal de Teresina, como por exemplo o decreto que prevê a não
execução de obras nas áreas afetadas pelos alagamentos na sub-bacia PE 31
enquanto o sistema integrado de drenagem urbana proposto para a região não for
executado. Os processos de solicitação de alvarás de construção na região
permanecem com análise paralisada, e como medida compensatória para os afetados
pelos alagamentos, o Ministério Público do Estado do Piauí emitiu parecer de
suspensão da cobrança de IPTU. Ainda segundo a Assessoria de Comunicação
Social do órgão, foi solicitado também a suspensão dos contratos realizados entre a
114

Caixa Econômica Federal e os proprietários que adquiriram os imóveis através de


financiamento até que os problemas relativos aos alagamentos sejam solucionados.
Para controle dos alagamentos de forma sustentável é preciso não apenas
estabelecer regulamentos e construir obras estruturais. mas também ter sua base nas
obras não estruturais, tais como a fiscalização, para que se evite o descumprimento
da legislação vigente.
Ao que se segue nesta dissertação, as considerações finais trazem o resultado
da análise da ocupação urbana na sub-bacia PE 31 e da gestão das águas pluviais
nesta.
115

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Teresina foi uma cidade planejada e sua fundação esteve comprovadamente


ligada à suas águas: os rios proporcionavam o escoamento rápido dos produtos ali
produzidos e a comunicação com as demais cidades da região, enquanto o relevo
plano do local escolhido para sua implantação a protegia das constantes enchentes.
Por este motivo, pode-se afirmar que a escolha do lote para implantação da nova
capital considerou as águas existentes e seu caminho natural.
Os elementos naturais como os rios, áreas verdes e relevo moldaram a
configuração urbana até os anos de 1950. Após este ano, com a política de
desenvolvimento implementada por Juscelino Kubitschek, o processo de urbanização
tornou-se acelerado. O advento da energia elétrica com a construção da Barragem de
Boa Esperança, proporcionou a industrialização e com isso um maior crescimento da
população. Políticas habitacionais permitiram a implantação de novos loteamentos e
conjuntos. Nesse período a população de baixa renda começou a se expandir e
ocupar as baixadas e zonas sujeitas a inundações, enquanto que a população de
renda mais alta e nobre se consolidou na zona leste, em relevo mais alto, com forte
presença de arborização e clima um pouco mais ameno. Neste período, houve
desconsideração das águas urbanas e do ciclo hidrológico, visto que os planos entre
os anos de 1950 à 2000 incentivaram a ocupação de áreas de risco de alagamentos.
A demanda por espaço, habitação e urbanização foi modificando assim, o
caminho natural das águas. O estado tornou-se o maior modelador do espaço urbano,
com suas políticas habitacionais e planos urbanísticos.
Após o ano de 2012, a administração local tomou medidas políticas para
preservar e recuperar seus recursos naturais e hídricos, através de seus planos
diretores e suas leis complementares. Os elementos naturais voltaram à moldar a
configuração do espaço urbano, com ações políticas que objetivam o
desenvolvimento urbano sustentável. Ao mesmo tempo, há ainda uma dificuldade de
comunicação e interlocução entre o poder público e a população, que mantem baixa
participação nas tomadas de decisão.
A presença das águas e seu fluxo na região determinaram a configuração
urbana atual e as ações da administração local de modo distinto durante os anos. No
primeiro momento, os ciclos de cheias dos rios e a presença dos grotões
determinaram as áreas de expansão do município, fato este ocorrido até os anos de
116

1950. Em um período transitório, com o intenso desenvolvimento econômico e


populacional, a presença e o comportamento das águas passaram a não se tornar
mais uma barreira para a configuração do espaço, com a ocupação de áreas de baixo
relevo, áreas de várzeas e aterramento dos lagos e grotões existentes, muitas vezes
incentivada pelos planos existentes, que desconsideravam a presença destes
elementos e os efeitos futuros da transformação deste ecossistema. Em um terceiro
momento, até os dias atuais, devido ao Estatuto das Cidades, ao Estatuto das
Metrópoles e aos impactos gerados pela ocupação desordenada, as águas ganham
um novo destaque como modeladores da área urbana por questões políticas
sustentáveis.
Mesmo com as preocupações políticas existentes e a elaboração do Plano
Diretor de Drenagem Urbana para a cidade de Teresina, observa-se que as mesmas
estavam presentes somente no papel, posto que importantes sub-bacias de drenagem
foram ocupadas mediante aprovação da própria prefeitura, como a PE 31.
As fortes chuvas decorrentes no município, especialmente entre os meses de
janeiro e abril, somadas às altas taxas de impermeabilização do solo e à falta de
sistemas de macrodrenagem no bairro provou alagamentos por toda região, e com
ele prejuízos à população e ao município. Desde a aprovação de suas primeiras fases,
em 1998, a região não recebeu obras significativas para o controle das águas pluviais,
sobrecarregando a rede de microdrenagem existente.
O PDDrU elaborado 10 anos após o primeiro plano diretor da cidade que
objetivava o desenvolvimento sustentável, a Agenda 2015, apresentava falhas em
suas diretrizes e propostas, fato este permitiu a ocupação desordenada e acelerada
da sub-bacia PE 31. Outro fator que contribuiu para os alagamentos nesta sub-bacias
foi a falta de fiscalização após retirada do HABITE-SE dos imóveis, que passaram a
ocupar áreas de recuo obrigatório que poderiam servir como áreas de drenagem
natural das águas, agravando a situação.
Somente após a ação civil emitida pelo PROCON contra os responsáveis pelo
acúmulo de água, gerando riscos para a população e prejuízos para a prefeitura, a
cidade busca minimizar os impactos da urbanização existente e conta com um projeto
à ser executado que inclui sistemas de macrodrenagem e reservatórios de retenção
das águas pluviais por toda a sub-bacia, o SIDrU.
Em análise do estudo e do projeto sugerido pelo SIDrU, verifica-se que embora
o mesmo tenha como base a gestão integrada e sustentável das águas nesta sub-
117

bacia, ainda há forte presença das medidas convencionais de drenagem urbana, que
visa retirar a água do local sem os devidos tratamentos. Outro fator observado foi a
falta de detalhamentos de projetos de arquitetura e paisagismo, deixando a desejar
um dos itens requeridos pela gestão integrada e sustentável de drenagem urbana,
que é o valor paisagístico.
Os planos ditos não estruturantes e estruturantes para a área em estudo,
devido à sua recente implantação, poderão ter a sua eficiência analisada apenas após
os anos que se seguem. Sugere-se, então, o estudo aprofundado segundo os critérios
de avaliação da drenagem urbana sustentável para avaliação de sua eficácia ao longo
dos anos, com a finalidade de aperfeiçoar os planos existentes.
Fica o questionamento: Sem a obrigatoriedade de um plano diretor de
drenagem urbana sustentável e de um plano de sistema integrado de drenagem
urbana, que foram elaborados somente após a necessidade de intervenção nas áreas
já urbanizadas, teríamos uma política voltada à preservação e manutenção do ciclo
hidrológico natural na cidade de Teresina e, em especial, nas sub-bacias afetadas
pela intensa urbanização?
118

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