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SÃO PAULO
2017
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SÃO PAULO
2017
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, inicio meus agradecimentos à Deus, por ser o meu pilar,
mostrando-me diariamente que o amor, a força e a fé são fundamentais para a vida.
Agradeço aos meus pais, Lúcia Maria Veloso e Sérgio Rio Lima por terem me
ensinado que o conhecimento é o bem mais precioso. Obrigada por todo apoio,
mesmo quando eles significam estar longe de quem amamos.
Aos meus amigos, que se tornaram a minha família em São Paulo, ao longo
dessa jornada de dois anos em busca do conhecimento e amadurecimento: Mônya
Freiras e família, Juliana Inoue. Obrigada por fazerem parte da minha vida e por todas
as palavras de força.
Agradecimentos à Prefeitura Municipal de Teresina, pela oportunidade de
desenvolvimento e aperfeiçoamento do meu trabalho, cedendo dois anos de
afastamento de serviços para a conclusão deste mestrado. O meu muito obrigada a
todos os profissionais que prestaram apoio durante o trabalho de pesquisa, em
especial aos engenheiros Ítalo Portela, Márcia Muniz e Olivan Araújo, pelos dados
informados mediante à falta de bibliografia e documentação dos aspectos relevantes
desta dissertação.
Muito obrigada ao amigo da família Esdras Leitão pelo apoio na obtenção do
título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo e por incentivar meu caminho como
urbanista.
Por fim, agradeço profundamente à Prof.ª Dr. ª Gilda Collet Bruna por sua
dedicação como mestre e orientadora deste trabalho, e principalmente pelas palavras
incentivadoras que nos levaram à apresentar parte deste em Portugal.
5
RESUMO
ABSTRACT
Since the beggining the occupation of the territory by man was linked to nature
and natural resources: it removes nature from its source of survival. The world has
never been so urban, for example, in the case of Latin America, more than 80% of the
population lives in cities. This intense urbanization has brought significant impacts to
urban ecosystems, altering their natural flows. Teresina, capital of Piauí, was designed
and implemented in a place where its two rivers presence favored capital the economic
growth. Teresina’s expansion remained respecting the natural water flows until 1950,
when the country development policy provided a faster growth and a disorderly
occupation of urban land. Demand for space, housing and urbanization altered
Teresina water flow. This dissertation aims to describe and analyze the urbanization
in Teresina and public actions regarding urban drainage aspects. The research was
elaborated through a historical and documentary survey, and has as a spatial clipping
the area of the sub-basin PE-31, characterized by its accelerated urbanization process
and flooding. Urbanization and public actions resulted in hydrological cycle changes,
causing environmental, social and economic impacts in Teresina.
LISTA DE FIGURAS
Figura 22 Galeria.
Figura 23 Hierarquia das soluções sustentáveis de drenagem
urbana.
Figura 24 Pavimentação em bloco de concreto intertravado
permeável.
Figura 25 Desenho técnico de pavimentação em blocos de
concreto intertravado permeável com infiltração total no
solo.
Figura 26 Pavimentação em concreto permeável.
Figura 27 Desenho técnico da pavimentação em concreto
permeável com infiltração total no solo.
Figura 28 Esquema de vala de infiltração.
Figura 29 Vala de infiltração em West Kingston – EUA.
Figura 30 Esquema de sistema baseado na gravidade para
captação de águas pluviais.
Figura 31 Cisterna de armazenamento de águas pluviais no
semiárido brasileiro.
Figura 32 Corte esquemático de telhado verde.
Figura 33 Prefeitura de São Paulo – Telhado verde.
Figura 34 Corte esquemático do sistema de infiltração.
Figura 35 Bacia de retenção.
Figura 36 Bacia de detenção.
Figura 37 Diferenças entre reservatórios de detenção em série e
em paralelo.
Figura 38 Mapa do estado do Piauí, localizando a antiga capital
Oeiras e a nova capital Teresina.
Figura 39 Local escolhido para implantação de Teresina.
Figura 40 Croqui do Plano Saraiva.
Figura 41 Mapa do Piauí com a localização das cidades de
Floriano, Amarante, Teresina, União e Parnaíba.
Figura 42 Planta de Teresina em 1940.
Figura 43 Avenida Frei Serafim no início do século XX.
9
LISTA DE QUADROS
LISTA DE ABREVIATURAS
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 14
JUSTIFICATIVA 17
2. CAPÍTULO I: URBANIZAÇÃO E O CAMINHO DAS ÁGUAS 20
1.1 A evolução das cidades e a ecologia 20
1.2 Ecossistemas urbanos: a infraestrutura azul 26
1.3 A urbanização e o ciclo hidrológico 35
3. CAPÍTULO II: GESTÃO DAS ÁGUAS PLUVIAIS E 42
SUSTENTABILIDADE NO BRASIL
2.1 Gestão das águas pluviais no Brasil: da fragmentação à 47
integração.
2.2 Gestão Integrada de controle das águas pluviais 50
4. CAPÍTULO III: TERESINA, PIAUÍ: O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO E 67
AS ÁGUAS PLUVIAIS
3.1 Teresina e as águas urbanas até 1950 69
3.2 Teresina e as águas urbanas após 1950 72
3.3 Gestão municipal das águas urbanas 80
5. CAPÍTULO IV: O CAMINHO DAS ÁGUAS PLUVIAIS E GESTÃO NA 87
SUB-BACIA PE 31
4.1 A sub-bacia PE 31 87
4.2 Características geográficas e urbanísticas da PE 31 89
4.3 Impactos causados pela urbanização na sub-bacia PE 31 95
4.4 Manejo das águas pluviais: políticas propostas na sub-bacia PE 31 100
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 115
REFERÊNCIAS 113
GLOSSÁRIO
ANEXOS
14
INTRODUÇÃO
Pela primeira vez em toda a história a população urbana é maior do que a rural
e essa alteração veloz do território, conforme Nunes (2015), contribui para surgir e
ampliar riscos no meio urbano, que por sua vez podem tornar-se em desastres. As
áreas urbanas e sua alta taxa de impermeabilização do solo provocam vários impactos
ao ecossistema urbano. Sem um planejamento do espaço urbano a cidade tem seu
crescimento espontâneo e espraiado, voltado para as áreas próximas a rios ou à beira
mar, áreas consideradas de risco por serem facilmente inundáveis. A demanda de
água nas grandes cidades e as superfícies impermeáveis alteram de forma
substancial o fluxo natural das águas, conforme Adler e Tanner (2013). O volume de
água proveniente das chuvas que antes escoava para a jusante através da infiltração
e da evaporação agora escoa de forma superficial, tornando a velocidade das águas
cada vez maior e arrastando consigo os resíduos sólidos que se encontram no
caminho.
As enchentes, ou inundações urbanas, podem ser provocadas através dos
seguintes processos, conforme afirma Tucci (1995): enchentes de áreas ribeirinhas
e enchentes devido à urbanização.
As inundações de áreas ribeirinhas ocorrem pelo processo natural de cheia das
bacias de grande porte nas épocas chuvosas, fazendo com que o rio ocupe o seu leito
maior. O impacto nas cidades ocorre quando a população ocupa de forma inadequada
as áreas ribeirinhas. Já as enchentes devido à urbanização afetam as bacias de
pequeno porte e ocorrem quando há altas taxas de impermeabilização do solo,
fazendo com que o volume que antes escoava lentamente e infiltrava-se no solo passe
a correr e acumular-se na superfície, causando estragos e dados para o município.
Ainda segundo Tucci (1995), no Brasil, são raros os estudos que quantifiquem esses
impactos.
As atuais medidas de controle dos impactos das inundações das cidades
podem ser realizadas de duas maneiras distintas. Os gestores municipais podem
adotar medidas estruturais e não estruturais. As medidas estruturais relacionam-se
com as obras de capacitação, armazenamento e transporte das águas pluviais dentro
dos limites estabelecidos pela quantificação de riscos e conhecimento prévio das
ondas de cheia (RIGHETTO, 2009). São exemplos de medidas estruturais: diques,
reservatórios (bacias de detenção ou retenção das águas) e canais (canalização das
15
JUSTIFICATIVA
Pela primeira vez em toda a história a população urbana é maior do que a rural e
essa alteração veloz do território contribui para surgir e ampliar os impactos na
paisagem natural. Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – em apenas 60 anos o Brasil passou a abrigar a maior parte da sua
população nas cidades: em 1940, o país detinha apenas 31,3% de sua população nas
áreas urbanas, passando para 81,2% após o ano 2000.
A região da América Latina e do Caribe hoje possuem uma taxa de urbanização
em torno de 80%, a mais elevada do planeta, sendo praticamente o dobro das taxas
da África e Ásia, apontam os estudos da ONU-Habitat (2012) sobre os estados das
cidades da América Latina e Caribe, como demonstra a figura abaixo.
Figura 03. Taxas de urbanização da América Latina e Caribe nos anos 1950 e 2010.
Fonte: ONU-Habitat, 2012, p.21
As mudanças que veem ocorrendo de forma acelerada nesse meio construído pelo
homem têm relação com o crescimento desordenado, conforme afirma Silveira (2002),
e é muito comum nas grandes e médias cidades, pois seu desenvolvimento, muitas
vezes, não obedece aos condicionamentos biofísicos do lugar original de implantação.
21
pode ser considerada origem do termo ecologia urbana. Ainda segundo o autor citado,
somente por volta de 1960 a importância da ecologia como matéria de estudo se torna
relevante frente à sociedade em geral, quando uma crise ambiental foi reconhecida,
fazendo com que a disciplina da ecologia não só se tornasse uma área de
conhecimento que busca entender os processos que ocorrem nos ecossistemas, seja
ele construído ou natural, como também uma solução para a crise ambiental.
Berdoulay (1997) aponta que o estudo sobre a ecologia urbana teve início na
França por um interesse de renovação da modernidade, construindo uma alternativa
possível ao “urbanismo racional”. É através da pesquisa da ecologia urbana que se
pode fornecer uma nova interpretação das cidades e também da forma como se agir.
Seu alcance operacional é grande, pois afirma com precisão as modalidades de
gestão dos elementos da natureza na cidade (BERDOULAY, 1997). É importante
ressaltar que a ecologia urbana vai além do estudo das áreas verdes presentes em
uma cidade, sendo uma matéria que considera todos os espaços e suas variedades.
Tal motivo levou o autor Forman (2014) a considerar este estudo como uma “ecologia
de mosaicos urbanos”.
A ecologia urbana, pela visão de Berdoulay (1997) é uma expressão que remete
a todo um feixe de aspirações sociais, de preocupações e de apostas metodológicas
envolvendo ao mesmo tempo a pesquisa fundamental e a ação. Atualmente, a
população vem mudando o seu olhar sobre o mundo e a natureza, ganhando uma
maior conscientização de sua própria responsabilidade ambiental. Os impactos
causados pela ocupação humana desordenada, dirigiu o olhar mais profundo para as
cidades, conectado não somente com as áreas do planejamento e arquitetura, mas
como também com a ecologia e a biologia. Berdoulay (1997) afirma que por trás da
ecologia urbana existe toda uma aspiração de mudar a relação com as condições de
vida que são fundamentalmente urbanas. Para muitos autores os termos ecologia e
urbanização possuem conceitos contrastantes, porém Forman (2014) defende que
trabalho dos ecologistas urbanos deve dissipar esta perspectiva, já que o que dois
conceitos se sobrepõem e são compatíveis, ao invés de contrastantes. Desta forma,
entende-se que o território construído e a ecologia se complementam e podem,
através dos estudos da ecologia urbana, desenvolver-se de forma equilibrada,
gerando menos impactos ao meio ambiente e ao homem.
24
Figura 04. Habitações em palafitas nas margens do Rio Negro, Manaus – Amazonas.
Fonte: disponível em: https://www.flickr.com/photos/clovisferreira/35948717495 acesso em
10/05/2017
planejamento urbano com foco na proteção e preservação das áreas verdes e dos
recursos hídricos, bem como planejar a forma de ocupação do território.
Para que a sociedade possa desenvolver-se sem gerar impactos no
ecossistema, deve existir uma busca pelo equilíbrio entre a retirada de recursos
naturais, o crescimento populacional e a natureza ao seu redor, sendo todos estes
fatores diretamente influenciados pela forma de gestão adotada pelo país, estado e
município.
O mundo tem se tornado cada vez mais populoso, com a formação acelerada de
extensas aglomerações urbanas. Toda cidade precisa promover a sua manutenção,
retirando da natureza os recursos necessários para sua sobrevivência: tira-se dela a
água, a energia, a matéria prima, entre outros, transformando-os em produtos e
eliminando resíduos. Esta equação resulta em um desequilíbrio ambiental, uma vez
que o crescimento da população mundial está em constante aumento e concentrada
principalmente nas zonas urbanas, tonando cada vez mais necessária a retirada
destes recursos para a sobrevivência.
De acordo com a ONU-Habitat (2012), os ecossistemas têm papel nas cidades de
regular o clima, proteger contra riscos de desastres naturais, satisfazer as
necessidades energéticas, dar suporte à agricultura, prevenir a erosão do solo e
propiciar recreação para os homens. Contudo foram os próprios seres humanos
modernos que dominaram a arte da substituição de ecossistemas (ADLER; TANNER,
2015).
Os estudos dos ecossistemas urbanos surgiram em 1970 quando pesquisadores
focaram seus estudos nos fluxos de nutrientes e matérias nas zonas urbanas, segundo
Forman (2014). Estes estudos estavam diretamente ligados às questões de saúde
pública.
Figura 08. Habitat Construído em São Paulo Figura 09. Habitat Verde ou Paisagem
– Edificações e Ruas Verde - Jardim Botânico, São Paulo -
Fonte: Arquivo pessoal Parque Urbano
Fonte: Arquivo pessoal
31
nos assuntos urbanos, a primeira questão colocada é sobre a presença dos rios e do
abastecimento de água. Contudo, estas águas podem sem encontradas em forma de
charcos (áreas onde o solo está úmido e com presença de água que acabam por
desaparecer da paisagem urbana pelo processo de impermeabilização do solo), rios,
lagos, lençóis freáticos (águas subterrâneas), águas pluviais e águas residuais. Adler
e Tanner (2015) afirmam que a maioria das pesquisas relativas aos habitats aquáticos
e à urbanização tem se concentrado na água que entra e sai da cidade, mas os
habitats costeiros vizinhos também são profundamente influenciados pela
urbanização.
Em uma bacia hidrográfica sem a ação antropogênica todos os elementos se
mostram bem definidos pela topografia do terreno, como representado na figura 09.
Já nas bacias urbanas, estes elementos se tornam imperceptíveis. As ruas tomam o
lugar dos afluentes: a água só aparece quando chove, ou é confinada nas tubulações
de drenagem e um simples valão ou canal de concreto pode ser o “rio principal”,
conforme afirma o texto “bacias urbanas” disposto no site da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro.
Figura 13. Bacia urbana: Rio Tietê retificado em São Paulo-São Paulo.
Fonte: http://sanderlei.com.br/PT/Silveira/Sao-Paulo/Sao-Paulo-Historia-Geografia-52
acesso em: 05/06/2017
Figura 14. A paisagem azul modificada pelo homem: Rio Tamanduateí canalizado em São
Paulo-São Paulo.
Fonte: https://jornaldoporao.wordpress.com/tag/canada/ acesso em 10/06/2017
34
Poucos são os indivíduos que têm noção de que habitam uma bacia
hidrográfica, a compõem e são elementos que interagem dentro de um
sistema, cujo funcionamento também depende as suas ações. Se nas
áreas rurais essa visão é tênue, nas áreas urbanas ela é ainda mais
nebulosa, pois muitas vezes os rios são “invisíveis”. Como muitos
correm em canais fechados e subterrâneos, eles não são vistos.
(BOTELHO, 2011, p. 79).
P + Ia + Iu = E + T + R + G + W + ΔS
Desta forma, pode-se afirmar que ao se tratar das águas pluviais urbanas e o
ciclo hidrológico é preciso envolver diversos setores diferenciados dentro de um
município de forma integrada, uma vez que a água da chuva se comporta de maneira
a envolver não só as questões de drenagem quanto também as questões de
saneamento básico e tratamento de esgotos, ocupação e uso do solo urbano, dentre
outros, que compete aos gestores em escala nacional, estadual e municipal.
42
demonstra quais outros setores da gestão urbana estão ligados às águas pluviais e
como eles se interrelacionam:
Figura 19: Relação entre águas pluviais e outros setores de gestão urbana
Fonte: produzido pela autora a partir de ICLEI (2011, p. 17).
aos gestores, também, as ações de manutenção destas obras e medidas. Uma das
maiores preocupações quanto à implantação de um GIAU por parte dos gestores
públicos é o custo de sua operação, pois as medidas tendem a serem tomadas em
locais de alta vulnerabilidade, já castigados por enchentes e alagamentos, portanto a
execução deve ser rápida e de baixo custo. Por outro lado, é dentro dos próprios
órgãos públicos que os riscos nestes locais de vulnerabilidade podem ser evitados ou
controlados, através de leis, decretos, normas e diretrizes que direcionam o processo
de urbanização já com medidas sustentáveis, como por exemplo a obrigação por parte
dos proprietários nas regiões de alto risco de alagamentos de, no ato da construção,
executarem medidas de controle de escoamento das águas dentro do próprio lote.
Na gestão sustentável das águas urbanas os projetos e planos de drenagem
são uma combinação de soluções estruturantes e soluções não estruturantes.
As medidas não estruturantes de gestão estão baseadas em soluções que não
exigem a execução de obras por parte dos gestores, com efeitos positivos a longo
prazo. Os principais exemplos de medidas não estruturantes são os Planos Diretores
de Drenagem Urbana – PDDrUs e as leis e uso e ocupação do solo. Uma
infraestrutura urbana instalada de forma desorganizada causa problemas na
drenagem, obstruindo caminhos de escoamento, obras de drenagem inadequadas,
aterros, reduções na secção de escoamento, entre outros.
Enquanto os PDDrUs trabalham com diagnósticos e diretrizes, as leis de uso
e ocupação do solo podem regular o processo de urbanização de dentro para fora, ou
seja, ao se tornar obrigatório, por exemplo, que todos os lotes com edificações
possuam uma percentagem mínima de solo permeável em suas áreas de recuos, uma
parcela de água que escoaria superficialmente será absorvida na fonte, resultando em
menor volume de escoamento para os sistemas de drenagem existentes. Tal exemplo
é presente na maioria das leis municipais das cidades brasileiras, porém, muitas
vezes, é seguida à risca somente em fase de aprovação de projetos. As leis, neste
caso, possuem papel determinante para mitigação dos impactos a longo prazo, mas
necessitam de intensa e constante fiscalização de sua aplicação, em especial nas
áreas já ocupadas e consolidadas.
Figura 27: Desenho técnico da pavimentação em concreto permeável com infiltração total
no solo.
Fonte: ABCP (2012, p. 17).
58
Figura 30: Esquema de sistema baseado na gravidade para captação de águas pluviais.
Fonte: CIRIA (2015, p. 210)
Estes dois sistemas são, devido sua eficácia de ação em grandes áreas à
serem drenadas, um dos SUDS mais adotados como solução para os alagamentos
urbanos. Segundo Righetto (2009, p. 37), os sistemas de retenção podem ser
divididos de duas formas: bacias de detenção e bacias de retenção.
Os reservatórios de retenção são soluções de grande sucesso na região
metropolitana de São Paulo e cidades de médio porte brasileiras (Righetto, 2009, p.
24). neste modelo o volume escoado é retido, existindo assim uma lâmina d’água
permanente que sofre uma pequena redução por infiltração. O sistema também conta
com tratamento natural para as águas retidas. A eficácia em grandes eventos é
verificada devido à sua capacidade de retenção ser bem maior que o volume
permanente do lago (RIGHETTO, 2009, p.39).
As bacias de detenção podem ser dispostas de duas formas diferentes, que vão
de acordo com o curso d’água existente na sua área de influencia de drenagem. O
primeiro sistema é chamado de “in line” ou em série, e seu sistema funciona
conjuntamente na mesma cota do curso d’água. É recomendado para áreas onde há
disponibilidade de espaço para sua implantação. Já os reservatórios ditos “off line”,
ou em paralelos, trabalham fora do curso natural de escoamento de água, e são
recomendados para áreas densamente ocupadas. Neste caso, comumente há a
necessidade de utilização de bombas para o esvaziamento do reservatório, o que
encarece a implantação, operação e manutenção da estrutura (ABCP, 2012, p.06).
66
Além destes exemplos, diversos outros sistemas não convencionais podem ser
adotados, tanto em áreas urbanizadas já consolidadas quanto nas áreas passíveis de
urbanização. No Brasil, o processo de adoção destes sistemas é lento, e se dá pela
falta de integração entre a adoção de sistemas estruturantes e não estruturantes,
sendo necessário maior intervenção por parte dos gestores públicos, profissionais
responsáveis e população no processo de urbanização. A existência de Planos
Diretores, embora tragam a vantagem do diagnóstico e auxilio na tomada de decisões,
não são suficientes para a mudança de pensamento e padrões adotados durante
décadas no país. Os investimentos públicos na drenagem urbana têm valorizado
intervenções estruturais em detrimento das não estruturais, afirma Righetto (2009, p.
67).
67
Conforme afirma Alves (2003, p. 58) a ocupação das terras do Piauí ocorreu na
segunda metade do século XVII e se iniciou pela costa leste e sul do território, pelas
margens dos rios Piauí, Canidé, Paraim e Gurguéia. A primeira capital do estado,
Oeiras, que foi fundada na Vila do Mocha em 1758, também se localizava às margens
do Rio Piauí. Tais fatores apontam que a água foi um direcionador da ocupação dos
sertões, conduzindo os rebanhos de gado até meados do século XVIII, época na qual
a atividade pecuarista aponta os primeiros sinais de declínio.
A crise profunda e progressiva da pecuária no Piauí, ocorrida no século XIX,
tornou-se um modificador da ocupação territorial do espaço. Tal decadência deve-se
principalmente pelo caráter rudimentar de seu modelo, baseado em uma atividade de
exploração extensiva em grandes latifúndios. Os núcleos urbanos eram escassos,
dificultando também as relações comerciais. Segundo Alves (2003, p.73) o gado era
vendido por um preço mais elevado em razão dos custos e dos transportes e chegava
nas feiras longínquas cansado e magro. A posição geográfica da capital Oeiras
68
Figura 38: Mapa do estado do Piauí, localizando a antiga capital Oeiras e a nova capital
Teresina.
Fonte: elaborado pela autora a partir de Google Earth.
69
Teresina teve seu local escolhido no ano de 1852 pelo Conselheiro Saraiva,
Presidente da Província do Piauí, na vila de pescadores denominada Vila do Poti,
próximo à confluência dos rios Parnaíba e Poti.
moradores locais por se tratar de uma região onde havia uma pousada – construída
pelo Governador Landri Sales – que servia de parada de descanso para os homens e
para os animais de carga que transportavam produtos para o centro da cidade.
Segundo Lima (2002, p.187), os sítios e as fazendas foram se incorporando à
cidade, fazendo nascer bairros com traçado de ruas e avenidas que não mais
obedeciam à forma tabuleiro de xadrez. A forma urbana tonou-se de caráter
espontâneo, comprometendo o plano inicial regular e causando os primeiros
problemas ambientais. Identifica-se que neste período surgiram as primeiras ações
provocadas pelo homem que, ao longo dos anos, provocaram os problemas de
drenagem existentes atualmente.
1
Arbusto nativo da caatinga encontrado no semiárido nordestino e centro oeste do Brasil.
2
Cera retirada das folhas da palmeira carnaúba, presente nos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte.
Comumente utilizada para cobertura de pisos, automóveis, tintas, vernizes, entre outros.
3
Palmeira presente em abundância na região dos estados de Mato Grosso, Goiás Tocantins, Maranhão e Piauí.
Seu fruto pode ser utilizado em diversas formas, tais como para fabricação de farinha e óleo.
72
Figura 41: Mapa do Piauí com a localização das cidades de Floriano, Amarante, Teresina,
União e Parnaíba.
Fonte: elaborado pela autora a partir de Google Earth.
Teresina teve, até metade do século XX, um crescimento para as regiões norte
e sul, uma vez que a sua característica geográfica em forma de península
impossibilitava o crescimento para as demais áreas. A presença dos rios, neste
momento, apenas limitava a expansão urbana.
Figura 44: Grotão localizado na atual Avenida José dos Santos e Silva, em 1930.
Fonte: http://teresinaantiga.com/pontilhao-sobre-o-barrocao.php acesso em 21/08/2017
acordo com Mello Sales (2004, p.03), as políticas governamentais, embora ajudassem
na preservação do verde local com o intuito de embelezamento, captando o gás
carbônico produzido no local, também trouxeram alguns prejuízos importantes para
sua preservação. Até o final do século XX já poderiam ser identificados vários dos
problemas ambientais causados pela urbanização de Teresina, tais como a ocupação
irregular de área de várzeas, que somada à falta de saneamento básico acarretou na
poluição dos rios Poti e Parnaíba.
De acordo com os dados da IBGE (2010), a população total da cidade no ano
de 1970 era de 220.487 habitantes, passando para o total estimado de 844.245
habitantes no ano de 2015. Somente na década de 70, a população de Teresina
cresceu aproximadamente 160 mil habitantes, concentrando um contingente
populacional superior ao que absorvia a zona urbana de todo o estado do Piauí,
conforme Moura (2006, p.88). A dinâmica populacional e seu crescimento geométrico
trás consigo uma maior demanda de espaços, habitações e urbanização.
A expansão para a região norte foi evitada no Plano Saraiva por se tratar de
uma área de risco de enchentes, e posteriormente a ocupação dessa área voltou a
ser incentivada pelo governo.
79
Figura 48: Vista aérea do Teresina Shopping e parte do Parque Potycabana, construídos
após aterro da Lagoa dos Noivos.
Fonte: http://grupoclaudino.com.br/foto/teresina-shopping/ acesso em 20/08/2017
A forte presença dos recursos hídricos foi desconsiderada por anos durante o
processo de expansão da cidade de Teresina, ocorridos principalmente após 1950.
Com base na afirmação de Rogers (2013), é uma ironia que as cidades, o habitat da
humanidade, caracterizem-se como o maior agente destruidor do ecossistema. Em
Teresina, sua rápida urbanização e seu crescimento, que ocorreram especialmente
por conta das políticas públicas habitacionais, foi provocando a supressão de áreas
verdes, impermeabilização do solo e alteração do ecossistema natural, fato estes que
moldaram a atual configuração da cidade e as atuais ações do poder público
referentes ao desenvolvimento urbano.
A urbanização causou alterações no ciclo hidrológico urbano provocando os
alagamentos urbanos. Após o ano de 2012, a Prefeitura Municipal de Teresina propõe
medidas não estruturais para prevenção dos episódios. A Secretaria Municipal de
Meio Ambiente e Recursos Hídricos - SEMAM, criada pela lei complementar nº
3.616/2007, tornou-se o órgão responsável quanto às questões ambientais, como a
preservação e o uso sustentável dos recursos naturais. Dentre os objetivos da
SEMAM encontra-se a promoção de uma maior articulação entre secretarias no
82
4
Ferramenta de análise empresarial voltada para o planejamento estratégico com base no estudo das forças, fraquezas,
oportunidades e ameaças.
83
após o ano de 2012. A alteração do solo natural permeável para impermeável bem
como as obras de terraplanagem alteraram o ciclo hidrológico natural e o
comportamento de drenagem da sub-bacia em questão, ocasionando em
alagamentos que chegam a ter, em seu estado mais crítico, uma lâmina de água de
90 centímetros. A figura abaixo demonstra o alagamento causado por escoamento
das águas pluviais na área do residencial Torquato Neto.
4.1 A sub-bacia PE 31
pela lei municipal nº 3.651/2006, que permitia que glebas coladas a este limite fossem
consideradas urbanas, aprovando o parcelamento do solo e a criação de novos
loteamentos e empreendimentos na periferia.
Observa-se nas imagens abaixo que entre os anos de 2005 e 2009 a área
urbanizada da sub-bacia PE 31 não apresentou grande expansão:
4.2.1 Setor 01
4.2.2 Setor 02
4.2.3 Setor 03
Figura 67. Passeio público no bairro Portal da Alegria com cotas superiores a 30
centímetros Fonte: Acervo Pessoal
Além dos transtornos causados pelo forte escoamento de águas na sub-bacia
PE 31 durante a precipitação, é possível observar que a velocidade das águas
degrada as vias públicas, causando erosão, destruindo a pavimentação existente e
acumulando os resíduos sólidos no seu entorno.
103
Figura 69. Via pública danificada no residencial Torquato Neto em setembro de 2017.
Fonte: Acervo Pessoal
104
Figura 70. Via pública danificada no bairro Portal da Alegria em setembro de 2017.
Fonte: Acervo Pessoal
Figura 73. Prancha padrão do projeto de drenagem integrado para drenagem das águas
pluviais na PE 31.
Fonte: SEMPLAN
CONSIDERAÇÕES FINAIS
bacia, ainda há forte presença das medidas convencionais de drenagem urbana, que
visa retirar a água do local sem os devidos tratamentos. Outro fator observado foi a
falta de detalhamentos de projetos de arquitetura e paisagismo, deixando a desejar
um dos itens requeridos pela gestão integrada e sustentável de drenagem urbana,
que é o valor paisagístico.
Os planos ditos não estruturantes e estruturantes para a área em estudo,
devido à sua recente implantação, poderão ter a sua eficiência analisada apenas após
os anos que se seguem. Sugere-se, então, o estudo aprofundado segundo os critérios
de avaliação da drenagem urbana sustentável para avaliação de sua eficácia ao longo
dos anos, com a finalidade de aperfeiçoar os planos existentes.
Fica o questionamento: Sem a obrigatoriedade de um plano diretor de
drenagem urbana sustentável e de um plano de sistema integrado de drenagem
urbana, que foram elaborados somente após a necessidade de intervenção nas áreas
já urbanizadas, teríamos uma política voltada à preservação e manutenção do ciclo
hidrológico natural na cidade de Teresina e, em especial, nas sub-bacias afetadas
pela intensa urbanização?
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REFERÊNCIAS
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