Você está na página 1de 7

Ficha Técnica:

Tipo de Documento: Tese de Doutorado


Título: A noção de “ambiente” em Gustavo
Giovannoni e as leis de tutela do patrimônio
cultural na Itália
Editora: IAU/USP
Cidade: São Carlos
Ano: 2013
Número de Páginas: 200
DOI: 10.11606/T.102.2013.tde-25062014-093621

Autora: Renata Campello Cabral

Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de


Pernambuco (1999) e mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo
(2003 e 2013). Teve tese de doutorado premiada pela CAPES, Anparq e USP
em 2014. Realizou pós-doutoramento no Instituto Superior Técnico da
Universidade de Lisboa (2019). É Professora Adjunta na Universidade Federal
de Pernambuco e membro do ICOMOS-Brasil.

Resumo:

Esta resenha apresenta a tese A noção de “ambiente” em Gustavo Giovannoni


e as leis de tutela do patrimônio cultural na Itália estruturada através da íntima
relação da teoria e prática do engenheiro romano com as normas locais e
internacionais

Abstract:
This review presents the thesis The idea of “ambiente” in the work of Gustavo
Giovannoni and laws protecting italian cultural heritage, structured through the
intimate relationship of the theory and practice of the roman engineer with the
local and international norms
Resenha:

Através de uma fluida e prazerosa leitura da tese de doutoramento aqui


apresentada, intitulada A noção de “ambiente” em Gustavo Giovannoni e as leis
de tutela do patrimônio cultural na Itália, construída por Renata Campello Cabral
sob a orientação de Carlos Roberto Monteiro de Andrade, entre os anos de 2011
e 2013, se torna clara a percepção de dois aspectos de suma importância em
trabalhos científicos deste quilate.

O primeiro aspecto que identifico é o grande esforço de pesquisa da autora que


se mostra evidente nos diversos momentos de contato com inúmeros arquivos e
bibliotecas italianas. Esforço este que possibilitou o acesso a diversas fontes
primárias e outros documentos importantes como cartas, pareceres, minutas, e
demais textos que contribuíram enormemente com a pesquisa e certamente
contribuirão com continuidade dos estudos para a evolução de diversos
conceitos inerentes ao Patrimônio Cultural, quando pensado a partir da noção
de ambiente, de entorno e de vizinhança. Assunto discutido através dos estudos
do Patrimônio Urbano, iniciados no século XIX, mas ainda com diversas lacunas
a serem preenchidas nos dias de hoje, inclusive algumas gentilmente apontadas
pela própria autora ao final do trabalho.

Um segundo aspecto que vale ser destacado é o caráter de ineditismo trazido


pela mesma quando nos apresenta, como fato novo, que muitas das ideias que
eram defendidas por Giovannoni para que fossem integradas as leis de tutela do
patrimônio cultural italiano já eram colocadas em prática em seus pareceres
técnicos. À exemplo destes documentos, Renata também lança luz à importante
produção de Giovannoni, após um longo período de silêncio acadêmico,
quebrado primeiramente em âmbito internacional com maior relevância por
Françoise Choay¹ (1979) e mais recentemente no Brasil pelos escritos
organizados por Beatriz Kühl² (2013) e pela tese aqui apresentada.

Este momento de esquecimento, que dura desde a data do seu falecimento na


década de 1940 até a década de 1960, pode ser explicado na obra de Freitas e
Carsalade³ (2020), em certa medida, por sua clara aversão e crítica não somente
à arquitetura modernista, mas a maneira com que o urbanismo progressista
tratou a tecitura das cidades em diversas intervenções propostas para áreas
urbanas centrais na Itália. O período do pós-guerra foi marcado por grande
quantidade de intervenções que destruíram e reconstruíram grandes porções do
território, fator que explica a não utilização da produção de Giovannoni, pautada
no alinhamento ao urbanismo culturalista, seguindo os preceitos de Camillo Sitte,
arquiteto austríaco que o influenciou.

Em contraponto ao urbanismo progressista, Gustavo Giovannoni e Camilo Sitte


defendiam a importância de proteger e preservar as preexistências, fato difícil de
ser conciliado no contexto do fascismo italiano da época, onde o discurso
modernista e a inserção do “novo” eram predominantes, tanto no sentido de
construir edificações novas como no de reconstruir e alterar edificações já
existentes (KÜHL, 2013).

A tese de Renata, organizada de forma extremamente clara e objetiva em cinco


principais partes, é iniciada por sua seção introdutória, intitulada Gustavo
Giovannoni e a noção de “ambiente”: o fio condutor da narrativa, onde a autora
nos apresenta o personagem que permeia todo o trabalho. Engenheiro Civil
formado no ano de 1895 e especialista em História da Arte, Giovannoni conciliou
sua atuação como profissional de projeto de novas edificações e de restauro com
sua atuação como teórico, não apenas da área do Patrimônio Cultural, mas
também de História da Arquitetura e do Urbanismo. Foi um dos maiores
entusiastas nas melhorias no ensino de formação do arquiteto na época,
chegando a ser diretor da Escola Superior de Arquitetura de Roma, entre os anos
de 1927 e 1935.

É a partir de sua noção de “ambiente”, conceito central de sua produção na área


do Patrimônio Cultural, inserido nos documentos técnicos de sua autoria e nos
documentos normativos e legislações as quais ajudou a criar que são
desenvolvidas percepções que possibilitam atenção à preservação da
arquitetura menor dos antigos núcleos urbanos. Sua atuação ecoa o
pensamento de inúmeros outros teóricos que o antecederam e que
apresentaram a mesma sensibilidade e preocupação com o contexto urbano que
marcavam a identidade das cidades europeias.

Fechando a introdução do trabalho, a autora disserta ainda sobre as condições


e escolhas que levaram à definição do assunto, a partir de sua aproximação com
o tema e com pessoas chave no processo da pesquisa. Em seguida são
apresentados mais quatro capítulos.

No primeiro capítulo, intitulado De “luz e perspectiva” a “ambiente”: a legislação


de tutela das “coisas de interesse artístico ou histórico”, é feita a análise da
trajetória da jurisprudência que relaciona as noções de “luz” e “perspectiva”
àquela de “ambiente” e da participação de Giovannoni na construção de diversos
documentos normativos citados. É realizado um percurso sobre diversas leis,
pareceres e outros documentos técnicos que apontam a evolução de termos
antecedentes à noção de “ambiente” e o desafio da atuação na defesa da
proteção e preservação dos monumentos e seu entorno a partir da carência de
embasamento jurídico e de consenso sobre o assunto.

Nesse sentido, é interessante perceber que o início dos trabalhos referentes às


políticas nacionais de salvaguarda do patrimônio no Brasil também enfrentou
problemas semelhantes do ponto de vista jurídico, pela inexistência de casos
anteriores e de experiência prática e teórica dos atores envolvidos nos primeiros
processos referentes à proteção do patrimônio cultural em nível federal, a partir
da criação do Sphan em 1936 e do início do Estado Novo, em 1937, como aponta
Fonseca4 (2017).

No segundo capítulo, intitulado “Elementos de paisagem” entre estética e


tradição: a legislação de tutela das belezas naturais de 1922 e 1939, a autora
nos apresenta um percurso que se dá pelas leis voltadas à preservação e
proteção das chamadas “belezas naturais”, os “ambientes tradicionais dos
lugares” e as “belezas panorâmicas”, um caminho importante para que
alargassem a escala territorial e o alcance da conservação destes ambientes.

Com a nítida influência de atuação de Giovannoni, o conceito de “ambiente”


anteriormente atribuído à espaços propriamente urbanos, se articula neste
período com os conceitos de “elementos da paisagem” e “ambiente tradicional
dos lugares”, tornando possível tutelar, a partir de então, vistas e paisagens de
espaços híbridos, produzidos a partir da ação humana, mas não
necessariamente urbanos. Ampliando-se assim o poder de atuação das leis de
tutela do patrimônio, que passaram a alcançar lugares que não obrigatoriamente
contavam com a presença de grandes monumentos ou conjuntos marcantes,
mas com paisagens historicamente e culturalmente relevantes.

No terceiro capítulo, intitulado “Panorama-visual”, “panorama-quadro” e


“complexos”: os instrumentos de controle, verifica-se de que forma as práticas
de preservação se deram a partir dos instrumentos legais já citados
anteriormente, fazendo crescer uma cultura visual que se torna importante para
a proteção do patrimônio na época.

Através dos exemplos citados neste trecho do trabalho, é importante destacar a


fundamental participação de Giovannoni como consultor ministerial. Ele defendia
um modo atuação “caso a caso”, no julgamento e na produção de documentos
técnicos que ajudaram a proteger contextos arquitetônicos e histórico-culturais
relevantes, frente as possibilidades e projetos de novas construções que
certamente prejudicariam a homogeneidade e os “panoramas-visuais” por
intermédio de edificações vistos como inadequados.

Este mesmo modo de atuação é praticado ainda hoje no Brasil, que possui suas
zonas de proteção do Patrimônio Cultural Edificado e poligonais de entorno
possuidoras de parâmetros urbanísticos básicos, onde as propostas de
intervenção nestas áreas também passam, ou deveriam passar, pelo crivo de
órgãos estatais de controle e tutela. Certamente herdamos os conceitos criados
e evoluídos a partir das ações trazidas pela Itália e por outros países europeus
que foram precursores na criação e desenvolvimento de políticas públicas de
proteção e preservação do Patrimônio Cultural.

No quarto e último capítulo, intitulado O “ambiente” entre restauro e


planejamento urbano: a Carta de Atenas de 1931 e o que ficou fora dela, a autora
aborda a participação de Giovannoni no congresso, desde algumas de suas
reflexões sobre a relação entre conservação e planejamento nas cidades
contemporâneas à aprovação do documento.

O mesmo ano que marcou a produção e apresentação da primeira carta


internacional que dá enfoque ao tema do restauro, foi também um ano de grande
atuação de Giovannoni e de produção robusta de sua obra, com a publicação de
textos e do livro Vecchie Cittá cujo foco nas reflexões sobre o planejamento
urbano, com destaque na conservação da “velha cidade” não se observa
consonância na Carta de Atenas, que se distanciou de questões urbanísticas.
Apesar disso, é claramente perceptível o alinhamento do que traz a Carta de
Atenas com a produção teórica e as discussões pertinentes à obra de
Giovannoni.

Posso apontar que o principal contributo do trabalho apresentado seja a


sistematização do legado da produção e da atuação de Gustavo Giovannoni,
com foco tanto na sua atuação no campo legislativo como na sua atuação prática
projetual e consultiva e, a partir dela, a possibilidade de relacionarmos este
legado às discussões contemporâneas sobre as intervenções no entorno dos
conjuntos urbanos de nossas cidades.

A partir da relação harmônica do novo com o antigo, da necessidade de respeito


à preexistência, aspectos tão caros à produção e ao pensamento de Giovannoni,
podemos transportar seu aporte teórico para o presente, tratado com as devidas
adaptações, e utilizá-lo como ponto de inflexão de questionamentos e
problemáticas cada vez mais complexas, fruto das novas necessidades
inerentes ao desenvolvimento das cidades e seus novos programas.
Referências:

1 - CHOAY, Françoise. O urbanismo: utopias e realidades -uma antologia,


São Paulo: Editora Perspectiva, 1979.

2 - KÜHL, Beatriz Mugayar (orgs.). Gustavo Giovannoni: Textos escolhidos, São


Paulo: Ateliê Editorial, 2013.

3 - Silva Freitas, F., & de Lemos Carsalade, F. (2020). ENTRE


PROGRESSISTAS E CULTURALISTAS: DIÁLOGOS DE GUSTAVO
GIOVANNONI SOB O OLHAR DE FRANÇOISE CHOAY. Revista FÓRUM
PATRIMÔNIO: Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável, 11(2).

4 - FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da


política federal de preservação no Brasil. 4 ed. ver. ampl. Rio de Janeiro: UFRJ,
2017.

Você também pode gostar