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III.

Bacias Sedimentares da Margem Continental Brasileira 99

F igura I I I .7 – Modelo geodinâmi co esquemá t i co da margem Figure III.7 – Schematic geodynamic model of the divergent continental
continental divergente m argin
100 Parte I – Geologia

em ampla área na regi ão do ri f t e, para um centro de a deposição carbonática e resultando na acumulação de


espalhamento localizado na cordilheira meso-atlântica (Harry sedimentos marinhos de águas profundas (Fig. 7e). Ao final
e Sawyer, 1992). Esta fase é também associada com episódios do Cretáceo a margem sudeste é afetada por maciço aporte
de magmatismo continental e oceânico, reativação de grandes sedimentar relacionado ao soerguimento da Serra do Mar e
falhas e erosão de blocos de rifte por uma discordância regional da Serra da Mantiqueira, resultando em notável progradação
que arrasa a topografia anterior e separa ambientes de de siliciclásticos, formando grandes cunhas sedimentares que
deposição tipicamente continental (lacustrino e fluvial) de avançam na direção da quebra de plataforma e forçando uma
ambientes transicionais e marinhos (Fig. 7d). regressão marinha. Esses episódios são também associados a
Sobre essa discordância angular e abaixo de sedimentos rea t ivações de f a lhas do embasamen to e a episódios
da seqüência transicional evaporítica, algumas bacias registram magmáticos (Cainelli e Mohriak, 1998).
uma espessura significativa de sedimentos aptianos, pouco
afetados por falhas, que constituem uma seqüência sedimentar Modelos evolutivos da margem transformante
do estágio final de rifte (sag basin) e que localmente podem
dar origem a rochas geradoras de hidrocarbonetos (Henry e Três principais estágios podem ser caracterizados na margem
Brumbaugh, 1995). Essa seqüência é coberta por sedimentos equa t ori a l do A t l ân t i co Sul : pré- t ransforman t e , si n-
evaporíticos no Aptiano Superior, e subseqüentemente, a transformante e pós-transformante (Mascle e Blarez, 1987;
sedimentação torna-se predominantemente carbonática, com Mascle et al . 1997; Matos, 2000; Bird, 2001).
o período Albiano dominado por plataformas de águas rasas. A Fig. I I I.8 mostra esquematicamente a separação da
Ao fim desse int ervalo, adentrando no Cenomaniano e placa sul-americana da placa africana por meio de falhas
Turoniano, ocorre um aumento de paleobatimetria, terminando transformantes, condicionando diferentes estágios evolutivos

F igura I I I .8 – Mode lo
geodinâmico esquemá-
t ico da margem cont i-
nental transformante

Figure I I I.8 – Sche m atic


geodynamic model of the
transfor m cont inent a l
m argin
III. Bacias Sedimentares da Margem Continental Brasileira 101

das bacias sedimentares. O primeiro estágio inclui a fase de Feições tectônicas crustais e evolução geodinâmica
sedimentação pré-transtensão (pré-Barremiano) e a fase sin-
transt ensão (Barremi ano a Apt i ano) , quando esforços Neste item serão discutidas algumas feições tectônicas crustais,
transtensionais criaram uma série de depocentros com direção como a caracterização da descontinuidade de Mohorovicic,
NW–SE, dispostos en-echelon (Matos, 1999a). falhas crustais, cunhas de refletores mergulhantes para o
O estágio sin-transformante (Albiano a Cenomaniano) inclui mar ( SDR ) e transição de crosta continental para crosta
segmentos dominados por transtensão com cisalhamento puro oceânica. Será também discutida a evolução cronológica do
(falhamentos extensionais normais), limitados por zonas rifteamento continental e sua evolução para a formação de
cisalhant es discret as, como em Barreirinhas, e regiões crosta oceânica.
dominadas por cisalhamento do tipo wrench , com transtensão A Fig. III.9 mostra uma seção sísmica na porção noroeste
e transpressão. No segmento entre Piauí e Ceará–Acaraú da Bacia de Campos, com proeminentes refletores sísmicos
observam-se grandes feições compressionais, como falhas de profundos observados na parte inferior da seção. Esses
empurrão , resul t ados do e n cur t ame n t o crus t a l e do refletores profundos aparentemente marcam a transição de
soerguimento dos sedimentos dos depocentros anteriormente uma crosta média a inferior, composta por rochas granulíticas
formados. A fase sin-transformante também apresenta uma do embasamento pré-cambriano, com assinatura sísmica mais
fase de margem transformante passiva, quando ocorre contato transparente, para uma crosta inferior mais refletiva, com
entre crosta continental e crosta oceânica por meio de uma topo entre 7 e 8 s (tempo de trânsito duplo). Esses fortes
falha transformante ativa. ref l e tores sísmi cos provavelmen t e est ão assoc i ados a
O estágio pós-transformante é caracterizado principalmente contrastes de impedância entre tipos litológicos distintos, com
pela fase de margem passiva transformante, quando ocorre uma t ransi ç ão para rochas ul t rabási c as (ma t eri a l de
contato contínuo entre segmentos de crosta oceânica ao longo underplating) ou para peridotitos do manto superior (Meissner,
da falha transformante ativa (Fig. III.8). Essa fase é marcada 2000). Esse sistema de refletores sísmicos estende-se para
por uma contínua subsidência e sedimentação na margem 9s a 10s (tempo de trânsito duplo) na região de águas
continental, como resultado do resfriamento e contração profundas, quando ocorre amalgamento com refletores da
térmica da litosfera (Matos, 1999b). descontinuidade de Mohovicic em crosta oceânica, conforme

Figura III.9 – Seção geológica esquemática ao longo da Bacia de Figure III.9 – Schematic geological section along the Campos Basin,
Campos, com modelo de arquitetura crustal with crustal architecture model
102 Parte I – Geologia

sugerido para a Bacia Sergipe–Alagoas (Mohriak et al . 1998b). 220 e 160 Ma, aproximadamente), formando bacias sedimen-
Linhas sísmicas com resolução profunda adquiridas nas tares abortadas, relacionadas ao rifteamento do Atlântico
bacias de Campos, Santos e Espírito Santo, particularmente Nort e, cujas idades de vulcânicas t ambém precedem o
na região da plataforma continental, imageiam estruturas vulcanismo do Cretáceo Inferior comumente observado na
antiformais na base da crosta, as quais são interpretadas margem leste brasileira (Conceição et al . 1988; Milani e Thomaz
como soerguimento do Moho devido ao estiramento litosférico Filho, 2000). O processo de rif teamento foi novamente
e ao afinamento crustal (McKenzie, 1978; Mohriak et al . 1990b; retomado com a abertura da margem equatorial, no Cretáceo
Meisling et al . 2001) ou à acumulação de mat erial de Inferior (entre 140 e 130 Ma), com idades mais jovens de
underplating (Furlong e Fountain, 1986; Mohriak et al . 1990b). rifteamento à medida que se avança para leste na direção da
Em algumas bacias ( e .g., Sergipe–Alagoas e Espírito Santo) Bacia de Pernambuco–Paraíba, atingindo idades entre 135 e
esse refletor é imageado na base da crosta inferior ou na 115 Ma (Conceição et al . 1988).
interface entre crosta média e crosta inferior, marcando um O limite cronológico superior dos falhamentos da fase
forte contraste de impedância que parece coincidir com uma rifte é marcado pela discordância da ruptura continental do
região ou superfície de descolamento para as grandes falhas Gondwana. Essa discordância é freqüentemente designada
do rifte, que provavelmente está associada a mudanças de como break-up unconformity (Falvey, 1974; Falvey e Middleton,
comportamento geológico, com transição de crosta rúptil para 1981) e marca o início de uma fase de quiescência tectônica,
crosta dúctil (Meissner, 2000). baseada na ausência de at ividade expressiva em falhas
O estiramento litosférico que levou à ruptura do Gondwana envolvendo o embasamento e na reduzida atividade sintectônica
e à formação do Atlântico Sul iniciou-se no Mesozóico e controlando deposição de sedimentos pré-sal. O término da
culminou com a formação de crosta oceânica no Cretáceo fase rif te é diácrona ao longo da margem cont inental,
Inferior (Rabinowitz e LaBrecque, 1979; Müller et al . 1997), terminando no Aptiano Inferior a Aptiano Médio na margem
embora haja algumas evidências de rifteamento no Triássico– sudeste e atingindo o Albiano e até mesmo Cretáceo Superior
Jurássico, tanto na extremidade norte da margem divergente na margem nordeste (Matos, 1992).
da placa sul-americana (reflexo da separação entre as placas Os derrames basá l t i cos da Forma ç ão Serra Gera l
do noroeste da África e da região leste da placa norte- (equivalente às lavas Etendeka na Namíbia) são interpretados
americana) quanto na extremidade sul da placa sul-americana como resultado da passagem da pluma termal ou ponto quente
(na região da Argentina). O clímax do rifteamento deu-se no de Tristão da Cunha, durante os estágios precursores ou iniciais
intervalo Jurássico Superior–Cretáceo Inferior, coincidente ou do rifteamento (Turner et al . 1996; White e McKenzie, 1989;
logo após a formação de lavas basálticas (Rabinowitz e Jackson et al . 2000). O enxame de diques da Bacia do Paraná
LaBrecque, 1979; Conceição et al . 1988; Chang et al . 1992, é bem evidente em mapas de anomalias magnéticas e forma
Davison, 1999; Karner, 2000). os c a n a i s a l i me n t adores dos derrames basá l t i cos .
Embora a idade dos sedimentos sinrifte mais antigos ainda Particularmente ao longo dos estados de Santa Catarina e
não seja bem caracterizada em várias bacias, por estarem Paraná , os diques apresen t am direção NW–SE e est ão
muito profundos ( e .g., Bacia de Santos ou Tucano Central), associados a arcos regionais, como o de Ponta Grossa, e
os modelos geodinâmicos indicam que o rifteamento do provavelmente exerceram importante papel na acomodação
Atlântico Sul foi iniciado ao sul (Argentina) e propagou-se dos esforços extensionais entre a região a sul da Bacia de
para o norte como na abertura de um zíper (Rabinowitz e Santos, com crosta oceânica formada, e o segmento de crosta
LaBrecque, 1979; Figueiredo, 1985; Szatmari et al . 1985; continental ainda em rifteamento, mais ao norte (Conceição
Conceição et al . 1988; Davison, 1999; Jackson et al . 2000). et al . 1988; Macedo, 1989). Outros diques, com direções NE–
A ruptura da massa continental na margem nordeste SW, formam um sistema quase que perpendicular ao enxame
brasileira é caracterizada por uma fase inicial de incipiente anterior. Esses diques ocorrem ao longo da borda continental
subsidência com sedimentos continentais lacustrinos e fluviais das bacias de Santos e Campos, particularmente ao longo dos
depositados durante o Jurássico Superior–Cretáceo Inferior Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Os diques têm sido
(aproximadamente 140–130 Ma), associados a bacias de datados no intervalo 133–129 Ma pelo método Ar-Ar e são
subsidência interior (sag basins) que constituem a megasse- aproximadament e cont emporâneos com os derrames de
qüência pré-rifte (Garcia, 1991). Na margem sudeste–sul, entre basaltos tholeiíticos da Bacia do Paraná (Formação Serra Geral)
as bacias de Santos e Pelotas, as fases iniciais de subsidência e da margem continental (Renne et al . 1992; Turner et al .
est ão assoc i adas a derrames de basa l tos t hol e i í t i cos 1994; Misuzaki et al . 2002).
equivalentes aos basaltos da Formação Serra Geral da Bacia Mapas tectônicos com as principais feições da Bacia de
do Paraná (Cainelli e Mohriak, 1998). Santos ( e . g ., Fig. I I I.6) caracterizam a linha de charneira
Na margem equatorial, na região limítrofe com as Guianas, sub-paralela à linha de costa, com uma notável inflexão leste–
há evidências de magmatismo e rifteamento no Jurássico (entre oeste na parte norte, zonas de fraturas oceânicas de direção

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