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História dos

Museus e das
Coleções
Prof.a Alahna Santos da Rosa
Prof.a Julia Maciel Jaeger
Prof. Kimberly Terrany Alves Pires
a

Indaial – 2021
1a Edição
Elaboração:
Prof.a Alahna Santos da Rosa
Prof.a Julia Maciel Jaeger
Prof.a Kimberly Terrany Alves Pires

Copyright © UNIASSELVI 2021

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

R788h

Rosa, Alahna Santos da

História dos museus e das coleções. / Alahna Santos da Rosa; Julia


Maciel Jaeger; Kimberly Terrany Alves Pires. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

196 p.; il.

ISBN 978-65-5663-368-8
ISBN Digital 978-65-5663-364-0

1. Instituições museológicas. - Brasil. I. Rosa, Alahna Santos da. II.


Jaeger, Julia Maciel. III. Pires, Kimberly Terrany Alves. IV. Centro Universitário
Leonardo Da Vinci.

CDD 020

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático História dos Museus
e das Coleções! O conteúdo auxiliará você nos processos de descobrimento e de
compreensão das instituições museológicas e das coleções através dos tempos.

Este livro possibilitará a você, estudante, uma visão ampla da história dos museus
e das coleções. Abordaremos desde a origem mítica dos museus até as perspectivas
atuais dessas instituições e dos acervos a nível mundial, mas, também, dando enfoque
específico para a realidade brasileira. Além disso, a partir deste livro, você será capaz de
compreender os períodos históricos que influenciaram as transformações nas práticas
e nas teorias acerca dos museus e das coleções no decorrer das décadas.

Reforçamos a pertinência desse conteúdo, pois, enquanto futuros museólogos,


faz-se necessário o total entendimento dos museus, além de como os contextos
históricos, políticos e sociais influenciam nessas instituições. Desse modo, compreender
a trajetória dos museus é essencial para entender as instituições na contemporaneidade.

Na Unidade 1, abordaremos o surgimento mítico dos museus, através do Templo


das Musas, e dos museus na antiguidade, através do Mouseion de Alexandria, que
funcionava como um centro de conhecimento. Além disso, também apresentaremos o
processo de formação e as características das coleções principescas, dos Gabinetes de
Curiosidades e das galerias no período do Renascimento.

Na Unidade 2, veremos como os museus se transformaram no período do


Iluminismo, em decorrência dos ideais da Revolução Francesa. Observaremos que, nesse
período, as identidades nacionais passaram a estar em voga, e os museus nacionais
e as exposições universais se tornaram espaços privilegiados na representação das
identidades. Além disso, também falaremos das definições dos conceitos de patrimônio
cultural e de museu, e como esses termos foram se modificando ao longo dos séculos.

Na Unidade 3, apresentaremos a perspectiva brasileira acerca da história das


instituições museais e do patrimônio cultural. Falaremos da Nova Museologia, paradigma
que surgiu na década de 1970, no campo da Museologia, e que transformou a relação
dos museus com os públicos e com os patrimônios. Por fim, abordaremos a virtualização
dos museus e como se deu a entrada dessas instituições no campo do virtual através de
sites, de exposições virtuais e de experiências interativas. As perspectivas são variadas
e você poderá conhecê-las a partir de agora. Está pronto para começar?

Desejamos uma boa leitura!

Prof.a Alahna Santos da Rosa


Prof.a Julia Maciel Jaeger
Prof.a Kimberly Terrany Alves Pires
GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos


os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo
deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
também contribui para diminuir a extração de árvores para
produção de folhas de papel, por exemplo.

Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente,


apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com
versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Preparamos também um novo layout. Diante disso, você


verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses
ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos
nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os
seus estudos com um material atualizado e de qualidade.

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e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR
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que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para
utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois,
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Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
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Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.

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preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 — A ORIGEM DOS MUSEUS....................................................................1

TÓPICO 1 — A ORIGEM DOS MUSEUS...................................................................... 3


1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 3
2 O MUSEU NA MITOLOGIA GREGA......................................................................... 3
3 O TEMPLO DAS MUSAS.........................................................................................4
4 O MOUSEION DE ALEXANDRIA.......................................................................... 10
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................... 18
AUTOATIVIDADE.................................................................................................... 19

TÓPICO 2 — AS COLEÇÕES NO RENASCIMENTO I............................................... 21


1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 21
2 O COLECIONISMO............................................................................................... 21
3 O COLECIONISMO NO RENASCIMENTO.............................................................25
3.1 OS GABINETES DE CURIOSIDADES...............................................................................30
3.2 A ORIGEM DOS MUSEUS DE CIÊNCIAS NATURAIS.................................................... 36
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................... 41
AUTOATIVIDADE....................................................................................................42

TÓPICO 3 — AS COLEÇÕES NO RENASCIMENTO II..............................................45


1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................45
2 ORIGEM DOS MUSEUS DE ARTE: AS GALERIAS...............................................45
LEITURA COMPLEMENTAR...................................................................................55
RESUMO DO TÓPICO 3...........................................................................................62
AUTOATIVIDADE....................................................................................................63

REFERÊNCIAS........................................................................................................65

UNIDADE 2 — A CONCEPÇÃO MODERNA..............................................................69

TÓPICO 1 — A CONCEPÇÃO MODERNA DOS MUSEUS..........................................71


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................71
2 OS MUSEUS NO ILUMINISMO............................................................................. 72
3 OS MUSEUS E A CONSTRUÇÃO DAS NAÇÕES .................................................. 74
4 AS EXPOSIÇÕES UNIVERSAIS........................................................................... 79
4.1 EXPOSIÇÕES E A PRESENÇA DO BRASIL.....................................................................84
RESUMO DO TÓPICO 1...........................................................................................89
AUTOATIVIDADE....................................................................................................90

TÓPICO 2 — PATRIMÔNIO: HISTORICIDADE DOS CONCEITOS...........................93


1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................93
2 PATRIMÔNIO CULTURAL MATERIAL..................................................................93
3 PATRIMÔNIO MUNDIAL.......................................................................................98
4 PATRIMÔNIO NATURAL....................................................................................103
5 PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL ..............................................................105
RESUMO DO TÓPICO 2.........................................................................................108
AUTOATIVIDADE..................................................................................................109
TÓPICO 3 — CONCEITUANDO O MUSE................................................................. 111
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 111
2 O ESCRITÓRIO INTERNACIONAL DE MUSEUS (OIM) (1926-1946)................. 111
3 O CONSELHO INTERNACIONAL DE MUSEUS (ICOM) (1946-ATUALMENTE)...... 114
LEITURA COMPLEMENTAR..................................................................................119
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................... 122
AUTOATIVIDADE.................................................................................................. 123

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 125

UNIDADE 3 — OS MUSEUS BRASILEIROS E AS NOVAS PERSPECTIVAS


DO CAMPO..................................................................................... 129

TÓPICO 1 — OS MUSEUS BRASILEIROS E A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO


CULTURAL.........................................................................................131
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................131
2 OS MUSEUS BRASILEIROS ...............................................................................131
3 A CHEGADA DA MODERNIDADE: A SEMANA DE ARTE MODERNA................. 137
4 AS POLÍTICAS DE PROTEÇÃO PATRIMONIAL CULTURAL NO BRASIL.......... 139
4.1 O SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (SPHAN)..... 139
4.2 A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO IMATERIAL NO BRASIL........................................... 144
4.3 A TRAJETÓRIA DA DEFESA DO CAMPO MUSEAL NO BRASIL:
DEMU ATÉ IBRAM............................................................................................................. 145
RESUMO DO TÓPICO 1.........................................................................................149
AUTOATIVIDADE..................................................................................................150

TÓPICO 2 — MUSEUS NO CONTEMPORÂNEO — A NOVA MUSEOLOGIA.............151


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................151
2 A NOVA MUSEOLOGIA........................................................................................151
3 ECOMUSEUS..................................................................................................... 155
4 MUSEUS COMUNITÁRIOS................................................................................. 162
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................... 165
AUTOATIVIDADE.................................................................................................. 166

TÓPICO 3 — A RENOVAÇÃO MUSEAL.................................................................. 167


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 167
2 OS MUSEUS NO ÂMBITO VIRTUAL...................................................................168
3 O FUTURO DA MUSEOLOGIA ........................................................................... 179
3.1 A CRIAÇÃO DE MUSEUS NAS MÍDIAS SOCIAIS..........................................................179
LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................................184
RESUMO DO TÓPICO 3.........................................................................................190
AUTOATIVIDADE...................................................................................................191

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 193
UNIDADE 1 —

A ORIGEM DOS MUSEUS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar a origem das instituições museológicas na antiguidade;

• estabelecer as conexões entre as primeiras coleções e os museus atuais;

• compreender como se constituíram as coleções no Renascimento;

• identificar a origem dos museus de ciências naturais e de arte.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A ORIGEM DOS MUSEUS

TÓPICO 2 – AS COLEÇÕES NO RENASCIMENTO I

TÓPICO 3 – AS COLEÇÕES NO RENASCIMENTO II

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
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A TRILHA DA
UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 —
A ORIGEM DOS MUSEUS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, a partir deste momento, iniciaremos os estudos a respeito
da história dos museus e das coleções. Começaremos essa narrativa abordando as
primeiras manifestações de espaços dedicados às artes, ao conhecimento e à cultura
material. Esses três eixos são essenciais para a concepção de museu que temos nos
dias de hoje.

Neste tópico, você acompanhará a origem mitológica da palavra museu, que


tem origem na antiguidade grega com o templo das musas, o Mouseion. Muitos autores
mencionam como sendo o ponto inicial da trajetória dos museus na história. As musas,
representantes divinas das artes e do conhecimento, serviram de grande inspiração
para o desenvolvimento das coleções e dos museus.

Seguindo a linha temporal, o segundo ponto marcante para a história dos museus
é a criação do Mouseion, de Alexandria. Inspirado no templo das musas, esse espaço se
constituiu em um centro de salvaguarda, produção e classificação do conhecimento, e
até hoje é reconhecido como tal.

Tenha em mente que essas manifestações museais abordadas foram extre-


mamente relevantes para a concepção dos museus modernos, que herdaram, desse
período, a perspectiva de um espaço dedicado às artes e ao conhecimento.

2 O MUSEU NA MITOLOGIA GREGA


Para começar a conhecer a origem das instituições museais da história,
é preciso recorrer à mitologia grega, isso porque a palavra “museu” tem origem no grego
Mouseion, que significa templo das musas. A elas, eram atribuídos os dons artísticos e,
enquanto filhas da Memória, cantavam os cantos heroicos e perpetuavam as histórias na
Grécia antiga. A relação dos museus com essas nove divindades, as quais conheceremos
um pouco mais, a seguir, não se limita ao seu templo.

As musas são as detentoras do canto, da poesia, dos dotes artísticos, as quais


cediam aos poetas arcaicos, para que narrassem as grandes aventuras que viviam.
Alguns deles você deve conhecer, como Hesíodo, que escreveu o poema Teogonia, ou
Homero, que escreveu a Ilíada.

3
Sendo a Grécia antiga, o berço dos museus, das musas e de tantas outras
influências culturais do mundo ocidental, como nós o conhecemos hoje, é essencial
em relação às origens das instituições museais, que farão parte da sua vida profissional
depois que você concluir a sua graduação em Museologia.

Esperamos que você esteja preparado para começar esta viagem, vamos lá?!

DICA
Você já ouviu falar da Teogonia, de Hesíodo? O poema épico tem
1022 versos e foi escrito por Hesíodo, um dos grandes poetas
gregos entre os séculos VIII e VII a.C. No texto, o autor conta a
cosmogonia do mundo a partir da crença grega, apresenta as
musas e narra a existência do Caos, de Gaia (a Terra) e de outros
seres divinos que deram origem aos Titãs e, posteriormente, aos
deuses gregos, àqueles que a gente já está mais acostumado a
ouvir falar: Zeus, Poseidon, Hera e os outros olímpicos. O poema
também aborda outros mitos bem relevantes para os gregos,
como o mito de Prometeu e o de Pandora. É importante conferir.

3 O TEMPLO DAS MUSAS


No decorrer da sua vida, você já deve ter ouvido diversas histórias extraordinárias
que, na maioria das vezes, são vividas por heróis incríveis ou deuses poderosos em
terras longínquas, e também sabe que essas narrativas se perpetuam nas sociedades
há muitas eras. São os mitos, histórias cheias de simbolismos que são contadas com a
finalidade de explicar, justificar ou descrever um acontecimento, seja natural ou cultural.
Além disso, os mitos também são comumente relacionados a crenças religiosas e,
nesse sentido, dispensam explicações lógicas, assim, acabam por ocupar um lugar no
imaginário popular entre o real e a ficção (BRITANNICA, 2020).

Os mitos eram usados, também, para representar a vida cotidiana e fundamentar


os fenômenos da natureza, pois, na época, as pessoas ainda não compreendiam em sua
completude.

Para Brandão (1986, p. 36), “[...] o mito expressa o mundo e a realidade humana,
cuja essência é, efetivamente, uma representação coletiva [...]”. Portanto, os mitos
correspondem a um dos meios que as sociedades desenvolveram, desde o princípio,
para dar sentido aos hábitos e vivências. Através deles, conhecemos civilizações antigas
que, há muito tempo, foram desaparecendo ou sendo incorporadas por outras mais
modernas.

4
[...] É necessário deixar bem claro, nesta tentativa de conceituar o
mito, que o ele não tem, aqui, a conotação usual de fábula, lenda,
invenção, ficção, mas a acepção que lhe atribuíam, e ainda atribuem,
às sociedades arcaicas, às impropriamente denominadas culturas
primitivas. O mito é o relato de um acontecimento ocorrido no
tempo primordial, mediante a intervenção de entes sobrenaturais
(BRANDÃO, 1986, p. 35).

Com relação ao conjunto, quanto ao estudo desses mitos, dá-se o nome de


mitologia, e, dessa, existem diversas, africana, romana, asteca, egípcia, e por aí vai. De
modo geral, cada sociedade possui a sua, e a sua organização não é simples. Os mitos não
foram surgindo de maneira organizada ou em sequência cronológica, e muitos não foram
contados por apenas um autor, gerando inúmeras versões:

[...] Basta uma análise mais atenta para revelar diferenças ou


contradições entre os autores, e, por vezes, em um mesmo autor. A
unidade não é introduzida se não for de maneira fictícia e secundária.
Os mitos não nascem como um conjunto organizado, à maneira de
um sistema filosófico, teológico ou científico. Eles brotam ao acaso,
como as plantas, cabendo, ao mitólogo, organizá-los em famílias,
espécies e variedades (GRIMMAL, 2013, s.p.).

No caso do nosso campo de estudos, da origem das instituições museológicas,


vamos retomar algumas questões a respeito da mitologia grega, especificamente.

ATENÇÃO
Quando falamos dos mitos, precisamos tomar cuidado para
não os confundir com outras textos de gênero narrativo,
principalmente, com as parábolas. A diferença entre um
mito e uma parábola é sutil, mas muito importante. Ainda
que ambos os textos sejam, na maioria das vezes, vinculados
a crenças religiosas, o mito tem, como característica, uma
mistura de personagens reais e fictícios, e a narrativa não
tem uma obrigação com a realidade. Além disso, o mito
não, necessariamente, tem um objetivo para cumprir com o
ouvinte, além da tentativa de explicar um acontecimento em
um período anterior à ciência. Por outro lado, a parábola
é uma história sempre protagonizada por seres humanos,
e carrega um objetivo bem claro: a moral da história. A
parábola tem, como objetivo, didatizar um ensinamento
ético e moral, que é considerado, pela sociedade na qual se
insere, essencial a todas as pessoas.

5
Já mencionamos que, no poema épico Teogonia, Hesíodo conta a história
da criação do universo como o conhecemos, pela perspectiva grega, e as primeiras
divindades retratadas são as musas. Isso porque, segundo o poema, as divindades
vêm, a ele, para oferecer o dom necessário para cantar aquela aventura. Observe
os versos 22-34:

[...] Elas, um dia, a Hesíodo, ensinaram belo canto


quando pastoreava ovelhas ao pé do Hélicon divino.
Essas palavras, primeiramente, disseram-me as deusas
musas olimpíades, virgens de Zeus porta-égide:
“Pastores agrestes, vis infâmias e ventres só,
sabemos muitas mentiras dizer símeis aos fatos
e sabemos, se queremos, dar a ouvir revelações”.
Assim falaram as virgens do grande Zeus verídicas,
por cetro, deram-me um ramo, a um loureiro viçoso,
colhendo-o admirável, e inspiraram-me um canto
divino para que eu glorie o futuro e o passado,
impeliram-me a hinear o ser dos venturosos sempre vivos
e a elas primeiro e por último sempre cantar
(HESÍODO apud TORRANO, 2011, p. 103-104).

FIGURA 1 – HESÍODO E A MUSA, DE GUSTAVE MOREAU (1891)

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Moreau,_Gustave_-_H%C3%A9siode_et_la_Muse_-
_1891.jpg>. Acesso em: 18 out. 2020.

6
As nove musas são figuras que personificam as artes e a ciência na mitologia
grega. Conforme seu mito, elas são filhas de Mnemósine, deusa da memória, e de Zeus,
rei dos deuses e representação do poder. Suas origens remontam à guerra denominada
de Titanomaquia, na qual os titãs (liderados por Cronos) lutaram contra os deuses
olímpicos (liderados por Zeus) pelo domínio do universo. Quando os olímpicos venceram,
pediram a Zeus para que fossem criadas divindades para celebrar a sua vitória e os
divertir no tempo livre. Atendendo aos pedidos dos deuses, Zeus se encontrou com
Mnemósine e, com ela, deitou-se por nove noites consecutivas. Após o devido tempo,
nasceram as nove musas (HACQUARD, 1996).

Muito do que sabemos atualmente, a respeito das musas, foi estabelecido a


partir dos cantos do poeta arcaico Hesíodo. A seguir, você poderá conhecer quem eram
e o que representavam (BULFINCH, 2002; COMMELIN, 2011):

• Calíope: Musa da poesia heroica e da eloquência, é, usualmente, representada com


uma tabuleta e um buril, instrumentos de escrita. Em outros casos, ela aparece
segurando livros de poemas épicos.

FIGURA 2 – DETALHE DA OBRA THE MUSES URANIA AND CALLIOPE, DE SIMON VOUET
(CIRCA 1634) - CALÍOPE SEGURA UM EXEMPLAR DO POEMA ÉPICO A ODISSEIA

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Calliope.jpg>. Acesso em: 11 out. 2020.

7
• Clio: Musa da história, é representada com uma coroa de louro na cabeça, carregando
uma trombeta e um livro, ou, então, um rolo de pergaminho nas mãos e uma coroa de
louros na cabeça.

FIGURA 3 – CLIO, DE PIERRE MIGNARD (1689)

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Pierre_Mignard_001.jpg>. Acesso em: 11 out. 2020.

• Erato: Musa da poesia romântica. Frequentemente, é representada tocando uma lira.


• Euterpe: Musa da música. É representada com uma flauta, pois se diz que foi ela
quem a inventou.
• Melpômene: Musa da tragédia. Sua representação possui, usualmente, uma máscara
trágica nas mãos.
• Polimnia: Musa da poesia lírica. É representada com um olhar pensativo.
• Terpsícore: Musa da dança. Representada com uma lira e de forma a parecer estar
dançando.
• Talia: Musa da comédia. É representada com uma máscara cômica na mão.
• Urânia: Musa da astronomia e da astrologia. É representada tendo, junto de si, um
globo e instrumentos de matemática.

8
FIGURA 4 – MUSAS DANÇANDO COM APOLO, DE BALDASSARRE PERUZZI (S.D.)

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Musas.jpg>. Acesso em: 9 out. 2020.

As musas foram geradas, portanto, como forma de recordação e celebração das


histórias e vitórias dos grandes heróis da Grécia antiga. Possuíam dons e sabedorias
relacionados às artes e à ciência, constituindo-se como grandes inspiradoras dos
poetas, filósofos e artistas, que, a elas, ofereciam os mais variados tipos de presentes.
As musas:

[...] são as responsáveis, no panteão grego, pela manutenção da


identidade do seu próprio universo. Expressão criativa da memória via
tradição oral, são trazidas à luz da consciência pela ação dos poetas,
para revelar o que são e como se criaram todas as coisas. Trazem,
assim, à luz da presença, o que se ocultava na noite do esquecimento
(o não ser). Pelas musas, sabemos como se criou o mundo, e como é
esse mundo que se criou. Elas são, portanto, a memória, a imagem e
a voz da criação (SCHEINER, 2008, p. 61).

Em outras palavras, as musas gerenciam as memórias da humanidade. É sabido


que a manifestação da memória sempre acompanha ausências e esquecimentos. Dessa
forma, assim como a canto e a dança das musas lembravam os feitos dos deuses,
também ajudavam os homens a esquecerem das mazelas da vida cotidiana.

[...] Memória recolhe na força da belíssima voz, as musas. No entanto,


Memória gerou as musas, também, como esquecimento ("para
oblívio de males e pausa de aflições", v, 55) e força numinosa que são.
As musas tornam o ser-nome presente ou lhe impõem a ausência,
manifestam o ser-mesmo como lúcida presença ou o encobrem com
o véu da similitude, presentificam os deuses configuradores da vida e
nomeiam a noite negra. O próprio ser das musas geradas e nascidas
da Memória as constitui como força de esquecimento e de memória,
com o poder entre presença e ausência, entre a luz da nomeação e a
noite do oblívio (TORRANO, 2011, p. 28).

9
De acordo com a mitologia grega, as musas viviam no Monte Hélicon, perto
do Monte Olimpo. O lugar cativo das musas ficou conhecido como Templo das Musas,
termo que se origina do grego Mouseion. Apesar de, inicialmente, não haver um espaço
físico e fixo, o Mouseion entrou para o imaginário de todos como um local dedicado às
artes e ao conhecimento, local de contemplação e de estudos científicos. Com o tempo,
os gregos que tinham interesse pelas artes e pelas ciências passaram a frequentar os
pés do Monte Hélicon, levando muitos objetos e oferendas para cultuarem às musas,
constituindo uma espécie de coleção.

No Mouseion, portanto, identificamos a origem da palavra museu. A concepção


de museu, na contemporaneidade, bebe da fonte da memória, das artes e do
conhecimento, que vimos estar presente no Mouseion. Contudo, ao longo dos séculos,
novos atributos foram incorporados aos museus e coleções, como veremos no decorrer
desta unidade.

ATENÇÃO
Você percebeu que mencionamos que as musas são filhas de Mnemósine, da memória, e
de Zeus, do poder? Ou seja, elas representam o produto da relação entre a memória e o
poder, relação que tem papel extremamente importante no contexto museológico.

Como veremos no decorrer deste livro, os museus são um espaço de discursos, onde
falamos a respeito do passado, mas, também, do futuro. Nesse sentido, perceba como
as musas se aproximam das funções e das formas de fazer e ser museu:
essas divindades escolhem as aventuras para dar voz, que se perpetuam
pela eternidade, e, por outro lado, escolhem quais narrativas devem
calar, condenando-as ao esquecimento.

Lembre-se: Existe uma relação profunda entre a memória, o poder e os


museus. Mais adiante, retomaremos essa ideia, fique atento!

4 O MOUSEION DE ALEXANDRIA
Após conhecer, apenas um pouco, de como surgiu o termo museu na Grécia
antiga, e entender as musas enquanto a presentificação das epopeias gregas, é preciso
falar das primeiras experiências de museu enquanto espaço físico.

A Grécia antiga era constituída por várias cidades-estados independentes


e de características próprias (BAUER; ALVES; OLIVEIRA, 2019). Dentre as principais
cidades, estavam Atenas, Esparta, Tebas, Corinto e Rodes. Até então, a Macedônia era
uma localização ao norte da Grécia, a qual os próprios gregos não encaravam como
pertencente da sociedade, apesar de possuir os mesmos costumes.

10
Quando Felipe II, rei da Macedônia, subiu ao trono, assumiu dois objetivos: unificar
e centralizar os diversos povos gregos através de uma política expansionista. A partir do
século IV a.C. até meados do século II a.C., a Grécia foi dominada pela Macedônia, e é
nesse contexto que nasce um dos maiores expansionistas que a história já conheceu:
Alexandre, o Grande.

ATENÇÃO
A Grécia antiga possuía, como característica, a democracia, base
da organização política das pólis, ou cidades-estados, praticada
através de assembleias com os cidadãos gregos (na época, eram
considerados aptos, a vivenciar a vida política, os homens livres,
acima de 21 anos, e que fossem nascidos em terras gregas). Observe
que o projeto iniciado por Felipe II, e continuado por Alexandre, o
Grande, previa a destruição dessa organização e a instalação de
uma monarquia universalista, modificando a estrutura política e
social dos gregos (SOUZA; PEREIRA MELO, 2010).

Alexandre Magno era filho do rei macedônio Filipe II e da nobre grega Olímpia. Foi
educado por Aristóteles. Com a morte de seu pai, tornou-se rei aos 20 anos e seguiu
os planos de expansão dele, conquistando grande parte do mundo que era conhecido
naquela época e difundindo a língua e a cultura grega.

NOTA
Aristóteles (384-322 a.C.) foi um dos mais importantes filósofos da Grécia antiga.
Durante a vida, trabalhou com os mais variados temas, como a lógica, a metafísica, a
ética e o empirismo. Nascido na Macedônia, seu pai era o médico pessoal
de Amintas II, rei da Macedônia e pai de Filipe II. Aos 17 anos, mudou-se
para Atenas e ingressou na Academia de Platão, onde permaneceu por
20 anos, primeiramente, como aluno, depois, como professor. Em 338
a.C., retornou à Macedônia e começou a trabalhar como tutor de
Alexandre, o Grande. Com a conquista de Alexandre sob Atenas, o
filósofo retorna para o local, onde cria a sua própria academia,
denominada de Liceu.

Após a morte de Alexandre, Atenas insurgiu contra os macedônios


e o filósofo enfrentou acusações severas, que o fizeram fugir para a
propriedade da sua mãe, em Cálcis. Aristóteles faleceu pouco depois, em
decorrência de uma doença gástrica, aos 63 anos de idade (KLENMMAN,
2014; DE CRESCENZO, 2012).

11
FIGURA 5 – DETALHE DO MOSAICO DA BATALHA DE ISSUS (OU DE GAUGAMELA), FEITO DA PINTURA DE
PHILOXENUS OF ERETIA - MOSTRA ALEXANDRE NO SEU CAVALO, BUCÉFALO

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/Alexander_the_Great#/media/File:BattleofIssus333BC-
mosaic-detail1.jpg>. Acesso em: 9 out. 2020.

Muitas controvérsias acompanham os anos de reinado de Alexandre, mas


historiadores afirmam que um dos seus maiores feitos foi a difusão da cultura grega por
todo o território que dominou, da Grécia até a Índia, configurando o Período Helenístico

NOTA
A antiguidade está dividida em três períodos: clássico, helenístico
e romano. O período helenístico (IV a.C.-II a.C.) compreende
desde a expansão de Alexandre, o Grande, até o fim das dinastias
dos generais, quando o Império Romano conquista o Oriente.
O nome faz referência à dominação grega, visto que os gregos
também eram chamados de helenos. O período foi marcado pelo
intercâmbio entre a cultura grega e a oriental, denominada de
cultura helenística, enquanto a cultura grega, com dominação
macedônia, é chamada de cultura helênica.

12
FIGURA 6 – THE MACEDONIAN EMPIRE, 336-323 B.C., MAPA DE WILLIAM R. SHEPERD,
ACERVO DA BIBLIOTECA DA UNIVERSIDADE DO TEXAS

FONTE: <https://legacy.lib.utexas.edu/maps/historical/history_shepherd_1923.html>.
Acesso em: 11 maio 2020.

Além da expansão territorial, Alexandre também ficou conhecido por criar


inúmeras cidades e as nomear de Alexandrias. A mais importante delas foi a do Egito,
onde foi construída a famosa Biblioteca de Alexandria, além do Mouseion, de Alexandria.
O museu aqui descrito não se encaixa nos moldes museais que temos atualmente,
aproximando-se mais de uma espécie de laboratório científico e de pesquisas. Apesar
disso, há uma premissa similar aos museus atuais, que também se constituem como
espaços dedicados ao conhecimento e às pesquisas.

A Alexandria do Egito foi instalada “[...] entre o Mediterrâneo e o lago Mareótis,


em uma estreita faixa de terra de frente para a ilha de Faros, e com acesso a um dos
afluentes do Nilo” (CLÍMACO, 2013, p. 20). Essa localização privilegiada teria sido o motivo
determinante para o estabelecimento da cidade.

Alexandria foi planejada pelo arquiteto grego Deinócrates de Rodes, que a concebeu
em uma planta ortogonal (planejamento que dispõe as ruas em paralelo, com traçado
geométrico ortogonal e sem a presença de ruas estreitas ou sem saída), diferenciando-a
da maior parte das cidades gregas até então construídas (CLÍMACO, 2013).

13
Alexandre, o Grande, lançou a pedra fundamental da cidade em 7 de abril de 331
a.C. Não é possível precisar como era arquitetura, além da ornamentação de Alexandria,
mas é um consenso historiográfico de que a aparência era de uma cidade grega, tendo
em vista a origem de Alexandre e dos arquitetos. Apesar disso, há indícios da presença
de vestígios egípcios e faraônicos, o que alguns historiadores percebem como um
resultado do intercâmbio das culturas grega e egípcia.

Em 323 a.C., Alexandre faleceu de forma repentina. O império conquistado por ele,
que englobava da Macedônia até a Índia, ficou sem o líder. Sem haver herdeiro imediato,
o império de Alexandre foi repartido em três, estando, cada parte, sob responsabilidade
de um dos generais. O Egito ficou sob o controle de Ptolomeu I, que constituiu a dinastia
de Ptolomeus (CASSON, 2018).

De acordo com Casson (2018), a dinastia que se saiu melhor na divisão do


território foram os Ptolomeus, devido aos seguintes fatos:

O Egito era muito mais rico do que as terras dos rivais. Em primeiro
lugar, o solo fértil, ao longo do Nilo, produzia uma abundante colheita
de grãos, e os grãos eram para os mundos grego e romano o que
o petróleo é para nós. Eles comandavam o mercado em todos os
lugares. Em segundo lugar, o Egito era o habitat por excelência
da planta do papiro, garantindo, dessa forma, aos governantes,
o monopólio do principal material de escrita do mundo. Todos
os monarcas helenistas buscavam adornar suas capitais com
grandiosa arquitetura e construir uma reputação para a cultura
(CASSON, 2018, p. 79).

Nessa citação, Casson informa uma característica interessante a respeito dos


reis helenistas, a valorização da cultura e do conhecimento, mas como trazer esse status
a uma cidade constituída majoritariamente por soldados, marinheiros, funcionários
administrativos, comerciantes e artesãos? Como tornar Alexandria atrativa para os
intelectuais, filósofos e poetas?

Essas questões foram resolvidas com a criação de um Mouseion, estabelecido


durante o século III a.C. Lembremos que, nesse período, os museus ainda se
constituíam como espécies de templos, dedicados ao culto às musas, ou seja, às artes
e ao conhecimento. O Mouseion de Alexandria era um verdadeiro complexo cultural
e científico, que compreendia biblioteca, anfiteatro, observatório, salas de trabalho e
estudos, jardim botânico e uma coleção zoológica (OS MUSEUS NO MUNDO, 1979).

14
A vontade imperial de tornar Alexandria um polo do conhecimento era tamanha,
pois existiram diversos incentivos para que cientistas, astrônomos, filósofos, poetas,
enfim, viessem a fazer parte do Mouseion. Além de financiar o espaço e a infraestrutura,
todos aqueles intelectuais que se tornassem membros do Mouseion teriam, à disposição,
patrocínio imperial, não precisando se preocupar com nada além da produção intelectual
(CASSON, 2018; MCNEELY; WOLVERTON, 2013).

NOTA
Não há um consenso historiográfico acerca de quem foi o Imperador
que criou o Mouseion de Alexandria. Alguns historiadores atribuem a
Ptolomeu I, e, outros, ao filho, Ptolomeu II.

Pouco se sabe da estrutura do Mouseion e da organização, mas alguns autores


se referem a ele como o “[...] primeiro centro formal de pesquisa da humanidade”
(CHASSOT, 2002, p. 32). As referências mais substanciais versam a respeito da Biblioteca
de Alexandria, que dizem ter abrigado, aproximadamente, 700 mil rolos de papiro. De
acordo com Casson (2018), havia uma preocupação de possuir os mais diversos títulos
na biblioteca. Os membros do Mouseion buscavam exemplares em todos os navios que
atracavam no porto e com todo viajante que passava pela região. Além disso, possuíam
um sistema para classificar cada exemplar, facilitando a recuperação das informações:

Os livros recém-adquiridos eram empilhados em armazéns


enquanto passavam por procedimentos preliminares de acessão.
Os rolos, geralmente, recebiam uma etiqueta anexada em uma
das extremidades, contendo o nome do autor e a etnia. A etnia era
essencial porque os gregos tinham apenas um nome, e muitos se
tornavam comuns: diferentes pessoas, frequentemente, tinham
o mesmo nome. Uma identificação adicional do armazém era
acrescentada às etiquetas para ajudar a distinguir, entre si, os
exemplares de uma mesma obra. Algumas eram marcadas com a
proveniência, dessa forma, os livros que tinham sido apreendidos
nas docas continham a inscrição ek ploiôn, “dos navios”. Outras eram
marcadas com o nome do editor ou do antigo dono. A política era
adquirir tudo, desde a exaltada poesia épica até um prosaico livro de
receitas. Os Ptolemeus desejavam tornar a coleção um abrangente
repositório de escritos gregos, além de uma ferramenta para a
pesquisa. Também incluíram traduções, em grego, de importantes
obras em outras línguas (CASSON, 2018, p. 86).

15
FIGURA 7 – THE GREAT LIBRARY OF ALEXANDRIA, DE O. VON CORVEN - DATA-SE DO SÉCULO XIX

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Ancientlibraryalex.jpg>. Acesso em: 18 maio 2020.

O império dos Ptolomeus teve fim com a invasão do Império Romano ao Egito,
que passou a ser uma província romana. Acerca do fim do Mouseion, há alguns relatos
conflitantes. Alguns relatam que os romanos mantiveram o local após a invasão,
mantendo o status erudito de Alexandria, outros dizem que o complexo foi destruído
em incêndios ocasionados ao longo dos anos (MCNEELY; WOLVERTON, 2013).

Não se sabe, ao certo, o que ocasionou a destruição do Mouseion, nem quando


ela ocorreu, mas é fato que o complexo detentor do saber grego foi o princípio de diversas
instituições dedicadas ao conhecimento que atuam até os dias atuais na sociedade:
museus, bibliotecas, universidades e laboratórios de pesquisa.

DICA
O filme Alexandria (2009), do diretor Alejandro Amenábar, aborda
uma das possíveis histórias acerca da destruição de Alexandria
e do Mouseion. O enredo gira em torno da filósofa Hipátia (355
d.C.-415 d.C.) e dos eventos que teriam ocasionado a destruição
do Mouseion, grande símbolo do poder e da cultura helenística.

16
Você sabia que, em 2003, foi inaugurada uma nova biblioteca de Alexandria?
O espaço foi construído com o apoio da Unesco, que, em 1989, lançou um concurso
público internacional voltado para a concepção e a construção da nova biblioteca.
Houve um grande engajamento: 524 propostas foram encaminhadas, originadas de 52
países. Quem venceu foi o arquiteto norueguês Ktejil Thorsen, do escritório Snohetta
(CHASSOT, 2002).

FIGURA 8 – NOVA BIBLIOTECA DE ALEXANDRIA

FONTE: <https://blog.galeriadaarquitetura.com.br/post/revivendo-a-historia-a-nova-biblioteca-de-alexandria>.
Acesso em: 15 maio 2020.

O edifício possui onze pavimentos, nos quais se encontram os seguintes


equipamentos: seis bibliotecas especializadas, três museus (antiguidades e história das
ciências), um planetário e numerosos dispositivos interativos e pedagógicos (POULOT,
2013). Busca retomar, portanto, a magnitude do antecessor.

17
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• Os museus possuem uma origem mitológica localizada na Grécia antiga.

• O Mouseion de Alexandria foi a primeira manifestação de um museu com espaço


físico, mas se aproximava mais de um centro de pesquisa do que da concepção atual
que temos de museu.

• O Mouseion mitológico e o Mouseion de Alexandria foram bases essenciais para o


desenvolvimento do que, atualmente, chamamos de museu, principalmente, no que
se refere à prática de salvaguarda e pesquisa relacionada às artes e ao conhecimento
científico.

• Desde o período, observa-se a relação de proximidade entre a memória e o poder.


Desde a época apresentada, possuir um mecanismo de salvaguarda de conhecimento
e de celebração dos feitos era uma forma de mostrar superioridade e distinção sob os
outros povos.

18
AUTOATIVIDADE
1 Como vimos, as musas eram filhas da deusa Mnemósine e do deus Zeus. Elas foram
criadas com o objetivo de relembrar, além de celebrar os grandes feitos dos deuses.
Tendo, como base, a leitura deste tópico, assinale a alternativa que indica o que as
musas representavam:

a) ( ) Os museus e centros culturais.


b) ( ) A memória e o poder.
c) ( ) As artes e o conhecimento científico.
d) ( ) Os deuses e as deusas do Olimpo.

2 Os gregos possuíam grande apreço à cultura erudita e ao conhecimento, o que levou


a um grande empenho dos Ptolomeus a criarem um Mouseion dedicado à guarda e à
produção do conhecimento. Acerca do Mouseion de Alexandria, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as sentenças falsas:

( ) Foi criado por Alexandre, o Grande, em 331 a.C., logo após a inauguração da cidade
de Alexandria.
( ) Possuía uma biblioteca com um vasto acervo, coletado, classificado e pesquisado
pelos membros do Mouseion.
( ) A causa da destruição foi a queda da dinastia dos Ptolomeus, com a invasão, do
território, pelos romanos.
( ) Os Ptolomeus proporcionaram auxílios financeiros para os membros do Mouseion
realizarem pesquisas e produção de conhecimento.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F - V
b) ( ) F – V – F - V.
c) ( ) V – F – V - F
d) ( ) F – F – V - V.

3 Qual espaço ficou conhecido por ser um centro de produção do conhecimento?

a) ( ) Templo do Museu.
b) ( ) Monte Hélicon.
c) ( ) Monte Olimpo.
d) ( ) Mouseion de Alexandria.

19
4 No Templo das Musas, observou-se que, até mesmo no mito da criação dos museus,
existe a relação entre memória x poder. Acerca dessa temática, escreva como você
percebe esse embate nas instituições museológicas atuais.

5 Neste tópico, você conheceu um pouco de Alexandre Magno (Alexandre, o Grande),


e viu que a política expansionista dele levou a cultura grega a diferentes partes do
mundo. Disserte, brevemente, a respeito de como esse expansionismo promovido
por Alexandre influenciou o que conhecemos da cultura hoje em dia.

20
UNIDADE 1 TÓPICO 2 —
AS COLEÇÕES NO RENASCIMENTO I

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, neste tópico, antes de começarmos a retomada histórica,
precisamos falar de uma prática humana que caracteriza o período renascentista: o
colecionismo.

Você faz ou já fez coleção de alguma coisa? Canetas, selos, cartões, garrafas,
tazos? Até mesmo, na coleção mais simples, é possível observar a premissa crucial do
colecionismo: a seleção de determinados objetos. Estes são retirados do uso habitual
para compor uma coleção, na qual são representantes de algo (algum momento, alguma
pessoa).

Após falar das premissas do colecionismo, é preciso abordar como se constituiu


essa prática na Idade Média, e como ela se transformou com os ideais humanistas do
Renascimento. Vamos lá?!

2 O COLECIONISMO
Antes de continuar a apresentar como surgiram os museus, faz-se necessário
falar, apenas um pouco, daquilo que compõe o museu. Você sabe o que é? Se você disse
“coleções”, acertou.

A prática do colecionismo acompanha a humanidade desde os primórdios.


Como você viu no tópico anterior, desde a Grécia antiga, a humanidade possui as
necessidades de salvaguardar, colecionar e classificar aquilo que ela conhece e aquilo
que ela desconhece.

As coleções, independentemente do contexto no qual se constituem, como


informa Pomian (1985, p. 55), são “[...] conjuntos de objectos naturais ou artificiais,
mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito das actividades económicas,
submetidos a uma protecção especial e expostos ao olhar”.

21
DICA
Caros estudantes, um texto clássico que aborda a coleção é esse
que citamos, o do filósofo e historiador polonês Kristof Pomian. O
texto é um verbete da Enciclopédia Einaudi, publicado em 1989.
Uma parte dele está na Leitura Complementar desta unidade.
Indicamos a leitura completa, caso queira aprofundar os estudos
nessa temática.

Com relação aos objetos, o autor os denomina de semióforos, mas “o que quer
dizer isso?”, você deve estar se perguntando... Semióforo é aquele objeto que possui
um significado para além da materialidade e da utilidade. Uma coleção é composta,
portanto, por um conjunto de semióforos. Nesse sentido, podemos compreender, como
coleção, um grupo de objetos que não possui mais a função utilitária e que adquire uma
nova função, simbólica. São representativos de uma época, de um povo, de uma pessoa
ou de uma situação específica. Por exemplo, podemos citar a caneta de pena utilizada
pela princesa Isabel para assinar a Lei Áurea. Ao ser utilizada pela princesa, a caneta
cumpria a função utilitária: escrever. Com a atribuição de um significado histórico a esse
mesmo objeto, foi afastado da função original, visando ser um símbolo do evento. Desse
modo, não mais se escreveu com a referida caneta, que foi salvaguardada em uma
coleção e serve ao propósito de ser um representativo de um evento passado.

FIGURA 9 – CANETA UTILIZADA AO INSTITUIR A LEI ÁUREA

FONTE: <http://mapadecultura.rj.gov.br/manchete/museu-imperial#prettyPhoto[pp_gal]/6/>.
Acesso em: 18 fev. 2020.

22
NOTA
Você sabia que existem dois exemplares idênticos da caneta
que assinou a Lei Áurea, cada um localizado em um museu
brasileiro? Isso mesmo! Uma das canetas está no Museu
Histórico Nacional (Rio de Janeiro) e, a outra, no Museu Imperial
(Petrópolis). Os dois museus afirmam possuir a caneta original,
utilizada pela Princesa Isabel (PIRES, 2020).

Contudo, uma coleção não se faz sozinha. Para que existam coleções, são
necessárias duas figuras importantes: a do colecionador e a do observador. Sozinhos, os
objetos não possuem significado, além da utilidade. O colecionador é aquele que percebe
o valor simbólico do objeto, retirá-lo do meio, classificá-lo, expô-lo. Já o observador é
aquele que visualiza os objetos após esse tratamento feito pelo colecionador. São essas
duas lentes que atribuem sentido à coleção.

Agora que você sabe o que é uma coleção, mostraremos, brevemente, como
elas se constituíram ao longo dos anos e se desenvolveram até encontrar espaço,
também, nos museus.

ESTUDOS FUTUROS
Nesta unidade, faremos apenas um breve apanhado histórico.
Nas próximas, abordaremos, mais a fundo, os momentos mais
relevantes da história do colecionismo. Fique atento!

Há indícios de coleções formadas desde o Paleolítico (SOUZA, 2009), porém, é


impossível precisar a finalidade delas. Como vimos nos tópicos anteriores, na Antiguidade,
as coleções eram usualmente relacionadas à figura dos Mouseion. O Templo das Musas,
as oferendas e os tesouros oferecidos para essas entidades acabavam se constituindo
como coleções, objetos reunidos ao acaso, com o objetivo único de prestar reverência
àquelas que inspiravam o mundo.

Na Antiguidade, mais precisamente, com o Mouseion de Alexandria, as coleções


se formavam para fins de estudo e de pesquisa. Em um momento posterior, conforme
Almeida (2001), os romanos realizavam práticas de colecionar e de expor como forma
de demonstrar dominação e poder através de espólios de guerra (objetos pertencentes
aos povos conquistados), de obras de arte e de esculturas.

23
Atente-se para a relação entre o colecionismo e o poder! Desde os primórdios,
as coleções têm, como um dos objetivos, ser uma forma de manutenção do poder e da
distinção entre grupos sociais. Essa característica fica bem perceptível ao avançarmos
na história e chegarmos na Idade Média, quando a Igreja Católica se torna a grande
responsável por coleções de relíquias sagradas, tesouros e manuscritos, o que aumentou
o prestígio e a distinção social. Nesse período, a escrita e a leitura era privilégio do clero,
o que proporcionava a dominação dessa instituição.

Com a ascensão do Renascimento, no século XIV, muitas mudanças ocorreram


na sociedade e se refletiram na prática colecionista. Novas motivações inspiravam
os colecionadores, que, agora, eram um grupo mais abrangente. Motivações essas
relacionadas a “interesses históricos, artísticos, documentais e científicos” (SOUZA, 2009,
p. 2). A popularização do colecionismo, entre os nobres e a burguesia, e o acúmulo de
objetos, deram vasão à necessidade de um espaço específico nas residências particulares:
os Gabinetes de Curiosidades. Neles, objetos criados pelo homem dividiam espaço com
exemplares de espécies naturais, minerais e animais, além das obras de artes.

ATENÇÃO
Fique atento! No próximo tópico, retornaremos aos períodos da
Idade Média e do Renascimento.

Daremos mais um salto temporal, para um outro momento decisivo para o


colecionismo: A Revolução Francesa e o Iluminismo. Nesse período, surgiram os museus
da maneira como conhecemos hoje em dia: espaços públicos, acessíveis a todos e não
apenas às altas classes. O primeiro museu, nesses moldes, foi criado em 1793, o Museu
do Louvre. Muitas das coleções particulares acumuladas durante o Renascimento foram
incorporadas aos acervos dessas novas instituições.

Com a ascensão da figura dos museus, é preciso citar que as coleções inseridas
em acervos museológicos passaram por um processo de significação diferente das
coleções privadas. Enquanto essas últimas atendem ao desejo de um colecionador,
as coleções museológicas são representativas de uma sociedade e se inserem como
vestígios de uma história conjunta.

Os objetos que constituem uma coleção museológica, atualmente, passam por


um processo de musealização, que engloba a preservação (seleção, aquisição, gestão,
conservação), a pesquisa e a comunicação. Aos que passam por esse processo e
que são inseridos nas coleções dos museus, é atribuído um novo sentido, chamado de
musealidade, que é:

24
[...] a propriedade que tem, um objeto material, de documentar uma
realidade através de outra realidade: no presente, é documento do
passado, no museu, é documento do mundo real, no interior de um
espaço, é documento de outras relações espaciais. A musealidade é
assim, o valor imaterial ou a significação do objeto, que nos oferece a
causa ou a razão da musealização (MAROEVIC, 1997, s.p.).

Assim como os objetos de coleções são chamados, por Pomian, de semióforos,


os objetos de museus são categorizados como museálias. O termo foi cunhado por
Zbyněk Zbyslav Stránský para “[...] designar as coisas que passam pela operação
de musealização e que podem, assim, possuir o estatuto de objetos de museu”
(DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 57).

Pronto, agora que você sabe o que são coleções e como elas se desenvolveram
até o surgimento dos museus, podemos retomar a narrativa mais aprofundada em
períodos históricos.

3 O COLECIONISMO NO RENASCIMENTO
Para abordarmos o Renascimento, precisamos voltar um pouco na história e
falar da Idade Média (século V - século XV d.C.). Esse período histórico tem início com
a queda do Império Romano, invadido por tribos germânicas do norte da Europa. No
ocidente, esses povos formaram pequenos reinos. Converteram-se ao cristianismo,
religião que se tornou predominante no território, principalmente, em Roma. Nesse
período, duas instituições dominavam a Europa: o Sacro Império Romano-Germânico e
a Igreja Católica.

As organizações econômica e social, na primeira parte do período, eram o


feudalismo, nome que faz referência ao local habitado na época, os feudos. Nessa
estrutura, existiam os senhores feudais, que concediam terras para camponeses
trabalharem sob uma série de obrigações. Os primeiros são chamados de suseranos
e, os segundos, de vassalos (CALAINHO, 2014). Os feudos eram autossuficientes,
o que diminuiu, consideravelmente, o comércio local.

A organização era endossada pela Igreja, que determinava que a sociedade


possuía uma ordem natural, na qual cada um nascia fadado a ocupar um lugar. As três
grandes classes eram: clero (formado pelos membros da Igreja Católica), nobreza (formada
pelos abastados donos das terras) e camponeses (a maioria da sociedade, que trabalhava
nos feudos para sobreviver). Perceba que, nessa estrutura, a Igreja e os membros se
encontravam no topo da pirâmide social, influenciando em todos os âmbitos.

25
No período, a leitura e a escrita eram exclusividade das classes mais altas da
sociedade, mais especificamente, do clero. O conhecimento, a produção de livros e o
ensino estavam concentrados nos mosteiros católicos, que gerenciavam as informações
que seriam repassadas ao povo. Dessa forma, a máxima “conhecimento é poder” se aplica
à concepção da sociedade medieval, e o poder era exclusivo das classes abastadas.

As Igrejas eram detentoras de variadas relíquias sagradas, objetos relacionados


aos santos católicos e à história bíblica. As relíquias constituíam uma parte muito
importante da fé cristã:

Para fundar um estabelecimento religioso, era necessário dotá-lo


não só de terras, mas, também, de relíquias. Uma vez entradas em
uma igreja ou em uma abadia, não saíam mais, a não ser que fossem
roubadas ou, excepcionalmente, oferecidas a algum personagem
poderoso; tornavam-se, portanto, muito numerosas, o que obrigava
a elaboração de catálogos. Fechadas nos relicários, eram expostas
aos fiéis durante as cerimônias religiosas e levadas nas procissões;
os fiéis não se contentavam em olhá-las, tocavam nos relicários e
os cobriam de beijos, pois o contato tornava mais segura a ação
miraculosa da relíquia (POMIAN, 1985, p. 60).

Observe aquilo que abordávamos anteriormente, os objetos como representantes


de algo maior, permitindo que as pessoas se aproximem de algo distante no tempo-
espaço (no caso, Deus e santos católicos). Ainda, era costume, da época, a realização
de doações à Igreja, como forma de mostrar a fé e o amor a Deus, além de garantir um
local privilegiado no céu cristão após a morte.

Ao preconizar o despojamento pessoal e o desprendimento dos bens


materiais, a Igreja Católica se torna a grande receptora de doações,
formando, a partir daí, verdadeiros tesouros, que eram utilizados para
fortalecer alianças políticas e financiar guerras contra os inimigos
do Estado Papal. Para armazenar tamanhas relíquias, foi criado
o studiolo, um espaço concebido especialmente para guardar e
apreciar tais tesouros (AZZI, 2011, p. 357).

Não apenas a Igreja era detentora das relíquias. Os nobres também acumulavam
tesouros familiares. Possuir coleções de objetos valorosos era, então, uma forma de
distinção social. A estas, dá-se o nome de coleções principescas.

NOTA
No século VIII, Carlos Magno (747-814) foi o primeiro imperador
do Sacro Império Romano-Germânico. Ele foi o responsável por
aquele que, hoje, chamamos de Renascimento Carolíngio, sendo
estabelecidas leis para que se preservasse tudo que remetesse à
cultura romana (CARLAN, 2008). Nesse sentido, observamos que
a preocupação com a preservação de vestígios do passado já se
manifestava (CARLAN, 2008).

26
A partir do século XI, com as relações estabelecidas entre Ocidente e Oriente,
através das Cruzadas, surgiram os burgos, cidades fora dos feudos, que tinham, como
atividade principal, o comércio. À classe comerciante, deu-se o nome de burguesia. Os
burgos modificaram a estrutura social do feudalismo, que se valia de uma relação de
subsistência, assim, com a abertura do comércio, começou a enfraquecer. É o chamado
Renascimento Comercial, que marca o fim do Feudalismo e o início do sistema capitalista.

NOTA
As Cruzadas (1096-1291) consistem em todas as investidas
militares pregadas pela Igreja Católica da Europa Ocidental
para o Oriente Médio, a fim de conquistar a Terra Santa e de
ocupá-la sob o domínio cristão, reforçando a imagem da igreja.
A justificativa divulgada era a de recuperar o Santo Sepulcro,
que estaria com os chamados “infiéis” (CALMON, 2014).

No fim da Idade Média (século XIV), surge um movimento chamado de


Renascimento, que atuou nos âmbitos cultural, artístico, intelectual e científico. Tinha,
como modelo, a civilização greco-romana antiga, e visava à revalorização da cultura
clássica. Teve, como berço, a Itália, e se espalhou pela Europa.

No Renascimento, começou-se a denominar o período anterior a esse


movimento da Idade Média. “[...] Uma fase de interrupção do progresso humano, um
período intermediário, daí média, entre o esplendor da Antiguidade Clássica e os ‘novos
tempos’ dos renascentistas e humanistas” (CALAINHO, 2014, p. 16).

O Renascimento marcou a transição da Idade Média para a Idade Moderna, e


transformou a sociedade ocidental. Uma das grandes contribuições foi na área filosófica.
Em um contexto em que a Igreja pregava o teocentrismo (ou seja, Deus no centro de
tudo), a filosofia renascentista, chamada de Humanismo, concebia o antropocentrismo
(o homem como centro de tudo).

Conforme Azzi (2011, p. 354), o Humanismo se baseia a partir de dois


componentes: “[...] o ressurgimento do interesse pela arte e pelos valores clássicos, e
um sentido renovado da capacidade do indivíduo na transformação do mundo, através
da busca de respostas científicas, e não mais religiosas”.

Seguindo o curso do Renascimento Comercial e das descobertas científicas


ocorridas nesse período, a partir do século XV, iniciaram as grandes navegações,
visando às expansões marítima e comercial. Portugal e Espanha se destacaram nas
atividades marítimas, expandindo as rotas comerciais para a Índia e para o “Novo
Mundo”, posteriormente, denominado de América.

27
As mudanças de pensamentos e de valores ocorridas no Renascimento geraram,
também, a transformação da prática colecionista e das artes.

As coleções principescas, surgidas a partir do século XIV, passaram a


ser enriquecidas, ao longo dos séculos XV e XVI, de objetos e de obras
de arte da antiguidade, de tesouros e de curiosidades provenientes
da América e da Ásia e da produção de artistas da época, financiados
pelas famílias nobres (JULIÃO, 2006, p. 20).

O Renascimento tornou mais fluidas “[...] as fronteiras entre as concepções


de patrimônio, de memória e de nação” (AZZI, 2011, p. 360). As coleções passaram a
abarcar objetos oriundos de lugares distantes, trazidos através das navegações. Eram
considerados espécimes exóticas, que atiçavam a curiosidade. Ainda, o financiamento de
artistas, por parte dos nobres, tornou-se proeminente, demonstrando uma valorização
das artes. As obras produzidas por encomenda eram inseridas nas coleções particulares
das famílias. Essa prática se tornou uma forma de distinção social na época.

Dentre artistas, escritores e intelectuais do período, destacamos Leonardo da Vinci


(1452-1519); Michelangelo Buonarroti (1475-1564); Dante Alighieri (1285 a 1321); William
Shakespeare (1564-1616); René Descartes (1596-1650); e Galileo Galilei (1564–1642).

FIGURA 10 – HOMEM VITRUVIANO, DE LEONARDO DA VINCI

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Da_Vinci_Vitruve_Luc_Viatour.jpg>.
Acesso em: 18 jun. 2020.

28
NOTA
O desenho de Leonardo da Vinci, o Homem Vitruviano, exemplifica
o mote do Renascimento: a retomada do pensamento grego
antigo e o foco no ser humano. Realizado pelo artista, a partir de
conceitos do arquiteto romano Marcus Vitruvius Pollio, o desenho
visa representar as proporções ideais do corpo humano.

A prática colecionista se popularizou entre a nobreza e a alta burguesia, sendo


um divertimento e se transformando em uma forma de distinção social. Possuir objetos
exóticos, antigos e valiosos era exclusividade daqueles mais abastados e de “gosto
refinado”, assim como observamos no período histórico anterior.

Os objetos, as obras de arte e as obras escritas grega e romana eram essenciais


para se obter a devida aproximação com a Antiguidade:

Os vestígios materiais da cultura clássica foram revestidos de imenso


valor e de grandes esforços para coletar e preservar. Os renascentistas
desejavam conhecer, comparar, compreender e admirar tudo aquilo
que fosse belo, exótico e fantástico (SOUZA, 2009, p. 3).

É importante ponderar que, nesse período, os objetos ainda não eram


considerados tão confiáveis. Desse modo, as materialidades do período greco-romano
serviam como ilustrativos daquilo que estava nos documentos (CHOAY, 2006). De
acordo com Azzi (2011, p. 12), “assim, não se trata apenas de um interesse pelas
antiguidades, mas, de certa forma, pode-se dizer que tem início um embate entre o
objeto e o documento escrito como testemunhos ‘autênticos’ do passado”.

Com a valorização da cultura material e a ascensão do conceito de autenticidade,


observa-se a preocupação em encontrar formas de conservar e de preservar os objetos
representativos de outros tempos (AZZI, 2011). Nesse sentido, no Renascimento, houve
a primeira iniciativa de reunir objetos, além de resguardá-los em um “[...] invólucro
específico, um pequeno espaço privado, destinado ao estudo, à meditação e à
contemplação” (GIRAUDY; BOUILHET, 1990, p. 23). Esse espaço, citado pelos autores, foi
chamado de gabinete de curiosidades.

29
3.1 OS GABINETES DE CURIOSIDADES
Vimos, anteriormente, que o Renascimento ascendeu uma nova vida à cultura
material, que passou a possuir destaque entre as camadas mais altas da sociedade.
Além disso, as grandes navegações possibilitaram o contato com as outras culturas,
que despertavam a curiosidade dos europeus. Do fascínio acerca das artes, do antigo
e do desconhecido, surgiram os gabinetes de curiosidades, espaços privados criados
para guardar e expor as coleções que se formaram.

As coleções possuíam uma imensa diversidade de itens, representantes de


diversos tempos, culturas e espécimes. O ponto em comum que unia todos os objetos
presentes era o objetivo de ser um “compêndio do universo”, ou seja, um espaço que
abrangeria o universo inteiro (POMIAN, 1985).

Em um Gabinete de Curiosidade, poderíamos encontrar os objetos


mais díspares possíveis, desde encadernações e obras de arte
antiga e moderna (bibelôs, estátuas, retratos e o que mais se poderia
imaginar), até monstros, fósseis minérios, múmias, objetos que,
hoje, chamaríamos de etnográficos (trazidos do Novo Mundo recém-
descoberto: remos, pirogas e adereços) etc. (GIRAUDY; BOUILHET,
1990, p. 23).

Os Gabinetes de Curiosidades também são chamados de quarto das maravilhas


(Wunderkammer, em alemão). Essas denominações nos auxiliam a compreender o
caráter diverso. As curiosidades e as maravilhas são tudo aquilo que não fazia parte
do cotidiano e da cultura europeia. Apesar de abrigarem objetos tão diversos, eram
planejados pelos colecionadores e possuíam uma organização coerente com a época
(FILHO, 2006). Era comum a existência de catálogos e de listagens dessas coleções,
que buscavam trazer ordem ao caos.

Os gabinetes de curiosidades são os lugares de relação entre o que


se conhece e o que se imagina. Nessa relação, fica explicitado o
sentimento necessário de controle, de poder, de conhecimento do
mundo, da criação divina. São lugares de uma memória que amplia a
sensação de poder, de conhecimento (SILVA, 2010, p. 37).

Há relatos de que existiam centenas, e, até mesmo, milhares de gabinetes de


curiosidades pela Europa durante o Renascimento, “[...] mantidos por príncipes ou por
casas reais, humanistas, artistas ou ricos burgueses; elementos representantes da
cultura erudita interessada em conhecer e em colecionar o mundo que os cercava”
(RAFFAIANI, 1993, p. 159 -160). Blom chama esse momento de “surto de colecionismo”
(BLOM, 2003, p. 37). Nesse período, uma nova forma de literatura foi criada, o catálogo,
utilizados pelos colecionadores para promover coleções e mostrar conhecimentos.
Muitas das imagens que vemos dos Gabinetes de Curiosidades e dos imensos acervos
fazem parte desse tipo de material impresso.

Os gabinetes eram como uma sala dedicada às coleções, ou como um tipo de


armário no qual eram distribuídas as peças e as espécimes:

30
FIGURA 11 – PINTURA DE UM GABINETE DE CURIOSIDADES, DE JOHANN GEORG HAIN

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Johann_Georg_Hainz_-_Cabinet_of_Curiosities_-_
WGA11425.jpg>. Acesso em: 29 maio 2020.

FIGURA 12 – GABINETE, DE FERRANTE IMPERATO

FONTE: <http://twixar.me/tfXm>. Acesso em: 24 maio 2020.

31
DICA
O filme Wunderkammer - Os Quartos das Maravilhas, do diretor
Francesco Invernizzi, mostra-nos como eram os gabinetes de
curiosidades durante o Renascimento. Você pode conferir o
trailer no Youtube.

É preciso comentar que, nesse período, as coleções eram muito vinculadas às


singularidades dos donos. Enquanto muitos colecionadores apenas exibiam artefatos
para contemplação e divertimento, outros buscavam estudar e produzir conhecimento a
partir deles. Desse modo, as coleções eram constituídas por propósitos e com intenções
diversas, e não obedeciam a certas regras e funções. Para auxiliá-lo a entender como eram
esses espaços, apresentaremos alguns dos Gabinetes de Curiosidades mais conhecidos.

• Coleção do Rei Frederico III da Dinamarca (1648-1670): O rei Frederico possuía, na


sua residência, diversas salas dedicadas para a guarda da coleção. Ele as separava
de acordo com a tipologia dos objetos, conforme indica Pomian (1985): gabinete das
medalhas, gabinete das curiosidades naturais, gabinetes das índias etc. Atualmente,
a coleção do rei faz parte do acervo do Museu Nacional da Dinamarca.

ATENÇÃO
Atente-se para o fato de que muitas das coleções particulares
foram incorporadas, posteriormente, ao acervo de museus,
começando a ser instituições de destaque após a Revolução
Francesa, a partir do século XIX.

• Imperador do Sacro-Império Romano Rodolfo II (1552-1612): Rodolfo II foi um grande


colecionador de obras de arte e patrocinador de artistas. Grande parte das obras
que patrocinava se enquadra no estilo do Maneirismo. Contudo, não apenas de artes
era composta a coleção desse Imperador: ele acumulou mais de 20 mil objetos e
espécimes naturais, que eram armazenadas em quatro salas da residência. O
Gabinete de Curiosidades do imperador era organizado de maneira enciclopédica,
um espaço de pesquisa para pesquisadores e intelectuais da época. Os herdeiros de
Rodolfo II, entretanto, não se interessaram em manter a coleção, que acabou sendo
desmantelada com os anos.

32
NOTA
O maneirismo é um estilo artístico que teve destaque entre 1520 e 1600. As obras desse
estilo são caracterizadas por apresentarem estilização exagerada. O nome foi utilizado
pelo artista Giorgio Vasari para indicar a “maneira” de cada artista ao trabalhar, não
havendo, então, tantas regras, dando grande liberdade de interpretação aos artistas. A
seguir, você poderá conferir um exemplar desse estilo.

RUDOLF II PINTADO COMO VERTUMNUS, DEUS ROMANO


DAS ESTAÇÕES, POR GIUSEPPE ARCIMBOLDO

FONTE: <http://twixar.me/btcm>. Acesso em: 24 maio 2020.

• Coleção do médico Pierre Borel (1620-1671): O gabinete do médico era relativamente


menor do que as coleções principescas anteriores. Borel, enquanto pesquisador,
classificou toda a coleção, na qual era possível encontrar as mais diversas e curiosas
categorias de itens, como aponta Pomian (1985 apud RAFFAIANI, 1993, p. 160):

[...] “raridades do homem”, “bestas de quatro pés”, “pássaros”, “peixes


e zoóphitos do mar”, “conchas”, “outras maravilhas marinhas”, “insetos
e serpentes”, “plantas, primeiramente, os bulbos e as raízes”; “folhas”;
“flores”; “sementes e grãos”; “frutas raras”; “outras frutas e sementes”;
“minerais, primeiramente, as pedras”; “coisas transformadas em
pedras”; “outros minerais”; “antiguidades”; e “coisas artificiais”.

33
• Coleção dos Médici: os Médici foram uma família burguesa da época renascentista,
que ascenderam ao poder da cidade de Florença, na Itália. Constituíram-se como
grandes mecenas do Renascimento. Mecenas eram aqueles sujeitos, da camada
mais alta da sociedade, que financiavam e incentivavam as artes e os artistas. Esse
tipo de ação era bem visto e fazia, dos mecenas, figuras de grande prestígio. Os Médici
financiaram diversos artistas de renome da época, como Botticelli, Michelangelo,
Caravaccio, Donatello, enfim... Muitas das obras eram realizadas sob encomenda da
família e compunham uma coleção particular. Inclusive, quem fazia a conservação
da coleção era o próprio Michelangelo, a pedido de Lourenço de Médici (OS MUSEUS
NO MUNDO, 1979). Como veremos mais adiante, a coleção deu origem à Galeria Ufizzi,
que é, hoje, o museu mais famoso de Florença.
• Coleção de Ferrante Imperato: Ferrante Imperato era um boticário e naturalista. Seu
gabinete de curiosidades refletia isso, pois era voltado para itens naturais e minerais
que serviam para observação científica e experimentos. A coleção originou 28 livros
escritos pelo boticário, o chamado Dell’historia Naturale, que era todo ilustrado com
desenhos de itens do próprio gabinete (BIODIVERSITY LIBRARY, 2017).

FIGURA 13 – PÁGINA DO LIVRO DELL’HISTORIA NATURALE

FONTE: <https://blog.biodiversitylibrary.org/wp-content/uploads/sites/4/2017/03/spiders.jpg>.
Acesso em: 24 maio 2020.

34
• Coleção de Ole Worm: Assim como Ferrante, Ole Worm também possuía intenções
científicas com as coleções. Sua coleção é uma das mais conhecidas da Renascença.
Pelas características particulares, deixaremos para abordar essa coleção de maneira
mais aprofundada no próximo tópico, que abordará a origem dos museus de ciências
naturais.

Você deve ter observado, nesses exemplos, que os Gabinetes de Curiosidades


possuíam diferentes formas de organização e de funções para os colecionadores. Além
disso, alguns são voltados à guarda de todos os tipos de objetos e de obras, outros mais
para obras de arte, e, ainda, aqueles que se dedicavam apenas aos exemplares naturais.
De certo modo, começa a haver uma “divisão entre as artes e as curiosidades” (SOUZA,
2009, p. 4), que deve influenciar, também, na criação dos primeiros museus.

NOTA
As coleções dos Gabinetes de Curiosidades podiam ser divididas
em quatro categorias, todas com nome em latim: artificialia, com
objetos criados ou modificados pela mão humana; naturalia,
com criaturas e itens da natureza; exotica, com plantas e
animais exóticos; e scientifica, com instrumentos científicos. Essa
organização categorizada não chegava aos espaços físicos dos
gabinetes, tendo em vista que as imagens que temos mostram
que os itens se encontravam todos misturados.

Desse modo, no próximo tópico, veremos como se deu a origem dos museus
de ciências naturais a partir das coleções de curiosidades. Depois, no próximo, acom-
panharemos a formação das galerias de arte e dos primeiros museus dessa tipologia.

DICA
O site Google Arts and Culture possui uma página dedicada
à temática dos Gabinetes de Curiosidades. Nela, você pode
conferir informações complementares e ilustrações diversas dos
gabinetes e dos acervos. Além disso, o site direciona para a página
dos museus que, atualmente, possuem acervos oriundos das
coleções particulares. Está em inglês, mas o próprio site possui
um recurso para traduzir o conteúdo através do Google Tradutor:
https://artsandculture.google.com/theme/4QKSkqTAGnJ2LQ.

35
3.2 A ORIGEM DOS MUSEUS DE CIÊNCIAS NATURAIS
Como vimos anteriormente, a expansão marítima possibilitou o contato do euro-
peu com outras terras e culturas. A curiosidade despertada pelos ideais renascentistas
fez com que coleções se formassem e fossem abastecidas com objetos e exemplares
trazidos do além-mar. Não apenas antiguidades, mas, em alguns Gabinetes de Curiosi-
dades, também se encontravam peças que, hoje, identificamos como etnográficas e de
história natural, acumuladas pelos europeus para fins de estudo e de admiração acerca
do outro (do povo além-mar, da fauna e da flora, dos minerais, enfim, de tudo que não
pertencia à realidade europeia).

NOTA
A etnografia, de maneira simplificada, é o estudo das diversas
culturas e das etnias humanas. Ao dizer que uma coleção é
etnográfica, significa que é referente a uma cultura que não
daquela pessoa ou da instituição em que está inserida.

As coleções etnográficas, de acordo com Raffaiani (1993), não procuravam


abranger toda uma série de elementos representativos de determinada cultura, mas um
único elemento que contivesse todos os traços representativos, um “exempla”. Dessa
forma, os colecionadores buscavam aquilo que era raro, não aquilo que era comum.

Como vimos, a naturalia e a artificialia dividiam o espaço dos gabinetes de


curiosidades e, muitas vezes, a mesma vitrine (KURY; CAMENIETZKI, 1997). Os primeiros
gabinetes mais voltados para as coleções naturais eram de intelectuais que possuíam
interesses científicos. Dentre eles, estava Ferrante Imperato, o qual apresentamos no
tópico anterior. Podemos citar, também, a coleção do professor de história natural da
Universidade de Bolonha, Ulisse Aldrovandi (1522-1605), que estabeleceu um jardim
botânico que usava para pesquisa e ensino (MUSEU NACIONAL DA DINAMARCA, 2020).

Você deve estar se perguntando: quando falaremos da coleção mais famosa da


época renascentista, da coleção de Ole Worm, da qual comentamos anteriormente? Pois
bem, é agora.

Ole Worm (1588-1654) foi um físico, historiador natural e antiquário dinamarquês,


além de professor de medicina da Universidade de Copenhagen. Desse modo, a criação
de um gabinete visava atender aos interesses científicos e de ensino.

36
FIGURA 14 – RETRATO DE OLE WORM

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Portrait_of_Ole_Worm_in_: %22Museaeum...%22,_1655_


Wellcome_L0003098.jpg>. Acesso em: 18 maio 2020.

A maior parte da coleção consistia em espécies naturais dos reinos mineral,


vegetal e animal, sendo que ele coletou e classificou. Além disso, como bom Gabinete
de Curiosidades, também se encontravam antiguidades e artefatos de etnografia. No
gabinete, existiam:

[...] várias peças etnográficas, como flechas e arcos, remos, elementos


de vestuário, instrumentos musicais, misturados a uma grande
diversidade de objetos de história natural: animais empalhados,
peixes, conchas, pedras, peças da antiguidade e muitos outros
objetos (RAFFAIANI, 1993, p. 163).

Você poderá conferir como era exposta essa miscelânea de itens a seguir.

37
FIGURA 15 – GABINETE DE CURIOSIDADE, DE OLE WORM, 1655

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Museum_Wormiani_Historia_1655_Wellcome_
L0000128.jpg>. Acesso em: 18 maio 2020.

Não há indícios de um catálogo ou de uma listagem precisa de toda a vasta


coleção de Worm. Apenas um pequeno catálogo de 1642 existe, e apenas com cópia
existente no Museu Britânico. Há indícios de haver um de 1645, que haveria desaparecido.

A partir da coleção, foi feito um terceiro catálogo, em 1655, após a morte de Ole
Worn. O texto está dividido em quatro livros, acerca das seguintes categorias: mineral,
vegetal, animal e artificialias.

[...] Todos os objetos do quarto livro são sistematizados de acordo


com o material de que são feitos. O texto é de natureza um tanto
irregular, algumas seções parecem ser manuscritos de palestras,
outras são limitadas a enumerações de nomes. A obra não é apenas
um catálogo, mas uma obra científica com referências e citações de
outros autores (MUSEUM WORMIANUM, 2020, s.p.).

Após a morte de Worn, o Rei Frederico III comprou a coleção, que foi transferida
para o Castelo de Copenhagen, onde grandes obras já faziam parte de uma coleção.
Com essa compra, dois tipos diferentes de coleções renascentistas foram unidos: a
coleção de arte do príncipe e um gabinete naturalista de um estudioso renascentista.

38
A coleção de Ole Worm evidencia a relação entre as coleções e a ciência do
período Renascentista, principalmente, as ciências naturais e a necessidade de
classificar o mundo. Além disso, os Gabinetes de Curiosidades se constituíram como
espaços de ensino e de aprendizagem através da observação e do contato direto com
as espécies e com os objetos.

Na Inglaterra, observa-se, também, a existência desse tipo de Gabinete de


Curiosidade. A primeira coleção de objetos de história natural com essa quantidade e
qualidade na Inglaterra foi a de John Tradescant (1570-1638), botânico e jardineiro real.
Após a morte deste, foi comprada por Elias Ashmole (antiquário, político, oficial de armas
e estudante de astrologia e de alquimia). Posteriormente, foi doada à Universidade de
Oxford, em 1683.

FIGURA 16 – RETRATO DE ELIAS ASHMOLE

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Elias_Ashmole_by_John_Riley.jpg>.
Acesso em: 24 maio 2020.

A universidade nomeou o espaço inaugurado de Museu Ashmole, o primeiro mu-


seu do mundo e o primeiro museu universitário inaugurado. “Assim, a universidade con-
sagrava, como parte importante da formação dos alunos, o contato direto com os objetos
(ALMEIDA, 2001, p. 130), criando o primeiro museu pedagógico” (SOUZA, 2009, p. 7).

39
FIGURA 17 – MUSEU ASHMOLEAN, INAUGURADO EM 1683

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ashmolean_Museum_in_July_2014.jpg>.
Acesso em: 18 maio 2020.

Como veremos neste livro, o Museu Ashmolean apenas inaugurou uma


crescente, que foi a criação de museus de caráter científico e de ciências naturais. De
acordo com Kury e Camenietzky (1997, p. 58), o “[...] o período que abrange o século
XVI ao XIX é marcado pela substituição dos antigos Gabinetes de Curiosidades pelos
museus científicos”.

Veremos, mais adiante, neste livro, como os saberes metodológico e científico


do Iluminismo transformaram e finalizaram os Gabinetes de Curiosidades.

Salvo as diferenças entre os gabinetes de curiosidades e os museus atuais,


podemos identificar uma característica contínua entre os dois: ambos são lugares
de classificação, de pesquisa e de conhecimento. Classificar consiste em apreender
e aprender o mundo ao redor, e essa característica também se faz presente nas
instituições museais atuais.

40
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• O colecionismo é uma prática que acompanha a humanidade há muitos anos, sendo


uma forma que o ser humano encontrou de se conectar e de se relacionar com aquilo
que não está próximo a ele no tempo-espaço.

• O Renascimento foi um período que modificou completamente as estruturas sociais,


e, com o colecionismo, não foi diferente. A partir de então, as coleções passaram a ser
acumuladas por uma gama de pessoas e a servir, também, para objetivos científicos.

• Os Gabinetes de Curiosidades foram criados para abrigar as coleções nesse período,


com os objetivos de conservação e de exposição dos objetos antigos e curiosos
adquiridos pelos colecionadores.

• Os museus de ciências naturais surgiram em decorrência dos Gabinetes de Curio-


sidades, voltados às naturalias e aos artefatos etnográficos, que eram, usualmente,
pertencentes a homens de carreira científica que colecionavam, visando à pesquisa
e à classificação dos itens desconhecidos.

41
AUTOATIVIDADE
1 Os Gabinetes de Curiosidades surgiram no século XIV em decorrência do holofote
que os ideais humanistas e as grandes navegações trouxeram para a aquisição de
objetos, obras e espécies, além da composição de coleções. Acerca dos Gabinetes
de Curiosidades, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as sentenças
falsas:

( ) Os Gabinetes de Curiosidades eram exclusividade da Igreja e da alta nobreza


renascentista, que colecionavam relíquias e tesouros principescos.
( ) Além do cuidado dos colecionadores ao catalogarem as coleções, havia uma ordem
meticulosa na organização dos Gabinetes de Curiosidade.
( ) O Ashmolean Museum foi o primeiro museu de arte a ser aberto, oriundo da coleção
de Elias Ashmolean.
( ) Várias coleções dos Gabinetes de Curiosidades renascentistas foram incorporadas
aos acervos de instituições museológicas.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F - V.
b) ( ) V – F – V - F.
c) ( ) F – V – F - V.
d) ( ) F – F – V - V.

2 O colecionismo é uma prática que acompanha os seres humanos há muitos anos.


No Renascimento, observamos algumas características particulares dessa atividade.
Assinale a alternativa que descreve as coleções nesse período:

a) ( ) A presença de objetos diversificados nas coleções e a exclusividade ao clero e à


nobreza.
b) ( ) As coleções possuíam funções abrangentes, diferentes para cada colecionador,
além da presença de objetos de variadas tipologias.
c) ( ) As coleções possuíam função exclusivamente contemplativa das coleções e da
produção de catálogos.
d) ( ) As coleções eram restritas ao saber científico e ilustrativas de catálogos.

3 Você viu, neste tópico, que o colecionismo é uma prática que acompanha o ser
humano desde a origem, assim, disserte a respeito das diferentes perspectivas de
coleção no decorrer dos períodos históricos que abordamos até aqui.

42
4 Após fazer a leitura atenta deste tópico, disserte a respeito das mudanças que o
Renascimento provocou na prática colecionista.

5 Conforme você estudou neste tópico, complete a frase com os conceitos CORRETOS:

Um objeto se torna objeto de museu quando assume a potencialidade de


__________. Assim, ele passa pelo processo de __________, deixa de ser um
objeto de uso comum e assume a função de representante histórico, tornando-se um
"objeto __________".

a) ( ) SEMIÓFORO - MUSEALIZAÇÃO - MUSEAL.


b) ( ) MUSEÁLIA - MUSEALIDADE - SEMIÓFORO.
c) ( ) MUSEÁLIA - MUSEALIZAÇÃO - SEMIÓFORO.
d) ( ) MUSEALIDADE - MUSEALIZAÇÃO - MUSEÁLIA.

43
44
UNIDADE 1 TÓPICO 3 —
AS COLEÇÕES NO RENASCIMENTO II

1 INTRODUÇÃO
Caro leitor, neste tópico, agora, que já conhecemos um pouco do contexto do
Renascentismo, adentraremos nos últimos anos desse período, permeados pela cultura
do colecionismo e pelo surgimento das primeiras galerias de arte do mundo.

O período é conhecido pelo deslocamento da imagem do artesão para o artista


dentro da sociedade, com a presença da autoria nas obras. Além disso, as novas dinâ-
micas propiciam o surgimento do mecenato, realizado, principalmente, pelas famílias
reais e pela nobreza, que entendiam, neste momento, a importância de serem represen-
tadas nas telas dos expoentes artistas. Vamos conhecer um pouco mais dessa história?

2 ORIGEM DOS MUSEUS DE ARTE: AS GALERIAS


O Renascimento trouxe uma nova forma de pensar no mundo, com as pesquisas
históricas e a emergência do conhecimento científico, que classificavam os elementos
da natureza. Esse cenário auxiliou o processo do “surto de colecionismo”, que possibilitou
que as coleções circulassem e fossem apresentadas fora dos espaços eclesiásticos,
característicos do período medieval (BLOM, 2003).

Com a expansão dos novos impérios comerciais, abria-se um novo universo


no campo das trocas e no acúmulo de riquezas. A autoridade da igreja estava em
constante declínio, a consciência da morte, de forma científica, trouxe, para a sociedade,
a importância do acúmulo de patrimônio com o sentido de herança, legado para
dependentes e descendentes (AZZI, 2011). Algumas coleções ganhavam destaque e
valor e o mercado da arte eram reforçados.

As coleções de obras de arte têm origem nas coleções principescas que temos
registro desde o século XIV, transformadas, integralmente ou parcialmente, em museus,
posteriormente (SUANO, 1986). Na mesma época, Lorenzo de Médici, o terceiro na
geração da família clássica da aristocracia italiana, possuía, em casa, uma das maiores
coleções de arte da Europa, que viria a se tornar a primeira galeria de arte da Itália
(CRIPPA, 2005).

45
NOTA
Você já ouviu falar das coleções principescas?

Após o fim da Idade Média, os poderes político e econômico de


alguns príncipes italianos são fortalecidos, coleções de antiguidades
já eram frequentes, e, com elas, nesse novo momento, a inclusão
das obras de arte. Esse tipo de coleção, de cunho privado, foi
denominado de “coleções principescas”, características do período
do Renascimento (AZZI, 2011).

A grande efervescência artística ocorreu entre os séculos XV e XVI, com a


proliferação das coleções privadas. Os príncipes europeus tinham, como hábito, o
financiamento do trabalho dos artistas; esse tipo de auxílio financeiro era denominado de
mecenato. Esses artistas consolidaram, nas obras, os símbolos dos poderes econômico
e político das famílias reais e aristocratas. Um dos artistas mais conhecidos do mundo,
Leonardo da Vinci, foi, durante longos períodos da carreira, financiado por príncipes.
Muitas das obras criadas no período acabaram pertencendo a coleções privadas, sendo
incorporadas aos acervos públicos em grandes museus, como o Museu do Louvre, o
Museu do Prado etc. (AZZI, 2011).

Para exemplificar o tipo de processo, conheceremos um pouco da história da obra


de arte mais conhecida no mundo, A Mona Lisa, ou Gioconda (como é conhecida na Itália).

FIGURA 18 – A MONA LISA, OU GIOCONDA

FONTE: <https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Mona_Lisa,_by_Leonardo_da_Vinci,_from_
C2RMF_retouched.jpg>. Acesso em: 18 maio 2020.

46
A Mona Lisa foi pintada pelo italiano Leonardo Da Vinci. Iniciada em 1503, é
considerada, na atualidade, uma das suas obras mais emblemáticas. Durante os últimos
anos de vida, Da Vinci foi contratado pelo Rei Francisco I, da França, para prestar serviços
artísticos para a corte francesa. Após a sua morte, grande parte das obras foi vendida para
esse rei, que as expôs no Palácio de Versalhes e, posteriormente, no Louvre (PIRES, 2020).

ATENÇÃO
Você sabia que a Mona Lisa já foi roubada? É verdade, em 1911, a Mona Lisa foi roubada,
mas como isso aconteceu?

Ela foi roubada por um funcionário do Museu do Louvre, Vincenzo Peruggia, um italiano.
Ele conhecia o frágil sistema de segurança da instituição e tinha sido da equipe que
instalou o vidro que protegia a obra. Só em 1913 a tela retornou para o
Museu do Louvre, após ter sido encontrada na Itália. Peruggia foi preso,
e, posteriormente, alegou que tinha motivações patrióticas, pois ele
acreditava que Napoleão havia roubado a tela da Itália e gostaria de
devolvê-la para o país de origem, todavia, isso não é verdade. A tela
foi adquirida pelo rei da França, que havia criado uma boa relação de
amizade com Da Vinci nos últimos anos de vida (PIRES, 2020).

O furto se tornou assunto do Estado e despertou muita curiosidade


da mídia francesa. Depois dessa grande confusão, a tela se tornou a
obra de arte mais famosa do mundo. E você, também tem vontade
de conhecer a Mona Lisa?

A noção de criação artística surge no Renascimento, com o deslocamento da


postura de homem artesão/artífice para artista, como um sujeito criador. Resultante
disso, surge a ideia de autoria artística e as obras começam a receber a assinatura ou
a marca dos autores. O artista, durante o Renascimento, adquiriu um elevado status
social, em detrimento do artesão. No período, a personalidade artística começou a se
sobrepor, ocorre a transferência da importância da obra para o autor, e o conceito de
autenticidade emerge (AZZI, 2011).

O amor pela arte foi incentivado, nesse período, pelo estímulo à ideia de satisfação
na contemplação dos objetos reais. Esse processo mobilizou forças sociais poderosas,
que criaram organizações para a conservação das materialidades das antiguidades e
das artes.

Parecia ter chegado essa hora. Um mercado em constante expansão,


associado ao aprofundamento da reflexão a respeito da arte e
das descobertas arqueológicas, criava uma nova mentalidade em
um público de apreciadores recrutados em camadas sociais mais
variadas, e que dispunha de uma autoridade intelectual e de um
poder econômico sem precedentes (CHOAY, 2006, p. 89).

47
Com o desenvolvimento do status do artista, desponta a noção de criação
autônoma. Anteriormente, o artista deveria responder a uma exigência utilitária, sendo,
a arte, utilizada para embelezar, adornar, decorar e celebrar. Durante o Renascimento,
ainda que trabalhando para contratantes, os artistas tinham muita liberdade para a
criatividade e o incentivo para a produção, com temáticas e características de gosto
individual (AZZI, 2011). O consumo de obras se populariza entre as classes mais altas da
sociedade e cresce o mercado da arte.

De acordo com Benjamin (1994), é um momento de ruptura de valores


empregados nas obras de arte. Elas perdem o “valor de culto” e recebem um novo
significado, através do “valor de exibição”. Além disso, é concedido, à obra, o estatuto
de arte, com base em funções estéticas. Antes do surgimento dos museus de arte, as
obras eram realizadas apenas por encomendas, para representar algo. Muitas vezes,
eram retratos, forma de perpetuação e divulgação da imagem no período.

Agora que conhecemos um pouco das mudanças das noções de bens artísticos
ocorridas durante o período do Renascimento, devemos compreender a origem das
instituições, que possibilitaram que esses elementos culturais fossem apreciados pelo
público.

Inicialmente, é importante compreender a concepção de arte do período


Renascentista. A arte se define como manifestações, técnicas ou habilidades
provenientes da atividade humana, dotadas de características e de valores estéticos.
Essas representações expressam ideias, percepções e sentimentos. Na concepção
tradicional, são materializadas pelas esculturas e pelas pinturas. Na contemporaneidade,
o conceito de obra de arte já se configura de forma mais abrangente, entendendo outras
formas de expressão e produtos como elementos pertencentes (COLI, 2007; ARCHER,
2001; LOUREIRO, 2000).

Os primeiros espaços destinados para a apresentação das obras de arte foram


as galerias. Encomendadas por monarcas, príncipes e papas, geralmente, eram parte
das próprias residências, e tinham acesso privado apenas para convidados.

As galerias eram, geralmente, salas muito longas, com numerosas


arcadas ou janelas de um lado, pelas quais penetrava a luz que
iluminava a parede oposta, onde se encontravam as pinturas. Os
pisos eram de pedra ou de madeira, contendo pedestais alinhados
de esculturas antigas de mármore ou de pedra (GIRAUDY; BOUILHET,
1990, p. 27).

O colecionismo, praticado na Itália, ocorreu, principalmente, em Florença, pela


tradicional e poderosa família Médici. De acordo com Trigger (2004, p. 36), os membros
eram amantes da arte. Como exemplo, Lorenzo, o magnífico, que, “ainda no século
XV, já possuía até um conservador de coleções: o artista Bertolo, discípulo do escultor
Donatello”.

A primeira galeria de arte de que temos registro é anterior aos primeiros museus
nos moldes contemporâneos. A Galeria Degli Uffizi, criada na Itália, foi idealizada pelo
pintor e arquiteto Giorgio Vasari, construída em 1581, pela Família Médici. Nesse espaço,

48
estavam objetos de arte antigos e modernos. Originalmente, foi criada para outra
finalidade, mas, naquele mesmo ano, já estava funcionando como espaço privado de
exposições de arte. Ainda hoje, é reconhecida como o primeiro museu moderno e a
primeira galeria de arte do mundo (SOUZA, 2009).

[...] O Palácio Médici pode ser considerado o primeiro museu privado da


Europa, pela quantidade de objetos e pela ornamentação ostensiva. O
primeiro espaço dedicado, exclusivamente, às artes, desvinculado do
objetivo decorativo, surge em Florença, no último quartel do século
XVI, quando François I resolve aproveitar o último andar do edifício de
escritórios, que servia de passagem, como um grande corredor, para
unir diferentes palácios, para reunir toda a grande coleção de obras
de arte que, antes, encontrava-se espalhada por diversos lugares
(KIEFER, 2000, p. 12).

FIGURA 19 – GALERIA DEGLI UFFIZI

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Uffizi_Gallery_hallway.JPG>.
Acesso em: 18 maio 2020.

NOTA
Em Florença, surge a ideia moderna do termo museum, durante
o século XV, “através de Cosimo I (1519-1574), que utiliza o termo
para se referir à coleção particular”. Cosimo I foi o personagem que
solicitou, a Giorgio Vasari, a concepção do prédio, que funcionaria
como escritório da magistratura de Florença, conhecida como
Galeria Uffizi, cujo terceiro andar virou a galeria da coleção artística
da família Médici (TRIGGER, 2004). Isso nos mostra a importância
que as galerias de arte tiveram na trajetória para a concepção do
museu moderno.

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Entretanto, a origem da prática da exibição das coleções artísticas nem é feita
nas galerias. A exibição de obras de arte já era um costume entre os reis, que mantinham,
nos palácios, salões e corredores para essa função. Esses espaços deram origem, após
a Revolução Francesa, aos primeiros museus “públicos”, no fim do século XVIII. Todavia,
ainda existiam muitas restrições ao acesso desses ambientes para a grande população,
portanto, estavam longe de ser instituições públicas, como viriam a se tornar apenas no
século XX, com a grande escala de criação dos museus (KIEFER, 2002).

A denominação Galeria acabou, com o tempo, tornando-se sinônimo para as


salas de exposição destinadas, exclusivamente, para a exibição de coleções de arte.
Ainda, a Galeria Uffizi virou referência, no imaginário burguês, de importância, prestígio
e poder. Influenciados pelos antepassados poderosos, os primeiros museus, que
apresentaram as coleções ao público, eram inspirados nas grandes galerias dos palácios
e das mansões da aristocracia (KIEFER, 2002).

Na Itália, a apreciação pela antiguidade começou pela literatura, ampliando-se


até os vestígios materiais. Nesse período, ocorreu uma rejeição ao estilo gótico em prol
das heranças cultural e material grega e romana.

Um exemplo de intelectual que começou a ampliar a visão dos


livros para os vestígios materiais é Ciríaco de Ancona (1391-1452),
mercador italiano que mereceu o título de primeiro arqueólogo, por
ser um dos primeiros a realizar, durante vinte e cinco anos da sua
vida, viagens pela Grécia e pelo Mediterrâneo, muitas vezes, com
o objetivo específico de coletar dados a respeito de monumentos
antigos. Durante as viagens, ele copiou inscrições, fez desenhos de
monumentos e colecionou livros, moedas e obras de arte (TRIGGER,
2004, p. 36).

As coleções que originaram os museus do Vaticano foram adquiridas pelo Papa


Júlio II (1443 - 1513), e reuniam uma série de esculturas. Uma das principais peças da
coleção desse Papa foi a escultura de mármore da antiguidade, com a representação de
Laocoonte e dos filhos, descoberta em Roma, em 1506 (ALMEIDA, 2001).

Durante os séculos XV e XVI, com o surgimento da Reforma Protestante, a


Igreja Católica Romana perdeu grande parte do público. A Contrarreforma, apesar
da forma tardia, consolidou a preservação da sociedade cristã. Dessa forma, a Igreja
Católica conseguiu criar novas estratégias para conquistar o público perdido para os
protestantes, como a abertura pública das coleções.

[...] O Papado que, em 1471, primeiramente, abriu as suas coleções ao


público, em um antiquarium organizado pelo Papa Pio VI; e, em 1601,
o arcebispo de Milão criou a Biblioteca Ambrosiana e a Academia de
Belas-Artes. Tais instituições, apesar de visitadas por um público
seleto formado por artistas e estudantes, já mostrava a tendência do
museu de se tornar um espaço de ensino e de criação artística, ainda
que a serviço da estética aprovada pela Igreja (SUANO, 1986, p. 23).

50
Na Itália, também existiram os Studiolos, que eram equivalentes ao Schatzkam-
mers germânicos. Uma coleção célebre desse período pertenceu à Marquesa de Mân-
tua Isabella d'Este (1474 - 1539), que contratou famosos pintores italianos para criarem
composições apresentadas nos salões do castelo. O quadro Parnasos, realizado por
Andrea Mantegna, foi um convite realizado pela marquesa, “exibido à admiração dos
visitantes selecionados que penetravam nesse gabinete do Palácio Ducal após atra-
vessarem um jardim onde estavam réplicas de célebres esculturas” (SOUZA, 2009, p. 6).
Atualmente, a tela se encontra no acervo do Museu do Louvre.

A seguir, conheceremos o cenário das primeiras mostras de arte em


outros países.

FIGURA 20 – PARNASOS, TELA DE 1497

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:La_Parnasse,_by_Andrea_Mantegna,_from_C2RMF_
retouched.jpg>. Acesso em: 29 maio 2020.

NOTA
Schatzkammer é uma palavra em alemão para tesouro ou arca
de tesouro. Logo, esse espaço era o local destinado à guarda
dos objetos que representavam a riqueza ou, até mesmo, que
despertavam uma grande curiosidade.

51
Na sequência, outros espaços começam a surgir em diferentes pontos da Eu-
ropa. Em 1620, é criada a Ashmolean Museu de Arte e Arqueologia, hoje, pertencente à
Universidade de Oxford, na Inglaterra. Essa instituição abrigava coleções de numismá-
ticas e objetos que despertavam a curiosidade. A partir de 1683, foram colocadas obras
de arte no acervo.

Na Inglaterra, as coleções eram constituídas, predominantemente, de peças


eclesiásticas ou de objetos da nobreza. No fim do século XV, conforme Souza (2009),
pesquisadores, como William de Worcester (1415-1482), trabalhavam em uma descrição
do reino britânico que envolvia medir e descrever os edifícios antigos. Quanto ao Rei
Henrique VIII (1491-1547), inicia a destruição dos monastérios, e os pesquisadores da
época começaram a realizar o registro de tudo que viria a ser destruído. Esse tipo de
registro dá início a uma nova tradição, à dos antiquários (SOUZA, 2009).

NOTA
Antiquários

O nome é o mesmo, mas não confunda! Quando nos referimos a antiquários,


nesse contexto, são pessoas oriundas da classe média local. Para elas, as
antiguidades locais poderiam substituir as consolidadas antiguidades
gregas e romanas. Realizam os registros de monumentos de outros
períodos, como das estruturas medievais e pré-históricas, apontando
histórias e lendas relativas a esses sítios locais (TRIGGER, 2004). Um
exemplo desse período foi o trabalho realizado por William Camden
(1551-1623), membro fundador da Sociedade de Antiquários, que
estudou e registrou as ruínas medievais e romanas (SOUZA, 2009).

Ao contrário da Inglaterra, a tradição colecionista da França foi, basicamente,


composta pelos bens adquiridos pela monarquia (SOUZA, 2009). O Rei Francisco I
(1494-1547), conhecido por ter convidado Leonardo Da Vinci para morar na corte, foi
um grande colecionador de estátuas de mármore e bronze, adquiridas localmente ou
oriundas de diversos lugares do mundo. Durante o reinado, abriu cinco galerias para
expor as coleções de quadros e esculturas em Fontainebleau (GIRAUDY; BOUILHET,
1990). O sucessor, Henrique IV (1553-1610), manteve a prática e a manutenção de tais
coleções (TRIGGER, 2004).

No século XVII, a Galeria de Apolo, dentro do Palácio do Louvre, em Paris, abriu


as portas para artistas e estudantes. Esse movimento influenciou outras monarquias a
compartilharem, ainda que de forma muito restrita, as coleções de arte nos salões dos
palácios.

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FIGURA 21 – ARTISTA SAMUEL F. B MORSE, GALERIA DE EXPOSIÇÃO NO LOUVRE, 1832-1833

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gallery_of_the_Louvre_1831-33_Samuel_Morse.jpg>.
Acesso em: 18 maio 2020.

Agora, falaremos um pouco de como era uma visita às salas expositivas de


um dos mais clássicos expoentes do período, o Palácio do Louvre. Na pintura anterior,
podemos vislumbrar o acúmulo de telas em cada parede. As pinturas maiores ficam
localizadas no topo, pois é mais fácil de visualizar a distância. Às vezes, são distanciadas
da parede e um pouco inclinadas, para serem acessíveis ao plano do observador. Os
quadros principais ficam na zona central e os quadros pequenos sempre mais abaixo. As
molduras são instaladas sem que se veja uma pequena parcela da parede, com o intuito
de não serem desperdiçados os espaços da galeria (O’DOHERTY, 2002). Os respiros
visuais não são uma prática do período, e as exposições têm o objetivo de apresentar o
maior número de obras possível.

Com o surgimento do mercantilismo, dos séculos XVII e XVIII, ocorre, também, a


abertura de novos espaços para a exibição das obras de arte. Os estados se dedicam à
formação dos artistas no mercado interno. Esse movimento fez com que a visitação às
coleções fosse essencial, ampliando a abertura das coleções reais, como as do Palácio
de Luxemburgo, as do Palácio de Postdam e as do Palácio Hermitage (AZZI, 2011).

DICA
Ficou curioso para saber como eram organizadas as obras de arte nos
palácios? O filme A Arca Russa é um longa-metragem realizado pelo
diretor Alexandre Sokourov. Nele, você acompanhará um cineasta que,
misteriosamente, é enviado para o Palácio de Hermitage em 1700.

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O desenvolvimento dos museus de arte se insere nos projetos filosófico e político
do Iluminismo. O Iluminismo foi caracterizado pela:

[...] vontade dominante de democratizar o saber, de torná-lo acessível


a todos pela substituição das descrições e imagens das compilações
de antiguidades por objetos reais, vontade, menos geral e definida,
de democratizar a experiência estética (CHOAY, 2006, p. 89).

Segundo Julião (2006), a partir dos séculos XVII e XVIII, os Gabinetes de


Curiosidade evoluíram e se fragmentaram, criando diversas categorias de objetos,
surgindo, também, algumas coleções de arte e museus.

Em suma, as primeiras exposições com obras artísticas não foram em museus,


nos moldes dos que conhecemos na atualidade. Os museus foram criados perante a
decadência da tirania das velhas formas de controle, influenciados pela forma pública e
democrática do novo sistema de poder, a república (KIEFER, 2002).

Neste momento, um novo panorama se apresenta, existem os objetos artísticos


descontextualizados e os criados com a intencionalidade de serem incluídas as coleções
de museus. Já no século XIX, essa prática se torna comum entre a comunidade de
pintores. Há a diminuição de obras encomendadas e os artistas começam a produzir
em prol do museu, com o objetivo de que os trabalhos sejam exibidos e incorporados a
essas instituições. Esse processo foi tão bem consolidado que, ainda na atualidade, é
reproduzido. O artista contemporâneo ainda tem o propósito de ter as obras incorporadas
às coleções dos museus de arte.

54
LEITURA
COMPLEMENTAR
COLEÇÃO

Kristof Pomian

1. Uma colecção de colecções

Não é difícil de encontrar. Conjuntos de objectos naturais ou artificiais, mantidos


temporária ou definitivamente fora do circuito das atividades econômicas, submetidos
a uma protecção especial e expostos ao olhar, acumulam-se com efeito nas tumbas e
nos templos, nos palácios dos reis e nas residências de particulares.

[...]

1.2. As oferendas

Os actuais museus devem esse nome aos antigos templos das Musas. Todavia,
o mais famoso, o Museu de Alexandria, não era por causa das colecções de objectos;
tornou-se famoso graças à biblioteca e à equipe de sábios que aí vivia em comunidade.
Existe, porém, mais de uma semelhança entre os templos dos gregos e dos romanos
e os nossos museus. Com efeito, nos templos, acumulavam-se e eram expostas as
oferendas. O objecto oferecido ao deus e recebido por ele, segundo os ritos, torna-se
hieron ou racrum, e participa da majestade e da inviolabilidade dos deuses. Subtrai-
lo, deslocá-lo ou desviá-lo do uso ou apenas tocá-lo é acto sacrílego. De facto, não
se pode falar de uso nesse caso. O objeto entrado em um recinto sagrado passa, com
efeito, para um campo rigorosamente oposto ao das actividades utilitárias.

No interior do recinto, não se pode nem extrair pedras, nem tirar terra, nem cortar
lenha, nem construir, nem cultivar, nem habitar. Por isso, os objectos têm aí apenas uma
função: ser expostos ao olhar nos edifícios sagrados que decoram ou nas construções
feitas expressamente para dispor as oferendas quando se tornam tão numerosas que
estorvam os locais do culto.

Os peregrinos, que eram, ao mesmo tempo, turistas, iam aos templos não só
para rezar, mas, também, para admirar os objectos, e toda uma literatura, cujo exemplo
mais conhecido é a obra de Pausânia, que se aplicava em descrever os exemplares mais
notáveis, os que se distinguiam pelo material, pelas dimensões, pelas dificuldade de
execução, pelas circunstâncias extraordinárias ou por outros traços que os tornavam
fora do comum.

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Uma vez oferecidos aos deuses, na teoria, os objectos deviam ficar para sempre
no templo que os tinha acolhido. Eram registrados em inventários e protegidos contra
os ladrões. Ainda que se deteriorassem, não eram eliminados de qualquer maneira.
Se eram de ouro ou de prata, procedia-se da seguinte maneira: um decreto do povo
emanado por proposta do sacerdote ou do tesoureiro sagrado, em conformidade com
um parecer do conselho, ordenava que as oferendas deterioradas fossem fundidas,
para serem reduzidas a lingotes ou transformadas em uma única oferenda. Utilizavam-
se, da mesma maneira, todos os restos de metal precioso. Os objectos de pouco
valor se estorvavam ou, se estavam partidos, eram retirados do templo e sepultados.
A consagração os tornava sagrados para sempre, por isso, não deviam reentrar em
circulação. Assim, foram formados aqueles amontoados de terracotas ou de bronzes
encontrados na vizinhança de certos santuários, em Tegeia, em Cnido, em Olímpia, por
exemplo [HOMOLLE, 1892, passim; cf. também THÉDENAT, 1896].

Acontecia, no entanto, que os tesouros acumulados nos templos, sob a forma


de oferendas, voltassem ao circuito das actividades econômicas, isto é, que fossem
transformados em moeda. Apesar da crença de que os templos deviam ser intocáveis
mesmo em tempo de guerra, não se deixava de saquear as riquezas dos inimigos,
mesmo que fossem gregos. Assim, os fócios, quando se apoderaram do santuário de
delfos, transformaram, em moedas, as oferendas de ouro e de prata que encontraram
para pagar o exército de mercenários, mas isso era considerado um sacrilégio, por isso,
quando os fócios foram vencidos, em 346 a.C., tiveram que reembolsar o templo das
somas. Tinha-se, todavia, sido previsto um procedimento legal, que permitia levantar o
interdito sobre as riquezas sagradas; para fazer isso, era necessário um voto do povo, o
qual pertencia ao templo. Recorria-se a uma tão grave decisão quando a pátria estava
em perigo, foi assim que os atenienses pediram dinheiro emprestado aos deuses durante
a Guerra do Peloponeso. Tratava-se de um empréstimo que os deuses concediam à
cidade e que esta devia reembolsar com juros. Em 422 a.C., os atenienses deviam 4750
talentos a Atena Políade, 30 talentos a Atena Nike, e 800 talentos aos outros deuses,
com um montante da dívida em cerca de 7000 talentos [CAVAIGNAC, 1908].

1.3. Os presentes e os despojos

Os objectos mantidos fora do circuito das actividades econômicas se


acumulavam não só nos templos, mas, também, nas residências dos detentores do poder:
os embaixadores levavam presentes, que eram, por vezes, mostrados às multidões, que
assistiam à chegada, e aos costesãos. Todos esses objectos, depositados nos tesouros
e guardados com muito cuidado, não eram, em geral, acessíveis, e a exibição tinha
apenas lugar em festas e em cerimônias, ou, então, nos cortejos fúnebres e nos desfiles
de coroação, isto é, em todas as ocasiões que exigissem uma ostentação de fausto.
Expunham-se, então, aos olhos de um público maravilhado, pedras preciosas, tecidos,
joias, objetos artísticos em metais preciosos etc. Era assim não só nas monarquias
orientais, mas, também, como se verá, nos países da Europa medieval.

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Em Roma, o general, que voltava de uma campanha vitoriosa, tinha o privilégio
de fazer ostentação dos homens submetidos e das riquezas que tinha conquistado.
Assim, ao terceiro triunfo que celebrou sobre os piratas, a Ásia, o Ponto, sobre as nações
e os reis enumerados no sétimo livro dessa obra, Pompeu fez desfilar um tabuleiro de
xadrez com as peças, feito de duas pedras preciosas, de três pés de largura por quatro.
Ainda, três camas de triclínio; baixela de ouro e de pedras preciosas, que enchiam
nove credências; três estátuas de ouro de Minerva, de Marte, de Apolo; 33 coroas de
pérolas; uma montanha de ouro quadrada, com cervos, leões e frutos de toda a espécie,
rodeada por uma videira de ouro; uma gruta em pérolas, encimada por um quadrante
solar [PLÍNIO; NATURALIS HISTÓRIA, XXXVII, 13-14]. Certos objectos, tirados ao inimigo,
depois de terem sido exibidos em triunfo, eram oferecidos aos templos, sendo expostos.
Por exemplo, Pompeu consagrou patetas e taças de murra a Júpiter Capitolino. Outros
ficavam na posse do general vitorioso.

Os despojos parecem estar na origem das colecções particulares em Roma. Tal


era, em todo o caso, a opinião de Plínio, o Velho. Foi a vitória de Pompeu que criou a voga
das pérolas e das gemas, como a de L. Cipião e de G. Mânlio, a voga da baixela cinzelada,
dos tecidos atálicos e dos triclínios ornados de bronze; como a de L. Múmio, a voga dos
vasos de Corinto e dos quadros. Os grandes coleccionadores romanos, como Sila, Júlio
César e Verres, eram generais ou procônsules, e os objectos que acumulavam e que
expunham nas respectivas residências ou nos templos: o caso de Verres é exemplar.
Só no tempo do império que a moda de colecionar se difundiu a tal ponto que Vitrúvio
previa, na planta da casa, um lugar especial para os quadros e para as esculturas.

Duas características do comportamento dos coleccionadores romanos merecem


ser salientadas: a primeira é o soberano desprezo pela utilidade dos objectos recolhidos e
a segunda é a perpétua disputa pela maior oferta e que punha em jogo não só a fortuna
de cada um, mas a própria dignidade. A melhor ilustração é fornecida por uma passagem
de Plínio, o Velho: Um ex-cônsul tinha, para beber, um vaso murrino, pelo qual pagou
70 000 sestércios, e que continha apenas três sesteiros. Gostava tanto dele a ponto de
roer o bordo, contudo, esse dano mais não fez do que aumentar o preço, e não há, hoje,
vaso murrino mais cotado. Quanto dinheiro o mesmo personagem comeu em outras
aquisições do gênero, pode se avaliar pelo número, que era tão grande que, quando
Nero confiscou aos filhos, encheram um teatro particular em que foram expostos. T.
Petrónio, ex-cônsul, já perto da morte, querendo, na animosidade contra Nero, deserdar
a mesa, partiu uma colher grande de murra, pela qual pagou 300 000 sestércios. Nero,
como era próprio de um imperador, superou todos, comprando uma única taça por 1
000 000 de sestércios. Facto memorável que o imperador, o pai da pátria, pagou tão
caro para beber! Tem-se a impressão de uma atmosfera de potlatch, apenas com a
diferença de, em Roma, a dignidade estar ligada à capacidade de dispender dinheiro
em troca de um objecto que não tem utilidade alguma. Nos Kwakiutl, por exemplo, está
ligada à capacidade de dar cobertas, cofres, embarcações, alimento sem pedir nada
em troca. Essa observação evoca duas questões: a primeira diz respeito à presença de

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colecções em sociedades pelas quais os historiadores da instituição, habitualmente,
não se interessam; a segunda, mais importante, é a do vínculo da colecção com os
comportamentos agonísticos. Voltaremos, mais tarde, a essas questões.

1.4. As relíquias e os objectos sagrados

As relíquias, quer dizer, os objectos que acreditamos que tenham estado em


contacto com um deus ou com um herói, ou que se pense que sejam vestígios de
qualquer grande acontecimento do passado mítico ou longínquo, eram conhecidas na
Grécia ou em Roma. Pausânias descreve um grande número: a greda com que Prometeu
tinha amassado o primeiro homem e a primeira mulher, a pedra que Cronos devorou
no lugar do filho, o ovo de que Castor e Polux nasceram ou, ainda, os restos da árvore
com a qual os Gregos sacrificaram antes de embarcar para a guerra de Troia, e assim
adiante [cf. FRAZER, 1898, p. XXXVI-XXXVII]. Plínio cita, também, por exemplo, a relíquia
de sardônica, que estava em Roma, no templo da Concórdia, e que se dizia que tinha
pertencido a Polícrates de Samos, herói de uma célebre história [PLÍNIO; NATURALIS
HISTÓRIA, XXXVII, p. 3-4].

Foi o cristianismo que, ao difundir o culto dos santos, levou o das relíquias ao
apogeu. É impossível fazer, aqui, a história, pela parte que nos interessa, é suficiente
recordar que era considerado relíquia qualquer objecto que se pensasse que tivesse
tido contacto com um personagem da história sagrada, e, em primeiro lugar, uma parte
do corpo. Por mais ínfimo que fosse esse objecto e qualquer que fosse a natureza, este
conservava a inteira graça de que o santo era investido em vida. Por isso, uma relíquia
santificava o local onde isso se encontrava, de um modo não menos eficaz. Existiam
relíquias que sustinham a propagação de doenças e que curavam os enfermos; outras
protegiam as cidades e os reinos contra os inimigos. Todas garantiam a ajuda dos santos
e, logo, a prosperidade, por isso, eram tidas como os tesouros mais preciosos. Quando,
em 1125, depois da morte do marido, o imperador Henrique V, a rainha Matilde voltou
para a Inglaterra, levando consigo uma relíquia de S. Tiago, um cronista comentou o
acontecimento nesses termos: A rainha Matilde parte para a Inglaterra para junto do
seu pai, levando consigo a mão de S. Tiago, com o que causou um dano irreparável ao
reino dos Francos [citado in LEYSER, 1975, p. 491, nota 3]. Não era uma opinião isolada:
Frederico Barbaruiva empreendeu uma acção diplomática para recuperar a relíquia, mas
os ingleses não quiseram restituir.

Para fundar um estabelecimento religioso, era necessário dotá-lo não só de


terras, mas, também, de relíquias. Uma vez entradas em uma igreja ou em uma abadia,
não saíam mais, a não ser que fossem roubadas ou, excepcionalmente, oferecidas
a algum personagem poderoso; tornavam-se muito numerosas, o que obrigava a
elaboração de catálogos. Fechadas nos reliquários, eram expostas aos fiéis durante as
cerimónias religiosas e levadas nas procissões; os fiéis não se contentavam em olhar,
tocavam nos reliquários e cobriam de beijos, pois o contacto tornava mais segura a

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acção miraculosa da relíquia. Na França setentrional, entre 1050 e 1550, os monges as
exibiam, muitas vezes, durante as colectas, que organizavam para financiar a construção
das igrejas e das abadias [HÉLIOT; CHASTANG, p. 1964-65]. Com relação às relíquias,
por serem muito cobiçadas, não se hesitava a obtenção por furto, assim, aquelas que
gozassem de uma muito grande celebridade tinham que ser vigiadas dia e noite por
soldados armados [SILVESTRE, 1952]. As relíquias eram, também, objecto de comércio,
e os cemitérios romanos serviam, por assim dizer, como minas, de onde se extraíam os
restos dos santos; vendê-los, depois, nos países transalpinos [GUIRAUD, 1906].

Além das relíquias, as igrejas conservavam e expunham outros objectos:


curiosidades naturais, mas, sobretudo, oferendas: altares, cálices, cibórios, casulas,
candelabros, tapeçarias, conservando, por vezes, a memória dos doadores e, mesmo,
no caso de alguns quadros, a imagem dos rostos e dos rostos dos parentes. É preciso
acrescentar os monumentos fúnebres, os vitrais, as tribunas, os capitéis historiados
etc.; cada igreja, apesar de ser um lugar de culto, oferecia, ao olhar, uma quantidade de
objectos, verdadeiras colecções.

1.5. Os tesouros principescos

Ao falar das ofertas e dos despojos, mencionaram-se os objectos, que se


acumulavam nas residências dos detentores do poder, mas não se encontravam
apenas presentes e troféus: os Átalos de Pérgamo, para citar um exemplo conhecido,
procuravam e recolhiam esculturas e pinturas, e, provavelmente, não eram os únicos a
se interessar por objectos desse tipo. Todavia, para saber a respeito do conteúdo das
residências reais e principescas antes da época moderna, é preciso examinar alguns
inventários medievais que permitem ter uma ideia precisa.

O que, em primeiro lugar, ressalta-se mais nesses inventários, é que a maior


parte dos objectos inventariados tem um uso: uso cerimonial, no caso de regalia, anéis,
cintos; uso religioso, quando se tratam de cruzes, crucifixos, imagens, reliquários,
altares, cálices, báculos, mitras, pluviais; e uso simplesmente profano, quando se
tratam de baixelas, facas, coberturas de assentos etc. Aqui e ali, encontram-se algumas
curiosidades naturais e instrumentos diversos: astrolábios etc. Pareceria, pois, que se
tratam de objectos que não estão excluídos do circuito das actividades econômicas,
utilitárias. Antes de estabelecer em que medida essa impressão é justificada, convém
salientar dois factos que incitam à prudência. O primeiro é o número dos objectos: no
inventário de Carlos V, rei da França, encontram-se 3906 . Um número tão elevado
indica que nem todos os objectos podiam estar em uso simultaneamente: na maior
parte, não serviam, portanto, para nada, por maior que fosse a corte. Por outro lado,
um grande número desses objectos é de metal precioso (ouro, prata, e decorados com
pedras: safiras, rubis, onixes, ametistas, esmeraldas, diamantes, pérolas) [LABARTE,
1897]. Também, por essa razão, parece ser de excluir que a maior parte desses objectos
fosse de uso quotidiano.

59
A inserção no circuito das actividades econômicas não se faz apenas pelo uso,
passa, também, pela recolha de objectos com o fim de acumular riquezas, e sem dúvida
que se recorria aos tesouros principescos cada vez que a necessidade se apresentava.
Assim, Carlos V transferiu, para a casa da moeda, uma parte da baixela: não era o primeiro
nem o último a usar esse expediente. De resto, estão registradas, nos inventários, as
vendas feitas para pagar certas despesas reais. A propósito de uma pequena coroa de
ouro de 13 florões, os compiladores do inventário das joias de Carlos VI, rei de França,
anotam: Da coroa, foram tiradas 117 pérolas entregues a Charles Poupart, tesoureiro real,
para que fossem confeccionados certos gibões e joias que ele mandou fazer para o rei
para a viagem a Saint-Omer, onde devia se encontrar com o rei da Inglaterra em pessoa
[DOUET D'ARCQ, 1864]. Pode-se citar vários casos análogos: por exemplo, o de Filipe de
Vallois, que enviou o grande camafeu da Sainte Chapelle ao papa Clemente VI, como
penhor de um empréstimo [BABELON, 1897]; as joias dos Hohenstaufen, que foram
empenhadas em 1253 ou vendidas a uma companhia de mercadores e de banqueiros
pela soma de 2522 liras genovesas, o equivalente a dois anos de salário do podestà
de Génova, a um ano de pagamento de cerca de 150 artesãos, ao preço do maior
barco de altura com a tripulação completa e provisões para quatro meses, ou a 630
vacas ou 400 cavalos [BYRNE, 1935]. Essas equivalências, que mostram o valor de um
tesouro muito menor do que o de Carlos V, por exemplo, permitem fazer uma ideia das
riquezas acumuladas nos palácios reais. No entanto, é impossível reduzir a acumulação
de objectos preciosos, feita pelos príncipes, a um simples entesouramento. Por outro
lado, ao que parece, fazia-se uma distinção, naquela época, entre joias e poupança, e
entre joias e baixela. O importante é saber se as joias eram expostas ao olhar e a quais
circunstâncias. O que se conclui, pelos inventários, é que estas estavam, normalmente,
fechadas em cofres ou armários, que estavam, por sua vez, em divisões bem guardadas,
sendo tirados, para fora, sobretudo, em ocasiões de cerimônia e festas: depois da morte
do rei, os regalia eram levados nas procissões fúnebres [TWINING, 1967]. Eram, também,
exibidas durante as entradas solenes nas cidades do reino, assim como as armas e as
armaduras de parada, os arreios decorados, os tecidos ricamente bordados e cobertos
de pedras preciosas. Eis como Carlos VII, rei da França, fez a entrada em Paris, em 12 de
Novembro de 1437. O rei estava armado com todas as peças, sobre um corcel branco,
e tinha um cavalo coberto de veludo de cor azul, salpicado de flores de lis de ouro
cinzeladas. Na frente, o primeiro escudeiro montado em um corcel coberto de fino pano
decorado com escaravelhos de ouro. Ainda, quatro corcéis, todos iguais entre si, com
três cavaleiros e escudeiro todos armados. Os enfeites dos corcéis eram semelhantes
aos de escudeiro. O escudeiro do rei levava, sobre um bastão, o elmo da armadura do rei,
e, em cima, uma coroa de ouro. No meio, sobre o penacho, uma grande flor de lis coberta
de ouro fino menos precioso. O rei, de armas, na frente, levava a cota, muito rica de
veludo azul com três flores de lis bordadas a ouro fino e decoradas com grandes pérolas,
e um outro escudeiro estava montado em um ginete, e levava uma grande espada, toda
salpicada de flores de lis de ouro fino cinzeladas [citado in GUENÉE; LEHOUX, 1968, p.
73]. Não tendo, a cena citada, nada de excepcional, pode-se constatar, sem multiplicar
os reenvios para as fontes, que as joias eram expostas ao olhar e que se destinavam,
principalmente, a isso.

60
As chamadas colecções mencionadas diferem em quase todos os aspectos
das contemporâneas, e, também, umas das outras. Não se formam nos mesmos locais;
os objectos acumulados não têm nem um mesmo carácter nem uma mesma origem;
os visitantes ou os espectadores não se comportam da mesma maneira. Certamente
que, em cada caso, encontra-se um conjunto de objectos que contempla, com certas
reservas, os critérios postos pela definição de colecção. Assimilar uns aos outros
conjuntos de objectos tão evidentemente heterogêneos não significa se comportar
como aquele louco, levado à cena, por Júlio Cortázar, que, por todo o lado, via colecções?
Um escritório, dizia ele, é uma colecção de funcionários; uma escola, uma colecção
de alunos; uma caserna, uma colecção de soldados; uma prisão, uma colecção de
detidos. O significado dessa anedota é que uma aproximação de instituições que
parecem díspares só pode ser legitimada na condição de ter sido fundada não em uma
semelhança externa, mas em uma homologia de funções.

FONTE: POMIAN, K. Coleção: Enciclopédia Einaudi. 1985. Disponível em: http://twixar.me/Jtcm. Acesso em:
24 out. 2020.

61
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• O Renascentismo foi um período que modificou as relações do campo das artes,


ocorrendo o deslocamento da ideia de artesão/artífice para a de artista, sujeito
criador. Da mesma forma, o novo status social faz com que os artistas comecem a
incorporar autoria às obras.

• As primeiras exposições de arte ocorrem a partir das coleções principescas nos


corredores e nos salões dos palácios reais, e eram de acesso restrito, apenas
para convidados. No período, muitos reis e nobres se tornam mecenas de artistas
expoentes.

• A Galeria Degli Uffizi foi construída para expor a coleção de uma das mais tradicionais
famílias italianas, os Médici. É o primeiro espaço de que se tem registro, criado com a
finalidade de expor uma coleção de arte. É considerada, ainda hoje, como o primeiro
museu moderno e a primeira galeria de arte do mundo.

• Os museus de arte, como conhecemos na contemporaneidade, foram criados


perante a decadência da tirania das velhas formas de controle: a Igreja e a monarquia.
Emergem influenciados pela forma pública e democrática, pelas ideias defendidas
pelo Iluminismo

62
AUTOATIVIDADE
1 Conforme aprendemos neste tópico, no período Renascentista, aconteceram
mudanças substanciais no campo da produção artística, assim, leia o trecho a seguir:
“A noção de criação artística surge no Renascimento, com o deslocamento da postura
de homem artesão/artífice para artista, como um sujeito criador”. Qual afirmação a
seguir não contempla as consequências desse processo?

a) ( ) Surge a ideia de autoria artística e as obras começam a receber a assinatura ou


a marca dos autores. O conceito de autenticidade começa a ser discutido.
b) ( ) O artista, durante o Renascimento, adquire um elevado status social, em
detrimento do artesão.
c) ( ) A personalidade artística começa a se sobrepor, ocorre a transferência da
importância da obra para a do autor.
d) ( ) Os artistas começam a criar as próprias galerias, aquecendo o mercado de arte
do período.

2 Neste tópico, conhecemos a Galeria Degli Uffizi, uma das mais importantes instituições
do colecionismo ocidental. A partir dos conhecimentos adquiridos, disserte a respeito
da história da galeria.

3 Onde se inicia a prática da exibição de coleções artísticas?

a) ( ) As exposições artísticas iniciam na Grécia antiga, com o Templo das Musas.


b) ( ) As exposições artísticas iniciam com as coleções principescas nos salões e nos
corredores dos grandes palácios da Europa.
c) ( ) As exposições artísticas iniciam com a coleção de obras de Leonardo Da Vinci.
d) ( ) As exposições artísticas iniciam com o colecionismo da Revolução Francesa.

4 O Renascentismo é conhecido pelo período das exposições nos palácios reais e nas
galerias de arte privadas, pertencentes à aristocracia. Entretanto, o museu de arte,
como nós conhecemos na atualidade, surgiu das ideias do Iluminismo. Quais dos
conceitos a seguir caracterizam essas ideias?

a) ( ) Democracia e acesso público.


b) ( ) Poder eclesiástico.
c) ( ) Mercantilismo.
d) ( ) A manutenção do acesso restrito aos bens artísticos.

5 Vimos como se deu o surgimento dos museus de arte, por volta dos séculos XVII e
XVIII. Explique o processo que deu origem a essas instituições e as dinâmicas de
produção artística da época.

63
64
REFERÊNCIAS
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partenariat avec l’école. Education & Pédagogies: Revue du Centre International
d’Études Pédagogiques, 1992.

68
UNIDADE 2 —

A CONCEPÇÃO MODERNA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a relação entre a concepção moderna dos museus e o Iluminismo;

• conhecer as motivações para a criação dos museus nacionais e das exposições


universais, além das características;

• identificar as tipologias e os conceitos de patrimônio;

• conhecer os órgãos internacionais que regem/regeram os museus;

• compreender como o conceito de museu se modificou durante os anos através das


definições do Conselho Internacional de Museus.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A CONCEPÇÃO MODERNA DOS MUSEUS

TÓPICO 2 – PATRIMÔNIO: HISTORICIDADE DOS CONCEITOS

TÓPICO 3 – CONCEITUANDO O MUSEU

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

69
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

Acesse o
QR Code abaixo:

70
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
A CONCEPÇÃO MODERNA DOS MUSEUS

1 INTRODUÇÃO
Olá, caros estudantes! Já vimos como os museus foram se formando no
decorrer dos tempos, desde a antiguidade clássica até o Renascimento. Agora, neste
tópico, abordaremos como surgiu a concepção moderna dos museus, o início dessas
instituições como as conhecemos hoje.

Conforme menciona Julião (2006, p. 20), muitas coleções, formadas a partir dos
gabinetes renascentistas,

que se formaram entre os séculos XV e XVIII, transformaram-se,


posteriormente, em museus, como, hoje, são concebidos. Entretanto,
na origem, elas não estavam abertas ao público, e se destinavam à
fruição exclusiva dos proprietários e de pessoas que eram próximas.
Somente no final do século XVIII, foi franqueado, de fato, o acesso do
público às coleções, marcando o surgimento dos grandes museus
nacionais.

Portanto, a seguir, falaremos das mudanças que perpassaram os museus a


partir dos ideais do Iluminismo, além da concepção dos novos museus após a Revolução
Francesa, período histórico que também deixou marcas na história dos museus.

Mais à frente, abordaremos a relação dos novos museus com a construção dos
ideais nacionalistas. Os museus passaram a ser mais um mecanismo para firmar as
chamadas “identidades nacionais”.

Por fim, a temática são as grandes exposições universais. Essas exposições


eram voltadas aos negócios industriais e agrícolas, mas, também, a trazer inovações e
a ser um espaço de lazer. Pode-se dizer que se constituíam como um mecanismo de
publicidade e do nacionalismo, sendo que cada país mostrava o que havia de melhor
no território.

Convidamos você a seguir conosco pela história dos museus. Vamos lá?!

71
2 OS MUSEUS NO ILUMINISMO
O Iluminismo foi um movimento intelectual ocorrido no século XVIII, na Europa.

Como vimos anteriormente, o clero e a realeza eram os grandes líderes, que


ditavam as regras da sociedade através do poder absoluto. Durante o Renascimento,
observamos que houve uma onda de valorização do conhecimento e da ciência,
gerando consciência social, que inspirou os intelectuais, que viriam a constituir o cerne
do Iluminismo.

Também conhecido como Século das Luzes, as premissas visavam à


racionalidade e à crítica aos dogmas da Igreja e ao poder exclusivo à realeza. Os
pensadores do Iluminismo se valiam da ciência e da razão para analisar as questões
sociais. Eles acreditavam que todas as pessoas nasciam iguais e que a educação era um
dos fatores que criava a desigualdade. São esses ideais, somados a uma burguesia que
queria mais poder, além dos trabalhadores cansados de serem explorados pela nobreza,
que firmaram a Revolução Francesa. Teve, como ápice, a Queda da Bastilha, quando os
revoltosos libertaram os presos que lá estavam mantidos.

FIGURA 1 – TOMADA DA BASTILHA, JEAN-PIERRE HOUËL

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Prise_de_la_Bastille.jpg>. Acesso em: 18 dez. 2020.

Em 1792, a Assembleia Nacional (formada pela burguesia e pelos camponeses


revolucionários) da França modificou a forma do governo, de monarquia para república,
e o rei foi deposto.

72
A criação dos museus públicos franceses está atrelada a três decretos que
decorreram da Revolução Francesa: o que nacionalizou os bens da Igreja Católica, o que
determinou que os bens emigrados seriam confiscados e o que decretou a supressão
das Academias (BREFE, 1998). A partir disso, diversos bens materiais foram passados da
posse particular para a posse da nação francesa, gerando um imenso acervo e a dúvida
acerca do que deveria ser feito com ele.

Devemos informar, aqui, que, na época, esses objetos e essas obras do antigo
regime eram considerados o contrário daquilo que o regime republicano instaurado
pregava. Em um primeiro momento, inclusive, ocorreram depredações desses itens, o
que causou o descontentamento de alguns, que alegaram, à Assembleia Nacional, que o
“[...] patrimônio do antigo regime, em vias de desaparecimento, era composto de obras-
primas da arte universal e, como tal, merecia ser conservado como fonte inesgotável de
modelos aos artistas e de instrução para o cidadão” (BREFE, 1998, p. 306-307). Assim,
surgiu o projeto de criar um museu, que reuniria esses objetos em um único local. Desse
modo, observe que houve uma mudança na mentalidade francesa: ao invés de destruir
tudo aquilo que não fazia parte dos ideais republicanos, escolheu-se preservar como
ícones de um passado, que deu lugar a um período melhor.

Desse modo, o passado é alegorizado e os antigos símbolos são


transformados, ou é preciso utilizar um termo mais preciso, transubs-
tanciados em imagens úteis e patrióticas. O museu desempenha,
portanto, um papel estratégico na justificação cultural da revolução
ao mesmo em tempo que é a própria encarnação da diversidade po-
lítica do momento: raramente, foi lugar de consenso. Como explica
Edouard Pommier, não há como evitar que essa nova ordem dos ob-
jetos seja, também, ideológica, e participe, de maneira intensa, da
legitimação do momento político (BREFE, 1998, p. 306-307).

Sabemos que já existiam museus abertos ao público nessa época, mas a


Revolução Francesa apresenta o conceito de patrimônio público. No momento, foram
criados quatro museus: o Museu Nacional (Louvre), em 1792; o Museu de História Natural,
em 1794; o Conservatório Nacional de Artes e Ofícios; e o Museu dos Monumentos
Franceses, ambos em 1796 (HOOPER-GREENHILL, 1992 apud FILHO, 2006, p. 47).

ATENÇÃO
Atente-se para o termo patrimônio utilizado neste parágrafo.
Falaremos mais disso no próximo tópico.

73
A esses museus que, como na França, foram criados a partir da formação das
nações, dá-se o nome de museus nacionais. Foram laboratórios dos ideais iluministas
e inauguraram aquilo que conhecemos por “curadoria”, pois havia um discurso, além de
uma intenção, ao expor os itens relacionados à história nacional. “O museu é utilizado
como um instrumento que, de um lado, denuncia a decadência e a tirania das antigas
formas de controle, o ancien régime, e, de outro, enaltece a democracia e o caráter público
do novo regime, a República” (HOOPER-GREENHILL, 1992 apud FILHO, 2006, p. 47).

No próximo tópico, veremos as características dos museus nacionais e os


principais exemplares. Siga conosco!

3 OS MUSEUS E A CONSTRUÇÃO DAS NAÇÕES


Os museus tiveram papel central na construção dos ideais nacionais. A nação
se faz de memórias coletivas, de um passado comum e de identidade. Era isso que
precisava ser firmado, e os museus foram essenciais nesse processo.

Em um contexto, no qual se buscavam as raízes da nação e as


continuidades históricas, em uma perspectiva de passado único
e coerente, os museus podiam articular e agregar, nos conjuntos
simbólicos, narrativas que os transformavam em recintos de
homenagem e de celebração de um mesmo culto, enaltecendo o
passado nacional (VIEIRA, 2019, p. 151).

Tenha em mente que nenhuma escolha é por acaso quando se trata da história
apresentada nos museus nacionais. Ainda, é possível observar que essas instituições
proclamavam um passado nacional pertencente a todos, mas que excluía grande parte
da população ao representar apenas os grandes acontecimentos, os grandes heróis e
as personalidades nacionais.

Em todo o mundo, foram criados museus que visavam à representação de


cada nação, buscando celebrar e enaltecer os grandes feitos e fortalecer a identidade
local. Os palácios foram a forma de expressão arquitetônica escolhida para abrigar os
acervos nacionais, sendo, às vezes, utilizados palácios nos quais, antigamente, habitava
a monarquia:

A organização das salas, típicas dos palácios, convinha muito bem aos
museus nacionais, já que a sucessão de grandes salas interligadas
que caracterizavam essas edificações era adequada para a exposição
de telas e de todo tipo de objeto que os museus abrigavam. Além
disso, a tradicional segurança, com que esses edifícios já contavam,
garantia o controle dos tesouros, mas, como vimos, esse não foi o
único motivo. A questão política e de propaganda também pesou
muito. A imagem de edifício importante, já sacramentada na
população, respondia, com eficiência, à necessidade de mostrar
que ali estavam guardadas as riquezas da nação e que estavam ao

74
alcance de todos. Não deixava de ser uma forma de permitir que a
burguesia, ávida de poder, pudesse tomar posse dos palácios, ainda
que de forma simbólica (KIEFER, 2002, p. 16 -17).

Um dos exemplos de palácio transformado em museu é o conhecidíssimo


Museu do Louvre. Nas próximas páginas, falaremos, apenas um pouco, dos principais
museus nacionais criados, e o primeiro deles será o Louvre.

• Museu do Louvre

O Museu do Louvre foi criado em 1793, e é considerado o primeiro museu nacional


da história ocidental. Foi inaugurado, pelos revolucionários franceses, como Museu
Central das Artes, possuía um acervo formado, majoritariamente, por pinturas que,
antes, pertenciam à realeza e à nobreza da França. Contudo, sob o poder de Napoleão, o
Louvre sofreu um grande impulso. O acervo foi ampliado com as pilhagens de Napoleão,
as instalações foram ampliadas e a localização central tornou essa instituição uma
referência para os outros museus que iam surgindo (KIEFER, 2002).

O Louvre iniciou uma forma diferenciada de expor objetos artísticos, reunindo


obras pelas escolas, ou seja, de acordo com a nacionalidade dos autores (HOOPER-
GREENHILL, 1992 apud FILHO, 2006).

Atualmente, o acervo do Museu do Louvre possui mais de 380 mil itens e


mantém, em exibição permanente, mais de 35 mil obras de arte, distribuídas em oito
departamentos: antiguidades gregas, romanas e etruscas; antiguidades egípcias;
antiguidades do Oriente próximo; arte islâmica; gravuras e desenhos; pinturas;
esculturas e artes decorativas.

FIGURA 2 – MUSEU DO LOUVRE

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_do_Louvre#/media/Ficheiro:Louvre_Museum_Wikimedia_
Commons.jpg>. Acesso em: 18 maio 2020.

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• Museu Britânico

O Museu Britânico foi fundado em 1753, e está localizado em Londres, na


Inglaterra. A criação possui uma história singular, que tem início com a coleção particular
do médico Hans Sloane, que a vendeu, a baixo custo, para a Coroa Inglesa. Essa coleção
impulsionou a criação do museu, que possuía sede em uma residência particular, o que
“[...] deu um caráter essencialmente privado, apesar de ser uma propriedade pública”
(KIEFER, 2002, p. 14-15).

Uma nova sede foi construída para o museu britânico no mesmo terreno da
antiga residência, e esse momento marca a constituição enquanto verdadeiro museu
nacional, em 1823. Ao longo dos anos, o acervo foi ampliado, abrigando, hoje, mais de
sete milhões de objetos oriundos de todos os continentes.

FIGURA 3 – MUSEU BRITÂNICO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Brit%C3%A2nico#/media/Ficheiro:British_Museum_from_
NE_2.JPG>. Acesso em: 18 maio 2020.

• Museu do Prado

O Museu do Prado é o museu nacional da Espanha, foi criado em 1819 e está


localizado em Madrid. Inicialmente, foi chamado de Museu Real de Pinturas. A estrutura foi
projetada, inicialmente, para ser o Museu Real de Ciências Naturais, porém, foi ocupada e
arruinada pelas tropas napoleônicas antes mesmo de ter as obras finalizadas. O museu
sofreu diversas modificações e reformas até chegar ao formato que se apresenta hoje
em dia (KIEFER, 2002).

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A inauguração foi realizada em 19 de novembro de 1819, com 311 obras expostas
e mais de 1.500 no acervo, que foi formado a partir das coleções dos monarcas e dos
nobres espanhóis. Atualmente, o museu conta com a mais importante coleção de arte
espanhola, abrigando obras dos mais renomados artistas do país.

FIGURA 4 – MUSEU DO PRADO

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_do_Prado#/media/Ficheiro:Museo_del_Prado_2016_
(25185969599).jpg>. Acesso em: 18 maio 2020.

• Museu Nacional (Brasil)

O Museu Real do Rio de Janeiro foi criado em 1818, onde, antes, existia a “Casa
de História Natural”. A criação se dá em decorrência da relação entre Brasil e Portugal, e
são importados, da Europa, os moldes dos museus nacionais europeus.

[...] A criação do museu deve ser entendida dentro do movimento


português de organização das expedições de exploração que, ao final
do século XVIII, tornam-se cada vez menos ‘militares’, geopolíticas e
mais ‘filosóficas’, botânicas e mineralógicas (LOPES, 1997, p. 30).

Dessa forma, inicialmente, o museu tinha, como objetivo, atender aos interesses
de promoção dos progressos cultural e econômico brasileiros. Inicialmente, foi sediado
na Casa dos Pássaros, no Campo de Santana. Posteriormente, em 1892, foi transferido
para o Paço de São Cristóvão, que, antes, servia de residência para a família real.

Em 1946, o museu passou a ser administrado pela Universidade do Brasil,


hoje, a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Até 2018, a instituição possuía um rico
acervo de 20 milhões de itens, como fósseis, múmias, peças indígenas e livros raros,
além de coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia, antropologia biológica,
arqueologia e etnologia. Constituiu-se, também, como um centro de pesquisa.

77
FIGURA 5 – MUSEU NACIONAL (RJ/BRASIL)

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Nacional_(Rio_de_Janeiro)#/media/Ficheiro:Pal%C3%A1cio_
de_S%C3%A3o_Crist%C3%B3v%C3%A3o.jpg>. Acesso em: 18 maio 2020.

Em setembro de 2018, ocorreu um incêndio no Museu Nacional. De acordo


com fontes jornalísticas, o museu vinha sofrendo com a falta de recursos e estava em
situação irregular. Foi constatado que mais da metade das coleções sofreu perda total, e
apenas uma pequena parte do que foi atingido foi possível de ser restaurada (KELLNER,
2019). Com isso, houve uma perda indelével para a história da humanidade.

Para articular a recuperação do acervo, a restauração do prédio e conceber uma


nova expografia, foi criado o projeto Museu Nacional Vive, em cooperação internacional
com a UNESCO, no Brasil, e com a Fundação Vale e Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).

FIGURA 6 – MUSEU NACIONAL EM CHAMAS, 2018

FONTE: <https://veja.abril.com.br/brasil/laudo-erros-na-instalacao-eletrica-causaram-incendio-no-museu-
nacional/>. Acesso em: 18 maio 2020.

78
DICA
O site Google Arts and Culture disponibiliza um tour virtual
pelas salas do museu antes do incêndio. Para aqueles que não
conheceram o espaço e para quem já visitou e quer relembrar, é
importante conferir.

4 AS EXPOSIÇÕES UNIVERSAIS
No século XIV, seguinte ao Iluminismo, ocorreu a Revolução Industrial. Houve
uma nova mudança de perspectiva e firmavam os avanços da ciência e do domínio da
razão. Foi marcada a transição das formas de produção, artesanais, para a produção por
máquinas, além de que a industrialização dos processos modificou toda a lógica social
que, até então, era conhecida (TURIM 1911, 2014).

Com os novos preceitos, surgem as exposições universais, com o objetivo


de “[...] se constituírem em um grande palco para a apresentação de novos materiais
e de novos produtos industriais, instruindo as possibilidades de utilização” (GASTAL;
MACHIAVELLI, 2011, p. 3). Esses materiais eram, usualmente, os últimos lançamentos
nas áreas da indústria e da agricultura de cada país, e eram expostos visando ampliar
as vendas e os negócios, além do contato entre produtor e consumidor. Desse modo, as
exposições universais se constituíam, também, como uma estratégia publicitária para a
indústria (PESAVENTO, 1997).

As exposições eram construídas para serem grandes espetáculos, e ficaram


conhecidas como “espetáculos da modernidade” e “festas do progresso”. A modernidade
do século XIX significava o progresso construído sobre a ciência e a indústria; a
liberdade entendida como livre mercado; o cosmopolitismo baseado na ideia de que o
conhecimento humano e a produção seriam transnacionais, objetivos e sem limites, e,
nesses pilares, as exposições se baseavam.

São denominadas de universais pois contavam com a presença de


diversos países que lançavam tecnologias e invenções, apesar de serem, inicialmente,
restritas aos países da Europa e aos Estados Unidos: “[...] universais na medida em que
esses são os países portadores dos valores do progresso” (NEVES, 1988 apud SANTOS,
2009, p. 9).

Você deve estar se perguntando: como, naquela época, funcionava para que todos
os países se mobilizassem? Era assim: o país que sediava a exposição universal convidava
as outras nações para participarem. As nações escolhiam os melhores produtos produzidos
pela indústria e pela agricultura do país, além de fotos, folhetos, livros e todo material
que servisse para fazer a publicidade das riquezas nacionais. Alguns países realizavam
feiras regionais e nacionais, fazendo a seleção daquilo que seria enviado para as grandes

79
exposições (como é o caso do Brasil, que veremos logo mais). Todas as exposições eram
julgadas e os melhores expositores eram condecorados, o que rendia credibilidade no
comércio internacional.

As exposições universais ainda mantinham um caráter enciclopédico,


pois classificavam e organizavam, cuidadosamente, os exemplares expostos. Havia uma
preocupação, também, com a didática, visto que essas exposições eram visitadas por
multidões de pessoas. Além disso, nesse período, surgem os espaços de lazer urbano
contemporâneos, como praças, parques etc. As exposições, nesse sentido, inseriram-
se na sociedade, também, como um espaço destinado aos momentos de lazer. Um local
para ser visitado para diversão e para educação (NEVES, 1986). Veja, a seguir, como as
pessoas aproveitavam as exposições:

As mostras eram tão importantes que reis e imperadores as visitavam.


O público viajava dias de trem para chegar aos locais do evento.
As famílias traziam farnéis e os comiam sentadas na grama, nos
grandes espaços abertos ao redor das edificações. Muitos voltavam
várias vezes para se familiarizar com outras culturas e conhecer as
novidades que estavam surgindo (TURIM 1911, 2014, p. 12).

A primeira grande exposição aconteceu em Londres, em 1851, e ficou conhecida


como The Great Exhibition (A grande exposição). Idealizada pelo príncipe Albert (marido
da rainha Victoria), nela, foram expostos produtos britânicos. Para tanto, foi construído,
em Londres, um pavilhão, chamado de Palácio de Cristal, construído com peças de ferro
e placas de vidro, a primeira construção com esses materiais. O Palácio possuía cerca de
560m de comprimento na nave maior, e, na nave transversal, 285m, com 15m de largura
e mais de 330m de altura na parte central da cobertura.

FIGURA 7 – PALÁCIO DE CRISTAL, EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE 1851, INGLATERRA

FONTE: <https://tpeventos.com.br/crystal-palace-1a-exposicao-mundial-1851/>. Acesso em: 18 dez. 2020.

Em 1855, a França inaugura a primeira exposição universal. Foi construído o


Palais de L’Industrie et des Beaux-Arts (Palácio da Indústria e das Belas Artes) em Paris,
para abrigar as mostras (TURIM 1911, 2014).

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FIGURA 8 – PALAIS DE L’INDUSTRIE ET DES BEAUX-ARTS, PALÁCIO DA INDÚSTRIA E DAS
BELAS ARTES, EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE 1855, FRANÇA

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/de/Entr%C3%A9e_principale_du_palais_
de_l%27Industrie.jpg>. Acesso em: 18 maio 2020.

Os resultados financeiros obtidos em decorrência das exposições animou os


chefes das nações, motivando a realização de exposições posteriores. Em 1862, a
Inglaterra organizou uma nova exposição, e, em 1867, a França (TURIM 1911, 2014). A
cada exposição, mais novidades surgiam, como os itens expostos e a arquitetura dos
pavilhões.

Nas primeiras exposições, os países possuíam estandes dentro do pavilhão,


construído pelo país que sediava o evento, mas, pouco a pouco, cada país passou a
possuir o próprio pavilhão. Isso significa que, além dos produtos apresentados, os países
buscaram se destacar, também, pela arquitetura do pavilhão.

Devemos informar, caro leitor, que ocorriam disputas veladas entre as nações,
que queriam mostrar o que havia de melhor no país através das exposições, superando-
se a cada ano e, também, superando o que era apresentado pelos outros países. Observe
a dicotomia promovida pelas exposições:

Assim, a exposição procura transmitir valores e ideias, como a


solidariedade entre as nações e a harmonia entre as classes, a crença
no progresso ilimitado e a confiança nas potencialidades do homem
no controle da natureza, a fé nas virtudes da razão e no caráter
positivo das máquinas etc. Por outro lado, a exposição busca ocultar a
exploração do homem pelo homem, a concorrência imperialista entre
as nações e o processo de submissão do trabalhador à máquina. A
generalização do fetichismo a que a exposição se propõe, criando uma
fantasmagoria da realidade, que a representa de maneira distorcida.
Ainda, nesse sentido, as exposições universais representam a utopia
de uma época segundo os olhos e os desejos da classe burguesa em
ascensão (PESAVENTO, 1997, p. 44).

81
A última exposição citada, de 1867, foi construída em Paris, um palácio em
forma elíptica, denominado de Palais du Champ-de-mars (Palácio do Campo de Marte).
De acordo com Lopes (1997, p. 51), havia o dobro de expositores em comparação à
exposição anterior. A divisão interna do espaço era feita por galerias, separadas por
tipologia de objeto, que eram “organizados hierarquicamente, segundo a utilidade, a
nível das necessidades humanas”.

FIGURA 9 – PALAIS DU CHAMP-DE-MARS, PALÁCIO DO CAMPO DE MARTE,


EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE 1867, FRANÇA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Exposi%C3%A7%C3%A3o_Universal_de_1867#/media/
Ficheiro:Exposition_universelle_de_1867.png>. Acesso em: 21 dez. 2020.

Atente-se para as duas principais características desses pavilhões, construídos


para as exposições: modernos e efêmeros. Efêmeros pois eram feitos para não durar,
visto que eram desmontados ao término do evento, restando, deles, apenas as imagens
pintadas. Essa maleabilidade possibilitava, aos arquitetos, uma grande experimentação,
trazendo novos materiais e tendências arquitetônicas através dos pavilhões expositivos.

Assim, temos o Pavilhão de Vidro do Bruno Taut, de 1914, para uma


exposição em Colônia, Alemanha. O edifício usa o discurso do vidro
como material capaz de unir matéria e espírito. O Pavilhão L´Espirit
Noveau do Lê Corbusier e Pierre Jeanneret, de 1925, para a Exposição
Internacional das Artes Decorativas de Paris, apresentando boa parte
das ideias da casa como uma “célula habitável, uma máquina de
morar”, rompendo com padrões estéticos e conceitos vigentes de
habitação e de divisão interna dos espaços, sendo que o tipo e a
própria disposição do mobiliário definem os ambientes. Os móveis se
convertem em equipamento e as soluções passam a ser de ordem
funcional, e não mais decorativa. Em 1929, Mies Van Der Rohe cria
o Pavilhão Alemão para a Exposição Internacional de Barcelona,
Espanha (anteriormente denominada de Universal), e apresenta,
ao mundo, um ideal de simplicidade, sofisticação e racionalismo,
expresso em uma das suas frases mais emblemáticas: “Menos é

82
mais”. Na exposição de 1939, em Nova York, EUA, Oscar Niemeyer e
Lúcio Costa criaram o Pavilhão do Brasil, e surpreendem o mundo
com uma visão poética e menos rigorosa da arquitetura modernista
inspirada nas ideias de Le Corbusier (CARVALHO, 2008, p. 4-5).

As exposições universais, apesar de efêmeras, são um símbolo da modernidade


e da nacionalidade. Outros símbolos também nasceram nessa mesma ambientação,
como a Torre Eiffel. A construção desse monumento francês foi resultado de um
concurso para homenagear a nação pelos 100 anos da Revolução Francesa, lançado
durante a exposição universal de 1889, ocorrida em Paris (TURIM 1911, 2014).

FIGURA 10 – EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE 1889, COM A TORRE EIFFEL

FONTE: <https://incubadoradeartistas.files.wordpress.com/2013/07/786373-1.jpg>. Acesso em: 21 dez. 2020.

As exposições universais, em pouco tempo, alastraram-se pelo mundo, sendo


organizadas em outros países europeus, como nos Estados Unidos e na Austrália. As
exposições foram estruturantes na construção da sociedade industrial que se formava,
e fizeram um papel propagandista importantíssimo para a consolidação:

[...] As exposições universais seriam mais um dos instrumentos


pelos quais se tornaria viável a supremacia econômica, política e social
de um grupo sobre a sociedade em termos culturais. As exposições
seriam, em suma, um veículo de construção da hegemonia da
classe burguesa, mediatizada por práticas consensuais e ideológicas
(PESAVENTO, 1997, p. 48).

Observamos, no decorrer do texto, que as exposições universais desempenharam


diversos papéis sociais, econômicos e políticos, como “oportunidade do lucro, glória da
indústria, festa do trabalho, lição de coisas, parque de diversões... As exposições foram,
também, monumentos à nacionalidade (PESAVENTO, 1997, p. 52)”.

83
De acordo com Carvalho (2008), as exposições de caráter industrial se
multiplicaram no século XX, nos grandes centros urbanos, como feiras comerciais ou feira
de negócios, que possuem os mesmos princípios de divulgação e de comercialização
de produtos em comparação às exposições universais. Ainda hoje, as exposições
universais são realizadas, principalmente, na área de negócios e de tecnologia. Apesar
de mudadas as circunstâncias, seguem possuindo um caráter similar ao que vimos, de
elogio ao progresso e disputa entre as nações (TURIM 1911, 2014).

NOTA
Até hoje, alguns arquitetos utilizam pavilhões efêmeros para publicizar trabalhos e
constituir ideias inovadoras. Em Londres, por exemplo, a Serpentine Gallery promove
a construção de um pavilhão por ano e convida um renomado arquiteto para realizar o
projeto que, ao final, será instalado em um parque. Com relação aos arquitetetos que já
participaram, está o brasileiro Oscar Niemeyer.

PAVILHÃO PROJETADO POR OSCAR NIEMEYER


PARA A SERPENTINE GALLERY, EM 2003

FONTE: <http://www.modernarchitecturelondon.com/
buildings/serpentine-2003.php>. Acesso em: 18 dez. 2020.

4.1 EXPOSIÇÕES E A PRESENÇA DO BRASIL


Você sabia que o Brasil participou de diversas exposições universais? A primeira
que contou com a participação brasileira foi a de 1862, em Londres. Na época, o país pas-
sava por intensas transformações causadas pela passagem do Império para a República.

84
[...] Enquanto participante, o Brasil pretendia mostrar, ao mundo,
os seus potenciais natural e industrial, de modo a atrair, além de
imigrantes, investidores e mercados externos. Com apoio e subsídio
de Dom Pedro II, essa era uma forma de inserir o país no grupo das
nações civilizadas, exibindo, para isso, os avanços científicos e a
estabilidade política (FIOCRUZ, 2010, s.p.).

Há, inclusive, um decreto assinado por D. Pedro II, em 25 de outubro de 1861,


que trata dessas intenções:

Tornar o Império conhecido, e devidamente apreciado, apresentando


alguns espécimens dos multiplicados e valiosos productos, com o
fim de permutá-los, e de excitar capitães, braços e inteligência da
Europa para a extração e o preparo; dar uma ideia diante das fracas
atividades e civilizações, fazendo desvanecer preconceitos. Tal é o
alvo principal, remetendo diversos produtos à Exposição Internacional
de Londres (NEVES, 1986 apud SANTOS, 2009, p. 8).

Os produtos enviados para compor as exposições eram escolhidos através da


realização de exposições regionais e nacionais. Os grandes destaques do Brasil, na área
agrícola, eram o café, o guaraná, o açúcar, o cacau, a mandioca e o fumo. Além disso,
buscava-se desfazer “a imagem exótica do país”, demonstrando o potencial industrial
através da exibição de minerais, estudos geológicos e fotografias das estradas de ferro.

NOTA
Naexposição universal de 1904, em Saint Louis, nos Estados Unidos, foi projetado um
pavilhão para o Brasil que fosse possível de ser desmontado e reutilizado. Dois anos após,
foi reerguido, no Rio de Janeiro, para sediar a Terceira Conferência Pan-Americana, e foi
batizado de Palácio Monroe (TURIM 1911, 2014). A edificação teve diversos usos no decorrer
dos anos, mas foi demolido em 1976.

PALÁCIO MONROE

FONTE: <http://twixar.me/mVSm>. Acesso em: 21 dez. 2020.

85
Em 1908, o Brasil festejava o centenário de abertura dos portos. Esse marco foi
escolhido para a realização de uma grande exposição nacional brasileira, a Exposição
Nacional Comemorativa do 1° Centenário da Abertura dos Portos do Brasil.

A proposta era “inventariar o país”, mostrando “cem anos de progresso, e


escolheu, como lugar e tempo ideais, o Rio de Janeiro, o ano de 1808 e a chegada
da Corte Portuguesa ao Brasil, além das medidas tomadas desse lado do Atlântico”
(HEIZER, 2008, p. 22). Todos os Estados brasileiros participaram, além de Portugal, país
que foi convidado.

Todos os Estados da federação participaram do evento, além de


Portugal, único país convidado. Eram 11.286 expositores brasileiros e
6.719 portugueses. Os gastos com o transporte dos objetos expostos
foram pagos pelo governo federal [...]. Muitos Estados brasileiros
tinham os seus pavilhões, como Bahia, Minas Gerais, São Paulo e o
próprio Distrito Federal [...] (TURIM 1911, 2014, p. 15).

Além disso, foram criados outros serviços para fazer com que o espaço fosse
ainda mais aproveitado. Havia um edifício para abrigar os correios e os telégrafos, foram
construídos um pavilhão de música, um teatro, um cinematógrafo e alguns restaurantes.
Ao fim do evento, foi contabilizado um total de um milhão de pessoas (TURIM 1911, 2014).

FIGURA 11 – ENTRADA E PAVILHÃO DOS ESTADOS

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8f/PSM_V74_D114_Exposition_palace_for_
official_receptions.png>. Acesso em: 18 dez. 2020.

86
DICA
O edifício construído para ser o pavilhão dos Estados na Exposição
Nacional de 1908, atualmente, é sede do Museu de Ciências da Terra,
que tem, como principais temáticas, a geologia e a paleontologia. Você
pode saber mais em http://mcter.cprm.gov.br/.

Em 1922, o Brasil sediou uma exposição universal, realizada em comemoração


ao Centenário da Independência do país. Há relatos de que a exposição era enorme para
os padrões brasileiros.

Os preparativos para a exposição universal foram intensos no Rio de Janeiro,


e provocaram diversas obras no centro da cidade, buscando evidenciar, ainda mais, o
progresso local. O governo, nessa época, estava abalado e despontavam diversas greves
pelo país. Nesse sentido, a ideia do evento, além de propagandear o Brasil para o mundo,
também era mostrar, aos brasileiros, a nacionalidade, através de um discurso cívico.

NOTA
Uma das obras previstas foi a demolição do chamado Morro do Castelo, local histórico
da cidade do Rio de Janeiro, onde, efetivamente, iniciou-se a urbanização da cidade. Na
época, houve uma intensa discussão. De um lado, defendiam a derrubada do morro,
visando à construção de prédios e à modernização da cidade; de outro, a preservação
enquanto parte da memória carioca. Por fim, a “modernização” venceu, levando, ao chão,
o Morro do Castelo. O espaço foi utilizado para a realização da exposição de 1922.

DEMOLIÇÃO DO MORRO DO CASTELO A JATOS DE ÁGUA

FONTE: <http://www0.rio.rj.gov.br/rio_memoria/1922.htm>.
Acesso em: 18 dez. 2020.

87
A parte brasileira da exposição abordou as principais atividades econômicas
do país, como lavoura, pecuária, pesca, indústrias, meios de transporte e tecnologias
de comunicação, além das ciências e das artes. No espaço dedicado aos pavilhões
das outras nações, treze se fizeram presentes: Argentina, México, Inglaterra, França,
Itália, Portugal, Dinamarca, Suécia, Tchecoslováquia, Bélgica, Noruega, Japão e Estados
Unidos (MOTTA, 1992).

A exposição universal durou até abril de 1923, e o número de expositores chegou


a dez mil.

FIGURA 12 – SELO COM O LOGOTIPO OFICIAL DA EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE 1922, BRASIL

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c0/Exposi%C3%A7%C3%A3o_do_
Centen%C3%A1rio_de_1922-_Selo_comemorativo.jpg>. Acesso em: 18 dez. 2020.

Algumas das construções realizadas para serem os pavilhões do evento existem


até hoje no Rio de Janeiro, como o pavilhão da administração, hoje, Museu da Imagem
e do Som; o palácio da França, que virou a Academia Brasileira de Letras; o palácio
das indústrias, que abriga o Museu Histórico Nacional; e o pavilhão de estatística,
atualmente, sede do órgão do Ministério da Saúde (MOTTA, 1992).

Na próxima unidade, falaremos mais dos museus brasileiros.

88
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• Os museus modernos tiveram a constituição relacionada ao Iluminismo e à Revolução


Francesa.

• Os museus nacionais nascem em decorrência da constituição de um patrimônio


público. Foram mecanismos construtores de uma narrativa nacional e de um passado
comum a todos os cidadãos.

• As exposições universais surgiram a partir da Revolução Industrial, com os objetivos


de celebrar a modernidade e de divulgar os produtos industriais e agrícolas dos países
para investidores e consumidores.

• O Brasil começa a aparecer na história dos museus com a criação do primeiro museu
brasileiro, o Museu Nacional, em 1818, além da participação nas exposições universais.

89
AUTOATIVIDADE
1 Conforme o que foi apresentado neste tópico, assinale verdadeiro ou falso a seguir:

( ) Com a Revolução Francesa, movimento inspirado pelos ideais Iluministas, come-


çou-se a perceber a necessidade da criação de Gabinetes de Curiosidades para
armazenarem as peças que passaram a ser de posse pública.
( ) Os museus nacionais foram construídos para auxiliar na construção de uma história
nacional. O primeiro museu dessa tipologia a ser aberto foi o Museu do Louvre.
( ) As exposições universais surgiram no contexto da Revolução Industrial. Constituí-
am-se para ser uma celebração à modernidade e um meio de publicidade para as
indústrias dos países.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) F -F-V.
b) ( ) V-V-F.
c) ( ) F-V-V.
d) ( ) V-V-V.

2 Acerca das exposições universais, assinale a alternativa que indica as duas


características que os pavilhões construídos possuíam:

a) ( ) Modernos e perenes.
b) ( ) Modernos e efêmeros.
c) ( ) Góticos e efêmeros.
d) ( ) Clássicos e perenes.

3 Relacione o museu nacional à respectiva história:

1- Museu do Louvre
2- Museu Britânico
3- Museu do Prado
4- Museu Nacional (Brasil)

( ) Museu que se originou a partir de uma coleção particular de um médico. Só veio a


ser reconhecido como museu nacional quando passou a ter uma sede pública.
( ) Museu criado em 1818, o primeiro do país. Em 2018, sofreu um incêndio que destruiu
grande parte do acervo.
( ) Primeiro museu totalmente aberto ao público, criado em decorrência da Revolução
Francesa.
( ) Foi, inicialmente, chamado de Museu Real de Pinturas, e está localizado em Madrid.

90
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) 3-1-2-4.
b) ( ) 2-1-4-3.
c) ( ) 4-3-1-2.
d) ( ) 2-4-1-3.

4 Vimos, neste tópico, que os revolucionários franceses tiveram duas opções acerca
do que fazer com as materialidades que eram posse do Estado. Disserte a respeito
dessas opções e das intenções dos revolucionários franceses ao criarem o Louvre.

5 Acerca das exposições universais, disserte a respeito de como elas ocorriam e das
principais características.

91
92
UNIDADE 2 TÓPICO 2 —
PATRIMÔNIO:
HISTORICIDADE DOS CONCEITOS

1 INTRODUÇÃO
Caro estudante, seja bem-vindo ao Tópico 2 da Unidade 2!

Neste tópico, conheceremos algumas das definições de patrimônio cultural,


além da caracterização desse conceito, que, há séculos, vem tendo grande ressonância
na sociedade.

O patrimônio cultural é um instrumento de poder e de identidade, foi alvo de


muitos momentos de guerra no mundo e, hoje, ainda é muito visado para o tráfico
ilícito de bens culturais. Os grandes desafios impostos na contemporaneidade são a
salvaguarda e a contínua produção dos bens com o cotidiano das pessoas, assim, é
necessário o desenvolvimento de uma gestão do patrimônio.

A seguir, apresentaremos as diversas categorias criadas na segunda metade do


século XX, como patrimônio cultural natural; patrimônio excepcional universal, também
conhecido como patrimônio mundial; e patrimônio cultural imaterial.

Venha conhecer o universo do patrimônio. Vamos lá?! Bons estudos!

2 PATRIMÔNIO CULTURAL MATERIAL


Mapeando o significado da palavra patrimônio, encontramos o conceito definido
pelo direito romano antigo, ligado ao sentido de “herança do pai”, determinado como
os bens materiais de valores econômico e privado. Por outro lado, o patrimônio coletivo
era denominado de extra-patrimonium, definindo bens pertencentes ao Estado, como
praças, teatros e ruas (ROBICHEZ, 2015).

Durante o Renascimento, como já visto no tópico anterior, houve o retorno da


ideia da herança, do acúmulo de bens de valores para os descendentes. Paralelamente
a esse movimento, o patrimônio também começou a ser encarado como um “bem
comum”, distanciado das esferas familiar e privada, voltado mais aos interesses de
algumas coletividades.

93
Os bens, entendidos como objetos de valor, econômicos ou simbólicos, são
alvos nos períodos de guerra e conquistas de territórios. Muitos acabam sendo vítimas
de saques ou de destruição durante os conflitos. Nesse cenário, surgem as primeiras
convenções e os acordos internacionais para a proteção dos bens culturais. Um dos
primeiros marcos documentais desse movimento foi o tratado de Vestfália, além do fim
da Guerra de Trinta Anos, em 1648, conflito que ocorreu no território europeu. Nesse
tratado, estava estipulada a restituição de bens privados e culturais, que, durante a
guerra, não eram penhorados (ROBICHEZ, 2015).

Outro marco significativo foi a Revolução Francesa, em 1789, quando a


monarquia criou termos para a proteção do patrimônio nacional. Esse evento também
foi fundamental para a elaboração dos termos “bens culturais” e “monumentos”, a partir
de então, recebendo proteção do poder público. Essa proposta estava fortemente
influenciada pela onda nacionalista, que pairava na Europa (ROBICHEZ, 2015). Para
compreendermos a importância que esse momento histórico teve, as primeiras leis
de proteção do patrimônio cultural no Brasil foram baseadas nas já bem consolidadas
legislações francesas, que, desde a revolução, apresentavam-se como a vanguarda da
temática.

Durante o século XIX, já era comum que os tratados de guerra apresentassem


algum nível de preocupação com os bens culturais e a proteção do patrimônio, sendo
uma estratégia de delimitação das zonas de conflito. Os documentos apresentavam
limitações dos territórios para confrontos, alegando que, se atingidas determinadas
regiões, seriam causados danos ao patrimônio cultural local. Todavia, esses primeiros
acordos tinham uma visão restrita a respeito do que era o patrimônio de uma nação,
incluindo, basicamente, apenas obras de artes, bibliotecas e acervos científicos. Alguns
episódios emblemáticos da subtração de bens culturais de outras nações foram as
expedições realizadas por Napoleão Bonaparte, e as capturas realizadas pelos exércitos
nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial. O rapto da cultura material se tornava
uma estratégia de dominação de uma nação sobre outra, e, durante os longos anos de
colonização e de conflitos por territórios, foi amplamente realizado.

Aos poucos, percebeu-se a necessidade da criação de normativas que fossem


ratificadas por uma maioria de países, inibindo a conduta da destruição do patrimônio
no cenário mundial. O primeiro grande evento que tratou dessa temática, trazendo
diretrizes ao âmbito diplomático, foi a Convenção de Haia, de 1899. Seguida das
Convenções de Haia de 1907 e de 1954, pretendia buscar meios e acordos para regular
a guerra e proteger objetos e instituições de importância cultural (COSTA, 2018). Essa
convenção redefiniu a abrangência do que poderia ser considerado patrimônio cultural,
incorporando os seguintes itens:

[...] bens móveis e imóveis (como monumentos, sítios arqueológicos


e objetos de interesse histórico, artístico ou arqueológico); edifícios,
com os objetivos de conservar e de expor os bens culturais móveis
(como arquivos, bibliotecas e museus); e os “centros monumentais”,
que possuem um número considerável de bens a serem preservados
(UNESCO, 1954, p. 8-9).

94
Após os momentos, considerados na história da proteção do patrimônio,
como tempos de guerras, surgem novos desafios, como o alargamento da definição de
patrimônio, a gestão e a preservação em diferentes espaços e territórios.

DICA
Durante o evento de 1954, foram criados alguns protocolos que
podem ser vistos no vídeo realizado pela UNESCO. Acesse o link e
conheça um pouco desse tratado, tão importante para a história
da proteção do patrimônio cultural: https://www.youtube.com/
watch?v=mqdgj1aPHqs&t=40s.

Após a Segunda Guerra Mundial, com a chegada dos tempos de paz, um


novo perigo estava à espreita, e o debate internacional se voltou para evitar o tráfico
ilícito de bens culturais. Em 1970, e logo após, em 1972, ocorrem as Convenções da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), esta
última responsável pela inclusão do patrimônio natural ao debate internacional. Esse
evento também teve, como premissa, a criação de uma rede de ajuda internacional para
a manutenção dos bens culturais, considerados de interesse mundial. Em constante
risco, o objetivo era a manutenção da gestão desses patrimônios nos países de origem
(UNESCO, 1972). Esse evento reconheceu os patrimônios cultural e natural:

Os monumentos – Obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura


monumentais, elementos de estruturas de caráter arqueológico,
inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal
excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência.
Os conjuntos – Grupos de construções isoladas ou reunidos que, em
virtude da arquitetura, unidade ou integração na paisagem, têm valor
universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da
ciência; Os locais de interesse.
Obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e
as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor
universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico
ou antropológico (UNESCO, 1972, p. 2).

As novas abordagens e as discussões causam algumas mudanças contempo-


râneas de paradigmas. O patrimônio, visto antes como sinônimo de “monumento”, passa
a ser compreendido como “bem cultural”, auxiliando na quebra da dicotomia entre a
cultura culta e a popular (PÉREZ, 2009). Entretanto, Pearce (1992) alerta que o termo
“bens” é oriundo da teoria da produção, o que aproxima a cultura material do valor de
uma mercadoria. Ao se pensar em bens culturais, a abordagem apenas econômica é
muito rasa, assim, deve-se incorporar a dimensões sociais, culturais e políticas. Dessa
maneira, o patrimônio cultural ou o bem cultural é composto de qualidades intrínsecas
e extrínsecas, como materialidade e significado.

95
[...] O patrimônio cultural é um retrato da origem e da evolução
humana. Por outro lado, o patrimônio cultural tem valor pelo que
expressa em termos estéticos, históricos e religiosos, isto é, possui
uma importância intrínseca, pois a existência nos dá satisfação.
Outrossim, os bens culturais que pertencem a um grupo em particular
fomentam a dignidade, uma vez que promovem a autoidentificação
e a autocompreensão. Ainda, ajudam a definir a singularidade como
povo e, para alguns grupos étnicos, são garantidores de força e de
segurança (BISCHOFF, 2004, p. 276).

A definição de patrimônio sofreu muitas ampliações durante o século XX. Os


primeiros bens considerados patrimônio eram monumentos individuais e edifícios, locais
de culto, históricos ou comemorativos, geralmente, vistos isolados das comunidades
que os rodeavam. Na atualidade, a percepção de patrimônio cultural entende o ambiente
e a comunidade como elementos integradores desse processo. Em concordância com
essa linha, Guarnieri (2010) enfatiza que apenas preservamos o que constitui algum
valor, podendo ser chamado de valor social, derivado de uma consciência coletiva.

[...] Na atualidade, o patrimônio cultural é um debate dos valores


sociais, e a patrimonialização é um processo de atribuição de novos
valores, sentidos, usos e significados a objetos, às formas, aos modos
de vida, aos saberes e aos conhecimentos sociais. Dessa forma, é
necessário entender o patrimônio cultural nos contextos sociocultural
e econômico específicos [...] (PÉREZ, 2009, p. 147).

A patrimonialização é um processo ligado à institucionalização da cultura, é um


mecanismo para legitimação e afirmação da identidade de um grupo. Assim, o processo,
muitas vezes, gera conflitos, lutas e negociações. Para Robichez (2015, p. 108), a noção
de patrimônio significa a subtração “[...] do direito comum de um certo número de objetos
ou monumentos aos quais se confere um estatuto especial, um estatuto ‘exorbitante’
de direito público, criando um laço entre o bem cultural e o território de origem”. Com
o passar do tempo, as definições de patrimônio foram se expandindo, com a inclusão
das categorias de patrimônio material, patrimônios histórico e artístico, patrimônio
imaterial, patrimônio arquitetônico, patrimônio natural etc.

Na prática, ao longo do tempo, foi desenvolvido um amplo conjunto de tipologias,


que engloba centros urbanos, sítios arqueológicos, propriedades industriais, paisagens
culturais e rotas de patrimônio. Quando a ampliação ocorreu, também aumentou o
número de ameaças, estas que podem ter efeitos adversos sobre os patrimônios, assim,
também começaram a ser definidas atitudes com base em benefícios econômicos
ou sociais mais amplos, que devem ser compatíveis com o bem-estar do patrimônio.
Seguem algumas demandas que envolvem a elaboração da gestão do patrimônio:

96
FIGURA 13 – DEMANDAS PARA ELABORAÇÃO DA GESTÃO DO PATRIMÔNIO

FONTE: O autor

É, cada vez mais evidente, a contribuição da gestão do patrimônio para o


desenvolvimento sustentável e para a coesão da sociedade.

Outro aspecto importante, direcionando à preservação do patrimônio, depende


do trabalho feito por diversos suportes de memória, com edifícios e espaços, como
documentos, imagens e palavras. Com a ampliação do conceito, novos agentes estão
introduzidos no debate, como diversos profissionais, população, usuários e produtores do
patrimônio. Não se pode, também, esquecer da dinâmica própria do patrimônio cultural,
que não pode ser percebido como uma coleção de objetos afastados da vida, devendo ser
visto como um suporte para um processo contínuo de produção da própria vida. Dessa
forma, a gestão do patrimônio é uma atividade de grande responsabilidade, pois visa à
preservação do elemento e permite que ele continue sendo ativo dentro do cenário de
pertencimento. Um bom exemplo são os conjuntos arquitetônicos. Para a preservação
deles, não basta apenas o restauro, é necessário que sejam utilizados pela comunidade,
como espaços para visitação, comércios locais e outras funcionalidades. Esses processos
garantem a sustentabilidade e a permanência do patrimônio dentro da sociedade.

Vejamos, agora, um pouco do contexto do patrimônio no Brasil. Assim como


em outros lugares do mundo, a temática do patrimônio surgiu com a demanda e com
a evidente preocupação com a salvaguarda dos vestígios do passado da nação, mais
especificamente, dos monumentos de valores histórico e artístico. Na primeira metade do
século XX, já existiam vários museus do Brasil, no entanto, ainda não havia um meio para a
proteção de bens que estivessem fora das coleções da instituição (FONSECA, 2017).

97
[...] A partir de denúncias de intelectuais acerca do abandono das
cidades históricas e da dilapidação do que seria um "tesouro" da
nação, perda irreparável para as gerações futuras, pela qual as elites e
o Estado seriam chamados a responder, inclusive, perante as nações
civilizadas, o tema passou a ser objeto de debates nas instituições
culturais, no Congresso Nacional, nos governos estaduais e na
imprensa (FONSECA, 2017, p. 81).

O primeiro órgão federal de proteção ao patrimônio no Brasil surgiu no Museu


Histórico Nacional, idealizado pelo diretor da instituição, Gustavo Barroso. Esse diretor
era contrário às ideias dos modernistas, acerca da gestão do patrimônio a nível federal.
Em 1934, foi criada a Inspetoria dos Monumentos Nacionais, órgão norteado pelas
perspectivas tradicionalistas e patrióticas. Contudo, teve atuação por um período
curto, seguida da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN). Em 1937, a inspetoria foi desativada (FONSECA, 2017). No Brasil, o órgão
denominado, posteriormente, de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), foi responsável pela criação da legislação específica para os bens culturais.
Atualmente, estão classificados, segundo a natureza, em quatro livros: arqueológico,
paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e artes aplicadas (IPHAN, 2020a).
Veremos mais a respeito da história dos órgãos de proteção brasileiros na próxima
unidade deste livro.

3 PATRIMÔNIO MUNDIAL
Começaremos retornando às definições de patrimônio. Segundo Robichez (2015,
p. 108), pode ser considerado “[...] um conjunto de elementos imateriais, assim como ma-
teriais, que participa da construção e da vida das identidades humanas”. O patrimônio
pode ser considerado essa herança transmitida à posteridade. Em pequenos grupos, essa
dinâmica é mais facilmente vista, mas existem alguns patrimônios que ultrapassam a
territorialidade e os grupos sociais, considerados de relevância mundial. Assim, compre-
enderemos o que caracteriza um patrimônio mundial e as diretrizes para a escolha.

Você já deve ter ouvido falar do patrimônio mundial, trata-se de um assunto


de grande complexidade, permeado por acordos internacionais e diplomáticos. Esse
conceito surgiu em 1972, durante a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial
Cultural e Natural, realizada pela UNESCO, também conhecida como a Convenção do
Patrimônio Mundial. Nesse evento, foi concebida a ideia de Patrimônio Mundial de Valor
Universal Excepcional, mas qual foi o objetivo da reunião?

Essa Convenção introduziu, na legislação internacional, a ideia de que uma parte


do patrimônio do mundo era tão importante que tinha valor para toda a humanidade, e
a responsabilidade pela gestão ia além da esfera nacional, ainda que a responsabilidade
primária coubesse à nação que abrigasse o bem. O conceito era tão atraente que 190
Estados-partes ratificaram a Convenção, e quase 1000 bens foram inscritos na Lista do
Patrimônio Mundial.

98
NOTA
Apesar da Convenção ter participação mundial, é necessária
a ratificação de cada um dos países para o cumprimento do
documento, só assim o acordo se torna vigente. A história da
proteção do patrimônio cultural mundial está alicerçada a boas
relações diplomáticas e a longos períodos de conversa.

No Brasil, a partir do Decreto Legislativo n° 80.978, de 12 de
dezembro de 1977, a Convenção para a Proteção do Patrimônio
Mundial Cultural e Natural entrou em vigor. Esse processo
ocorreu durante o governo do presidente Ernesto Geisel.

A maior parte dos sítios culturais registrados na primeira lista do patrimônio


mundial, em 1978, era de caráter monumental, arqueológico ou urbano, embora já
existissem alguns de valor industrial ou associativo. Nas últimas décadas, o conceito de
patrimônio foi constantemente alterado e ampliado. De forma semelhante, a aplicação
da Convenção foi expandida, incluindo outros elementos culturais, além de edifícios e
sítios urbanos das classes dominantes. Uma grande mudança foi a inclusão de outros
assentamentos, de igual importância, no entanto, mais frágeis, pertencentes a classes
mais baixas da sociedade, porém, com fundamental importância para o entendimento
do desenvolvimento da humanidade. Com essa nova dinâmica, a gestão do patrimônio
se deparou com novos desafios e problemas mais complexos

DICA
Você tem cinco minutinhos? A UNESCO produziu, de forma concisa
e introdutória, uma breve apresentação do que foi a Convenção
do Patrimônio Mundial, além dos objetivos. Ficou curioso? Então,
acesse https://www.youtube.com/watch?v=lOzxUVCCSug.

Veremos, agora, o que significou o novo conceito de patrimônio mundial de


valor universal excepcional. De acordo com a nomeação recebida, todo o patrimônio
mundial deve ter caráter excepcional ou, como foi chamado durante a Convenção, Valor
Universal Excepcional, contudo, o que determina o valor universal excepcional?

99
Atualmente, o conceito está baseado nas Diretrizes Operacionais, criadas em
2005, que, desde então, foram revisadas frequentemente. O documento serve para a
Implementação da Convenção do Patrimônio Mundial, recurso que promove a orientação
das práticas necessárias para a inscrição e a gestão do patrimônio mundial. Conforme a
última edição, realizada em 2012, a definição de Valor Universal Excepcional diz respeito
a um significado cultural e/ou natural que é excepcional ao ponto de transcender as
fronteiras nacionais e de ter importância comum para as gerações presentes e futuras
de toda a humanidade.

O valor deve estar descrito na justificativa do elemento cultural que pretende


ser inscrito na lista mundial, além disso, é importante que o bem tenha um projeto
de gestão do patrimônio. As Diretrizes Operacionais determinam que, para ser considerado
de valor universal excepcional, um bem deve contemplar as condições de integridade
e de autenticidade, e deve contar com um sistema de gestão e de proteção adequado
para garantir a salvaguarda.

A seguir, observaremos os três pilares que devem ser identificados no patrimônio


para ser considerado de valor universal excepcional.

FIGURA 14 – PILARES DO VALOR UNIVERSAL EXCEPCIONAL

O bem se
O bem
encaixa O bem
cumpre as
em um ou cumpre os
condições de
mais dos requisitos
integridade e
critérios do de proteção
autenticidade,
Patrimônio e gestão
se relevantes
Mundial

FONTE: O autor

100
Em um primeiro momento, não houve a preocupação ao conceituar o termo
valor excepcional, sendo, anos depois, incorporado. Há uma breve descrição de como o
comitê do Patrimônio Mundial procederia, realizando uma lista de bens que considera
ter Valor Universal Excepcional, conforme os critérios estabelecidos. Após isso, um novo
filtro foi criado, o Comitê de Avaliação dos Bens Culturais. A etapa do processo validou
se o bem integrou os critérios de VUE. A seguir, veremos a descrição dos critérios.

I- representar uma obra-prima do gênio criativo humano;


II- ser a manifestação de um intercâmbio considerável de valores humanos durante
determinado período ou em uma área cultural específica, no desenvolvimento da
arquitetura ou da tecnologia, das artes monumentais, de planejamento urbano ou
de paisagismo;
III- aportar um testemunho único ou excepcional de uma tradição cultural ou de uma
civilização ainda viva ou que tenha desaparecido;
IV- ser um exemplo excepcional de um tipo de edifício ou de conjunto arquitetônico
ou tecnológico, ou de paisagem que ilustre uma ou várias etapas significativas da
história da humanidade;
V- constituir um exemplo excepcional de habitat, ou estabelecimento humano tradicional
ou do uso da terra ou do mar que seja representativo de uma cultura ou de culturas, ou
da interação humana com o meio ambiente, especialmente as que tenham se tornado
vulneráveis por efeitos de mudanças irreversíveis;
VI- estar associados diretamente ou materialmente a acontecimentos ou a tradições
vivas, a ideias ou a crenças, a obras artísticas ou literárias de significado universal
excepcional (o Comitê considera que esse critério deve, de preferência, ser usado
em conjunto com outros critérios);
VII- conter fenômenos naturais superlativos ou áreas de excepcional beleza natural e
importância estética;
VIII- ser exemplos excepcionais representativos dos diferentes períodos da história da
Terra, incluindo o registro da evolução, de processos geológicos significativos em
curso, do desenvolvimento das formas terrestres ou de elementos geomórficos e
fisiográficos significativos;
IX- ser exemplos excepcionais, que representem processos ecológicos e biológicos
em curso, significativos para a evolução e para o desenvolvimento de ecossistemas
terrestres, costeiros, marítimos e de água doce, além de comunidades de plantas e
animais;
X- conter os habitats naturais mais importantes e mais representativos para a con-
servação in situ da diversidade biológica, incluindo aqueles que abrigam espécies
ameaçadas, que possuam um Valor Universal Excepcional do ponto de vista da
ciência ou da conservação.

Não é necessário que o patrimônio cultural integre os dez critérios aqui descritos,
porém, a inclusão de mais de um item é interessante para facilitação da aprovação.

101
DICA
Achou a temática do patrimônio mundial interessante? Você pode
ter acesso, na íntegra, aos modelos dos documentos solicitados para
o pedido de inscrição de um bem cultural na lista dos patrimônios,
através do manual chamado de Orientações para a Aplicação da
Convenção do Patrimônio Mundial, no site da UNESCO. Acesse http://
whc.unesco.org/en/guidelines/. Quem sabe, você possa apresentar um
dossiê em uma das convenções da UNESCO.

No território brasileiro, existem vários patrimônios considerados de Valor


Universal Excepcional, pertencentes às categorias de patrimônio mundial cultural,
natural ou misto. Os itens do Brasil, inscritos na lista de patrimônio mundial cultural, são:
Brasília (DF), Cais do Valongo (RJ), Centro Histórico de Goiás (GO), Centro Histórico de
Diamantina (MG), Centro Histórico de Ouro Preto (MG), Centro Histórico de Olinda (PE),
Centro Histórico de Salvador (BA), Conjunto Moderno da Pampulha (MG), Ruínas de São
Miguel das Missões (RS), Parque Nacional Serra da Capivara (PI), Praça Francisco (SE),
Rio de Janeiro (RJ) e o Santuário do Bom Jesus (MG).

O Centro Histórico de Ouro Preto (MG) foi tombado em 1938, identificado como um
conjunto arquitetônico e urbanístico. Também foi o primeiro patrimônio cultural brasileiro
a receber o título de patrimônio histórico e cultural da humanidade, pela UNESCO
(integrando a lista do patrimônio mundial), em 1 de janeiro de 1980 (IPHAN, 2020c).

FIGURA 15 – CENTRO HISTÓRICO DE OURO PRETO (MG)

FONTE: <https://www.turismoouropreto.com/blog/por-que-ouro-oreto-se-tornou-patrimonio-cultural-da-
humanidade>. Acesso em: 29 dez. 2020.

102
Inscritos na lista de Patrimônios Mistos, estão Paraty e Ilha Grande (RJ), pois
integram as classificações das listas de Cultura e de Biodiversidade (IPHAN, 2020c).

FIGURA 16 – PARATY E ILHA GRANDE (RJ)

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/819>. Acesso em: 29 dez. 2020.

Ao adentrar no cenário do patrimônio misto, é possível se deparar com o


conceito de patrimônio natural, abordado, também, nessa convenção. Assim, a seguir,
veremos o que define essa nova categoria.

4 PATRIMÔNIO NATURAL
Durante a Convenção da UNESCO, de 1972, denominada de Convenção para
a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, foi incorporada a definição de
patrimônio natural, ainda pouco problematizada no cenário internacional. O documento
criado durante o evento determinou que seriam considerados patrimônios naturais os
seguintes itens:

Os monumentos naturais constituídos por formações físicas e


biológicas ou por grupos de tais formações com Valor Universal
Excepcional do ponto de vista estético ou científico.
As formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente
delimitadas, que constituem habitat de espécies animais e vegetais
ameaçadas, com Valor Universal Excepcional do ponto de vista da
ciência ou da conservação.
Os locais de interesse naturais ou zonas naturais estritamente
delimitadas, com Valor Universal Excepcional do ponto de vista da
ciência, conservação ou beleza natural (UNESCO, 1972, p. 2).

A preservação do patrimônio natural propicia integração e harmonia entre


elementos físicos e biológicos do mundo, comunidades de plantas, animais e seres
humanos. Esse tipo de patrimônio é composto pelo estabelecimento das relações com
a natureza, “significados religiosos, míticos, históricos, artísticos, simbólicos, afetivos
e tantos outros que podem ser conferidos pelo homem ao mundo natural” (DELPHIM,
2004, p. 4).

103
Ainda, “ o valor de uma paisagem cultural decorre da função e da capacidade
de reter marcas e registros antrópicos” (DELPHIM, 2004, p. 5). Dessa forma, a paisagem
permite a compreensão dos fenômenos ocorridos ao longo do tempo, pela geologia,
pela paleontologia ou pela arqueologia.

No Brasil, temos sete sítios inscritos na lista dos patrimônios mundiais naturais.
O primeiro deles é o Parque Nacional do Iguaçu, em Foz do Iguaçu, no Paraná, e recebeu
essa denominação em 1986. Em visita ao parque, é possível conhecer as cataratas do
Iguaçu, que fazem divisa entre três países: Brasil, Paraguai e Argentina. Atualmente, é
um grande ponto turístico do cone sul, visitado por pessoas do mundo todo.

FIGURA 17 – PARQUE NACIONAL DE FOZ DO IGUAÇU

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Parque_Nacional_do_Igua%C3%A7%C3%BA_-_
Igua%C3%A7u_National_Park_(14116137781).jpg>. Acesso em: 24 dez. 2020.

Em 1999, dois novos patrimônios foram incorporados à lista: a Mata Atlântica,


com as Reservas do Sudeste, de São Paulo e do Paraná; e a Costa do Descobrimento,
com as Reservas da Mata Atlântica, da Bahia e do Espírito Santo. No ano seguinte, duas
novas áreas de proteção foram incluídas: a Amazônia Central, e o Pantanal, Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul. Os dois últimos elementos introduzidos na lista foram em 2001,
sendo a área protegida do Cerrado: Chapada dos Veadeiros, Parque Nacional das Emas,
Goiás e as Ilhas Atlânticas brasileiras, além das Reservas de Fernando de Noronha e Atol
das Rocas.

Desde então, nenhum outro sítio do patrimônio natural do Brasil foi acrescen-
tado à lista internacional. Para que isso aconteça, é necessária a criação de um dossiê
detalhado acerca do histórico e da importância atual do patrimônio para o contexto
mundial. Assim como a inclusão do patrimônio natural ao debate mundial foi um grande
avanço, outros elementos, recentemente, ganharam espaço nas discussões da prote-
ção do patrimônio, como os bens culturais imateriais.

104
5 PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL
A categoria do patrimônio imaterial foi uma das últimas definições incorporadas
ao grande guarda-chuva do patrimônio. O conceito de patrimônio cultural imaterial, de
importância mundial, surge na Conferência Geral da UNESCO, chamada, também, de
Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, realizada
em Paris, em 2003. O documento só viria a ser ratificado, pelo Brasil, em março de 2006.

O conceito surgiu a partir da reflexão oriunda de uma sequência de instrumentos


internacionais existentes dos direitos humanos, como a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais, de 1966, e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966.
Apesar de ser tardia a definição, a temática do patrimônio imaterial já vinha sendo
tratada por muitos eventos da segunda metade do século XX. Documentos produzidos
anteriormente foram os pilares para a delimitação do conceito, como a Recomendação
da UNESCO da Salvaguarda das Culturas Tradicional e Popular, de 1989, a Declaração
Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, de 2001, e a Declaração de Istambul,
de 2002. Todos esses eventos evidenciaram a interdependência entre os diversos
tipos de patrimônio: material, imaterial e natural. Com esses subsídios, a Convenção
de 2003 pode apresentar a importância do patrimônio cultural imaterial como fonte de
diversidade cultural e desenvolvimento sustentável. Entretanto, o que foi definido como
patrimônio cultural imaterial? São considerados práticas, representações, expressões,
conhecimentos e técnicas, com objetos e lugares culturais associados aos itens
anteriores.

Patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é


constantemente recriado pelas comunidades e pelos grupos em função do ambiente,
da interação com a natureza e da história, gerando sentimentos de identidade e de
continuidade, contribuindo, assim, para promover o respeito à diversidade cultural e à
criatividade humana.

A salvaguarda do patrimônio imaterial deve ser diferente da relacionada ao


patrimônio material, pois não é possível fazer um processo de tombamento. Nesse
contexto, preservar é garantir a viabilidade do patrimônio imaterial a partir da identificação,
da documentação, da investigação, da proteção, da promoção, da valorização e da
transmissão, revitalizando, constantemente, a dinâmica do patrimônio em diversos
aspectos. O patrimônio cultural imaterial deve fazer parte da vida das pessoas, deve
ser constantemente aprendido, ensinado e modificado, participando do passado, do
presente e do futuro das comunidades.

No evento, também foram descritas algumas medidas possíveis para incentivar


a salvaguarda, como adotar políticas que visem promover a função do patrimônio
na sociedade, participando de programas integrados de planejamento; designar
ou criar órgão para salvaguarda do patrimônio no território de origem; fomentar
estudos científicos, técnicos e artísticos, além de metodologias para salvaguarda do

105
património em perigo; adotar medidas de ordens jurídica, técnica, administrativa e
financeira; favorecer a criação e a estruturação de instituições de formação em gestão
do patrimônio; garantir acesso ao patrimônio; e criar instituições para documentar o
processo de desenvolvimento do patrimônio imaterial. Como vimos anteriormente,
essas funções fazem parte da cadeia de atividades relacionadas à gestão do patrimônio.

O Brasil integra a lista de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, ou apenas


Patrimônio Mundial, com os seguintes elementos: Samba de Roda no Recôncavo Baiano;
Arte Kusiwa, com Pintura Corporal e Arte Gráfica Wajãpi; Frevo: Expressão Artística do
Carnaval de Recife; Círio de Nossa Senhora de Nazaré; Roda de Capoeira; e o Complexo
Cultural do Bumba do Maranhão (IPHAN, 2020d).

No Brasil, há uma legislação precursora da temática do patrimônio cultural


imaterial. Os bens de natureza imaterial se manifestam nos saberes, nos ofícios e
nos modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais
ou lúdicas; e lugares. Desde a Constituição Federal de 1988, nos Arts. 215 e 216, está
reconhecida a existência de bens culturais de naturezas material e imaterial (IPHAN,
2020b). Alguns elementos que caracterizam os bens culturais imateriais estarão
identificados a seguir.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de naturezas material


e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à iden-
tidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira:

I- as formas de expressão;
II- os modos de criar, fazer e viver;
III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V- os conjuntos urbanos e sítios de valores histórico, paisagísti-
co, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico
(BRASIL, 1988, s.p.).

Como vimos, na citação anterior, na Constituição Brasileira, já estão inclusos


alguns dos elementos do patrimônio imaterial, além da importância da preservação,
articulada por duas instâncias, o Estado e a sociedade, possibilitando que sejam re-
gistradas referências de diferentes grupos formadores da identidade brasileira (IPHAN,
2020b).

Ao encontro das determinações legais para a criação de instrumentos de


salvaguarda dos bens imateriais, o IPHAN coordenou o estudo que deu origem ao
Decreto n°. 3.551, de 4 de agosto de 2000. Nesse decreto, foi instituído o ”Registro
de Bens Culturais de Natureza Imaterial, e criado o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial (PNPI), que consolidou o Inventário Nacional de Referências Culturais (INCR)”
(IPHAN, 2020b, s.p.).

106
Diferentemente dos bens materiais, que são tombados, os bens imateriais
devem ser registrados, pois são elementos móveis e mutáveis da constituição da
sociedade. No Brasil, são, atualmente, utilizados quatro diferentes Livros de Registro:
Saberes, Celebrações, Formas de Expressão e Lugares. Veremos essa temática na
próxima unidade deste livro, com a apresentação histórica do processo que deu origem
ao atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), responsável pela
proteção dos patrimônios cultural, natural e imaterial do Brasil.

107
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• O conceito de patrimônio tem origem no direito romano antigo. Ligado ao sentido de


“herança do pai”, consistia nos bens de valores econômico e privado. Assim, o extra-
patrimonium se referia ao patrimônio coletivo, eram os bens pertencentes ao Estado,
como praças, teatros e ruas.

• A história da proteção dos bens culturais é dividida em dois períodos: tempos de guerra
e tempos de paz. Os tratados e acordos, realizados nesses períodos, tinham, como
objetivos, respectivamente, evitar a destruição dos bens culturais e impossibilitar o
tráfico ilícito dos bens culturais.

• O patrimônio mundial é aquele que detém Valor Universal Excepcional, conceito


criado durante a Convenção do Patrimônio Mundial, em 1972. Para ser inscrito na lista
mundial, o patrimônio deve apresentar os pilares que o identificam com VUE, além de
integrar os critérios determinados pelo Comitê de Avaliação dos Bens Culturais.

• O conceito de patrimônio natural surgiu na Convenção do Patrimônio Mundial, em 1972.


Atualmente, o Brasil tem sete sítios inscritos na lista de patrimônio mundial natural.

• O patrimônio cultural imaterial foi definido na Convenção da Unesco para a Salvaguarda


do Patrimônio Cultural Imaterial, em 2003. O Brasil é considerado um país precursor,
pois a regulamentação nacional do patrimônio imaterial ocorreu em 2000.

108
AUTOATIVIDADE
1 Conforme a breve história apresentada neste tópico, a respeito da proteção do patrimô-
nio cultural, dos eventos, das convenções e dos acordos, estão divididos em dois perío-
dos: os tempos de guerra e os tempos de paz. Defina o que caracteriza cada um deles.

2 Neste tópico, foram vistos alguns critérios para a qualificação de um patrimônio


mundial, devendo ter Valor Universal Excepcional. Explique a definição do conceito.

3 Acerca dos critérios apresentados para um patrimônio ser considerado de Valor


Universal Excepcional, marque a alternativa INCORRETA:

a) ( ) Representar uma obra-prima do gênio criativo humano.


b) ( ) Não ser manifestado em vários países, sendo um exemplar único de uma
expressão, arquitetura, tecnologia, artes monumentais e paisagismo.
c) ( ) Ser um exemplo excepcional de um tipo de edifício ou de conjunto arquitetônico
ou tecnológico, ou de paisagem, que ilustre uma ou várias etapas significativas
da história da humanidade.
d) ( ) Ser um exemplo excepcional representativo dos diferentes períodos da história da
Terra, incluindo o registro da evolução, de processos geológicos significativos em
curso, do desenvolvimento das formas terrestres ou de elementos geomórficos e
fisiográficos significativos.

4 O Brasil detém alguns bens naturais que estão inscritos na lista do patrimônio mundial.
Qual das alternativas a seguir não apresenta um desses elementos, considerado
patrimônio natural/paisagístico?

a) ( ) Mata Atlântica - Reservas do Sudeste, de São Paulo e do Paraná.


b) ( ) Costa do Descobrimento - Reservas da Mata Atlântica, da Bahia e do Espírito Santo.
c) ( ) Os sambaquis - Litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
d) ( ) Parque Nacional de Foz do Iguaçu - Paraná.
e) ( ) Ilhas Atlânticas Brasileiras - Reservas de Fernando de Noronha e Atol das Rocas.

5 O patrimônio imaterial, diferentemente do material, não deve ser tombado. Dessa


forma, no Brasil, foi criado o processo de registro dos bens imateriais. Qual das
alternativas a seguir apresenta o nome dos quatro Livros De Registro do patrimônio
imaterial brasileiro?

a) ( ) Saberes, Celebrações, Formas de Expressão e Lugares.


b) ( ) Saberes, Festas Populares, Formas de Expressão e Paisagens.
c) ( ) Modos de Fazer, Celebrações, Formas de Expressão e Paisagens.
d) ( ) Modos de Fazer, Celebrações, Formas de Expressão e Lugares.

109
110
UNIDADE 2 TÓPICO 3 —
CONCEITUANDO O MUSE

1 INTRODUÇÃO
Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Tópico 3 da Unidade 2!

Agora, falaremos da conceituação de museu. Foram necessárias muitas


iniciativas, pesquisas, além de profissionais, para obtermos a concepção que temos,
de museu, nos dias de hoje. Você verá como, ainda, está em transformação o conceito
de museu, e como se modifica no decorrer dos tempos, adaptando-se à sociedade.
Ainda, discutiremos a respeito da primeira iniciativa criada para pensar nos museus, o
Escritório Internacional de Museus (OIM), criado após a Primeira Guerra Mundial.

Por fim, apresentaremos o órgão que, até hoje, é a maior representação


internacional da categoria: o Conselho Internacional de Museus (ICOM). Através das
discussões e das publicações dos profissionais vinculados ao ICOM, começa a ser
delineado o conceito de museu. Você verá como este foi se modificando através dos
anos. Vamos lá?!

2 O ESCRITÓRIO INTERNACIONAL DE MUSEUS (OIM)


(1926-1946)
Você pode perceber que nem sempre os museus possuíram as características
que possuem atualmente. Essas instituições fazem parte de uma construção social de
cada período temporal, modificando-se com a sociedade.

Os museus, antigamente, não tinham uma ciência dedicada a pensar nessas


instituições de maneira metodológica e organizada, e não existiam cursos que
formassem profissionais dedicados ao estudo.

Entre o fim do século XIX e o início do século XX, ocorreram a profissionalização


e a institucionalização da museologia e, com isso, a reflexão acerca do conceito de
museu. De acordo com Cruz (2008), nessa época, surge o primeiro periódico de
museologia (Alemanha, 1878), inicia-se o primeiro curso de Museologia (França, 1882),
e é fundada a primeira entidade nacional de profissionais de museus, a Museums
Association (Inglaterra, 1889). Poucos anos depois, surge a American Association of
Museums (Estados Unidos da América, 1906).

111
Em 1919, com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), foi criada a Socie-
dade das Nações, também conhecida como Liga das Nações. Foi a primeira organização
internacional de escopo universal em bases permanentes, voluntariamente integrada
por Estados soberanos, com os objetivos principais de instituir um sistema de seguran-
ça coletiva, promover a cooperação e assegurar a paz futura. Essa organização é con-
siderada antecessora da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura).

Dentro do organismo, foi inaugurado, em 1922, o Comitê Internacional de


Cooperação Intelectual, e, em 1925, o Instituto Internacional de Cooperação Intelectual,
ramo executivo da Comissão (IICI). Foram criadas subcomissões dentro do IICI, como a
de Letras e Artes. O historiador da arte, Henri Focillon, membro da referida subcomissão,
propôs que fosse criada uma entidade exclusiva para os museus.

Em julho de 1926, foi criado o Escritório Internacional dos Museus (OIM). Tinha,
como objetivos, “o estabelecimento de vínculos entre todos os museus do mundo, a or-
ganização de intercâmbios e congressos, e a unificação dos catálogos” (CRUZ, 2008, p. 4).

O Escritório Internacional dos Museus foi a primeira tentativa de criar uma


entidade internacional totalmente voltada para os museus, que reunisse os profissionais
a nível global. Essa organização foi a primeira a desenvolver um programa de trocas de
informações e de reflexão a respeito dos museus, das funções e do funcionamento.
A atuação, no entanto, foi breve. A OIM teve que encerrar as atividades em 1939, em
decorrência da Segunda Guerra Mundial. A Sociedade das Nações também deixou de
existir, quando passou as responsabilidades para a Organização das Nações Unidas
(ONU), em 1946, após o fim da Guerra (1939 a 1945).

NOTA
Os museus europeus durante a segunda guerra

Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas promoveram grandes pilhagens de obras


de arte, de cunho pessoal (coleções privadas) e públicas. Em 2018, uma matéria do jornal
El País trouxe a informação de que, “entre os museus e nos armazéns dos colecionadores
de toda a Europa, ainda há milhares de obras de arte roubadas” pelo exército nazista, a
mando de Hitler.

Esses dados nos fazem pensar: Como os museus europeus se comportaram durante
a Segunda Guerra Mundial, constituindo-se em um reduto repleto de obras? Nesse breve
espaço, focaremos em uma instituição francesa extremamente relevante: o Museu do Louvre.
No período, o Louvre foi evacuado a partir de um plano de evacuação estabelecido por
Jacques Jaujard (diretor dos museus franceses). Quando os nazistas tomaram Paris, já não
existiam obras na instituição, apenas algumas réplicas e obras menos relevantes para a
história da arte. Graças a esse movimento de evacuação e à constante mudança de local
de armazenamento das obras, o Museu do Louvre conseguiu manter a coleção intacta
após o fim da segunda guerra. Jacques Jaujard recebeu a medalha de honra ao mérito da
resistência francesa (POIRIER, 2014).

112
MUSEU DO LOUVRE ESVAZIADO NO PERÍODO
DA SEGUNDA GUERRA

FONTE: <https://segredosdeparis.com/museu-
do-louvre-durante-a-segunda-guerra-mundial/>.
Acesso em: 18 dez. 2020.

DICA
A indicação é dupla. Para saber mais dos roubos das obras de artes
ocorridos no período da Segunda Guerra Mundial, indicamos o
filme e o livro Os Caçadores de Obras-Primas. A trama se passa
durante o declínio de Adolf Hitler na Alemanha, e acompanha um
grupo de 13 especialistas, que é reunido para reencontrar obras de
arte roubadas pelos nazistas.

Não pense você que os museus ficaram “desamparados” por muito tempo. Em
1946, sete anos após o fim da OIM, é criado o órgão que, até hoje, ocupa-se das políticas
internacionais para museus: o Conselho Internacional de Museus (ICOM).

113
3 O CONSELHO INTERNACIONAL DE MUSEUS (ICOM)
(1946-ATUALMENTE)
Como você viu, o Conselho Internacional de Museus (ICOM) é um herdeiro do
Escritório Internacional de Museus. É uma associação profissional sem fins lucrativos,
financiada, predominantemente, pela contribuição dos membros, por atividades que
desenvolve e pelo patrocínio de organizações públicas e privadas. Atualmente, a sede é
junto com a UNESCO, em Paris, na França.

A primeira reunião do ICOM aconteceu em 16 de novembro de 1946, no Museu do


Louvre, na França. De acordo com Cruz (2008, p. 7), "estiveram presentes 34 pessoas,
representando 15 países, além de representantes da ONU, da UNESCO e do Escritório
Internacional de Museus da Sociedade das Nações”.

Em 1947, foi estabelecido um acordo formal de cooperação mútua com a
UNESCO, e, no ano seguinte, ocorreu a 1ª Conferência Geral do ICOM, com a presença
de museólogos e de trabalhadores de museus de 53 países.

O ICOM se organiza de duas maneiras: através de comitês nacionais, possibilitando


a organização dos profissionais por cada país; e através de comitês internacionais,
que se dedicam ao estudo de um tipo particular de museu ou a determinada disciplina
relacionada ao museu (ICOM, 2020). São refletidos os recortes temáticos nos quais a
Museologia marca presença. Atualmente, são 31 Comitês Internacionais, que abarcam
as seguintes temáticas:

• AVICOM - Comitê Internacional para o Audiovisual, Novas Tecnologias e Mídias Sociais


• CAMOC - Comitê Internacional para as Coleções e Atividades de Museus de Cidades
• CECA - Comitê Internacional para a Educação e Ação Cultural
• CIDOC - Comitê Internacional para a Documentação
• CIMCIM - Comitê Internacional para os Museus e Coleções de Instrumentos Musicais
• CIMUSET - Comitê Internacional para Museus de Ciências e Tecnologia
• CIPEG - Comitê Internacional para a Egiptologia
• COMCOL - Comitê Internacional para o Desenvolvimento de Coleções
• COSTUME - Comitê Internacional para os Museus e Coleções de Vestuário
• DEMHIST - Comitê Internacional para os Museus de Casas Históricas
• GLASS - Comitê Internacional para os Museus e Coleções de Vidro
• ICAMT - Comitê Internacional para Arquitetura e Técnicas de Museus
• ICDAD - Comitê Internacional para Museus e Coleções de Artes Decorativas e Design
• ICEE - Comitê Internacional para o Intercâmbio de Exposições
• ICFA - Comitê Internacional para Museus e Coleções de Belas Artes
• ICLM - Comitê Internacional para Museus Literários
• ICMAH - Comitê Internacional para Museus e Coleções de Arqueologia e História
• ICME - Comitê Internacional para Museus de Etnografia

114
• ICMEMO - Comitê Internacional de Museus de Memoriais em Homenagem às Vítimas
de Crimes Políticos
• ICMS - Comitê Internacional para Segurança de Museus
• ICOFOM - Comitê Internacional para Museologia
• ICOMAM - Comitê Internacional para Museus e Coleções de Armas e História Militar
• ICOM–CC - Comitê para a Conservação
• ICOMON - Comitê Internacional para Museus de Valores e Bancos
• ICR - Comitê Internacional para Museus Regionais
• ICTOP - Comitê Internacional para Treinamento de Pessoal
• INTERCOM - Comitê Internacional sobre Administração
• MPR - Comitê Internacional para Marketing e Relações Públicas
• NATHIST - Comitê Internacional para Museus e Coleções de História Natural
• UMAC - Comitê Internacional para Acervos e Museus Universitários

NOTA
A primeira reunião do Comitê Nacional brasileiro, do Conselho Internacional de Museu,
aconteceu em 9 de janeiro de 1948, no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Essa instituição esteve presente e envolvida com o ICOM, através dos profissionais, desde
a primeira reunião do ICOM, realizada no Louvre, em 1946 (CRUZ, 2008).

MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, RJ

FONTE: <https://www.museus.gov.br/museu-nacional-de-belas-artes-
celebra-78-anos-com-exposicao-inedita/>. Acesso em: 18 dez. 2020.

115
O ICOM, organização de caráter internacional, possibilitou intercâmbios de ideias
e de experiências dos trabalhadores de museus, criando um espaço importante para o
desenvolvimento do pensamento museológico, ampliando os conceitos de museu e de
patrimônio. Desde a criação do ICOM, a definição de museu evoluiu, buscando refletir as
mudanças sociais e a realidade museológica a nível internacional.

No período após a guerra, começou-se a pensar, de maneira mais profunda,


na função social do museu. Não mais um depósito de diversas materialidades, nem
um Gabinete de Curiosidades ou um espaço de consagração daqueles que venceram
e puderam contar a história, mas um espaço de reflexão, observada uma mudança nas
relações dos museus com a sociedade, além de uma ampliação das funções sociais
dessas instituições: locais de guarda e de estudo de coleções passaram a locais de
debate de ideias acerca do patrimônio preservado.

A partir dos encontros e das reuniões do ICOM, foram escritos diversos docu-
mentos, livros, relatórios, normativas, enfim, que contribuíram para o desenvolvimento
do conceito de museu e para a construção da Museologia enquanto ciência. No âmbito
do ICOM, nota-se que existe uma permanente avaliação das funções social e cultural
dos museus.

O ICOM buscou definir o museu em 1948, em artigo publicado no primeiro volume


da revista ICOM News. Voltando-se, principalmente, para as coleções, compreenderia:

[...] todas as coleções abertas ao público de objetos artísticos, técni-


cos, científicos, históricos ou arqueológicos, além dos [...] zoológicos,
jardins botânicos, mas são excluídas as bibliotecas, a não ser que
estas possuam salas de exposição permanentes (MAIRESSE, 2005
apud CARVALHO, 2008, p. 21).

Poucos anos depois, em 1951, identifica-se uma nova definição nos estatutos
do ICOM:

[...] A palavra museu designa, aqui, todo estabelecimento permanente,


administrado com interesses gerais de conservar, estudar, colocar
em valor pelos meios diversos e, essencialmente, expor, para o
deleite e para a educação do público, um conjunto de elementos de
valor cultural: coleções de objetos artísticos, históricos, científicos
e técnicos, jardins botânicos e zoológicos, aquários [...] (MAIRESSE,
2005 apud CARVALHO, 2008, p. 21).

Observe que há um delineamento acerca da função do museu. Palavras, como


conservar, estudar e expor, começam a fazer parte do know-how do museu, além da
finalidade educativa. Em 1961, ocorreram algumas mudanças nessa concepção, e “[...]
o ICOM passa a reconhecer, como museu, ‘toda instituição que apresente os conjuntos
de bens culturais com os fins de conservação, estudo, educação e deleite’” (CARVALHO,
2008, p. 21).

116
Nos anos de 1960 e 1970, com o advento da nova museologia, há uma
aproximação ainda maior do museu com a população e com as comunidades do entorno
(CARVALHO, 2008). Essas novas perspectivas foram incorporadas às discussões do
ICOM, e começaram a influenciar, também, na elaboração do conceito de museu.

Em 1969, durante a Assembleia Geral do ICOM, a definição de museu foi


modificada, sendo reconhecida, como museu, “qualquer instituição permanente que
conserva e expõe, para objetivos de estudo, educação e deleite, coleções de objetos
de importância cultural ou científica” (CARVALHO, 2008, p. 21). Em 1974, em uma
Conferência Geral do ICOM, foram revistos os estatutos e as políticas. Nesse momento
de revisão, também foi aprovada uma nova definição:

O museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço


da sociedade e do desenvolvimento, aberto ao público, e que realiza
pesquisas dos testemunhos materiais do homem e do meio ambiente.
Adquire, conserva, comunica e, essencialmente, expõe, com fins de
estudo, educação e deleite (CARVALHO, 2008, p. 22).

O Código de Ética Profissional para Museus foi aprovado, por unanimidade, na 15ª
Assembleia Geral do ICOM, realizada em Buenos Aires, em 1986. É um documento que
aponta “os padrões mínimos de conduta e de atuação” para os profissionais de museus.

DICA
Todo o profissional da Museologia deve conhecer o Código de Ética
Profissional para Museus. Indicamos a leitura desse documento,
que rege a nossa atuação. Você o encontra procurando na internet.

A definição de museu foi, novamente, atualizada em 2007, na 21ª Conferência


Geral do ICOM, ocorrida em Viena, na Áustria. A partir de então, os museus foram definidos
como instituições sem fins lucrativos, permanentemente a serviço da sociedade e do
desenvolvimento, abertas ao público, que adquirem, conservam, pesquisam, comunicam
e expõem o patrimônio tangível e intangível da humanidade e o meio ambiente para fins
de educação, estudo e diversão.

Adicionam-se, aqui, importantes palavras para a compreensão dessas ins-


tituições. “Adquirem, conservam, pesquisam, comunicam e expõem" são verbos que
ampliam as funções observadas anteriormente. Também se fala, agora, do patrimônio
tangível e intangível, tirando o peso do objeto físico e incorporando, também, experi-
ências museais, que não dependem da materialidade para a denominação de museus
(ecomuseus, museus comunitários, de território, virtuais).

117
Na última conferência trienal do ICOM, realizada em Milão (Espanha), em 2016,
foi designado um novo comitê, denominado de Comitê sobre a Definição de Museu,
Perspectivas e Possibilidades (MDPP). Tinha, como objetivos, criar e apresentar uma nova
definição de museu na conferência seguinte. A partir do amplo diálogo e da contribuição
dos membros do ICOM, em julho de 2019, foi divulgada a seguinte definição:

Museus são espaços democratizantes, inclusivos e polifônicos para o


diálogo crítico do passado e do futuro. Reconhecendo e enfrentando
os conflitos e os desafios do presente, guardam artefatos e espécimes
em segurança para a sociedade, salvaguardam diversas memórias
para as gerações futuras e garantem direitos iguais e acesso igual ao
patrimônio a todas as pessoas. Os museus não têm fins lucrativos.
Eles são participativos e transparentes, e trabalham ativamente, em
parceria com e para diversas comunidades, para coletar, preservar,
pesquisar, interpretar, expor e aumentar a compreensão do mundo,
visando contribuir para a dignidade humana, justiça social, igualdade
global e bem-estar planetário (ICOM, 2020, s.p.).

Em 2019, na 25ª Conferência Geral do ICOM, realizada em Quioto (Japão), essa


proposta foi votada, porém, não foi aprovada ainda, tendo sido adiada a discussão.
Grande parte da comunidade dos museus enxerga, como necessária, uma mudança,
que contemple as problemáticas do século XXI, porém, por ser uma definição de
caráter internacional, preferiu pensar e analisar melhor as nuances apresentadas,
principalmente, em relação ao caráter muito amplo dos termos global e planetário, além
da ausência da palavra instituição e da menção ao caráter educativo dos museus.

A nível de conclusão deste tópico, reforçamos que a definição de museu


é extremamente maleável, e é avaliada e modificada pelo Conselho Internacional de
Museus a partir das necessidades e das novidades percebidas na sociedade e no campo
museal. Os museus também são estáticos, mas se modificam através dos tempos. Cabe,
a nós, enquanto profissionais de museus, estarmos atentos ao mundo ao nosso redor,
à instituição em que atuamos e às publicações do ICOM, buscando estarmos sempre
atualizados e renovando os museus.

118
LEITURA
COMPLEMENTAR
MUSEU

André Desvallées
François Mairesse

MUSEU

s. m. (do grego mouseion: templo das musas): Equivalente em francês: musée;


inglês: museum; espanhol: museo; alemão: museum; italiano: museo.

O termo “museu” pode designar a instituição e o estabelecimento, ou o lugar,


geralmente, concebido para realizar a seleção, o estudo e a apresentação de testemunhos
materiais e imateriais do homem e do meio. A forma e as funções do museu variaram,
sensivelmente, ao longo dos séculos. O conteúdo se diversificou, além da missão, do
modo de funcionamento ou da administração.

1. A maioria dos países definiu o museu, pelos textos legislativos ou por meio
das organizações nacionais, de formas variadas. A definição profissional de museu mais
conhecida, atualmente, continua sendo a que se encontra nos estatutos do Conselho
Internacional de Museus (ICOM), de 2007: o museu é uma instituição permanente, sem
fins lucrativos, a serviço da sociedade e do desenvolvimento, aberto ao público, que
adquire, conserva, estuda, expõe e transmite os patrimônios material e imaterial da
humanidade e do seu meio, com fins de estudo, educação e deleite. Essa definição
substitui, então, aquela que serviu de referência ao mesmo Conselho durante mais
de 30 anos: o museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da
sociedade e do desenvolvimento, aberto ao público, e que realiza pesquisas a respeito
dos testemunhos materiais do homem e do meio, que adquire, conserva, investiga,
comunica e expõe, com fins de estudo, educação e deleite (Estatutos de 1974).

As diferenças entre as duas definições, pouco significativas a priori, uma


referência ao patrimônio imaterial e algumas mudanças na estrutura, testemunham,
por um lado, a preponderância da lógica angloamericana no seio do ICOM, e, por outro,
um papel menos importante conferido à pesquisa no seio da instituição. A definição de
1974 foi, desde a origem, objeto de uma tradução um tanto livre, em inglês, refletindo
melhor a lógica angloamericana das funções do museu, ou seja, aquela da transmissão
do patrimônio. A língua de trabalho mais difundida nos conselhos do ICOM, como
também na maior parte das organizações internacionais, é o inglês, e é com base na
tradução inglesa que se desenvolvem os trabalhos que visam à concepção de uma nova
definição. A estrutura particular da definição francesa de 1974 enfatizava a função da
pesquisa, presente, de certo modo, como o princípio motor da instituição. Esse princípio
foi relegado, em 2007, como uma das funções gerais do museu.

119
2. Para muitos museólogos, particularmente, para aqueles que, de algum modo,
foram influenciados pela museologia ensinada nos anos 1960-1990 pela escola tcheca
(Brno ea International Summer School of Museology), o museu constitui um meio pelo
qual se dá uma “relação específica do homem com a realidade”, sendo essa relação
determinada pela coleção e pela conservação, consciente ou sistemática, e [...] as
utilizações científica, cultural e educativa de objetos inanimados, materiais, móveis
(sobretudo, tridimensionais), que documentam o desenvolvimento da natureza e da
sociedade (GREGOROVÁ, 1980).

Antes de o museu ser definido como tal, no século XVIII, segundo um conceito
emprestado da antiguidade grega e a ressurgência durante o Renascimento ocidental,
existia, em quase todas as civilizações, certo número de lugares, de instituições e
de estabelecimentos que se aproximava mais ou menos diretamente daquilo que
englobamos, atualmente, com esse vocábulo. A definição do ICOM é analisada, nesse
sentido, como fortemente marcada pela época e pelo contexto ocidental, mas, também,
como uma definição muito normativa, visto que o fim é, essencialmente, corporativo.
Uma definição “científica” de museu deve, assim, distanciar-se de alguns dos elementos
apontados pelo ICOM, como o caráter não lucrativo do museu: um museu lucrativo (como
o Museu Grévin, em Paris) ainda assim é um museu, mesmo que não seja reconhecido
pelo ICOM. É possível, assim, definir o museu, de maneira ampla e mais objetiva, como
uma instituição museal permanente, que preserva as coleções de documentos físicos
e produz conhecimento a partir deles (VAN MENSCH, 1992). Schärer, por sua vez, define
museu como um lugar em que as coisas e os valores que se ligam são salvaguardados
e estudados, e comunicados, enquanto signos, para a interpretação de fatos ausentes
(SCHÄRER, 2007), ou, de maneira à primeira vista tautológica, o lugar onde se realiza
a musealização. De modo mais amplo ainda, o museu pode ser apreendido como um
“lugar de memória” (NORA, 1984-1987; PINNA, 2003), um “fenômeno” (SCHEINER, 2007),
englobando as instituições, os lugares diversos ou os territórios, as experiências, os
espaços imateriais.

3. Nessa mesma perspectiva, e ultrapassando o caráter limitado do museu


tradicional, o museu é definido como um instrumento ou função concebida pelo homem
em uma perspectiva arquivística, de compreensão e de transmissão. Podemos, assim,
acompanhando o pensamento de Judith Spielbauer (1987), conceber o museu como
um instrumento destinado a favorecer a percepção da interdependência do homem
com os mundos natural, social e estético, oferecendo informação e experiência, e
facilitando a compreensão de si mesmo em um contexto mais amplo. O museu pode,
ainda, apresentar-se como uma função específica, que pode tomar a forma ou não de
uma instituição, cujo objetivo é garantir, por meio da experiência sensível, o acúmulo e
a transmissão da cultura entendida como o conjunto de aquisições que faz, de um ser
geneticamente humano, um homem (DELOCHE, 2007). As últimas definições englobam
os museus, os quais chamamos, inapropriadamente, de “virtuais” (e, particularmente,
aqueles que se apresentam em suporte de papel, CD-ROM e internet), e os museus
institucionais mais clássicos, incluindo, até mesmo, os museus antigos, que eram, de
fato, mais escolas filosóficas do que coleções no sentido habitual do termo.

120
4. Essa última acepção remete, notadamente, aos princípios do ecomuseu, na
concepção inicial, como uma instituição museal que associa, ao desenvolvimento de
uma comunidade, a conservação, a apresentação e a explicação dos patrimônios natural
e cultural pertencentes a essa mesma comunidade, com a representação de um modo
de vida e de trabalho de um dado território, além da pesquisa associada. O ecomuseu, [...]
sobre um território, exprime as relações entre o homem e a natureza através do tempo
e através do espaço desse território; ele se compõe de bens, de interesses científicos e
culturais reconhecidos, representativos do patrimônio da comunidade: bens imóveis não
construídos, espaços naturais selvagens, espaços naturais humanizados; bens imóveis
construídos; bens móveis; e bens integrados. Compreende um centro de gestão, no qual
estão localizadas as estruturas principais: recepção, centros de pesquisa, conservação,
exposição, ação cultural, administração, abrangendo, ainda, os laboratórios de campo,
outros órgãos de conservação, salas de reunião, um ateliê sociocultural, moradias
etc., percursos e estações para a observação do território que compreende, diferentes
elementos arquitetônicos, arqueológicos, geológicos etc., assinalados e explicados
(RIVIÈRE, 1978).

5. Com o desenvolvimento da informática e do mundo digital, foi imposta,


progressivamente, uma noção de museu, impropriamente denominado de “virtual”
(ou cibermuseu – noção mais utilizada em francês), definido, de maneira geral, como
uma coleção de objetos digitalizados, articulada logicamente e composta por diversos
suportes que, pela conectividade e pelo caráter multiacessível, permite transcender
os modos tradicionais de comunicação e de interação com o visitante [...]; ele não
dispõe de um lugar ou de um espaço real, e os objetos, assim como as informações
associadas, podem ser difundidos aos quatro cantos do mundo (SCHWEIBENZ, 2004).
Essa definição, provavelmente, derivada da noção relativamente recente de memória
virtual dos computadores, aparece, de certa maneira, como um contrassenso. Convém
lembrar que o “virtual” não se opõe ao “real”, como tendemos a crer de imediato, mas ao
“atual”. Um ovo é uma galinha virtual; ele é programado para ser galinha e deverá ser se
nada se opuser ao desenvolvimento.

O museu virtual pode ser concebido como o conjunto de museus possíveis, ou


o conjunto de soluções possíveis aplicadas às problemáticas. Assim, o museu virtual,
em uma acepção que não é a do cibermuseu, pode ser definido como um conceito
que designa, globalmente, o campo problemático do museal, isto é, os efeitos do
processo de descontextualização/recontextualização. Uma coleção de substitutos e
uma base de dados informatizada constituem um museu virtual. Trata-se do museu
nos teatros de operações exteriores (DELOCHE, 2001). O museu virtual, ao se constituir
como uma gama de soluções possíveis para a questão do museu, inclui, naturalmente,
o cibermuseu, mas, nessa perspectiva, não se reduz a ele.

FONTE: DESVALLÉES, A.; MAIRESSE, F. Conceitos-chave de museologia. São Paulo: Comitê Brasileiro
do Conselho Internacional de Museus, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura,
2013. p. 64-67.

121
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• O Escritório de Museus foi o primeiro organismo criado para reger e unir as instituições
a nível global. Teve a atuação atrelada à Liga das Nações.

• Após a Segunda Guerra Mundial, foi criado o Conselho Internacional de Museus,


que substituiu o antigo Escritório. O ICOM possui relações diretas com a UNESCO
(organização que entrou no lugar da Liga das Nações), e se divide por comitês, cada
um referente a recortes temáticos da Museologia, existindo 31, atualmente.

• Os museus e as atribuições passaram a ser pensados e conceituados pelos


profissionais vinculados ao ICOM, através de conferências e de publicações.

• A definição de museu não é estática, e se modifica à medida que a sociedade e os


museus também se transformam. Portanto, a definição de museu reflete os ideais
museais de cada período temporal.

122
AUTOATIVIDADE
1 O primeiro organismo internacional relativo aos museus surgiu no âmbito da
___________, criada no fim da Primeira Guerra Mundial. O nome desse organismo
era ________________________, ou, de acordo com a sigla, ____.

Complete com a alternativa CORRETA:


a) ( ) UNESCO, Instituto Internacional de Museus, IIM.
b) ( ) Liga das Nações, Escritório Internacional de Museus, OIM.
c) ( ) Liga das Nações, Conselho Internacional de Museus, ICOM.
d) ( ) UNESCO, Escritório Internacional de Museus, OIM.

2 Os comitês do Conselho Internacional de Museus são divididos de acordo com:

a) ( ) a tipologia dos museus.


b) ( ) os recortes temáticos da área da Museologia.
c) ( ) as universidades que possuem o curso de Museologia.
d) ( ) a proximidade dos membros.

3 Acerca do Código de Ética Profissional para Museus, é INCORRETO afirmar que:

a) ( ) Aponta os padrões mínimos de conduta e de atuação para os profissionais de


museus.
b) ( ) Foi aprovado na 15ª Assembleia Geral do ICOM.
c) ( ) Deve ser utilizado apenas por museólogos.
d) ( ) É um documento oficial do Conselho Internacional de Museus.

4 Após tudo o que vimos neste tópico, disserte, brevemente, a respeito da concepção
de museu, que se modificou com o passar dos anos.

5 A respeito das definições de museu, explique as principais diferenças entre a definição


da 21ª Conferência Geral do ICOM 2007 e a que foi proposta na 25ª Conferência
Geral do ICOM, realizada em Quioto (Japão), em 2019. Por quais motivos ainda estão
discutindo a próxima definição de museu?

123
124
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2020.

128
UNIDADE 3 —

OS MUSEUS BRASILEIROS
E AS NOVAS PERSPECTIVAS
DO CAMPO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer histórias das primeiras instituições museológicas do Brasil;

• identificar os processos que geraram a construção de políticas de proteção ao


patrimônio cultural no Brasil, além dos órgãos;

• compreender a nova museologia, as reflexões e as contribuições que trouxe para o


campo dos museus e da museologia;

• identificar os museus comunitários e os ecomuseus através de características gerais;

• conhecer a evolução das instituições museológicas e a inserção no campo virtual;

• refletir a respeito das possibilidades técnicas e teóricas para o futuro da museologia


após a pandemia.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – OS MUSEUS BRASILEIROS E A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

TÓPICO 2 – MUSEUS NO CONTEMPORÂNEO - A NOVA MUSEOLOGIA

TÓPICO 3 – A RENOVAÇÃO MUSEAL

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

129
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

Acesse o
QR Code abaixo:

130
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
OS MUSEUS BRASILEIROS E A PROTEÇÃO
DO PATRIMÔNIO CULTURAL

1 INTRODUÇÃO
Olá, caro estudante! Seja bem-vindo ao Tópico 1 da Unidade 3!

Neste tópico, percorreremos a história das instituições museológicas no


Brasil, que começaram em meados do século XIX. Os museus criados nesse período
foram, durante um bom tempo, locais de referência para a produção de conhecimento
científico no país. Posteriormente, essa tarefa foi dedicada às universidades, como até
hoje ocorre.

No contexto da proteção do patrimônio cultural no Brasil, iniciada na década


de 30, conheceremos uma trajetória permeada por disputas políticas, nascida da
busca pela reelaboração de uma identidade nacional. O movimento foi composto por
debates de intelectuais modernistas, responsáveis pela criação de um órgão dedicado
à identificação e à preservação dos bens culturais.

No cenário das políticas para museus, observaremos uma forte ruptura e a


criação de uma nova autarquia federal, responsável pela defesa do campo museal. As
políticas culturais no Brasil continuam sendo frágeis, o que demonstra que, ainda, há
uma longa estrada para percorrer em prol da consolidação. Então, o que você acha de
conhecer um pouco da história dos museus e da proteção do patrimônio no Brasil?
Vamos lá?!

2 OS MUSEUS BRASILEIROS
O Brasil recebeu grande influência dos movimentos que ocorreram na Europa,
principalmente, da onda dos museus nacionais. No entanto, isso veio a acontecer no
Brasil apenas com a chegada da Família Real, no século XIX. No período, o país já possuía
alguns museus, como o Museu Nacional, no Rio de Janeiro; o Museu Paraense Emílio
Goeldi, em Belém; e o Museu Paulista, em São Paulo. Todas essas instituições surgiram
nos moldes de museus de ciências naturais (LOPES, 1997).

131
O primeiro expoente que alterou esse panorama foi o Museu Histórico Nacional
(MHN), já no século XX. Antes dele, os museus brasileiros não se interessavam em
contar a história da nação (SANTOS, 2000). Essa instituição foi dedicada à história da
pátria, responsável por formular as representações de nacionalidade. O museu criou as
histórias oficiais, apresentando acervos oriundos das elites do Brasil (JULIÃO, 2006).

Agora, conheceremos um pouco das primeiras instituições museais do Brasil,


principais referências acadêmicas e científicas do século XIX. Entretanto, é conveniente
retornar no tempo, para conhecer a primeira instituição que apresentou algumas
características do campo dos museus no território brasileiro, um espaço existente antes
da chegada da família Real.

• Casa dos Pássaros

O nome oficial foi Casa de História Natural. Conhecida, popularmente, como


a “Casa dos Pássaros”, foi a maior instituição dessa tipologia na América Latina. Foi a
primeira instituição, em território brasileiro, ligada às ciências naturais, criada pelo Vice-
Rei D. Luiz de Vasconcelos e Souza, em 1781 (CARVALHO, 1988). Recebeu o nome popular
devido ao administrador, Xavier dos Pássaros, apreciador de aves, um entusiasta da
taxidermia (PAPAVERO; TEIXEIRA, 2006). Essa instituição abrigou acervos de zoologia,
botânica, arqueologia e antropologia.

Segundo Brigola (2004), as finalidades da Casa de História Natural foram


colecionar, armazenar e preparar produtos para serem enviados para Lisboa. Esses
exemplares constituem os acervos exóticos oriundos das colônias, com espécimes
inéditas em território europeu. É questionável se o objetivo do Vice-Rei foi, realmente, a
criação de um museu no Brasil, ou apenas um local para a guarda de coleções curiosas
para a exportação. Ele mesmo, ao regressar para Portugal, constitui um Gabinete de
Curiosidades.

Alguns pesquisadores especulam que o acervo da Casa dos Pássaros deu origem
ao Museu Real (hoje, chamado de Museu Nacional), inaugurado em 1818. Com o término
do Vice Reinado de D. Luiz de Vasconcelos, em 1790; a morte de Xavier dos Pássaros,
em 1810; e o desinteresse dos sucessores do reinado, a Casa foi sendo abandonada.
Extinta em 1813, por D. João VI (D’ALMEIDA; DANTAS, 2020), muitas questões ficaram
no ar, acerca do destino da coleção e do tratamento que recebeu até a inauguração do
Museu Real.

Como o Museu Real, atual Museu Nacional, já foi apresentado na unidade


anterior, continuaremos a trajetória museológica do Brasil, com a segunda instituição
fundada.

132
ATENÇÃO
Convém ressaltar que o envio de material científico para Portugal, nesse
período, antes da chegada da Família Real, estava regulamentado por
lei. Logo, muitas coleções de espécimes saíram do território no período
e, até hoje, compõem o acervo de museus portugueses (PAPAVERO;
TEIXEIRA, 2006).

Fique atento, pois, apesar de preocupante, essa prática ainda ocorre


na atualidade, por essa razão, a importância da forte fiscalização em
aeroportos e em aduaneiras.

• Museu Paraense Emílio Goeldi

O Museu Paraense Emílio Goeldi, conhecido, popularmente, apenas como


“Museu Paraense”, foi um espaço para observação e pesquisa da região amazônica,
“relacionadas aos campos da zoologia, botânica, arqueologia, antropologia” etc. (COSTA,
2015, p. 39-40).

FIGURA 1 – MUSEU PARAENSE

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Goeldi#/media/Ficheiro:Parque_Zoobot%C3%A2nico_do_
Museu_Paraense_Em%C3%ADlio_Goeldi-01.jpg>. Acesso em: 29 jan. 2021.

No Brasil, era comum a presença dos viajantes naturalistas, europeus e


americanos, ainda, eram feitas expedições para coletas e exportação, como vimos
anteriormente, com a história da Casa dos Pássaros. Entretanto, com o apogeu dos
museus na Europa, na década de 1870, aliado à consagração dos modelos científicos,
no cenário brasileiro, despontaram as primeiras instituições para pesquisa científica.

133
Surgia o Museu Paraense, em 1866, na cidade de Belém (PA). O fundador
foi o Secretário do Estado do Pará, Domingos Soares Ferreira Penna, e o projeto foi
influenciado pelas expedições do suíço Jean Louis Rodolphe Agassiz (1807-1873), que,
junto com outros intelectuais locais, expressou a vontade de formar um museu de
história natural na região. Projetos como esse já vinham sendo discutidos desde 1840,
com os intuitos de instruir a população e de expor os produtos naturais locais (COSTA,
2015). As justificativas políticas para a criação da instituição eram o progresso econômico
da região, a divulgação dos produtos naturais e o incentivo ao empreendedorismo local,
possibilitando exportações.

O primeiro passo foi a criação de uma Associação Filomática, que tinha,


segundo o estatuto, os objetivos de fundar e de manter um "museu de história natural e
de artefatos indígenas”, que veio a ser o Museu Paraense (COSTA, 2015, p. 44). Contudo,
a situação financeira da criação, assim como da maioria das outras instituições
museológicas, não era favorável, e, desde a fundação, o museu teve dificuldades para
a manutenção das coleções em relação ao espaço e aos materiais, além da falta de
recursos para a contratação de um corpo funcional especializado.

O nome do museu é uma homenagem ao zoólogo suíço Emílio Goeldi.


Em 1884, atuou por convite do diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, no cargo de
subdiretor da seção zoológica, e posteriormente, em 1894 foi convidado pelo governador
do Estado do Pará, para promover a reformulação do antigo Museu Paraense, assumindo o
cargo de diretor da instituição (MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI, 2021b).

De acordo com Costa (2015), apesar de já estar oficialmente fundado, foi


somente em 1871, que aconteceu a abertura ao público, quando o museu foi instalado
dentro do Liceu Paraense, onde funcionava junto da Biblioteca Pública.

A instituição lidera as investigações a respeito da biodiversidade amazônica.


Nos últimos 20 anos, apresentou e catalogou quase 600 novas espécies da fauna, flora e
fungos. As pesquisas surgem das 19 coleções científicas principais, que se subdividem
em mais de 40 subcoleções, integradas por mais de 4,5 milhões de itens tombados
(MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI, 2021a).

A instituição foi responsável pela criação do primeiro parque zoobotânico do


país. Atualmente, conta com uma estação científica localizada na Floresta Nacional de
Caxiuanã, no Marajó (PA), que funciona como laboratório para pesquisas das florestas
tropicais. O museu também coordena o Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal
(MT), a Rede de Núcleos de Inovação Tecnológica da Amazônia Oriental e o Programa de
Pesquisa em Biodiversidade da Amazônia Oriental (MUSEU PARAENSE EMILIO GOELDI,
2021a).

134
• Museu Paulista

O edifício, localizado no Parque da Independência, conhecido, popularmente,


como Museu do Ipiranga, oficialmente, é denominado de Museu Paulista da Universidade
de São Paulo. A construção é um monumento em memória ao episódio histórico do
“Grito da Independência", ocorrido em 7 de setembro de 1822.

FIGURA 2 – MUSEU PAULISTA

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Museu_Paulista_2016_26_(cropped).jpg>.
Acesso em: 30 jan. 2021.

O museu paulista foi inaugurado em 7 de setembro de 1895, como uma institui-


ção científica, criada para pesquisa e instrução da população. O acervo, majoritariamen-
te composto de peças do campo das ciências naturais, também permitia a presença de
objetos históricos emblemáticos do imaginário nacional, como a tela de Pedro Américo.
Confira, a seguir, a tela “Independência ou Morte”, representação alegórica do momento
em que Dom Pedro I teria dado o grito de independência do Brasil.

FIGURA 3 – INDEPENDÊNCIA OU MORTE, DE PEDRO AMÉRICO

FONTE: <http://www.mp.usp.br/acervo>. Acesso em: 28 jan. 2021.

135
O museu se tornou conhecido pela celebração da memória nacional, consoli-
dando-se como um monumento (OLIVEIRA, 2002). Para a comemoração do Centenário
da Independência, em 1922, o museu teve espaços expositivos reorganizados, reforçan
do o caráter histórico da instituição, incluindo, neste momento, o destaque da história
de São Paulo (MUSEU PAULISTA, 2021).

O museu foi integrado à administração da Universidade de São Paulo, em 1963,


sendo um dos espaços, na universidade, para o exercício da pesquisa, do ensino e da
extensão, tripé das universidades públicas. A instituição, atualmente, tem determinação
de três linhas de pesquisa: Cotidiano e Sociedade; Universo do Trabalho; História do
Imaginário, em função das quais têm sido ampliados e reorientados os acervos e as
exposições do museu (MUSEU PAULISTA, 2021).

Ao longo do tempo, algumas coleções do acervo foram transferidas para outras


instituições, buscando ser incorporadas em museus especialistas nas temáticas. Em
1989, o Museu de Arqueologia e Etnologia, da USP, recebeu uma dessas transferências,
e isso possibilitou que o Museu Paulista ampliasse as coleções referentes à história de
São Paulo (MUSEU PAULISTA, 2021).

O acervo atual é composto de mais de 450.000 unidades, como objetos,


iconografias e documentações, contando a história da sociedade brasileira do século 17
até meados do século 20 (MUSEU PAULISTA, 2021). Atualmente, o museu está fechado,
em razão dos processos de restauração e de ampliação dos espaços físicos, com
previsão de reabertura em 2022.

DICA
Conhecemos um pouco da história das primeiras instituições
museológicas do nosso país. Durante as últimas décadas, ocorreu
um aumento constante da criação de novos museus, e, conforme
os últimos dados disponibilizados pelo IBRAM, já possuímos, com
cadastro, mais de três mil instituições no território brasileiro.

O programa Conhecendo os Museus, disponível Youtube, possibilita


que conheçamos essas instituições, histórias, coleções e atividades
educativas e culturais. Embarque nessa você também: https://www.
youtube.com/channel/UC9VV-RN-F5X15R1HD7Ep3Og.

136
3 A CHEGADA DA MODERNIDADE: A SEMANA DE
ARTE MODERNA
A Semana de Arte Moderna foi um marco simbólico no processo de modernização
da cultura brasileira, ocorrida em fevereiro de 1922, ano de comemoração do centenário
da independência do país. Uma manifestação composta por artistas e intelectuais,
majoritariamente paulista, esses indivíduos apresentavam a necessidade da renovação
da arte brasileira e das concepções. O evento paulista teve ressonância em diversos
outros Estados, e muitas das propostas apresentadas ali foram inseridas nas discussões
e nas ações culturais, mas de distintas formas.

NOTA
O que foi o Modernismo? Você sabe? O modernismo teve início
entre a segunda e a terceira década do século XX, no período
entre guerras. Foi um movimento artístico-cultural, porém, nunca
foi apresentado de forma homogênea. Defendeu o rompimento
do tradicionalismo estético oriundo da Europa, com a procura por
expressões genuinamente brasileiras. O movimento valorizava
expressões do cotidiano e foi fundamental para a reconstrução da
identidade nacional. O Modernismo foi expressivo na literatura, nas
artes plásticas e na arquitetura.

O movimento modernista pressionava os governantes por uma revisão dos


códigos cristalizados da sociedade, baseados em uma cultura europeia. Os intelectuais
pregavam o fim da submissão cultural aos padrões estrangeiros, isso não significava
distanciamento, compreendia-se a importância de estar sintonizado nos debates
estéticos globais. O Brasil precisava conhecer a própria história, a produção, as tradições,
o folclore (FERNANDES, 2009). Por essa razão, eram contestados os modos de fruição e
a pouca atenção dada às paisagens e aos atores brasileiros (FABRIS, 1994).

O movimento mais expressivo do período foi o manifesto antropofágico, proposto


por Oswald de Andrade e Raul Bopp. O conceito “antropofagia” se refere ao ato de comer
ou de devorar a carne de outra pessoa. No momento, era utilizado com o objetivo de
“devorar”, em outras palavras, era fundamental engolir as expressões estrangeiras, e,
então, produzir algo novo, permeado pela estética brasileira.

137
ATENÇÃO
Você sabia que a tela Abaporu tem forte relação com o Movimento Antropofágico?

ABAPORU

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Abaporu#/media/Ficheiro:Abaporu.jpg>.
Acesso em: 19 jan. 2021.

O nome do Manifesto Antropofágico teve origem devido a um presente recebido por


Oswald de Andrade, com autoria da pintora Tarsila do Amaral, a famosa tela Abaporu
(1928). Mário e o poeta Raul Bopp deram o nome de Abaporu à tela. O termo significa
“homem que come”. A partir disso, foi sugerida a criação do movimento.

No Nordeste, em 1926, liderado por Gilberto Freire, é escrito o Manifesto Re-


gionalista, que evidenciava valores e questões da cultura popular local. Em conso-
nância, em Minas Gerais, grupos locais elaboraram uma revista chamada de A Revista,
Verde, que assumia a mesma perspectiva de apresentação do movimento nordestino
(FONSECA, 2005).

O maior nome do Modernismo brasileiro foi Mário de Andrade, que, apesar de


ligado ao grupo paulista, não se enquadra, totalmente, nas manifestações propostas.
Mário de Andrade foi um dos personagens importantes para a criação das políticas de
preservação dos bens culturais do Brasil. Assim, venha conhecer mais a respeito dele e
de outros intelectuais, além do projeto para a proteção do patrimônio cultural.

138
4 AS POLÍTICAS DE PROTEÇÃO PATRIMONIAL CULTURAL
NO BRASIL
Os intelectuais modernistas tiveram papel decisivo na concepção do patrimônio
cultural. Utilizado no contexto brasileiro, a partir da conceituação de arte, de história,
de tradição e de nação, adotada, posteriormente, pelo Estado, ocorreu a implantação
de sistemas de proteção às obras de arte e à história do país. Esses agentes alertavam,
constantemente, a respeito das ameaças irreparáveis que os monumentos de arte
colonial sofriam no país. Alceu Amoroso, Mário de Andrade, Carlos Drummond de
Andrade e Martins Almeida, além de outros modernistas, publicaram, em revistas e em
periódicos, relatos da falta de proteção e da degradação dos bens culturais no Brasil
(FONSECA, 2005).

Ainda que não houvesse um órgão responsável, a primeira medida de proteção


ao patrimônio, realizada pelo governo federal, foi a nomeação da cidade de Ouro Preto à
categoria de “Monumento Nacional”.

O primeiro órgão, a nível federal, destinado à proteção do patrimônio, foi a


Inspetoria dos Monumentos Nacionais, criada em 1934, como um departamento do
Museu Histórico Nacional. Segundo Fonseca (2005), seu idealizador, o diretor da
instituição, Gustavo Barroso, participou do movimento integralista, foi um dos nomes na
disputa modernista da gestão do novo órgão. A Inspetoria teve atuação restrita, sendo
desativada assim que ocorreu a criação do sucessor, o Serviço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (SPHAN).

O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional foi criado como modelo


experimental, em 1936, composto por muitos modernistas que tiveram que aliar as
ideias de renovação dentro de um governo autoritário. Acerca do contexto histórico
do momento, o SPHAN surge em meio à efervescência do movimento modernista e à
instauração do Estado Novo. A partir da reforma administrativa, o Estado passa a ser
um representante legítimo dos interesses da nação. De acordo com Fonseca (2005),
apesar do Estado Novo ter instaurado a censura, também foi responsável por assumir a
função de organização das vidas social e política da população, dando abertura para os
intelectuais participarem da construção da ideologia nacional.

4.1 O SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO


NACIONAL (SPHAN)
Como falamos anteriormente, Mário de Andrade teve papel fundamental
no processo. Atuou no Departamento de Cultura, e, em decorrência da experiência, ela-
borou a primeira versão do anteprojeto para o órgão. O documento tinha uma con-
cepção extremamente avançada de patrimônio, reunia, em um mesmo conceito, arte,

139
manifestações eruditas e populares”, além da descrição da função social do órgão
(FONSECA, 2005). Para Mário, a preservação, a divulgação da arte e o patrimônio brasi-
leiro eram uma forma de alfabetizar a população, além de despertar os sentimentos de
pertencimento e de responsabilidade pelos bens culturais (DUARTE, 1977).

O texto oficial foi de Rodrigo de M. F. de Andrade. Uma peculiaridade proposta


pelos intelectuais, no Brasil, era uma visão abrangente de cultura, que seria gerida por
um único órgão. O SPHAN começou a funcionar de forma experimental, sob a direção
de Rodrigo de Melo F. de Andrade, tendo, a companhia de Mário de Andrade, após o
desligamento do Departamento de Cultura, demonstrado que identificava o projeto
também naquela gestão. A seguir, poderemos observar Mário e Rodrigo juntos.

FIGURA 4 – MÁRIO DE ANDRADE E RODRIGO MELO FRANCO DE ANDRADE

FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/4088/reuniao-celebra-80-anos-do-conselho-
consultivo-do-patrimonio-cultural>. Acesso em: 29 jan. 2021.

A criação do SPHAN, de acordo com Julião (2006, p. 23), é “um marco no


processo de institucionalização de uma política para o patrimônio cultural no país”.
Pertencia ao Ministério da Educação e Saúde Pública (MÊS), vinculado à pasta de
serviços da educação (SANTANA, 2019). O SPHAN foi criado durante a administração de
Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde, de 1934 a 1945. Na lei citada, o Art.
46° descrevia a finalidade do novo órgão:

Fica criado o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional com


a finalidade de promover, em todo o país, e de modo permanente,
o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento
dos patrimônios histórico e artístico nacionais (BRASIL, 1937).

140
Após a criação, foi constituído um Conselho Consultivo. Os participantes eram
o diretor do SPHAN, os diretores dos museus nacionais e outros integrantes escolhidos
pelo Presidente da República. Também foram determinadas duas divisões técnicas:
Divisão de Estudos e Tombamento (DET) e Divisão de Conservação e Restauração (DCR)
(FONSECA, 2005).

A ideia de um órgão para a proteção do patrimônio já vinha sendo debatida


anteriormente, inclusive, levada até o Congresso Federal, que a vetava. O motivo era a
complicada relação com o direito de propriedade. A principal ferramenta de proteção
exercida pelo SPHAN foi o tombamento, que se tornou possível pois, a Constituição de
1934, que estabeleceu novos limites ao direito de propriedade, abordou o conceito de
função social. Assim, apesar de tombado o imóvel, não era necessária a desapropriação,
mecanismo que evitava a situação onerosa para o Governo Federal (ANDRADE, 1987).
Ainda hoje, muitas pessoas têm restrições em relação ao tombamento, pois o processo
engessa o patrimônio, ficando sujeito à fiscalização para verificação das condições de
conservação, e qualquer intervenção deve ser previamente autorizada.

Mesmo com a instauração do governo democrático em 1945, a política federal


de preservação se manteve intacta, tendo o mesmo dirigente até 1960. Isso ocorreu pela
desimportância que os governos posteriores deram ao patrimônio nacional. De acordo
com Falcão (1984), a cultura não era um campo de disputas ideológica, econômica e
política, que interferisse, fundamentalmente, no governo.

O SPHAN sofreu progressivo desgaste. Durante esse período, não ocorreu


renovação, apenas aperfeiçoamento técnico das funções (ARANTES, 1987). Os cargos do
Conselho Consultivo eram vitalícios, os intelectuais modernistas sucediam as posições
pelos discípulos, e os mesmos discursos eram implantados, sem muitas atualizações
nas atividades. Todo o processo consolidou o que foi chamada de política da “pedra e
cal”, que dava prioridade de proteção aos bens arquitetônicos.

No fim da década de 1960, Rodrigo M. F. de Andrade se aposenta. No lugar, é


nomeado o arquiteto Renato Soeiro. Apesar de ser considerado o sucessor legítimo, a
gestão não foi tão bem-sucedida. Logo, percebeu-se que o órgão tinha sido personificado
na imagem de Rodrigo.

Na década seguinte, após muitas críticas dos intelectuais do período, que


alertavam a respeito da necessidade de mudanças estruturantes sociais, políticas e
culturais, em 1979, o órgão passa a ser chamado de Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), com a administração de Aloisio Magalhães. O novo dirigente
seria responsável por uma transformação e por uma atualização das medidas de
proteção. Tinha interesse em reelaborar a dicotomia existente entre a cultura popular/
erudita, incluindo pautas mais plurais e segmentos culturais, como negros e índios
(SANTANA, 2019).

141
NOTA
Quem foi Aloísio Barbosa Magalhães?

ALOÍSIO MAGALHÃES

FONTE: <http://twixar.me/dYcm>. Acesso em: 29 jan. 2021.

Nascido no Recife, em 1927, Aloisio se formou em Direito pela Universidade Federal


de Pernambuco (UFPE). Atuou, também, como pintor, designer, gravador, cenógrafo e
figurinista, um gestor não tão convencional, como os antecessores. Seu trabalho foi
fundamental para a incorporação dos bens culturais imateriais aos debates no Brasil.

Aloisio dedicou atenção para o fazer popular, entendia que, apesar de inseridos
na vida cotidiana, não estavam incorporados na categoria de patrimônio cultural.
Entretanto, com base nesses bens, consolidavam-se os valores da nação (MAGALHÃES,
1985). As metas do momento eram semelhantes às dos movimentos da Semana de Arte
Moderna, pois se pretendia atualizar a reflexão acerca da realidade brasileira. Por essa
razão, foi convidado para coordenar o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC).

O CNRC começou as atividades em junho de 1975. A nova divisão tinha,


como finalidade, a criação de um banco de dados da cultura brasileira, composto
por documentação, identificação e acesso aos produtos culturais (FONSECA, 2005).
Pretendia-se traçar um referencial básico para a realização de uma descrição e de uma
análise da dinâmica da cultura brasileira. Os indicadores promoviam um modelo de
desenvolvimento apropriado para as necessidades nacionais, pensando no contexto,
na produção e na distribuição.

142
DICA
O museu ao ar livre Princesa Isabel, Orleans/SC, inaugurado em 1980,
é identificado como um espaço de experimentação e de projetos
culturais pouco ortodoxos. Dessa forma, foi um dos cases de estudo
do CRNC.

O espaço é tombado pelo estado de Santa Catarina e pelo Iphan,


Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, como patrimônio
cultural brasileiro.

Para mais informações da instituição, considerada a primeira com


essa tipologia no Brasil, acesse https://www.museuaoarlivre.com.br/.

O CNRC era dividido em quatro áreas: Ciências Humanas, Ciências Exatas,


Documentação, Artes e Literatura. A primeira fase foi permeada pela apresentação
de relatórios; já no segundo momento, com um caráter mais experimental, foram
estruturados quatro programas (FONSECA, 2005):

• Mapeamento do artesanato brasileiro.


• Levantamentos socioculturais.
• História da ciência e da tecnologia no Brasil.
• Levantamento de documentação do Brasil.

A imagem da cultura brasileira, reproduzida pelas instituições oficiais, já estava


desatualizada, e era restrita apenas a um registro dos tempos passados. Nesse cenário, o
conceito de bem cultural, que incorpora novos elementos, amplificando a conceituação,
começou a ser utilizado, em contraste à noção de patrimônio histórico, muito utilizada
anteriormente (MAGALHÃES, 1985).

Em 1979, Aloísio Magalhães foi nomeado diretor do IPHAN, realizando a fusão


entre o Iphan, o PCH (Programa de Cidades Históricas) e o CNRC. Assim, foi “[...] criada
uma nova estrutura: um órgão normativo, a Secretaria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Sphan); e um órgão executivo, a Fundação Nacional Pró-Memória
(FNpM)” (FONSECA, 2005, p. 154). A pasta do CNRC ficou vinculada ao FNpM, e a União
teve o objetivo de incorporar novo sentido à política de preservação. Para esses bens,
não adiantava apenas a conservação da materialidade, era necessário compreender a
dinâmica relacionada ao sistema econômico e, até mesmo, as atividades turísticas.

Aloisio Magalhães morreu em 1982, durante uma viagem realizada para participar
de uma reunião da UNESCO. O sucessor, Marcos Vinicios Vilaça, dá continuidade às
propostas que já estavam sendo realizadas, entretanto, ainda não tínhamos, no Brasil,
um ministério para centralizar e para priorizar as questões culturais.

143
Somente em 1985, o presidente eleito criou o Ministério da Cultura, desmembrado
no antigo Ministério da Educação e Cultura. O novo ministério partiu de três ações: a
criação de assessorias especiais, do negro, do indígena, da mulher etc.; a realização
de seminários, para reunião de intelectuais e artistas, visando à elaboração de políticas
culturais; e, por fim, a implantação da Lei Sarney, de incentivos fiscais, foi revogada
durante o governo Collor, posteriormente, retornando como Lei Rouanet.

As assessorias, em pouco tempo, foram extintas, a única ainda existente, que


se manteve, pois integrou a Constituição de 1988, foi a Fundação Palmares (FONSECA,
2005). No início de 1990, o Ministério da Cultura foi extinto, após apenas cinco anos de
funcionamento, tornando-se uma secretaria. Em 1992, a situação é revertida, e o MinC
retorna. Mais recentemente, o ministério foi extinto brevemente, durante o governo
Michel Temer, e, atualmente, desde 2018, faz parte do grupo de ministérios aglutinados
na criação do Ministério da Cidadania. Nessa nova estrutura, tornou-se uma secretaria
novamente.

4.2 A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO IMATERIAL NO BRASIL


O CNRC foi fundamental para a elaboração de uma conceituação mais
ampla da cultura brasileira. Durante as comemorações de 60 anos do IPHAN, ocorreu
o Seminário Internacional Patrimônio Imaterial: Estratégias e Formas de Proteção, em
Fortaleza. Nesse evento, novamente, foi posta em pauta a criação de um mecanismo
de proteção para os bens culturais intangíveis/imateriais, pois se entendia, neste
momento, que era necessário elaborar diretrizes e leis, que auxiliassem na identificação,
na promoção, na proteção e no fomento do patrimônio.

DICA
Durante o seminário, em comemoração aos 60 anos do
IPHAN, foi redigida a Carta de Fortaleza. O documento indica
a necessidade da criação de ferramentas para identificar,
proteger, promover e fomentar os processos e os bens
culturais imateriais. Para consultar o documento na íntegra,
acesse http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/
Carta%20de%20Fortaleza%201997.pdf.

Fique por dentro! Indicamos a leitura complementar do
documento, que dá as diretrizes iniciais para a discussão do
patrimônio cultural imaterial no Brasil.

144
O trabalho iniciado instituiu o registro de bens culturais de natureza imaterial.
Dessa forma, foram criados quatro Livros de Registro: Livro dos Saberes, Livro das
Celebrações, Livro das Formas de Expressão e Livro dos Lugares. Para a gestão desses
processos, no âmbito do Iphan, foram criados, em 2004, o Departamento do Patrimônio
Imaterial (DPI), que incorporou o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP),
e, com o Conselho Consultivo, em 2010, a Câmara Setorial do Patrimônio Imaterial.

Os bens que recebem o registro, de acordo com o Iphan, são aqueles que detêm
continuidade histórica, possuem relevância para a memória nacional e fazem parte
das referências culturais de grupos formadores da sociedade brasileira (IPHAN, 2021).
Conforme dados do último levantamento, realizado em 2018, atualmente, o Brasil já tem
os registros oficializados em todos os Estados, compondo 47 diferentes bens culturais
imateriais. A Roda de Capoeira e o Ofício dos Mestres de Capoeira são os únicos itens
registrados em todos os Estados do país.

Você deve estar se perguntando: onde está a gestão, a nível federal, dos museus
nessa trajetória? Quais foram os órgãos responsáveis pela defesa do campo museal? A
história dos museus, como setor organizado no Brasil, é recente. Por um longo período,
foi o SPHAN, posteriormente, IPHAN, que respondeu por essas demandas.

4.3 A TRAJETÓRIA DA DEFESA DO CAMPO MUSEAL NO


BRASIL: DEMU ATÉ IBRAM

Começaremos percorrendo alguns marcos importantes da participação do Brasil


no debate acerca da Museologia. Em 1956, foi realizado, em Ouro Preto, o 1° Congresso
Nacional de Museus, em seguida, em 1958, aconteceu o Seminário Regional da Unesco
sobre a Função Educativa dos Museus. Esses eventos foram importantes para evidenciar
a importância da profissionalização dentro dos museus e o caráter pedagógico.

As décadas de 70 e 80 foram de grande ebulição de novas iniciativas no


panorama dos museus. Muitos eventos, encontros, seminários vinham propondo
abordagens de uma museologia ativa, participativa e democrática, características da
nova museologia, conceito que vinha sendo debatido no cenário internacional.

Em 1976, foi realizado o 1° Encontro Nacional de Dirigentes de Museus, no Recife,


gerando um documento intitulado de Subsídios para Implantação de uma Política
Museológica Brasileira. Após três anos desse evento, foi criada a Fundação Nacional
Pró-Memória (FNPM), que abrigou e centralizou as questões de alguns museus, que
não estavam sendo atendidos pelas políticas exercidas pelo SPHAN, pois apresentavam
questões mais populares. Dentro do FNPM, instalou-se o Programa Nacional de Museus,
com o objetivo de revitalizar os museus brasileiros.

145
Apenas em 2003, com a reestruturação do MinC, foi criada a Política Nacional
de Museus (PNM), que, por sua vez, determinava a abertura do Departamento de
Museus e Centros Culturais (DEMU) no âmbito do IPHAN. Até o momento, não existia,
formalmente, um setor, na área federal, voltado às ações no campo da museologia.
As gestões anteriores do MinC não tinham se voltado às necessidades do campo
museológico . Segundo Santana (2019), a PNM influenciou o IPHAN na criação de
políticas relacionadas às diferentes áreas de preservação, como aos patrimônios
material, imaterial, arqueológico etc.

A Política Nacional de Museus (PNM), primeiro documento que esta-


belece as diretrizes conceituais do papel dos museus e do direito à
memória da sociedade brasileira, foi construída com a participação
de boa parte do setor museológico do país no ano de 2002, e lançada
no dia 16 de maio de 2003 (SANTANA, 2019, p. 3).

Em decorrência da criação do Departamento de Museus, surge o Sistema


Brasileiro de Museus, com o objetivo de organizar informações do campo, uma demanda
antiga do setor. Com a articulação do sistema, foi possível a elaboração do mapeamento
censitário dos museus no Brasil.

A história dos órgãos administrativos da cultura no Brasil é composta por uma


trajetória de muitos desafios para a manutenção e para a continuidade das políticas
públicas. No cenário dos museus, especificamente, a centralização da gestão é muito
recente, apesar do surgimento dos museus no país remeterem ao século XIX, como
vimos anteriormente. Um momento histórico para a museologia brasileira foi a criação do
Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), autarquia federal, com autonomias administrativa
e financeira, vinculada ao MinC (AMAZONAS, 2010). Era evidente a necessidade de um
órgão para organizar o setor dos museus:

Os museus brasileiros possuem estruturas organizacionais frágeis,


uma vez que muitos não são institucionalizados, ou seja, funcionam
sem registro, estatuto e regimentos. A ausência de padrões e
normas no setor museológico possibilita a evasão e a dispersão de
acervos relevantes para o reconhecimento e para a disseminação
da identidade e da história nacional. Ademais, para que os museus
brasileiros estejam articulados entre si, garantindo o intercâmbio e as
parcerias horizontais entre o poder público, as instituições privadas
e a sociedade civil, torna-se imprescindível avançar nos aspectos
legais que garantam, ao mesmo tempo, a organicidade do sistema e
a manutenção e a difusão da diversidade cultural brasileira. Assim, a
normatização da área de museus trará ganhos substantivos para a
organização e a gestão do setor (BRASIL, 2008, p. 9).

É importante compreendermos os objetos na criação de um instituto dentro do


cenário brasileiro.

146
Promover e garantir a implementação de políticas públicas para o
setor museológico, visando contribuir para organização, gestão e
desenvolvimento dos museus e dos acervos.
Incentivar programas e ações que viabilizem a preservação e a
sustentabilidade do patrimônio museológico brasileiro; contribuir
para a divulgação, em âmbitos nacional e internacional, dos acervos
museológicos brasileiros.
Promover a permanente qualificação dos recursos humanos do setor.
Garantir os direitos das comunidades organizadas de participarem
dos processos de identificação e de definição do patrimônio a ser
musealizado (AMAZONAS, 2010, p. 9).

A criação do IBRAM, a partir do desmembramento do setor museológico de


dentro do IPHAN, gerou a responsabilização da gestão dos museus federais, além de
uma mudança substancial na distribuição e na organização dos cargos (IBRAM, 2021).
O surgimento dessa nova autarquia, a partir do IPHAN, envolveu muitas discussões,
resistência e disputas.

No IBRAM, além dos cargos e das funções remanejados do IPHAN, o


projeto de lei previa, para compor o Instituto, a criação de 86 novos
cargos e de 59 funções gratificadas. No total, somados os cargos
criados com aqueles provenientes do IPHAN, o IBRAM contará com
uma estrutura composta por 120 cargos comissionados e 59 funções
gratificadas. Tais perdas provocaram resistência por parte de membros
do IPHAN, que temiam perda de poder e recursos, além de o projeto
de criação do Ibram também viabilizar uma atenção especial para as
necessidades de recursos financeiros e de corpo técnico no IPHAN
(SANTANA, 2019, p. 8).

Atualmente, o IBRAM é responsável pela Política Nacional de Museus (PNM), pelas


melhorias dos serviços do setor e pela administração direta de 30 instituições, distribuídas
em quatro regiões do país. Confira, a seguir, o nome e o local de cada uma delas:

Região Nordeste:
Museu Casa Histórica de Alcântara – Alcântara (MA)
Museu da Abolição – Recife (PE)

Região Centro-Oeste:
Museu Casa da Princesa (Casa Setecentista) – Pilar de Goiás (GO)
Museu das Bandeiras – Cidade de Goiás (GO)
Museu de Arte Sacra da Boa Morte – Cidade de Goiás (GO)

Região Sul:
Museu das Missões – São Miguel das Missões (RS)
Museu Victor Meirelles – Florianópolis (SC)

147
Região Sudeste:
Museu Casa da Hera – Vassouras (RJ)
Museu Casa de Benjamin Constant – Rio de Janeiro (RJ)
Museus Castro Maya – Rio de Janeiro (RJ)
Museu da Inconfidência – Ouro Preto (MG)
Museu da República – Rio de Janeiro (RJ)
Museu de Arqueologia/Socioambiental de Itaipu – Niterói (RJ)
Museu de Arte Religiosa e Tradicional – Cabo Frio (RJ)
Museu de Arte Sacra de Paraty – Paraty (RJ)
Museu do Diamante – Diamantina (MG)
Museu do Ouro – Casa Borba Gato – Sabará (MG)
Museu Forte Defensor Perpétuo – Paraty (RJ)
Museu Histórico Nacional – Rio de Janeiro (RJ)
Museu Imperial – Petrópolis (RJ)
Museu Lasar Segall – São Paulo (SP)
Museu Nacional de Belas Artes – Rio de Janeiro (RJ)
Museu Regional Casa dos Ottoni – Serro (MG)
Museu Regional de Caeté – Caeté (MG)
Museu Regional de São João del-Rei (MG)
Museu Solar Monjardim – Vitória (ES)
Museu Villa-Lobos – Rio de Janeiro (RJ) (IBRAM, 2021)

Após o surgimento do IBRAM, a obrigatoriedade da elaboração de planos


museológicos foi generalizada a todas as instituições cadastradas. O documento,
unicamente assinado por museólogos, incentivou a inserção do profissional no campo
dos museus. O plano museológico deve ser constantemente avaliado e revisado, da
mesma forma, as PNM.

Paralelamente ao surgimento do IBRAM, foi elaborado o Estatuto de Museus.


De acordo com Santana (2019, p. 3), essas novas organizações entenderam “os museus
como práticas e processos socioculturais colocados a serviço da sociedade e do
desenvolvimento, politicamente comprometidos com a gestão democrática”.

Com 10 anos de existência, o IBRAM foi quase extinto em 2018. A finalidade


era instituir a Agência Brasileira de Museus (ABRAM). Vários especialistas alertaram ser
preocupante essa providência, pois fragilizaria o setor dos museus brasileiros. Ações
como essa mostram o quanto ainda são suscetíveis às políticas culturais do Brasil e à
continuidade.

148
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• O Brasil recebeu grande influência dos movimentos que ocorreram na Europa,


principalmente, da onda dos museus nacionais. Os primeiros museus brasileiros
surgiram no século XIX, com a chegada da Família Real. As instituições apresentavam
coleções de ciências naturais, tornando-se as principais referências acadêmicas e
científicas do país. O primeiro expoente que alterou o panorama foi o Museu Histórico
Nacional (MHN), já no século XX. A instituição foi dedicada à história da pátria,
responsável por formular as representações de nacionalidade.

• A Semana de Arte Moderna foi um marco simbólico no processo de modernização da


cultura brasileira, ocorrida em fevereiro de 1922, ano de comemoração do centenário
da independência do país. Os idealizadores foram artistas e intelectuais, que
defenderam o rompimento com o tradicionalismo estético oriundo da Europa. Era a
procura por expressões genuinamente brasileiras. O movimento mais expressivo do
período foi o Manifesto Antropofágico.

• As ideias modernistas e o governo autoritário do Estado Novo deram origem ao


primeiro órgão de proteção do patrimônio no Brasil, o Serviço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (SPHAN). Teve o anteprojeto escrito por Mário de Andrade, e foi,
durante anos, dirigido por Rodrigo de Melo F. de Andrade. Em 1979, com a administração
de Aloísio Magalhães, o órgão recebeu uma reorganização, sendo transformado no
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

• Durante um longo período, o setor museal foi administrado pelo IPHAN. Somente
em 2003, com a reestruturação do MinC, foi criada a Política Nacional de Museus
(PNM), e ocorreu a abertura do Departamento de Museus e Centros Culturais (DEMU),
ainda sob administração do IPHAN. A partir do DEMU, foi institucionalizado o Sistema
Brasileiro de Museus. Finalmente, em 2009, ocorreu a criação do Instituto Brasileiro
de Museus. A medida possibilitou que o setor museológico se estruturasse com
a criação de políticas específicas para a realidade brasileira, como o Estatuto dos
Museus.

149
AUTOATIVIDADE
1 Disserte a respeito do contexto histórico no qual estava inserida a conhecida “Casa
dos Pássaros”, além da importância para a história dos museus no Brasil.

2 A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um marco na história cultural do Brasil, com-
posta por diversos artistas e intelectuais, que se manifestaram a partir da literatura,
da arte e da arquitetura. Acerca da revisão da categoria de patrimônio cultural e da
proteção, qual foi a importância dos modernistas?

3 Na administração de Aloísio Magalhães, o órgão passou a ser chamado de Instituto


do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), sendo criadas, com a nova
estrutura, duas frentes: um órgão normativo e um executivo. Respectivamente, qual
alternativa apresenta o nome desses órgãos?

a) ( ) Fundação Nacional Pró-Memória e Programa de Cidades Históricas.


b) ( ) Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Centro Nacional de
Referência Cultural.
c) ( ) Centro Nacional de Referência Cultural e Secretaria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.
d) ( ) Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Fundação Nacional Pró-
Memória.

4 Poucas pessoas conhecem as leis que balizam as políticas culturais no Brasil. Com
relação aos setores dos museus, cite a lei que criou o Instituto Brasileiro de Museus
(IBRAM), 425 (quatrocentos e vinte e cinco) cargos efetivos do Plano Especial de
Cargos da Cultura, cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramentos
Superiores (DAS) e Funções Gratificadas, no âmbito do Poder Executivo Federal, e
que deu outras providências.

a) ( ) Lei n° 11. 906, de 20 de janeiro de 2009.


b) ( ) Lei n° 378, de 13 de janeiro de 1937.
c) ( ) Lei n° 11.904, de 14 de janeiro de 2009.
d) ( ) Lei n° 91.144, de 15 de março de 1985.

5 O Sistema Brasileiro de Museus surgiu para suprir algumas demandas do setor. Foi,
responsabilidade dele, a realização de qual das atividades listadas a seguir?

a) ( ) Construção da Política Nacional de Museus (PNM).


b) ( ) Elaboração do mapeamento censitário dos museus no Brasil.
c) ( ) Escrita do Estatuto dos Museus.
d) ( ) Elaboração da Carta de Fortaleza.

150
UNIDADE 3 TÓPICO 2 —
MUSEUS NO CONTEMPORÂNEO —
A NOVA MUSEOLOGIA

1 INTRODUÇÃO
Olá, caro acadêmico! Seja bem-vindo ao Tópico 2 da Unidade 3!

Neste tópico, conheceremos um movimento que ficou conhecido como Nova


Museologia, ou Museologia Social. Além disso, você aprenderá como esse novo paradigma
influenciou a criação de novas tipologias de museus, e como modificou as estruturas
dos museus tradicionais. Abordaremos, também, as declarações internacionais, que
regem a Nova Museologia.

Os museus criados, nesse contexto, são os chamados de ecomuseus e de


museus comunitários. Ao contrário dos museus existentes até então, as propostas se
vinculam mais ao território e à atuação comunitária e menos às coleções de objetos,
como você verá a seguir.

2 A NOVA MUSEOLOGIA
A Nova Museologia, ou Museologia Social, é um paradigma dentro do campo da
Museologia. Surgiu na década de 1970, fruto da reflexão e da movimentação de diversos
profissionais de museus, e se propôs a atualizar as instituições em relação à realidade
do mundo contemporâneo. Tratou-se de uma forma de tornar as instituições museais
mais democráticas e inclusivas, o que inclui as seguintes tendências observadas por
Moutinho, em 1993:

• O alargamento da noção de patrimônio.


• A participação da comunidade na definição e na gestão das práticas museológicas.
• A museografia como meio autônomo de comunicação.
• A utilização das "novas tecnologias" de comunicação e de informação.

Questões, como a função social dos museus, a responsabilidade política do


museólogo, o novo fazer museológico e a participação e a apropriação comunitárias,
passaram a ser amplamente debatidas em alguns eventos internacionais, como na
Mesa Redonda de Santiago do Chile (1972), considerada um marco da Nova Museologia.

151
O evento ocorreu entre os dias 20 e 31 de maio de 1972, e contou com a presença
de representantes dos seguintes países: Chile, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica,
Equador, Guatemala, México, Panamá, Peru e El Salvador. Esteve presente, também, o
Diretor do Escritório Regional da Unesco. O objetivo geral era discutir os problemas e as
potencialidades dos museus.

Ao fim do evento, foi redigida a Carta de Santiago do Chile, que compilava


as resoluções dos participantes. “[...] O que ficou definido, porém, na tentativa de se
pensar em um ‘museu ideal’ para a região, foi o modelo de um museu integral, que se
preocupasse, de forma total, com o indivíduo humano” (BRULON; SCHEINER, s.p., 2009).
O Museu Integral é destinado a proporcionar, à comunidade, uma visão de conjunto dos
meios natural e cultural (RODRIGUES, 2005), integrando a comunidade ao meio em que
está inserida, através das funções de conservar, de pesquisar e de comunicar.

Apesar de, atualmente, ser evidente a relevância dessas discussões, além da


atualização das instituições museais, na época, existiam defensores dos chamados
“museus tradicionais” e do formato museológico vigente. O próximo evento ocorrido
em prol da Nova Museologia ocorreu como forma de discordância “[...] da tomada de
posição da XIII Conferência Geral do ICOM, realizada em Londres, em julho de 1983.
Tinha sido formalmente rejeitado o reconhecimento de todas as práticas que não se
enquadrassem no quadro museológico instituído” (DUARTE, 2013, p. 109). Esse evento
era o Ateliê Internacional Ecomuseus - Nova Museologia, que deu origem à Declaração
de Quebec (1984).

O Ateliê ocorreu na cidade de Quebec, no Canadá, e reuniu “[...] a parte dos


membros do ICOFOM que defendia o reconhecimento internacional e a promoção de
novas formas museais” (DUARTE, 2013, p. 109). Foi um momento de reflexão a respeito
daquilo que foi estabelecido na Mesa Redonda de Santiago do Chile, e, mais além, da
organização da Nova Museologia e dos princípios básicos, através do diálogo entre
diferentes países e realidades museológicas (MOUTINHO, 1993).

DICA
Você se lembra de que citamos o ICOFOM na unidade anterior?
O ICOFOM é o Comitê Internacional para Museologia, dedicado
à reflexão e à construção da teoria que rege a Museologia e a
prática museológica. Você pode ter acesso a informações e a
publicações em http://icofom.mini.icom.museum/. Confira!

152
Passados 20 anos da Mesa Redonda de Santiago do Chile, aconteceu, em
Caracas, na Venezuela, o Seminário “A Missão dos Museus na América Latina Hoje:
Novos Desafios”, entre os dias 6 de janeiro a 6 de fevereiro de 1992, o que originou
a Declaração de Caracas (1992). Teve participantes da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Colômbia, Cuba, Equador, México, Nicarágua e Venezuela.

De acordo com Rodrigues (2005), o seminário se propôs a realizar uma análise


dos museus, tendo em vista as mudanças ocorridas na América Latina desde a
realização da Mesa de Santiago do Chile, em 1972. Além disso, “[...] efetuou-se a releitura
do documento de Santiago, além da atualização” (RODRIGUES, 2005, s.p.).

Nesse sentido, da Declaração de Caracas, observa-se que fica implícita a


atualização do conceito de museu integral para museu integrado. A diferença será
abordada a seguir:

Classificação da função do museu não mais como um papel a ser


desempenhado, mas como uma ação completa, comprometida
com os acontecimentos das realidades locais, como instrumentos
de desenvolvimento. Em outras palavras, há a transformação do
museu integral em museu integrado à vida de uma comunidade
(RODRIGUES, 2005, s.p.).

Resumindo a contribuição dessas declarações:

• Declaração de Santiago do Chile (1972): introduziu o conceito de museu integral.


• Declaração de Quebec (1984): sistematizou os princípios básicos da Nova Museologia.
• Declaração de Caracas (1992): pode ser interpretada como uma avaliação crítica
de todo o processo, reafirmando o museu como um canal de comunicação.

Com a teoria da Nova Museologia, era, também, executada a prática, tão ou mais
importante para esse paradigma museal. Através das novas tipologias dos museus, os
ecomuseus e os museus comunitários, os ideais da Nova Museologia tomaram forma
e auxiliaram na construção dessa teoria que conhecemos hoje. Nos próximos tópicos,
veremos mais a respeito dessas mudanças e dos museus comunitários e ecomuseus.

A Nova Museologia transformou a estrutura do museu tradicional, usualmente,


identificada a partir da edificação, do acervo e do público visitante. Nos museus
vinculados ao paradigma da Nova Museologia, observa-se a existência de um território,
de um patrimônio e de uma comunidade. Desse modo, o foco é retirado das coleções e
voltado para um patrimônio mais amplo e para a relação com a comunidade ao entorno,
que, nessa nova concepção, é, também, gestora do bem. Veja como se dá essa dinâmica:

153
QUADRO 1 – MUSEU TRADICIONAL X ECOMUSEU/MUSEUS COMUNITÁRIOS

Museu tradicional Ecomuseu/Museus comunitários


Coleção Patrimônio
Público Comunidade
Edifício Território

FONTE: Adaptado de Varine (2014)

Resumindo a Nova Museologia:

Pode ser aplicada para a transformação interna de museus tradicionais


e para a criação de novos museus. A Ecomuseologia é uma palavra,
também não codificada, que abrange uma série de práticas de gestão
do patrimônio por uma comunidade em um território. Essas práticas
são conhecidas por diversos nomes: ecomuseus propriamente ditos,
museus comunitários, museus locais. Assumem formas mais ou
menos experimentais, inventando modos de ação e de educação
patrimonial relacionados aos territórios culturais, sociais, ambientais e
econômicos. Não é respaldada em modelos, até porque não existem
dois museus comunitários ou ecomuseus semelhantes: cada projeto,
cada realização é única, porque cada comunidade, cada patrimônio e
território são únicos (VARINE, 2019, p. 324).

NOTA
Hugues de Varine: Nascido em 1935, é arqueólogo, historiador e museólogo francês. Foi
Diretor do Conselho Internacional de Museus (ICOM), de 1965 a 1974. É o criador do
termo ecomuseu e referência na área da Nova Museologia.

HUGUES DE VARINE

FONTE: <https://www.levante-emv.com/valencia/2018/06/02/
hugues-varine-vemos-huerta-atraccion-11960312.html>.
Acesso em: 9 jan. 2020.

154
Como vimos, a Nova Museologia modificou até mesmo a forma como os museus
tradicionais se configuravam, deu vasão e foi sendo construída a partir da experiência de
uma nova tipologia de museu, na qual estão os ecomuseus e os museus comunitários.
Nascidos em torno de uma mesma ideologia, mais à frente, falaremos desses dois tipos
de museus.

NOTA
Interessou-se pela Nova Museologia e quer conhecer mais
através de autores que são referência na temática? Segue
uma breve lista com algumas referências importantíssimas:

• Georges Henri Rivière


• Hugues de Varine
• Mathilde Bellaigue
• Mário Chagas
• Maria de Lourdes Parreiras Horta
• Mário Moutinho
• Judite Primo
• Maria Célia Santos

3 ECOMUSEUS
O conceito de ecomuseu começou a ser criado e delimitado a partir de 1970,
utilizado, primeiramente, por Hugues de Varine, e amplamente teorizado por ele e por
George Henri Riviére. Junção da palavra eco, que, em grego, significa terra, planeta,
casa, e da palavra museu, que, como você viu anteriormente, são (pelo menos até o
presente momento):

[...] instituições sem fins lucrativos, permanentemente a serviço da


sociedade e do desenvolvimento, abertas ao público, que adquirem,
conservam, pesquisam, comunicam e expõem o patrimônio tangível
e intangível da humanidade e o meio ambiente para fins de educação,
estudo e diversão (ICOM, 2020, s.p.).

Nesse sentido, podemos inferir que o ecomuseu faz referência a um tipo de


museu que estabelece relações com o meio ambiente em que está inserido.

De acordo com François Hubert e Ignacio Balerdi (1985; 2002 apud SANTOS,
2017), existem três gerações de ecomuseus:

• Primeira: dos parques regionais, quando ainda não se utilizava o conceito de ecomuseu.
• Segunda: marcada pela Nova Museologia e pela criação do Ecomuseu Le Creusot-
Montceau-les-Mines. Desencadeia a criação de outros ecomuseus voltados para a relação
dos seres humanos com a territorialidade. Começa-se a utilizar o termo ecomuseu.

155
• Terceira: dos ecomuseus, que se distanciam da concepção inicial dessa tipologia de
museu. Passam a utilizar outras denominações, como museus comunitários, museus
de vizinhança etc.

Ainda, falaremos dos ecomuseus da segunda geração. Conforme vimos


anteriormente, os museus vinculados à Nova Museologia possuem uma perspectiva
voltada para o território, para a comunidade e para o patrimônio. Essa perspectiva foi
inaugurada pelos ecomuseus. Um ecomuseu demonstra as seguintes características:

Entende-se o tempo nas suas diferentes dimensões: passado,


presente e futuro. Um ecomuseu implica interpretar os diferentes
espaços que compõem uma paisagem. Territorializa o museu e
musealiza o território, contextualizando os bens culturais no contexto
de significado social. Um conservatório empenhado na valorização
dos patrimônios cultural e natural.
Uma escala, na qual as populações participam nas ações de pesquisa
e de proteção, devendo sensibilizá-las para os problemas e participar
ativamente da resolução. Um ecomuseu está em estreita articulação
com o patrimônio etnológico (antropológico). Um ecomuseu é um local
adequado para se efetuar o estudo das relações dos indivíduos, entre
eles e o ambiente. Tem em conta não só a conservação do patrimônio
cultural “in situ”, como também a conservação do patrimônio natural
(ex.: animais e vegetais locais, atividades e saberes) (RIVIÈRE, 1989
apud OLIVEIRA, 2009, p. 23).

NOTA
GEORGES HENRI RIVIÈRE
Georges Henri Rivière foi um museólogo
francês e o primeiro diretor do Conse-
lho Internacional de Museus (ICOM), de
1946 a 1962. Teve destacada relevância
no âmbito da Nova Museologia, mais es-
pecificamente, da ecomuseologia e dos
museus de etnografia.

FONTE: <http://twixar.me/bcSm>.
Acesso em: 29 jan. 2021.

156
A participação e o envolvimento da comunidade nos processos de concepção,
de implementação, de preservação e de gestão do patrimônio têm, como grande
objetivo, o desenvolvimento local (PRIMO, 2008). Inclusive, Hugues de Varine (2014)
concebe os ecomuseus (e todo o tipo de museu de comunidade) como uma ferramenta
para o desenvolvimento e para o fortalecimento das comunidades em que está inserido.
Nesse sentido, assim como a comunidade, na qual está o ecomuseu, é extremamente
mutável, também é o ecomuseu.

Varine (2014) atribuiu, aos ecomuseus e aos museus comunitários (que veremos
mais à frente), a palavra processo, museus como um processo, ou seja:

Como o próprio desenvolvimento, o museu de comunidade é mais


bem descrito como um processo. Ele, certamente, não é uma
instituição ou uma estrutura acabada. É um ser vivo, como a própria
comunidade, em constante movimento, para se adaptar às mudanças
que acontecem nela e no ambiente, seja ele regional, nacional ou
global (VARINE, 2014, p. 28).

Por estarem totalmente vinculados ao local e à comunidade em que são criados,


os ecomuseus se constituem em experiências únicas. Não existe um modelo padrão
para a criação e para a gestão desse tipo de museu. Em cada local, ele se manifesta de
uma maneira, visando suprir as necessidades da comunidade local.

A primeira experiência de ecomuseu é o chamado Ecomuseu da Comunidade


Urbana Le Creusot-Montceau-Les-Mines – Museu do Homem e da Indústria, constituído
na referida comunidade francesa, que foi marcada pela Revolução Industrial, através
da instalação da indústria siderúrgica Schneider and Co e que, na década de 1960,
encontrava-se em estados de abandono e de degradação. Foi observada a

[...] desvalorização da população do Creusot através do desenvolvi-


mento da indústria. “Eles [os habitantes] tinham conhecimento da
história do Creusot, do fato de que o Creusot havia feito uma parte
da Torre Eiffel, a grande estação de Santiago do Chile, e o famoso
Marteau-Pilon do Creusot”, elementos ligados à história da grande
indústria local, “mas, com relação ao desenvolvimento da sua própria
história, desconheciam, pensavam não ter importância” (informação
verbal) (BRULON, 2015, p. 271).

157
FIGURA 5 – LE MARTEAU-PILON, SÍMBOLO DA INDÚSTRIA NA REGIÃO DE CREUSOT

FONTE: <https://www.creusotmontceautourisme.fr/decouvrir/le-creusot/passe-industriel/un-patrimoine-
industriel-preserve/le-marteau-pilon>. Acesso em: 29 jan. 2021

O vislumbre da criação de um ecomuseu na região foi de Marcel Evrard, que, com


Mathilde Bellaigue, Hugues de Varine e Georges-Henri Rivière, idealizou o ecomuseu de
1971 a 1974, quando foi oficializado, com os objetivos de valorizar a comunidade local
e de engajar a participação em torno da valorização de uma memória coletiva viva,
vivenciada no cotidiano. O projeto previa:

[...] um museu igualitário, em que toda a comunidade constituía um


museu "vivo", não existindo visitantes, mas habitantes. A essência do
museu não reside na exposição, mas na participação. O ponto central
desse novo projeto não está no objeto, mas no indivíduo (BRULON;
SCHEINER, 2009, s.p.).

Nesse sentido, os habitantes locais não eram o público do museu, mas


gestores e criadores do patrimônio local, participando de todos os processos de gestão,
de funcionamento e de avaliação do ecomuseu (PRIMO, 2008). Essa experiência
demonstrou que o prefixo eco, da palavra ecomuseu, fazia referência não apenas ao
entorno natural, mas, também, à presença humana no meio ambiente, a chamada
ecologia humana (PRIMO, 2008, p. 86).

158
FIGURA 6 – ECOMUSEU CREUSOT MONTCEAU-LES-MINES

FONTE: <https://montceau-news.com/culture/596885-ecomusee-creusot-montceau-81.html>.
Acesso em: 18 jan. 2021.

No Brasil, observamos a existência de diversas experiências de ecomuseus, que


nos ajudam a compreender a diversidade do campo.

Existem “ecomuseus de nome” que não são “ecomuseus de conceito”,


ao mesmo tempo em que existem “ecomuseus de conceito” que
não são “ecomuseus de nome” (assim como museus comunitários).
Existem ecomuseus que foram criados por comunidades e por
coletividades organizadas, e existem outros que tiveram a gênese
em projetos de extensão universitária, programas governamentais
(municipais, estaduais ou federais), e assim por diante. A realidade é
diversa e complexa (SANTOS, 2017, p. 107).

• Ecomuseu de Santa Cruz (Rio de Janeiro, RJ)

O Ecomuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro de Santa Cruz é um museu de


território que engloba todo o bairro de Santa Cruz, no extremo oeste do Rio de Janeiro,
totalizando uma área de 125 km². O nome faz referência ao matadouro público, que se
instalou na Fazenda de Santa Cruz, em 1881, que fornecia carne para toda a cidade e
transformou o bairro em um dos locais mais modernos e industrializados. Com o passar
dos anos e a explosão demográfica ocorrida no local, houve o crescimento desorganizado
e a descaracterização do bairro, modificando as dinâmicas sociais (SANTOS, 2017). O
ecomuseu foi criado em 1995 e tem, como missões, a preservação e a valorização dos
patrimônios cultural e natural do bairro. Atualmente, está inserido na organização da
Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro.

159
FIGURA 7 – FOTO DE CIMA DO BAIRRO DE SANTA CRUZ, RJ

FONTE: <http://www.ecomuseusantacruz.com.br/sobre/ecomuseu_de_santa_cruz>.
Acesso em: 18 jan. 2021.

• Ecomuseu do Mangue da Sabiaguaba

Sabiaguaba é um bairro rural de preservação ambiental, localizado no litoral de


Fortaleza. A área de manguezal estava sendo devastada, apesar de ser uma Área de
Preservação Ambiental (APA). O Ecomuseu Natural do Mangue da Sabiaguaba “foi criado
por iniciativa do ambientalista e morador Sr. Rusty Sá Barreto, que, com voluntários e
amigos, desenvolveu um trabalho de educação ambiental e de reflorestamento com a
comunidade, as escolas e os visitantes” (SANTOS, 2017, p. 149). A iniciativa contribuiu
para a educação da comunidade, para o meio ambiente e para o desenvolvimento
sustentável do local. Recentemente, foi declarado como Patrimônio Histórico-Cultural e
Natural do Município de Fortaleza.

FIGURA 8 - SEDE DO ECOMUSEU DO MANGUE DA SABIAGUABA

FONTE: <https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2020/12/26/ecomuseu-do-mangue-da-sabiaguaba-e-
declarado-patrimonio-historico-cultural-e-natural-de-fortaleza.ghtml>. Acesso em: 29 jan. 2021.

160
• Ecomuseu da Ilha da Pólvora (Rio Grande, RS)

O Ecomuseu da Ilha da Pólvora foi inaugurado em 1999, faz parte dos museus
da Universidade de Rio Grande. Alguns dos objetivos são: contribuir para a preservação
dos patrimônios natural e cultural da ilha e ser um espaço propício para a realização de
pesquisas e para a educação ambiental.

A Ilha da Pólvora possui cerca de 42 hectares de marismas (zona úmida com solo
rico em minerais), o que atribui, ao local, uma grande biodiversidade. A ilha já pertenceu a
um inglês no século XIX, e foi vendida ao Império em 1854, que construiu um edifício para
o paiol do exército. O projeto para a criação do ecomuseu é datado de 1987, realizado em
parceria com o exército e a Universidade de Rio Grande (SANTOS, 2017).

FIGURA 9 – ECOMUSEU DA ILHA DA PÓLVORA

FONTE: <https://tvbrasil.ebc.com.br/conhecendomuseus/episodio/museu-oceanografo-rio-grande>.
Acesso em: 29 jan. 2021.

DICA
Quer conhecer outros ecomuseus? Confira a dissertação de
Suzy da Silva Santos, na qual ela realiza um mapeamento de
todos os ecomuseus e dos museus comunitários brasileiros.
O trabalho tem, como título, Ecomuseus e Museus Comunitários
no Brasil: Estudo Exploratório de Possibilidades Museológicas, e foi
defendido pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em
Museologia da Universidade de São Paulo.

161
4 MUSEUS COMUNITÁRIOS
Você deve estar se perguntando: qual a diferença entre os ecomuseus e os
museus comunitários? Essas duas tipologias realmente são muito próximas, e possuem
a mesma origem na Nova Museologia. Seguem as principais diferenciações:

O primeiro (ecomuseu) tem um envolvimento extensivo com o


território e procura as preservações paisagística e histórica, com
ou sem a comunidade originária. Ao contrário, o museu comunitário
verifica, em primeiro plano, uma história hodierna da comunidade
que ocupa o território, buscando as raízes do passado e os laços e
as produções culturais para a preservação do patrimônio, além de
atividades que possam perpetuar o fazer artístico, a história cultural
e as produções econômicas (OLIVEIRA, 2015, p. 160).

Apesar dessa diferença apontada, é possível encontrar a existência de


ecomuseus que se envolvem com a comunidade, como é possível observar através
do próprio Ecomuseu de Creusot Montceau-les-Mines, além dos museus comunitários,
que também articulam o meio ambiente à proposta.

Seguindo, conceituaremos melhor os museus comunitários a partir da pesquisa


de Santos (2017), que aponta Teresa Morales, Cuauhtémoc Camarena e Hugues de
Varine definindo os museus comunitários como:

[...] ferramenta, um processo coletivo (e não um produto) que


pertence à comunidade e que é por ela criado e gerido (instâncias
organizadas), a partir de formas próprias de organização. Algumas
palavras-chave importantes nessa definição são: autoconhecimento,
identidade, sujeito coletivo, conscientização e ação coletiva. Essa
sequência apresenta a própria dinâmica de uma ação museológica
que parte de dentro para fora: um sujeito conhece as raízes, fortalece
a identidade, relaciona-se com outras pessoas que compartilham
histórias e interesses, formando sujeitos coletivos que se unem em
prol da preservação dessas histórias, memórias e patrimônios, além
da organização de outros tipos de atividades, que possam contribuir
para a melhoria das condições de vida atuais (SANTOS, 2017, p. 128).

Esses museus podem ou não ter sedes fixas, podem ou não possuir coleções de
objetos ou de documentos. O objetivo, conforme expressado na citação anterior, é ser
um espaço de participação de uma comunidade na preservação do patrimônio (material
e/ou imaterial) e da história (SANTOS, 2017).

O museu comunitário também é um processo, que segue o processo de


desenvolvimento da comunidade em que está inserido. Deve se adaptar às mudanças
que ocorrem ao redor, modificando-se com a comunidade. Assim como todo processo,
pode vir a ser finalizado em algum momento.

A clara noção de Varine (2005), de que os museus comunitários podem ter


uma vida curta ou longa, transformar-se em outras ações, extinguir-se ou, até mesmo,
transformar-se em museus clássicos, demonstra que não há tentativas de limitar o modo

162
de atuação ou de conceber um modelo específico. A dinâmica é livre e a permanência,
a extinção ou a transformação depende, unicamente, dos interesses comunitários
(SANTOS, 2017, p. 125).

Essas transformações fazem parte da dinâmica dos museus comunitários,


sendo muito comum esses espaços finalizarem as atividades quando a comunidade
atinge os objetivos, observando que não se faz mais necessária a presença do museu.
É a comunidade que assinala a existência ou a extinção desse tipo de museu.

DICA
ABREMC – Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários

A ABREMC foi fundada em 2004, no III Encontro Internacional de Ecomu-


seus e Museus Comunitários. Tem, como missão, fomentar criação, for-
talecimento, desenvolvimentos, apoio e divulgação dos ecomuseus, dos
museus comunitários e dos processos similares. Você pode conhecer
mais através da página do Facebook: https://www.facebook.com/abremc/.

Agora, conheça três museus comunitários brasileiros.

• Muquifu - Museu dos Quilombos e Favelas Urbanas (Belo Horizonte, MG)

O Muquifu representa a história e os costumes de moradores da Vila Estrela/


Santo Antônio, que pertence à comunidade aglomerada de Santa Lúcia.

FIGURA 10 – MUQUIFU

FONTE: <http://www.conhecendomuseus.com.br/museus/muquifu/>. Acesso em: 29 jan. 2021.

163
• Museu da Maré (Rio de Janeiro, RJ)

O Museu da Maré foi criado por um grupo de jovens moradores do Complexo


da Maré, com o objetivo de criar uma autorrepresentação da favela, trazendo um olhar
positivo para a favela, e fortalecendo a autoestima dos moradores.

FIGURA 11 – MUSEU DA MARÉ

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_da_Mar%C3%A9#/media/Ficheiro:Palafita-MuseudaMare.jpg>.
Acesso em: 29 jan. 2020.

• Museu Comunitário Lomba do Pinheiro (Porto Alegre, RS)

O Museu Comunitário da Lomba do Pinheiro foi fundado em 2006, em um bairro


da periferia da capital gaúcha. Tem, como missões, informar, divulgar e preservar a
memória do local no qual está inserido, buscando contar a história a partir do olhar e
das memórias individual e coletiva dos próprios moradores.

FIGURA 12 – MUSEU COMUNITÁRIO DA LOMBA DO PINHEIRO

FONTE: <http://www.ipdae.com.br/index.php/i/ipdae-1>. Acesso em: 11 jan. 2020.

164
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• A Nova Museologia é um paradigma da Museologia. Visava tornar as instituições


museais mais democráticas e inclusivas, promovendo uma ruptura com as premissas
da Museologia tradicional. Foi sendo pensada e delimitada através da atuação coletiva
de profissionais, principalmente, através dos eventos internacionais que originaram
as Declarações de Santiago do Chile (1972), de Quebec (1984) e de Caracas (1992).

• A Nova Museologia retira o foco das coleções museológicas e se volta para um


patrimônio mais amplo e para a relação com a comunidade, que também é gestora
desse bem.

• Os ecomuseus têm relação com um território, tendo, como missão primordial, as


preservações paisagística e histórica, com ou sem a comunidade originária.

• Os museus comunitários têm, como foco, uma comunidade que ocupe determinado
território, buscando todas as nuances: história, memória e patrimônios. Preocupa-
se, também, com a situação da comunidade no presente, e funciona como um
mecanismo para traçar um futuro melhor.

165
AUTOATIVIDADE
1 A Nova Museologia modificou as estruturas do museu tradicional, marcada pela
edificação, pelo acervo e por um público visitante. Nos ecomuseus e nos museus
comunitários, vamos ter: um ___________, um ____________ e uma
_____________.

Assinale a alternativa que melhor se encaixa na frase:


a) ( ) local, sentimento, sociedade.
b) ( ) território, patrimônio, comunidade.
c) ( ) espaço, equipamento tecnológico, coleção.
d) ( ) território, patrimônio, história.

2 Marque V para verdadeiro e F para falso nas seguintes sentenças:

( ) O Écomusée du Creusot Montceau-les-Mines foi o primeiro ecomuseu da segunda


geração de ecomuseus, inaugurado na França.
( ) A Nova Museologia não buscava romper com os padrões dos museus tidos como
tradicionais.

3 Relacione cada Declaração à respectiva contribuição:

1- Declaração de Santiago do Chile


2- Declaração de Quebec
3- Declaração de Caracas

( ) sistematizou os princípios básicos da Nova Museologia.


( ) avaliou todo o processo de construção da Nova Museologia.
( ) Introduziu o conceito de museu integral.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) 3 - 2 - 1
b) ( ) 2 - 1 - 3
c) ( ) 1 - 3 - 2
d) ( ) 2 - 3 – 1.

4 Explique, com as suas palavras, por que Hughes de Varine aponta os museus
comunitários e os ecomuseus como sendo “processos”.

5 Disserte acerca da diferença entre museus comunitários e ecomuseus, dando, como


exemplo, um museu comunitário e um ecomuseu brasileiro, que foram vistos no
decorrer da unidade.

166
UNIDADE 3 TÓPICO 3 —
A RENOVAÇÃO MUSEAL

1 INTRODUÇÃO
Atualmente, vivemos em um contexto sociocultural altamente influenciado
pelas tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDICS), e isso se reflete
em todos os campos da sociedade, e na área da cultura não seria diferente. É natural
esperar que os museus busquem por alguma maneira de reformular as exposições, os
sistemas e a forma de comunicação, mas sem perder a essência de ser museu.

Museus, como você já viu, são conceituados, pelo Comitê Internacional de


Museus (ICOM), como uma

instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade


e do desenvolvimento, aberto ao público, que adquire, conserva,
estuda, expõe e transmite os patrimônios material e imaterial da
humanidade e do meio, com fins de estudo, educação e deleite
(DESVALLÉES, MAIRESSE, 2013, p. 64).

Embora já exista uma nova definição em curso, esta ainda não foi definida,
como mencionamos no Tópico 3 da Unidade 2. Nesse sentido, o ICOM desenvolveu uma
metodologia a fim de buscar a maior e a melhor definição para os museus ao redor do
mundo. Essa metodologia consiste em abrir um processo de consulta disponível para
os membros do Comitê, solicitando que cada membro sugira palavras e conceitos essenciais
para os museus. Esse processo já começou em dezembro de 2020, e está previsto para
ser encerrado em agosto de 2022, na próxima Assembleia Geral Extraordinária do ICOM,
em Praga, na República Tcheca, onde ocorrerá a votação final do novo conceito.

É importante dar uma breve olhada para o passado antes de se atentar ao


futuro: a primeira definição de museu foi cunhada em 1974, e determina que

o museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço


da sociedade e do desenvolvimento, aberto ao público, e que realiza
pesquisas dos testemunhos materiais do homem e do meio, que
ele adquire, conserva, investiga, comunica e expõe, com fins de
estudo, educação e deleite (ESTATUTOS DE 1974 apud DESVALLÉES;
MAIRESSE, 2013, p. 64).

167
Perceba que ela não se diferencia muito da versão de 2007, com exceção de
algumas nuances no texto, mantendo a mesma linha de pensamento. A definição original
perdurou por mais de 30 anos, e a segunda está sendo revista em 15 anos. Diversas
razões podem contribuir para esse panorama de temporalidade, como a evolução super
rápida da tecnologia ou as mudanças provenientes de discussões sociais, visando
à representatividade das minorias em espaços públicos, além das necessidades
financeiras que as instituições têm enfrentado ou da necessidade de captação de novos
públicos que buscam diferentes dinâmicas e estímulos.

A questão mais importante, nesse contexto de atualizações, é que os museus


devem ser locais de representatividade das sociedades, logo, é justo que sintam a
necessidade de acompanhar as mudanças às quais somos submetidos cotidianamente.
Essas instituições salvaguardam as narrativas sociais, a fim de possibilitar reflexões
que nos permitam construir um futuro mais próspero e harmonioso, buscando evitar o
inevitável movimento cíclico da história.

As inovações e as renovações, às quais a museologia tem se submetido, e,


por consequência, museus, têm influência muito forte e direta nas necessidades de
tecnologia e de automação dos espaços museais. A interação quase invasiva, que
mantemos com nossos dispositivos digitais no dia a dia, já é um contexto relevante
para ser considerado nas experiências museais através do mundo. Assim, é necessário
que essa pauta seja discutida em todos os ambientes, especialmente, no acadêmico.

Caro estudante, agora, trataremos das inovações e das renovações no campo


museal: as teorias, as práticas, a entrada dos museus no meio virtual e todas as outras
dinâmicas que se colocam no contemporâneo para a Museologia e os museus. A
pandemia do Coronavírus, em 2020, colocou em foco as falhas e as necessidades da
atuação dos museus na internet, visto que, com os lockdowns promovidos através do
país, foi necessário utilizar as ferramentas online para manter o contato com os públicos,
fortalecendo uma discussão que já vinha acontecendo em eventos e nos cursos de
Museologia, graduação e pós-graduação, por todo o Brasil.

2 OS MUSEUS NO ÂMBITO VIRTUAL


A virtualização das nossas experiências culturais e cotidianas nos levou a discutir
o cenário museológico. A entrada dos museus e das instituições culturais no campo
virtual não caracteriza um movimento necessariamente novo, ao contrário, retoma
períodos da década de 1990 e aparece de diferentes formas, desde o desenvolvimento
de websites de museus, passando por sistemas de documentação, exposições virtuais
até chegar nas mais inovadoras propostas, como museus exclusivamente virtuais e uso
de tecnologias digitais em museus físicos.

168
Pensar em museus no campo virtual acende rapidamente uma luz vermelha
nas nossas cabeças. Isso acontece porque é comum que façamos uma analogia entre
a realidade e a virtualidade, como se fossem conceitos antagônicos. Lévy (1996, p. 15)
explica que, “[...] no uso corrente, a palavra virtual é empregada com frequência para
significar a pura e simples ausência de existência, a “realidade”, supondo uma efetuação
material, uma presença tangível”. Nesse sentido, o uso do termo virtual acabaria por
contrapor a principal base das comunicações museológicas: a realidade. No entanto,
o autor também contrapõe essa possibilidade, afirmando que a virtualidade não é uma
oposição à realidade, mas à atualidade.

Já o virtual não se opõe ao real, mas ao atual. Contrariamente ao


possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo
problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma
situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer,
e que chama um processo de resolução: a atualização (LÉVY, 1996,
p. 16).

Portanto, o conceito de virtual sugere uma forma de ser, que ainda não é, mas tem
potência. Seguindo esse conceito, Lévy (1996, p. 18) disserta a respeito da virtualização,
conceituando-a como uma dinâmica que “[...] consiste em uma passagem do atual ao
virtual, em uma “elevação, à potência”, da entidade considerada. A virtualização não é
uma desrealização [...], mas uma mutação de identidade”, e exemplifica:

Tomemos o caso, muito contemporâneo, da “virtualização” de uma


empresa. A organização clássica reúne os empregados no mesmo
prédio ou em um conjunto de departamentos. Cada empregado
ocupa um posto de trabalho precisamente situado e o livro de
ponto especifica os horários de trabalho. Uma empresa virtual, em
troca, serve-se, principalmente, de teletrabalho; tende a substituir
a presença física dos empregados, nos mesmos locais, pela
participação em uma rede de comunicação eletrônica e pelo uso
de recursos e de programas que favoreçam a cooperação. Assim,
a virtualização da empresa consiste em fazer, das coordenadas
espaço-temporais do trabalho, um problema sempre repensado, e
não uma solução estável (LÉVY, 1996, p. 18).

A virtualização serve como uma maneira de retomar uma solução e de repensar,


como um problema a ser constantemente resolvido de diferentes formas. No contexto
museológico, podemos refletir, também, que a virtualização dos museus, independen-
temente da forma, corresponde a uma constante reavaliação das atividades pertinentes
às funções que são descritas na definição conceitual atual ou futura do ICOM.

169
DICA
Super atual essa citação do Lévy, não é?! Até parece que foi
escrita em 2020. Esse exemplo nos mostra que a busca pela
virtualização, na prática, é uma constante atualização e reparação
de problemas que surgem no caminho. Pierre Lévy é um dos
autores mais importantes no contexto dos estudos da tecnologia,
da virtualidade e dos processos que se desenvolvem nesse
campo, por isso, ele deve aparecer aqui diversas vezes. Se você
quiser conhecer mais a produção do autor, seguem algumas
obras que você pode ler: As Tecnologias da Inteligência (1992), O
que é Virtual? (1996) e Cibercultura (1999).

Além disso, essa constante revisão das problemáticas museológicas, se anali-


sadas pela lente do conceito de virtualização, leva-nos, inevitavelmente, à perspectiva
de que as adaptações aos meios digitais e tecnológicos correspondem à necessidade
de (re) problematizar como estamos fazendo museus. Nesse sentido, a digitalização é
um meio possível da virtualização. Esse movimento é resultado de um processo cultural
adequado ao que vivemos atualmente, permeado por dispositivos digitais, gerando uma
cultura digital, que, para Oliveira (2017), é, também, uma cultura de acesso.

Um conceito adequado a essa forma de cultura é o de cibercultura, que define


esse período como um novo formato de cultura, que surge a partir do meio tecnológico,
reunindo um grupo de técnicas, sejam elas materiais ou intelectuais, e de práticas,
atitudes, modos de pensamento e valores que vão se desenvolvendo com o ciberespaço
(ROSA, 2017 apud LÉVY, 2010). O ciberespaço, por sua vez, é o lugar no qual essa cultura
se estabelece, nesse sentido,

[...] é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial


dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura
material da comunicação digital, mas, também, o universo oceânico
de informações, assim como os seres humanos que navegam e
alimentam esse universo (LÉVY, 2010, p. 17).

Se estamos inseridos no ciberespaço, cotidianamente, por que não considerar


que os museus e a Museologia também correspondam a essa demanda? Assim, novos
conceitos foram surgindo e sendo estudados no campo.

[...] A Cibermuseologia vem se legitimando como uma área ampla


da Museologia, abarcando desde profissionais de museus voltados
para a prática até museólogos que pensam nesse ramo da disciplina
filosoficamente. O objeto de estudo da Cibermuseologia é diverso
e se encontra em processo de expansão. A Cibermuseologia se vê,
atualmente, interligada ao paradigma da participação adotado no
campo museal, envolvendo, desde sempre, a contação de histórias

170
em formato digital, até o uso das mídias sociais e da virtualização
dos museus (LESHCHENKO, 2015, p. 240 apud MAGALDI; BRULON;
SANCHES, 2018, p. 137).

A virtualização dos museus traz algumas questões que ainda estão em


discussão e em adaptação, principalmente, a “desmaterialização” dessas instituições
e da própria realidade. Os museus, hoje, correspondem a uma concepção de consumo
que é constantemente permeada pela tecnologia e pelos dispositivos digitais.

Com efeito, não precisamos mais sair da frente dos nossos


computadores pessoais para visitar um museu, visto que as
transformações citadas levaram muitas instituições a se virtualizarem
e muitas instituições novas a preferirem, unicamente, a forma virtual
ou eletrônica. A visita ‘tradicional’ também se vê alterada entre a
linguagem dos QR codes, que fazem a mediação entre os visitantes e
a exposição, e a curadoria digital e participativa, que pode anteceder a
realização. Assim, os aparatos tecnológicos permitiram a inserção do
visitante nos processos de musealização. Mais do que, simplesmente,
receber um produto, o visitante pode participar, de maneira íntima,
virtualmente, de todos os estágios da musealização, desde a gestão
dos recursos, por meio dos mecanismos de crowdsourcing, até a
divulgação do resultado final, através do uso das mídias sociais
(MAGALDI; BRULON; SANCHES, 2018, p. 137).

Assim, entende-se que a Cibermuseologia expande as possibilidades de


interação e de compreensão que os públicos têm nas exposições de museu, pois trata
da “dimensão digital dos museus” (LESHCHENKO, 2015, p. 237 apud MAGALDI; BRULON;
SANCHES, 2018, p. 138), influenciando, portanto, nas experiências museais, dando mais
autonomia ao indivíduo.

O movimento, muito antes de ser nomeado cibercultura, já acontecia e já era


discutido. Desde a década de 1990, quando o uso dos computadores pessoais começou
a se popularizar, assim como o acesso à internet, os museus e as instituições de cunho
cultural passaram a se informatizar. Henriques (2004) apresenta uma classificação de
websites que, feita em 1996, hoje, parece incipiente e pouco relevante, contudo, mostra
que a observação desse fenômeno de entrada, no campo da virtualidade, pelos museus,
já vem de muitos anos.

A autora se baseou na classificação básica de websites de museu, feita por


Maria Piacente, como veremos a seguir, com reflexos da pesquisa de Henriques (2004):

• Folheto eletrônico: tem, como objetivo, apresentar o museu, e funciona como uma
ferramenta de comunicação e de marketing. Costuma exibir o histórico da institui-
ção, as informações de funcionamento, a complexidade. A elaboração depende dos
recursos disponíveis no museu, mas é o mais comum.

171
• Museu no mundo virtual: tem informações mais elaboradas, pode oferecer visitas
virtuais, acesso à base de dados do acervo, disponibilizando informações de objetos
que não estejam em exposição ou que sejam pouco explorados no contexto físico.
• Museus realmente interativos: o website tem relação direta com o museu físico, mas
inclui outras atividades de interatividade no ambiente virtual. Apresenta opções e
aprofunda conceitos, que podem ser encontrados na exposição, portanto, o site
funciona como um complemento ao museu físico. A autora usa, como exemplo,
o website do Museu de Ciência e Tecnologia da PUC/RS (Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul).

ATENÇÃO
Veja bem, caro estudante, a pesquisa de Henriques foi realizada em
2004, e, a classificação de Piacente, em 1996, portanto, é natural que
esses conceitos já tenham evoluído consideravelmente, visto que já
estamos na segunda década dos anos 2000 e nossas tecnologias
não correspondem mais às mesmas que estavam disponíveis na
época das autoras. Nesse caso, para os exemplos a seguir, atente-
se, justamente, às possibilidades que cada uma dessas classificações
acaba abrangendo no contexto atual.

Embora a classificação de Piacente, trazida por Henriques (2004), possa ter


sofrido alguma defasagem, em função da evolução das tecnologias e dos formatos
de website, ainda podemos exemplificar algumas instituições que correspondem à
formulação inicial. Para exemplificar o primeiro caso, o folheto eletrônico, podemos
trazer o website do Museu Julio de Castilhos, museu do Estado do Rio Grande do Sul:

FIGURA 13 – SITE DO MUSEU JULIO DE CASTILHOS

FONTE: O autor

172
FIGURA 14 – POST DO SITE DO MUSEU JULIO DE CASTILHOS

FONTE: O autor

Você pode notar que o site da instituição é um blog, portanto, pressupõe mais
interação com o público. Ainda assim, acaba atuando como um veículo exclusivo de
informação e de comunicação das ações já realizadas na instituição. Torna-se parte
da publicização das pesquisas e das atividades do museu, mas não promove interação
com o público e não permite contribuição do público no conteúdo do espaço.

A segunda classificação, museu no mundo virtual, pode ser exemplificada pelo


site do Museu Histórico Nacional (MHN). O website do MHN correspondesse à primeira
classificação, de folheto eletrônico, contudo, após atualizações e, principalmente, após
a parceria promovida entre o Google Arts & Culture e o Instituto Brasileiro de Museus
(IBRAM), que tornaram disponíveis em meio digital, os acervos dos museus são geridos
pelo órgão, e o site se encaixou em uma nova categoria:

FIGURA 15 – WEBSITE DO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL

FONTE: O autor

173
FIGURA 16 - SITE DO MUSEU APRESENTA A PROGRAMAÇÃO DA INSTITUIÇÃO

FONTE: O autor

Perceba que o site é simples. Recebe o visitante com uma página de boas-
vindas, apresenta a programação, as exposições abertas, mas o diferencial aparece
quando fornece informações do acervo, além do link de acesso ao repositório digital,
no qual os acervos estão disponíveis para as pesquisas online. Além disso, o museu
construiu, nessa parceria com o Google Arts & Culture, uma série de exposições on-line,
que conta com as imagens e as informações do acervo, e com recursos oferecidos pela
plataforma Google, como o Street View e outros:

FIGURA 17 – INFORMAÇÃO DO ACERVO MHN

FONTE: O autor

174
FIGURA 18 – REPOSITÓRIO DIGITAL TAINACAN - MUSEU HISTÓRICO NACIONAL

FONTE: O autor

FIGURA 19 – ESPAÇO DO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL NO GOOGLE ARTS & CULTURE

FONTE: O autor

175
FIGURA 20 – EXPOSIÇÃO ON-LINE QUE CONTA COM IMAGEM DO ACERVO E ACESSO AO RECURSO GOOGLE
STREET VIEW COMO COMPLEMENTO À EXPOSIÇÃO DAS OBRAS

FONTE: O autor

FIGURA 21 – RECURSO STREET VIEW DO GOOGLE, UTILIZADO NA EXPOSIÇÃO ON-LINE DO MHN

FONTE: O autor

A terceira classificação, museu realmente interativo, presume um site que


ofereça, ao visitante, novas experiências, não necessariamente uma extensão do
museu físico, mas uma outra proposta. Henriques (2004) sugere, como exemplo, o site
do Museu de Ciência e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (Museu da PUC/RS). O site da instituição fornece diversos conteúdos ao público,
como vídeos explicativos, jogos de conhecimento, passo a passo de experiências, tudo
isso reunido em uma aba denominada de “Experiências On-line”.

176
FIGURA 22 – EXPERIÊNCIAS ON-LINE, OFERECIDAS NO SITE DO MUSEU DA PUC/RS

FONTE: O autor

Conforme Henriques (2004), esse último modelo pode ser considerado um


museu virtual, e não um site, justamente em função da interatividade proposta. A
grande questão acerca dessa modalidade de museu é que ainda não há um consenso
a respeito da nomenclatura, assim, é quase impossível que determinemos um termo
específico para esses museus, ou, ainda, o que realmente é um museu virtual. Para
que você possa ter uma ideia, do que se discute acerca da definição de museu virtual,
atente-se ao exposto a seguir:

QUADRO 2 – DEFINIÇÕES DE MUSEU VIRTUAL

Autor Ano Concepções de Museu Virtual

Glen Hoptman 1992 Conexão entre várias mídias, múltiplas perspectivas


Sergio Talens e
1997 Uma réplica do museu físico
José Hernandez
Jamieson Uma coleção eletronicamente organizada de artefatos (pinturas,
1997
Mckenzie fotografias etc.)
Um meio que oferece, ao utilizador, fácil acesso aos objetos do
Artur Colorado 1997
museu
Werner Meios para estabelecer o acesso, o contexto, usando a
1998
Schweibenz tecnologia da informação
Trata-se de um ‘outro museu’, de um museu virtual em paralelo
Antonio Battro 1999
com o real, do complemento no ciberespaço, com vida própria
Indica o campo da problemática museal, isto é, o processo de
Bernard Deloche 2001
descontextualização/recontextualização do museu

FONTE: Henriques (2004, p. 65)

177
Interessante, não é?! Os autores propõem diferentes perspectivas para um
museu virtual, desde a possibilidade de ser uma réplica do museu físico até uma
instituição que só exista no meio virtual, tornando-se independente de qualquer outra
no meio físico. Nesse sentido, pesquisas estão sendo realizadas para tentar classificar e
organizar esses fenômenos:

As Categorias A, B e C receberam designações que refletem o formato


de elaboração, de apresentação dos museus. Por conseguinte:
Categoria A - referente ao Museu e à Coleção sem correspondentes
no mundo físico, foi nomeado de Museu Virtual Original Digital;
Categoria B - indicando o Museu e a Coleção com correspondentes
no mundo físico, foi denominado de Museu Virtual Conversão
Digital; Categoria C – representando o Museu sem correspondente
no mundo físico e a Coleção convertida digitalmente, foi designado
Museu Virtual Composição Mista (LIMA, 2009).

Nesse sentido, o conceito de museu virtual se mantém, mas se divide em


categorias que se adequam às ações específicas de cada instituição. Seguem alguns
exemplares para cada categoria:

QUADRO 3 – EXEMPLOS DE MUSEUS VIRTUAIS

MUSEU VIRTUAL PAÍS LINK

ORIGINAL Museu da Pessoa Brasil http://www.museudapessoa.net/


DIGITAL
(Categoria A)
Musée de la Personne França http://www.museedelapersonne.ca/
MAC Virtual: Museu de
Arte Contemporânea da
CONVERSÃO Brasil http://143.107.32.23/mac/
Universidade de
DIGITAL São Paulo
(Categoria B)
Virtual Smithsonian: Estados
http://2k.si.edu/2k/node_rotunda/
Smithsonian Institutuion Unidos
Museu Virtual da Faculdade
COMPOSIÇÃO Brasil http://www.museuvirtual.medicina/
de Medicina da UFRJ
MISTA
(Categoria C) Virtual Museum of the
Bélgica http://www.mineralogy.be/links
History of Mineralogy

FONTE: O autor

Ainda não chegamos ao consenso necessário para denominar o museu virtual,


ou, ainda, os museus no meio virtual, de forma definitiva, mas podemos perceber que
estamos evoluindo. Assim, a seguir, conversaremos, rapidamente, a respeito desse
novo panorama de atuação da Cibermuseologia, como estamos nos posicionando no
ciberespaço em função, principalmente, após a pandemia do Coronavírus, em 2020,
que fez com que as instituições e as pessoas adotassem um comportamento altamente
virtualizado e digital.

178
3 O FUTURO DA MUSEOLOGIA
Estamos chegando ao fim dos estudos. O caminho que você percorreu até aqui
começou na Grécia antiga, e acompanhou o desenvolvimento dos museus através da
história. Você viu a era do Iluminismo, o colecionismo dos nobres, até chegarmos ao
universo do digital. Saiba que, como museólogo, será seu trabalho propor exposições
que, olhando para o passado, buscam refletir o futuro. Portanto, agora, refletiremos,
brevemente, a respeito do futuro da Museologia e dos museus em um cenário particular
do século XXI.

Como você também já viu no tópico anterior, o ICOM está promovendo uma
atualização da definição do conceito de museu que, até a produção deste material, não
estava finalizada. No entanto, esse processo começou em meados de 2017/2018, antes
de passarmos pela pandemia, causada pelo Coronavírus, que fez com que optássemos
pelo distanciamento social e passássemos a cumprir, com as nossas necessidades,
exclusivamente, via internet e meios digitais.

ATENÇÃO
É importante que fiquemos atentos para o fato de que nem a iniciativa
para buscar uma nova definição e nem a pandemia em si garantem
que as ações museológicas digitais e que acontecem no meio virtual
devem estar contempladas nessa nova definição de museu. Existe uma
expectativa em função do cenário comunicacional atual, no qual somos
constantemente mediados pela tecnologia, mas nenhuma garantia.

A nova definição está sendo construída exclusivamente via meio digital. O


ICOM disponibilizou um documento informativo com as etapas do processo, as quais
serão todas realizadas por uma plataforma online somente para os membros inscritos.
O processo tem previsão de ser encerrado em 2022. Até lá, temos inúmeras ações
museológicas que podemos avaliar e que nos permitem refletir a respeito do futuro da
Museologia no ciberespaço, ou seja, do futuro da Cibermuseologia.

Durante a pandemia do Coronavírus, muitos novos, autodenominados museus,


surgiram nas redes sociais, assim, espera-se que a discussão acerca da nomenclatura
dessas manifestações seja afetada por esse movimento.

3.1 A CRIAÇÃO DE MUSEUS NAS MÍDIAS SOCIAIS


Nesse período de pandemia, que iniciou em março de 2020, muitas iniciativas
de memória foram criadas e cresceram nos meios virtuais, principalmente, nas mídias
sociais. Algumas delas ficaram bem conhecidas, como o Covid Art Museum e o Memorial
Inumeráveis:

179
FIGURA 23 – PERFIL DO COVID ART MUSEUM NO INSTAGRAM

FONTE: O autor

O perfil do Covid Art Museum se autodenomina museu, e o acervo é construído


a partir de intervenções artísticas enviadas por seguidores. A maioria das obras remete
ou é relativa ao período da quarentena, da pandemia e em relação às indicações de
prevenção à COVID-19 sugeridas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

FIGURA 24 – FEED DO COVID ART MUSEUM NO INSTAGRAM

FONTE: O autor

180
FIGURA 25 – OBRA EXPOSTA NO FIGURA 26 – OBRA EXPOSTA NO
COVID ART MUSEUM COVID ART MUSEUM

FONTE: O autor FONTE: O autor

FIGURA 27 – OBRA EXPOSTA NO COVID ART MUSEUM

FONTE: O autor

O Memorial Inumeráveis é uma iniciativa brasileira que nasceu com o objetivo


de relembrar as vítimas da COVID-19 no Brasil. A ideia é de que, através das memórias
de familiares e de amigos, as pessoas que faleceram em função da doença sejam
lembradas pelos nomes, histórias e personalidades, não apenas como um número no
meio de tantos.

181
FIGURA 28 – PERFIL DO MEMORIAL INUMERÁVEIS NO INSTAGRAM

FONTE: O autor

FIGURA 29 – FEED DO MEMORIAL FIGURA 30 – RELATO QUE COMPÕE O ACERVO DO


INUMERÁVEIS NO INSTAGRAM MEMORIAL INUMERÁVEIS NO INSTAGRAM

FONTE: O autor FONTE: O autor

182
Podemos perceber que, especialmente, nesses dois casos, existe uma vontade
de registrar a história desse período, e as mídias sociais acabam se aproximando dos
lugares de memória. Para Nora (1993 apud OLIVEIRA, 2017), existe uma “vontade de
memória”, uma “intenção de memória”. É possível que as mídias sociais também se
aproximem das questões de memória social, como os lugares de memória, visto que
são construídas em grupo.

Ao reconhecermos a proposição de Gondar (2005), de que a memória


social compõe sempre um caráter ético e político, a memória
coletivizada, eletiva e trabalhada nos lugares de memória tem papel
essencial nas dinâmicas sociais em que a memória de alguns se
sobrepõe à memória de outros. Os lugares de memória funcionam
como poderosos sociotransmissores, que encadeiam os três níveis
taxonômicos da proposta de Candau (2005, 2012) [...] e promovem
a conexão entre as memórias dos indivíduos, potencializando a
metamemória coletiva, a memória partilhada (OLIVEIRA, 2017, p. 45).

Portanto, é possível que nós vislumbremos um futuro para os estudos da


Cibermuseologia, que pensemos na construção de memórias sociais através das mídias
sociais, como o Facebook e o Instagram. Trabalhos como esse já começaram a ser
desenvolvidos, mas, acredita-se que, a partir de agora, estejamos ainda mais imersos
nesse contexto, a fim de compreender os novos fenômenos da Museologia no campo
do virtual.

Muitas possibilidades estão a nossa frente, no futuro da Museologia e da


Cibermuseologia, e você fará parte desse futuro. Estamos chegando ao fim dos nossos
estudos acerca da história dos Museus com uma perspectiva de criarmos, juntos, novas
oportunidades para a área e para os profissionais. Esperamos você no futuro!

183
LEITURA
COMPLEMENTAR
HUGUES DE VARINE E OS MUSEUS COMUNITÁRIOS NO BRASIL

Roberto Fernandes dos Santos Junior


Clovis Carvalho Britto

Hugues de Varine é um dos principais nomes da Museologia. Nascido em 1935, na


França, é graduado e pós-graduado em História. Foi membro do Conselho Internacional
de Museus (ICOM), assumindo a Vice-Diretoria e, posteriormente, a Direção Geral. Sua
produção teórica e suas contribuições na implantação de museus comunitários em
diversos países são fundamentais para repensar as configurações dos museus, dos
patrimônios e da Museologia. Integrou o Ecomuseu de Creusot-Montceau, na França,
projeto ecomuseológico pioneiro. É membro do Movimento Internacional para uma Nova
Museologia (MINOM) e, atualmente, realiza atividades como consultor internacional em
patrimônio e em desenvolvimento comunitários.

A trajetória de Varine resume momentos significativos da memória do pensa-


mento museológico contemporâneo. No caso brasileiro, sua atuação merece ser revi-
sitada, demonstrando como imprimiu transformações nos museus e na Museologia ao
longo do século XX e impacta os campos da Museologia e do Patrimônio em discussões
teóricas e em projetos de intervenção. O seu contato com Paulo Freire, a sua aproxima-
ção com museólogos e profissionais do campo do Patrimônio em diversos Estados do
Brasil, suas ações de consultoria na criação de museus comunitários, na organização
de encontros e de espaços de reflexão respeito de diferentes processos da Museologia
Comunitária podem ser visualizados em publicações de artigos, livros e entrevistas que
impactaram e impactam um conjunto heterogêneo de iniciativas do que, em Portugal,
é entendido como Sociomuseologia, e, no Brasil, designa-se como Museologia Social.

No Brasil, são, constantemente, citados dois livros da sua autoria: O Tempo


Social, lançado em 1987, traduzido por Fernanda Camargo-Moro e Lourdes Rego Novaes,
e Raízes do Futuro: O Patrimônio a Serviço do Desenvolvimento Local, publicado em 2012,
com tradução de Maria de Lourdes Parreiras Horta. Ainda em 1979, seu pensamento foi
amplamente difundido por meio da entrevista publicada no livro Os Museus no Mundo,
integrante da coleção Grandes Temas, da Biblioteca Salvat. Segundo Mario Chagas e Inês
Gouveia, tornou-se uma referência fundamental e obrigatória, em um documento de
grande importância para a formação de uma nova geração de museólogos, educadores,
historiadores, antropólogos e outros profissionais interessados no mundo dos museus.

184
Algumas pistas da relação de Hugues de Varine com a Museologia e os museus
comunitários brasileiros podem ser evidenciadas, por exemplo, nos textos de Odalice
Priosti, Maria de Lourdes Parreiras Horta e Roberto Fernandos dos Santos Junior, e na
entrevista que concedeu para o museólogo Mario Chagas.

A entrevista, agora publicada, na Revista Museologia e Interdisciplinaridade,


pretende integrar esse conjunto, e foi realizada por escrito em 22 de janeiro de 2017,
pelo museólogo Roberto Fernandes dos Santos Junior. As respostas em francês foram
traduzidas pelo pesquisador Clovis Carvalho Britto, que também supervisionou a
elaboração das questões.

As respostas de Varine estimularam Roberto Fernandes a elaborar a dissertação


Por Uma “Museologia da Libertação”: Impactos do Pensamento de Hugues de Varine
no Campo Museal Brasileiro, a ser defendida no início de 2019, no Mestrado em
Museologia da Universidade Federal da Bahia. A entrevista ocorreu quando Hugues
de Varine escrevia L’écomusée singulier et pluriel: un témoignage sur cinquante ans
de muséologie communautaire dans le monde, livro em que o autor dedicou um dos
capítulos para explicitar aspectos da sua relação com a Museologia, o patrimônio e a
educação no Brasil.

Fica o estímulo para que novos desdobramentos ocorram em torno do


pensamento-ação de Varine, personagem que, assim como a concepção de ecomuseu,
é singular por ser plural. No que tange aos termos e aos conceitos da Nova Museologia,
qual a diferença entre Ecomuseologia e Sociomuseologia?

H. V. - A Nova Museologia é um movimento de contestação da Museologia tradicional e


de experimentação de novas formas de museus que valorizem o lugar dos museus na
sociedade e novos modos de gestão de coleções.

É o fruto de transformações mais ou menos espontâneas que ocorreram nos anos 70


do século passado (Conferência do Conselho Internacional de Museus de Grenoble,
Mesa Redonda de Santiago, primeiros museus de territórios ou ecomuseus etc.). Muito
tem sido falado da Nova Museologia, mas ela não tem sido teorizada, tornando-se
uma prática e um ideal. Pode ser aplicada para a transformação interna dos museus
tradicionais e para a criação de novos museus.
A Ecomuseologia é uma palavra, também não codificada, que abrange uma série
de práticas de gestão do patrimônio por uma comunidade em um território. Essas
práticas são conhecidas por diversos nomes: ecomuseus propriamente ditos, museus
comunitários, museus locais. Assumem formas mais ou menos experimentais,
inventando modos de ação e de educação patrimonial relacionados aos territórios
culturais, sociais, ambientais e econômicos. Não é respaldada em modelos, até porque
não existem dois museus comunitários ou ecomuseus semelhantes: cada projeto, cada

185
realização é única, porque cada comunidade, cada patrimônio e território são únicos.
A Sociomuseologia é uma disciplina acadêmica, de origem luso-brasileira, que tenta
definir, cientificamente, os fenômenos e os conceitos da Nova Museologia e da
Ecomuseologia. Analisa as experiências, visando observar as características comuns.

RFSJ: O que viria a ser a “Museologia da Libertação” em aspectos teóricos e práticos?

H. V.: Em 1971, quando eu estava preparando a Mesa Redonda de Santiago, eu


integrava, como militante e cidadão, uma ONG, chamada de Instituto Ecumênico para o
Desenvolvimento dos Povos (INODEP), cujo presidente foi Paulo Freire, então, no exílio,
no Conselho Ecumênico de Igrejas, em Genebra. Eu perguntei a Paulo se ele aceitava
ser o principal orador em Santiago, em 1972, e ele aceitou imediatamente trabalhar
para adaptar as ideias acerca da educação libertária, da conscientização etc. para os
museus, mas o governo brasileiro se recusou a deixá-lo ir para Santiago em uma missão
da UNESCO. A partir desse momento, enquanto eu considerava Paulo Freire como meu
mestre, comecei a refletir a respeito de um museu inspirado nas suas ideias. Mais tarde,
na década de 90, quando comecei a ir regularmente ao Brasil, comecei a discutir as
propostas de Paulo Freire com os colegas brasileiros. Eu também revi Paulo em São Paulo,
em 1992. Depois, Odalice Priosti, quando ela fez o doutorado na Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro, dedicou um capítulo inteiro da sua tese à "Museologia
da Libertação". Atualmente, o trabalho de Nadia Helena Almeida, no Ecomuseu de
Maranguape (CE), vai na mesma direção, com os conceitos de cidade educadora e de
rede de internet. (Ver https://www.facebook.com/aredejuntos/?ref=ts&fref=ts e http://
cidadeseducadoras.org.br/metodologias/como-criar-um-museu-comunitario/.
Eu creio que podemos dizer que, no Brasil, particularmente, a concepção de museu
comunitário e o papel no desenvolvimento correspondem bem às ideias de Paulo Freire.
Da mesma forma, a crítica da "educação bancária" pode, facilmente, ser aplicada a
uma Museologia que promova o património "sem terra", desconectado da sociedade
e da cultura vibrante, mas se muito se fala do diálogo de Paulo Freire e dos museus
brasileiros, com exceção de Odalice. Creio que não existiram pesquisas ou publicações
que focaram, claramente, em uma “Museologia da Libertação”.

RFSJ: Existem especificidades entre os ecomuseus latino-americanos e brasileiros?

H. V.: Não podemos dizer que há ecomuseus brasileiros ou latino-americanos. Existe,


na América Latina e no Brasil, um grande número de museus comunitários, alguns
dos quais levam o nome de ecomuseu, devido aos fundadores. Em termos brasileiros,
os ecomuseus, museus de favelas, os museus indígenas, muitos pontos de memória,
alguns terreiros e certas comunidades afro são museus comunitários. Muitas vezes,
o termo ecomuseu é escolhido para se distinguir do museu tradicional e destacar,
claramente, a relação com o território, a comunidade, a globalização do património vivo
(natural e cultural, material e imaterial) etc. No México, existe uma grande quantidade
de "museus comunitários", mas poucos ecomuseus. A União dos Museus Comunitários
da América os reconhece, eu creio, como ecomuseus, mas os membros os denominam,

186
frequentemente, de “museus comunitários”. Ver http:// www.museoscomunitarios.
org. O único país onde os ecomuseus possuem um “rótulo” oficial é na Itália, onde as
12 regiões adotaram "leis de ecomuseus” e estabeleceram critérios para a aprovação
de tais ecomuseus, métodos de avaliação, redes regionais etc. Na China, os poucos
ecomuseus se tornaram modelos para as "novas cidades". O mesmo ocorreu na Coréia.
Por isso, o fórum organizado em Milão, em julho passado, para os ecomuseus italianos,
abarcou "os ecomuseus e os museus comunitários”.

RFSJ: Quando foi iniciado o seu trabalho de consultor em desenvolvimento?

H. V.: Eu comecei a trabalhar em 1975, em uma agência de desenvolvimento público,


em um pequeno distrito ao norte de Paris. Em seguida, em 1985, trabalhei para o
desenvolvimento das zonas de habitação social na França e, em 1990, criei a minha
empresa de consultoria em desenvolvimentos local e comunitário (ASDIC) com a qual
eu trabalhei na França e no estrangeiro (especialmente, em Portugal e no Brasil). Cuidei,
em especial, dos auxílios, para a criação de empresas e de empregos, inclusão social
e projetos de desenvolvimentos econômico, cultural e social. Eu possuía uma equipe
de cinco a sete pessoas e a sede era na minha cidade, na Borgonha. Em seguida, em
2000, eu continuei free lance e trabalhei, principalmente, em missões dos patrimônios
e dos ecomuseus, no Brasil e na Itália. Finalizei a atividade profissional em 2013 e, desde
esse momento, estou me dedicando ao ensino e ao acompanhamento de projetos,
voluntários e gratuitos, especialmente, na Itália.

RFSJ: Como se deu o seu envolvimento com o Brasil?

H. V.: Tudo começou em 1987, quando Fernanda Camargo Moro, que eu tinha conhecido
quando eu dirigia o Conselho Internacional de Museus, traduziu e publicou, em português,
o meu livro O Tempo Social (Editora Eça - em francês, L'initiative Communautaire).
Depois, eu participei, em 1992, da primeira reunião internacional de ecomuseus no
Rio de Janeiro, também organizada por Fernanda. Fui, diversas vezes, para Itaipu,
Rio Grande do Sul e Petrópolis (com Maria de Lourdes Parreiras Horta, que dirigia a
equipe do Museu Imperial). Em 2001 e 2004, participei ativamente do segundo e do
terceiro Encontro Internacional de Ecomuseus e Museus Comunitários (II e III EIEMC), no
ecomuseu de Santa Cruz. Eu creio que duas razões expliquem o meu envolvimento com
o Brasil: eu poderia falar do relacionamento dos museus com o desenvolvimento local,
graças ao meu passado no Conselho Internacional de Museus, e da minha profissão
de agente de desenvolvimento; e, também, eu poderia falar um pouco de português,
que eu aprendi em quase três anos em Portugal (1982-1984), como diretor do Instituto
Franco-Português, em Lisboa. Eu poderia, assim, acompanhar projetos de campo, com
um olhar muito diferente, não como museólogo, mas associado a uma experiência de
museus com um outro desenvolvimento dos territórios. Eu nunca quis dar conselhos ou
fingir orientar os projetos, eu queria manter o meu lugar estrangeiro ou de observador
participante, os atores locais que decidiriam o que queriam e poderiam fazer a partir
deles mesmos. Meus relatórios são, realmente, notas de visitas, contendo minhas

187
reações subjetivas e questões que eu observava a partir dessa experiência. Eu creio
que a minha presença ocasional e o meu apoio permanente a distância ajudaram a
abrir perspectivas diferentes para os líderes de projetos e para os programas locais. Eu
também estava trazendo experiência internacional e contatos, muitas vezes, úteis, não
como modelos, mas como referências.

RFSJ: Para quais projetos já realizou consultoria no Brasil?

H. V.: Essas missões foram, geralmente, curtas, entre três dias e uma semana no campo.
Foram seguidas por contatos frequentes, via internet.

• Ecomuseu de Itaipu, Foz do Iguaçu (PR) – de 1987 a 2010 – missão de acompanhamento


da configuração do ecomuseu desde a criação, implantação do Programa “Cultivando
Água Boa”, relação com o lado paraguaio (Museu da Terra Guarani).

• Ecomuseu da Santa-Cruz (Rio de Janeiro) – de 1992 a 2012 – participação nos


Encontros Nacionais (Jornadas de Ecomuseologia, 2009) e Encontros Internacionais
de Ecomuseus e Museus Comunitários (II e III EIEMC 2000 e 2004), mobilização dos
agentes econômicos.

• Ecomuseu da Serra de Ouro Preto (MG) – 2008-2012 – Organização do ecomuseu,


metodologia de inventário do patrimônio, integração do ecomuseu na rede de
museus e sítios do patrimônio de Ouro Preto e da Bacia do Ouro, criação de um
parque arqueológico.

• Ecomuseu da Amazônia, Belém (PA) – 2009-2012 – Organização do ecomuseu,


dinâmicas de desenvolvimento e de economia nos diversos territórios do ecomuseu,
preparação do IV EIEMC, método de inventário, aplicação de cursos de capacitação,
promoção do artesanato de bases tradicionais.

• Rio Grande do Sul – 1992-2012 – visitas, quase todos os anos, para consulta em
diversos sítios: Rio dos Sinos, Picada Café, Quarta Colônia, Porto Alegre (Orçamento
Participativo e Lomba do Pinheiro), São Miguel das Missões, Pelotas.

Intervenções diversas:

• Fundação Oswaldo Cruz – 1994 (?) – relação da Fundação com as favelas vizinhas.

• Organização e acompanhamento de uma viagem de estudos de ecomuseólogos


brasileiros em alguns ecomuseus da Europa (2011).

• Apoio à criação da Associação Brasileira de Ecomuseus e Museus Comunitários


(ABREMC).

188
Todas as ações foram objeto de notas e relatórios em francês, o principal foi
traduzido para o português, mas esses documentos são propriedade dos organismos
que me contrataram.

Entrevistado: Hugues de Varine (H. V.)


Roteiro: Roberto Fernandes dos Santos Junior
Supervisão e tradução: Clovis Carvalho Britto
Local e data: Paris, 22 de janeiro de 2017.

VARINE, H. de. Hugues de Varine e os museus comunitários no Brasil. Entrevista concedida a Roberto
Fernandes dos Santos Junior e Clovis Carvalho Britto. Museologia & Interdisciplinaridade, Brasília,
v. 8, n. 15, p. 323-327, 2019. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/museologia/article/
view/24973. Acesso em: 4 jan. 2021.

189
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• O ICOM está revendo o conceito de museu desde meados de 2017/2018, em função da


pandemia causada pelo Coronavírus. A votação das sugestões foi adiada para 2022.
Assim, espera-se que o contexto de virtualização de muitas das nossas atividades
cotidianas acabe influenciando, de alguma forma, a nova definição.

• A Cibermuseologia é um novo campo, em amplo desenvolvimento, na área da


Museologia, que visa estudar as manifestações museológicas no campo do virtual,
desde as digitalizações e as virtualizações de acervos e de instituições até a criação
de instituições de memória exclusivamente no campo virtual.

• Ainda que existam pesquisas e possibilidades de classificação das instituições no


âmbito virtual, ainda não há um consenso para a denominação. Nesse sentido, alguns
pesquisadores buscam tentar definir pelas origens: se originalmente virtuais; se
provenientes de uma digitalização de acervos; ou se funcionam como uma ampliação
da proposta do museu físico.

• Durante o período da pandemia e do distanciamento social, iniciado em março de


2020, diversas instituições, originalmente virtuais, foram criadas nas plataformas de
mídias digitais. Ainda não foram desenvolvidos estudos para entender esse momento
histórico da Museologia, mas entende-se que provêm de uma vontade de memória,
de uma intenção de registar o período histórico presenciado.

190
AUTOATIVIDADE
1 A respeito dos exemplares de museu no âmbito virtual, assinale V ou F nas sentenças
a seguir e marque a alternativa correspondente:

( ) Os museus virtuais são instituições que existem, exclusivamente, na internet;


( ) As mídias sociais de museus físicos podem ser consideradas museus virtuais.
( ) Os “museus realmente interativos” (HENRIQUES, 2004) pressupõem a oferta de
experiências diferentes das que o museu físico promove.

a) ( ) V – V – V.
b) ( ) F – F – F.
c) ( ) F – V – V.
d) ( ) F – F – V.

2 Você viu, nesta unidade, que, embora as discussões acerca da nomenclatura dos
museus no campo virtual não estejam definidas, já estão avançadas. Além disso,
também viu as classificações que foram desenvolvidas por Lima (2009), assim,
disserte a respeito dos exemplos que foram apresentados no decorrer da unidade e
como se aplicam a essas classificações.

3 Com relação às possibilidades de atuação dos profissionais e dos pesquisadores


de Museologia, além das instituições museais no ciberespaço, a museóloga Anna
Leshchenko cunhou o conceito de Cibermuseologia. Assinale a sentença CORRETA a
respeito do conceito em questão:

a) ( ) A Cibermuseologia se refere a todas as ações pertinentes à Museologia que são


realizadas no ciberespaço.
b) ( ) A Cibermuseologia se refere à digitalização de acervos e de documentos dos
museus físicos.
c) ( ) A Cibermuseologia se refere ao uso de tecnologias digitais da informação e de
comunicação nas exposições do museu.
d) ( ) Todas as alternativas anteriores estão corretas.

4 Conforme mencionamos, o ICOM está revendo o conceito de museu. Nesse momento


de revisão, retome o conceito original de museu e disserte, brevemente, a respeito
dos conceitos que deveriam estar inclusos nessa nova definição. Justifique a sua
resposta.

191
5 O contexto tecnológico no qual estamos inseridos nos dias atuais, todas as nossas
interações são, ou podem ser, feitas através de dispositivos digitais e aplicativos.
Esse cenário deu origem a diversos conceitos pertinentes ao uso dessas tecnologias
na sociedade. A seguir, relacione as colunas que correspondem à definição e ao
conceito, depois, marque a alternativa que oferece a sequência CORRETA:

1- Ciberespaço
2- Virtual
3- Cibercultura

( ) Retomada constante de problemática com fins de readequação.


( ) Espaço onde acontecem as dinâmicas virtuais.
( ) Estabelecido pelo uso constante de dispositivos tecnológicos.

a) ( ) 2 – 3 – 1.
b) ( ) 2 – 1 – 3.
c) ( ) 2 – 1 – 3.
d) ( ) 3 – 2 – 1.

192
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