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Universidade dos Açores


Faculdade das Ciências Sociais e Humanas
1º Ciclo de estudos em História
Unidade Curricular: História dos Media
2021/2022

Trabalho de Investigação sobre o Pombo-Correio:

Docente: Maria da Luz Correia

Discente: Alexandre Dias de Moura (2020112646), Nuno Sousa (20182807) e Gonçalo Jesus

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ÍNDICE:

Título: página 1
Introdução: página 3
Desde os primórdios da história humana: página 4
Do século XVI até ao século XVIII: pagina 7
O pombo como mensageiro na guerra: página 15
O pombo correio em Portugal: página 20
O pombo correio nos Açores: página 23
O pombo-correio na cultura: página 25

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INTRODUÇÃO:
O pombo-correio ( Columba livia ) é uma ave que possui uma notável capacidade de
orientação espacial, que lhe permite retornar ao seu local de origem após ser
transportado para lugares distantes. Esse fenômeno é conhecido como homing e
envolve diversos mecanismos sensoriais e cognitivos, como a percepção do campo
magnético da Terra, a orientação pelo Sol e as pistas visuais do ambiente.
Ao longo da história, o pombo-correio foi utilizado para o transporte de mensagens,
especialmente em situações de guerra, quando os meios de comunicação
convencionais eram escassos ou ineficientes. Por exemplo, na Primeira Guerra
Mundial, os pombos-correio levavam informações sobre o posicionamento das
tropas, o resultado das batalhas e os pedidos de socorro.
Atualmente, o pombo-correio é criado principalmente para fins esportivos, em
competições chamadas de columbofilia, nas quais os pombos são soltos em locais
distantes e devem voltar para o seu pombal o mais rápido possível. Os criadores de
pombos-correio devem cuidar da saúde, da alimentação e do treinamento dos seus
animais, além de comunicar à Federação Portuguesa de Columbofilia quando
encontram um pombo extraviado
Neste trabalho académico, propomos investigar os aspectos biológicos, históricos e
culturais dos pombos-correio, bem como os desafios e as perspectivas para a sua
conservação e valorização. Para isso, realizamos uma revisão bibliográfica sobre o
tema, buscando evidências científicas e fontes confiáveis que nos permitam
compreender melhor essas aves tão fascinantes e importantes para a humanidade.

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PRIMEIRO CAPÍTULO: DESDE OS PRIMÓRDIOS DA HISTÓRIA HUMANA:

Devido às suas variadas qualidades, o pombo-correio foi-se transformando em símbolo de


valores profundos ao protagonizar os símbolos de histórias e lendas antigas - fidelidade,
doçura, pureza, fecundidade.

Dir-se-á que a pomba representa o amor. Para alguns povos, a pomba era uma ave
sagrada, para outros, um animal protetor. Encontramos pombos em quase todos os templos
greco-romanos dedicados aos deuses do amor e da fertilidade. Na religião cristã, o pombo
representa a pureza, a inocência e a paz, sempre através de uma pomba que representa o
Espírito Santo. Na Rússia, segundo Françoise Lempereur (1999), existe a lenda de estas
aves serem as almas das crianças que morreram sem serem batizadas, à procura de um
ponto final. Em algumas províncias da Bélgica (um dos países que mais ama os pombos),
os pombos são considerados portadores da felicidade.

De todas as qualidades do pombo-correio, a mais apreciada pelo homem foi de longe a


vontade e capacidade de voltar para sua casa. Já o Rei Salomão tinha o cuidado de
espalhar pombais por vários locais do seu Reino, para assim poder usá-los como meio de
comunicação. Também na Judéia, as mulheres recorriam aos pombos domésticos para se
corresponderem com os seus admiradores e amantes. Na religião judaica, os pombos
também eram oferecidos a Deus em holocausto, no Templo de Jerusalém.

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Figura 1. Salomé dançando diante de Herodes. Gravura reproduzindo uma pintura de Jorge
Rochegrosse (1859-1938), datada de 1887. Em A Illustração, vol V, 1888

Diz Augusto César Sousa, que na China Antiga, os pombos foram sempre utilizados como
mensageiros, de tal modo que, durante muito tempo, vigorava na linguagem a expressão
"enviar pelo grou", significando enviar pelo correio. No entanto, havia o problema das aves
de rapina atacarem os pombos a meio da viagem. Para minimizar esse perigo, os
engenhosos chineses criaram pequenos apitos de bambu para a cauda dos pombos, que,
durante o voo, emitiam sons fortes, afugentando os seus inimigos.

Na Grécia Antiga, Heródoto, Pai da História, assim como Plutarco, nos dizem que os
egípcios, os gregos e os romanos usavam os pombos nas suas armas. Sabe-se que no
Antigo Egipto, os pombos iam nas embarcações que não ficavam ao longo da costa, para
serem largados antes da chegada e, assim, anunciarem que o regresso dos navios estava
para breve.

Por sua vez os Gregos, que tinham apreendido com os caldeus e com os israelitas, também
passaram a usar o pombo como correspondência para sítios distantes. Esta utilização teve
particular relevo nos jogos olímpicos em que alguns resultados das competições foram
enviados pelos pombos-correio. O exemplo dos gregos foi seguido pelos Romanos. Assim,
o seu uso na Antiguidade se estendia desde as correspondências de amor, à ajuda na
guerra e ao entretenimento pelo desporto.

De acordo com La Perre de Roo, acredita-se que na conquista da Gália, quando os


autóctones se revoltavam com revoltas violentas, Júlio César obtinha a informação através
de mensagens transportadas por pombos-correio, permitindo-lhe assim enviar rapidamente
reforços e aniquilar os inimigos.

Conta Augusto Sousa também, que devido ao voo sereno e descontraído do pombo, há
uma facilidade de prever qualquer perturbação. Por isso, muitas vezes eram largados

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durante marchas militares de vigia e conquista, para ver se essa forma de voar se alterava,
denunciando a proximidade de algum exército inimigo. Essa aplicação foi muito usada e
admirada pelo Imperador Bizantino Justiniano.

Chegando à Idade Média, o feudalismo representou para o pombo-correio um tempo de


paz. Os senhores feudais costumavam usar o pombo para atividades lúdicas. Em muitos
castelos, foram construídos pombais, que muitas vezes eram torres elegantes e que ao
serem estudados hoje, mostram que já nessa época se conheciam técnicas de criação e
tratamento de pombos.

Diz Françoise Lempereur, que o pombo na Idade Média era considerado um animal de
estimação de luxo, uma vez que, de acordo com a lei dessa época, foi regulamentado que o
pombo só podia pertencer aos senhores feudais. E o número de pombos que cada senhor
podia ter dependia da área das suas terras. Essa lei naturalmente se extinguiu na
Revolução Francesa, que naturalmente levou a uma explosão do número de pombos e uma
vez mais, foi preciso estabelecer regras, como por exemplo, manter os pombos fechados
em certos períodos, principalmente durante as colheitas.

No Oriente, a situação foi bem diferente. Procurou-se tirar o maior proveito possível dos
voos de orientação destas criaturas. No Egipto, os pombos foram muito úteis para ajudarem
na agricultura no tempo das inundações anuais.

Não se pode deixar de falar do sultão Nur Al-Din, da Síria. Preocupado com a importância
das comunicações, Nur Al-Din mandou construir estações nas cidades principais e em
muitos dos castelos situados nos seus domínios. Simultaneamente, incentivou a criação de
pombais, nos principais pontos do seu império para fomentar a comunicação

Posteriormente, foi ainda mais longe no aperfeiçoamento desta técnica e tornou possível
fazer ligação entre o Egito e a Síria, através de um serviço de pombais. Todo este fabuloso
serviço entrou em declínio depois da morte de Nur-Al-Nahamut. No entanto, na Dinastia
Abássida, surgiu o califa, Ahmed, que se interessou também pela criação de pombos.
Ahmed chegou mesmo a encarregar-se do seu tratamento e treino, tendo visto com
entusiasmo a reativação e desenvolvimento do sistema de transmissões concebido
anteriormente. Este sistema de comunicação com muito esforço, conseguiu ser mantido até
meados do século XIII

Já na França, o Rei Luís IX desembarcou em 1249, para a Oitava cruzada na Palestina,


e foi derrotado e feito prisioneiro em Mansura em 1250, sendo depois resgatado Suspeita-
se que parte do insucesso da expedição ficou a dever-se ao alerta dado pelos pombos-
correio. Dizem as crónicas da época, que os cruzados, quando chegaram, viram
levantarem-se e desaparecer no ar "aves em tão grande quantidade de obra que
escureceram os céus", que seriam os pombos mensageiros que o comandante do exército
egípcio enviou para o Cairo, comunicando a chegada do exército cristão.

Em consequência das invasões, conquistas e guerras, fosse de Timur, dos Tártaros ou dos
Turcos, quase todos os pontos de comunicação foram destruídos, restando só alguns até
final do século XV e apenas no Baixo Egito, referidas pelo francês Conde de Volney.

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Importa dizer que os pombos nessa fase, deixaram ao mundo árabe uma imagem tão
intensamente poética que ficaram conhecidos como "os anjos dos reis".

SEGUNDO CAPÍTULO: DO SÉCULO XVI ATÉ AO SÉCULO XVIII

O século XVI traz-nos uma Europa conturbada por guerras e violências. Filipe II da
Espanha, na altura herdeiro do trono, casa aos 16 com a infanta D. Maria, filha do Rei D.
Manuel I de Portugal, e que morreu dois anos depois, ao dar à luz o príncipe D. Carlos. Em
1554, D. Filipe volta a casar agora com Maria Tudor, Rainha da Inglaterra, e por esse facto,
vivendo em consequência na Inglaterra. Nesse mesmo ano, Carlos V, seu pai, confiou-lhe o
governo de Nápoles e da Sicília e no ano seguinte, também o dos Países Baixos.

Em 1556, o Rei abdicou da coroa da Espanha para se recolher no mosteiro de Yuste,


passando assim Felipe II a reinar o Império aos 29 anos. O seu regime foi marcado pelo
apogeu do Império Espanhol, mas também por conflitos e guerras.

No seu livro “Décadas das Guerras de Flandres” (1881), Famiano Strada, detalha a
importância que o pombo-correio teve durante os cercos. Um dos períodos mais violentos
do Reinado de Filipe II da Espanha foi a Guerra de Flandres,. A cidade de Haarlem tinha
sido cercada em 1532, pelas tropas de Frederico de Toledo, Duque de Alba, na altura
governador da Bélgica, segundo Espanha. Antes de se ter fechado o cerco, conseguiram os
habitantes enviar pombos-correio para os campos do Príncipe de Orange e para outros
campos vizinhos dos seus aliados. Segundo conta F. Strada, durante três meses, o príncipe
de Orange enviava notícias pelos pombos, fazendo deste modo chegar aos habitantes de
Haarlem informações e palavras de apoio que mantinham os ânimos elevados. Quando, ao
fim de 7 meses de cerco, as resistências começaram enfraquecer e a fome já não se
conseguia suportar, enviou o príncipe de Orange um pombo-correio com uma mensagem,
que aconselhava para os homens que ainda tivessem forças pegarem em armas e fazerem
uma coluna dentro da qual metessem os velhos, as mulheres e os feridos, tentando desse
modo romper as linhas inimigas.

Esta solução não chegou no entanto a ser adoptada porque o Duque de Alba mandou,
quase em simultâneo, uma proposta tentadora de rendição, que no final de contas, não
passou de uma emboscada que custou as vidas de todos os sitiados de Haarlem.

Dois anos depois, em 1574 ainda na mesma guerra, a cidade de Leyden foi igualmente
cercada. Os habitantes já estavam no limite das suas forças quando receberam um
mensageiro enviado por Francisco de Valdez, propondo-lhes a rendição que eles
heroicamente recusaram. No entanto, já custava a fome e miséria. Isto levou alguns
homens mais fracos a renderem-se em troca de pão. O burgomestre Van der Werff
mostrou-lhes então um despacho mandado pelo príncipe de Orange por pombo-correio, a
comunicar a chegada para breve de mantimentos trazidos pelo Almirante Boisot e a retirada
dos exércitos espanhóis.

Poder-se-á dizer que foram os pombos-correios, trazendo as suas notícias, que salvaram os
habitantes da Leyden da mesma sorte que os de Haarlem.

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Citando Augusto Sousa, o príncipe de Orange, reconhecendo a importância do pombo,


decretou que a alimentação desses pombos passasse a ser custeada pelo tesouro público,
e que após a sua morte fossem embalsamados e expostos no palácio do município.

Depois destes conflitos, os pombos voltam a viver em paz e sem serem usados para a
guerras por mais dois séculos.

Com o século XIX, começa a grande revolução nas técnicas de criação, reprodução e
cruzamento dos pombos. Pode-se chegar a dizer que os pombos que conhecemos hoje
começaram a ter as suas características atuais com a domesticação da Bélgica, já neste
tempo.

Com efeito, pensa-se ter sido neste país, que na primeira metade do século XIX, se
começaram a formar as primeiras sociedades columbófilas. Inicialmente, eram sociedades
entre amigos ou familiares, sem nenhuma organização a sério, mas já nesse tempo,
começaram a criar concursos de pombos, como o que foi feito em Frankfurt, pelos
habitantes de Harve, em 1818. Rapidamente, o interesse pelos pombos e por estes
concursos aumentou. Em Paris, é falada uma largada no ano de 1820, organizada por uma
sociedade de Liège. O pombo vencedor foi passeado em triunfo, dentro de uma gaiola por
toda a povoação, com direito a música e salvas de artilharia.

Nestas competições, havia o problema respeitante ao descanso e resistência dos pombos.


Devido à falta de infraestrutura da altura, o transporte para sítios muito longe dos pombos
era uma dificuldade. A primeira linha francesa só foi construída com a ligação Andrézieux -
Saint-Étienne, no ano de 1828. Assim, os pombos tinham de ser transportados em carroças
fechadas, dentro dos cestos compactos, chegando o transporte a demorar vários dias.

No entanto, o interesse pelos pombos-correio não residia apenas no desporto. O século


XIX foi também uma época de muitos negócios, ainda por vezes era necessário fazer
chegar informações úteis para o seu desenvolvimento. Não tardou que o pombo-correio
fosse também utilizado para esse fim. O caso mais interessante aconteceu com o banqueiro
Nathan Mayer Rothschild.

Em março de 1815, Napoleão, regressou do exílio na ilha de Elba, desembarcou na Côte


d'Azur, no golfo de Juan, entre Cannes e Antibes e marchou de novo sobre Paris, onde
estabeleceu, através da outorga de uma carta adicional, o “Império dos cem dias”. Esta
nova situação repercutiu-se imediatamente nos mercados financeiros, fazendo baixar
imenso o valor das ações. Mas, em 18 de Junho em Waterloo, os ingleses, aliados aos
prussianos, inflingem a Napoleão uma tremenda derrota que o leva à sua destruição política
e à queda do seu efémero Império. Em Londres, Rothschild fora avisado por uma
mensagem transportada por um pombo-correio sobre o resultado desta batalha, 50 horas
antes do resto dos ingleses. Este intervalo permitiu ao banqueiro comprar milhares de
ações em baixa. Sabe-se que a mensagem de código era um "N" que tinha por cima uma
coroa invertida.

“Segundo narra Arthur Wyss, o atraso da informação oficial deve-se a um episódio que
merece ser contado. Logo que a batalha se decidiu, o vencedor, duque de Wellington,
mandou transmitir a notícia para Londres via telégrafo óptico militar. Quando a mensagem

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começou a ser transmitida, caiu um denso nevoeiro e, por isso, só foram recebidas as duas
primeiras palavras: “Wellington defeated”, que significa "Wellington derrotado". Os ingleses
ficaram ainda mais aterrados e caíram a pique as ações na bolsa. Quando dois ou três dias
depois, o nevoeiro levantou, foi possível enviar a mensagem por completo: “Wellington
defeated the French at Waterloo” - "Wellington derrotou os franceses em Waterloo". Não é
difícil imaginar a explosão de alegria dos Ingleses, bem como a subida em flecha das
ações. E consequente, o enriquecimento de Rothschild.”

Em 1828, começou a haver uma enorme agitação nos mercados financeiros da Europa.
Todos se lembravam do sucesso de Rothschild, e como ele, muitos sonhavam enriquecer.
Dado que a rapidez de informações era crucial nesse tipo de transações, todos os dias
eram enviados pombos-correio para as maiores cidades da Europa - Londres, Paris,
Bruxelas, etc, - que depois traziam informações das cotações em alta ou em baixa. Nesta
fase, os pombos tiveram um grande importância em atingir valores consideráveis quer de
venda, quer de aluguer.

Estes acontecimentos fortaleceram a criação das sociedades columbófilas, que


beneficiaram do aparecimento do comboio, por facilitar o transporte de pombos para os
locais das largadas.

O maior contributo para o sucesso da criação dos pombos correio e das sociedades
columbófilas, de longe, deve-se aos Belgas, que têm por este feito, o maior orgulho. A
paixão e dedicação a estas aves que o povo Belga sempre teve, levou-os a fazer
criteriosamente diferentes cruzamentos a partir de raças já existentes - Bizet, gravata,
Cambalhota e Papo-de-vento de Gang, etc - e estudando aprofundadamente os resultados.
Conseguiram assim chegar a dois tipos de pombos belgas perfeitamente definidos - o
pombo de Liége e o pombo de Antuérpia.

Criando um contínuo, através de vários criadores, é espantoso verificar que hoje, um


pombo-correio pode percorrer mais de 800 a 900 km num só dia sem parar e sem qualquer
perda de sentido de orientação. Os pombos anteriores percorriam, sem se perderem, estas
distâncias mas demoravam vários dias. Igualmente, a resistência e a velocidade a que foi
possível obter com este aprimoramento a partir do cruzamento de raças também aumentou.

Foi também na Bélgica, mais concretamente em Bruxelas, que a imprensa começou a


utilizar-se das qualidades destas aves

Com efeito, a transmissão de notícias entre Bruxelas e a cidade alemã de Aix-la-Chapelle


era muito demorada dado que só havia ligações por estrada ou por caminhos de ferro.
Lembrou-se então um correspondente chamado Luciano, nessa altura residindo em Paris,
lembrou-se que, estando perto de duas cidades situadas a uma distância que um pombo-
correio percorria em cerca de 2 horas e estando Aix-la-Chapelle ligada a Berlim e a outras
grandes cidades do Reno, talvez fosse possível enviar as notícias, utilizando um pombo-
correio entre essas cidades e Bruxelas. Ou seja, Luciano estava no fundo, a estudar se era
possível ligar a Alemanha à Bélgica em termos noticiosos em cerca de 2 horas. Esta ideia
mostrou-se possível. Paul Julius Reuter, mais tarde criou e desenvolveu uma das maiores
agências noticiosas - a Reuters, agência de notícias, recorrendo em grande parte a este
meio de comunicação.

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Todas estas atividades não fizeram esquecer o serviço prestado pelo pombo-correio na
guerra e o seu notável desempenho que se verificou em Haarlem e Leyden. Assim, dois
novos cercos em guerras diferentes no final do século XIX, chamaram o pombo-correio para
a realização de mais alguns feitos heróicos. O primeiro desses foi o de Veneza, durante a
guerra da unificação da Itália. Daniel Manin, um advogado de Veneza na altura, tornou-se
presidente da efémera República de Veneza, durante a luta contra a dominação austríaca.
Veneza foi cercada em 1849 e mais uma vez, os pombos correios foram o elo de ligação
com o exterior. Não foi possível aos defensores e a Manin, apesar da sua perseverança,
resistir aos sitiantes e a rendição foi inevitável.

Mas foi no cerco de Paris, em 1870-71, que os dons dos pombos-correios se utilizaram pela
primeira vez em conjugação com as novas descobertas do homem do domínio da conquista
do ar e da imagem: o aeróstato e a fotografia microscópica.

No verão de 1870, durante a guerra franco-prussiana, os prussianos não davam tréguas no


seu avanço. La Perre de Roo, escritor e grande comentador dos assuntos columbófilos,
depois das rendições das cidades de Sedan e Metz, já previu o cerco de Paris e a
probabilidade de os prussianos virem a atacar.

Lembrando que isto acontecesse, os pombos seriam de grande importância nas


comunicações. Escreveu então ao Ministro da Guerra uma carta, que em baixo se
transcreve a versão traduzida do livro de La Perre de Roo, “Boletim da Sociedade de
Aclimatização (1871) transcrito por Augusto de Sousa (1881) e retirado do livro “O pombo
Correio, mensageiro com história” de Jaime Fragoso de Almeida (2004). O ministro da
guerra, na carta, aponta as suas preocupações o caminho a seguir quanto à utilização dos
pombos-correio:

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Fig 2. Roo, La Perre de, Boletim da Sociedade de Aclimatização, Outubro de 1872.


Transcrito por Augusto Bon de Sousa na obra Serviços dos Pombos Correios nos exércitos
em Campanha e seu emprego no Recreio e Indústria Particular, Lisboa, Typographia das
Horas Românticas, 1881, pp. 20-21. Transcrito por Jaime Fragoso de Almeida na obre O
Pombo Correio: mensageiro com história, Edição de Clube do Coleccionador dos Correios,
2004, pp. 61

Esta carta nunca obteve resposta, pois o governo caiu 48 horas depois da sua data.

Sabe-se, contudo, que não foi apenas La Perre de Roo a sugerir junto dos círculos
governamentais a utilização dos pombos correios. De acordo com um artigo publicado a 28
de março de 1875, no jornal columbófilo L'Epervier, da autoria de Derouard, um senhor
chamado Traclet terá se lembrado de levar os pombos-correio dos arredores de Paris para
fora da cidade antes do cerco, tendo apresentado essa sugestão junto do ministro do
interior. A proposta foi bem recebida, recebendo Traclet ordem imediata para sair com o

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primeiro lote de pombos no dia 18 de setembro. No entanto, as autorizações escritas não


foram assinadas a tempo e os pombos acabaram por ficar.

Além de os dois terem tido a mesma ideia para ministros diferentes - La Perre de Roo para
o Ministro da Guerra e Traclet ao Ministro do interior. Também Edmundo Cassier, nessa
altura, presidente da sociedade columbófila L'Espérance de Paris, ofereceu os seus
pombos e os empréstimos pessoais de alguns dos seus membros, antes da entrada do
inimigo. Para o efeito deslocou-se com uma comissão ao quartel-general Louis Trochu, na
altura presidente do governo de defesa nacional e governadores de Paris, para
comunicarem essa ideia.

No entanto, estando ausente o general, foram recebidos por um subalterno que, para
grande indignação deles, lhes respondeu com gozo que era a sua septuagésima vez que
lhe vinham falar de pombos e que “esperava que esta fosse a última”.

Certo é que, por muitos motivos, mas sobretudo porque os prussianos cedo montaram o
cerco com o que só pode ser descrito por uma eficiência alemã, os pombos acabaram por
não sair de Paris.

Segundo La Perre de Roo, antes da chegada das tropas alemãs e oferecidos pelas diversas
sociedades columbófilas de Roubaix e Tourcoing, vieram para Paris cerca de 800 pombos
que, por determinação do prefeito da cidade, foram abrigados no museu de história natural.

Depois de cercada Paris, por ideia de Rampont - diretor-geral dos correios na altura -
começaram a utilizar-se balões tripulados para enviar a correspondência oficial para o
exterior. No dia 23 de setembro, saiu o primeiro balão, o Neptuno, tripulado por Durouf, que
levava 123 kg de despachos.

Figura 3. Embarque do ministro do interior francês


Leão Gambeta (1838-1882) no balão “Armand
Barbès”, quando, em 1870, Paris estava cercada
pelos alemães. Gravura do jornal L'Illustration -
Journal Universel, 15.10.1870, capa.

Imediatamente, se constatou o maior inconveniente deste sistema. Os balões iam mas não
voltavam, ou seja, não havia comunicação do exterior para o interior. Foi então que o Belga

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Rosebeke, vice-presidente da sociedade columbófila L'Espérance se lembrou que esse


retorno poderia ser repetido se nos balões fossem transportados pombos-correio que
regressariam com as informações. A resposta a esta ideia chegou ao general Trochu, que a
aprovou de imediato, ficando Rosebeke encarregado de acertar tudo com Rampont.

No dia 25 de setembro, foram transportados 3 pombos no balão Ville de Florence, que era
comandado por Magnin. Nesse mesmo dia, estavam três pombos de regresso a Paris,
depois de terem viajado cerca de 40 km. Traziam uma mensagem assinada pelo
comandante que dizia:

"Deixamos bem perto de Triel em Vernouiller, vamos levar a correspondência oficial a


Tours. Os pacotes de cartas vão ser distribuídos."

Foi uma experiência convincente que começou a ter uma utilização móvel e regular que
Rampont posteriormente estendeu ao público. A principal central de onde eram enviadas as
mensagens para Paris situava-se em Tours e custava 50 cêntimos o preço a pagar por cada
palavra.

Conta-nos Adolph Michel, em 26 de novembro de 1870, sua obra le "Siege de Paris":

"Um pombo que partiu de Orleães esta manhã trouxe durante a tarde cerca de quinhentos
despachos telégrafos privados."

Calcula-se que foram enviados cerca de 300 pombos ao todo, tendo regressado mais de
70. O cerco de Paris foi também uma demonstração de orgulho e patriotismo do espírito dos
franceses em proteger a sua cidade.

Fig 4. Partida de um balão-correio, na


Place Saint-Pierre, Montmartre, Paris,
em L’illustration - journal universel, 15.10.1870.

Sentindo a sombra da fome a apertar pela falta de mantimentos, mas preservando bem vivo
o espírito, de la finesse e o culto pela gastronomia, realizou-se a 26 de novembro de 1870
um jantar que ao analisarmos a transcrição de Adolph Michel, podemos concluir que apesar
da fome dos parisienses, nem os pombos de rua foram sados para jantar, tamanho o seu
respeito por estes animais.

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Também não se pode deixar de falar na grande ajuda da invenção do francês René Dragon
- a fotografia microscópica. Foi em 1867, na exposição universal, que este francês
apresentou pela primeira vez fotografias reduzidas para tamanho excepcionalmente
pequeno. Foi por isso encarregado de reduzir para precisões microscópicas, os despachos
que deveriam ser transportados pelos pombos. Estes despachos estavam reunidos numa
grande folha de desenho e podia conter até 20.000 letras. Por intermédio do invento de
Dagron, foi possível reduzir essa folha para o tamanho equivalente à quarta parte de uma
carta de jogo. Para além disso, Dagron começou a trabalhar na evolução do suporte de
letras. Assim, em vez de papel, passaram a utilizar-se lâminas de Colódio, extremamente
leves, impermeáveis e macias, ótimas para serem transportadas pelos pombos. Estas
folhas minúsculas, que continham os despachos além de outras informações valiosas eram
enroladas e colocadas no tubo que se prendidas à cauda do pombo, sendo que um só tubo
podia ter até 20 folhas.

Tendo a ideia começado em Paris, foi também aproveitada em Tours, de onde rapidamente
essa começaram a enviar despachos de forma igual.

De acordo com Júlio Matos, até a celebração do armistício, foi enviado um número
extremamente elevado de despachos para Paris.

Quanto às transmissões, pensou-se em usar o Sena como fio condutor, servindo para
transmissão dos despachos vindos da província para Paris e vice-versa.

Para a realização deste projeto, esteve encarregue um físico português, chamado José
Carlos de Almeida, nascido em Paris a 11 de novembro de 1822, filho de pais portugueses,
cujos riscos e sacrifícios por que este homem passou na tentativa de levar a sua missão a
bom termo estão escritos por M. Berthelot na publicação de um capítulo sobre o cerco de
Paris.

Concluindo assim, pode dizer-se que os pombos, os balões e a fotografia foram os meios
de transmissão mais importantes a se utilizar neste cerco.

Paris, entretanto, atingiu o limite da sua resistência. Acabaram-se os mantimentos e, para


sobreviver, comiam-se as rações dos cavalos e até os próprios animais. Nas tendas dos
mercados, vendiam-se cães, gatos e ratos, mas até esses animais foram escasseando.

A 28 janeiro de 1871 dá-se a rendição, com a assinatura do armistício. Os pombos, que tão
dedicadamente desempenharam as suas missões, foram leiloados em hasta pública.
Especula-se pelos baixos preços alcançados, que o seu destino foi serem sacrificados para
saciar a fome daqueles que os arrematavam, destino esse bem diferente do desejado por
Edgar Quinet que a 3 de janeiro de 1871 escrevia:

"O pombo que antes de todos trouxe a notícia da formação de tropas de socorro e não nos
enganou. Solicita-se que seja perpetuamente colocado no alto do mastro da nau das armas
da cidade de Paris."
TERCEIRO CAPÍTULO: O POMBO COMO MENSAGEIRO NA GUERRA:

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A importância dos pombos mensageiros durante o cerco não passou despercebida aos
soldados da Prússia. Logo que a guerra terminou, o governo alemão entendeu que se devia
estudar e aprofundar as técnicas de criação e desenvolvimento dos pombos. Para esse
efeito, foi enviado para a Bélgica um criador da cidade de Colónia, chamado Lensen.
Depois, foram construídos pombais, primeiramente em Berlim, Colónia, Metz, Estrasburgo e
a seguir noutras cidades. Através de artigos publicados nos jornais, incentivou-se o público
em geral a criar pombos-correio. Consequentemente, muitas sociedades columbófilas
começaram a formar iniciantes e também apareceu a publicação em vários jornais
dedicados a esta especialidade.

Os outros países também seguiram o exemplo. Particularmente a Rússia, a Itália, Inglaterra,


Áustria, Espanha e Portugal. Segundo escreve o coronel Guilherme de Pastos Moreira, no
jornal do exército, os primeiros pombais militares portugueses foram instalados em 1880.

Constituíram eles uma rede de apoio ao telégrafo, sendo a publicação do primeiro


regulamento para o serviço do telégrafo efetuada em 1888. O primeiro pombal, instalado em
1880 foi o da Penha de França, em Lisboa. Entre 1881 e 1898, foram criados pombais em
Elvas, Tancos, Ajuda, Setúbal, Vendas Novas, Coimbra, Viseu, Mafra e Évora. Foram
também enviados pombos para Angola, Moçambique e Guiné.

Com base no que podemos tirar do artigo “O Pombo Correio” que Bastos Moreira publicou
no Jornal do Exército, Ano III, de 1962: em 1899, deu-se lugar uma reorganização do
exército, tendo o serviço de pombais transitado para a engenharia militar, onde se
conservou até 1926, altura em que a nova reestruturação militar os colocou na dependência
do regimento de telegrafistas.

Entrou-se portanto, numa época de paz, embora o pombo-correio, por ter começado a fazer
oficialmente parte dos exércitos de mais países, passasse a ser tratado e instruído em
missões de guerra. Na sociedade civil, continuavam a desenvolver-se as sociedades
columbófilas e os concursos, sendo por vezes, o pombo usado para fins de paz e ajuda
humanitária.

A administração de uma companhia de navegação pensou ser importante não só utilizar os


serviços dos pombos-correio, como também regular essa utilização no mar-alto. Para
efetuar experiências nesse sentido, foram levados dezenas de pombos para bordo do navio
Bretanha que, por coincidência, encontrou nessa viagem um veleiro britânico prestes a
naufragar. Lutando contra várias dificuldades, foi possível recolher os náufragos, embora
alguns já sem vida. O anúncio deste desastre, bem como a posição do navio naufragado,
que se encontrava num ponto perigoso para a navegação, foram feitos utilizando os
pombos-correios.

Também foi recuperado por alguns pescadores da costa francesa, o costume dos antigos
egípcios de levar pombos a bordo para, no regresso, serem todos anunciando a chegada
para breve, mas agora trazendo também mensagens com o resultado da pescaria. É
interessante recordar que durante a greve dos correios franceses, em 1909, as mensagens
mais urgentes foram igualmente transportadas por pombo-correio.

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Infelizmente não durou muito a Belle epoche e em 1914, instalou-se a primeira grande
guerra. Foram 4 anos de violência, sacrifícios e dor nunca vistos na história humana até
então. A Europa, retalhada pelas trincheiras, estava em luta. Todos os meios foram
mobilizados e, mais uma vez, foi pedido ao pombo-correio que dissesse presente. Não
fugiram ao serviço as humildes e nobres aves. Ao longo desses 4 anos, os seus voos iriam
traçar no céu linhas de dedicação, sacrifício e heroísmo.

É em Verdun que, de fevereiro a dezembro de 1916, que se dão algumas das mais fortes
ofensivas repelidas pelas forças francesas, comandadas pelo general Pétain. Neste teatro
de guerra, onde 360.000 soldados franceses perderam a vida, existiram vários fortes, um
dos quais era o forte de Vaux, comandado por Raynal, que apesar de não ter sido atacado
logo no início, intervém em todos os combates e consegue repelir todos os ataques. No final
de Maio, a situação torna-se dramática e os bombardeamentos chegaram a ter uma
intensidade 8.000 obuses por dia, de todos os calibres.

A caserna e os abrigos desmoronaram-se e, para aumentar as dificuldades, a cisterna de


água potável é destruída. As comunicações com o exterior deixaram de existir. Apenas os
pombos-correio poderiam voltar a estabelecê-las.

A Guarnição continua a lutar heroicamente até que, exausto do cansaço, cede e vê-se
obrigada a enviar o seu último pombo. Com ele, seguia a mensagem:

"Nós resistimos ainda, mas sofremos um ataque de gases e fumos muito perigoso. É
urgente resgatarem-nos. Estabeleçam já comunicação óptica com Souville que não
responde às nossas chamadas. É o nosso último pombo."

O mensageiro chegou ao seu destino, às portas da morte, intoxicado e moribundo, depois


de vencer nuvens de gases e barragens de fumos. A mensagem foi entregue, mas
infelizmente, não foi possível acudir à guarnição de Vaux.
A rendição deu-se a 7 de junho, mas a sua resistência foi tão heróica que os alemães
prestaram honras de guerra. A 2 de novembro, em consequência da ofensiva do general
Charles Magno, o forte de Vaux foi recuperado pelas tropas francesas.

O pombo, que tão abnegadamente voou a sua última mensagem, recebeu uma
condecoração a título póstumo e mais tarde, em 1929, no forte de Vaux, foi afixada uma
placa em honra dos columbófilos e dos pombos que morreram pela França.

Os ingleses não esqueceram os feitos dos seus pombos também. Assim, no Royal United
Service Institution, em Whitehall, foi colocada uma exposição de vidro contendo um pombo
empalhado. Era o pombo 2709, 10 field corpse. Na legenda do expositor, lê-se o texto:

“Numa ação de combate, na região de Menine Road, no dia 13 de outubro de 1917, este
pombo foi enviado da frente para o quartel-general da região às 11:30 da tarde. Durante o
voo foi atingido por um projétil que lhe partiu uma das pernas. Unindo o poste de
mensagens contra o corpo, passou através do desvio Madeira. Apesar dos ferimentos e de
ter estado à chuva durante toda a noite, tentou demoradamente chegar ao seu pombal e
entregar a mensagem às 10:53 do dia 4 de outubro. Morreu pouco depois."

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O Rei Jorge V da Inglaterra, era um grande criador de pombos. Chegou a ser um pombo
dos pombais reais que trouxe para casa a notícia da retirada da Lille pelos alemães. Este
pombo teve uma longa carreira de guerra, pois terá transportado cerca de 400 mensagens.

Em Nova Jérsia, no Fort Monmouth, foram expostos dois pombos embalsamados, que
durante as suas missões na guerra de 1914 a 1918, foram gravemente feridos e mesmo
assim conseguiram heroicamente terminar. Chamavam-se Cher Ami e Mocker.

Como sempre, não se pode falar de guerra sem falar de espionagem. Esta atividade, difícil
e perigosa, requer talento e frieza.
Muitos espiões utilizavam os pombos correios como mensageiros que acabaram por ficar
conhecidos, como por exemplo o Henri e o Charles. Henri pertencia a uma senhora belga,
chamada Louise de Bettignes, que fazia espionagem para os aliados. Corajosa e desinibida,
não se importava que as suas atitudes levantassem suspeitas. Quando o pombo se
misturava com toda a gente, conseguia assim obter informações. Por 3 vezes, Henri voou
para um ponto a 60 milhas de distância, levando as informações até aos agentes, que os
devolviam depois a Louise. Contudo, as suspeitas acumularam-se em redor de Louise. Uma
vez, um guarda alemão foi mesmo a sua casa para a interrogar. Não foi difícil para Louise
dar boas respostas às perguntas que o guarda lhe fez. No entanto, o seu estado de tensão
era muito grande, pois na mesma sala, dentro de um cesto, estava Henri que,
compreendendo o que se estava a passar, fez questão de não produzir o mais pequeno
ruído.

Henry voltou a partir para a sua quarta viagem. Não houve regresso. Por que razão? Não se
sabe ao certo. Só se sabe que não foi coincidência, a prisão breve de Louise, que foi detida
e enviada para um tempo de concentração.

Charles era um pombo de Roubaix, forte e corajoso. Fartou-se de levar mensagens para o
quartel-general dos aliados. Os alemães suspeitavam dele e bem o procuravam no seu
pombal, na casa do dono, em vários sítios sempre em vão. O que eles não sabiam é que o
seu dono, um paciente camponês, de expressão bondosa, lhe tinha ensinado a ficar
absolutamente quieto, quando o dono o enfiava no bolso das calças. Charles mostrou
sempre ter aprendido bem a lição.

Com o final de 1918, chega-se também ao fim da guerra. A Europa semi-destruída e já sem
forças, teve a necessidade urgente de voltar a ter paz. O tratado de Versalhes, assinado a
28 de junho de 1919 entre as potências aliadas e a Alemanha, vem pôr fim à guerra. Nela
se terão perdido mais de 8 700.000 vidas, sendo incalculável o número de pessoas feridas,
estropeadas e psicologicamente afetadas pelo efeito dos gases.

Sendo impossível avaliar as perdas materiais, pode parecer ridículo, perante prejuízos de
tamanha dimensão, falar-se de pombos-correio. Contudo, se nos lembrarmos que também
eles foram sacrificados nas suas vidas e na sua integridade física em virtude do homem, se
nos lembrarmos do serviço que eles fizeram pela nação e tivermos presente que apesar de
eles serem tão pequenos e modestos, as suas ações foram desempenhadas de uma forma
tão obediente e corajosa, chegamos certamente à conclusão de que, falar do papel dos
pombos na Primeira Grande Guerra “não só não é ridículo como seremos tentados a
considerá-los um verdadeiro símbolo de nobreza de caráter.”

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Depois do mundo pacificado, ou aparentemente pacificado, inicia-se a reconstrução. Com


ela, sobe em flecha a evolução e o desenvolvimento. A fabricação em série explode, a rádio
espalha-se cada vez mais e dão-se os primeiros passos para a democratização da televisão
e da informação. O cinema sonoro arrasta multidões e começa a estudar-se a hipótese do
cinema a cores.

Surgem as primeiras linhas aéreas. O ritmo do Jazz e do Charleston, os vestidos corridos e


desabotoados, as lantejoulas e os colares compridos invadem a América e a Europa. É o
mundo a começar a viver nos anos 20.

Mas graves problemas iriam de novo surgir… quando a aviação comercial já era uma
realidade e a tv já tinha transmissões regulares em vários países, quando a guerra se
transforma mesmo num espinho e os automóveis modernos atravessam as estradas
asfaltadas e as pontes suspensas, quando parece que estamos a atingir o pináculo da
civilização, a Alemanha desencadeia de novo uma guerra mundial ao invadir a Polónia, a 1
de setembro de 1939. Seria o princípio do mais sangrento e destruidor conflito da
humanidade. Do curtíssimo espaço de 21 anos, que separou as duas grandes guerras, o
desenvolvimento das máquinas e particularmente, dos meios aéreos e das transmissões,
este intervalo de tempo e explosão de modernização foi tão forte que levou a uma alteração
profunda das técnicas de guerra usadas até então. Apesar dos comboios militares terem
continuado depois da primeira grande guerra, muita gente terá posto em dúvida a utilidade
dos pombos-correio numa guerra de uma tão avançada tecnologia. O desenrolar dos
acontecimentos veio provar que os pombos eram ainda bem importantes, às vezes mesmo
insubstituíveis. A meio do período da guerra, uma palestra é difundida pelo serviço da BBC,
por Moore Raymond:

"É um pouco irritante pensar que nestes dias de maravilhas científicas, especialmente no
que diz respeito às comunicações globais via rádio, ainda dependemos tanto do simples
facto de uma certa ave, cinzenta, pequena e elegante, estar sempre a querer ir para casa."

Apesar do salto tecnológico, em certas circunstâncias como, por exemplo, quando emitir
sinais de rádio se tornava perigoso por poderem ser captados pelo inimigo ou naquele
casos em que os aparelhos se avariavam, o pombo correio continuava a ser necessitado.

O pombo começou assim a ser utilizado como complemento de segurança, tornando-se por
isso necessário desenvolver novas técnicas de treino por forma a aumentar a sua eficiência.

Quando, no início da guerra, se recorreu também à utilização de pombos oferecidos ou


requisitados aos civis, houve que prepará-los para serem soltos isoladamente e de qualquer
ponto, por vezes a distâncias superiores a centenas de milhas.

As fontes contam que era preciso habituá-los ao barulho dos motores dos aviões que ao
princípio os atordoavam. Para o seu transporte, foram estudados novos contentores em
substituição dos antigos de forma a permitirem os pombos serem largados às velocidades
que os aviões já então atingiam. Dentro do avião os pombos eram confiados aos cuidados
do rádio ou operador que, em caso de amaragem, deveria soltar o contentor e voltar às

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costas para poder ficar com as mãos livres, de modo a conseguir alcançar o bote salva-
vidas. Alguns contentores também serviam de bóia.

Claro que no decorrer da guerra, vários atos heroicos foram cometidos pelos pombos, por
exemplo, em Dieppe. Antes do ataque dos aliados ou a velocidade em enviar uma
mensagem para a base, mas as transmissões tinham que ser silenciadas.

Foram largados dois pombos. Um morreu, mas o outro conseguiu alcançar a base. Também
nas campanhas do norte de África desempenharam um papel importante entre os
paraquedistas e a base. Jungle Joe evidenciou-se em Burma e Gi Joe foi mesmo fulcral
para os ingleses na Itália

Finalmente, como se o destino quisesse que lhes fosse dada a hora de serem eles a
anunciarem a Eisenhower o início da Vitória final, foram os pombos o meio de transmissão
escolhido para levar a mensagem, anunciando o êxito dos paraquedistas da Normandia.

Pode ler se no diário popular de 11.7.1944:

"Os pombos-correio foram exportadores das primeiras notícias, anunciado o êxito da


segunda frente."

"Londres 11 - foram os pombos correio que levaram para algures, na Costa da Inglaterra, a
primeira notícia do éxitos paraquedistas da Normandia ao general Eisenhower. Esses
pombos estavam cuidadosamente treinados para voarem sobre o canal da mancha. Foram
também pombos correio que eu levaram as primeiras mensagens da reuter sobre os
desembargos das paredes americanas (Reuter)."

Da guerra de 1914-18 e da guerra de 1939-45, muitas mais histórias de pombos-correio


haveria para contar. Por exemplo, histórias de aviadores caídos ao mar e salvos por
mensagens levadas pelos pombos: histórias de pombos intoxicados, que cumpriram as
suas missões, histórias de pombos que morreram no cumprimento do seu dever, histórias
de pombos que sem qualquer problema levaram mensagens para o cais, etc. De tantos
relatos, só não se encontra uma única história em que o pombo tenha desertado ou traído.

Depois de tudo isto, dá vontade de perguntar como é que esta ave tão simples e humilde
continua a ser obrigada a estar ao serviço das guerras dos homens que estranhamente tem
a pomba como símbolo da paz.

Talvez os maiores admiradores dos pombos - os Belgas - tenham a resposta, quando


criaram o grupo “mensageiros do coração”. O seu objetivo era trazer trocas de poemas
escritos por crianças dos 5 anos aos 15 anos subordinados ao tema da paz, fazendo jus
aos pombos-correio. Milhares de mensagens foram enviadas trazendo cartas de esperança
e de paz. “Talvez assim, já seja possível dizer ao pombo correio:

"Voa para o sítio mais alto que encontrares. Em silêncio, tenta esquecer todas as violências
e agruras que te fizeram passar. Enche o coração do azul infinito do céu e com a alma
transparente de alegria e da paz, voa finalmente para junto da tua família."”

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QUARTO CAPÍTULO: O POMBO CORREIO EM PORTUGAL

E quanto a Portugal? Qual a relação dos portugueses com o pombo? Para responder a
essa pergunta, é importante lembrar que para além de essa relação ser muito longa e
amiga, o pombo dos tempos mais antigos entrou na nossa cultura, particularmente na
cultura religiosa, como imagem do Espírito Santo. Por essa razão, foi muito representado
em inúmeras igrejas de norte a sul do país. É tamanho de referir a custódia de Belém, sem
dúvida uma das mais importantes obras de ourivesaria portuguesa. Mandada fazer em
1506, pelo Rei D. Manuel I. Foi o alvorada, por Gil Vicente que utilizou na sua realização
6350g de ouro e esmaltes para o ícone. No corpo superior da Custódia, estão
representados os dois apóstolos ajoelhados e num plano acima, surge o espírito Santo,
representado por uma pomba branca.

Vale muito a pena mencionar também os festejos de casamento de D. Afonso VI com D.


Isabel de Sabóia, em 1676, que decorreram em Lisboa, de agosto até final de outubro.
Desde Alcântara até à Sé, foram construídos vários arcos debaixo dos quais se podia
passar. Esses arcos foram decorados e pintados com motivos de grande proeza e valor
iconográfico, figurando entre eles a felicidade, que está representada por um casal de
pombos. Seria impossível de escrever todos os casos de expressão artística em que os
pombos estão presentes. Para além da tintura e das joalharia, eles aparecem nas
tatuagens, na tapeçaria, na azulejaria, na cerâmica, etc.

E para aqueles que se dedicam à filatelia, vale lembrar que o ano de 1986 foi considerado
pela ONU como o ano internacional da paz. Comemorando esse facto, os CTT emitiram um
selo representando uma pomba a voar à volta do mundo. Uma outra emissão em que os
pombos apareceram foi feita em março de 1970, celebrando o 13º aniversário da NATO. Foi
seu autor Cândido Costa Pinto, que usou como tema, uma pomba pousada em cima de
uma âncora.

Na segunda metade do século XIX, também começaram a utilizar-se os pombos para fins
militares. Também por essa época, em Lisboa, se largavam os pombos utilizando o serviço
aos galegos.

Após as duas grandes guerras, tirou-se um enorme partido do espetáculo que é saltar
milhares de pontos em simultâneo. Assim, os acontecimentos festivos de grande impacto
eram muitas vezes abrilhantados com a grandiosas largadas de pombo. Em Lisboa, o alto
do Parque Eduardo VII o que é gestão de São Jorge eram os locais normalmente inscritos,
e no Porto, a avenida dos aliados.

Em 1953, milhares de pessoas presenciaram na zona de Belém, em Lisboa, uma magnífica


ou largada de mais de 10.000 pontos, que tornou mais bonita uma cerimónia muito
importante na época - a benção dos bacalhoeiros que iam partir para a terra nova. Foi feita
durante a missa Solene, no momento da elevação, ao mesmo tempo que o corpo dos
marinheiros executava a Marcha de Continência.

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Em 1957, outra largada passou para a história. Dez mil pombos foram soltos do alto do
Parque Eduardo VII, em honra da sua majestade, Rainha Isabel II de Inglaterra, quando da
sua apoteótica visita a Portugal.

Á parte dos pombos-correio, é útil também falar do aspecto positivo que os pombos comuns
desempenham em alegrar os centros urbanos. É muito vulgar ver pessoas na rua, que
trazem pão, milho ou restos de comida para alimentar as aves. Em Lisboa chegou mesmo a
constituir-se um grupo, que uma vez por ano, se reunia para ir de praça em praça largando
milho. Tudo isto contrabalança com a propagação de doenças que os animais representam
e a degradação dos edifícios e monumentos, pelo que a câmara não muitos anos a seguir,
proibiu o alimento de pombos de rua.

Voltando ao pombo-correio e a columbofilia, as suas características peculiares e a


simplicidade da criação do pombo faz com que muitos entusiastas se atraiam a este
desporto.

Será pois motivo de admiração para muita gente saber que o número de praticantes se
eleva a cerca de 20.000, militando nos 700 clubes existentes em todo o país.

Também é interessante conhecer o que se passa a nível internacional. Com efeito, depois
da segunda grande guerra, mais concretamente a 9 de janeiro de 1948, reúnem-se em
Londres associações columbófilas de mais de 14 países: Bélgica, Checoslováquia,
Dinamarca, Escócia, Espanha, França, Inglaterra, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Suécia
e Suíça. O fim deste encontro, foi o de criar uma federação internacional de columbofilia,
que acabou por ser sediada em Bruxelas.

Em 1997, o número do países federados já era de cinquenta e quatro. Vale a pena verificar
que, nessa data, Portugal tinha 17.323 filiados, números comparativamente superiores aos
da Espanha (4720), Itália (3680), e Estados Unidos da América (12.435)

A columbofilia é um desporto que em Portugal não escolhe classes sociais. Em todas elas
há clubes columbófilos que dedicam uma grande parte do seu tempo em dinheiro à criação,
tratamento e treino dos seus pombos correios. Todos, com mais ou menos entusiasmo,
esperam ansiosamente a chegada dos seus pombos para poderem introduzir no
constatador a anilha que irá marcar a hora de buscar e decidir a classificação no concurso.
São em números os concursos que todos antes se realizam.

Para além das largadas feitas em Portugal, Barcelona, Madrid, Albacete, Valência,
Saragoça, etc; são as cidades espanholas que entram na história da nossa columbofilia,
devido às provas de corrida de pombos que nelas se fazem. É uma história feita de alegrias,
mas também de tristezas, a que me refiro, pombos que se perderam no caminho em muitas
situações e nunca mais voltaram para casa. Como os columbófilos não desistem, esses
contratempos são facilmente superados. As suas largadas de pombo contam-se nas
dezenas de milhares, largando-se mais de 65.000 pombos em Évora, em 1972.

Das mais modestas sociedades columbófilas aos mais modernos columbódromos, são
todos eles, no fundo e particularmente na época de concursos, grandes pontos de reunião
onde se discutem os feitos dos pombos e são momentos de convívio e partilha. Jaime de

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Almeida, aproveita para associar o momento de convívio e partilha que se faz com os
columbódromos com o mesmo que se faz com os jogos de futebol.

Quando os clubes iam jogar fora, nem todos os adeptos os podiam acompanhar, o que
criava aos que ficavam uma grande expectativa sobre o jogo. Então, alguns adeptos
começaram a levar consigo pombos correio que soltavam quando havia golo, ou quando o
jogo acabava. Provavelmente um dos clubes que mais utilizou este sistema terá sido o
Belenenses, talvez por ser o clube de Lisboa que ficava mais distante. Na revista Eco dos
Sports, de 22.05.1927, publica-se o artigo, intitulado: "O Foot-Ball e os pombos correios",
que fala sobre este tema de maneira apaixonada que Jaime de Almeida insistiu em
transcrever em parte

Para além destas corridas de pombos e do seu uso como mensageiros, são efetuados
também concursos de beleza, que todos os anos atraem milhares de entusiastas que
gostam de comparar os seus pombos.

Conclui Jaime de Almeida: “É agradável verificar que, apesar de tudo, nos dias de hoje
ainda continua a ser nobre à atividade columbófila (...), talvez seja esta a melhor
homenagem que os columbófilos possam prestar a esta ave que chega a parecer ter como
objetivo na vida servir, sempre com humildade, dedicação e lealdade e que é, com toda a
justiça, considerada como símbolo indiscutível da paz.”

QUINTO CAPÍTULO: O POMBO CORREIO NOS AÇORES


Nos Açores, os pombos-correio foram introduzidos pelos primeiros colonizadores
portugueses, que os trouxeram do continente para as ilhas. Os pombos-correio foram

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usados como meio de comunicação entre as ilhas e com o continente, especialmente em


tempos de guerra, de isolamento e de emergência. Por exemplo, durante a Guerra Civil
Portuguesa (1828-1834), os liberais usaram os pombos-correio para comunicar entre as
ilhas dos Açores, que apoiavam a causa liberal, e com o continente, onde se travavam as
batalhas contra os absolutistas. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os
pombos-correio foram usados pelos militares portugueses para enviar mensagens entre as
ilhas dos Açores, que serviam de base naval aliada, e com o continente e outros países
aliados. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os pombos-correio foram usados
pelos civis açorianos para enviar mensagens pessoais e comerciais entre as ilhas e com o
continente, numa altura em que os meios de comunicação estavam limitados e controlados
pelo regime ditatorial.

Os pombos-correio foram também uma fonte de paixão para muitos açorianos, que se
dedicaram à criação, ao treino e à competição destes animais. A columbofilia é o desporto
que consiste em criar e treinar pombos-correio para competições de velocidade e
resistência. A columbofilia tem uma grande importância cultural, social e econômica para o
arquipélago. A columbofilia é uma forma de preservar e valorizar o património histórico dos
pombos-correio, que foram usados durante séculos como meio de comunicação entre as
ilhas e com o continente. A columbofilia é também uma forma de promover a integração, a
cooperação e a amizade entre os columbófilos e as suas famílias, bem como de estimular o
turismo e o comércio relacionados com os pombos-correio.

Nos Açores existem três coletividades federadas: o Clube Columbófilo de São Miguel
(CCSM), o Clube de Amigos da Columbofilia do Nordeste (CACN) e a Sociedade
Columbófila da Ilha Terceira. Estas coletividades organizam campeonatos internos e inter-
ilhas, bem como participam em eventos nacionais e internacionais. O CCSM é o clube mais
antigo e mais representativo da columbofilia açoriana, tendo sido fundado em 2000 por um
grupo de entusiastas liderados por Luís Soares, atual presidente da direção. O CACN é um
clube mais recente e mais lúdico, que promove a convivência entre os columbófilos e a
divulgação da modalidade. A Sociedade Columbófila da Ilha Terceira é a única coletividade
existente na ilha, tendo também uma forte componente social e recreativa.

Os columbófilos açorianos têm demonstrado o seu valor e qualidade em diversas


competições, tanto a nível regional como nacional e internacional. Um dos exemplos mais
recentes foi a participação na Exposição Nacional de Columbofilia 2023, realizada em
Torres Novas, onde os pombos dos Açores foram os melhores classificados em todas as
classes (borrachos e livre). Em 4 de Dezembro de 2009, o Açoriano Oriental também
anunciou uma exposição regional de pombos na Ribeira Grande Outro exemplo foi a
participação no Derby Internacional Arona Tenerife 2023, onde os pombos do CCSM
obtiveram excelentes resultados, destacando-se o pombo “Açor 1”, que ficou em 4º lugar na
final.

Os pombos-correio foram ainda um desafio para os columbófilos açorianos, que tiveram que
adaptar-se às condições geográficas e climáticas do arquipélago, bem como às normas e
regulamentos nacionais e internacionais. Os columbófilos açorianos enfrentam as
dificuldades impostas pela localização geográfica do arquipélago, que limita as soltas e as
distâncias percorridas pelos pombos, mas também aproveitam as potencialidades da
columbofilia de mar, que exige uma maior preparação e seleção dos animais.

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Um dos principais desafios é a adaptação do regulamento desportivo nacional à realidade


insular, de forma a garantir uma maior equidade e participação dos columbófilos açorianos
nos campeonatos nacionais. Outro desafio é a melhoria das condições logísticas e
sanitárias para o transporte dos pombos entre as ilhas e para o continente, de forma a evitar
riscos para a saúde e o bem-estar dos animais. Um terceiro desafio é a divulgação e a
sensibilização da população em geral para a columbofilia, de forma a atrair novos
praticantes, especialmente os mais jovens, e a combater os preconceitos e as
incompreensões que ainda existem em relação à modalidade.

Sobre o pombo correio:


O que os columbófilos procuram em um pombo, é que o pombo tenha uma constituição
física muito forte, um esqueleto muito rígido, uma plumagem excecional, um bracinho muito
curto, duas decalagens nas penas, costas aerodinâmicas e direitas e asas ventiladas. O
mais importante da genética, é a cabeça (tem de ser aerodinâmica) e um bom coração. Isso
ninguém cria nos pombos e não dá para criar por cruzamento, resta apenas manter a
linhagem do Pombo. Os cruzamentos dos pombos fazem-se para ter uma asa o mais
ventilada possível. A ventilação é importante, principalmente para provas mais difíceis com
13-15 horas de voo, para o voo se desgastar menos, fazendo menos esforço para voar, pois
a asa é menos compacta.

O pombo é um animal que vive no mesmo sítio e tem um mecanismo natural que o faz se
orientar. Estes pombos não são animais solitários e procuram estar sempre juntos em
bandos. Durante a primeira e segunda grande guerras, foram muito úteis para o envio de
mensagens, como forma alternativa de comunicação.

Para se guiar de volta para casa, os pombos possuem três habilidades fundamentais: (1) A
visão, pela qual localiza o Sol e identifica sua posição (leste, oeste e norte); (2), O relógio
interno, do qual identifica o período do dia e (3), a memória, que ele utiliza para aprender a
relação entre a posição do Sol e a hora do dia. Muitas vezes, quando o pombo se baralha
nestes fatores de orientação, ele perde a noção de onde está e perde-se.
Qual a diferença entre um pombo comum e um pombo-correio?
Da mesma maneira que o cão foi sofrendo cruzamentos, o pombo correio foi criado com o
cruzamento de várias aves, para conseguir voar mais longe, se orientar melhor ser mais
resistente, etc. Um pombo correio tem características diferentes das de um pombo da rua.
Tem cerca de o dobro do peso, musculatura, força, cabeça aerodinâmica, bico fino e
grande, narinas maiores, uma camada á volta dos olhos maior que a do pombo na rua e
que aumenta com o passar do tempo.

É praticamente impossível determinar com precisão a época em que o pombo foi


domesticado e utilizado pelo homem como portador de mensagens. Segundo Morin (1938),
admite-se como facto, que o pombo doméstico já é utilizado pelo menos desde a quinta
dinastia egípcia, ou seja, entre 3 a 4 séculos antes da nossa era.
SEXTO CAPÍTULO: O POMBO CORREIO NA CULTURA:

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A representação do pombo-correio na cultura é muito variada e rica, refletindo a sua


importância histórica, simbólica e afetiva para a humanidade. O pombo-correio foi utilizado
como mensageiro em diversas civilizações e épocas, desde o Antigo Egito até à Segunda
Guerra Mundial, tendo sido um meio de comunicação rápido, fiável e discreto em situações
de guerra, de isolamento e de emergência (Wikipedia, 2021). O pombo-correio foi também
um símbolo de paz, de liberdade e de esperança, que inspirou vários artistas, escritores e
poetas.

Na arte, o pombo-correio foi representado em várias obras, como pinturas, esculturas e


gravuras. Por exemplo, o pintor francês Jean-Baptiste Greuze retratou uma jovem mulher
segurando um pombo-correio na obra “A Mensagem do Pombo” (1759), que expressa a
emoção e a expectativa de receber uma carta de amor. O escultor italiano Giuseppe Franchi
criou uma estátua de mármore representando um pombo-correio na obra “O Pombo-
Correio” (1785), que simboliza a fidelidade e a lealdade. O gravador inglês William Hogarth
ilustrou uma cena de guerra com um pombo-correio na obra “O Massacre de São
Bartolomeu” (1724), que mostra o contraste entre a violência e a inocência.

Na literatura, o pombo-correio foi tema ou personagem de vários livros, contos e poemas.


Por exemplo, o escritor francês Honoré de Balzac escreveu um romance intitulado “O
Pombo-Correio” (1842), que narra a história de um jovem apaixonado que envia cartas por
meio de um pombo-correio para a sua amada. O escritor brasileiro Machado de Assis
escreveu um conto chamado “O Pombo-Correio” (1870), que conta a história de um homem
que recebe uma carta anônima por meio de um pombo-correio e fica intrigado com o seu
conteúdo. O poeta português Fernando Pessoa escreveu um poema denominado “O
Pombo-Correio” (1915), que expressa a saudade e a angústia de quem espera uma
mensagem de amor.

Na música, o pombo-correio foi inspiração ou referência para várias canções e


composições. Por exemplo, o cantor brasileiro Moraes Moreira compôs uma música
chamada “Pombo-Correio” (1977), que fala da nostalgia e da esperança de quem envia ou
recebe uma carta por meio de um pombo-correio. O cantor português José Cid compôs uma
música intitulada “Pombo-Correio” (1980), que fala do amor e da comunicação entre duas
pessoas que se encontram separadas por uma distância. O cantor norte-americano Bob
Marley compôs uma música denominada “Three Little Birds” (1977), que fala da paz e da
alegria transmitidas por três pequenos pássaros.

Na cultura popular, o pombo-correio foi protagonista ou coadjuvante de vários filmes,


desenhos animados e jogos. Por exemplo, o filme “Valiant - Um Herói que Vale a Pena”
(2005) é uma animação que conta a história de um pequeno pombo-correio que se alista no
serviço secreto britânico durante a Segunda Guerra Mundial. O desenho animado “Os
Pombos-Correios” (1968-1971) é uma série que mostra as aventuras de dois pombos-
correios que trabalham para uma agência postal. O jogo “Pigeon Simulator” (2019) é um
simulador que permite ao jogador controlar um pombo-correio em uma cidade cheia de
desafios e perigos. Na coleção Uma Aventura, o pombo também é representado na obra
Uma Aventura no Estádio.

Em banda desenhada, também existe a história de Cher Ami, escrita por Joeming Dunn.

CONCLUSÃO:

25
26

Como podemos constatar, Os pombos correio são aves que se destacam pela sua
capacidade de retornar ao seu local de origem, mesmo percorrendo longas distâncias. Eles
foram utilizados ao longo da história para transportar mensagens e objetos entre diferentes
lugares, especialmente em situações de guerra ou de comunicação limitada. Eles também
têm um papel simbólico em diversas culturas e religiões, representando a paz, o espírito
santo ou a esperança.

Os pombos correio são uma variedade domesticada do pombo-comum ou pombo-das-


rochas, que possui um senso de orientação baseado na magnetorrecepção, ou seja, na
percepção do campo magnético da Terra. Eles também podem usar outros sinais visuais,
auditivos ou olfativos para se guiarem. Eles são capazes de voar até mil quilômetros em um
único dia, a uma velocidade de 90 quilômetros por hora.

Os pombos correio foram usados desde o Antigo Egito para trocar informações entre
diferentes regiões. Eles também foram empregados nas civilizações grega e romana, nos
Jogos Olímpicos, nas campanhas militares e nas comunicações diplomáticas. Na Idade
Média e na Era Moderna, eles continuaram sendo usados para fins bélicos e políticos,
assim como para fins recreativos e esportivos. Na Primeira e na Segunda Guerra Mundial,
eles foram essenciais para transmitir mensagens que não podiam ser interceptadas pelos
inimigos.

Os pombos correio também têm um valor simbólico em diversas tradições culturais e


religiosas. Na Bíblia, eles aparecem como mensageiros de Deus ou como sinais de
salvação. Na mitologia e na literatura, eles são associados à fidelidade, à inteligência ou à
beleza. Na arte e na ciência, eles são retratados como objetos de estudo ou de admiração.

Os pombos correio são, portanto, pássaros que fizeram história e que ainda hoje despertam
o interesse e a curiosidade das pessoas. Eles são exemplos de como os animais podem se
adaptar às necessidades humanas e de como podemos estabelecer uma relação de
cooperação e respeito com eles. Eles também são testemunhas de como a comunicação é
fundamental para a sociedade e de como ela evoluiu ao longo do tempo.

ANEXO:

26
27

Figuras 5, 7, 8 e 9. Gravuras representando um mercado e matadouro de cavalos para


alimentação; o abate; o tratamento da carne do cavalo e a salga, em L’Illustration - Journal
Universel, 24.12.1870.

Figura 10.
Um
pombal de
pombos-
correios
da Rua Magenta, durante o cerco de Paris, em L’Illustration - Journal Universel, 11.02.1871

27
28

Figura 11. Interior de um pombal de pombos-correios, durante o cerco de Paris, em


L’Illustration - Journal Universel, 11.02.1871

Figura 12. A Ilustração Portuguesa, 09.01.1911

28
29

Figura 13. Um talho especial no Mercado de Saint Germain, durante o cerco de Paris em
L’Illustration - Journal Universel, 24.12.1870

29
30

Figura 14. A Ilustração Portuguesa, 09.01.1911

30
31

Figura 15. A
Ilustração Portuguesa, 17.01.1911

31
32

Figura 16. A Ilustração Portuguesa, 18.10.1915

32
33

Fig 17. A Ilustração Portuguesa, 24.04.1916

33
34

Figura 18. Fixação da mensagem a um pombo antes de abandonar a trincheira; pombo-


correio abandonando a trincheira com a mensagem; estação telefónica experimental na
primeira linha de batalha, em The llustrated London News, 02.06.1917

34
35

Figura 19. Capa de O Século Ilustrado de 30.06.1938

35
36

Figura 20. A Ilustração Portuguesa, 03.06.1918

36
37

Figura 21.
A Ilustração Portuguesa, 03.06.1918

37
38

Figura 22. Embarque de um cesto de vergacontento pombos; envio de pombos; envio de


mensagens através de pombos a bordo de um hidroavião; rádio-operador de um hidroavião
fixa a mensagem á perna de um pombo antes de o soltar durante o voo, em War Pictorial,
03.11.1939

38
39

Figura 23. A Guerra Ilustrada, Maio de 1918

39
40

40
41

Figura 24. Treino de um bando de pombos da Royal Air Force (RAF) em War Pictorial,
03.11.1939

Figura 25. A Guerra Ilustrada, Maio de 1918

41
42

Figura 25. Eduardo Azevedo, popular futebolista do Belenenses,


lança um pombo-correio anunciando a vitória, por 2-0 sobre o
Benfica, em Eco de Sports, 22.05.1927.

Figura 26. A Ilustração Portuguesa, 03.04.1911

42
43

BIBLIOGRAFIA:

Almeida, J. F. (2004). O pombo correio: mensageiro com história. Clube do


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Pombos Correio _ Opiniões de Grandes Columbófilos de PORTUGAL - YouTube
(https://www.youtube.com/watch?v=ZVdtzEWwb_4&t=458s)

POMBO-CORREIO OU POMBO DA RUA? QUAIS AS DIFERENÇAS? - YouTube


(https://www.youtube.com/watch?v=ZHynbOuSgsg)

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http://www.jstor.org/stable/44563742

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https://novaescola.org.br/conteudo/17685/como-o-pombo-correio-sabe-para-onde-ele-deve-
levar-a-mensagem

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century-old pigeon mystery. https://americanhistory.si.edu/blog/cher-ami

Exposição Regional de Pombos-Correio na Ribeira Grande - Açoriano Oriental


(acorianooriental.pt) (https://www.acorianooriental.pt/noticia/exposicao-regional-de-pombos-
correio-na-ribeira-grande-197521)

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