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PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL: CONTRIBUIÇÕES PARA A

INCLUSÃO, ALFABETIZAÇÃO E PROMOÇÃO DA SAÚDE


SOCIOEMOCIONAL DE CRIANÇAS DE ESCOLAS PÚBLICAS DE
FORTALEZA

Adriana Leite Limaverde Gomes1 - UFC


Maria Isabel Bellaguarda Batista2 - CIAR
Rita Vieira de Figueiredo3 - UFC

Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão


Agência Financiadora: Prefeitura Municipal de Fortaleza – Secretaria Municipal de Educação

Resumo

Este trabalho intitulado, Psicomotricidade relacional: contribuições para a inclusão,


alfabetização e promoção da saúde socioemocional de crianças de escolas públicas de
Fortaleza, objetiva analisar os dados obtidos, a partir da relação entre os comportamentos
socioemocionais e a aprendizagem da leitura e da escrita de crianças matriculadas no 1º e 2º
anos do Ensino Fundamental na rede pública de ensino do município de Fortaleza. A
fundamentação teórica deste projeto ancora-se na abordagem da Psicomotricidade Relacional,
a partir das contribuições de André Lapierre e Anne Lapierre. Fundamenta-se também na
psicogênese da leitura e da escrita, com base nos estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky.
Os procedimentos metodológicos consistiram na aplicação de um pré e um pós-teste sobre
leitura e escrita, e a respeito das habilidades socioemocionais, e na realização de sessões de
psicomotricidade relacional. Participaram deste estudo 18 escolas, nas quais foram atendidas
3.473 crianças com idade entre 5 e 12 anos, alunos de 1º e 2º anos do Ensino Fundamental.
Foram realizadas 22 sessões de psicomotricidade relacional. Cada sessão era desenvolvida
com aproximadamente 13 crianças. Para a análise dos resultados, considerou-se uma amostra
de 323 crianças de faixa etária variável entre 5 e 12 anos. Observou-se evolução dos
comportamentos socioemocionais de todas as crianças. Verificou-se também uma progressão
importante do ponto de vista da aprendizagem de leitura e de escrita. Conclui-se que a

1
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Professora Adjunto III da Universidade Federal do
Ceará, Faculdade de Educação, Departamento de Teoria e Prática do Ensino. Pesquisadora nas áreas de
alfabetização, educação especial, educação inclusiva.
2
Doutora Honoris Causa em Psicomotricidade Relacional e Análise Corporal da Relação pela Associação
Brasileira de Medicina Psicossomática do Distrito Federal (ABMPDF). Psicomotricista Relacional e Analista
Corporal da Relação.
3
PhD em Psicopedagogia pela Université de Laval – Quebec - Canadá. Pós-Doutorado em Linguagem Escrita
pela Universidade de Barcelona. Professora Titular da Universidade Federal do Ceará – Faculdade de Educação
– Departamento de Estudos Especializados. Pesquisadora nas áreas de alfabetização, educação especial,
educação inclusiva.

ISSN 2176-1396
41711

Psicomotricidade Relacional na escola contribuiu para atender às necessidades das crianças,


tanto em relação às dificuldades comportamentais, como em relação à aprendizagem da
leitura e da escrita. Considerando que esta prática estimula o respeito às diferenças por parte
das crianças permitindo a livre expressão das mesmas em atividades lúdicas, contribui para a
inclusão e permanência delas na escola.

Palavras-chave: Psicomotricidade Relacional. Saúde Sócio-Emocional. Alfabetização.


Inclusão.

Introdução

O presente trabalho originou-se de um projeto de pesquisa intitulado Alfabetização de


crianças na idade certa: contribuições da Psicomotricidade Relacional por meio da promoção
da saúde socioemocional de alunos e professores das escolas públicas do município de
Fortaleza, que objetivou investigar as contribuições da Psicomotricidade Relacional para os
processos de alfabetização de alunos do 1º e 2º anos do Ensino Fundamental matriculados na
rede pública de ensino do município de Fortaleza.
Esta pesquisa resultou de um trabalho pioneiro realizado nos anos de 2011 e 2013, que
consistiu na oferta de um curso de formação de 200 professores da rede municipal de
Fortaleza, sob a coordenação do Centro Internacional de Análise Relacional (CIAR).
Nesse curso, os docentes em formação realizaram, nas escolas municipais, a prática
profissional supervisionada em Psicomotricidade Relacional. Vale ressaltar que o estágio nas
escolas, apesar de não ter ocorrido em condições ideais, promoveu mudanças positivas no
comportamento e na aprendizagem das crianças que participaram das sessões de
Psicomotricidade Relacional.
Com base nos resultados obtidos, a Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza -
SME manifestou o interesse de desenvolver uma pesquisa em sua rede de ensino, com o
objetivo de avaliar os impactos de uma intervenção em Psicomotricidade Relacional sobre o
desenvolvimento de competências socioemocionais, a inclusão e a alfabetização das crianças,
cujos professores participam do Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa
(PNAIC).
Este texto apresenta os dados obtidos a partir da relação entre os comportamentos
socioemocionais e a aprendizagem da leitura e da escrita de alunos matriculados no 1º e 2º
anos do Ensino Fundamental na rede pública de ensino do município de Fortaleza.
Participaram deste estudo 18 escolas, contemplando 3.473 crianças com idade entre 5
e 12 anos, todos elas matriculadas no 1º e 2º anos do Ensino Fundamental na rede municipal
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de Fortaleza. A seleção das escolas baseou-se em dois critérios: altos índices de violência e
baixas taxas de alfabetização. Neste texto, para efeito de análise dos dados considerou-se a
amostra de 323 crianças.

Referencial Teórico

A fundamentação teórica deste projeto ancora-se na abordagem da Psicomotricidade


Relacional, especialmente nas contribuições de André Lapierre e Anne Lapierre. Fundamenta-
se ainda na psicogênese da leitura e da escrita, com base nos estudos de Emília Ferreiro e Ana
Teberosky. Baseia-se também nos pressupostos da educação inclusiva, que rompe com o
modelo de escola excludente, elitista, meritocrática e homogeneizante. Apoia-se também nas
contribuições de Edgar Morin sobre o paradigma da pós-modernidade, para discutir as
habilidades socioemocionais. O presente texto focaliza três eixos principais: Psicomotricidade
Relacional; Habilidades Socioemocionais e Aprendizagem da Leitura e da Escrita.

Psicomotricidade Relacional na escola: proposta, características da intervenção,


objetivos e benefícios

O método da Psicomotricidade Relacional criado por André Lapierre e Anne Lapierre


(2004, 2010), defende uma educação que considera além dos conteúdos do currículo formal: a
atenção aos aspectos afetivos e emocionais e o desenvolvimento integral da criança.
A Psicomotricidade Relacional prioriza o trabalho em grupo e enfatiza a importância
da comunicação corporal e do jogo espontâneo. A prática da Psicomotricidade Relacional traz
como um dos seus principais diferenciais a participação ativa da criança na atividade proposta
em grupo. O psicomotricista relacional se implica corporalmente e participa como parceiro
simbólico no jogo espontâneo. Nesse papel, esse profissional deve ter disponibilidade para
entrar na brincadeira corporal, assumindo papéis projetados nele pelas crianças, tais como:
bruxa, jacaré, super-herói entre outros. Essa vivência simbólica favorece a elaboração dos
medos e fantasias inconscientes das crianças. Nessa atuação direta, o psicomotricista
relacional intervém, contribuindo para o melhor desenvolvimento do aluno nos aspectos
psicomotor, psicoafetivo, psicossocial e cognitivo favorecendo sua inclusão escolar.
As sessões de Psicomotricidade Relacional são realizadas em um espaço físico
designado como setting, que, por excelência, deve constituir-se em um espaço simbólico
permissivo, continente e desculpabilizante, no qual se valoriza a importância da organização,
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do espaço e do tempo. “Esses fatores possibilitam a realização de atividades propostas,


garantindo a segurança e a confiabilidade na situação do jogo espontâneo” (VIEIRA;
BATISTA; LAPIERRE, 2005, p. 97).
O método tem como características fundantes o jogo espontâneo, a comunicação
tônica e a decodificação simbólica dos atos vivenciados. Nesse sentido, Batista e Vieira
(2013) defendem que, na medida em que se colocam os dizeres corporais no centro da
atenção, escutam-se as demandas relacionais da criança e valorizam-se, por meio do brincar
espontâneo e da comunicação não verbal, o desenvolvimento de suas competências sociais e
emocionais.
A Psicomotricidade Relacional na escola se constitui uma prática vivenciada que
inclui um conceito amplo de educação para a diversidade e para a construção de valores. Sua
finalidade é preventiva, dentro de uma perspectiva que visa potencializar o equilíbrio
emocional, a socialização e o desenvolvimento cognitivo.
A intervenção em Psicomotricidade Relacional apresenta-se livre de objetivos
pedagógicos diretos, no entanto ela se mostra essencial à consolidação e à descoberta de
novas aprendizagens. As sessões possuem estrutura própria e regras que modulam o seu
desdobramento, elas também compreendem os espaços (físico e simbólico) e os tempos
(cronológico e subjetivo) que cercam essa prática psicomotora. Cada sessão segue uma
organização composta por quatro momentos: ritual de entrada, jogo dinâmico e espontâneo,
relaxamento e ritual de saída. Nessas sessões, também são utilizados materiais específicos a
essa intervenção, sendo os mais clássicos: bolas de vinil infláveis, de cores e tamanhos
distintos; bambolês de diferentes diâmetros e cores; cordas de espessuras, cores e tamanhos
diversificados; tecidos de cores, texturas e padrões diversos; bastões de espuma de cores e
tamanhos diversificados; caixas de papelão de vários tamanhos; e jornais.
Na intervenção da Psicomotricidade Relacional, esses materiais assumem valor
simbólico. Sua finalidade é intermediar a relação corporal e facilitar projeções de conteúdos
simbólicos que suscitam indícios importantes para leitura e decodificação dos dizeres
inconscientes dos participantes. Esses dizeres evidenciam a real demanda da criança em suas
relações com o espaço, com o tempo, com as outras crianças, consigo mesma e com o adulto.
Vieira (2013, In BATISTA, M. I. B.; VIEIRA, J. L, 2013, p. 110), argumenta que “o jogo
simbólico supõe uma expressão profunda da vida psíquica do indivíduo”.
A intervenção em Psicomotricidade Relacional, no cotidiano escolar, apresenta-se
eficaz no sentido de contribuir para o processo de educação, em especial de alfabetização,
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uma vez que diversifica estratégias relacionais que provocam o desenvolvimento de


competências socioemocionais; prioriza várias formas de aprendizagem; desperta o desejo
para a aquisição de novos conhecimentos; além de evidenciar o cenário propício em que se
observam em um mesmo sujeito os processos de conhecer e reconhecer-se sob várias ópticas.
As crianças que apresentam maior índice de comportamentos marcados pela violência
e pelas dificuldades de aprendizagem comumente são excluídas das escolas. A exclusão não
se manifesta apenas pela presença de deficiência. Rocha (2002) verificou que crianças
expostas à violência familiar que manifestavam dificuldades de adaptação e de aprendizagem
na escola, eram aquelas que viviam um processo velado de exclusão escolar. Nossa pesquisa,
cujo resultado apresentamos nesse trabalho, indicou que a intervenção em psicomotricidade
relacional permite o regaste do sujeito, liberando de forma construtiva sua agressividade, o
que favorece uma melhor adaptação as atividades escolares e consequentemente ao processo
de aprendizagem. Nesse sentido, esta contribui também para a permanência e inclusão da
criança na escola.

Habilidades socioemocionais em face dos desafios da sociedade e da escola inclusiva na


contemporaneidade

Nas últimas décadas, a escola tem passado por mudanças significativas no que diz
respeito à sua identidade e ao papel que deve desempenhar ante essa nova lógica social. Em
função das mudanças da instituição familiar e do crescimento das exigências do mundo
moderno, cobra-se da escola a capacidade de lidar com as múltiplas demandas de sua clientela
e se delega a ela a responsabilidade de preparar, praticamente sozinha, a criança e o jovem
para a sua inserção nessa sociedade em movimento. Trata-se de milhões de pessoas –
crianças, jovens e adultos – em milhares de escolas e salas de aula, criando modos de ser e de
entender o seu mundo e o mundo em geral de modos diversificados. Estes aspectos têm
exigido das pessoas o desenvolvimento de competências socioemocionais.
Nesse cenário, rompe-se com determinismos e grandes modelos explicativos e
buscam-se novas formas de compreensão do real, em que o diferente e o divergente se
instalam. Por mais que se tente homogeneizar as escolas e a vida escolar, a elas são levados
hábitos sociais diferenciados, múltiplas etnias, culturas específicas, representações parceladas,
situações sociais díspares, pronúncias diferentes, linguajares grupais, valores heterogêneos,
sujeitos diferentes etc. (GATTI, 1995). “Temos dificuldades de incluir todos na escola porque
a multiplicidade incontrolável e infinita de suas diferenças inviabiliza o cálculo, a definição
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de sujeitos, e não se enquadra na cultura da igualdade das escolas” (MANTOAN, 2008, p.


32).
Diante dessas novidades, a escola está sendo exigida a dar sentido ao que propõe e
produz. Nesse movimento, faz-se fundamental levar em consideração que aprender implica
saber expressar, dos mais variados modos, o que se sabe. Implica representar o mundo a partir
das origens, valores e sentimentos dos indivíduos. “A diferença é difícil de ser recusada, de
ser negada, desvalorizada” (MANTOAN, 2008, p. 32). A mudança de paradigma no espaço
escolar não é uma opção, mas uma consequência linear a essa nova lógica relacional, na qual
se está inserido.
Os pressupostos da Psicomotricidade Relacional (respeito à singularidade, aos limites,
autenticidade, afetividade, autonomia, perseverança e criatividade) se baseiam nessas novas
exigências sociais e educacionais que rompem com a padronização de pessoas e apregoam o
acolhimento a todo e qualquer aluno. Eles apontam para a necessidade de se desenvolver
habilidades socioemocionais necessárias à convivência nessa nova sociedade. As habilidades
socioemocionais se referem a um conjunto de competências como, por exemplo, a motivação,
a perseverança, a capacidade de trabalhar em equipe e a resiliência diante de situações
difíceis. Segundo Santos & Primi (2014), os traços de personalidade dos seres humanos se
agrupam em torno de cinco grandes domínios (abertura a experiências, consciência,
extroversão, cooperatividade e estabilidade emocional).
Com base nessas premissas, a pesquisa em questão adotou o Questionário de
Capacidades e Dificuldades (Strenghts Difficulties Questionnaire – SDQ), para investigar o
desenvolvimento de competências e dificuldades socioemocionais (comportamentos pró-
sociais; sintomas emocionais; problemas de comportamento; relacionamento interpessoal; e
hiperatividade). No item relativo à metodologia, descreve-se o SDQ.

Aprendizagem da leitura e da escrita

No estudo realizado adota-se a visão psicogenética, que fundamenta a leitura aliada à


compreensão do sentido do texto, entendendo-o na sua relação dialética com os diferentes
contextos e ainda com a possibilidade de dialogar com o autor ausente, de ler as palavras e de
ler o mundo. Corrobora-se a compreensão de que a escrita é um sistema de representação da
linguagem construído ao longo de uma história social. Durante o processo de apropriação,
tanto a representação simbólica como a linguagem é afetada pela escrita, trata-se, portanto, de
uma aprendizagem conceitual. Ao longo dessa construção, as crianças elaboram hipóteses e
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refletem sobre o funcionamento da língua escrita. A estruturação das hipóteses se fortalece na


interação com o material escrito e com os leitores e escritores, que medeiam, compartilham e
atribuem significado ao escrito. Destarte, o papel do professor como mediador do
conhecimento se torna fundamental ao longo desse processo de aquisição.
De acordo com a abordagem psicogenética, a criança, no período de desenvolvimento
de aquisição da língua escrita, percorre diferentes níveis e desenvolve distintas concepções
acerca do sistema de escrita. Nessa trajetória, a criança atravessa diversas etapas e elabora
hipóteses sobre a escrita. Ferreiro e Teberosky (1986) referências no estudo da psicogênese da
língua escrita organizaram essas etapas em três grandes períodos. Nos dois primeiros
períodos, a criança não estabelece a relação entre a pauta sonora e a pauta escrita, nível
psicogenético denominado de pré-silábico. No terceiro período, a criança começa a
compreender o processo de sonorização, que corresponde aos níveis silábico, silábico-
alfabético e alfabético. A seguir uma breve apresentação dos períodos mencionados.
O primeiro período do nível pré-silábico caracteriza-se pela não diferenciação entre
desenho e escrita. Em termos evolutivos, ainda nesse período, a criança passa a utilizar
diferentes sinais gráficos que se diferenciam de desenho. No entanto, ainda mantém uma
relação entre o que escreve e as características do que pretende representar (Realismo Nominal).
No Realismo Nominal, a criança relaciona a quantidade de letras, ou pseudoletras, ao tamanho
do objeto cujo nome pretende escrever. O segundo período, também denominado de pré-
silábico caracteriza-se pela construção de modos de diferenciação entre o encadeamento das
letras, com base nos eixos qualitativos e quantitativos. Com base no eixo qualitativo, as crianças
compreendem que os nomes diferentes são escritos de modo diverso e variam a posição das
letras para escrever nomes distintos. Com base no eixo quantitativo, a criança pensa que para
escrever é necessário um número mínimo (três) e máximo (sete ou oito) de letras.
O terceiro período corresponde à fonetização da escrita, inicia-se com o nível silábico
e culmina com o alfabético. No nível silábico, a criança escreve estabelecendo a relação entre
o número de símbolos gráficos e o número de sílabas que forma a palavra. Quanto ao nível
silábico-alfabético, a criança escreve combinando o critério silábico com o critério alfabético.
No nível alfabético, ela compreende que cada um dos caracteres da escrita corresponde a
valores sonoros menores que a sílaba e realiza, de forma sistemática, uma análise sonora dos
fonemas das palavras que pretende escrever. Nesse último nível, a criança passa a se
confrontar com as dificuldades próprias do sistema de escrita alfabética, como os aspectos
ortográficos, os espaçamentos entre as palavras, as omissões, as trocas e as inversões de
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letras, dentre outras. Na hipótese alfabética, a criança grafa as palavras com marcas de
oralidade, escrevendo do jeito que fala. À medida que estabelece maior interação com a
linguagem escrita, os pequenos aprendizes passam a compreender que a escrita não é uma
representação fiel da fala, defrontando-se, assim, com novos problemas ortográficos da nossa
língua.

Procedimentos metodológicos

O trabalho foi organizado em quatro grandes etapas: a primeira consistiu na seleção


das escolas, formação em Psicomotricidade Relacional dos professores psicomotricistas e
formação abordando aspectos da aprendizagem da leitura e da escrita; a segunda consistiu na
aplicação dos pré-testes; a terceira consistiu no desenvolvimento das sessões de
Psicomotricidade Relacional nas escolas: ações/sessões e recursos; e a quarta consistiu na
aplicação do pós-teste. Participaram deste estudo 18 escolas, nas quais foram atendidas 3.473
crianças com idade entre 5 e 12 anos, alunos de 1º e 2º anos do Ensino Fundamental. Neste
trabalho, destaca-se os resultados obtidos em uma amostra de 323 crianças de faixa etária
variável entre 5 e 12 anos (M = 6,7; DP = 0,99) 4. Destas, 49,5% estudam no turno da manhã e
50,5% no turno da tarde. A maioria das crianças é do sexo masculino (51,3%).

Primeira Etapa: Seleção das escolas, formação em Psicomotricidade Relacional dos


professores psicomotricistas relacionais e formação abordando aspectos da
aprendizagem da leitura e da escrita

A seleção das escolas baseou-se em dois critérios: altos índices de violência e baixo
índice de aprendizagem da leitura e da escrita.
A implantação deste projeto de pesquisa iniciou-se com as reuniões para formação e
orientação dos professores especialistas em Psicomotricidade Relacional selecionados,
abordando as diretrizes da pesquisa, para que pudessem apresentar-se e posicionar-se no
ambiente escolar com essa nova perspectiva profissional. Esse processo envolveu formação
pessoal, planejamento, orientações e formação para realizarem palestras aos pais e
professores. Nessa etapa, também participaram de uma formação realizada por pesquisadores
da Universidade Federal do Ceará (UFC), para aplicação dos pré e pós-testes a respeito da
linguagem escrita e dos comportamentos sócio-emocionais.

4
M= Média e DP= Desvio Padrão.
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No que se refere à formação continuada específica ao método da Psicomotricidade


Relacional, ofereceu-se um espaço em que o psicomotricista relacional recebesse orientações
sobre como investir na aliança positiva com a gestão e o corpo docente da escola, o que
abordar na reunião com professores e pais, como lidar com questionamentos dos colegas
sobre sua nova função, e ainda como posicionar-se diante do corpo docente e discente, entre
outros aspectos importantes, que caracterizaram a implantação dessa proposta no ambiente
escolar.

Segunda etapa: Aplicação do pré-teste

Antes de se iniciar o trabalho de intervenção nas escolas, foram aplicados dois


instrumentos como pré-testes: um visando identificar as competências socioemocionais das
crianças, e o outro a evolução da leitura e da escrita.
O pré-teste para avaliar o perfil comportamental e as competências socioemocionais
das crianças consistiu na aplicação de um instrumento de triagem comportamental, o
Questionário de Capacidades e Dificuldades5. Trata-se de um questionário de triagem
comportamental breve, disponível em mais de quarenta línguas, inclusive em português
(FLEITLICH; CORTÁZAR; GOODMAN, 2000), desenvolvido para a utilização com
crianças e adolescentes com idades entre 3 e 16 anos. Esse questionário é composto por 25
itens contidos em cinco escalas: 1) sintomas emocionais, 2) problemas de conduta, 3)
hiperatividade, 4) problemas de relacionamento com colegas e 5) comportamento pro-social.
Uma das escalas analisa comportamentos positivos (comportamento pró-social) e as demais
focalizam comportamentos negativos (sintomas emocionais, problemas de conduta,
hiperatividade e problemas de relacionamento). A seguir, apresenta-se uma síntese dos
aspectos avaliados em cada escala:
Escala de comportamento pró-social – avalia se a criança apresenta comportamentos
positivos relativos à empatia, cooperação e socialização;
Escala de sintomas emocionais – avalia se a criança apresenta insegurança, medo,
tristeza e sintomas de depressão;
Escala de problemas de conduta – avalia se a criança apresenta comportamentos de
agressividade, de birra e de desrespeito às regras sociais (apropriação dos objetos alheios,
mentira);

5
Nome do Teste em Inglês:Strenghts Difficulties Questionnaire – SDQ.
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Escala de hiperatividade – avalia se a criança apresenta comportamentos de


inquietação, dificuldades de atenção e concentração, impulsividade e excessivo deslocamento
em sala de aula;
Escala de problemas de relacionamento – avalia se a criança apresenta tendência ao
isolamento, preferência de relacionamento com adultos ou se é alvo de agressividade das
outras crianças.
O pré-teste de aprendizagem da leitura e da escrita consistiu na aplicação de quatro
atividades avaliativas visando investigar o nível evolutivo das crianças quanto à
aprendizagem da leitura e da escrita, foram elas:
Interpretação do nome próprio - visa verificar se a criança compõe seu próprio nome
com alfabeto móvel e se atribui importância à sequência e ao conjunto de letras do seu nome;
Relação entre texto e contexto - objetiva verificar quais as hipóteses da criança em
relação à escrita de uma frase acompanhada de uma gravura;
Identificação do conteúdo do texto com o apoio de elementos textuais e contextuais -
objetiva verificar se a criança formula hipóteses sobre o conteúdo de um texto com o apoio de
elementos textuais e contextuais, como: título, gênero textual e suporte de texto;
Ditado de palavras formadas por sílabas canônicas e não canônicas – visa verificar as
hipóteses que a criança elabora sobre a escrita de palavras formadas por sílabas canônicas
(simples) e não canônicas (complexas).

Terceira etapa: Desenvolvimento das sessões de Psicomotricidade Relacional nas


escolas: ações/sessões e recursos

A intervenção em Psicomotricidade Relacional com os alunos se deu por meio da


realização de sessões semanais com uma hora de duração, realizadas no ambiente escolar em
horário normal de aula. Foram desenvolvidas 22 sessões de Psicomotricidade Relacional. Em
cada sessão, esteve presente um número aproximado de 13 crianças, correspondendo a 50%
de cada turma de 1º ou 2º anos beneficiadas pelo projeto. Ressalta-se que toda a turma
participava das sessões, sendo dividida em dois grupos, de acordo com a evolução
psicogenética das mesmas na leitura e na escrita. Esse critério foi sugerido pelas professoras
dessas crianças, visto que, assim, poderiam trabalhar, ao mesmo tempo, com a metade do
grupo, propondo atividades mais homogêneas e focadas em suas necessidades específicas.
As sessões de psicomotricidade foram desenvolvidas por 18 profissionais especialistas
em Psicomotricidade Relacional, os quais eram professores da rede pública municipal de
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ensino. Cada profissional atendia semanalmente a um mínimo de 8 turmas, que, divididas,


perfizeram um total de 16 grupos, atendendo a uma média semanal de 200 crianças. Os
atendimentos eram realizados de segunda a quinta-feira, e as sextas-feiras eram dedicadas à
formação dos psicomotricistas relacionais e ao desenvolvimento de atividades fora do setting,
como: elaboração de relatórios, atendimento aos pais dentre outras.
Cada sessão de Psicomotricidade Relacional buscou promover o desenvolvimento
socioemocional e cognitivo dos alunos atendidos. Para tanto, necessitou-se de uma sala
reservada (setting), com ventilação adequada, capaz de assegurar o sigilo e propiciar
condições para a construção de relações de confiança entre as crianças e entre as crianças e o
adulto (psicomotricista relacional). No setting, o profissional psicomotricista relacional
trabalhou privilegiando a comunicação corporal, a leitura e a decodificação simbólica das
necessidades individuais e grupais, necessárias à intervenção adequada e à provocação do
desenvolvimento infantil.
Nesse processo, ressalta-se a importância do uso do material clássico da
Psicomotricidade Relacional: bolas, bambolês, cordas, tecidos, espaguetes, caixas de papelão,
jornais, colchonetes, que, além de mediadores das relações, indicam as demandas individuais
e grupais. Cada material utilizado nesse tipo de intervenção possui características físicas,
pedagógicas e simbólicas da ordem do universo de realidade consciente e do imaginário
inconsciente de cada participante. Cabe ao profissional intervir, por meio de um brincar
espontâneo, levando em consideração o conteúdo pedagógico e simbólico vivido na relação.
Para cada sessão, os psicomotricistas se organizaram de acordo com as etapas necessárias à
sessão, conforme descrito a seguir;
Ritual de entrada – esse ritual possibilita um tempo para que a criança possa se separar
do espaço real, fora do setting, e entrar no espaço simbólico, dentro da sala de
Psicomotricidade Relacional;
Verbalização inicial no tapete – Momento importante para acolhida e escuta das
demandas do grupo e estabelecimento dos limites e regras da sessão. Sobre este momento,
Batista, Guerra e Vieira (2012, p.51) salientam que

a entrada no espaço onde ocorrem as sessões marca a diferença entre um espaço


dentro e um fora. Dessa forma, a roda de conversa inicial, verbalização inicial no
tapete, representa, ainda, um momento de passagem do nível de realidade para o
nível simbólico. Portanto, a escuta do grupo, de seus anseios e desejos, e o
compartilhamento de experiências positivas e/ou negativas, nesse momento, já se
manifestam com a conotação do mundo interior de cada um, devendo, pois, serem
respeitados.
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No início da sessão são estabelecidas as regras do jogo em acordo com o grupo. Nesse
sentido, ressalta-se que: pode-se brincar de todas as formas que se imagina, mas é preciso
cuidar para não se machucar nem machucar o outro, tanto por fora como por dentro (ferir os
sentimentos do outro); não é permitido estragar os materiais da Psicomotricidade Relacional;
não se pode mexer nos materiais da sala que não estão no jogo; não é permitido sair da sessão
sem justificativa; deve-se cuidar do ambiente; enfim, deve-se garantir que os participantes
compreendam que, apesar de se tratar de um jogo livre, há regras no jogo e que elas devem
ser conhecidas e respeitadas por todos.
Tempo para brincar de forma livre – momento de jogos espontâneos, no qual se
investe no dinamismo e na comunicação tônica e propiciam-se situações que ampliem
possibilidades de desenvolvimento psicomotor da criança e do grupo;
Tempo para descansar – também se denomina de momento de relaxamento. É o tempo
em que o psicomotricista investe no retorno à calma para que o grupo baixe as tensões e
encontre um tônus mais afetivo e adequado ao ambiente ao qual voltará a se inserir após a
sessão;
Tempo para organização dos materiais – após o relaxamento, o grupo é conduzido
pelo profissional a organizar o ambiente. Nesse momento, é preciso investir em
comportamentos de cooperação, de ajuda mútua, a fim de que todos ajudem a guardar o
material utilizado na sessão;
Verbalização final no tapete – uma vez organizado o material, segue-se para a
organização da roda de conversa. Este, assim como o momento inicial, também constitui uma
passagem, sendo que agora o movimento é oposto: do mundo simbólico para a realidade.
Portanto, é um tempo dedicado à escuta do grupo, ao estímulo para a elaboração do que foi
vivido, ao compartilhamento de experiências positivas e/ou negativas, devendo, assim, ser
respeitado. Durante a conversa final, a criança retoma o conteúdo vivido e estabelece ligações
entre o simbólico e o real. Conforme Le Boulch (2001, p. 151), “a expressão verbal da
experiência vivida do corpo é a prolongação natural do trabalho psicomotor”, momento
especial em que se trabalha também a um nível de organização psíquica e mental;
Saída da sala – momento de separação final, no qual o profissional conduz, de forma
organizada, as crianças à sala de aula e ao professor.
Ressalta-se que o planejamento para a definição das sessões teve que sofrer ajustes e
adequações, uma vez que o espaço e o material utilizados nas sessões não eram adequados ou
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não existiam. Nesse sentido, os ajustes e a superação desses obstáculos foram possíveis
mediante o diálogo e a orientação dos pesquisadores do CIAR.

Quarta etapa: Aplicação do pós-teste

No final da pesquisa, após a realização de 22 sessões de Psicomotricidade Relacional


foram aplicadas as mesmas atividades avaliativas do pré-teste.

Resultados e discussão

Os dados da pesquisa foram obtidos por meio do pré e do pós-teste, bem como por
meio dos registros realizados após cada sessão de psicomotricidade relacional. Foram
considerados depoimentos de pais, professores das crianças e dos gestores das escolas.
Buscou-se verificar contribuições da intervenção psicomotora relacional para a aprendizagem
escolar e para o desenvolvimento de competências socioemocionais, bem como as influências
dessas habilidades sobre a aprendizagem, e sobre a adaptação e permanência das crianças nas
escolas, especialmente daquelas que apresentavam maiores dificuldades na interação com
seus pares, manifestando episódios de violência.
Os resultados obtidos serão apresentados por meio do tratamento estatístico e das
análises qualitativas dos dados colhidos ao longo do processo investigativo. Neste trabalho, a
discussão será apresentada em uma única categoria: Relação entre comportamentos
socioemocionais e aprendizagem da leitura e da escrita.

Relação entre os comportamentos socioemocionais e a aprendizagem da leitura e da


escrita

Este item estabelece a relação entre o desempenho das crianças na aprendizagem da


leitura e da escrita e os resultados obtidos nas escalas de comportamentos socioemocionais
evidenciados nas pontuações do SDQ. Para essa comparação, serão utilizados os resultados
originados nas quatro escalas do SDQ, que avaliam comportamentos negativos e aqueles
apresentados pelas crianças nas quatro atividades de avaliação da aprendizagem de leitura e
de escrita. Estas análises comparam os resultados obtidos pelas crianças no pré e no pós-teste
nesses dois aspectos avaliados.
Os resultados obtidos pelas crianças nas avaliações de leitura e de escrita permitiram
agrupá-las em três grupos: a) crianças que participaram das sessões de Psicomotricidade
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Relacional e permaneceram no mesmo nível evolutivo de aprendizagem de leitura e de escrita


(categoria 1); b) crianças que, após as sessões de Psicomotricidade Relacional, evoluíram da
categoria 1 para a 2 nas avaliações de leitura e de escrita; e c) crianças que já estavam em
níveis evolutivos de aprendizagem de leitura e de escrita mais elevados (categoria 2) e
permaneceram nesse nível após o término da intervenção de Psicomotricidade Relacional. As
crianças agrupadas na categoria 1 foram aquelas que apresentaram níveis evolutivos mais
elementares; as que foram organizadas na categoria 2 foram aquelas que se encontravam em
níveis intermediários e avançados no processo de aprendizagem de leitura e de escrita.
A tabela 1 apresenta o resultado do SDQ evidenciado pelas médias das pontuações
obtidas pelas crianças nas quatro escalas que avaliam os comportamentos considerados
negativos. Apresenta ainda os resultados obtidos nas quatro avaliações da aprendizagem (1, 2,
3, 4) distribuídos pelos três grupos de crianças (grupo a, grupo b e grupo c), conforme o nível
evolutivo delas. Esses resultados se referem às médias obtidas no pré e no pós-teste.

Tabela 1 – Resultado SDQ


SDQ
p
Testes/Grupos Antes Depois
Média DP Média DP

Avaliação da
aprendizagem 1
Grupo a 19,50 0,71 14,00 1,41 0,170
Grupo b 10,50 6,84 7,50 5,56 0,034*
Grupo c 9,33 6,43 7,75 6,13 0,015*
Avaliação da
aprendizagem 2
Grupo a 11,44 6,95 9,96 6,11 0,093
Grupo b 9,42 6,17 6,46 5,26 0,005*
Grupo c 8,29 6,17 6,86 6,04 0,353
Avaliação da
aprendizagem 3
Grupo a 11,43 6,75 9,85 6,22 0,074
Grupo b 9,43 6,04 6,43 5,30 0,003*
Grupo c 7,25 6,32 6,68 6,06 0,641
Avaliação da
aprendizagem 4
Grupo a 11,78 6,10 10,24 6,08 0,113
Grupo b 9,12 6,63 7,05 5,76 0,007*
Grupo c 7,59 5,90 5,91 5,74 0,370
Fonte: Elaborada pelos pesquisadores (2015).
Nota: *Significância assumida p < 0,05; DP = Desvio Padrão.

A pesquisa permitiu identificar uma evolução dos comportamentos socioemocionais


de todas as crianças e também uma progressão importante do ponto de vista da aprendizagem
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de leitura e de escrita. A comparação efetuada entre essa aprendizagem e a evolução dos


comportamentos socioemocionais indica que as crianças que mais evoluíram do ponto de
vista do desenvolvimento de comportamentos positivos foram também aquelas que mais
evoluíram na aprendizagem da leitura e da escrita. A comparação estatística entre o
desempenho das crianças nesses dois aspectos apresenta resultado estatisticamente
significativo em todas as atividades avaliativas. Ressalta-se, ainda, que as crianças do grupo b
foram aquelas que mais se destacaram do ponto de vista da aprendizagem de leitura e de
escrita. Esse grupo foi o que, em todas as comparações entre as avaliações da aprendizagem e
o SDQ realizadas por meio do teste T, evidenciou resultados estatisticamente significativos.
Considerando que houve nesse grupo uma aquisição de comportamentos adequados,
destaca-se uma evolução significativa, do ponto de vista estatístico, dos alunos que avançaram
da categoria 1 para a categoria 2. Os resultados evidenciaram repercussão importante das
sessões de Psicomotricidade Relacional sobre os alunos que iniciaram a pesquisa em níveis
iniciais de aquisição da língua escrita.
As crianças do grupo a, embora tenham evoluído nos comportamentos
socioemocionais, permaneceram em níveis iniciais de aprendizagem da leitura e da escrita. A
evolução da leitura e da escrita implica a aquisição de conceitos complexos que são
influenciados por diferentes fatores. Em função disso, sabe-se que nem todas as crianças têm
o mesmo ritmo de aprendizagem, o que significa que algumas delas podem necessitar de uma
intervenção diferenciada, ou de um tempo mais longo para expressar as aquisições que
caracterizam a passagem de um período a outro, no que se refere à aprendizagem da língua
escrita.
As crianças do grupo c já iniciaram a pesquisa no nível avançado da leitura e da escrita
e permaneceram nesse nível. Se essas crianças, no início da pesquisa, já estavam no nível
mais evoluído, o movimento evolutivo delas seria mais dificilmente identificado. No entanto,
elas evoluíram do ponto de vista dos comportamentos socioemocionais. Inclusive a
comparação entre esses dois aspectos é estatisticamente significativa para esse grupo, no que
se refere à atividade avaliativa (da aprendizagem 1).
Em relação às avaliações de aprendizagem 1, 2, 3 e 4, todos os grupos apresentaram
redução na pontuação do SDQ, quando comparadas as médias do pré-teste com aquelas
obtidas no pós-teste. No grupo b (ou seja, crianças que evoluíram da categoria 1 para a 2), a
diminuição dessa pontuação foi estatisticamente significativa nas quatro avaliações; e, no
grupo c (aquelas que permaneceram na categoria 2), na primeira avaliação de aprendizagem.
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Em termos gerais, as crianças que participaram das sessões de Psicomotricidade


Relacional apresentaram uma melhoria do campo socioemocional (sintomas emocionais,
problemas de conduta, hiperatividade, problemas de relacionamento e comportamento pró-
social). Contudo, uma análise detalhada permite inferir que, entre aquelas que demonstraram
uma evolução no estágio de aprendizagem (grupo b), a diferença de pontuação no SDQ, entre
a primeira e a segunda testagem, foi, de fato, expressiva 6.
Desse modo, destaca-se que, para o efetivo avanço em outras dimensões da vida
escolar, como é o caso da aprendizagem, fazem-se necessárias transformações significativas
no âmbito socioemocional, o que parece ter ocorrido com o grupo b após a intervenção em
Psicomotricidade Relacional. O depoimento do diretor de uma das escolas beneficiadas pelo
projeto atesta as vantagens da Psicomotricidade Relacional para o desenvolvimento de
comportamentos socioemocionais e para a aprendizagem das crianças.

Durante o ano letivo de 2014, a Psicomotricidade Relacional dentro da escola


passou a ser encarada como algo enaltecedor para a nossa prática pedagógica, as
crianças passaram a conviver melhor, a vivenciar um clima mais harmonioso e a
aprendizagem fluiu, desencadeando, assim, um melhor desempenho escolar dos
nossos alunos. É fato que, em 2013, atingimos uma proficiência média de 129,9 no
SPAECE-ALFA, e, em 2014, pelos resultados preliminares, podemos apontar um
crescimento de 20%.

A Psicomotricidade Relacional possibilita a criança um espaço importante de


comunicação, e a aprendizagem da leitura e da escrita demanda necessariamente o desejo de
comunicar. Ler implica a apropriação da palavra do outro e escrever demanda o desejo de
entrar em relação com o outro. Dessa forma, a criança que libera essa via de comunicação está
abrindo caminhos para a aprendizagem da língua escrita.
Em Psicomotricidade Relacional, considera-se que na escola atual não mais se trata
somente de almejar conhecimentos intelectuais abstratos, porém de dar conta das inúmeras
possibilidades relacionais, ajudar a construir o conhecimento de si e, por consequência, das
realidades circundantes. Trata-se de contribuir para a formação da personalidade do sujeito,
para o desenvolvimento de sua criatividade, permitindo-lhe conquistar sua identidade e seu
equilíbrio afetivo (VIEIRA, BATISTA; LAPIERRE, 2005), e deste modo uma participação
efetiva nas atividades escolares, o que favorece a inclusão da criança naquele contexto.

6
Um Teste t para amostras emparelhadas indicou que, à exceção do grupo c, no primeiro teste de aprendizagem,
as diferenças de médias só foram significativas no grupo b, em todos os testes de aprendizagem .
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Considerações Finais

Pode-se afirmar que a pesquisa evidenciou resultados significativamente positivos


sobre os índices dos problemas de comportamento, do repertório de habilidades sociais,
comportamento pro-social e aprendizagem da leitura e da escrita das crianças, resultantes da
intervenção em Psicomotricidade Relacional. Aponta, ainda, para uma relação direta entre o
desenvolvimento de habilidades socioemocionais e a melhoria da aprendizagem, bem como
sugere a contribuição da Psicomotricidade Relacional para a inclusão das crianças que
apresentam dificuldades de aprendizagem.
Os resultados positivos observados nesta pesquisa permitem afirmar a viabilidade de
desenvolvimento do trabalho com a Psicomotricidade Relacional na escola como atividade
complementar ao trabalho pedagógico. O método atendeu às necessidades das crianças tanto
em relação às dificuldades comportamentais como em relação à aprendizagem.
Considerando que esta prática respeita as diferenças das crianças permitindo a livre
expressão das mesmas, logo, contribui para a inclusão e permanência dessas crianças na
escola. Ressalta-se que esta investigação apresenta contribuições importantes, uma vez que
privilegiou aquelas crianças que mais necessitam de atenção, provenientes de escolas com os
mais baixos índices de alfabetização e altos índices de violência. Ofereceu a esse público
novas possibilidades de descobertas, de si e do outro. Utilizou-se das inúmeras alternativas
que permeiam as relações com pessoas, objetos e ambientes circundantes para desencadear,
nas crianças, o despertar do desejo para aprender, movidos, em especial, pela confiança em si.
Contribuiu também para o acolhimento de todo e qualquer aluno, rompendo com as
discriminações que ainda se arrastam pelo tempo e que se perpetuam, por falta de um controle
efetivo das autoridades de ensino. Propiciou também melhores condições de aprendizagem
nessa fase importante de desenvolvimento infantil, tanto no plano comportamental quanto no
de descoberta da escrita e da leitura.

REFERÊNCIAS

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