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CÂMPUS DE FRANCA
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
Resumo: Este artigo vem propor uma exposição de conflitos pertinentes aos impactos
financeiros que a judicialização excessiva, caracterizada ou não como ativismo judicial, exerce
dentro do aspecto orçamentário nacional. Para concretizar esse objetivo, busca-se
contextualizar inicialmente o aspecto do puro fenômeno da sobrecarga do judiciário, além do
aspecto da função social da propriedade, para então relacionar ambos os elementos com suas
consequências deficitárias na concretização do direito à moradia na tutela estatal. Explora-se,
dessa forma, uma intervenção judicial no regulamento orçamentário, que no assegurar de
direitos não atingidos em sua origem, acaba por gerar despesas adicionais não previstas pelo
legislativo, além de custas originadas pela pura manutenção dos órgãos judiciários afetados
pelo alto volume de processos e as despesas processuais em si, individuais de cada ação
efetivada, quando não possuem isenção prevista para o setor público. De tal modo, o texto se
orienta pela construção dos diversos fatores elencados que se relacionam, nas políticas públicas,
com uma previsão de despesas e atividade estatal pelo meio jurisdicional. Por fim, não há uma
conclusão irrigada de vícios puramente opinativos, a atuação dos magistrados na matéria
financeira do Estado se dá de forma a concretizar o próprio objetivo primordial constitucional
deste, quando é omisso. Tais ações, no entanto, indiscutivelmente afetam um equilíbrio
orçamentário que comumente já se encontra numa previsão deficitária.
O Poder Judiciário não se trata de uma obra individual do aparato estatal, mas trata
de consciência coletiva a qual trabalha na constante tentativa de garantir o pleno
funcionamento do Estado e julgar as questões pertinentes aos conflitos sociológicos que
um território soberano quanto ao Direito, acaba por gerar. O aumento, cada vez mais
evidente e anormal, do volume de ações e processos de forma geral, que se concentram
nessa esfera dos poderes constitucionais, não significa necessariamente uma simples
atividade irrestrita das magistraturas, assim como também não se baseia apenas em um mal
funcionamento ou algum erro epidêmico no Estado. Outros fatores como a omissão do
legislativo na concretização de direitos, o fenômeno sociológico cultural de preferência à
resolução de mérito em detrimento dos acordos de arbitragem ou mesmo a possibilidade
de autocomposição entre as partes, estão entre os diversos fatores que poderiam explicar a
sobrecarga no volume de processos que tramitam atualmente nos diversos tribunais do país.
1
Artigo publicado originalmente no Estado de S. Paulo, edição 8/12/2012.
2
Entrevista ao blog “Os Constitucionalistas” dada pelo Ministro do STF Luís Roberto Barroso em 2015.
sendo as sentenças que movem as políticas públicas, nas quais há uma atuação
administrativa ainda mais evidente e até mesmo um pouco megalomaníaca que deve ser
realizada pelo Estado, quando julgadas procedentes.
É nessa linha administrativa que o judiciário acabou por tomar atenção especial ao
direito à moradia previsto no Artigo 6º da Constituição Federal (BRASIL, 2015),
explorando principalmente sua característica extremamente abstrata e complexa dada a
carência textual sofrida por este fragmento de texto legal. Dessa forma, os tribunais
regionais e federais, assim como o STJ e o STF, buscaram apoio na função social da
propriedade, nos espaços em aberto de jurisprudências já consolidadas e em outras fontes
não primárias do Direito, em uma caminhada incessante para interpretar e concretizar o
direito à moradia digna do cidadão brasileiro, não se atentando com a mesma vividez p ara
os efeitos orçamentários que a construção de tantas decisões desenfreadas e
interdependentes, poderiam causar para a união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal como um todo.
2. POLÍTICAS PÚBLICAS
A condição social de parte da população brasileira é extensamente conhecida como
miserável, necessitando de atuação do Estado para garantir direitos sociais a essa parte da
população. Sendo que, a afirmação dos direitos sociais mostra-se fundamental para alcançar a
dignidade humana protegida pela constituição e retirar essas pessoas de estados impróprios para
o desenvolvimento pessoal. Desse modo, entendendo que nem todos os direitos fundamentais
gozam de verdadeira efetividade, as políticas públicas surgem como meios para garantir esses
direitos.
Como explica a professora Maria Paula Dallari políticas públicas pode ser definida
como um programa ou quadro de ação governamental, consistindo num conjunto de medidas
articuladas, em que o escopo é dar impulso, ou seja, movimentar a máquina do governo, no
sentido de realizar um objetivo de ordem pública ou, na ótica dos juristas, para concretizar um
direito. (BUCCI, 2006. p. 14).
No Brasil, as políticas públicas são divididas em quatro tipos diferentes. As
distributivas, que são construídas com o orçamento público e contemplam ações que fazem o
fornecimento dos serviços para a população por meio do Estado; as redistributivas que visam
reduzir a disparidade social; as políticas públicas regulatórias que criam, aprimoram ou
fiscalizam o cumprimento das leis que asseguram direitos e o bem da sociedade e; as
constitutivas que estabelecem as responsabilidades das esferas de poder
Ainda sobre a definição e importância das políticas públicas o professor Sérgio Resende
acrescenta:
A partir dessas definições, constata-se como as políticas públicas são determinantes para
o setor público e para efetivar certos direitos fundamentais, sendo que, ao não haver satisfação
de tais direitos, há uma lesão, o que justifica a intervenção e controle do Poder Judiciário na
criação dessas políticas.
3. INTERFERÊNCIA JUDICIÁRIA
A partir da interpenetração dos poderes, concepção da interligação e da dependência dos
três poderes entre si, conclui-se que o poder Judiciário, na ausência do legislativo, pode possuir
uma participação mais ampla e direta na concretização dos valores e fins constitucionais.
O tema, além da polêmica ligada à capacidade do poder Judiciário decidir sobre temas
econômicos na garantia de direitos sociais, outra discussão se dá no âmbito do ativismo judicial,
que carrega com ele diferentes posições sobre sua essência, o ministro do STF Alexandre de
Moraes exemplifica diferentes posições sobre o assunto:
A preocupação com o “custo dos direitos” e o impacto econômico deles passa a ser
seriamente debatido, o limite entre a tentativa de efetivar os direitos previstos na Constituição
e a possibilidade de o Estado arcar com o custo das medidas.
3
A influência filosófica citada e ilustrada culminou diretamente em processos revolucionários. O pensamento de
Locke foi crucial para a eclosão e para estabelecer os objetivos da Revolução Inglesa, bem como nota-se a
importância de ideais rousseaunianos para a ascensão das Revoluções Francesa e Americana.
Tal modelo vigorou pacificamente até o início do século XX, época em que ideais
socialistas, principalmente de bases marxistas, ganharam força no âmbito global. Com o
advento de uma corrente que propunha saídas às fragilidades do modelo liberal 4, houve cada
vez mais o fortalecimento de teses socialistas e de sindicatos trabalhistas para embasar a
reivindicação. Nesse cenário, começa a surgir certas características que intrinsecamente
compõem o ideal de um Estado Social, que visava, principalmente, superar a manutenção
burguesa e o conceito meramente formal de igualdade provenientes do Estado Liberal. Nesse
viés, a acepção “social” refere-se nada mais que “à correção do individualismo clássico liberal
pela afirmação dos chamados direitos sociais e realização de objetivos de justiça social”
(SILVA, 1999, p. 119).
O documento historicamente considerado como marco do constitucionalismo social,
modelo típico desse novo Estado em ascensão, foi a Constituição de Weimar de 1919.5 Entre
suas inumeráveis inovações, começou-se a falar na denominada função social da propriedade.
Em seu artigo 153, § 2º, temos que “A propriedade impõe obrigações. Seu uso deve constituir,
ao mesmo tempo, um serviço para o mais alto interesse comum”, prevendo até mesmo a
expropriação mediante indenização, para a satisfação do bem comum. O que se observa,
portanto, é a inversão da lógica anteriormente liberal da propriedade: se antes seu direito visava
proteger um bem individual, agora passa a zelar também pela coletividade. Em outras palavras,
o direito à propriedade deixa de possuir um fim em si próprio e passa a se sujeitar ao interesse
comum.
4
Fragilidades essas que começaram a ganhar feição com o advento da Primeira Revolução Industrial. Por meio de
jornadas exaustivas, apropriação salarial por parte dos patrões, condições insalubres de trabalho e emprego de mão
de obra infantil, observou-se a desumanização do trabalhador em prol de uma ordem econômica. Em outras
palavras, o empregador explorava ao máximo o trabalhador, com o fito de aumentar a produção e, por conseguinte,
a margem de lucro. Para Marx, o capital produtivo, a medida em que cresce, seria direcionado para o emprego e
aperfeiçoamento de maquinarias, que ocasionaria na maior concorrência entre os trabalhadores e, pela lógica do
próprio sistema capitalista, acarretaria a contração salarial dos próprios. (MARX, 1982)
5
A norma é considerada o marco do constitucionalismo social, pois teve ampla repercussão mundial, dado o
cenário eurocêntrico em que estava inserida, e também por apresentar em seu texto medidas de caráter geral, isto
é, que permitiam que inúmeras outras populações se identificassem e buscassem adotá-las. (PINHEIRO, 2006)
que a condensação de valores previamente estabelecidos em uma sociedade. É justamente nesse
sentido que fala-se que princípios prescrevem uma obrigação em grau variado. A depender do
condicionamento fático e do condicionamento jurídico, há a imposição de algo em graus
diferentes. Em outras palavras, princípios tendem a uma certa relativização, podem se impor ou
serem subjugados por outros a depender do caso em questão (DUARTE NETO, 2023).
É o que se nota no caso da função social. Ao mesmo tempo em que é garantido ao
proprietário questões como a livre iniciativa, ainda no caput do referido artigo, por exemplo, a
vontade individual pode perecer perante a coletiva, pela força principiológica atribuída a função
social, casos que serão posteriormente analisados.
Apresentado isto, cabe analisar agora o previsto pelo art. 5º, XXIII, da supracitada
norma. Em seu texto, lê-se que “a propriedade atenderá sua função social”. Relevante pontuar
que, conforme o título e capítulo em que se insere, o referido texto enquadra a função social da
propriedade como um direito, bem como um dever. É direito, pois assegura aos cidadãos que
seus interesses serão sobrepostos aos interesses individuais – como citado alhures, o interesse
coletivo prevalece. Paralelamente, é dever, pois demanda que o proprietário assegure as
medidas para garantir tal objetivo. Nesse âmbito, justamente por se manifestar também como
uma obrigação, a norma suprema do ordenamento prevê sanções àquele que descumpri-la,
questão abaixo analisada.
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Resgatando o mencionado anteriormente: se se trata de uma exigência, devem existir sanções previstas para um
suposto descumprimento, a fim de dar caráter coercitivo ao texto normativo.
compulsória, ao imposto progressivo sob a propriedade predial e territorial e, por fim, à
desapropriação, que, neste caso, ocorrerá mediante indenização por títulos de dívida pública.7
Como visto, as hipóteses anteriores referem-se as sanções impostas mediante
descumprimento da função social. Todavia, cabe a ressalva que ainda que respeitados os
ditames da função social, o proprietário pode sofrer com a desapropriação. Mediante o art. 5º,
XXIV, da Constituição, haverá desapropriação se, seguindo os termos regidos por lei, ocorrer
questão de necessidade ou utilidade pública, ou interesse social.
Embasando-se pelo decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, em seu art. 5º, observa-
se as hipóteses em que cabe alegar necessidade ou utilidade pública. Ainda que lê-se “utilidade”
em seu caput, costuma-se entender que algumas das hipóteses abarcadas são as denominadas
necessidade públicas. Via de regra, a diferenciação reside no grau de urgência da
desapropriação: enquanto esta é imprescindível, aquela, ainda que necessária, sugere que não
haverá prejuízos severos se não ocorrer de imediato (SALLES, 2006). São as hipóteses em que
cabe a desapropriação:
Por fim, considera-se como interesse social a finalidade que visa o desenvolvimento
social do país, como a reforma agrária. Como é notório, tais hipóteses nada mais são do que
desdobramentos da supremacia do interesse coletivo sobre o individual.
7
Art 182, § 4º, I, II e III, CF/88
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Decreto-lei nº 3.365/41
5. A JUDICIALIZAÇÃO DO ACESSO À MORADIA
Após definida a questão da judicialização em si, é preciso compreender a questão
específica do acesso à moradia. Isso porque é preciso considerar as especificidades da situação
da garantia ao acesso às moradias de forma geral. Dessa forma, é necessário a análise dos pontos
favoráveis e contrários a essa judicialização.
Principalmente baseado no princípio da justiça fiscal, umas das finalidades que o Estado
deve exercer é a de “(…) propiciar à sociedade o bem comum. Nos termos do artigo 3° da
Constituição Federal (…) significa que se deve assegurar o desenvolvimento social e
econômico e reduzir as desigualdades, pois o Brasil é um estado democrático social.”
(MORAES, 2022, p. 54). Logo, seria necessário adotar medidas que favorecessem a equidade
e reduzissem a desigualdade.
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Dados produzidos pela revista Justiça em números, 2022
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Dados produzidos pela revista Justiça em números, 2020
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Estudo da Imagem do Judiciário Brasileiro, 2019
12
Ideias retiradas do vídeo sobre a palestra “A repercussão econômica da judicialização excessiva” em 2022
um custo de mais de 200 bilhões de reais (MELO, 2020). Esse tipo de intervenção judicial visa
evitar o desperdício de recursos públicos e maximizar o retorno dos investimentos realizados.
Obras paralisadas acarretam um aumento dos custos, uma vez que sua interrupção implica em
despesas adicionais, como a manutenção de equipamentos e a remobilização de mão de obra.
Além disso, a paralisação prolongada pode levar à deterioração dos materiais e da infraestrutura
já construída, exigindo reparos e gastos extras quando a obra for retomada.
Nesse contexto, a iniciativa do Poder Judiciário em destravar essas obras se mostra
fundamental. A retomada dos projetos evita o desperdício de recursos já investidos até aquele
momento, além de contribuir para a conclusão das obras e a entrega dos benefícios previstos à
população. Ao impulsionar a continuidade desses empreendimentos, o Judiciário atua de forma
preventiva, evitando prejuízos econômicos e sociais decorrentes da paralisação prolongada.
Ademais, a conclusão das obras paralisadas também pode gerar impactos econômicos
positivos, como a geração de empregos, o estímulo à cadeia produtiva e o fortalecimento do
setor de construção civil. A retomada desses projetos representa um aproveitamento eficiente
dos recursos já investidos, promovendo a efetividade das políticas públicas e o desenvolvimento
econômico.
Apesar dos esforços empreendidos, ainda existem problemas significativos. Segundo
levantamento realizado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção, há mais de 51 mil
ações relacionadas a vícios construtivos em imóveis da faixa 1 do Programa Minha Casa Minha
Vida, tramitam na Justiça Federal. Além disso, há mais de 13,7 mil acórdãos em segunda
instância nos Tribunais Regionais Federais, aguardando julgamento (NAKAMURA, 2021).
Esse fenômeno de sobrecarga do judiciário impacta diretamente o direito à moradia, que
é um direito fundamental reconhecido pelo Brasil desde 1948, firmado na Declaração Universal
dos Direitos Humanos (DUTH, 1948). Desde então, o direito à moradia é considerado um
direito humano universal, no qual todas as pessoas devem ter acesso, independentemente de sua
condição socioeconômica. Assim, caracteriza-se como um direito que está intrinsecamente
ligado à dignidade humana e ao exercício pleno da cidadania.
Em nosso ordenamento jurídico, a Constituição Brasileira aborda o tema da habitação,
embora não de maneira detalhada. A Constituição estabelece que é competência da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios "promover programas de construção de moradias
e melhorias nas condições habitacionais e de saneamento básico" (BRASIL, 1988). Essa
responsabilidade compartilhada entre os diferentes entes federativos reflete a importância
atribuída ao direito à moradia no país.
Além disso, a Constituição Federal em seu artigo 157 também delimita que o salário
mínimo deve atender às necessidades básicas, como moradia e alimentação. Isso ressalta a
importância da moradia adequada como um componente essencial para o bem-estar e a
qualidade de vida dos cidadãos.
No entanto, apesar dos avanços normativos, o Brasil ainda enfrenta grandes desafios na
garantia do direito à moradia adequada para todos os seus cidadãos. Segundo o Relatório de
Impacto TETO Brasil 2021, o país possui atualmente 5,8 milhões de famílias sem casa ou
vivendo em condições precárias de moradia (TETO, 2021). Essa situação evidencia a urgência
de ações concretas e efetivas para garantir o direito à moradia adequada para todos os cidadãos
brasileiros.
A sobrecarga do judiciário, nessa temática, pode atrasar a resolução de litígios
relacionados à moradia, prolongando o tempo necessário para a implementação de políticas
públicas voltadas à habitação e para a solução de casos individuais de vulnerabilidade
habitacional. Isso ressalta a importância de um sistema judiciário ágil e eficiente, capaz de lidar
de forma rápida e justa com questões relacionadas ao direito à moradia.
Em resumo, o direito à moradia adequada é um direito fundamental reconhecido
internacionalmente e assegurado pela Constituição Federal de 1988. Porém, a sobrecarga do
judiciário pode impactar negativamente a garantia desse direito, dificultando o acesso à moradia
digna para milhões de cidadãos. É fundamental que sejam adotadas medidas para fortalecer o
sistema judiciário, agilizar a resolução de disputas relacionadas à moradia e promover políticas
públicas efetivas que garantam o direito à moradia adequada para todos os cidadãos brasileiros.
CONCLUSÃO
No dia 27 de abril do ano de 2021, foi discutida em plenário, pelo Supremo Tribunal
Federal, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 588, proposta
pelo Governo da Paraíba “contra decisões judiciais do Tribunal Regional do Trabalho da
13ª Região que determinaram o bloqueio, penhora e liberação de valores da Companhia
Estadual de Habitação Popular – CEHAP/PB”13. De forma resumida, esse julgado tomou
por resultado um efeito contrário ao que vem sido até então aqui comentado, no qual o
Judiciário julgou procedente o pedido do Governo da Paraíba, suspendendo as decisões do
TRT da 13ª Região e determinando a imediata liberação das verbas subtraídas dos cofres
públicos. Nesse caso, tanto a Advocacia-Geral da União, quanto a Procuradoria-Geral da
13
Texto retirado diretamente do inteiro teor do acórdão da ADPF 588, Paraíba.
República afirmaram que o Tribunal Regional da Paraíba estava violando o princípio da
legalidade orçamentária, já que não seria função do poder judiciário “determinar a retirada
de recursos financeiros de uma programação orçamentária para outra, ou de um órgão para
outro”. Observa-se certa ironia no destino final desse processo, o judiciário, que acabaria
de uma forma ou de outra, isto é, na primeira ou na última instância, decidindo um impacto
financeiro no orçamento público.
O CEHAB, como afirmado pelo próprio Sr. Ministro Luís Roberto Barroso em seu
voto no acórdão referente à ADPF 588, presta serviço público na execução de uma política
habitacional, visando garantir a concretização do direito à moradia digna àqueles
hipossuficientes no âmbito econômico. A possibilidade julgada inicialmente pelo TRT, que
seria a realocação dos recursos da Companhia de Habitação Popular, para o pagamento de
dívidas trabalhistas, acabaria por afetar uma parcela social de alta vulnerabilidade: aquela
que é público-alvo das políticas habitacionais. Tal situação foi reconhecida pelo relator e
devidamente respondida através da aplicação do princípio da eficiência da administração
pública, com objetivo de proteger as prioridades sociais da gestão estatal.
Por fim, este caso foi apenas uma visão concreta de possíveis impactos financeiros
que se encontraram e ainda estão presentes tramitando no judiciário. O contexto geral, que
vem da função social, trespassa o direito à moradia e encontra parte do seu fim nas políticas
públicas, como dito na introdução deste artigo, não tem caráter explicitamente benéfico ou
maléfico, possuindo complexidade muito aquém dos puros princípios primários do Direito,
seja este na seara constitucional ou financeira, procurando apoio na ambientação
sociológica, política e cultural. Deve-se mesmo criticar de forma aberta a concretização da
dignidade humana por motivos puramente econômicos, lembrando que os próprios
princípios que regem o orçamento permitem despesas para a atuação constitucional do
Estado? Por outro lado, deveria o Estado simplesmente permitir que o Judiciário tome total
controle do orçamento, violando o princípio da legalidade de forma não necessariamente
regulada? Não há aqui, as respostas para tais perguntas. Na verdade, talvez estas sejam
perguntas que nunca poderiam ser definitivamente respondidas no contexto atual. A
judicialização excessiva traz efeitos, tanto sociais quanto financeiros, que não podem ser
mensurados com exatidão, apenas se pode afirmar que existem e determinar, na medida da
abstração existente e possível, quais são, quantificando e qualificando de forma
extremamente limitada.
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