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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE GEOLOGIA

CARACTERIZAÇÃO, PARAMETRIZAÇÃO E ANÁLISE DA ESTABILIDADE DE


UM TALUDE ROCHOSO DO CONTORNO RODOVIÁRIO DE FLORIANÓPOLIS,
EM SÃO JOSÉ - SC

Beatriz Niehues

Trabalho de Conclusão de Curso submetido a banca examinadora para a obtenção do Grau de Bacharel
em Geologia.
Orientador: Prof. Dr. Fernando J. Althoff
Coorientador: Me. Erik Wunder

Florianópolis
2019

i
.

2
Dedico este trabalho ao meu pai, Ivo César Niehues
(in memoriam), meu exemplo e maior incentivador.

4
AGRADECIMENTOS

Sou grata à minha família e aos meus amigos pelo apoio durante toda a minha vida e
em especial a minha mãe e meu irmão, por toda a confiança, incentivo e apoio durante a
graduação.
Ao meu orientador e professor Fernando J. Althoff agradeço por toda paciência e
colaboração para que esse trabalho fosse realizado, sua ajuda foi fundamental. Ao meu
coorientador Erik Wunder agradeço por todo auxílio e por todo conhecimento a mim
repassado.
Agradeço a empresa Arteris pela disposição da área para a realização deste trabalho e
ao geólogo Felipe pelo suporte e por nos acompanhar no trabalho de campo.
A todos os meus amigos do curso que compartilharam dos inúmeros momentos de
alegria e aprendizado. À Julia, minha parceira do curso, por toda amizade construída durante
os anos de graduação. Ao João, Wellington, Vini, Pole, Jackson e Ricardo pela amizade e por
todos os momentos compartilhados. À Bruna, Jeferson e Luiz pelo companherismo e amizade
nos últimos anos. Ao Humberto pela confecção das lâminas delgadas utilizadas neste trabalho
e pela amizade. Levarei todos no meu coração para sempre.
Também agradeço à Universidade Federal de Santa Catarina pelo ensino gratuito e de
qualidade e a todos os professores do curso de geologia por todo o conhecimento
compartilhado. Agradeço também ao Professor Edson Tomazzoli pelo uso do
software/microscópio para fotos das lâminas.

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RESUMO

Entre os temas relevantes nos projetos de obras geotécnicas encontra-se a análise de estabilidade de
taludes. A incorreta ou incompleta realização desta análise pode acarretar sérios problemas
econômicos, danos à via rodoviária e a propriedades, como também à vida humana. Para a obtenção de
proficiência e habilidade na aplicação de técnicas de análise de estabilidade de taludes em maciços
rochosos, com o propósito de atuação profissional na área de geologia aplicada à engenharia, foram
estudados dois taludes rochosos presentes no Contorno Rodoviário de Florianópolis. Os taludes se
inserem em um maciço rochoso formado pelo Granito São Pedro de Alcântara (GSPA), que no local é
composto por um granito porfirítico e um granito fino. Estes taludes têm uma mesma direção, mas
possuem mergulhos em sentidos opostos. Suas principais descontinuidades são falhas transcorrentes e
de baixo ângulo, fraturas (sub)verticais e fraturas sub-horizontais. No presente estudo foi realizada a
análise estereográfica das famílias de descontinuidades e a análise geomecânica dos taludes formados
pelo Granito São Pedro de Alcântara. O exame estereográfico permitiu descrever o comportamento
dos taludes de forma geral, já a pesquisa e classificação geomecânicas permitiram um diagnóstico
mais detalhado. Observou-se, por fim, que para ambos os taludes a possibilidade de ruptura em cunha
é maior que a de ruptura planar.

Palavras-chave: Granito São Pedro de Alcântara; Análise estereográfica; Análise geomecânica.

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ABSTRACT

Among the relevant aspects in the geotechnical works projects is the slope stability analysis. The
incorrect or incomplete performance of this analysis can cause serious economic problems, damage to
the road and property, as well as to human life. In order to obtain proficiency and skill in applying
slope stability analysis techniques in rock mass, with the purpose of working professionally in the field
of geology applied to engineering, two rock slopes present in the Florianópolis Road Contour were
studied, both inserted in the rock mass formed by the São Pedro de Alcântara Granite (GSPA), which
is composed of a porphyritic granite and a fine granite. Such slopes have the same orientation, but
opposite dives. Their main discontinuities are transcurrent and low angle faults, (sub)vertical and sub
horizontal fractures. In this study was performed the stereographic analysis of the discontinuity
families, as well as the geomechanical analysis in the massif formed by the São Pedro de Alcântara
Granite. The stereographic analysis allowed describing the behavior of the slopes in general, while the
geomechanical analysis allowed a more detailed diagnosis. Finally, it was observed that, for both
slopes, the possibility of wedge failure is greater than the possibility of planar failure.

Keywords: Granito São Pedro de Alcântara; Stereographic analysis; Geomechanical analysis.

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1. Mapa de localização da área de estudo. .................................................................. 19

Figura 2. Maciço rochoso (recortado em talude) afetado por duas famílias de fraturas. A
escala de observação influi no resultado da análise das fraturas ........................................................... 22
Figura 3. Características das descontinuidades em maciços rochosos ................................... 23

Figura 4. Tipos de rupturas em taludes. A) Ruptura planar. B) Ruptura em cunha. C)


Tombamento de blocos. ......................................................................................................................... 27
Figura 5. Ábaco correlacionando a Dureza com a resistência a compressão uniaxial para
obtenção de JCS a partir da leitura do Martelo de Schmidt................................................... 28
Figura 6. Perfis de rugosidade das descontinuidades e valores JRC equivalentes ................ 29
Figura 7. Critério de ruptura de Barton, relação de JCS e JRC .............................................. 30
Figura 8. Critério de Resistência de Mohr-Coulomb no plano (σ, τ)......................................31

Figura 9. Bloco diagrama de talude com ruptura planar. O estereograma mostra que a
orientação das descontinuidades em relação ao talude permite a ruptura planar ................................... 36
Figura 10. Representação do ângulo de atrito. a) Relações geométricas entre o ângulo , a
vertical e a normal à descontinuidade. b) Cone de atrito. c) Estereograma com cone de atrito. ........... 37
Figura 11. Bloco diagrama de talude com ruptura em cunha e sua representação
estereográfica ........................................................................................................................................ 38
Figura 12. Análise de ruptura em cunha considerando o ângulo de atrito. a) Bloco diagrama
de talude com deslizamento em cunha causado pelo ângulo () de caimento da linha de intersecção. b)
Estereograma com cone de atrito. c) Estereograma com representação do talude (grande círculo) e
linhas de intersecção com diferentes ângulos de caimento. d) Estereograma com representação do
talude e do cone de atrito, com indicação do campo onde plotam os polos de cunhas instáveis. 39
Figura 13. Mapa geológico da região onde se insere a área de estudo................................... 41

Figura 14. Modelo Digital de Elevação com lineamentos. Iluminação artificial N315 com
45°. ........................................................................................................................................................ 44
Figura 15. Visão geral dos taludes W e E, em fotografia tomada de S para N. ...................... 44

Figura 16. Expressão geral dos taludes. A) Talude W (fotografia tomada de NE para SW). B)
Talude E (fotografia tomada de SW para NE). ...................................................................................... 45
Figura 17. Intemperismo do talude W. A) Contato solo-rocha na extremidade NW do talude.

B) Zona intemperizada na extremidadade SE do talude (largura da foto = 4m) ................................... 45

Figura 18. Fácies do Granito São Pedro de Alcântara observadas nos taludes. A e B) Granito
porfirítico C) Granito fino. ................................................................................................................... 46
Figura 19. Aspecto petrográfico da matriz do granito porfirítico. Bandas de quartzo e biotita

8
marcam a foliação. (X) .......................................................................................................................... 46
Figura 20. Aspecto petrográfico do granito fino. Quartzo e feldspatos equigranulares
cortados por duas bandas cataclásticas. (X) .......................................................................................... 47

Figura 21. Relações de contato entre as fácies fina e porfirítica do GSPA. A) Fácies
fina cortando a fácies porfirítica. B) Contato interdigitado....................................................................47

Figura 22. Estrutura submagmática no granito porfirítico. Pórfiros de K-feldspato


entelhados............................................................................................................................... 48

Figura 23. Estruturas de deformação de alta temperatura. Pórfiros de K-feldspato muito


deformados (porção superior esquerda) e pórfiros de K-feldpato com aspecto ígneo (porção superior
direita). Veio de quartzo centimétrico e foliação anteriores rompidos por falhas ................................. 49
Figura 24. Lineação e foliação no granito porfirítico. A) Granito com lineação de estiramento
mineral (K-feldspato) e sem foliação. B) Granito com foliação............................................................ 49
Figura 25. Granito porfirítico. Foliação (linha vermelha tracejada) marcada pela orientação
de bandas de quartzo e biotita e por feldspatos ocelares. (X) ................................................................ 50
Figura 26. Granito porfirítico com foliação (linha vermelha tracejada) subvertical. Largura
da foto= 2m ........................................................................................................................................... 50
Figura 27. Granito fino. Dobra isoclinal em veio félsico. ...................................................... 51

Figura 28. Estereograma com medidas de foliação e lineação no GSPA nos taludes
estudados. Rede equiárea. Hemisfério inferior ...................................................................................... 51
Figura 29. Granito fino. Veios de quartzo fibroso. ................................................................ 52

Figura 30. Granito fino. Bandas cataclásticas verticais.......................................................... 53

Figura 31. Granito porfirítico. Grão de feldspato com fraturas preenchidas por quartzo (K-f).
(X) ......................................................................................................................................................... 54
Figura 32. Granito porfirítico. Quartzo intersticial com estrutura em tabuleiro de xadrez
(Qtz). (X) ............................................................................................................................................... 54
Figura 33. Granito fino. Feldspato com recristalização intensa. (X)...................................... 55

Figura 34. Granito porfirítico. Quartzo com recristalização por migração de limite de grãos.
(X) ......................................................................................................................................................... 55
Figura 35. Granito porfirítico. Quartzo recristalizado por rotação de subgrãos. (X) ............. 56

Figura 36. Granito porfirítico. Estrutura bookshelf em feldspato fraturado. (X) .................... 56

Figura 37. Granito fino. A) Banda cataclástica com evidência de fluxo cataclástico. B) Banda
cataclástica cortada por vênula de quartzo. (X) ..................................................................................... 57
Figura 38. Falhas direcionais. A) Plano de falha vertical com estrias horizontais. B) Plano de
falha de baixo ângulo com estrias down-dep......................................................................................... 58
Figura 39. Estereograma com 3 famílias de falhas direcionais (azul) e 1 família de falha de

9
baixo ângulo (vermelho) observadas nos taludes. Rede equiárea. Hemisfério inferior ......................... 58
Figura 40. Fraturas (sub)verticais. ......................................................................................... 59

Figura 41. Estereograma com 8 famílias de fraturas (sub)verticais. Rede equirea. Hemisfério
inferior ................................................................................................................................................... 59
Figura 42. Família de fraturas subhorizontais. Largura da foto = 5m .................................... 60

Figura 43. Estereograma com 8 famílias de fraturas subhorizontais. Rede equiária.

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Hemisfério inferior .................................................................................................................................. 60

Figura 44. Deslizamentos em cunha. A) Deslizamento em cunha no talude W. A linha de


intersecção tem caimento 38/115. B) Deslizamento em cunha no talude E. A linha de intersecção tem
caimento 35/219. C) Deslizamento em cunha no talude E. A linha de intersecção tem caimento 36/195.
Rede equiarea. Hemisfério inferior ....................................................................................................... 61
Figura 45. Estereograma para ruptura planar no talude W. Rede equiárea. Hemisfério
inferior ................................................................................................................................................... 61
Figura 46. Fraturas NS/45E e NS/45W presentes no talude W.............................................................................62

Figura 47. Estereograma para ruptura planar no talude E. Rede equiarea. Hemisfério inferior.

............................................................................................................................................................... 62

Figura 48. Estereograma para ruptura em cunha com linhas de intersecção entre as 20
famílias de fraturas, para o talude W. Rede equiárea. Hemisfério inferior ............................................ 63
Figura 49. Estereograma para ruptura em cunha com linhas de intersecção entre as 20
famílias de fraturas, para o talude E. Rede equiárea. Hemisfério inferior ............................................. 63
Figura 50. Estereograma de contorno estrutural mostrando as famílias de descontinuidades
presentes nos taludes E e W e as três famílias de descontinuidades escolhidas. Em amarelo, polo médio
de cada família e em vermelho polos das descontinuidades .................................................................. 64
Figura 51. Zona geomecânica Z1 (linhas vermelhas tracejadas) nos talude W (A) e E (B). 66

Figura 52. Detalhe da zona geomecânica Z1 as fotos A, B e C são do talude W e D, E e F são


do Talude E. ........................................................................................................................................... 66
Figura 53. Zona geomecânica Z2 (linhas vermelhas tracejadas) nos talude W. A) e B) 70

Figura 54. Detalhe da zona geomecânica Z2. Fotos A, B e C são do talude W. Fotos D, E e F
são do talude E. ..................................................................................................................................... 70
Figura 55. Zona geomecânica Z3 (linhas vermelhas tracejadas) no talude W........................................73

Figura 56. Detalhes da zona geomecânica Z3 no talude W. A) e B). ..................................... 74

Figura 57. Gráfico da tensão de cisalhamento em função da tensão normal, para obtenção do
ângulo de atrito para a família 1. ........................................................................................................... 77
Figura 58. Gráfico da tensão de cisalhamento em função da tensão normal, para obtenção do
ângulo de atrito para a família 2. ........................................................................................................... 78
Figura 59. Gráfico da tensão de cisalhamento em função da tensão normal, para obtenção do
ângulo de atrito para a família 3. ........................................................................................................... 79

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ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1. Classes de infiltração em descontinuidades. .......................................................................... 24


Tabela 2. Parâmetros de classificação RMR.......................................................................................... 32
Tabela 3. Classes RMR conforme valores de pontuação e sua descrição em relação à qualidade. ....... 33
Tabela 4. Relação F1 para o sistema SMR. ........................................................................................... 34
Tabela 5. Relação F2 para o sistema SMR. ........................................................................................... 34
Tabela 6. Relação F3 para o sitema SMR. ............................................................................................. 35
Tabela 7. Fator F4 para o sistema SMR................................................................................................. 35
Tabela 8. Classes de SMR e suas descrições. ........................................................................................ 35
Tabela 9. Famílias de descontinuidades e seus atributos ....................................................................... 65
Tabela 10. Valores ponderais (Bieniawski 1989) para classificação RMR para a zona geomecânica Z1.
............................................................................................................................................................... 67
Tabela 11. Valores de SMR para ruptura planar e cunha para Z1, para o talude W....................................................68
Tabela 12. Valores de SMR para tombamento para Z1, para o talude W..............................................................................68
Tabela 13. Valores de SMR para ruptura planar e cunha para Z1, para o talude E................................ 68
Tabela 14. Valores de SMR para tombamento para Z1, para o talude E. .............................................. 69
Tabela 15. Valores ponderais (Bieniawski 1989) para classificação RMR para a zona geomecânica Z2.
............................................................................................................................................................... 71
Tabela 16. Valores de SMR para ruptura planar em cunha para a zona geomecânica Z2, para o talude
W.................................................................................................................................................................................................................................................................72
Tabela 17. Valores de SMR para tombamento para a zona geomecânica Z2, para o talude W........................72
Tabela 18. Valores de SMR para ruptura planar e em cunha para a zona geomecânica Z2, para o talude
E. ........................................................................................................................................................... 72
Tabela 19. Valores de SMR para tombamento para a zona geomecânica Z2, para o talude E. ............. 73
Tabela 20. Valores ponderais (Bieniawski 1989) para classificação RMR para a zona geomecânica Z3.
............................................................................................................................................................... 74
Tabela 21. Valores de SMR para ruptura planar e emcunha para a zona geomecânica Z3, no talude W.
............................................................................................................................................................... 75
Tabela 22. Valores de SMR para tombamento para a zona geomecânica Z3, no talude W.................................75

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Cm – Centímetro

DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes

E – Leste

GeoSGB - Sistema de Geociências do Serviço Geológico do

Brasil GSPA – Granito São Pedro de Alcântara

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

JCS - Joint Wall Compressive Strength

JRC - Joint Roughness Coefficient

K-f – Feldspato potássico

kg – Quilograma

km - Quilômetro

kPa – QuiloPascal

Log – Logarítmo

m – Metro

Ma – Milhões de anos

MDE – Modelo Digital de Elevação

mm – Milímetro

MPa – MegaPascal

NE – Nordeste

NW – Noroeste

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OSM – Open Street Map

Qtz - Quartzo

SE – Sudeste

SW - Sudoeste

RQD - Rock Quality Designation

RMR - Rock Mass Rating

SC - Santa Catarina

SIM – Suíte Intrusiva Maruim

SMR - Slope Mass Rating

W – Oeste

ZCMG – Zona de Cisalhamento Major Gercino

X – Nícóis cruzados

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LISTA DE SÍMBOLOS

φ - Ângulo de atrito

φr - Ângulo de atrito residual

c - Coesão

ɣ - Densidade da rocha

(X) - Fotomicrografia óptica tomada com luz plano-paralela com nicóis cruzados

° - Graus

h - Altura

τ - Tensão cisalhante

σn - Tensão normal efetiva

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 17
1.1. OBJETIVOS .......................................................................................................................................... 17
1.1.1. Objetivo Geral ................................................................................................................................... 17
1.1.2. Objetivos Específicos......................................................................................................................... 18
1.2. JUSTIFICATIVA.......................................................................................................................................................... 18
1.3. LOCALIZAÇÃO E ACESSOS .............................................................................................................. 19
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................................................... 20
2.1. TALUDES .............................................................................................................................................................20
2.2. MACIÇO ROCHOSO ............................................................................................................................ 20
2.3. DESCONTINUIDADES ........................................................................................................................ 21
2.3.1. Fraturas .............................................................................................................................................. 21
2.3.2. Falhas ................................................................................................................................................. 22
2.3.3. Características das descontinuidades ............................................................................................. 23
2.3.4. Instabilidade de taludes ................................................................................................................... 25
2.3.5. Rupturas............................................................................................................................................ 26
2.4. PARÂMETROS DE RESISTÊNCIA DA ROCHA AO CISALHAMENTO ......................................... 27
2.4.1. Parâmetro JCS .................................................................................................................................. 27
2.4.2. Parâmetro JRC ..................................................................................................................................29
2.4.3. Ângulo de atrito básico - parâmetro 
2.4.4. Critério de Resistência de Mohr-Coulomb.......................................................................................31
2.5. CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS ................................................................................. 31
2.5.1. RMR ................................................................................................................................................... 31
2.5.2. SMR ................................................................................................................................................... 33
2.6. ANÁLISE DA ESTABILIDADE DE TALUDES POR PROJEÇÃO ESTEREOGRÁFICA ................. 36
2.6.1. Ruptura planar ................................................................................................................................................36
2.6.2. Ruptura em cunha ............................................................................................................................. 38
3. GEOLOGIA REGIONAL ...................................................................................................................... 40
4. MATERIAIS E MÉTODOS .................................................................................................................. 41
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES ...........................................................................................................43
5.1. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO................................................................................... 43
5.1.1. Análise de lineamentos ..................................................................................................................... 43
5.1.2. Descrição Física ................................................................................................................................ 44
5.1.3. Descrição petrográfica ..................................................................................................................... 46
5.1.4. Feições estruturais .............................................................................................................................48

17
5.2. CARACTERIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS DE DESCONTINUIDADES COM BASE EM PROJEÇÃO
ESTEREOGRÁFICA .................................................................................................................................... 57

5.2.1. Orientação das famílias de descontinuidades ................................................................................. 57


5.2.2. Deslizamentos em cunha e estimativa do ângulo de atrito básico ................................................. 61
5.2.3. Estimativa de ruptura planar ........................................................................................................... 61
5.2.4. Estimativa de ruptura em cunha...................................................................................................... 63
5.3. CARACTERIZAÇÃO GEOMECÂNICA DAS DESCONTINUIDADES ...........................................64
5.3.1. Análise e classificação do maciço rochoso ....................................................................................... 65
5.3.2. Ângulo de atrito ................................................................................................................................. 75
6. CONCLUSÕES ....................................................................................................................................... 80
7. REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 82

18
1. INTRODUÇÃO

No contexto geológico e econômico da região metropolitana de Florianópolis, a


geotecnia é uma das principais áreas de atuação para geólogos. Atualmente a região é palco de
uma importante obra, o Contorno Rodoviário de Florianópolis, que passa pelos municípios de
Biguaçu, São José e Palhoça e tem como principal objetivo promover a segregação do tráfego
de veículos de carga e desafogar localmente o trânsito da rodovia BR-101. A implantação do
Contorno Rodoviário envolve obras geotécnicas, como aterros e escavações a céu aberto e
subterrâneas, e obras civis como pontes e viadutos. A obra possibilita uma excelente
oportunidade de aprendizado, pois envolve a aplicação de conceitos e métodos de geologia e de
geotecnia e possibilita a sinergia entre geólogos e engenheiros. No âmbito das escavações, a
obra possibilita praticar a análise da estabilidade de taludes, que é um importante campo de
atuação.
A instabilidade de taludes constitui um grande risco e, muitas vezes, gera
consequências negativas aos seres humanos, às suas propriedades e/ou ao meio ambiente com
perdas econômicas, lesões ou até mesmo mortes. Por isso, a análise da estabilidade de taludes é
uma atividade fundamental para profissionais envolvidos com a área da geotecnia. Por causa
dos aspectos econômicos relacionados ao setor de transportes, a análise da estabilidade de
taludes em rodovias é de grande importância. A análise torna-se mais interessante no caso em
que existem taludes frente a frente, em ambas as margens da rodovia, com inclinações em
direções opostas.
Este Trabalho de Conclusão de Curso é voltado à análise da estabilidade de taludes,
tomando como objeto de estudo taludes do Contorno Rodoviário de Florianópolis graças ao
apoio da Arteris S/A, empresa detentora da concessão de operação do trecho rodoviário da BR-
101 onde está sendo implantada a obra.

1.1. OBJETIVOS

1.1.1. Objetivo Geral

O objetivo geral deste trabalho é adquirir competências e habilidades para a aplicação


de técnicas de análise de estabilidade de taludes em maciços rochosos, com propósito de
atuação profissional na área de geologia aplicada à engenharia.

17
1.1.2. Objetivos Específicos

Analisar e comparar a estabilidade de dois taludes frontais construídos em maciço


granítico para a implantação do Contorno Rodoviário de Florianópolis.

1.2. JUSTIFICATIVA

As características geológicas, ambientais e econômicas da Região Metropolitana de


Florianópolis propiciam oportunidades de atuação na área da geotecnia e geologia ambiental.
A análise de estabilidade de taludes é atividade fundamental em obras rodoviárias. A
incorreta ou incompleta realização da análise pode acarretar sérios danos à via rodoviária, a
propriedades e aos seres humanos. As obras rodoviárias atuais e o histórico de deslizamentos
em vias de transporte fazem da grande Florianópolis um cenário importante para a aplicação de
estudos relacionados a geotecnia em conjunto com a análise geológica e estrutural. No ano de
2008, por exemplo, escorregamentos de blocos na SC-401 foram ocasionados por fortes chuvas
associadas à má gestão de taludes e causaram vítimas fatais.

18
1.3. LOCALIZAÇÃO E ACESSOS

Para a realização do trabalho a Arteris S/A, concessionária da BR-101 em Santa


Catarina, facultou o acesso a taludes que se encontram no km 217 + 900 do Contorno
Rodoviário, localizado no bairro Sertão do Imaruim do município de São José (Fig. 1).

Figura 1. Mapa de localização da área de estudo.

Fonte: da autora.

19
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Neste capítulo são apresentados os conceitos fundamentais envolvidos na realização do


trabalho: taludes, mecânica de rochas, maciços rochosos, descontinuidades e rupturas de taludes.

2.1. TALUDES

Talude é uma superfície inclinada ou vertical proveniente de trabalhos de


terraplenagem, em cortes ou aterros. Nos cortes o talude resulta da escavação do terreno natural.
Nos aterros o talude é resultado da colocação de materiais provenientes de cortes e/ou
empréstimos, em camadas sucessivas compactadas (BRASIL, 2010).
Conforme as definições adotadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes - DNIT, estabilidade de um talude, seja rochoso ou de solo, é a “capacidade que
esse possui de permanecer inalterado após a sua execução, resistindo à ação do intemperismo”.
As instabilidades em taludes geralmente são iniciadas por algum evento que causa mudança nos
esforços que agem sobre a rocha, como pressão de água nos poros devido à infiltração da chuva,
erosão do material circundante durante chuva forte, degradação química ou intemperismo da
rocha, crescimento de raízes ou alavancagem por raízes em movimento em ventos fortes
(PANTELIDIS, 2009). Instabilidade também ocorre quando a inclinação do talude não é
compatível com a natureza do terreno (BRASIL, 2010). Do ponto de vista operacional,
problemas em taludes rodoviários (cortes ou aterros), assim como em outros pontos da via que
têm alguma conexão com os taludes, ocorrem basicamente devido às seguintes condições: falta
de projeto específico; projeto inadequado por falta de conhecimento do meio físico; deficiências
construtivas; má conservação (CARVALHO et al., 1991).

2.2. MACIÇO ROCHOSO

Um maciço rochoso é formado por um conjunto de blocos de rocha discretos, separados


por descontinuidades. Individualmente os blocos apresentam propriedades de rocha intacta. Em
termos de engenharia, rocha intacta é definida como a rocha que não contém descontinuidades
significativas. No entanto, em microescala observa-se que as rochas são compostas por grãos
(minerais) que são estruturados de acordo com os processos básicos de sua formação (FIORI;
CARMIGNANI, 2013; HUDSON; HARRISON, 1997). Poros e fissuras são frequentes em
rochas, e por isso as rochas não podem ser consideradas sólidos idealmente homogêneos,

20
contínuos e isotrópicos (GOODMAN, 1989). Em função da sua natureza heterogênea, os
materiais rochosos podem apresentar parâmetros de resistência muito variados. Por isso, os
conceitos de maciço rochoso e rocha intacta têm que ser considerados em relação à escala de
observação. Em escala de detalhe observa-se que microfissuras tornam um maciço rochoso
descontínuo, e juntamente com os poros fazem com que a relação esforço (carga)/deformação
seja não linear, especialmente sob condições de esforços de pequena intensidade. Além disso,
microfissuras e poros reduzem a resistência à tração (GOODMAN, 1989). Em escalas maiores,
as descontinuidades são marcadas pelos diversos tipos de fraturas. Além da caracterização das
propriedades da rocha intacta, a análise das propriedades geotécnicas de maciços rochosos deve
considerar a ocorrência, natureza e disposição espacial das descontinuidades, bem como a
extensão e o grau da alteração (JAEGER et al., 2007; FIORI; CARMIGNANI, 2013).

2.3. DESCONTINUIDADES

O termo descontinuidade é utilizado em referência à maioria das superfícies planares


das rochas, tais como fraturas, falhas, xistosidades, clivagens e estratificações, entre outras
(ISRM, 1978). Todos estes tipos de descontinuidades são planos de fraqueza, que são os locais
onde a rocha apresenta menor resistência ao cisalhamento e geralmente tem maior
permeabilidade (FIORI; CARMIGNANI, 2013; LISLE; LEYSHON, 2018).

2.3.1. Fraturas

Planos de fraturas desenvolvem-se em praticamente todos os tipos de rocha. São


formados pela atuação ou relaxamento de tensões, ao longo dos quais não houve movimentação.
Planos de fraturas paralelos com expressão em um maciço formam uma família. Duas ou mais
famílias em um maciço constituem um sistema de fraturas. Por serem superfícies relativamente
lisas e contínuas, as fraturas podem influenciar fortemente as propriedades geotécnicas dos
maciços (FIORI; CARMIGNANI, 2013). A superfície das fraturas dependerão da rugosidade da
fratura e da escala de estudo, podendo ser relativamente lisas a significativamente rugosas.
A Figura 2 ilustra as relações entre rocha intacta, famílias de fraturas e descontinuidades
de maciço rochoso em função da escala de análise.

21
Figura 2. Maciço rochoso (recortado em talude) afetado por duas famílias de fraturas. A escala
de observação influi no resultado da análise das fraturas.

Fonte: Wyllie; Mah (2004).

2.3.2. Falhas

As falhas são caracterizadas pelo deslocamento dos blocos separados pela


descontinuidade. Nos maciços rochosos as falhas têm menor frequência que as fraturas, porém
originam planos de fraqueza persistentes e contínuos. Em relação ao deslocamento dos blocos,
as falhas podem ser classificadas como normais, inversas (ou reversas), direcionais ou oblíquas.
Em muitos casos, estrias no plano de falha permitem identificar o tipo de deslocamento
ocorrido. As falhas geralmente não são formadas por um único plano de deslocamento e sim por
vários planos que constituem uma zona de falha.
Em relação a uma zona de falha rúptil é necessário fazer uma distinção entre o núcleo
da falha (superfície de deslizamento) e o volume no entorno do núcleo, denominado zona de
dano de falha. O núcleo de falha pode ser apenas uma superfície de deslizamento com uma zona
cataclástica milimétrica, ou uma zona com várias superfícies de deslizamento, ou até mesmo
zonas com intenso cisalhamento com presença de pouquíssimas partes da rocha original
preservadas. Em rochas cristalinas o núcleo de falha pode ser composto por material sem coesão
(gouge de falha), onde argilominerais são formados a partir de feldspatos e outros minerais
presentes na rocha. Por outro lado, o núcleo de falha pode ser composto por material com alta

22
dureza, como os cataclasitos (FOSSEN, 2012).
Em maciços formados por rochas ígneas plutônicas, como é o caso do maciço onde se
localiza a área de estudo, os principais tipos de descontinuidade são as fraturas e as falhas.

2.3.3. Características das descontinuidades

Em razão da sua grande importância para o comportamento mecânico dos maciços


rochosos, diversas características das descontinuidades são analisadas em estudos geotécnicos.
As principais, repertoriadas na Figura 3, são: tipos de rocha e espessura das camadas onde
ocorrem, orientação (direção/mergulho), espaçamento, continuidade ou persistência, rugosidade,
resistência à compressão das paredes, abertura, material de preenchimento, estado de alteração e
percolação de água (PRIEST; HUDSON, 1976; WYLLIE; MAH, 2004).

Figura 3. Características das descontinuidades em maciços rochosos.

Fonte: Wyllie; Mah (2004).

O tipo de rocha é importante porque existem vários processos de formação de rochas,


várias composições mineralógicas e texturais e várias possibilidades de evolução ao longo do

23
tempo geológico, e todos estes aspectos influenciam nas propriedades mecânicas das rochas.
A orientação das descontinuidades é expressa pelo ângulo de mergulho (ψ na Fig. 3) e
direção de mergulho (α na Fig. 3). Em relação a um determinado campo de esforços, tectônicos
ou induzidos pela atividade humana, haverá descontinuidades (fraturas ou falhas) onde o
deslocamento relativo de blocos será possível ou não, dependendo da sua orientação.
O espaçamento das descontinuidades define o tamanho e a forma dos blocos que
compõem o maciço rochoso. As categorias de espaçamento variam de extremamente largas (> 2
m) a muito estreitas (<6 mm) (ISRM, 1981).
A persistência é a medida do comprimento da descontinuidade. As categorias de
persistência variam de muito alta (> 20 m) a muito baixa (<1 m) (ISRM, 1981).. Esse parâmetro
define o tamanho dos blocos e o comprimento de possíveis superfícies de deslizamento.
A rugosidade relaciona-se às irregularidades e ondulações presentes na superfície da
descontinuidade. Ela é um componente importante da resistência ao cisalhamento.
A resistência à compressão da rocha nas paredes das descontinuidades influencia a
resistência ao cisalhamento. Nos estágios iniciais de intemperismo muitas vezes há uma redução
na resistência das rochas nas superfícies de descontinuidade, o que pode resultar em um menor
valor de rugosidade e consequente diminuição do ângulo de atrito da fratura ou falha. A redução
da resistência das rochas devido ao intemperismo reduz a resistência ao cisalhamento das
descontinuidades (ISRM, 1981).
A abertura é a distância perpendicular entre as paredes adjacentes de uma
descontinuidade aberta, onde o espaço pode estar preenchido por ar, água ou por outro tipo de
material. As aberturas variam de muito abertas (> 1 m) a muito apertadas (<0,1 mm) (ISRM,
1981). Quando preenchidas por algum tipo de material, o preenchimento pode ser parcial total.
O preenchimento é descrito através da observação de campo. Determina-se sua
espessura pela abertura da descontinuidade. O material de preenchimento pode ser argila, silte,
areia, ou um material de maior granulometria proveniente da fragmentação ao longo do plano de
ruptura. Em algumas situações a abertura pode ser preenchida por materiais precipitados, como
sílica, que podem aumentar a resistência do maciço rochoso.
A infiltração pode ser descrita em classes que vão de seco até fluxo abundante, como
mostra a Tabela 1.

Tabela 1. Classes de infiltração em descontinuidades.


Descontinuidades sem Descontinuidade com
Classe
preenchimento preenchimento
Fraturas planas e fechadas, sem Preenchimento muito seco e
Seco possibilidade de percolação de consolidado, sem possibilidade de
água percolação de água

24
Preenchimento muito seco e
Fratura seca e sem evidência de
consolidado, sem possibilidade de
percolação de água
percolação de água
Fratura seca e com evidência de Preenchimento úmido e com
Ligeiramente úmido
percolação de água presença de água ocasional
Preenchimento com evidência
Fratura úmida sem circulação de
Úmido lavagem e com fluxo de água
água livre
contínuo
Fratura eventualmente gotejando, Preenchimento localmente lavado
Escorrimentos
sem fluxo contínuo e com fluxo considerável
Fratura com fluxo contínuo de Preenchimento completamente
Fluxo abundante
água lavado e com pressões de água
Fonte: ISRM (1981)

2.3.4. Instabilidade de taludes

Um talude está submetido a três tipos de esforços: relacionados ao peso do material, ao


escoamento de água, e à resistência ao cisalhamento. O estudo da estabilidade de taludes deve
obrigatoriamente levar em consideração a relação entre esses esforços, tendo em vista que os
dois primeiros se somam e levam à ruptura do talude, enquanto o terceiro age como uma trava
para esse movimento ocorrer. De maneira simples, pode-se dizer que a instabilidade do talude
ocorre quando a soma dos dois primeiros esforços resulta em um valor maior do que o do
terceiro (FIORI; CARMIGNANI, 2013).
Em regiões sismicamente ativas o gatilho para o início do movimento de um bloco em
um talude rochoso pode ser um terremoto. Em regiões estáveis devem ser consideradas
variações na pressão da água subterrânea ao longo de planos de descontinuidades e a alteração
da rocha ao longo destes planos, que pode diminuir o ângulo de atrito. Ambos os casos
favorecem a ação da força da gravidade na porção do maciço situada acima de descontinuidade
inclinada (LISLE; LEYSHON, 2018).
A estabilidade de estruturas na superfície ou próximas da superfície é governada pelas
descontinuidades (BRADY; BROWN, 2004). Em obras de engenharia as tensões na rocha são
muito menores do que a resistência da rocha; ou seja, é pouco provável que ocorra o
fraturamento da rocha intacta (WYLLIE; MAH, 2004). Quanto às estruturas profundas, sua
estabilidade é governada pelas tensões naturais in situ.

25
2.3.5. Rupturas

Em taludes em rodovias as instabilidades podem resultar em três tipos principais de


rupturas: planar, em cunha e tombamentos de blocos (Fig. 4).

2.3.5.1. RUPTURA PLANAR

Este tipo de ruptura compreende o movimento por gravidade de massas rochosas ao


longo de uma ou mais superfícies de descontinuidades subparalelas entre si (Fig. 4A). A ruptura
acontece quando a direção do plano de deslizamento é quase paralela à face do talude (com
diferença máxima de 20°), e o ângulo de inclinação da descontinuidade ao longo do qual ocorre
a ruptura é menor que o ângulo da face do talude. Para ocorrer esse tipo de ruptura em situações
drenadas o ângulo de inclinação do plano deslizante deve ser maior que o ângulo de atrito
(HOEK; BRAY, 1981).

2.3.5.2. RUPTURA EM CUNHA

Este tipo de ruptura pode ocorrer em taludes em maciços rochosos onde existem duas
ou mais famílias de planos de descontinuidades (Fig. 4B). Nestes casos, em função da
orientação das descontinuidades, uma cunha de rocha pode deslizar ao longo da linha de
intersecção de dois desses planos (HOEK; BRAY, 1981). Para possibilitar a ruptura em cunha a
linha de intersecção tem que ter um ângulo de caimento menor que o ângulo de inclinação do
talude (LISLE; LEYSHON, 2018).

2.3.5.3. TOMBAMENTO DE BLOCOS

É um modo de ruptura diferente dos tipos vistos anteriormente. O tombamento


envolve rotação de colunas ou blocos de rocha sobre uma base fixa (Fig. 4C). Para que ocorra é
necessário que exista uma família de descontinuidades com mergulho em sentido contrário ao
mergulho do talude, com o ângulo entre o plano do talude e o plano de descontinuidade tendo
até 30º (GOODMAN 1989; HOEK; BRAY, 1981).

26
Figura 4. Tipos de rupturas em taludes. A) Ruptura planar. B) Ruptura em cunha. C)
Tombamento de blocos.

Fonte: Fiori; Carmignani (2013), modificado.

2.4. PARÂMETROS DE RESISTÊNCIA DA ROCHA AO CISALHAMENTO

Para a análise da estabilidade de sistemas de blocos rochosos é necessário compreender


os fatores que controlam a resistência ao cisalhamento das descontinuidades que os separam.
Existem várias abordagens para a caracterização da resistência ao cisalhamento. Neste trabalho
será utilizada a abordagem de Barton e Choubey (1977), baseada em três parâmetros que podem
ser medidos em laboratório e no campo: o coeficiente de rugosidade da fratura JRC (Joint
Roughness Coefficient), a resistência à compressão de fraturas JCS (Joint Wall Compressive
Strength) e o ângulo de atrito residual.
A relação entre estes parâmetros é dada pela equação 1:
  JCS  
 = n.tgJRC. log  + r  (1)
  n  
onde:
 = resistência ao cisalhamento
n = tensão normal efetiva atuante no plano da fratura
JRC = coeficiente de rugosidade da junta
JCS = resistência à compressão do material da parede da junta
r = ângulo de atrito residual

2.4.1. Parâmetro JCS

O parâmetro JCS é o valor da resistência à compressão do material nas adjacências das


paredes da fratura. Quando as paredes estão sãs JCS assume o valor da resistência à compressão

27
não confinada da rocha intacta (c). As paredes de fraturas naturais apresentam na maioria das
vezes algum grau de alteração, devido à ação do intemperismo ocasionado pela percolação de
água, uma vez que o sistema de fraturas representa um caminho preferencial de fluxo. O JCS
passa a ser, neste caso, uma fração de c (WUNDER, 1999).
A estimativa da resistência compressiva na face da fratura pode ser feita com o emprego
do Martelo de Schmidt. O Martelo de Schmidt, também chamado esclerômetro de Schmidt, é
utilizado internacionalmente em mecânica das rochas, sendo normatizado pela International
Society for Rock Mechanics - ISRM (1978) e ASTM D5873 (2000). É um dispositivo portátil,
com um martelo cilíndrico acionado por mola que rebate na superfície da rocha; a distância do
rebote é considerada uma medida da qualidade da rocha (HUDSON; HARRISON, 1997). O
martelo pode ser usado diretamente sobre uma superfície rochosa ou sobre uma amostra.
Há uma correlação razoável entre o número de rebote e a força de compressão não
confinada da rocha (c) (BARTON; CHOUBEY, 1977). Essa relação pode ser observada no
ábaco apresentado na Figura 5. A partir do valor do rebote (R) medido pelo Martelo de Schmidt,
que aparece na abscissa, o valor de JCS é encontrado na ordenada em função da densidade da
rocha.

Figura 5. Ábaco correlacionando a Dureza com a resistência a compressão uniaxial para


obtenção de JCS a partir da leitura do Martelo de Schmidt.

Fonte: Lima; Menezes (2008).

28
2.4.2. Parâmetro JRC

Todas as superfícies de descontinuidades naturais exibem algum grau de rugosidade,


variando de superfícies lisas com baixa ou nenhuma rugosidade a irregulares e irregulares com
considerável rugosidade. O coeficiente de rugosidade da fratura é um valor que pode ser
estimado comparando-se a aparência de uma superfície de descontinuidade com perfis padrões.
Um dos conjuntos de perfis mais utilizados (BARTON; CHOUBEY, 1977) é apresentado na
Figura 6.

Figura 6. Perfis de rugosidade das descontinuidades e valores JRC equivalentes.

1 0-2

2 2-4

3 4-6

4 6-8

5 8 - 10

6 10 -
12

7 12 - 14

8 14 - 16

9 16 - 18

10 18 - 20

0 50 100 mm

Escala

Fonte: Wunder (1999; modificado de Barton; Choubey,1977).

Em relação à rugosidade da face da rocha, quanto maior for a rugosidade maior será a

29
resistência da junta ao cisalhamento. Para um mesmo JRC a resistência ao cisalhamento
decresce com a diminuição do valor de JCS (Fig. 7). O aumento de JRC tem um efeito relativo
no aumento de resistência, sendo necessário que o valor de JCS seja tal que impeça a destruição
das asperezas.

Figura 7. Critério de ruptura de Barton, relação de JCS e JRC.

Fonte: Wunder (1999, modificado de Barton; Choubey, 1977).

2.4.3. Ângulo de atrito básico - parâmetro 

O ângulo de atrito básico é uma quantidade fundamental para o entendimento da


resistência ao cisalhamento das superfícies de descontinuidades. Ele é aproximadamente igual
ao ângulo de atrito residual, mas geralmente é medido testando-se superfícies de rocha serradas
ou moídas (HOEK; BRAY, 1981). O ângulo de atrito básico é obtido por tilt test ou ensaio de
deslizamento por inclinação da superfície. O tilt test é em um ensaio de cisalhamento direto,
onde a tensão normal é proporcional ao peso da parte superior da amostra. O ensaio consiste em
colocar sobre uma bancada horizontal, duas amostras sobrepostas. A bancada é inclinada
lentamente até que ocorra o deslizamento de uma amostra sobre a outra. O ângulo de inclinação

30
da bancada será o ângulo de atrito.
A relação entre o ângulo de atrito básico, o ângulo de atrito residual e o valor do rebote
do ensaio do Martelo de Schmidt é dada pela equação 2 (BARTON; CHOUBEY, 1977):

( ) ( )
r =  b − 20o + 20. r R (2)

Onde:
r = ângulo de atrito residual
b = ângulo de atrito básico, obtido por tilt test em superfícies lisas, planas, secas e sãs
r = rebote do martelo sobre superfícies alteradas ou molhadas
R = rebote do martelo sobre superfícies sãs e secas

2.4.4. Critério de Resistência de Mohr-Coloumb

O Critério de Resistência de Mohr-Coulomb considera, em uma representação gráfica, uma


envoltória obtida por meio de relações entre a tensão normal (σ) e a tensão cisalhante (τ) (Fig. 8).
A ruptura ocorre quando a tensão cisalhante atuante no plano de resistência atinge o valor de tensão
cisalhante do material em questão.

Figura 8 - Critério de Resistência de Mohr-Coulomb no plano (σ, τ)

Fonte: Bastos (2017).

31
A reta que tangencia os círculos de Mohr é denominado de envoltória de Mohr-Coulomb, e é
representada pela Equação 3.

τ = c + σ tan φ (3)

Onde:
τ = tensão de cisalhamento na ruptura
σ = tensão normal na ruptura
c = intercepto coesivo
φ = ângulo de atrito interno

2.5. CLASSIFICAÇÃO DE MACIÇOS ROCHOSOS

A classificação de maciços rochosos é um meio para descrever quantitativamente a sua


condição mecânica. As classificações consideram a resistência do material rochoso intacto, o
espaçamento, a orientação, a quantidade e as propriedades superficiais das descontinuidades,
bem como a influência das águas subterrâneas, e as tensões in situ. Essas classificações foram
desenvolvidas principalmente para a estimativa dos requisitos de suporte em túneis, mas seu uso
foi expandido para abranger muitos outros campos (HOEK; BRAY, 1981). Os sistemas de
classificação de maciços rochosos permitem avaliar a qualidade do maciço de forma simples,
rápida e contínua, e os valores de classificação podem ser estabelecidos por pessoal treinado no
local da obra (HUDSON; HARRISON, 1997). Neste trabalho será utilizado o sistema de
classificação geomecânica SMR (Slope Mass Rating) (ROMANA, 1985), que foi desenvolvido
a partir do sistema RMR (Rock Mass Rating) (BIENAWSKI, 1974). Tais métodos serão
abordados a seguir.

2.5.1. RMR

Desde a década de 1940 foram introduzidas diversas metodologias de classificação de


maciços rochosos. O primeiro método de avaliação de estabilidade de taludes rochosos por meio
de um sistema de classificação de maciços foi apresentado em 1974 por Bieniawski, e é
conhecido como RMR (Rock Mass Rating). O RMR utiliza o RQD (Rock Quality Designation),
desenvolvido por Deere et al. (1967), em paralelo com a resistência uniaxial da rocha intacta,
abertura, continuidade e orientação das juntas, espaçamento e fluxo de água subterrânea (FIORI;

32
CARMIGNANI, 2013). O índice RQD avalia a qualidade de maciços rochosos e é suporte para
os demais testes empíricos de classificação de maciços rochosos (FIORI; CARMIGNANI,
2013). O procedimento realizado para a obtenção do índice tem como base a recuperação de
testemunhos de sondagem para um certo intervalo da sondagem pelo seu diâmetro. O valor
corresponde à percentagem gerada pela divisão da soma dos comprimentos de todos os pedaços
do testemunho de sondagem iguais ou maiores do que 10 cm, pelo comprimento total do furo.
O maciço rochoso pode ser classificado em muito fraco (< 25%), fraco (25 – 50%), razoável (50
– 75%), bom (75 – 90%) e excelente (90 – 100%).
Bieniawski, em 1976, fez modificações significativas, no sistema RMR: alterou o
intervalo de pontuação de primeira classe (90-100 para 81-100) e acrescentou o parâmetro de
rugosidade. As condições de água subterrânea foram alteradas, com a introdução da definição
para casos onde a água subterrânea não é medida. O fator de correção quanto à orientação de
descontinuidades oriundas de usos em túneis, taludes e fundações, foi introduzido por
Bieniawski em 1979. Já entre os anos 1988 e 1989 Bieniawski fez as últimas alterações quanto
ao preenchimento, espaçamento, rugosidade, parâmetros de persistência e grau de alteração.
Segundo Bieniawski (1989), para a aquisição da classificação RMR faz-se necessário
determinar 5 parâmetros (Tabela 1) que classificam o maciço em cinco classes conforme a
somatória dos pesos atribuídos (Tabela 2).

Tabela 2. Parâmetros de classificação RMR.

Resistência à
Resistência do compressão >250 100 a 250 50 a 100 25 a 50 5 a 25 1a5 <1
1 material uniaxial (Mpa)
rochoso intacto Valores
15 12 7 4 2 1 0
ponderais

2 Valores 90 a 100 75 a 90 50 a 75 25 a 50 <25


RQD (%)
ponderais
20 17 13 8 3
Espaçamento >2 0,6 a 2 0,2 a 0,6 0,06 a 0,2 <0,06
das Valores
3 descontinuidade ponderais
s (m) 20 15 10 8 5

Persistência (m) <1 1a3 3 a 10 10 a 20 >20


descontinuidades
Condições das

Valores
ponderais 6 4 2 1 0
4
Abertura (mm) Nenhuma < 0,1 0,1 a 1 1a5 >5

Valores
6 5 4 1 0
ponderais

33
Ligeiram
Muito
Rugosidade Rugosa ente Ondulada Suave
Rugosa
Rugosa
Valores
6 5 4 1 0
ponderais
Preenchimento
Nenhuma Duro <5 Duro >5 Mole <5 Mole >5
(mm)
Valores
6 4 2 2 0
ponderais
Moderad
Ligeirament Muito Completamente
Alteração Inalterada amente
e alterada alterada alterada
alterada
Valores
6 5 3 1 0
ponderais
Condições
Seco Ligeirament Úmido Pingando Fluxo abundante
gerias do
Presença de e úmido
5 maciço
água
Valores
15 10 7 4 0
ponderais
Fonte: Bieniawski (1989), modificado

Tabela 3. Classes RMR conforme valores de pontuação e sua descrição em relação à qualidade.

Classe
Classe RMR Classe I Classe II Classe III Classe IV
V
Pontuação total 100 a 81 80 a 61 60 a 41 40 a 21 <20
Muito
Descrição Muito bom Bom Normal Ruim
ruim
Fonte: Bieniawski (1989)

2.5.2. SMR

Romana em 1985 propôs a classificação SMR (Slope Mass Rating) para avaliar a
estabilidade das encostas rochosas. O SMR foi desenvolvido através da classificação proposta
por Bieniawski (1974), o RMR (Rock Mass Rating). A classificação se dá pela subtração dos
fatores de ajuste da relação das descontinuidades que afetam o maciço rochoso e a inclinação do
talude e adição de um fator dependente do método de escavação (SINGH; GOEL, 2011).
Romana (1995) estabeleceu o sistema SMR com quatro fatores de correção ao RMR
básico (equação 4):

SMR = 𝑅𝑀𝑅𝑏á𝑠𝑖𝑐𝑜 + (𝐹1 x 𝐹2 x 𝐹3) + 𝐹4 (4)

onde:
- RMR básico descrito pelos parâmetros descritos na Tabela 1;
34
- 𝐹1 depende do paralelismo entre a direção de mergulho das descontinuidades (αj) e
o mergulho do talude (αs), as rupturas planar, em cunha e por tombamento são definidas pela
equação 5 e relacionadas ao grau de favorecimento (Tabela 4):
𝐹1 = (1 − sen A)² (5)

Tabela 4. Relação F1 para o sistema SMR.

Relação Muito Favorável Razoável Desfavorável Muito


favorável desfavorável
Ruptura planar
e em cunha (αj
– αs)
>30° 30° a 20° 20° a 10° 10° a 5° <5°
Ruptura por
tombamento (αj
– αs – 180°)

Valores 0,15 0,4 0,7 0,85 1

Fonte: Romana, 1991

- 𝐹2 está relacionado à probabilidade da resistência ao cisalhamento da


descontinuidade e é dependente do mergulho da descontinuidade (β𝑗), no caso de ruptura planar
e em cunha. Para queda de blocos este parâmetro adquire o valor de 1,0 (equação 6) (Tabela 5):

F2 = 𝑡𝑔²β𝑗 (6)

Tabela 5. Relação F2 para o sistema SMR.


Muito
Relação Favorável Razoável Desfavorável Muito
favorável desfavorável

Ruptura planar,
em cunha e por
<20° 20° a 30° 30° a 35° 35° a 45° > 45°
tombamento
β𝑗

Valores 0,15 0,4 0,7 0,85 1

Fonte: Romana, 1991

- 𝐹3 depende da relação entre os mergulhos do talude (βs) e das descontinuidades (βj).


Este parâmetro é o fator de ajuste original de Bieniawski que expressa a probabilidade de a
descontinuidade aflorar na face do talude para ruptura planar (Tabela 6).

35
Tabela 6. Relação F3 para o sitema SMR.

Relação Muito Favorável Razoável Desfavorável Muito


favorável desfavorável
Ruptura planar e
em cunha
(βj – βs )
>30° 30° a 20° 20° a 10° 10° a 5° <5°
Ruptura por
tombamento (βj
+ βs)
Valores 0,15 0,4 0,7 0,85 1

Fonte: Romana, 1991

- 𝐹4é um fator de ajuste que depende do método de escavação (Tabela 7).

Tabela 7. Fator F4 para o sistema SMR.

Desmonte
Desmonte com
com
Método de Encosta Desmonte por pré- Demonte suave explosivos ou
explosão
escavação natural fissuramento escavação
inadequa
mecânica
da

Valores para

F4 15 10 8 0 -8

Fonte: Romana, 1991

Os valores mínimo e máximo da equação são 0 e 100 (Tabela 8). Romana (1985) usou
falhas planares e queda de blocos para sua análise. As rupturas em cunha foram consideradas
como um caso especial de planos de ruptura e analisadas como planos individuais. O valor
mínimo de SMR é utilizado para avaliar a inclinação das rochas (SINGH; GOEL, 2011).

Tabela 8. Classes de SMR e suas descrições.


Valor SMR 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Classes V – Muito ruim IV - Ruim III – Normal II – Bom I – Muito bom

Estabilidade Totalmente Instável Parcialmente Estável Totalmente


instável estável estável
Pequenas
Grandes Planar ou
Rotura planares ou Alguns blocos Nenhum
planares ou grandes por
muitas por
circulares cunha cunha
Contenção Reescavar Corretiva Sistemática Ocasional Nenhum

Fonte: Romana (1993), modificado.

36
2.6. ANÁLISE DA ESTABILIDADE DE TALUDES POR PROJEÇÃO
ESTEREOGRÁFICA

A identificação dos tipos potenciais de escorregamento é um pré-requisito fundamental


para a análise de estabilidades e manipulação de taludes. Uma forma adequada de representação
e tratamento de dados estruturais (estruturas planares, falhas, fraturas, etc.) é pela projeção
estereográfica, que viabiliza a representação de dados estruturais com rápida visualização
espacial. A projeção estereográfica faz uso da rede equiárea, também denominada rede de
Schmidt-Lambert ou simplesmente rede de Schmidt. A projeção estereográfica viabiliza uma
forma prática de apresentar orientações de taludes de rochas em relação a conjuntos de
descontinuidades presentes. Essa relação torna possível determinar o tipo de ruptura mais
provável de ocorrer (LISLE; LEYSHON, 2018).

2.6.1. Ruptura planar

Em um estereograma, a possibilidade de ruptura planar fica evidenciada quando o


grande círculo que representa o plano de fratura modal mergulha menos do que o grande círculo
que representa a face do talude (Fig. 9).

Figura 9. Bloco diagrama de talude com ruptura planar. O estereograma mostra que a
orientação das descontinuidades em relação ao talude permite a ruptura planar.

Fonte: Lisle; Leyshon (2018), modificado.

Em taludes estáveis a força de resistência prevalece sobre as forças motrizes. Há um


ângulo de declive determinante na descontinuidade basal para que ocorra o deslizamento (Fig.
10a). Esse ângulo é chamado de ângulo de fricção de deslizamento ou ângulo de atrito básico
37
(parâmetro ), mencionado anteriormente.
A Figura 10b mostra que qualquer descontinuidade com um ângulo de mergulho crítico,
 tem uma normal que se afasta da vertical com o mesmo ângulo. Considerando-se as normais a
todas as descontinuidades com mergulho crítico possíveis, percebe-se que elas definem um cone
com eixo vertical (LISLE; LEYSHON, 2018). Esse cone é chamado de cone de atrito e contém
as normais das descontinuidades que possuem um ângulo de mergulho menor que o ângulo
crítico.
Na análise da estabilidade de um talude rochoso é apropriado que se plote o ângulo de
atrito como um círculo menor no centro do estereograma (Fig. 10c), que representa todas as
linhas inclinadas com um ângulo  a partir da vertical. Planos estáveis com baixos ângulos de
mergulho têm polos que são projetados dentro do cone de atrito; os polos dos planos instáveis,
com altos ângulos de mergulho, plotam fora do cone de atrito (Fig. 10c).

Figura 10. Representação do ângulo de atrito. a) Relações geométricas entre o ângulo , a


vertical e a normal à descontinuidade. b) Cone de atrito. c) Estereograma com cone de atrito.

Fonte: Lisle; Leyshon (2018), modificado.

38
2.6.2. Ruptura em cunha

Um estereograma mostra que a ruptura em cunha é possível quando a linha de


intersecção dos grandes círculos que representam os planos modais de duas famílias de
descontinuidades tem caimento menor do que o ângulo de inclinação do talude. Para que
ocorra a ruptura é necessário que a linha de intersecção também aflore na porção superior do
talude (Fig. 11).
Figura 11. Bloco diagrama de talude com ruptura em cunha e sua representação estereográfica.

Fonte: Lisle; Leyshon (2018), modificado.

Para a análise da ruptura em cunha é necessário considerar o ângulo de atrito, , e a


orientação do talude rochoso. Porém, de maneira oposta ao procedimento efetuado para a
análise da ruptura planar ( determinado em relação à vertical – no centro do estereograma),
para a análise da ruptura em cunha o ângulo  é determinado a partir da horizontal (a partir da
borda do estereograma) (Fig. 12a). Para que seja ultrapassada a resistência do atrito sob
condições secas o caimento da linha de intersecção das duas descontinuidades deve exceder o
ângulo de atrito. As linhas de intersecção com caimento crítico plotam no interior do pequeno
círculo que representa o cone de atrito (Fig. 12b) ( LISLE; LEYSHON, 2018).
No exemplo mostrado na Figura 12c a linha de intersecção 1 permite a ruptura em
cunha, pois cai no sentido do mergulho do talude e possui ângulo de caimento menor do que o
mergulho do talude. Diz-se que a linha está em exposição. Já a linha de intersecção 2 não
permite a ruptura, pois seu caimento é para dentro do talude.
Considerando-se a zona de exposição em conjunto com o ângulo de atrito, observa-se
que a ruptura em cunha só é possível se a linha de intersecção de um par de descontinuidades

39
plotar no interior do cone de atrito e da zona de exposição (zona de cunhas instáveis na Fig.
12d).

Figura 12. Análise de ruptura em cunha considerando o ângulo de atrito. a) Bloco diagrama de
talude com deslizamento em cunha causado pelo ângulo () de caimento da linha de intersecção. b)
Estereograma com cone de atrito. c) Estereograma com representação do talude (grande círculo) e linhas
de intersecção com diferentes ângulos de caimento. d) Estereograma com representação do talude e do
cone de atrito, com indicação do campo onde plotam os polos de cunhas instáveis.

Fonte: Lisle; Leyshon (2018), modificado.

40
3. GEOLOGIA REGIONAL

A área onde se encontram os taludes estudados faz parte da porção central do Batólito
de Florianópolis. O Batólito de Florianópolis é composto pelo Complexo Águas Mornas e pelas
suítes Paulo Lopes, Pedras Grandes, Cambirela e Maruim (BITENCOURT et al., 2008). Mais
especificamente, a área está nos domínios da Suíte Maruim. Esta suíte, formada por granitos
álcali-cálcicos, compreende o Granito São Pedro de Alcântara, o Granito Rio das Antas, o
Granodiorito Alto da Varginha, o Tonalito Forquilha, o Granito Barra da Laguna, o Granito
Jaguaruna e o Granito Treze de Maio. Estas unidades são consideradas pré a sin-colisionais no
contexto da evolução do Cinturão Dom Feliciano e têm idades de cristalização em torno de 600
Ma (BASEI, 1985). Os contatos entre estas unidades são descritos como “graduais”
(WILDNER, 1990).
As rochas que afloram nos taludes estudados pertencem ao Granito São Pedro de
Alcântara, que é a unidade com maior distribuição areal na Suíte Maruim, dominando a
extremidade nordeste da Suíte Maruim (Fig. 13). O Granito São Pedro de Alcântara é
mesocrático, com coloração cinza escura, tem granulação grosseira, com fenocristais
esbranquiçados de K-feldspato centimétricos. Sua mineralogia inclui, além de K-feldspato,
quartzo, plagioclásio e biotita como constituintes principais, seguindo-se, em ordem decrescente
de abundância, opacos, anfibólios e muscovita. Zircão, esfeno, allanita e apatita são os minerais
acessórios, enquanto sericita, clorita, epidoto, carbonato e esfeno aparecem como produtos de
alteração. A variedade petrográfica predominante é o monzogranito, com variações para
quartzo-monzonitos e sienogranitos (WILDNER, 1990).
Portanto, os taludes estudados estão em um maciço formado por rochas ígneas
plutônicas, sem a presença de rochas metamórficas. Esta característica influi diretamente nos
tipos de descontinuidades que podem ser geradas.

41
Figura 13. Mapa geológico da região onde se insere a área de estudo.

Fonte: da autora.

42
4. MATERIAIS E MÉTODOS

O desenvolvimento do trabalho nos taludes do GSPA envolveu as seguintes etapas e


métodos:
Trabalhos de campo:
• Caracterização geológica. Descrição das características das rochas observadas
nos taludes com emprego de trena, lupa mineralógica, martelo de geólogo e
câmera fotográfica; coleta de amostras.

• Caracterização estrutural. Identificação, descrição e classificação de


descontinuidades nos taludes com uso de bússola de geólogo tipo Brunton.

• Determinação de parâmetros associados às descontinuidades, tais como


espaçamento, rugosidade, orientação, grau de alteração, persistência, abertura,
preenchimento e percolação de água.

43
• Determinação do coeficiente de rugosidade das descontinuidades - JRC (Joint
Roughness Coefficient), da resistência à compressão das descontinuidades - JCS
(Joint Wall Compressive Strength) e do ângulo de atrito residual (BARTON;
CHOUBEY, 1977).

Os trabalhos de campo foram realizados em duas etapas, uma no dia 04 de abril de


2019, com a presença do orientador e outra no dia 10 de setembro de 2019, com a presença do
co-orientador.

Trabalhos de laboratório:
• Seleção de amostras para laminação e confecção de lâminas delgadas no
Laboratório de Laminação do Departamento de Geologia da UFSC.

• Descrição petrográfica com microscópio polarizante no Laboratório de Ensino


de Mineralogia Ótica do Departamento de Geologia da UFSC e realização de
fotos de lâminas delgadas com o software AnalySIS imager.

• Elaboração de estereogramas com o software Stereonet 10.1 (CARDOZO;


ALLMENDINGER, 2013).

• Definição de relações angulares entre famílias de descontinuidades e os taludes


e análise da estabilidade dos taludes segundo o método de Lisle; Leyshon
(2018).

• Classificação geomecânica RMR (Rock Mass Rating) (BIENIAWSKI, 1974,


1984, 1989).

• Classificação SMR (Slope Mass Rating) do maciço rochoso (ROMANA, 1985).

Os resultados do trabalho são apenas de cunho acadêmico. A Arteris S/A oportunizou o


desenvolvimento do trabalho prático de análise de estabilidade de taludes em condições reais,
sem, no entanto, ter interesse pelos dados obtidos, pois os taludes estudados não apresentavam
riscos maiores de deslizamento.

44
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES

5.1. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

Neste capítulo é feita a análise de lineamentos na região circunvizinha à área de estudo,


apresentada a descrição geral dos taludes e a descrição petrográfica do granito existente no local
e são caracterizadas as descontinuidades.

5.1.1. Análise de lineamentos

Conforme o mapa geológico regional (Fig. 13), a área de estudo situa-se no limite entre o
GSPA (a W) e depósitos colúvio-aluvionares (a E). Esta situação explica as características de
relevo observadas na imagem MDE (Modelo Digital de Elevação) sombreada apresentada na
Figura 14. Como se observa, a região a leste da área de estudos não apresenta relevo expressivo,
o que impede a traçagem de lineamentos.
Considerando lineamentos com mais de 500 m de extensão, a imagem MDE (fig. 13)
permite definir a existência de três direções principais - N10E, N45E e N80E - marcadas por
trechos de drenagens retilíneos e por sistemas de fraturas.
A análise de imagem não permite determinar os tipos de descontinuidades que os
lineamentos representam (fraturas ou falhas). Com base na bibliografia sobre a geologia
regional, o que pode ser inferido é o seguinte: os lineamentos em torno de N45E podem ser
relacionados à Zona de Cisalhamento Major Gercino, que se localiza 40 km a NW da área onde
se encontram os taludes (CPRM, 2014). Os lineamentos N10E podem ser associados ao evento
de rifteamento continental que resultou na abertura do oceano Atlântico, e afetou diretamente a
área de estudo. Dessa forma, uma hipótese de trabalho seria considerar que os lineamentos
N45E representam falhas transcorrentes que se formaram no contexto do ciclo Brasiliano, há
aproximadamente 600 Ma; enquanto que os lineamentos N10E representam falhas normais
formadas por volta de 130 Ma. Quanto aos lineamentos N80E, nada pode ser suposto.
A existência de planos de descontinuidades com estas orientações nos taludes poderá
permitir sua melhor caracterização, principalmente se apresentarem algum tipo de indicação de
movimento.

45
Figura 14. Modelo Digital de Elevação com lineamentos. Iluminação artificial N315 com 45°.

Fonte: da autora.

5.1.2. Descrição Física

O local de estudo é formado por dois taludes rochosos artificiais (Fig. 15) realizados por
meio de detonação. Os taludes se encontram em um trecho do Contorno Rodoviário de
Florianópolis com orientação N320. Suas faces são voltadas para NE (Talude W) e para SW
(Talude E).

Figura 15. Visão geral dos taludes W e E, em fotografia tomada de S para N.

Fonte: da autora
46
Os taludes possuem aproximadamente 10m de altura e 120m de comprimento. Eles são
formados por uma bancada principal com 6m de altura e uma segunda bancada (rocha muito
alterada / solo residual) com aproximadamente 4m. A inclinação dos taludes é de 60°. Nos dois
taludes são visíveis marcas dos furos de detonação com espaçamento de 1,3m (Fig. 16).
Figura 16. Expressão geral dos taludes. A) Talude W (fotografia tomada de NE para SW). B) Talude E
(fotografia tomada de SW para NE).

Fonte: da autora.

Os taludes são formados essencialmente por rocha sã, mas têm porções muito
intemperizadas. As zonas intemperizadas são mais expressivas nas extremidades e na porção
superior dos taludes (Fig. 17).

Figura 17. Intemperismo do talude W. A) Contato solo-rocha na extremidade NW do talude. B)


Zona intemperizada na extremidadade SE do talude (largura da foto = 4m).

Fonte: da autora.

47
5.1.3. Descrição petrográfica

Os taludes mostram duas fácies do GSPA, granito porfirítico e granito fino, que variam
de mesocráticas a leucocráticas. O granito porfirítico, que é a fácies predominante nos taludes,
tem coloração cinza escura a cinza clara dada pela matriz com muita biotita. Nele se destacam
porfiroclastos brancos de K-feldspato e por vezes quartzo recristalizado. O K-feldspato tem de 3
a 7cm e seu hábito varia de euédrico (tabular) à subédrico. O granito fino é cinza claro (Fig. 18).

Figura 18. Fácies do Granito São Pedro de Alcântara observadas nos taludes. A e B) Granito
porfirítico C) Granito fino.

Fonte: da autora.

Em lâmina se observa que a matriz do granito porfirítico é formada essencialmente por


quartzo, feldspatos e biotita, e que bandas de quartzo e biotita podem formar uma foliação (Fig.
19).
Figura 19. Aspecto petrográfico da matriz do granito porfirítico. Bandas de quartzo e biotita
marcam a foliação. (X).

Fonte: da autora.

48
O granito fino é equigranular com tamanho de grãos entre 0,5 e 1mm. É formado
essencialmente por quartzo e feldspatos, a presença de biotita é bem menor quando comparado
com o granito porfirítico (Fig. 20).

Figura 20. Aspecto petrográfico do granito fino. Quartzo e feldspatos equigranulares cortados
por duas bandas cataclásticas. (X).

Fonte: da autora.

Quanto às relações de campo, dois tipos de contato foram observados entre as fácies
fina e porfirítica, no talude W. A fácies fina corta a fácies porfirítica ou o contato entre elas é
interdigitado (Fig 21).

Figura 21. Relações de contato entre as fácies fina e porfirítica do GSPA. A) Fácies fina
cortando a fácies porfirítica. B) Contato interdigitado.

Fonte: da autora.
49
5.1.4. Feições estruturais

A deformação no granito porfirítico é muito heterogênea. O granito apresenta desde


estruturas magmáticas e submagmáticas até estruturas frágeis de baixa temperatura.
Nos taludes são visíveis feições de fluxo magmático. Pontualmente ocorre uma foliação
magmática sinuosa que é marcada por pórfiros de K-feldspato euédricos orientados. Pórfiros de
K-feldspato também podem formar estruturas de entelhamento (Fig. 22). Estas duas estruturas
são ligadas à deformação do granito nos estágios magmático a submagmático.

Figura 22. Estrutura submagmática no granito porfirítico. Pórfiros de K-feldspato entelhados.

Fonte: da autora.

No granito porfirítico e no granito fino são proeminentes estruturas de alta a média


temperatura. Comumente os pórfiros de feldspato estão deformados (Fig. 23) e a rocha
porfirítica ou fina apresenta foliação e lineação (Fig. 24).

50
Figura 23. Estruturas de deformação de alta temperatura. Pórfiros de K-feldspato muito
deformados (porção superior esquerda) e pórfiros de K-feldpato com aspecto ígneo (porção superior
direita). Veio de quartzo centimétrico e foliação anteriores rompidos por falhas.

Fonte: da autora.

Figura 24. Lineação e foliação no granito porfirítico. A) Granito com lineação de estiramento
mineral (K-feldspato) e sem foliação. B) Granito com foliação.

Fonte: da autora.

A foliação é definida pela orientação de bandas de quartzo e de biotita e por feldspatos


ocelares (Fig. 25). No talude se observa que a orientação da foliação varia de horizontal a
subvertical (Fig. 26).

51
Figura 25. Granito porfirítico. Foliação (linha vermelha tracejada) marcada pela orientação de
bandas de quartzo e biotita e por feldspatos ocelares. (X).

Fonte: da autora.

Figura 26. Granito porfirítico com foliação (linha vermelha tracejada) subvertical. Largura da
foto= 2m.

Fonte: da autora.
50
Em parte, a variação na orientação da foliação pode ser ligada ao fluxo magmático,
porém no granito fino ocorrem veios félsicos centimétricos que formam dobras isoclinais
(recumbentes) (Fig. 27). Isso mostra que a foliação do GSPA vista nos taludes está dobrada.

Figura 27. Granito fino. Dobra isoclinal em veio félsico.

Fonte: da autora.

As medidas de foliação e lineação obtidas nos taludes são apresentadas em projeção


estereográfica na Figura 28.

Figura 28. Estereograma com medidas de foliação e lineação no GSPA nos taludes estudados.
Rede equiárea. Hemisfério inferior.

Fonte: da autora.
51
A deformação frágil no granito é representada por veios de quartzo centimétricos que
cortam todas as estruturas precedentes. Estes veios que, se formaram em fraturas tardias, são
retilíneos (Fig. 23). Nos taludes também ocorrem veios formados por quartzo fibroso (Fig. 29).
Além disso, pontualmente ocorrem bandas cataclásticas verticais de espessura centimétrica (Fig.
30).

Figura 29. Granito fino. Veios de quartzo fibroso.

Fonte: da autora.

52
Figura 30. Granito fino. Bandas cataclásticas verticais.

Fonte: da autora.

A existência de feições de deformação formadas desde o estágio magmático /


submagmático até o estágio subsolidus de baixa temperatura é melhor evidenciada nas
microestruturas. No granito porfirítico ocorrem grãos de feldspato com fraturas preenchidas por
quartzo (Fig. 31). Esta feição pode ser ligada ao estágio submagmático, onde os feldspatos que
já estão em contato mútuo se fraturam por ação de um esforço regional e estas fraturas são
preenchidas pelo quartzo que ainda resiste no magma. No granito porfirítico também são
comuns grãos de quartzo com estruturas em tabuleiro de xadrez (Fig. 32), que se formam em
alta temperatura.

53
Figura 31. Granito porfirítico. Grão de feldspato com fraturas preenchidas por quartzo (K-f).
(X).

Fonte: da autora.

Figura 32. Granito porfirítico. Quartzo intersticial com estrutura em tabuleiro de xadrez (Qtz).
(X).

Fonte: da autora.

Como exemplos de microestruturas de média temperatura podem ser citadas a intensa


recristalização de feldspato (Fig. 33) e a recristalização de quartzo por migração de limites de
grãos (Fig. 34).

54
Figura 33. Granito fino. Feldspato com recristalização intensa. (X).

Fonte: da autora.

Figura 34. Granito porfirítico. Quartzo com recristalização por migração de limite de grãos.
(X).

Fonte: da autora.

55
A deformação dúctil do quartzo em temperaturas próximas a 350°C é indicada pela sua
recristalização por rotação de subgrãos (Fig. 35). Nestas condições também se formam as
estruturas bookshelf observadas em alguns pórfiros de K-feldspato (Fig. 36).

Figura 35. Granito porfirítico. Quartzo recristalizado por rotação de subgrãos. (X).

Fonte: da autora.

Figura 36. Granito porfirítico. Estrutura bookshelf em feldspato fraturado. (X).

Fonte: da autora.

56
Por fim, a deformação frágil no GSPA se manifesta pelas bandas cataclásticas (Fig. 30).
Em lâminas são observadas bandas cataclásticas com espessura submilimétrica com evidências
de fluxo cataclástico (Fig. 37). Também se observa que as bandas cataclásticas são cortadas por
vênulas de quartzo (Fig. 37B). Isso sugere que os veios de quartzo visíveis no talude são
posteriores à formação das bandas cataclásticas.

Figura 37. Granito fino. A) Banda cataclástica com evidência de fluxo cataclástico. B) Banda
cataclástica cortada por vênula de quartzo. (X).

Fonte: da autora.

Dentre as estruturas apresentadas até aqui, apenas a foliação e as bandas cataclásticas


podem ter influência na estabilidade dos taludes. Entretanto, as bandas cataclásticas são
verticais e perpendiculares às faces dos taludes e por este motivo não afetam a estabilidade. A
foliação, por sua vez, em zonas mais alteradas forma planos de fraqueza que dependendo da
orientação podem afetar a estabilidade do talude. Por exemplo, na Figura 26 a linha vermelha
tracejada mostra uma zona onde a foliação subvertical pode gerar tombamento de blocos.
A instabilidade dos taludes é causada por descontinuidades que podem ser planos de
falhas transcorrentes, falhas de baixo ângulo ou zonas de fraturas, que serão descritas a seguir.

5.2. CARACTERIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS DE DESCONTINUIDADES COM BASE


EM PROJEÇÃO ESTEREOGRÁFICA

5.2.1. Orientação das famílias de descontinuidades

Nos taludes ocorrem falhas e fraturas. Os planos de falhas podem ser caracterizados
pela presença de estrias. Foram consideradas como fraturas as descontinuidades que não
apresentavam nenhum indicador cinemático. As fraturas foram divididas em (sub)verticais e
subhorizontais.

57
5.2.1.1. Falhas – nos taludes ocorrem três famílias de falhas transcorrentes e
uma família com plano de falha de baixo ângulo (Fig. 38 e 39). As três
famílias de falhas transcorrentes têm planos verticais ou de alto ângulo e
apresentam estrias horizontais ou com caimento de até 5°, indicativo de falhas
direcionais (Fig. 38A). A família de falha de baixo ângulo tem planos
estriados com mergulho de 25° (Fig. 38B). A família de falhas transcorrentes
com orientação N45E (Fig. 38) é claramente a responsável pelos lineamentos
N45E definidos na análise de lineamentos.

Figura 38. Falhas direcionais. A) Plano de falha vertical com estrias horizontais. B) Plano de
falha de baixo ângulo com estrias down-dep.

Fonte: da autora.

Figura 39. Estereograma com 3 famílias de falhas direcionais (azul) e 1 família de falha de
baixo ângulo (vermelho) observadas nos taludes. Rede equiárea. Hemisfério inferior.

Fonte: da autora.

58
5.2.1.2. Fraturas (sub)verticais – são as fraturas com maior persistência nos
taludes (Fig. 40). Foram identificadas 8 famílias (Fig. 41).

Figura 40. Fraturas (sub)verticais.

Fonte: da autora.

Figura 41. Estereograma com 8 famílias de fraturas (sub)verticais. Rede equirea. Hemisfério
inferior.

Fonte: da autora.

59
5.2.1.3. Fraturas subhorizontais – foram identificadas 8 famílias (Figura 42).
Número igual ao de fraturas (sub)verticais, porém com menor persistência
(Fig. 43).

Figura 42. Família de fraturas subhorizontais. Largura da foto = 5m.

Fonte: da autora.

Figura 43. Estereograma com 8 famílias de fraturas subhorizontais. Rede equiárea. Hemisfério
inferior.

Fonte: da autora.

60
5.2.2. Deslizamentos em cunha e estimativa do ângulo de atrito básico

Nos taludes foi observada a existência de deslizamentos em cunha recentes. Foram


observados um caso no talude W e dois no talude E. Como estes deslizamentos de fato
ocorreram, foi possível a partir da orientação das famílias de descontinuidades envolvidas em
cada caso estimar um valor máximo para o ângulo de atrito (Fig. 44). Neste caso foi estimado
um ângulo de atrito máximo de 35°.

Figura 44. Deslizamentos em cunha. A) Deslizamento em cunha no talude W. A linha de


intersecção tem caimento 38/115. B) Deslizamento em cunha no talude E. A linha de intersecção tem
caimento 35/219. C) Deslizamento em cunha no talude E. A linha de intersecção tem caimento 36/195.
Rede equiarea. Hemisfério inferior.

Fonte: da autora.

5.2.3. Estimativa de ruptura planar

Considerando o ângulo de atrito de 35° estimado no item anterior e 20 famílias de


descontinuidades, observa-se na Figura 45 que para o talude W (mergulho para NE) a família de
fraturas NS/45E (Fig. 46) é favorável à ruptura planar.

Figura 45. Estereograma para ruptura planar no talude W. Rede equiárea. Hemisfério inferior.

Fonte: da autora.
61
Figura 46. Fraturas NS/45E e NS/45W presentes no talude W.

Fonte: da autora.

No talude E observa-se que duas famílias têm orientações compatíveis para que ocorra
a ruptura planar e uma família fica próxima do limite de ruptura (Fig. 47).

Figura 47. Estereograma para ruptura planar no talude E. Rede equiarea. Hemisfério inferior.

Fonte: da autora.
62
5.2.4. Estimativa de ruptura em cunha

As 20 famílias de fraturas tem orientações tais que permitem a existência de 380 linhas
de intersecção. São essas linhas de intersecção que podem levar à ruptura em cunha, desde que
com orientação compatível com a orientação do talude. Para o talude W foram identificadas 3
linhas de intersecção dentro do campo instável e duas muito próximas a ele (Fig. 48). No talude
E foram identificadas pelo menos 9 linhas de intersecção com orientação adequada para gerar a
ruptura em cunha e outros 4 famílias bem próximas ao limite de instabilidade (Fig. 49).

Figura 48. Estereograma para ruptura em cunha com linhas de intersecção entre as 20 famílias
de fraturas, para o talude W. Rede equiárea. Hemisfério inferior.

Fonte: da autora.

Figura 49. Estereograma para ruptura em cunha com linhas de intersecção entre as 20 famílias
de fraturas, para o talude E. Rede equiárea. Hemisfério inferior.

Fonte: da autora.
63
Observa-se, portanto, que a possibilidade de ruptura em cunha é bem maior que a
possibilidade de ruptura planar nos talude estudados. Observa-se também que a possibilidade de
ruptura em cunha é muito maior no talude com mergulho para SW do que o talude com
mergulho para NE.
Todas estas estimativas foram feitas com base na existência de ângulo de atrito de 35°
definido com base em rupturas observadas nos taludes. Uma maneira mais acurada de análise de
ruptura e uma determinação mais precisa do ângulo de atrito podem ser feitas através da
abordagem de parâmetros geotécnicos (ver item 2.4).

5.3. CARACTERIZAÇÃO GEOMECÂNICA DAS DESCONTINUIDADES

Para essa caracterização foram escolhidas 3 famílias de descontinuidades baseadas na


densidade de concentração das 53 fraturas medidas nos taludes E e W (Fig. 50).

Figura 50. Estereograma de contorno estrutural mostrando as famílias de descontinuidades


presentes nos taludes E e W e as três famílias de descontinuidades escolhidas. Em amarelo, polo médio de
cada família e em vermelho polos das descontinuidades.

Fonte: da autora.

64
Os parâmetros verificados em campo para cada uma das famílias estão listados na
Tabela 9. As 3 famílias foram escolhidas com base nas suas características de espaçamento e
persistência. As três famílias possuem alta persistência (<10m), baixa rugosidade e apenas uma
das famílias se apresenta aberta (a mesma que se apresenta ligeiramente úmida).

Tabela 9. Famílias de descontinuidades e seus atributos.

Preenchi
Direção Mergulho Espaçam Persistência Abertura Rugosida Infiltraçã
Família mento
(°) (°) ento (m) (m) (mm) de (JRC) o de água
(mm)
Ligeirame
1 0 80 1 3 a 10 1a5 Mole <5 1a4
nte úmido
2 70 90 5 1 a 10 Nenhum Nenhum 1a2 Seco
3 10 25 3 1 a 10 Nenhum Nenhum 4a6 Seco
Fonte: da autora.

5.3.1. Análise e classificação do maciço rochoso

Para a análise e classificação do maciço rochoso os taludes E e W podem ser divididos


em três zonas geomecânicas, relacionadas com o grau de alteração, coerência e grau de
fraturamento, denominadas Z1 (rocha medianamente decomposta), Z2 (rocha pouco
decomposta) e Z3 (rocha sã). Considerando que os taludes estudados apresentam grande
homogeniedade estrutural, as zonas geomecânicas serão analisadas com base apenas nas 3
famílias de descontinuidades 1, 2 e 3 (Fig. 49).
A seguir serão descritas as características de cada zona geomecânica com base nas
classificações RMR (Rock Mass Rating) (Tabela 3) e SMR (Slope Mass Rating) (Tabela 8). Para
a classificação SMR as zonas geomecânicas serão analisadas reparadamente em cada talude, em
razão das suas diferentes de orientações.

5.3.1.1. ZONA GEOMECÂNICA Z1

A zona geomecânica Z1 compreende a rocha medianamente decomposta e tem


coerência medianamente resistente e médio grau de fraturamento. A ocorrência desse tipo de
rocha nos talude E e W é indicada na Figura 51. Em cada um dos taludes existem 3 zonas Z1
que podem ser observadas em detalhe na Figura 52.

65
Figura 51. Zona geomecânica Z1 (linhas vermelhas tracejadas) nos talude W (A) e E (B).

Fonte: da autora.

Figura 52. Detalhe da zona geomecânica Z1 as fotos A, B e C são do talude W e D, E e F são


do Talude E.

Fonte: da autora.

66
5.3.1.1.1. RMR

Para a classificação RMR (Rock Mass Rating) foram utilizados os valores ponderais
de Bieniawski (1989) (Tabela 2). Levando em consideração os atributos listados na Tabela 9
foram obtidos para a zona geomecânica Z1 os valores apresentados na Tabela 10.

Tabela 10. Valores ponderais (Bieniawski 1989) para classificação RMR para a zona
geomecânica Z1.

Parâmetros Valores Ponderais


Resistência à ruptura por compressão uniaxial 4a7
RQD(%) 10 a 13
Espaçamento (m) 12 a 15
Condição das descontinuidades 8 a 18
Persistência (m) 2a4
Abertura (mm) 4a5
Rugosidade 1a4
Preenchimento (mm) 0a2
Grau de alteração 1a3
Infiltração de água 7 a 10
RMR 41 a 63
Fonte: da autora.

Com valor de RMR de 41 a 63 a zona geomecânica Z1 (conforme a Tabela 3) pode ser


classificada normal / classe III.

5.3.1.1.2. SMR

Para a classificação SMR foram utilizados os 4 fatores de correção (F1, F2, F3 e F4)
para o RMR básico (Romana 1991). Com base nas fórmulas apresentadas na revisão conceitual
(item 2.5.2). F1, F2, F3, e F4 serão calculados assumindo o valor médio do RMR de 52 tanto
para ruptura do tipo planar quanto por tombamento para cada uma das 3 famílias de
descontinuidades escolhidas. Como os taludes W e E possuem orientações diferentes os cálculos
de SMR serão realizados separadamente para cada talude.

5.3.1.1.2.1. TALUDE W

As tabelas 11 e 12 mostram os valores de SMR para ruptura planar / cunha e

67
tombamento para cada uma das 3 famílias de descontinuidades, considerando a orientação
320° do talude W.

Tabela 11. Valores de SMR para ruptura planar e cunha para Z1, para o talude W.
Ruptura Planar e cunha

F1 │αj -αs│ F2 (βj) F3 (βj-βs) F4


Família SMR
Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor
1 320 0,15 80 1 20 0 Pc 0 52
2 20 0,7 83 1 30 0 Pc 0 52
3 310 0,15 25 0,4 -35 -60 Pc 0 48,4
Fonte: da autora.

Tabela 12. Valores de SMR para tombamento para Z1, para o talude W.
Tombamento
F1 │αj -αs –
F2 (βj) F3 (βj+βs) F4
Família 180°│ SMR
Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor
1 500 0,15 80 1 140 -25 Pc 10 58,25
2 430 0,15 90 1 150 -25 Pc 10 58,25
3 490 0,15 25 1 85 0 Pc 10 62
Fonte: da autora.

Os valores de SMR são divididos em classes (I a V), conforme a Tabela 8 e indicam a


estabilidade, tipo de rotura e contenção. As famílias 1, 2 e 3 possuem valores próximos de SMR
para ruptura planar classificando-se como parcialmente estáveis, com alguma probabilidade de
ruptura. Com relação ao tombamento, os valores de SMR também são próximos para as 3
famílias e indicam que o talude W é estável em relação ao tombamento.

5.3.1.1.2.2. TALUDE E

Considerando o valor de RMR básico de 52 os coeficientes e o valor definido tanto


para ruptura do tipo planar / cunha quanto por tombamento para cada uma das 3 famílias de
descontinuidades com relação à orientação do talude E (considerada como N140, para atender
às especificações da planilha utilizada), são apresentados nas Tabelas 13 e 14.

Tabela 13. Valores de SMR para ruptura planar e cunha para Z1, para o talude E.
Família Ruptura Planar e cunha

68
F1 │αj -αs│ F2 (βj) F3 (βj-βs) F4
SMR
Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor
1 140 0,15 80 1 20 0 Pc 0 52
2 20 0,7 83 1 30 0 Pc 0 52
3 130 0,15 25 0,4 -35 -60 Pc 0 48,4
Fonte: da autora.

Tabela 14. Valores de SMR para tombamento para Z1, para o talude E.
Tombamento
F1 │αj -αs –
F2 (βj) F3 (βj+βs) F4
Família 180°│ SMR
Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor
1 320 0,15 80 1 140 -25 Pc 10 58,25
2 250 0,15 90 1 150 -25 Pc 10 58,25
3 310 0,15 25 1 85 0 Pc 10 62
Fonte: da autora.

No talude W e no talude E os valores de SMR para ruptura planar / cunha e tombamento


são os mesmos, ou seja, as orientações dos taludes neste caso não influeciam no tipo de ruptura.

5.3.1.2. ZONA GEOMECÂNICA Z2

A zona geomecânica Z2 é formada por rocha pouco decomposta e pode ser encontrada
tanto no talude E quando no talude W (Fig. 53). Detalhes desta zona podem ser vistos na Figura
54.

69
Figura 53. Zona geomecânica Z2 (linhas vermelhas tracejadas) nos talude W. A) e B).

Fonte: da autora.

Figura 54. Detalhe da zona geomecânica Z2. Fotos A, B e C são do talude W. Fotos D, E e F
são do talude E.

Fonte: da autora.

70
5.3.1.2.1. RMR

Para a classificação RMR (Rock Mass Rating), a tabela 15 mostra os valores ponderais
segundo Bieniawski (1989) (Tabela 2), para cada atributo da zona geomecânica Z2 com base
nos dados da Tabela 8.

Tabela 15. Valores ponderais (Bieniawski 1989) para classificação RMR para a zona
geomecânica Z2.

Parâmetros Valores Ponderais


Resistência à ruptura por compressão uniaxial 10 a 12
RQD(%) 15 a 17
Espaçamento (m) 5a6
Condição das descontinuidades 14 a 21
Persistência (m) 4a6
Abertura (mm) 1a3
Rugosidade 1a2
Preenchimento (mm) 4a5
Grau de alteração 3a5
Infiltração de água 12 a 15
RMR 54 a 71
Fonte: da autora.

De acordo com a Tabela 3, a zona geomecânica Z2 com valor de RMR de 54 a 71 é


classificada como boa (classe II) quanto à sua qualidade.

5.3.1.2.2. SMR

Assumindo o valor médio de RMR básico de 62,5 para Z2, serão obtidos os coeficientes e
o valor definido para cada um deles em F1, F2, F3 e F4 tanto para ruptura do tipo planar/cunha
quanto por tombamento para cada uma das 3 famílias de descontinuidades definidas. Como a
zona geomecânica Z2 está presente tanto no talude W quanto no talude E os valores de SMR
serão analisados separadamente.

5.3.1.2.2.1. TALUDE W

Com base na orientação do talude W (N320) foram calculados separadamente os valores de


SMR para ruptura planar e tombamento para cada uma das 3

71
famílias de descontinuidades.

Tabela 16. Valores de SMR para ruptura planar em cunha para a zona geomecânica Z2, para o
talude W.
Ruptura Planar e cunha

F1 │αj -αs│ F2 (βj) F3 (βj-βs) F4


Família SMR
Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor
1 320 0,15 80 1 20 0 Pc 0 62,5
2 20 0,7 83 1 30 0 Pc 0 62,5
3 310 0,15 25 0,4 -35 -60 Pc 0 58,9
Fonte: da autora.

Tabela 17. Valores de SMR para tombamento para a zona geomecânica Z2, para o talude W.
Tombamento
F1 │αj -αs –
F2 (βj) F3 (βj+βs) F4
Família 180°│ SMR
Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor
1 500 0,15 80 1 140 -25 Pc 10 68,25
2 430 0,15 90 1 150 -25 Pc 10 68,75
3 490 0,15 25 1 85 0 Pc 10 72,5
Fonte: da autora.

No talude W cada uma das famílias de descontinuidades exibe números aproximados de


SMR, tanto para ruptura planar quanto para tombamento. Para ruptura do tipo planar e em cunha
o compartimento geomecânico é denominado como parcialmente estável à estável, já para
tombamento é pertencente a classe II, ou seja, estável.

5.3.1.2.2.2. TALUDE E

Tabela 18. Valores de SMR para ruptura planar e em cunha para a zona geomecânica Z2, para o
talude E.
Ruptura Planar e cunha

F1 │αj -αs│ F2 (βj) F3 (βj-βs) F4


Família SMR
Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor
1 140 0,15 80 1 20 0 Pc 0 62,5
2 20 0,7 83 1 30 0 Pc 0 62,5

72
3 130 0,15 25 0,4 -35 -60 Pc 0 58,9
Fonte: da autora.

Tabela 19. Valores de SMR para tombamento para a zona geomecânica Z2, para o talude E.
Tombamento
F1 │αj -αs –
F2 (βj) F3 (βj+βs) F4
Família 180°│ SMR
Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor
1 320 0,15 80 1 140 -25 Pc 10 68,75
2 250 0,15 90 1 150 -25 Pc 10 68,75
3 310 0,15 25 1 85 0 Pc 10 72,5
Fonte: da autora.

Semelhante à Z1, o compartimento Z2 possui valores iguais de SMR tanto no talude W


quanto no talulde E, sustentando a concepção de que a diferença de orientação dos taludes não
interfere na ruptura dos taludes.

5.3.1.3. ZONA GEOMECÂNICA Z3

A zona geomecânica Z3 é formada por rocha sã e ocorre apenas no talude W (Fig. 55).
Detalhes da zona são apresentados na Figura 56.

Figura 55. Zona geomecânica Z3 (linhas vermelhas tracejadas) no talude W.

Fonte: da autora.

73
Figura 56. Detalhes da zona geomecânica Z3 no talude W. A) e B).

Fonte: da autora.

5.3.1.3.1. RMR

Para a classificação RMR (Rock Mass Rating), os valores ponderais para cada
parâmetro da zona geomecânica Z3 são apresentados na Tabela 20.

Tabela 20. Valores ponderais (Bieniawski 1989) para classificação RMR para a zona
geomecânica Z3.

Parâmetros Valores Ponderais


Resistência à ruptura por compressão uniaxial 13 a 15
RQD(%) 18 a 20
Espaçamento (m) 18 a 20
Condição das descontinuidades 25 a 30
Persistência (m) 4a6
Abertura (mm) 5a6
Rugosidade 4a6
Preenchimento (mm) 5a6
Grau de alteração 6a6
Infiltração de água 14 a 15
RMR 87 a 100
Fonte: da autora.

A zona geomecânica possui um intervalo de RMR de 87 a 100 (Tabela 3) e pode ser


caracterizada como de classe I (Bieniawski 1989). Os maciços da classe I são considerados de
muito boa qualidade.

74
5.3.1.3.2. SMR

Os valores de SMR serão calculados apenas para o talude W, com orientação N320.
Será utilizado o valor médio de 94, calculado anteriormente como RMR básico para Z3.

Tabela 21. Valores de SMR para ruptura planar e emcunha para a zona geomecânica Z3, no
talude W.
Ruptura Planar e cunha

F1 │αj -αs│ F2 (βj) F3 (βj-βs) F4

Coeficiente Coeficiente Coeficiente SMR


Família Coeficien
Valor Valor Valor Valor
te
1 320 0,15 80 1 20 0 Pc 0 94
2 20 0,7 83 1 30 0 Pc 0 94
3 310 0,15 25 0,4 -35 -60 Pc 0 90,4
Fonte: da autora.

Tabela 22. Valores de SMR para tombamento para a zona geomecânica Z3, no talude W.
Tombamento
F1 │αj -αs –
F2 (βj) F3 (βj+βs) F4
Família 180°│ SMR
Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor Coeficiente Valor
1 500 0,15 80 1 140 -25 Pc 10 100
2 430 0,15 90 1 150 -25 Pc 10 100
3 490 0,15 25 1 85 0 Pc 10 100
Fonte: da autora.

Rochas com valores de RMR básico como obtido para Z3 geram um SMR que é totalmente
estável, sem necessidade de trabalhos de contenção.

5.3.2. Ângulo de atrito

Para a obtenção do ângulo de atrito (b) é necessário verificar o nível de tensão da


rocha e estabelecer os parâmetros (JRC e JCS) de cada família de descontinuidades. Para o
cálculo de tensão da rocha é utilizada a equação 7:

n = ɣ . h (7)
onde:
n = tensão normal efetiva

75
ɣ = densidade da rocha
h = altura do talude

Sendo a densidade do granito igual a 2,7 g/cm³ e a altura do talude igual a 6m então,
n = 2,7 g/cm³ . 600 cm
n = 1620 g/cm²
n = 0,162 MPa

O valor de 0,162 MPa será utilizado para a determinação do ângulo de atrito de cada
família de descontinuidade, através do gráfico de resistência ao cisalhamento da rocha pela sua
tensão normal efetiva. A resistência ao cisalhamento é calculada a partir dos valores de JRC,
JCS e do ângulo de atrito residual de cada família de descontinuidades por meio da equação (1).
Para o ângulo de atrito residual será utilizado o valor usual de 28°.

5.3.2.1. FAMÍLIA 1

Assumindo valores de JRC de 3, JCS de 80MPa e  r de 28°, é obtido o valor de 118


KPa para a resistência ao cisalhamento. Como mostra a equação:

 = n . tg [JRC . log (JCS/n ) +  r ]


 = 0,162 MPa . tg [ 3. log (80MPa/ 0,162 MPa) + 28]
 = 118 kPa

Graficamente, a partir da relação entre tensão de cisalhamento () e tensão normal


efetiva (n) é obtido o intercepto coesivo (c) da rocha através da linha tangente à curva. O valor
do ângulo de atrito é encontrado por meio da equação 8:

tgθ = ( - c)/ n (8)

Para a família 1, com valor para a intercepto coesivo de 40 kPa alcançado


graficamente (Fig. 57) obteve-se um valor de ângulo de atrito de 26°.

76
Figura 57. Gráfico da tensão de cisalhamento em função da tensão normal, para obtenção do
ângulo de atrito para a família 1.

Fonte: da autora.

5.3.2.2. FAMÍLIA 2

Para a família 2 atribuiu-se os valores de JRC de 2, JCS de 120 MPa e  r de 28°,


sendo é obtido o valor de 108 kPa para a resistência ao cisalhamento através da equação:

 = n . tg [JRC . log (JCS/n ) +  r ]


 = 0,162 MPa . tg [ 2. log (120MPa/ 0,162 MPa) + 28]
 = 108 kPa

Para a família 2, com valor para o intercepto coesivo de 28 kPa alcançado


graficamente (Fig. 58) obteve-se também o valor de ângulo de atrito de 26°, através da
equação 8.

77
Figura 58. Gráfico da tensão de cisalhamento em função da tensão normal, para obtenção do
ângulo de atrito para a família 2.

Fonte: da autora.

5.3.2.3. FAMÍLIA 3

Para a família 3 atribuiu-se os valores de JRC de 4, JCS de 140 MPa e  r de 28°,


sendo obtido o valor de 135 KPa para a resistência ao cisalhamento:

 = n . tg [JRC . log (JCS/n ) +  r ]


 = 0,162 MPa . tg [ 4 . log (140MPa/ 0,162 MPa) + 28]
 = 135 kPa

A família 3 possui valor de ângulo de atrito de 27°, obtido através da equação 8, com
valor para o intercepto coesivo de 50 kPa alcançado graficamente (Fig. 59).

78
Figura 59. Gráfico da tensão de cisalhamento em função da tensão normal, para obtenção do
ângulo de atrito para a família 3.

Fonte: da autora.

A diferença entre os valores de ângulo de atrito obtidos a partir da análise


estereográfica e a partir da análise geomecânica é pequena. A utilização do valor 27 na análise
estereográfica não modifica os resultados obtidos.

79
6. CONCLUSÕES

A realização deste estudo permitiu tomar contato com diversos aspectos do trabalho na
área geotécnica, desde procedimentos de segurança no trabalho de campo até utilização de
planilhas excel. O trabalho também permitiu perceber a importância da obtenção criteriosa de
dados, pois eles irão influenciar nos parâmetros geomecânicos finais, que por sua vez estão
diretamente relacionados com as intervenções que serão necessárias para a execução de uma
obra. A revisão bibliográfica permitiu conhecer a teoria sobre diversos aspectos da mecânica das
rochas e os trabalhos de campo permitiram o conhecimento prático para a sua obtenção. Em
relação a este aspecto considero que o objetivo de adquirir competências e habilidades para a
aplicação de técnicas de análise de estabilidade de taludes em maciços rochosos foi atingido.
Quanto à análise e comparação da estabilidade dos taludes no Contorno Rodoviário de
Florianópolis (objetivos específicos) os seguintes pontos podem ser destacados:
• Os taludes se inserem em um maciço rochoso formado pelo Granito São Pedro
de Alcântara (GSPA) que no local é composto por um granito porfirítico e um
granito fino;
• O GSPA é parte de uma suíte que tem sido considerada como pré- a sin-
colisional, porém as estruturas observadas nos taludes e em lâminas delgadas
sugerem que o GSPA é tardi-tectônico;
• Os planos de descontinuidades observados nos taludes são falhas
transcorrentes ou de baixo ângulo e fraturas (sub)verticais e sub-horizontais.
Além disso, ocorrem bandas cataclásticas verticais. Estas bandas juntamente
com as falhas transcorrentes com orientação N45E sugerem a influência da
Zona de Cisalhamento Major Gercino sobre o maciço;
• As medições permitiram individualizar 20 famílias de descontinuidades. Estas
famílias foram utilizadas em projeções estereográficas para a estimativa de
rupturas planares e em cunha. Observou-se que a possibilidade de ruptura em
cunha é bem maior que a possibilidade de ruptura planar nos taludes
estudados e que a ruptura em cunha tem maior probabilidade de ocorrer no
talude E;
• Para a caracterização geomecânica foram consideradas três famílias de
descontinuidades e três zonas geomecânicas, determinadas principalmente
pelo grau de alteração e faturamento. Os diferentes valores de parâmetros
obtidos nas três zonas indicam que a separação foi coerente;
• Quanto à classificação RMR a Z1 tem valor médio 52, a Z2 tem 62,5 e Z3 tem
93,5. Os valores diferentes entre as zonas resultam principalmente da variação

80
na resistência a ruptura por compressão uniaxial, à persistência e ao grau de
alteração.
• Na classificação SMR, os valores obtidos para tombamento na Z1 são 58,25;
58,25 e 62; na Z2 são 68,75; 68,75 e 72,50 para as famílias 1, 2 e 3
respectivamente. Para Z3 o valor é de 100 para as três famílias. Portant,o a
zona geomecânica 1 é a mais propensa a tombamentos. Com relação ao
deslizamento (planar e em cunha) para a Z1 os valores são de 52, 52 e 48,40;
para Z2 os valores são 62,50; 62,50 e 58,90 e para Z3 94; 94 e 90,4 para as
famílias 1, 2 e 3 respectivamente. Portanto observa-se que a zona
geomecânica Z1 também é a mais propensa a ter rupturas planares e em
cunha.
• O ângulo de atrito calculado pelos parâmetros JRC, JCS e ângulo de atrito
residual, resultou em valores (26°, 26° e 27°) muito próximos para as três
famílias. Com um mesmo ângulo de atrito para as três famílias, o que as torna
mais ou menos propensas para deslizamento ou tombamento é sua orientação
em relação à face do talude. O valor do ângulo de atrito básico de ~27° é
inferior ao valor de 35°, estimado a partir de deslizamentos ocorridos no
talude, mas a diferença não altera o resultado na análise estereográfica;
• A análise estereográfica permite determinar o comportamento geral de um
talude com relação aos tipos de ruptura enquanto que a classificação
geomecânica, por utilizar zonas geomecânicas permite individualizar zonas de
comportamentos diferentes em um mesmo talude. O mesmo se aplica ao
comportamento individual de cada família de descontinuidades que a
classificação geomecânica realiza individualmente.

81
7. REFERÊNCIAS

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