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INTRODUÇÃO

Esse livro representa uma crítica às formas de governo enraizadas no


Brasil, muitas vezes, a posse de cada indivíduo, corresponde ao valor que lhe é
atribuído.
Ao ligar a TV, rádio ou qualquer outro veículo de comunicação, não
faltará notícias a respeito do desrespeito com o dinheiro público e má gestão
por parte da classe política. Aqui não se pretende generalizar de espécie
alguma a política no país, mas propor uma reflexão a respeito de questões
como a ética, por exemplo, assim como a importância da imprensa para o
desenvolvimento de um sistema democrático.
A democracia no Brasil ainda apresenta muitas falhas, muitas vezes, a
prática da democracia, representa atribuir “poderes” a quem não se quer que
obtenha tais poderes.
O título do livro faz referência a coronéis, mas não se trata dos coronéis
do período histórico brasileiro que ficara conhecido como coronelismo. Os
coronéis a qual o livro se refere, diz respeito a políticos ou pessoas que
possuem influência na política devido suas posses e posições sociais, muitos
se equivalem apenas de um sobrenome, considerado de muito prestígio no
local.
As personagens presentes no livro, fazem parte de uma criação fictícia,
assim como os nomes das cidades mencionadas, todavia não faltará pessoas
que, talvez, apontem semelhanças entre tais personagens e pessoas
conhecidas em sua cidade. Digo que tais semelhanças se darão pela forma da
prática política e da posição da imprensa em muitos lugares no Brasil, como já
foi dito, uma forma política atrasada que ainda carrega suas heranças do
passado.
O livro também traz algumas citações de livros, da mesma forma que
letras de músicas. A intenção é mostrar que, tanto os livros quanto as músicas,
assim como outras formas de expressão da cultura e da arte, podem
representar muito bem as angústias e os anseios de uma sociedade.
A literatura pode ter um papel fundamental na construção ou
desconstrução de um modelo social e político. Do mesmo modo pode fazer
verdadeiras revoluções no campo das ideias, transformando indivíduos,
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fazendo com que as pessoas possam fazer uma verdadeira reflexão da
sociedade em que vive, e de seu papel enquanto ser ativo dessa sociedade.
Mesmo as obras de ficção, como é o nosso caso, podem revelar os
medos, desejos e aspirações de uma determinada sociedade. Apesar da
escrita ser na maioria das vezes uma prática solitária, no que se refere ao
escritor, sua obra sem sombras de dúvidas é fruto de uma coletividade.
Espera-se que o leitor seja levado a uma aventura e possa se identificar
ou não com a personagem principal dessa trama, “Fábio”. Refletindo sobre
suas ações e seus posicionamentos em uma sociedade ainda comandada por
coronéis, principalmente em cidades ou estados que possuem uma ligação
econômica muito forte com a terra.

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PRIMEIRA PARTE

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O som de máquinas agrícolas trabalhando, misturado a grandes
“gargalhadas” dos pássaros “quero – quero”, faz Fábio despertar em uma
manhã de sábado. Como de costume dormira mais uma noite nu, tendo as
janelas do seu quarto que dão para a rua completamente abertas.
Ao levantar, Fábio apanha seu celular e confere o horário, o visor marca
09:12h; ainda nu, aproxima-se da janela do quarto a contemplar as máquinas
agrícolas a trabalhar; a janela deixa a vista apenas seu peitoral. As máquinas
trabalham em terras que dão de frente a sua casa. Entre o roçado e sua casa
passa uma estrada de chão batido. Ao comtemplar as máquinas sente-se um
pouco afortunado, tal sentimento deve-se ao fato de ser sábado e poder estar
em casa (na sombra), não tendo a necessidade de enfrentar um sol escaldante
que já se fazia naquela hora.
Embaixo do chuveiro, volta a pensar a respeito daqueles trabalhadores,
em suas grandes e modernas máquinas agrícolas, com certeza com ar
condicionado. Talvez tais trabalhadores eram mais afortunados do que ele; se
fossem empregados da fazenda teriam um salário ao fim do mês, caso fossem
os donos, teriam muitas despesas, além de dor de cabeça, mas com certeza
teriam bons lucros; talvez lucrariam valores que Fábio não ganharia em um ano
inteiro de trabalho, ou até mais, ao pensar sobre isso sentiu-se um inútil.
Ao sair do banho liga a TV apenas por força do hábito, trajado de
chinelos bermuda jeans e uma camiseta branca do clube de futebol italiano
“A.C Milan”, Fábio deixa seu corpo cair sobre o sofá, celular na mão e a TV
continua ligada, mas recebendo pouca atenção de sua parte.

Laurinha toma seu café com torradas na cozinha e entre uma xícara e
outra leva seu pensamento com satisfação a noite anterior, suspira!... E falando
em voz alta consigo mesma diz:
- Foi foda!
Ao terminar o café pega seu celular, olha as últimas mensagens e fica
decepcionada, não havia a mensagem que esperava, havia sim inúmeras
mensagens de clientes de seu escritório, algumas mensagens de familiares,

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todavia não era o que procurava, olha o relógio da parede da cozinha 10:21h,
pensa um pouco e decide por ligar.
A cada chamada do celular sua ansiedade aumenta a ponto de
conseguir ouvir sua respiração, percebendo sua afobação fez um tremendo
esforço para controlar-se e sentiu sua boca secar. No quarto toque do telefone
alguém responde.
- Oi!
- Fábio?
- Sim!
- E aí seu moço, como passou?
- Bem! E tu?
- Pronta para outra.
- Eita!
Laura dos Santos Neves é advogada, em seus 49 aos já passou por
muitas coisas na vida, tantas que hoje ao fazer uma reflexão sente um certo
alívio, a ponto de concluir que vive a sua melhor fase da vida.
Laura ou Laurinha como é mais conhecida na cidade, possui um
escritório de advocacia, fora casada durante 20 anos com Jorge Aparecido de
Lima. Como todo casamento que em regra é feito para não vingar, o seu não
foi diferente. Na realidade seu casamento durou de fato 7 anos, não
conseguindo superar a conhecida popularmente “crise dos 7 anos”. O restante
dos anos viveu separada, mesmo vivendo sobre o mesmo teto.
Laurinha não teve filhos, ficara grávida no terceiro ano do casamento,
perdendo o filho no terceiro mês de gestação. Filho nunca foi algo prioritário em
sua vida, o fato de ter 49 anos e não possuir filho não a entristecia, sua tristeza
real vinha do período em que ficou casada com Jorge, havia deixado ou
gastado o melhor da sua idade, num período de profunda tristeza.

O jornal Pedra Bonita conta com 3 funcionários: dois jornalistas Moisés e


Fábio que trabalhavam como “Freelancer”, e uma revisadora de texto chamada
Luana. Claudio era o dono do jornal, cuidava de todos os contratos do jornal e
administrava as contas.
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Fábio e Moisés ganhavam um salário mínimo cada um, Luana ganhava
um salário e meio, pois além de corrigir os textos era responsável pela
estrutura visual das páginas do jornal na internet, além de cuidar da faxina do
local. O prédio era alugado, sendo sua metragem 3 metros e meio de largura
por 7 de comprimento, forro de madeira e paredes avermelhadas com o
logotipo do jornal do lado direito da sala.
No espaço físico do jornal havia 3 mesas, sendo uma de Moisés, outra
de Fábio e uma de Luana. A Mesa de Moisés ficava posicionada mais ao
fundo, próximo ao banheiro e de frente ao ar condicionado. Moisés tinha 56
anos e além do jornal, era dono de terras que eram arrendadas para o plantio
de soja. Como possuía uma voz grossa, era responsável por fazer as locuções
da cidade, que levava o mesmo nome do jornal. Seu corpo era lento e
arredondado, media 1,72 de altura e pesava 112Kg. Usava sempre camisas de
cor clara e manga curta, quase sempre estava de calça jeans e chinelo, as
vezes aparecia para trabalhar com short jeans e sapatênis. Tinha no rosto
óculos fundo de garrafa e cabelos levemente grisalhos. Moisés tinha o jornal
como um hobby, sua renda maior vinha do arrendamento de suas terras e da
publicidade que fazia no comércio da cidade.
O pensamento de Fábio, assim como sua imaginação, não possuía
fronteiras. Durante o tempo que estava no jornal digitando suas matérias
pensava...quase sempre a conclusão dos seus pensamentos ficava em torno
do quanto era mal pago no jornal; para Fábio, dos três funcionários ele era o
que menos recebia. Moisés utilizava seu trabalho no jornal como diversão, seu
“sustento” não dependia daquela função. Luana recebia um salário e meio,
muito devido a ser amante de Claudio, o dono do Jornal.
Fábio deduzia que Luana tinha uma renda muito maior; que ganhava por
fora alguns mimos do seu amante, observava que ela sempre estava bem
vestida e com joias.
Sentia-se deslocado no jornal e muitas vezes solitário. Para ele a ética
era inegociável e por isso se entristecia com o que via nos dias de trabalho.
Entre as tristezas podemos citar: matérias negociadas e estatísticas
encomendadas.
Para o jornal Pedra Bonita, quem pagava tinha sempre razão. Os
patrocínios, em sua maioria, vindo dos “coronéis” e grandes empresários da
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cidade, assim como a verba que vinha da prefeitura da cidade Pedra Bonita
para o jornal, garantia a parcialidade do meio de comunicação.
Foram muitas as vezes que Claudio “orientou” Fábio – Olha sabemos
que a matéria não é verdadeira, mas ou publicamos como eles querem que
publiquemos ou adeus verba, adeus jornal e adeus emprego; sendo assim,
escreve da forma que está nesse papel que te entreguei, sem tirar uma vírgula
do lugar.
Fábio se via, muitas vezes, dentro de uma grande guerra interna, o
trabalho no jornal muitas vezes confrontava seus princípios, mas precisava do
salário. Sonhava com o dia que não dependesse mais da miséria de salário
que recebia por seu trabalho no jornal, assim na primeira matéria fraudulenta
levantaria e diria na cara de Claudio: - Eu me recuso a escrever uma matéria
desta, não propago mentiras e se quer saber, me demito!
Este dia não tardaria a chegar, pensava Fábio. Lembrava-se de uma de
suas muitas leituras de lazer, um livro do jornalista Juca Kfouri, jornalista que
Fábio tinha como inspiração. O livro tinha como título “Confesso que perdi –
memórias”. No livro ele se deparou com uma frase que Kfouri atribuía a um
certo Millôr Fernandes, onde podia-se ler: “Imprensa é oposição, o resto é
armazém de secos e molhados”; ao ler tal frase, fez questão de anotar em seu
caderno de citações. Fábio possuía um caderno de citações, onde sempre que
precisava de alguma inspiração para seus textos, fazia tal consulta. Por tais
questões sentia que tinha um grande valor enquanto profissional, valor este,
que não era reconhecido; não fazia mal, pois valores éticos não pagava conta e
muito menos serviria para comprar remédios. Não podia ficar sem seus
remédios, uma das poucas formas de manter a lucidez no mundo que vivia.
Lucidez, aliás, era um tema que Fábio se interessava na literatura.
Estava justamente lendo um livro de um escritor português, José Saramago. O
livro trazia o título “Ensaio sobre a Lucidez”, a obra estava a mostrar para Fábio
aquilo que ele já desconfiava há algum tempo, ser uma pessoa lúcida na
sociedade era uma tremenda loucura. Fábio sabia que dependia do emprego e
também de Laurinha, seu segundo emprego, porém, não tão estressante
quanto o primeiro.
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Sexta-feira 20:00h em ponto e Laura já está com o celular posicionado
na orelha, dois toques já haviam passado, tum, tum, e no terceiro alguém
atende.
- Oi!
- Está pronto?
- Sim
- Me espera no ponto de ônibus, passo lá daqui 15 minutos.
- Ok.
O portão elétrico da casa de Laura desliza para a direita, surge uma
Hilux preta a sair de uma casa enorme localizada no centro da cidade Pedra
Bonita, quem conduz o veículo é Laura, seguindo para mais um encontro.
Pontualmente após 15 minutos, Laura está parada no ponto de ônibus.
Para sermos mais exatos, não chegou pontualmente aos 15 minutos, gastou
apenas 13 minutos e 40 segundos. A porta do passageiro abre, Fábio adentra
a camionete e trocam apenas quatro palavras:
- Boa noite!
- Boa noite!
A Hilux segue para a cidade vizinha, Chapéu Dourado, maior que Pedra
Bonita. Chapéu Dourado possui mais opções de motéis e outros tipos de lazer.
Além disso, evita certos constrangimentos que poderiam ocorrer em Pedra
Bonita.
O destino da Hilux é mais uma vez o motel da cidade. Desta vez, um
motel diferente da última. Dificilmente repetia-se os motéis, sempre havia uma
certa variação.
No motel, Fábio está sentado na cama, camisa amarela de mangas
longas, calça jeans preta e sapatos pretos. No rosto, óculos de grau de
armação vermelha e remendo com fita adesiva branca em uma das hastes.
Laura está em pé, posicionada a frente de Fábio, não trocaram uma
palavra desde o “boa noite” do ponto de ônibus, e agora Laura está ali em pé,
com seu sobretudo cinza e seu ar de superioridade e auto confiança. Fábio
gosta disso, prefere mulheres mais experientes, nunca se deu bem com as
chamadas “novinhas”. Laura garantia a Fábio um reforço em seu orçamento,
pagava 300 reais por noite. Em média, na semana, ela saia com ele duas
vezes, levando em consideração as quatro semanas do mês, Fábio somava
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1.200 reais. O valor chega quase à soma do seu salário no jornal. Além disso,
Fábio gosta da companhia de Laura, não só na cama como no “pós-cama”, na
banheira conversando sobre as angústias e complexidades da vida.
Utilizando a mão esquerda, Laura passa a mão em sua nuca, continua
em pé na frente de Fábio. Usa a mão direita para desabotoar os botões de seu
sobretudo, começando pelo botão superior e descendo um a um; por um
estante faz uma pausa, passando as duas mãos em seu cabelo de formato
Chanel, voltando para o sobretudo, agora não só com uma, mas com as duas
mãos. Pouco a pouco o sobretudo vai desvendando o corpo de uma mulher
madura, porém escultural devido a dedicação de muitas horas de academia.
Laura já se encontrava desprovida do sobretudo, agora estava de posse
de uma lingerie vermelha, um sutiã meia taça, calcinha fio dental contendo uma
fina corrente de metal, também utilizava uma tira vermelha na coxa direita.
Ajoelhada entre as pernas de Fábio que continuava sentado na
extremidade da cama, Laura aproveitava para desabotoar sua calça e arranca-
la com certa “violência”, porém de maneira mais lenta. Retira a roupa de baixo
que, por coincidência também era vermelha. Depois de despir Fábio, utilizando
as pontas dos dedos, Laura começa a massageá-lo em suas intimidades,
percebe uma forte pulsação entre seus dedos, momento que os dedos dão
lugar a seus lábios...

A campainha toca na casa de Moisés às 19:40h. Moisés caminha em


direção a porta já sabendo de quem se tratava. -Boa noite Moisés! Diz Cláudio
Acompanhado de sua esposa Mônica.
Cláudio e Moisés quase sempre marcavam algo para o final de semana,
desta vez marcaram um churrasco na casa de Moisés, sendo na sexta feira e
não no sábado como, era de costume.
Ao adentrar a casa de Moisés o casal é conduzido ao fundo da
residência, onde existe um belo gramado e uma churrasqueira muito bem
construída de tijolos a vista; próximo a churrasqueira uma grande mesa de
madeira com vários tamboretes. No balcão, próximo a churrasqueira, um rádio
portátil toca uma seleção de músicas do gênero sertanejo raiz; Mônica

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pergunta a Moisés a respeito de Antônia e ele responde que encontra-se na
cozinha, dando as seguintes ordens:
-Vai lá! Fique à vontade, a casa é sua.
Após uma hora da chagada dos convidados de Moisés, na sala estavam
Mônica a esposa de Cláudio e Antônia, esposa de Moisés, assistindo TV,
ambas ostentando pratos com carne recém tirados da churrasqueira. Por sua
vez Claudio e Moisés permaneciam no fundo da casa, escorados no balcão e
conversando sobre assuntos referentes a política, esporte e ao jornal.
- Moisés tenho novidades!
- Sou todo ouvidos.
- Vamos cobrir o estadual de futebol este ano.
- Tu sabes que nem precisa contar comigo.
- Não tenho paciência e nem ânimo para ficar correndo atrás de jogador imbecil
em beira de campo.
-Eu sei.
- Quem vai fazer?
-Fábio!
Cuidando do futebol ao invés da política, Fábio traria menos “danos”,
isso com toda certeza. Na política continuaria Moisés, cuidando da parte
“séria”, do que de fato interessava. Já o entretenimento a “perfumaria” da
informação, poderia ficar com Fábio.

Nus na banheira do motel, Fábio e Laura conversam como em outras


ocasiões. A conversa gira em torno de lamentações, principalmente de Fábio.
Sempre após o sexo, Fábio caía em si, em relação a sua realidade; terminava-
se o êxtase e Fábio estava de volta com sua consciência. Hora de encarar sua
realidade, no qual achava uma droga de vida.
Fábio sabia que pagava um alto valor por lutar por seus princípios éticos,
concluíra muitas vezes que estava no lugar errado, no que se refere a profissão
de jornalista; também pensava em sua relação com Laura. Até que ponto seria
ele um sujeito íntegro saindo com uma mulher por dinheiro? Na realidade, já
nem sabia mais se o principal motivador era o dinheiro, principalmente após um

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considerável tempo de relacionamento com Laura. Talvez o dinheiro não fosse
mais o principal motivador, mas ainda segue com sua relevância, fazendo dele
“um praticante de prostituição”, pensava...
Algumas vezes Laura ousou perguntar a Fábio se pensara em algum
momento da vida ter filhos e sobre sua família. Quase sempre Fábio
permanecia calado alguns segundos e ao quebrar o silêncio dizia: - Sobre a
questão de filhos, não posso ter, principalmente pelo cargo que ocupo, tenho
relativa inteligência para saber que coleciono inimigos a uma velocidade
considerável. Tendo filhos penso que não seria um jornalista completo, por
medo passaria a me policiar. Entre os canalhas que lido, não pensariam duas
vezes em atacar minha família para me calar.
- E sobre sua família?
- Não moram aqui, residem em outra cidade, tive que abandonar a
cidade pelo motivo que acabei de citar anteriormente, passaram a ameaçar
minha família.
- Nunca pensou em ter seu próprio jornal?
- Claro que sim, só me falta uma coisa.
- O que?
- Dinheiro.
- Quem sabe um dia?
- Vai me patrocinar?
- Não sei, deixa passar.

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Ao chegar ao jornal segunda-feira de manhã, Cláudio encontra Fábio e
Luana, ambos envolvidos em suas tarefas; Moisés não se encontrava no jornal.
Cláudio pede que Fábio pegue um caderno e se aproxime de sua mesa.
Cláudio explica para Fábio sua nova função dentro do jornal, será
responsável pelo esporte e cobrirá o campeonato estadual de futebol,
explicando que o mesmo terá início dentro de duas semanas. Fábio recebe a
notícia com otimismo, pensa quanto poderá fazer a diferença em tal função, em
seu íntimo sempre achou a maioria dos jornalistas esportivos muito “rasteiros”
em suas perguntas, quase sempre perguntas previsíveis. Em sua mente veio

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logo a imagem do jornalista Ernesto Varela 1 que muitas vezes havia assistido
na TV. Gostaria de fazer aquele tipo de pergunta, tocar em pontos estratégicos
como o tal Varela.
No dia seguinte, chega ao jornal a credencial de Fábio, junto a um colete
vermelho com a inscrição “Imprensa”, na parte de trás. Fábio sabe que
cobrindo o futebol, terá liberdade para perguntar e escrever, liberdade esta,
que não teria em outros departamentos, Cláudio via no futebol apenas um
entretenimento, não conseguia associar questões sociais e políticas no futebol.
Para ele havia uma divisão perfeita entre tais esferas.
Em seu primeiro jogo, Fábio cobre a estreia da equipe da cidade no
Estadual, dotada de uma noção de equilíbrio e coordenação motora invejável.
Jogavam em seus domínios com o modesto estádio relativamente cheio, com
seus 2.500 lugares disponíveis na arquibancada, mais os muros e árvores em
volta do estádio que também serviam para espectadores desprovidos de
ingresso.
Ao chegar ao fim do primeiro tempo, a equipe da cidade vencia por 1x0.
Fábio corre em direção ao autor do gol, jogador Kaê e pergunta:
- Kaê, no momento do gol seus companheiros de equipe vieram te
abraçar, o que eles te disseram?
- É..., normal... vieram tipo incentivar, o grupo é unido, sabe o que quer e
vai ser sempre assim, aqui é um pelo outro.
- Eles falaram palavrões?
- Risos... O que você acha?
- Não sei... estou perguntando.
- Fica na imaginação de cada um.
Fábio estava empolgado, havia feito sua primeira pergunta a um atleta
jogador de futebol, fizera como havia planejado, fugiu do padrão pois não havia
perguntado o óbvio, aquilo que se acostumou a escutar no rádio e na TV,
perguntas do tipo:
Feliz pelo gol? E ter que ouvir respostas programadas e frases feitas.
Sem dúvida, era um marasmo, sempre o mesmo do mesmo, pensava em um
dia poder dizer para um jogador prestes a ser entrevistado que o mesmo não
1
Ernesto Varela, alter-ego do jornalista Marcelo Tas, Surgiu em 1983 no programa Olhar Eletrônico, da
TV Gazeta (SP). Ficou conhecido pelas perguntas ácidas que contrastavam com a aparência inocente.
Além da TV, Varela passou também pelo rádio e pelo teatro. Fonte: https://ernestovarela.com.br/
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poderia falar as palavras “Deus, companheiro e professor”, será que
conseguiriam? Pensava que dificilmente conseguiriam.
Ao terminar a partida e a equipe da casa ter vencido pelo placar de 2x1,
novamente os repórteres iniciam sua busca pelas melhores entrevistas, todos
no gramado, sedentos, procurando jogadores, técnicos, mas Fábio na
contramão, em sentido oposto a seus colegas, com um sentimento de um
possível terrorista que carrega consigo uma bomba prestes a explodir. Se
posta em frente ao Sr. Alberto Queiroz Torres, árbitro da partida e pergunta:
- Objetivo alcançado?
De maneira seca e firme, após relutar durante alguns segundos, o árbitro
responde:
- Sim!
Fábio Continua...
- O que seria mais difícil? Apitar uma partida de futebol ou a
profissionalização dos árbitros no futebol brasileiro?
- Você está me chamando de amador?
- Não! Pelo contrário estou defendendo sua causa.
- Que causa?
- A da maioria dos árbitros que possuem um emprego paralelo a
arbitragem, pois do contrário não sobreviveriam apenas com o futebol. No
futebol brasileiro, o árbitro não pode se dedicar 100% a sua função, uma
realidade bem diferente se comparado ao salário dos jogadores, não acha?
- Posso dizer que é uma situação complicada.
No jornal, Fábio precisa transcrever suas entrevistas gravadas e a
análise da partida de futebol que acabara de cobrir. Após terminar seu trabalho
a matéria será enviada por e-mail para o computador de Luana.
Luana faz algumas correções no texto de Fábio, uma vírgula aqui, outra
ali, uma concordância aqui e outra lá, pronto. Matéria postada na página do
jornal na internet.
No dia seguinte a página possui 22 comentários a respeito da matéria de
Fábio, nada comparado aos 112 comentários do acidente entre uma moto e
uma carreta na rodovia que liga Pedra Bonita a Chapéu Dourado. De fato, as
pessoas gostam do trágico. Sobre isso Fábio sempre teve a devida
consciência.
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No entanto alguns comentários curiosos surgiram na matéria destinada a
partida de futebol ocorrida na cidade, entre eles destacavam-se:
- O Kaê é um mentiroso! Fala a verdade, os jogadores falaram um monte
de: “Porra! Vamo lá, caraio” quando vieram te abraçar, deixa de mimi.
- Que perguntas sem noção para um juiz. Acrescenta o que para o jogo?

Na prefeitura do município de Pedra Bonita, o prefeito Donizete Cabral


está reunido com seu secretário de turismo, Tarso Corte, além dos vereadores
da cidade.
A pauta da reunião diz respeito a semana da feira cultural que ocorrerá
na cidade; na reunião, encontra-se presente Moisés, tomando nota de tudo e
fotografando.
Ficou acordado entre os participantes da reunião que a feira começaria
na terça feira, tendo como dia de encerramento o domingo; haveria várias
barracas no calçadão da cidade, vendendo artesanatos e comidas típicas da
região; no palco, haveria apresentações musicais com os alunos das escolas
do município, sendo que as apresentações dos alunos teriam início na quinta-
feira e encerramento na sexta. No sábado e no domingo dois shows
ocorreriam, sendo que no sábado se apresentariam a dupla Tio Neto e
Sobrinho, dupla do gênero sertanejo, prata da casa, e no domingo a dupla
também sertaneja, Gustavo e Giovane de Goiânia.
Moisés fora incumbido por conduzir o evento, apresentando o festival e
anunciando os patrocinadores da feira cultural. Para o festival, o jornal Pedra
Bonita reservaria uma página inteira; Cláudio designou Luana para fotografar a
festividade, durante toda semana. Fábio ficaria com a função de conversar e
entrevistar os populares presentes na festividade, colhendo material para a
matéria que seria capa do jornal.
Na segunda-feira uma grande quantidade de homens e mulheres já
trabalhavam no calçadão da cidade, alguns montando as primeiras barracas e
outros enfeitavam o calçadão com materiais recicláveis. Também colocavam a
iluminação com algumas luzes vermelhas, outras verdes e algumas amarelas.

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Já se ouvia também no palco a voz de um locutor que dizia: - alô, teste, som,
teste. Teste, teste 1.2.3...
Na sede do jornal, Cláudio passava algumas orientações para Luana e
Fábio sobre o que pretendia a respeito da feira cultural, deixando bem claro,
principalmente para Fábio, que o principal objetivo da matéria era enaltecer o
evento e a figura do Sr. Prefeito. Não seria permitido críticas nem a festa e
muito menos ao gestor.
Após a fala de Cláudio, Fábio sabia que esta havia sido endereçada
exclusivamente a sua pessoa, já que Luana só fotografaria. Se bem que
algumas fotos de menores consumindo bebidas alcoólicas, caídos no chão
completamente bêbados, fato que boa parte das pessoas sabiam que
acontecia, mas as autoridades faziam vista grossa, com certeza esse tipo de
fotos se fossem tiradas e divulgadas desmereceria o festival. Mas Fábio
também sabia que Luana seria incapaz de tal fotos, pois era muito leal a
Cláudio, não ao prefeito, mas a Cláudio, e Fábio sabia perfeitamente as razões.
Após a pequena reunião no jornal, Claudio olhou o relógio e notou que o
mesmo marcava 11:47h, então disse para Luana e Fábio que estavam
dispensados para o horário de almoço. O jornal fechava as 12:00 h abria
13:30h indo até 18:00h; na parte da manhã abria às 08:00h. A exceção era aos
sábados onde o jornal abria às 08:00h e fechava 12:00h horas.
Ao sair do jornal para seu horário de almoço, Fábio vai em direção a sua
moto e senta no banco. Pega a chave no bolso e antes de colocar o capacete
olha pelo retrovisor e percebe que Cláudio oferece carona para Luana; ela
aceita sem titubear.

Em casa Fábio senta no sofá e liga a TV. Na mão seu almoço, um prato
com macarrão instantâneo lotado de farinha de mandioca temperada.
Assistindo aos noticiários, olha rapidamente para a direita e vendo sua
prateleira repleta de livros, vem em sua mente um trecho da música de Raul
Seixas; abaixando a cabeça para em seguida voltar a fitar a prateleira e dizer
em voz baixa, - servem só para quem não sabe ler. 2

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Trecho da música de Raul Seixas, lançada em 1976. Composição Raul Seixas e Paulo Coelho.
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Fábio desliga a TV, levanta do sofá, deposita o prato sujo na pia da
cozinha e caminha para seu quarto. Ao chegar, tira com a ajuda dos próprios
pés os sapatos e deixa o corpo cair na cama. Já acomodado, pega seu celular
depositado em seu bolso e visualiza, percebe uma ligação não atendida.
Consta que a ligação se tratava de Laura, Fábio então retorna a ligação e desta
vez é Laura que não atende.
O celular desperta e Fábio levanta preguiçosamente da cama, os trinta
minutos de cochilo pareceram 30 segundos. Passa pelo banheiro, molha o
rosto e escova os dentes, termina de se aprontar e volta para a jornada
vespertina do jornal. Por ser Freelance, Fábio não tem que cumprir horários
rigorosamente, ele tem a obrigação de estar alimentando o jornal e isso poderia
fazer de qualquer lugar, bastava ter um computador, mas sabia que conseguia
produzir melhor escrevendo na sede. Além do mais, todas as coisas que
necessitava encontrava-se no jornal, além de contar com um ambiente
climatizado.
Ao chegar no final da tarde, Moisés e Fábio estão a terminar suas
matérias. Entre um momento e outro, discutem sobre a rodada de ontem do
campeonato brasileiro de futebol. Moisés é torcedor fanático do palmeiras e
Fábio corinthiano, embora não possua o mesmo fanatismo de Moisés.
Luana estava quieta em sua mesa, comia um sanduíche natural. Antes
já havia comido dois pães de queijo. Sua fome tinha uma razão, já que não
aproveitou seu horário de almoço para alimentar-se e descansar, ao invés
disso, passou com Cláudio no motel da cidade vizinha; na volta para o jornal
Claudio passou em uma padaria e comprou o lanche que Luana comia.

No início da noite, no posto de combustível Alabama, estão Laurinha e


Cidinha, ambas tomam cerveja e conversavam sobre assuntos aleatórios.
Sentadas, em altos tamboretes e escoradas em uma pequena mesa redonda
dentro da conveniência do posto; Laura é amiga há muitos anos da primeira
dama, conviveram juntas durante a adolescência.

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Na cidade era muito mais fácil encontrar Cidinha na companhia de Laura
do que do prefeito, raramente prefeito e primeira dama eram vistos juntos, isso
ocorria basicamente em celebrações oficiais.
Laura sabia muitos segredos de Cidinha, assim como Cidinha sabia dos
segredos da amiga, inclusive seu caso com o jovem jornalista era do
conhecimento de Cidinha.
Laura havia relatado a amiga que pretendia viajar no próximo final de
semana, iria para um pesqueiro de uma amiga. Não hesitou em convidar
Cidinha, que recusou educadamente pelo motivo das festividades da feira
cultural que ocorreria naquela semana. Mesmo assim, Cidinha quis saber de
que amiga se tratava o tal pesqueiro, sendo informada que se tratava de
Juliane, amiga divorciada de 36 anos e que ajudava a cuidar do pesqueiro,
que, na verdade, pertencia ao pai, um velho viúvo; Laura ainda explica que a
amiga possuía um filho de 6 anos.
Não seria a primeira vez que Laura iria para o referido pesqueiro, já fora
outras vezes e costumava passar de 2 a 3 dias no local, principalmente nos
dias que o pai de Juliane precisava se ausentar do pesqueiro em visita a seus
outros filhos que moravam em outras cidades que Laura não soube descrever
para a amiga. Sempre que o pai de Juliane se ausentava levava o neto, assim
Juliane ficava sozinha no pesqueiro e por isso convidava a amiga para fazer
companhia.

Chega terça-feira e com ela inicia-se a festividade no calçadão da


cidade. Tudo aparentemente correndo dentro da normalidade, Fábio visitava as
barracas, conversava com os amigos e gravava entrevistas com alguns
populares, seguindo rigorosamente a cartilha que Cláudio havia lhe passado
dentro do Jornal Pedra Bonita.
Luana também se encontrava em trabalho no calçadão, fotografava tudo
que julgava ser importante, principalmente as autoridades presentes na festa,
prefeito, vereadores, secretário de turismo, assim como o padre da cidade.
No palco, Moisés comandava as atrações, anunciava os patrocinadores
assim como os principais produtos que cada barraca estava a vender. Próximo

22
ao palco sentados à mesa estava Claudio e sua esposa Mônica, também
dividiam a mesa com eles Antônia, esposa de Moisés; comiam pasteis e
tomavam cervejas.
Ao redor da mesa de Cláudio havia dezenas de mesas, ocupadas pelos
munícipes. De vez em outra Luana passava e tirava foto dos integrantes da
mesa, tudo de maneira bem discreta, procurava não dar “bandeira”, procurava
se policiar tanto ela quanto Cláudio.
Durante toda a semana a festividade ocorreu sem maiores alardes. Na
quinta-feira, quando Fábio caminhava entre a multidão, topou de frente com
Laura, ambos passaram um pelo outro, mas no momento que se
emparelharam, Laura falou rapidamente no ouvido de Fábio; - Atende o
telefone!
Assim que Fábio se afastou da multidão e do barulho pegou o celular,
havia 3 ligações perdidas de Laura. Retornou a ligação e após 4 toques Laura
atendeu; disse a Fábio que tinha um convite a fazer, convidando-o para um
final de semana em um pesqueiro, o mesmo pesqueiro que Laura havia
convidado Cidinha na pequena “reunião”, no Posto Alabama.
Após ouvir o convite feito por Laura, Fábio explica que estaria
trabalhando cobrindo o evento da cidade, mas incentivou a mesma para que
ela fosse sem ele e que no domingo à tarde escaparia para lá; teria que fazer o
jogo do time da cidade no domingo às 15:00 horas, terminando o jogo iria para
o pesqueiro. Não iria ficar na feira cultural no domingo à noite e pediu para
Laura mandar a localização do pesqueiro assim que chegasse ao local.
Na feira cultural, Fábio conseguiu se “comportar bem” até na sexta-feira,
entrevistando e cobrindo o evento de acordo com a instrução de Cláudio; de
fato Fábio não estava contente com a situação, em outras apalavras não
estava confortável, sentia como sendo guiado por uma espécie de rédea.
Defensor da liberdade de imprensa e com uma veia para reportagens
investigativas, vivia, sem dúvida, um castigo naquele momento. Na sua cabeça
viera um trecho de uma música. Mentalmente cantava: “O patrão mandou
cantar com a língua enrolada. Everybody macacada. Everybody macacada. E
também mandou servir uísque na feijoada...” 3

3
Trecho da música “O patrão mandou” de Paulinho Soares.
23
No sábado, ao ver Moisés no palco tecendo enormes elogios ao prefeito
e dizendo que o mesmo possuía enorme preocupação com a educação no
município, Fábio “ferveu” por dentro. Quanta hipocrisia, não podia ficar calado
diante de tal absurdo. Então, Fábio coloca em prática a revelação da hipocrisia
que a maioria da população não via, vai até o secretário de turismo do
município que se encontrava sentado em uma mesa rodeado de amigos e
pergunta:
- Boa noite, Tarso!
- Boa noite!
-Posso gravar uma entrevista rápida?
-Claro.
-Quantos anos o Sr. está à frente da secretária de turismo?
- Neste mandato 3 anos, somado ao primeiro mandato do Sr. Donizete,
7 anos.
- Que tipo de avaliação o Sr. faz, desta semana cultural?
-As melhores possíveis, é sempre bom mostrar os valores do nosso
município.
- Dentro destes 7 anos, tirando esta semana cultural, quais os projetos
de incentivo ao turismo e a cultura o Sr. criou para o município?
- Foram muitos! Mas aqui não é “o momento”. Se passar na secretaria
eu te mostro com todo prazer.
- Posso ir na segunda?
- Fica a seu critério.
- Será que até segunda de manhã dá tempo do Sr. inventar todos estes
projetos que diz ter?
- Eu não acredito que está me dizendo isso!
- Eu não acredito, secretário, que o Sr. tem tanta coragem para mentir,
como está fazendo aqui nesse exato momento.
Neste momento Tarso joga a cerveja que estava em seu copo no rosto
de Fábio que se afasta. Tarso avança sobre o jornalista, mas é contido por
seus amigos de mesa, Fábio sai, e aos berros Tarso diz:
- Seu merda! Você é um moleque, seu covarde!
Ao sair do tumulto, Fábio enxugou seu rosto, caminhou um pouco mais e
viu Pedro Prea, o poeta da cidade, sentado sozinho no banco da praça. Fábio
24
sempre gostou das poesias de Prea, possuía em sua casa dois de seus vários
livros e estava ali sentado sozinho, todo de branco e descalço, a barba e os
cabelos também eram brancos, possuía 63 anos. Prea era daquelas pessoas
que viviam com o “mínimo do mínimo”.
Sentado sozinho, com o conhecimento ou ainda com a inteligência que
acaba por afastar as pessoas, muitos se afastavam por medo de reconhecer
sua ignorância, outros por achá-lo louco. Fábio pensou na enorme ironia... na
semana cultural da cidade, aqueles que não tem nada de útil a dizer levam
toda a glória e elogios, como acabara de receber o prefeito Donizete, aplaudido
após discurso no palco.
O jovem jornalista resolveu dividir o banco com o poeta, sendo recebido
amistosamente. Fábio pergunta para Prea se poderia entrevistá-lo. Diante da
pergunta o poeta sorri e devolve para Fábio:
- Tens certeza do que estás a me pedir?
- Qual a razão da indagação?
- Posso afirmar que não é sempre que as pessoas tem interesse no que
pensa um velho poeta.
- Em relação a minha pessoa engana-se, Prea. Tenho em mente um dos
seus poemas.
-Qual seria?
“Sonho com coisas estúpidas, vivo e sinto a estupidez, sei
que meus poucos amigos não conseguem me ver na
totalidade e nem eu os vejo, melhor assim”.

- Se gosta ou se identifica com este poema, deves ser como eu.


- E como seria ser como tu?
- Indignado com a situação do mundo e da sociedade de forma geral.
Assim o poeta responde para Fábio.
- Tenho 27 anos. Ultimamente, tenho tido mais razões para me
decepcionar do que seu contrário. Penso que por ter mais vivência do que eu,
deves ter mais motivos de indignação, ao mesmo tempo que acredito que
tenhas muito a me dizer ou ensinar, por isso parei para entrevistá-lo.
O poeta dá uma leve risada e completa dizendo que se é da vontade do
jornalista perder seu tempo, pode iniciar com a entrevista.
25
- Minha pergunta é curta e breve Prea. Qual a sua opinião sobre esta
semana cultural e sua importância?
- Olha meu filho, são duas perguntas em uma. Em relação a importância
da semana cultural ou feira cultural, penso que a cultura é a alma de qualquer
povo ou indivíduo, no caso de um município a regra também se aplica. Agora
sobre a semana que está a se desenrolar em nossa cidade, vejo como uma
grande comédia.
- Por que comédia, poderia me explicar?
- Eu preferia te mostrar. Se virar um pouco seu corpo vai notar que atrás
de você existe uma biblioteca; sabes que há mais de 2 anos a biblioteca está
fechada?
- Sim, eu sei; também sei que houve várias tentativas por parte de
alguns vereadores para reabri-la.
- Perderam seu tempo os tais vereadores que acabara de me relatar;
para os gestores do município, uma biblioteca é só um prédio para guardar
ferramentas. Olhe pela janela da biblioteca e verás carrinhos de mão, pá,
enxada e outras ferramentas depositadas ali; na falta de um depósito desativa-
se uma biblioteca.
- Por qual razão as pessoas não questionam tal situação?
- Eu diria que por dois motivos.
- Quais seriam?
- O primeiro é que ninguém tem coragem de questionar em terra de
coronel; já o segundo, é que as pessoas estão muito ocupadas para pensar.
- Ocupadas com o quê?
- Com a velha política do “pão e circo”.
- Sabe o que mais me entristece, senhor jornalista?
- Diga lá...
- Uma biblioteca fechada, nenhum tipo de programa ou instrução para os
jovens. Em contra partida, multiplica-se as chamadas tabacarias, lotadas de
jovens e menores de idade.
Após a entrevista, Fábio se via satisfeito com seu material, tão satisfeito
que foi direto para casa transcrever sua gravação. Ficou das 23:40h às 02:30h
fazendo a transcrição. Sabia que se deixasse para o outro dia, no domingo,
ficaria com o tempo muito reduzido, pois já teria dois compromissos, sendo um
26
o jogo do estadual e posteriormente o encontro com Laura no pesqueiro que
ela ainda lhe enviaria a localização.

No domingo de manhã, por volta das 08:00h, na chácara do secretário


Tarso, os carros começam a chegar. Primeiro Moisés, seguido de alguns
colegas de Tarso, todos chegam sozinhos, desprovidos da companhia de suas
esposas, isso para os que são casados.
Por volta das 09:00h chega o prefeito Donizete; em seu carro também
está Claudio, em seguida, chega uma van branca, dentro dela, além do
motorista, vêm sete mulheres, todas acompanhantes de luxo, todas
patrocinadas com dinheiro público.
A festa na chácara de Tarso tinha como objetivo fazer um levantamento
a respeito da festividade da semana cultural, tais como os pontos positivos e
negativos do evento, além de traçar as estratégias para a campanha eleitoral
do próximo ano, onde Donizete lançaria a candidatura de Tarso e Moisés,
prefeito e vice, relativamente.
Em visita ao município, o governador Ziraldo Mendes também participa
da festividade. Ziraldo acerta os últimos detalhes do financiamento da
campanha de Tarso. Na festa não faltam bebida, comida e putaria, também
não falta espião no caso, espiã.
A espiã em questão é Chirstina, residente em Chapéu Dourado.
Chirstina recebeu o convite para a festa há cerca de uma semana atrás, tratou
logo de avisar a um velho cliente e amigo, Fábio!
Chirstina recebeu a orientação por parte de Fábio para relatar tudo o que
descobrisse sobre a reunião, se bem que os coronéis do município e o coronel
do Estado não foram inteligentes o bastante para proibir a utilização de
celulares no evento, colocando, assim, a reunião em perigo, bem como o
casamento de muitos ali presentes.
Durante a festa, Chirstina fez seu trabalho para o qual fora contratada,
juntamente com as 6 meninas, todas escolhidas a dedo; tomaram banho de
piscina, participou de um strip coletivo e foi para o quarto com o prefeito. No

27
decorrer de todo evento, ela fotografou e filmou tudo que conseguiu sem ser
notada, a festa foi até as 16:00h horas.
Após o término da festa, já a caminho de volta dentro da van, Chirstina
mandou todas as fotos e filmagens para Fábio, assim como um texto
explicando o conteúdo da reunião.

No estádio municipal, cobrindo o jogo, estava Fábio. O time da cidade


jogava com tecidos pretos amarrados na manga do uniforme vermelho, um
protesto contra atrasos no salário e falta de estrutura nos alojamentos dos
jogadores.
Antes da metade do primeiro tempo, o placar já marcava 3X0 para o
adversário; após o término do primeiro tempo, enquanto boa parte da imprensa
local perguntava aos jogadores e técnicos sobre o jogo, Fábio perguntava as
razões do protesto; alguns jogadores corajosos, explicavam os motivos.
Quando todos os jogadores foram para o vestiário, Fábio visualizou seu
celular e observou uma ligação perdida de Laura, assim como as mensagens
de Chirstina. Leu rapidamente as mensagens, ficando assustado com o
conteúdo. Moisés como vice!? Percebeu logo que seu ciclo no jornal estava
agora em rota de colisão, pois já estava bem claro que o jornal andaria com
uma relação ainda mais estreita com a prefeitura do município, era o fim. Isso
sem contar a matéria que Fábio estava prestes a publicar sobre a feira cultural
e o jogo que estava cobrindo.
Movido por uma adrenalina carregada de medo, ódio e tristeza, Fábio
passa a agir por um impulso nada racional durante o segundo tempo da
partida. Passa a acompanhar da arquibancada e é de lá que nota a presença
de Danilo Gordo, empresário forte na cidade e fumante.
Danilo estava presente em quase todos os jogos, não se importava em
fumar seu charuto em meio aos torcedores, dentre eles, muitos ainda crianças.
Incomodados, muitos torcedores mudavam de lugar constantemente, sempre
se posicionando do lado contrário da fumaça robusta que era lançada por
Danilo. Ninguém se atrevia a dizer nada a Danilo, pois este possuía uma fama

28
forte na cidade, muitos diziam que pelo menos 3 assassinatos teriam ocorrido
na cidade a mando dele e que possuía muitos pistoleiros sob sua tutela.
Fisicamente, Danilo possuía 1,82 de altura e uma barriga de destaque,
pernas finas e no pescoço, ostentava várias correntes grossas de ouro, além
de pulseiras do mesmo metal.
Ainda “contaminado” de ira e desprovido de racionalidade, Fábio vai até
Danilo e dá um tapa no charuto que Danilo acabara de levar a boca, atirando o
mesmo longe, acompanhado dos dizeres:
- Respeita as crianças presentes e os torcedores que não suportam esse
seu charuto, seu barrigudo filho de uma puta!!
Danilo se levanta rapidamente e tenta dar um soco em Fábio; na
tentativa de se esquivar do soco que havia sido direcionado ao queixo de
Fábio, Danilo o acerta na cabeça. Fábio não cai, e agora é ele que desfere um
chute que atinge Danilo na altura da costela esquerda. Diante do conflito, os
torcedores próximos se afastam e percebendo a confusão, quatro policiais
chegam rapidamente e tentam conter Danilo que atinge os policiais com socos
e empurrões. Com muita dificuldade, Danilo acaba sendo contido pelos
policiais; os quatro policiais levam Danilo para o camburão; como havia apenas
quatro policiais na partida, Fábio acaba não sendo levado e permanece no
estádio, porém, sabe que mais cedo ou mais tarde, também será convocado à
delegacia.
No meio da confusão, os torcedores nem mesmo perceberam que a
equipe da casa diminuíra o placar do jogo, que agora seguia em 3x1 e termina
da mesma forma, sendo derrotado o time da cidade.
Após o jogo, Fábio pega sua moto e vai para casa; chegando lá, liga a
TV e vai para o banho. No chuveiro, Fábio alcança com uma das mãos o
celular que estava no bolso de sua calça que acabara de depositar em cima da
tampa do cesto de roupas. Ao pegar o celular, retorna a ligação de Laura que
estava pendente em seu celular; desta vez, foram necessários três toques
antes que Laura pudesse atender.
- Oi!
- Já recebi a localização, vou tomar um banho, escrever a matéria sobre
o jogo e já vou.
- Ainda? Pensei que já estava a caminho.
29
- Preciso escrever ainda hoje e mandar no e-mail de Luana, amanhã
bem cedo ela coloca no site.
- Estou a imaginar o que vai escrever.
- Será minha última publicação no jornal, será minha despedida.

Ao sair do banho, Fábio abre seu notebook, pensa em fazer uma junção
entre a matéria gravada no jogo que acabara de cobrir e a festa, a qual foi
informado por Chirstina. Então, lembra-se de Juca Kfouri, jornalista que
buscava sempre se espelhar e utiliza como título de sua matéria uma frase de
Kfouri. “Futebol e política se misturam como água e sabão, mas os dois
deveriam ser mais limpos do que são” (Kfouri, 2017, p.122).
O texto revela algumas irregularidades da gestão municipal em relação
ao time da cidade, principalmente notas super faturadas de apoio financeiro
que a prefeitura dava a equipe. Também revelava detalhes da festa “regada a
orgia”, ocorrida na chácara de Tarso, mencionando a possível candidatura de
Tarso para prefeito, tudo documentado com as fotos enviadas por Chirstina.
No final da matéria Fábio se despede de seus leitores e termina dizendo
que a letra da música que os leitores poderão ler, representa bem o motivo de
sua saída. Abaixo de sua matéria, Fábio insere a letra de uma música que
conhecia muito bem chamada “vida de Magnata”, da banda Charlie Brown Jr.

Vida De Magnata4

"Ahhh... isso não tem nada a ver com amor


Esse sacana devia tá era satisfeito
Mas ele derruba tudo que ele mesmo constrói
Ele fica perdido no dia-a-dia
O dia-a-dia tá perdido no tempo
E o tempo já se perdeu no incompreensível"

Eu não consto na lista de nenhum filha da puta


Que convida a escória pra comemorar
Exuberantemente imundo o seu mundo
Chique pra caralho
Eu nunca vou me igualar

4
Música “Vida de Magnata”, composição de Chorão / João Gordo. Álbum Ritmo, Ritual e Responsa
2007.
30
Vida de magnata
Mordomia e mesa farta
Futilidade que alimenta a desgraça
Enquanto o povo se mata

Vida de magnata
Mordomia e mesa farta
Futilidade que alimenta a desgraça
Enquanto o povo se mata, yeah

Vítima do próprio mau agouro


O socialite já não tem pra quem pedir socorro
Do jeito que as coisas tão
Na velocidade que as coisas vão
O sonho e a realidade agora não passam de sua ilusão

Realidade nua e crua diferente da sua


Aqui só sobrevive quem é cria da rua
Eu não consigo conter o ódio que fode em mim
O mundo criou pra debochar de mim
A sociedade prega o bem mas alimenta o mal
Eu sei disso muito bem
Eu anarquizo geral

Lixo, Me tratam como bicho


Me tratam como lixo
Eu como lixo e o lixo são vocês
Grito o que expressa o que eu sinto
Que aguça o meu ódio que eu sinto por vocês

Vida de magnata
Mordomia e mesa farta
Futilidade que alimenta a desgraça
Enquanto o povo se mata
Vida de magnata
Mordomia e mesa farta
Futilidade que alimenta a desgraça
Enquanto o povo se mata, yeah

Vítima do próprio mau agouro


O socialite já não tem pra quem pedir socorro
Do jeito que as coisas tão
Na velocidade que as coisas vão
O sonho e a realidade agora não passam de sua ilusão

Realidade nua e crua diferente da sua


Aqui só sobrevive quem é cria da rua
Não faça nada de errado deixe tudo pra mim
Eu sobrevoo sobre a morte como abutre sim

31
Somos migalhas, eu e você
Somos a porra e que se fodam todos eles

Vida de magnata
Vida de magnata
Vida de magnata
Vida de magnata
Enquanto o povo se mata

Assim que termina, Fábio envia para o e-mail de Luana, pega seu
notebook, coloca em sua mochila e parte para o tal pesqueiro que Laura havia
lhe enviado a localização. Anda cerca de 200 metros e para sua moto. Verifica
o celular e se certifica de que não há nenhuma ligação. No visor, o relógio
marca 20:32h. Fábio o coloca na mochila e segue viajem.

Luana abre seu nootebook pontualmente às 21:00 h. A jovem encontra-


se em seu quarto, mora com seu pai, mãe, irmão e uma vó paterna. Ao abrir a
caixa de e-mail, Luana percebe o e-mail de Fábio, abre e se depara com a
matéria escrita pelo jornalista; após ler poucas linhas, percebe o conteúdo
bombástico do texto; em um primeiro momento pensa em reportar para
Cláudio, porém, pensa mais um pouco, faz as devidas correções ortográficas e
publica no site.
Ao dar segmento a matéria, Luana possuía uma única intenção, fazer
com que Fábio fosse despedido, pois já havia um certo tempo que Luana se
esforçava para suportar Fábio no trabalho. Também pensou que Cláudio
poderia não gostar, pois certamente desagradaria o prefeito. Além de acabar
com muitos casamentos, todavia já possuía uma resposta pronta para Cláudio,
caso fosse questionada.
Na mesma noite, Antônio Carlos conhecido na cidade Pedra Bonita
como “Lasanha”, chega à casa de Fábio. Está ali a mando de Danilo, que fora
levado à delegacia após o incidente no jogo de futebol ocorrido no município.
Ao chegar à delegacia, Danilo ouviu mil desculpas por parte do delegado e
alguns policiais sobre o fato ocorrido, indagando Danilo sobre o ocorrido no
Estádio. O delegado houve as queixas em relação a um jornalista, meia tigela,
do jornal Pedra Bonita. Perguntado sobre o nome do jornalista, Danilo não

32
soube dizer, um policial que estava próximo ao delegado diz – Fábio, o nome
dele é Fábio.
Ao sair da delegacia depois de 40 minutos de conversa com o delegado,
Danilo pegou seu celular e ligou para “Lasanha”. Agora Lasanha se encontrava
em frente à casa de Fábio, armado com um magnum calibre 38. Ao perceber
que o portão se encontrava trancado, Lasanha escala o muro da lateral e pula
para dentro do quintal; percebe as luzes acesas dentro da casa, assim que
chega à porta. Verifica que a mesma está trancada e utilizando um pequeno
grampo consegue abri-la.
Com a arma em punho, adentra a casa a paços lentos; após alguns
minutos percebe que a casa está vazia. Lasanha observa a casa daquela que
seria sua vítima, tudo parece bem organizado. No quarto repara em uma
parede de cor “negrita”, nela existe uma inscrição feita com giz branco onde
podia-se ler:

Quando se vê, já são seis horas!


Quando se vê, já é sexta – feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, passaram-se 50 anos!

Agora, é tarde demais para ser reprovado...


Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Trecho de “Mário Quintana”

Na sala, Lasanha observa um sofá, na frente uma TV posicionada em


cima de uma pequena estante. Ao lado do sofá, uma prateleira repleta de
livros, onde consegue ler com muita dificuldade alguns títulos, entre eles: “Dom
Quixote”, “Poema sujo – Ferreira Gullar”, “Confesso que perdi - Juca Kfouri”.
Após verificar superficialmente alguns livros, joga a estante ao chão, os
livros ficam todos espalhados pela sala. Depois atira a TV no chão, destruindo-
a; vai até a cozinha, pega uma faca e a utiliza para rasgar o sofá. O mesmo é
feito com todas as roupas que encontra no guarda-roupa; após terminar com as
roupas, Lasanha vai embora.

33
Já marcava no relógio 21:25h quando Laura e Juliane ouvem o buzinar
de uma moto. Laura sabe que é Fábio e sai para receber o amigo, ou melhor
dizendo, o amante, na estrada do pesqueiro.
Laura conduz Fábio para dentro da casa, ao adentrar o estabelecimento
Fábio se depara com Juliane em pé a sua frente. A primeira impressão agrada
seus olhos e Laura se encarrega de fazer as apresentações. Após as
formalidades, decidem por assistirem um filme sentados no sofá, bebem
cerveja e comem pizza.
O filme dura apenas 20 minutos, pois decidem pelo encerramento do
filme. Ao invés do filme, agora ouvem música e conversam; após um tempo a
conversa fica mais solta, Laura senta no colo de Fábio e começa a beijá-lo. Ao
ver a cena, Juliane diz:
- Ei! Não esqueçam que estou aqui.
Diante da fala de Juliane, Laura interrompe os beijos em Fábio e se vira
lentamente para Juliane e diz:
- Eu não esqueci.
Diante da resposta de Laura, Juliane dá uma grande gargalhada e
propõe para Laura algo mais divertido e picante. Ao dizer isso, pede licença,
levanta-se e se ausenta da sala por alguns segundos, ao retornar traz consigo
uma pequena caixa, dentro um jogo de cartas e um pequeno tabuleiro com
alguns dados. Tratava-se de um jogo erótico de tabuleiro, onde jogava-se os
dados e avançavam as casas no tabuleiro, dependendo de onde o peão
parasse, tirava-se uma carta para ler o que fazer.
Após explicar rapidamente para Laura e Fábio as regras do jogo, os
primeiros dados são atirados por Juliane no tabuleiro. A soma dos dados,
marcam o número 7, assim, Juliane avança o número de casas
correspondentes no tabuleiro. O segundo a jogar é Fábio. Ao jogar consegue o
número 4, na quarta casa seu peão para em cima de uma casa com um ponto
de interrogação, obrigando a retirar uma carta. Ao retirar, lê a mensagem em
vós alta:
- Jogador perde uma peça superior de roupa.

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Depois de ler a carta, Fábio retira sua camisa. A próxima a jogar é
Laura. Os dados marcam cinco, Laura Avança as casas sem maiores
“novidades”. Na sequência, Juliane pega os dados. Ao jogar é obrigada a andar
4 casas, seu peão para em uma casa com ponto de interrogação. Ao pegar a
carta, Juliane lê também em voz alta:
- Beije a pessoa que estiver a sua esquerda.
A esquerda de Juliane estava Laura. Após um sorriso de canto de boca
de ambas, Laura e Juliane iniciam um ardente beijo. O beijo entre Juliane e
Laura coloca fim ao jogo, pois mais do que depressa Fábio se junta a dupla e
iniciam um beijo triplo. Laura interrompe um pouco o beijo, concentra-se agora
em retirar o cinto e desabotoar calça de Fábio. Por outro lado, Juliane ainda
continua aos beijos com Fábio.
Leva pouco tempo para Laura iniciar um sexo oral em Fábio,
posicionada de joelhos entre Juliane e Fábio que agora encontram-se de pé,
sem interromper o beijo. Laura vira-se para Juliane, ainda de joelhos, e começa
a desabotoar a calça de Juliane. Laura observa uma linda lingerie de cor
branca e pedras de strass na parte frontal, atrás um fio também com pequenos
pedras de strass.
Laura retira delicadamente a calcinha de Juliane, posteriormente inicia
uma deliciosa massagem com sua língua na vagina de Juliane. Completamente
nu, Fábio encontra-se agora vendado e no quarto sentado em cima da cama,
Laura e Juliane revezam no trabalho oral com o rapaz. Depois Juliane empurra
o peito de Fábio contra a cama, fazendo-o deitar. Agora Juliane também nua
abre as pernas e senta delicadamente no rosto de Fábio. Laura mantém sua
boca ocupada, depois de um tempo as posições de Juliane e Laura se
invertem.
Ainda com a venda, Fábio tem Laura de quatro a sua frente, atrás de si
Juliane massageia seus ombros. Sem retirar a venda, Fábio agora está com
Juliane abaixo de si, os lábios de ambos se tocam, Laura se masturba e fica
assistindo a cena. Duas horas depois do início do jogo de tabuleiro, Fábio
sentia as eminentes contrações do prazer, de joelhos a sua frente Laura e
Juliane, Fábio geme de prazer, por um instante esquece do mundo, se
surpreende com Laura retirando sua venda e beijando sua boca. De mãos

35
dadas com Laura, Fábio é encaminhado para o chuveiro onde já se encontrava
Juliane, os três tomam banho juntos em meio a conversas, beijos e risadas.
Na manhã seguinte Fábio e Laura se despedem de Juliane. Com sua
moto, Fábio vai à frente de Laura, que vem em seguida com sua camionete.
Fazem o caminho de terra batida entre o pesqueiro de Juliane e a cidade de
Pedra Bonita.

36
SEGUNDA PARTE

Segunda-feira, às 08:00h em ponto, Cláudio adentra o escritório do


jornal e com uma expressão furiosa vai direto a mesa de Luana. Parecia não
enxergar mais nada, a não ser Luana sentada em seu lugar costumeiro no
jornal. Ela de frente para o computador e de maneira muito sutil inclina-se para
a direita para ver quem acabava de entrar a passos rápidos.
Cláudio chega diante da mesa de Luana aos berros, a chama de
irresponsável, Luana mantém a tranquilidade, mas Cláudio continua:
- Tens ideia de quem me ligou as 07:00h da manhã de hoje?
- Eu posso imaginar.
- Tu pode imaginar? Só não pode imaginar a desgraça que publicou.
- Não escrevi a matéria, minha função aqui é fazer a correção apenas.
- Você é uma ingrata, o Donizete quer me comer vivo, me ligou aos
berros hoje de manhã, meu celular não para de tocar desde às 07:00h. Pode
se considerar despedida, sua vadia.
Nesse instante, Moisés chega no jornal, nem precisa dizer nada a
Cláudio pois já percebe que ele está informado sobre a matéria de Fábio.

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Moisés instrui Cláudio a ligar para Fábio. Três ligações são feitas e caem na
caixa postal. Imediatamente Cláudio pega seu carro e parte para a casa de
Fábio. No jornal ficam Moisés e Luana.
Sozinhos no jornal, Moisés começa a xingar Luana. Em resposta, Luana
atira o teclado de seu computador no rosto de Moisés echorando de raiva
despeja em Moisés:
- Você é um imbecil, um parasita da prefeitura.
- Dobre sua língua. Você não passa de uma vaca.
-Eu não sou obrigada a ouvir tantas coisas de um porco como você,
aliás, eu nem pertenço mais a esse jornal.
Luana sai do jornal com suas coisas e deixa Moisés, sem nem olhar
para trás. Após alguns metros de caminhada, começa a chorar e soluçar,
colocando suavemente a mão direita em sua barriga.

Reunidos na chácara de Danilo Gordo, estão o prefeito Donizete, Tarso


e Moisés. Este último chegara a pouco tempo, logo depois da discussão que
tivera com Luana no jornal, pois recebera uma ligação de Tarso convocando
para a tal reunião. Moisés trancou a porta do jornal e partiu imediatamente para
o endereço da referida reunião.
Por volta das 11:20h da manhã o almoço começa a ser servido na
chácara, o cardápio é galinhada. Toda refeição fora preparada por Catarina,
esposa de Dalmo, o casal trabalha para Danilo na chácara já a alguns anos.
Durante o almoço conversam coisas triviais. Assim que terminam, as
panelas, pratos e talheres são retirados da mesa. Nesse momento houve-se
um barulho de um automóvel se aproximando da chácara. Trata-se de Dalmo
em seu carro modelo Uno Mille ano 1993, cor vermelha; junto a Dalmo está
Lasanha, a pedido do patrão o empregado havia buscado Lasanha; agora não
faltava mais ninguém chegar.
Sentados ao redor da mesa que, a pouco havia servido de apoio as
panelas do recém almoço, discutem sobre os “estragos” causados pela
publicação do jornal, principalmente relacionado a futura campanha eleitoral.
Os “estragos” na vida conjugal dos envolvidos não é grande motivo de

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preocupação, na verdade o que preocupava mesmo era a questão política, pois
a matéria poderia “manchar” os envolvidos em relação aos eleitores.
Outra questão discutida na reunião e não menos importante, é Fábio.
Que tipo de atitude tomar em relação a ele? Sem dúvida, Fábio havia
atrapalhado bastante os planos políticos do grupo.
Danilo garante ao prefeito Donizete que Fábio é um problema pessoal
dele, ainda estava vivo na cabeça de Danilo o episódio no estádio de futebol.
Explica a Donizete que por agora o melhor é nada fazer, pois qualquer ato
levantaria muita suspeita, mas assim que as coisas acalmassem um pouco o
CPF de Fábio estaria cancelado. Assim que terminou sua fala, Danilo olhou
seriamente para Lasanha que respondeu com um aceno de cabeça.

Por volta das 08:10h, Fábio chega em sua casa, percebe a porta aberta
e entra rapidamente. Logo nota que sua casa fora invadida, percebe seus livros
no chão, a TV destruída e o sofá rasgado, pega uma pequena mala e corre
para o guarda-roupas. Ao chegar, observa suas roupas todas rasgadas. Fábio
sabe que não possui muito tempo, sabe que a essa hora a cidade já sabe de
sua publicação, então utiliza a mala que está em suas mãos para colocar a
maior quantidade de livros que consiga carregar; terminado o serviço sai da
casa e corre imediatamente para sua moto, seu destino agora é Chapéu
Dourado.
Cláudio chega por volta das 09:00h a casa de Fábio, desce do seu carro
e chama por Fábio. Não obtendo resposta alguma e observando o portão
aberto, ele adentra ao quintal e, consequentemente, a casa, se assustando
com o que vê. Por um momento imagina que Fábio esteja em um dos cômodos
da casa já sem vida, pois julga rapidamente pelas circunstâncias da casa que a
mesma fora invadida por alguém, com certeza alguém com motivos de sobra
para odiar Fábio.
Após alguns minutos, Cláudio acaba por concluir que a casa está vazia,
então tenta novamente uma ligação para o celular de Fábio, porém sem
sucesso. Cláudio entra em seu carro e vai embora.

39
Trancada em seu quarto está Luana, não saiu desde que chegou do
jornal após a briga com Cláudio e posteriormente com Moisés. Luana está
sentada na cama, chora muito e em suas mãos possui um pequeno objeto em
forma de palito de picolé, trata-se de um teste de gravides acenando
positivamente para ela.
Os pais de Luana notam que algo não está normal com a filha, chegara
mais cedo do trabalho e não saiu do quarto nem para almoçar e,
consequentemente, não voltará para o trabalho.
Passado mais algumas horas, a mãe de Luana, conhecida como Dona
Rosa, adentra o quarto da filha, isso após muita insistência diante das
negativas da filha. No quarto Luana abre o jogo a sua mãe que recebe a notícia
como uma bomba; após alguns longos segundos de silêncio, Dona Rosa
pergunta a filha sobre o pai do filho ou filha que espera. Nesse momento Luana
se desmancha em choro.
Passado algumas horas, todos na casa de Luana já sabem da novidade,
agora tentam digerir a notícia trazida por ela. Luana por sua vez fala pouco e
chora muito. Todos já sabem que Cláudio é o pai, pois Luana diante de muito
choro revelara a seus pais, um clima tenso e pesado se instalara na casa.
No pensamento Luana faz várias reflexões, sabia que o desejo por
dinheiro e bens materiais tinha sido de fato o que a motivou no relacionamento
com Cláudio, agora sente-se culpada, pois sabe que suas ações não trouxeram
consequências apenas para si, mas para um ser que está a viver e crescer
dentro do seu ventre.
Como uma ironia do destino, percebe que justamente neste momento
em que se “transformara” em duas pessoas, e que durante algum tempo, terá
uma vida sendo gerada, dependente de suas ações; consequentemente é o
momento que Luana mais esteja se sentindo solitária.
No fundo ela sabia que estava apaixonada por Claudio, mas era
inteligente o bastante para saber que o mesmo não havia acontecido por parte
de Cláudio. Pensava qual seria agora o seu futuro, ou, muito mais importante
que isso, que tipo de futuro teria seu filho ou filha.
Agora já não pensava mais em questões materiais como antes, pensava
em afeto, “porque uma vida sem amor não vale a pena. O que é uma vida sem
40
amor? É a árvore que não dá frutos. É dormir sem sonhar. Às vezes é até
mesmo ser incapaz de dormir. É viver um dia após o outro esperando que o sol
entre em um quarto completamente fechado, pintado de preto, onde você sabe
que existe uma chave mas não deseja abrir a porta e sair dali”. (COELHO,
2018, p.251).

Chegando ao final do dia bombástico para o município, principalmente


devido ao escândalo revelado por Fábio, Laurinha e Cidinha encontram-se no
local de sempre, Auto Posto Alabama.
As amigas conversavam e tomavam cerveja, o assunto não poderia ser
outro, aliás, em toda roda de conversa não se falava outra coisa. Na conversa
entre as duas amigas Cidinha faz alguns questionamentos para Laura.
- Laura o que deu na cabeça de seu namoradinho?
- Não sei. Na verdade, sei ou penso que sei.
- O que esse rapaz... Fábio é o nome dele né?
- Sim
- Digo, onde ele quer chegar? O que ele está ganhando com isso?
- Boa pergunta.
- Você sabia das intenções dele? Ele mexeu com a política e moral de
muitas pessoas, e não falo de qualquer pessoa, me refiro a pessoas que
gozavam de um certo prestígio na sociedade, sem contar os casamentos que
agora estão por um fio.
- Tipo o seu?
- Me poupe Laurinha, meu casamento já acabou a muito tempo, não me
importo.
- Por qual razão então continua casada?
- Você sabe que meu amor maior é pela vida que levo. Eu te pergunto,
quantas gostariam de estar no meu lugar?
- Entendo.
Na conversa das duas amigas, surge o momento do apogeu, a pergunta
que não poderia faltar e talvez a mais perigosa de todas. Cidinha pergunta a
amiga onde está Fábio?

41
- Como vou saber?
- Você seria a pessoa mais adequada para saber, não?
- Ele não atende minhas ligações.
- Diga a verdade, você sabia o que ele estava prestes a publicar?
- Já te disse que não.
- Você disse que talvez saberia dizer o que se passa na cabeça desse rapaz.
- Sim.
- O que seria?
- Um vazio, algo que necessita ser preenchido, uma espécie de angústia.
- Como assim?
- Posso resumir da seguinte maneira: Ele pensa.
- E o que tem demais em pensar? Isso não explica nada.
- Explica muito...

Laura não concordava em muitas coisas em relação a Fábio, mas no


fundo admirava sua coragem e algumas reflexões sociais que fazia. Quase
sempre mesmo em conversas informais com ela, citava trechos de livros, filmes
e músicas. Aliás, possuía em sua casa guardado em uma de suas gavetas no
escritório um pedaço de papel escrito por Fábio onde podia se ler: “Pensar
pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos
pressiona tanto” – Lya Luft. (LUFT, 2004, p.22).
A conversa com Cidinha aquela noite na conveniência do posto, trouxe
um aperto no coração de Laura, percebera claramente que Fábio corria risco
de morte. Não sabia onde estava e nem por onde começar a procurar, teve um
sentimento de impotência diante da situação, o que mais queria de verdade era
poder proteger Fábio, mas o mesmo tinha desaparecido e encontrava-se
incomunicável desde a segunda de manhã.
Na madrugada de segunda para terça-feira, Laura está acordada deitada
em sua cama, desprovida do sono, e com seu pensamento em Fábio. Apanha
o celular na esperança de haver alguma mensagem, observa rapidamente que
não há. No visor do celular o relógio marca 01:23 h.
Começa a chover na madrugada, diante do barulho e da angústia que
carrega no peito, Laurinha passa a cantar em pensamento:

42
Chove lá fora
E aqui ´ta tanto frio
Me da vontade de saber.

Aonde está você?


Me telefona.
Me chama me chama
Me chama...5

Deitado em um sofá-cama está Fábio, fazem cinco dias que passa a


noite ali, tendo como leito o sofá-cama. Fábio está em um apartamento
modesto, tem uma cozinha de tamanho médio, suficiente para uma mesa
redonda com quatro cadeiras, um fogão, geladeira, pia e um pequeno armário.
A sala possui o mesmo tamanho da cozinha, contendo o referido sofá-cama,
uma estante com uma TV e uma mesinha de estudo.
O apartamento pertence a Chirstina, foi o refúgio que Fábio encontrou
após abandonar sua casa em Pedra Bonita, fazia exatamente cinco dias que
estava vivendo ali. Fora recebido muito bem por Chirstina, que, com voz suave
e uma ternura incomparável disse a ele, - entre, a casa é sua!
Fábio havia contado tudo que havia corrido a Chisrtina. Todas as noites
em que Chirstina não estava trabalhando, conversavam em frente à TV até
altas horas. As conversas eram longas e super produtivas, falavam sobre
questões filosóficas, políticas, sociais e até mesmo sobre a última rodada do
campeonato de futebol, assistiam filmes e programas de perguntas e
respostas, sempre disputando quem acertava mais as respostas das
perguntas.
Chisrtina fazia faculdade de psicologia o dia todo. À noite, trabalhava
como acompanhante de luxo, ganhava muito bem. Na faculdade, possuía
muitos contatos e amigos, tanto que prometera a Fábio apresentá-lo a um
grupo de amigos que dirigia um site alternativo, com publicações de todos os
gêneros e notícias variadas.Talvez não fosse ganhar o mesmo que ganhava no
5
Trecho da música “Me chama”- composição de João Luiz Woerdenbag Filho (Lobão).
43
jornal Pedra Bonita, mas para Fábio não importava, já era um novo começo e
precisava voltar a trabalhar. Além do mais, trabalhar com publicações
consideradas alternativas, garantiria a Fábio não muita visibilidade, exatamente
tudo que ele estava necessitando agora, principalmente depois dos escândalos
causados em Pedra Bonita. O pouco que ganhasse ajudaria Chirstina nas
despesas do apartamento.
Conforme combinado, Chisrtina levou Fábio para sede da “Nuvem”,
assim era chamado o site de notícias. Tratava-se de um pequeno quarto
alugado no fundo da casa de uma senhora aposentada que Fábio nunca
conversou e nem ousou perguntar o nome. Na pequena “redação” improvisada,
trabalhava Fernando, estudante do terceiro ano de jornalismo, sua prima Erika,
que possuía formação em Marketing e Raul, garoto de 17 anos que havia
recém terminado o ensino médio mas não pretendia, pelo menos ainda, fazer
faculdade.
Fábio foi bem recebido na pequena redação. Fernando explicou que ali
não havia salário, todos repartiam as despesas e os ganhos com os
patrocinadores, que aliás não eram tantos patrocinadores assim. Todos eram
responsáveis por aquilo que escreviam e podiam escrever sobre o que
quisessem. Também aceitavam matérias que outras pessoas traziam para ser
publicadas, é claro que, as matérias depois de escritas, eram lidas por todos e
em reunião democrática decidiam se iriam ou não publicar.
No site “Nuvem” publicava-se em geral assuntos relacionado ao
movimento feminista, movimento sem-terra, LGBT, drogas entre outros. Os
patrocinadores eram ligados a tabacarias, casas de apostas e casas noturnas.
Na estreia de Fábio no site Nuvem, ele publica um texto sobre o dia
internacional da prostituta, que é comemorado no dia 2 de junho, ocorrendo
justamente na data de estreia de Fábio com sua primeira publicação no
Nuvem.
Fábio escreve:

Dia internacional da Prostituta.


Por: Fábio Alvarenga de Melloo
44
Psicóloga dos lares, heroínas sem capa, citadas nos textos mais antigos
da humanidade, constantemente lembradas, esquecidas e desprezadas, sua
profissão é a prostituição, ou seria profissionais do sexo? Essas mulheres de
nada tem a ver com sexo, fazem tudo menos sexo, aqueles que a procuram
não querem sexo, querem alívio da alma, querem sentir – se vivos, querem
sentir-se humanos, buscavam mentiras que lhe sirvam como um antidoto
diante das tristezas mundanas, o sexo é somente a via de ligação para
problemas bem mais profundos.
Chamadas de vagabundas e destruidoras de lares, eu digo o contrário,
conservam os lares, trabalham com o que é seu. Digo que a prostituição é
mais honesta que os inúmeros bancos existentes. Estes sim financiam a
pobreza, escravizam as pessoas, cobram juros, tomam bens.
Por sua vez, a prostituta trabalha com aquilo que é a essência da
humanidade, o prazer. Aconselham também; quantos pagam por 1 hora de
conversa, talvez tudo que não possuem em casa. Com a prostituta eles se
abrem, choram também. Muitas vezes elas fazem o papel de mãe, amparando
adultos que nunca deixaram de ser criança, na verdade o adulto é uma eterna
criança.
Muitos dizem que a prostituição talvez seja a profissão mais antiga do
mundo, eu digo que não, pois a prostituição não é uma profissão, é sim antes
de tudo uma missão. Neste dia 2 de Junho comemora-se o dia internacional da
prostituição, ato iniciado na França em 1975 quando cerca de 100 prostitutas
ocuparam a igreja Saint – Nizier em Lyon a fim de chamar a atenção para as
constantes perseguições e situações precária de trabalho. O movimento não
poderia ter nascido em outro lugar, na França eternizada pela Revolução
Francesa de 1789, o berço da igualdade, liberdade e fraternidade. Às
prostitutas, meu respeito sincero e admiração.

02 de Junho de 2016

45
O texto de Fábio agrada os poucos leitores da Nuvem, a ponto de sua
matéria render muitos comentários positivos. Fábio é uma mistura de felicidade
e preocupação. Feliz pelo relativo sucesso de sua primeira publicação, mas
preocupado pois tudo que ele não necessita nesse momento é chamar a
atenção. Ele sabe que está sendo procurado, sabe que não faltam pessoas
querendo sua cabeça; pensando nisso, decide que de agora para frente
utilizará em seus textos não mais seu nome, mas sim pseudônimos, evitando
assim chamar atenção para si.
Dois dias após a publicação de sucesso de Fábio, um homem de paletó
e gravata, alto e magro, aparentando ter uns 60 anos chega ao humilde quarto
transformado em redação. Procura por Fábio Alvarenga de Melloo, diz querer
conversar. Fernando meio assustado é quem recebe o senhor, explica que
Fábio não trabalha ali, fora somente uma vez levando a referida matéria que
eles olharam, gostaram e resolveram publicar. O rapaz teria agradecido, fora
embora e não voltou mais.
Fernando mentira, já sabia da trajetória de Fábio pois Chisrtina havia lhe
contado. Assim pensou rápido e logo imaginou que poderia ser alguém em
busca de Fábio por parte de seus inimigos de sua antiga cidade. Por sorte`, na
ocasião da visita do senhor, Fábio ainda não havia chegado na redação.
O senhor em questão se chamava Humberto, representava uma TV local
e gostaria de conversar com Fábio, talvez marcar uma entrevista. Ficara
impressionado com o texto que lera por influência de alguns amigos e gostaria
de conhecer o autor. Porém, diante da negativa de Fernando, fora embora sem
ao menos se apresentar.
Fernando decidira que nem contaria a Fábio sobre a visita assim que ele
chegasse, pois não queria trazer medo a o rapaz, sabia que ele estava
tentando reconstruir seus caminhos.

Três meses após a publicação do texto bombástico de Fábio em Pedra


Bonita, as consequências ainda eram recentes. Tarso que saíra candidato a
prefeito apoiado por Donizete, tendo Moisés como seu vice, acabara por perder

46
a eleição. O candidato adversário soube muito bem utilizar a seu favor o
escândalo que toda cidade acabou tomando conhecimento.
No que diz respeito a vida conjugal dos envolvidos, Moisés acabou se
separando de sua esposa Antônia. Por sua vez, o casamento de Cláudio com
Mônica vivia em constante crise, as brigas eram comuns, ainda mais depois
que Mônica soubera que Cláudio teria um filho fora do casamento. Mônica
chegou a se mudar para a casa da mãe, mas voltou 1 mês depois, porém o
casamento nunca mais foi o mesmo.
Cláudio trabalhava agora como vendedor de uma firma de bebidas da
cidade, seu jornal acabara por fechar as portas e ele tivera que procurar outra
função. Seu bom relacionamento na prefeitura da cidade também chegara ao
fim, principalmente com a vitória do candidato adversário na eleição.
Luana iniciara a faculdade, estava cursando enfermagem. Havia
conseguido uma boa bolsa de estudos devido a influência de um vereador,
primo seu, que possuía contatos dentro da faculdade. Dedicava agora somente
ao estudo e não trabalhava. Sua barriga já começava a ser notada.
O ex-prefeito Donizete continuava mantendo seu casamento de
aparência com Cidinha. Dedicava-se agora a cuidar de suas terras. O mesmo
fazia Tarso, candidato a prefeito derrotado.
Danilo Gordo já havia dado carta branca a Lasanha em relação a Fábio,
queria ele morto mais cedo ou mais tarde. Dizia que não tardaria para ele dar
as caras, ninguém sumiria assim sem deixar pistas, elas iriam aparecer uma
hora ou outra.
Laura não conseguia esquecer Fábio, já fazia três meses que não
possuía nenhuma informação do jovem jornalista. Constantemente, Laura
ficava lembrando da última noite que tivera com ele, no pesqueiro de Juliane.
Aquela noite foi incrível. Pensava ainda se teria sido a última. Pensamentos
sombrios também passavam por sua cabeça. Será que Fábio já não estaria
morto? Um aperto no peito surgia sempre que imaginava tal situação.
A casa que Fábio morava fora alugada novamente para novos inquilinos.
Quando Fábio abandonou o imóvel ainda restavam dois meses de aluguel, de
acordo com o contrato. Aluguéis esses que já estavam pagos, mas por questão
de ética, a imobiliária esperou findar os dois meses antes de alugar a casa. Os
móveis que restaram foram doados para famílias carentes.
47
Na cidade o comentário entre os munícipes era de que Fábio já estava
morto. Comentava-se nas rodas de conversa, principalmente os moradores
antigos, que muitos já haviam sido assassinados na cidade por muito menos;
como uma pessoa desaparece assim e não volta nem para buscar suas
coisas? Foi assassinado e ninguém nunca vai descobrir o corpo e nem quem
foi o mandante.

Na vida, pessoas entram e saem do seu caminho a todo momento,


algumas delas se tornam verdadeiros trampolins para sua carreira profissional
ou para sua vida pessoal. Fazemos escolhas a todo momento e todas essas
escolhas terão um impacto em nossas vidas. Talvez seja algo superficial, talvez
seja algo profundo, ou ainda, algo fatal, tanto para o bem quanto para o mal.
Pessoas que julgamos em um determinado momento irrelevantes,
podem ter um grau enorme de importância no futuro. Ttalvez a pessoa não se
dê conta disso, mas o subconsciente sim, ele guarda tal pessoa. No futuro ela
aparecerá como uma bomba, mostrando erros ou acertos do indivíduo.
Fábio sempre tivera uma relação mal resolvida com seu passado,
principalmente no período de sua adolescência na pequena cidade de nome
Cassinha. No colégio, quase sempre estava solitário. Era visto pelos colegas
como ranzinza, chato, implicante, “todo certinho”. Na verdade Fábio sofria de
ansiedade sem ao menos saber do que se tratava, muitas vezes sofria
desconfortos estomacais na escola e algumas vezes chegara ao ponto de fazer
necessidades na roupa, não conseguindo segurar.
Via muitas vezes a felicidade de seus colegas e não entendia a razão
para tal. A educação do país estava mal, a economia mal, sua escola estava
nitidamente sucateada e as pessoas riam, pulavam, gritavam, se divertiam
como se não houvesse o amanhã. Não conseguia compreender.
Sempre fora temente a seus pais e já conseguia observar algumas
inversões de valores nesse sentido entre seus colegas. Isso o deixava muito
triste, sentia-se inferior a seus colegas, era tímido e temia algumas meninas
consideradas desinibidas, pois era virgem e se considerava muito

48
despreparado para sua primeira vez. Gostava das aulas de humanas onde
conseguia um bom desempenho.
Na escola nada te irritava mais do que sua colega Vitória. Ela dançava e
gritava quando ele queria prestar atenção na aula. Dava muita raiva. Fábio
lamentou várias vezes por ela não ser um menino, tamanha a vontade que
tinha de lhe dar umas porradas.
Pensou algumas vezes se isso não seria uma forma de chamar a
atenção. Talvez ela gostasse dele; mas descartava logo a possibilidade, pois
imaginava que se fosse o caso, ela falaria. Sem dúvida falaria, vergonha era
uma palavra que não constava no dicionário de Vitória, certamente que não.
Os anos passaram, Fábio terminou o ensino médio, posteriormente se
formou jornalista e foi em busca de seu caminho. Perdeu o contato com seus
colegas, assim como com seus antigos professores. Na verdade, possuía
alguns antigos colegas em redes sociais, mas o diálogo era mínimo para não
dizer nulo.
Sua ansiedade aprendera a controlar nos tempos de faculdade, quando
percebeu que a profissão de jornalista, principalmente jornalista sério, seria
lidar com problemas e situações tensas o tempo todo. Como se apaixonara
pelo jornalismo, sabia que era isso que queria para sua vida, logo tomou tal
consciência, conseguindo mandar para longe o “monstro” da ansiedade. Porém
voltara a fazer uso de medicações tempo depois.

Fernando constantemente convida Fábio para sua casa e se tornaram


amigos. Quase sempre o convite feito por Fábio tem uma intenção: os
trabalhos da faculdade de jornalismo. Sempre que Fernando encontra alguma
dificuldade em trabalhos chama seu amigo Fábio. Mas Fábio não vai à casa de
Fernando apenas para ajudar em seus trabalhos, muitas vezes a motivação
principal eram as partidas de futebol no videogame de Fernando. Os dois
passavam horas jogando e conversando sobre o trabalho do site de notícias
Nuvem.
De tanto frequentar a casa de Fernando, Fábio já conhecia o parceiro de
seu colega. Fernando o apresentara logo de cara, seu nome era Túlio,

49
trabalhava como balconista na loja Chapeu Dourado. Os três se davam muito
bem, Fábio gostava de Túlio.
Não era rara as vezes que Chisrtina aparecia também na casa de
Fernando. Muitas vezes os quatro marcavam de ir ao cinema ou comer uma
pizza, às vezes os dois programas. Chisrtina era a única dos quatro que
possuía carro, tinha um Renalt preto, com vidros escuros, optara pelos vidros
escuros para dar mais conforto a seus clientes que não rara as vezes
acabavam se locomovendo no carro de Chisrtina. Verdade seja dita os padrões
do Insulfilm do carro estavam muito longe do padrão permitido por lei, mas o
conforto dos clientes deveria estar em primeiro lugar, não queriam ser notados
dentro do carro com uma prostituta, queriam sigilo total.
Às vezes as reuniões na casa de Fernando se estendiam e o clima
esquentava entre Fernando e Túlio, o mesmo ocorria com Chisrtina e Fábio.
Quando isso ocorria, Fábio e Chisrtina acabavam por passar a noite na casa de
Fernando, porém cada casal em quartos diferentes.
Fernando estava muito contente com Fábio, suas matérias sobre o
movimento sem-terra, feminicídio, discos voadores e principalmente aquela
sobre as prostitutas aumentaram a visibilidade do site. Os principais leitores do
site eram universitários da UCD (Universidade Chapéu Dourado), e não raras
as vezes elogiavam os textos de Fábio.
A pedido dos estudantes, Fábio passou a cobrir manifestações dos
universitários dentro da UCD, publicando no site posteriormente os motivos das
manifestações. Dessa forma o site passou a ser acompanhado por professores
e reitores da UCD. Fábio passou a ser figura conhecida dentro da universidade,
a ponto de, algumas vezes, ser convidado para dar palestras aos estudantes
de jornalismo e outros cursos, como por exemplo ciências sociais.
Em uma de suas palestras, um aluno do segundo ano do curso de
jornalismo perguntou a Fábio:
- Que conselho você daria para alguém se tornar um bom jornalista?
- Existem dois tipos de jornalistas, os que buscam enriquecer e os que
buscam praticar de fato a função de jornalista. Qual das duas formar você está
procurando?

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Os estudantes que ouvem a palestra, todos eles e até mesmo alguns
professores dão risada da resposta de Fábio. Ingenuamente, o aluno que fizera
a pergunta para Fábio responde:
- Pretendo me enriquecer.
Novamente risos entre os ouvintes da palestra. Alguns segundos depois,
Fábio responde:
- Procure fazer totalmente o inverso do que fiz, esqueça a ética, o bom
senso, pratique a bajulação e siga a cartilha política do município, do Estado ou
ainda do jornal que fora trabalhar. Terás grande chance de enriquecer, é o que
eu te digo.
E assim eram as palestras de Fábio, cheia de reflexões e acima de tudo
muito divertidas, constantemente arrancava risos de seus ouvintes. Fábio
estava crescendo em popularidade, ganhava pouco, é verdade, mas estava
feliz, como a muito tempo não se via.

Como já foi dito, a vida é feita de escolhas, como se fosse um jogo. Na


verdade, a vida é um jogo de apostas diárias. Somos a consequência de
nossas apostas.
Fábio havia feito uma aposta alta, uma escolha que abrira a porta para
seu fim. Suas palestras na UCD, chamaram a atenção de um estudante de
Ciências Sociais chamado Thiago. Até aí nada de mais, se não fosse pelo
planeta ser redondo e as pessoas se esbarrarem a todo momento. Thiago era
sobrinho de Danilo Gordo, morava em Pedra Bonita e estudava em Chapéu
Dourado. Estava no primeiro ano de Ciências Sociais, conhecia bem Fábio,
apesar de Fábio não o conhecer, sabia que seu tio tinha muito desejo em saber
o paradeiro de Fábio.
Ao terminar a palestra Thiago seguiu Fábio, anotou a placa do Renalt
preto que utilizava, assim como o endereço do prédio que vira entrar com
carro; informação anotada e informação passada para o tio, em poucos
minutos Lazanha já estava informado, passando a ser visita constante no bairro
jardim Suécia em Chapéu Dourado, onde se encontrava o apartamento de
Chisrtina e o paradeiro de Fábio.

51
Durante 3 dias Lasanha disfarçadamente vigiou a entrada do prédio, fez
pergunta a vizinhos e anotou a rotina do Renault preto, que horas chegava e
que horas saía. Devido aos vidros escuros não conseguia enxergar o motorista,
mas a placa do carro e o endereço que lhe fora passado batiam corretamente.
Lasanha percebera que o carro sempre chegava por volta das 02:00h ou
02:30h da manhã. Nesse horário não havia quase ninguém na rua. Também
percebera que na frente do prédio e nem nos vizinhos próximos havia câmera
de monitoramento. Assim já armara seu plano.
Com a ajuda de 2 comparsas, Lasanha cercaria o carro assim que
chegasse ao portão do prédio. Certamente encapuzados, ele e seus
comparsas descarregariam duas armas de fogo na direção do motorista. Um
outro comparsa esperaria em um quarteirão próximo, em um carro para
posteriormente fugirem.

Muitas vezes o sonho nos traz algo que está guardado dentro de nós e
nem mesmo nos dávamos conta. Há quem acredite que o sonho também seja
um aviso ou até mesmo uma forma de comunicação sobrenatural. O fato é que
sonhamos e muitas vezes ficamos intrigados com o conteúdo sonho.
Uma viajem dentro de um ônibus, muitas pessoas a bordo. De tempo em
tempo o ônibus para e as pessoas descem. Uma loira entre os passageiros
chama a atenção, ela está acompanhada. Olhar para ela causa um aperto no
peito de um dos passageiros, ele a cumprimenta e o ônibus segue viajem. Mais
um pouco outra parada, as pessoas descem, novamente o passageiro se
depara com a loira o aperto volta a incomodar o peito. Ele cria coragem e pede
um beijo. A mulher se recusa, pois está acompanhada, a viajem termina.
Sentado na Cama está Fábio, ele fora o responsável por terminar a
viajem descrita no parágrafo anterior quando acordou de seu sonho. Fábio era
o viajante que se impressionara com a tal loira. A loira era Vitória, aquela
mesma Vitória do colégio de seus tempos de adolescente na cidade de
Cassinha.
O sonho atormentara a cabeça de Fábio, ele busca nas redes sociais
colegas do tempo de escola, não encontra ninguém. Quando já pensara em

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desistir, encontra um. Por intermédio deste antigo colega de escola consegue o
número do telefone de Vitória, porém não liga para ela. Quer conversar com
Chisrtina, desabafar, saber sua opinião. Por que aquele sonho lhe atormentara
tanto? Seria alguma espécie de aviso?
Durante o dia todo Fábio e Chisrtina não se viram. No horário de almoço
acabaram se desencontrando pois Fábio precisou ir até a redação para corrigir
uma publicação. Sem sono, Fábio espera pela madrugada por Chisrtina. Por
volta das 02:12 da madrugada escuta vários disparos, seguido logo depois de
uma gritaria de pessoas na rua. Fábio desce do apartamento que fica no quarto
andar e ao chegar na rua vê o carro de Chisrtina com os vidros quebrados. Ela
está morta.
A morte de Chisrtina também fora fruto de uma escolha, uma aposta
errada que foi iniciada no momento em que mandou as mensagens para Fábio
sobre a festa na chácara de Tarso. Teve sequência no momento que decidiu
por acolher o amigo em seu apartamento, assim como quando emprestara seu
carro para Fábio ir à universidade. Todos esses elementos juntos contribuíram
para seu fim, apostas erradas no jogo da vida.
Fábio fica abalado com a morte da amiga. Pensa se o alvo de fato era
ela ou ele. O apartamento onde vivia com Chisrtina fica agora aos cuidados de
uma tia materna dela. Fábio junta suas coisas. Na verdade, não eram tantas
coisas assim. Fica sem chão, nem tem para onde ir. Senta em um banco de
uma pracinha ali perto, pega o celular e liga para Laura.

Na chácara de Danilo Gordo, Lasanha e seus comparsas explicam o


resultado de sua ação. Conversam em voz baixa, pois na cozinha, bem
próximo a eles, está Catarina preparando o almoço.
Danilo fica muito irritado ao saber da ação desastrosa de Lasanha. Fábio
não está morto, mataram a pessoa errada. Danilo pergunta se ao menos
sabem quem era a moça. Respondem que não.
Logo depois do almoço, todos eles assistem o noticiário na TV dando
conta do atentado em Chapéu Dourado. Após explicar a ação, o repórter

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informa que a mulher se tratava de Chisrtina Andrade Pereira. A vítima dividia o
apartamento com um jovem, que abalado, não quisera gravar entrevista.
A notícia dada pelo jornalista esclareceu muita coisa para Danilo e seu
capanga Lasanha. Fábio vivia com a tal mulher, a informação dada a Danilo
pelo seu sobrinho Thiago tinha fundamento, pois Fábio estava vivendo naquele
local. Uma nova tocaia seria armada, perseguiriam Fábio e dariam fim nele.
Porém era preciso esperar um pouco mais, deixar os ânimos baixarem. Além
do mais, com certeza câmeras de segurança seriam instaladas na entrada do
prédio.
Durante todo o dia Danilo passa em sua chácara acompanhado dos
rapazes e dos caseiros, Catarina e seu esposo Dalmo. Mais tarde chega
Moisés, conversam sobre assuntos ligados a terra e a produção de grãos.
Moisés especula Danilo a respeito do preço de alguns implementos agrícolas,
ramo de comércio que Danilo possuía na cidade.
Após negociarem os implementos, Danilo Convida Moisés para
permanecer até a noite. Possuía uma leitoa congelada em seu freezer e iriam
assá-la. Moisés aceita o convite.
Por volta das nove horas da noite, todos comem a referida leitoa, bebem
cerveja, alguns jogam cartas. Danilo pergunta a Moisés se tem notícias de
Fábio. Moisés responde negativamente, devolvendo a pergunta para Danilo,
que de maneira disfarçada também responde negativamente
Esse rapaz não pisa aqui na cidade tão cedo. Na verdade, em busca de
se promover ou sei lá qual era a verdadeira intenção deste rapaz, acabou
metendo os pés pelas mãos. É preciso saber que tudo que fazemos deve ser
feito com responsabilidade, do contrário colhemos as consequências, dizia
Moisés.

Às 14:00h de uma quarta-feira, um número estranho liga para Laura. Ela


não atende, deduz ser ligações chatas oferecendo todo tipo de plano. Um
minuto depois, nova ligação e mesmo número. Resolve atender. Ao dizer “alô”,
fica em estado de choque com a voz que ouve do outro lado da linha. Era
Fábio:

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- Oi Laura.
- Fábio!
- Sou eu.
- Cheguei a pensar que estivesse morto, por que não me ligou esse
tempo todo? Por que não atendia minhas ligações?
- Na verdade fui obrigado a me afastar um tempo por questão de
segurança para todos. Esse é meu novo número de celular, aquele número
antigo já não existe mais.
- Como faço para te encontrar, onde está?
- Na verdade o objetivo de minha ligação é falar justamente sobre isso.
Não vamos mais nos encontrar, pelo menos por um tempo.
- Mas por quê?
- Preciso me manter afastado e, acima de tudo, manter afastadas
pessoas que possuem relevância em minha vida, principalmente os contatos
de Pedra Bonita.
Em meio as explicações de Fábio e lamentações de Laura, o jovem
explica que devia uma satisfação a ela, que o relacionamento entre os dois de
fato tinha se iniciado como uma coisa quase que profissional, mas
posteriormente ele aprendera a admirá-la e que acima de tudo, tinha sido um
período importante e de muito aprendizado o tempo em que estiveram juntos.
Agradecia do fundo do coração por todas as aventuras, todos os conselhos e
advertências que recebera de Laura; completando ainda que Laura se portou
como uma grande amiga, irmã, amante e em alguns momentos mãe.
Tudo que Fábio dizia para Laura era misturado a muita comoção de
ambos os lados. Laura só lamentava e não concordava com a despedida, dizia
poder ajudar e pedia a ele que a deixasse ajudá-lo. Mas Fábio dizia que agora
deveriam seguir caminhos apostos, que seus problemas, eram apenas seus.
Não seria justo colocar pessoas que amava em risco. Esta tinha sido a primeira
vez que Fábio dizia, de maneira indireta que amava Laura, ela também
percebera.
Antes de desligar, Fábio explicou a Laura que trocaria novamente de
número de celular e que não se preocupasse, cedo ou tarde ele a procuraria
novamente, só dera tempo de Laura responder “Fica com Deus!”.

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Às vezes os maiores conflitos que vivemos são conflitos internos. Buscar
um entendimento sobre a vida, sobre a razão de tudo e não encontrar. Em
momentos assim, o cansaço despeja toda sua massa em cima do indivíduo. A
tristeza pega carona e dar um sorriso para demonstrar aos outros felicidade,
passa ser uma tarefa árdua, não é mais algo natural.
Fábio agora é repositor em um pequeno supermercado de um distrito de
Chapéu Dourado e mora em um quarto alugado. Semanas atrás pensara várias
vezes em suicídio. A ansiedade estava mais presente em sua vida do que
nunca. Atualmente vivia a base de ansiolíticos e sofria de insônia, somente a
leitura lhe dava um relativo prazer, o resto era puro tédio.
E foi justamente em uma de suas leituras que Fábio se deparou com um
pedaço de papel dentro do seu livro. Havia um número marcado e o nome
“Vitória”. Lembrara-se do que se tratava, era o número de sua antiga colega de
escola que havia conseguido com outro antigo colega na rede social. Também
se recordou do motivo que fez com que colocasse o papel dentro do livro e
esquecesse de ligar: a morte de sua amiga Chisrtina. Naquela noite do
assassinato, Fábio aguardava a amiga chegar justamente para perguntar se
deveria ou não ligar para o tal número.
Dois toques foram necessários para que uma voz feminina atendesse a
ligação. Ao ouvir a voz, Fábio fora transportado para um período da sua vida
que havia indignação de sua parte, havia tristeza e medo. Porém, também
havia no peito um sentimento de esperança em relação ao futuro.
Vitória reconhece rapidamente o antigo colega. Ela ainda vive em
Cassinha e possui uma academia. Fábio revela o motivo de sua ligação, conta-
lhe o sonho que tivera, diz que foi um sonho muito forte e que acabara por lhe
atormentar. Por tal razão, resolvera ligar, pelo menos para perguntar se estava
tudo bem. Acredita que todo sonho tenha um porquê, talvez poderia ser um
aviso ou um pedido de socorro por parte da pessoa.
Ao revelar o conteúdo do sonho para Vitória, ela o revela algo
surpreendente. Diz que ele sempre fora sua paixão de adolescência e que

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inúmeras vezes chorou por ele, não sabendo como chamar sua atenção.
Diante da revelação, Fábio quase não acredita. Revela a amiga que possuía
uma raiva muito grande em relação a sua pessoa no tempo do colégio, pois a
achava muito vulgar e implicante com ele. Relata ainda que chegou a imaginar
que talvez ela fosse a fim dele, mas logo descartava a possibilidade.
Raciocinava que, se fosse o caso, ela o revelaria sem cerimônias, pois não via
timidez em suas atitudes.
Em resposta a Fábio, Vitória diz que sempre fora tímida. Inclusive
revela a ele um momento que a deixara bastante envergonhada e entristecida.
Conta sobre uma determinada carona de moto que dera ao amigo na saída de
uma festa, e que chegando em frente à sua casa pedira um beijo. Fábio
lembrava do episódio, assim como lembrava que havia beijado ela na referida
noite. Pensava que Vitória só estaria testando ele, tanto que não levou a sério
aquele beijo. Vitória revela a Fábio que no outro dia ele contou para a turma na
escola sobre o beijo e ela ficou muito envergonhada e se afastou dele. Fábio
não se lembrava de ter contado, ficou triste e pediu humildemente desculpas
com mais de uma década de atraso.
Meses foram passando e as ligações e mensagens entre Fábio e Vitória
se tornaram constantes. Fábio percebia o quanto Vitória o completava,
revelava a ela suas angústias e os problemas que estava passando. Ela dizia
que o colocava em suas orações; Fábio sabia que era verdade.
Conversar com Vitória aos poucos devolvia a Fábio o prazer de viver.
Um dia, pediu demissão do mercadinho que trabalhava, foi até a rodoviária e
comprou uma passagem para Cassinha. Foi em busca de resolver lacunas do
passado que seu subconsciente resolvera em um sonho fazer a devida
cobrança. Ao entrar no ônibus e sentar em sua poltrona, escolhe a música
Amazing da banda Aerosmith e coloca seu fone de ouvido. Inicia sua viajem.

Aerosmith – Amazing (tradução)

Eu expulsei as pessoas certas

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E deixei as erradas entrarem
Tinha um anjo da misericórdia que me via através dos meus pecados

Houve tempos em minha vida


Em que eu estava ficando louco
Tentando superar
A dor

Quando perdi o meu controle


E atingi o chão
Sim, pensei que pudesse ir embora, mas não consegui sair pela porta

Eu estava tão doente e cansado


De viver uma mentira
Que eu desejava
A morte

É incrível
Num piscar de olhos você finalmente vê a luz
Oh, é incrível
Quando chega o momento, você sabe que vai ficar bem
Yeah, é incrível
E estou fazendo uma oração pelos corações desesperados esta noite

Aquela última tentativa são férias permanentes


E quão alto você pode voar com asas quebradas?
A vida é uma jornada, não um destino
E simplesmente não sei o que o amanhã trará

Você tem que aprender a engatinhar


Antes de aprender a caminhar
Mas eu simplesmente não aguentava toda aquela lição de moral

Eu estava nas ruas


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Apenas tentando sobreviver
Me virando para continuar vivo

É incrível
Num piscar de olhos você finalmente vê a luz
Oh, é incrível
Quando chega o momento, você sabe que vai ficar bem
Oh, é incrível
E estou fazendo uma oração pelos corações desesperados esta noite

Corações desesperados
Você quis ficar de fora e se render agora?
Oh, é incrível!

Então, de todos nós do Aerosmith


Para todos vocês, onde quer que estejam
Lembrem-se, a luz no fim do túnel
Pode ser você
Boa noite

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