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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA

FILHO”
INSTITUTO DE ARTES
CURSO DE BACHARELADO E LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

MIMMA NO MONOGATARI: Narrativas da minha poética artística em


Cerâmica (BACHARELADO)

MIMMA NO MONOGATARI: Narrativas da minha poética artística


integrada a oficinas artesanais de Cerâmica (LICENCIATURA)

Mimma Ito

Nome do Orientador: Prof. Dr. aGNuS VaLeNTe

SÃO PAULO
NOVEMBRO /2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA
FILHO”
INSTITUTO DE ARTES
CURSO DE BACHARELADO E LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

MIMMA NO MONOGATARI: Narrativas da minha poética artística em


Cerâmica (BACHARELADO)

MIMMA NO MONOGATARI: Narrativas da minha poética artística


integrada a oficinas artesanais de Cerâmica (LICENCIATURA)

Mimma Ito

Nome do Orientador: Prof. Dr. aGNuS VaLeNTe

SÃO PAULO
NOVEMBRO /2019
MIMMA NO MONOGATARI: Narrativas da minha poética artística em
Cerâmica (BACHARELADO)
MIMMA NO MONOGATARI: Narrativas da minha poética artística
integrada a oficinas artesanais de Cerâmica (LICENCIATURA)

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do


grau de Licenciada e Bacharela em Artes Visuais no Curso de
Graduação em Artes Visuais, do Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista – Unesp, com a Área de
concentração em Licenciatura, pela seguinte banca
examinadora:

__________________________________________

Prof. Dr. aGNuS VaLeNTe

__________________________________________

Profa. Dra. Marta Luiza Strambi

__________________________________________

Profa. Me. Elainy Mota Pereira

São Paulo, 18 de novembro de 2019


AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Julieta Chiaki Daiten, por me ensinar a amar a vida e acreditar em sua
potência.

Ao meu pai, Olavo Tomohisa Ito, pelo apoio incondicional e por transmitir-me a
paixão pelas Artes.

Aos meus irmãos, Hannah e Enzo, por me acompanhar e enriquecer a minha


caminhada.

Aos meus avós, Masuko Shibata Ito, Masae Murao Daiten, Kyosen Ito e Akira Daiten
pela herança cultural, por todo carinho e afeto.

Ao Ricardo Costa Barbosa Filho, pelo companheirismo e apoio constante.

À Profa. Dra. Lalada Dalglish, por me incentivar às práticas da Cerâmica.

Ao meu orientador, Prof. Dr. aGNuS VaLeNTe, pela paciência, pela partilha e por me
conduzir a descobrir minha essência artística.

À Vera Cozani e Luiz Zanirato, pessoas maravilhosas, com quem sempre pude
buscar apoio técnico e pela profunda amizade.

Ao Ateliê Kéramos, em especial à Sueli Massuda, Máyy Koffler, Vanessa Murakawa,


Keren Mi Kang, Fernanda Gonçalves, Marília Nakao, Marcos Siviero e Sandra
Siviero por compartilhar essa jornada da Cerâmica.

Aos companheiros de TCC, Gabriela Motta, João Britto, Mari Dagli e Guilherme
Guimarães Moura por dividir comigo esta vivência desafiadora de conclusão de
curso.

À Cerâmica, por seu espírito mágico e generoso que permite com que em minha
vida transbordem experiências intensas e apaixonantes.
RESUMO

Este trabalho é uma autobiografia artística baseada nas minhas experiências


entrelaçadas com a linguagem da Cerâmica. Estas experiências apoiam-se,
principalmente, nas minhas memórias de infância e vivências durante o período da
graduação em Artes Visuais. Esta monografia tem como objetivo refletir a respeito da
importância das experiências para o processo criativo do artista e também busca
ressaltar a essência narrativa presente na prática da Cerâmica.

ABSTRACT
This work is an artistic autobiography based on my experiences intertwined with the
language of ceramics. These experiences are mainly based on my childhood
memories and experiences during my undergraduate degree in Visual Arts. This
monograph aims to reflect on the importance of experiences for the creative process
of the artist and also seeks to highlight the narrative essence present in the practice
of ceramics and it’s workshops.
Lista de imagens
Imagem 1: A Vaca Princesa alcançando os caquis. Mogi das Cruzes- SP, 2017. Foto
de Mimma Ito.............................................................................................. página 27
Imagem 2: Tsuru no Ongaeshi, capa ilustrada de uma versão do conto. Autor
Desconhecido................................................................................................ página 31
Imagem 3: “A Noite Estrelada” Van Gogh..................................................... página 35
Imagem 4: Detalhe do Vaso Furusato, foto de Mariano Barone.................. página 36
Imagem 5: Vaso Furusato. Instituto de Artes Unesp, 2017. Foto de Mariano
Barone...........................................................................................................página 37
Imagem 6: Primeira escultura de vaca saindo da queima de Rakú..............página 38
Imagem 7: Modelando a segunda escultura de vaca durante a disciplina de
Linguagem Tridimensional I foto de Jayana Oliveira.....................................página 39
Imagem 8: A escultura da segunda vaca concluída foto de Mimma Ito.........página 39
Imagem 9: A artista Beth Cavener em processo de modelagem da obra
“Lupus”...........................................................................................................página 40
Imagem 10: Modelando a escultura “a Vaca” em outubro de 2015 foto de Lalada
Dalglish...........................................................................................................página 41
Imagem 11: “A Vaca” dentro do forno foto de Mimma Ito.............................página 42
Imagem 12: Costas da escultura em reparo foto de Mimma Ito.....................página 44
Imagem 13: Costas da escultura com folhas de ouro foto de Mimma Ito......página 44
Imagem 14: Mimma Ito, Lalada Dalglish e a escultura “A Vaca” foto de Ricardo
Agapê.............................................................................................................página 45
Imagem 15: Abertura da exposição Keramikós” foto de Ricardo Agapê........página 45
Imagem 16: Costas da escultura com folhas de ouro ” foto de Ricardo
Agapê.............................................................................................................página 46
Imagem 17 “A Vaca”. Foto de Ricardo Agapê...............................................página 46
Imagem 18: A artista Máyy Koffler e suas obras, imagem retirada do instagram da
artista..............................................................................................................página 47
Imagem 19: Paleteando, foto de Maneno Llinqarimachiq..............................página 48
Imagem 20: Protótipo do projeto “Tsuru”. Foto de Mimma Ito........................página 49
Imagem 21: Teste das penas sobre a escultura de ferro foto de Mimma
Ito....................................................................................................................página 49
Imagem 22:: Modelagem da cabeça do “Tsuru” foto de Mimma Ito...............página 50
Imagem 23: Projeto em andamento. Foto de Mimma Ito...............................página 51
Imagem 24: Teste da estrutura de ferro. Foto de Mimma Ito.........................página 51
Imagem 25Mimma e o Tsuru-Masuko. Foto de Ricardo Agapê...................página 51
Imagem 26:: Mimma desbastando um prato no Ateliê Kéramos. Foto de Ricardo
Agapê.............................................................................................................página 53
Imagem 27: Alguns esmaltes formulados no curso de vidrados da Sueli Massuda.
Foto de Mimma Ito..........................................................................................página 56
Imagem 28: Detalhe dos testes de vidrados. Foto de Mimma Ito..................página 56
Imagem 29: Vaso no interior do forno do Mestre Ikoma. Foto de Mimma
Ito....................................................................................................................página 57
Imagem 30: Em 2018, estudando a estrutura de ferro do forno a gás. Fotos de
Mimma Ito e Ricardo Agapê...........................................................................página 58
Imagem 31: Esboço do projeto Foto de Mimma Ito........................................página 58
Imagem 32: Construindo a chaminé do forno carinhosamente batizada de “Ofensa
aos pedreiros”.................................................................................................página 59
Imagem 33: Forno na primeira queima a gás Foto de Mimma Ito..................página 60
Imagem 34: Teste dos maçaricos no interior do forno. Foto de Mimma Ito...página 61
Imagem 35: Mimma e Ricardo aguardando ao final da queima a gás no dia
11/09/2019. Foto de Olavo Ito........................................................................página 62
Imagem 36: Cones Pirométricos 7 e 8, caídos na queima do dia 11/09/2019,
comprovando a temperatura alcançada na queima. Foto de Mimma Ito.......página 62
Imagem 37: Kusakabe sensei demonstrando torno em 2017. Foto de Ricardo
Agapê............................................................................................................página 63
Imagem 38: Forno Smokeless durante a queima à lenha. Foto de Mimma
Ito....................................................................................................................página 64
Imagem 39: Abastecendo o forno Smokeless com lenha. Foto de Ricardo
Agapê.............................................................................................................página 64
Imagem 40: Tirando a peça do forno. Foto de Hannah Ito.............................página 65
Imagem 41: O grupo do Ateliê Kéramos desmontando o forno Smokeless. Foto de
Ricardo Agapê................................................................................................página 65
Imagem 42: Ceramistas no lançamento “A poética de Shoko Suzuki” com a mestra
ceramista Shoko Suzuki ao centro da foto. Foto Desconhecido...................página 67
Imagem 43: Abertura da exposição anual da UNATI. Foto
Desconhecido.................................................................................................página 70
Imagem 44: Paleteado Falso Foto de Mimma Ito...........................................página 73
Imagem 45: Vera fazendo molde de paleteado falso. Foto de Mimma Ito.....página 75
Imagem 46: Peças da UNATI paleteadas e esmaltadas. Foto de Mimma
Ito....................................................................................................................página 75
Imagem 47: Peças paleteadas da UNATI prontas. Foto de Mimma
Ito...................................................................................................................página 75
Imagem 48: Alunas da UNATI: Esmênia, Tânia e Ângela. Foto de Mimma
Ito....................................................................................................................página 76
Imagem 49: Vivência Queima Rakú, Foto de Mimma Ito...............................página 76
Imagem 50: Vivência Queima Rakú. Foto de Mimma Ito...............................página 76
Imagem 51: Vivência Queima Rakú. Foto de Mimma Ito...............................página 76
Imagem 52: Vivência Queima Rakú. Foto de Mimma Ito...............................página 76
Imagem 53: Eugênia e Diva. Foto de Mimma Ito...........................................página 81
Imagem 54: Porco da Rosana. Foto de Mimma Ito........................................página 82
Imagem 55: Antílope da Rosecler. Foto de Mimma Ito..................................página 82
Imagem 56: Coala da Luiza. Foto de Mimma Ito.. ........................................página 83
Imagem 57: Naja da Shirley. Foto de Mimma Ito...........................................página 83
Imagem 58: Coelho da Salime. Foto de Mimma Ito.......................................página 84
Imagem 59: Gato da Vilma.Foto de Mimma Ito..............................................página 84
Imagem 60: Gato da Silvia. Foto de Mimma Ito.............................................página 85
Imagem 61: Ovelha da Silvia. Foto de Mimma Ito..........................................página 85
Imagem 62: Cavalo da Marcia. Foto de Mimma Ito........................................página 86
Imagem 63: Bicho-Preguiça da Diva. Foto de Mimma Ito..............................página 86
Imagem 64: Girafa da Teresinha. Foto de Mimma Ito....................................página 87
Imagem 65: Jacaré da Ângela. Foto de Mimma Ito........................................página 87
Imagem 66: Leão da Esmenia. Foto de Mimma Ito........................................página 88
Imagem 67: Quimera da Carmen. Foto de Mimma Ito...................................página 89
Imagem 68: Flor de Shion, o crisântemo azul. Foto de Mimma Ito..............página 100
Imagem 69: Argila amassada em espiral, KIKUNERI Foto de Mimma Ito...página 101
Imagem 70: A semente de Kikuneri. Foto de Mimma Ito.............................página 101
Imagem 71: Semear....................................................................................página 103
SUMÁRIO

Introdução....................................................................................................página 11

Capítulo I: O Narrador e a Cerâmica...........................................................página 14

Capítulo II: Mimma no Monogatari..............................................................página 17


2.1: Tudo começou com um sussurro........................................................página 17
2.2: A Vaca.................................................................................................página 20
2.3: Masuko- Manchu no Ko......................................................................página 27
2.4: Fulfil your destiny................................................................................página 31

Capítulo III: Memorial Descritivo.................................................................página 35


3.1: Em algum lugar, meu Furusato...........................................................página 35
3.2: A Vaca.................................................................................................página 38
3.3: Masuko-Tsuru.....................................................................................página 47
3.4: E agora?..............................................................................................página 52

Capítulo IV: Narrativas da minha poética artística integrada a oficinas


Artesanais de Cerâmica...............................................................................página 68

Capítulo V: Lista de Obras...........................................................................página 90

Considerações Finais..................................................................................página 96

Bibliografia..................................................................................................página 102
“No Brasil, ainda hoje, muitas pessoas me perguntam: Por que
começou a fazer Cerâmica? Acho que as experiências e sofrimentos durante
a Segunda Guerra Mundial me levaram a pensar sobre o sentido da vida,
entre outros motivos. Desde aquela época, passei a experimentar uma
sensação muito especial ao estar envolvida com as Cerâmicas, algo como
amor, harmonia, delicadeza e de vida em si. Com as Cerâmicas, sinto como
se estivesse protegida por um profundo carinho materno e, ainda, tomada por
um misterioso sentimento de que isso é duradouro.” (SUZUKI apud
KAWAKAMI, 2012, p. 18, retirado de MORAIS L., 2010, pg 64).
11

Introdução

Este trabalho é um agrupamento de relatos das minhas experiências com a


Cerâmica e como elas contribuiriam para o meu crescimento como artista, ceramista
e Artesã. Tendo como tema principal a minha narrativa de vida, em que a minha
história está intrínseca com o meu fazer artístico e que a Cerâmica se entranha nisto
tudo.

O título deste trabalho “Mimma no Monogatari” significa “História de Mimma”,


ressaltando que este trabalho é de caráter autobiográfico. Em japonês “monogatari” é
um gênero literário japonês de contos baseados em ficção. Eu adotei esta palavra
para este título como um empréstimo poético, porque uma autobiografia deve ser
baseada em fatos, porém como minhas histórias têm grande apelo ficcional e tem a
Cerâmica como uma entidade coadjuvante, que contracena comigo na minha busca
por identidade artística e com a intenção de ressaltar que as minhas influências são
pArte da minha herança japonesa, fez sentido adotar a palavra “monogatari” como
título do meu TCC.

Aos 13 anos de idade fiz um curso de Cerâmica na escola, que me deu uma
pequena carga de conhecimentos básicos sobre a Cerâmica. Durante o curso de
bacharelado em Artes Visuais, a modelagem em argila foi a técnica com a qual eu
mais senti afinidade, não porque já era uma técnica familiar para mim, o motivo era
que eu encontrei na argila uma forma de criar livremente.

Sempre tive a crença de que era necessário ter um bom domínio prático para
a criação artística e por causa desta concepção eu quis me aprofundar mais no mundo
da Cerâmica, por isso fui monitora do Ateliê-Laboratório de Cerâmica da UNESP
durante 3 anos, ao mesmo tempo, professora de Cerâmica para a UNATI
(Universidade Aberta a Terceira Idade) e ainda frequentei diversos cursos regulares
de Cerâmica no Sesc Pompeia para conhecer seus professores e suas metodologias.
A faculdade também me deu oportunidade de criar livremente e desenvolver meus
conhecimentos práticos, o que me levou a poder amadurecer o meu fazer artístico. Lá
eu pude expor duas instalações, o meu conjunto de vacas em 2016 e meu pássaro
12

Tsuru 1 em 2017. Nestas exposições, minhas obras eram majoritariamente de


Cerâmica e estes animais tinham relação com um momento importante da minha vida.
A minha convivência imersiva com a Cerâmica mais as minhas memórias de vida se
tornaram parte do meu processo criativo como artista e professora.
Procurando entender a raiz da minha crença/interpretação de que o prático e
o artístico deviam estar intrínsecos, descobri que grande parte dela vinha da cultura
que herdei da minha família, a japonesa, e que meu modo do fazer tinha forte ligação
com o fazer artesanal japonês, o que me provocou a mergulhar no universo da
Cerâmica japonesa, que em grande parcela é uma poética do utilitário. O utilitário de
Cerâmica pelo qual eu me interessei não é o utilitário do produto para consumo, mas
é a narrativa por traz dessa Cerâmica, que faz parte de uma filosofia de conhecimento
e investigação milenar, englobando todo o domínio técnico, artístico e filosófico da
Cerâmica. Nesta minha nova busca, conheci diversos mestres ceramistas que me
ensinam uma parcela deste universo.
Na faculdade há um véu de preconceito com a Cerâmica, por ser uma
linguagem ligada ao Artesanal e ao utilitário. Quando a minha pesquisa se tornou
utilitária, pela primeira vez eu senti que o meu fazer não era bem-recebido e que a
minha Cerâmica, por ser utilitária, perdeu o valor artístico e se tornou um objeto
meramente comercial. Toda a carga poética que eu buscava nessa pesquisa foi
ignorada e o meu trabalho taxado. Esta rejeição obrigou-me a questionar-me como
artista, pois parecia que, por eu escolher ser ceramista, o meu fazer artístico teria se
tornado “menor”.
Ao organizar meus trabalhos de Arte em uma “linha do tempo”, percebi que as
poéticas deles são resultantes da minha vivência. Ou seja, não teria como eu escrever
sobre a minha poética sem escrever sobre a minha história de vida. O que me motivou
a escrever um Trabalho de Conclusão de Curso, que seja um conjunto de registros
em forma de “contos” da minha memória com a Cerâmica.

1
Tsuru, é o nome em japonês do Grus Japonesis, Grou Japonês ou Grou da
Manchúria. É um pássaro de cabeça vermelha, que habita o leste asiático.
https://en.wikipedia.org/wiki/Red-crowned_crane acessado no dia 27/09/2019 ás
11:53.
13

Este TCC será embasado em uma pesquisa de cunho empírico. Dividido em 4


narrativas autobiográficas. Estes contos serão 4 memórias, que são os temas centrais
da minha defesa.
O primeiro conto é um registro de algumas das minhas lembranças de infância,
na qual a Cerâmica atua como uma personagem que se escondia nas sombras e que
no decorrer dos anos se torna um dos objetos principais dos meus questionamentos
sobre identidade e profissão.
O segundo conto se passa na faculdade, é sobre as estranhezas da Arte, que
de uma maneira quase metafísica, imita a Vida, neste conto a Cerâmica faz parte de
uma redescoberta na minha vida.
O terceiro conto é sobre o “Tsuru no Ongaeshi” 2 e como ele me influenciou
para entender a minha poética na Arte.
O último conto explica meu contexto atual com a Cerâmica, minha história e
pesquisa são uma investigação sobre a Cerâmica utilitária, em que eu tento entender
a filosofia por trás do Artesanato japonês e defender que a prática da Cerâmica
utilitária também faz parte do meu processo criativo como artista e pesquisadora.
O texto “O Narrador” de Walter Benjamin, o livro “Arte como experiência” de
John Dewey e o livro “Sobre Arte e Educação: entre a oficina Artesanal e a sala de
aula” de Sumaya Mattar foram as bibliografias de base, que usei de referência para
escrever meu trabalho de conclusão de curso.

2
“Tsuru no Ongaeshi”, traduzido para o português é “A Retribuição do Grou Japonês”.
14

CAPÍTULO I - O Narrador e a Cerâmica

A palavra “Cerâmica” vem do grego keramos3, que significa barro/argila cozida


(queimada), a composição química da argila é semelhante a composição da superfície
da Terra, no livro “Clay and Glazes for the Potters”, o autor Daniel Rhodes considera
a argila como um “produto do intemperismo geológico da superfície da Terra, como
este intemperismo é um processo contínuo e acontece em toda parte, a argila é
extremamente comum e abundante na natureza” (RHODES, 2015, pg.2). Tornado a
Cerâmica uma matéria tão acessível quanto popular. Quando o fogo pôde ser
controlado pelo homem, naturalmente ocorreu a criação da Cerâmica. A Cerâmica é
a união do trabalho do ser humano, com o barro e o fogo.

No capítulo 4 do mesmo livro, o autor afirma que a Cerâmica é uma das mais
importantes e antigas invenções do ser humano e remonta a domesticação e
sedentarismo do homem primitivo, que com os vasos modelados com argila e
queimados conseguiu estocar grãos, carregar água e cozinhar.

Ao final do capítulo de introdução do livro “Manual Práctico de Cerámica”, o


autor Jorge Bruguera, relaciona a Cerâmica com a alquimia, afirmando que o ser
humano primitivo acreditava que nos objetos haviam algo mágico, um espírito, e
consideravam que a essência destes provinham de elementos da natureza como a
água, o fogo, a terra, o ar e ademais elementos, por tanto, a Cerâmica era muito
valorizada e sagrada por compor-se destes elementos, uma Arte resultante da
interação da terra com o ar, água e fogo.

No capítulo seguinte, escrevi 4 narrativas autobiográficas a respeito do meu


universo da Cerâmica desde minha infância até o final da minha graduação da
faculdade de Artes Visuais. A partir do texto “O Narrador” de Walter Benjamin, pude
compreender como a prática da Cerâmica é uma Arte do narrador e que o meu próprio
processo criativo e minha poética são de natureza narrativa.

Segundo o autor, o narrador é a pessoa que intercambia suas experiências


através do seu dom de narrar, este narrador pode se distinguir em dois: o marinheiro
comerciante, que narra suas viagens e conta sobre suas experiências distantes ou o

3
Retirado do Livro “Manual Práctico da Cerámica” de Jorge Bruguera.
15

camponês sedentário, em que suas experiências vêm de suas tradições e memórias


do cotidiano. Acredito que me insiro na segunda categoria, pois no capítulo 2, narro
minhas experiências com a Cerâmica e a Arte, que são reflexos das minhas vivências
decorrentes das minhas memórias com a minha família e minhas tradições.

Na quarta parte do texto, Walter Benjamin afirma que a natureza da narrativa


tem uma vertente utilitária. Apesar de que o termo “utilitário” utilizado pelo autor tem
relação com o conhecimento e compartilhamento de sabedorias e o utilitário da
Cerâmica tenha relação com o objeto para uma função. A natureza da Cerâmica é
narrativa por carregar saberes. Além do saber da modelagem, dos minérios e da
queima, também inclui o saber que é transmitido entre os Artesãos, professores e a
própria prática intuitiva. “Essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral,
seja numa sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida- de qualquer
forma o narrador é um homem que sabe dar conselhos” (BENJAMIN, 1994, p.200).

Se a própria Cerâmica pudesse narrar suas vivências através do tempo, nós


descobriríamos nossa própria história, a história de nossos ancestrais mais primitivos.
Ela por si tem o dom narrativo, por isso pode ser tanto o comerciante que vêm de
longe contar sobre sua formação geológica nos tempos primordiais do planeta, sua
passagem por diversas civilizações humanas, seus antigos e novos formatos e suas
trocas com o fogo, com as rochas, com a água, com o vento e com a alma. Ao mesmo
tempo, por ser uma Arte íntima que exige toques e cuidados, a Cerâmica também é o
camponês solitário, pois sua sabedoria veio das práticas dos Artesãos que repassam
estes saberes com suas tradições, experimentações, passagens e cultura.

No texto, Walter Benjamin afirma que a narrativa é uma forma de Artesanato,


comparando o narrador como “a mão do oleiro na argila do vaso”.

A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de Artesão


– no campo, no mar e na cidade -, é ela própria, num certo sentido,
uma forma Artesanal de comunicação [...] Ela mergulha a coisa na vida
do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na
narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso
[...] (BENJAMIN, 1994, p.215)

Este paralelo entre o narrador e o oleiro, foi meu ponto de partida para
16

compreender que minha poética artística é narrativa e está intrínseca com o processo
narrativo da própria Cerâmica. Ou seja, a Cerâmica faz parte das minhas memórias:
minha relação e experiências com ela fazem parte da minha construção de identidade
como artista, ceramista e narradora.

No próximo capítulo teremos quatro narrativas, cada um com os respectivos


temas:

1- A menina que conheceu a Cerâmica como um estigma;


2- A vaca que veio através de um sonho;
3- O pássaro e a avó
4- O destino laçado.

Nas narrativas autobiográficas do capítulo a seguir, a Cerâmica é personagem viva e


atuante.
17

CAPÍTULO II- Mimma no Monogatari

2.1-Tudo começou com um sussurro.

Quando tento organizar minha história com a Cerâmica, eu nem sei por onde
começar. A minha história com a Cerâmica pode ter começado até antes de eu nascer.
Eu nasci em janeiro de 1995 e sou a primeira filha dos meus pais e primeira
neta dos meus avós. Meus avós são japoneses e por isso a identidade japonesa é
muito forte na minha família. A casa dos meus avós sempre foi meu lugar de conforto,
lá eles tinham um armário cheio de louças e diversos vasos de Cerâmica se
acomodavam sobre os móveis da casa, eu nunca perguntei para eles quem eram os
autores daquelas peças, porque para mim, eles apenas faziam pArte da decoração
de uma casa japonesa, mas mal eu sabia que toda tigela que eu usava e que todo
vaso que eu quebrava eram os primeiros indícios da Cerâmica sussurrando para mim.
Com 4 anos eu entrei em contato com a argila pela primeira vez, eu estava no
Jardim I e a professora distribuiu um pedaço deste barro para todos os alunos. Para
mim a argila era uma massa plástica e gelada, que quando seca se despedaçava.
Naquele dia eu fiz as primeiras três associações sobre a Cerâmica, que são os seus
conceitos mais básicos: A argila tem sabor e cheiro de terra, ou seja, ela é terra;
quando seca ela fica tão frágil que pode se tornar pó; molhando este pó ela volta a
ser argila. Não muito tempo depois, minha tia, irmã da minha mãe, me introduziria a
este universo da argila que se torna Cerâmica.
Minha tia morava em Vitória-ES, costumava fazer raras visitas a São Paulo e
em uma delas, eu e meus pais a acompanhamos para um lugar bem popular entre os
ceramistas, a loja Arte-Brasil. Eu fiquei no carro observando meus pais e ela
carregando dezenas de blocos empacotados para o porta-malas. Naquela visita da
minha tia, eu descobri que ela havia comprado argilas e que aquelas argilas eram
essenciais para a sua profissão, Ceramista.
Ser ceramista para mim começou simplesmente como a profissão da minha tia
e que ao longo do tempo desenvolveu um emaranhado de complexidades em mim.
Para minha família, ser ceramista era ser artista e artistas viviam uma vida
muito livre, porém difícil, por não haver garantias de um salário regular e um estilo de
vida estável. Eles não reprovavam a profissão, mas achavam que poderia não ser
uma BOA profissão, pois estavam inseguros se esta proveria sustento para minha tia.
18

Talvez toda essa atenção sobre a profissão da minha tia produziria em mim uma faísca
da Cerâmica, mas com 7 anos de idade como eu poderia saber? Eu ainda não ouvia
com clareza o sussurro da Cerâmica, mas é garantido que ali ela soprou bem forte em
meus ouvidos.
Hoje, para mim, ser ceramista é a Arte de trabalhar em conjunto com os
elementos da natureza e é um resgate da minha ancestralidade. Com a terra e a água
forma-se o barro, com as mãos transforma-se o barro em forma, o ar seca o barro
para que ele e o fogo transforma este em uma matéria similar à pedra.
Alguns anos se passaram, minha tia não era mais ceramista, confirmando a
natureza da angustia sobre esta profissão para minha família. Em 2008, a minha
escola abriu um curso de Cerâmica; interessados em complementar minha educação,
meus pais me colocaram no curso, mas fizeram um alerta: “Na aula de Cerâmica,
você tem que fazer peças para usar em casa: vasos, pratos, copos etc... Não traga
peças de bichinhos! ”, mal sabiam eles que mais tarde esta ordem moldaria toda minha
trajetória artística. Obedecendo aos meus pais, nas aulas de Cerâmica eu fiz alguns
vasos e eles os expunham em casa com muita satisfação, nessas aulas eu aprendi o
básico da Cerâmica, desde as técnicas de modelagem manual à esmaltação e queima
(por meu professor sempre alertar sobre o calor do forno, eu tinha noção de que para
a transformação do barro em pedra, o calor que o forno produzia era muito mais alto
que um forno doméstico e era perigosíssimo). Naquele ano, fizemos uma excursão
para Atibaia onde conhecemos o ceramista Shugo Izumi4.
Em seu atelier, ele mostrou todo seu processo de produção, ele extraia e
cuidava da sua própria argila, torneava e modelava todas as peças, criava esmaltes
das mais diversas cores e queimava suas peças em um grande forno a lenha. A força
física, a técnica e a força espiritual deviam estar em equilíbrio para o trabalho com a
Cerâmica e Shugo Izumi parecia transmitir a energia daquele equilíbrio. Naquela
visita, eu fiquei impressionada no quão trabalhosa era a profissão de ceramista e que
para tanto era preciso ser perdidamente apaixonado por barro e a minha Cerâmica
ainda era apenas um hobby.

4
Ceramista imigrante japonês que exerce sua profissão em Atibaia-SP. REPORTER ECO |
12/11/2017. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=IgBnDk0HAOc>. Acesso
em: 16 out. 2019.
19

No contexto da Cerâmica, 2008 foi um dos anos mais importantes para mim,
pois além de todas as ricas experiências com a Cerâmica, o meu futuro foi professado
pelo meu avô materno, por aquilo que podemos chamar de “ironias do destino”.
Era minha primeira peça torneada, um vasinho com esmalte preto e marrom,
bem pequeno e torto. Minha mãe me levou para a casa dos meus avós em Mogi das
Cruzes-SP, para dar o vaso de presente para eles. Por mais que eu gostasse de fazer
Cerâmica e eu já estava criando uma história com ela, para mim a Cerâmica era uma
atividade extracurricular da escola. Quando eu entreguei a peça para os meus avós
de presente, meu avô examinou a peça, sorriu e disse do jeito japonês-português dele:
“Não precisa de mais uma ceramista na família. Estuda bastante e vira
veterinária. ”
Com 13 anos de idade, eu não me importava com minha futura carreira, por
isso naquela hora seu conselho só significou que ser artista ou ceramista, não era
uma opção para mim. Hoje, eu me pergunto se meu avô se lembra que quase
profetizou meu futuro e me divirto com o fato de que sem intenção eu escolhi a única
profissão que ele me proibiu. Essa quase profecia pode ter sido a Cerâmica
sussurrando e se manifestando através do meu avô.
A Cerâmica parece ser uma personagem viva nas minhas memórias. Como se
de certo modo ela estivesse sempre presente interagindo comigo. No
desenvolvimento destes meus relatos, é possível entender que tudo que aconteceu
comigo e a Cerâmica teve um desenrolar e que em conjunto com esta linguagem eu
me encontrei de corpo, mente e alma.
20

2.2- A vaca

Meus pais sempre me apoiaram nas minhas decisões e eles não tiveram
objeções quando escolhi que queria me graduar em Artes Visuais. Eu escolhi este
curso, pois desde criança gostava de criar com as mãos e eu quis tornar esta afinidade
em profissão. Enquanto eu planejava o meu futuro profissional, sempre pensava no
desejo do meu avô, mas por mais que o tenha considerado, eu queria mesmo ter a
oportunidade de aprender e trabalhar com as Artes. E em 2014, eu entrei no curso de
Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais do Instituto de Artes da UNESP.
Em setembro daquele ano, eu voltei a me encontrar com a Cerâmica na aula
de “Projetos de Cerâmica” da professora Lalada Dalglish. Iniciava o segundo semestre
da faculdade de Artes Visuais da Unesp e eu me sentia completamente perdida, pois
eu ainda não havia me identificado com nenhuma das matérias do curso e aquilo me
deixava nervosa e ansiosa.
O ateliê de Cerâmica é um dos maiores ateliês de Artes, ele fica no andar térreo
da faculdade. Ao entrar no atelier vemos seu enfileirado de mesas, à esquerda 3
fornos grandes e à direita várias pias. Por todo ateliê temos estantes abarrotadas de
peças, todas organizadas de acordo com seu destino “Biscoito”, “esmalte”, “queima
de alta temperatura”, “trabalhos em andamento” e “peças queimadas”.
Para a disciplina, fui orientada a trazer alguns materiais e argila terra-cota. Fui
com meu pai comprar a argila e como nos “velhos tempos”, nós voltamos a loja Arte-
Brasil. A loja continuava a mesma, com argilas de diversos tipos na entrada e alguns
ornamentos de Cerâmica meio bregas espalhadas. Na disciplina, a professora Lalada
nos deixou livres para criação e modelagem, assim eu finalmente pude modelar a
argila sem um propósito utilitário e aquilo foi um ato libertador para mim. As correntes
que me prendiam no meu primeiro curso de Cerâmica já não existiam mais. Fazer
objetos “úteis” eram até antiquados na faculdade e por isso a volta da Cerâmica foi
um grande abraço para mim.

O meu mundo é um lugar em que tudo que acontece tem um motivo, que na
hora não sabemos, mas sempre se desenrola em acontecimentos extraordinários.
Meus avós maternos residem em Mogi das Cruzes, São Paulo. Eles
trabalhavam e moravam em um clube chamado “Moralogy Golf Club”, minha avó
cozinhava para os funcionários do clube e meu avô administrava o local. Passar boa
21

pArte da infância em um clube de golfe foi um grande privilégio na minha vida, pois ali
eu sentia que podia me conectar com a natureza e correr descalça pelos campos
gramíneos, sempre me dava a impressão de que eu voava. Meus avós já estavam
numa idade avançada, por isso eles sabiam que não trabalhariam ali por muito mais
tempo e minha mãe se incumbiu em encontrar um local para meus avós passarem
sua aposentadoria.
Ao descobrir que um dia eu me despediria daquele local maravilhoso foi muito
doloroso, eu e minha família desejamos que minha mãe encontrasse um novo local
maravilhoso. O local ideal seria um sítio ou chácara pequenos, na mesma região que
eles trabalhavam e que fosse de fácil acesso. Por mais simples que eram as
condições, encontrar um local ideal não era muito fácil. Até que um dia, Barbara, a
amiga de trabalho da minha avó, nos convidou para conhecer o sítio que ela cuidava
como caseira.
Ao adentrar naquele sítio, descobrimos que ele era um sítio de produção de
caqui e que lá haviam mais de uma centena de pés de caquis plantados.
Se me perguntassem qual é a minha árvore ou planta ou fruta favoritas, eu
responderia que é a arvore de caqui e que minha fruta favorita é o caqui, porque na
minha casa em São Paulo, tem plantado dois pés de caqui e acompanhar o ciclo
dessas árvores fazia pArte da minha infância. Quando eu estudava a Língua
Japonesa, me passaram vários textos para eu traduzir como tarefa e escolher um
desses para escrever um resumo a respeito, o texto que eu escolhi era do ceramista
KAKIEMON.
Sakaida Kizaemon foi um oleiro japonês do século XV, que foi reconhecido
como o criador da técnica de decoração em Cerâmica chamada AKAE 5 . Ele era
apaixonado pelas cores da fruta Caqui no outono e queria representar o vermelho-
alaranjado do caqui na Cerâmica. Kizaemon conseguiu reproduzir a cor na Cerâmica
e como recompensa ganhou o nome de KAKIEMON. Seus descendentes até hoje
reproduzem a técnica criada por ele e por muitos pesquisadores de Cerâmica a
porcelana Kakiemon é a mais valiosa dentre todas da região de Arita6.
Esta história me encantava, porque era inacreditável que um feito no séc XV
era perene e permanece até os dias de hoje. Desde que li sobre o Kakiemon, meu

5
AKAE: traduzido do japonês “Aka” é vermelho e “E” é pintura.
6
Arita, região do Japão do município de Saga, que é conhecida como berço da porcelana
japonesa.
22

olhar sobre a fruta caqui mudou e eu nunca deixei de pensar neste Artesão quando
os caquis amadureciam em casa.
Minha família ficou encantada com o local. Além do cultivo da fruta, a casa
principal do sítio estava em ótimas condições e era muito bonita. Aquele lugar era
perfeito para meus avós.
Entre os pés de caqui notei que haviam 3 criaturas gigantes pastando. Eram 3
vacas, que logo foram apresentadas: Vaca Princesa, uma magnifica vaca holandesa,
a típica vaca branca com manchas pretas, ela tinha um olhar dócil e corpo largo,
parecia transbordar uma energia maternal, em sua testa havia uma mancha em
formato de coração. Vaca Morgana, o maior ser que aproximei, meu coração disparou
de medo assim que constatei que ela era gigante de todos os lados, seus chifres eram
compridos e afiados apontados para cima, ela parecia saber que era grande e
poderosa, por isso pastava com a cabeça erguida orgulhosa de si. E a Vaca Dourada,
típica vaca Jersey, sua pelagem era cor de doce de leite e não tinha chifres, no topo
da sua cabeça o pelo era mais comprido, parecendo uma franja loira encaracolada,
ela transmitia uma energia de acolhimento e lar, parecia entender que estávamos
visitando o local e seus grandes olhos negros parecia dizer “Bem- Vindos”. Eu me
apaixonei instantaneamente por elas, porque além de lindas e gigantes, elas tinham
um olhar gentil, era a primeira vez que eu senti aquela energia em vacas, elas
pareciam 3 amigas que estavam felizes passeando no campo.

O tamanho e a beleza das vacas me cativaram de imediato, eu não conseguia


parar de pensar em quão escultórico o corpo delas eram e que existia uma aura de
mãe-natureza nelas. Admirar elas pastando e comendo algumas folhas novas dos pés
de caqui, me fez imaginar que, assim como eu, elas tinham uma intimidade e história
com os pés de caqui.
A partir daquele dia, comecei a sonhar com vacas e pesquisar a respeito do
significado espiritual delas. Na cultura hindu, a vaca é cultuada e sagrada, ela é a
representação da Mãe. Por causa dos meus sonhos e o significado em comum do
barro e da vaca, na aula de Cerâmica decidi que modelaria algumas esculturas de
vacas.
Fiz 3 esculturas de vacas que representavam uma família simples. A mãe, o
pai e o filhote. Coincidentemente ao terminar o trio bovino, recebi a notícia que minha
23

mãe estava no processo de comprar aquele sítio e que duas vacas do Sítio tinham
acabado de ter filhotes.
Depois daquelas notícias maravilhosas, eu fui dormir muito contente, com uma
sensação de plenitude, sentindo como se “tudo vai dar certo”, naquela noite eu tive
um sonho sagrado com um grande ser bovino.
No meu sonho eu estava no quintal de casa, era noite e por isso eu via o céu
estrelado. Minha casa tem um corredor de entrada estreito, de repente uma luz branca
ofuscou os meus olhos e quando eu consegui adaptar minha visão, havia uma criatura
enorme me encarando. Era um ser bovino branco colossal, que por alguma razão
ilógica cabia perfeitamente no corredor da minha casa. Caminhei até ele deslumbrada.
-Se você me deixar entrar e me proteger, eu também te protejo e vou te dar a
dádiva da prosperidade. – a criatura se comunicou comigo através de um tipo de
telepatia.
Aquela Vaca ou Boi tinha pelo menos 2 metros de altura e chifres longos
dourados. Sua pele era firme, com pelagem branca leitosa e emitia um brilho
acetinado como o reflexo do luar. Eu senti que aquele era o ser mais sagrado que
existia e seria um grande desrespeito não permitir sua entrada.
Antes que eu pudesse responder que ele podia entrar em casa, eu despertei
do sonho.
Naquela noite, eu voltei a dormir, mas não voltei a sonhar mais com aquela
criatura Sagrada.
Chateada por não ter conseguido pronunciar minha resposta no sonho, eu
decidi que a responderia através da escultura e assim eu modelei a vaca re-
imaginando como ela era, para não deixar a memória do sonho escapar. Esta
escultura de argila branca somente foi biscoitada, mas nunca foi inteiramente
concluída. Ela faz pArte da memória de um sonho e de uma faísca criativa, por isso a
deixei somente biscoitada para que sempre haja a possibilidade de um dia finalizá-la.
Apesar de ter feito uma escultura fidedigna ao meu sonho, as vacas ainda eram
uma presença forte para mim. Pensando em homenagear o meu sonho e as vacas do
sítio, resolvi fazer mais uma escultura de Cerâmica de vaca, só que dessa vez ela
seria uma vaca deitada com a cabeça erguida e eu queria que ela fosse a maior que
eu conseguiria construir.
Para ela, eu usei 140kg de Argila Rosa, montei uma mesa que serviria de base
para sua modelagem e com a ajuda técnica da Vera Cozani, planejei todo o processo
24

de construção da obra. Meu plano era que a obra coubesse pela metade no forno do
ateliê da Cerâmica; usando a técnica de modelagem do acordelado subi o corpo da
peça que tinha 1,5m x 0,7mx 0,6 m. Iniciei a peça em meados de setembro de 2015
e a terminei no dia 07 de outubro do mesmo ano.
Dois fatos interessantes aconteceram enquanto eu fazia essa escultura.
Após terminar o corpo da vaca, esculpi sua cabeça e por fim retirei a sua massa
interior, com a técnica de ocagem. No dia 07 de outubro, eu colei a cabeça da vaca
em seu corpo. A professora Lalada Dalglish orgulhosamente registrou aquele
momento e eu fiquei de manhã até o anoitecer fixando a cabeça no corpo e dando os
acabamentos finais na escultura. As aulas de Cerâmica acontecem no período da
manhã de quarta-feira e no decorrer do dia os alguns alunos do segundo ano
costumam a se reunir no ateliê de Cerâmica para dar continuidade aos seus projetos.
Naquela noite eu e alguns amigos estávamos trabalhando em nossos projetos de
Cerâmica, já eram quase 20h quando um rapaz que eu pouco conhecia entrou na
sala. Ele estava participando da comissão de um projeto da faculdade chamado
L.O.T.E. ( Lugar, Ocupação, Tempo e Espaço- evento bienal de Artes Visuais da
UNESP, no qual ocorrem exposições de Arte, ocupações artísticas e palestras durante
o período de um mês no campus) e os mesmos amigos que estavam no ateliê
trabalhando também faziam pArte do projeto. Ali, eles e o rapaz fizeram a reunião,
terminando a reunião meus amigos já haviam guardados seus trabalhos e já se
despediam de mim. Por minha obra ser maior, fiquei para trás, porque demorei para
guardar meus materiais.
Aquela noite eu estava muito contente por ter terminado um grande projeto e
queria poder comemorar, mas meus amigos já haviam partido. Eu não me lembro se
eu falei alguma indireta sobre comemorar no bar, mas o rapaz, que também ficara
para trás, veio até mim e perguntou se eu o acompanharia até o bar. Agradecida,
porém envergonhada, eu aceitei o convite. O nome do rapaz é Ricardo e aquele final
de dia foi o primeiro registro da nossa história de amizade, companheirismo e amor.

Eu não sabia se daria certo colocar uma obra naquelas dimensões dentro de
um forno de 1,0m x 1,0 m, com o auxílio da Vera Cozani7, Thiago Rodrigues 8(monitor

7
Técnica dos ateliês-laboratórios de Artes visuais do Instituto de Artes da Unesp.
8
Monitor do laboratório-ateliê de Cerâmica do Instituto de Artes da Unesp em 2016.
25

do ateliê de Cerâmica) e o Ricardo Agapê9, colocamos as duas pArtes da escultura


empilhadas. Na queima tudo pode mudar, a primeira queima de Cerâmica é a de
biscoito, quando a argila se transformo no material poroso e duro, a Vaca resistiu a
primeira, apesar de que em suas costas abriu uma grande rachadura. A segunda
queima da Cerâmica, normalmente é para fundir o esmalte e tornar tudo que é
porosidade da Cerâmica em um objeto duro e impermeável como pedra. Era naquele
processo que estávamos e de todos envolvia mais cuidado, pois iríamos queimar a
peça em 1240ºC e aquela temperatura podia deformar a peça inteira e havia a
possibilidade de que as metades da escultura não se encaixariam mais.
Serei sempre grata a todos os envolvidos nesse trabalho, porque apesar da expressão
criativa ser minha, a pArte técnica foi fruto de muito raciocínio, trabalho braçal e
despesa de materiais. Quando o forno esfriou depois da queima, pude abrir e me
deparar com uma peça perfeita. A argila rosa, se tornara quase dourada, não houve
nenhuma deformação e por ter sido uma queima de alta temperatura a gás, o melhor
daquele material se revelou. No geral, todo o processo foi um sucesso e eu não
poderia estar mais satisfeita comigo e com a Cerâmica. Antes que eu pudesse
desfrutar daquele sentimento, recebo uma ligação da minha mãe. Essa ligação
conseguiu superar a minha felicidade do momento, pois minha mãe havia me
informado que o processo da compra do sítio, estava concluída, a partir daquele
momento aquele espaço das vacas e caquis pertencia a minha família.
Foi incrível constatar que a vaca que eu esculpi, realmente era a Vaca da
Prosperidade, o dia que eu colei a cabeça da vaca em seu corpo, foi o dia que
começou minha história com o Ricardo e o dia que a Vaca saiu do forno de alta-
temperatura, foi o dia que o sítio das vacas e caquis se tornou da minha família. De
alguma forma parece que com as esculturas de vaca, eu consegui dar uma resposta

9
Artista-professor graduado em Artes Visuais pela Unesp.
26

à aquele sonho sagrado e que a criatura do sonho cumpriu sua promessa e me deu
“a dádiva da prosperidade”.

Imagem 1: A Vaca Princesa Alcançando os caquis. Mogi das Cruzes- SP. 2017
27

2.3- Masuko, Manchu no Ko

Por que a cultura japonesa são signos tão presentes no meu fazer artístico?
Aos 4 anos de idade, o meu dia favorito da semana era a sexta-feira. Não
somente pelo fato que ela precede o final de semana, a sexta-feira para mim era um
ritual. Assim que as aulas terminavam minha mãe me levava para a locadora escolher
um filme e depois ela me deixava na casa dos meus avós para eu passar a noite com
eles.
Na casa deles eu seguia sempre a mesma rotina. Primeiro eu brincava no
quintal com os cachorros, enquanto esperava o jantar ficar pronto, normalmente eu
comia arroz com “furikake”10, assistia o filme escolhido na locadora, tomava banho de
ofurô11 e por fim ia para cama, dormir. A água quente do ofurô relaxava todos os meus
músculos e minha avó preparava minha cama com um futôn12 grande e pesado para
me cobrir. No primeiro momento o futon era geladinho e fresco, depois de um tempo
parecia um verdadeiro forno. Antes de pegar no sono, ela lia para mim algum conto
japonês e entre muitos eu gostava do “Tsuru no Ongaeshi”13. Muitos contos japoneses
envolvem um casal de velhinhos trabalhadores, que normalmente são presenteados
com uma dádiva divina. Alguns tem final felizes outros finais tristes.
“Tsuru no Ongaeshi” versão da minha bachan:
Mukashi, Mukashi14...
Em um vilarejo distante, moravam um casal de velhinhos. Eles tinham uma
cabana simples e aconchegante. Ali eles viviam sozinhos e com muito carinho
trabalhavam tecendo seda para kimono. Atibaia-SP. REPORTER ECO | 12/11/2017.
Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=IgBnDk0HAOc>. Acesso em: 16 out.
2019.
Um dia durante uma tempestade de neve, eles ouviram um som estranho. Apesar da
nevasca, o velhinho quis verificar de onde vinha o som e não muito longe de sua casa
ele encontrou um grande Tsuru machucado.

10
Tempero de peixe seco para arroz branco
11
Típica banheira japonesa
12
Cobertor grosso
13
Traduz-se “A Retribuição do Grou Japonês”, o livro que minha avó costumava ler para mim não
está mais em casa. Encontrei um vídeo do youtube que melhor representou a versão do conto da
minha avó つるのおんがえし. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=dICTLGOY45E>.
Acesso em: 9 nov. 2019.
14
“Há muito, muito tempo...”
28

Sabendo que este Tsuru não sobreviveria ao frio machucado, ele o carregou até sua
cabana. Lá, ele e sua esposa cuidaram do pássaro até que ele melhorasse e alçasse
voo.
Noites após a partida do pássaro, durante outra tempestade de neve, alguém
bateu em sua porta. Eles encontraram uma linda moça na porta, que precisava de
abrigo por conta da neve.
Os velhinhos a acolheram e sentiram como se eles estivessem ganhado uma
filha, a moça era muito educada e bonita, vestia-se como uma princesa. Seu kimono
era de um tecido muito luxuoso, nunca visto anteriormente, nesse tecido haviam
bordados lindos desenhos de pena com o que pareciam fios de ouro.
Encantados, o casal se perguntava de onde a moça vinha, mas toda vez que
eles abordavam o assunto ela dava um jeito de se esquivar. Uma noite, a moça
perguntou à senhora se ela poderia usar a sua Roca de tecer, pois ela gostaria de
tecer em agradecimento ao casal. A senhora permitiu que a moça tecesse e feliz a
moça insistiu “Eu vou tecer uma linda seda, como as que eu visto. Mas preciso que
vocês não entrem sob nenhuma circunstância neste quarto, enquanto eu estiver
trabalhando. Vocês precisam me prometer.”
E assim, toda noite a moça trabalhava e de manhã ela entregava uma linda
peça de seda. O tecido que ela lhes entregava era luxuoso e vendido com facilidade
por altos valores, esta seda era fina e também tinha o desenho de penas bordadas de
ouro. Com o passar das noites, o casal notou que a moça parecia cada vez mais
esgotada e a curiosidade de como ela conseguia produzir tantos tecidos em uma noite
era curioso para eles. E essa curiosidade só crescia.
Em uma noite de Lua Cheia, os velhinhos passavam pelo quarto de tecelagem
fechado, enquanto a moça trabalhava. Com a luz da Lua a projeção da sombra da
moça que trabalha estava estranha, era uma forma magra, alongada com braços
largos. Curiosos, o casal decidiu por fim na curiosidade e dar uma pequena
bisbilhotada pelo vão da porta.
Pelo vão, eles não encontraram a moça trabalhando no tear. Descobriram, um
pássaro magnifico, que arrancava algumas de suas penas e os tecia na seda.
Assustados os velhinhos, cambalearam e o pássaro percebeu que havia sido
descoberto. O pássaro, era o Tsuru que havia sido salvo pelo casal e com lágrima nos
olhos o pássaro alçou voo em direção a Lua, para nunca mais ser visto.
29

Owari15

Apesar de ser um conto simples. Eu me sentia triste pelos velhinhos e pelo


pássaro e aquela tristeza construiu em mim um mito sobre o que era um Tsuru, por
muito tempo acreditei que ele era um pássaro extinto no Japão. Essa abertura
imaginativa se transformou na minha vontade de criar a minha versão do Tsuru, que
em 2017 eu pude por em prática,
Em junho de 2016, poucas semanas após expor minha Vaca na exposição
coletiva da disciplina de Cerâmica na Galeria Alcindo Moreira, minha avó faleceu. Sua
passagem parece-me ter sido serena, pois foi enquanto ela dormia. Identifiquei que o
futon da minha avó daquela noite era o mesmo que eu me cobria quando criança,
porque sua estampa era de Tsuru voando. Aquilo de imediato me fez recordar do
conto do Tsuru e todas as histórias que ela me contava para dormir.
Desde lá a imagem da estampa de tsuru ficou na minha mente e por fim decidi
fazer o pássaro do “Tsuru no Ongaeshi”.
Inicialmente, o título da obra era a mesmo do conto: “Tsuru no Ongaeshi”,
porém quis procurar um título mais simples e pessoal. Quando pesquisei por “tsuru”
no google a maior pArte da pesquisa era a respeito das dobraduras de papel, o origami
de Tsuru é o mais popular entre as dobraduras, por existir um mito de que se você
dobrar mil tsurus, você realiza um desejo. Encontrei que o nome do pássaro Tsuru é
Grou, mais especificamente Grou da Manchúria16
A Manchúria é uma região do noroeste da China, que por um período antes da
segunda guerra mundial era um território dominado pelo Japão. Além dos contos
japoneses, minha avó me contava sobre a sua infância e adolescência em sua
furusato, terra-natal. Essa terra distante, existente nas histórias da minha avó não era
o Japão, o Furusato dela era a Manchúria. Quando eu li que o nome do Tsuru é Grou
da Manchúria, eu caí para trás. Fiz o pássaro pensando nos contos da minha avó,
como uma homenagem a ela e descubro que ela e pássaro tem a mesma origem. O

15
“Fim”
16
GROU-DA-MANCHÚRIA. Disponível em < https://pt.wikipedia.org/wiki/Grou-da-
manchúria >. Acesso em: 16 out. 2019
30

que são essas narrativas sem coincidências inacreditáveis ou a própria


sincronicidade17?!
O Japão dominava o território Chinês na Manchúria e depois de sua derrota, a
China reivindicou o território e os japoneses que viviam lá (como minha avó) tiveram
que sair da Manchúria. Aqui no Brasil, meu avô aconselhou a minha avó que ela
substituísse seu nome verdadeiro, por Hiroko. Para mim, minha avó sempre se
chamou Hiroko, até que eu descobri que ela estava registrada como Masuko. Meu pai
me explicou que Masuko significa filha da Manchúria, Masu= Manchu e
Ko=menina/criança . E assim, eu não tive dúvidas de que se fechou um ciclo de
sincronia. O meu pássaro, o meu tsuru, o meu grou da Manchúria é Masuko.

Imagem 2: Tsuru no Ongaeshi, capa ilustrada de


uma versão do conto. Autor Desconhecido.
Disponível em つるのおんがえし
.<https://www.amazon.co.jp/よみきかせ日本昔話-
つるのおんがえし-講談社の創作絵本-石崎-洋司
/dp/4061325345 > Acesso em 9 de nov. de 2019

17
Sincronicidade/JUNG C. G. -21.ed.-2014
31

2.4- Fulfil your destiny

Star Wars é uma das franquias de filmes mais bem-sucedidas de Hollywood,


algumas falas dos filmes ficaram tão famosas que fazem parte da nossa cultura
popular, como “I’m your father ” (Eu sou seu pai) que foi a grande revelação de Darth
Vader ao herói Luke Skywalker e “May the force be with you”(que a força esteja com
você) a expressão dos jedis18. Para mim uma das expressões que mais me marcaram
foi a dos grandes vilões; imperador Palpatine e o lorde Snooke dizem aos seus
discípulos “Fullfil your destiny”(cumpra seu destino). Quando eu decidi que o foco do
meu trabalho, pesquisa e Arte seria dominar a Cerâmica eu ouço esta expressão
ecoar sobre mim e imediatamente sinto um arrepio na minha espinha dorsal.
“Fulfil your destiny” é uma expressão que só é notável nessas histórias épicas,
porque no mundo “real”, nesta realidade, esta expressão pode fomentar em ações
perigosas como justificativa para fanáticos religiosos ou políticos causarem o caos
pelo mundo. Para mim, essa expressão pode ser apenas meu cérebro conectando a
referência dos filmes com o meu sentimento em relação à Cerâmica.
Em japonês Ki (気) é energia. É um conceito parecido com a “força” em Star
Wars, que pelo que eu entendo é a nossa força de energia vital. Minha família usa a
palavra Ki como substituto para capricho, amor e esforço. Em casa minha mãe
emprega a palavra Ki com frequência, para ela tudo que nós fazemos tem que ter Ki,
ao invés de falar “faça com capricho” ela fala “use o Ki”, eu não sei se é uma palavra
que só se usa em casa ou se outras mães japonesas também a usam. Eu sempre
admirei o conceito do Ki, por isso desde criança eu quis que minha profissão de vida
tivesse relação com o uso do meu Ki.
Em 2015, visitei a cidade de Cunha-SP na viagem de extensão universitária da
aula de “Linguagem Tridimensional II” (Aula de Cerâmica). Cunha é a “Cidade da
Cerâmica” de acordo com a placa de entrada da cidade e também é a cidade do
Fusca, ela é a cidade da Cerâmica porque nela residem muitos ceramistas e ateliês
de Cerâmica que são o polo turístico da cidade e é a cidade do Fusca, porque a cidade
é montanhosa, por isso é cheia de ruas com ladeiras e há muitos anos atrás o fusca
era o carro mais resistente para suas ruas.

18
Guerreiros, heróis da franquia de filmes Star-Wars, que lutam contra o lado escuro da força.
32

Os ateliês mais famosos de Cunha abrigam o forno chamado “NOBORIGAMA”


(nobori-subida e gama-forno ou câmara), estes fornos são herança de ceramistas
japoneses que se instalaram na cidade na década de 70, suas queimas atingem
temperaturas extremamente altas de 1300ºC a 1400ºC. O combustível deste forno é
a lenha, que dá à peça características e valor único, transformando a Cerâmica em
uma obra de Arte.
Os ceramistas ali eram responsáveis por todo o processo de trabalho, extraiam
a argila, modelavam suas peçam, criavam as mais diversas cores de esmalte e por
fim passavam dias queimando suas Cerâmicas. Para que todo este processo
ocorresse bem, era preciso de algo além da técnica, uma energia vital dos próprios
para que o trabalho tivesse a característica daqueles Artesãos. Eu me surpreendi, ao
compreender que o elemento que fluía neles era o Ki. Na Cerâmica encontrei a
filosofia de vida que eu procurava, pois nela o ceramista trabalha em conjunto com os
elementos da natureza (terra, água, fogo e ar) e com a energia pessoal, o meu Ki.
Recordando da minha história com a Cerâmica, percebi que naturalmente eu
optei por me tornar uma ceramista. Desde minha infância a Cerâmica estava presente,
mas só ao me interessar pelo universo do fazer Cerâmica japonês é que eu decidi ser
ceramista. Na Cerâmica japonesa, o olhar artístico se relaciona com o domínio do
Artesanal.
A partir desta descoberta, eu comecei a buscar os conhecimentos das técnicas
da Cerâmica e elaborei um plano de etapas a serem cumpridas para essa nova
trajetória.
Quando eu falei para minha mãe que eu queria ser ceramista, ela disse que
estava no meu sangue. Primeiro eu achei que fosse por causa da minha tia19, mas
então ela me contou a história da Cerâmica nos meus ancestrais não por pArte da
família dela, mas do meu pai.
Eu não sei muito a respeito dos meus familiares no Japão, meus parentes
conhecidos mais distantes seriam meus tios-avôs que também residem no Brasil. Da
família da minha mãe eu sabia que minha avó nasceu no Brasil e que meu avô veio
ao Brasil quase adulto. Da pArte do meu pai, eu sabia que meu avô veio ainda criança
ao Brasil e minha avó moça, após a segunda guerra mundial. Eu sempre fui mais

19
Primeira Narrativa “Tudo começou com um suspiro”
33

próxima da minha avó paterna e a maior parte do meu saber da cultura japonesa veio
dela.
Minha mãe, então, conta que o ancestral mais antigo da minha avó foi
ceramista e que ele não era um Artesão que ficou esquecido na história do Japão, na
verdade este ancestral foi protagonista da Cerâmica de Arita20 no Japão.
No século 16, alguns ceramistas coreanos foram forçados a emigrar para o
Japão. Um destes ceramistas era chamado de Yi Sam- Pyeong. Eles se
estabeleceram na região de Saga e na província de Arita, Yi Sam-Pyeong descobriu
uma montanha de porcelana e a partir dali a porcelana se tornou popular no Japão e
Yi Sampyeon ganhou cidadania japonesa tornando-se KANAGAE Sambee. Até hoje,
os historiados citam ele como o pioneiro da porcelana japonesa, mas existem muitas
controversas a respeito da veracidade disto. Kanagae é o sobrenome do meu bisavô
(pai da minha avó)21.
Essa história corre pela minha família há anos, mas só quando eu decidi me
tornar ceramista que ela voltou à tona. Não sabemos se realmente somos
descendentes do Kanagae Sambee, para isto seria necessária uma pesquisa extensa.
Eu gostaria de ter tido a oportunidade de conversar com a minha avó sobre a
Cerâmica, com certeza ela me ajudaria muito a conseguir investigar melhor sobre
nossas origens e se tudo pode ser comprovado. Deixo essa investigação para o meu
futuro e por enquanto sigo na minha própria jornada com a Cerâmica.
No livro Tao Te Ching do filósofo chinês Lao Tsé, fala-se a respeito do nosso
caminho para a virtude espiritual. O ideograma de Tao é 道, em japonês lê-se como
Michi (MITI) que significa caminho e que C. G Jung em sua obra sobre a
sincronicidade entende por “sentido”. Em um trecho da tese de mestrado “Duas
mulheres ceramistas entre o Japão e o Brasil: identidade e representação” de Liliana
Granja Moraes, Shoko Suzuki fala sobre se sentir envolta a uma energia de amor
enquanto faz Cerâmica. Emocionei-me com esta fala de Shoko, pois nela identifiquei
a Cerâmica como um espírito vivo de amor e acolhimento. Estas memórias são um
fragmento do meu caminho e minha força, do meu Tao 道 e do meu Ki 気, e nestes

20
Arita, região do Japão do município de Saga, que é conhecida como berço da porcelana
japonesa.
21
YI SAM PYEONG. Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/Yi_Sam-pyeong>
Acesso em: 16 out. 2019
34

pequenos passos e tropeços sigo com a Cerâmica como um espírito-guia, uma


energia- companheira.
- Cumpra seu destino. - Por fim, a Cerâmica sussurra para mim.
35

CAPÍTULO III- Memorial descritivo

3.1 Em algum lugar, meu Furusato

Furusato significa terra-natal em japonês e desde criança ouço esta palavra da


minha avó. Eu reconhecia em sua fala, uma profunda nostalgia, quando ela resgatava
algumas memórias de sua terra-natal. Este sentimento estranho de tristeza e
saudades, me encantava, por isso criei o meu próprio conceito de Furusato. Ele é a
saudade de uma terra que não existe mais, a lembrança de um lugar ou de uma
experiência bonita e efêmera. Meu furusato é a minha infância com meus avós, alguns
momentos com a minha família. Quando modelei este vaso, eu tinha a intenção de
transmitir o meu “Furusato”.
Em 2008, durante meu primeiro curso de Cerâmica, modelei meu primeiro vaso
de acordelado. O acordelado é a técnica de Cerâmica em que modelamos a argila em
forma de cordas, estas cordas devem ter a mesma espessura, coloca-se uma sobre
a outra e por fim é dado acabamento para juntá-las entre si. Esta peça foi a primeira
peça que considero uma obra, nela modelei uma árvore que foi inspirada em uma
árvore do meu quintal, um pé de umê (ameixa japonesa), esta árvore quando florida
ficava coberta de flores brancas, também deixava um rastro de pétalas brancas no
chão. Minha referência para produção da peça foi o quadro “A Noite Estrelada” de Van
Gogh (imagem 3). No vaso utilizei vidrados 22 azul, marrom e branco e foram
queimadas em alta temperatura (1200ºC a 1300ºC).

22
Vidrados ou esmaltes são a película de vidro que dá cor á Cerâmica.
36

Imagem 3: A Noite Estrelada de Vicent Van Gogh

Imagem 4: Detalhe do vaso "Furusato"


37

Imagem 5: Vaso Furusato. Instituto de Artes da Unesp, 2017


38

3.2 A Vaca

Durante a disciplina de Linguagem Tridimensional I, em 2015, desenvolvi uma


série de vacas, que começou com uma pequena escultura de pequena, passou para
uma escultura um pouco maior até uma escultura grande de vaca. Em cada peça quis
desenvolver uma técnica de Cerâmica. As primeiras vacas que modelei foram feitas
de argila “Branca Shiro” do Paschoal 23 . A primeira (Imagem 6) foi feita com
modelagem e ocagem, com queima final de Rakú. Rakú é uma queima em que ocorre
um choque térmico entre a peça queima e o seu ambiente, geralmente a peça é
retirada do forno entre 900ºC e 1000ºC e colocada em serragem de madeira,
ocorrendo uma combustão de calor, que deixa a peça com características únicas.
Segunda vaca (Imagem 7) foi modelada com a técnica de acordelado e ela foi
queimada apenas uma vez, na queima biscoito.

Imagem 6: Primeira escultura de vaca saindo da queima de Rakú.


Instituto de Artes- UNESP, 2015

23
Fornecedor de Argilas de São Paulo-SP.
39

Imagem 7: Modelando a segunda escultura de vaca, durante a disciplina "Linguagem


Tridimensional I". Instituto de Artes- UNESP, 2015

Imagem 8: A escultura da segunda vaca concluída.


40

Meu processo criativo sobre a série de vacas está na narrativa “A Vaca”24 deste
trabalho. Além de ter sido inspirada pelas vacas reais do sítio em Mogi das Cruzes, a
dimensão e o volume do animal fizeram parte do desenvolvimento criativo da série.
Minha referência artística para a série foi uma artista norte americana chamada Beth
Cavener25 , que esculpe animais em movimento. Ela usa estruturas de metal para
manter a peça em pé enquanto adiciona argila e retira estas estruturas antes da
queima. O desafio de modelar peças de tamanho grande como a dela foi o que me
impulsionou a modelar minha terceira peça.

Imagem 9: A artista Beth Cavener em processo de modelagem da obra “Lupus”.

24
Capítulo II.
25
LUPUS. Disponível em < https://www.followtheblackrabbit.com > Acesso em: 16 out.
2019.
41

Imagem 10: Modelando a escultura "A Vaca" no Instituto de Artes- UNESP, out.
2015
Esta terceira e última vaca (Imagem 10) foi modelada durante o segundo
semestre da disciplina da professora Lalada Dalglish. A Vaca de dimensões “1,0m x
0,70m x 0,80m” foi construída por pArtes com a técnica do acordelado, nela foram
usados 140 kg de argila do Leí26. Em um vídeo para a disciplina de mídia III, gravei
27
um vídeo que registra meu processo de construção da escultura. Como a peça
inteira não caberia no forno da Unesp, tive que cortá-la ao meio. Muitos alunos
associaram este corte com as vacas e bois cortados do artista Daniel Hirst. Minha
primeira intenção era cortar a vaca ao meio e juntá-la de volta pós queima, porém
como as peças foram biscoitadas separadamente, as peças não se encaixaram mais.
A professora Lalada, então, sugeriu que eu interferisse neste acaso e aproveitasse o
corte para criar uma nova poética na obra. Como a Vaca foi inspirada em um sonho,
pensei em explorar seu lado surrealista, fazendo com que flores saíssem dela. Esta
solução, acabou acrescentando à obra características de um ser divino ou sagrado,
que não sangra como outros animais, mas que floresce.

26
Fornecedor de Argilas de Cunha-SP
27
DESENVOLVIMENTO. Disponível em
<https://www.facebook.com/mimma.ito/videos/897948983643449/ > Acesso em: 11.nov.
2019
42

A redução segundo o “Diccionario https://www.followtheblackrabbit.com de


Cerámica” do autor Jorge Fernández Chiti, é uma queima em que se cria uma
atmosfera redutora, ou seja, carente de oxigênio e abundante em monóxido de
carbono. Seu efeito na Cerâmica, tanto na massa quanto no esmalte, quando
presentes óxidos metálicos, principalmente o óxido de ferro28, muda de tonalidade.
Tendo em vista que a argila do Leí, contém óxidos metálicos optei por fazer a queima
de redução para obra no forno da faculdade. A Vaca ficaria mais escura e dependendo
da atmosfera do forno, apareceriam manchas dos gases, dando à obra intensidade
de cores ferrosas. As duas pArtes da vaca foram montadas uma justaposta a outra
ocupando todo o forno (imagem 11). Na primeira queima, as costas da Vaca ficaram
com uma pequena fissura, devido a diferença de secagem da argila enquanto
modelava. A peça depois da queima ficou com a cor que eu esperava, um marrom
com algumas nuances escuras, porém a fissura que antes era pouco aparente, se
tornou uma rachadura, que percorria a traseira da peça. Como a superfície que estava
rachada podia se integrar com o próprio corte ao a meio da obra, minha intenção foi
assimilar este acaso à Vaca.

Imagem 11: A Vaca dentro do forno a gás na


UNESP, 2016.
28
Fe2O3.
43

O “Wabi- Sabi” 29é um conceito Zen-Budista de estética japonesa em que a


imperfeição e a simplicidade torna uma obra única e valorizada. Na Cerâmica
encontra-se wabi-sabi no uso de matérias primas naturais e formas orgânicas. Um
dos exemplos famosos do wabi-sabi é a técnica “Kintsugi”, que consiste em colar
peças de Cerâmica quebradas com ouro, para dar-lhe um novo e maior valor.

Faltando poucos dias para a exposição “Keramikós”30, um amigo da faculdade


que também cursava Artes Visuais, Gabriel Zanetti Pieroni, sugeriu que eu fizesse um
kintsugi na rachadura da vaca. De imediato, eu acatei com a sugestão dele, pois esta
técnica japonesa valorizaria a minha obra e ainda faria alusão á minha cultura. A
técnica verdadeira do kintsugi é complexa e precisa de muitos estudos para dominá-
la, por isso fiz uma imitação da técnica com o uso de durepox, folhas de ouro e
betume. O “durepox” foi a massa epoxi de modelar que completou o vão da rachadura,
a tinta cor de ferrugem (imagem 12) foi usada para pintar a cor cinza do “durepox” e
ser a base da camada de folhas de ouro (imagem 13). Colei a folha de ouro com uma
camada fina de cola “Cascola” para deixar a rachadura dourada. Por fim apliquei
betume para o acabamento, pois o betume escureceria o ouro deixando-o com um
visual envelhecido

A Vaca foi exposta na exposição “Keramikós” na Galeria Alcindo Moreira Filho


no Instituto de Artes da UNESP entre os dias 02 a 22 de junho de 2016. “A exposição
Keramikós apresenta trabalhos em processo dos alunos do curso de Cerâmica do
Instituto de Artes da UNESP/SP desenvolvidos em 2015/2016. Neste projeto, sobre o
suporte barro, cada artista desenvolveu suas obras com estilo único e personalidade
própria produzindo trabalhos com técnicas diferenciadas de modelagem e queima.
Keramikós= Cerâmica: a origem de tudo...”31

29
Disponível em < https://pt.scribd.com/document/372834265/Wabi-Sabi-The-Japanese-Art-
of-Impermanence-Art-Design-Philosophy-Ebook-pdf> Acesso em 16 out 2019
30
Exposição de Cerâmica na Galeria Alcindo Moreira Filho, de minha curadoria em
conjunto com a professora Lalada Dalglish, que reunia obras de Cerâmica de todos
os alunos que concluíram a disciplina “Linguagem Tridimensional II” (Disciplina de
Cerâmica do 2º semestre).
31
DALGLISH, Lalada. Texto de abertura da exposição Keramikós, 2016.
44

Imagem 12: Costas da escultura em reparo, Instituto


de Artes-UNESP, 2016.

Imagem 13: Costas da escultura com folhas de ouro, , Instituto de Artes-UNESP,


2016.
45

Imagem 14: Mimma Ito, Lalada Dalglish e a escultura "A Vaca",

Instituto de Artes-UNESP, 2016.

Imagem 15: Abertura da exposição Keramikós,

Instituto de Artes-UNESP, 2016.


46

Imagem 16: Costas da escultura com "Kintsugi", Instituto de Artes-UNESP, 2016.

Imagem 17: A Vaca, Instituto de Artes-UNESP, 2016.


47

3.3 Masuko- Tsuru

Em 2016, minha ex-aluna da UNATI, Saiaka Moriya, falou sobre uma exposição
da artista Máyy Koffler na “Associação Casarão do Chá” em Mogi das Cruzes, Saiaka
caracterizou as peças de Cerâmica da artista como “leves como um papel”. A
qualidade de “Leveza” na Cerâmica me instigou. Minha escultura anterior “A Vaca”
era o oposto de leve, foi preciso da ajuda de 4 pessoas para movê-la de lugar. Ao
pesquisar as peças da Máyy Koffler, descobri a técnica do paleteado, nesta técnica
indígena-peruana, uma peça é confeccionada através do manejo de duas
ferramentas, uma pedra redonda, que serve de apoio interno da peça de barro e uma
paleta de madeira que é usada para golpear a argila sobre a pedra, compactando-a.
Esta técnica permite que a massa de argila fique delgada e uniforme. Em suas obras
a artista-ceramista faz uma releitura das culturas pré-hispânicas na
contemporaneidade.

Imagem 18: A Artista Máyy Koffler e suas obras


48

Sincronisticamente, o ceramista peruano Maneno Llinqarimachiq ministrou um


curso em que utilizou a técnica do paleteado no Instituto de Artes da UNESP/SP. Com
este primeiro contato com a técnica, iniciei meu projeto do “Tsuru”.

Imagem 19: Paleteando, 2016

Foto de Maneno Llinqarimachiq

Tsuru, é o nome em japonês do Grus Japonesis, Grou Japonês ou Grou da


Manchúria. É um pássaro de cabeça vermelha que habita o leste asiático.
Naquele ano, enquanto eu cursava o terceiro ano da faculdade, quis montar
uma obra em homenagem à minha avó e inspirada em um dos contos japoneses que
eu mais gostava quando criança chamado “Tsuru no Ongaeshi”, que significa “A
retribuição do Grou”.32
Nesta nova obra, eu quis tentar contornar alguns problemas que tive com a
escultura da Vaca, como o seu peso excessivo, pArtes insubstituíveis e principalmente
o seu tamanho para o forno. “Como fazer uma peça grande que caiba no forno?”. A
partir desta questão, tive a ideia de fazer o pássaro com penas que são soltas uma a
uma, que presas uma a outra dá a impressão que é uma escultura inteira. Para isto,
precisaria também de uma estrutura interna para firmá-las.

32
Ver capítulo II, página 26.
49

Com isto, me matriculei na disciplina complementar “Madeira e Metal” para criar


o meu tsuru, no projeto planejei utilizar Cerâmica, Madeira e Metal. A sustentação e
estrutura da obra seria feita de vergalhão de ferro soldado, a Cerâmica seria como a
roupagem e volume da peça, utilizei a técnica de queima rakú e queima primitiva para
as penas do pássaro, o pescoço e a cabeça foram modelagem simples e o bico é de
madeira peroba rosa esculpida com a lixadeira. Desenvolvi o projeto inicial com o prof.
Agnus Valente e contei com o auxílio constante da técnica Vera Cozani para Cerâmica
e o técnico Seu Luiz na solda e “adaptações”. De peça em peça terminei a obra em
um ano.
O Tsuru foi exposto na exposição “Repouso” da galeria Alcindo Moreira Filho
no Instituto de Artes da Unesp em 2017, na “Bienal da Cerâmica” no Centro Cultural
Olido- São Paulo em 2018 e especial participação na exposição “Pássaros em MArte”
na Casa MArte, durante o 13º Festival da Cerâmica de Cunha-SP em outubro de 2019.

Imagem 21:Teste das penas sobre a estrutura


Imagem 20: Protótipo do Projeto "Tsuru", 2016 de ferro, 2016
50

Imagem 22: Modelagem da Cabeça do


Tsuru, Instituto de Artes-UNESP, 2016.

Imagem 23: Projeto em andamento, Instituto de Artes UNESP, 2016.


51

Imagem 24: Teste da estrutura de ferro, Instituto de


Artes, 2017.

Imagem 25: Mimma e Tsuru Masuko, Intituto de Artes-UNESP, 2017.


52

3.4 E agora?

Quando eu comecei a fazer Cerâmica na faculdade, eu prometi a mim mesma


que só procuraria aprender a tornear e fazer esmaltes quando eu modelasse tudo que
eu tinha vontade. Em 2017, eu não tinha nenhuma nova inspiração para uma nova
escultura e assim comecei a procurar aprender a dominar as técnicas do torno.
O torno é um disco que gira uniformemente em rotação circular ligado a um
motor em que se pode controlar a sua velocidade de rotação conforme a necessidade
do barro. Para fazer uma peça deve-se manipular o barro enquanto ele gira e levantá-
lo sem tirá-lo do eixo rotacional, o centro. Para manter a argila no centro, ou seja,
centralizá-la requer prática.
Aprender uma técnica tão desafiadora quanto dominar o torno, transformou
minha percepção sobre a Cerâmica. Nele, a argila parece ser uma criatura selvagem
que não responde aos mais simples comandos, para controla-la é necessário ter
disciplina diária, paciência e, principalmente, humildade. Compreendendo a
obrigatoriedade de se cultivar estas qualidades, eu reconheci o quão nobre é o
trabalho de um ceramista.
O ceramista Eng Goan me introduziu a este novo universo. Com ele aprendi a
criar inteligência nas mãos para identificar a qualidade da massa em que estou
trabalhando e com ele levantei minhas primeiras peças. Á partir de 2018, a ceramista
Sueli Massuda tem acompanhado meu processo prático no torno, com ela aprendi a
amassar em Kikuneri, tornear no estilo japonês, formular vidrados de alta temperatura
e, principalmente, me ensinou a refinar minha sensibilidade às formas utilitárias.
Desde 2017, compreender a Arte do Utilitário de Cerâmica faz pArte da minha
pesquisa artística. Ela se tornou tema dos meus estudos por fazer pArte da minha
ancestralidade, no qual eu narro no capítulo anterior e por um episódio na faculdade,
que eu vou relatar em seguida.
Em 2018, eu me dedicava à prática de torno com intuito de dominar a técnica.
Comprei o meu primeiro torno elétrico e organizei um espaço em casa para se tornar
meu ateliê. Na Unesp, eu ainda trabalhava como monitora e treinava tornear lá
também. Eu estava em um processo completamente imersivo no torno.
53

Para mim fazer um utilitário era reverenciar meus ancestrais, em seu valor
estava compreendido um universo infinito (técnica, forma, cor, queima, peso, design
etc), que eu pretendia explorar ao máximo.

Imagem 26: Mimma desbastando um prato no ateliê


Keramos, São Paulo, 2019.

Um dia, eu estava no ateliê da faculdade, quando chegou ao meu


conhecimento de que meu trabalho utilitário era considerado de valor “comercial” e
que eu deveria diminuir o meu ritmo de “produção”. Pareceu que toda minha devoção
à prática tinha sido rebaixada e que eu já não fazia Arte, eu era um tipo mecânico de
produção que fazia “algo para vender”. Como artista, talvez este tenha sido o episódio
em que me fez sentir mais decepcionada com a academia de Artes33, pois a qualidade
que lançaram ao meu trabalho, pareceu-me ser por puro preconceito à Cerâmica.

33
Para dar coerência ao meu sentimento de desapontamento, relato apenas que este juízo pode
ter vindo de alguns professores da Unesp e que não cabe a este trabalho acusar pessoas ou
apontar nomes.
54

Minha intenção, ao começar a fazer Cerâmica nunca foi para vendê-la, apenas34.
Fazer utilitários compunha a minha pesquisa e ninguém se aproximou de mim e tentou
compreender o meu trabalho. Esta situação comprometeu o meu ritmo de imersão,
pois me obrigou a parar e pensar em qual era o valor da Cerâmica para mim e qual
era a qualidade da Cerâmica quanto utilitário para a Arte. Com o tempo35 reconstruí
minha confiança para seguir minha pesquisa e atualmente reconheço que no final das
contas, este momento amadureceu o meu modo de pensar a Arte e interpretar a
Cerâmica. Tudo isso, transformou-se em meu combustível para permanecer insistindo
na qualidade e contemporaneidade da Cerâmica como Arte.

A professora-doutora Sumaya Mattar, descreve em pArte da sua tese


“DESCOBRIR AS TEXTURAS DA ESSÊNCIA DA TERRA: formação inicial e
práxis criadora do professor de Arte”, sua intensa convivência com a mestra
ceramista Shoko Suzuki. Ao ler os relatos de vida da ceramista, senti-me
completamente contemplada pelo amor à Cerâmica de Shoko. Em uma das
passagens da tese, a ceramista japonesa reconhece que as ceramistas do Vale do
Jequitinhonha36 conhecem o “sentido da Cerâmica”.
[...] intuí que o sentido da Cerâmica para as duas artistas
relacionava-se à ancestralidade que pulsava de suas obras, ou seja,
à sua vinculação a uma determinada herança cultural, à necessidade
que tinham de produzir, criando, para isso, seus próprios meios e
materiais, e o seu apego ao barro como material, características
também presentes no universo produtivo de Shoko. (MORAES S.,
2007, p.93)

Esse encontro com a ancestralidade descrito na tese, obrigou-me a refletir


sobre a minha própria produção, observar o porquê disto ser rigidamente ligado à
minha herança ancestral. Deste modo, minha pesquisa retoma minhas origens
culturais e busca compreender o valor da Cerâmica japonesa.
Quando me refiro a Cerâmica japonesa refiro-me a um tipo de
Cerâmica fabricada segundo técnicas específicas que foram
desenvolvidas no Japão e que são tradicionalmente características

34
Eu desconheço artistas que não querem ganhar seu sustento pelo fruto de seu trabalho.
35
E terapia.
36
No texto Shoko Suzuki refere-se a Noemisa Batista e Isabel Mendes da Cunha.
55

daquele país. Umas das principais técnicas que distingue a Cerâmica


japonesa é a queima a alta temperatura (acima de 1200 graus).
(MORAIS L., 2010, pg 2)

Destaco este trecho retirado do artigo “A CERÂMICA JAPONESA NO


BRASIL: CONTEXTO HISTÓRICO E MODIFICAÇÕES SOCIOECONÔMICAS QUE
PERMITIRAM SUA PRODUÇÃO E DEMANDA NO ESTADO DE SÃO PAULO NO
PÓS-GUERRA” da pesquisadora-doutora Liliana Granja Morais, por ele elucidar,
inteiramente, a propriedade do termo “Cerâmica Japonesa” o qual uso neste
trabalho.

Liliana Granja Morais em sua tese de mestrado “Duas mulheres ceramistas


entre o Japão e o Brasil: identidade e representação” (MORAIS, 2014), afirma que a
Cerâmica japonesa, apesar de sua extensão histórica e social, é aceita como Arte a
partir do século 19. Enquanto que na Europa a Cerâmica japonesa já era uma forma
de Arte japonesa. No Japão, as obras dos Artesãos japoneses ainda sofreram
resistência para serem consideradas obras com “qualidade artística”. Até que o
grupo Sekidōkai, escreve um manifesto defendendo o valor da Cerâmica. “Em seu
manifesto, os membros escreveram que o objetivo do grupo era expressar a eterna
beleza da natureza através da Arte da Cerâmica” (MORAIS, 2015, p.24) e assim, a
Cerâmica foi conquistada para ser vista como Arte.

[...] no Japão, os artistas descobriram sua própria individualidade ao


buscar, dominar e melhorar as suas técnicas criativas e seus
materiais. A expressão tanto da criatividade artística quanto da
individualidade tornar-se- ia o tema mais importante para os artistas
das eras Taishō e Showa (1926-1989) e os artistas japoneses de
Cerâmica forjariam uma harmonia entre técnica e conceito para criar
trabalhos expressando valores “individualistas”. (MORAIS, 2015,
p.25, Apud TODATE, 2009, p. 19).

Neste contexto, entre 1926 e 198937, foi criado o Movimento Mingei, que preza
a conservação e valorização das Artes tradicionais japonesas. Assim, a qualidade do
trabalho manual dos Artesãos anônimos foi reconhecida e até os dias atuais, o Japão

37
Período das Eras Taisho e Showa.
56

é conhecido pela preservação e apoio às práticas Artesanais tradicionais. No país


também foi organizado o movimento Studio Pottery, em que distintivamente ao
movimento mingei, buscava-se maior importância aos ateliês pequenos ou individuais
que visavam destaque à subjetividade artística do ceramista.

A partir de 2018, busco compreender esta tradição da Cerâmica, para explorá-


la em termos poéticos. Sendo assim, inicio minha pesquisa sobre vidrados para a
Cerâmica e continuo a desenvolver minhas técnicas no torno com a professora Sueli
Massuda.

Imagem 27: Alguns esmaltes formulados no Imagem 28: Detalhe dos testes de vidrados
curso de Vidrados da Sueli Massuda, 2019

O vidrado, popularmente chamado de esmalte, é a película fina de sílica que


envolve as peças de Cerâmica dando-lhe característica de decoração. O vidrado tem
sua potência intensificada de acordo com a sua temperatura de fusão. Minha pesquisa
de vidrados é de alta temperatura, especialmente, a partir de 1240ºC. Os vidrados que
mais me encantam são os que fazem pArte de uma tradição da cultura leste asiática
como o esmalte Celadon, o Oribe, Temmoku, o Shino e de Cinzas. Com o interesse
em explorar a gama de cores texturas e características do vidrado para algum trabalho
futuro à graduação, construí um forno de alta temperatura, a gás, no quintal da minha
57

casa.

Escolher um forno de Cerâmica não é uma tarefa simples. Nenhum forno é


pouco custoso financeiramente e exige muitos cuidados de segurança para a saúde
e para o local onde ele é instalado. Na cidade, normalmente, ceramistas optam por
obter um forno elétrico. O forno elétrico em sua queima tem uma atmosfera mais
homogênea de oxidação, porque através de um sofisticado mapa de resistência
conduzem o calor na câmara do forno. No forno a gás, o gás é combustível para a
indução de calor através da combustão com o fogo, nele temos a possibilidade em
criar uma atmosfera redutora, em que o fogo consome todo o oxigênio do interior do
forno, buscando-o também dentro das peças que estão sendo queimadas, essa
reação transforma todas as características da argila e do esmalte. Existe também o
forno a lenha de alta temperatura, herança chinesa para o mundo. No Japão, os fornos
de alta temperatura se desenvolveram em vários tipos, cada um com uma queima
específica para dar ao objeto cerâmico características próprias da queima. Para ter
um forno a lenha é preciso ter uma casa no campo, por causa da fumaça causada
pela combustão da madeira.

Imagem 29: Vaso no Interior do forno do mestre


ceramista Kenjiro Ikoma, Itapecerica da Serra-
SP, 2019
58

O fogo é elemento que dá vida ao corpo cerâmico. E também transformou o


ritmo do desenvolvimento humano. Podemos presenciar o atributo acidental da
Cerâmica, quando queimada em contato direto com o fogo, ela ganha uma força nova,
sua potência que estava submersa e oculta, ressurge em sua superfície. Com a
intenção de experimentar a reação do esmalte e da argila nas queimas com fogo,
encaminho-me ao estudo das queimas de Cerâmica com o fogo.

Quando eu procurava por um forno, meus pais me incentivaram a construir um


forno a gás, os livros “The Kiln Book” de Frederick Olsen e o livro “Hornos Cerámicos”
de Jorge Chiti foram minha bibliografia de base para entender a construção de um
forno. Consultei teimosamente alguns ceramistas que me guiaram a entender a Arte
da queima, estes foram a Sueli Massuda, Marcelo Tokai, Carol Tsai, João Felipe
Cursino, René Le Demmat, Célia Flud, Alessandra Dantas e Kenjiro Ikoma Sensei. Ao
mesmo tempo, eu e o meu companheiro Ricardo Agapê construíamos o nosso forno.
Estudar fornos a gás foi uma tarefa bem complexa, porque a resposta em comum
costumava ser “cada forno é um forno e cada queima é uma queima”. Eu tinha que
atentar-me ao fluxo do fogo, a dispersão e absorção do calor, o caminho do ar, a
reação dos minérios e até mesmo o som ambiente. Minha primeira queima á gás bem-
sucedida foi dia 11/09/2019, completando quase um ano da minha pesquisa de fornos.

Imagem 30: Em 2018, estudando a estrutura de Imagem 31: esboço do projeto, 2018.
ferro do forno a gás, Cunha-SP
59

Imagem 32: Construindo a chaminé do forno


carinhosamente batizada de "Ofensa aos
pedreiros", São Paulo, 2019.
60

Imagem 33: Forno na primeira queima teste. São Paulo, 2019.


61

Imagem 34: Teste dos maçaricos no interior do forno, São Paulo, 2019.
62

Imagem 35: Mimma e Ricardo aguardando o final da


queima do dia 11/09/2019

Imagem 36: Cones pirométricos 7 e 8 (1240º C-


1260ºC), caídos na queima do dia 11/09/2019,
comprovando a temperatura alcançada na queima.
63

Ainda me aprofundando nas potências do fogo para a Cerâmica. Desde o início


de 2019, eu tive duas oportunidades de imergir na vivência de queima a lenha no forno
Smokeless em Cunha-SP. Este forno foi desenvolvido, criado e construído pelo
mestre ceramista japonês Masakazu Kusakabe. E em 2017, ele construiu um único
exemplar deste forno em Cunha, no ICCC-Instituto Cultural de Cerâmica de Cunha.
Senti-me muitíssimo grata pela experiência de queimar a lenha em um forno único na
América Latina. A vivência ministrada pelo mestre ceramista Marcelo Tokai, discípulo
do sensei Kusakabe, iniciava-se com a montagem do forno e em seguida a queima
que alcançaria 1320ºC.
Queimar a lenha depende de muito suor, paciência e comunicação com o forno.
É preciso entender o tempo do calor e o caminho do fogo pelas câmaras,
abastecendo- o sempre com lenha seca. O forno exigia, mais também, tamanhos e
espessuras certas da madeira para cada ocasião da queima.
A queima tem duração intensa e ininterrupta de 34 horas em média, era preciso
se organizar em turnos para melhor atender aos caprichos do forno. Nas duas
ocasiões, o meu turno foi da madrugada e resistir ao sono no silêncio e breu profundos
de Cunha foi uma tarefa quase incombatível.
Concluída esta dança com o fogo, é necessário aguardar cinco dias para seu
resfriamento. A abertura do forno torna-se um evento espetacular, as peças de
Cerâmica ganham maior significado, pois os efeitos de cada peça são frutos deste
belo e violento encontro humano com o fogo.

Imagem 37: Kusakabe sensei demonstrando


torno para mim em 2017, Cunha- SP.
64

Imagem 38: Forno Smokeless durante a queima,


2019, Cunha- SP.

Imagem 39: Abastecendo o Forno Smokeless com


lenha. Cunha- SP, 2019.
65

Imagem 40: Tirando a peça do forno, Cunha SP, 2019.

Imagem 41: O grupo do Ateliê Keramos desmontando o forno Smokeless. Cunha-


SP, 2019.
66

A Arte na Cerâmica está no seu conjunto. A queima da Cerâmica é o que


determina suas características mais marcantes. Um ceramista sempre analisa uma
peça pelo princípio do seu tipo de queima e tipo de forno.
Deste modo, minha pesquisa com a Cerâmica utilitária prossegue
acompanhada do universo da argila, esmalte e, principalmente, investigação da
potência destes dois elementos com determinados tipos de queima.
Meu primeiro projeto para este trabalho de conclusão de curso era escrever
sobre a Cerâmica japonesa, seus tipos de queimas, fornos, esmaltes e utilitários, pois
eu buscava compreender o motivo ao qual a Cerâmica no Japão era elevada ao nível
de Arte, voltando-me a refletir sobre a distinção do ceramista-Artesão para o artista
no Brasil. Todavia, em mim havia um apelo íntimo que queria também transmitir meu
processo criativo como forma artística em Cerâmica. Aos poucos, fui captando a
essência do que eu gostaria de transmitir: No meu processo artístico ser ceramista ou
ser artista não há distinção, um está inerente no outro, pois ambos são pArtes do meu
percurso em Artes. A pesquisa do utilitário japonês e sua filosofia é um contorno da
minha vivência com a Cerâmica, cabendo a este subcapítulo circundar sobre estas.
Este subcapítulo é um registro da minha pesquisa atual em Cerâmica. Faz
pArte das minhas vivências atuais e das pesquisas que vou dar continuidade depois
da graduação e muito provavelmente para o resto da vida.
Recorro à ceramista Shoko Suzuki para ilustrar os meus sentimentos sobre a
prática da Cerâmica:
“ (...)passei a experimentar uma sensação muito especial ao estar envolvida
com as Cerâmicas, algo como amor, harmonia, delicadeza e de vida em si.
Com as Cerâmicas, sinto como se estivesse protegida por um profundo
carinho materno e, ainda, tomada por um misterioso sentimento de que isso
é duradouro.” (SUZUKI apud KAWAKAMI, 2012, p. 18, retirado de
MORAIS L., 2010, pg 64).

Para mim, fazer Cerâmica é como uma imersão meditativa. De uma maneira
parecida com a descrição de Shoko, quando estou com ela me sinto abraçada por um
sentimento de amor, acolhimento e paz. Shoko Suzuki é a ceramista que eu mais
admiro como figura que representa a jornada do artista, que tem a Cerâmica como
propósito de vida. Com muita felicidade pude conhece-la em 2019, no lançamento de
67

seu livro “A poética de Shoko Suzuki”, que marcou seu nonagésimo aniversário de
vida e septuagésimo ano dedicado a Cerâmica.

Imagem 42: Ceramistas no lançamento do livro "A poética de Shoko Suzuki" com a mestra
Shoko Suzuki sentada ao centro da foto. Instituto Tomie Ohtake, 2019.
68

CAPÍTULO IV: NARRATIVAS DA MINHA POÉTICA ARTISTICA INTEGRADA A


OFICINAS ARTESANAIS DE CERÂMICA

As idéias sobre a educação [...] resumem-se


formalmente
na concepção da contínua reconstrução
da experiência [...].
(DEWEY. J.1959, p. 86).

Eu tive um pouco de resistência para cursar Artes Visuais, um dos motivos


desta relutância era porque eu compreendia que ter um diploma de Artes servia
apenas para se tornar professor de Artes na escola. Para mim, ser professor ou
frequentar novamente uma escola era algo que eu evitaria ao máximo. Sempre tive
dificuldade em me comunicar, apresentar minhas opiniões e cumprir obrigações; a
escola para mim era um desafio diário. Meus pais são professores, por isso
acompanhei de perto um lado B do mundo escolar. Um acúmulo de experiências
negativas, tornaram-me avessa à educação-formal. Todavia, não cabe a este trabalho
relatar ou criticar a educação, os professores ou a escola, este trabalho é sobre
minhas experiências no meu processo de ensino e aprendizagem, por isso inicio este
capítulo afirmando que entrei na faculdade de Artes com receio de me tornar uma
professora.

No decorrer do primeiro ano da faculdade, muitos dos meus colegas de curso


se questionavam se optariam pelo diploma de Bacharelado, pelo de Licenciatura, ou
ambos. Para mim estava claro que eu não seguiria com o diploma de Licenciatura. As
disciplinas daquele ano se alternavam entre disciplinas teóricas e práticas. No início,
eu não me sentia pertencente à faculdade e não tinha afinidade com o curso, a ideia
de desistir dele chegou a vaguear pela minha mente; no entanto, eu me propus a
persistir por dois anos. Meu primeiro ano foi intenso, pois em maio a Unesp aderiu a
uma greve que durou meses, o que implicou em estender o calendário acadêmico.
Após breves férias de duas semanas nos meses de dezembro e janeiro, voltamos
para concluir o primeiro ano de Artes Visuais e em seguida iniciar o segundo ano.
69

A greve, a desorganização dos trabalhos e o atraso no calendário, tão atípicos


da minha costumeira rotina, poderiam ter me assustado e me persuadido a desistir da
faculdade de Artes, porém aquele caos foi algo positivo para mim. Eu passei minha
vida toda com regras e o tempo organizado por calendários inflexíveis, a escola, o
cursinho, tudo tão rígido, que aquele momento de desordem foi um momento que eu
pude assentar os meus pensamentos e começar a absorver a experiência que eu
estava vivenciando. Aceitar o imprevisível e aprender com ele.

O segundo ano da faculdade de Artes38 foi o mais produtivo, nele me aprofundei


nas práticas de Cerâmica na disciplina de “Linguagem Tridimensional I” com a
professora-doutora Lalada Dalglish. Meu interesse pela Cerâmica me estimulou a
procurar por mais conteúdos sobre esta linguagem, o que me fez conhecer outros
cursos de Cerâmica, professores e novas didáticas. Chegou um momento em que eu
compreendi que dar aulas e ser professor dependeria de diversos fatores, e que
poderia vir a ser uma atividade aprazível. Nisto, tomei a decisão em cursar as
disciplinas de licenciatura.

Apresentar estes relatos que tratam desde a relutância ao cursar Artes Visuais,
seguida da percepção até a absorção, justifica-se porque resultam na afirmação da
experiência. Assim como no primeiro capítulo deste trabalho defendo que o Narrador
de Walter Benjamin é aquele que narra suas experiências, meu processo de
aprendizagem e ensino também são efeitos das minhas experiências. Buscando
entender o pertencimento das minhas poéticas artísticas como experiências para a
Arte e Educação, migro minha pesquisa para o livro “Arte como experiência” do
educador e filósofo John Dewey.

A experiência segundo o autor descende dos “sentidos” da criatura viva. Os


sentidos compõem-se por: “o sensorial, o sensacional, o sensível, o sensato e o
sentimental, junto com o sensual.”. (DEWEY, 2010, p.88). O ser humano consciente
de seus sentidos, relacionando-os com o espaço, o seu cenário, e o tempo,
organizador das transformações e fluxos, cria a experiência. “A experiência é o
resultado, o sinal e a recompensa da interação entre organismo e meio que, quando
plenamente realizada, é uma transformação da interação em participação e

38
Em 2015.
70

comunicação.”. (DEWEY.2010. p.88).

Ao iniciar este capítulo, escrevi um pouco sobre a minha resistência à faculdade


de Artes Visuais. Todavia, para ter ingressado na faculdade, obviamente, existiu um
fator de afinidade a esta área maior que o meu preconceito. Este fator foi minha
vontade de interagir e me aprofundar com a sensibilidade estética e transformar
minhas ideias criativas do plano mental, imaginário, para o físico: Criar com as mãos.
J. Dewey, afirma que a Arte é uma experiência consciente, fértil, ela é fruto da nossa

inteligência organizada integrada ao uso de materiais e energias da natureza. “A Arte,


portanto, prefigura-se nos próprios processos do viver.” (DEWEY. 2010. p.92). Ela é
a nossa confirmação de existência.

Minha dedicação à prática da Cerâmica me levou a investigar e experimentar


diversas técnicas, chegando a um momento em que eu me sentia confiante com
minha forma de trabalhar a Cerâmica. Em 2016, durante o meu terceiro ano da
faculdade, fui informada que a professora de Cerâmica da UNATI (Universidade
Aberta à Terceira Idade) estava precisando de uma assistente, prontifiquei-me a me
tornar assistente da professora, pois aprender a ensinar Cerâmica poderia vir a ser
uma nova forma de me relacionar com ela.

Imagem 43: Abertura da exposição anual da UNATI, 2016.


71

Segunda-feira, das 14h às 17h, o ateliê de Cerâmica ganhava vida. A


escrivaninha do ateliê, que normalmente ficava cheia de tralhas, era esvaziada e
limpa. As canetas, papéis e livros, eram substituídos por uma toalha de mesa azul
com rendas. Uma chaleira, um pacote de café solúvel, algumas caixinhas de chá,
bolachas recheadas e biscoitos de polvilho eram retirados de uma caixa transparente
e postos sobre a mesa. Assim, iniciava-se a Oficina de Cerâmica da UNATI. Com a
mesa posta, organizada para o “Café da Tarde”.

Com o tempo, notei que a Cerâmica e a comida sempre se acompanham em


ateliês de Cerâmica. O ritual do “Café da Tarde” é um fator comum na maioria dos
espaços de oficinas Artesanais. Hoje, entendo esta prática como fundamental para a
aprendizagem, pois ela relaxa os alunos e os faz terem prazer pelo momento. Muitas
pessoas são sozinhas, precisam de interação social e se sentem acolhidos quando
partilham este tempo. É na “Hora do Cafezinho” que todos se conhecem.

A Unati de 2016 era composta por 10 alunos, todos vinham de várias parte da
cidade participar da aula. A professora, na época, era a Flavia Leme e já na primeira
aula ela propôs uma atividade para os alunos desenvolverem. Ela passou uma poesia
a respeito do pássaro João de Barro e os instruiu a criarem livremente com a argila,
algo inspirado no poema. Minha função era auxiliá-los na parte técnica da Cerâmica.
É muito difícil fazer Cerâmica sem conhecer suas técnicas. A argila costuma secar
quando desprotegida e toda a umidade dentro dela evapora, virando uma frágil pedra
compacta. Neste processo de secagem da argila, deve-se obrigá-la a secar
lentamente, para que ela não deforme, quebre ou desmorone. O barro é uma matéria
completamente orgânica, além de sua composição, todo e qualquer contato com ele
o modifica e o afeta. Isto posto, para trabalhar com a Cerâmica, aprender e dominar
algumas técnicas são fundamentais.

No decorrer dos meses alguns alunos modelavam passarinhos, outros faziam


a casa do João de Barro. Tudo estava tranquilo. Eu gostava de instruir, criar um laço
com quem eu auxiliava e assistir a todos trabalhando a argila juntos. Além do apoio
técnico, a Flavia dava o apoio poético aos alunos, instigando-os a pensar na forma,
na ideia, na Arte. Um dia, ela me procurou e me perguntou se eu gostaria de assumir
a turma como professora. Flavia estava escrevendo o doutorado e seu compromisso
com ele já não comportava outras atividades. Eu respondi que tentaria assumir a
72

turma, mesmo com pouco preparo e ela me deu apoio dizendo que estava confiante
que eu me sairia bem.

Assim, eu assumi o posto de professora de Cerâmica da UNATI.

Terminar o primeiro semestre foi tranquilo, porque meu trabalho foi concluir o
semestre da professora Flavia Leme. Contudo, no próprio semestre eu que deveria
propor uma atividade e ensiná-los.

Como minhas experiências contribuiriam para a Educação de pessoas que tem


muito mais experiências que eu?

No primeiro semestre observei que entre os alunos da UNATI existia diferentes


níveis de experiência com a Cerâmica. De um lado, havia um grupo de alunos que só
pegaram um pedaço de barro quando crianças e, de outro, um grupo daqueles que já
faziam pArte das atividades de Cerâmica da UNATI por mais de 5 anos. Ao invés de
ensinar o básico aos que não conheciam Cerâmica e auxiliar em projetos já em
andamento dos alunos mais experientes, eu quis propor uma atividade em que todos
fizessem juntos.

No segundo semestre de 2016, eu estava desenvolvendo o meu projeto da


escultura de Cerâmica, madeira e metal: o “Tsuru39”. E estava conhecendo as técnicas
de paleteado.

Fazendo o paleteado, notei que esta é uma técnica complicada para ensinar.
Porque para paletear a argila, ela deveria estar em ponto de couro40, no qual deve se
compactar a argila até que ela fique bem delgada e delicada. A peça paleteada fina
se torna muito frágil e suscetível a trincas e rachaduras incorrigíveis.

Conversei com a técnica do Ateliê-Laboratório de Cerâmica, Vera Cozani,


sobre a técnica de se fazer paleteado, que existia um grau de dificuldade e que essa
dificuldade faria com que meu Tsuru ficasse mais complexo do que eu gostaria. Com
isto, a Vera lembrou que ela conhecia através da ceramista Lu Leão, uma técnica

39
página 49 , capítulo III.
40
Um dos estágio de secagem da argila, em que ainda está úmida, porém pouco maleável.
73

chamada “Paleteado Falso”, que poderia facilitar meu trabalho.

O “Paleteado Falso” é uma forma de paleteado em que ao invés de usar uma


pedra como apoio para auxiliar na compactação da argila, usa-se um molde de gesso,
já como apoio inteiro para compactar a peça. No paleteado verdadeiro a pedra e a
“paleta” são movidas em um ritmo mecânico dos braços, o gesso no paleteado falso
é um molde fixo na mesa, por isso não é preciso de tanto trabalho para modelar e
compactar a peça.

Imagem 44: O Paleteado Falso, 2016.

Com esta nova técnica produzi minhas penas do Tsuru. Optei pela queima de
Rakú para dar característica às penas, minha intenção era que as penas ficassem
uma variação de tons brancos, cinzas e pretos.

Ao pensar nas minhas vivências e a minha experiência com oficinas de


Cerâmica, eu poderia dar uma oficina focada em um tema ou eu poderia os instruir
para a prática, em que cada um desenvolveria o próprio trabalho e eu ofereceria o
apoio técnico e poético. Por mais que as duas opções pudessem funcionar com os
alunos da UNATI, elas não proporcionariam aos alunos conhecerem o meu trabalho
e minha forma de fazer Cerâmica. Inspirei-me na minha escultura em andamento para
criar aulas que relacionassem as técnicas do meu trabalho atual com meu curso da
74

UNATI. Assim, trabalharíamos juntos, os alunos vendo como eu desenvolvia o meu


trabalho e eles produzindo suas próprias peças com a mesma técnica deste. Assim
sendo, elaborei meu primeiro semestre da Unati: “Paleteado Falso” e “Vivência de
queima Rakú”.

Imagem 45: Vera fazendo o molde do paleteado falso, IA-UNESP, 2019.


75

Imagem 46: Peças da UNATI paleteadas e esmaltadas Imagem 47: Peças paleteadas da UNATI prontas

Imagem 48: Alunas da UNATI: Esmenia, Tânia e Ângela, IA-UNESP, 2016.


76

Imagem 49, 50, 51 e 52: Vivência Queima Rakú. IA-


UNESP,2016

Ensinar uma linguagem com a qual já temos experiência e afinidade se tornou uma
77

atividade estimulante. Meu processo de ensino se relacionou com minhas


experiências e minha própria poética. Em contrapartida, a minha busca para montar
um projeto de aula também ajudou o meu projeto com a minha escultura.

John Dewey escreve a respeito da prática e a experiência estética, que fazem


pArte das nossas vivências, experimentações, investigações e busca. Um dos
exemplos dele é da experiência da pedra que, quando rola, tem uma experiência.

Talvez possamos ter uma ilustração geral, se imaginarmos que uma


pedra que rola morro abaixo tem uma experiência. Com certeza, trata-
se de uma atividade suficientemente "prática". A pedra pArte de algum
lugar e se move, com a consistência permitida pelas circunstâncias,
para um lugar e um estado em que ficará em repouso - em direção a
um fim. Acrescentemos a esses dados externos, à guisa de
imaginação, a ideia de que a pedra anseia pelo resultado final; de que
se interessa pelas coisas que encontra no caminho, pelas condições
que aceleram e retardam seu avanço, com respeito à influência delas
no final; de que age e se sente em relação a elas conforme a função
de obstáculo ou auxílio que lhes atribui; e de que a chegada final ao
repouso se relaciona com tudo o que veio antes, como a culminação
de um movimento contínuo. Nesse caso, a pedra teria uma
experiência, e uma experiência com qualidade estética. (DEWEY, ano,
pp.115-116)

A Pedra no caso sou eu, Mimma. Ela tem dois objetivos: fazer sua obra de Arte
e criar uma oficina de Cerâmica que envolva todos os alunos juntos. No caminho ela
rala, cai e tem uma ideia: ensinar o paleteado. Mas ela encontra uma dificuldade e
não consegue seguir rolando, até que alguém a ajuda a encontrar uma solução: uma
nova forma de fazer o paleteado. Esta solução tem força motora para fazê-la continuar
rolando, até que ela entende que a solução caberia aos seus dois objetivos iniciais:
seu trabalho como artista e seu trabalho como professora.

Estudante, Artista e Professora.

Na tese “DESCOBRIR AS TEXTURAS DA ESSÊNCIA DA TERRA: formação inicial e


práxis criadora do professor de Arte”, a partir de suas experiências tanto como
professora de licenciatura, quanto aluna de um ofício Artesanal, a Cerâmica, a Dra.
78

Profa. Sumaya Mattar de Moraes investiga o modo de ensino de duas ceramistas


tradicionais: Shoko Suzuki e Isabel Mendes da Cunha, buscando o “reencontro da
dimensão humana da Arte-educação“(MORAES, 2007, p1) com o objetivo de
estimular o futuro professor a ensinar e desenvolver novas práticas educativas em
que ele também se sinta ativo no processo de ensino-aprendizagem.

Ao mesmo tempo em que eu dava oficina de Cerâmica para UNATI, eu


também estagiava em uma escola, acompanhando os professores de Artes durante
as aulas do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Durante o estágio percebi que o
papel do professor de Arte na escola estava muito mais focado em datas
comemorativas, projetos interdisciplinares e eventos culturais da escola, do que o
ensino de Arte. No capítulo “O OFÍCIO REINVENTADO: professores de Arte em
formação”, a autora disserta a respeito da apreensão dos futuros professores a
encararem suas responsabilidades para com os alunos e as aulas. Este receio origina-
se principalmente de experiências ruins durante estágios, alunos que não respeitam
nem a aula nem o professor, “descompasso entre as experiências com a Arte que
vivenciavam dentro e fora do curso de licenciatura e as práticas pedagógicas
escolares” (MORAES, 2007, p230) e a desvalorização das Artes no currículo escolar.

Essa desvalorização do professor de Artes no ambiente escolar me fez


valorizar mais meu papel como professora de Cerâmica na UNATI. Meus alunos,
assim como os alunos da minha vivência como estagiária, um dia foram
negligenciados pela educação escolar de Artes. Notei que muitos deles eram
inseguros na modelagem e que existia uma ânsia por uma prática Artesanal. Meu
papel como professora de Cerâmica era maior do que ensinar uma técnica a eles, era
de dialogar a respeito do fazer artesanal deles e incentivá-los a criar sua linguagem
poética.

No segundo semestre de 2017, completou o ciclo de um ano como professora


de Cerâmica da terceira idade e meu desejo para o curso naquele semestre era de
desenvolver um trabalho em conjunto com os alunos, para unir a sala num coletivo,
em que todos teriam possibilidade de participar equitativamente. Minha intenção
também era de aproveitar o projeto para incluí-lo neste trabalho de conclusão de
curso.
79

Na primeira aula do semestre, conversei com eles a respeito do meu processo


criativo, contei a eles o motivo do meu trabalho artístico ter relação com a natureza e
os animais. Pela primeira vez narrei minha história de vida com a Cerâmica41, eu
queria que eles entendessem como funciona o meu processo criativo para que eles
também desenvolvessem os deles.

Naquele ano da UNATI, eu tinha 15 alunas. Todas mulheres e todas entre 60


a 70 anos. A maioria já aposentadas que procuravam cursos para manterem-se em
atividade. No ateliê ainda tinham alunas que já tinham prática com a Cerâmica e
outras que estavam fazendo as primeiras experimentações com o barro. Quando eu
estava montando as aulas do semestre, lembrei de uma das minhas alunas: Diva, que
me pediu para que eu a ensinasse a fazer um animal. Pensando neste pedido,
comecei a imaginar que seria muito interessante se cada um dos meus alunos
desenvolvessem uma “criatura animalesca” de Cerâmica.

No início de 2017, eu tinha participado de uma oficina de Cerâmica no Sesc


Pompeia, ministrado pela ceramista Máyy Koffler, sobre máscaras de Cerâmica. Nela,
Mayy nos instruiu a fazer uma máscara do meu rosto, só que de forma caricata. Como
se estivesse fazendo careta. Essa desconstrução do rosto na máscara foi uma
atividade que me obrigou a me desprender de uma técnica e pude criar sem ter receio
de que minha máscara pareceria esquisita ou feia. Assim que modelamos a máscara,
a professora nos ensinou onde ocar e furar a massa, como daríamos sustentação à
argila e fazer o acabamento com engobes coloridos.

Esta oficina da Mayy me inspirou a criar minha própria oficina de máscaras.


Assim, propus à UNATI a oficina: “Máscaras de Animais de Cerâmica”.

Nesta oficina de Cerâmica, orientei as alunas a criarem uma máscara com o


rosto de um animal que significasse algo especial para elas. Um animal com o qual
elas se identificassem, admirassem ou até temessem. Também recomendei que cada
uma escolhesse um animal diferente, para que não houvesse cópia. Minha intenção
nessa oficina era que as alunas compreendessem sua identidade Artesanal, criassem
as suas formas de modelagem e apresentassem suas próprias soluções para o

41
Capítulo II, pág15.
80

desafio de construir uma forma. Meu papel era de professora e orientadora.

No processo de constituição do professor, o orientador é, sem dúvida,


um modelo. E disso ele deve ter consciência, já que suas palavras e o
modo como conduz a aula e lida com a própria profissão são
atentamente observados. Aos poucos, felizmente, ele deixará de ser
visto dessa maneira, será mais um parceiro de profissão, mas, até que
isso ocorra, ele também precisa preparar-se para o encontro com seus
alunos. (MATTAR, 2007, p.263)

As alunas deveriam seguir com a modelagem do rosto dos animais livremente,


criando um projeto de como modelariam suas peças e quais técnicas da Cerâmica
utilizariam. O meu papel como professora foi orientá-las nas técnicas da Cerâmica,
conversar a respeito do projeto de cada uma e direcioná-las para a cultivar uma
experiência de qualidade artística integrada à uma poética subjetiva.

Como a Esmênia modelaria seu leão? Por que a Luiza escolheu fazer um coala
e não um urso panda? Qual animal a Diva modelaria?

Estas foram algumas questões que me ocorreram assim que eu iniciei o


semestre. A Esmênia modelou um leão com rosto comprido, pintou com engobe
amarelo e com retalhos de tecidos montou a sua Juba. A Luiza escolheu fazer um
coala porque ela tinha acabado de voltar da Austrália. E a Diva escolheu um bicho-
preguiça porque ela gostava de fazer as coisas no ritmo dela assim como o bicho-
preguiça.

Assim que cada uma foi modelando sua máscara, eu acompanhei o processo
de criação de cada aluna. Todas as máscaras tinham um molde de jornal, que
serviriam de apoio à peça. Iniciamos amassando a argila e fazendo uma placa grossa
que envolvesse todo o molde de jornal. Fazer placas é uma das técnicas de Cerâmica,
eu quis passar para elas uma forma de fazer placas sem o uso da “plaqueira”, que é
jogar a massa sobre a mesa compactando-a e depois esticá-la com um rolo de
macarrão. A placa sobre o molde é a base para a modelagem do rosto do animal.
Todas, então, com seus smartphones pesquisaram seus respectivos animais, e eu as
orientei a desenhar em um papel o animal antes da modelagem. A modelagem foi por
acréscimo de massa e na semana seguinte, elas retiravam o excesso de massa para
81

deixar a obra mais leve e para que não ocorra risco de bolhas de ar dentro da peça.
Esta técnica chama-se ocagem. De parte em parte, cada uma modelou sua máscara.
Para o acabamento/decoração, eu disponibilizei alguns esmaltes e engobes. A
imersão no projeto de máscara foi um trabalho coletivo do grupo, cada um pôs sua
identidade no trabalho, resultando nas figuras da página 82 a 89.

No decorrer do semestre pude entender uma parcela do meu processo de


ensino-aprendizagem. Trabalhar com a Cerâmica e os alunos em conjunto também
foi uma forma de compreender a Arte-Educação como um diálogo consciente de estar
sempre criando novas experiências.

Quanto à prática da Cerâmica, eu ainda sou um aprendiz, uma pedra que rola,
que um dia pode vir a ser um mestre. Nesta etapa, a melhor defesa do que seria o
meu projeto de licenciatura é a própria produção dos alunos da UNATI. Sendo cada
obra singular e de escolha de cada um.

Imagem 53: Eugênia e Diva, 2017.


82

Imagem 54: Porco da


Rosana

Imagem 55: Antílope da


Rosecler
83

Imagem 56: Coala da Luiza

Imagem 57:Naja da
Shirley
84

Imagem 58: Coelho da


Salime

Imagem 59: Gato da Vilma


85

Imagem 60: Gato da


Silvia

Imagem 61: Ovelha da Silvia


86

Imagem 62: Cavalo da


Marcia

Imagem 63: Bicho-Preguiça da


Diva
87

Imagem 64: Girafa da Teresinha

Imagem 65: Jacaré da Ângela


88

Imagem 66: Leão da Esmênia


89

Imagem 67: Quimera da Carmen


90

Capítulo V- Lista de Obras

Mimma Ito
Furusato
28cmx ø16cm
2008
Cerâmica de Alta temperatura
91

Mimma Ito
Vaca I (detalhe)
17cmx 10cmx 6cm
2015
Cerâmica Rakú
92

Mimma Ito
A Vaca
1,2mx 0,80mx 0,75m
2016
Cerâmica de alta
temperatura
93

Mimma Ito
Masuko Tsuru
Instalação
2017
Cerâmica Rakú e Queima
Primitiva com Sal
94

Mimma Ito
Tigela de Cinzas
17cmx 8,5cm
2019
Cerâmica de queima á
Lenha Smokeless
95

Mimma Ito
Sem Título
25cmx 25cm
2019
Cerâmica de queima á Lenha
Smokeless
96

Mimma Ito
Kin
15cmx 10cm
2019
Cerâmica de queima á Lenha
Smokeless
97

Mimma Ito
TEMMOKU
10cmx 7cm
2019
Cerâmica de queima á Lenha
Smokeless
98

Considerações Finais

“Mimma no Monogatari” é uma coletânea autobiográfica em que a Cerâmica se


relaciona tanto no meu fazer poético quanto no meu processo de ensino-
aprendizagem. Nas minhas narrativas influencio-me intensamente nas minhas
memórias de infância. Em algumas passagens, também, cito sucintamente a palavra
sincronicidade.
A Sincronicidade é um conceito empírico estudado por C. G Jung, sobre alguns
acontecimentos que são chamados de simultaneidade significativa, coincidência ou
acaso. Seu princípio afirma que acontecimentos acausais tem conexão simultânea
com acontecimentos significativos. Eu compreendo a sincronicidade como
manifestações externas das experiências do nosso inconsciente.

[...]o conceito geral de sincronicidade, no sentido especial de


coincidência, no tempo, de dois ou vários eventos, sem relação causal,
mas com o mesmo conteúdo significativo [...], significa, em primeiro
lugar, a simultaneidade de estado psíquico com um ou vários
acontecimentos que aparecem como paralelos significativo de um
estado subjetivo momentâneo e, em certas circunstâncias, também vice-
versa. [...] (JUNG., 1971, pg 35)

O fato de estar escrevendo um trabalho de cunho empírico me deu


oportunidade de explorar as veias da minha poética e apresentar fatores
incompreensíveis às minhas histórias, creio eu, dando-lhe maior significado artístico.
Dito isto, deparo-me com um novo acontecimento de sincronicidade que se
manifestou enquanto eu elaborava este capítulo final do trabalho, que compartilho a
seguir:

Kikuneri: o Amassar do Crisântemo

A afirmação “A Cerâmica tem memória” é um bordão popular nas aulas de


Cerâmica e eu considero-a completamente factual, pois durante meus 5 anos imersa
99

na prática da Cerâmica, constato que toda nossa interação com ela, desde o
manuseio da argila à queima, manifesta-se na Cerâmica.
Mas como uma “coisa” vinda de um pedaço de barro, pode criar lembranças?
Ela não é uma “Criatura Viva” de Dewey, que cria experiências como pArte do instinto
de estar vivo. Nem um tipo de ameba que cria sinapses sem ter um cérebro...
Contudo, ao afirmar que a Cerâmica tem memória, eu posso afirmar também
que ela tem experiências?
Sim, a Cerâmica tem memória e através de sua memória, que ela nos transmite
a experiência.
Quando modelamos a massa argilosa, ela absorve todas as nossas interações
com ela e ainda nos denuncia depois de queimada. Sempre vamos notar linhas das
nossas digitais impressas sobre o objeto cerâmico, ou um pequeno risco de seu molde
ou em até mesmo na desproporção na espessura da parede da peça torneada. Isto
é, toda nossa interação com a argila fica gravada no processo de sua modelagem e
se acentuada durante a queima. Provas comuns desta memória são as pequenas
rachaduras nas peças, alguns desníveis em sua parede e até mesmo pequenas
explosões que ocorrem por conta das bolhas de ar, resultado da negligência do autor
da obra.
Na Cerâmica, é regra amassar a argila antes de começar a trabalhar nela. O
ato de amassar a argila tecnicamente, ajuda a compactar a massa, evitando com que
haja bolhas de ar dentro dela. Em termos de conhecimento, amassar também é um
treino, quase meditativo, em que organizamos a nossa intenção criativa com o barro.
Existe uma técnica japonesa de amassar argila que a medida que
pressionamos o barro, ela se abre em forma de espiral e conforme aumentamos a
nossa pressão sobre ela, ela se embrulha até ganhar um formato cônico. Este tipo de
amassado nos exige dançar harmoniosamente com a argila, pois todo corpo
movimenta-se conforme o amassar. Não são só as mãos que se movem para
pressionar a massa, esta técnica também impõe a posição correta das pernas, exige
postura e movimentos rítmicos para balançar do corpo.

Quando aprendi este tipo de amassado, eu fiquei encantada com a forma


espiral em que a argila se estruturava, era como se eu estivesse modelando um casco
100

de caracol. A partir do seu eixo até sua ponta, a argila formava um desenho circular
que parecia a forma do infinito.

Enquanto eu fazia minha pesquisa para finalizar este trabalho, fiquei surpresa
ao descobrir que na língua japonesa, o nome deste amassado em espiral chama-se
Kikuneri-菊練り. Kiku significa crisântemo e Neri significa amassar e treinar.

Kiku é uma flor que eu tenho especial ligação afetiva, pois representa muitas
memórias felizes da minha infância. Shion era o nome do tipo de crisântemo que
florescia em casa, sua flor era lilás com o miolo amarelo e eu tinha o costume de
colhê-lo enquanto brincava nos jardins da minha família. Quando descobri o termo
Kikuneri, fiquei comovida pois além dele me remeter à minha infância, algo que eu
ressalto como pArte da minha narrativa, ele também poderia se encaixar como um
conceito para a conclusão deste trabalho.

Imagem 66: Flor de Shiom, o crisântemo azul

Esta monografia forma-se pela coincidência das minhas experiências guiadas


pelo eixo da Cerâmica, do mesmo jeito em que as pétalas formam o crisântemo.
Ao amassarmos a argila em espiral, as marcas das nossas mãos ficam
impressas no barro, sobrecarregando a argila de memórias. Estas impressões
sobrepostas, formam as pétalas do crisântemo, cada uma na qual criou-se uma
memória. Estas memórias, ou pétalas reunidas se constituem nas várias experiências
que compõe este trabalho autobiográfico como: as experiências narrativas,
experiências práticas, experiências culturais, experiências artísticas e experiências
101

educacionais. São estas experiências que formam a flor de crisântemo de barro e


compõe tanto a escrita deste TCC, quanto minha pesquisa pessoal com a Cerâmica.
Na técnica kikuneri, a dinâmica final da argila ocorre quando ela se envolve em
torno de seu eixo, cada pétala agarra-se sobre a outra, formando um cone similar a
uma semente. Deste modo, concluo que esta tese é a própria semente de argila
formada a partir da condensação de suas pétalas modelada pelas minhas vivências
em Arte e a semente é a potência do que este trabalho pode vir a ser no meu futuro
após estes 6 anos de graduação.

Imagem 67: A argila amassada em Espiral- Imagem 68: A semente de Kikuneri


Kikuneri
Este trabalho de conclusão de curso, reúne minha poética na Arte que caminha
atrelada à minha pesquisa da Cerâmica. Nele eu quis expressar todos os meus
processos criativos, que me levaram a construção de esculturas, instalações e
utilitários em Cerâmica.
No começo, minha pesquisa em Cerâmica e minha identidade artística, não
tinham a intenção de estar tão entrelaçadas à cultura japonesa. Minha cultura era algo
tão presente em mim, que eu quis me distanciar, mas ao me apaixonar pela Cerâmica
eu aprendi a abraçar a minha identidade cultural. Quando construí a escultura da vaca,
por exemplo, eu não tinha nenhuma intenção de que ela apresentasse algum vestígio
102

da minha ancestralidade, mas um acontecimento acausal, que foi a rachadura na


obra, me fez recorrer a técnica do kintsugi e entender o conceito do wabi-sabi.
Situações como este exemplo, me fez perceber que estes conceitos em um mundo
ocidental, compunham minha potência artística.
Com isto, compreendi que para concluir a minha graduação de Artes, eu
deveria valorizar o meu trabalho como artista e ceramista. Expressando, a partir de
narrativas e memoriais descritivos, as minhas influências criativas pertencentes ao
meu contexto cultural.
Ao entrar em contato com a Cerâmica tradicional japonesa, percebi que nela
há discussões sobre a força artística dos esmaltes e do barro em relação ao seu tipo
específico de queima de alta-temperatura. Atualmente, minha pesquisa está
fortemente ligada às queimas de alta temperatura e a expressão da Cerâmica em
contato com o fogo. Provavelmente, minhas investigações futuras continuarão
pertinentes às potências da Cerâmica e o fogo.
Porém, somente as minhas vivências poderão construir o que a Arte e a
Cerâmica, futuramente, se manifestarão por mim.
O mundo-cerâmico presente nestas páginas é menor que um grão de sílica
neste universo da Cerâmica, este grão vítreo compõe minha autobiografia e trabalho
de conclusão de curso. Tendo a intenção de ser “A narradora” das minhas
experiências com a Cerâmica e a Arte, que neste trabalho compreendem-se uma na
outra.
Como a argila que se fecha em si ao ser amassada, concluo minhas considerações
finais e este trabalho como uma semente de Kikuneri, a se semear.
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Imagem 69: Semear

FIM
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