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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

ISADORA DANTAS CARMO MAGALHÃES ALVES

DEMOCRACIA E DIREITO À INFORMAÇÃO NA ERA DA PÓS-VERDADE:


COMO A UTILIZAÇÃO DE FAKE NEWS AMEAÇA O ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Florianópolis
2019
ISADORA DANTAS CARMO MAGALHÃES ALVES

DEMOCRACIA E DIREITO À INFORMAÇÃO NA ERA DA PÓS-VERDADE:


COMO A UTILIZAÇÃO DE FAKE NEWS AMEAÇA O ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Direito, da Universidade do Sul de Santa
Catarina, como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Danielle Maria Espezim dos Santos, Dra.

Florianópolis
2019
À minha vó Célia e à minha mãe Rosa, a
mulheres mais fortes que eu conheço, por
me mostrarem amor incondicional, e ao
meu pai Márcio e meu tio Cau, por serem
os dois melhores pais que eu poderia ter.
AGRADECIMENTOS

Inicialmente, impossível não agradecer à minha mãe pela toda paciência,


zelo e amor incondicional. Sou muito grata por todos os esforços que fizera para eu
chegar aqui, bem como pela paciência que tivera nesse último ano de faculdade,
com uma filha em período de exame de ordem e conclusão de curso, sempre
oferecendo colo e conforto nas horas que mais precisei.
Ainda, agradeço a toda a minha família, em especial à minha vó Célia,
meu tio Cau e meu pai, por todo apoio, amor, e suporte que me deram. Sem dúvida
vocês são minha base de caráter.
À minha orientadora Danielle Maria Espezim dos Santos, gostaria de
agradecer pela paciência e orientação neste trabalho. Obrigada por abraçar com
tanto carinho esse projeto, me auxiliando no entendimento de situações tão básicas,
mas que em diversos momentos pareciam tão incompreensíveis. E, finalmente,
obrigada pela amizade e compartilhamento de ideias, não só no âmbito acadêmico,
ao longo dos semestres.
Por fim, gostaria de agradecer a meus amigos, tanto os da minha terra
natal como os que eu fiz desde o momento que cheguei à Florianópolis, bem como
aqueles que a faculdade me trouxe, tornando-se verdadeiros irmãos ao longo
desses cinco anos. Sem a torcida, apoio e compreensão de vocês os momentos de
dificuldade seriam muito mais complicados do que foram. Obrigada por acreditarem
em mim quando eu desacreditei, por me incentivarem a não desistir diversas vezes,
tornando esse caminho um pouco mais fácil. Aos meus irmãos que a faculdade me
trouxe: foi uma honra passar esses 5 anos compartilhando a vida diariamente com
vocês.
“Seria sensato acreditar que um movimento que vem de tão longe possa
ser suspenso pelos esforços de uma geração? Alguém acredita que, depois de ter
destruído o feudalismo e vencido os reis, a democracia recuará diante dos
burgueses e dos ricos? Irá ela se deter agora, que se tornou tão forte e seus
adversários tão fracos?” (Alexis de Tocqueville).
RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo analisar o impacto das fake news e a era da
pós-verdade no Estado Democrático de Direito, para ao final apresentar uma
resposta ao problema de pesquisa que consiste na existência ou não de um risco á
democracia por parte destes dois fenômenos supramencionados. A pesquisa se
utiliza da metodologia de pensamento dedutivo, por meio da natureza qualitativa,
com procedimento monográfico através da documentação indireta utilizando-se
doutrina, textos jornalísticos e jurisprudência. O primeiro capítulo contém a
introdução. O segundo capítulo destina-se à conceituação de Estado e Democracia,
a fim de pontuar a evolução histórica do conceito de Estado até sua firmação como
Estado Democrático de direito, e a verificação da manutenção da Democracia na
sociedade atual. O terceiro Capítulo apresenta o Direito à Informação como direito
fundamental, demonstrando sua ligação direta com os pilares democráticos. O
quarto Capítulo analisa o fenômeno das fake news dentro do Estado Democrático de
Direito, a fim de verificar se sua propagação apresenta um risco para a manutenção
deste Estado Democrático de Direito. Ao final, a pesquisa concluiu que a
propagação de fake news é um dos fatores que fomentam a descrédito do Estado
Democrático de Direito e demais instituições democráticas frente à população,
levando os cidadãos a questionar sua validade e funcionamento, oferecendo risco à
sua manutenção.

Palavras-chave: Democracia. Fake News. Pós-Verdade. Estado Democrático de


Direito
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................9
2 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DEMOCRACIA................................11
2.1 CONCEITO DE ESTADO..................................................................................11
2.1.1 Estado de Direito e Estado Democrático de Direito...................................13
2.2 CONCEITO DE DEMOCRACIA.........................................................................16
2.2.1 A Democracia nos tempos atuais................................................................18
2.2.2 Das promessas não cumpridas da Democracia.........................................19
3 DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO.....................................................22
3.1 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E SUA
ESTRUTURA GERAL COMO DOCUMENTO JURÍDICO-POLÍTICO GARANTISTA22
3.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS...............................................................................25
3.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CLASSIFICAÇÃO E CARACTERÍSTICAS........29
3.4 DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO COMO PRESSUPOSTO
DEMOCRÁTICO.........................................................................................................32
4 FAKE NEWS COMO UM DOS FATORES DE CRISE DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO....................................................................................36
4.1 FAKE NEWS E A ERA DA PÓS-VERDADE......................................................36
4.2 FAKE NEWS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO..............................42
5 CONCLUSÃO......................................................................................................49
REFERÊNCIAS.........................................................................................................52
9

1 INTRODUÇÃO

Com o advento da internet e dos avanços do meio de comunicação, a


sociedade inseriu-se na chamada era da informação, caracterizada pela quantidade
e rapidez de disseminação de informação, onde qualquer um nela inserida possui o
direito de se informar e disseminar informação. Entretanto, neste contexto, perde-se
um pouco o controle de veracidade destas informações, fazendo surgir a chamada
“era da pós-verdade”, chegando num determinado nível em que ou não se sabe a
procedência da informação ou são criados meios de verificação de veracidade em
relação à informação dissipada.
Assim, seguindo a linha de pesquisa em Justiça e Sociedade, o estudo
em questão indaga: A utilização de fake news apresenta um risco ao Estado
Democrático de Direito? Destarte, para desenvolver este trabalho, tem-se como
objetivo geral avaliar o Direito à Informação como pilar fundamental para a
manutenção do Estado Democrático de Direito. Compondo os objetivos específicos,
são eles: diferenciar Estado de Direito de Estado Democrático de Direito e
conceituar Democracia; compreender o Direito à Informação quanto a sua dimensão
no rol de Direitos Fundamentais e sua aplicação dentro do Estado Democrático de
Direito, como pilar fundamental para manutenção da Democracia e analisar o
fenômeno das fake news dentro das democracias atuais e como estas podem ser
prejudiciais para os princípios democráticos.
O método utilizado é o de pensamento dedutivo, por meio da natureza
qualitativa, partindo da verificação do conceito do direito à informação dentro do
Estado Democrático de Direito para atingir o objetivo de analisar o surgimento das
fake news e como estas lesam tal garantia constitucional. Já o método de
procedimento é o monográfico, cuja técnica de pesquisa se da através de
bibliografias, a partir da leitura de doutrinas, livros e artigos e teses.
O presente trabalho está disposto em cinco Capítulos, sendo o primeiro
esta presente introdução. O segundo capítulo é destinado à conceituação de Estado
e Democracia, bem como pontuar a evolução histórica do conceito de Estado até o
Estado Democrático de direito, bem como a verificação da manutenção da
Democracia na sociedade atual. O terceiro Capítulo apresenta o Direito à Informação
como direito fundamental, reverberando sua ligação direta com os pilares
democráticos. O quarto Capítulo atem-se a analisar o fenômeno das fake news
dentro do Estado Democrático de Direito, bem como verificar se sua propagação
apresenta um risco para a manutenção deste Estado Democrático de Direito. O
quinto Capítulo compreende a conclusão.
2 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DEMOCRACIA

Procurar entender o elo entre Estado Democrático de Direito e


Democracia consiste em analisar a evolução histórica do surgimento do Estado de
Direito, figurando como um Estado subordinado ao cumprimento da Lei, até a sua
estabilização como Estado Democrático de Direito, fundado em ideias de liberdade,
igualdade e dignidade da pessoa humana e, assim fazendo da Democracia o seu
componente revolucionário, ao firmá-la como regime.
Assim, neste capítulo, será apresentado o conceito de Estado, e sua
evolução histórica até ser firmado o Estado Democrático de Direito. Ainda, será
trabalhado o conceito de Democracia e sua relação direta com o Estado
Democrático de Direito, bem como o seu funcionamento e manutenção dentro do
contexto atual.

2.1 CONCEITO DE ESTADO

A ideia de Estado como forma de organização política sempre esteve


presente entre os cidadãos desde os primórdios do que conhecemos como
sociedade organizada (BONAVIDES, 2000)
Com o surgimento da polis grega, tem-se o conceito de Estado figurando
como uma personificação de vinculo entre o comunitário com o domínio e o poder,
de uma maneira organizada. No entanto, cabe ressaltar que nem sempre o Estado
fora assim denominado, tampouco expressou esta mesma realidade, surgindo na
Idade Média a ideia de Estado como forma de organização necessariamente
territorial (BONAVIDES, 2000, p. 73).
Para Luiz Roberto Barroso (2010), o modelo constitucional que começaria
a se formar como Estado Moderno surge após a idade média, tornando-se unificado
e soberano. Afirma, ainda que antes do Estado consolidar-se em tal forma, houve a
existência de uma fase intermediária, entre o seu conceito Moderno e a Idade Média,
chamada de “Estado Patrimonial, onde em alguns países teria sucedido o
feudalismo, na virada do século XVI, e antecedido a centralização total do poder”.
Nessa disposição, “ainda se confundem amplamente o público e o
privado, o imperium (poder político) e o dominium (direitos decorrentes da
propriedade), a fazenda do príncipe e a fazenda pública” (BARROSO, 2010). Assim,
recaia sobre o príncipe, o clero e os ricos desfrutarem das imunidades e privilégios.
Foi apenas com o advento das ideias iluministas e racionalistas que
houve a retomada da separação entre público e privado, consolidando-se assim a
Estado Liberal, marcado pela “luta pela liberdade, a ampliação da participação
política, a consagração econômica da livre iniciativa, o surgimento da opinião
pública, dentre outros fatores”, sendo então, somente após a Primeira Grande
Guerra é que surge o Estado Social, caracterizado pelo intervencionismo estatal,
rompendo com o equilibro entre o público e o privado, e tornando-se “instrumento da
sociedade para combater a injustiça social, conter o poder abusivo do capital e
prestar serviços públicos para a população” (BARROSO, 2010).
Assim, conforme Barroso (2010), esse Estado de bem-estar social
começa a perder visibilidade por volta dos anos 80, com a crescente popularidade
dos ideias neoliberais, caracterizado pelo Estado mínimo, figurando como “a
ideologia da pós-modernidade, um contra-ataque do privatismo em busca do espaço
perdido pela expansão do papel do Estado”.
Para Noberto Bobbio (1990, p. 179), o Estado Moderno possui três
funções principais, quais sejam: a) ter dinheiro para gastar; b) que o Estado consiga
resolver os conflitos nascidos dos novos direitos e novos deveres e c) que o Estado
possa valer-se da força para conseguir dissolve-los, nem que seja em último caso.
O Estado, então, nasceria da força e sobreviveria dela, pois num mundo
de Estados a lei que prevalece é a lei do mais forte, sintetizando nele a maior
concentração de força existente dentro de um limite de território (BOBBIO, 1990).
Conforme ensina Jose Joaquim Canotilho (1999), deve-se entender
Estado como um conceito de domínio político, sendo ele um sistema processual e
dinâmico.
Outrossim, conforme ensina Paulo Bonavides (2000), o conceito de
Estado é explicado frente a diversas formas de acepção de Estado, dentre elas a
filosófica, a jurídica e a sociológica.
Na primeira acepção, surge a figura de Hegel definindo como Estado um
todo ético organizado por excelência, representando a “realidade da ideia moral”. Já
a acepção jurídica, protagonizada por Kant, preocupou-se em definir o conceito de
Estado apenas pelo prisma jurídico, conceituando-o como “reunião de homens
vivendo sob as leis do Direito”. Por fim, na acepção sociológica, fixa-se o Estado
como coletividade caracterizada pela diferenciação entre fracos e fortes – ou entre
governados e governantes - onde o mais forte impõe sua vontade ao mais fraco
(BONAVIDES, 2000).
Assim, conclui-se que o conceito de Estado forma-se através dos
elementos povo, território e poder, sendo então Estado o aglomerado de povo dentro
de um determinado território o qual é dotado de um poder originário mandatário e
político, onde, além de tais elementos, teria a função de prover o mínimo de bem-
estar social para os indivíduos que pertencem à sua jurisdição..

2.1.1 Estado de Direito e Estado Democrático de Direito

Conforme ensina Joaquim José Gomes Canotilho (1999) a ideia de um


Estado fundado no cumprimento do direito teve sua origem nos países ocidentais,
inicialmente na Inglaterra sob o nome de Rule of Law e se difundindo pelo restante
da Europa, para só depois alcançar a América por intermédio dos Estados Unidos.
Afirmar que um Estado de Direito é um governo de leis é admitir a
subordinação do poder estatal à supremacia de uma Constituição. Assim, o Estado
de Direito é domesticado pela não desigualdade na aplicação do direito, onde sua
firmação baseada apenas na lei não terá valor se não incorporada ao ideal de
justiça. (CANOTILHO, 1999)
Admite-se a sua relação direta com os direitos e garantias individuais,
respeitando-se os princípios de liberdade e igualdade inerentes a um Estado
Constitucionalizado. Implica em princípios e valores razoáveis para a instauração
de uma ordem humana de justiça e paz, onde impera a liberdade individual,
proibição de discriminação entre os indivíduos e seus grupos, a responsabilização
dos detentores do poder, em relação ao Estado e seus cidadãos, e a
sustentabilidade ambiental. (CANOTILHO, 1999)
A validação desses princípios anteriormente citados se dará com base em
uma soberania popular, estruturado na divisão dos três poderes (executivo,
legislativo e judiciário) - sendo eles independentes entre si. Figura, também, o
principio da segurança jurídica, estabelecendo uma relação de confiança dos
cidadãos para com o Estado, e possuindo uma vinculação multidimensional com
estes elementos. (CANOTILHO, 1999)
Ingo Wolfgang Sarlet (2017) afirma que o Estado de Direito foi marcado
por um desenvolvimento progressivo tão forte que evoluiu ao ponto de Estado de
Direito (Rule of Law) e Estado Democrático de Direito se confundirem em um só,
uma vez que “O Estado de Direito, também tal como consagrado na CF, é,
portanto, sempre um Estado Constitucional e um Estado Democrático, para além
de constituir, no caso brasileiro, um Estado Social e Ambiental, ou Socioambiental,
como aqui assumido”.
Assim, pode-se afirmar o Estado de Direito moderno como este sendo
comprometido com um Estado constitucional, democrático e socioambiental, assim
como a possibilidade de uma publicidade crítica que proporcione o pluralismo de
ideias, e a autonomia da sociedade civil perante o Estado.
Canotilho (1993, p. 66) acrescenta que para um Estado atualmente ser
concebido e entendido como Estado Constitucional Democrático é necessário que
ele seja conformado por uma Constituição e goze de um modelo de legitimação
que se dê através de uma via democrática e nela permaneça.
No Estado Democrático de Direito cuida-se, portanto, de um governo
legítimo e o seu exercício deverá ser democrático em suas diversas formas de
manifestação. Trata-se da legitimação do Estado de Direito e do seu poder político,
radicados na soberania e vontade popular (SARLET, 2017).
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) é explicita
quanto à instituição de um Estado Democrático de Direito, substituindo, assim, a
expressão “Estado de Direito”. De acordo com seu preâmbulo, um Estado
Democrático de Direito deverá “assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade
e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos”. Dito isto, é expressamente enunciado o compromisso com a
harmonia social, a solução pacífica de controvérsias e a firmação da democracia
representativa combinada à participação popular (BRASIL, 1988).
A ideia de Estado Democrático de Direito consagra-se na CRFB/88 como
a junção de constitucionalismo e democracia, onde será dever desta constituição
“veicular consensos mínimos, essenciais para a dignidade das pessoas e para o
funcionamento do regime democrático, e que não devem poder ser afetados por
maiorias políticas ocasionais”, bem como a garantia do exercício de pluralismo
político, como forma de assegurar o funcionamento dos mecanismos democráticos
(BARROSO, 2010).
Ao tratar sobre o Estado Democrático de Direito, Sarlet (2017, p. 294)
afirma:

Tendo em conta que democracia e soberania popular são – também na CF


– umbilicalmente vinculadas, a noção de povo acaba assumindo uma
particular e determinante relevância para a compreensão do conceito
constitucionalmente adequado de democracia. Mas a própria noção de
povo, na condição de conceito jurídico-constitucional que é, necessita ser
devidamente elucidada, especialmente mediante a sua diferenciação de
outras formas de titularidade do poder estatal ou mesmo de noções
correlatas como o de população e cidadania. [...] A soberania popular deve
ser compreendida então nessa dupla perspectiva, significando, em síntese,
que tanto a titularidade quanto o exercício do poder estatal, incluindo a
assunção de tarefas e fins pelo Estado e a realização das tarefas estatais,
podem sempre ser reconduzidas concretamente ao povo, no sentido de
uma legitimação democrática efetiva.

No Estado Democrático de Direito, cuja soberania será exercida nos


limites do seu território, a ideia de povo não se refere à população em si, mas sim
aos cidadãos, a quem são assegurados os direitos e obrigações de participação em
relação as decisões estatais (SARLET, 2017).
Assim, ao instituir de forma explicita o Estado Democrático de Direito
como regime adotado pela República Federativa do Brasil, consolida-se a
organização de uma sociedade pautada na igualdade e no respeito aos direitos
fundamentais, bem como na participação ativa do cidadão no processo de tomada
de decisões – nos termos do Título II da Carta Magna, e não somente no respeito às
leis.
2.2 CONCEITO DE DEMOCRACIA

A fim de chegar a uma definição mínima de o que é uma democracia,


Noberto Bobbio (1986) a contrasta com o despotismo, afirmando que ao contrário ao
governo autocrático, a democracia é:

caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que


estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com
quais procedimentos. Todo grupo social está obrigado a tomar decisões
vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a
própria sobrevivência, tanto interna como externamente. Mas até mesmo as
decisões de grupo são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não
decide). Por isto, para que uma decisão tomada por indivíduos (um, poucos,
muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja
tomada com base em regras (não importa se escritas ou consuetudinárias)
que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões
vinculatórias para todos os membros do grupo, e à base de quais
procedimentos.

Ainda que a democracia goze de uma elevada participação (direta ou


indireta) de cidadãos, ou a existência de regras que estabelecem diretrizes para
tomadas de decisões coletivas, não são o suficiente para a formação de seu
conceito. A consolidação, de fato, da democracia à sua essência é que o Estado
exerça o seu poder dentro dos limites dos direitos invioláveis do indivíduo – como,
por exemplo, direitos de liberdade, opinião, e afins. - sendo estes os “os direitos à
base dos quais nasceu o estado liberal e foi construída a doutrina do estado de
direito em sentido forte, isto é, do estado que não apenas exerce o poder sub lege”
(BOBBIO, 1986).
Cabe diferenciar a definição de uma sociedade pluralista para uma
sociedade democrática, uma vez que a existência da primeira não necessariamente
enseje na segunda. Conforme exposto por Bobbio (1986), temos como sociedades
pluralistas as sociedades medievais, onde existiam diversos núcleos de governo,
configurando um conjunto de oligarquias. Já por sociedade democrática entende-se
a sociedade dos antigos gregos, onde toda atividade política era desenvolvida na
polis, em seu plano exercício de democracia direta.
Dito isto, pensar num ideal democrático é pensar numa sociedade onde
exista a plena representatividade do seu povo através de seus representantes
eleitos a existência de um sufrágio universal periódico, bem como a publicidade das
suas decisões num governo público em público, estabelecendo um elo entre o
governante e o governado, e uma aproximação promovida pelos atos da imprensa
de meios de comunicação, como veículos de massa e diários oficiais (BOBBIO,
1986).
Bobbio (1986), a respeito do seu entendimento de regime democrático,
assevera:

[...] entendo por "regime democrático" o regime no qual o poder supremo


(supremo na medida em que apenas ele está autorizado a usar em última
instância a força) é exercido em nome e por conta do povo através do
procedimento das eleições por sufrágio universal repetidas a prazo fixo
(BOBBIO, 1986, p. 101)

Uma das principais diferenças entre um governo autocrático e uma


democracia é que, diferente do segundo, a democracia atua embasada nos
princípios de livre crítica e expressão de diversos pontos de vistas, que juntos são
capazes de blindar o Estado Democrático de direito de tentativas de ocultamento.
Vale lembrar que, tais princípios são assegurados a partir da publicidade dos atos
públicos, exercendo assim um controle jurisdicional através da policia administrativa
e, garantindo - ou pelo menos tentando garantir - a tutela dos direitos dos cidadãos
(BOBBIO, 1986)
Segundo Paulo Bonavides (2000):

Disse Clemenceau que, em matéria de desonestidade, a diferença entre o


regime democrático e a ditadura é a mesma que separa a chaga que corrói
as carnes, por fora, e o invisível tumor que devasta os órgãos por dentro. As
chagas democráticas curam-se ao sol da publicidade, com o cautério da
opinião livre; ao passo que os cânceres profundos das ditaduras apodrecem
internamente o corpo social e são por isto mesmo muito mais graves.

Imperioso destacar que constitucionalismo e democracia, embora não


carreguem o mesmo significado, não caminham em definições antagônicas, vez que
“ambos se destinam, em última análise, a prover justiça, segurança jurídica e bem-
estar social”, sendo então complementares e apoiando-se dentro do Estado
contemporâneo (BARROSO, 2010)
Assim, necessário concordar que a democracia é, acima de tudo, o
caminho para a progressão e para a liberdade de uma sociedade, conforme ensina
Paulo Bonavides (2000).

2.2.1 A Democracia nos tempos atuais

Ao tratar a democracia Bobbio (1986) opta por observá-la sob um prisma


de transformação, uma vez que a usa "em sentido axiologicamente neutro, sem
associar a ele nem um significado negativo nem um significado positivo”.
Falar de uma transformação da democracia é admitir seus momentos de
altos e baixos. Mesmo que nos tempos atuais não goze de uma estabilidade que lhe
era pertencida, não se sabe se é possível afirmar que ela caminhe rumo a um
colapso eminente.
Segundo David Runciman (2018) a democracia ocidental aparenta estar
passando por uma crise de meia-idade, não só no Brasil como no resto do mundo.
Na visão de Bobbio (1986), esse panorama transformático da democracia
é o seu estado natural, entrando em contraste com o despotismo: enquanto a
democracia é volátil, o despotismo permanece estático e sempre igual a si. Para
ilustrar sua teoria a respeito da transformação da democracia, Bobbio (1984, p.10)
cita o professor Gregorio Peces-Barba, em um debate do II Futuro È Già Cominciato
[O Futuro Já Começou], que, segundo ele, a democracia se apresenta “sob a forma
de "promessas não cumpridas" ou de contraste entre a democracia ideal tal como
concebida por seus pais fundadores e a democracia real em que, com maior ou
menor participação, devemos viver cotidianamente”
Por ser a democracia moderna uma derivação (ou aprimoramento?) da
democracia clássica grega, temos nela a ideia de um exercício de poder com ações
públicas. Na democracia antiga tínhamos a exposição, debate de ideias e tomada de
decisões nos espaços públicos da àgora. Era toda essa publicidade que dava a
superioridade da democracia frente aos estados absolutistas, com suas reuniões
privadas e decisões tomadas dentro de seus luxuosos e secretos gabinetes reais,
longe do olhar crítico e indiscreto dos civis. Dá-se então à democracia à credibilidade
de ser um tipo de governo com um ar de transparência de poder. (BOBBIO, 1986)
Outrossim, Runciman (2018) alega que a democracia sempre esteve fadada a
“passar apenas para as páginas da história”, vez que os problemas atuais da
democracia vão muito além da sua falta de transparência, onde num cenário atual
nos deparamos com teorias da conspiração e certa apatia da sociedade moderna no
tocante a preservação da democracia em seu estado de glória.
A respeito da transparência como fator importante para o exercício
democrático, Bobio (1986) declara:
Se manifestei alguma dúvida de que a computadorcracia possa vir a
beneficiar a democracia governada, não tenho dúvida nenhuma sobre os
serviços que pode prestar à democracia governante. O ideal do poderoso
sempre foi o de ver cada gesto e escutar cada palavra dos que estão a ele
submetidos (se possível sem ser visto nem ouvido): hoje este ideal é
inalcançável. Nenhum déspota da antigüidade, nenhum monarca absoluto
da idade moderna, apesar de cercado por mil espiões, jamais conseguiu ter
sobre seus súditos todas as informações que o mais democrático dos
governos atuais pode obter com o uso dos cérebros eletrônicos.

Assim, tratar da transparência da democracia moderna é reconhecer a


probabilidade da existência de uma falsa sensação de que estamos de fato em uma
democracia transparente, uma vez que o Estado possui muito mais recursos e
instrumentos técnicos a seus dispor para terem conhecimento sobre os
acontecimentos dos cidadãos do que nós, de fato, teríamos sobre os detentores do
poder (BOBBIO, 1986).

2.2.2 Das promessas não cumpridas da Democracia

A percepção da Democracia como promessa de concretização de um


regime de governo próspero, justo e que expresse a vontade popular acende na sua
população a certeza de que essas premissas serão de fato concretizadas. Por
exemplo, ao eleger um representante, espera-se que este irá refletir as aspirações
daqueles que nele votaram a fim de que, dentre outros fatores, crie-se uma
sociedade mais igualitária e justa.
Assim, a Democracia uma vez estabelecida com a forma ideal de governo
moderno, deverá cumprir com as premissas que lhe concedem esse status,
garantindo aos seus representados a composição de uma sociedade mais igualitária
e justa, fazendo com quem seja ouvida e respeitada a voz popular.
Dentro deste contexto, a democracia nos promete o combate às
oligarquias, sendo esta promessa, na visão de Bobbio (1986), a mais perigosa de
todas.
A existência de um governo elitista que prevalece a elite é extremamente
prejudicial para a representatividade popular. A voz do povo acaba sendo calada por
decisões que ignoram seus anseios, além de criar uma alienação que divide o
eleitorado, que nos faz de fato questionar o quão representativa é a nossa
democracia moderna.
Dentro da Democracia, é necessário a implementação de direitos e
garantias individuais, bem como princípios que realizem as aspirações de uma
sociedade democrática, tais sejam: justiça, liberdade e igualdade, a fim de que o
projeto civilizatório democrático cumpra com seu papel essencial (BARROSO, 2010).
Fazendo-se cada vez mais atual, Bobbio (1986), ao trazer à tona a realidades do
voto de escambo e a divisão do eleitorado em passivo e ativo, afirmar ter os
governantes uma preferencia pelo primeiro, vez que “[os governantes] acabariam
prazerosamente por transformar seus súditos num bando de ovelhas dedicadas tão-
somente a pastar o capim uma ao lado da outra”, existindo, então, o conflito que a
extensão do sufrágio a todas as camadas, incluindo as populares, com a não
inclusão de uma educação cívica, faria com que nos tornasse cidadãos apáticos
politicamente falando, acarretando numa diminuição do voto de opinião e
um aumento do voto de permuta.
Assim, para Barroso (2010):
Na configuração moderna do Estado e da sociedade, a idéia de democracia
já não se reduz à prerrogativa popular de eleger representantes, nem
tampouco às manifestações das instâncias formais do processo majoritário.
Na democracia deliberativa, o debate público amplo, realizado em contexto
de livre circulação de idéias e de informações, e observado o respeito aos
direitos fundamentais, desempenha uma função racionalizadora e
legitimadora de determinadas decisões políticas.

No entanto o não cumprimento dessas promessas democráticas não


enseja num sepultamento da democracia e o retorno a um Estado autocrático, uma
vez que a base de um estado democrático (garantia dos principais direitos de
liberdade, existência de vários partidos em concorrência entre si, eleições periódicas
a sufrágio universal e um simples debate entre as partes) continua presente, mesmo
que não num estado tão bom de saúde quanto o que costumavam gozar
anteriormente. Existem diversos graus de democracias, da mais distante a mais
próxima do modelo ideal, mas que em momento algum podem ser confundidas com
um governo totalitário. (BOBBIO, 1986)
Assim, conforme explica Paulo Ricardo Schier (2014, p. 48), é necessário
fortalecer a base democrática, pois na falta desta e “de teorias constitucionais
adequadas, os discursos simplistas podem autorizar a construção de um
constitucionalismo com conteúdo autoritário, com forte carga de voluntarismo ou
solipsismo e déficit de racionalidade”, como no caso de uma deturpação dos direitos
fundamentais, como o direito à informação, gerando um abalo em pilares
democráticos que consequentemente comprometem toda uma ordem democrática
ora estabelecida.
Dito isto, tem-se que um dos caminhos capazes de fortalecer o governo
democrático, garantindo aos seus cidadãos o pleno exercício de deus direito é
através do direito à informação. A livre circulação de ideias e informação dará à
sociedade munição para formar o seu entendimento, possibilitando o
acompanhamento dos acontecimentos em torno de todo o globo, bem como a
verificação do cumprimento das promessas democráticas.
3 DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO

A promulgação da Constituição Federal de 1988 encontra-se muito além


do estabelecimento de um instrumento garantidor de soberania do estado. Ela
consolida um novo movimento político social dentro do Brasil, instaurando
explicitamente um Estado Democrático de Direito, fundado numa séria de princípios
garantidores do bem-estar social e da manutenção do regime democrático, não se
limitando em ditar normas de fundamentação e legitimação de poder.
A dignidade da pessoa humana, o direito fundamental à informação, o
pluralismo político, os valores sociais do trabalho, dentre outros princípios, são um
dos pilares que consagram por vez esse novo momento político-social no país, onde
esses elementos são fundamentais para a manutenção da ordem democrática
instaurada.

3.1 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E SUA


ESTRUTURA GERAL COMO DOCUMENTO JURÍDICO-POLÍTICO
GARANTISTA

Buscar entender a força normativa da Constituição de um país é entender


o contraponto entre Lassale e Hesse.
Para Lassale (1862 apud HESSE, 1991) as questões constitucionais não
se tratam de questões jurídicas, mas sim políticas, uma vez que é através delas que
um Estado, ou país, expressa as suas relações de poder, representadas por meio do
poder militar – na pessoa das Forças Armadas, do poder social – através dos
latifundiários, do poder econômico – personificado na grandes indústria, e por fim do
poder intelectual, através da cultura geral.
Seria então, o conjunto desses elementos que determinaria a força ativa
da Constituição, sendo eles os fatores reais de poder, formando a Constituição Real
do país. A Constituição Jurídica então, para Lassale (1862 apud HESSE, 1991), não
passaria de um mero pedaço de papel, diante da sua incapacidade de se regular à
Constituição Real, uma vez que as questões constitucionais, por serem
intrinsecamente políticas, uma vez que essas forças políticas se alterassem,
pressionariam a Constituição a se alterar também, obrigando-a a seguir seus
ditames.
No entanto, para Hesse (1991), a norma constitucional teria autonomia e
independência suficiente para criar leis e normas gerais, resistindo aos conflitos
políticos existentes. Essas leis e normas seriam dotadas de tal força que seriam
capazes de até mesmo de amortizar essas ideias conflitantes. Assim, na sua
concepção, por mais que existisse, no Estado, um reflexo de seu cenário político-
social tentando moldar a força constituinte, existiria ao mesmo tempo um poder que
se manteria paralelo ao Estado, a fim de evitar com que ele se influenciasse por
completo dentro desse cenário, sendo esse poder a própria Constituição.
Assim, para Barroso (2010):
Em um Estado constitucional existem três ordens de limitação do poder. Em
primeiro lugar, as limitações materiais: há valores básicos e direitos
fundamentais que hão de ser sempre preservados, como a dignidade da
pessoa humana, a justiça, a solidariedade e os direitos à liberdade de
religião, de expressão, de associação. Em segundo lugar, há uma
específica estrutura orgânica exigível: as funções de legislar, administrar e
julgar devem ser atribuídas a órgãos distintos e independentes, mas que, ao
mesmo tempo, se controlem reciprocamente (checks and balances). Por
fim, há as limitações processuais: os órgãos do poder devem agir não
apenas com fundamento na lei, mas também observando o devido processo
legal, que congrega regras tanto de caráter procedimental (contraditório,
ampla defesa, inviolabilidade do domicílio, vedação de provas obtidas por
meios ilícitos) como de natureza substantiva (racionalidade, razoabilidade-
proporcionalidade, inteligibilidade). Na maior parte dos Estados ocidentais
instituíram-se, ainda, mecanismos de controle de constitucionalidade das
leis e dos atos do Poder Público.

Segundo Ferrajoli (apud Schier, 2014), temos no constitucionalismo a


“emergência do Estado de Direito sob o viés positivista”. Assim, as Constituições
desse período se preocupam não somente em se estabelecerem como instrumento
de consolidação da soberania do Estado, mas também como um agente limitador do
poder, definindo normas de reconhecimento do sistema.
Barroso (2010) diz que o constitucionalismo existe como certa limitação
entre o poder e a lei, indicando que o Estado então teria sua ação limitada pelo
previsto na lei constitucional.
Após um cenário de 2ª Guerra Mundial, foi necessário que os países
revisassem o seu modelo de constitucionalismo e suas constituições liberais, uma
vez que, conforme explicado anteriormente, o modelo de Estado Liberal não garantia
que os indivíduos gozassem de certas prerrogativas e direitos, não tendo sido capaz
de protegê-los da ascensão e consolidação de estados totalitários. Tal cenário
configurou, para Barroso (2010), o marco histórico do novo direito Constitucional da
na Europa – no Brasil esse processo apenas se consolidaria com a Constituição de
1988 e redemocratização do país, a qual ela ajudou a protagonizar.
Assim, conforme Paulo Bonavides (2017) logrou-se o cenário de
crescente popularidade do Estado Social em detrimento da decadência do Estado
Liberal, onde o recurso às normas pragmáticas surge como uma tentativa de
reconciliação entre Estado e Sociedade.
Como referência desse desenvolvimento do direito constitucional na
Europa pós-guerra tem-se a Lei Fundamental de Bonn de 1949 (ou Constituição
Alemã), atuando como uma lei de caráter provisório, onde “a partir daí teve início
uma fecunda produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascensão
científica do direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano-
germânica” (BARROSO, 2010).
No Novo Direito Constitucional ou Neoconstitucionalismo tem-se não mais
a emergência de um Estado de Direito, mas sim de um Estado Constitucional pós-
positivista, sob uma fundamentação mais material, preocupado em “estabelecer a
legitimação substancial do direito, das decisões, da política e da comunidade”
(SCHIER, 2014).
Neste sentido, acrescenta Schier (2014, p. 51):
Nesse quadro, veem-se os seguintes fenômenos: (i) maior presença da
constituição em detrimento ela lei; (ii) maior presença do juiz em detrimento
do legislador; (iii) maior participação dos princípios em detrimento das
regras ; (iv) mais ponderação e menos subsunção ; (v) vinculação do Estado
à Constituição como "lirnitação" , mas também corno "prestação" e
legitimação material ; (vi) maior heterogeneidade axiológica dos textos
constitucionais e , logo, mais pluralismo ; (vii) aproximação entre direi.to e
moral ; (viii) ênfase na substância, sem, contudo, o abandono ela forma, cio
procedimento ; e, f inalmente, (ix) eixo teórico fundado na teoria da
argumentação sob perspectiva do pós-positivismo.

Dito isto, a Constituição Federal de 1988 surge como instrumento jurídico-


político garantidor do Estado Constitucional dentro do Brasil.
A Carta Magna brasileira veio para romper o estado autoritário que a
antecedeu por 20 anos, período da ditadura militar, onde ao estabelecer direitos
fundamentais, garantiu direitos que já haviam sido incorporados a priori e fazer
vedações expressas como respostas para problemas do passado (por exemplo, a
proibição a tortura), podendo-se afirmar que a Constituição Federal brasileira “em
suma, transcende o sentido liberal do constitucionalismo”, funcionando como uma
resposta ao passado, uma garantia do presente e uma perspectiva esperançosa
para o futuro, atribuindo-lhe assim um significado e uma força simbólica. (SCHIER,
2014)
O renascimento do sistema Constitucional dentro do Brasil se deu no
cenário de reconstitucionalização do país, onde a Carta Magna de 1988 veio
protagonizando esse movimento, promovendo a travessia de um Estado autoritário
para um Estado Democrático de Direito, propiciando “o mais longo período de
estabilidade institucional da história republicana do país” (BARROSO, 2010).
Assim, foi somente com o advento da CF/88 que o constituinte se
preocupou em estabelecer um conjunto de princípios constitucionais, os quais foram
rotulados de direitos fundamentais e fixados no corpo permanente da Constituição,
mais especificamente nos Título I e Título II da CFRB/88 (BRASIL, 1988).
Outrossim, conforme assinala Sarlet (2017), importante ressaltar que ao
dizer que os direitos fundamentais encontram-se concentrados no referido Título,
não significa afirmar que encontram-se limitados à esta seção, vez que é expressivo
o número de princípios espalhados ao longo de toda a Carta Magna.

3.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

. Scheuer (1971 apud ALEXY, 2015) impõe aos direitos fundamentais a


expressão teórica-estrutural de “garantias de liberdade”, onde para todo e qualquer
direito fundamental, existe uma norma que irá garantir o exercício desse direito.
Conforme ensina Sarlet (2012), a Constituição e direitos fundamentais são
duas manifestações paralelas que caminham para um único ponto de convergência.
Tal pensamento corrobora com o previsto no art. 16 da Declaração Francesa dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, frisando que na existência de uma
sociedade onde não lhe é assegurada a garantia de seus direitos, não há que se
falar em existência de Constituição.
Neste sentido, para Sarlet , 2012 p. 46):
Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição da forma
de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência
do Estado constitucional, constituindo, neste sentido, não apenas parte da
Constituição formal, mas também elemento nuclear da Constituição
material.

Assim, Canothot (1992 apud SARLET, 2012) conclui que as ideias de


direitos fundamentais somadas à soberania popular seguem determinando e
mantendo a autovidência do Estado Democrático de Direito, operando-se o
reconhecimento dos direitos fundamentais e da democracia numa relação de
interdependência e reciprocidade.
Para Hesse (1995 apud SARLET, 2012), os direitos fundamentais
funcionam como uma espécie de garantias pontuais, destinando-se à proteção de
determinados bens e posições jurídicas que, além de relevantes, encontram-se
especialmente ameaçadas.
A respeito do conceito de direitos fundamentais, Cavalcante Filho (2019)
assevera:

Há uma verdadeira balbúrdia terminológica que assola a doutrina. Podemos


registrar, por exemplo, autores que usam nomes tão díspares quanto
“direitos humanos”, “direitos humanos fundamentais”, “liberdades públicas”,
“direitos dos cidadãos”, “direitos da pessoa humana”, “direitos do Homem”,
etc. É preciso, porém, sedimentar uma terminologia adequada, pois se trata
de uma questão essencial 13 . Consideramos que, no direito interno, a
nomenclatura mais adequada é a que ora utilizamos, ou seja, direitos
fundamentais. Essa é a posição, também, de Dirley da Cunha Jr., Paulo
Gustavo Gonet Branco e Dimitri Dimoulis/Leonardo Martins14 . Isso porque
a Constituição utiliza essa terminologia (Título II). Ademais, as outras
nomenclaturas são inadequadas, por vários motivos.

Assim, na visão do autor, o uso da terminologia liberdades públicas


seriam insuficientes para conceituar a ideia dos direitos fundamentais, vez que se
restringem apenas aos direitos fundamentais de primeira geração. Já os “Direitos do
Homem” trata-se de expressão excessivamente genérica, assim como o tratamento
de “direitos humanos” remete a uma colocação mais adequada ao âmbito
internacional.
Dito isto, não há que se confundir Direitos Humanos com Direitos
Fundamentais, vez que, conforme Hesse (apud BONAVIDES, 2017) direitos
fundamentais são aqueles estabelecidos pelo direito pátrio vigente como tais.
A respeito do reconhecimento e firmação dos direitos do homem dentro
da sociedade, Noberto Bobbio (2004) afirma que o reconhecimento e a proteção
destes direitos constituem a base de sociedades democráticas, trabalhando de
forma direta e harmônica com a paz, que seria o pressuposto principal para a
proteção efetiva dos referidos direitos.
Conforme dito anteriormente, os direitos fundamentais encontram-se
expressos no Capítulo I, Título II, da CRFB/88, principalmente em seu artigo 5º, tais
como direito à vida, à propriedade, à liberdade e à igualdade (BRASIL, 1988). Assim,
imprescindível verificar sua relação direta a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, vez que esta também prevê em seu artigo III a garantia destes referidos
direitos.
Ana Carolina Lovato e Marília Camargo Dutra (2015, p. 8) explicam que a
maior preocupação da Carta Magna não está voltada para o direito à vida, mas sim
para a proteção da dignidade da pessoa humana, que consiste na junção dos
direitos de continuar e permanecer vivo e, ainda, o direito de ter uma vida digna.
Por dignidade da pessoa humana, entende-se este ser um princípio
aberto que, em síntese, significa reconhecer a todos os seres humanos, pelo
simples fatos de serem seres humanos, o reconhecimento de alguns direitos
básicos, sendo este os próprios direitos fundamentais (CAVALCANTE FILHO, 2019)
Lovato e Dutra (2015) acrescentam que o direito de continuar vivo
concretiza-se a partir da proibição da pena de morte, da eutanásia, proibição do
aborto e legítima defesa. Por sua vez, o direito de permanecer vivo faz-se presente
através da inserção das políticas públicas de segurança, bem como é assegurado o
direito á integridade física da população carcerária. Por fim, no tocante à garantia de
uma vida digna, esta se caracteriza pelo direito ao salário-mínimo, à saúde, à
previdência, à moradia e à educação.
Através da lição de Lovato e Dutra (2015), importante ressaltar que as
singularidades entre a CRFB/88 e a Declaração dos Direitos Humanos não se
restringem ao art. 5º da nossa Carta Magna, vez que em ambas os documentos são
previstos os direitos coletivos (rol do art. 6º da CFRB/88) e direitos urbanos e rurais
dos trabalhadores, bem como dos trabalhadores domésticos (art. 7º da CRFB/88).
A respeito da titularidade dos Direitos Fundamentais, costuma-se dizer
que estes são universais. Entretanto, tal afirmação deve ser encarada com
ressalvas.
Neste sentido, Cavalcante Filho (2019) assinala:
Poderíamos acrescentar que os direitos fundamentais, como são
reconhecidos em um determinado Estado (e momento histórico), limitam-se,
necessariamente, ao âmbito de incidência do ordenamento jurídico desse
País. Seria um tanto quanto pretensioso, por exemplo, o Brasil declarar que
os direitos fundamentais previstos na CF são destinados a todos os
indivíduos, universalmente

Assim, extrai-se do art. 5º da CRFB/88, numa interpretação estritamente


gramatical, que apenas os brasileiros natos e estrangeiros residentes no país fariam
jus à titularidade destes direitos. Entretanto, cabe ressaltar que o entendimento do
STF - (STF, 1ª Turma, RE 215.267/SP, Relatora Ministra Ellen Gracie) estende a
proteção destes direitos fundamentais a estrangeiros que estejam de passagem pelo
país, embora obviamente não possam ser titulares dos mesmos, diante da
exclusividade de alguns destes direitos serem privativos a brasileiros ou brasileiros
natos. Outrossim, verifica-se que a Corte Suprema possui um entendimento bastante
ampliativo dos direitos fundamentais, considerando que esta espécie de direitos
podem ser estendidos até a estrangeiros que são atingidos pela Lei Brasileira,
(CAVALCANTE FILHO, 2019).
Assim, colhe-se da jurisprundência do STF:
HABEAS CORPUS' (...) ESTRANGEIRO NÃO DOMICILIADO NO BRASIL -
IRRELEVÂNCIA - CONDIÇÃO JURÍDICA QUE NÃO O DESQUALIFICA
COMO SUJEITO DE DIREITOS E TITULAR DE GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS E LEGAIS - PLENITUDE DE ACESSO, EM
CONSEQÜÊNCIA, AOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE TUTELA DA
LIBERDADE - NECESSIDADE DE RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO,
ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO
ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA (...). O SÚDITO
ESTRANGEIRO, MESMO AQUELE SEM DOMICÍLIO NO BRASIL, TEM
DIREITO A TODAS AS PRERROGATIVAS BÁSICAS QUE LHE
ASSEGUREM A PRESERVAÇÃO DO "STATUS LIBERTATIS" E A
OBSERVÂNCIA, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA
CONSTITUCIONAL DO "DUE PROCESS". - O súdito estrangeiro, mesmo o
não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio
constitucional do "habeas corpus", em ordem a tornar efetivo, nas hipóteses
de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à
observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas
que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal. - A
condição jurídica de não-nacional do Brasil e a circunstância de o réu
estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção,
contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório.
Precedentes. - Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao
réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do
postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes
à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as
partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado
processante. (BRASIL, 2008)

Assim, ante o exposto, correto afirmar que a titularidade dos direitos


fundamentais, no tocante às pessoas físicas, é destinada para: a) brasileiros natos;
b) brasileiros naturalizados; c) estrangeiros residentes no Brasil; d) estrangeiros em
trânsito pelo território nacional; e) qualquer pessoa que seja alcançada pelo
ordenamento brasileiro (CAVALCANTE FILHO, 2019).
Por fim, salienta o referido autor que pessoas jurídicas também são
titulares de direitos fundamentais, desde que compatíveis com a sua natureza.
Assim, verifica-se, portanto, que pessoas jurídicas possuem, por exemplo, direito ao
devido processo legal, mas não a liberdade de locomoção ou integridade física.

3.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS: CLASSIFICAÇÃO E CARACTERÍSTICAS

Com relação aos Direitos Fundamentais e sua teoria, Foi estabelecido por
Carl Schmitt, conforme ensina Paulo Bonavides (2017), dois critérios formais de
caracterização. Pelo primeiro, designa-se direito fundamental todo direito ou garantia
nomeado e/ou especificado na Constituição. Por sua vez, o segundo critério
estabelece que os direitos fundamentais são aqueles que receberam da Constituição
um status mais elevado de garantia e proteção, sendo portanto imutáveis ou, ao
menos, de mudança dificultada, vez que somente podem ser alterados mediante
emenda à Constituição.
A respeito do ponto de vista material, Bonavides (2017) informa:
Os direitos fundamentais, segundo Schmitt, variam conforme a ideologia, a
modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios que a Constituição
Consagra. Em suma, cada estado tem seus direitos fundamentais
específicos.

Os Direitos Fundamentais, como se percebe através dos ensinamentos


de Pedro Lenza (2016, p. 1159) são dotados das seguintes características: a)
historicidade, vez que possuem toda uma evolução histórica desde o nascimento do
Cristianismo, chegando até os dias atuais; b) universalidade, por destinarem-se de
modo indiscriminado, estendendo-se a todos os seres humanos; c) limitabilidade,
uma vez que não são absolutos e sim relativos, havendo muitas vezes conflitos entre
si, cabendo ao intérprete ou ao magistrado decidir qual direito, dentro de
determinado caso concreto, deverá prevalecer; d) concorrência, pois podem ser
exercidos cumulativamente; e) irrenunciabilidade; f) inalienabilidade e g)
imprescritibilidade.
Sarlet (2012) afirma que os Direitos Fundamentais são também protetivos,
vez que se propõem a assegurar e proteger bens essenciais dos indivíduos ou
coletivo. Apresenta, ainda, outro ponto de partida, onde além de direitos
materialmente fundamentais, pode-se encontrar ainda direitos prestacionais.
Cavalcante Filho (2019) assevera que antigamente acreditava-se que os
direitos fundamentais possuiam apenas eficácia vertical, incidindo numa relação
restrita entre um poder “superior” (Estado) e um poder “inferior” (indivíduo).
Entretanto, em meados do século XX surgiu na Alemanha a Teoria da Eficácia
Horizontal dos Direitos Humanos, que defendia a incidência destes direitos também
no âmbito das relações privadas.
No Brasil, esta teoria horizontal é aceita pacificamente na jurisprudência
tanto do STF quanto do STJ, verificando sua aplicabilidade por exemplo no seguinte
julgamento:
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE
COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA
DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO
DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS
RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem
somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas
igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito
privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição
vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando
direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes
privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À
AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-
constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a
possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em
especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da
Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades
e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela
Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios
constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus
associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem
jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos
direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em
sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos
particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir
ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja
eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito
de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.(...)”.
(Brasil, 2006)

Os direitos fundamentais, segundo ensina Sarlet (2016), inicialmente


foram firmados como direitos de defesa (ações negativas), figurando como a
primeira geração dos direitos fundamentais, e funcionam como uma demarcação de
limite de intervenção do Estado em relação a uma esfera de autonomia do indivíduo,
sendo complementados por uma leva de liberdades, conhecidas como liberdades de
expressão coletiva, tais sejam liberdades de expressão, imprensa, manifestação e
etc, bem como pelos direitos de participação política (direito ao voto, entre outros),
firmando sua relação direta com a democracia.
Por direitos de segunda geração, Sarlet (2016) ensina não se tratarem
mais de direitos de limitação do Estado, mas sim de obtenção de liberdade por
intermédio do Estado, sendo eles os direitos que englobam a Seguridade Social,
bem como as liberdades sociais, como liberdade de sindicalização, do direito de
greve e do reconhecimento dos direitos dos trabalhadores. No tocante aos direitos
de terceira geração, estes se destinam à proteção de grupos humanos, sendo eles
“direito de titularidade coletiva ou difusa”, assumindo como papel de relevância o
direito ao meio ambiente e o direito à informática.
Cavalcante Filho (2019) afirma que os direitos de terceira geração tem
sua origem com o advento da revolução técnico científica, que tornou a sociedade
conectada em diversos valores, fazendo-a perceber que “na sociedade de massa ,
há determinados direitos que pertencem a grupos de pessoas, grupos esses, às
vezes, absolutamente indeterminados”, trazendo o exemplo da contaminação de um
riacho que, por se tratar de um dano ambiental, não atingirá apenas os moradores
das redondezas do riacho, e sim terá impacto sobre a vida de pessoas que moram
em regiões mais afastadas.
Por fim, Sarlet (2016) complementa que o reconhecimento de uma quarta
e quinta geração de direitos fundamentais aguarda sua consagração dentro do
direito internacional, assim como na esfera das ordens constitucionais internas,
ressaltando que todas as dimensões destes direitos orbitam em volta dos direitos à
vida, à liberdade, à igualdade e à fraternidade, tendo por base o direito supremo da
dignidade da pessoa humana.
Há quem defenda que esta geração destina-se à defesa dos direitos de
engenharia genética, como é a posição de Noberto Bobbio, assim como outros
referem-se à luta pela participação democrática, que é o posicionamento de Paulo
Bonavides. Entretanto, conforme anteriormente asseverado, não há consenso na
doutrina sobre qual o conteúdo desse tipo de direitos (CAVALCANTE FILHO, 2019).

3.4 DIREITO FUNDAMENTAL À INFORMAÇÃO COMO PRESSUPOSTO


DEMOCRÁTICO

Gerbner (1967 apud. PAGLIARINI; AGOSTINI, 2009) conceitua


comunicação como o elemento mais “humanizador” de toda a sociedade humana,
vez que é por meio desta que os humanos podem criar e recriar símbolos da
condição humana e destina-la a terceiros através de mensagens.
Em sua lição, Gilmar Mendes (2015) afirma que o direito à informação
possui uma conexão inegável com o princípio democrático, vez que age como uma
garantia de participação e controle social dos cidadãos, destacando a contribuição e
importância de uma imprensa livre para fins de divulgação de informação.
Maria Eduarda Gonçalves (2003 apud BERNADES, 2015 p. 70) assevera
que as relações sociais se baseiam em informação, uma vez que é em torno dela
que orbitam e se organizam diversos campos da interação social. A respeito do
direito à informação, Gonçalves o conceitua da seguinte forma:
Implica, em rigor, um estado de consciência sobre factos ou dados, o que
quer dizer que pressupõe um esforço (de carácter intelectual,antes de mais)
que permita passar da informação imanente (dos factos ou dos dados
brutos) à sua percepção e entendimento, o que implica, normalmente, a sua
recolha, tratamento e organização. O conceito de saber transcende esse
plano: consiste na capacidade de extrapolar para além dos factos e de
retirar a partir deles conclusões originais.

Assim, a autora conclui que o direito à informação constitui uma das mais
fundamentais prerrogativas do ser humano na atualidade, vez que o conhecimento
determina o entendimento. Uma vinculação de informação correta configura como
um dos pilares de funcionamento de uma sociedade democrática, sendo
indispensável para desenvolver a capacidade crítica do ser humano (GONÇALVES,
2003 apud BERNADES, 2015 p. 71)
Pagliarini e Agostini (2009, p. 73) asseveram que o direito à informação é
essencial ao exercício da liberdade, alegando que é por meio deste que o ser
humano constrói um espaço de liberdade.
São inúmeros os mecanismos normativos que asseguram ao direito à
informação a sua condição de essencialidade: A Declaração Universal dos Direitos
Humanos, o Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos, bem como
as Constituições contemporâneas como a Carta Espanhola, a Constituição Chilena e
a nossa Carta Magna, que estimulou o direito à informação, atribuindo-lhe a
liberdade de comunicação, o acesso à informação e a comunicação social
(PAGLIARINI; AGOSTINI, 2009, p. 74).
Bernades (2015, p. 72) divide o direito à informação em quatro fases, em
análise à sua evolução histórica:
a primeira (fase), que coincide com o Estado Absolutista e possui como
característica a censura de todos os escritos e um governo de segredo; a
segunda fase, que surge com o advento do Estado de Direito, marcada pelo
reconhecimento dos direitos humanos de primeira geração, como o direito à
liberdade de expressão e opinião e liberdade de imprensa e o princípio da
transparência e publicidade dos negócios públicos. Mais adiante, a terceira
fase, na qual o poder dos meios de comunicação começa a sofrer certa
intervenção do Estado. Por fim, a quarta fase, momento em que se objetiva
a regulamentação dos meios de comunicação coadunando com o ideário
democrático, assegurando o desempenho da função pública conforme os
ditames do Estado Democrático de Direito, dando ao povo o direito à
informação indispensável para controlar e influir no modo de condução da
sociedade.
Dito isto, tem-se que o direito à informação não surgiu já ocupando o
papel de relevância que desfruta hoje dentro da sociedade. Ele foi sendo
reconhecido e positivado dentro do ordenamento jurídico a partir do momento em
que o debate sobre o assunto foi se tornando necessário, em razão do crescimento
dos veículos de mídia, bem como a popularização da internet.
Plagliaria e Agostini (2009, p. 77) dizem que uma sociedade democrática
somente se constrói se nela for assegurado o exercício da liberdade de expressão e
de informação, vez que a livre circulação de ideias é o pressuposto para um governo
democrático.
A respeito da importância do direito à informação para a participação
democrática da sociedade, Bernades (2015, p. 76) assevera que “o direito de
informar se refere à liberdade que as pessoas têm para veicular qualquer tipo de
informação, e “está na essência do regime democrático, vez que decorre
diretamente do princípio constitucional da liberdade de expressão e de informação
em todas as suas formas””.
Assim, encontra-se no direito à informação uma importante ferramenta
para os integrantes de uma determinada sociedade. É através de tal ferramenta que
torna-se possível o acompanhamento dos acontecimentos não só no seu país, como
também em todo o globo, proporcionando aos cidadãos o exercício democrático e
fundamental da sua liberdade de pensamento e convicção através da livre circulação
de ideias e informação pelos demais meios de comunicação.
A democracia moderna é, segundo Noberto Bobbio (1986 apud
GENTILLI, 2005, p. 127) a “sociedade dos cidadãos”, sendo definida também, por
ele, como “a democracia do poder visível”.
Assim, resta implícita que a sua compreensão que para que o conceito de
“poder público em público” de Bobbio seja concentro, o cidadão precisa ter
assegurado o seu direito de acesso à informação pública, funcionando também
como uma das premissas de ampliação dos seus direitos (GENTILLI, 2005, p. 127)
Neste sentido Victor Gentilli (2005, p. 128) assevera:
O direito á informação, portanto, deve ser compreendido como um direito
relacionado diretamente aos outros direitos, incluindo, obviamente, as
contradições e os antagonismos destes. É um direito que fomenta o
exercício da cidadania e permite ao cidadão o acesso e a crítica aos
instrumentos necessário ao exercício pleno dos direitos de cidadania.

Assim, o direito à informação deve ser pensado “na perspectiva de um


direito para todos” e na “perspectiva de fornecer informações em quantidade e
qualidade para o melhor julgamento possível de cada um” (GENTILLI, 2005, p. 129-
130)
Na metade da década de 90, um novo sistema de comunicação passou a
ser formado, a partir da “fusão da mídia de massa personalizada globalizada com a
comunicação medida por computadores, formando um novo sistema caracterizado
pela integraçãao de diferentes veículos de comunicação e seu potencial interativo”.
A este novo sistema deu-se o nome de multimídia, funcionando como um compilado
de todas as expressões culturais (BITELLI, 2004, p. 33).
Ressalta-se, porém, que a CRFB/88 já estava vigente à época da
materialização deste fenômeno, razão pela qual não estava preparada para esta
revolução tecnológica, não sendo possível lhe exigir uma vocação maior para tutelar
os efeitos dessa convergência entre telecomunicação, radiodifusão e imprensa
(BITELLI, 2004, p. 33).
Assim o avanço dos meios de comunicação, a difusão de informação dar-
se-á de maneira mais rápida, garantindo mais rapidez na sua circulação. Entretanto,
maior circulação de informação não garante o controle de qualidade e veracidade
destas, tornando-se necessária a análise dessa ausência de veracidade nas
informações disseminadas e a probabilidade desta se tornar um empecilho ao
funcionamento de um Estado Democrático de Direito.
4 FAKE NEWS COMO UM DOS FATORES DE CRISE DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO

É notório que o advento da tecnologia e o uso da internet como


ferramenta para uma divulgação de notícias e conteúdo, fez com estas se dessem
em maior escala, abrangência e rapidez.
Entretanto, com toda essa facilidade de compartilhamento de informações
abriu-se um grande espaço para as chamadas Fake News, contribuindo para uma
instabilidade em dos alicerces democráticos mais poderosos: informação. Uma vez
que imersa em um universo de manipulação de informações, a sociedade passa a
ter desconfiança na imprensa, e então tem-se não mais a opinião de cada indivíduo
a respeito dos fatos, o que passa a acontecer é que cada indivíduo tem os seus
fatos a respeito de determinado assunto.
Assim, nega-se à população uma das suas maiores premissas dentro do
Estado Democrático de Direito: o direito à verdade.

4.1 FAKE NEWS E A ERA DA PÓS-VERDADE

É notório que o cenário mundial sofre certa descrença nos meios


tradicionais de mídias jornalísticas, fazendo com que a população procure se
informar por meios alternativos, como redes sociais, onde qualquer pessoa pode ser
a transmissora da notícia, conforme aponta reportagem da Agência Brasil.
Assim, pela facilidade de compartilhamento e pelo fato democratização
qualquer um pode ser o transmissor da “informação”, ainda que não tenha nenhum
compromisso ético em compartilhar a informação correta, em muitos casos essa
informação disseminada foge à realidade, ferindo gravemente o direito de se
informar do cidadão.
Segundo o Dicionário de Cambridge (apud CARVALHO; KANFNER,
2018) as Fake News são conceituadas como histórias falsas, que sob a aparência
de notícias jornalísticas, são disseminadas na internet geralmente com o objetivo de
minar e influenciar opiniões políticas, configurando o chamado “imprensa marrom”,
vez que deliberadamente veiculam informações falsas a fim de obter qualquer tipo
de vantagem – política, financeira ou até mesmo o simples fato de prejudicar a
imagem de alguém.
Conforme Marcos Aurélio Delavald (2018), a herança sofista que ensinava
ao homem o poder da farsa e do convencimento arrastou-se até a
contemporaneidade, trazendo consigo o hábito da mentira, causando a propagação
de conteúdos informacionais de valores questionáveis.
Nesse contexto, Matthew D’ancona (2018, p. 32) ensina que a mentira
sempre foi presente na sociedade:
A mentira é parte da política desde que os primeiros seres humanos se
organizaram em tribos. Os antropólogos assinalam a importância do engodo
em sociedade primitiva, sobretudo, mas não exclusivamente, quando
lidavam com forasteiros. Platão atribuiu a Sócrates a noção da “Nobre
mentira”: um mito que inspira a harmonia social e a devoção cívica. No
capítulo XVIII de O Príncipe, Maquiavel recomenda ao governante ser “um
grande fingidor e dissimulador

Apesar do uso da terminologia Fake News ser datada a partir do final do


século 19, a disseminação de notícias falsas encontram registro desde o século 16,
pelo menos (MERRIAN-WEBMESTER, 2018). Entretanto, conforme indica o Google
Trends, a popularização do termo grije Fake News se deu em novembro de 2016,
em razão da eleição norte-americana, onde houve diversas ligações entre o atual
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a propagação em massa de Fake
News a fim de obter vantagem política de seus adversários. No Brasil, o tema só foi
popularizado em 2018, também coincidindo com a época de eleições no país.
Segundo Fábio Victor (2017) a fábrica de informações não verídicas e
sensacionalistas possuem um modus operandi, uma engrenagem que impulsionam
conteúdos apelativos que acarretam na dificuldade do leitor em distinguir boatos de
informações confiáveis: a maioria dessas “fontes” estão registradas fora do país, não
é assinada por quem a redigiu e tampouco publica expediente ou qualquer outro
meio de contato. Geralmente, as páginas que se dedicam a essa prática agem sob
estes títulos berrantes, com informações que embaralham a verdade e mentira,
encontram nas redes sociais como Facebook e Whatsapp o canal ideal que irá
conectá-las com o interlocutor.
Entretanto, ressalta-se que a indústria da desinformação não se nutre
apenas de propagação de notícias falsas, vez que a mentira é um caminho
arriscada, requerendo formas potentes para se manter. Assim, existem as chamadas
técnicas de silêncio, que também se encarregam do nocivo papel de desinformar,
sendo elas: a insinuação – não sendo necessário a utilização de dados falsos, sendo
necessário apenas insinua-los; a pressuposição e o subentendimento, que dão algo
como certo sem questioná-lo; a falta de contexto adequado, a fim de manipular os
fatos e , por fim, a inversão da relevância onde muitas vezes aspectos pessoais
(vestimenta, cabelo, penteado), que são aspectos secundários, funcionam como
principal arma para fins de comunicação pública, em detrimento dos fatos realmente
relevantes (GRIJELMO, 2017).
Assim, instaura-se a era da desinformação, com a criação de páginas
destinadas e comprometidas com a transmissão de noticias falsas, sensacionalistas
ou distorcidas, muitas vezes contratadas por partidos políticos ou seus apoiadores, a
fim de manipular a opinião pública para fins de campanha política. Em outros casos,
visam apenas monetização através do compartilhamento ou visualização de
anúncios.
No entanto, cabe ressaltar que Fake News e era da pós-verdade não são
sinônimos, vez que a existência de notícias falsas não é um privilégio do novo
milênio. O uso de mentiras sempre foi um fator recorrente na sociedade,
principalmente no que tange à política partidária.
De acordo com o site jornalístico Exame, o Oxford Dictionary elegeu o
post-truth (pós-verdade) como a expressão do ano de 2016, definindo-a como
“circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes em formar a opinião
pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal”, mostrando que vivemos em
uma época da sociedade onde além de não se ter segurança sobre os fatos, não há
uma preocupação sobre o conhecimento destes, tornando os cidadãos, ao redor de
todo o globo, indiferentes à verdade.
Assim, verifica-se que a era da pós-verdade funciona como uma alteração
da percepção da população, inclinando no sentido de uma perda da primazia da
realidade.
A respeito do tema, Michiko Kakutani (2018, p. 54) assevera:
[...] a democratização libertadora da informação não apenas estimulou a
inovação e um empreendedorismo de tirar o folego, como também deu
origem a uma enxurrada de desinformação e relativismo, conforme
evidenciado pela atual epdemia de notícias falsas.

Evan Davis (2017 apud FONSECA, 2018) usa como definição da mentira
todas as informações inverídicas e não claras, incluindo nesse espectro tanto as
mentiras políticas para fins eleitorais como uma propaganda enganosa de um SAC
de empresa. Outrossim, Davis deixa claro que existem diversos motivos para se ficar
aquém das razões de se processar uma verdade pura e cristalina, sendo evidente
que um dos motivos mais fortes é o sucesso político e eleitoral, onde o político
precisa se sustentar até a vitória garantida nas urnas.
Assim, em uma análise não moral das Fake News, o ora autor conclui que
ela funciona por motivos alheios à vontade de comunicar a verdade.
Matthew D’ancoma (2018, fls. 25-29) apresenta a problemática da era da
pós-verdade através da análise de dois fenômenos: o Brexit e a eleição de Donald
Trump nos Estados Unidos, vez que segundo o autor, ambos fenômenos criaram a
sua própria narrativa que “impôs, até certo ponto, uma ordem bruta sobre as
complexidades mutáveis da vida moderna”, deixando de lado a exposição de fatos e
detalhes ao eleitorado.
Assim, para o autor, esses dois acontecimentos foi a política da pós-
verdade em seu mais puro estado, funcionando como um “trunfo visceral sobre o
racional”, prendendo o eleitoral por afinidades e crenças pessoais, deixando de lado
a apresentação de dados objetivos e fatos. O Brexit utilizou primordialmente a
problemática da imigração, para criar a narrativa de que o fluxo migratório é “um jogo
se soma de zero”, onde o indivíduo que migra para o Reino Unido é um parasita que
ocupa lugares de direito dos britânicos nativo, e o Donald Trump ofereceu alguns
tipo de bodes expiatórios para os norte-americanos, inflando um discurso
conservador radical, apresentando a construção do muro que dividiria os Estados
Unidos do México como uma de suas soluções para uma das crises norte-
americanas, que também é o fluxo migratório (D’ANCONA, 2018).
Um dos pilares que sustentam a era da pós-verdade é a erosão da
confiança. Em razão dos escândalos protagonizados pela política partidária e pela
imprensa, que preencheram a segunda metade do Século XX, onde ambas
funcionavam como um conluio para ludibriar a população, moldando manobras de
interesses a fim de garantir o status quo. Entretanto, fora apenas em 2008, no
contexto da crise financeira, que foi identificado o momento germinal que levou, em
anos, à era da pós-verdade, marcando a era do ceticismo em relação ao jornalismo
e à apreciação dos fatos para fins de informação, bem como formação de opinião e
posicionamento. (D’ANCONA, 2018).
A respeito da descrença da população na imprensa nesse novo milênio,
Michiko Kakutani (2018, p. 152) traz como uma de suas consequências o fato da
população procurar meios alternativos à mídia para se informarem: em 2017, nos
Estados Unidos, dois terços da população norte-americana afirmaram usar a redes
sociais como seu principal meio de notícia.
Assim, para D’ancona (2018, p. 45) a pós-verdade floresceu no contexto
em que “os firewalls e o os anticorpos se enfraqueceram”, ou seja, quando aqueles
que deveriam ser fiéis à verdade, como a imprensa, foram falhos, fazendo com que
seus atos respingassem sobre a verdade e a enfraqueceram junto com suas
reputações.
Segundo a Kakutani (2018), Fake News não são uma novidade, claro. No
entanto, o advento da internet e das redes sociais permitem que em frações de
segundos, boatos, especulações e mentiras espalhem-se ao redor do globo de
maneira totalmente desenfreada.
No entanto, cabe ressaltar a existência de outros elementos que ajudam a
corroborar com a notícia falsa em si, como por exemplo a sua origem, o grau de
credibilidade das pessoas que a disseminam ou referendam – como no caso dos
digital influencers, bem como a quantidade das pessoas que a estão compartilhando
(CARVALHO; KANFNER, 2018).
Aléx Grijelmo (2017) assevera que a mentira se sustenta por meio de dois
elementos básicos: a insistência na informação falsa e a desqualificação da pessoa
que a contradiz, somada com a quantidade considerável de pessoas que não se
informam pelos meios de comunicação que se preocupam em analisar a veracidade
dessas informações, mas sim se informam diretamente das fontes manipuladoras.:
Assim, segundo Grijelmo (2017):
Dessa forma, milhões de norte-americanos acreditaram em uma mentira
comprovada como a afirmação de Donald Trump de que Barak Obama é um
muçulmano nascido no estrangeiro e milhões de britânicos estavam
convencidos de que, com o Brexit,o Serviço Nacional de Saúde teria por
semana 350 milhões de libras (1,4 bilhão de reais) adicionais.

Ressalta-se que a erosão da primazia da verdade não se deu apenas por


meio do fracasso institucional, mas também por conta da indústria da desinformação
somada a propaganda enganosa e a ascensão da falsa ciência nos últimos anos.
Assim, tem-se a difusão sistemática de mentiras disseminadas através de
organizações falsas que atuam lado a lado de grupos com interesses em comum,
que precisam suprimir ou alterar informações a fim de fazer prevalecer a sua
narrativa (D’ANCONA, 2018, p. 46).
Segundo o autor, esses discursos de fachada, principalmente a falsa
ciência, são impedidos de cair em descrédito não pela comprovação de suas
argumentações, mas sim pela corroboração e apropriação de seu discurso por
influencers e formadores de opinião que, no cenário da cultura digital e das redes
sociais, capitalizam atenção e seguidores com o auxílio de uma retórica alarmista e,
por consequência, revestida de um forte apelo mobilizador.
Ari Rabin-Havt (apud D’ANCONA, 2018) afirma que “essas mentiras são
parte de um ataque coordenado e estratégico, planejado para esconder a verdade,
confundir o público e criar um controvérsia onde nenhuma antes existia”.
Soma-se a isso também o fato de a tecnologia permitir alterar e manipular
digitalmente qualquer tipo de documento, até mesmo imagens, bem como a perda
de uma parte da independência da imprensa com a crise econômica, reduzindo-se o
número de jornalistas, precisando levar em conta o posicionamento de seus
proprietários e anunciantes, utilizando informações sensacionalistas a fim de obter
ações na Rede (GRIJELMO, 2017).
Assim, segundo o autor, chegou-se em um patamar da sociedade onde
as pessoas não acreditam em nada e, ao mesmo tempo, são plenamente capazes
de acreditarem em qualquer coisa.
Segundo a Diretoria de Segurança da Informação da UFRJ, essas
notícias falsas podem ser disseminadas de 7 tipos diferentes:
1) Sátira ou Paródia: não é intencionalmente nocivo, mas pode levar à
confusão do leitor; 2) Conexão Falsa: título não corresponde fielmente ao
conteúdo, gerando uma espécie de “clickbait” para aumentar o acesso; 3)
Contexto Falso: uma determinada informação quando fora de contexto pode
se tornar inapropriada ou inválida com o passar do tempo; 4) Conteúdo
Manipulado: seja por adulteração de texto e/ou imagens, ou por tendenciar
determinada opinião/visão política/ponto de vista; 5) Conteúdo Enganoso: a
informação é utilizada de forma a difamar a pessoa ou o assunto a que se
refere; 6) Conteúdo Impostor: informação é mal utilizada, moldando uma
situação e criando uma inverdade com informações falsas de marcas ou
pessoas; e 7) Conteúdo Fabricado: todo o seu conteúdo é falso, criado para
enganar e prejudicar.

Carvalho e Kanfner alertam sobre o uso dos “ciborgues de mídias


sociais”, destacando a importância destes na veiculação das Fake News, in verbis:
Nesse ponto, [os social media cyborgs] adquirem especial relevância neste
trabalho os denominados “ciborgues de mídias sociais” (social media
cyborgs), termo utilizado para definir pessoas que, isoladamente, criam
diversas contas em redes sociais, implementam ligações com terceiros
(criando suas redes) e passam a disseminar opiniões sobre diversos temas
(com o enfoque de ideais políticos e eleitorais).

A utilização desses trolls na atividade das fakes news contribui ainda para
a volta de guerras culturais. Durante a campanha de Donald Trump, nos Estados
Unidos, este utilizou de diversas divisões partidárias norte-americanas para
conseguir se eleger, apelando, por exemplo, para o medo de seus eleitores brancos
de classe média, pertencentes à classe operária, que estavam preocupados com um
“mundo de mudanças” e lhe ofereceu bodes expiatórios, como os imigrantes e os
mulçumanos. Assim, foi verificada a utilização de trolls russos usando perfis falsos
nas redes sociais com o intuito de ampliar ainda mais estas divisões, conseguindo
eleger Trump e minando o sistema democrático norte-americano (KAKUTANI, 2018,
fls. 59-60).
A utilização de perfis falsos para fins eleitorais foi alvo de reportagem
investigativa da BBC, que analisou a atividade destes perfis para manipulação de
opinião pública principalmente nas eleições de 2014, demonstrando o tamanho do
impacto de suas atividades dentro do Estado Democrático de Direito. Este impacto
será alvo de análise na próxima seção deste capítulo.

4.2 FAKE NEWS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Conforme retratado no tópico anterior, o termo Fake News e a sua


incidência dentro do processo democrático dos países se popularizou a partir do
Brexit no Reino Unido, da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos e, no Brasil
desde 2014, porém com uma atividade mais impactante nas eleições brasileiras de
2018, conforme será demonstrado a seguir.
A BBC, em uma série de reportagem denominada “Democracia Ciborgue”,
analisou a atividade de exército de perfis fakes na internet, que foram usados para
manipular a opinião pública nas eleições de 2014 no Brasil. Segundo a reportagem,
este exército foi utilizado por uma empresa com sede no Rio de Janeiro, a fim de
manipular principalmente o pleito de 2014, a partir de estratégias de manipulação
utilizada por russos nas eleições americanas, quando o presidente Trump fora eleito.
Segundo Fabio Malanini, pesquisador coordenador do Laboratório de
Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito
Santo, a atividade desses perfis, ou ciborgues como são conhecidos, “geram
cortinas de fumaça, orientando discussões para determinados temas, atacando
adversários políticos e criando rumores, com clima de 'já ganhou' ou 'já perdeu'”.
Na mesma série de reportagem da BBC, foi verificado ainda, a atividade
de um blog chamado “Verdade Seja Dita”, que sob a direção de Armando, destinava-
se à defesa da ex-presidenta Dilma Roussef afim de proporcionar sua eleição em
2010. No entanto, Armando nunca existiu, tratava-se de um perfil fake na internet
administrado por quatro pessoas, que foram contratadas por uma empresa de
marketing de São Paulo e receberam para tanto, de R$ 3,5 mil a R$ 4 mil mensais
entre maio e outubro de 2010.
Recentemente, em 8 de outubro de 2019, o aplicativo Whatsapp, por
intermédio de seu gerente de políticas públicas e eleições globais, Ben Supple
adimitiu que “na eleição brasileira do ano passado houve a atuação de empresas
fornecedoras de envios maciços de mensagens, que violaram nossos termos de uso
para atingir um grande número de pessoas”.
O Buzzfeed (apud KAKUTANI, 2018, p. 153-154) em um recente estudo,
publicou que durante as eleições de 2016 nos Estados Unidos, as Fake News
eleitorais divulgados pelo facebook geraram mais engajamento social do que a
notícias veiculadas pelo veículos jornalísticos tradicionais e da grande mídia, como
por exemplo o New York Times, sendo que das vinte matérias disseminadas, a
grande maioria era ou pró-Trump ou contra Hillary Clinton “incluindo uma que
afirmava que Hillary havia vendido armas para o Estado Islâmicoe outra que dizia
que o papa apoiava Trump.
A medida que o tempo foi passando, ficou claro o importante
protagonismo das redes sociais na divulgação das Fake News, bem como a atuação
dos trolls russos no que diz respeito às eleições de 2016. Roger McNamee (apud
KAKUTANI, 2018. p. 155) um dos primeiros investidores do Facebook argumentou
que:
a manipulação de redes sociais do Google e de outras plataformas pelos
russos, a fim de tentar mudar os resultados das eleições de 2016 nos
Estados Unidos e do referendo do Brexit, foi apenas a ponta do iceberg: a
menos que mudanças fundamentais fossem feitas, essas plataformas
seriam manipuladas novamente, e o “nível do discurso político, já na sarjeta,
ficaria pior”

Runciman (2018, p. 134) fala que dentro de um panorama político, a


dependência dos seres humanos na tecnologia permite com que sejam explorados,
afirmando que “em terra de dependentes da tecnologia, quem navega com
esperteza é rei”. O autor afirma que os sinais visíveis desta exploração são as Fake
News e o microdirecionamento de mensagens ao eleitores, onde seus conteúdos
são gerados por máquinas pode ser construído de modo a “apelar aos preconceitos
de cada um”, onde “se cair em mãos erradas, o poder dos computadores de apertar
nossos botões pode assinalar o fim da democracia”.
Neste sentido, Kakutani (2018, p. 149) assevera que “quando se trata da
disseminação de Fake News e de minar a crença na objetividade, a tecnologia se
provou um combustível altamente inflamável. Cada vez mais nos damos conta do
lado sombrio do que foi imaginado, a princípio, como um catalisador de inovação e
mudanças”.
Max Weber (apud RUNCIMAN, 2018. p. 136) entendia que a democracia
moderna funcionava como uma espécie mecânica, sendo os partidos políticos as
“máquinas” planejadas para a manutenção do poder. Ao mesmo tempo, Hobbes
(apud RUNCIMAN, 2018. p. 137) concluiu que o Estado precisava funcionar sendo
construído à imagem daquilo que ele queria controlar, ou seja, precisava apresentar
uma aparência humana para conseguir controlar seres humanos.
Kakutani (2018, p. 157) afirma, como exemplo deste uso irresponsável da
tecnologia para fins políticos, que na campanha de Donald Trump, nos Estados
Unidos, foi feito um uso “perspicaz e maquiavélico das redes sociais”, onde
informações contidas nos Facebook e na Cambridge Analytica (empresa de dados
que trabalha com mapeando do perfil psicológico para fins eleitorais) foram utilizadas
para direcionamento da sua publicidade, bem como seu planejamento de campanha.
Assim, impossível não relacionar essa visão de controle tecnológico com
a participação de uma parte do Estado atuando com forças obscuras a fim de
manipular e fraudar eleições, com ajuda daqueles que entendem o funcionamento
desta mecânica tecnológica (por exemplo, o uso de trolls na disseminação de Fake
News), a fim de obter um resultado vantajoso para si, mesmo que pra isso tenha que
passar por cima do direito fundamental à informação do cidadão, ludibriando a
formação de suas convicções e por fim, minando o sistema democrático,
transformando-o em fantoche da sua sede de manutenção de poder.
Sobre o tema, Runciman (2018, p. 13) afirma:
[...] a revolução da informática alterou por completo os termos em que a
democracia precisa operar. Passamos a depender de formas de
comunicação e compartilhamento de informação que escapam tanto ao
nosso controle como à nossa plena compreensão.

Gandhi (apud RUNCIMAN, 2018. p.155) asseverou que os partidos


políticos existem para não deixar que o eleitorado pense por conta própria, ele tenta
dizer à população em qual candidato deve votar. Assim, imprescindível trazer esse
recorte para o jeito que a classe política utiliza cada vez mais Fake News para
manipular a opinião pública e consolidar a sua linha ideológica.
Em nota sobre o debate democrático e a disseminação de notícias falsas,
a Seccional da OAB/SP reforça que a existência da circulação de inverdades na
seara política sempre foi corriqueiro no âmbito eleitoral, no entanto nunca fora
observado tamanho alcance e rapidez na divulgação desse tipo de conteúdo.
Segundo o órgão:
O emaranhado de informações veiculadas em especial nas redes sociais e
tidas como falsas acerca de políticos americanos e franceses atingiu
campanhas e confundiu a população recentemente nesses países. Na
França, o partido de Emmanuel Macron – à época candidato – chegou a
solicitar que o Ministério Público do País investigasse perfis criados on-line
na reta final do pleito eleitoral. O político foi acusado por adversários de ser
titular de empresa offshore nas Bahamas. Já a campanha do americano
Donald Trump está sob suspeita de ter contado com a ajuda de produção de
fake news por parte do governo russo.
No Brasil, o tema ficou tão alarmante, sobretudo nas eleições de 2018,
que o Tribunal Superior Eleitoral lançou uma página na internet a fim de divulgar
noíicias corretas, apresentando links de esclarecimentos oriundos de empresas de
checagem de dados e informações, buscando um meio de combater a
desinformação.
Neste sentido, Kakutani (2018, p. 158-159) destaca a atividade dos trolls
russos que minaram, de certa forma, a crença dos eleitores na democracia e no
sistema eleitoral como um todo: segundo o Facebook, somente durante o período
das eleições norte-americanas de 2016, os russos foram responsáveis por mais de
80 mil posts no site, atingindo cerca de 126 milhões de norte-americanos - mais da
metade de eleitores registrados no país. Ainda, segundo a autora, os russos não só
se dedicavam a propagação de Fake News, mas também criavam perfis falsos que
fomentavam essas notícias falsas e faziam parte de grupos fictícios, como o Vitaly
Bespalov , que atuavam como uma espécie de “fábrica de trolls russa”.
Assim, verifica-se que há uma tendência global, dentro da política, que
acarreta num desmoronamento do valor da verdade, não se considerando mais a
transparência e honestidade como uma prioridade dentro do discurso político
(D’ANCONA, 2018, p. 20).
No Brasil, conforme se extrai da reportagem de Folha de São Paulo, de
98% dos eleitores do atual presidente Jair Bolsonaro, que foram expostos a uma ou
mais notícias falsas durante o período eleitoral, cerca 90% acreditaram que estas
eram verdade. Dentre tais notícias consta a informação de fraude nas urnas
eleitorais durante o primeiro turno, a fim de que se contabilizassem votos para o
candidato do Partido dos Trabalhadores, fato que se seguiu até o segundo turno e
que, coincidentemente, perdeu força após o resultado definitivo das eleições.
Ainda, o site do Congresso divulgou dados que demonstram que das 123
notícias falsas que foram analisadas por agências de checagem, demonstram que
104 beneficiaram o presidente Jair Bolsonaro. Conforme a reportagem, as 123
notícias falsas que foram checadas correspondem a quase dois boatos desmentidos
por dia.
Neste sentido, o jornal El País divulgou uma reportagem onde afirma
que a disseminação de notícias falsas através dos grupos de whatsapp configuram
uma das grandes potências de candidatura no cenário político atual. Verifica-se,
portanto, que neste novo cenário o poder da propaganda eleitoral e o tempo de
televisão dedicado a isso perde cada vez mais o mercado para o disparo de Fake
News por intermédio das redes sociais. O mundo democrático vive agora numa
eterna checagem de fatos, a fim de que o direito à informação do cidadão seja
tutelado.
Neste sentido, Matthew D’ancona (2018, p. 34-35) afirma:
No entanto, as mentiras, as manipulações e as falsidades políticas
enfaticamente não são o mesmo que a pós-verdade. A novidade não é a
desonestidade dos políticos, mas a resposta do público a isso. A indagação
dá lugar à indiferença e, por fim, à conivência. A mentira é considerada
regra, e não exceção, mesmo em democracias; como é o caso da Polônia,
onde o partido nacionalista no poder, Prawo i Sprawiedliwosc (Lei e Justiça),
disseminou mentiras de modo rotineiro a respeito de homossexuais, de
refugiados que espalhavam doenças e da colaboração entre comunistas e
anticomunistas. Não esperamos mais que nossos políticos falem a verdade:
isso, por enquanto, foi eliminado do perfil do cargo ou, no mínimo, relegado
de forma significativa da lista de atributos requeridos.

Assim, esse colapso generalizado da confiança configura a base da era


da pós-verdade, flui de tal forma que tira todo o grau relativamente alto de
honestidade que as sociedades democráticas dependem, para preservar sua ordem
(D’ANCONA, 2018, p. 42). A sociedade, de uma forma global, vive uma era de
fragilidade institucional, dando espaço para as Fake News espalharem-se, corroendo
gradativamente os órgãos de um dos pilares mais importantes do Estado
Democrático de Direito - o direito do cidadão à uma informação séria e honesta -
manipulando os resultados do jogo eleitoral, e minando a confiança popular na já tão
maculada democracia.
Sally Yates (apud KAKUTANI, 2018, p. 19) afirma que a “a verdade é um
dos pilares da democracia”. Afirma, ainda, que esta verdade é o que nos separa de
uma autocracia, vez que:
Nós podemos - e devemos - debater políticas e questões, mas esses
debates devem se basear em fatos em comum, e não em apelações baratas
à emoção e ao medo na forma de mentiras e de uma retórica polarizante.
Não apenas existe uma verdade objetiva, como deixar de dizê-la é uma
questão importante. Não temos como controlar se os agentes públicos
mentem para nós. Mas temos como controlar se eles devem responder por
estas mentiras ou se então, seja por exaustão ou para proteger nossos
interesses políticos, vamos olhar para o outro lado e igualar a indiferença à
verdade.
Verifica-se, portanto, que existência de um dever com a verdade, bem
como o comprometimento em tutelar e proteger o direito fundamental à informação
do cidadão é um ponto crucial para a manutenção de uma democracia saudável e
forte. A falta de verdade na veiculação de notícias, principalmente no âmbito eleitoral
acarreta em claros desastres: os Estados Democráticos e suas instituições correm o
risco de entrarem em colapso, assim como já entraram anteriormente, colocando em
cheque a confiança da população na sua crença na democracia.
No cenário brasileiro, cerca de metade da população brasileira declarou
apoio a uma intervenção militar temporária como uma alternativa a atual crise
política e econômica no país (RUNCIMAN, 2018, P. 233). Não há como negar que o
bombardeio de Fake News não seja um fator que colabore para a erosão da
confiabilidade popular nas instituições democráticas, sendo possível que a
democracia não sobreviva a mais uma crise de meia-idade, podendo ser levada à
sua ruína.
O resultado deixado pela disseminação de Fake News é a desinformação
da sociedade, ferindo gravemente o direito fundamental à informação do indivíduo,
inserindo a população num dilema entre o que é verdade e o que é mentira,
prejudicando assim o seu juízo de valor e entendimento a respeito de determinados
assuntos.
Essa desinformação quando gerada dentro de um cenário político,
representa um verdadeiro risco para o funcionamento e manutenção do Estado
Democrático, colocando o cidadão contra a Constituição Federal e as instituições
democráticas, vez que se perde a confiabilidade na Democracia, na Constituição
Federal e nos políticos, gerando uma atmosfera de insegurança, que leva o cidadão
ao questionar a validade e a confiança no Estado Democrático de Direito.

.
5 CONCLUSÃO

Finalizando este trabalho, se faz necessária apresentar algumas


considerações finais acerca dos temas aqui trabalhados, explicitando a importância
do direito à informação para o desenvolvimento e manutenção de uma sociedade
democrática. O trabalho também procurou apresentar e analisar os riscos
decorrentes da era da desinformação, bem como a instalação de uma era da pós-
verdade.
Este trabalho buscou, inicialmente, analisar a evolução de um State of
Law até sua consolidação como Estado Democrático de Direito, trabalhando o
conceito de Estado, desde o seu surgimento na polis grega, atuanto como a
personificação do vínculo entre o comunitário com o domínio e o poder, de uma
maneira organizada, chegando à idade média onde fora encarado como o poder
terriitorial, conhecido como Estado Patrimonial.
Após este período, com os adventos das ideias iluministas e racionalistas,
consolidou-se o estado Liberal, marcado pela luta da liberdade, ampliação da
participação política e livre iniciativa, sendo somente após a Segunda Guerra
Mundial que emerge o Estado Social, ou estado de bem-estar social, perdendo força
por volta dos anos 80, dando vez às ideias neoliberais, para apenas posteriormente
o Estado Moderno ver surgir a ideia de Estado Democrático de Direito, sendo
comprometido com um Estado Constitucional Democrático, tendo sua instauração
explicitamente reconhecida no Brasil por meio da Constituição Federal de 1988.
A partir desse reconhecimento do Estado Democrático de Direito, este
presente trabalho analisou o conceito de Democracia e suas premissas, concluindo
que esta pode ser conceituada através de um contrates com o despotismo, vez que
seu conceito engloba a participação de seus cidadãos nas decisões políticas com o
Estado exercendo seu poder dentro de um limite, sendo esse limite os direitos
involáveis do indivíduo.
Assim, pensar em uma sociedade democrática é imaginar a existência de
um elevado grau de representatividade das necessidades de seus componentes, por
meio da participação dos seus cidadãos pelo sufrágio universal, com a publicidade
de transparência dos atos públicos, que será promovida por intermédio de uma
imprensa comprometida, bem como os demais meios de comunicação, destinando-
se a promover a justiça, o bem-estar social e a segurança jurídica, concluindo ser
um caminho para o progresso e liberdade de uma sociedade.
Ainda, o trabalho analisou o cenário atual da democracia, concluindo que
esta se encontra longe de se tratar de um fenômeno estático: a democracia
encontra-se sempre em transformação, alternando entre seus altos e baixos, mais
ou menos popular, sendo deveras confrontada, havendo momentos em que a
população chega a questionar seu funcionamento e validade.
Juntamente com os ideias iluministas, a democracia prometeu diversos
feitos para população num geral, sendo estes o estabelecimento de um regime
próspero, justo e que expresse a vontade popular. No entanto, o não cumprimento
dessas promessas democráticas enseja no recorrente questionamento a respeito de
sua funcionalidade e sustentabilidade, havendo pessoas que chegam a cogitar
intervenção militar como um concorrente à altura da democracia como nova forma
de regime.
No entanto, mesmo que todos os caminhos indiquem para um colapso
eminente da tão subjugada democracia, verificou-se que em todo cenário ocidental,
a democracia vem enfrentando uma crise de meia-idade, sendo extremamente
equivocada afirmar que estamos nos deparando com seu fim próximo, sendo mais
correto admitir que está apenas não se encontra no seu auge de gozo de saúde.
Adiante, o presente trabalho analisou a importância dos direitos
fundamentais para o funcionamento do Estado Democrático de Direito, verificando a
importância do direito à informação no tocante à preservação da democracia.
Constatou-se que, assim como os demais direitos fundamentais, o direito à
informação possui uma conexão inegável com o princípio democrático, agindo como
a garantia da participação popular e a transparência e publicidade dos atos públicos,
sendo a informação uma das maiores prerrogativas do ser humano, sendo um dos
maiores responsáveis pelo compartilhamento de conhecimento que ensejará na
formação da opinião e entendimento do indivíduo, sendo essencial ao exercício da
liberdade.
Por fim, analisou-se o impacto que a divulgação das Fake News e a era
da pós-verdade causam no processo eleitoral e no Estado Democrático de Direito,
vez
que o bombardeamento dessas notícias falsas criam uma atmosfera de insegurança
em relação ao processo democrático: tem-se políticos associando-se a trolls e
agencias de dados para manipular perfis de possíveis eleitores, bem como utilizar-se
dessas notícias falsas para criar situações falsas que envolvam seu adversário
político e garantir uma vantagem no jogo eleitoral, burlando o sistema democrático e
instaurando um clima de desconfiança em torno do Estado Democrático de Direito e
seu funcionamento.
Assim, apresentadas estas considerações verifica-se que mesmo que a
Constituição Federal de 1988 garanta o gozo do direito à informação, o cidadão que
dissemina notícias falsas auxilia a criação da era da pós-verdade, contribuindo para
uma complexa rede de desinformação, concluindo que em razão dos danos que
estas condutas oferecem, sendo estes danos apresentados ao longo do último
capítulo desse trabalho, é inegável a sua incompatibilidade dessa prática com o
Estado Democrático de Direito, ante a criação de um cenário que impede o cidadão
de ter acesso ao seu direito fundamental à informação.
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