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MODERNO
Nossos eruditos quase não se distinguem, e em todo caso não em seu favor, dos
lavradores que querem aumentar uma pequena propriedade herdada e assiduamente, dia
e noite a fio, se esforçam em lavrar o campo, conduzir o arado e espicaçar os bois. Ora,
de modo geral, Pascal é de opinião que os homens cultivam com tanto afinco seus
afazeres e suas ciências simplesmente para com isso fugir às perguntas mais
importantes, que toda solidão, todo ócio efetivo lhes imporia justamente aquelas
perguntas pelo porquê, pelo de onde, pelo para onde. Aos nossos eruditos,
curiosamente, nem sequer ocorre a mais próxima de todas as perguntas: para que serve
seu trabalho, sua pressa, seu doloroso atordoamento. (270)
de onde, para onde, para que toda a ciência, se não for para levar à civilização?
Ora, talvez então à barbárie! (270)
o. Todo agir requer esquecimento: assim como a vida de tudo o que é orgânico
requer não somente luz, mas também escuro. Um homem que quisesse sempre sentir
apenas historicamente seria semelhante àquele que se forçasse a abster-se de dormir, ou
ao animal que tivesse de sobreviver apenas da ruminação e ruminação sempre repetida.
Portanto: é possível viver quase sem lembrança, e mesmo viver feliz, como mostra o
animal (273)
O fundamento disso está em que, no cômputo histórico, sempre vem à luz tanto
de falso, grosseiro, desumano, absurdo, violento, que a piedosa disposição à ilusão,
somente na qual pode viver tudo o que quer viver, é necessariamente desbaratada:
somente no amor, porém, somente envolto em sombras pela ilusão do amor, o homem
cria, ou seja, somente na crença incondicional na perfeição e na justiça. A todo aquele
que obrigaram a não mais amar incondicionalmente, cortaram as raízes de sua força: ele
tem de se tornar árido, ou seja, desonesto. Nesses efeitos, a história é o oposto da arte: e
somente quando a história suporta ser transformada em obra de arte e, portanto, tornar-
se pura forma artística, ela pode, talvez, conservar instintos ou mesmo despertá-los.
Uma tal historiografia, porém, estaria em total contradição com o traço analítico e
inartístico de nosso tempo, e até mesmo será sentida por ele como falsificação. História,
porém, que apenas destrói, sem que a conduza um impulso construtivo interior, torna,
com o tempo, sofisticados e desnaturados seus instrumentos: pois tais homens destroem
ilusões e "quem destrói a ilusão em si mesmo e nos outros, a natureza, como o mais
rigoroso tirano, o castiga". (281)
Uma religião que, de todas as horas de uma vida humana, considera a última a
mais importante, que prediz uma conclusão da vida terrestre em geral e condena tudo o
que vive a viver no quinto ato da tragédia excita, com certeza, as forças mais profundas
e mais nobres, mas é hostil a toda nova implantação, tentativa audaciosa, desejo livre;
resiste contra todo o vôo ao desconhecido, porque ali não ama, não espera: somente
contra a vontade deixa impor-se a ela o que vem a ser, para, no devido tempo, repudiá-
lo ou sacrificá-lo como um aliciador à existência, como um mentiroso sobre o valor da
existência. (283)
promoveram aquela célebre queima sacrificial de quadros, manuscritos,
espelhos, máscaras, o cristianismo gostaria de fazer com toda cultura que estimule à
continuação do esforço e traga aquele memento vivere como lema, e se não é possível
fazê-lo em linha reta, ou seja, por prepotência, ele alcança igualmente seu alvo quando
se alia com a cultura histórica, o mais das vezes até mesmo à sua revelia, e então,
falando a partir dela, recusa, dando de ombros, tudo o que vem a ser, e espraia sobre ele
o sentimento do tardio e do epigonal, em suma, o encanecimento inato. (...)Assim, o
sentido histórico torna seus servidores passivos e retrospectivos; e quase que somente
por esquecimento momentâneo, precisamente na intermitência desse sentido, o doente
de febre histórica se torna ativo, para, tão logo a ação tenha passado, dissecar seu ato,
impedir por meio da consideração analítica a continuação de seu efeito e, finalmente,
ressequi-lo em "história". (283)
Perceber no escuro do presente essa luz que procura nos alcançar e não pode
fazê-lo, isso significa ser contemporâneo. Por isso os contemporâneos são raros. E por
isso ser contemporâneo é, antes de tudo, uma questão de coragem: porque significa ser
capaz não apenas de manter fixo o olhar no escuro da época, mas também de perceber
nesse escuro uma luz que, dirigida para nós, distancia-se infinitamente de nós. Ou ainda:
ser pontual num compromisso ao qual se pode apenas faltar.
Por isso o presente que a contemporaneidade percebe tem as vértebras quebradas. O
nosso tempo, o presente, não é, de fato, apenas o mais distante: não pode em nenhum
caso nos alcançar. O seu dorso está fraturado, e nós nos mantemos exatamente no ponto
da fratura. Por isso somos, apesar de tudo, contemporâneos a esse tempo. Compreendam
bem que o compromisso que está em questão na contemporaneidade não tem lugar
simplesmente no tempo cronológico: é, no tempo cronológico, algo que urge dentro
deste e que o transforma. E essa urgência é a intempestividade, o anacronismo que nos
permite apreender o nosso tem po na forma de um “muito cedo” que é, também, um
“muito tarde”, de um “ja” que é, também, um “ainda não”. E, do mesmo modo,
reconhecer nas trevas do presente a luz que, sem nunca poder nos alcançar, está
perenemente em viagem até nós. (65)
Um imenso mercado de segurança pessoal, que vai do alarme doméstico aos planos
de aposentadoria, desenvolveu-se proporcionalmente ao enfraquecimento dos
dispositivos de seguros coletivos obrigatórios, reforçando por um efeito de circuito-
fechado o sentimento de risco e a necessidade de se proteger individualmente. Por uma
espécie de ampliação dessa problemática do risco, algumas atividades foram
reinterpretadas como meios de proteção pessoal. É o caso, por exemplo, da educação e
da formação profissional, vistas como escudos que protegem do desemprego e
aumentam a “empregabilidade”. (209)
Fazer com que os indivíduos ajam no sentido desejado supõe que se criem
as condições particulares que os obrigam a trabalhar e se comportar como agentes
racionais. A alavanca do desemprego e da precariedade foi, sem dúvida, um meio
poderoso de disciplina, (...)a gestão das empresas privadas desenvolveu práticas de
gestão de mão de obra cujo princípio é a individualização de objetivos e recompensas
com base em avaliações quantitativas repetidas. (220)
uma condição nova do homem, a qual, para alguns, afetaria a própria economia
psíquica. (p. 316)
consultório pacientes que sofrem de sintomas que revelam uma nova era do
sujeito. Esse novo estado subjetivo é frequentemente referido na literatura clínica a
amplas categorias, como a “era da ciência” ou o “discurso capitalista”. O fato de o
histórico apropriar-se do estrutural não deveria surpreender os leitores de Lacan, para
quem o sujeito da psicanálise não é uma substância eterna nem uma invariante trans-
histórica, mas efeito de discursos que se inserem na história e na sociedade (p. 316)
cada uma a sua maneira, psicanálise e sociologia registram uma mutação do
discurso sobre o homem que pode ser reportado, como em Lacan, à ciência de um lado e
ao capitalismo de outro: trata-se precisamente de um discurso científico que, a partir do
século XVII, começa a enunciar o que o homem é e o que ele deve fazer; e é para fazer
do homem esse animal produtivo e consumidor, esse ser de labor e necessidade, que um
novo discurso científico se propôs redefinir a medida humana. Mas esse quadro muito
geral é ainda insuficiente para identificar como uma nova lógica normativa se impôs
nas sociedades ocidentais. (p. 317)
Se existe um novo sujeito, ele deve ser distinguido nas práticas discursivas e
institucionais que, no fim do século XX, engendraram a figura do homempresa ou do
“sujeito empresarial”, favorecendo a instauração de uma rede de sanções, estímulos e
comprometimentos que tem o efeito de produzir funcionamentos psíquicos de um novo
tipo. (...) O homem neoliberal é o homem competitivo, inteiramente imerso na
competição mundial. (p. 317)
falar em empresa de si mesmo é traduzir a ideia de que cada indivíduo pode ter
domínio sobre sua vida: conduzi-la, geri-la e controlá-la em função de seus desejos e
necessidades, elaborando estratégias adequadas. (...) Trata-se do indivíduo competente e
competitivo, que procura maximizar seu capital humano em todos os campos, que não
procura apenas projetar-se no futuro e calcular ganhos e custos como o velho homem
econômico, mas que procura sobretudo trabalhar a si mesmo com o intuito de
transformar-se continuamente, aprimorar-se, tornar-se sempre mais eficaz. O que
distingue esse sujeito é o próprio processo de aprimoramento que ele realiza sobre si
mesmo, levando-o a melhorar incessantemente seus resultados e seus desempenhos.
(327)
Ética do nosso tempo (...) essas formas éticas, exaltando o “homem que faz a si
mesmo” e a “realização plena”, mas é por outros aspectos que ela se singulariza. A ética
da empresa tem um teor mais guerreiro: exalta o combate, a força, o vigor e o sucesso.
Ela transforma o trabalho no veículo privilegiado da realização pessoal: (p. 327)
Todos têm como objetivo fortalecer o eu, adaptá-lo melhor à realidade, torná-lo
mais operacional em situações difíceis. (...) todos se apresentam como saberes
psicológicos, com um léxico especial, autores de referência, metodologias
particulares, modos de argumentação de feição empírica e racional. O segundo
aspecto é que se apresentam como técnicas de transformação dos indivíduos que podem
ser utilizadas tanto dentro como fora da empresa, a partir de um conjunto de princípios
básicos. (p. 333)
são técnicas que visam à “conduta de si e dos outros” ou, em outras palavras,
técnicas de governamentalidade que visam essencialmente a aumentar a eficácia da
relação com o outro. (p. 333)
O sujeito neoliberal (...) não vale mais pelas qualidades estatutárias que lhe
foram reconhecidas durante sua trajetória escolar e profissional, mas pelo valor de uso
diretamente mensurável de sua força de trabalho. (p. 344)
o novo curso subjetivo, devemos guardar sobretudo esta advertência: “No time
for losers” [Não há tempo para perdedores]. A novidade é justamente que o loser é o
homem comum, aquele que perde por essência. (p. 347)
essa virada somente foi possível a partir do momento em que a função “psi”,
apoiada pelo discurso “psi”, foi identificada como o motor da conduta e o objeto-
alvo de uma transformação possível por técnicas “psi”. Não que o sujeito neoliberal
seja produto direto dessa construção, mas o discurso sobre o sujeito aproximou os
enunciados psicológicos e os enunciados econômicos até quase fundi-los. Esse sujeito é,
na realidade, um efeito compósito, como era o indivíduo do liberalismo clássico. (...) é
pela combinação da concepção psicológica do ser humano, da nova norma econômica
da concorrência, da representação do indivíduo como “capital humano”, da coesão da
organização pela “comunicação”, do vínculo social como “rede”, que se construiu
pouco a pouco essa figura da “empresa de si”. (p. 349)
O discurso “psi”, quando cruzou com o discurso econômico, teve outros efeitos
sobre a cultura cotidiana, dando uma forma científica à ideologia da escolha. (...)
Enunciados econômicos e enunciados do tipo “psi” juntaram-se para dar ao novo sujeito
a forma do arbítrio supremo entre “produtos” e estilos diferentes no grande mercado dos
códigos e dos valores. Foi ainda essa conjunção que deu origem a essas técnicas de si
que visam ao desempenho individual por meio de uma racionalização gerencial do
desejo. Mas foi outra modalidade dessa conjunção que permitiu o desenvolvimento do
dispositivo de desempenho/gozo, (p. 351)
Nessas condições, não são mais os homens que dirigem os homens, mas é a verdade
que fala diretamente pela boca dos cientistas e dos industriais , e é sabido que nada
é menos arbitrário do que a verdade. (386)
A genealogia do neoliberalismo que ensaiamos nesta obra ensina que a nova razão do
mundo não é um destino necessário que subjuga a humanidade. Ao contrário da Razão
hegeliana, ela não é a razão da história humana; ela é, de ponta a ponta, histórica, isto
é, relativa a condições estritamente singulares que nada permite que sejam
pensadas como insuperáveis. (391)
um Estado total “qualitativo”, como dirá Schmitt. Nesse caso, um Estado capaz
de despolitizar a sociedade, tendo força suficiente para intervir politicamente na luta de
classes, eliminar as forças de sedição a fim de permitir a liberação da economia de seus
pretensos entraves sociais. (22) –{dissolução dos laços sociais}
A disciplina social neoliberal deve anular tal dimensão de revolta que se exprime
no sofrimento psíquico. Por isso, ela deve reconstruir completamente o que podemos
chamar de “gramática social do sofrimento”. Não poracaso,a ascensão do
neoliberalismo nos anos 1970 é seguida por uma modificação brutal das formas de
descrição e categorização do sofrimento psíquico. Essa modificação consolida-se... (26)
... através do advento da terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-III), no final dos anos 1970: manual de psiquiatria que
representa uma ruptura profunda com uma gramática social do sofrimento que, até
então, dava paulatinamente espaço à consciência da dimensão conflitual dos processos
de socialização próprios à sociedade capitalista. (27)
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O conceito de liberdade positiva, por sua vez, supõe um sujeito que se entende
limitado por regras que ele deve escolher a partir do reconhecimento de que se insere
em uma estrutura social organizada por relações de interdependência. Se, no primeiro
caso,liberdade e norma se excluem, no segundo elas se constituem mutuamente.
Podemos, título ilustrativo desses dois modelos de liberdade, buscar uma tradução
psicanalítica da noção de sujeito implícita em cada uma dessas compreensões de
liberdade, e assim propor um exemplo da função dessa noção na operação de leitura
implícita na extração das matrizes psicológicas no pensamento neoliberal. Na liberdade
positiva, o sujeito livre não se reduz ao ego, na medida em que sua liberdade é
condicionada pela lei de interdição do incesto, que o limita e também o constitui como
sujeito autônomo. Estaríamos, nesse caso, mais próximos do modelo freudiano de
sujeito em sua segunda tópica, em que as instâncias do ego, do id e do superego são
codeterminadas, sendo, portanto, indissociáveis. Na noção de liberdade negativa, por
sua vez, o sujeito pareceter sido reduzido à instância egoica pensada comoentidade
última e soberana de si. (74)
investigação que Freud ([1905] 2017) faz sobre o chiste, e que evidencia um
elemento retomado posteriormente por Lacan. Referimo-nos ao Lustgewinn, o excesso
não útil de prazer, o resto que comanda a lógica do chiste. Ora, a maximização da
utilidade não deixa restos, tampouco restos que conduzam de forma heterônoma o
sujeito. A magnitude desse resto inútil é feita central por Lacan (2008,p. 29-30), que
associa esse prazer excedente à mais-valia de Marx, formando o mais-de-gozar. Essa
construção lacaniana é central, pois, ao estabelecer uma homologia entre o mais-de-
gozar e a mais-valia, Lacan indica a conformação de um discurso que, diferentemente
da abordagem do comportamento humano de Becker, compreende exatamente à
estrutura do “em-nome-de” pelo qual se prefere e se escolhe. Vale dizer, esse
imperativo se reproduziria justamente porestar excluído da narrativa cada vez mais
totalizante da economia. (109)
Claro está que, como dissemos, em suas propostas mais explícitas, a liberdade
em jogo nas teorias neoliberais é aquela da liberdade negativa. Sob o crivo da
competição flutuante, em que tudo o que não é iguala si mesmo representa uma ameaça
de submissão ou perda de valor, a redoma anticoerção do laissez-faire se apresenta
como a faceta única da liberdade. (111)
Vê-se, portanto, que embora diversos pontos possam ser reconhecidos enquanto
contraditórios entre esses autores, certo acordo sub-reptício em torno de uma mesma
finalidade retórica parece alinhálos automaticamente, explicitando justamente a
clivagem que suas teorias tentam ofuscar. (...). E aí há algo que talvez seja uma linha
condutora dessas diversas propostas de teorias psicológicas e defesas da liberdade: por
trás de incontáveis argumentos que giram em torno da defesa da não intervenção e do
livre-mercado enquanto produtor de abertura a novas possibilidades, vê-se que essas
possibilidades reduzem, ao final, a maneiras de adequação aos novos imperativos do
capital. (113)
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A noção de pacto social, no sentido aqui empregado, pode ser tomada como um
correlato ao conceito de modos de subjetivação de Foucault (1994, p. 223), ou seja,
formações discursivas e dispositivos sociais nos quais os sujeitos se constituem como
tais. Conforme buscamos demonstrar ao longo destelivro, essa dimensão subjetiva não é
alheia ao projeto neoliberal, pelo contrário, faz parte de seu funcionamento. Pois o
neoliberalismo não é apenas uma teoria ou política econômica, mas uma “racionalidade
política que se tornou mundial e que consiste em imporpor parte dos governos, na
economia, na sociedade e no próprio Estado,a lógica do capital até a converter na forma
das subjetividades e na norma das existências” (DArDOT; LAvaL, 2020). Desse modo,
pode-se falar que tal racionalidade política exige a produção de um sujeito, com
valores morais e formas de sociabilidade adequados a ela. Há um sujeito que foi
produzido especificamente pela formação discursiva neoliberal, com suas formas de
verdade, seus valores (253) morais, suas instituições sociais. Nesse sujeito, uma ideia
precisa de liberdade está presente, a saber, a liberdade se não como independência
comportamental, pelo menos como não submissão moral do indivíduo às normas
sociais.” Fundado sobre um modelo de liberdade associal do sujeito, o pacto social no
neoliberalismo se organiza sobre uma base contratual, estabelecida supostamente entre
sujeitos puramente racionais, em que a submissão moral à Lei não tem lugar. (254)
A mais radical delas foi realizada pelo Prêmio Nobel de Economia Gary Becker,
segundo a qual o ego é pensado no interior de uma categoria epistemológica que o
emancipa de toda espessura moral e o reduz a uma racionalidade exclusivamente
prática. Para Becker, o ego é apenas uma das formas de unidade decisória entre
possibilidades (263) incompatíveis. Tal unidade decisória pode ser um sujeito, uma
família, uma empresa ou uma nação. O importante para o laureado é que qualquer
comportamento humano deva ser sempre considerado como uma “escolha racional entre
objetivos excludentes visando a maximização de utilidades” (Becker, 1990, p. 5).
Becker ficou famoso por ser o criador do conceito de “capital humano” (Becker, 1993),
propondo a ideia de que a educação deva ser pensada como um investimento financeiro
equivalente a qualquer outro. O exemplo da educação é apenas a faceta mais conhecida
de sua obra, que propõe a equação custo-benefício como a categoria fundamental da
existência em todos seus âmbitos. Assim, investir na própria formação ou numa viagem,
na saúde ou no prazer imediato de um cigarro são escolhas de um ego racional que
responderá pelos ganhos e perdas futuros de suas opções. Lentamente, mas de modo
inevitável, o conceito de “capital humano” se espalha pela sociedade,
ressignificando a função da formação acadêmica na vida social e deslocando o peso
do conhecimento adquirido para os rendimentos que ele possibilita. A faceta
performativa desse modo de subjetivação se revela aqui com clareza, pois, ao investir
financeiramente na própria formação, o sujeito se concebe necessariamente como uma
empresa que deve prospectar novos mercados e optar pelas possibilidades mais
lucrativas e seguras.(264)
{tudo passa a ser calculado como um investimento financeiro, em seu custo-
benefício, traduzindo, nesses termos, todas as instâncias da vida, doutrinando a
subjetividade}
outros autores imprimiram uma nova guinada moral na retórica egoica do
imaginário social, passando da ideia ainda abstrata do ego do autor de Capital humano
para a semântica heroica do ego livre, empreendedor e conquistador incansável de
novas oportunidades. No universo dos recursos humanos, esse novo ego serviu como
uma luva na crise do petróleo do final dos anos 1970, momento que as empresas se
concentraram em reduzir gastos com direitos trabalhistas nos programas de demissão
em massa.
O ego neoliberal dos anos 1980 já estava assim devidamente vestido de um
imaginário moral acessível ao grande público e, portanto, em condições de exercer seu
papel cívico pelo voto. A ideia de que o Estado deveria compensar ou minimizar a
injustiça social estrutural provocada pelo capitalismo não era mais uma verdade
evidente para as massas. Toda função assistencial do Estado passou a ser olhada
com suspeita, como uma forma de fomentar uma sociedade composta de sujeitos
dependentes, preguiçosos e incapazes. (265)
!!!!!!!!!!!!!
Fica claro que mais do que mera teoria econômica, o neoliberalismo é uma
formação discursiva no sentido foucaultiano, que configura um novo pacto social.
Segundo Foucault, uma formação discursiva é uma matriz de produção de discursos que
atravessa diferentes âmbitos da cultura. Em primeiro lugar, seus jogos de verdade, isto
é, sua concepção de ciência. Em segundo lugar, sua concepção do que é o Estado, ou
seja, sua ideia de política, e, finalmente, seus modos de subjetivação, ou seja, os modos
de objetivação do que é ser um sujeito. É nesse sentido que o neoliberalismo pode ser
examinado como uma formação discursiva: uma concepção de governo protetor do
mercado, uma concepção de ciência submetida à tecnologia e ao capital, e uma
concepção de sujeito cuja liberdade depende do seu caráter associal. (266)
fundamentalmente a partir de 1920, Freud faz uma (270) revisão das relações
entre a dimensão simbólica e a dimensão pulsional dos discursos nas sociedades
civilizadas. Nessa revisão, sociedades nas quais os processos de racionalização são
hegemônicos, longe de realizarem apenas um melhor recalcamento de desejos
socialmente inconfessáveis, são também aquelas mais sujeitas a expressões desumanas
de agressividade. Forma de compreensão das articulações entre racionalidade e
pulsionalidade, em que uma dimensão causal inédita é apresentada. Nela a racionalidade
produz formas de violência que são ao mesmo tempo simbolicamente estruturadas e
inumanas em suas expressões. (271)
novas dinâmicas possuem uma dimensão na economia psíquica e uma dimensão
social da economia que se fortalecem mutuamente. Em sua dimensão social, elas são
sustentadas por um discurso moral que afirma que, para o sujeito livre, a submissão à lei
é uma escolha racional, baseada em um cálculo de custo-benefício. Mas, em sua
dimensão de economia psíquica, elas se nutrem de uma dinâmica que merece ser
apresentada em detalhes no âmbito dateoria freudiana. No coração da economia
psíquica dessa forma de violência despertada pelo neoliberalismo está o conceito de
pulsão de morte, que permitiu que se reconhecesse no psiquismo a presença de uma
forma de crueldade sem álibi (DerriDA, 2001), isto é, sem desculpas instrumentais.
(271)
Vejamos em suas linhas gerais seu argumento, apresentado nos capítulos IV e V
de O eu e o isso, de 1923. Em primeiro lugar, Freud afirma que o complexo de Édipo
depende da transformação dos investimentos libidinais nos pais em identificações que
constituem o supereu. O segundo ponto de sua argumentação é que esse processo de
transformação é também a condição necessária a qualquer sublimação, ou seja, para
haver uma substituição dos objetos eróticos pelos objetos valorizados culturalmente, é
preciso que sua carga libidinal seja primeiramente transformada em investimento
narcísico através da identificação. Contudo — e esse é o terceiro passo do argumento
—, tal transformação tem efeito de enfraquecer Eros em sua capacidade de se vincular
com a pulsão de morte, Isso significa que toda sublimação produz sempre a desfusão
pulsional como resto. Com a desfusão pulsional oriunda da constituição do supereu, os
alvos de Eros e da pulsão de morte se separam. Com isso, a pulsão de morte passa a
buscar realizar seu destino de modo independente. No melhor dos casos, ela
parcialmente se refusiona com Eros, estruturando o masoquismo moral no eixo entre o
eu e o supereu, e parcialmente se dirige ao exterior sob a forma de sadismo.
Além de O eu e o isso, de 1923, pelo menos dois outros textos importantes de
Freud, “O problema econômico do masoquismo”, de 1924, e O malestar na cultura, de
1930, apresentam esse efeito indiscutivelmente nocivo do pacto civilizatório. Observe-
se que não apenas as formas excessivas de idealização seriam patogênicas, mas também
as formas necessárias dos ideais para a organização social, começando pelo supereu, de
modo que é precisamente aquilo que permite o sujeito entrar na cultura, o próprio
complexo de Édipo, que traz consigo o incremento da agressividade para além de
qualquer funcionamento instrumental. (272)
A cultura da liberdade individual impermeável à alteridade, promovida (272)
pelo neoliberalismo, legitima socialmente a crueldade sem álibi da pulsão de morte.
Trata-se de um movimento inverso àquele descrito por Pellegrino entre discurso social e
economia pulsional. Lá, a ruptura do pacto social desencadeia a agressividade dos
indivíduos. No neoliberalismo, a agressividade, a crueldade sem álibi, é legitimada pelo
pacto social em jogo. Essa homologação discursiva racionaliza a violência
comoinerente à competição ou à salvação do mercado (...) Sempre se pode perceber o
ponto em que a crueldade se torna um fim em si mesmo.
Um desses momentos em que o gozo com a morte do outro veio à tona foi
aquele do revoltante “E daí?” de Jair Bolsonaro. (273)
Conforme demostrou Foucault (2017, p. 1645), na medida em que a biopolítica
toma a vida da população como um bem do Estado, ela também dispõe de sua morte.
Fazer viver, e deixar morrer são assim indissociáveis, e toda biopolítica é também uma
tanatopolítica. A especificidade do pacto neoliberal e seu discurso foi legitimar o gozo
com o deixar morrer. Claro está que legitimar gozo com a morte do outro sabota as
bases de vínculos sociais consistentes, inviabiliza a política e ameaça a raça dos
homens, como bem mostra o mito grego. (273)
Mas o que diz Freud sobre o futuro da cultura? Pois, se o incremento da
agressividade é um efeito da cultura, não podemos eliminá-lo sem dar cabo desta. E,
contudo, também não podemosaceitálo. Pelo menos não em uma cultura com valores
fundados na justiça social e no respeito pela alteridade do outro. Freud abre outras
possibilidades para atenuar a agressividade sem negar sua existência, mas sem afirmá-la
como um valor. De fato, é possível encontrar exemplos na sociedade que ilustrem essas
estratégias intermediárias de enfrentamento do impasse entre cultura e agressividade.
No filme Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (2019), por
exemplo, o tratamento da agressividade é ilustrado em diferentes formas de pacto social.
A cidade de Bacurau representa assim comunidades humanas locais, sem valor
produtivo, que só entram no mapa neoliberal como alvos de pilhagem. As formas de
expressão da agressividade sem álibi segundo as formas de pacto social que a
metabolizam, a saber, o local comunitário, e o global, neoliberal, podem ser lidas nos
diferentes regimes de visibilidade pelos quais a agressividade é tematizada no filme.
(274)
a presença do museu de Bacurau, espaço que mostra e lembra àquela
comunidade o seu próprio passado. Museu que mantém na lembrança a violência do
cangaço. Pelo museu, esse tempo é narrado e rememorado, mas não revivido. Nesse
sentido, uma das cenas mais importantes no filme é aquela em que a mulher
encarregada da limpeza do museu, após a chacina, diz à sua ajudante: “Limpe o chão,
mas deixe as marcas de sangue nas paredes”. Forma de inscrever na história a barbárie
presente ao lado das barbáries do passado e assim lembrar que ela sempre estará ali
onde estivermos. Barbárie que, inscrita, localiza cada visitante do museu como seu
possível autor. Estratégia análoga àquela dos vidros que Francis Bacon colocou sobre
algumas de suas telas mais fortes”: com seureflexo,tais vidros mostram o gozo que as
imagens de (275) corpos deformados produzem no olhar do próprio espectador. Talvez
assim ele recupere seu pudor. (276)
Max Weber
Questão inseparável da compreensão da competição e da competitividade
como argumentos morais e políticos utilizados retoricamente pelas elites econômicas
de modo a deslocar as preocupações com a desigualdade e com a vulgaridade do
capitalismo financeirizado. (227)
Daniel Goldstein (2012) vai além ao afirmar que não apenas a implementação,
mas a própria compreensão teórica sobre o que é o neoliberalismo deve ser situada
temporal e espacialmente. Como não há uma teoria pura do neoliberalismo, mas
variações e debates que estão em curso, os discursos sobre o que é e como opera não
estão limitados ao Ocidente, embora possam ter tido origem nesse hemisfério. Na busca
de descolonizar o estudo, Goldstein propõe “enfatizar que os neoliberalismos não são
apenas instâncias variadas de ideias globais, mas realidades plenamente vividas nas
quais as pessoas e os Estados possuem suas próprias teorias e elaboram seus próprios
discursos e críticas sobre os mundos por eles habitados e sobre os modos pelos quais
eles devem ser organizados” (Goldstein, 2012: 305). (230)
!!!!!!!
A despeito das diferenças teórico-políticas, a complementariedade entre os
fenômenos do neoliberalismo apontam para quatro alvos principais. A primeira
dimensão é a econômica globalizada, definida por um regime de acumulação
financeirizado, por reconfigurações geográficas da produção, por formas de acumulação
por espoliação e pela centralização da tomada de decisão nas mãos de um número
reduzido de agentes transnacionais capitalistas, colocando no centro do embate a luta de
classes em âmbito internacional e as resistências às formas de espoliação. A segunda
dimensão é a da luta antidisciplinar contra os modos de regulamentação e/ou
dispositivos de governamentalidade, principalmente contra as formas de gestão
derivadas da concorrência e da empresa privada, lutas que podem ser travadas tanto no
âmbito local como nacional e que disputam as formas institucionais, o direito, a
administração e as políticas públicas. A terceira dimensão é a teórica e a simbólica, a
ser travada por intelectuais e ideólogos, alcançando níveis propagandísticos, de modo a
desconstruir a hipótese do mercado eficiente e desfazer o valor da competitividade e da
economização na política. Desafia-se assim a legitimidade das autoridades e das
técnicas de avaliação e ranqueamento neoliberais em nome de valores substantivos
como os da solidariedade, da igualdade, da participação democrática e da emancipação.
A quarta dimensão é a das disposições subjetivas, definida em nível microssocial e
intraindividual, na relação que o indivíduo estabelece (235) consigo mesmo em conexão
com os outros, de modo a buscar novo imaginário e novas práticas de si fora da
lógica do capital humano, do empreendedorismo e da visão economicista de
mundo. (236)
Bourdieu, P. O neoliberalismo, utopia (em vias de realização) de uma
exploração sem limites. In Contrafogos: Táticas para enfrentar a invasão
neoliberal. Rj, Jorge Zahar Ed., 1998.
Resistências que suscita desde agora por parte daqueles que defendem a odem
antiga, nutrindo-se dos recursos nelas contidos (...) em suma das reservas de capital
social que protegem toda uma parte da presente ordem social de uma queda na anomia.
(87)
uma politica economica, como a gestao de todo urn corpo social, (258)
Os neoliberais praticamente nao discutem nunca com Marx por razoes que talvez
possamos ver como sendo as do esnobismo economica, pouca irnporta. Mas ereie que,
se eles se dessem ao trabalho de cliscutir com Marx, e facil imaginar 0 que poderiam
dizer a [prop6sito da] analise de Marx. Eles diriam: e verdade que Marx faz do trabalho,
no fundo, 0 eixo, urn dos eixos essenciais cia sua amilise. Mas 0 que faz Marx quando
analisa 0 trabalho? Ele mostra que 0 operano vende 0 que? Nao seu trabalho, mas sua
for~a de trabalho. Ele vende a sua for~a de trabalho por certo tempo, e isso em troca de
urn salario estabelecido a partir de certa situa~ao de mercado que corresponde ao
equilibrio entre a oferta e a procura de for~a de trabalho. E 0 trabalho que 0 operano faz
e urn trabalho que cria valor, parte do quallhe e extorquido. Nesse processo Marx
enxerga evidentemente a pr6pria mecanica ou a pr6pria l6gica do capitalismo, 16gica
que consiste em que? Pois bern, no seguinte: 0 trabalho, por tudo isso, e"abstrato"*, ista
e, 0 trabalho concreto trans formado em for~a de trabalho, medido pelo tempo, posta no
mercado e retribuido como salario nao e 0 trabalho concreto; e urn trabalho que esta, ao
contrano, amputado de toda a sua realidade humana, de todas as suas variaveis
qualitativas, e justamente - e bern isso, de fate, 0 que Marx mostra - a mecanica
economica do capitalismo, a 16gica do capital s6 retem do trabalho a for~a e 0 tempo.
Faz dele urn produto mercantil e s6 retem seus efeitos de valor produzido. (304-05)
e 0 salano nao e nada mais que a remunera,ao, que a renda atribuida a certo
capital, capital esse que vai ser charnado de capital humano na medida em que,
justamente, a competencia-maquina de que ele é a renda nao pode ser dissociada do
individuo humano que 10 seu portador". Entao, de que é composto esse capital? (312)
Esse capital humano é composto de que? Pois bern, ele 10 composto, dizem
eles, de elementos que sao elementos inatos e de outros que sao elementos adquiridos~.
Falemos dos elementos inatos (312)
s familias ricas que das farrulias pobres. Esempre nesse mesmo projeto de
analisar, em termos ecanomicos, tipos de relaç;ao que ate entao pertenciarn mais it
demografia, it saciologia, it psicologia, it psicologia social, I' sempre nessa perspectiva
que as neoliberais procurararn analisar, par exemplo, as fenomenos de casamento e do
que acontece com urn casal, isto e, a raciona1iza~ao propriarnente economica que 0
casamento constitui na coexistencia dos indivíduos (334)
Uma conduta racional como a que consiste em sustentar urn raciocinio formal
nao sera porventura uma conduta economica no sentido em que acabamos de defini-la,
ou seja, alocaçao ótima de recursos raros para finalidades altemativas, ja que um
raciocinio formal consiste no fato de que se dispoe de certo numero de recursos que sao
recursos raros - esses recursos raros vaG ser urn sistemasimb6Iico, VaG ser urn jogo de
axiomas, VaG ser urn certo nilmero de regras de construçao, e nao qualquer regra de
construçao e nao qualquer sistema simb6lico, simplesmente alguns -, recursos raros
esses que vao ser utilizados de forma 6tima para uma finalidade determinada e
altemativa, no caso uma conclusao verdadeira em vez de urna conclusao falsa, a qual se
procurara chegar pela melhor alocaçao possivel desses recursos raros? Logo, no limite,
por que nao definir toda conduta racional, todo comportamento racional, qualquer que
seja, como objeto possivel de uma analise economica? (367)
Urn interesse pratico, por assim dizer, na medida em que, quando voce define 0
objeto da analise economica como conjunto das respostas sistematicas de urn individuo
as variaveis do meio, percebe que pode perfeitamente integrar a economia toda uma
serie de tecnicas, dessas tecnicas que estao em curso e em voga atualmente nos Estados
Unidos e sao chamadas de tecnicas comportamentais. Todos esses rnetodos cujas
formas mais puras, mais rigorosas, mais estritas au mais aberrantes, como preferirem,
sao encontradas em Skinner' e consistem precisamente, nao em fazer a analise do
Significado das condutas, mas simplesmente em saber como urn dado jogo de estimulos
podera, por mecanismos ditos de reforço, acarretar respostas cuja sistematicidade
podera ser notada e a partir da qual Sera possivel introduzir outras variaveis de
comportamento - todas essas tecnicas comportamentais mostram bern como, de fato, a
psicologia entendida dessa maneira pode perfeitamente entrar na definiçao da economia
tal como Becker a da. (368)
. 0 poder politico nao deve intervir nessa diniimica que a natureza inscreveu no
coraç;ao do homem. E proibido portanto que 0 governo crie obstaculo a esse interesse
dos individuos.(381)
É que, claro, com essa ideia de sociedade civil temos uma reclistribui,çoou uma
especie de recentragem/descentragem dessa razao governarnental de que ja havia
procurado !hes falar ano passado. (421)
Desde muy temprano las vidas deben pasar por la prueba de si van a ser o no
aceptadas, si van a tener lugar o no, en el nuevo orden simbólico del Mercado. El
Mercado funciona como un dispositivo que se nutre de una permanente presión que
impacta sobre las vidas, marcándolas con el deber de construir una vida feliz y
realizada. La creciente expansión del fenómeno de la autoayuda da testimonio de ello,
cons- trucción imposible ya que lo "ilimitado" de las exigencias del Capital están hechas
para impedir la realización plena que se demanda. Esu n a explotación sistemática del
"sentimiento de culpabilidad" queformalizó Freud en "El malestar en la cultura".16
é já evidente que o neoliberalismo espera dos seres falantes outra coisa que
a verdade do inconsciente. A proliferação de managers da alma de distintos
cunhos, apenas constitui o primeiro avanço da gerencia empresarial que se presta
a reconfigurar o simbólico desde a lógica da mercadoria. Em outras palavras,
realizar em cada uma das voltas do discurso do capitalista uma “dessimbolização”
que anule a relação do sujeito com a verdade de seu desejo. (31)
Lacan – impasses crescentes da civilização {procurar}
A questão sobre se ainda é possível uma transformação radical das estrturas do
neoliberalismo no campo da democracia, é sempre uma indagação sobre tudo aquilo que
Lacan disse acerca dos seres falantes. (31)
Mal-estar do século XXI
A idéia de Lacan é que o capitalismo logrou introduzir uma nova relação entre a
falta e o excesso, uma nova relação entre o caráter insaciável do desejo humano e o
excesso de gozo. (...) no século Xxi surgiu um novo tipo de subjetividade neoliberal,
que poderíamos caracterizar do seguinte modo: como “empresário de si mesmo”. Não
alguém que tem uma empresa, se não que gerencia sua própria vida como um
empresário de si mesmo, como alguém que está todo o tempo desde sua própria relação
com si mesmo e em sua relação com o outro, concebendo, gerenciando, organizando sua
vida como uma empresa de rendimento. (...) e um mais de gozar. (33)
A existência de uma brecha que condiciona toda a realidade e que nenhum bem
geral construído sob o modo neoliberal pode terminar de apagar. Finalmente, o que é
verdadeiramente insuportável para o saber neoliberal é que o antagonismo não pode
ser absorvido pelo especialismo de um consenso, porque o antagonismo é o ponto
de partida a partir da qual a realidade se estrutura. (38)
O neoliberalismo possui uma dimensão escatológica. Sua época é, por fim, que
introduz uma certeza para o futuro. Uma espécie de atração, de imã irresistível, chama
desde o futuro a consumar a pulsão de morte, essa através da qual se interrogava Freud
em relação a seu enigmático triunfo. (41)
Alemán, J. Neoliberalismo y subjetividad.
Articulo extraído del diario Página12 ‐ 14 de marzo del 2013 – acessado em 13 dez
2022
https://campuseducativo.santafe.edu.ar/wp-content/uploads/J-Aleman-
Neoliberalismo-y-subjetividad1.pdf
El neoliberalismo no es sólo una ideología que defienda la retirada del
Estado, su desmantelamiento a favor del mercado, o un dejar hacer a la “mano
invisible” del
capitalismo financiero. Tal como ya lo ha demostrado Michel Foucault, en “el nacimien
to de la biopolítica”, y actualmente Christian Laval y Pierre Dardot, el
neoliberalismo, a
diferencia del liberalismo clásico o el neoconservadurismo, es una construcción positiva
, que se apropia no sólo del orden del Estado, sino que es un permanente productor de
reglas institucionales, jurídicas y normativas, que dan forma a un nuevo tipo de
“racionalidad” dominante (...) El neoliberalismo no es sólo una máquina
destructora de
reglas, si bien socava los lazos sociales, a su vez su racionalidad se propone organizar
una nueva relación entre los gobernantes y los gobernados, una “gubernamentabilidad”
según el principio universal de la competencia y la maximización del
rendimiento extendida a todas la esferas públicas, reordenándolas y
atravesándolas con nuevos dispositivos de control y evaluación (1)
producir, fabricar, un nuevo tipo de subjetividad. A diferencia del sujeto
moderno, diferenciado en sus fronteras jurídicas, religiosas, institucionales, etc.,
el
sujeto neoliberal se homogeneiza, se unifica como sujeto “emprendedor”, entregado al
máximo rendimiento y competencia, como un empresario de sí mismo. (...)
el empresario de sí, el sujeto neoliberal, vive permanentemente en relación con lo
que lo excede, el rendimiento y la competencia ilimitada. (1)
Las técnicas de gestión, los dispositivos de evaluación, los coach, los
entrenadores personales, los consejeros y estrategas de vida son el suplemento
social del sujeto neoliberal producido por los dispositivos de la racionalidad
neoliberal. El sujeto
neoliberal, viviendo fuera de su límite, en el goce de la rentabilidad y la competencia y
estableciendo consigo mismo la lógica del emprendedor está a punto de fracasar a cada
paso. El stress, el ataque de pánico, la depresión, “la corrosión del carácter”, lo precario,
lo líquido y fluido, etc., constituyen el medio en que el sujeto neoliberal ejerce su propio
desconocimiento de sí, con respecto a los dispositivos que lo gobiernan. Esos
dispositivos que le reclaman que sea “el actor de su propia vida”, el que racionaliza su
deseo en la competencia y en la técnica de conducirse a sí mismo y a los demás (1-2)
Podemosafirmar que su racionalidad cumple con lo analizado por Heidegger con
respecto a las estructuras de emplazamiento” del ser propias de la técnica, que provocan
en el ser humano una presentación de su existencia en forma de cálculo de sí, o con lo pl
anteado por Lacan en el Discurso Capitalista, donde el sujeto ya sólo está condicionado
por la “plusvalía” de goce. El fin último del neoliberalismo es la producción de un sujet
o nuevo, un sujeto íntegramente homogeneizado a una lógica empresarial,
competitiva, comunicacional, excedida todo el tiempo por su performance. Sin la distan
cia simbólica que permita la elaboración política de su lugar en los dispositivos
que amaestran su cuerpo y su subjetividad. (2)
como han pensado Freud, Heidegger y Lacan, hay ciertos
elementos en la propia constitución estructural del sujeto, que ningún orden político‐
histórico puede integrar al menos en forma total y definitiva. La posible lucha contra el
neoliberalismo depende de esta cuestión: ¿qué hay en el advenimiento del sujeto en su
condición mortal, sexuada y mortal que no pueda ser atrapado por los dispositivos de
producción de subjetividades específico del neoliberalismo? (2)
https://www.ihu.unisinos.br/categorias/591075-anatomia-do-novo-
neoliberalismo-artigo-de-pierre-dardot-e-christian-laval
https://outraspalavras.net/outrasmidias/quando-a-submissao-capitalista-ja-esta-
dentro-de-voce/
o solo nativo do sujeito, o lugar de onde advém a sua própria existência não é o Poder,
mas, sim, a estrutura da linguagem que o precede e o espera antes de seu próprio
nascimento.
Não é por acaso que a psicanálise vem perdendo terreno e importância na era
pós-moderna. Com efeito, a experiência psicanalítica se contrapõe, em todos os seus
detalhes, aos valores que orientam a cultura do narcisismo e do espetáculo, na medida
em que a emergência dos universos do inconsciente e da fragmentação pulsional
pressupõe a ruptura do sujeito com o eixo narcísico do eu. Conduzir o sujeito ao
encontro incerto e imponderável de seu desejo faz com que ele, necessariamente,
siga trilhas opostas ao projeto mundano do espetáculo e da performance. Há muito
tempo já se sabe que o grande ponto de ultrapassagem para a experiência psicanalítica é
a quebra da exaltação narcísica do eu, isto é, das mirabolâncias de seu espetáculo. Para
que a psicanálise funcione, pois, é preciso romper com as amarras narcísicas do
indivíduo, em que o gozo e a predação do outro são soberanas, para conduzir o sujeito
ao encontro do insondável de seu desejo. (177)
!!!!!!!!
eleva-se um novo imaginário associado ao poder sobre si, ao controle
individual das condições de vida. Daí em diante, os gozos ligados à aquisição das
coisas se relacionam menos à vaidade social que a um “mais-poder" sobre a
organização de nossas vidas, a um dominio maior sobre o tempo, o espaço e o
corpo. Poder construir de maneira individualizada seu modo de vida e seu emprego
do tempo, acelerar as operações da vida corrente, aumentar nossas capacidades de
estabelecer relação, alongar a duração da vida, corrigir as imperfeições do corpo,
alguma cotsa como uma "vontade de poder* e seu gozo de exercer uma dominação
sobre o mundo e sabre si aloja-se no coração do hiperconsumidor (51-52)
é pelo laok e pelos signos do consumo que procuram afirmar-se os jovens dos
bairros deserdados. O consumo é. nas condições presentes, o que constrói uma grande
parte de sua identidade: quando faltam as outras vias do reconhecimento social, “torrar a
grana" e consumir itnpõem-sc como finalidades preeminentes. Mediador da “verdadeira
vida" o consumo é igualmente revestido do que permite escapar ao desprezo social c à
imagem negativa de si. A obsessão do consumo, observável, em nossos dias, até nas
populações marginalizadas, não indica apenas o poder sem precedentes da
mcrcantilizaçâo dos modos de vida. mas também a nova intensidade das frustrações cm
relação aos padrões de vida dominantes, bem como uma exigência ampliada dc
consideração e de respeito, típica do individualismo demonstrativo sustentado pela fase
tu: importa cada vez mais, para o indivíduo, não ser inferiorizado, atingido cm sua
dignidade. (192)
nossas scKiedades não rcconhcccriam mais que o imperativo de otimizarão de si
em todas as idades, em toda situarão e por todos os meios. Enquanto os atletas, os
empresários e outros super vencedores posam dc novos heróis, todos são intimados a ser
superativos c operacionais em todas as coisas, a maximizar seus potenciais de forma e
de saúde, de sexualidade c dc beleza. Termina uma época: na que se anuncia, a
sociedade é continuamente chamada a aceitar os desafios da concorrência globalizada, o
consumo, a desenvolver nossas aptidões, e os indivíduos, a aperfeiroar seu saber-fazer e
saber-ser. Construir-se,destacar-se, aumentar suas capacidades, a '‘sociedade de
desempenho* tende a tornarse a imagem prevalente da hipermodernidade. (260)
!!!!!!!
Todos dopados, todos sob a injunção de serem competitivos» de assumir
riscos» de estar no topo: a cultura dc desempenho explode em todas as direções. Dos
estádios ã empresa» dos lazeres à escola» da beleza à alimentação, do sexo à saúde,
todos os domínios são apanhados por uma lógica de concorrência e de aperfeiçoamento
pelo aperfeiçoamento» lodo o espaço social e mesmo mental se acha remodelado pelo
principio de exploração a todo custo dos potenciais. (261)
Ele não apenas fornece uma explicação clara, unificada, totalizante do “ mal-
estar da civilização", nus também permite uma crítica geral tanto das pequenas quanto
das grandes atividades da vida (262)
Não apenas o saber-fazer, mas também o usahcr-ser", os sentimentos, todos os
componentes da personalidade individual é que devem ser otimizados. (263)
A clínica psicanalítica e a teoria social podem encontrar afinidades pelas quais ambas
sejam beneficiadas. Sem uma perspectiva clara das coordenadas da época, a psicanálise
poderia descuidar-se das profundas transformações sociais que tocam os fundamentos
da civilização, gerando novos sintomas para os quais a clínica deve dar uma resposta
que se distinga dos pressupostos policias da biopolítica. E sem os conceitos
psicanalíticos de inconsciente, pulsão, da lógica do significante e da teoria do gozo, a
sociologia corre o risco de extraviar-se nos atoleiros da metafísica. (12)
Agora, porém, multiplicam-se os indícios de que cada vez mais gente cederia de bom
grado parte de sua liberdade em troca de emancipar-se do aterrador espectro da
insegurança existencial. (19)
nas reflexões de Freud, a eutopia (um bom lugar, onde a segurança e a liberdade
estariam perfeitamente equilibradas, sem causar insatisfação nem dissensão) aparece
num pacote com a utopia (um lugar que não está em parte alguma). A civilização é um
dom ambíguo, que suscita impulsos ambivalentes: é irremediavelmente uma bênção
mesclada com uma maldição. A civilização (que, me permito repetir, significa para
Freud “tudo aquilo em que a vida humana se eleva acima de suas condições animais e se
distingue da vida animal”)2 não pode prescindir da coerção, e portanto tampouco pode
existir sem gerar resistência contra si mesma, na medida em que a coerção, por
definição, significa enfrentar situações nas quais a balança se inclina contra fazer o que
se quer e a favor de fazer algo que se gostaria de evitar. (27)
Nenhuma representação do eu, por mais instantâneo que seja seu êxito, é segura a longo
prazo. O que hoje é de rigueur, amanhã ou depois de amanhã estará condenado a tornar-
se rançoso e tediosamente antiquado, ou ainda de todo ilegível. Manter atualizada a
representação é uma tarefa de 24 horas por dia e sete dias por semana.
A capacidade interativa da internet é feita na medida dessa nova necessidade: ela nos
ajuda a permanecer au courant do que está na boca de todos, como os hits musicais
mais escutados e os últimos modelos de roupa, assim como os mais recentes e
comentados eventos e festas de celebridades; ao mesmo tempo, ajuda a atualizar os
conteúdos e a redistribuir as ênfases do autorretrato; e, dada a “cultura da pressa”, que é
endêmica à comunicação eletrônica, somada ao breve lapso de memória que ela
condiciona, também ajuda a apagar as pegadas do passado: os conteúdos e ênfases que
hoje são tediosos porque saíram de moda. Em linhas gerais, a internet facilita
enormemente a tarefa da reinvenção, até um ponto inalcançável na vida desconectada;
aí está, sem dúvida, uma das razões mais importantes pelas quais a nova “geração
eletrônica” passa tanto tempo no universo virtual, um tempo que cresce em ritmo
constante, à custa do tempo vivido no “mundo real”. (41)
A vida da geração jovem é vivida hoje num estado de emergência perpétua. (43)
“sociedade da transparência” implica, e que, longe de nos oferecer as condições para a
harmonia, a comunicação e a compreensão recíprocas, introduziu a função feroz e
obscena de um olhar onipotente. A “sociedade da transparência” é a tradução, no plano
subjetivo, do ideal científico da representação total, a ideia de que todo o real pode ser
levado ao plano da imagem, do cálculo e da medição. O que a psicanálise reconhece sob
o conceito de inconsciente é que os desejos precisam do segredo e do mistério para
sobreviver. Se forem anunciados demais, insinuados demais, revelados demais, corre-se
o risco de que nossos semelhantes (incluindo nossos próprios pais) se tornem nossos
perseguidores. (49)
Não me estenderei aqui nas consequências estritamente clínicas que essa complexa
construção implica, tanto na concepção da subjetividade quanto na prática analítica, isto
é, na forma como a psicanálise concebe o tratamento, que não se limita a uma mera
“superação” dos sintomas, e muito menos a “domesticar” o sujeito ou ensiná-lo a
encontrar “o objeto que lhe convém”. Por definição, a psicanálise parte da base de que o
objeto é sempre e irremediavelmente inconveniente, e de que o tratamento, muito mais
que uma simples terapêutica, impõe a travessia de uma experiência ética que consiste na
reconciliação entre o sujeito e essa inconveniência incurável com a qual ele deverá
aprender a conviver.
Eu gostaria de voltar, após esta longa mas inevitável digressão, à aplicação dessa teoria
ao campo que fundamentalmente lhe pertence: o do discurso social e seus avatares
atuais. (55)
“sequestro” da infância por parte da economia capitalista: num mundo onde os grandes
ideais foram derrotados pela ação corrosiva do discurso técnico-científico, pelo fracasso
das utopias emancipadoras e por outras tantas causas impossíveis de sintetizar, o
símbolo paterno é possivelmente um dos esteios civilizadores que mais se desgastaram.
O modelo patriarcal, com sua carga de arbitrariedade e sua pretensão totalizadora, cedeu
a vez a um modo de vida no qual os pais, à falta de qualquer modelo referencial, têm
praticamente dois caminhos a escolher: recorrer a especialistas para serem aconselhados
em todas e cada uma de suas decisões educativas ou renunciar à sua legítima autoridade,
tornando-se eles mesmos menores de idade. Evidentemente, essa “liquefação” da função
paterna é uma excelente fonte de negócios – e um inesgotável fator de produção de
sintomas. (57)
A liberdade e a segurança não podem sobreviver uma sem a outra, por assim dizer, mas
tampouco podem conviver em paz. Também cheguei à conclusão de que é muito
improvável que algum dia se encontre “o ponto médio”, isto é, o equilíbrio satisfatório
entre ambas, mas ainda assim (ou motivo pelo qual) sua busca jamais cessará. O
movimento pendular é o resultado dessa aporia. (61)
discurso científico, se impõe de forma gradual embora irreprimível como o único modo
de revelação da verdade. E quando isso invade o território da subjetividade, e não se
limita à sua aplicação ao mundo físico-matemático, ou, melhor ainda, quando os
paradigmas técnico-científicos do mundo físicomatemático extrapolam para o território
da subjetividade e do laço social, descobrimos algo que ameaça a condição humana de
modo sem precedentes. É triste dizê-lo dessa maneira, mas não podemos nos subtrair à
evidência de que Auschwitz foi a festa de inauguração de um novo paradigma histórico,
no qual a ideologia do progresso mostrou seu sentido mortal. É necessário um grande
esforço de cegueira ou de cinismo intelectual para dar as costas àquilo que Freud
concebeu com seu conceito de Todestrieb, sua famosa “pulsão de morte”, a qual, longe
de pertencer à categoria do instinto, é o reverso devastador da razão humana. (76)
obstáculo que a psicanálise significa para os que levantam a bandeira do absolutismo
científico e da engenharia social, os que propagam o messianismo da avaliação, a
prevenção e a ideologia paranoica da segurança.(78)
O Estado lava de suas mãos a vulnerabilidade e a incerteza que surgem da lógica (ou
ilógica) do livre mercado, redefinindo-as como falhas e questões de âmbito privado,
assunto que os indivíduos devem tratar e resolver com os recursos de que
privadamente dispõem. Como diz Ulrich Beck, agora se espera dos indivíduos que
busquem soluções biográficas para problemas sistêmicos (102)
psicanálise estuda, por meio de uma experiência que bem podemos denominar real (no
sentido de que nos revela o homem tal como é, e não como o homem gostaria de ver a si
mesmo), os sintomas que afetam a criatura humana que sofre essa grave e incurável
enfermidade denominada linguagem. Privados os seres falantes de todo fundamento
instintivo, lançados à existência sem princípios ontológicos naturais, toda a história da
filosofia foi a vã tentativa de dar respostas a perguntas que não têm cabimento para
aqueles outros seres que não padecem da linguagem. A crueldade, a agressividade, a
destruição, a fé na onipotência de um Outro, a vingança, a impossibilidade de controlar
não só os perigos que nos espreitam de fora, como também os mais graves de todos, os
que provêm de dentro de nós mesmos, nada disso é concebível exceto nesse estranho
vivente que, por mediação da linguagem, é construído de um modo falho, inacabado, e
cuja incompletude o impele à busca dos maiores êxitos, mas também, em muitas
ocasiões, à incontrolável necessidade de ressarcir-se como quer que seja do sentimento
de haver sido despojado de algo que não encontra satisfação. (110-11)
O tratamento analítico – e permita-me empregar aqui esse termo não no sentido médico,
mas no de experiência existencial – aspira a conduzir o sujeito ao reconhecimento de
que essa carência só pode ser assumida em termos de impossibilidade. Em outras
palavras, a impotência nos submerge no sofrimento, na melancolia ou no ódio. A
impossibilidade nos confere lucidez para podermos atuar a partir dela e inventar formas
não padronizadas de dar respostas às perguntas que se tentou silenciar, amolgando-as
com os ideais da “normalidade”. (112)