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ORIGINAL EM: ASSIS, Ana Elisa Spaolonzi Queiroz.

Políticas Públicas e Direito:


Possibilidades de Pesquisa. In: Rafael Lazzarotto Simioni. (Org.). Constitucionalismo e
Democracia: reflexões do Programa de Pós-Graduação em Direito da FDSM. 1ed.São
Paulo: Max Limonad, 2018, v. 1, p. 13-38.

POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITO: POSSIBILIDADES DE PESQUISA1

Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis

1. Introdução

Muitos são os percursos investigativos possíveis na área das políticas públicas.


Essencialmente interdisciplinar, relaciona-se com facilidade com quaisquer áreas, como
educação, saúde, política, economia, direito, filosofia, entre outras (SUDANO, SOARES,
VERGILI, 2015). No entanto, o campo de estudo é demasiado recente no Brasil
(TREVISAN; BELLEN, 2008) o que, por um lado, permite a exploração de um sem
número de temas, mas por outro, reclama do pesquisador maior rigorosidade teórica.
Podemos dizer que existem três trabalhos principais acerca do atual cenário
literário e investigativo das políticas públicas, são eles: o Dossiê “Agenda de Pesquisas
em Políticas Públicas”, da Revista Brasileira de Ciências Sociais (RBCS), organizado por
Marta Arretche (2003); o texto “Políticas Públicas: uma revisão da literatura” de Souza
(2006), e a pesquisa de Sudano, Soares e Vergili (2015), intitulada “O debate sobre a
pesquisa em políticas públicas no Brasil a partir da análise dos trabalhos apresentados na
ANPOCS: evolução e desafios”.
A despeito de terem sido publicados há mais de uma década, os trabalhos
presentes no Dossiê organizado por Arretche (2003) e o texto de Souza (2006) continuam
sendo essenciais para a área, podendo ser reconhecidos como textos clássicos. No caso
de Arretche (2003), pela reunião de artigos que se preocupam com a definição de um
arcabouço teórico e metodológico crítico na área; e Souza (2006), pois, além de tratar dos
conceitos e modelos, mapeando a literatura, importou-se em diminuir o abismo criado
pela escassa tradução de textos, problema que ainda enfrentamos.

1
O presente artigo possui trechos de tese de doutorado intitulada “Direito à Educação: diálogo entre
poderes”, defendida no ano de 2012, na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas,
que será matéria de livro atualmente (ano de 2018) no prelo.
Já Sudano, Soares e Vergili (2015), em lugar de substituir o trabalho de Souza
(2006), soma-se a ele; não só por acrescentar mais uma década de análise ao contexto
científico, mas em especial por concentrá-la nos trabalhos publicados nos anais da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS),
enfatizando o proscênio nacional de estudos sobre políticas públicas, junto a área de
conhecimento que lhe é mais próxima.
Destes textos podemos extrair que os trabalhos na área de políticas públicas
cresceram significativamente a partir dos anos 2000 (ARRETCHE, 2003; SUDANO,
SOARES, VERGILI, 2015), já que encontraram, nesse período, condições institucionais
que fertilizaram o terreno para a intensificação das investigações, como linhas de
pesquisa, programas de pós-graduação, disciplinas e linhas de fomento (ARRETCHE,
2003).
Sem embargo, Arretche (2003) e Souza (2003), no Dossiê da RBCS, chamam a
atenção para o desenvolvimento horizontalizado da pesquisa, proliferada em diversas
áreas do conhecimento, dificultando uma sistematização do acúmulo de saberes
referentes a área de políticas públicas, de forma que o seu caráter interdisciplinar faz
avançar em alguns aspectos, mas estagnar em outros.
O desafio da sistematização da área também foi abordado por Marques e Faria
(2013), não só no campo metodológico, ao encontro dos textos do Dossiê da RBCS
(2003), mas também na definição do conceito de políticas públicas. Ressaltam, ainda, a
importância do reconhecimento do caráter multidisciplinar2 da área, mas que muitas vezes
se restringe ao discurso sem ser exercitado no desenvolvimento das pesquisas.
De acordo com Souza (2003), espaços de discussão acadêmica, como fóruns,
encontros, simpósios, congressos e afins, “permitem-nos conhecer melhor e mais
rapidamente a produção de nossos pares” (p.16), minimizando os efeitos desta dispersão.
Outro fator relevante levantado por Sudano, Soares e Vergili (2015) é referente a
predominância de trabalhos de profissionais das áreas de ciências política e políticas
públicas, ampliando para sociologia e economia; bem como uma concentração “na análise

2
A interdisciplinaridade não se confunde com a multidisciplinaridade. A primeira é pautada por um
processo dialógico entre disciplinas sobre um mesmo objeto; já a segunda, é o trabalho simultâneo de cada
disciplina sobre um mesmo objeto, sem qualquer articulação, dependendo de um elemento externo para
fazê-las dialogar ou reunir-se (MORIN, 2000). Para Marques e Faria (2013) há, primeiro, a necessidade do
fomento ao debate multidisciplinar, para, em seguida, eliminar barreiras disciplinares, configurando a
interdisciplinaridade.
de apenas uma das fases do ciclo de políticas públicas, mais especificamente a
implementação. ” (p.17).
Neste contexto, a colaboração do direito na investigação de temas referentes à
área de políticas públicas é urgente, de forma que sua participação se configuraria como
um processo teórico-metodológico de retroalimentação, pois na medida em que
compartilha seus conhecimentos com as demais áreas, também realiza autorreflexão
sobre os limites e perspectivas próprios.
Para além dos pontos suscitados pelos autores sobre as pesquisas na área de
políticas públicas, quando do seu diálogo com o direito – talvez com qualquer outra área,
mas focamos aqui nos saberes jurídicos – entendemos existir duas condições prévias, de
alta relevância, que acabam determinando a essência das pesquisas sobre o tema, quais
sejam: a origem das políticas públicas e a relação que o direito constrói com as etapas do
seu ciclo.
Nesse sentido, tendo como pano de fundo o constitucionalismo e a democracia
(área de concentração do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito
do Sul de Minas), o objetivo do artigo, é apresentar o contexto de surgimento das políticas
públicas enquanto ação estatal e área do conhecimento, bem como pontuar alguns tipos
de estudos em que o direito se relacione com as etapas das políticas públicas contribuindo
para o amadurecimento da área.

2. Políticas Públicas: Do que falamos?

Quando falamos em políticas públicas, podemos nos referir tanto àquilo que Jobert
e Muller (1987) chamaram de “Estado em ação”, quanto à área do conhecimento
trabalhada no texto de Souza (2006).

2.1 Políticas Públicas enquanto ação estatal

No que tange à ação estatal, segundo Fiori (2011), historiadores puderam


identificar dois paradigmas originários da intervenção social do Estado na história da
modernidade, a saber: inglês e alemão. O inglês trata especificamente das Poor Laws,
promulgadas em 1601, período da rainha Elisabeth I afim de suprir a falta da prática de
caridade exercida pela Igreja Católica, que acabara de perder seus bens devido ao
estabelecimento do protestantismo. A lei concedia auxílio financeiro aos homens em troca
da prestação de serviços junto a asilos e albergues, consolidando a concepção de que o
Estado é responsável pelos necessitados.
O paradigma alemão foi estabelecido pelas leis de Otto Von Bismarck, chanceler
do império alemão no final do século XIX, e mantém relação com as Poor Laws, que
serviram de inspiração para criação do seguro nacional contra a doença e velhice – um
embrião da previdência que hoje conhecemos –. Mais do que influenciar ações sociais,
permitiu identificar a diferença entre o assistencialismo e as formas de ajuda previstas no
novo sistema securitário, como por exemplo, a proposição de medidas e práticas
permanentes de forma institucionalizada e a contribuição financeira compulsória. Nas
considerações de Fiori (2011):

Nascia ali um novo paradigma, conservador e corporativo, onde os


direitos sociais, definidos de forma contratual, eram outorgados "desde
cima" por um governo autoritário que ainda não reconhecera os direitos
elementares da cidadania política. Modelo que generalizou-se pela
Europa, como no caso do assistencialismo inglês, mas que acabou
tendo, também, enorme influência na construção conservadora dos
sistemas de assistência e proteção social que se multiplicaram na
periferia latino-americana durante o século 20, mas sobretudo depois de
1930 (FIORI, 2011 p.3).

Desta feita, a origem do “Estado em ação” (JOBERT; MULLER, 1987) guarda


relação direta com a evolução do próprio Estado e o conjunto dos três poderes –
Legislativo, Executivo e Judiciário –.
No século XVII, na Inglaterra, a separação dos poderes foi um dos elementos
essenciais na consolidação do Estado de Direito. São várias as revoluções liberais que
insurgem na Europa neste período, de forma a ganhar maior força após a queda da
monarquia francesa de Luis XVI em meados do século XVIII com a Revolução Francesa.
Visando um novo tipo de governabilidade frente ao Estado Absolutista que se tinha, a
proposta está diretamente ligada à ideia de rule of law3, bem como às teses aristotélicas
descritas no livro “Política” (ARISTÓTELES, 1965), garantindo que todo cidadão seja
submetido à lei.
Importante frisar que o equilíbrio entre os poderes ganhou força neste momento
histórico, em que a burguesia, para conter a aprovação de leis formuladas mediante o

3
O princípio de “rule of law” tem origem com a Magna Carta de João Sem Terra em 1215, visando
estabelecer limitações ao poder político, reconhecendo que nenhum homem, nem o rei, estaria acima das
leis, garantindo-lhe o devido processo legal.
impulso das classes populares, inaugura dois instrumentos de grande importância: veto e
impeachment.
A ideia da separação foi tomada por John Locke como pré-requisito da relação
entre os poderes, pois entendeu que a imparcialidade só existiria mediante a separação
entre aqueles que aplicam e aqueles que fazem a lei (MADONALDO, 2003).
Em Locke (1966) nota-se a existência declarada apenas dos Poderes Legislativo e
Executivo4, sendo que o primeiro seria o mais importante, e o segundo cuidaria da
aplicação das leis. Todavia, conforme aponta Maldonado (2003), é possível notar a
presença, ainda que embrionária, de uma ideia que tratava da existência de um âmbito
julgador, demonstrando que, em Locke (1966), havia a compreensão de que uma
limitação de poder se fazia necessária, para alcançar, restaurar ou manter a ordem. Mas
foi Charles de Montesquieu (2000) o responsável por instaurar um poder julgador,
mantendo uma relação mais estreita com o rule of law:

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder


Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode
temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas
para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o
Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se
estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade
dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse
junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor. Estaria
tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais
ou nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis;
o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as
demandas dos particulares. (MONTESQUIEU, 2000 p.167-8).

Muito embora Montesquieu (2000) tenha considerado o Poder de Julgar –


Judiciário – responsável por regular, ou temperar as atuações dos demais poderes,
também o considera um poder nulo, já que atribuía à Câmara Alta – corpo legislativo
formado por nobres, ao lado do corpo legislativo formado por representantes do povo –
um peso imensamente maior para regulação de poder. A relação entre poderes e povo
deveria ser a de frear iniciativas que pudessem resultar em cerceamento da liberdade, ao
encontro da proposta do Estado de Direito acerca dos direitos de primeira geração
(individuais).

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Muito embora trate do poder Federativo como uma instância responsável pelas relações internacionais,
apenas os citados guardam relação com os Poderes existentes nos Estados Modernos.
Destarte, foram os norte-americanos que, em decorrência das eleições de 1800,
temerosos da possível tirania do Poder Legislativo, inauguraram a Separação dos Poderes
da forma como a conhecemos hoje, dando ao Poder Judiciário a capacidade de controlar
o abuso de outros poderes através do caso Marbury X Madison.
Na cultura jurídica norte-americana é costume referir-se a uma ação pelo
sobrenome dos envolvidos, neste caso, trata-se de litígio entre o juiz de paz William
Marbury e o secretário de justiça James Madison. Ocorreu que, nas eleições presidenciais
de 1800, John Adams perdeu para Thomas Jefferson e procurou manter controle do
Estado nomeando juízes em cargos de importância, dentre eles, William Marbury.
Todavia, Marbury não foi nomeado a tempo, ficando para Thomas Jefferson o dever de
intitulá-lo, o que, obviamente, negou-se a fazer. O juiz de paz apresentou uma ação inicial,
semelhante ao mandado de segurança, perante a Suprema Corte, exigindo a sua
nomeação, momento em que o juiz John Marshall declarou que a Suprema Corte não
tinha competência para julgar a inicial protocolada, configurando-se como a primeira
decisão sobre o controle de constitucionalidade (NELSON, 2000).
Paralelamente a este contexto de consolidação do Estado de Direito,
consequentemente de um formato de governança diferente do Estado Absolutista, há
também um percurso de formatação da relação entre este Estado e a economia.
Didaticamente, de forma resumida, simplificada, sem compromissos com
períodos históricos e considerando a existência de outras leituras e compreensões que
enriquecem este debate de desenvolvimento do Estado, podemos afirmar que a relação
entre Estado de Direito e economia dão origem a três tipos de Estado distintos, quais
sejam: Estado Mínimo, Estado Democrático de Direito e Estado Socialista, que antecede
o Comunismo.
No caso do Estado Mínimo, este seria formado pela união do Estado de Direito –
em termos de governabilidade – com a proposta de Estado Liberal de Adam Smith (1983)
– em termos econômicos –, cujo objetivo é o mínimo de interferência do Estado no
mercado.
É importante ressaltar que, neste texto, nos referimos ao Estado Liberal em termos
especificamente econômicos haja vista o fato de Locke (1966), Montesquieu (2000), entre
outros pensadores iluministas, serem liberais na acepção política e social da expressão,
cuja bandeira é a defesa de valores individuais como a liberdade. A isto, vinculado a uma
descentralização de poder, estamos aqui chamando de Estado de Direito, e não de Estado
Liberal, motivo pelo qual não se confundem.
A variação das tendências do Estado Mínimo ocorre diante das diferentes
correntes liberais econômicas, todos defendendo os direitos individuais e a separação
entre Estado e mercado, mas enfatizando distintos fatores a depender de suas teorias.
Smith (1983), por exemplo, importava-se mais com a segurança interna e externa, já
Ludwig von Misses (1995) com a defesa da propriedade privada, Hayek (1990)
condenava o planejamento econômico coletivista, e assim sucessivamente.
Tendo como base Ferreira (2014), podemos afirmar que o Estado Mínimo não
supera, de todo, o caráter exploratório presente no Estado Absolutista, mas com o
reconhecimento da igualdade formal para burgueses e populares, dá margem para o
surgimento de movimentos sociais que, além de reivindicarem status de cidadãos,
fortalecem a proposta de Estados Sociais.
Na seara dos Estados Sociais evidenciamos, aqui, o Estado Socialista, uma fase
anterior ao Comunismo, e o Estado Democrático de Direito.
O Comunismo de Marx e Engels (2005) tem como objetivo a eliminação das
barreiras entre interesses comuns e privados, em uma sociedade igualitária sem a presença
de uma instituição estatal. Para que possa ser alcançado, depende do estabelecimento de
uma fase anterior calcada no que chamaram de Estado Socialista. Neste contexto, em
lugar de somar o Estado de Direito com alguma teoria econômica, ocorre uma ruptura.
O Estado Socialista se apropria das discussões sobre igualdade construídas na
consolidação do Estado de Direito, mas valendo-se de uma releitura da coletividade em
lugar da individualidade. A proposta instala-se por meio da ditadura do proletariado,
resultante de uma revolução que tem como objetivo a redistribuição dos bens de produção
para futura disseminação do Estado e solidificação do Comunismo. Note que, nesta
perspectiva, a economia é secundária frente ao princípio da igualdade.
De outro lado, temos a proposta do Estado Democrático de Direito, uma versão
intermediária do Estado Mínimo e Socialista, em que ocorre a união da proposta do
Estado de Direito – governabilidade – com o Estado de Bem-Estar Social ou Welfare
State, ou ainda, Estado-providência (KEYNES, 1936) – economia –. Diferentemente da
proposta marxista, o Estado keynesiano busca o aperfeiçoamento, um equilíbrio, da
relação entre capital e desenvolvimento humano.
Keynes (1936) estava preocupado em acabar com o desemprego, pois acreditava
que a economia seguiria o caminho do pleno emprego, de forma que a dificuldade na
empregabilidade se tratava de uma situação temporária que desapareceria com o estímulo
da demanda.
Os dois grandes objetivos defendidos pelo principal expoente do Estado de Bem
Estar Social eram: a) garantia do bom funcionamento do mercado, a partir de uma lógica
diferenciada, pois inverte a análise feita pelos liberais, ou seja, ao invés de privilegiar o
lado da oferta – daquilo que é produzido – entende que é necessário estimular a demanda,
isto é, defende que é preciso pensar em consumir a produção para obter geração de
emprego e não lucro; e b) a garantia da defesa dos cidadãos na saúde, alimentação e
educação (KEYNES, 1936).
É com este formato que o Estado passa a dedicar mais tempo ao tema das políticas
públicas, em especial, as sociais.
Segundo Arretche (1995), em um dos estudos mais completos sobre o estado da
arte acerca da origem do Estado de Bem-Estar Social, “muitos autores se dedicaram à
tarefa de explicar a origem e desenvolvimento do welfare state. A bibliografia sobre o
assunto é imensa. A controvérsia sobre as razões, o significado e as perspectivas do
fenômeno não é menos complexa” (ARRETCHE, 1995 p.3).
A autora divide os argumentos analíticos em duas grandes correntes, uma que
vincula o surgimento do Estado-providência com a ordem econômica, e outro que o
vincula à ordem política, surgindo, assim, subcategorias. Daqueles argumentos que estão
vinculados à ordem econômica, Arretche (1995) os reduziu a dois, a saber: a) o welfare
state sendo um desdobramento necessário das mudanças postas em marcha pela
industrialização das sociedades; e b) o welfare state concebido como uma resposta às
necessidades de acumulação e legitimação do sistema capitalista.
Os argumentos vinculados à ordem política deram origem a quatro
posicionamentos: a) o welfare state é resultado de uma ampliação progressiva de direitos:
dos civis aos políticos, dos políticos aos sociais; b) o welfare state é resultado de um
acordo entre capital e trabalho organizado, dentro do capitalismo; c) Há diferentes welfare
states: eles são resultado da capacidade de mobilização de poder da classe trabalhadora
no interior de diferentes matizes de poder; e d) o welfare state é resultado de
configurações históricas particulares de estruturas estatais e instituições políticas
(ARRETCHE, 1995).
No caso do Brasil, o debate sobre a existência de um Estado de Bem-Estar ainda
é latente e controverso. Neste artigo, também pela forma de conceber a presença deste
tipo estatal, seguimos o posicionamento de Draibe (1993), qual seja, de que há um
Welfare State estabelecido no nosso país5.

2.2 Políticas Públicas enquanto área do conhecimento

Se a origem do “Estado em ação” (JOBERT; MULLER, 1987) é secular, as


políticas públicas enquanto área do conhecimento tem pouco mais de meio século
(SOUZA, 2006).
De acordo com Souza (2006), a disciplina tem origens e desdobramentos distintos
considerando a localização geográfica dos estudos. No caso dos Estados Unidos (EUA)
trata-se da atuação governamental e nasce como subárea da Ciência Política; já na Europa,
é consequência de trabalhos referentes à análise de instituições estatais e governamentais,
como origem, história e papel do Estado, mais próximos de James Madison – o mesmo
do caso Marbury, ajudando na estruturação das instituições norte-americanas e
consolidação de sua constituição –; Thomas Paine – também fundador dos EUA, tendo
escrito, entre outros trabalhos, um panfleto sobre renda mínima presente em “Agrarian
Justice” (1999); e Alexis de Tocqueville (1986) – crítico do individualismo na
democracia, em defesa da organização social por meio de associações e afins –.
A autora estabelece alguns fatores responsáveis pelo destaque dado às políticas
públicas enquanto ferramenta para tomada de decisões, quais sejam: a) a Guerra Fria; b)
a criação da RAND Corporation, por Robert McNamara, em 1948, vanguardista na área
dos think thanks; c) a teoria dos jogos de Neuman; e d) a possibilidade de aplicar métodos,
técnicas e formulações aos problemas públicos (SOUZA, 2006).
É entre as décadas de 1930 e 1980 que há a consolidação da área de políticas
públicas em termos teóricos. Em 1936 Lasswell cunha a expressão “policy analysis”
(análise da política pública) e em 1951, propõe sete estágios de desenvolvimento da
política, quais sejam: informação, promoção, prescrição, invocação, aplicação, término e
avaliação (LASSWELL, 1951); Já em 1957, Simon explora o papel dos “policy makers”
(tomadores de decisão); Também no final da década de 1950, Lindblom (1959) amplia o
debate iniciado por seus antecessores, criticando a racionalidade de seus modelos, e dá

5
Embora não seja objetivo deste trabalho tecer análise aprofundada sobre o desenvolvimento do Estado, é
importante pontuar entendermos que o Estado Neoliberal ou Neointervencionista são deturpações da
proposta do Estado de Bem-Estar Social, em uma matriz de Estado de Direito, que merece atenção e
discussão para contribuição ao debate acerca da atuação do Estado na contemporaneidade.
maior complexidade à discussão incorporando novas frentes, como pensar a política
enquanto processo; Easton, em 1965, contribui para a definição do sistema da política
pública, que culmina no desenho mais utilizado na atualidade, o qual considera as fases
do ciclo da política, quais sejam: a definição da agenda, a formulação da política, sua
implementação e avaliação (HOWLETT; RAMESH, 1995).
Considerando este cenário, Souza (2006) resume a área da política pública como:

(...) o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o


governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e,
quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações
(variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se
no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos
e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão
resultados ou mudanças no mundo real. (p.26)

Por fim, apesar de Souza (2006) também dedicar-se à apresentação dos modelos
de formulação e de análise da política pública, ao considerarmos o campo como
interdisciplinar – o que ela chama de “holístico” (p.26) – corroboramos com suas
afirmações em que, desta forma, “a área torna-se território de várias disciplinas, teorias e
modelos analíticos” (p.26), bem como que tal característica, não configura carência de
coerência teórica e/ou metodológica, ao contrário, comporta múltiplos olhares. Motivo
pelo qual não vamos restringir o rol de modelos e análises que se encontra em expansão
juntamente com a área de conhecimento, deixando apenas a indicação do que se pode
encontrar no universo de trabalhos e publicações a serem explorados e replicados.

3. Direito, etapas da Política Pública e pesquisa

Seguindo a linha de Howlett e Ramesh (1995), o ciclo de políticas públicas possui


4 fases: agenda, formulação, implementação e avaliação, que podem comportar estudos
específicos, ou um estudo do conjunto. Cada uma delas possui arcabouço teórico próprio,
já que muitos autores se dedicaram a estudos exclusivos de cada fase. Aqui, vamos
apresenta-las em linhas gerais, traçando possibilidades de pesquisas na área do direito,
sem entrar nos pormenores de cada escola, o que deve ser trabalhado a partir do que se
decidiu pesquisar.
Sendo assim, a primeira fase, de definição da agenda, envolve o levantamento e a
eleição de um problema público, entretanto, o cerne principal da discussão é a
caracterização do problema. Em geral, os problemas podem ser tidos como complexos e
de grande escala; nesta perspectiva, alguns são ocasionados pelo setor privado e
convertidos em públicos; e outros, independentemente de quem os ocasionou, são
tratados pelo setor privado sem transferir a responsabilidade para o setor público
(AGUILAR VILLANUEVA, 1996). Os problemas públicos, em especial, são chamados
de “problemas retorcidos” (AGUILAR VILLANUEVA, 1996 p.55). Para o autor são:

(...) problemas sem uma formulação definitiva, sem critérios que


estabeleçam quando se alcança a solução, que nunca é verdadeira ou
falsa, se não boa ou má, e carece, inclusive, de uma prova imediata ou
resolutiva, problemas frequentemente inéditos, sintomáticos de
problemas de maior transcendência (AGUILAR VILLANUEVA, 1996
p. 55-6).

Além disso, é preciso considerar outros dois fatores: que “nem todos os problemas
são de natureza política e, sobretudo, nem todos são governamentalmente tratáveis”
(AGUILAR VILLANUEVA, 1996 p. 56), pois guardam relação com questões éticas,
religiosas, culturais, etc...; e que:

(...) por razões de segurança, de equidade, de eficiência em alguns


ramos de bens e serviços, o governo se responsabiliza por problemas
para cuja solução nem sempre tem informação ou conhecimento e,
sobretudo, tampouco consenso, colaboração ou operação entre os
cidadãos. (AGUILAR VILLANUEVA, 1996 p. 55).

Desta forma, fica claro que a dificuldade em definir problemas públicos é, então,
dupla, pois por um lado busca um consenso entre os envolvidos no processo e, por outro,
clama por uma intervenção pública viável, com instrumentos e recursos disponíveis ao
Estado.
No processo de identificação do problema, é preciso ficar atento para não o
confundir com a situação problemática. Por exemplo, a falta de escolas no Município Y
é um problema público, isto é, uma construção lógica que articula e ordena dados e
elementos; a falta de escola próxima de casa para o filho de um determinado cidadão no
Município X é uma situação problemática, pois configura-se como fatos vividos e
observados pelos sujeitos e que, relacionados com seus parâmetros de valores, recebem
conotações de reprovação. As situações problemáticas são discrepâncias entre as
condições vividas, observadas ou desejadas e o que efetivamente ocorre. Esta
diferenciação é importante porque uma das maiores dificuldades dos governos é fazer
com que a definição e solução dos problemas públicos não sejam tão diferentes daquelas
que os interessados e afetados têm:

É, então, determinante para estruturar bem o problema público,


descobrir a organização das relações entre os seus componentes: sua
conexão e interdependência. (...) O sintoma dos problemas mal
estruturados é justamente a indeterminação – frequentemente por
razões valorativas, mais do que cognitivas – acerca de quais são os
componentes da situação que se considera ter que ser modificados ou
removidos, e/ou acerca de quais podem ser os fatores que lhes dão
origem e onde, portanto, deveria intervir e influenciar. (...) Se não se
sabe o que se quer resolver ou o que se pode resolver (o efeito e/ou a
causa), se está na total incerteza, na falta de solução. (...) Estruturar bem
um problema é, então, produzir tal definição de fato qualificada como
problema, que pode ser o sujeito ou o objeto de um enunciado causal.
Deve-se estruturá-lo como “causa de” ou “efeito de” (AGUILAR
VILLANUEVA, 1996 p. 66-8)

Identificar o problema configura a agenda. Esta identificação traz consigo as três


condições para que o problema faça parte da agenda, a saber: amplo conhecimento
público; identificação de que a população deseja algum tipo de ação; e vinculação clara,
por parte da população, de que se trata de um problema de competência estatal. A agenda,
então, nada mais é do que o conjunto de problemas, de definições, e de opções de ação
para atendê-los.
Os estudos nesta fase da agenda são bastante escassos, pois dependem do
acompanhamento inicial das discussões sobre um determinado problema, como por
exemplo, aquelas realizadas no escopo de comissões especificas dentro das casas
legislativas; ou na propositura de projetos de lei os quais dão ensejo a debates que
identificam a necessidade de discutir determinado tema; ou ainda, na análise de consultas
aos órgãos do executivo como Conselhos Nacionais, Estaduais ou Municipais, bem como
suas reuniões, as quais dão origem a pareceres e deliberações responsáveis pelo
andamento de políticas públicas locais. Também podem ser exploradas a opinião pública
e o papel da mídia.
Nesta fase, muito tem o direito a contribuir, pois tramita com facilidade entre os
rituais presentes nestas atividades, podendo desvelar o contexto que levou à definição da
agenda.
Já a fase da formulação, ou elaboração da política, guarda relação direta com a
atuação dos Poderes Legislativo e Executivo, em especial no que tange ao processo
decisório, cuja pergunta: “que desenho terá a política?”, é norteadora. No caso do
Legislativo, o foco é a elaboração das leis que darão origem a políticas, planos e
programas, como o processo do qual se originou a Política Nacional de Recursos Hídricos
(Lei n.º 9.433/97), o Programa Nacional de Desestatização (Lei n.º9.491/97), e o Plano
Nacional de Educação (Lei n.º 13.005/2014). Já no caso do Executivo, são os atos
administrativos, como as portarias, pareceres, resoluções e deliberações de órgãos
públicos como Ministérios, Conselhos, Secretarias, Universidades, Institutos e afins.
Como exemplo, podemos citar a elaboração do: a) Programa Nacional de Direitos
Humanos (Decreto n.º 7.037/2009); b) do Estatuto do Servidor da Universidade Estadual
de Campinas (DGRH/2013); e c) da Resolução n.º 590 de 2016 do Conselho Nacional de
Trânsito sobre sistema de placas de identificação de veículos no padrão Mercado Comum
do Sul (MERCOSUL).
Por se tratar de um ciclo, esta fase não só dialoga como as vezes se confunde com
a anterior de definição da agenda, a diferença acaba sendo a ênfase dada ao objeto – lei
ou ato administrativo – que inaugura a política pública. Viana (1996) afirma que,
tradicionalmente, é uma fase em que há predominância da teoria política, mas o
tratamento dependerá da matriz teórica escolhida para discussão.
Aqui, o direito pode contribuir com análises interpretativas, com o uso da
hermenêutica; mas também pode construir o contexto e percurso histórico do objeto, pois
no estudo da política, pouco importa se a normativa foi ou não revogada. Há ainda campo
para uma discussão de direito comparado, demonstrando as influências de normas e ações
internacionais para soluções de problemas nacionais, entre tantas outras possibilidades.
Podemos dizer que o encerramento da etapa de elaboração da política inaugura-se
com a promulgação da lei e/ou com a publicação do ato normativo que se refere ao
problema levantado na agenda, uma vez que é o texto normativo – lato ou stricto sensu –
que direcionará quais ações devem ser realizadas, ingressando na fase de implementação.
Os poderes que cuidaram da elaboração serão também responsáveis pelo processo
de implementação, guardadas as devidas proporções, ou seja, os direcionamentos de
implementação terão o mesmo grau de alcance e de especificação que as políticas
elaboradas permitirem (SABATIER & MAZMANIAN, 1993).
O bom desenvolvimento da etapa de implementação dependerá muito da forma
como os problemas foram tratados na fase anterior. Se o problema for bem estruturado e
ter um desenho normativo eficiente, as chances de uma implementação de sucesso são
muito maiores do que se houver um problema mal estruturado e sem diálogo com a
norma.
Para nós, os problemas bem estruturados têm características precisas, contam com
critérios específicos para comprovar a solução e um processo de tratamento. Desta forma,
qualquer conhecedor da estrutura do problema tem, a princípio, a capacidade de resolvê-
lo. Os mal estruturados não têm estas características.
Sendo assim, a fase de implementação não começa até que as decisões prévias
tenham estabelecido (ou identificado) os objetivos e as metas, de forma que as ações de
implementação têm lugar só depois que a legislação for promulgada e que os fundos
tenham sido assinados, caso contrário, a sua viabilidade resta prejudicada.
De acordo com Sabatier e Mazmanian (1993), os problemas levantados para
composição da agenda podem ser amenizados mediante uma compreensão mais adequada
da incidência das variáveis legais e políticas na mobilização do apoio necessário para
produzir mudanças substanciais nos comportamentos; dentre outras, importa saber o grau
em que as normas de decisão das instâncias responsáveis prestam apoio aos objetivos
normativos.
Assim, uma lei pode influenciar com mais peso o processo de implementação se
apresentar as normas de decisão que as instâncias encarregadas da implementação
deverão acatar, pois quando elas operam através de concessão de permissões e licenças
normativas, serão as que farão uma regulamentação mais próxima do propósito desejado
na elaboração.
A implementação das políticas abrange aquelas ações efetuadas por agentes ou
órgãos públicos e privados, com atenção à realização de objetivos previamente decididos.
A estas ações pertencem tanto os esforços momentâneos, por introduzirem as decisões
em propostas operativas, como os esforços prolongados, para realizarem as mudanças,
grandes e pequenas, ordenadas pelas decisões políticas.
Perez (1999) faz a seguinte observação com relação à etapa de implementação:

É interessante verificar o quanto, inicialmente, a ideia de


implementação se restringia ao “cumpra-se” da política, uma vez que
ela não era considerada no desenho da política, pressupondo que a
decisão de uma autoridade seria automaticamente cumprida. O mérito
do estudo de Pressman e Wildavsky foi demonstrar o quanto, apesar da
decisão de nível central, a operacionalização do programa apresentava
inúmeros percalços no nível local. (PEREZ, 1999 p.67)

Entendemos por implementação como sendo uma declaração das preferências de


um governo, medida por vários agentes que geram um processo caracterizado por relações
de poder e negociações recíprocas. Diante disto, os agentes devem ter em conta a
existência de três imperativos potencialmente conflitantes entre si: o imperativo legal de
cumprir com a exigência legislativa; o imperativo racional burocrático de realizar o que
será definido em termos racionais; e o imperativo consensual de facilitar o acordo entre
as partes concorrentes interessadas no resultado e com possibilidade de exercer influência
(REIN & RABINOVITZ, 1993).
O imperativo legal enfatiza a importância dos subordinados a obedecerem aos
regulamentos derivados dos textos legais de origem legislativa e que são, supostamente,
congruentes com eles. Já o imperativo racional corresponde ao processo por meio do
qual o executivo e sua burocracia se empenham na resolução dos problemas. Por fim, o
imperativo consensual assume, como sua preocupação central, o acordo entre as posições
contrapostas sustentadas pelos principais atores: o legislativo, o executivo e a agência
administrativa, junto com seus eleitorados respectivos (LINDBLOM, 1959).
Consoantes ao que coloca Rawls (1993) acerca da modificação das estruturas
institucionais para que fiquem mais próximas dos princípios que regem a sociedade,
Sabatier e Mazmanian (1993) mencionam a possibilidade de revisão da lei, e que este
processo é constante, vez que é dependente dos agentes políticos que têm, sazonalmente,
o poder de modificá-las. Todavia, esta ação fica restrita ao poder Legislativo ou àqueles
que tomam decisões políticas através de atos normativos.
Mesmo que a implementação seja realizada pelos mesmos órgãos que elaboraram
a política, conseguem, muitas vezes, colocar em vigência algo muito distante daquilo que
a sociedade necessitava, ou da ideia original.
Esta distância entre “legislação” e “necessidade” não ocorre apenas pela má
estruturação dos problemas, mas também pela ausência, ou tímida participação, da
sociedade civil no processo que envolve a elaboração e implementação da política pública
(SANTOS, 1979).
Já a distância entre ideia original (legislação) e implementação, se dá pela
ausência, ou baixa participação, dos agentes públicos responsáveis pela fiscalização e
organização das políticas no dia a dia da sociedade (SABATIER & MAZMANIAN,
1993).
Sendo a fase com maior número de estudos, a implementação também é a fase
com maior número de possibilidades de pesquisa. No caso do direito, coteja a efetividade
da norma, sua aplicabilidade e seus efeitos, de forma a podermos estudar um único artigo
ou a totalidade da legislação com grupos distintos de sujeitos, ou um coletivo de cidadãos
de determinado país. Estudos sobre a eficácia da Declaração Universal dos Direitos do
Humanos na Angola, os efeitos da modificação do artigo 277 do Código Nacional de
Trânsito referente às provas de embriaguez na economia de um bairro meretrício no
município de Campinas, e o posicionamento do Brasil frente às novas regras de
exploração espacial privada, são típicos da fase de implementação.
É comum entender que uma análise da implementação da política seja um tipo de
avaliação, o que não deixa de ser real, no entanto não tem o compromisso de apresentar
soluções para o que se mostrou claudico. Para nós, a fase da avaliação é um momento
decorrente da implementação, acontecendo após a mesma, mas que ainda faz parte dela,
pois será usada para projetar o que deve ser feito sobre a política para melhorá-la ou
corrigi-la, motivo pelo qual todos os poderes participam desta fase.
Na fase de avaliação ocorre, obrigatoriamente, a eleição de um modelo teórico
para análise da política.
Embora Van Meter e Van Horn (1993) apontem que existam pelo menos dois
grupos de estudos na área de implementação, a saber: teoria da organização, mais
especificamente os trabalhos sobre o controle e a mudança organizacional (inovação), e
o impacto das políticas públicas, particularmente o das decisões judiciais, acreditamos
que estes últimos fazem parte dos estudos da área de avaliação, pois entendemos que as
decisões judiciais não elaboram e não formulam políticas públicas, mas têm um impacto
sobre elas.
Afirmar que as decisões judiciais interferem no processo de implementação das
políticas públicas é bastante diferente de conceber que as decisões judiciais implementam
as políticas públicas. Na primeira afirmação estamos ignorando o Princípio de Freios e
Contrapesos, e na segunda estamos considerando este princípio. O fato de uma decisão
judicial poder resultar em uma reformulação, seja na forma de ver o problema ou na forma
como a legislação propõe a solução deste mesmo problema, não dá ao Poder Judiciário
status de elaborador ou de implementador de políticas públicas.
Devido ao sistema de Freios e Contrapesos, um dos controles exercidos pelo Poder
Judiciário sobre o Poder Executivo é o de fiscalização, ferramenta útil à etapa de
avaliação. O controle de fiscalização consiste em desempenhar funções de vigilância,
exame ou sindicância, verificando a ocorrência de ilegalidades ou ilegitimidades
(MOREIRA NETO, 1989), configurando uma das faces do controle judicial.
Entendendo que as etapas de elaboração e implementação são de competência dos
Poderes Legislativo e Executivo, não se pode aceitar que o Poder Judiciário os substitua
nestes momentos, mas que tão somente verifique a compatibilidade de suas ações com a
Constituição Federal.
De outro lado, não se pode reduzir a etapa de avaliação da política a mero controle
de legalidade e legitimidade administrativas, pois isso implica assumir que nesta etapa
vale apenas pontuar se constitucional/legal, se inconstitucional/ilegal, se
legitimo/ilegítimo. A avaliação tem como cerne de discussão melhorar aquilo que se
avalia, independentemente de atribuir valor ou discutir o mérito, já que pressupõe retorno
de relevância àquilo que foi objeto de avaliação; implica revisão ou reformulação.
Os estudos nesta fase devem considerar o instrumento da política – leis ou atos
normativos – e o objetivo da política, a fim de verificar se o mesmo foi atingido, como
por exemplo, aferir se a Lei n.º11.340 de 2006, mais conhecida como Maria da Penha,
atingiu o objetivo de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher
(art. 1º) no Estado do Acre; se a Reforma Trabalhista (modificações no Decreto n.º
5.452/1943 pela Lei n.º 13.467/2017) prestigia as tratativas entre empregado e
empregador deixando ultrapassado o conceito de hipossuficiência na área; ou se a
arbitragem mostrou-se mais célere e justa frente ao tradicional sistema judiciário.
Interessante notar que, o ciclo da política também interfere nos efeitos das
pesquisas na área de políticas públicas, pois não têm um fim em si mesmas, sempre podem
ser utilizadas para o avanço do objeto de estudo e da área em construção, reconhecendo
que o processo dialógico, assim como o caráter interdisciplinar, são inerentes às políticas
públicas.

4. Considerações Finais

Apesar de a área de políticas públicas ser demasiado recente, não é possível


abordar toda a sua complexidade em um único artigo, daí porque objetivar apenas
apresentar as políticas públicas nos contextos de ação estatal, com todas as limitações
anteriormente expostas, e de área do conhecimento, bem como pontuar o que seriam as
fases do ciclo de políticas e os possíveis diálogos de pesquisa com o direito. Objetivo
que, acreditamos, atingimos.
Embora não tenhamos explorado muitos exemplos, pelo desenho daquilo que
envolve o estudo das políticas públicas, fica claro que muitas são as possibilidades de
pesquisas que a unem ao direito, de forma que também contracene, de forma
protagonista, na arena da construção destes conhecimentos, somando com a crescente
presença da sociologia e da economia.
Assim, o presente artigo pode ser entendido como um convite para desbravar esta
área nova, para conhecer outros autores, para compreender e aprofundar aquilo que não
ficou claro ou com o que não se concordou, acrescentando mais um átomo neste corpo,
talvez ainda amorfo, de saberes.
.
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