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• ENDOCRINOLOGIA • 275

088 Hipopituitarismo tiva, é comum a procura de neoplasia, sobretudo do trato gas-


trintestinal. Em situações de estresse (por infecção, cirurgia ou
Julio Abucham traumatismo), pacientes portadores de IAC previamente assinto-
máticos podem evoluir com descompensação grave chegando ao

O hipopituitarismo pode ser definido como a deficiência iso-


lada ou combinada de um ou mais dos hormônios adeno-
hipofisários: hormônio do crescimento (hipossomatotrofismo ou
choque e ao óbito.
A deficiência de PRL só é sintomática em mulheres na fa-
se de lactação. A agalactia e a amenorréia após um parto com per-
DGH), prolactina (deficiência de PRL), gonadotrofinas (hipogo- da hemorrágica importante são muito características da síndro-
nadismo hipogonadotrófico - HH), tirotrofina (hipotiroidismo me de Sheehan.
central - HC) e adrenocorticotrofina (insuficiência adrenal central A reposição de GH é feita com GH humano recombinan-
- IAC). Dentre as causas destacam-se os tumores da região selar te por via subcutânea. Na infância, a dose é de 35 μg/kg peso/d
(macroadenomas hipofisários, craniofaringiomas e tumores metas- (equivalente a 0,1 U/kg/d) e o monitoramento se faz pela velo-
táticos), as hipofisites, as lesões granulomatosas e proliferativas (sar- cidade de crescimento (VC). A criança devidamente tratada geral-
coidose e histiocitose), a necrose hipofisária pós-parto (síndrome mente atinge sua estatura-alvo. A dosagem de IGF-1 pode ser útil
de Sheehan), a cirurgia e a radioterapia da região selar, o trauma- para verificar se a dose de GH é excessiva, insuficiente, ou para ve-
tismo cranioencefálico, os defeitos moleculares em genes com ex- rificar a adesão, mas é dispensável se a VC for satisfatória. Em adul-
pressão adeno-hipofisária e as idiopáticas. A imagem da região selar tos, a dose de reposição deve ser a mínima efetiva, já que os efeitos
por ressonância magnética é o exame diagnóstico mais importante colaterais (artralgia, edema, síndrome do canal carpeano, mialgia,
na investigação etiológica do hipopituitarismo. hiperglicemia) são dose-dependentes. A resposta do adulto ao GH
A DGH é a deficiência mais prevalente em pacientes portado- é altamente individual, sendo os obesos e idosos mais sensíveis e
res de lesões hipotálamo-hipofisárias, tanto crianças como adultos, as mulheres mais resistentes. Inicia-se com 150-300 μg/d (0,45-
mas seu reconhecimento clínico é difícil na idade adulta. A DGH 0,90 UI), podendo-se aumentar de acordo com parâmetros clíni-
está quase sempre presente em pacientes com pan-hipopituitarismo cos e bioquímicos a cada 30 dias. A dose de manutenção de GH
(deficiência de mais de dois hormônios hipofisários), independente é a menor dose que mantém os níveis de IGF-I no meio da fai-
da causa, estando associada à diminuição da qualidade e da expec- xa normal sem efeitos colaterais. Na prática, raramente ultrapassa
tativa de vida desses pacientes. A criança com DGH é proporcio- 1 mg/d (3UI). Na dose de manutenção, o acompanhamento po-
nada, mas apresenta velocidade de crescimento baixa e maturação de ser feito a cada 6-12 meses pela IGF-1. A eficácia do tratamen-
esquelética atrasada para a idade cronológica (IC). Adultos com to com GH no adulto deve ser avaliada após 6 meses ou mais por
DGH freqüentemente apresentam fadiga, intolerância ao exercício, medidas antropométricas (circunferência abdominal, peso e com-
distúrbios do sono, alterações psicológicas e sociais como humor posição corporal por bioimpedância ou DEXA), densidade mine-
depressivo, ansiedade, labilidade emocional e isolamento social. A ral óssea e perfil lipídico. A reposição de GH reduz a massa gorda
composição corporal mostra aumento da massa gorda, sobretudo em 7-15%, principalmente pela redução da adiposidade visceral. A
visceral, e diminuição da massa magra, o que eleva o risco de doença massa magra aumenta em 5-10%, pelo aumento da massa de mús-
cardiovascular. O diagnóstico laboratorial da DGH é estabelecido culo esquelético e da água corporal. Essas alterações são mais acen-
pela baixa resposta do GH aos testes de estímulo, estando a IGF- tuadas nos homens e nos mais jovens. O GH também atua no osso,
1 circulante também baixa nos casos mais graves. ativando as unidades de remodelação, primeiro com aumento da
O HH na infância é frequentemente assintomático, mas po- reabsorção e em seguida com aumento da formação óssea. Assim,
de causar micropênis e criptorquidia nos casos congênitos. Na ida- a densidade mineral óssea pode diminuir nos primeiros 6 a 8 me-
de puberal, impede o desenvolvimento genital e o aparecimento ses de tratamento, seguindo-se ganho progressivo que só é obser-
dos caracteres sexuais secundários. Na mulher adulta, manifesta-se vado após 18 meses. Ainda não existem dados conclusivos quan-
por amenorréia ou oligoespaniomenorréia e sintomas de hipoes- to à redução na incidência de fraturas, redução da morbidade e da
trogenismo: adinamia, redução da libido, dispareunia e hipotrofia mortalidade com a reposição de GH em adultos deficientes ou do
mamária. No homem, as manifestações clínicas do HH decorrem risco do desenvolvimento de neoplasias durante o tratamento pro-
dos baixos níveis de testosterona: adinamia, redução de libido, per- longado com GH em adultos deficientes. Dessa forma, avaliações
da de massa muscular, disfunção erétil e queda de pelos corporais. periódicas com exames de próstata e dosagem de PSA nos homens
O diagnóstico de HH é estabelecido pelos baixos níveis de este- e mamografia nas mulheres em tratamento com GH são necessá-
róides gonadais (estrógeno ou testosterona) com LH e FSH nor- rias. Muito raramente, fibrilação atrial e ginecomastia podem ser
mais ou baixos. observadas durante o tratamento com GH. As contra-indicações
O HC tem quadro clínico semelhante ao do hipotiroidismo atuais para o uso do GH são doença maligna ativa, hipertensão in-
primário: adinamia, bradipsiquismo, intolerância ao frio, pele se- tracraniana benigna e retinopatia diabética.
ca e descamativa e obstipação intestinal. O diagnóstico é estabe- O HH no homem é usualmente tra­tado com testosterona de
lecido pelo T4 livre baixo com TSH baixo, normal ou discreta- liberação lenta, via intramuscular, 200-250 mg a cada 14-30 dias.
mente elevado. A aplicação transdérmica de testosterona, com adesivos ou gel, é
A deficiência de ACTH reduz a secreção adrenal de glico- uma alternativa atraente por propiciar níveis circulantes mais está-
corticóide e de esteróides sexuais, mas não de aldosterona. A maio- veis de testosterona e evitar a dor no local da aplicação. Contudo,
ria dos pacientes portadores de IAC pode se manter pouco sinto- ambos apresentam custo bem mais elevado do que a injeção. A re-
mática na maior parte do tempo e passar despercebida pelo exame posição de testosterona, sobretudo em doses suprafisiológicas, po-
clínico rotineiro. Contudo, ao exame físico mais cuidadoso, pode- de causar retenção hídrica, ginecomastia, icterícia colestática, lesões
se observar diminuição de pelos axilares e pubianos, palidez cutâ- hepáticas, acne, priapismo, comportamento agressivo e aumento
nea, descoramento de mucosa, despigmentação da aréola mamá- do hematócrito. O uso da testosterona pode estar contra-indica-
ria e hipotensão postural. No paciente ambulatorial sintomático, do em pacientes hipogonádicos portadores de carcinoma de prós-
com fadiga, anorexia, náusea, vômito e perda ponderal significa- tata ou de mama.
276 • ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA • MANUAL PRÁTICO DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO •

O tratamento do HH na mulher abaixo dos 50 anos se faz pêutica no HC da mesma maneira que no hipotiroidismo primá-
forma cíclica, usualmente por via oral, com estróge­nos por 25 dias, rio: os níveis de TSH estarão baixos ou mesmo indetectáveis no
associados a um progestágeno do 15º ao 25º dia, suspendendo- paciente com HC em reposição adequada de tiroxina.
se até o 5º dia do fluxo menstrual. A dose de estrógeno oral deve O tratamento da IAC pode ser feito com uma dose única
ser individualizada para evitar efeitos colaterais e atingir os objeti- diária de prednisona oral, geralmente entre 2,5 e 5,0 mg pela ma-
vos da reposição, seja feminização plena ou controle sintomático nhã. Na prática, essa dose é acertada empiricamente, tendo-se em
do hipoestrogenismo. Para tanto, as doses variam de 0,3 a 1,25 conta que o metabolismo do glicocorticóide apresenta variação in-
mg para os estrógenos conjugados, de 1,0 a 2,0 mg para o estra- dividual, sendo acelerado pelo uso de outras drogas ou hormônios
diol micronizado, de 0,01 a 0,02 mg para o etinil estradiol e em (barbitúricos, hidantoinatos, tiroxina), e que os efeitos de doses
torno de 2,0 mg para o valerato de estradiol. Essas doses geral- excessivas (síndrome de Cushing) podem levar meses a anos para
mente determinam níveis séricos de estradiol entre 30 e 50 pg/ se manifestar. Assim, o tratamento deve ser iniciado com doses en-
mL, que correspondem aos níveis observados no início da fase fo- tre 1,25 e 2,5 mg, sendo que essa última é eficaz em grande par-
licular. A associação cíclica de progestágenos [2,5-10 mg de ace- te dos pacientes, mas alguns poderão necessitar de 5 mg ou, mais
tato de medroxiprogesterona (MPA) ou derivado progestagênico raramente, de 7,5 mg ao dia.
sintético] permite a menstruação e evita a hiperplasia endometrial. É importante que pacientes com insuficiência adrenal sejam
Alternativamente, podem-se utilizar estrógenos e progestágenos si- orientados para ter em casa uma preparação de glicocorticóide pa-
multaneamente, de forma contínua, o que induz maior freqüência ra uso parenteral que deverá ser utilizada em intercorrências hipo-
de amenorréia sem elevar o risco de hiperplasia endometrial. Outras volêmicas (hemorragia, vômitos, diarréia), infecciosas, cirúrgicas,
alternativas à MPA são a progesterona micronizada (100 a 200 mg traumáticas e neurológicas (rebaixamento de consciência, convul-
diariamente) e os progestágenos tipo19-nor, noretindrona (0,35 são). A orientação de familiares próximos também é fundamental,
mg), gestodeno (0,75 mg) ou levonorgestrel (0,075 mg), sendo uma vez que muitas dessas intercorrências cursam com confusão
a escolha individualizada pela tolerância. O controle da prolifera- mental ou rebaixamento de consciência, incapacitando o pacien-
ção endometrial pode ser feito com ultra-sonografia e biópsia en- te para identificar o quadro e/ou para se auto-administrar o glico-
dometrial. Em casos de retardo puberal, a reposição de progeste- corticóide. Todos esses pacientes devem portar, em lugar visível,
rona deve ser iniciada após período de 1 a 2 anos de estimulação uma identificação alertando para sua condição com orientação te-
estrogênica em doses crescentes para permitir a completa matura- rapêutica para situações de urgência.
ção uterina antes do início dos ciclos menstruais. Na crise aguda de insuficiência adrenal, não se deve esperar
A administração de estrogênios via transdérmica, com ade- os resultados das dosagens hormonais para iniciar o tratamento com
sivos ou gel, propicia concentrações plasmáticas de estradiol mais glicocorticóide. Nas primeiras 24 horas, são utilizadas doses altas
estáveis e reduz a conversão a estrona quando comparada às formu- de glicocorticóide e hidratação parenteral com solução fisiológica.
lações de uso oral. Por não apresentar uma primeira passagem pelo Tradicionalmente, utiliza-se a hidrocortisona IV (100 mg em bo-
fígado, o uso de estrogênio transdérmico evita os efeitos indesejá- lus, seguida por 50 a 100 mg a cada 8 horas), mas qualquer outro
veis na coagulação e pressão arterial, embora não favoreça o perfil glicocorticóide disponível, em doses equivalentes, será igualmen-
lipídico. Além disso, interfere menos nos níveis de SHBG, permi- te efetivo. Em situações de estresse moderado, sem impedimento
tindo maior fração de hormônio livre circulante e biologicamente da via oral, o paciente deve estar orientado para aumentar sua dose
ativo. A aplicação de uma dose de 50 a 100 µg de etinil-estradiol diária de glicocorticóide (ou aquela que seria sua dose diária) cerca
via transdérmica, duas vezes por semana, ou de 1,5 g de gel con- de 2 a 4 vezes, durante 2 a 4 dias, reduzindo-a gradualmente à me-
tendo 1,5 mg de estradiol hemi-hidratado equivale à ingestão oral dida que houver melhora sintomática. Mesmo nessas situações me-
de 0,625 a 1,25 mg de estrógeno conjugado, sendo que a adição nos graves, deverá sempre se comunicar com o médico e procurar
de progestágenos ao adesivo não altera a absorção do estrógeno. atendimento caso não ocorra a melhora clínica esperada. Na pre-
Alguns sistemas de aplicação utilizam adesivos contendo quanti- sença de insuficiência adrenocorticotrófica associada, o tratamen-
dades variáveis de estradiol que permitem mimetizar as variações to com tiroxina não deve ser iniciado antes da reposição glicocor-
fisiológicas de seus níveis ao longo do ciclo menstrual. Alguns pa- ticóide devido ao risco de crise de insuficiência adrenal.
cientes podem apresentar alergia no local de aplicação do adesivo
ou mesmo queda dos níveis estrogênicos antes do previsto.
O HC, assim como o primário, é tratado com levotiroxina
via oral. A dose da medicação no adulto jovem varia de 0,7 a 1,5
µg/kg/dia, sendo geralmente mais baixa nos idosos. Nas crian-
ças, as doses variam de acordo com a idade: 8 a 10 µg/kg/dia até
os 6 meses, 6 a 8 µg/kg/dia dos 6 aos 12 meses, 5 a 6 µg/kg/dia 089 Deficiência do Hormônio do
de 1 a 5 anos, 4 a 5 µg/kg/dia dos 6 aos 12 anos. Essas doses de- Crescimento
vem ser ajustadas individualmente com da monitorização clínica e
laboratorial a cada 6 semanas até se atingir a dose de manutenção, Antônio Roberto Chacra
após o que a monitorização poderá ser feita a cada 6 meses. Doses Ana Maria J. Lengyel
excessivas de hormônio tiroideano podem causar sintomas de tiro-
toxicose e desencadear insuficiência adrenal, bem como favorecer
o desenvolvimento da osteoporose, ao passo que doses baixas po-
dem elevar ainda mais o risco cardiovascular já elevado pela DGH
A queixa da baixa estatura é freqüente. Na grande maioria dos
pacientes não existe causa endocrinológica e a queixa decor­
re de pressões socioculturais em relação à possibilidade de o in­
coexistente. Os níveis séricos de T4 livre deverão ser mantidos no divíduo ser “baixo” na idade adulta. O crescimento depende da
meio da faixa normal, evitando-se valores normais baixos ou nor- ação sinérgica de vários hormônios: hormônio do crescimento
mais elevados, que são os menos freqüentes na população geral. O (somatotrofina), insulina, hormônios tiroidianos, cortisol e es­
TSH não pode ser utilizado como parâmetro de adequação tera- teróides sexuais.

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