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286 • ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA • MANUAL PRÁTICO DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO •

de radioiodo. A dosagem de T3 sérico é pouco sensível e não tem necessário atentar para a concentração de T3 livre e para a presen-
valor no diagnóstico de hipotiroidismo. O teste de estímulo com ça de arritmia cardíaca. Em geral, durante o tratamento com L-T4
TRH não é melhor que a dosagem do TSH isolado na identificação o paciente deve ser mantido com concentrações normais de TSH
do paciente com hipotiroidismo subclínico e também não consegue (0,3 a 4,5 mU/L).
distinguir o hipotiroidismo hipofisário do hipotalâmico. A monito- O coma mixedematoso é emergência médica com eleva-
ração do perfil lipídico é necessária devido ao aumento do risco de do índice de mortalidade. A L-T4 deve ser administrada por via
o paciente hipotiroidiano desenvolver doença arterial coronariana. intravenosa em alta dose (400 µg), seguida de 100 µg IV diaria-
Hipercolesterolemia, aumento dos níveis de LDL-colesterol, aumen- mente. O paciente deve ser aquecido, para evitar colapso cardio-
to de apoproteína B, aumento de Lp(a) e triglicérides são as altera- vascular, e entubado, pois necessita de ventilação mecânica as-
ções lipídicas mais comumente observadas em pacientes hipotiroi- sistida. Infecção deve ser detectada e tratada agressivamente.
dianos, mesmo com grau leve de falência tiroidiana. Concomitantemente com a L-T4 os pacientes devem ser tratados
com hidrocortisona, 100 mg IV inicialmente, e então com 25 a
Tratamento 50 mg a cada oito horas.
Em relação ao hipotiroidismo subclínico (TSH elevado e T4
O tratamento de qualquer forma de hipotiroidismo é fei- livre normal), um dos fatores favoráveis à instituição da terapêutica
to pela reposição dos hormônios tiroidianos; a levotiroxina (L- com L-T4 é a presença de altos títulos de anticorpos antitiroidianos
T4) é o tratamento de escolha. Cerca de 80% da dose de L-T4 é e concentração de TSH acima de 10 mU/L. Há risco de progressão
absorvida e, em virtude de sua meia-vida ser longa (sete dias), da falência tiroidiana em pacientes com tiroidite de Hashimoto e,
uma dose diária produz concentrações constantes de T4 e T3 no dependendo das circunstâncias clínicas, por exemplo hipercoleste-
soro. Embora T4 seja o principal hormônio produzido na tirói- rolemia, aumento de LDL-colesterol ou presença de outros fatores
de, virtualmente todos os efeitos dos hormônios tiroidianos são de risco para doença arterial coronária há justificativa para o início
mediados pelo T3, cuja potência biológica é cerca de quatro ve- da terapêutica. Se a decisão terapêutica for aceita, deve-se monito-
zes maior do que a do T4. Assim, a via mais importante do me- rar os valores de TSH e mantê-lo nos limites normais.
tabolismo dos hormônios tiroidianos é a conversão do T4, por A presença de valor de TSH sérico elevado em pacientes tra-
meio da 5’ desiodação, ao hormônio ativo T3, de modo que 70 tados com L-T4 sugere revisão da dose administrada; contudo, deve-
a 80% do T3 circulante provem desse processo. No paciente tra- se primeiro avaliar a aderência ao tratamento. Outras causas podem
tado com L-T4 a concentração de T3 é normal. Depois de uma a influir na absorção intestinal de L-T4 que ocorre com administra-
duas semanas do início da terapia com L-T4 observa-se significa- ção concomitante de substâncias como ferro, hidróxido de alumí-
tivo aumento na concentração de T4 que deve atingir seu ponto nio e cálcio, além de preparados contendo soja em excesso. Dietas
máximo na quarta semana. Antes de iniciar a administração de ricas em fibra, em especial as sintéticas, também podem interferir
L-T4, entretanto, o paciente com hipotiroidismo deve submeter- com a absorção de L-T4.
se a análise da função adrenal. A resposta ao tratamento do paciente com hipotiroidismo
A dose média de L-T4 em adultos é de 1,6 µg/kg/dia, mas à reposição hormonal é bastante satisfatória. É importante frisar
as doses necessárias para manutenção do eutiroidismo variam mui- que uma vez diagnosticado o hipotiroidismo o tratamento deve ser
to, de 50 a 220 µg ao dia. Na criança, e especialmente no hipoti- mantido por toda a vida, exceto nos casos em que o hipotiroidismo
roidismo congênito, as doses são bem maiores. Nos pacientes jo- é transitório, como na tiroidite subaguda, ou reversível, quando a
vens e sem alterações coronarianas as doses iniciais de L-T4 são de causa for a ingestão de componentes antitiroidianos. Reavaliações
50 a 100 µg ao dia. No caso de pacientes com doença coronariana periódicas são necessárias para reajustes da dose de L-T4, pois esta
ou com mais de 60 anos as doses iniciais de L-T4 devem ser me- deve ser individualizada para cada paciente, baseada em cuidado-
nores, 12,5 a 25 µg ao dia. A dose pode ser aumentada em 12,5 sas avaliações clínicas e laboratoriais.
a 25 µg (dependendo da gravidade) a cada duas ou três semanas,
até levar o paciente ao estado de eutiroidismo.
Pacientes com hipotiroidismo grave necessitam de doses ini-
ciais maiores de L-T4, dado que o mixedema interfere em parte
com a absorção intestinal da tiroxina. Pode ser necessário aumen-
tar a dose de L-T4 em pacientes durante a gravidez, devido ao au-
mento da depuração metabólica e/ou diminuição da absorção. A 094 Nódulos de Tiróide
quantidade de L-T4 pode requerer aumento na dose de cerca de 20
a 50%. Após o parto, a dose deve ser reduzida. Quando indicada Reinaldo P. Furlanetto
a L-T3, devido a sua curta meia-vida (cerca de 24 horas), deve ser

O
administrada em doses fracionadas, tentando evitar as flutuações da nódulo de tiróide (NT) pode ser definido como qualquer
concentração sérica que ocorrem com esta preparação. A associação lesão macroscópica distinguível do parênquima tiroidiano
de L-T3, na dose de 12,5 µg ao dia com L-T4 foi descrita somente normal. O tamanho pode ser muito variável, desde aqueles clini-
em um pequeno estudo e provocou melhoria nos sintomas físicos, camente manifestos e evidentes à inspeção; até uma pequena le-
nos exames cognitivos e no humor de alguns pacientes. são perceptível apenas ao ultra-som (US). É a doença tiroidiana
Além do TSH, em algumas situações clínicas deve-se ava- mais freqüente; 4% da população geral e aproximadamente 50%
liar as concentrações séricas de T4 livre, T3 livre, creatino-quina- dos habitantes de áreas carentes de iodo têm nódulos tiroidianos
se e a função cardíaca. Somente nos pacientes com hipotiroidis- evidenciados clinicamente, ou seja, nódulos visíveis, palpáveis ou
mo em tratamento de câncer de tiróide a concentração de TSH sintomáticos. Entretanto, mesmo na população geral, o número
no soro pode ser mantida abaixo dos valores normais, menor do de nódulos assintomáticos é ainda maior; pelo US consegue-se
que 0,1 mU/L (TSH suprimido). Na presença desses valores é detectar NT em aproximadamente 30% dos indivíduos sem qual-
• ENDOCRINOLOGIA • 287

quer queixa de doença tiroidiana. O NT é sinal comum a várias é muito baixa, se é sólido ou misto. Identifica estruturas adjacen-
doenças tiroidianas; bócios colóides, adenomas, adenocarcinomas, tes à tiróide, mostrando se há infiltração de órgãos vizinhos e ade-
cistos e tiroidites podem, pelo menos num estágio de sua evolu- nopatia satélite. É porém um exame pouco específico, pois os si-
ção, se manifestar clinicamente como um nódulo. nais mais evidentes de malignidade não estão presentes em todos
os carcinomas e não existe qualquer sinal ao US que afaste a pos-
Avaliação clínica sibilidade de malignidade em qualquer NT.
A punção aspirativa com agulha fina para exame citológi-
Na avaliação de um NT, devem ser considerados principal- co (PAAF) é o método mais sensível e específico para o diagnós-
mente dois aspectos: o aspecto funcional e a possibilidade de tra- tico etiológico dos NT. Requer, evidentemente, experiência na
tar-se de carcinoma. Havendo sinais ou sintomas de tirotoxicose leitura citológica e na colheita do material, devendo-se fazer as-
comprovados com dosagens hormonais (T4 livre elevado e TSH su- pirações de várias partes da lesão, geralmente duas ou três, para
primido), o diagnóstico é de bócio nodular tóxico e a cintilografia que a amostra seja representativa. Os resultados falso-negativos
com iodo radiativo ou tecnécio mostrará nódulo hipercaptante ficam entre 3 e 4% e os falso-positivos praticamente não existem
(quente). Se houver quadro de hipotiroidismo com TSH elevado, nos serviços experientes. Os carcinomas papilíferos, medulares,
o diagnóstico mais provável será de tiroidite crônica auto-imune foliculares pouco diferenciados, os indiferenciados e os linfomas,
(tiroidite de Hashimoto) e o tratamento então será substitutivo não trazem geralmente dificuldade diagnóstica. Quando o resul-
com L-tiroxina. Porem, em ambas as circunstâncias, na presença tado é duvidoso ou suspeito pela presença de proliferação folicu-
de hiper ou hipotiroidismo, apesar de pouco freqüente, a possibi- lar, a chance de tratar-se de carcinoma folicular bem diferencia-
lidade da existência de um nódulo maligno não pode ser descarta- do é ao redor de 33%; também nesse caso se justifica a indicação
da. Dor intensa é comum na tiroidite subaguda, podendo às vezes cirúrgica. A PAAF é o melhor método diagnóstico para selecio-
ser conseqüente à hemorragia dentro de um cisto. nar os pacientes com lesões malignas ou suspeitas que devem ser
Se não houver quadro de disfunção hormonal, apesar do encaminhados à cirurgia.
diagnóstico mais provável ainda ser de nódulo benigno, a possibi-
lidade de tratar-se de carcinoma deverá ser mais bem investigada. Tratamento
A probabilidade de malignidade é maior nos nódulos que estão au-
mentando de tamanho, nos mais endurecidos, quando houver pa- A maioria dos NT sem disfunção tiroidiana e sem suspei-
ralisia de corda vocal, aderência a outras estruturas ou adenomega- ta de malignidade à PAAF, devem apenas ser acompanhados, sem
lia, em pacientes mais jovens (duas primeiras décadas) e nos mais necessidade de qualquer terapêutica. Eventualmente, nesses casos
idosos (20% se >60 anos), no sexo masculino (17% contra 8% em e desde que não haja contra-indicação para o uso de hormônio ti-
mulheres) e em pacientes que receberam irradiação externa na re- roidiano, pode ser tentado o tratamento com L-tiroxina (1,5 a 2
gião do pescoço durante a infância ou adolescência. µg/kg/dia) buscando, pela supressão do TSH, manter a glându-
Os dados clínicos que sugerem benignidade são: história fa- la em repouso e conseguir diminuição do nódulo. Entretanto, is-
miliar de bócio ou de doença auto-imune de tiróide, sintomas de so só se consegue na minoria dos casos. Os NT maiores e mais an-
hiper ou hipotiroidismo, dor, e NT móvel de consistência elásti- tigos, com cápsula espessa, fibrose e calcificações, não respondem
ca ou amolecida. à supressão. A cirurgia está indicada nos pacientes com risco de
doença maligna, nos NT maiores com fenômenos compressivos
Diagnóstico laboratorial como desvio de traquéia, ou por motivos estéticos.
Com referência aos nódulos tóxicos, a cirurgia é recomen-
A confirmação da função tiroidiana é feita com dosagem de dada nos nódulos maiores, em pacientes com baixo risco cirúrgi-
TSH e, eventualmente, de T4 livre. Quando houver hipotiroidismo co. É importante que os pacientes estejam compensados pelo uso
(TSH elevado), a etiologia mais provável é de tiroidite auto-imune, de antitiroidianos; a administração de soluções iodadas é totalmen-
confirmada pela determinação de anticorpos antitiroidianos (an- te contra-indicada, pois pode piorar a tirotoxicose. O tratamen-
titiroglobulina e antiperoxidase) e/ou pela presença de linfócitos to com 131I também pode ser indicado, especialmente nos bócios
na punção aspirativa da glândula. A dosagem de calcitonina para se menores, nos pacientes mais idosos e naqueles com maior risco ci-
avaliar a possibilidade do NT ser um carcinoma medular, só é indi- rúrgico. A dose depende da captação e do tamanho do nódulo, fi-
cada quando houver história familiar desse tumor de tiróide. cando geralmente entre 15 e 30 mCi.
A cintilografia mostra se há ou não uniformidade de capta- Recente alternativa terapêutica para o tratamento dos NT
ção pela glândula evidenciando a característica funcional do NT, benignos é a injeção percutânea de etanol a 95% guiada por US.
se morno, quente ou frio. Sua principal indicação é quando hou- O procedimento é feito ambulatorialmente e pode ser repetido
ver TSH suprimido com suspeita de nódulo autônomo que po- várias vezes, em sessões semanais ou quinzenais, introduzindo-se
de levar à tirotoxicose (T4 alto), ou não (T4 normal). Se o NT 1,5 mL ou mais, dependendo do volume do NT, aplicados lenta-
for único e hipocaptante (frio), a chance de ser carcinoma é ao mente sob visualização do US. Quando houver líquido cístico, es-
redor de 15%; por isso, no passado a cintilografia decidia pela in- te deve ser aspirado antes da injeção. Esse procedimento está in-
dicação cirúrgica, com o argumento de suspeita de malignidade. dicado nos NT císticos, nos NT autônomos tóxicos ou atóxicos e
A cintilografia, porém, NÃO deve ser usada para esse diagnós- pode ser realizado também nos nódulos colóides sólidos. Esse pro-
tico, por sua baixa especificidade: 85% dos nódulos únicos frios cedimento provoca necrose de coagulação no parênquima nodu-
não são cânceres. lar e, no caso dos cistos, aderência da parede. Geralmente conse-
O US identifica bem o tamanho da glândula e da lesão, mos- gue-se diminuição importante (70 a 90%) do tamanho do nódulo
tra se há ou não uniformidade na textura do parênquima, distin- e nos NT autônomos, obtém-se a normalização da função tiroi-
guindo se o NT é um cisto puro, no qual a suspeita de malignidade diana sem complicações.

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