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288 • ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA • MANUAL PRÁTICO DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO •

095 Câncer da Tiróide sexo) e pela própria neoplasia (tipo histológico, dimensão e exten-
são do tumor). A idade, acima dos 40 anos à época do diagnóstico,
Rui M. B. Maciel é o mais importante fator prognóstico e influi diretamente na so-
Rosa Paula M. Biscolla brevida. Quanto ao sexo, devido à incidência de nódulos ser mais
elevada no sexo feminino, existe maior número de mulheres do

O s tumores malignos da tiróide são raros (cerca de 1% de todos que de homens com câncer da tiróide. Porém homens portadores
os cânceres) e apresentam comportamentos clínicos extrema- de nódulos tiroidianos evidenciam porcentagem mais elevada de
mente variáveis, desde aqueles com crescimento muito lento e com- lesões malignas. Os carcinomas papilíferos e mistos papilífero-foli-
patível com expectativa de vida normal, até aqueles com péssima evo- culares têm curso mais benigno, enquanto os foliculares apresen-
lução e que levam ao óbito em semanas ou meses. Os tumores desse tam comportamento mais agressivo. O tamanho e a extensão do
tipo demonstram diferenciação histológica bastante evidente entre os câncer também se relacionam com o prognóstico - as lesões com
carcinomas bem diferenciados (com bom prognóstico) e os carcino- crescimento envolvendo a cápsula ou com invasão de estruturas
mas indiferenciados (com péssimo prognóstico). Os carcinomas di- adjacentes tem taxa de sobrevivência menor.
ferenciados derivados das células foliculares são subdivididos quanto O tratamento dos carcinomas diferenciados consiste na ti-
ao comportamento biológico em dois grupos: os papilíferos e os fo- roidectomia total ou quase total, preservando as paratiróides e evi-
liculares. Os papilíferos correspondem nas várias séries estudadas, a tando lesões do nervo recorrente. Os linfonodos suspeitos deverão
cerca de 40 a 70% de todos os carcinomas tiroidianos e incidem em ser removidos. A seguir, com o objetivo de destruir o tecido tiroi-
indivíduos jovens. Histologicamente contêm componentes papila- diano remanescente no leito cervical, emprega-se o iodoradioativo
res, sendo geralmente multifocais e não encapsulados; sua dissemi- (131I); habitualmente, 30 a 100 mCi. Após a ablação total do teci-
nação se dá por meio dos linfáticos intraglandulares, evoluindo do do tiroidiano, realiza-se a pesquisa de metástases captantes de io-
foco inicial para as outras partes da tiróide e para os linfonodos pe- do mapeando-se o corpo inteiro dos pacientes com o 131I (pesqui-
ricapsulares e cervicais. Os foliculares correspondem a cerca de 10 a sa de corpo inteiro). Na presença de alguma área captante, esta
30% dos carcinomas da tiróide, incidem em adultos jovens e histo- será tratada com doses elevadas de 131I (100 a 200 mCi), visto que
logicamente são tipicamente solitários e encapsulados, compostos de as metástases dos carcinomas papilíferos e foliculares têm a habili-
folículos e de áreas sólidas ou trabeculares. A disseminação do carci- dade de concentrar iodo.
noma folicular se dá por via hematogênica com metástases à distân- Em seguida, os pacientes são submetidos à terapia substi-
cia, principalmente nos ossos e pulmões. Os indiferenciados corres- tutiva com levo-tiroxina (150-250 µg ao dia, em tomada única),
pondem a 5% dos carcinomas tiroidianos e incidem em pacientes de cujo objetivo, além de promover o eutiroidismo dos doentes, é blo-
grupos etários mais avançados; à histologia evidenciam células com quear o TSH endógeno (potente estimulador do crescimento das
pleomorfismo extremo, acompanhadas de inúmeras mitoses. metástases desse tipo de câncer). Posteriormente, esses pacientes
Outro tipo de tumor maligno tiroidiano é o carcinoma deri- são examinados a intervalos regulares (entre seis meses e um ano),
vado das células C ou parafoliculares, denominado carcinoma me- com o objetivo de detectar precocemente o aparecimento de me-
dular, o qual corresponde a cerca de 3 a 10% da incidência total. O tástases, por meio de pesquisa de corpo inteiro com o 131I e da do-
carcinoma medular apresenta-se em duas formas, esporádica (80%) sagem de tiroglobulina sérica.
ou familiar (20%). Mais de 95% dos pacientes com carcinoma me- Atualmente, a dosagem da tiroglobulina sérica tem sido con-
dular da forma familiar estão associados a outras neoplasias endócri- siderada o melhor marcador no carcinoma diferenciado de tiróide.
nas (NEM 2A e NEM 2B) que apresentam mutações no gene RET. Em vigência de TSH suprimido, a dosagem de tiroglobulina deverá
Nas formas familiares é essencial o diagnóstico do tipo de mutação ser negativa nos pacientes curados, ao passo que níveis elevados de
RET reponsável pela neoplasia, uma vez que há relação entre o ge- tiroglobulina serão observados em indivíduos com metástases.
nótipo e o fenótipo, com formas mais agressivas na dependência da O carcinoma medular deve ser tratado mais agressivamente
mutação encontrada e que merecem cirugia mais precoce. O cres- que os cânceres diferenciados, por ser a doença mais maligna. Indica-
cimento desses tumores é bastante variável, abrangendo tanto casos se a tiroidectomia total associada à retirada dos gânglios cervicais. O
extremamente benignos, como aqueles que podem levar ao óbito; seguimento é feito com as dosagens de calcitonina sérica.
porém, o diagnóstico precoce é essencial para a cura, já que 50% dos O carcinoma indiferenciado da tiróide é lesão extremamen-
pacientes apresentam metátases linfonodais ao diagnóstico. te maligna e, independentemente do tipo de tratamento, o resul-
Em relação aos tumores de células não-tiroidianas que po- tado é sempre desapontador. A cirurgia e a radioterapia externa
dem originar-se na própria tiróide o mais comum é o linfoma pri- estão indicadas paliativamente, com o objetivo de aliviar sintomas
mário da tiróide, ocorrendo em mulheres idosas com tiroidite de decorrentes de obstrução. A maior parte dos pacientes morre em
Hashimoto. Metástases para a tiróide ocorrem raramente, sendo menos de um ano.
que melanoma, hipernefroma, câncer de mama, pulmão e cabeça
e pescoço são os sítios primários mais freqüentes.
A apresentação clínica usual do tumor da tiróide é sob a forma
de nódulo, descoberto incidentalmente no pescoço pelo próprio pa-
ciente ou pelo médico. Hoje em dia, com o uso da ultra-sonografia
da tiróide muitos nódulos são descobertos acidentalmente. Em casos
raros o doente é visto pela primeira vez devido à presença de metáta-
096 Tiroidites
ses, na forma de palpação de linfonodos cervicais, imagens nodulares
Rui M. B. Maciel
em pulmão observadas em imagens de tórax, ou ainda, em virtude
de fratura patólogica por metástases em coluna e ossos longos.
Além das medidas terapêuticas que discutiremos a seguir, o
prognóstico dos tumores tiroidianos diferenciados é dependente
A s tiroidites constituem grupo de doenças caracterizadas por
inflamação da tiróide. Podem ser classificadas em aguda, su-
baguda e crônica.
de uma série de características apresentadas pelo paciente (idade e
• ENDOCRINOLOGIA • 289

A tiroidite aguda é forma extremamente rara de tiroidite, habitualmente apenas bócio pequeno, firme, de consistência aumen-
caracterizada por infecção bacteriana da própria tiróide, que pode tada e indolor à palpação. À medida que a doença progride, ocor-
ser devida à contigüidade de processo infeccioso do pescoço ou se- rem diminuição da função tiroidiana e os primeiros sinais de hipoti-
cundária a septicemia. O paciente queixa-se de forte dor na região roidismo. Todavia, a evolução é imprevisível, pois alguns pacientes
cervical, sensível à palpação local, acompanhada de febre e disfa- permanecem assintomáticos durante décadas, ao passo que outros
gia. Laboratorialmente, essa tiroidite caracteriza-se por velocida- caminham para o hipotiroidismo em poucos meses.
de de hemossedimentação elevada e leucocitose, às vezes em grau O quadro laboratorial da tiroidite de Hashimoto caracte-
acentuado, com desvio à esquerda. Ocasionalmente pode ocorrer riza-se pela presença de anticorpos antitiroidianos circulantes, ge-
aumento da taxa dos hormônios tiroidianos circulantes, devido à ralmente presentes em títulos elevados nos pacientes adultos e em
sua liberação durante o processo infeccioso; na maioria dos casos, títulos mais baixos nos adolescentes. Os testes de função da tirói-
porém, o paciente é eutiroidiano. A captação de iodo radioativo de podem evidenciar, como já vimos, desde absoluta normalidade
é suprimida na área da inflamação, com aspecto cintilográfico de até hipotiroidismo grave.
nódulo hipocaptante (frio). O tratamento é realizado por meio da O tratamento da tiroidite de Hashimoto vai depender da
administração de antibióticos de largo espectro, com cura do pro- sintomatologia. Naqueles casos nos quais não há bócio nem hi-
cesso na maioria dos casos; raramente, quando ocorrem supura- potiroidismo e o diagnóstico foi acidental, não há necessida-
ções, também se faz necessária a drenagem local. de de tratamento, obrigando-se todavia o paciente a observação
A tiroidite subaguda tem duração variável, de semanas a al- continuada. Nos casos com hipotiroidismo o tratamento de-
guns meses, evolução autolimitada e etiologia provavelmente vi- ve ser realizado com a terapêutica hormonal substitutiva à base
ral. Seu início é caracterizado por dor na região da tiróide, que di- dos hormônios tiroidianos. Empregamos a tiroxina (T4) em do-
ficulta a deglutição e a palpação; a glândula aumenta de volume e ses que variam de 100 a 200 µg diários em uma única tomada
consistência e às vezes a dor se irradia para a mandíbula. Ao lado (1,6-1,8 g/kg de peso); na fase inicial o tratamento começa com
dos fenômenos locais, o paciente apresenta mal-estar, fraqueza e doses menores (25 a 50 µg por dia), que vão aumentando a cada
febre de grau variável. O processo inflamatório causa dano celular 7-10 dias até se alcançar a taxa ótima, que é variável para cada in-
e, em vista disso, boa quantidade de colóide é lançada na circula- divíduo. Depois de atingida a dose ideal os pacientes devem ser se-
ção; como o colóide é constituído de iodo-proteínas, T3 e T4, ve- guidos por toda a vida, com avaliações semestrais ou anuais; nessas
rifica-se leve grau de tirotoxicose clínica, caracterizada por taqui- ocasiões, além do exame clínico as determinações séricas de TSH
cardia, nervosismo e insônia. A palpação é extremamente dolorosa, e T4 orientam quanto à necessidade de elevar, diminuir ou manter
e às vezes o paciente reage e tenta impedir a manobra propedêu- a dose terapêutica. Naqueles casos de pacientes com bócio, porém
tica; na maior parte dos casos a glândula tem consistência caracte- em eutiroidismo, é conveniente o tratamento com T4 com o obje-
rística (empastada). A velocidade de hemossedimentação está ele- tivo de diminuir o bócio e compensar hipotiroidismo que poderia
vada, em muitos casos ao redor de 100 mm/hora. instalar-se insidiosamente.
Em nossa experiência, a maioria absoluta dos casos evolui A tiroidite linfocítica com resolução espontânea (também de-
muito bem já no primeiro ou segundo dia de tratamento com an- nominada tiroidite silenciosa), apresenta quadro histológico seme-
tiinflamatórios (piroxicam, 20 mg/dia em dose única ou 10 mg de lhante ao da tiroidite de Hashimoto, mas quadro clínico caracteri-
12/12 horas, por 15 dias; ou diclofenato sódico, 75 mg de 12/12 zado por hipertiroidismo. Calcula-se que, em certas áreas, cerca de
horas por 15 dias; ou inibidores da COX-2, 25 mg de 12/12 ho- 10% de todos os pacientes com hipertiroidismo são portadores da
ras). Nas tiróides muito dolorosas, que não respondam a essa for- doença. Apresentam-se com a tiróide discretamente aumentada, an-
ma terapêutica, está indicado o tratamento com corticosteróides. ticorpos antitiroidianos presentes, mapeamento com 131I mostrando
Doses iniciais de 20 a 40 mg de prednisona ou equivalente provo- ausência de captação na região cervical e resposta do TSH ao TRH
cam o desaparecimento dos fenômenos locais e a melhora do es- bloqueada; o quadro clínico do hipertiroidismo desaparece espon-
tado geral em um ou dois dias; tais doses devem ser diminuídas taneamente após alguns meses. Este, se for intenso, deve ser tratado
progressivamente, até que se atinja dose mínima que mantenha o com drogas antitiroidianas, da mesma maneira que os quadros de hi-
paciente livre de sintomas. Após algumas semanas tenta-se a reti- pertiroidismo por moléstia de Basedow-Graves; se for leve, pode ser
rada da droga, caso não haja recidiva do processo. tratado com beta-bloqueadores ou merecer apenas observação.
A tirotoxicose da tiroidite subaguda, por ser leve e transitó-
ria, não deve ser tratada com antitiroidianos; pode ser controlada
sintomaticamente pelos beta-bloqueadores adrenérgicos, como o
propranolol, em doses fracionadas de 80 a 120 mg/dia. Na maio-
ria dos casos de tiroidite subaguda ocorre a restituição completa da
função tiroidiana e o desaparecimento dos sintomas após o trata-
mento; em alguns casos as recidivas ocorrem, às vezes passando de
um lobo para outro, o que prolonga a duração da moléstia. 097 Alterações do Metabolismo
A tiroidite crônica linfocítica ou tiroidite auto-imune ou do Cálcio e Doenças
doença de Hashimoto é a forma mais comum de tiroidite e, em nos- Ósteo-metabólicas
so meio, a causa mais freqüente de hipotiroidismo no adulto e no
adolescente. Abrange extensa gama de apresentações clínicas, varian- Marise Lazaretti-Castro
do desde bócios pequenos em indivíduos eutiroidianos até pacientes José Gilberto Henriques Vieira
em franco hipotiroidismo com a tiróide não palpável. É doença de Antônio Roberto Chacra
origem auto-imune, caracterizada pela presença de auto-anticorpos
dirigidos contra vários componentes da tiróide, dos quais se desta- Hipercalcemia
cam os anticorpos antitiroglobulina e antitiroperoxidase. A tiroidite

O
auto-imune pode permanecer assintomática ou evoluir para hipoti- controle dos níveis de cálcio é exercido por complexo siste-
roidismo ou bócio. Na fase inicial da doença, o paciente apresenta ma, que normalmente mantém os níveis deste íon dentro de

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