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os níveis pressóricos no segundo. Assim, em portado­res de APA a para que se obtenha controle adequa­do da pressão arterial, em ro-
adrenalectomia unilateral constitui tratamento de es­colha. A exérese tina semelhante àquela empregada no paciente com hipertensão
do adenoma por via laparoscópica está associada com rápida recupe- arterial essencial. Deve-se também ter em mente que a hipertensão
ração e mínima morbimortalidade intra e pós-­operatória. Remissão essencial ou idiopática pode até mesmo ser condição de base sobre
dos sinais e sintomas de excesso mineralo­corticóide, com norma- a qual se instalou posteriormente o HA primário.
lização ou redução significativa dos níveis pressóricos (e de potás- Embora promissoras, evidências recentes com a utilização
sio nos casos com hipocalemia), ocorre em mais de 80% dos casos. de antagonistas específicos do receptor de angiotensina II (AT2)
Pacientes idosos ou nos quais a doença es­teve presente por tempo (losartan, candesartan e derivados), não se têm mostrado superio­
maior podem persistir discreta ou mode­radamente hipertensos, ne- res aos inibidores da ECA na reversão do processo hipertensivo e
cessitando de tratamento medicamen­toso continuado. da hipocalemia no HA idiopático.
O tratamento pré-operatório com espironolactona (SPL) é A “hiperplasia primária”, variante de hiperplasia adrenal,
obrigatório para a reversão do quadro. Recomenda-se dose ini­cial com produção autônoma de aldosterona, pode ter sido responsá­
de 100 a 200 mg diários até que se obtenha normalização da pres- vel pelos casos ocasionais de cura cirúrgica no passado. Este sub­
são arterial (e dos níveis de potássio), geralmente após duas a três tipo combina morfologia de hiperplasia adrenal bilateral com au­
semanas. Posteriormente, doses de 50 a 150 mg/dia deve­rão ser tonomia funcional bioquímica, sendo identificado pelas respostas
mantidas até a cirurgia. Antagonizando os efeitos da aldos­terona positivas aos testes de autonomia da produção de aldosterona, se­
no seu receptor, a SPL promove redução do volume plas­mático e melhantemente ao APA e em contraste com o HA idiopático clás­
repleção das reservas de potássio. Após alguns meses de terapia, o sico. Sua resposta terapêutica adequada à adrenalectomia parcial
sistema renina-angiotensina é reativado e passa a esti­mular a zona é, também, característica de “adenoma”.
glomerulosa da adrenal contralateral. Dessa manei­ra, o tratamen- Nos casos de carcinoma adrenal está indicada a remoção ci-
to pré-operatório com SPL torna menos provável a ocorrência, no rúrgica do tumor, em especial quando não existam evidências de
período pós-cirúrgico imediato, de hipoaldostero­nismo com perda metástases. O tratamento farmacológico, que inclui a SPL/eplere-
de sódio e hipercalemia. O sucesso do tratamen­to prévio com SPL nona, os inibidores enzimáticos da esteroidogênese adrenal (amino­
na reversão do quadro de HA primário tem ele­vado valor preditivo glutetimida e trilostano) e ainda o agente adrenolítico mitotano,
no resultado final da cirurgia: pacientes que respondem adequada- mostram-se úteis nos casos inoperáveis ou quando não se conse­
mente a doses moderadas de SPL (~100 mg/dia, por período mí- gue controle pós-operatório adequado.
nimo de 30 dias) costumam beneficiar-se da cirurgia; aqueles cujo Nos casos de HA remediável por glicocorticói­des (HASD),
tratamento não corrige significativamente os níveis pressóricos, pro- a administração de prednisona ou dexametasona (DEXA) por mais
vavelmente também responderão de mo­do insatisfatório à cirurgia, de três semanas é efetiva em reduzir a produ­ção de aldosterona e
necessitando de terapêutica anti-hipertensiva complementar. corrigir os níveis pressóricos e anormalida­des metabólicas. Doses
Havendo contra-indicação cirúrgica, o tratamento com an­ relativamente baixas de DEXA, na faixa de 0,375 a 0,75 mg/dia,
tagonistas mineralocorticóides poderá ser mantido indefinidamen­ usualmente resultam em reversão das mani­festações de hipermi-
te. Embora os níveis de APR e de potássio sejam normalizados neralocorticismo e normalização da respos­ta da aldosterona ao es-
por estas substâncias, ocorre, paradoxalmente, redução na pro- tímulo pela postura. HASD é usualmente identificado durante a
dução de aldosterona, possivelmente resultante de efeito inibi- infância, mas a sensibilidade da aldostero­na à supressão com glico-
dor direto so­bre a síntese do hormônio. A terapêutica com SPL é corticóides pode atenuar-se com o tem­po; algumas vezes, especial-
relativamen­te bem tolerada, embora possam ocorrer desconforto mente após longo período de trata­mento, o efeito terapêutico da
epigástrico e outros efeitos colaterais, como ginecomastia, redu- DEXA tende a se dissipar, sendo então necessário o uso de SPL/
ção da libido e impotência, decorrentes de sua significativa ação eplerenona e/ou outras drogas hipotensoras. Como esses pacien-
antiandrogêni­ca. Mais recentemente, foi introduzido comercial- tes mantêm-se bem controla­dos com pequenas doses de DEXA,
mente nos EUA um novo antagonista da aldosterona, a eplereno- cirurgia é raramente neces­sária, mas, além da terapia com DEXA,
na. Embora seu custo seja elevado e sua potência famacológica se- alguns pacientes podem requerer outros agentes poupadores de po-
ja 50% menor que a da SPL, ela tem a vantagem de ter reduzida tássio como SPL/eplerenona, amilorida ou triantereno. Quando
atividade antiandrogênica. um paciente porta­dor dessa síndrome é identificado, torna-se es-
Quando os efeitos indesejáveis do uso continuado de SPL e sencial o estudo cuidadoso de todos os membros da família, espe-
mesmo da eplerenona restringirem sua utilização, devem ser experi­ cialmente da­queles mais jovens.
mentados outros diuréticos poupadores de potássio como o trian­
tereno e, especialmente, a amilorida (em doses de 5 a 20 mg/dia),
que não são disponíveis no mercado brasileiro na forma pura.
Nos casos de hiperplasia bilateral (HA idiopático), a adre­
nalectomia subtotal ou mesmo total não estão indicadas. Embora
haja correção da hipocalemia, a normalização dos níveis pressóri­
cos é imprevisível e infreqüente; 80 a 90% dos pacientes diagnos­ 101 Síndromes de Insuficiência
ticados com HA idiopático não respondem bem ao tratamento ci- Adrenocortical
rúrgico, apresentando recorrência da hipertensão e da hipoca­lemia
após uma ou duas semanas da cirurgia. Assim, nessa for­ma de HA, Claudio Elias Kater
recomenda-se apenas tratamento clínico continuado com uma ou Regina do Carmo Silva
mais medicações anti-hipertensivas associadas à SPL ou eplereno-
na, devendo-se optar pelos inibidores da ECA (ena­lapril, lisinopril,
fosinopril, etc.) ou pelos antagonistas dos ca­nais de cálcio (amlo-
dipina, nifedipina, nitrendipina, etc.). Entretanto, são necessários
I nsuficiência adrenocortical (IA) resulta de afecções que causam
redução da massa de tecido cortical adrenal ou redução da sín-
tese esteróide, com conseqüente produção subnormal de cor­tisol,
testes terapêuticos com outras drogas ou com a combinação delas aldosterona e hormônios sexuais, isoladamente ou em com­binação.
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As manifestações clínicas podem ocorrer de forma agu­da ou, mais A SPA do tipo 1 é extremamente rara, exceto entre judeus
comumente, crônica. iranianos, e na Finlândia e Sardenha. Usualmente, acomete crian­ças
de ambos os sexos e tem herança autossômica recessiva. Resulta de
Insuficiência adrenocortical primária crônica mutações no gene AIRE (autoimmune regulator), lo­calizado no
(doença de Addison) cromossomo 21. O AIRE é um gene supressor da autoimunida-
de, relacionado à expressão de antígenos periféricos no timo, sen-
As glândulas adrenais são alvo de doenças auto-imunes, pro­ do importante para a seleção negativa dos linfócitos T auto-reati-
cessos infecciosos (bacterianos, fúngicos ou virais), granulomato­ vos. Nesta síndrome, a doença de Addi­son costuma ocorrer antes
sos, metastáticos e de síndromes hemorrágicas. Outras etiologias dos 15 anos de idade. Ao contrário, a SPA do tipo 2 afeta predo-
de IA primária incluem a adrenoleucodistrofia, as disgenesias ou minantemente mulheres entre 20 e 40 anos de idade e é herdada
hipoplasias adrenais e as alterações da esteroidogênese conseqüen­ de forma autossômica dominante. Embora seja poligênica, o prin-
tes a deficiências enzimáticas, deleções do DNA mitocondrial ou cipal fator genético responsável pelo seu desenvolvimento está lo-
defeitos da biossíntese do colesterol. No Brasil, as principais causas calizado no cromossomo 6, na região do sistema HLA (human
da doença de Addison são: adrenalite auto-imune, paracoccidioi- leucocyte antigen) de classe II, que de­sempenha papel chave na de-
domicose (blastomicose sul-americana) e tuberculose. terminação das respostas das células T aos antígenos.
A adrenalite auto-imune é responsável por 65 a 90% dos casos A paracoccidioidomicose afeta predominantemente homens
de IA e resulta da destruição das células adrenocorticais por linfó- com mais de 30 anos, habitantes de áreas rurais. Hipofunção do
citos T auto-reativos. Caracteriza-se pela presença de auto-anticor- córtex adrenal é freqüente na doença disseminada (15%-45% dos
pos contra o te­cido adrenocortical, dirigidos mais especificamente casos) e sintomas de IA primária são observados em 5% a 15% dos
contra a en­zima 21-hidroxilase (CYP21), e que podem ser de- casos. A tuberculose também pode comprometer as adrenais, em-
tectados na circulação vários anos antes das manifestações clínicas bora com menor freqüência que a paracoccidioidomicose. O tro­
de IA. Na adrenalite auto-imune, a evolução para doença clínica fismo pela adrenal é decorrente da supressão da imunidade celular
passa por estágios funcionais diferentes: 1) estágio 0 ou adrenalite intra-adrenal, determinada pela elevada concentração intraglandu­
auto-imune em potencial: suscetibilidade genética e/ou presença lar de glicocorticóides.
de auto-anticorpos anti-21-hidroxilase; 2) estágio 1: aumento da A extensão do comprometimento adrenocortical depende do
atividade plasmática da renina (APR); 3) estágio 2: diminuição da agente etiológico e do tempo de duração da moléstia: nas formas
resposta do cortisol após estímulo IV com 250µg de ACTH1-24; parciais os níveis de corticosteróides podem estar ainda normais,
4) estágio 3: elevação dos níveis plasmáticos de ACTH e; 5) está- embora respondam parcialmente à estimulação. Nesses pacientes, o
gio 4: diminuição evidente da concentração basal de cortisol asso- quadro clínico somente se manifesta em situações de estresse, quan­
ciada a maior aumento dos níveis de ACTH e início dos sintomas do a necessidade maior de esteróides não pode ser atendida, dado
de IA. A adrenalite auto-imune está freqüentemente associada a o comprometimento da reserva funcional da glândula.
outros processos auto-imunes envolvendo tireóide, paratireóides, O quadro clínico da IA decorre principalmente da deficiên­
gônadas, ilhotas pancreáticas e mucosa gastrintestinal, caracteri­ cia glicocorticóide e, adicionalmente, da deficiência mineralocorti­
zando as síndromes poliglandulares auto-imunes (SPAs) dos tipos cóide, quando mais de 90% do tecido funcionante foi destruído.
1, 2 e 4 (Tabela 1). O paciente addisoniano típico apresenta fadiga, apatia, fraqueza

TABELA 1 - Classificação das Síndromes Poliglandulares Auto-Imunes (SPAs)


SPA COMPONENTES
Candidíase mucocutânea crônica, hipoparatiroidismo crônico Doença de Addison (DA) auto-
Tipo 1
imune (pelo menos dois componentes)
Doença de Addison auto-imune + doenças auto-imunes da tiróide e/ou diabetes melito do tipo
Tipo 2
1 (DA deve sempre estar presente)
Doenças auto-imunes tiroidianas + outras doenças auto-imunes (exceto DA auto-imune,
Tipo 3
hipoparatiroidismo e candidíase)
Duas ou mais doenças auto-imunes órgão-específicas (em combinações diferentes das SPAs 1,
Tipo 4
2 ou 3)

mus­cular, anorexia, perda de peso, náusea, vômito, dor abdomi- aguda). Os níveis sanguíneos de cortisol podem estar normais ou já
nal, hipotensão arterial, episódios de hipoglicemia (especialmente francamente reduzidos, com resposta parcial ou ausente ao estímu­
em je­jum), diminuição da libido, rarefação de pêlos axilares e pu- lo com ACTH exógeno. A excreção urinária de cortisol livre e dos
bianos e hiperpigmentação cutâneo-mucosa. O comprometimen- seus metabólitos (17-hidroxicorticosteróides) encontra-se reduzi-
to específico dos mineralocorticóides resulta em conservação ina- da. Os níveis plasmáticos ou urinários de aldosterona podem tam-
dequada de só­dio e redução da excreção de potássio e hidrogênio. bém estar normais ou diminuídos, usualmente não se elevando em
Essas alterações levam à redução do volume sangüíneo efetivo, hi- resposta a estímulos, como administração de ACTH, teste da pos-
potensão arterial, hipercalemia e acidose metabólica. A deficiência tura ou infusão de angiotensina II.
concomitante de cortisol agrava as manifestações e, a menos que Os níveis circulantes de ACTH, assim como da APR, encon-
haja ingestão ade­quada de sal, pode ocorrer “crise adrenal” (IA tram-se caracteristicamente elevados.
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Insuficiência adrenocortical secundária tada individualmente, procurando-se minimizar os possíveis efei-


tos adversos do excesso da medica­ção. Embora a substância natu-
A IA secundária à insuficiência hipofisária é entidade clíni- ral deva ser preferida para a terapia de reposição, glicocorticóides
ca distinA IA secundária ao compromentimento hipofisário é en- sintéticos (especialmente a prednisolona, mas também prednisona
tidade clínica distinta da doença de Addison, visto que os níveis e dexametasona - ver Tabela 2) podem ser utilizados em equiva-
de ACTH encontram-se reduzidos e não responsíveis à estimula- lência apropriada, algumas vezes até com vantagem.
ção. A deficiência crônica de ACTH (isolada ou associada a pan- Suplementação dietética com cloreto de sódio (sal de co­zinha,
hipopituitarismo) resulta em atrofia adrenocortical, especialmen- 4 a 6 g/dia), em adição ao tratamento glicocorticóide, é usualmente
te das camadas fasciculada e reticulada. A camada glomerulosa, suficiente para se obter balanço adequado de sódio. Se necessária, a
produtora de aldosterona, por ser controlada principalmente pe- reposição mineralocorticóide poderá ser feita com fludrocortisona,
lo sistema renina-angiotensina, encontra-se habitualmente preser- na dose de 0,1 a 0,2 mg VO, diariamente ou em dias alternados.
vada. Distúrbios hipotalâmicos ou hipofi­sários, especialmente os Os níveis de eletrólitos, da APR e da pressão arterial devem
que ocupam espaço, costumam levar a defi­ciência de outros hor- ser monitorados a intervalos regulares, possibilitando ajustes na do-
mônios hipofisários, além do ACTH. sagem de mineralocorticói­des e evitando efeitos indesejáveis de su-
O uso prolongado de glicocorticóides é a causa mais comum per-dosagem (hipocalemia, hipertensão arterial, edema).
de IA secundária isolada. A supressão do eixo hipotálamo-hipófise- Durante situações de estresse, como processos febris intercor­
adrenal é tanto maior quanto maior a dose de glicocorticóide utili­ rentes, infecções graves, trauma ou cirurgia, o esquema terapêutico
zada (principalmente os de ação prolongada, como a dexametaso- deverá ser adaptado convenientemente, elevando-se em duas ou até
na) e a duração do tratamento (geralmente mais de três meses). três vezes a dose de glicocorticóide e, se necessário - em presença
O teste rápido de estímulo com ACTH (250 µg IV em bo­ de vômitos, diarréia, etc. -, administrá-los por via parenteral.
lus) normalmente não discrimina entre IA primária e secundária, A administração de preparados androgênicos à base de sais
uma vez que a camada fasciculada atrofiada não é capaz de respon­ de testosterona ou derivados (ver o capítulo sobre hipogonadismo
der prontamente ao estímulo agudo. Nessas condições, resposta masculino, nesta Secção) está indicada, particularmente em mulhe­
normal da aldosterona pode sugerir hipopituitarismo. Estímulo res jovens, para a restauração da libido e da função sexual, manu­
prolongado com ACTH (infusão IV por 8 horas ou administra- tenção adequada da pilificação axilar e pubiana e para a promoção
ção IM por 3 dias) é mais apropriado, já que é capaz de elevar subs­ de efeitos anabólicos (prevenindo ou reduzindo o risco de osteo­
tancialmente os níveis de cortisol na IA secundária. A determina­ porose). Embora promissores, são incipientes os estudos que ava­
ção concomitante dos níveis de cortisol e de ACTH é diagnóstica liam a reposição hormonal com deidroepiandrosterona (DHEA)
de ambas as entidades. tanto em homens como em mulheres com IA.
Durante o tratamento com glicocorticóide, a hiperpigmen-
Tratamento tação cutâneo-mucosa decorrente da atividade melanocito-estimu-
lante do excesso de ACTH torna-se mais tênue, mas dificilmente
O tratamento da IA consiste na reposição continuada de gli­ desaparece.
cocorticóide, isoladamente ou em associação com mineralocorti­ O prognóstico é bom, na dependência da doença de base
cóides. A dose substitutiva recomendada para adultos é de 15 a 25 que, obviamente, deverá ser tratada convenientemente. Pacientes
mg por dia (10 a 15 mg/m2 SC) de hidrocortisona (cortisol), fra- com doença de Addison devem portar sempre cartões especiais de
cionada em duas ou três tomadas, sendo 2/3 ou 3/4 da dose total identificação e um recipiente contendo hidrocortisona solúvel pa­
administrados pela manhã. A do­se ótima, entretanto, deve ser ajus- ra administração parenteral em casos de emergência.

TABELA 2 - Potência relativa e doses diárias de reposição de vários glicocorticóides e mineralocorticóides


usualmente empregados na prática clínica
Esteróide Atividade atividade dose média diária de
glicocorticóide* mineralocorticóide** reposição §

Cortisol ou 100 0,25 VO: 10-15 mg/m2


Hidrocortisona IM: 10 mg/m2
Cortisona 80 0,20 VO: 12-20 mg/m2
Deflazacort 250 0,10 VO: 4-6 mg/m2
Prednisona 400 0,10 VO: 2,5-4 mg/m2
Prednisolona 500 <0,10 VO: 2-3 mg/m2
Metilprednisolona 700 <0,10 VO: 1,5-2 mg/m2
IM: 2 mg/m2
Dexametasona 3.000 0 VO: 0,4 mg/m2
Betametasona 2.500 0 VO: 0,4 mg/m2
Aldosterona 15 100
Desoxicorticosterona 5 30 IM: 1-2 mg/m2
SC: 250mg/6-12 meses (pellets)
Fludrocortisona 1.000 80 VO: 0,05-0,2 mg

* Avaliada pela deposição de glicogênio hepático (em relação ao cortisol).


** Avaliada pela retenção de sódio (em relação à aldosterona).
§ VO, IM, SC: via oral, intramuscular e subcutânea, respectivamente.
310 • ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA • MANUAL PRÁTICO DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO •

Insuficiência adrenocortical aguda Insuficiências adrenocorticais seletivas


(crise adrenal)
Após adrenalectomia unilateral para a remoção de tumor
Qualquer portador de IA crônica está sujeito a manifestar produtor de cortisol ou aldosterona
“crise adrenal”, precipitada freqüentemente por processo febril
tóxico-infeccioso, trauma, cirurgia ou pela interrupção abrupta Após adrenalectomia unilateral para a remoção de adeno­
da terapia de reposição glicocorticóide. Na verdade, cerca de 25% ma ou carcinoma do córtex adrenal, pacientes portadores de hi­
dos pacientes com doença de Addison apresentam-se no diagnós- percortisolismo (síndrome de Cushing) ou hiperaldosteronismo
tico com “crise adrenal” estabelecida ou iminente. Causas menos primário (síndrome de Conn) usualmente apresentam período tran-
freqüentes de IA aguda incluem a destruição extensa de ambas as sitório de relativa insuficiência glico ou mineralocorticóide, respecti-
vamente. Quadro semelhante pode ocorrer em pacientes que fazem
glândulas co­mo resultado de coagulação intravascular disseminada
uso crônico de doses farmacológicas de glicocorticói­de quando es-
associada a quadro de septicemia grave (especialmente meningo-
tas são interrompidas abruptamente. A recuperação completa do
coccemia: sín­drome de Waterhouse-Friederichsen e Pseudomonas),
córtex adrenal contralateral (atrofia funcional da ca­mada fascicula-
outras doen­ças hemorrágicas, e após adrenalectomia total bilateral
da) usualmente acontece nos 4 a 6 meses seguintes à cirurgia (ou à
por indi­cações diversas.
suspensão da medicação), embora algumas vezes possa demorar até
A “crise adrenal” é exemplo clássico de emergência endó­crina 12 ou mais meses. A recuperação da su­pressão do eixo hipotálamo-
com risco de morte para o paciente, requerendo tratamento ime- hipófisário no hipercortisolismo, ou do sistema renina-angioten-
diato e intensivo quando suspeitada. Caracteriza-se, clinicamente, sina, no hiperaldosteronismo, usualmente precede a normalização
por início rápido de hipotensão e taquicardia (que pode evoluir completa da função adrenocorti­cal. Entretanto, o uso pré-operató-
para choque refratário à expansão de volume ou uso de drogas va- rio, por semanas ou meses, de bloqueadores da síntese adrenal no
soativas), além de sintomas inespecíficos, como fraqueza intensa, caso da síndrome de Cushing (especialmente cetoconazol), ou de
prostração, apatia, dor abdominal ou no flanco, náusea e vômito. antagonistas competitivos da aldosterona no caso do hiperaldos-
Hipertermia pode ser secundária à presença de processo infeccioso teronismo primário (espirono­lactona e eplerenona), promovem a
ou ao hipocortisolismo per se. recuperação da glândula con­tralateral e previnem ou atenuam esta
situação temporária de in­suficiência adrenal seletiva.
Tratamento
Tratamento
Sangue deverá ser colhido antes do início do tratamento,
que deverá, entretanto, ser iniciado imediatamente, sem aguar­dar Usualmente não é necessário tratamento específico, a não ser
confirmação laboratorial. A administração intravenosa de so­lução em situações de estresse, atividade física mais intensa ou in­gestão
salina isotônica (NaCl a 0,9%) e de solução de glicose a 5% deve reduzida de sódio. Nessas situações, reposição temporá­ria com
ser feita tão rapidamente quanto o quadro clínico demandar, com a glicocorticóide (ou mineralocorticóide, conforme o caso) em dias
possível adição de solução hipertônica de NaCl (1,5%) e/ou glicose alternados e em doses progressivamente decrescentes pode se fa-
zer necessária por curto período de tempo. Esporadicamente al-
(25-50%), à medida que haja, respectivamente, hipona­tremia grave
guns pacien­tes (<1%) podem não apresentar recuperação normal
e hipoglicemia. Injeção intravenosa em bolus de he­missuccinato ou
do sistema de controle adrenocortical, requerendo então tratamen-
fosfato de hidrocortisona - 100 a 200 mg - deve ser feita imediata-
to substi­tutivo continuado. Esse grupo de pacientes é identificado
mente, seguida de outros 50 a 100 mg adiciona­dos aos líquidos de
pela au­sência consistente de resposta adrenocortical aos testes ha-
reposição, a cada 6 horas. Quando o tratamen­to é instituído, a admi-
bituais de estimulação.
nistração de mineralocorticóides não é ha­bitualmente necessária. As
doses farmacológicas de hidrocortisona, na presença da abundante Hipoaldosteronismo hiporreninêmico
quantidade de sódio oferecida, proporcio­nam atividade mineralo-
corticóide adequada no período inicial do tratamento. Antibióticos Um número significativo de pacientes pode apresentar hi-
e tratamento de suporte devem ser em­pregados conforme a neces- percalemia e acidose em associação com insuficiência renal de graus
sidade. A persistência do estado de choque, refratário às medidas de leve e mo­derado (depuração de creatinina de 30 a 40 mL/min).
emergência propostas, autoriza a uti­lização de substâncias vasoati- Neles, o grau de hipercalemia não pode ser atribuído isoladamente
vas como: glicocorticóides, agora em doses farmacológicas (500 a à insu­ficiência renal crônica. A concentração sérica de sódio é nor-
2.000 mg IV), ou aminas vasopres­soras: dopamina, noradrenalina, mal, mas a sua conservação renal está usualmente prejudicada. As
metaraminol, etc. con­centrações sanguínea e urinária de aldosterona estão reduzidas
A transição do período agudo para a fase de reposição ou no limite normal inferior, sem apresentar resposta aos testes de
crônica deve ser feita durante os três a cinco dias subseqüen- estímulo. A APR encontra-se reduzida e também não-responsiva
tes. Nesse pe­ríodo, o manuseio baseia-se na redução de apro- à estimulação. Os níveis séricos de cortisol ou a excreção urinária
ximadamente me­tade da dose do período anterior (a intervalos de seus metabólitos encontram-se normais e elevam-se apropriada­
de um a dois dias), até que se atinja a dose habitual de reposi- mente em resposta aos estímulos. Esse estado de hiporreninismo
ção de hidrocortisona, de 15 a 25 mg/dia. Em contraste com está provavelmente associado à disfunção crônica do aparelho jus­
o tratamento de emergên­cia, a fase crônica de reposição este- taglomerular no curso de desordens, como diabetes melito (mais
róide deverá, necessariamente, incluir a administração de mine- de 50% dos casos), pielonefrite, gota, lúpus eritematoso sistêmico,
mieloma múltiplo e amiloidose.
ralocorticóides para obter balanço eletrolítico normal e, para-
Na insuficiência renal crônica, mesmo sem hipoaldostero­
lelamente, facilitar a redução da dose de glicocorticóide para a
nismo hiporreninêmico manifesto, pode ocorrer agravamento dos
faixa ideal de manutenção.
distúrbios metabólicos, especificamente com elevação crítica dos ní-
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veis séricos de potássio, se forem empregados agentes supressores 102 Hiperfunção da Medula Adrenal -
da liberação de renina (bloqueadores β-adrenérgicos), ini­bidores da Feocromocitoma
síntese de prostaglandinas (indometacina, ibuprofen, aspirina), ini-
bidores da ECA (captopril, enalapril, lisinopril), assim como diuré- Claudio Elias Kater
ticos poupadores de potássio (espironolactona, triantereno, amilori- Regina do Carmo Silva
da). Pacientes em uso de heparina ou hepa­rinóides podem também

F
apresentar redução maior da produção de aldosterona pelo efeito eocromocitomas são tumores raros, originários das células
tóxico direto dessas substâncias sobre a camada glomerulosa. cromafins do eixo simpato-adrenomedular. Em 80-90% dos
casos, localizam-se na medula adrenal, mas podem ter origem em
Tratamento células paraganglionares, presentes desde a base do crânio até a bi­
furcação das artérias ilíacas (órgãos de Zuckerkandl). Esporadica­
Em adição ao tratamento apropriado para a condição re­ mente são encontrados no tórax, bexiga e cérebro. Os tumores
nal, os seguintes procedimentos, isolados ou em combinação, são de células cromafins localizados fora da medula adrenal são cha-
usualmente necessários para correção adequada da acido­se e da mados de paragangliomas e apresentam elevada taxa de maligni-
hipercalemia: dade (52%).
a) dieta com conteúdo restrito em potássio; Cerca de 10% a 25% dos casos de feocromocitoma são de
b) administração de diuréticos, especialmente os de alça (fu- ocorrência familiar, fazendo parte de várias síndromes: neoplasia
rosemida e ácido etacrínico); endócrina múltipla - NEM - tipos 2A e 2B, doença de von Hippel-
c) sais alcalinizantes (bicarbonato de sódio); Lindau e neurofibromatose. Os feocromocitomas manifestam-se
d) associação de pequenas doses de fludrocortisona (0,05 em qualquer faixa etária, embora sejam mais fre­qüentes entre a 3a.
a 0,1 mg dia). e a 5a. década da vida. Em geral são únicos, mas podem, em cerca
O uso de resinas de troca iônica (poliestirenossulfonatos) de 15% dos casos, ser múltiplos e bilaterais. Os múltiplos são mais
por via oral ou enema de retenção pode estar in­dicado em algu- comuns em crianças e nos casos de ocorrência familiar.
mas situações de hipercalemia grave. Controle mais rápido e efe- A prevalência do feocromocitoma é da ordem de 0,5% dos
tivo da glicemia nos pacientes diabéticos deverá ser tentado, uma pacientes com hipertensão arterial diastólica, e sua incidência é de
vez que tanto a deficiência de insulina quanto a hiperglicemia são 2 a 8 casos por milhão por ano. Embora raro, o feocromocitoma
fatores agravantes de hipercalemia. deve sempre ser lem­brado como causa de hipertensão arterial, prin-
cipalmente em pa­cientes jovens, naqueles refratários à terapia anti-
Deficiências isoladas da síntese ou ação da hipertensiva habitual, em portadores de incidentaloma adrenal ou
aldosterona de lesões neurocutâneas, e nos pacientes que apresentem hiperten-
são ou arritmia durante indução anestésica ou hipotensão prolon-
Deficiência de aldosterona sintetase (P450c11aldo ou gada e inexplicada após cirurgia. O diagnóstico preco­ce, seguido
CYP11B2) e pseudo-hipoaldosteronismo tipo 1 da exérese do tumor, leva, na maioria dos casos, à cura do proces-
so, além de evitar complicações potencialmente fatais de­correntes
São anomalias congênitas bastante incomuns, mas que de­ dos picos hipertensivos provocados por aumentos repen­tinos da
vem ser lembradas na avaliação de recém-nascidos que apresentem atividade adrenérgica.
nas primeiras semanas de vida manifestações de desidratação gra­ve Os tumores usualmente secretam noradrenalina (NA) e adre­
com vômitos e déficit de desenvolvimento ponderal importan­te. nalina (A), embora alguns sejam produtores isoladamente de NA
Bioquimicamente, apresentam conservação renal inadequada de ou, mais raramente, somente de A. Os pa­ragangliomas podem pro-
sódio, com hiponatremia, hipercalemia, por vezes grave, e acido­se duzir predominantemente dopamina e, geralmente, não são capa-
metabólica. A APR encontra-se bastante elevada. Na defi­ciência de zes de produzir A, pela ausência da enzima feniletanolamina-N-
aldosterona sintetase, os níveis plasmáticos ou urinários de aldos- metiltransferase (PNMT). As manifestações clínicas decorrem da
terona encontram-se reduzidos ou indetectáveis, em pre­sença de ação das catecolaminas liberadas em excesso pelo tumor. As cate-
níveis elevados de seus precursores 18-hidroxicorticosterona (18- colaminas atuam nos receptores α1-adrenérgicos dos vasos e nos
OHB) e corticosterona. Pacientes com pseudo-hipoaldosteronis- receptores β1-adrenérgicos do miocárdio, causando aumento da
mo do tipo 1 (PHA1), em decorrência da resistência tubular distal resistência vascular periférica, da freqüência cardíaca e da contra-
primária à ação da aldosterona, na verdade apresentam esse mes­ tilidade miocárdica, associados à diminuição da complacência ve-
mo quadro clínico em vigência de níveis elevados de aldosterona nosa. Como resultado, a hipertensão do feocromocitoma é hiper-
plasmática ou urinária. A forma sistêmica, associada a doença do cinética, vasoconstritora e hipovolêmica.
trato respiratório inferior, é de herança autossômica recessiva e re­ Cerca de 30% dos pacientes se apresentam com hiperten-
sulta de mutação inativadora do canal epitelial de sódio. A forma são arterial mantida, 50% apresentam epi­sódios paroxísticos de hi-
renal, de herança autossômica dominante, decorre de mutação no pertensão arterial com duração e freqüên­cia variáveis, 13% podem
receptor mineralocorticóide. ser normotensos ou apresentar episódios de hipotensão e 8% po-
Recém-nascidos com deficiência de aldosterona sinteta- dem ser totalmente assintomáticos. Cefaléia intensa, palpitações e
se (CYP11B2) devem ser tratados prontamente com reposição sudorese profusa são os sintomas que constituem a tríade clássi-
mi­neralocorticóide (fludrocortisona, 0,1-0,2 mg/dia) e comple­ ca, característica da ele­vação abrupta dos níveis da pressão arterial
mentação de NaCl na alimentação. Pacientes com PHA1 necessi- conseqüente à libera­ção adrenérgica. Além desses sintomas, po-
tam, obrigatoriamente, de doses suplementares elevadas de NaCl dem ocorrer alterações vasomotoras, como palidez ou rubor ex-
na alimentação, e doses tam­bém elevadas de fludrocortisona (0,2- cessivos, dores (cólicas) abdomi­nais ou precordiais, parestesias, ir-
0,5 mg/dia), em decor­rência da resistência periférica a esse hor- ritabilidade e dispnéia. Nos in­tervalos das crises, cansaço, fraqueza,
mônio. Em ambas as condições existem, inexplicavelmente, ten- prostração e perda de peso, às vezes acentuada, são conseqüências
dência à melhora com o avançar da idade. do hipermetabolismo, que simula a tirotoxicose. Infarto agudo do

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