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• ENDOCRINOLOGIA • 273

do tecido normal. Os efeitos sintomáticos agudos da radioterapia das pacientes jovens com queixa de amenorréia secundária. A hi-
são facilmente contornáveis com uso de antieméticos e glicocorti- perprolactinemia patológica é definida como elevação persistente
cóides durante alguns dias. O efeito máximo na redução tumoral dos níveis de PRL na ausência de causas fisiológicas.
só é visto, em geral, após meses ou mesmo anos da aplicação. O Dentre as principais causas fisiológicas de hiperprolactine-
hipopituitarismo é complicação muito freqüente, cuja prevalência mia estão gravidez, lactação, estresse e estimulação mamária. Os
se acumula ao longo de anos e mesmo décadas após a radiotera- estrógenos estimulam os lactotrofos, causando hiperplasia destas
pia, durante os quais a função hipofisária deverá ser periodicamente células, e são responsáveis pelo habitual aumento hipofisário que
avaliada. Da mesma forma, o seguimento periódico com imagem é ocorre durante a gravidez. A elevação de PRL secundária ao uso
necessário para surpreender o crescimento do tumor. de medicamentos é a causa mais comum de hiperprolactinemia pa-
A taxa acumulada de recidiva tumoral é de cerca de 20% ao tológica. Os antagonistas dopaminérgicos, como as fenotiazinas e
longo de vinte anos, mas é maior nos primeiros cinco anos após a butirofenonas, bem como as benzamidas, podem ser responsáveis
radioterapia do que nos anos subseqüentes. As complicações da ra- pelo aumento de PRL. Outros medicamentos que podem promo-
dioterapia podem ser tardias e incluem atrofia cerebral, desenvolvi- ver hiperprolactinemia são α-metildopa, a reserpina e os estróge-
mento de outros tumores, principalmente meningiomas, e necrose nos, dentre outros.
cerebral. Os resultados da assim chamada “radiocirurgia estereo- A hiperprolactinemia tumoral é a segunda causa mais fre-
táxica” para o tratamento de resíduos tumorais ainda não está cla- qüente de aumento patológico de PRL. Os prolactinomas, tumores
ramente definido, sendo o tamanho do resíduo e a proximidade funcionantes mais comuns da adeno-hipófise, são os responsáveis
com o quiasma óptico motivos de preocupação e cautela no uso pela hiperprolactinemia, na grande maioria dos casos. Os prolacti-
dessa modalidade terapêutica que utiliza altas doses de radiotera- nomas são mais freqüentes em mulheres e subdividem-se em micro-
pia em única aplicação. adenomas (diâmetro menor que 10 mm) e macroadenomas (maio-
A redução tumoral observada nos adenomas clinicamen- res que 10 mm). Lesões hipotalâmicas e outros tumores hipofisários
te não secretores tratados com agonistas dopaminérgicos ou com também podem se associar à hiperprolactinemia, em geral conse-
análogos de somatostatina tem se mostrado relativamente modesta qüente à compressão da haste hipofisária pelo tumor (pseudopro-
quando comparada aos resultados obtidos com os agonistas dopa- lactinomas). Outras causas de hiperprolactinemia patológica são o
minérgicos em prolactinomas ou com os análogos da somatostatina hipotiroidismo primário e a insuficiência renal crônica.
na acromegalia. Não obstante, casos esporádicos podem apresen- Na mulher podem ocorrer infertilidade, alterações menstruais
tar uma redução tumoral importante durante o uso de uma des- - desde oligoespaniomenorréia até amenorréia - e galactorréia, pre-
sas drogas ou de ambas concomitantemente. A demonstração in sente em 30 a 80% dos casos. Queixas decorrentes de hipoestrogenis-
vitro ou in vivo da presença e da abundância de receptores dopa- mo, como dispareunia e diminuição da libido, também são comuns.
minérgicos e somatostatinérgicos nos adenomas clinicamente não No homem as manifestações clínicas mais comuns são diminuição de
secretores, bem como da resposta secretória in vivo do LH, FSH libido e de potência, sendo mais rara a presença de galactorréia (14
ou da subunidade alfa ao TRH, podem auxiliar na seleção de pa- a 33%). Nos casos em que existe adenoma hipofisário, pode haver
cientes com maior probabilidade de resposta ao tratamento farma- cefaléia e alterações decorrentes da compressão de estruturas adja-
cológico com essas drogas. centes, tais como comprometimento de campo visual e de outros
nervos cranianos. A compressão da haste hipofisária ou do tecido
hipofisário normal adjacente pode levar a hipopituitarismo. Os pro-
lactinomas são essencialmente benignos, mas podem ter comporta-
mento invasivo, por comprimirem estruturas vizinhas.
O diagnóstico de hiperprolactinemia é feito por meio do qua-
dro clínico e da determinação de PRL basal (duas a três amostras).
087 Prolactinomas Deve-se afastar gravidez, uso de drogas, hipotiroidismo primário e
outras causas. Níveis de PRL acima de 150 ng/mL (normal até 15
Ana Maria J. Lengyel ng/mL) são habitualmente encontrados em prolactinomas. Nestes
Antônio Roberto Chacra adenomas existe, em geral, correlação entre o tamanho do tumor
Geraldo Rodrigues de Lima e o nível de PRL basal.
Quando existe compressão da haste hipofisária por outro ti-

O hipotálamo exerce controle predominantemente inibitório po de tumor da adeno-hipófise ou por lesão hipotalâmica, os va-
sobre a secreção de prolactina (PRL) dos lactotrofos da hi- lores de PRL podem estar ao redor de 100 ng/mL. Esta eventua-
pófise anterior. Esta ação é mediada pela dopamina, sintetizada lidade deve ser sempre considerada no diagnóstico diferencial das
nos neurônios tuberoinfundibulares hipotalâmicos e liberada pa- hiperprolactinemias tumorais. E importante lembrar que depen-
ra a circulação porta-hipofisária, indo atingir receptores específicos dendo do método utilizado para a dosagem de prolactina, é pos-
na membrana dos lactotrofos. A secreção de PRL é pulsátil, ocor- sível o aparecimento do “efeito gancho” (hook effect), em que os
rendo elevação dos níveis circulantes durante o sono e decrésci- valores dosados são falsamente baixos, na presença de macroade-
mo gradual no período da manhã. Níveis cronicamente elevados noma hipofisário. Isto pode levar a diagnóstico errôneo de pseu-
de PRL interferem na secreção hipotalâmica do hormônio libe- doprolactinoma, cuja conduta é diferente da empregada para pro-
rador de gonadotrofinas (LHRH), desaparecendo a pulsatilidade lactinomas. A diluição da amostra, antes de sua dosagem, pode
do LH e do FSH, com diminuição dos níveis de estrógeno e de evitar este problema, como também o uso de ensaios imunomé-
progesterona na mulher e de testosterona no homem. Estas alte- tricos realizados em “duas etapas” (two steps). Outra dificuldade
rações são responsáveis pelo quadro de hipogonadismo associado diagnóstica, encontrada freqüentemente, é a presença de políme-
à hiperprolactinemia. ros de PRL circulante (big PRL), biologicamente inativos, que são
A hiperprolactinemia é a alteração hipotálamo-hipofisária dosados nos ensaios habitualmente utilizados. Assim, em pacientes
mais comum em endocrinologia clínica, observada em 20 a 30% com valores elevados de PRL, que não apresentam queixas clínicas
274 • ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA • MANUAL PRÁTICO DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO •

compatíveis, é importante pensar na possibilidade de macropro- nagolida é administrada uma vez ao dia, ao passo que a cabergolina
lactinemia. A confirmação desta eventualidade diagnóstica é feita pode ser utilizada uma a duas vezes por semana, propriedade pro-
por precipitação com polietilenoglicol. A investigação radiológica veniente da alta afinidade desse composto com os receptores dopa-
pela tomografia computadorizada ou ressonância magnética com- minérgicos D2. A cabergolina tem sido mais amplamente utilizada,
pleta o procedimento diagnóstico nos casos em que existe suspei- em doses iniciais de 0,25 mg (cp 0,5 mg), uma a duas vezes por se-
ta de tumor. Em macroprolactinomas recomenda-se a realização mana, com ajuste gradual da dose de acordo com os níveis de PRL
de exame neuro-oftalmológico com campimetria visual; a avalia- e com a resposta clínica. Além da facilidade de administração, que
ção hormonal dos outros setores hipofisários também é realizada, melhora a adesão ao tratamento, este composto parece induzir me-
para detectar possível hipopituitarismo. nos efeitos colaterais que outros agonistas dopaminérgicos.
Em relação ao tratamento das pacientes com hiperprolacti- Embora de ocorrência pouco freqüente (5 a 18%), pode exis-
nemia, a intervenção terapêutica tornou-se obrigatória desde a des- tir resistência ao tratamento clínico. O conceito de resistência não
crição, em 1980, de osteoporose precoce, correlacionada ao grau está bem estabelecido. Alguns autores o definem como ausência de
e à duração do hipoestrogenismo. Verificou-se também que o tra- normalização da PRL após pelo menos três meses de tratamento
tamento da hiperprolactinemia prevenia a osteoporose progressi- com bromocriptina, em doses de 15 a 30 mg ao dia. Entretanto,
va. O tratamento da hiperprolactinemia é, de modo geral, medi- parece ser necessário período de observação mais prolongado pa-
camentoso, realizado com agonistas dopaminérgicos. Quanto aos ra se firmar o diagnóstico. Além disso, os parâmetros para definir
prolactinomas, a conduta atual também é, fundamentalmente, clí- resistência ainda não foram estabelecidos para os demais agonis-
nica, tendo em vista o efeito antitumoral dessas drogas. tas dopaminérgicos.
O tratamento cirúrgico, bastante utilizado anteriormente, Com referência à duração do tratamento, é conveniente res-
hoje em dia somente é indicado em casos comprovados de resis- saltar que, hoje em dia, os pacientes com prolactinoma podem ser
tência ou eventual intolerância à terapêutica com agonistas dopa- considerados portadores de “deficiência funcional” de dopamina.
minérgicos. A intervenção cirúrgica deixou de ser realizada quando Assim, o tratamento com agonistas dopaminérgicos é visto como
se descobriu o efeito antitumoral dessas drogas e também em virtu- terapêutica de reposição e, teoricamente, não deve ser interrom-
de das altas taxas de recidiva em pacientes previamente submetidos pido. Contudo, relatos recentes sugerem que em alguns casos se-
à cirurgia e acompanhados por tempo prolongado. Em microade- lecionados, após tratamento prolongado, a medicação pode ser
nomas havia aproximadamente 50% de recidiva após seis anos de eventualmente suspensa, embora seja necessário acompanhamen-
seguimento, ao passo que em macroadenomas a taxa era de 80% to rigoroso para detectar possível recidiva.
após três anos. A porcentagem de cura real após tratamento cirúr- A radioterapia somente é indicada, atualmente, em alguns
gico, em um dos melhores centros de cirurgia hipofisária existen- casos de resistência a agonistas dopaminérgicos e, às vezes, em ma-
tes, é de aproximadamente 43% em microprolactinomas e de apenas croadenomas de grandes proporções após se obter redução tumo-
6% em macroprolactinomas. Outro aspecto importante é a elevada ral com tratamento clínico.
incidência de hipopituitarismo após a abordagem cirúrgica. Um dos objetivos do tratamento da hiperprolactinemia é a
Os agonistas dopaminérgicos são considerados, atualmente, reversão da infertilidade, uma das queixas clínicas mais comuns.
o tratamento de escolha dos prolactinomas, por promoverem dimi- Em pacientes portadoras de prolactinomas existe risco de aumen-
nuição dos níveis de PRL e também do volume tumoral. Os ago- to do tumor durante a gravidez, devido à ação dos estrógenos. Em
nistas dopaminérgicos são, na grande maioria, derivados da ergo- microadenomas o risco é bastante reduzido, em torno de 5%, ao
tamina. A bromocriptina é agonista dopaminérgico potente e de passo que em macroadenomas a probabilidade é de 25%, poden-
ação prolongada, sendo o composto mais utilizado. do causar compressão de estruturas vizinhas, tais como o quias-
A grande maioria dos pacientes tratados com agonistas do- ma óptico. Assim, em pacientes que desejam engravidar a conduta
paminégicos apresenta normalização dos valores de PRL e da fun- inicial é o uso de agonistas dopaminérgicos, recomendando-se si-
ção gonadal e conseqüente retorno da fertilidade. A dose de bro- multaneamente a anticoncepção mecânica, até a regularização dos
mocriptina utilizada é, em média, de 7,5 mg ao dia (cp. 2,5 mg). ciclos menstruais e, em macroadenomas, até que haja redução tu-
Entretanto, existe variação bastante grande, o que torna necessá- moral considerável.
rio ajuste individual para cada paciente. O tratamento é tradicio- Suspende-se então a anticoncepção e a paciente é orienta-
nalmente iniciado em pequenas doses (bromocriptina 1,25 mg), à da a interromper o uso de agonistas dopaminérgicos caso ocorra
noite, com o paciente já deitado. O comprimido deve ser sempre atraso menstrual superior a 48 horas. Confirmando-se a gravidez,
ingerido no meio de lanche ou de refeição, o que comprovadamen- a paciente permanece, em geral, sem medicação, com controle fre-
te diminui a incidência de efeitos colaterais. O aumento da dose qüente de campo visual. A ressonância magnética pode ser utiliza-
deve ser gradual, com intervalos mínimos de três dias. A dose diá- da, mas apenas após o terceiro mês de gestação. A bromocriptina
ria é habitualmente fracionada em duas a três tomadas, embora se é reinstituída se houver evidência de crescimento tumoral. É im-
tenha demonstrado, a eficácia de dose única diária. Também está portante ressaltar que não ocorre aumento do número de abor-
disponível a bromocriptina oral de liberação lenta, em comprimi- tamentos espontâneos ou das taxas de malformações congênitas
dos de 2,5 mg e 5 mg, que pode ser administrada uma vez ao dia. com o uso de bromocriptina durante a gravidez. Não existe, pois,
As reações adversas mais comuns são náuseas, vômitos e hipoten- contra-indicação para o uso do medicamento durante a gestação,
são postural, e ocorrem, em geral, no início do tratamento. caso necessário. Como o número de gestações em vigência de ca-
Nos últimos anos foram desenvolvidas novas preparações bergolina é ainda reduzido, não existem dados a respeito na litera-
desses compostos ou drogas semelhantes, com a finalidade de ob- tura. Recomenda-se, portanto, cuidado na utilização desse com-
ter níveis efetivos circulantes de forma rápida,ação prolongada e me- posto como terapêutica inicial na hiperprolactinemia, em pacientes
nor incidência de efeitos colaterais. Exemplos destes compostos são que desejam engravidar. A amamentação é permitida nas pacien-
a cabergolina e a quinagolida, esta última ainda não disponível no tes que não apresentam evidências de aumento tumoral durante a
Brasil. Tanto a quinagolida como a cabergolina são agonistas do- gravidez, caso em que a bromocriptina só é reiniciada após o pe-
paminérgicos não derivados do ergot, de ação prolongada. A qui- ríodo de lactação.

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