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06/06/2023 18:07 Folha de S.

Paulo - Luli Radfahrer: Homo dissatisfactens - 13/07/2011

São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 2011


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Comunicar Erros

LULI RADFAHRER

Homo dissatisfactens

A gambiarra é o
primeiro passo para a
evolução tecnológica

Somos todos hackers. No sentido estrito


do termo, não há quem considere todos
os mecanismos que vê como estruturas
perfeitas, intocáveis. Pouco importa o
refinamento da tecnologia, sempre há
algo a ser feito para melhorá-la.
Personalizar, recondicionar e reciclar são
verbos tão comuns que muitas vezes mal
se nota seu uso.
Hacking é um termo inglês que não tem
tradução. Ou melhor, tem: é uma
gambiarra. Prática comum entre curiosos
que conhecem bem as suas ferramentas
a ponto de saber que podem oferecer
mais do que declaram inicialmente.
É uma prática saudável e inteligente,

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que, ao mostrar as limitações, força a


evolução. Em sua natureza criativa, ela
não poderia ser mais humana. São tão
poucas as espécies que procuram
expandir suas capacidades com o
emprego de próteses que me pergunto se
não estaríamos mais para Homo
dissatisfactens do que para sapiens.
Ninguém sabe direito de onde vieram
algumas das alterações mais populares --
como o Bombril na antena de TV, o
durex no cartão de crédito, o silvertape
no tênis, o esparadrapo nos óculos, a
bolacha de chope para calçar a mesa... A
subversão tecnológica é onipresente,
mesmo inconsciente.
E, muitas vezes, impotente: gambiarras,
como se sabe, são intervenções
temporárias e frágeis. Servem mais como
crítica construtiva do que como proposta
de ação. São, em última instância,
aplicações práticas do método científico,
do discurso da mídia e da administração
política.
Boa parte das tecnologias que nós
usamos hoje começou dessa maneira. Os
videogames, a internet, a telefonia
celular e os microcomputadores são
alguns exemplos de grandes indústrias
que surgiram em garagens,
impulsionadas por entusiastas
apaixonados que procuravam
"envenenar" suas maquininhas, sem
saber direito se o que criavam prestaria
para algo. A diversão estava no processo
criativo, e não no produto final.
Hackers, quando surgiram, eram apenas
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mais um desses grupos. Curiosos que


exploravam os limites de seus
computadorezinhos e das redes que
frequentavam, os técnicos amadores
foram responsáveis por boa parte dos
sistemas de código aberto e software
livre que sustentam a internet como a
conhecemos atualmente.
Antes que uma mídia apressada em
simplificar o assunto passasse a rotular
como criminoso qualquer um que
forçasse os limites da rede, havia uma
certa glória em ser hacker. Voluntários
dedicados, boa parte dos pioneiros eram
indivíduos libertários, bem-
intencionados.
Até hoje há quem use o processo de
invasão como atividade política,
extraindo informações que não deveriam
ser secretas e tornando públicas as
fragilidades da segurança nacional, como
o fazem os rapazes do LulzSec. De onde
você acha que veio boa parte do
conteúdo publicado pela organização
WikiLeaks?
Mas, como a tentação é grande e há
maçãs podres em todos os cestos, é fácil
compreender porque muitos bandearam
para o crime, em especial em países cuja
estrutura para encontrá-los e julgá-los é
arcaica e ineficiente.
Se, além disso, o país tiver boas escolas
de computação em cidades sem mercado
grande o suficiente para absorver seus
alunos, a receita estará completa.
É por isso que há tantos deles na Rússia,
ou você pensava que eu me referia a
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outro país?

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