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PUC-SP
SÃO PAULO
2014
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Dissertações e Teses
SÃO PAULO
2014
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BANCA EXAMINADORA
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DEDICATÓRIA
Gostaria de dedicar esse trabalho para a minha linda noiva, Lika, que esteve
comigo desde o começo, acompanhando cada passo, assistindo aulas ao meu
lado, mesmo sem necessidade, virando noites lendo e relendo meus textos e
me ajudando a revisá-los e principalmente me dando forças para continuar...
Sempre. Obrigado meu amor. Eu te amo.
Agradeço aos meus pais por me darem todo incentivo que precisei para chegar
onde estou e todo apoio em todas as minhas decisões. Amo vocês!
Ah! Não posso me esquecer da minha irmã idiota que eu também amo MUITO
e ta sempre dando aqueeela força, em qualquer situação. Não importa onde,
com, quando, por que... Você é foda Mi!
E por ultimo, mas não menos importante, gostaria de dedicar essa obra a
minha Madrinha, Clotilde, por todo esforço e tempo que se dedicou a mim e a
esse projeto, desde o começo, com toda sua experiência e garra de uma
pesquisadora que não se cansa de crescer, como pessoa e como profissional
no meio acadêmico. Muito obrigado, Madrinha! Te amo!
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SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................................... 6
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8
LEVEL 1 - TRON ................................................................................................................... 12
LEVEL 2 - TRANSMÍDIALIDADE DE MATRIX ................................................................ 37
FINAL LEVEL – CONVERGINDO TRON E MATRIX ...................................................... 64
GAME OVER ...................................................................................................................... 100
LISTA DE IMAGENS.......................................................................................................... 107
5
RESUMO
6
ABSTRACT
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INTRODUÇÃO
Ainda nos tempos do colégio (Santa Marcelina), tinha a certeza do que gostaria
de seguir nessa área de comunicação e artes visuais. A convicção de agregar
meus conhecimentos com a área tecnológica em uma perspectiva artístico-
criativa me levou à escolha do curso de Comunicação em Multimeios. Tinha a
sensação de que poderia agregar minhas habilidades artísticas relacionadas à
interpretação (tenho formação profissional em dramaturgia, TV/Teatro pela
escola de TV e Teatro Wolf Maya) e desenho, com o gosto pelo mundo
imaginário das personagens de séries, desenhos, quadrinhos e filmes. A
escolha da PUC-SP foi um caminho muito natural. Desde muito pequeno já me
via envolvido com a universidade. Minha Madrinha era professora na PUC-SP
e, posteriormente, também meu Pai. Os afetos, além da qualidade do ensino e
da pesquisa, me levaram inevitavelmente ao campus Monte Alegre.
E justamente por isso era quase inevitável seguir com um mestrado na mesma
instituição em que praticamente cresci. Mais obvio ainda, era a escolha da
temática dessa dissertação.
8
efetivado como Designer Instrucional e posteriormente como Designer
Educacional. O trabalho como designer possibilitou o aprendizado de técnicas,
softwares e manejo de conteúdos digitais, muito importantes na minha
formação. Além disso, também foi possível experimentar o trabalho em equipe
e as vantagens da produção compartilhada do conhecimento no meio
corporativo. A rede de fornecedores e contatos necessários para a produção de
conteúdos educacionais é outro valor fundamental na minha formação na área.
Sobre o tema que escolhi para essa dissertação, parti do princípio de que, a
partir do momento que acredito em algo e defendo isso dentro e fora do meio
acadêmico, esse algo merece uma atenção mais especial, não só da minha
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parte, mas compartilhado com um núcleo que se interessa nesse tipo de
projeto multimidiático.
Tron Legacy foi muito marcante em minha vida por estabelecer um momento
de transição assim como a do protagonista do filme. Isso me deu forças e
incentivo no ponto certo para impulsionar essa pesquisa e posteriormente
desenvolver um produto tão envolvente e marcante como a franquia de Tron foi
para mim.
E é claro que partir de um tema que te inspira para uma abordagem mais
teórica e posteriormente uma evolução prática, fez com que eu conseguisse
buscar forças para a escrita dessa dissertação. Espero que essa pesquisa
sirva, não só como mérito, mas principalmente como uma experiência e
esclarecimento para todos aqueles que buscam inovações tecnológicas que
permeiam as diversas plataformas multimidiáticas.
Por fim, vamos finalizar fazendo um paralelo entre as duas franquias (Tron e
Matrix) e as possíveis relações que elas estabelecem entre enredos,
personagens, premissas, aspirações, etc. Tomando como foco os conceitos
10
transmidiáticos levantados até este momento e outros ainda que se encaixam
perfeitamente nesse processo.
Espero que com esse conjunto, embora seja algo ainda primário e que precisa
de muito estudo e aprofundamento em cada detalhe, os leitores possam olhar
esse tipo de produção de maneira mais completa, valorizando o conjunto de
todas as plataformas multimidiáticas que envolvem as grandes produções
transmidiáticas e não vejam os recursos isoladamente sem propósito ou
complemento.
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LEVEL 1 - TRON
Neste capítulo vamos fazer uma breve introdução ao universo Tron e sua
importante participação dentro das diversas referências cinematográficas sobre
a transmídia. Além do seu enredo também iremos explorar a complexidade por
trás da construção e expansão dessa franquia.
12
mundo ainda desconhecido. ma das companhias de
enorme brilho no passado possui uma relação estreita com
a valorização dos profissionais de games. A Mattel
ElecTronics, ue fabricava o console e os games da
ntellivision, era uma das companhias norte-americanas de
desta ue no setor de jogos e foi precursora no movimento
de divulgação dos nomes dos designers da empresa em
seus cartuchos.” (R BE RO, 2002, p. 02)
Essa visão sobre as tendências futuristas que alguns filmes incitavam naquela
época foi crucial para o desenvolvimento fílmico e, posteriormente,
transmidiático. A franquia possibilitaria, pela criação de um universo facilmente
“convergível”, sua expansão ficcional para diversas plataformas multimidiáticas.
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A partir deste momento, em relação aos efeitos visuais, o enredo traduzido em
cenas levaria a opções e soluções tecnológicas que transformariam os padrões
até então estabelecidos pela história do cinema.
Flynn é levado para um universo totalmente digital, com sistemas que simulam
a forma humana e são controlados por seus correspondentes no mundo real. O
próprio Tron, que dá nome ao filme, foi criado a imagem de Alan Bradley
(Bruce Boxleitner), também programador e melhor amigo de Kevin.
Isso leva o filme a um mundo novo, diferente daquele estabelecido até então.
De um universo diegético totalmente compreensível, para um sistema
totalmente digital.
Nesse universo, nomeado por Flynn como Grid, a “realidade” era totalmente
digital. Suas formas eram exacerbadas com elementos luminosos em todo
cenário, figurino, acessórios e veículos.
14
(Figuras 1, 2 e 3 estraídas do DVD Tron)
15
fílmico daquela época, porém, como uma visão ainda muito primária, o que
permitia a exploração desse imaginário através do espectador, como, por
exemplo, o teletransporte quântico, que demonstrava literalmente a imersão do
personagem (Kevin Flynn) no universo digital do Grid.
Essa “t cnica” faz com que o filme se torne um marco na utilização de recursos
de animação. Segundo Machado, “at os anos 80, não houve nenhum tipo de
incorporação de animação digital ao cinema como a que foi utilizada em Tron,
pois, até então, o computador gráfico era apenas incorporado em televisão,
spots de abertura de programas e videoclipes.” (1995, p.198). O resultado
desse processo foi a materialização do espaço virtual, fantasioso e ainda
primário no imaginário do espectador e visualmente concretizada na tela.
Lisberger tentou construir uma estética que fizesse com que o espectador
quase abstraísse a trama e, dessa maneira, ele pudesse “brincar” com esse
jogo entre o real e o virtual, trabalhando com as sensações, criadas pelas
simulações eletrônicas, efeitos visuais, cenários, figurinos, etc.
Essa “ideia” de contar uma história através de recursos visuais, nesse caso
digitalizados, é algo que vem sendo mais frequente e funcional ao longo do
desenvolvimento da tecnologia e do objetivo traduzir uma narrativa em
elementos que agregam ainda mais valor ao conteúdo, isso é claro se levarmos
16
em consideração todo histórico desse tipo de recurso, como menciona a
pesquisadora Sonia M. Bibe-Luyten:
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New Level – Tron Legacy
No final dos anos 90, já haviam boatos de que a Disney faria uma sequência de
Tron, devido à grande legião de fãs do primeiro filme. Depois de muitas
especulações, (inclusive uma de que essa “sequência”, ou remake, seria
produzido pela Pixar) finalmente a Disney deu um posicionamento oficial.
Nesse ponto ficava muito difícil prever como, quando, em qual contexto e que
rumo tomaria essa sequência, já que o primeiro filme, segundo Machado (1995,
p.198) “ um perfeito pico de aventuras ambientado no mundo cibern tico,
com gladiadores de neon e carros de vetores, tudo eletrizado na velocidade da
luz”.
18
(Figuras 4 e 5 extraídas do teaser deTron Legacy – 2008)
A perseguição continuava até o momento que uma figura de barba, com vestes
similares a um roupão, aparecia observando os dois do alto. Tratava-se de
ninguém menos que Kevin Flynn, o protagonista do primeiro filme, porém anos
mais velho.
19
Por fim, o “homem misterioso”, com a roupa de leds amarelos, encurrala o
outro e revela sua verdadeira identidade: Era o próprio Flynn, porém com a
jovialidade de 1982, ano do primeiro longa. Tal representação, porém, era na
verdade CLU, o programa que Flynn havia criado como seu Avatar no mundo
digital e que havia sido destruído pelo MCP (Master Control Program) no
começo do primeiro Tron.
20
Todos esses recursos poderiam ser tachados como um simples golpe
publicitário para divulgação do filme, mas, ao mesmo tempo, podemos
especular que houve um princípio de tentativa de uma construção
transmidiática. Mas o que permitiria esse tipo de análise?
A partir daí a história começa a estabelecer suas relações com o primeiro Tron,
utilizando artifícios como objetos, cenários, falas e uma série de elementos
que, ao mesmo tempo que homenageiam o filme anterior, fazem a conexão de
tempo e espaço em que o longa será situado.
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(Figura 12 – acima – extraída do DVD Tron: uma odisseia eletrônica - 2010,
Figura 13 – abaixo – Extraída do DVD Tron Legacy - 2011)
As imagens acima retratam muito bem este essa “conexão”. A primeira mostra
a cena do primeiro Tron em que Flynn, ao invadir a sede da Encom, diz “That is
a big door...” (isso ue uma porta grande), fazendo de certa forma uma sátira
sobre a segurança da empresa.
22
sugere, Tron Legacy precisava ter algum elemento visual tão revolucionário
quanto seu antecessor, para se encaixar nos moldes estabelecidos pelo
primeiro Tron, levando em consideração a evolução tecnológica que percorreu
mais de 20 anos de história.
Machado deixa bem claro essa importância visual das imagens e a construção
fílmica que agrega mais do que apenas estética:
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sistema operacional, foi criado com objetivos específicos e restritos àquilo que
foi programado e esse foi o principal motivo de sua construção como
antagonista.
Porém, os ISOs, nome que Flynn havia dado pra essas anomalias, eram o
verdadeiro segredo para a criação de um mundo perfeito, onde não existiriam
mais doenças, contaminações ou qualquer imperfeição que o mundo humano
já apresentava há anos. Era quase como se o homem pudesse começar toda a
estrutura celular do zero e reprogramar qualquer célula para exercer qualquer
função, inclusive a de regeneração.
Flynn então tentou proteger esses ISOs a qualquer custo. Mas CLU se
amotinou contra ele e dominou todo o sistema. E, na tentativa de criar um
sistema perfeito, exterminou todos (expurgo, como eles chamaram), inclusive o
próprio Tron, que Flynn havia trazido do sistema anterior para proteger este
novo Grid.
Mesmo assim, Flynn conseguiu salvar pelo menos um dos ISOs, a última de
sua espécie, Quorra (personagem de Olivia Wilde), mas entraremos nos
detalhes e na importância dessa protagonista mais a frente.
24
Voltando à jornada de Sam e o legado de seu pai, após receber uma
mensagem, que supostamente veio de Kevin, Alan Bradley, amigo de Flynn
(apresentado no primeiro filme da série) vai até Sam e insiste que ele vá ao
local de onde a mensagem veio: O Arcade de Flynn.
Sam então descobre uma passagem secreta que leva ao verdadeiro escritório
de seu pai e é lá que, acidentalmente, ele é teleportado para o Grid.
25
Bonus Level – Tron Legacy e a importância da evolução
tecnológica
26
(Figura 16 extraída do Livro The Art of Tron Legacy – 2010)
27
(Figuras 17 e 18 extraídas do Livro The Art of Tron Legacy – 2010)
28
Em paralelo, do ponto de vista estético e visual do filme, esse é um dos
momentos com o maior número de compilados referenciais à games de
diversas gerações.
Os sons, por exemplo, são os mais marcantes nesse aspecto. Logo que Sam
entra na Arena de Batalha ouvimos um som que remete ao start dos antigos
Videogames e fliperamas, justamente criando essa analogia de início de jogo,
que existia nas décadas de 80 e 90.
29
que o filme proporciona, com um detalhe importante: no Game é o
usu rio/espectador uem “controla” o resultado de cada escolha.
Na arena das Disc Wars (Guerra de Discos) ficam evidentes elementos como a
escolha dos oponentes, telas/fases que cada um deve enfrentar, levels de
dificuldade, etc. Mas alguns não ficam totalmente explícitos.
Os levels, por exemplo, ficam mais evidentes somente quando Sam derrota
seu primeiro oponente e é direcionado para o segundo, um pouco mais
desafiador. Em seguida, após derrotá-lo também, e pular (literalmente) para
outro nível, ele cai na arena de Rinzler, local que o próprio programa define
30
como Final Round (batalha final), ou seja, o ultimo nível de dificuldade, o que
dentro das características dos games, seria o maior nível de dificuldade.
Para comprovar isso o que se segue é uma batalha na qual Rinzler leva uma
vantagem tão grande, a ponto de tirar sangue do braço de Sam e revelar o que
ele realmente é: um usuário.
31
desaparecimento ou desmaterialização como acontece
com a personagem principal do filme Tron. L v acredita
ser mais conveniente atribuir ao processo virtualizante a
ideia de atualização do real e não a desmaterialização ou a
oposição ao real, como surge no filme. O virtual seria parte
do processo, um complemento da realidade.” (RIBEIRO,
2002, p03)
32
Cronologicamente, se os filmes fossem apresentados em sequência, sem
esses elementos de link, a narrativa perderia a lógica e o sentido que justificam
certas ações de alguns personagens, como o próprio CLU, por exemplo.
Isso mostra que elementos relativamente simplórios, podem ser a chave para
criação de “braços transmidiáticos” para uma franquia.
No caso de Tron Legacy, o fato de ter existido um espaço de tempo muito
grande entre um longa e outro, possibilitou que o imaginário multimidiático
tomasse proporções inovadoras para a construção daquele universo.
Uma delas foi a criação da série animada Tron Uprising, que explorou uma
pequena parcela dessa narrativa com possibilidades quase ilimitadas de
criação e expansão do universo Tron. Isso porque quase toda a construção de
ambos os filmes, permitem algumas relações de convergência que se
complementam e por isso, em alguns casos, separadamente não fazem muito
sentido.
Essa relação fica quase escancarada no momento em que Quorra mostra para
Sam um exemplar da antiga Light Cycle de seu pai, uma das primeiras do Grid,
como homenagem as apresentadas no primeiro Tron.
33
Na série animada essa intenção de contextualizar o espectador dos fatos
ocorridos entre as franquias fica ainda mais evidente. Se compararmos as Light
Cycles da série animada com as do primeiro e o segundo Tron, podemos notar
visualmente as características de ambos os filmes presentes no exemplar de
Tron Uprising, como se realmente fosse uma versão intermediaria, em
processo de evolução até chegar aquela apresentada em Tron Legacy, bem
como a estrutura narrativa, que também tem esse papel de ponte entre os
produtos multimidiáticos:
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Esses pequenos detalhes valorizam e enriquecem toda a construção do
universo transmidiático que, mesmo não ficando tão evidente, pode exercer
uma relevância ainda maior no processo de “disseminar entre mídias”, do que
apenas a narrativa linear por si só, como mencionado anteriormente por
Jenkins (2006).
Mesmo estando muito mais próximo do segundo longa, ele ainda possui
grandes referências ao primeiro, desde a estética visual de alguns elementos,
até o cotidiano dos programas que viviam no Grid entre os “ciclos”.
Mas, embora tenha uma relação muito interessante no seu conjunto midiático,
a série não conseguiu atingir seu ápice, sendo cancelada na primeira
temporada. Ainda não se sabe ao certo qual foi o, ou os motivos que levaram
os espectadores a não aceitarem tão bem a animação, embora os fãs da série
tenham tirado proveito de sua única temporada, criando supostas ligações,
relações, intrigas que, provavelmente, auxiliarão no desenvolvimento do
próximo filme da franquia.
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Recursos que ficam ainda mais evidentes na construção de toda a franquia
Matrix, a ual Jenkins define como um filme ue “levou-nos a um universo onde
a linha entre a realidade e a ilusão constantemente se fundiam”. Isso graças a
todos os recursos transmidiáticos que fizeram com que esta produção não se
limitasse apenas aos três filmes, mas ganhasse espaço em diversas
plataformas, assim como Tron, mas de maneira tão inovadora que serviu
inclusive como referência para a construção transmidiática de Tron Legacy e
de diversas produções similares.
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LEVEL 2 - TRANSMÍDIALIDADE DE MATRIX
Não é de hoje que o cinema cria franquias que provocam e exigem de seus
espectadores certo repertorio, técnico, fílmico, filosófico, para compreender e
realizar a imersão adequada para o resultado positivo com relação ao objetivo
que a trama quer atingir, como foi o caso da franquia Tron, mencionada no
capítulo anterior. Mas talvez a mais marcante do segmento tenha sido Matrix.
Mais especificamente o primeiro filme da franquia.
Neste capítulo vamos fazer uma imersão no universo Matrix, através dos
elementos que não ficaram tão explícitos ao longo dos três filmes da franquia,
ou seja, aqueles elementos que estavam presentes, mas que solitários não
tinham tamanha relevância como no resultado de suas relações
transmidiáticas. Um pouco além, também através dos elementos que
permitiram que Matrix se tornasse um exemplo bem sucedido de produto
transmidiático e de convergências, estabelecendo novos patamares sobre as
produções multimidiáticas.
Uma ideia como essa, da mesma maneira que poderia fazer o filme ser um
sucesso, um marco na história e referência para efeitos visuais até hoje, ele
também poderia ter sido um fracasso de bilheteria. A exemplo da franquia Tron
(Tron e Tron Legacy), elementos muito complexos que exijam de seus
37
espectadores muito além do necessário para compreender aquela trama e
todos os seus desdobramentos, tendem a não agradar as grandes massas.
Tron pode ter sido um marco na história do cinema por seus elementos
inovadores e efeitos visuais nunca vistos antes, porém não conseguiu atingir
um número significativo de seguidores, como citado no capítulo anterior. Mas
esse não foi o caso de Matrix. E por quê? Simples. Jenkins responde essa
pergunta definindo o filme como “o entretenimento para a era da converg ncia”
(2008 p.137).
Matrix utiliza um grande número de elementos, a fim de “criar uma narrativa tão
ampla ue não pode ser contida em uma única mídia”. Isso faz com a franquia
se enquadre na categoria de narrativa transmídia, ou seja, uma história que
“desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto
contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo.”
O próprio jogo lançado após a sequência (Matrix Reloaded) intitulado Enter the
Matrix, apresentava a visão do filme a partir da ótica de dois personagens
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secundários: Niobe, capitã da nave Logos, e Ghost, seu especialista em armas
e também, assassino profissional. O jogo narrava os eventos de Matrix
Reloaded, porém dando enfoque no que não foi mostrado no filme, ou melhor,
o que na verdade aconteceu enquanto outros eventos ganhavam mais
significado para a sequência fílmica.
Na cena da via expressa, por exemplo, após uma longa e quase exaustiva
sequência de perseguição de carros, Morpheus está para cair de um caminhão
em movimento, quando Niobe surge dirigindo um Ford Falcom e evita que ele
caia na estrada. Já no jogo, o usuário percorre todo o trajeto que Niobe fez
para chegar até este momento do filme...
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(Figuras 25 e 26 extraídas do DVD Matrix Reloaded – 2004. Figura 27, extraída
do game Enter the Matrix - 2003)
Esse “jogo”, de acordo com Jenkins, fez com ue Matrix fosse um dos maiores,
se não o maior referencial de produtos transmidiáticos de sucesso, levando
espectadores a buscas incansáveis por mensagens ocultas e seus significados
que agregam ainda mais elementos no conjunto da franquia até hoje.
40
números e, talvez o mesmo, testa-los no jogo, talvez não teríamos essa
informação, a menos que os próprios criadores tivessem divulgado.
É interessante como esse jogo da transmídia pode fazer com que as relações
multimidiáticas se entrelacem não apenas no mesmo universo, mas também
com universos tecnicamente distantes, com elementos potencialmente
convergentes. Isso faria com que as relações ampliassem ainda mais e o
conjunto da obra se tornasse ainda maior e mais interessante de se interpretar.
Para ilustrar melhor essa visão, vamos supor que exista a possibilidade de uma
relação transmidiática entre Matrix e Tron...
A partir daí, ele foi aperfeiçoando este mundo com o objetivo de transformar
tudo a uilo em um sistema “perfeito”. or m, nessa busca pela perfeição, ele
acabou criando programas, baseados em algoritmos quânticos, que
interpretaram esse objetivo de maneira muito literal e logo constataram que, da
mesma maneira que um humano poderia entrar, eles também poderiam sair.
41
lo e Sam consegue sair levando consigo Quorra, um dos sistemas digitais, para
o mundo real. E é nesse momento que a transmídia “acontece”.
Pode até parecer meio improvável esse tipo de associação, mas é uma
brincadeira interessante de fazer aproveitando os conceitos de transmídia e
sua tendência ao longo dos anos. Mas vamos retomar essa análise mais à
frente no capitulo LEVEL 3 – Convergindo Tron e Matrix.
42
Essa técnica está ainda alicerçada nos novos parâmetros e possibilidades
criativas instauradas com o desenvolvimento das tecnologias digitais e a
multiplicidade de mídias, hoje um imperativo em todo e qualquer planejamento
de comunicação. A criação passou a ter em conta não especificamente uma
mídia, mas sim a sua potência transmidiática, ou seja, a sua capacidade de
ancorar-se e de ter relevância em mídias tão distintas quanto, por exemplo, um
advergame.
43
(Figuras 28 e 29 – prints do Game Rooftop Racer)
No caso, é essa testemunha que está presente nas cenas em que é preciso
transmitir algo ao espectador, mesmo que lá não haja nenhum personagem
para fazê-lo. O exemplo de Machado (2007), no final de “Cidadão Kane”, no
momento derradeiro de sua morte, o qual o espectador o ouve pronunciar a
palavra Rosebud, não existe mais ninguém que pudesse tê-lo ouvido dizer
44
suas últimas palavras para depois retransmiti-las, como conta o filme,
justamente pelo fato de ue essa seria a “explicação” sobre uem foi Charles
Foster Kane.
O cinema, por ser narrativo, “esforça-se para esboçar uma síntese do sujeito
narrador (aquele que conta) com o sujeito enunciador da imagem (aquele vê e,
por extensão, ouve)” (MACHADO, 2007, p.23). Ou seja, existe uma ligação
direta do ato de contar uma história e o de absorvê-la como espectador.
Tomando como base essa relação, o game estabelece novos parâmetros para
com o espectador/usu rio, fazendo com ue o sujeito “narrador” seja
equivalente ao enunciador da imagem, pois acaba sendo ele quem define os
45
caminhos a serem traçados pelos personagens ao longo do enredo fornecido
pelo game.
Ainda na questão narrativa, pode-se dizer que esse percurso, que o enredo
constrói, auxilia no processo transmidiático de desenvolvimento de um produto
multimidiático, sobre uma película. HQs, Graphic Novels, Digital Comics, por
exemplo, ganharam uma importância tão significativa sobre essa perspectiva,
que hoje em dia fica difícil encontrar um filme que não possua um prelúdio,
uma contextualização, uma continuação ou até mesmo um universo paralelo
diretamente relacionado ao enredo do mesmo, de maneira transmidiática. Seja
apenas como suplemento, seja como merchandising, ou ambos, é notável e,
excepcionalmente, importante essa tendência na perspectiva do audiovisual,
de acordo com o professor Dr. João Massarolo em entrevista (2012):
46
(Figura 30 – quadros do Graphic Novel – Green Hornet - 2010)
Já neste Graphic Novel que serve como prelúdio do filme Inception (A Origem –
2010), a programação permite uma leitura dinâmica, vendo as páginas duplas,
abertas, como uma revista em quadrinho normal, ou a leitura específica
sequencial, ou seja, ele vê cada parte da HQ na ordem exata dos fatos,
seguindo uma ordem cronológica e de certa forma, obrigatória da história.
47
“ sso certamente ocorreu em outros casos ue procuraram
imitar o modelo de Matrix. Filmes mais recentes, desde As
Panteras [Charles Angels] ate A Batalha de Riddick
[Riddicks Chronicles], de Guerra nas Estrelas a Homem-
Aranha, desenvolveram desenhos animados, por exemplo,
com o intuito de fazer uma ponte entre as sequencias, ou
pronunciar evoluções no enredo” (JENKINS, 2006, p.)
Não estamos aqui para discutir esses tipos de valores, mas é interessante para
compreender que esse tipo de associação pode repercutir de maneira tanto
positiva, quando negativa para com a produção transmidiática.
No caso de Matrix, essas relações não foram relevantes para seu desempenho
como produto transmidiático, pelo contrário, de acordo com o próprio Jenkins,
48
mencionado anteriormente, se não é o único, é um dos melhores referenciais
quando falamos sobre transmídia. Porém, casos como o de Tron, que beberam
da mesma fonte e buscaram alcançar os patamares de Matrix, explorando
ainda mais essas relações, infelizmente, não obtiveram um retorno tão
rentável, financeiramente e publicamente também.
Essa relação permite que, o que é visto, não se limite apenas ao privilégio de
quem vê, mas sim a disseminação da experiência visual, para diversas
plataformas. Conceito ligado diretamente noção de “narrativa transmidi tica”
de Jenkins, introduzida anteriormente.
49
correspondências e aproximações, quando se organizam pela imagem em
sequência, por enquadramentos e ainda possuem características que
destacam a importância de cada personagem e o cenário em que estão
inseridos.
50
Esse repertorio ou anseio de descoberta que a franquia exige que o espectador
tenha, faz parte da construção do “jogo transmidiático”. Sem esses elementos,
fica muito difícil estruturar um produto dessa complexidade.
51
A “Transmídialização Do Merchandising”
Maffesoli (1996, p.01) define est tica como “um conjunto de formas ue trazem
por si mesmas uma sucessão de histórias as quais possibilitam a
contemplação de um determinado mundo”. Tomando como base essa
definição, é possível entender estética como o ponto chave para a criação do
merchandising de filmes, seriados, jogos, etc. Onde a criação de uma realidade
paralela, envolvendo “mundos”, fictícios ou não, serve de pilar para o
desenvolvimento de um enredo com personagens, tramas, reviravoltas e um
desfecho que compõem toda uma estrutura, quase que perfeita, de lógica e
contemplação pelo espectador/usuário, ou seja, uma estrutura transmidiática.
Essa relação fica mais clara na franquia Matrix onde desde o começo da
divulgação do primeiro filme fica nítida o interesse na convergência das mídias
para alcançar o ápice de sua narrativa e de seu merchandising. “O anúncio de
pré-lançamento do primeiro filme provocava os consumidores com a pergunta
“o ue Matrix?”, instigando-os a buscar respostas na internet.” (Jenkins 2006,
52
p.136). Essa busca resultava em diversos games, curtas metragem,
animações, quadrinhos online, tudo para fazer uma imersão do espectador no
universo Matrix, até mesmo nas analogias que o filme explora muito sobre a
questão de estarmos todos plugados em um único sistema (Matrix).
53
Outra superprodução que atingiu tais patamares e, de certa forma e em alguns
aspectos, emula Matrix, foi a que James Cameron conseguiu com Avatar. Com
um enredo simples e uma premissa que aspirava um universo tão vasto quanto
o criado por George Lucas em Star Wars, Cameron conseguiu instigar a
imaginação dos espectadores através de vídeos virais, que simulavam
documentários sobre Pandora e todo o contexto fílmico predecessor aquele em
que o espectador seria inserido no lançamento do longa. Muito mais além, as
relações transmidiaticas que Cameron conseguiu estabelecer, mostra o legado
que franquias como Matrix deixou.
Cada um vinha com uma e algumas edições vinham com dois, mas todos
tinham o mesmo propósito: fazer com que o usuário interagisse com o universo
virtual de Avatar, sem sair de sua realidade, utilizando o princípio já citado
acima de transportar esse ambiente virtual para o espaço do usuário. Isso
possibilitava não somente uma interação de puro entretenimento, mas também
de imersão aos personagens, criaturas, cenários e até mesmo de pré-
visualizações de cenas marcantes do filme (uma das i-tags continha a
54
interação entre uma das criaturas de Pandora com as Naves Humanas. Cena
de batalha que posteriormente foi desenvolvida e aprofundada ao máximo na
trama do longa):
55
muito grotesca com o público entre outros elementos. Avatar vai muito além de
tudo isso, ao criar um universo e estrutura fílmica próprios, que leva o
espectador a se sentir dentro do filme.
Ainda sobre esta perspectiva, mas retomando nosso objeto de estudo nesse
capitulo, a obra dos Irmãos Wachowski, assim como a de Cameron e a
franquia Tron, se aproveitou de toda essa realidade que a tecnologia se
encontrava inserida e em plena expansão para explorar ao máximo o conjunto
transmidiático e as consequências de toda aquela experimentação.
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Através desse “conglomerado de mídias”, segundo Jenkins, eles exploraram ao
máximo a questão da autoria cooperativa, ou seja, se valeram das criações
“undergrounds” a partir do universo Matrix, para desenvolver um laço ainda
mais forte nas relações transmidiáticas e, com isso, atingir o maior público
possível.
Com isso, conseguiram criar uma tendência que, até então, era vista apenas
como algo “negativo” para uma produção multimidiática. Os grandes estúdios,
na época, ainda muito antiquados com as relações dos direitos autorais - diga-
se de passagem que alguns ainda são – tinham essa relação de autoria
cooperativa como o uso indevido dos diretos de determinadas produções.
Harry Potter, por exemplo, foi vítima dessa visão, na qual os estúdios Warner
tentaram controlar todas as apropriações dos fãs dos livros sob alegação de
ue eles “infringiram a propriedade intelectual do estúdio” (JENK NS, 2006
P.236).
Isso vem mudando, ainda com alguns percalços, graças aos resultados que
algumas produções, como Matrix, conseguiram atingir utilizando esse recurso
para engrandecer a própria produção, aliando os responsáveis por essas
“apropriações” em vez de descart -los e descriminá-los como se estivessem
denegrindo a imagem daquela peça.
Muitas vezes, a criatividade dos fãs faz com que uma produção que não obteve
tanto retorno, financeiramente falando, ganhe novas perspectivas e novos
patamares dentro do contexto fílmico e transmidiático.
57
Figura 36 e 37 – Prints do trailer fake Tron Destiny disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=L_6U6YWKnMc em 15/10/2013
Jenkis define muito bem esse estado atual em que nos encontramos:
58
corporativa coexiste com a convergência alternativa”
(Jenkins, 2006, p.46)
59
textos de Matrix uma parte fundamental do “cânone”.
(Jenkins 2006, p159)
A franquia Senhor dos Anéis, sofreu com os mesmos problemas, alguns ainda
mais graves, pelo autor dos livros, J.R.R. Tolkien, já ser falecido, os direitos e o
controle do que seriam feitos com as obras ficaram nas mãos de seus filhos e
herdeiros.
Isso criou especulações entre os fãs que achavam que eles não estavam
dando a devida importância para o que estava sendo adaptado pelo diretor,
Peter Jackson, ou até mesmo que eles estavam intencionalmente contrariando
as obras de seu pai e por aí a vai.
60
Vimos até então que é realmente um processo muito delicado e complicado
quando existe esse tipo de transmidiação. Matrix conseguiu atingir um patamar
referencial devido a participação dos criadores originais no desenvolvimento da
narrativa transposta em cada mídia. Isso mostra a importância da aprovação da
autoria sobre o produto desenvolvido, pois isso passa credibilidade e
consistência para aquela produção, visando não somente as questões
econômicas e mercadológicas, mas mostrando também o interesse de criar alo
que tem realmente um papel importante dentro do universo transmidiático
criado.
Porém, esse tipo de recurso pode ser um risco para a produção como um todo.
Exigir do espectador um repertorio de todos os produtos transmidiáticos para
atingir o ápice da evolução narrativa, poderia gerar um estranhamento e até
mesmo uma rejeição muito grande do público, fazendo com que o objetivo
principal, de unir esses recursos distintos para a criação de uma narrativa
única, não fosse possível. Claro que esse não foi o caso de Matrix: “Os
cineastas correram o risco de se indispor com os frequentadores de cinema ao
tornar esses elementos tão essenciais à evolução narrativa.” (Jenkins 2006,
p.160).
Algumas produções podem ter sofrido com isso, talvez tenha sido o caso de
Tron Legacy, onde o trabalho de transmidiação exigia do espectador ter visto o
primeiro filme, lido a HQ, jogado o jogo e posteriormente assistido a série
animada, para que todo contexto narrativo fosse absorvido de maneira mais
completa.
61
O princípio de Jenkins justifica não somente o sucesso de Matrix quanto o
insucesso de outras tentativas de produções transmidiáticas.
De acordo com uma referência que o próprio Jenkis utiliza, a pouco tempo os
autores se viam obrigados a desenvolver uma boa história com bons
personagens para que, posteriormente, fosse possível a criação de múltiplas
histórias. Hoje, basta criar um universo que se sustente “sozinho” para ue este
dê vias a múltiplos personagens, múltiplas histórias que necessitam de
múltiplas plataformas para se dissiparem. Eis então que a tendência
transmidiática ganha espaço nas grandes produções, não somente
cinematográficas, mas também multimidiáticas em geral.
Mas da mesma maneira que Matrix conseguiu atingir este patamar, Tron,
mencionado anteriormente não obteve o mesmo sucesso. A pergunta que fica
é: Por que?
62
Graphic Novels (online e impressas) como um preludio ao filme (Tron Legacy).
Também pode ser “gamificado” em mini jogos online que introduziam o
espectador novo ao universo desenvolvido para o filme e ao mesmo tempo
atualizava aqueles que já vinham acompanhando a franquia desde o primeiro
filme.
Muito além, a Walt Disney expandiu Tron para os desenhos animados com
Tron Uprising, levado ao ar após a exibição do filme nas salas de cinema,
contando a história que levou até o ponto que a continuação começa. Isso
tudo, é claro, com uma boa dose de publicidade e divulgação maciça desse
conjunto transmidiático.
Mas essa discussão fica para o próximo capitulo, onde o foco será uma análise
um pouco mais detalhada das relações diretas e indiretas que Matrix tem ou
pode ter com o universo Tron e todo seu conjunto fílmico e transmidiático.
63
FINAL LEVEL – CONVERGINDO TRON E MATRIX
Vimos que Matrix foi o grande precursor das “produções transmidiaticas bem
sucedidas” e ue deixou um legado tão bem estruturado, que muitos outros
filmes tentaram utilizar a mesma “receita” ue resultou no sucesso ue foi toda
a franquia. Alguns atingiram parcialmente o mesmo objetivo, como Bruxa de
Blair, citado por Jenkins, outros quiseram mudar alguns ingredientes e
obtiveram um resultado “alternativo”, não negativo, pois o objetivo principal, o
da convergência das mídias, o de comunicar, de difundir a mensagem por trás
de toda a narrativa transmidiática, foi atingido. Que é o caso de Tron Legacy.
64
Podemos citar diversas produções que atingiram de maneira positiva, o ponto
principal da convergência das mídias. Avatar, já citado, é um exemplo onde
toda a produção visual permitiu uma vasta exploração entre as plataformas
multimidiáticas. Não só para divulgar o filme, mas também para dar força ao
imaginário do espectador sobre aquele universo inteiramente novo, utilizando
recursos como games online, interações com produtos de merchandising,
como os action figures e suas I-tags, e o próprio filme em questão.
65
Ou seja, para atingir o seu objetivo de “contar uma história”, o cinema possuía
diversos recursos ue, uando compostos, formavam um produto “completo” e
funcional, para os padrões da época.
Mas neste capítulo, o foco será uma análise das relações diretas e indiretas,
referências, inspirações, homenagens e outros diversos elementos que existem
na convergência entre Tron e Matrix e toda sua estrutura transmidiática.
Podemos dizer que um exemplo disso é a cena em que Sam Flynn é pego
pelos Black Guards e levado até uma sala que, aparentemente, pertence a
alguém que está no comando. Quando essa pessoa misteriosa se revela, Sam
vê nela a imagem de seu pai, mas exatamente com a mesma fisionomia e
juventude da época que havia desaparecido.
Nesse momento ele se dá conta que na verdade aquela pessoa não era Kevin,
mas sim CLU, programa criado a imagem e semelhança dele e, justamente por
66
ser um algoritmo quântico, digitalmente programado, não envelhece como
Flynn.
A cena que prossegue e a que leva o espectador até esse ponto montam um
conjunto de elementos diretamente relacionados ao universo dos games. O
primeiro deles e o mais escancarado é o nome que os próprios programas dão
para aquela situação: “Games”. Sam direcionado para os Games e lá ele se
vê obrigado a enfrentar adversários, de níveis de dificuldade diferentes e em
cenários diferentes.
Podemos dizer que esses são pontos mais primários que deram origem a
diversos games muito conhecidos que possuem a mesma premissa, como
Street Fighter, Mortal Kombat, Tekken, The King Of Fighters, onde todos
possuíam a mesma estrutura “b sica”: O jogador enfrentava oponentes em
cenários variados e os níveis de dificuldade iam aumentando até que ele
chegasse no ultimo oponente, o mais desafiador, o “chefão” e “zeraria o jogo”,
ou seja, chegaria ao final de sua jornada e poderia recomeçar toda sua
trajetória.
No caso de Tron, podemos dizer que a base é quase a mesma. Sam entra na
arena dos Games, enfrenta seu primeiro oponente com um nível de dificuldade
baixo. Em seguida é direcionado para o segundo um pouco mais complexo.
Após vencê-lo e “burlar” o sistema ele acidentalmente cai no nível de Rinzler,
um dos mais desafiadores. Após quase ser eliminado, Sam é reconhecido
como um usuário e é levado até CLU (Trecho descrito anteriormente) e em
67
seguida ele tem uma previa do que seria enfrentar o oponente mais forte, o
“chefão”, na Light Cycle Battle (batalha entre “motos de luz”).
Embora toda essa sequência tenha sido pensada linearmente, ou seja, cada
trecho tem um propósito na trama e na sequencia narrativa, pode-se dizer que
ela se inspirou na estrutura de alguns games, mencionados anteriormente,
para ambientar tanto o personagem, quanto o espectador no universo digital de
Tron Legacy.
Ele diz que o objetivo era criar um mundo sem imperfeições, sem guerras, sem
doenças, porem o que existe de mais imperfeito nesse mundo, são os próprios
humanos, e eles não sabiam lidar com toda essa “perfeição” e por isso várias
versões da Matrix foi criada posteriormente até atingir um nível que fosse
condizente ao que os seres humanos se adaptassem.
Supondo que Quorra, programa que saiu do Grid para o mundo real junto com
Sam no final de Tron Legacy, tenha sido a primeira “m uina” a integrar nosso
mundo, podemos dizer ue o portal permitia esse “intercâmbio” entre outros
68
programas e os seres humanos também e, com isso, a quantidade de
programas que saíram aumentou exponencialmente, inclusive daqueles que
defendiam fielmente os ideais de CLU, de criar um sistema perfeito. Isso levou
a humanidade a uma guerra na qual as máquinas estavam em grande
vantagem, em função das habilidades, do preparo e da resistência dos
programas envolvidos, isso é claro, alicerçado na construção da narrativa para
que, com o tempo ela pudesse se aproximar cada vez mais de uma realidade
palpável do que somente desse universo digital paralelo.
69
vezes mais explícitos, como visto anteriormente, como outros não tão objetivos,
como veremos mais à frente.
Mas para que isso aconteça, é preciso estar atento ao que cerca essas
produções. As tendências que estão rodeando projetos como este, situações
que promovem diálogos mais profundos e elaborados demais para se sustentar
em apenas uma plataforma multimidiática.
Matrix acaba ficando um pouco mais distante de tendências como essas, mas,
se pensarmos no que estava em alta na época, os Irmãos Wachowski
conseguiram explorar até o limite do imaginário do espectador, utilizando
elementos que constituíam o cotidiano das pessoas.
70
A ideia de que, o que conecta o corpo, a mente e o sistema digital, ser uma
rede como a de um telefone, representa muito bem o inicio da internet
distribuída massivamente, na qual a discagem era essencial para fazer a
conexão entre o usuário, a máquina e a rede mundial de computadores.
71
potenciais para uma evolução muito bem estruturada. Porém, não se
preocuparam em arriscar algo menos conhecido e explorado (como a realidade
aumentada, citada anteriormente) e tentar fazê-lo(a) uma nova tendência,
juntamente com estes elementos que já asseguravam uma boa narrativa
transmidiática.
Isso faz com que haja um contraste entre a intenção e os ideais, os quais
acabam se contrapondo no processo de convergência entre mídias. Jenkis cita
esse fato de uma maneira muito interessante quando diz:
Ao mesmo tempo ele consegue definir o problema e dar a solução para que a
convergência de mídias obtenha um resultado eficaz e atinja as massas de
maneira homogênea. Isso é claro se existir um certo desapego aos moldes
antigos e procurar explorar ao máximo as tendências que se apresentam ao
longo dos anos.
72
mais forte e claro no pensamento dos consumidores essa importante relação
que ele começa a exercer sobre as produções de conteúdo. Uma relação que
antigamente era apenas de um mero espectador que recebe a informação e a
única função que ele exerceria era de dissecar essas informações e tentar
compreende-las a partir de seu repertorio cultural, social, econômico, etc.
Podemos dizer que já faz parte do imaginário dos espectadores e fãs de ambos
os filmes, toda essa construção do universo, tanto em Matrix quanto em Tron.
Porém, mesmo com esse repertorio, as vezes as relações transmidiáticas
precisam ser destrinchadas antes de ganhar força como um produto concreto,
ou seja, dissecar cada recurso utilizado e tentar dissertar sobre as possíveis
relações entre eles, minimamente convergentes, antes de deixar que o
imaginário do espectador começasse o processo da cultura participativa.
Em Matrix, por exemplo, Trinity, por mais que seja a personagem feminina
predominante no filme, desde o começo mostra sua atitude “agressiva” e nem
um pouco frágil, em meio a situações adversas. Na cena de abertura do
primeiro Matrix, Trinity enfrenta sem hesitações uma serie de policiais armados,
73
foge dos agentes entre os telhados dos prédios, e consegue escapar com
sucesso de uma morte quase certa. Isso tudo sem auxílio de ninguém. Com
isso, os Irmãos Wachowski conseguiram caracterizar claramente para o
espectador o perfil e a importância que a personagem teria ao longo da trama.
74
(Figura 41 - Cena extraída do DVD Tron Legacy – 2011 – Disney)
75
responsável por ajudar a trazer o equilíbrio ao universo, tanto digital quanto
real.
Flynn também se sacrificou para que Sam pudesse concluir sua fuga junto com
Quorra, porém ele possui uma característica mais passional de evitar o
confronto e, de maneira bem simplória, abusa do ditado “em time ue est
ganhando não se mexe”. sso por ue a sua primeira reação ao receber Sam
em sua casa e descobrir os planos de CLU ele revela que só ficou preso no
Grid porque, para ele, arriscar ações agressivas ó trariam a ruína de tudo
aquilo que ele havia construído, então, a solução que pare ele era a mais
sensata, seria a de não reagir de maneira alguma. Ele deixa isso bem claro em
uma fala específica en uanto argumenta com Sam sua decisão: “Its his game
now... The only way to win is not to play...” (É o Jogo dele agora... A única
maneira de vencer é não jogar).
De acordo com Jenkins, “os mercados midi ticos estão passando por mais
uma mudança de paradigma.”. A ideia ue as novas mídias vão absorver as
antigas não é um conceito atual. Todo surgimento de uma nova mídia
76
inovadora vem acompanhado da premissa que alguma mídia similar, porém
não tão potente em termos de funcionalidade, praticidade e/ou tecnologia,
sucumbirá. Aconteceu com os livros online, que supostamente acabariam com
as bibliotecas e toda mídia impressa, com o CD que acabaria com todos os
vinis, com a internet e a ameaça que ela proporcionava perante a radiodifusão.
Porém, tendo em vista o repertorio que os diversos públicos possuem em
determinadas plataformas, fica difícil dizer que mídias com propostas
aparentemente similares, podem se sobrepor perante as massas.
Uma pessoa que aprecia uma boa música, por exemplo, sabe que o áudio
gerado pela reprodução do vinil é muito melhor do que aquele gerado por um
CD ou uma música em MP3 baixada da Internet. Um bom apreciador de mídia
impressa, prefere muito mais ter o prazer tátil de ler um livro, folhear página por
página, do que ter a praticidade de um Kindle. Isso é claro em linhas gerais,
não é possível quantificar em escala mundial esse tipo de preferência.
77
Pensando nisso, qual seriam as plataformas que mais se encaixariam no perfil
transmidiático e convergente entre Tron e Matrix? Arrisco dizer que todas, mas
podemos partir da premissa daquelas que já consagraram ambas as franquias.
Podemos dizer que Tron Legacy foi um exemplo de franquia que tentou seguir
essa “receita” de Matrix, porém muito à risca. A Disney disseminou seu
universo fílmico em quadrinhos, prelúdios, animações, trilha sonora, games, até
mesmo arriscou a reprodução de uma Graphic Novel no formato HTML5
(http://disneydigitalbooks.go.com/Tron/). Estruturalmente eles seguiam a
formula correta na construção de um produto transmidiático amplo e seguindo
as tendências que as tecnologias proporcionavam no momento. Mas talvez
tenha faltando um pouco mais de atenção aos detalhes, como por exemplo o
público que estava sendo destinado essa franquia.
Como o próprio Jenkins menciona, Matrix foi criado para um público mais
seleto, mas ao mesmo tempo, sem nenhum repertorio sobre a franquia e seus
derivados, ou seja, toda a estrutura foi montada do zero, sem nenhum legado a
ser herdado. Contrário de Tron Legacy que, como o próprio nome sugere, vem
de um legado muito bem construído vindo do primeiro Tron (1982).
78
O primeiro filme, como já mencionado anteriormente, foi um marco na história
do cinema por seus recursos inovadores e tecnologicamente avançados para a
época. A sua estrutura fílmica não fugia muito dos padrões Hollywoodianos,
mas seus efeitos visuais e toda a construção daquele universo nunca visto
antes, fizeram de Tron uma referência em ficção cientifica e em efeitos visuais,
para aquela época.
E é em cima desse legado que Tron Legacy cria sua estrutura. Ao contrário de
Matrix, essa franquia não pode simplesmente zerar toda a construção fílmica e
referencial que o primeiro filme definiu, a menos é claro que fosse feito um
reboot, ou seja, uma refilmagem do primeiro, mas mesmo assim, “jogando fora”
todo o legado do filme anterior, corria o grande risco de se tornar uma franquia
fracassada em diversos sentidos, como foi a refilmagem de O Vingador do
Futuro (Total Recall – 2013) que não agradou os fãs por fugir muito do universo
apresentado no filme original.
79
espectador possa ver uma cena inteira em sua cabeça somente ouvindo a
trilha sonora.
Ela foi composta cena a cena, pensando no tom que elas teriam e na melhor
maneira de representar musicalmente um determinado momento do filme (The
Making-Of of Tron Legacy). A primeira música que disponibilizaram foi The
Game Has Changed, que, além de sintetizar o que o espectador veria na tela,
tamb m consegue inserir os “usu rios” no universo denso ue seria o novo
Tron.
A partir daí, ao longo da trama era possível notar essa mesma característica
nas intervenções dos efeitos sonoros na trilha, que determinadas cenas
ressaltavam. Entre elas, própria Light Cycle Battle, é uma das que possui mais
onomatopeias vindas de games conhecidos, como Mario, Sonic e Space
Invaders. Em um momento, mas especificamente, quando a arena está sendo
erguida e uando uma das Light C cles passa sobre um “b nus point” é nítido
a inserção desses recursos.
80
Em Matrix isso ocorre também, mas talvez não seja o ponto mais forte a ser
explorado. Embora a trilha sonora, quase toda composta por Rob Dougan,
tenha tanto cuidado quanto, principalmente no que condiz a condução da cena;
conseguimos acompanhar auditivamente o início, o engrandecimento, o clímax
e o desfecho de cada cena em sua respectiva trilha.
81
(Figuras 42 e 43 - Print do flyer online de divulgação do evento)
Entre os que seguiam seu legado estava Alan Bradley, melhor amigo de Kevin
e o herdeiro temporário do império que ele havia construído. Inclusive o evento
divulgado no flyer teria Bradley como host, ou seja, apresentador.
No viral, durante o evento, Sam Flynn interrompia uma fala de Bradley saltando
de paraquedas sobre toda a plateia, tomando toda atenção para si. Essa ação
de Sam não era apenas para a construção da cena, mas, posteriormente,
veríamos que fazia principalmente parte da construção fílmica do perfil físico e
psicológico do personagem. No longa, na cena de “apresentação” de Sam já
adulto, ele repete a mesma proeza, porem de maneira diferente, saltando
dessa vez da Encom Tower, prédio sede da empresa herdada de seu pai.
sso fazia parte do desfecho de sua “pegadinha anual”, na ual Sam sempre
procurava sabotar de alguma maneira grandiosa a antiga empresa de seu pai,
agora sob o controle dos acionistas majoritários.
82
consegue fazer a associação completa e, mesmo aqueles que não tiveram
acesso aos meios de divulgação antes de assistir ao filme, puderam
acompanhar as mesmas produções através de outros meios. Interessante
como, independente da ordem que essas sequencias são vistas, o resultado
final ainda continua o mesmo, auxiliando o espectador na imersão do filme e de
seus personagens.
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toda a informação seria de livre acesso para todos os lados. Mas, a partir do
momento que uma rebelião eminente desses programas se instaura, Flynn
percebeu que o livre transito de informações poderia ser um desastre sem
proporções. A brecha, nesse trecho, seria a falta de detalhes sobre a criação
desse sistema, quais foram suas bases, proporções, falhas, etc. Bem como
ocorre em Matrix.
Infelizmente, ou felizmente, toda essa construção, até este ponto, não passa de
insights e, como o próprio Jenkins se define, faz de mim mais um membro na
comunidade do conhecimento e da cultura participativa. E como o próprio nome
sugere, para ganhar força e consistência necessária para atingir o público
desejado, precisa fazer parte de um conjunto mais amplo de relações, não
somente entre as mídias, mas entre o espectadores ativos/participativos que,
quase sempre, agregam valor ao todo da obra:
84
expertise combinada das comunidades alternativas.
(Jenkins, 2006, p.186)
Essa visão de Jenkis define bem o panorama a ser explorado a partir das
diversas construções de produtos multimidiáticos e transmidiáticos, mostrando
que a tendência esta alicerçada na participação ainda mais ativa e colaborativa
dos públicos alvo dessas produções.
Podemos dizer que isso foi muito bem explorado pela Disney e os produtores
de Tron Legacy desde o início do desenvolvimento do longa. No dia da Comic-
Con, conferencia de quadrinhos, filmes, series, onde foi mostrado o tesar da
continuação de Tron, detalhado anteriormente no capitulo a respeito do
mesmo, o diretor Joseph Kosinski, aproveitou a energia da plateia que estava
eufórica com as novidades sobre a franquia e pediu para que eles repetissem
algumas palavras, no ritmo que fossem aparecendo no telão e, se fossem bem
executadas, todos ali presentes fariam parte de Tron Legacy.
Isso nada mais foi do que uma brincadeira simples em que, de maneira simples
e eficiente, eles conseguiram utilizar o conceito da cultura participativa, bem
primariamente, para dar mais força e instigar a curiosidade do
público/espectador sobre o resultado que aquela movimentação geraria.
85
parte dessa construção, buscaram no longa o resultado dessa participação.
Isso faz com que a expectativa sobre a trama aumente e faz com que o
espectador se sinta ainda mais parte daquele conjunto como uma experiência
emissiva, além de outros recursos como o 3D e os efeitos visuais envolventes
ao longo do filme.
Claro que podemos dizer que isso foi uma jogada muito esperta de marketing
de filme, por parte da Disney, pois isso fez com que boa parte da divulgação do
filme se concentrasse nesses “easter eggs” ao logo de todo o processo criativo.
Podemos dizer que o resultado foi ainda mais interessante do que Tron, do
ponto de vista da cultura participativa, pois os donos dos veículos não
participaram somente com o empréstimo de seus carros, mas eles próprios
participaram das cenas, mostrando as peculiaridades de cada modificado
(motor, som, acessórios, etc.), porem, mantendo sempre o mistério de qual
cena aquela participação feria parte e em qual momento, quanto tempo
apareceria. E, assim como em Tron Legacy, o resultado não desapontou os
participantes, o diretor fez questão de mostrar cada escolhido, nem que por um
segundo, para que todo aquele conjunto fizesse sentido, do ponto de vista da
colaboração participativa.
86
carros mexidos para participar da continuação de Velozes e Furiosos, eles
conseguiram muito mais do que o esperado, gerando até certa dificuldade de
selecionar os que mais agradavam, de acordo com os produtores no
documentário 2 Fast 2 Furious Making Of.
Não que essa estratégia não tenha sido utilizada, pelo contrário, filmes como o
próximo Superman que contara com uma participação importante de Batman,
já tinha sido especulado e até mesmo divulgado por fás em vídeos e trailers
fake a anos. A Warner, responsável por ambas as franquias (Batman e
Superman) se aproveitou de todo esse fervor e “fetiche”, por assim dizer, ue
os fás tinham de ver um crossover entre estes personagens tão marcantes da
DC comics, que decidiram investir pesado em uma produção, agora real, desse
longa.
Além é claro de terem visto que esse tipo de investimento permite um resultado
mais do que rentável e explora as variáveis dos personagens que saem de seu
mundo para convergir com a realidade de outros que seriam do mesmo
universo. O que podemos ver claramente no processo de criação que teve
como resultado Avengers (Os Vingadores, 2012), que contemplava a
participação de Homem de Ferro, Capitão América, Thor, Hulk e outros
personagens conhecidos dos quadrinhos.
Mas este processo não nasceu da noite para o dia. A Marvel teve um trabalho
de anos, estruturando muito bem individualmente cada personagem, e
costurando as tramas com elementos muito marcantes e representativos.
Talvez o mais importante deles seja a participação frequente e, quase sempre,
87
muito rápida do personagem Nick Fury (Samuel L. Jackson) em quase todos os
filmes (nos que ele não aparece ele acaba sendo mencionado em alguma fala
de algum personagem relacionado a ele).
Ele surgiu pela primeira vez nos créditos de Homem de Ferro, já de maneira
bem direta e objetiva, sobre suas intenções e importância para a franquia,
dizendo para Tony Stark que tem uma proposta para oferecer, além de apenas
ser um super-herói solitário. Nesse momento ele diz que gostaria de falar sobre
a “ niciativa Vingadores”.
A repercussão dessa cena que durava pouco mais de 30 segundos foi tamanha
e de tal importância, que inclusive nos quadrinhos, a Marvel mudou a “cor” do
personagem Nick Fury de caucasiano para negro.
88
Mas o mais interessante não são apenas esses easter eggs que Hollywood já
sabe tirar de letra a tempos, mas é a maneira que os produtores conseguem
construir um processo de crossover muito bem elaborado, onde não só os
elementos, mas as cenas também se relacionam de alguma maneira.
Tomando como exemplo esta mesma cena pós créditos de Homem de Ferro 2,
podemos vê-la mais detalhadamente e estendida no próprio filme do Thor,
onde o diretor utilizou o “gancho” deixado anteriormente para explorar toda a
construção de uma série de sequências até aquele ponto (no filme vemos o
martelo caindo, em seguida vários homens tentando retirá-lo de lá e por fim
todo o esquema da SHIELD tentando mantê-lo em sigilo e o próprio Thor
invadindo esta área e tentando recuperar seu martelo).
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Foi então que o estúdio se aproveitou deste resultado tão assertivo para
começar a pensar em seu próximo personagem, talvez o segundo mais
carismático e querido entre os fãs de quadrinhos: Superman.
Então, para a surpresa de muitos, o resultado foi quase tão positivo quanto o
que Batman Begins, primeiro filme da trilogia do Cavaleiro das Trevas, atingiu.
Na imagem acima (print do próprio filme) quase que imperceptível, está o logo
da Wayne Enterprises, empresa de Bruce Wayne, mais conhecido como
Batman.
90
(Figura 48 – foto retirada do site promocional da Warner, 2013)
Esta foi a imagem que a Warner utilizou na última Comic-Con para divulgar o
lançamento do filme que fará o primeiro crossover entre os personagens da DC
Comics.
Isso gerou muitas revoltas, indignações, exaltações por todos os lados - Posso
dizer que como fã, também me revoltei com essa decisão, porém, da última vez
que me revoltei com a escolha de um ator, foi quando escolheram o falecido
Heath Ledger como o Coringa de O Cavaleiro das Trevas...
Mas ao mesmo tempo, essa notícia, gerou uma série de artes, teorias,
suposições que estão auxiliando os estúdios no direcionamento correto da
franquia, ou seja, eles estão se aproveitando do repertorio e do feedback dos
fãs, do público alvo, para moldar a narrativa e todos os seus elementos de
convergência.
91
Voltando aos objetos de nosso estudo, se pensarmos em todo feedback que os
espectadores forneceram de Tron e Matrix, não podemos definir padrões e
nem especular soluções muito definidas, principalmente por ambos estarem
divididos entre os que amam, os que não se importam e os que odeiam, assim
como deve ser com a grande maioria das produções cinematográficas.
Sendo então uma proposta de um projeto a longo prazo, até mesmo se fosse a
curto prazo, as grandes produções mostraram que, o que garante a sua
grandiosidade por gerações é, quase sempre, o fato de estar à frente de seu
tempo, não só se tratando de uma produção futurista, mas com elementos e
perfis psicológicos, sociais, culturais que quebram barreiras temporais com
recursos que, inicialmente, podem até gerar um estranhamento no público
espectador, mas, como o próprio Jenkis defende, a convergência está sempre
em constante mudança e o seu público muda, cresce, evolui, junto com cada
elemento que ao longo dos anos vai agregando ainda mais valor fílmico a esse
tipo de produção:
92
“A convergência das mídias é mais do que apenas uma
mudança tecnológica. A convergência altera a relação
entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros
e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a
indústria midiática opera e pela qual os consumidores
processam a notícia e o entretenimento.” (Jenkins, 2006,
p.43)
93
Já em Matrix, cada sequência fazia com que o espectador imergisse ainda
mais no universo e na “realidade” humana da uela narrativa. sso proporcionou
um olhar mais clinico e detalhado sobre todas as crenças de Morpheus, por
exemplo, sobre as atitudes de Trinity e as proezas de Neo, criando sempre a
expectativa, desde o início da franquia, se Neo era realmente o escolhido que
traria a salvação de Zion e o fim da guerra com as maquinas.
Tudo isso, faz com que os espectadores, assim como as multidões de Zion,
mudem a sua interpretação sobre os fatos e sobre as personagens, fazendo
com que, enquanto a convergência entre as múltiplas plataformas midiáticas se
estruturam, eles possam acompanhar e agregar um peso necessário para que
a produção se solidifique cada vez mais e permita possibilidades posteriores.
A prova desse resultado foi o feedback dos fãs de Matrix depois do termino da
franquia que especularam diversas alternativas, explicações, teorias, etc. Sobre
o real significado daquela cena final em que termina com o Oraculo,
supostamente reprogramada pelo ex-agente Smith, conversando com o
Ar uiteto en uanto um “sol”, ue não havia aparecido em nenhum dos filmes
da franquia, se põe e os créditos sobem.
94
Algumas pessoas defendiam que aquele era apenas o começo de uma nova
sequência, outros ainda acreditavam que aquele sol representava o retorno de
Neo e da esperança de Zion e da humanidade remanescente. Mas, como parte
do jogo transmidiático e da convergência estruturados pelos Irmãos
Wachowski, até hoje o público continua criando suas próprias teorias e
explicações para o final da trilogia Matrix, o que prova que, com todos os
recursos para a criação desse projeto, conseguiram criar e perpetuar o
universo da convergência para diversas gerações, fazendo com que a cada
nova linhagem, novas interpretações possam enriquecer ainda mais essa
franquia.
Uma coisa que ambas as franquias fazem muito bem é contar suas respectivas
histórias. O que quero pontuar aqui é a maneira com que a história em contada
em ambo os filmes, partem da premissa básica da linearidade. Mesmo com
todos os elementos complexos, em nenhum deles existe um recorte da história
que se encaixa somente no final, como o filme Amnesia (Memento, 2000,
Christopher Nolan), por exemplo.
95
de um quebra cabeça mais do que embaralhada e apresentada de maneira que
o espectador a monte.
Interessante notar como esse tipo de estrutura fílmica ainda não é algo comum
nas grandes produções multimidiáticas, tanto que no DVD do filme Amnesia, o
espectador que não teve facilidade de encaixar as peças do quebra cabeça
apresentado no filme, podia assisti-lo de maneira linear, começo, meio e fim,
para que, dessa maneira, os produtores, diretores, roteiristas, etc.
Conseguissem atingir o objetivo de contar a sua história.
Claro que a intenção nunca foi entregar ao público a trama de maneira tão
simplória, porque isso faria com que a proposta inicialmente apresentada
perdesse seu propósito, mas isso não deixou de garantir a função primaria de
uma narrativa cinematográfica: contar uma história.
Mas voltando aos objetos de nosso estudo, Tron e Matrix, será que,
aproveitando a linearidade quase que intocável de ambas as franquias, se
caminhássemos no sentido contrário, da não linearidade, teríamos o mesmo
efeito ou um mais efetivo nesse processo de criação?
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Agora, podemos estabelecer uma relação direta com o teletransporte criado no
universo Matrix, no qual a diferença é que só o que é transferido é a mente da
pessoa, e não mais o corpo junto. Isso porque os humanos começaram a
perceber que eles se viam em desvantagem dentro do sistema digitalmente
controlado pelas maquinas e mais facilmente eliminados quando a válvula de
escape para o mundo real era mais complexa na necessidade de transferir
corpo e mente. Vide a dificuldade e toda a jornada de Sam, filho de Kevin, para
tentar retornar para o mundo real, levando consigo Quorra.
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certa vantagem com relação as maquinas nesse transportes, eles não
conseguiram evitar que a mente de uma dessas maquinas, de um desses
programas (Smith), tomasse conta de um corpo humano, pelo mesmo canal
que eles se conectavam com o sistema.
Em Matrix, por exemplo, na cena em que Neo chega ao templo e uma multidão
o aguarda para ue ele possa fazer seus “milagres” todos estão com vestes
simples que lembram as únicas utilizadas e descritas nos tempos bíblicos. Até
mesmo o fato de ter se tornado um símbolo de esperança e de salvação, Neo
também se assemelha a mistificação criada em cima da trajetória de Jesus
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Cristo na terra, a qual levava para o mesmo destino inevitável: O sacrifício em
prol da humanidade.
Claro que tudo isso envolve questões que levam crenças e superstições ao
nível prioritário, porque, se pensarmos em grupos que não tem a religião como
base de suas crenças, nenhum desses itens acabam tendo tanta importância
na construção da convergência e acabam se tornando meros recursos para
atrair públicos variados, levando em consideração o todo do projeto.
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GAME OVER
Vimos que Matrix foi o grande precursor das “produções transmidiaticas bem
sucedidas” e ue deixou um legado tão bem estruturado, ue muitos outros
filmes tentaram utilizar a mesma receita. Alguns atingiram parcialmente o
mesmo objetivo, como Bruxa de Blair, citado por Jenkins, outros quiseram
mudar alguns ingredientes e obtiveram um resultado “alternativo”, não
negativo, pois o objetivo principal, o da convergência das mídias, o de
comunicar, de difundir a mensagem por trás de toda a narrativa transmidiática,
foi atingido. Que é o caso de Tron Legacy.
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As questões que levam a hipótese de que as grandes produções
transmidiaticas se sustentam a partir de recursos financeiros, ou seja, são
financiadas por grandes empresas para que essa convergência entre mídias
consiga atingir seu objetivo principal: rentabilidade. Não tenho certeza se essa
seria a motivação mais relevante para este tipo de proposta, mas ao mesmo
tempo, não tem como negar sua importância para que uma proposta
transmidiática e complexa ganhe vida e suporte para as diversas mídias.
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Morpheus, como conseguia estar sempre no lugar certo e na hora certa...
Mesmo essa sequência permitindo esses tipos de questionamentos.
Foi a partir dela também que foi possível traças uma proposta autoral e
totalmente inovadora, cinematograficamente falando, em função das relações
que, mesmo muito similares e convergentes, não ficam tão evidentes como as
que acontecem dentro das produções individualmente, no caso, em Tron e em
Matrix.
Ouso até arriscar dizer que essa tenha sido a falha em Tron Legacy.
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Até este ponto a Disney seguiu a receita fielmente e teria alcançado um
sucesso tão bom quanto o de Matrix, transmidiaticamente falando, se não
tivesse esquecido de alguns detalhes cruciais ao longo desse processo. O
primeiro deles foi que, antes de pensar em toda uma proposta mais ousada, os
Irmãos Wachowski estabeleceram uma base sólida com o primeiro Matrix e
quase que inegavelmente inspiradora e somente a partir daí que começaram
os trabalhos de pensar em como contar essa mesma história e suas
sequências, transmidiaticamente. Ou seja, quase não haviam imperfeições no
enredo, personagens, conceitos, etc. Que anulavam a proposta mais ousada
dos Wachowski.
Buracos como o que não se preocupa em explicar como Kevin Flynn conseguiu
acesso a um transporte quântico e como ele conseguiu ser teleportado
fisicamente, com suas roupas, acessórios e outros itens, se intensificaram na
sequência em que Sam também é teleportado, da mesma maneira (inclusive
pela mesma máquina) e, ao chegar ao Grid, ganha uma espécie de armadura,
ou roupa de combate, substituindo sua roupa original. Mas o mais interessante
é o fato de que Sam retorna do Grid para o mundo real exatamente com a
mesma roupa que entrou e, seguindo a referência do próprio Kevin Flynn, o
portal é uma via de duas mãos, ou seja, da mesma maneira que Sam pôde
entrar, alguém poderia sair. Então, Sam não deveria ter saído com seu
“uniforme” imposto no Grid?
Esse apenas um dos detalhes ue ficaram “mal explicados”, por assim dizer,
que, à primeira vista parece algo inofensivo e que não oferece risco ao
desenvolvimento de uma proposta tão ousada quanto criar um universo único e
homogêneo através dos conceitos da transmídia. Mas no conjunto da obra, são
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pontos que não permitem que todos os espectadores façam essa imersão por
completo em todas as multiplataformas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHRISTOFOLI, Eduardo Pires. O Renasciemnto do 3D. Ed. 17, Vol 9 – Rio Grande
do Sul – 2011
EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Seqüencial. Luis Carlos Borges (Trad.). São Paulo:
Martins Fontes, 1989
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MANOVICH, Lev. The language of New Media. Cambridge: MIT Press, 2001
SANDERS, Julie. Adaptation and appropriation. New York (USA): Routledge, 2006.
SCHELL, Jesse. A arte do Game Design: o livro original. Rio de Janeiro: Elsevier,
2010
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LISTA DE IMAGENS
Figuras 22, 23 e 24 tiradas do Livro The Art of Tron Legacy – 2010 – Pg.31
Figura 31 – Quadros do Graphic Novel online The Cobol Job – 2010 – Pg. 44
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Figura 35 – Print de minha própria i-tag com a interação entre um Banshee,
criatura de Pandora e uma nave militar humana. – Pg.52
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