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Dissertação - ADÉLE CRISTINA BRAGA ARAÚJO
Dissertação - ADÉLE CRISTINA BRAGA ARAÚJO
ESTÉTICA EM LUKÁCS:
REVERBERAÇÕES DA ARTE NO CAMPO DA
FORMAÇÃO HUMANA
FORTALEZA – CEARÁ
2013
1
ESTÉTICA EM LUKÁCS:
REVERBERAÇÕES DA ARTE NO CAMPO DA FORMAÇÃO
HUMANA
FORTALEZA – CEARÁ
2013
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CDD: 370.1
3
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―/.../ As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida
prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam
(os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em
que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação‖
Carlos Drummond de Andrade
5
AGRADECIMENTOS
Aos queridos orientadores, pela oportunidade da convivência nesses dois anos e pelos
valiosos ensinamentos. À Profª. Ruth, por me acompanhar desde a graduação, como
pesquisadora de Iniciação Científica, por me fazer entender, de forma mais leve, que toda essa
contradição em que estamos inseridos é passível de mudança; uma transformação radical, a
partir de outra sociabilidade e, também, por toda desmesurada assistência e considerações a
respeito do objeto. Ao Prof. Deri, por me ver engatinhar nos primeiros estudos sobre estética,
a estética marxiano-lukacsiana, por me ver dar tropeços e, em retorno, dar apoio, por acalmar
as angústias e por toda a imensa contribuição com sua leitura mais apurada.
Aos professores que aceitaram o convite para o exame deste trabalho, por todas as
contribuições dadas. À Profª. Susana, por fazer o ―coração desta dissertação bater‖, tendo em
vista a necessidade de inserir na discussão a gênese da estética. À Profª. Betânia, que traz, de
maneira clara e objetiva, dados e questionamentos suficientemente pertinentes e oportunos
para qualquer objeto de estudo. Ao Prof. Valdemarín (Mário), por ter aceito, mesmo sem ter
participado do exame de qualificação, analisar o texto final.
Aos grandes amigos que fiz durante o decurso de minha vida, especialmente àqueles que
estiveram mais próximos nesses dois anos, que me permitiam as discussões sobre arte,
imersas nesse cotidiano tão embrutecedor, que, contudo, torna-se mais leve quando há pessoas
que primam por uma sociedade efetiva e irrestritamente igualitária a todos, diferente desta em
que estamos inseridos. Não citarei nomes para não correr o risco da ausência momentânea de
algum.
RESUMO
Este trabalho tem como premissa compreender o estudo das relações entre a estética e o processo de
formação humana, a partir da tradição concebida por Marx-Engels-Lenin, recuperada por Lukács, que
reverbera o trabalho como ato-gênese do ser social. Enceta-se a pesquisa, no primeiro capítulo,
intitulado: Gênese, evolução e contexto da Estética I de Lukács: uma síntese, a qual reconhece o
pensamento estético lukacsiano como um contraponto às demais formas de pensar a estética e
considera, ademais, um delineamento da trajetória de Lukács sobre suas elaborações no campo de
reflexão artística. O segundo capítulo apresenta como título: Súmula da estrutura da Estética I: das
condições humanas que se expressam na realidade cotidiana às objetivações superiores, e trata da
cotidianidade como solo de rebatimento das atividades realizadas pelo homem em meio às categorias:
antropomorfização e desantropomorfização; imanência e transcendência; homem inteiro e homem
inteiramente, as quais comprovam que Lukács está tratando de outra estética, uma nova estética, uma
vez que esta é articulada ao complexo histórico e social. Por fim, o terceiro capítulo, denominado: A
arte e a capacidade de refletir: ―o aqui e agora‖ histórico traz elementos sobre a sociedade
contemporânea e sua arte precária na conjuntura capitalista em crise profunda, o qual apresenta como
se desenvolve a fragmentação dos sentidos humanos. O estudo caracteriza-se como bibliográfico-
documental, tendo como base teórica a ontologia marxiano-lukacsiana e alguns de seus interpretes
centrais. Este debate pretende, apoiado nas leituras e na análise da obra lukacsiana, sustentar ser a arte
uma atividade espiritual superior que confirma a humanidade do homem. Em uma conjuntura de crise
aguda do sistema capitalista, vivenciada nos dias atuais, assistimos, a reboque dessa crise, o complexo
artístico se empobrecer fortemente. Apesar de reconhecer que apenas a superação radical da sociedade
dividida em duas classes poderá levar o homem a desfrutar de um estado pleno do desenvolvimento
dos sentidos estéticos e, consequentemente, do deleite artístico, a arte, mesmo que imersa em um
cotidiano tão embrutecido, pode, através de sua reverberação, enriquecer o indivíduo, soerguendo-o a
determinados aspectos que potencializam sua condição de partícipe do gênero humano. Nesse sentido,
a pesquisa intenta, sumariamente, dar um passo em direção ao aclaramento da existência da Estética
Marxista, recuperada e formulada, em grande medida, pelo esteta húngaro Georg Lukács.
ABSTRACT
This work intends to understand the relationships between the study of aesthetics and the process of
human formation, from the tradition conceived by Marx-Engels-Lenin, reclaimed by Lukács,
reverberating work as act-genesis of social being. We Initiate the research, in the first chapter, entitled:
Genesis, evolution and context of the Lukács‘ Aesthetic I: a synthesis, which recognizes the Lukács‘
aesthetic thought as a counterpoint to the other ways of thinking about aesthetics, and considers,
moreover, a delineation of the trajectory of Lukács on their elaborations in the field of artistic
reflection. The second chapter presents the headline: Summary of the structure of Aesthetics I: from
human conditions that are expressed in everyday reality to superior objectivations, and deals with
everyday life as ground of controverting the activities performed by man into the categories:
anthropomorphization and desanthropomorphization; immanence and transcendence; whole man and
man entirely, which show that Lukács is coping with another aesthetic, a new aesthetic, since this is
hinged to the historical and social complex. Finally, the third chapter entitled: Art and the ability to
reflect, historical "here and now" brings elements on the contemporary society and its precarious art
onto the conjuncture of the deep capitalist crisis, which shows how it develops the fragmentation of
the human senses. The study is characterized as bibliographic-documentary research, based on the
theoretical Marxian-Lukacsian ontology and some of its central performers. This discussion aims,
supported by readings and analysis of Lukacsian work, to sustain being arts a superior spiritual activity
that confirms the humanity of man. In a situation of acute crisis of the capitalist system, as it is
experienced nowadays, we watch as consequence of this crisis, the complex of art impoverish
strongly. However, despite the recognition that only a radical overcoming of the society which is
divided into two classes can lead man to enjoy a state of full development of the aesthetic senses and
consequently, the artistic delight, art itself, even when it is immersed in such a brutalized routine, is
able to, through its reverberation, enrich the individuals, raising them to certain aspects which
approach them to the condition of human race participant. In this sense, the research attempts, briefly,
to take a step toward clearing the existence of Marxist Aesthetics, largely recovered and formulated by
Hungarian esthete Georg Lukács.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS............................................................................................................. 09
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 10
Anexo A – Lei Rouanet aprova Rita Lee e Cláudia Leitte (O POVO) ......................... 111
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – As proporções do corpo humano segundo Vitruvio c. 1490, ponta metálica, bico
de pena e tinta, traços de aquarela sobre papel branco. 34,4 X 24,5. Veneza: Galeria da
Academia .................................................................................................................................. 74
Figura 2 – Gioconda (1503-1505), óleo sobre painel. 77 X 53. Paris: Museu do Louvre ...... 75
10
1 INTRODUÇÃO
Não havíamos, até então, estabelecido relação entre trabalho e arte na formação
do ser social, pois situávamos as indagações no ―como‖ em detrimento do ―o que‖ ensinar. A
1
Monografia intitulada: A arte na educação contemporânea e seus limites à formação humana: um estudo à luz
da ontologia marxiano-lukacsiana, trabalho orientado pela profa. Ruth Maria de Paula Gonçalves, que
impulsionou a escrita desta dissertação, trabalho este que pretendeu se articular e se somar aos estudos coletivos
desenvolvidos no Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO.
2
Referimo-nos ao contexto do IMO, com o desenvolvimento de projetos de pesquisas, monografias, dissertações
e teses sobre as categorias: trabalho, alienação, ideologia, dentre outras, bem como estudos que perpassam a
estética lukacsiana, amparados na ontologia marxiano-lukacsiana.
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trocaram correspondência3 com o filósofo húngaro, que se dispôs a discutir o marxismo com
os jovens estudiosos brasileiros interessados na teoria que melhor explica a realidade. Durante
a troca de cartas, conseguiram o aval de Lukács para a publicação de algumas obras, dentre as
quais, destacamos: Ensaio sobre literatura (organizada por KONDER, 1965a); Introdução a
uma estética marxista (tradução de COUTINHO e KONDER, 1968a); Marxismo e teoria da
literatura (organizado por COUTINHO, 1968b); Literatura e vida (tradução de COUTINHO
da entrevista concedida por Georg Lukács a Istvan Simon e Erwin Gyertyan. In: Conversando
com Lukács, 1969).
3
A correspondência pode ser encontrada em dois livros, quais sejam: Lukács e a atualidade do Marxismo
(2002), organizado por Pinassi e Lessa. Além das cartas, os organizadores do livro fazem uma entrevista com
Konder e Coutinho, na qual relatam como sucedeu o processo de inserção da obra lukaciana no Brasil. Outro
livro onde podemos encontrar as cartas é de autoria de Coutinho: Lukács, Proust e Kafka: literatura e sociedade
no século XX (2005).
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4
Anunciamos que trabalharemos com a edição espanhola da Estética I, traduzida por Manuel Sacristán,
autorizada por Lukács, publicada em 1965. A publicação espanhola foi dividida em quatro volumes, pela
Ediciones Grijalbo. A edição que utilizamos para o desenvolvimento desta dissertação foi impressa em 1982.
14
publicado, no ano de 2012, o livro: Ontologia, estética e crise estrutural do capital: uma
coletânea de estudos classistas, organizado por Santos, Costa e Jimenez.
Desse modo, a presente dissertação encontra sua relevância por contribuir para o
entendimento do papel da atividade criadora/receptora no aprimoramento dos sentidos,
apontando para a possibilidade de elevadas expressões no processo de humanização, a partir
da superação da sociabilidade regida pelo capital, na qual a maioria do conjunto da
humanidade é privada de desenvolver potencialmente suas essenciais capacidades humanas.
No entorno dessa discussão, o objetivo dessa pesquisa é estudar das relações entre
a estética e o processo de formação humana, a partir do postulado marxiano-lukacsiano,
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reverberando o trabalho como ato-gênese do ser social. Para atender a proposta geral,
elencamos nossos objetivos específicos, quais sejam: 1) analisar e resgatar uma síntese das
contribuições da estética lukacsiana no que compete à sua gênese, desenvolvimento e
contexto; 2) descrever a estrutura proposta pelo esteta húngaro, tendo em vista as condições
humanas objetivas, bem como as objetivações superiores; 3) elucidar a forma como a arte
reflete o ―aqui e agora‖ histórico, investigando como e por quais mediações dá-se a
fragmentação dos sentidos, diante da conjuntura capitalista.
Iniciamos nossa leitura com as categorias discutidas nos espaços que nos
proporcionaram configurar o objeto, tendo em vista a necessidade de um melhor exame
desses conceitos, encetamos nosso trabalho, com o primeiro capítulo, titulado Gênese,
evolução e contexto da Estética I5: uma síntese, reconhecendo a estética lukacsiana como um
contraponto às demais formas de pensar a estética. Em seguida fazemos um esboço da
trajetória de Lukács sob as questões estéticas.
Antes de tudo, julgamos necessário anunciar que Marx não escreveu um tratado
sobre a Estética, mas seu arcabouço teórico deu indicações a uma estética marxista. Lukács,
sustentado pelo lineamento marxiano, pode dar forma a uma nova ontologia e a configuração
5
Mencionamos como Estética I, no decorrer do trabalho, o título da primeira parte da obra de Lukács, única
publicada do projeto inicial, o qual conteria três partes. No Capítulo 1, desta dissertação, explanaremos melhor
esse assunto.
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Nunca Platão foi tão atual7, considerando a valorização do belo8 defendida pela
concepção de estética a que nos referimos no parágrafo anterior, veiculada em larga escala.
No entanto, o ‗cuidar‘ do corpo se aplica aos padrões ditados pela sociabilidade vigente,
irmanados com a grande indústria do comércio. Isso reflete aspectos da crise estrutural9 que
atinge o sistema metabólico do capital, o qual dissimula todas as relações e a totalidade de
complexos, em favor da conservação dos padrões por ele estipulados e do próprio preceito
conduzido pelo capital.
6
As teorias pós-modernas tem se apegado às representações, ao simbólico, ao apelo imagético, inóspito,
desvinculado da materialidade, da base histórica e social que engendra a estética, para examinar o que quer que
seja, em nome da pluralidade, advogando que a ontologia marxiana ―já não dá respostas‖.
7
Tonet (2007) afirma que foi entre os gregos e romanos que se iniciou a necessidade de formar o corpo e o
espírito, através de exercícios que visavam possibilitar o completo desenvolvimento das propriedades espirituais.
Entretanto, tal formação estava apenas ao alcance daqueles que podiam dedicar seu tempo integral a essas
atividades, ou seja, o abismo contraditório entre o dedicar-se ao espírito ou ao trabalho material.
8
Platão sintetizou o ensaio do Belo concebido pela cultura até seu tempo, o que deu a esta experiência uma das
mais cabais interpretações filosóficas sobre o tema (NUNES, 2010).
9
De acordo com Mészáros (2000, p.7), o mundo passa por uma crise jamais vista. ―/.../ Sua severidade pode ser
medida pelo fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais ou menos extensa, como as
vividas no passado, mas a uma crise estrutural, profunda, do próprio sistema do capital‖.
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fundamento e julgamento o curso do belo, o aprazível e aquilo que causa o deleite. Foi por
volta de 1750, entretanto, ao tornar publico o livro Aesthetica, que Baumgarten10 estabeleceu
a terminação no campo filosófico (SANTOS, 2003). O filósofo alemão Baumgarten, também
professor da Universidade de Frankfurt, sistematizou a Estética, diante das outras disciplinas,
definindo o Belo como ‗percepção do conhecimento sensível‘. Assim, constituiu uma divisão
da Estética em duas partes, a primeira teórica, ―/.../ onde estuda as condições do conhecimento
sensível que corresponde à beleza‖ e a segunda prática, a qual se atribui a ―/.../ criação
poética, chega a esboçar uma espécie de lógica da imaginação, que contem os princípios
necessários à formação do gosto e da capacidade artística‖ (NUNES, 2010, p. 13).
Para tanto, procuramos resgatar uma síntese dessa história, tendo como guia o
método que nos orienta o filósofo húngaro. Como meta, dar conta ao que o nosso primeiro
capítulo propõe, qual seja, a síntese da gênese e desenvolvimento dos estudos estéticos do
autor. Primeiramente, devemos alertar o leitor de que não encontramos muitos trabalhos que
aclarassem melhor a história da Estética. Todavia, dentro destes limites, utilizamos o livro
Estética Máxima (2003) de Fausto dos Santos, no qual versa sobre a filosofia da estética;
empregamos também o livro Introdução à filosofia da arte (2010), de Benedito Nunes, que
traz um conciso panorama da história da arte. Sobre a carreira literária de Lukács, recorremos
ao próprio filósofo húngaro, em seus textos e entrevistas concedidas (1968a; 1968b; 1969;
1982; 1999; 2000; 2009), bem como em alguns autores que tratam de suas obras, como:
Tertulian (2002; 2007; 2008), pela rica contribuição de seus estudos acerca da obra de
10
Geoffrey Alexander Baumgarten, filósofo alemão nascido em 1714, autor da conhecida obra Metafísica, a qual
foi adotada por Kant como manual para suas aulas acadêmicas. Mas sua obra mais importante foi Aesthetica
(1750-1758), que o converte como fundador da estética alemã e em um dos mais eminentes representantes da
estética do século XVIII (ABBAGNANO, v.2, 1994).
11
Para melhorar a compreensão leitora e evitar repetições textuais, utilizaremos, ao longo do texto, estas quatro
denominações para o trato ao autor principal: Lukács, esteta húngaro, filósofo húngaro, filósofo da Escola de
Budapeste.
22
maturidade de Lukács; no plano nacional, citamos autores que nos ajudaram a traçar um
panorama geral do contexto lukacsiano, são eles: Paulo Netto (1983), Coutinho e Konder
(1968a), Pinassi e Lessa (2002), Frederico (2005), Coutinho e Paulo Netto (2009); Vaisman e
Fortes (2010).
Lukács dedicou-se, desde o início de sua vida, como crítico literário, aos estudos
sobre estética, a partir dos primeiros textos escritos, antes mesmo de 1910, com História do
desenvolvimento do drama moderno, passando pelo desenvolvimento de sua Estética
sistematizada, publicada em 1963, até seus últimos dois escritos literários, acerca do
romancista russo Alexander Soljenitsin, escritos nos anos de 1964 e 1969, ambos publicados
em 1970, trabalhos estes que escreveu concomitante à Ontologia. (COUTINHO; PAULO
NETO, 2009). Para compreender o conjunto de sua obra, faz-se necessário entender o
contexto e mediações nos quais Lukács estava inserido. Para efeito desta dissertação,
reportamo-nos até o período de sua derradeira obra publicada em vida: Estética, na qual o
esteta húngaro teve a faculdade necessária para expor seu pensamento maduro acerca de sua
compreensão de uma teoria geral da gênese de todas as formas do espírito, da arte em
específico.
12
De acordo com Paulo Netto (1983), ‗citações protocolares‘ referem-se ao recurso utilizado por Lukács, através
do qual podia proteger suas ideias, recorrendo às ‗autoridades‘, assim podia dispor seu pensamento em ensaios,
conferências, debates etc. De acordo com o próprio autor, é preciso levar em conta o contexto que se
desenvolveram seus estudos. Suas considerações só podem ser entendidas se nos atentarmos aos acontecimentos
que rebateram suas ideias, como por exemplo, pelo o uso de citações no período stalinista. Lukács relata que era
uma forma dos textos serem publicados, segundo ele: ―/.../creio que não havia nada publicado sem algumas
citações de Stalin. O leitor advertido de hoje pode certamente perceber o que os censores da época não notavam:
que tais citações pouco tinham a ver com o conteúdo real, essencial dos artigos‖ (LUKÁCS, 2009, p. 28). Como
exemplo, destas citações, podemos ver o artigo A estética de Hegel, publicado no livro: Arte e sociedade:
escritos estéticos 1932-1967(LUKÁCS, 2009).
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Lukács com as questões estéticas. Ainda que não traga uma leitura ontológica, Lukács já
esboça indícios em seus escritos da sua Estética em germe, a qual teve sua publicação no ano
de 1963.
De acordo com Nunes (2010), a arte, para Aristóteles, tem como objetivo geral a
imitação da realidade, o ato de imitar com o propósito de apreender o real. O filósofo grego
traz o belo para a esfera mundana, sob o escudo humano. Lukács (1982) já assinalara que
Aristóteles foi o verdadeiro descobridor da peculiaridade do estético e que seu pensamento se
situa longe da concepção mecânica, de modelo e cópia, instituída por Platão. Sua reflexão
surge na dialética da catarse14, a qual se coloca defronte a toda transcendência teológica, pois
―/.../ la fuerza pedagógica social del arte nace de su propia consumación estética, y no, como
en el pensamiento platónico, de la momificación o la simple supresión de los principios
propiamente estéticos‖ (LUKÁCS, 1982, v.4, p. 381).
Lukács (2009), ainda, indica que foi no campo na filosofia clássica alemã que
ocorreu a primeira intenção de se criar uma história da literatura e da arte. Anteriormente,
pautava-se apenas na experiência vivida, sem levar em conta sua fundamentação, o que não
permitia o devido entendimento dos preceitos da arte. No final do século XVII e início do
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Primeiramente, fazemos uma ressalva com relação aos termos: estética e arte. Estética, do grego Aisthésis, que
significa sensação, segundo a transmissão, anteposta por Baumgartem, designou a ciência que trata do
conhecimento sensorial que chega à apreensão do belo e se expressa nas imagens da arte. A arte é, como bem
esclarecem Santos e Costa (2012), em todos os seus aspectos, ‗fenômeno social‘ e tem como escopo e base a
própria existência humana.
14
Recorremos à Vigotski para melhor explicar a arte como objetivação superior humana, e a catarse, nesse
sentido como encontro do homem com suas emoções mais autênticas, pois a ―arte sempre é portadora desse
comportamento dialético que reconstrói a emoção e, por isso, sempre envolve a mais complexa atividade de uma
luta interna que é resolvida pela catarse‖ (VIGOTSKI, 2003, p. 235).
24
século XVIII, a burguesia passou a reclamar o amparo da nova arte e literatura. Será durante o
Iluminismo, a então chamada ‗Era da razão‘, que surgirão movimentos, no campo teórico, no
que concerne a justificativa dessa nova arte, bem como ideias históricas de concepção da
literatura e da arte.
Immanuel Kant, por sua vez, ao apresentar a divisão entre atividade útil e
atividade estética, se distancia do método de análise lukacsiano. Lukács, segundo Tertulian
(2008), baseia-se na gênese da atividade estética, que lhe permite ultrapassar a cisão inflexível
proposta pelo filósofo prussiano. Lukács esclarece que é pelo processo de trabalho onde se
perde a significação de utilidade para uma dimensão estética e esse processo é mediado pela
consciência. Como explica Tertulian:
O exemplo do ritmo15 é bem ilustrativo para esse caso, pois é, para Lukács, uma
forma primária da atividade estética. Inicialmente, o ritmo tinha a função de ‗suavizar o
labor‘16, o movimento contínuo, propriamente dito, torna-se autônomo a partir do momento
que proporciona a sensação de bem-estar, tornando-se, mais tarde, independente, por
exemplo, de modo evocativo, usado em rituais primitivos de dança, magia, etc.
Kant é considerado por Lukács (2009), como um ‗idealista subjetivo‘ porque sua
elaboração aplica-se ao indivíduo isolado, desse modo, não contempla em sua estética a
função social da arte. Já Hegel, é, para Lukács, um ‗idealista objetivo‘, pois reconhece a
verdade objetiva absoluta das categorias estéticas, o próprio movimento do desenvolvimento
histórico. Hegel supera o dualismo kantiano ao entender que a estética se transforma numa
15
Lukács (1982, v.1) revela as chamadas formas abstratas do reflexo estético, a exemplo do ritmo, supracitado,
aborda, do mesmo modo, simetria, proporção e ornamentação, todos relacionados à realidade objetiva.
16
Vale destacar que, o sistema capitalista extrai tudo o que se dirige ao humano. O ritmo no manejo das
máquinas, na linha de produção, é essencial, uma vez que, por dentro dele, está o tempo de trabalho.
26
Com base nessa discussão, é possível indagar se Hegel elaborou uma síntese
histórica e filosófica do desenvolvimento da arte, baseado nas formulações do que de mais
crítico precedeu sua teoria. É preciso considerar, entretanto, os limites do idealismo objetivo.
Não se trata, com isso, de atear fogo em suas formulações, mas de utilizá-las com base na
ontologia marxiano-lukacsiana. Com efeito, para usarmos uma expressão lukacsiana (1969), é
necessário averiguar sob o aspecto da ‗fossa comum das idéias‘, nesse caso, o pensamento
burguês, cravado em Hegel.
Sem o resguardo do método certificado por Marx, cair-se-ia, como Hegel, no erro
de considerar que há identidade entre objeto e sujeito. Assim, a estética hegeliana entende
―/.../ como uma fase do processo de busca e de encontro de si mesmo do sujeito-objeto
idênticos‖ (LUKÁCS, 2009, p. 62), de modo que significa um nível superior da consciência, a
expressão do ‗Espírito Absoluto‘. É nesse plano elevado que Hegel vai diferenciar três
estágios: a arte, a religião e a filosofia.
poetas antigos como nosso passado e não como os homens de hoje. Nesse sentido, através da
arte, é possível chegarmos ao passado e entendermos o seguimento da conduta do homem,
através de uma apreensão onto-histórica da arte.
Hegel, ainda, assinala que a arte oriental ―/.../ não alcançou o nível da intuição, e a
arte medieval e a moderna lhe aparece como aquela na qual o Espírito já ultrapassou o nível
da intuição‖ (LUKÁCS, 2009, p. 63). Há um esforço, por parte de Hegel, de alicerçar e
sistematizar as categorias estéticas, contudo, sua teoria esbarra sempre no idealismo filosófico
– mesmo que objetivo –, limitando a objetividade real e o processo histórico.
Sabemos que Marx17 não tem um tratado específico sobre Estética; como relata
Lukács (2009), existiram, apenas, algumas intenções a serem escritas: Sobre a arte religiosa
(1841) e Sobre o romantismo (1842), ―/.../ no entanto, as numerosas anotações e observações
sobre livros de estética e história da arte revelam como ele levava a sério estes projetos‖
(LUKÁCS, 2009, p. 68). Entre esses planos, destaca-se um anseio de escrever um vigoroso
estudo sobre Balzac, um dos autores favoritos de Marx, mas nunca se efetivou. Contudo, na
extensão de sua obra, bem como no conjunto de escritos em parceria com Engels, foi possível
17
Convém destacarmos que a obra de Marx foi sobre a materialidade do mundo, sobre sua totalidade e, qualquer
que seja o assunto, terá que ser procurado na totalidade de sua obra, seja: Filosofia, Economia, Educação, dentre
outros complexos.
28
fazer uma compilação dos que mencionam a arte e a literatura, extraídos de textos sobre
variados temas, cartas e anotações de conversas, organizados por Lifschitz18.
Lukács vai se acercar da teoria marxiana para desenvolver sua Estética e seu
pensamento sazonal. No início da década de 1930, ao estagiar no Instituto Marx-Engels-
Lênin, o filósofo húngaro passa a ter contato com fundamentais obras para rever seu
pensamento com relação a algumas concepções idealistas e a estabelecer algumas
considerações a serem descritas.
palavras de Tertulian (2008, p. 189) relatando que ―/.../ a Estética permanece o monumento
mais expressivo dos textos publicados durante sua vida‖. Para Tertulian, na década de 1960,
era moda criticar Lukács, as depreciações eram feitas, principalmente, com base em suas
obras iniciais, sem levar em conta sua obra de maturidade fundamentada na teoria marxiana.
A seguir, trazemos a tona alguns exemplos dessas restrições à obra madura do esteta húngaro.
/.../ a principios de los años cincuenta, pude pensar en volver, con una
concepción del mundo y un método completamente distintos, a la realización
de mi sueño juvenil, y realizarlo con contenidos completamente distintos y
con métodos totalmente contrapuestos (LUKÁCS, 1982, v. 1, p. 30).
19
Tendo em vista que, segundo Lukács: ―/.../ toda grande literatura, toda literatura autêntica, é realista. Não se
trata aqui de estilo, mas do ângulo de visão da realidade, da posição tomada diante dela /.../ A questão que se
coloca é a de saber até que ponto pode se qualificar de realistas certas tendências ‗modernistas‘ ou de
31
Tertulian (2008) alega, por outro lado, que Lukács lamentava não ter conseguido
dedicar à obra de Brecht um estudo crítico. O que fez, e, mesmo assim, considerava
insuficiente, foram as poucas páginas dedicadas no seu livro La signification presente du
réalisme critique, bem como no prefácio a uma outra edição da obra Brève histoire de la
littérature allemande, uma ligeira dedicação aos estudos do teatrólogo alemão. Para deixar
mais amena tal polêmica, convém trazer o relato de Tertulian (2008), sobre a visita que Brecht
fez à Lukács, durante sua passagem em Moscou, em 1941:
/.../ naquela ocasião, Brecht lhe teria dito que havia pessoas que tentavam, a
qualquer preço, aumentar suas divergências e semear a discórdia entre eles,
mas que ambos deviam opor-se a tentativas semelhantes e fazer um pacto de
solidariedade (TERTULIAN, 2008, p. 299-300).
‗vanguarda‘. Onde eu começo a não estar mais de acordo é quando a literatura, como que desorientada, renuncia
a toda pintura pluridimensional, a toda marca de universalidade; não somente em seu conteúdo, mas também na
forma /.../ Por sua natureza mais profunda, a arte possui várias dimensões. Ora, as ultimas décadas manifestam
uma tendência muito marcada para a arte de uma só dimensão. Sou contra.‖ (LUKÁCS, 1969, p. 185-186).
Falaremos com mais propriedade sobre o realismo no terceiro capítulo desta dissertação.
32
vanguarda artística, mais ainda aqueles que apreendem a emancipação da classe trabalhadora
como uma disposição que deseja renunciar o que foi criado anteriormente, muito pelo
contrário, ―/.../ devem herdar todo o conjunto de valores reais elaborados pela evolução
plurimilenar da humanidade‖ (LUKÁCS, 2009, p. 102).
Adorno acreditava que Lukács havia renunciado a seu pensamento anterior, assim,
teria imolado o cerne de seu pensamento estético ao recusar sua obra de juventude. Sartre,
pensador marxista de relevo, vai nessa mesma corrente, ao afirmar que ―/.../ um verdadeiro
filósofo que tem seu pensamento em evolução não sente necessidade de renegar suas obras
anteriores‖ (SARTRE, 1949 apud TERTULIAN, 2002, p. 28). Em resposta a Adorno e Sartre,
consideramos o que o filósofo húngaro contestou à Vezér, sobre a unidade de seu
20
Termo utilizado por Tertulian (2008).
33
pensamento. Na obra Pensamento vivido – autobiografia em diálogo, Lukács expôs que não
se deve mudar de opinião constantemente, mas que se houverem motivos para fazê-lo deve-se
estar propenso à alteração, se faltar tal disponibilidade, consequentemente faltará integridade
intelectual, porque sem esse parâmetro, ―/.../ sem isso não há evolução humana‖. (LUKÁCS,
1999, p. 125).
Convém ainda, relatar que Lukács foi apresentado como submisso ao partido
comunista, onde deveria seguir as orientações de um ‗dogmatismo leninista‘. Trazemos como
exemplo dos motes formulados a esse respeito, o jornalista e historiador François Fejtö, o qual
relatou que ―/.../ depois que Lenin identificou traços de idealismo hegeliano em sua História e
consciência de classe, Lukács tratou logo de se ‗deshegelianizar‘, de tirar de seus textos tudo
que poderia escandalizar seus censores‖ (FEJTÖ, 1985 apud TERTULIAN, 2002, p. 28).
O fato é que, mesmo muito tempo depois da escrita de sua obra História e
consciência de classe, já na Estética, como destacado anteriormente, Lukács reconhece o
universalismo e o modo histórico-sistemático hegeliano de sintetizar a arte, todavia, questiona
sua fundamentação baseada no idealismo filosófico. Desse modo, rompe com as
definições/delimitações mecânicas e hierárquicas, propostas pela teoria hegeliana, porém não
deixa de trazer a tona o mérito da teoria.
Lukács não intentava, não intentava, através de seu método, recompor a história
inicial da arte, mas analisar suas articulações consecutivas dos distintos tipos de atividade
espiritual, estudando até sua forma circunspecta. Mais adiante exploraremos melhor essa
questão.
34
Vale destacar que, tanto Sartre quanto Lukács, lutavam para desmascarar a
vulgarização e a dogmatização sofrida pelo marxismo, tendo como objetivo resgatar o legado
original marxiano, apesar de se aterem a métodos distintos. Nas palavras de Tertulian a
respeito dos filósofos: ―/.../ Ambos procedem a um exame radical das categorias fundamentais
do pensamento de Marx, cujo reexame crítico lhes parecia necessário depois da longa
hegemonia do dogmatismo stalinista‖ (TERTULIAN, 2002, p. 36).
No final da década de 1960, alguns dos alunos de Lukács, mais conhecidos por
fazerem parte da então titulada Escola de Budapeste, dentre eles Agnes Heller, Ferenc Feher e
Mihail Vadja, abandonaram o marxismo propalado por Lukács, tendo como escopo a renuncia
da Ontologia (PINASSI; LESSA, 2002). Vaisman e Fortes (2010) seguem a mesma linha de
pensamento de Pinassi e Lessa, ao se referirem ao texto publicado na revista Aut aut, cujo
título Anotações sobre a Ontologia para o companheiro Lukács, de autoria dos três
budapesteanos, além de Márkus, os quais afirmavam que a Ontologia de Lukács permitia
vários problemas não somente em relação a determinados aspectos exatos, mas também
impugnaram o próprio desígnio de Lukács de instituir uma ontologia com embasamentos
materialistas.
Avaliamos, desse modo, que o debate sobre essa questão está longe de terminar, mas é
preciso reconhecer, com base nas leituras feitas no grupo de estudos ‗Estética de Lukács:
Trabalho, educação, ciência e arte no cotidiano do ser social‘, que Lukács já trazia em sua
Estética o germe da Ontologia, destacando, em diversos pontos, o trabalho como ato
fundante. Considerada obra madura pela maior parte dos estudiosos, o que acordamos, a
Estética foi um passo importante para que o filósofo húngaro entendesse que precisaria
36
fundamentar uma Ética, com base nos estudos ontológicos. Infelizmente, não teve o tempo
histórico necessário para a conclusão de seus estudos, apesar de ter seguido incansavelmente
com tal propósito até os derradeiros dias de sua vida.
A partir desse breve curso sobre a estética inserida no percurso teórico de Lukács,
damos início ao esforço teórico de Lukács de ir, a partir da gênese da atividade estética, à
elaboração sugerida e indicada por Marx, não só de uma nova Estética, mas também de uma
nova Ontologia. Desse modo, inicialmente nos debruçamos sobre as elaborações referentes a
uma nova Estética fundada em uma nova Ontologia, para, em seguida, problematizarmos e
articularmos algumas categorias de modo que possamos compreender melhor o conceito de
arte em Lukács.
Encetamos a discussão, assumindo que Marx fundou uma nova ontologia, uma
ontologia distinta de todas as outras, fundamentada na história. Marx formulou, nas palavras
de Lukács (1999, p. 145), ―/.../ a tese segundo a qual a categoria fundamental do ser social, e
isto vale para todo o ser, é que ele é histórico‖. Com base nesse pressuposto, consideramos
que o mundo dos homens é marcado por uma série de complexidades desenvolvidas durante o
decurso da história. Compreendemos, a partir da leitura profícua dos estudos de Lukács, na
esteira de Marx, a existência de três representações singulares, as chamadas bases ontológicas
do ser social, que caracterizam a processualidade histórica do homem, as quais, embora se
apresentem distintas no plano ontológico, são articuladas, uma vez que o ser social demanda
uma contínua troca com o natural. Desse modo, como assegura o próprio filósofo húngaro:
Nesse sentido, podemos constatar um salto entre uma forma mais simples e o
início de uma forma mais complexa, pois é através desse salto que se aprimora uma nova
37
forma de ser. Entretanto, há que se levar em conta o fato de que a esfera do ser social é a
única capaz de produzir o novo, àquela que modifica a natureza e a si mesma, através do
trabalho, e, a partir deste, originam-se os demais complexos atrelados à organização da vida.
21
Consideramos, com base no próprio pensamento lukacsiano, que Lukács apesar de afirmar a constituição de
uma estética marxista sistemática, não rejeita o acúmulo anterior ao marxismo, já que ―/.../ também nesse terreno
o marxismo é herdeiro das melhores tradições do passado cultural e não as nega nem as pode negar, se é que
pretende efetivamente superá-las‖ (COUTINHO; PAULO NETTO, 2009, p.13).
22
Alexis Leontiev, em sua obra O desenvolvimento do psiquismo (1978), abrange um riquíssimo conteúdo
acerca da démarche histórica no que tange ao desenvolvimento biológico e sócio-histórico do homem. Podemos
contar também estudos de pesquisadores que tratam da origem da vida, contextualizando com a história social, o
documentário Como nos tornamos humanos (2009), produzido pela NOVA/PBS, mostra a evolução humana,
buscando considerar recentes descobertas sobre o homem primata, por meio de entrevistas com renomados
38
Outro fator que pode ser levado em conta é que posto que haja a ausência de
material histórico, e, embora existam essas brechas no que se refere aos nossos conhecimentos
acerca das origens, ―/.../ elas não são consideráveis o bastante para impedir a reconstituição,
em grandes linhas, das etapas decisivas da evolução do espírito‖. Lukács se utilizará do
lineamento marxiano para autenticar sua própria teoria com ―/.../ a célebre tese de Marx
contida na introdução aos Fundamentos da crítica da economia política: ‗A anatomia do
homem dá a chave da anatomia do macaco‘‖ (TERTULIAN, 2008, p. 201).
Assim como Marx, que partiu da análise da forma de sociabilidade capitalista para
reconstituir o processo de origem e desenvolvimento dos sistemas sociais antecedentes, o
filósofo húngaro teve a pretensão de evidenciar que a origem da atividade estética do homem
foi antecedida, em seu germe, por um movimento que foi se transformando, no qual pôde
examinar os elementos contínuos da atividade estética desde o salto ontológico até as
configurações maturadas de seu tempo.
Isto posto, temos elementos para imputar considerações a respeito de uma nova
estética, uma estética marxiana23. Embora Marx não tenha escrito nenhum tratado sobre
estética, poderíamos extrair do arcabouço marxiano e das formulações de Lukács, uma nova
estética, articulada a essa nova ontologia, distinta de todas as formulações e orientações que a
humanidade conheceu até hoje.
cientistas e imagens feitas nas escavações em sítios arqueológicos da África e da Europa. Ainda no campo da
sétima arte podemos citar como exemplo o filme A guerra do fogo (1991), de Jean-Jacques Annaud, pois ―A
imagem criada artisticamente a partir de dados científicos da realidade nos leva a refletir diversas dimensões da
reprodução intelectual da realidade que os hominídeos tiveram que realizar até alcançarem a condição de homo
sapiens sapiens. Executando seus atos e refletindo sobre eles os hominídeos conseguem um constante progresso
de iluminação e de riqueza da determinação do que investigam (o fogo) e de sua conexão sistemática‖
(SANTOS, CARMO, FRAGA, 2009).
23
O termo ‗estética marxiana‘ é utilizado por Lukács na entrevista concedida no livro ―Pensamento vivido‖,
edição brasileira de Edições Ad Hominem. Para além dos problemas de tradução, consideramos, baseados em
Paulo Netto, o termo estética marxiana elaborada pelo próprio filósofo alemão, bem como a terminação estética
marxista, feita por outros autores que tratam da teoria marxiana.
39
/.../ devia haver uma estética marxiana própria, que o marxismo não tomava
nem de Kant nem de nenhum outro. Essas idéias foram elaboradas por
Lifchitz e por mim. Naquele tempo eu trabalhava com ele no Instituto Marx-
Engels. Com a elaboração dessas idéias teve início todo o nosso
desenvolvimento subseqüente. A constatação não é comum hoje na historia
da filosofia, no entanto o fato é que fomos os primeiros a falar de uma
estética marxiana específica, e não desta ou daquela estética que completasse
o sistema de Marx /.../ Sobre esta base começamos a desenvolver a idéia de
que existe uma estética marxiana e que para desenvolvê-la era necessário
partir de Marx (LUKÁCS, 1999, p. 87-88).24
Para melhor explicar a origem da atividade estética, a qual tem seu aparecimento
enquanto complexo tardio, nos apoiamos em Tertulian (2008), ao elucidar que determinada
situação, na qual se compunha um caráter mágico/religioso de cunho prático e factual, passa a
desenvolver certa autonomia, ocasião que estabelece um desprendimento do transcendente e
que principia a realização de um estado de imanência, o principio de uma efetivação
genuinamente do ser social. Destarte, se edifica, de acordo com Tertulian, fundamentado em
Lukács, o
Nessa ocasião, ocorre o que Lukács considera uma fase distinta da ‗consciência de
si‘ do desenvolvimento humano. Aquilo que é avaliado como necessidade antropomórfica,
todavia, sem o apelo ao transcendente, atinge o estágio da imanência, a dialética entre
objetividade-subjetividade, próprio do complexo da arte. A estética, nos termos de
Baumgarten, é a faculdade do sentir – modo como podemos nos desenvolver na realidade –
pois é da vida cotidiana que se extraem as sensações que mais tarde serão objetivadas na
forma de reflexos superiores. Sendo a arte uma abstração superior, não é produzida de modo
24
Sobre esse período, no qual Lukács teve acesso aos Manuscritos Econômico-Filosóficos, bem como os textos
de Lenin, falaremos com mais afinco adiante.
40
cotidiano. Contudo, tem seu nascedouro neste e volta ao mesmo, quando autêntica25, de
maneira enriquecida.
Não obstante, mesmo sem poder ainda enfrentar com devida profundidade e rigor
o que expressaria ser uma arte autêntica, ousamos, apoiados em Lukács, considerar, mesmo
que de forma assumidamente sintética, nosso entendimento sobre a categoria da autenticidade,
pois nela ancora o enriquecimento do homem enquanto ser social ao retornar ao cotidiano26. O
filósofo húngaro afirma que
Deste modo, vale a pena registrar que toda arte genuinamente profunda, guarda
uma interação recíproca com seu aspecto temporal histórico e universal ou aquilo que Lukács
chamou de hic et nunc, expressão latina que significa, grosso modo o ‗aqui e agora‘, que vai
garantir a autenticidade de uma obra. Ainda de acordo com Lukács (1982, v. 1, p. 260), a arte
―/.../ no se limita a fijar simplemente un hecho en sí, como la ciencia, sino que eterniza un
momento de la evolución histórica del género humano‖. A arte autêntica prende-se ao gênero
humano – aquilo que o homem produziu de mais acabado na historia da humanidade até
então, as objetivações humano-genéricas.
25
Antes de tudo, é preciso frisar que não compete a esta dissertação fazer apontamentos relacionados ao juízo de
gosto no que se refere à arte autêntica, pois a arte por ser antropomorfica (explicaremos mais adiante essa
categoria) permite individual apreciação, de acordo com o desenvolvimento histórico do sentido/sentimento de
cada indivíduo. Claro que, em tempos propícios ao desenvolvimento de uma arte vazia de sentido, que passe a
largo de seus receptores, só poderá galgar à mediocridade. De todo modo, consideramos que mesmo neste estado
relatado, há possibilidade para que o homem consiga trazer ao solo cotidiano uma arte plena de sentido, pois,
nesta circunstância, a arte pode negar, denunciar, expressar a contradição ou mesmo, apontar o devir, em meio
ao processo do real.
26
Antecipamos que adiante discutiremos a conceitualização da arte a partir das categorias: antropomorfização,
desantropomorfização, imanência e transcendência.
41
romana; os grandes artistas do Renascimento; etc. Com base nesse quadro, acrescentamos as
palavras de Lukács, ao explanar sobre a verdade artística:
/.../ La verdad artística es, pues, como verdad, histórica; su verdadera génesis
converge con su verdadera vigencia, porque ésta no es más que el
descubrimiento y manifestación, el ascenso a vivencia de un momento de la
evolución humana que formal y materialmente merece ser así fijado
(LUKÁCS, 1982, v. 1, p. 260).
Com esse contexto em tela, através do qual Lukács principia seus estudos acerca
das questões estéticas, ressaltamos que sua produção intelectual se aplica sobre a análise das
formas culturais, especialmente a literatura. Desse modo, percorremos o trajeto intelectual de
Lukács, pois este nos ajuda a explicar melhor a importância da estética para o autor, no
sentido de compreensão da realidade. Voltar aos estudos iniciais, tomando por base seu
pensamento de maturidade, é outra maneira de abarcar o método empregado anteriormente.
Nesse sentido, pretendemos resgatar o caminho pelo qual Lukács traçou seus
estudos estéticos, pois dessa forma, acreditamos ser possível apresentar como se dissipa sua
concepção metodológica. Não aspiramos realizar uma biografia, nosso intuito é entrelaçar a
polêmica história do intelectual militante com sua trajetória teórica até o encontro com o
marxismo, que, a nosso ver, foi decisivo para que Lukács formulasse sua concepção estética.
Faremos uma compilação de autores que se debruçaram sobre esse assunto, de modo que
possamos compreender melhor como se estabeleceu as bases para a escrita de uma nova
Estética e, posteriormente, para a inconclusa Ontologia. Cabe afirmar, mais uma vez, que
trataremos apenas de alguns dos textos escritos pelo filósofo húngaro referentes à estética.
27
Segundo Macedo (2000), essa obra nasceu no contexto e sob influência da companhia teatral Thalia, da qual
Lukács era integrante e fundador. Nesta ocasião, o referido grupo traz em cena peças de Strindberg, Hebbel,
Wedekind, Gorki e Ibsen, e deste último o filósofo húngaro traduziu a peça O pato Selvagem, mantendo contato
pessoal com o dramaturgo norueguês no ano de 1902.
42
três anos de idade. O trabalho supracitado foi dedicado à ―/.../ produção dramática, do século
XVIII ao século XIX, cobrindo o drama alemão clássico (Lessing, Schiller, Goethe), Hebbel,
Ibsen, Strindberg, Hauptmann, Tchecov, Maeterlinck, Shaw, Wilde, D'Annunzio e
Hofmannsthal‖ (PAULO NETTO, 1983, p. 17), obra considerada pelo próprio filósofo
húngaro como opositora de correntes literárias positivistas, impressionista subjetivista, pela
crítica francesa etc. Havia certa influência do marxismo, mas com preponderância de
Simmel28. Para Lukács (2009), seus textos até então, traziam uma característica idealista-
burguesa, pelo fato de não partirem das relações diretas entre a sociedade e a literatura, pois
apenas buscavam apreender e objetivar uma súmula da Sociologia e da Estética que se
ocupavam do objeto.
28
O sociólogo alemão que exerceu influência no pensamento inicial de Lukács. Segundo o esteta húngaro, sobre
o peso de tal influência, ―/.../ Simmel trouxe à baila o caráter social da arte, transmitindo-me um ponto de vista
sobre cuja base tratei da literatura, indo muito além de Simmel. A verdadeira filosofia do meu livro sobre drama
é a filosofia de Simmel‖ (LUKÁCS, 1999, p. 38).
43
entre 1912 e 1917, entre eles destacam-se os incompletos29 Filosofia da arte, de 1912-14 e a
apontada como Estética de Heidelberg, de 1914-1730.
29
Para Coutinho e Paulo Netto (2009), a insuficiência desses trabalhos se deve a insatisfação do esteta com
relação aos pressuposições metodológicas que orientavam seus estudos, as quais tinham uma preponderância
neokantiana.
30
Patriota (2010) relata que Lukács, nesse momento, buscava ―/.../ transplantar o princípio hegeliano para o
contexto da filosofia transcendental do neokantismo‖ (PATRIOTA, 2010, p.7). Lukács, ao encontrar na obra
marxiana fundamento teórico, ―/.../se despede de seu passado intelectual e desautoriza publicamente textos que
lhe haviam rendido a celebridade‖ (PATRIOTA, 2010, p. 14-15). Todavia, há um resgate por parte do escritor e
historiador de arte budapesteano Arnold Hauser que, na década de 1960, envia à Lukács três capítulos de sua
estética anterior. Durante uma conversa com seus alunos, na década de 1970, o filósofo húngaro pensa na edição
húngara de sua obra de juventude, mas nada se concretiza. Depois de seu falecimento ―/.../ vêm à tona novos
capítulos, sobre os quais o filósofo jamais havia mencionado. Lukács havia sepultado sua obra inacabada sob
camadas profundas de esquecimento‖ (PATRIOTA, 2010, p. 14-15).
31
Esta obra tinha a intenção de ser uma introdução aos estudos sobre Dostoiévski, mas acabou tornando-se um
trabalho independente (COUTINHO; PAULO NETTO, 2009).
44
/.../ uma década e meia mais tarde me foi possível – já em solo marxista, é
claro – encontrar um caminho para solução. Quando nós com A. Lifschitz,
em repúdio à sociologia vulgar, da mais variada extração, do período
stalinista, tencionávamos desentranhar e aperfeiçoar a genuína estética de
Marx, chegamos a um verdadeiro método histórico-sistemático (LUKÁCS,
2000, p. 13).
32
De acordo com Vaisman e Fortes (2010, p. 10): ―/.../ Alguns intérpretes de Lukács, como Oldrini e Tertulian,
consideram que a fase de maturidade de Lukács tem início em 1930, data a partir da qual o filósofo passa a se
dedicar aos seus estudos sobre a arte, tendo como orientação uma chave analítica fundada no pensamento de
Marx‖. Vale destacar, segundo Coutinho e Paulo Netto (2009), que, na década de 1920, Lukács dedicou-se aos
estudos literários e estéticos, publicando textos no famoso jornal alemão, criado por Karl Liebknecht e Rosa
Luxemburgo, Rote Fahne, no qual tratou de escritores como Lessing, Balzac, Dostoievski, Bernard Shaw,
Hauptmann, etc, além de temas relacionados ao marximo e teoria da literatura, ―/.../ muitos deles foram
selecionados e publicados por Michael Löwy em G. Lukács, Littérature philosophie marxisme (1922-1923),
Paris, PUF, 1978‖ (COUTINHO; PAULO NETTO, 2009, p. 18).
33
Nesse período, 1930-31, Lukács e Lifschitz se debruçavam sobre os textos de Marx e Engels, concernentes às
questões estéticas. A título de ilustração, alguns textos da obra de Vigotski, os quais tomam como referência a
obra marxiana, foram escritos nesse mesmo período: A transformação socialista do homem (1930) e Historia del
desarrollo de las funciones psíquicas superiores (1931) (CARMO, 2008). Lifschitz, assim como Vigotski, era
russo. Contudo, não encontramos registros de que tenham tido algum contato. Entretanto, vale ressaltar que
Vigotski também teve como base a teoria marxiana e concluiu a tese Psicologia da arte em 1925, e ―/.../
conforme relato de Leontiev (1996, p. 433), procurou realizar duas tarefas, a saber: tanto ‗uma análise objetiva
da obra literária quanto uma análise objetivo-materialista das emoções humanas que surgem ao ler a obra de arte‘
(CARMO, 2008, p. 35). Outra questão que gira em torno do filósofo russo e que julgamos importante destacar
refere-se à entrevista concedida a Eörsi e Vezér, na qual Lukács atribui a ele próprio e a Lifschitz a divulgação
do desenvolvimento da ideia de existir uma estética marxista. A opinião do esteta húngaro sobre Lifschitz ―/.../ é
a de que ele era um dos maiores talentos que vivia naquela época, sobretudo no plano puramente literário. Via
com grande clareza o problema do realismo, mas não o entendeu às outras partes da cultura /.../ Assumi a
posição entre irracionalismo e racionalismo, qualquer que fosse a forma destes, idealista ou materialista, ou seja,
naquela época eu ultrapassei tematicamente a linha de Lifschitz. O pobre Lifschitz ficou na Rússia, não o levei a
mal por isso. O que é que ele podia fazer na Rússia? Apoiou a linha que condenava a literatura moderna. Sua
concepção se tornou totalmente conservadora‖ (LUKÁCS, 1999, p. 88).
34
Celso Frederico em seu livro Marx, Lukács: a arte na perspectiva ontológica nos fornece elementos para
compreender, especialmente no Capítulo 3: Sujeito, objeto, totalidade, que o pensamento de Lukács está
45
essa questão, Lukács (2009, p. 27), explica que ―/.../ O reconhecimento da autonomia da
originalidade da estética marxista foi meu primeiro passo na direção da compreensão e da
realização de uma nova inflexão ideológica‖35. E complementa escrevendo:
Com efeito, Lukács dedica-se, nas décadas de 1930 a 1950, a larga produção
intelectual atrelada ―/.../ já no campo marxiano, à estética e aos princípios humanizadores da
atividade artística e literária constituindo-se o ponto alto de sua produção‖ (PINASSI;
LESSA, 2002, p. 187). Datam, desse período, publicações como: o ensaio Narrar ou
descrever (1936); o livro O romance histórico (1937); o escrito Marx e o problema da
decadência ideológica (1938); edita estudos sobre o Fausto, de Goethe (1941); Goethe e sua
época, Literatura e democracia, Arte livre ou arte dirigida? (1947); Existencialismo ou
marxismo?, Thomas Mann, O realismo russo na literatura universal (1949); Realistas
alemães do século XIX, Literatura e arte como superestrutura (1951); Balzac e o Realismo
Francês (1952); A Destruição da Razão, Nova História da Literatura Alemã e Contribuições
à História da Estética (1954); Problemas do realismo (1955). (NETTO, 1983; PINASSI e
LESSA, 2002; FREDERICO, 2005)36.
revista Literaturnii Kritik37, publicação esta que tinha como objetivo barrar as tendências
rappistas38, com intuito contrário ao sectarismo literário e ao modernismo burguês.
37
Em 1940 a revista foi dissolvida e Lukács não teve mais acesso à imprensa literária russa, apesar de nada
dizerem sobre ele. A única opção de Lukács foi a contribuição para duas revistas, a Internationale Literatur,
editada em alemão e a Uj Hang, húngara (LUKÁCS, 2009).
38
Lukács (1968b) relata que existiu uma organização oficial chamada RAPP (Associação Russa de Escritores
Proletários), a qual reunia escritores revolucionários da URSS, porém esta foi abolida em 1932, pois seguia uma
tendência sectária. No seu lugar, em 1934, foi criado outro grupo de escritores chamado de União dos Escritores
Soviéticos, que tinha a intenção de abranger outras tendências e ideologias. Todavia vale lembrar que a URSS
estava sob regime stalinista, e não tardou posições partidárias e censura dentro dessa nova organização.
39
Lukács afirma que à época não se publicava nada sem referência à Stalin, e que muitas vezes, tais citações
nada tinham a ver com o conteúdo dos textos.
40
De acordo com Coutinho e Konder (LUKÁCS, 1968a), tradutores da Introdução a uma estética marxista, a
primeira edição do livro foi publicada na Itália em 1957, sob o título: Prolegomeni a un estetica marxista –
Editora Riuniti. O texto em alemão vinha sendo examinado cuidadosamente pela Republica Democrática Alemã.
Por ocasião da participação de Lukács nos acontecimentos que terminaram com a intervenção soviética na
Hungria, a publicação foi suspensa. Apenas em 1967, dez anos depois da edição italiana, apareceu uma edição
integral alemã.
41
Contudo, essa divisão proposta na obra que, posteriormente, viria se tornar a Estética, como explica o tradutor,
não é uma dicotomia entre o materialismo histórico e o materialismo dialético: as duas primeiras partes da obra
tendiam a elaboração de um sistema de categorias do estético e, a última, se propunha estudar a realização dessas
categorias (SACRISTAN, 1982, vol. 3, contracapa).
47
consciente. No prefácio dessa obra, Lukács se convence que tal estudo necessita de uma
publicação a parte, portanto não entraria na obra Estética, pois, segundo ele, principalmente
Finalmente, é no ano de 196342 que o mundo conhece a primeira das três partes do
projeto inicial da Estética lukacsiana. No prefácio da obra, o esteta húngaro assevera que, de
fato, desde a estética hegeliana, nenhum filósofo tentou sistematizar a essência da estética.
Sobre a divisão de sua Estética, Lukács relata que a primeira parte comporta um esboço geral.
Teve como objeto descobrir, de modo amplo, os dados da vida cotidiana, as categorias do
estético, intitula-se: A peculiaridade do estético. A segunda deveria especificar essas
categorias, com o resultado principal detalhar a estrutura da obra de arte, teve como título
provisório: A obra de arte e o comportamento estético. Por fim, caberia à terceira parte
esclarecer a presença real dessa estrutura na vida cotidiana: A arte como fenômeno histórico
social. (SACRISTAN, 1982, v. 3). Ainda no Prólogo da obra, o autor justifica que a parte
precedente se faz compreensível sem as outras duas, pois ―/.../ esta parte constituye un todo
cerrado, plenamente comprensible sin necesidad de tener en cuenta las partes que le siguen‖
(LUKÁCS, 1982, v.3, p. 11).
Sobre Lukács ter interrompido o ideário de sua obra completa, Frederico indica
que não se deve buscar um esclarecimento na interrupção, pois ―/.../ um dos fatores básicos
explicativos está na própria evolução interna de seu pensamento‖. Para Frederico, as
evidencias dos estudos do esteta húngaro demonstram que a ―/.../ inflexão ontológica presente
em sua estética conduziu o autor às fronteiras da ética e à necessidade de buscar uma
fundamentação teórica para ela (FREDERICO, 2005, p. 92).
42
Segundo Paulo Netto (1983, p. 76), ―/.../ O esforço dedicado à redação desta obra, justifica, em boa medida, o
silêncio lukacsiano entre 1958 e 1961: é neste período que o pensador concentra todas as suas energias para
escrever a suma da sua reflexão estética‖.
48
A Estética foi sua última obra publicada em vida, entretanto, Lukács com mais de
oitenta anos, almejava escrever a Ética. O filósofo húngaro esclarece, acerca do lineamento da
Ética: ―Na verdade eu planejei a Ontologia como fundamento filosófico da Ética, e nesse
sentido a Ética foi suplantada pela Ontologia, já que se trata da estrutura da efetividade e não
de uma forma separada‖ (LUKÁCS, 1999, p. 139). Com efeito, Lukács buscou uma
fundamentação ontológica para melhor compreender o ser social. Nesse sentido, Tertulian
(2007, p. 227-228) descreve que:
Para Lukács, antes dos estudos de Lênin43, o marxismo se restringiu quase que
somente aos problemas do materialismo histórico. Com as investigações sistematizadas por
Lifschitz, houve um esclarecimento dessa controvérsia, porém, ainda encontraríamos o
paradoxo de que, segundo Lukács (1982, v.1, p. 16), ―/.../ hay o no hay una estética marxista,
de que hay que conquistarla, creala incluso, mediante investigaciones autônomas‖. Mas esse
paradoxo se dissolve, como já afirmamos, ao consideramos ―/.../ todo el problema a la luz del
método de la dialéctica materialista‖ (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 16)44. Ou seja, somente
43
Lukács cita Plejánov e Mehring como representantes teóricos que se dedicaram aos estudos situados no
materialismo histórico, o que acabou gerando alguns mal entendidos acerca desse questionamento (LUKÁCS,
1982, v.1, p. 15).
44
Santos e Costa (2012), em exegese sobre o Prólogo da Estética de Lukács, sugerem que o esteta resolve tal
paradoxo com o método. Isto é, para aqueles autores ao optar pelo materialismo histórico e dialético, como esse
é o único modelo correto de análise da realidade, Lukács abandona qualquer distanciamento do marxismo
52
realizando e mantendo, mediante a própria pesquisa, tal método, ―/.../ la orientación de esos
caminos, se ofrece la posibilidad de tropezar con lo buscado, de construir correctamente la
estética marxista, o, por lo menos, de acercarse a su esencia verdadera (LUKÁCS, 1982, v.1,
p. 16).
autêntico e, portanto, a estética como é um complexo social, apenas, como os demais complexos fundados pelo
trabalho, pode ser entendida à luz do marxismo ontológico.
53
demonstramos sua base perante os estudos marxianos e registramos que seu método se
justifica, conclui, exemplificando que ―/.../ la deducción del valor al comienzo del Capital de
Marx es el ejemplo modélico de este método histórico-sistemático (LUKÁCS, 1982, v.1, p.
24).
45
Queremos, aqui, atentar para o fato da importância do cotidiano como solo comum para as objetivações
superiores, visto que o mesmo é tido com preconceito. Como bem expressa o autor húngaro (1982), o
pensamento cotidiano se manifesta impresso ao materialismo espontâneo, pois a vida é material, é concreta,
vivemos o em-si. O cotidiano, dessa forma, não pode ser considerado de modo pejorativo, pois é necessário
edificar esse materialismo (espontâneo), elevá-lo, assim, a uma categoria sistemática, a uma condição filosófica,
sob relação dialética entre sujeito e objeto para compreender a realidade.
46
"Tudo flui como um rio", assim ficou conhecido o famoso preceito do filósofo pré-socrático, no que se refere
ao movimento do devir. Frederico (2005, p. 111) considera essa analogia própria dos dialetas, pois ―/.../ o
cotidiano é visto como um rio em seu permanente fluxo, dentro do qual tudo se movimenta, se transforma, se
espalha e retorna a seu leito‖.
54
materialismo é tão próximo da realidade mesma, com baixo nível de sistematização filosófica,
que é espontaneamente materialista.
/.../ Esto a su vez tenía que impedir que las geniales generalizaciones de los
primeros estadios consiguieran fecundarse en el contacto con hechos,
conexiones y normalidades particulares, penetrando en los detalles de la
realidad objetiva para poder levantarse hasta el nivel de una universidad
concreta, de una amplia metodología.
estrutura essencial da cotidianidade. Visto que, apesar do avanço científico posto na vida dos
homens, isso não se concretizou como uma verdadeira transformação. Melhor, como sintetiza
Lukács (1982, v.1, p. 212-213), não foi ―/.../ universal y completo, capaz de transformar
profundamente la práctica de la vida cotidiana en ciência conscientemente aplicada‖.
/.../ Así, por ejemplo, la superstición del hombre moderno - que a veces
puede estar arraigada - suele ir acompañada por una mala consciencia
intelectual, o sea, con la consciencia de que se está tratando con un mero
producto de la consciencia subjetiva, y no con una realidad objetiva y de
existencia independiente, de acuerdo con el materialismo espontáneo de la
cotidianidad (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 49).
47
A irreversibilidade da história humana é uma tese cara ao marxismo. Lukács se ocupou alongadamente em sua
comprovação sistemática no Prolegômenos para uma ontologia do ser social (2010).
60
48
Vale a pena acompanhar a discussão que o filósofo húngaro relata sobre o neo positivismo e o neo
existencialismo, novamente nos Prolegômenos para uma ontologia do ser social (2010), onde as perspectivas
filosóficas passam a abreviar as pesquisas a ―um compêndio puramente prático, meramente eficiente, das
pesquisas singulares, como uma metodologia inteiramente subordinada a elas‖ (LUKÁCS, 2010, p. 140).
49
Mészáros (2008) assevera, que a indisciplinável lógica do capital tem sido vastamente inserida em todos os
percalços da vida humana, desse modo, é necessário ―/.../ o rasgar da camisa de força da lógica incorrigível do
sistema: perseguir de modo planejado e consistente uma estratégia de rompimento do controle exercido pelo
capital, com todos os meios disponíveis, bem como com todos os meios ainda a ser inventados, e que tenham o
mesmo espírito‖ (MÉSZÁROS, 2008, p. 35).
61
/.../ os homens fazem a sua história de tal forma que nela nada existe que não
seja resultado das ações dos homens. Os homens constroem até mesmo sua
essência. Por isso, a essência humana apenas determina o que nós somos
hoje, mas de modo algum determina o limite ao desenvolvimento futuro dos
homens. Tal como deixamos de ser escravistas e medievais, poderemos
também deixar de ser capitalistas – tudo depende de como nós, a
humanidade, construiremos nossa história a partir das possibilidades e
necessidades históricas do presente (LESSA, 2005, p. 69).
Optamos, portanto, por seguir essa ordem expositiva, fazendo incursões com
outros autores sempre que consideramos enriquecedor para o aclaramento da comunicação.
Dito isso, para que possamos compreender basicamente a diferenciação entre
antropomorfização e desantropomorfização, entremeados pelo autor na sua Estética,
necessitamos levar em conta que os conceitos separam-se no seguinte ponto: "/.../ o se parte
de la realidad objetiva, llevando a consciencia sus contenidos, sus categorías, etc., o tiene
lugar una proyección de dentro hacia afuera, del hombre a la naturaleza"(1982, v.1, p. 227).
Sendo assim, a antropomorfização se expressa no procedimento de compreensão da realidade
objetiva, utilizando-se de princípios subjetivos que tem sua base na cotidianidade, enquanto
que, a desantropomorfização, procura entender o movimento do real, o que está fora do
sujeito, distanciando-se ao máximo dos impulsos puramente subjetivos.
Os complexos presentes na vida social, dos quais Lukács (1982) utiliza-se para
aproximar e distanciar as categorias supracitadas, desenvolvem-se no cotidiano, enriquecendo
o mundo dos homens com base na própria objetivação, tais como Ciência, Arte, Religião etc.
Lukács, já no Prólogo da Estética, certifica que a essência do estético não pode ser definida
em um conceito, nem de modo aproximado, mas por meio de constantes aferições entre
complexos. Nas palavras do esteta húngaro, a mais importante comparação com o estético
―/.../ es con la ciencia; pero también es imprescindible descubrir la relación de lo estético con
la ética y la religión (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 12).
Por esse motivo, Frederico (2005, p. 111) afirma que Lukács privilegia a ciência e
a arte como ―/.../ formas desenvolvidas de reflexo, de recepção, da realidade objetiva na
63
consciência dos homens‖, pois na vida cotidiana são estabelecidos apelos necessários que
clamam a esses complexos, os quais enriquecem a cotidianidade, alcançando uma elevação
refinada na realidade.
Sobre a distinção entre arte e o complexo da ciência, o autor húngaro diz que
aquela não precisa ser avaliada e comprovada exaustivamente. A ciência, por seu turno, tem
necessidade de total rompimento com a antropomorfização, conferindo o caráter de
desantropomorfização, tanto do objeto quanto do sujeito do conhecimento. Do objeto, no
sentido de ―/.../ limpiar su en-si de todos los añadidos del antropomorfismo (en la medida de
lo posible)‖, e, do sujeito com o intuito de fazer com que o comportamento deste, com relação
à realidade, ateste um exame firme a respeito de ―/…/ sus propias intuiciones,
representaciones y formaciones conceptuales‖ (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 154), de modo que se
possa ―/.../ evitar la penetración de actitudes antropomorfizadoras que deformaran la
objetividad en la captación de la realidad‖ (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 154).
Com esses dois conceitos aclarados, seguimos agora em busca de uma melhor
compreensão, como anunciado, das categorizações imanência e transcendência. Para iniciar o
debate, continuamos com as palavras de Lukács: ―/.../ el inmanentismo es una exigencia
insoslayable del conocimiento científico y de la conformación artística‖ (LUKÁCS, 1982, v.1,
p. 26), pois tanto a ciência, quanto a arte são complexos que se fundam na relação objeto-
65
sujeito50. Todavia, a averiguação relativa apresenta o homem primitivo sob grande vinculação
com a transcendência, atrelamento que se deu sob os estágios iniciais do desenvolvimento
humano51. Ambos os complexos, ciência e arte, com a ampliação das faculdades
intelectuais52, paulatinamente, foram construindo uma independência com relação ao sublime.
Dessa maneira, o autor ressalta sobre o complexo da arte:
50
A relação objeto-sujeito se dá com base nas necessidades imersas no cotidiano, de onde parte as necessidades
e para onde retornam as soluções e elevações, proporcionadas de um sujeito para o outro.
51
Recorremos aos estudos de Lessa (2005) para expor a disposição que vincula o homem primitivo à
transcendência, a qual se deve ao fato de que naquela ocasião, ―/.../ Em primeiro lugar, de que os homens
dependiam tanto dos eventos naturais que a história era determinada em larga medida por forças não humanas,
pelas forças cegas da natureza. Em segundo lugar, a concepção religiosa é também um reflexo na consciência do
fato de que a história das sociedades é diferente da história dos indivíduos particulares, de tal modo os desejos e
vontades dos indivíduos raramente comparecem diretamente no desenvolvimento histórico‖ (LESSA, 2005, p.
86). Desse modo, ainda de acordo com Lessa, a religião aparece como pano de fundo, o homem e a natureza são
criações de um mundo não real. Apenas com o desenvolvimento das forças produtivas, o homem vai adquirindo
outras capacidades humanas, que as diferem daquele período primitivo, ―/.../ aumenta portanto o poder dos
homens frente a natureza diminuindo, no mesmo grau, a dependência dos homens frente aos processos naturais.
Pense-se, por exemplo, em como a descoberta da agricultura possibilitou aos homens acumularem reservas de
alimentos e, por esta via, como aumentou a possibilidade de sobreviverem a secas, inundações, incêndios, etc. A
agricultura, por sua vez, depende das decisões em se plantar ou não, o que plantar, quando plantar, ou seja,
depende das decisões humanas, enquanto não cabe aos homens decidirem se a estação será chuvosa ou se o
inverno será mais rigoroso‖ (LESSA, 2005, p. 87).
52
Remetemo-nos à Engels (2004), ao expor que com o desenvolvimento dos sentidos e com o aumento da
consciência, justificados pelo trabalho, o ser social passa a alcançar cada vez mais o entendimento sobre si
mesmo. Nas palavras do autor: ―/.../ estamos em condições de prever e, portanto, de controlar cada vez melhor as
remotas consequências naturais de nossos atos na produção, pelo menos dos mais correntes. E quanto mais isso
seja uma realidade, mais os homens sentirão e compreenderão sua unidade com a natureza, e mais inconcebível
será essa ideia absurda e antinatural da antítese entre o espírito e a matéria, o homem e a natureza, a alma e o
corpo‖ (ENGELS, 2004, p. 24-25).
53
Lukács (2009), afirma que as categorias: particularidade, singularidade e universalidade são categorias
objetivas próprias da realidade.
66
uma reflexão elevada, tanto para o criador, que se realiza na criação, quanto para o receptor.
Assim sendo,
Sobre o caráter de imanência na ciência, o pensador húngaro relata que para essa
ser considerada imanente precisa ser conceituada em suas propriedades e legalidades, já que
no campo científico há necessidade de comprovação, negação, aferição, superação, etc. De
todo modo, sabemos que, no cotidiano, a grandeza de compreensões se dá de modo
aproximado (teoria e prática estão muito unidas), uma vez que não é possível ―/.../ concebir
como absolutamente definitivo ningún conocimento, en ninguma forma, ni pensar que pueda
estar exento alguna vez de correciones, limitaciones, ampliaciones etc.‖ (LUKÁCS, 1982, v.1,
p. 26).
54
Destacamos, mais uma vez, a intenção do filósofo húngaro de desenvolver uma obra sobre a Ética, o que não
foi permitido devido o término de sua vida, apenas dentro do que lhe foi permitido, a elaboração de uma
ontologia do ser social, plano inicial de sua Ética.
67
/.../ sino que determina simplemente las condiciones concretas en las cuales
se hace posible una práctica eficaz, con lo que, ciertamente, determina al
mismo tiempo sus límites concretos, aquel ámbito de juego y despliegue que
el ser social de cada situación ofrece a la consciencia. En esa relación se
manifesta, pues, un dialéctica histórica, en modo alguno una estructura
jerárquica (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 20).
Dito isso, já temos elementos suficientes para discorrer sobre a dialética: homem
inteiro e homem inteiramente55. Depois, portanto, de apresentarmos melhor a estruturada arte,
que é, repetimos, imanente e antropomórfica, e para que possamos enfim nos aproximar de
forma mais rigorosa da discussão de como essa objetivação superior se manifesta no mundo
dos homens. Chegamos agora ao momento de um maior aprofundamento ao que Lukács
chama homem inteiro e homem inteiramente. A relação entre esses dois momentos da vida
que se relacionam reciprocamente tem na arte, como graduação elevada por excelência do
gênero humano, a síntese de ocasionar ao ser social a possibilidade de se transferir da
55
No texto escrito em 1936: A fisionomia intelectual dos personagens artísticos, Lukács relata que Ralph Waldo
Emerson, famoso escritor, filósofo e poeta estadunidense, afirmou que ―o homem inteiro deve se mover
inteiramente de uma vez‖ (LUKÁCS, 1968b, p. 213).
69
Todo análisis serio y algo libre de prejuicios tiene que mostrar que el hombre
de la vida cotidiana reacciona siempre a los objetos de su entorno de un
modo espontáneamente materialista, independientemente de cómo se
interpreten luego esas reacciones del sujeto de la práctica (LUKÁCS, 1982,
v.1, p. 46).
A vida cotidiana é imediata, repetimos, une teoria e prática, e por mais dialética
que seja, vivemos no materialismo espontâneo porque a própria vida é material. Assim, o
homem inteiro está centrado nessa realidade. O autor húngaro, em diálogo com Leibniz56,
relata que ―/.../ otro importante rasgo esencial de la vida cotidiana, a saber: que el que está
comprometido en ella es siempre el hombre entero‖ (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 65). De tal
modo, o homem inteiro,
/.../ el cual vive en sociedad con sus semejantes, desarrolla en esa sociedad
sus más elementales manifestaciones vitales, y consiguientemente tiene en
sus sentidos elementos y tendencias profundamente comunes con las de esos
otros hombres (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 245).
56
Leibniz foi um filósofo alemão do século XVII. Lukács afirma, que as argumentações de Leibniz clareiam o
problema do pensamento e da linguagem e indicam alguns apontamentos sobre o homem no cotidiano, porém
faz algumas ressalvas a respeito de suas ideias serem, muitas vezes, confusas (LUKÁCS, 1965a).
70
Para indicar outro exemplo, com base na leitura lukacsiana, no qual o homem
inteiro se eleva a inteiramente, por ocasião sobrevinda da cotidianidade, recorrendo ao sentido
da audição, isolando o sentido da visão:
/.../ por ejemplo, en la vida cotidiana, el hombre cierra los ojos para percibir
mejor determinados matices audibles de su mundo circundante, esa
eliminación de una parte de la realidad a reflejar puede permitirle captar el
fenómeno que en aquel momento le interesa dominar más exacta, más
plenamente y con más aproximación que la que habría podido conseguir sin
ese prescindir del mundo visual (LUKÁCS, 1982, v.1, p. 36).
/.../ homem inteiro da vida cotidiana – isto é, com interesses práticos que
brotam da totalidade de sua personalidade – surge o homem inteiramente
entregue à vivência homogênea, concentrada, delimitada formal e
conteudisticamente, da obra de arte. Uma entrega que redunda em nova
posse espiritual (PATRIOTA, 2010, p. 266).
No entanto, é necessário ter claro que o homem inteiramente nunca deixa de ser
inteiro, quer dizer, isso bem entendido sob efeito da natureza dialética dessa relação. As duas
configurações convivem no mesmo indivíduo, em alguns momentos uma pode se destacar
com relação à outra. Vale ressaltar que, nos tempos atuais, trafegar entre o homem inteiro e o
inteiramente é um momento raríssimo, dada as condições objetivas que fragmentam o
homem, desferindo profundos golpes em sua humanização.
A nossa escolha por esse homem-inteiro do Renascimento dar-se por ele ter sido
cientista e artista. Assim, podemos citar seu exemplo, que enquanto cientista foi responsável
por grande avanço do conhecimento nos campos da ciência, matemática, engenharia,
anatomia, etc. Nesse sentido, os objetos de interesse independem da consciência humana, são
desantropomórficas, mesmo dependendo da imanência humana para sua revelação; há um
compromisso com a verdade, uma vez que a ciência, ao voltar para o cotidiano, deve ser
comprovada. O clássico trabalho As proporções do corpo humano segundo Vitruvio (figura
1), de Da Vinci, esquematiza tal complexo58.
57
Leonardo di Ser Piero da Vinci, ou simplesmente Leonardo da Vinci, nasceu em 1452, foi um polímata
italiana, um dos maiores representantes do Renascimento. Destacou-se como cientista, matemático, engenheiro,
inventor, anatomista, pintor, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico.
58
Como modo de ilustrar melhor essa evidência no campo científico, o conteúdo e o estilo dos manuscritos não
explicam por si só a verdadeira paixão do artista ante os novos conhecimentos, revelam também, seu interesse
por escrevê-los e expô-los. Recorremos ao trabalho As proporções do corpo humano segundo Vitruvio. Este
72
Adiantamos que o capítulo seguinte tem como escopo apresentar a arte e sua
capacidade de refletir o hinc et nunc, expressão latina muito utilizada por Lukács, que quer
dizer, grosso modo, aqui e agora. Procuramos expor, as barreiras, pelas quais, a arte e o artista
desenho ilustra a interpretação de Leonardo da Vinci, com base no texto do terceiro livro de De Architectura de
Vitruvio, que examinou as proporções do corpo humano usando como unidade de medida o dedo, o palmo, o pé
e o antebraço, e representou a imagem do homem bene figuratus, em pé, com os braços e as pernas estendidos,
cuja posição se inscreve exatamente nas formas geométricas mais perfeitas, quer dizer, a circunferência, cujo
centro coincide com o umbigo, e o quadrado, cujo centro é a altura dos genitais. Nesta ilustração, ele corrigiu
inconsistências nas medições de Vitruvio da figura humana, guiado por suas próprias observações e deduções
com base no estudo de modelos vivos (SÁNCHEZ, 2007).
59
Pouco se sabe a respeito da pintura enigmática Mona Lisa, iniciada em 1503 e provavelmente concluída anos
mais tarde, possivelmente em 1516. A modelo é identificada como Lisa Gherardini, esposa de um proeminente
comerciante florentino de seda Francesco del Giocondo, que pode ter encomendado por ocasião do nascimento
de seu filho (Louvre). A intensidade atmosférica obtida através do efeito esfumaçado adiciona o tom de mistério
que permeia todos os elementos da pintura. Sorriso de Mona Lisa ou Gioconda – em alusão ao esposo – tem
intrigado os estudiosos por séculos e seu verdadeiro significado continua a iludir-nos (UNIVERSAL
LEONARDO, 2012).
73
AGORA” HISTÓRICO
60
Vale destacar a tese desenvolvida por Silva (2011), que teve objeto a análise critica da imposição de modelos
de política cultural baseado em editais de cinema e vídeo no estado do Ceará, os quais são subordinados aos
interesses da sociabilidade capitalista.
61
O capitalismo, envolto a uma crise estrutural, que ―/.../ deverá tornar-se mais profunda. E, também, deverá
reverberar através do planeta, até mesmo nos mais remotos cantos do mundo, afetando cada aspecto da vida,
desde as dimensões reprodutivas diretamente materiais às mais mediadas dimensões intelectuais e culturais‖
78
Entendemos que esse não é o fim, o homem não está fadado ao desprazer de não
ter um efetivo atendimento em todos os seus aspectos. Pelo contrário, a situação atual é
passível de mudança, com vistas ao afloramento do sujeito revolucionário, em outra forma de
sociabilidade, o socialismo. Como afirma Tonet (2009), tendo como alicerce a filosofia
marxiana, a batalha pelo socialismo é a batalha pela permanência da vida humana 63. Assim,
nos é dada a alternativa de reverter tal situação, qual seja: encerrar a exploração do homem
pelo homem.
Com base nos estudos marxianos, Lukács (1982) assevera que a sociedade
capitalista é aquela que antecede a sociedade socialista e, para tanto, aquela que apresentará à
nova sociedade qualidades precedentes para que se efetivem mudanças urgentes, assim:
(MÉSZÁROS, 2000, p. 15). Voltaremos a expor mais claramente a este respeito no item seguinte, pois nos
ocuparemos ao tratamento da estética diante da crise profunda do capitalismo.
62
Marx (2004), em sua obra Manuscritos Econômico-Filosóficos, nos apresenta a base material, na qual se
caracteriza o estranhamento da sociedade capitalista em quatro determinações do trabalho, quais sejam: 1) o
produto que decorre do trabalho é estranho ao homem; 2) o homem não tem domínio sobre o processo do
trabalho; 3) o homem não reconhece a natureza como seu corpo inorgânico e 4) o homem vê no outro homem
seu maior obstáculo.
63
Além do esclarecimento que o texto de Ivo Tonet traz a respeito da crise do capitalismo e a alternativa que é o
socialismo, indicamos, outro livro, do mesmo pesquisador, que elucida melhor as questões acerca de outra
sociabilidade: Sobre o socialismo, publicado pela HDLivros, no ano de 2002.
79
64
Santos (2013), com base nas pesquisas do filósofo brasileiro Vieira Pinto, debate a importância crescente da
técnica e da tecnologia para a vida dos homens. Aquele autor indica que posterior a criação das primeiras
ferramentas, os homens tornaram-se socialmente técnicos, depois desse momento, cada fase histórica posterior,
necessariamente, terá que possuir um construto tecnológico mais rico que a anterior.
80
Lukács situa, ainda, que a autonomia, disposta em uma sociedade que extingue o
amor pela vida, contrai-se uma inditosa independência diante da vida, de modo que podem
emergir duas funções, a saber: ―/.../ a que é um momento da vida, que é a exaltação da sua
riqueza e de sua contraditória unidade, e a que é um enrijecer-se, um estéril dobrar-se sôbre si
mesmo, um apartar-se da móvel conexão do todo‖ (LUKÁCS, 1965b, p. 271). Percebemos
que a arte, disposta na sociabilidade do capital, pode, por um lado, registrar a contradição,
65
Já abordamos anteriormente os termos: dependência ontológica e autonomia relativa (capítulo 2). Para uma
melhor compreensão recomendamos a leitura da dissertação: Trabalho, reprodução social e educação, de
Marteana Ferreira Lima, defendida em 2007, no Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Estadual do Ceará.
81
Partindo do que de mais puro constitui uma arte autêntica, Lukács (2009) relata a
importância de um estudo da essência humana, a humanitas, contudo, além da precisa
consideração do curso da arte, é necessário, como afirmado anteriormente, a defesa da
integridade do ser social, contrária a toda e qualquer disposição que agrida a essência da
humanidade, e, por conseguinte, a essência da arte. Para tanto, faz-se necessário um desenlace
que contorne o real de modo integral e verdadeiro, que consista numa representação universal
da vida, ou seja, nos termos do esteta húngaro, uma criação artística realista.
Com efeito, vale ressaltar que a arte aplicada ao realismo, de acordo com Lukács,
nada tem a ver com estilo artístico, mas com a reprodução artística da realidade, à fidelidade
ao real, ―/.../ o esforço apaixonado para reproduzi-lo na sua integridade e totalidade‖
(LUKÁCS, 2009, p. 102). Este é um princípio basilar asseverado por Lukács, embasado pela
concepção marxiana. A arte realista batalha contra a reprodução mecânica, vazia e superficial
da realidade.
Mészáros ratifica, como exemplo, fazendo uma menção ao juízo de gosto dos
filósofos Marx e Engels, que os artistas gregos são grandes realistas, do mesmo modo que foi
considerado Balzac. Estes são arquétipos de distintos períodos históricos, mas o que faz deles
grandes realistas se deve ao fato de que obtiveram uma abrangência artisticamente apropriada
das relações humanas essenciais de cada momento histórico.
A arte, quando autêntica, aponta para uma maior apreensão da existência em sua
totalidade, de modo que, para o esteta húngaro, a legítima arte procura compreender o
82
andamento mais essencial dos fenômenos, porém não de modo abstrato. É um processo
dialético, pelo qual a arte pode proporcionar a realidade de modo integral, demonstrando todo
seu desenvolvimento. A essência se revela em fenômeno e este se manifesta em movimento,
em sua essência, tendo em vista que ambos – fenômeno e essência – são desenvolvidos e
membros no cerne da realidade objetiva.
Vale destacar, novamente, o fato de que todo grande artista realista é circunscrito
pela ―/.../ tentativa apaixonada e espontânea de captar e reproduzir a realidade tal como ela é,
objetivamente, na sua essência‖ (LUKÁCS, 2009, p. 108). Sendo assim, a estética marxista,
prima por uma arte que ostenta o processo social universal a ponto de torná-lo sensível e
apreensível, por meio da dialética do fenômeno e da essência. Nesse sentido, o artista deve ser
incorruptível com a realidade, devendo levar a cabo até as últimas conseqüências, ―/.../ sem se
perturbar com o fato de que suas mais profundas convicções viram fumaça por estarem em
contradição com a autêntica e profunda dialética da realidade‖ (LUKÁCS, 2009, p. 113).
esquerda, ao contrário, de acordo com Engels, assumiu uma posição política legitimista, e,
apesar de seu encanto pela classe abastada, o escritor francês não deixou de escrever contra
seus cômodos fascínios. Sobre tal declarado mérito de Balzac, Engels afirmou que conheceu
muito mais a história da sociedade francesa em seus escritos do que em considerações de
especialistas e considerou, a respeito de sua obra, que ―/.../ sua sátira nunca é tão aguda, nem a
sua ironia é mais amarga, como quando faz agir os homens que mais o atraem: os
aristocratas‖ (MARX; ENGELS, 2010, p. 69). Assim, entendemos que o realismo pode se
desenvolver independentemente dos fascínios de quem o emprega.
Com efeito, entendemos, a partir dos estudos do esteta húngaro, que o modo de
produção capitalista é hostil à arte e compreende uma divisão da totalidade concreta do
homem em ―especializações abstratas‖66 (LUKÁCS, 2009, p. 28 Conforme afirma Lukács
(1982, v.1, p. 181), o ―/…/ ser social, especialmente en las condiciones del capitalismo
66
Lukács (2009) confere ao termo ‗especializações abstratas‘ à ausência de direção à integridade humana, tendo
em vista o caráter minimizante proposto pela falta de objetividade que lhe é dado.
85
decadente, produce una creciente opacidad de la vida (de la vida social) como totalidad‖. O
homem é condenado a um processo de deformação humana em favor da desumanização dos
sentidos.
Não podemos deixar de explicitar que o programa filosófico de Marx tem, como
um dos eixos principais, a emancipação dos sentidos humanos, desse modo, Mészáros (2006)
posiciona filosoficamente o lugar da sensibilidade. Mészáros questiona: qual é o local que os
sentidos humanos devem ocupar na escala de valores humanos? O mesmo responde que é
necessária uma restituição dos sentidos humanos, tendo em vista o que se dissipa na
sociedade cindida em classes. O homem não consegue desenvolver plenamente seus sentidos,
na relação homem-natureza, homem-homem, o ser social torna-se cada vez mais
desumanizado.
A educação para o século XXI, de acordo com o documento oficial, tem como
ponto relevante ‗a estética do cotidiano‘ enquanto proposta de progresso na transformação do
homem. No entanto, a base do cotidiano, constantes das políticas educacionais hegemônicas,
equivale a uma apelação ao mais puro e rebaixado nível do cotidiano, na qual, este perde seu
poder de soerguer e afixar a memória da humanidade, focalizando em uma direção rasteira,
67
Durante a graduação no curso de Pedagogia, como já descrito anteriormente, fizemos, por ocasião do trabalho
monográfico, uma análise do ensino da arte na educação brasileira contemporânea, evidenciando os rebatimentos
da crise estrutural do capital. Para tanto, além do estudo teórico sobre a gênese e a processualidade histórica do
ser social e o exame bibliográfico de algumas das principais categorias presentes na obra Estética I de Georg
Lukács, apresentamos uma breve contextualização das diretrizes do Movimento de Educação para Todos,
examinando, outrossim, a filiação dos princípios que norteiam os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais –
como documento oficial em foco, especificamente o volume seis, intitulado: arte. Nele discutimos aspectos
como: mercantilização, pragmatismo, economicismo, subjetivismo, flexibilidade do ensino da arte na sociedade
contemporânea. Neste texto, consideramos preliminarmente, que esses aspectos priorizam a acumulação de
capital em detrimento da satisfação das necessidades humanas.
87
sem qualquer tipo de elevação do homem. O cotidiano, disposto pelo sistema do capital, não
serve como solo de rebatimento para que o gênero humano se enriqueça.
Ainda de acordo com Simon e Dantas (1985), ―/.../ a expressão poética hoje não
toma qualquer distância da experiência e da linguagem cotidianas, nem mais aspira a
idealizações formais‖ (SIMON; DANTAS, 1985, p. 48). O conhecimento primoroso, aquilo
que de melhor o homem conseguiu elaborar é deixado de lado em favor do imediato, do
conhecimento raso, aquele que não ultrapassa a esfera cotidiana. No sentido de complementar
o que dissertamos sobre a relevância da riqueza constituída pela humanidade, apoiamos-nos
em Vigotski (2003) ao versar sobre a importância da educação estética da criança associada
ao que foi melhor organizado pelo ser social. Segundo o psicólogo russo:
Direcionamos nosso enfoque, agora, ao artista, pois quanto mais intenso for seu
conhecimento tão menos rasteiro será o nível de sua expressão. O artista, inserido também
88
Nesse sentido, temos a arte e o artista como artefatos de uso quase que exclusivo
da burguesia. Mesmo apresentando essas considerações de Lukács do século passado,
poderíamos citar muitos exemplos do que acontece no século XXI. Apresentamos a lei nº
8.313 – Lei de incentivo à cultura, também conhecida como Lei Rouanet, a qual surgiu com a
intenção de captar recursos de pessoa física ou jurídica com a finalidade de patrocinar a
cultura e a empresa por meio de incentivo fiscal e divulgação da marca empresarial junto ao
público. Confirmando o exposto, citamos o que o Art. 18 da referida lei, referente ao
incentivo a projetos culturais, apresenta:
Como podemos perceber a lógica de mercado dita os meios pelos quais a cultura
será estabelecida, ou seja, a arte é usada para fins mercadológicos, ou como bem afirmou
Lukács, um produto da divisão capitalista do trabalho. Em matéria publicada pelo Jornal O
Povo (ANEXO A), no dia 25 de fevereiro de 2013, lê-se que a Lei Rouanet aprovou mais de
500 projetos para o ano de 2013, isso em diversas áreas culturais. O que é destaque neste
tópico do jornal confere no tocante à área musical, uma vez que, a avaliação propalada pela
Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) relata que:
/.../ o maior valor da área musical é destinado para shows de Claudia Leitte.
Após ajuste orçamentário que diminuiu R$ 594 mil do projeto original, a
cantora de axé poderá captar R$ 5.883.100,00 para apresentações pelo Brasil
em uma turnê prevista para maio, junho e julho de 2013 (LEAL, 2013, s/p).
89
Como podemos observar, vivemos a mercê das avarias do mercado, do que é mais
rentável ao capitalista, nesse contexto, há uma limitação em torno da arte. Apropriadamente
Mészáros afirma que ―/.../ a falta de um consumo estético adequado é um sintoma do
empobrecimento humano em geral‖ (MÉSZÁROS, 2006, p. 190). A carência da estética
significa, cada vez mais, não só o estranhamento da arte, como também o estranhamento do
público em relação ao artista, ou ainda, o estranhamento recíproco entre todos os elementos
constitutivos da arte.
A ordem societal do capital suga tudo o que pode da arte, do artista e do receptor a
seu favor, renunciando, desse modo, a totalidade e primando pela ordem privada. O
desenvolvimento estético em todos os seus aspectos, sob essa lógica, se converte a uma
satisfação limitada. O sistema de exploração capitalista estilhaça a juntura entre subjetividade-
objetividade.
Sobre essa questão, afirma Mészáros (2006, p. 182): ―/.../ os sentidos humanos
não podem ser considerados como simplesmente dados pela natureza. O que é
especificamente humano neles é uma criação do próprio homem‖. Isto posto, avaliamos que o
modo como o indivíduo é disposto na sociedade, a partir de como se desenvolve através do
trabalho, é que terá condição ou não para um pleno desenvolvimento dos sentidos. Para que o
homem possa alargar inteiramente suas potencialidades é imprescindível, de acordo com
Mészáros (2006, p. 185, negrito e itálico do autor), a ―/.../ ‗emancipação completa de todas as
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Apesar disso, de acordo com o esteta húngaro, dentro da mais perversa barbárie
burguesa, é possível manifestar-se ―/.../ esplêndidas ilhas de civilização humana‖ (LUKÁCS,
1965b, p. 265), o que pode ser considerado, em meio a toda contradição expressa no seio da
crise, um papel privilegiado da arte, pois são considerados dignos e engenhosos atos de
audácia que se fincam no imbróglio do sistema capitalista, mas que tendem a estar afastados
da totalidade, visto que o sistema capitalista, ―/.../ vitorioso economicamente, abate cada vez
mais a resistência dos autênticos paladinos da civilização‖ (LUKÁCS, 1965b, p. 265). A arte
travada sob o crivo do capital tende a degenerar-se cada vez mais.
/.../ Nos germes espontâneos de onde surge a arte desta espécie pode, por
vezes, conter-se uma vontade de oposição. Mas quando quedamos
prisioneiros da espontaneidade e a exaltamos na teoria e na crítica, nenhuma
outra solução é possível além da monótona e estéril gangorra entre o
desvario e a insensibilidade (LUKÁCS, 1965b, p. 279).
O que fica claro nas dicas dadas é o pragmatismo afeito a lógica capitalista, onde
―gostar da obra de arte‖ sugere o mais puro subjetivismo, ―analisar a carreira do artista
levando em conta sua relevância futura‖ transborda o utilitarismo, a ―tendência de vanguarda‖
colada ao pós-modernismo vazio de sentido, ―saber que o investimento se dará em longo
prazo‖ afinal de contas, tempo é dinheiro. Cada vez mais a arte se encontra inserida a essas
condições perversas. O Governo quer saber se a verba destinada aos editais terá retorno aos
cofres, tanto do estado, quanto dos empresários. Ambos questionam o que vale mais a pena?
Daí a expressão da matéria ―Arte de valor‖ (GUERRA, 2010). O que os artistas realistas
autênticos entendem como arte de valor passa ao largo dessa lógica. A finalidade da arte
realista tem outra essência. Como tudo é bem alinhado, põem as comissões avaliadoras, os
artistas e a arte, tudo, em um mesmo balcão, para que o pragmatismo se alimente da lógica
mercantil.
principal função é firmar o lucro da grande burguesia, no curso dessa circunstância, ―/.../
desemboca toda no rio cujas águas deveriam proteger as periclitantes fortalezas do
imperialismo contra a sublevação dos trabalhadores. (LUKÁCS, 1965b, p. 279).
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Utilidade esta, que de acordo com Mészáros (2010) não é de uso social, mas de uso individual.
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Embora haja esforço por parte de avulsos artistas, com vistas a eliminar o
alheamento à vida, lutando pela recomposição da integridade, a tragédia da arte, como nos
esclarece Lukács (1965b) toma corpo em tempos de crise do capital. A arte transforma-se em
mercadoria e lesiona o universalismo, uma vez que a sociedade do capital é contrária a um
desenvolvimento estético pleno, ao contrário, prima por uma abstração subjetivista-
objetivista, às piores qualidades que pode oferecer. Daí, torna-se mais difícil apreender o
conhecimento historicamente acumulado, a ordem das coisas, a concretude. O que está mais
alto no pedestal são um devaneio surreal do conhecimento e uma intensa decomposição da
arte.
humanidade não está predestinada a perecer no mal capitalista. O homem requer mudanças, a
emancipação dos sentidos, em meio a essa crise profunda, se faz urgentemente necessária.
Através das laborações indicadas por Marx e Engels, por trazerem à tona as raízes
da problemática analisada, foi possível evidenciar, segundo o filósofo húngaro, ―/.../ de onde
provém e para onde se dirige o processo geral, bem como o modo pelo qual será possível
salvaguardar realmente a integridade humana, a integridade do homem real‖ (LUKÁCS,
2009, p. 116). Ademais, segundo a linha de pensamento lukacsiana, é possível apontar como
se fará uma alteração das bases materiais que hostilizam o homem em favor de uma
sociabilidade que prime por uma efetiva formação humana integral.
Cercados pela teoria desenvolvida por Lukács, com todo o mérito da teoria
marxiana, entendemos que a efetiva história da humanidade se dará a partir do momento em
que estivermos livres da propriedade privada e isso só se dará com o findar do capitalismo.
Apenas dessa forma, o ―humanismo socialista‖ permitirá ―/.../ à estética marxista a unificação
do conhecimento histórico e do conhecimento puramente estético‖ (LUKÁCS, 2009, p. 118),
união esta que não pode ser apartada.
Vivemos em uma sociedade miserável, que não prioriza condições objetivas para o
desenvolvimento estético. Sociedade esta que não nos permite vivenciar a dança, a pintura, a
escultura, as artes plásticas de maneira geral, a música, a não ser de forma mínima. Vale
ressaltar que se este grau ínfimo de elevação das formas superiores do humano não serve para
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a minoria detentora do poder, também não atende a maioria sufocada pelo sistema metabólico
do capital. Nesse sentido, o pleno evolver estético permanece fora do contexto da classe
trabalhadora. O desenvolvimento artístico tende a adormecer sob a lógica metabólica
capitalista, com isso, perdem-se ―Pinxinguinhas‖, "Zezinhos", ―Shakespeares‖, ―Tarcilas‖,
―Goethes‖, "Marias", ―Gonzagas‖, ―Buarques‖, ―Da Vincis‖, ―Machados‖, ―Clarices‖ e
muitos outros que, em meio à seleção classista e, por isso excludente, em que estamos
inseridos, pela crise profunda do capitalismo contemporâneo, são obstruídos da maravilhosa
viagem através da ascensão do homem inteiro ao homem inteiramente.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
/.../ As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a
vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o
espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não
adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem
mistificação (Carlos Drummond de Andrade, 2006, p. 80).
que faz com que o homem entenda a própria vida na natureza e na sociedade, assim,
consideramos a maior prova da imanência humana.
Consideramos ademais, sob base da teoria marxiana, seguir nossa análise por
considerar esta direção a que melhor explicar a realidade, tendo em vista que esta teoria é a
única, até o momento, que abre possibilidades objetivas no sentido de apreender o real em sua
totalidade, sem deixar de lado o processo de subjetividade. Designadamente ao tratamento do
nosso objeto, Lukács reafirma: ―/.../ esta concepção penetra nas raízes mais profundamente
entranhadas no solo, nem por isso nega a beleza das flores‖. De modo oposto, é através do
entendimento da totalidade, que ―/.../ a estética marxista, e somente ela, que fornece os
instrumentos para uma justa compreensão deste processo na sua unidade, na sua orgânica
conexão entre raízes e flores‖ (LUKÁCS, 2009, p. 117).
Dito isto, para melhor expor as considerações sobre o pensamento estético lukacsiano,
vale reapresentar, brevemente, o exame atento que explicitamos nesta dissertação, o encontro
de Lukács com a literatura, sobretudo, a partir daquela, feita no Instituto Marx-Engels-Lênin,
onde o filósofo húngaro passou a ter contato com essenciais obras formando, a partir de então,
seu pensamento maduro, a partir do qual foi possível descartar suas concepções idealistas,
uma vez que o esteta húngaro dedicou-se, nas décadas de 1930 a 1950, a uma vasta
contribuição intelectual alinhada à teoria marxiana. É importante lembrar o quanto essa
produção sugere o sentido do encontro com a estética marxista. Datam deste período,
publicações como: o ensaio Narrar ou descrever (1936); o livro O romance histórico (1937);
o escrito Marx e o problema da decadência ideológica (1938); edita estudos sobre o Fausto,
de Goethe (1941); Goethe e sua época, Literatura e democracia, Arte livre ou arte dirigida?
(1947); Existencialismo ou marxismo?, Thomas Mann, O realismo russo na literatura
universal (1949); Realistas alemães do século XIX, Literatura e arte como superestrutura
(1951); Balzac e o Realismo Francês (1952); A Destruição da Razão, Nova História da
Literatura Alemã e Contribuições à História da Estética (1954); Problemas do realismo
(1955).
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Não obstante, Lukács deixa claro em sua obra madura, que a atividade estética,
considerada por ele como atividade espiritual, suspende o indivíduo do seu cotidiano. Essa
atividade, entretanto, não pode ser entendida, como algo referente à alma, mas que se
relaciona às formas de necessidade e constituição da vida concreta do homem situado
historicamente em seu mundo.
A arte, bem como a ciência, desse modo, é exemplo por excelência da imanência
humana, pois é fenômeno social, inseparável do sujeito, é produto da evolução social, do
homem que se faz homem mediante seu trabalho. Através da arte, é permitido, a partir da
categoria da particularidade, transitar do singular, purificando-o ao universal, acessando o
privilegiado espaço de exacerbação da subjetividade humana e assim causar no sujeito uma
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reflexão elevada, tanto para o criador, que se realiza na criação, quanto para o receptor, que
aprecia o produto do artista.
Tal reflexão elevada pode ser explicada, baseado na estética lukacsiana, tendo
como apoio a relação dialética entre o homem inteiro e o homem inteiramente. A relação
entre esses dois momentos se dá pela possibilidade de se deslocar da circunstância de homem
inteiro ao andamento de homem inteiramente. A arte, na medida em que acessa os elementos
constitutivos da elevação humana, soergue o homem em sua forma superior de abstração, pois
o distancia, mesmo que seja somente em poucos instantes, apenas no espaço-temporal da
catarse, da forma de ser da vida cotidiana.
No entanto, é necessário ter claro que o homem inteiramente nunca deixa de ser
inteiro, dito de forma que fique muito bem entendido, sob efeito da natureza dialética dessa
relação. Vale ressaltar que as duas configurações convivem no mesmo indivíduo, em alguns
momentos, devido, sobretudo ao efeito catártico produzido pela arte, o homem inteiramente
pode destacar-se com relação ao seu homônimo do cotidiano. Com efeito, nos tempos atuais,
trafegar entre o homem inteiro e o inteiramente é um momento raríssimo, dada as condições
objetivas que fragmentam o ser social e sua relação com a realidade, desferindo profundos
golpes em sua humanização.
Direcionamos nosso enfoque agora ao artista, uma vez que quanto menos intenso
for seu conhecimento tão mais rasteiro será o nível de sua expressão. O artista, inserido
também nessa lógica conveniente ao sistema capitalista, tende a estagnar no cotidiano
paupérrimo, sendo cada vez mais difícil a possibilidade de elevação, pois a sociedade,
conduzida sob o amparo do capital, exige do artista formas de adequação, tendo em vista sua
própria lucratividade.
Por outro lado, analisamos, com base nos estudos de Lukács, que mesmo neste
estado relatado, há possibilidade para que o homem consiga trazer ao solo cotidiano uma arte
plena de sentido, pois, na circunstância que nos encontramos, a arte pode negar, denunciar,
expressar a contradição ou mesmo, apontar o devir, inserido nessa realidade desumana. Para o
esteta húngaro, o ―/.../ profundo conhecimento da vida jamais se limita à observação da
realidade cotidiana‖. É necessário apreender elementos fundamentais, ―/.../ à luz da suprema
dialética das contradições, as tendências e as forças operantes, cuja ação é dificilmente
perceptível na penumbra da vida de todos os dias‖ (LUKÁCS, 2010, p. 196). Desse modo, é
possível pensar numa outra forma de sociabilidade.
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