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CENTRO DE HUMANIDADES
CURSO DE GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
FORTALEZA – CEARÁ
2019
ALAN DUARTE ARAÚJO
FORTALEZA – CEARÁ
2019
ALAN DUARTE ARAÚJO
A realização deste trabalho não teria sido possível sem a orientação do Prof. Dr.
José Expedito Passos Lima, que com atenção e paciência acompanhou a minha
pesquisa, bem como estimulou o meu aperfeiçoamento intelectual, sobretudo no
meu contato com a língua italiana e com outros autores da História da Filosofia,
normalmente, tão esquecidos no universo filosófico atual.
Destaco, também, a importância que o Prof. Dr. Daniel Camurça Correia, meu antigo
e primeiro orientador, exerceu para a execução deste trabalho, ou seja, as suas
primeiras lições a respeito do universo de pesquisa e docência acadêmica, relativas
às melhores formas de estudar e pesquisar, me acompanharão por toda minha
formação e aperfeiçoamento acadêmico.
Agradeço aos professores Mr. Sérgio Borges Néry, Drª. Danielle Maia Cruz, Mr.
Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato. Todos, de alguma maneira, me ilustraram a
importância do esforço, dedicação e rigor intelectual. Contribuíram ainda para a
minha decisão de interromper a minha graduação em Direito, a fim de concluir a
minha formação no curso de Filosofia. Serei eternamente grato.
Agradeço, ainda, as professoras Drª Viviane Magalhães Pereira e Mrª Eliana Sales
Paiva, por gentilmente consentirem participar da banca de avaliação desta
monografia.
A todos amigos, colegas e mestres, pelos diálogos, pela confiança depositada e pelo
carinho. Agradeço, em especial, à minha namorada Isadora Paiva de Almeida, e aos
meus amigos Hellen Olympia Freitas Uchoa, Gustavo Lourenço e João Victor, pela
motivação e inspiração que me ofereceram. À minha família pelo suporte financeiro.
Por fim, agradeço à UECE pelo fomento à pesquisa, por criar espaços de debate e
intercâmbio acadêmico e pôr à disposição de discentes, docentes e funcionários
uma estrutura adequada ao desenvolvimento do ensino e da pesquisa.
“[…] para o proletariado, e somente para
o proletariado, uma noção correta da
essência da sociedade é um fator de
poder de primeiríssima ordem, talvez até
a arma decisiva”.
(Georg Lukács)
Esta monografia tem como tema a relação entre dialética e práxis na reflexão de
Georg Lukács (1885 – 1971), com base na sua obra História e Consciência de
Classe (1923). Este tema se inscreve no horizonte da filosofia social e política, e
reconhece, em Lukács, a sua vasta produção teórica, na qual se verificam
contribuições, igualmente, para a estética, ontologia e ética. O destaque conferido às
reflexões políticas de Lukács justifica-se em razão da problemática, aqui, enfrentada:
pensar a retomada lukácsiana da relação entre filosofia e marxismo, a preocupação
em resgatar o procedimento histórico-dialético, na medida em que ele se reporta a
diferentes pensadores e categorias, de orientação não dialética, mas, também,
distantes da elaboração teórica marxiana. Para abordar tal problemática, valeu-se de
certa hipótese interpretativa, qual seja: para uma devida compreensão, de História e
Consciência de Classe, é preciso considerar a articulação entre compromisso teórico
e prático lukácsiano e as razões de sua insistência na importância do tratamento
histórico-dialético da realidade, como uma forma de enfrentamento, quer teorético,
representado pela Segunda Internacional, quer das possibilidades de uma revolução
proletária, em face da estagnação capitalista experimentada na década de ’20.
Ademais, nesta investigação, considerou-se o procedimento histórico-dialético, com
base no qual se busca articular o universo histórico, em que se inseria a experiência
intelectual e política de Lukács, com a particularidade de sua intervenção teórica.
Para a exposição do conteúdo, dividiu-se, este trabalho, em quatro capítulos,
explicitando os principais conceitos, mas, igualmente, questões relevantes, desde a
formação e desenvolvimento intelectual de Lukács, em sua juventude; ao problema
de certa leitura, da obra marxiana, realizada na Segunda Internacional e, em
especial, as fontes do seu pensamento, e a especificidade delas, em História e
Consciência de Classe. Por fim, discutiu-se os limites da elaboração dialética
lukácsiana, intencionando responder à problemática proposta. Deste estudo, conclui-
se a inadequação de se reportar à História e Consciência de Classe como uma obra,
meramente, hegeliana ou subjetivista, pois se trata de compreender as tendências e
orientações intelectuais contraditórias, presentes nela, de modo que os resultados
acertados e equivocados se apresentam articulados à sua constituição e exposição.
This monograph has as its theme the relationship between dialectic and praxis in the
reflection of Georg Lukács (1885 – 1971), based on his work History and Class
Consciousness (1923). This theme fits into the horizon of social and political
philosophy, and recognizes, in Lukács, its vast theoretical production, in which
contributions can also be made to aesthetics, ontology and ethics. The prominence
given to Lukács's political reflections is justified by the problematic here faced:
thinking about the Lukácsian resumption of the relationship between philosophy and
Marxism, the concern with rescuing the historical-dialectical procedure, as it refers to
different non-dialectical thinkers and categories, but also distant from the Marxian
theoretical elaboration. To address this problem, it was based on a certain
interpretative hypothesis, namely: for a proper understanding of History and Class
Consciousness, one must consider the articulation between Lukácsian theoretical
and practical commitment and the reasons for his insistence on the importance of
historical treatment. -dialetic of reality, as a form of confrontation, both theoretical,
represented by the Second International, and the possibilities of a proletarian
revolution, in the face of the capitalist stagnation experienced in the '20s. Moreover,
in this investigation, the historical-dialectical procedure was considered, based on
which one seeks to articulate the historical universe, in which Lukács's intellectual
and political experience is inserted, with the particularity of his theoretical
intervention. For the exposition of the content, this work was divided into four
chapters, explaining the main concepts, but also relevant issues, since the formation
and intellectual development of Lukács in his youth; to the problem of a certain
reading of the Marxian work done at the Second International and, in particular, the
sources of his thinking, and their specificity in History and Class Consciousness.
Finally, the limits of the Lukácsian dialectic elaboration were discussed, intending to
answer the proposed problem. This study concludes the inadequacy of referring to
Class History and Consciousness as a work, merely Hegelian or subjectivist,
because it is about understanding the contradictory intellectual tendencies and
orientations present in it, so that the right and wrong results are articulated to its
constitution and exposition.
1 INTRODUÇÃO.................................................................................... 10
REFERÊNCIAS…………………………………………………………... 169
10
1 INTRODUÇÃO
1 Michael Löwy retoma a expressão de Trotsky, para elucidar a realidade histórica e social dessas
duas nações, quais sejam, a húngara e a russa. Ver, nesse sentido: LÖWY, Michael. Para uma
sociologia dos intelectuais revolucionários: A evolução política de Lukács (1909 – 1929).
Tradução de Heloísa Mello e Agostinho Martins. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas,
1979, p. 65. Ainda nesse sentido, destaca-se que o estudioso da obra lukacsiana, George
Lichtheim, também apresenta um paralelo entre o desenvolvimento histórico e socioeconômico
russo e húngaro. Ver, a esse respeito: LICHTHEIM, George. LUKÁCS. Tradução de Jacobo Muñoz.
Barcelona: Ediciones Grijalbo, 1972, p. 74.
17
5 Ao longo do primeiro capítulo, deste trabalho, observar-se-á uma busca constante em situar o
itinerário intelectual de Lukács no momento histórico, vivenciado por ele, quer húngaro, quer
histórico-universal. Tal perspectiva se inscreve na orientação teórico-metodológica aqui assumida,
segundo a qual uma compreensão aprofundada dos momentos do pensamento de Lukács exige
uma articulação entre o horizonte histórico-universal, em que se desenvolveu o seu pensamento,
com a particularidade da sua intervenção teórica. Esse argumento será retomado no ponto 1.3
deste estudo, quando será problematizado a adequação da categoria conversão/ruptura para a
compreensão do pensamento lukácsiano. Ver, a esse respeito: NETTO, José Paulo. Apresentação.
In: MÉSZÁROS, István (Org.). O conceito de dialética em Lukács. Tradução de Rogério Bettoni.
São Paulo: Boitempo, 2013, p. 13. Sobre a dificuldade de separar os elementos filosóficos e
políticos, ou seja, os “compromissos teórico e práticos” na obra de Lukács, ver: LICHTHEIM,
George. LUKÁCS, p. 30.
6 “Rebeldia” é, de fato, o termo que Leandro Konder se vale para definir, não apenas a trajetória
intelectual do jovem Lukács, mas do seu pensamento como um todo. Não se deve enganar com o
aspecto juvenil que este termo parece revelar, pelo contrário, em Lukács, a sua “rebeldia”, possui,
desde a juventude, uma densidade teórica muito acentuada, bem como um forte reconhecimento
das limitações da sociedade húngara, na qual ele estava inserido. Cf. KONDER, Leandro. Lukács,
p. 32.
19
não existia um movimento deste tipo” (LUKÁCS, 1986, p. 23). Em consonância com
essa postura inconformista, Lukács, em sua juventude, também não postulava a
democracia liberal burguesa como solução para o atraso feudal húngaro (KONDER,
1980, p. 29-30). Nesse período, Lukács buscava outra solução, ainda não verificada
em seu país de origem.
Pode-se sustentar que Lukács tinha a pretensão de se aproximar das
correntes que, na Hungria, dialogavam, de certo modo, com as suas aspirações
subversivas juvenis. Foi nesse contexto que ele entrou em contato com a poesia de
Endre Ady (1877 – 1919), cuja poesia provocou, nele, um efeito “perturbador”, de
modo que ele pôde sentir-se em casa e reconhecer-se nos versos desse poeta. 7
Tamanha identificação se explica em razão do “tom” de inconformismo, presente nos
versos de Ady, pois marcados por traços, não somente antifeudais, mas também
anticapitalistas, como se observa com a defesa do poeta por uma “revolução
democrática”.8
A burguesia húngara apresentava certa incapacidade, já assinalada, de
contestar e se opor, de forma radical, à estrutura feudal do seu país. Ao contrário,
essa burguesia se aproximou da aristocracia húngara, visando assim garantir uma
posição social de destaque. Na medida em que essa burguesia não assumiu um
papel “democrático subversivo”, com relação ao feudalismo, Ady buscou tais
agentes subversivos no movimento operário. Ady postulou, assim, uma revolução
que combinasse o caráter democrático, a saber, como desmonte da estrutura feudal
húngara, com o caráter socialista, vislumbrado no movimento operário húngaro
(LOWY, 1979, p. 76). Todavia, como já argumentado, o movimento operário e
sindical húngaro ainda estava bastante influenciado pelas tendências reformistas do
período. Diante do imobilismo social húngaro, nada restava a Ady senão pensar a
revolução como mero “desejo, esperança e sonho”, ou seja, mero “dever ser”
(MÉSZÁROS, 2013, p. 37). Na prática, todavia, quer Ady, quer Lukács, assumiram
uma postura trágica diante da constatação do imobilismo social húngaro.
7 Esse primeiro contato de Lukács com as poesias de Ady é tão marcante para o seu
desenvolvimento intelectual posterior, que ele chegou a afirmar, em sua velhice: “Mas em todo
caso, mesmo independentemente do seu valor literário, o encontro com a poesia de Ady foi uma
das experiências mais decisivas da minha vida. Não foi uma descoberta ao acaso, como
frequentemente acontece com os jovens, ao contrário, […], permaneci fiel à obra de Ady por toda
minha vida”. Ver, a esse respeito: LUKÁCS, Georg. Diálogo sobre o “Pensamento vivido”. São
Paulo: Ensaio, 1986, p. 24-26.
8 Nesse sentido, ver: MÉSZÁROS, István. O conceito de dialética em Lukács. Tradução de Rogério
Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 36.
20
da leitura que a II Internacional realizou, acerca das obras de Marx e Engels, contra a qual Lukács
irá se opor extensamente em História e Consciência de classe.
12 MÉSZÁROS, István. O conceito de dialética em Lukács, p. 35. Ainda nesse sentido, Andrew
Arato e Paul Breines assinalam: “[…] la vida de Lukács sería particularmente inestable y se
caracterizaría por una serie de asimilaciones, nunca bien consumadas, en diversas culturas [a vida
de Lukács seria particularmente instável e se caracterizaria por uma série de assimilações, nunca
bem consumadas, em diversas culturas]”. Entretanto, mais à frente na exposição, os dois autores
sustentam a inadequação hermenêutica que é pensar o itinerário intelectual de Lukács unicamente
remetendo aos autores da tradição filosófica ou sociológica, dos quais o Lukács poderia ter
extraído certas ideias. Para Arato e Breines, tal concepção mecânica das “influências intelectuais”
pode conduzir o leitor da obra lukacsiana a perder de vista seus momentos particulares e
essenciais, bem como a originalidade de sua obra. Cf. ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven
Lukács y los orígenes del marxismo occidental. Tradução de Jorge Aguilar Mora. México:
Fondo de Cultura Económica, 1986, p. 18; p. 24.
13 Deve-se, sobretudo, esclarecer o sentido de “romântico”, na postura anticapitalista de Lukács, pois
tal étimo pode gerar confusão. Para tanto, vale-se aqui da indicação de Mauro Iasi, segundo a
qual: “Aqui o termo ‘romântico’ pode servir a interpretações equivocadas, uma vez que em Lukács
sempre houve uma crítica ao romantismo. Assim, o anticapitalismo dito romântico deve ser
compreendido como aproximação ético-moral de posições idealistas e não no sentido que é dado
ao termo na crítica literária”. A transição da postura crítica e romântica contra o capitalismo,
presente no círculo de Weber, para uma crítica de teor, eminentemente, cultural, em Lukács, deve-
se, em parte, às circunstâncias socioeconômicas e histórica da Hungria de então. Como o primeiro
momento desta exposição enfatizou, a Hungria ainda era profundamente marcada pelo modo de
produção agrário e semifeudal. O “retorno” a um passado “natural”, em que os sintomas deletérios
capitalistas ainda não estão presentes, só faz sentido em uma nação, como a Alemanha, que
deixou para trás o seu passado feudal. O caso da Hungria era diverso, e Lukács bem o sabia.
21
ainda, o jovem filósofo húngaro pôde entrar em contato com outros pensadores
relevantes, tais como Max Weber (1864 – 1920), Ernst Bloch (1885 – 1977), Georg
Simmel (1858 – 1918).14 Desde cedo, Lukács entrou em contato com interpretações
da filosofia de Kant, em uma perspectiva irracionalista.15 A síntese que se verificou
desse encontro, em um primeiro momento, pode ser observada com a sua primeira
obra, a saber, A história da evolução do drama moderno (1909), em que as suas
preocupações anticapitalistas e culturais encontraram expressão.
Para a elaboração dessa obra, Lukács também viu a necessidade de
Todavia, ainda que ele dirigisse a sua crítica para a produção cultural, a postura romântica e
anticapitalista ainda persistia, mas com algumas modificações em relação aos intelectuais
alemães. Por outra parte, a transição de Lukács para uma postura de crítica cultural, deve ser
compreendida como uma oposição à natureza mesma do “anticapitalismo romântico” apresentado
por Weber, o qual ainda apresentava traços de um “evolucionismo trágico”. De acordo com o
modelo trágico e evolucionista, apresentado por Weber, a “barbárie” se manifestava, nas
sociedades da época, em razão da renúncia ao “homem da racionalidade dos fins”. O
anticapitalismo romântico de Lukács é, portanto, o contraposto do evolucionismo trágico de Weber.
Somente em História e Consciência de Classe, Lukács poderá articular concretamente tais
posturas críticas, formulando, para isso, conceitos como “reificação” e “consciência de classe
proletária”, bem como contrapor-se-á, de forma mais evidente, a noção de “evolucionismo” na
história. Ver, ainda: LÖWY, Michael. Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários: A
evolução política de Lukács (1909 – 1929), p. 85-86; FEHÉR, Ferenc. Al bivio dell'anticapitalismo
romantico: Tipologia e contributo alla storia dell'ideologia tedesca a proposito del carteggio tra Paul
Ernst e György Lukács. In: FEHÉR, Ferenc; HELLER, Ágnes; MÁRKUS, György; RADNÓTI,
Alexander. La Scuola di Budapest: sul giovane Lukács. Tradução de Elena Franchetti. Firenze: La
Nuova Italia, 1978, p. 170-172.
14 A relação de Lukács com Simmel é bastante fecunda, como pôde ser observado na primeira obra
de Lukács acerca do drama, bem como é possível constatar certos reflexos do pensamento
simmeliano até mesmo em História e Consciência de Classe. Nesse sentido, ver aqui: SIMONE,
Antonio. Lukács e Simmel: il disincanto della modernita e le antinomie della ragione dialletica.
Leece: Edizioni Milella, 1985.
15 Para compreender esta afirmação, deve-se situar o universo cultural filosófico no qual se
encontrava a Alemanha no período em questão. Segundo Lichtheim, em 1870 se verificou um
renascimento da filosofia neokantiana, conferindo nova “vida” à filosofia, ainda que isso implicasse
em reduzir a filosofia à “lógica da ciência”, a saber, a uma investigação dos “fenômenos” passíveis
de serem conhecidos cientificamente, de modo que tudo o que ultrapassasse o âmbito fenomênico,
como “coisa em si” inacessível à investigação, restaria descartado da filosofia neokantiana. Esta
interpretação da filosofia foi difundida, sobretudo, pela Escola de Maburgo. No polo oposto, mas
ainda como interpretação neokantiana, a Escola de Heidelberg buscou ultrapassar esse limite à
investigação puramente científica, configurado na “coisa em si”. Para tanto, autores como Dilthey e
Simmel, influênciados por Heinrich Rickert, Wilhelm Windelband e Henri Bergson, intencionavam
pensar a filosofia de Kant em um outro sentido. Desse modo, já no início do século XX, verifica-se,
de acordo com Lichtheim, o predomínio, mediante a Escola de Heidelberg, da Lebensphilosophie,
“uma forma de vitalismo ou intuicionismo que militava no polo oposto do racionalismo científico”.
Mediante tal interpretação, a “coisa em si” já não é mais a barreira intransponível do pensamento,
que deveria portanto restar excluída das ciências, mas, ao contrário, pode ser compreendida por
meio de um “ato de intuição intelectual”. Neste mesmo sentido, Guiseppe Bedeschi avalia o clima
cultural alemão do período: “[…] il clima culturale tedesco del principio del secolo: quella 'spinta
antiintellettualistica e irrazionalistica', quella svolta della teoria dei valori verso l'elaborazione di una
metafisica della vita, che ha in Windelband uno dei suoi esponenti più significativi [o clima cultura
alemão do princípio do século: aquele ‘impulso antiintelectual e irracionalista’, aquele giro da teoria
dos valores em direção a elaboração de uma metafísica da vida, que se verifica em Windelband
como um dos seus mais significativos expoentes]”. Cf. LICHTHEIM, George. LUKÁCS, p. 33-34;
BEDESCHI, Guiseppe. Introduzione a Lukács. 3. ed. Roma: Editori Laterza, 1982, p. 12.
22
escassa, de modo que Marx não assumia esse papel de destaque na história
intelectual.18 Isso explica a razão de o primeiro contato de Lukács com Marx ter sido
tão sutil, além de uma recepção parcial da obra marxiana, já bastante depurada por
outros autores, quer por leituras irracionalistas, como visto, quer por leituras
revisionistas.19 A ausência de condições históricas e concretas, na Hungria, como a
ausência de um proletariado organizado e revolucionário, contribuiu para que Lukács
não reconhecesse a devida importância de Marx.
Face ao imobilismo húngaro, Lukács compreendeu então que o caminho,
para a subversão estaria na crítica cultural. Lukács dá continuidade a essas
investigações, de modo que ele escreve A alma e as formas (1910), ainda na esteira
das influências neokantianas e irracionalistas. 20 É preciso também destacar que A
alma e as formas é expressão de um período no qual Lukács se sente cada vez
mais desesperado com respeito às possibilidades de solução para os seus dilemas
juvenis.
Ademais, nada indicava que, em breve tempo, a Hungria superasse o
imobilismo no qual se encontrava inserida, nem que, em um contexto histórico-
mundial, as formas democrático-liberais seriam suplantadas. Isso explica o tom
dessa obra, de 1910, marcado pela visão trágica de seu autor. 21 Até mesmo a falta
18 Um dos autores de destaque que compunha o círculo de Weber, e que rapidamente se aproximara
de Lukács, foi Ernst Bloch. Em entrevista, comentando sobre o ingresso de Lukács no círculo e as
tendências intelectuais do período, Bloch aduz: “Por esta época, o marxismo não tinha o papel que
tem hoje; era considerado como um modelo entre outros, uma realidade literária entre outras, e,
portanto, não era objeto de polêmica”. Cf. BLOCH, Ernst. Entrevista com Ernst Bloch. In: LÖWY,
Michael. Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários: A evolução política de Lukács
(1909 – 1929), p. 282; Ver, ainda: LUKÁCS, Georg. Diálogo sobre o “Pensamento vivido”, p. 32.
19 Somente no próximo capítulo, desta monografia, abordar-se-á o sentido de “revisionismo” da teoria
marxiana. No momento, basta indicar que a recepção, da parte de Lukács, dessa teoria, está de
acordo com o seu momento teórico, a saber, com seu anticapitalismo romântico. Ver, a esse
respeito: OLDRINI, Guido. György Lukács e os Problemas do Marxismo do Século 20. Maceió:
Coletivo Veredas, 2017, p. 97.
20 Ainda que, em virtude do escopo deste trabalho monográfico, não seja possível uma análise
exegética do conjunto da obra lukacsiana, deve-se destacar quais elementos presentes em A alma
e as formas (1910) se relacionam com o universo cultural alemão, no qual Lukács estava inserido.
Tais elementos se apresentam, sobretudo, com a distinção, operada por Lukács, entre arte e
ciência, entre “mundo da natureza” e “mundo do espírito”. Como já assinalado, na Nota 22, certa
tradição neokantiana, a saber, aquela da Escola de Heidelberg, operava, também com a distinção
entre “ciências da natureza” e “ciências do espírito”. De acordo com essa releitura da obra
kantiana, pensar as “ciências do espírito”, em conexão com a “filosofia da vida”, significava a busca
por uma “visão supra-empírica da totalidade vivente e um movimento da história mundo”. Dessa
forma, buscava-se superar às limitações de restringir a filosofia ao mundo “fenomênico”, ignorando,
de um ponto de vista científico, a realidade da “coisa em si”. Cf. BEDESCHI, Guiseppe.
Introduzione a Lukács, p. 9; LICHTHEIM, George. LUKÁCS, p. 52-53
21 Na obra, o caráter trágico aparece, dentre outros momentos, na oposição entre valores autênticos
e absolutos e valores inautênticos, próprios do cotidiano capitalista. Tal conflito assume um caráter
eterno e imutável, a saber, metafísico. Nesse sentido, ver: LÖWY, Michael. Para uma sociologia
dos intelectuais revolucionários: A evolução política de Lukács (1909 – 1929), p. 115.
24
22 Para Vaisman, é problemático atribuir, simplesmente, um caráter de mero pathos trágico para essa
obra lukácsiana. Todavia, a estudiosa está de acordo com o desespero vivenciado, por Lukács, na
época. Vaisman argumenta: “Para ele, já naquele momento, a incapacidade de concluir é uma
debilidade muito grande e muito desconfortável, que confessa, ao mesmo tempo que anseia por
ultrapassar”. Cf. VAISMAN, Ester. O “jovem” Lukács: trágico, utópico e romântico? Kriterion. Belo
Horizonte, v. 46, n. 112, p. 299, dez. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_abstract&pid=S0100-512X2005000200013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 28 ago.
2019.
23 Sobre o caráter da “recepção” de uma doutrina, Löwy comenta o seguinte: “a ‘recepção’ de uma
doutrina é, ela mesma, um fato social que deve ser compreendido em sua relação com a realidade
histórica concreta”. Cf. LÖWY, Michael. Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários: A
evolução política de Lukács (1909 – 1929), p. XIV. Todavia, deve-se assinalar que este caráter de
“recepção social” não deve ser compreendido mecanicamente. Como visto, o contato de Lukács
com outra realidade cultural e filosófica não representou uma “assimilação” completa e acrítica
dessas teorias húngaras e alemãs, mas possibilitou a Lukács operar uma “síntese” original de tais
teorias, buscando, cada vez mais, compreender o universo cultural e histórico no qual ele estava
inserido. Para tanto, a compreensão da obra marxiana, aos poucos, torna-se uma tarefa
indispensável para Lukács.
24 Cf. LUKÁCS, Georg. Prefácio [1967]. In: LUKÁCS, Georg (Org.) História e Consciência de
Classe: Estudos sobre a dialética marxista. Tradução de Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins
Fontes, 2003, p. 4.
25
do que nos demais membros do grupo. Ademais, Lukács se sentia retraído ante os
elementos positivistas e antidialéticos do pensamento de Weber. 25 Em decorrência
da deflagração, da Primeira Guerra Mundial, o distanciamento de Lukács aumentou,
uma vez que a sua postura firme contra a guerra e o imperialismo divergia das
opiniões, por exemplo, de Weber, um “militarista entusiasta”.26
Nesse universo cultural, Lukács se aproxima cada vez mais de Bloch, de
modo que o contato entre ambos os pensadores se torna fundamental para o
desenvolvimento intelectual um do outro. 27 Por meio de Bloch, Lukács pôde, então,
se afastar de certo positivismo do “círculo de Weber”, aproximando-se do
pensamento de Hegel e desenvolvendo tendências filosófico-messiânicas, já
presentes no seu pensamento.28 Tal aproximação foi decisiva, para Lukács, tendo
em vista que, com o desenrolar da Guerra, o desespero relativo ao presente foi se
tornando cada vez mais sufocantes, bem como Lukács se viu impelido a realizar
uma “abertura” em seu pensamento para a história.
Com base em tal abertura, foi-lhe possível pensar os aspectos
imperialistas da Guerra, assim como as perspectivas de resolução. Daí, então, o
papel fundamental da aproximação com o pensamento hegeliano,
concomitantemente ao seu afastamento das perspectivas neokantianas e formais,
vislumbradas em A alma e as formas. Não se pode esquecer que, em 1933, Lukács
esclarece a “crise filosófica” vivenciada na sua juventude. Ele comenta:
25 Cf. KONDER, Leandro. Lukács, p. 25. Em igual medida, Lukács recusava, como visto, a natureza
mesma do “anticapilismo romântico” e evolucionista de Weber. A esse respeito: Ver nota 13.
26 BLOCH, Ernst. Entrevista com Ernst Bloch. In: LÖWY, Michael (Org.). Para uma sociologia dos
intelectuais revolucionários: A evolução política de Lukács (1909 – 1929), p. 282. Arato e Breines
destacam, nesse tocante, que na correspondência entre Lukács e Paul Ernst, a recusa do filósofo
hungáro à Guerra também é motivada por sua compreensão de que a guerra é a “alienação
capitalista levada ao nível do seu próprio conceito”. O que indica, novamente, a assimilação de
certos elementos da doutrina marxiana, ainda que por mediação de Simmel. Cf. ARATO, Andrew;
BREINES, Paul. El joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental, p. 105.
27 Ao ser perguntado se era, na verdade, Lukács que foi o discípulo de Bloch, como alguns
comentavam na época, Bloch responde: “[…] quando nos separávamos por alguns meses, e nos
encontrávamos depois, descobríamos que ambos havíamos trabalhado exatamente no mesmo
sentido; éramos como vasos comunicantes; a água estava sempre na mesma altura de ambos os
lados”. Bloch indica, assim, que a influência era recíproca e durou por algum período. Cf. BLOCH,
Ernst. Entrevista com Ernst Bloch. In: LÖWY, Michael. Para uma sociologia dos intelectuais
revolucionários: A evolução política de Lukács (1909 – 1929), p. 284.
28 De acordo com Bloch: “Nossa relação sempre foi de aprendizagem recíproca. Desta forma, com
Lukács, conheci Kierkegaard e o místico alemão Mestre Eckart; por outro lado, eu lhe ensinei, por
assim dizer, a conhecer mais profundamente Hegel”. Cf. BLOCH, Ernst. Entrevista com Ernst
Bloch. In: LÖWY, Michael (Org.). Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários: A
evolução política de Lukács (1909 – 1929), p. 285.
26
Russa para que Lukács realizasse, uma vez mais, uma mudança de orientação
teórica, ainda que gradual. 34 Tal mudança esteve condicionada à compreensão de
que a realidade poderia ser diversa: algo que implica uma diferença efetiva ante o
imobilismo social anterior e o desespero que essa constatação proporcionava. 35
Embora uma abordagem acerca da noção de “conversão” só será
possível mais à frente, ao se expor o itinerário intelectual de Lukács, no entanto, já é
possível adiantar, neste momento, que, após o impacto proporcionado pela
Revolução de Outubro, Lukács muda gradativamente de orientação teórica, sem,
contudo, romper de vez com os seus trabalhos anteriores. Nesse processo de
mudança, para assumir perspectivas cada vez mais socialistas, pode-se destacar
que, já na sua obra A teoria do romance, o interesse por questões éticas não está
desassociado, por completo, de certo interesse político (LUKÁCS, 1986, p. 31). É
possível sustentar que, com o desenrolar da Revolução de Outubro e os
desdobramentos dos acontecimentos históricos húngaros, o interesse de Lukács por
questões de matriz política ganharam cada vez mais espaço, até tornar-se
predominante.
Como início dessa transição intelectual de Lukács, qual seja, de sua
mudança de perspectiva em direção a temas políticos, bem como o aumento
exponencial de seu interesse pelo socialismo, é indicativo o seu artigo, escrito no
início de 1918, de título Idealismo conservador e idealismo progressista. Tal artigo
permite repensar não somente a reorientação intelectual de Lukács, já anteriormente
mencionada, mas, também, certos temas e autores do seu passado, que ainda
persistem na sua reflexão, indicando que não foram de todo superados. Tal aspecto
é observável na expressão significativa que Kant e Fichte ainda possuem, para
Lukács, embora sob uma nova matriz interpretativa. 36
34 Em uma entrevista, Lukács, já na sua maturidade, comenta sobre os dois impactos diferentes que
lhe proporcionaram a Primeira Guerra Mundial e a Revolução de Outubro: “[…] oggi non saprei,
non potrei dire se sarebbe stata sufficiente la prima guerra mondiale, l'esperienza personale di
guerra totalmente negativa a fare di me un socialista. È noto che è stata la rivoluzione russa ed il
movimento rivoluzionario ungherese che ne è seguito a fare di me un socialista, e lo sono rimasto
nel corso di tutta la mia vita [hoje não saberia, não poderia dizer se teria sido suficiente a primeira
guerra mundial, a experiência pessoal da guerra totalmente negativa a fazer de mim um socialista.
Reconheço que foi a revolução russa e o movimento revolucionária húngaro que o seguiu a fazer
de mim um socialista, e o permaneci no curso de toda a minha vida]”. Cf. LUKÁCS, György.
Cultura e potere: a cura di Carlo Benedetti. Roma: Editori Riuniti, 1970, p. 133.
35 Comenta Lukács: “Naquele tempo, porém, não via nada que pudesse colocar no lugar daquilo que
existia. É desse ponto de vista que a revolução de 1917 me atingiu tão fortemente, porque de
repente aparecia no horizonte que as coisas podiam também ser diversas”. Cf. LUKÁCS, Georg.
Diálogo sobre o “Pensamento vivido”, p. 29.
36 Ver, a esse respeito: LÖWY, Michael. Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários: A
evolução política de Lukács (1909 – 1929), p. 138.
29
O idealismo ético, à medida que se orienta para a política, não quer senão
criar instituições que correspondam o melhor possível aos ideais éticos, e
fazer desaparecer outras que constituem obstáculo à realização desses
ideais. E toda política que se baseia no idealismo ético é, a todo momento,
consciente de que o que pode realizar é somente política, isto é, a criação
de instituições destinadas a favorecer, positiva ou negativamente, esse
progresso; nenhuma política pode produzir aquilo que na ética é
verdadeiramente essencial: o aperfeiçoamento interior do homem, o homem
ético; pode apenas afastar os obstáculos do caminho do progresso. A ação
ética, ao contrário, desprezando o desvio da política e das instituições, está
voltada para a transformação da alma dos homens (LUKÁCS, 1979, p. 299-
300).
30
39 Ver, a esse respeito: LUKÁCS, Georg. Diálogo sobre o “Pensamento vivido”, p. 31-32; Ver,
ainda: LUKÁCS, Georg. Meu caminho para Marx [1933], p. 94.
32
Lukács, se encontra no “dilema ético” que surge para a classe redentora da história.
Tal conflito é oriundo do fato de que “cada atitude contém em si mesma a
possibilidade de crimes monstruosos e de erros incomensuráveis, mas que deverão
ser assumidos com plena consciência e responsabilidade por aquele que se sinta
obrigado a escolher” (LUKÁCS, 1979, p. 308). Em outras palavras, pode a pureza
dos objetivos do proletariado, a quem Lukács reconhece como classe redentora,
justificar a escolha de maus procedimentos, meios arbitrários e compromissos com
as classes e camadas reacionárias da sociedade?
Para o Lukács de então tal escolha, da parte dos bolcheviques, é uma
questão de fé. Diante disso, ele aduz, em seguida, ser “incapaz de partilhar essa fé,
e isto porque vê um dilema moral insolúvel na raiz mesma da atitude bolchevique,
enquanto a democracia […] não exige daqueles que a querem realizar […] até o fim
senão uma renúncia sobre-humana e o sacrifício de si” (LUKÁCS, 1979, p. 310).
Com base em tais argumentos, é possível inferir que Lukács aproxima-se cada vez
mais de temas políticos e que compreende o bolchevismo como uma questão
fundamental de sua época. Na elaboração de sua linha de raciocínio, percebe-se,
todavia, um “amálgama” de conceitos e autores, com os quais Lukács trabalha,
assim como a continuidade de alguns temas passados, a saber: messianismo, ética,
dualismos neokantianos. Não obstante tal continuidade, pode-se observar que se
opera uma lenta mudança na sua orientação de pensamento.
A mudança, acima descrita, torna-se mais perceptível quando, uma
semana após a publicação do seu artigo sobre o bolchevismo, Lukács adere ao
Partido Comunista. Alguns tomaram tal adesão como abrupta, em razão, sobretudo,
da descrença que ele, na semana anterior, manifestou com respeito à “justeza” dos
meios empregados pelo proletariado revolucionário russo. Nesse sentido, é
ilustrativa a caracterização que alguns amigos próximos, a Lukács, descreveram a
sua “conversão”, a saber, como se de Saulo, transformara-se em Paulo, aludindo à
passagem bíblica.40
40 Ver, nesse sentido: KONDER, Leandro. Lukács, p. 31. Ademais, a adesão de Lukács ao Partido
Comunista não foi encarada apenas como algo surpreendente. Certos integrantes do Partido
manifestaram repúdio à adesão de Lukács, em virtude de suas orientações teóricas prévias.
Comentam, nesse sentido, Arato e Breines: “Uno de los principales funcionarios del partido, por
ejemplo, ha recordado la inquietud y el repudio suyos y de outros camaradas ante lo que
consideraban el marxismo opaco e irrelevantemente metafísica de Lukács, Révai y Fogarsi [Um
dos principais funcionários do partido, por exemplo, recordou a inquietude e o rupúdio seus e de
outros camaradas ante o que consideravam o marxismo opaco e irrelevantemente metafísico de
Lukács, Révai e Fogarsi]”. Cf. ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven Lukács y los orígenes
del marxismo occidental, p. 132.
33
quando aparece a obra História e Consciência de classe, bem como no período após 1929. Daí em
diante, Löwy volta a operar com a noção de “ruptura”. Muito embora a análise exegética do
pensamento de Lukács, depois da publicação de História e Consciência de classe, não seja
realizada, posto que ultrapassaria o escopo deste trabalho, no capítulo 4 teremos a oportunidade
de analisar o argumento de Löwy com respeito a pretensa ruptura operada por Lukács com sua
obra de 1923.
44 Sobre a relação entre verdade e historiografia, ver: HELLER, Agnes. Uma teoria da História.
Tradução de Dilson Bento de Faria Ferreira Lima. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1993.
35
época, destacando que a crise interior, na qual Lukács se encontrava, ocorria por ele
ser um “cidadão de uma nação sem independência, em seguida estilhaçada
completamente com a catástrofe da guerra” (OLDRINI, 2017, p. 94). Nesse sentido,
a adesão lukacsiana, ao Partido Comunista húngaro, seria, em realidade, fruto de
uma aceleração dos tempos, e não uma decisão “repentina” e resultante da fé dele.
Mediante a problematização da noção de “conversão”, Oldrini pôde
sustentar que esse período, do pensamento lukacsiano, vem identificado como
“protomarxismo”, posto que representaria, não um giro em relação às suas obras
anteriores, mas como uma “etapa derivada logicamente das premissas dos seus
ensaios juvenis”.45 Desse modo, ao articular pensador e a sua situação histórica
concreta, sem cair em determinismos, Oldrini oferece uma importante indicação,
teórico-metodológica, sobre como proceder na investigação do pensamento de um
filósofo.
Não se pode aqui desconsiderar os esclarecimentos que Lukács oferece,
em sua maturidade, sobre o seu período de juventude, os quais impossibilitam,
igualmente, postular uma “conversão” plena e não mediada. Ele se expressa, de
forma clara, ao assinalar que a sua adesão, ao Partido Comunista, foi um
“processo”,46 cujo início é observável já em suas inquietações éticas e políticas dos
seus escritos anteriores: como já se expôs nesta monografia. É compreensível,
portanto, Lukács, mesmo após a sua adesão ao comunismo, ainda manifestar
dúvidas e reservas quanto aos “meios” empregados na luta revolucionária. 47
45 Ibidem, p. 93. Em um sentido similar, Arato e Breines sustentam: “[…] el sentido fundamental de la
própria obra de Lukács: la crítica indagadora de las tensiones y contradicciones internas del
pensamiento y el arte alemanes. Cuando en 1918 Lukács consideró que el movimiento
internacional comunista era el único medio concreto de reemplazar la pobreza espiritual y material
de la vida em la sociedad capitalista, se convirtió em el apóstol más crítica y el apóstata más
obediente del comunismo por más de 50 años [o sentido fundamento da própria obra de Lukács: a
crítica indagadora das tensões e contradições internas do pensamento e da arte alemãs. Quando
em 1918 Lukács considerou que o movimento internacional comunista era o único meio concreto
de substituir a pobreza espiritual e material da vida na sociedade capitalista, se converteu no
apóstolo mais crítico e no apóstata mais obediente do comunismo por mais de 50 anos]”. Cf.
ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental, p.
18.
46 O mesmo pode ser inferido pela afirmação de Bloch, acerca do seu amigo: “O Partido Comunista
foi para Lukács a realização de uma antiga aspiração; em sua juventude ele quis entrar para um
monastério: o Partido era um substituto para este desejo secreto. Ele era atraído pelo catolicismo
não como sistema ou doutrina, mas pelo modo de vida, a solidariedade, a ausência de
propriedade, a existência monacal, tão diversa e oposta à da grande burguesia a que pertencia por
sua família, a seu pai, diretor de banco”. Cf. BLOCH, Ernst. Entrevista com Ernst Bloch. In: LÖWY,
Michael. Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários: A evolução política de Lukács
(1909 – 1929), p. 288; Ver, ainda: LUKÁCS, Georg. Diálogo sobre o “Pensamento vivido”, p. 32.
47 Será ainda preciso considerar, na próxima seção, escritos, de 1919 em diante, em que Lukács
expressa essa preocupação.
36
[…] “ruptura radical” não é o mesmo que “mudança qualitativa”. Esta pode
caracterizar a totalidade do desenvolvimento do sujeito, enquanto aquela
está confinada a certos aspectos desse desenvolvimento, por mais
importantes que sejam em alguns pontos – por exemplo, sociologicamente.
Uma “conversão total”, desde que não se confine ao conteúdo ideológico do
pensamento do sujeito, mas supostamente abarque a estrutura geral de seu
pensamento, é bastante duvidosa, mesmo no que se refere aos “fanáticos
religiosos”. Não é por acaso que comunistas religiosos, quando
desapontados, transformam-se em anticomunistas religiosos. A “conversão
total” é privilégio de uma segunda infância intelectual que deve suceder a
uma amnésia completa (MÉSZÁROS, 2013, p. 34).
48 Como já ressaltado, anteriormente, em virtude das limitações que o escopo deste trabalho se
inscreve, não será possível avaliar a obra de maturidade do Lukács, objetivando destacar os
elementos de continuidade em sua reflexão. Não obstante tal limitação, a devida compreensão
desta postulação teórico-metodológica será, de grande importância, para o desenvolvimento desta
monografia.
49 Nesse sentido, Netto sustenta: “Frequentemente, no entanto, a prática das periodizações faz-se de
forma a obscurecer o fato capital de que elas devem captar modificações inseridas numa linha
evolutiva que circunscreve um campo de continuidade; frequentemente, as periodizações tendem à
hipostasia de rupturas”. Cf. NETTO, José Paulo (Org.). Lukács: tempo e modo. São Paulo: Ática,
1992, p. 27.
50 Segundo a original interpretação de Mészáros, os contornos da mesma estrutura de pensamento
de Lukács, devem ser buscados em uma “ideia sintetizadora fundamental” que abarca as suas
obras. De acordo com Mészáros, tal ideia consiste na dualidade dialética entre “Ser” (Sein) e
“Dever-se” (Sollen). A esse respeito, ver: MÉSZÁROS, István. O conceito de dialética em
Lukács, p. 33.
37
51 Ver nota 5.
52 NETTO, José.Paulo. Apresentação. In: MÉSZÁROS, István (Org.). O conceito de dialética em
Lukács, p. 13. Ainda, nesse sentindo, Mészáros comenta: “Aqui, mais uma vez, é claro, a relação
é dialética: seria tolice negar que as influências assimiladas são influências e exercem seu efeito
na orientação posterior do filósofo como elementos constitutivos – por mais que sejam
'aufgehoben' [suprassumidos] – de seu princípio de seleção e síntese. Nessa relação, não
obstante, a própria situação histórica tem primazia sobre as influências intelectuais. O que separa o
filósofo importante do eclético inteligente é a irrelevância histórica da síntese puramente acadêmica
do segundo, quando comparada à máxima importância prática do primeiro”. Cf. MÉSZÁROS,
István. O conceito de dialética em Lukács, p. 35.
53 Com o desencadeamento da Primeira Guerra Mundial, aprofundaram-se as contradições sociais e
possibilitou o surgimento de radicais burgueses na Hungria. Todavia, apesar do aparente
radicalismo, tal classe ainda apresentava resquícios conversadores, o que pode ser vislumbrado
na insustentabilidade que essa “coalizão” com a social-democracia apresentou, vindo,
rapidamente, a desmoronar. Ver, a esse respeito: KONDER, Leandro. Lukács, p. 30-31.
54 Dentre os problemas práticos, com os quais Lukács se depara, pode-se, aqui, mencionar a
necessidade de “compatibilização entre uma prática dirigida por uma consciência de vanguarda e o
estado de espírito das massas, condicionado pelo atrasado”, assim como a escassez de produtos
38
aproxima, pela segunda vez, da obra de Marx, em razão de sua compreensão cada
vez maior do caráter imperialista da Guerra Mundial, bem como da necessidade de
responder a tais questões práticas concretas. Tal aproximação se deu, de início, pelo
aprofundamento do estudo de Hegel, no decorrer do qual Lukács se aproximou de
Feuerbach, terminando por se dedicar às obras de Marx, em especial, aos escritos
juvenis marxianos, além da obra Introdução à Crítica da Economia Política (1857).
Não se trata mais, porém, do recorte anterior, em relação à sua recepção da obra
marxiana, no sentido de uma “sociologia”. Ademais, ele buscou, não sem
dificuldades, superar Hegel por meio de Marx, em virtude de seu interesse prático de
condução das questões da revolução proletária.55
O período da Comuna húngara representou, no entender de Lukács, uma
direção para a realização de seu pensamento. Significativo é, portanto, a
aproximação com o pensamento de Lênin, cujo destaque se deve em razão,
sobretudo, de seu “realismo” político. 56 Ao tentar responder aos problemas
concretos, os quais aparecem na Comuna, Lukács é obrigado a afastar-se, cada vez
mais, das posturas idealistas e românticas de sua juventude. 57 Em síntese, e ainda
na esteira da argumentação teórico-metodológica, desenvolvida na seção anterior, a
afirmação de Netto é significativa: “Não há a menor dúvida de que, em todos os
diferentes estágios da sua evolução, Lukács foi motivado por questões práticas
62 É interessante destacar que, já em sua velhice, Lukács retoma o seu projeto j uvenil de enfatizar as
relações da obra de Marx com a Ética. Para tanto, foi preciso um trabalho preliminar, a saber, a
construção de seus pressupostos ontológicos, os quais foram expostos em sua Para uma ontologia
do ser social, que explicitasse certas questões primordiais, dentre as quais, o estatuto do ser
social, a autêntica e falsa ontologia de Hegel, o neopositivismo contemporâneo e assim por diante.
O projeto da Ética, infelizmente, nunca se concretizou, uma vez que Lukács morreu antes. Ver,
nesse sentido: LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social I. Tradução de Carlos Nelson
Coutinho, Mario Duayer e Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2012.
63 Deve-se sublinhar que três, dos oito ensaios que compõem História e Consciência de Classe se
encontram na revista Kommunismus – ainda que esses três ensaios sofreram modificações para
compor a obra de 1923 de Lukács. Segundo Arato e Breines, a revista Kommunismus é a
“expressão das esperanças e das perspectivas de um grupo de comunistas revolucionários
internacionalistas frente aos primeiros sinais dos fenômenos que logo se conheceriam como
‘socialismo em um só país’.” Com isso, Arato e Breines buscam expor as tendências messiânicas e
revolucionárias presentes nos autores que compunham a revista, dentre eles, o próprio Lukács. Cf.
ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental, p.
159-160.
42
em Lukács, quando, em 1924, ele escreve, uma obra, para abordar a unidade do pensamento de
Lênin. Nessa obra, comenta Lukács: “[…] o materialismo histórico tem como pressuposto – já como
teoria – a atualidade histórico-mundial da revolução proletária”. Cf. LUKÁCS, György. Lênin: Um
estudo sobre a unidade de seu pensamento. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo,
2012, p. 31.
68 Cf. KONDER, Leandro. Lukács, p. 29.
44
69 A mudança de postura de Lukács, ante as críticas que recebera, é característico em todas as suas
mudanças de perspectiva. Nesse sentido, é decisiva a autocrítica e humildade, de Lukács, sempre
buscando reconhecer os seus erros e, rapidamente, corrigi-los. Daí ele, já com idade avançada,
assinalar: “Sempre quando eu costumava cometer erros ou tomar direções falsas, eu sempre
estive disposto a reconhecer isto, não me custou muito, então pego outros caminhos”. Cf.
LUKÁCS, György. Entrevista com György Lukács por Perry Anderson. LavraPalavra, 2016.
Disponível em: <https://lavrapalavra.com/2016/05/19/entrevista-com-gyorgy-lukacs-por-perry-
anderson/>. Acesso em: 20 jun. 2019.
45
70 Ver nota 7.
46
Internacional, p. 15-16.
75 Nesse sentido, Annie Kriegel apresenta os seguintes dados: “Por una parte, el número de
trabajadores industriales aumenta en proporciones considerables: en Alemania, entre 1882 y 1895,
la mano de obra industrial pasa de 7300000 a 10200000 (aumento del 40%). Por outra parte, los
obreros se concentran en las grandes empresas: en Alemania, en este período, el personal
empleado en las fábricas de más de 1 000 obreros pasa de 213 000 a 448 000 (aunque la
categoría de los asalariados de las pequeñas empresas artesanas sigue siendo preponderante).
Aparecen, también, nuevas categorías profesionales (trabajadores ferroviarios, del gas, etc.) que,
en Inglaterra, por ejemplo, provocarán profundas modificaciones en las estructuras del movimiento
obrero [Por um lado, o número de trabalhadores industriais aumenta em proporções consideráveis:
na Alemanha, entre 1882 e 1895, a mão de obra industrial passa de 7300000 para 10200000
(aumento de 40%). Por outro lado, os trabalhadores estão concentrados em grandes empresas: na
Alemanha, durante este período, o pessoal empregado nas fábricas de mais de 1 000
trabalhadores vai de 213.000 para 448.000 (embora a categoria de empregados de pequenas
empresas artesãs permanece preponderante). Há também novas categorias profissionais
(ferroviários, trabalhadores do gás, etc.) que, na Inglaterra, por exemplo, causarão profundas
mudanças nas estruturas do movimento sindical]”. Cf. KRIEGEL, Annie. Las internacionales
obreras (1864-1943). Tradução de Antonio G. Valiente. Barcelona: Ediciones Orbis, 1986, p. 17.
76 De acordo com Kriegel: “El incremento de las fuerzas obreras se traduce, ante todo, en el aumento
del número de sindicados: en Alemania, las organizaciones profesionales bajo influencia
socialdemócrata que en 1879 sólo tenían 50 000 miembros, alcanzan em 1900 la cifra de 700000
adherentes. Ahora bien, el desarrollo del movimiento sindical no es solamente cuantitativo, sino
también cualitativo, pues las federaciones comenzaron a formarse sobre la base, no ya del oficio,
sino de la industria en general [O aumento da força de trabalho traduz-se, em primeiro lugar, no
aumento do número de sindicatos: na Alemanha, organizações profissionais sob influência social-
democrata que em 1879 tinham apenas 50.000 membros, atingiram em 1900 o número de 700.000
aderentes. No entanto, o desenvolvimento do movimento sindical não é apenas quantitativo, mas
também qualitativo, pois as federações começaram a se formar com base não apenas no
comércio, mas também na indústria em geral]”. Cf. KRIEGEL, Annie. Las internacionales obreras
(1864-1943), p. 17.
77 Cf. CARONE, Edgar. A II Internacional e seus congressos (1889-1891). Revista Novos Rumos,
Marília, SP, v. 6, n. 20, 1991. Disponível em:
<http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/novosrumos/article/view/2088>. Acesso em: 12
ago. 2019.
78 A exemplo destas resoluções, ou medidas, que pautariam a luta internacional do proletariado,
pode-se mencionar: Legislação Internacional do Trabalho, Regulamentação da jornada de trabalho,
abolição dos exércitos permanentes, fixação do dia 1º de maio como o Dia Internacional do
Proletariado etc. Ver, a esse respeito: CARONE, Edgar. A II Internacional e seus congressos (1889-
1891), p. 51-52.
48
Com a morte de Engels, que até então era considerado uma autoridade
entre aqueles que lutavam em defesa do proletariado, acentuaram-se as tendências
revisionistas no interior do movimento. A figura de Eduard Bernstein (1850 – 1932)
desponta como o novo grande teórico, mas, em virtude do seu caráter revisionista,
abandonou os princípios marxistas, aliando-se à corrente neokantiana de
pensamento. Bernstein sustenta, pois, a natural atenuação das lutas de classes,
bem como o caráter de adaptação e flexibilização do capitalismo, cuja evolução
naturalmente conduziria para o socialismo, sem a necessidade de uma revolução
proletária violenta (KRIEGEL, 1986, p. 24).
O início da Primeira Guerra Mundial acirrou ainda mais o conflito
ideológico dos membros da Segunda Internacional, uma vez que a sua postura foi
de defesa da paz e, portanto, recusa da guerra espoliativa em favor da burguesia.
Não obstante tal resolução, certos socialistas alemães e franceses aderem à guerra,
defendendo a luta dos interesses nacionais. No meio àqueles favoráveis ou
contrários à guerra, desponta a postura bolchevique, impulsionada por Lênin, de
transformar a guerra imperialista, cujo benefício era da burguesia, em “guerra civil”,
em que a ordem e a dominação capitalista são postas em questão como o inimigo a
ser combatido.83
A postura dos revisionistas, em especial aquela assumida por Bernstein,
diante da tradição marxista, ilustra a peculiar situação na qual se encontrava a teoria
de Marx naquele período histórico. A ausência de elaboração da parte de Marx e
Engels, de um “sistema filosófico marxista”, 84 implicou em uma série de problemas
para os marxistas posteriores, os quais receberam críticas a partir de outras
Al luchar a menudo con la izquierda de la democracia burguesa para obtener reformas inmediatas,
se integraron en el sistema, relegando a un último plano el programa socialista de conquista del
poder. Así aparece el oportunismo, del que Lenin decía que «es sacrificar los intereses vitales y a
largo plazo del Partido a sus intereses temporales, efímeros, secundarios» [A gênese do
reformismo é explicada com efeito, em primeiro lugar e acima de tudo, pela prática de partidos
socialistas transformados em partidos nacionais em si mesmos, contaminados pela democracia
representativa. Lutando frequentemente com a esquerda da democracia burguesa para obter
reformas imediatas, eles [os reformistas] foram integrados ao sistema, relegando o programa
socialista de conquista do poder ao último plano. É assim que surge o oportunismo, do qual Lênin
disse que ‘é sacrificar os interesses vitais e de longo prazo do Partido aos seus interesses
temporários, efêmeros e secundários’]”. Cf. KRIEGEL, Annie. Las internacionales obreras (1864-
1943), p. 31.
83 Cf. CARONE, Edgar. As origens da III Internacional Comunista, p. 131-133.
84 Não cabe, aqui, discutir a postura de Marx e Engels, em face da Filosofia, ou mesmo se ambos
possuíam a pretensão de elaborar um “sistema filosófico”. Entretanto, ressalta-se a importância
que desempenhou, História e Consciência de Classe, para o marxismo, na medida em que tal
obra, de Lukács, buscou refletir, de forma mais ampla e profunda, as relações da obra de Marx
com a filosofia, em especial, a hegeliana, bem como suas implicações práticas. Cf. OLDRINI,
Guido. György Lukács e os Problemas do Marxismo do Século 20, p. 110.
50
posturas teoréticas. Em função disso, Oldrini defende que tais marxistas se viram
impelidos a “completar”, de fora e ecleticamente, a obra marxiana com outras
doutrinas filosóficas ou não. Desse modo, buscou-se articular a teoria econômica de
Marx com Mach, no plano físico, ou mesmo com Kant, no plano ético. 85
A despeito da multiplicidade ideológica, a qual marcou a Segunda
Internacional, sobretudo, em sua origem, a sua figura histórica permaneceu marcada
pelos traços revisionistas, resultado das deformações da obra marxiana. No âmbito
filosófico, o marxismo foi reduzido ao economicismo, em que é possível verificar
teses deterministas e não-dialéticas. Por sua vez, no âmbito político, o determinismo
converte-se em “fatalismo”, no que concerne à ordem capitalista, distanciando-se,
assim, de qualquer pathos revolucionário (OLDRINI, 1999, p. 69).
encontrar “em todo dado, em toda cifra estatística, em todo factum brutum da vida
econômica um fato importante para si”. Por outro, mas em estreita correlação com a
visão acima descrita, os “oportunistas mais refinados”, de acordo com espirituosa
descrição de Lukács (2003, p. 71), não contestavam a elaboração dos fatos por
meio de teorias. Entretanto, eles defendiam que somente mediante o método das
ciências naturais, qual seja, observação, abstração e experimentação, seria possível
apreender fatos “puros”.
Motivados pela negação de fundamentos filosóficos para a doutrina
marxista, como já explicitado, os adeptos do marxismo crítico realizaram uma
transposição do ideal de conhecimento científico das ciências naturais para a teoria
socialista. Pensavam a mecânica de funcionamento da sociedade e da economia,
mediante os “sistemas formalmente fechados de leis parciais e especiais” (LUKÁCS,
2003, p. 229), tais como se manifestam nas ciências empíricas. Desse modo, e em
estreita relação com a divisão do trabalho intelectual, observado no desenvolvimento
das sociedades capitalistas, estudava-se a factualidade social em núcleos
separados e autônomos, uns em relação aos outros, via ciências específicas, tais
como o Direito, a Economia Política, a Sociologia e assim por diante.
Em vista disso, os fenômenos da vida são isolados e reduzidos à
essência quantitativa, reduzidos, pois, a meros dados numéricos, em ordem de se
alcançar os fatos em sua “pureza” científica. Por essa via, os fatos eram
apreendidos somente em sua imediaticidade dada, conforme critica Lukács (2003, p.
77): “O materialismo vulgar, ao contrário – mesmo quando adquire, em Bernstein e
em outros, um aspecto mais moderno –, contenta-se em reproduzir as
determinações imediatas e simples da vida social”. Assim, a perspectiva “crítica” do
materialismo almejava alcançar a exatidão científica, não deformada por
“exterioridades” dialéticas, mediante o isolamento abstrato do material factual
avaliado, explicando-o por leis científicas abstratas, a saber, leis jurídicas,
econômicas, naturais e assim por diante.
A tal “fragmentação”, consequência formal do método científico operado
pelo marxismo vulgar, Lukács (2003, p. 110) denominava-a “ponto de vista
monográfico”. Esse ponto de vista é compreendido, no sentido lukacsiano, como um
estudo de aspectos isolados da existência social, valendo-se de uma ciência
específica. Desse modo, toda consideração filosófica, a qual implique o todo da
sociedade, é deixada de lado, posto que a ênfase recai nos seus aspectos isolados
53
propriedade. Daí afirmar Lukács: “[…] na medida em que os revisionistas se negam a reconhecer a
existência efetiva da dialética com seu movimento por contradições – que, por isso, produz sempre
o novo –, desaparece de seu pensamento o elemento histórico, o concreto, o novo. A realidade que
eles vivem está submetida a ‘leis eternas, brônzeas’, que agem de modo mecânico e esquemático,
produzindo incessantemente – e segundo sua essência – o mesmo, e às quais os homens estão
submetidos de modo fatalista como se fossem leis da natureza”. LUKÁCS, György. Lênin: Um
estudo sobre a unidade de seu pensamento, p. 73.
92 LUKÁCS, Georg. Rosa Luxemburgo como marxista [1921]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 118. Ainda com respeito ao abandono das perspectivas propriamente
históricas, em virtude da adoção do método das ciências naturais, por parte dos marxistas
revisionistas, Lichtheim comenta: “Conviene no perder de vista que quien primero abrió los ojos a
Lukács sobre la radical diferencia existente entre la ciencia natural y la historia fue Dilthey [Convém
não perder de vista que quem primeiro abriu os olhos de Lukács sobre a radical diferença existente
entre a ciência natural e a história foi Dilthey”. Com este argumento, reforça-se, portanto, a
hipótese de que se valer da noção de conversão/ruptura para pensar o itinerário intelectual de
Lukács é problemático, visto que certas temáticas e certos autores ainda manifestam certas
expressões no pensamento lukacsiano em 1923. Cf. LICHTHEIM, George. LUKÁCS, p. 43;
BEDESCHI, Guiseppe. Introduzione a Lukács, p. 28-33.
55
97 Na medida em que as questões, postuladas por Lukács, em sua obra de 1923, não se encerram
em si mesmas, pois o debate teorético visa a fins práticos, ele se inscreve na tradição marxiana,
resumida no seguinte enunciado: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes
maneiras; o que importa é transformá-lo”. MARX, Karl. Ad Feuerbach [1845]. In: ENGELS,
Friedrich; MARX, Karl (Org.). A ideologia alemã, p. 535, tese 11. Nesse sentido, deve-se destacar
a tese de Arato e Breines, segundo a qual as primeiras obras marxistas de Lukács são, em boa
parte, um comentário à Teses sobre Feuerbach, de Marx. Cf. ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El
joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental, p. 142.
58
98 É importante recordar-se da crítica que Marx tece em relação a Feuerbach, o qual busca tão
somente compreender com “exatidão” a realidade ao seu redor, sem articular tal conhecimento
com a práxis. Segundo explicita Marx: “Ele [Feuerbach] quer estabelecer a consciência desse fato
e, portanto, como os demais teóricos, quer apenas instaurar uma consciência correta sobre um fato
existente, ao passo que, para o verdadeiro comunista, trata-se de derrubar o existente”. Logo,
pode-se concluir que a busca por “exatidão” e “pureza”, por parte dos revisionistas, termina
assumindo um conformismo ante a realidade e, assim, justificando-a. Na continuidade desta seção
buscar-se-á desenvolver tal argumento. Cf. ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. A ideologia alemã, p.
46, nota a.
59
105 Cf. LUKÁCS, Georg. Rosa Luxemburgo como marxista [1921]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 108.
106 Em sua reflexão, Rosa Luxemburgo recorda a argumentação bernsteiniana acerca do caráter
orgânico do desenvolvimento capitalista e a improbabilidade de seu desmoronamento. No seu
entender, Bernstein sustenta esse ponto de vista em virtude da capacidade de adaptação do
capitalismo, que se valeria do “sistema de crédito” – visando, em última instância, aumentar a
capacidade de extensão da produção e facilitar as trocas, o que, em tese, acabaria com os
“choques”, acima descritos – e das “associações patronais” - destinadas a pôr fim à anarquia da
produção, regulamentando à produção e impedindo o aparecimento de crises de “superprodução”.
Nesse tocante, ver: LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou revolução?, p. 29-33.
107 Ver, a esse respeito: MARX, Karl. O capital: O processo de produção do capital (Livro I). Tradução
de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013, cap. 24 (“A assim chamada acumulação
primitiva”).
108 Lênin analisou, extensamente, em O Estado e a Revolução [1917], o caráter do Estado como uma
“força especial de repressão”, a saber, um instrumento a favor da exploração burguesa. Além
disso, ele investigou também, nessa mesma obra, a necessidade de uma revolução proletária
armada para a tomada do poder e, assim, superar a dominação burguesa.
62
âmbito abstrato e subjetivo, qual seja, aquele da ética,113 e ante as “leis eternas e
imutáveis”, as quais regem a ordem social existente, segundo a lógica reformista,
leis estranhas ao homem, cuja ação não pode influenciá-las, restou apenas deslocar
a ação humana para o seu interior. Desse modo, perdeu-se de vista, de uma vez por
todas, a finalidade de revolucionar o existente (LUKÁCS, 2003, p. 122).
que lhe é própria, distinta, portanto, das demais ciências empíricas. A filosofia não pode, como as
ciências empíricas, “pressupor seus objetos como imediatamente dados pela representação; e
também como já admitido o método do conhecer – para começar e ir adiante”. Somente o
movimento, dialético e imanente, de saída da representação em direção ao “conhecer e conceber
pensantes” é o que possibilita tomar a filosofia cientificamente. Nesse sentido, ver: HEGE L, Georg
Wilhelm Friedrich. Enciclopédia das ciências filosóficas [1830], §1, p. 39.
122 LUKÁCS, Georg. O que é marxismo ortodoxo? [1919]. In: LUKÁCS, Georg (Org.) História e
Consciência de Classe, p. 76; Sochor define da seguinte maneira essa dupla tarefa dialética:
“Trata-se de uma atividade que, por um lado é negativa, já que consiste na destruição do objeto do
conhecimento na sua condição de algo dado imediatamente; por outro lado, é positiva, na medida
em que opera uma construção e reconstrução intelectual do objeto em conceitos teóricos. A
destruição da pseudoconcretude fetichizada, da aparência fetichista, significa também a revelação
das relações sociais que se ocultam por trás dessa aparência”. Cf. SOCHOR, Lubomir. Lukács e
Korsch: a discussão filosófica dos anos 20, p. 26.
123 A categoria de “totalidade concreta”, tal como aparece em História e Consciência de Classe, é
descrita da seguinte maneira por Sochor: “[…] complexo dinâmico, estruturado, continuamente em
processo de criação e de desenvolvimento, de movimentos entre os quais se estabelece uma
tensão dialética; como complexo que é unidade de produção e reprodução, dos resultados e de
sua gênese; como complexo que tem um sentido e, portanto, é capaz de conferi-lo também aos
seus momentos e às suas partes”. Cf. SOCHOR, Lubomir. Lukács e Korsch: a discussão filosófica
dos anos 20, p. 20.
124 Em 1924, Lukács volta a insistir, nesta questão, esclarecendo, melhor, a diferença entre “fato” e
“realidade”, ou “efetividade”. Segundo ele argumenta: “Para aqueles que não entendem – o que
Marx aprendeu com Hegel e que, em sua teoria, foi desenvolvido livre de qualquer mitologia e
idealismo – que o reconhecimento de um fato ou tendência como realmente existente está longe
de significar que tal fato ou tendência tenha de ser reconhecido como a efetividade que serve de
medida para nossa ação. Que o dever sagrado de todo marxista autêntico consiste em observar
os fatos com olhar impassível e desprovido de ilusões; mas que, para os marxistas autênticos, há
sempre algo que é mais efetivo e, por isso, mais importante do que os fatos ou tendência
singulares: a efetividade do processo geral, a totalidade do desenvolvimento social”. LUKÁCS,
Georg. Lênin: Um estudo sobre a unidade de seu pensamento, p. 38-39.
67
127 Caso contrário, poder-se-á afirmar, como alguns o fizeram, que a escravidão – ou a “pobreza”,
contemporaneamente – é uma determinação natural da sociedade humana.
69
130 No próximo capítulo, será abordado o fato dessas forças se tornarem claras para o investigador,
depende do desenvolvimento do capitalismo.
131 Ver, a esse respeito: ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. A sagrada família: ou A crítica da Crítica
crítica contra Bruno Bauer e consortes, cap. V, 2. “O mistério da construção especulativa”, p. 72.
132 Em 1858, refletindo sobre o seu itinerário intelectual, Marx sustentava: “[…] na produção da
própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua
vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. […] O modo de produção da vida material
condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual”. Cf. MARX, Karl. Prefácio
[1958]. In: MARX, Karl (Org.). Para a crítica da economia política, p. 52.
133 Ver nota 40.
71
134 LUKÁCS, Georg. Rosa Luxemburgo como marxista [1921]. In: LUKÁCS, Georg (Org.) História e
Consciência de Classe, p. 105. Lênin, já em 1902, contrariava à perspectiva que se alastrava
pela Rússia de até então, isto é, a perspectiva dos defensores da “liberdade de crítica” relativa aos
fundamentos do marxismo, tendência oportunista no interior da social-democracia russa que
terminava justificando posições controversas e deletérias, para a prática revolucionária, como a
negação do fundamento científico do marxismo, do ponto de vista materialista da história, negando
a miséria presente, a proletarização crescente e o agravamento das contradições capitalistas, em
resumo, negando a necessidade revolucionária em virtude de meras “reformas sociais”. Contra tal
ecletismo e vulgarização do marxismo, Lênin é imperativo: “Sem teoria revolucionária, não há
movimento revolucionário”. Ver, nesse sentido: LÊNIN, Vladimir. Que fazer?. São Paulo: Editora
Hucitec, 1978, p. 18.
72
determinidades que fazem a teoria de Marx ser o “veículo da revolução”. Para isso, é
fundamental destacar a relação entre consciência e realidade, ou seja, como
explicita Marx, na Introdução da Crítica à filosofia do direito de Hegel, escrita em
1843: é a realidade que deve tender para o pensamento, e não o contrário, como se
julgou até então.135
Quanto à articulação entre teoria e práxis, Lukács (2003, p. 65) esclarece,
na sua obra de 1923, que o papel fundamental, desempenhado pela categoria de
“conscientização”, a qual deve ser compreendida como um passo decisivo dado pelo
“processo histórico”, não é, portanto, um procedimento arbitrário e contingente,
circunscrito ao voluntarismo dos sujeitos implicados em tais questões. Daí a
necessidade de se compreender o caráter limitado e ingênuo do movimento dos
trabalhadores, que quebravam as máquinas ao se rebelarem contra as condições as
quais eles eram submetidos, sem, todavia, compreenderem a totalidade do processo
econômico, e sem se rebelarem com as reais causas de sua miséria. 136 Esse limite
não deve ser atribuído aos sujeitos implicados, nesse processo, uma vez que diz
respeito à incipiência do desenvolvimento histórico no qual eles estavam implicados.
Para Lukács, esse processo histórico, cujo passo fundamental é a
conscientização, visa a seu próprio objetivo, à sua “meta final”, a qual não prescinde
da vontade humana, porém, não é fruto do simples “livre-arbítrio” ou da “invenção
intelectual”. Portanto, não implica que essa “meta”, a qual se encaminha o processo
histórico e que conta com a atuação revolucionária de sujeitos historicamente
constituídos, cuja relação com a realidade, o objeto a ser transformado, não é
meramente epistemológica. Não se trata, portanto, de “ideais” ou mesmo de uma
ética subjetiva marcada pela vontade individual. Daí a necessidade de se investigar
as determinações históricas, dessa atuação não-arbitrária dos sujeitos
revolucionários, em direção à “meta final” historicamente posta.
De acordo com a argumentação de Lukács, na investigação das
determinações históricas, é preciso considerar, ainda, uma determinação de ordem
135 Cf. MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Tradução de Rubens Enderle e
Leonardo de Deus. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 152.
136 Posteriormente, nesse mesmo ensaio, Lukács retorna a Marx para sustentar que é somente em
certas condições que uma máquina de tecer algodão, por exemplo, torna-se capital. Faltou a tal
movimento dos trabalhadores a compreensão da gênese das formas de objetividade, na
sociedade capitalista, a qual só é possível se situarem os objetos na função que eles
desempenham na totalidade determinada da sociedade, compreendida como processo. Ver aqui:
LUKÁCS, Georg. O que é o marxismo ortodoxo? [1919]. In: LUKÁCS, Gerog (Org.) História e
Consciência de Classe, p. 85.
73
137 Como, agora, já se sabe, pensamento e ser não são universos unilaterais ou completamente
distintos um do outro. Pelo menos isso não ocorre no tratamento dialético.
138 A ausência de interesse prático, da parte da burguesia, por um ponto de vista revolucionário só
pode ser compreendido na medida em que esta mesma burguesia assumiu o poder. Na condição
de classe dominante, portante, a burguesia torna-se uma classe, essencialmente, conservadora.
Cf. MARX, Karl. Miséria da filosofia: Resposta à Filosofia da Miséria, do Sr. Proudhon, p. 111.
139 Somente no próximo capítulo, quando será apresentado a relação entre método de pensamento,
consciência de classe e ser social de uma classe, tal argumento tornar-se-á mais claro.
140 Ver nota 39.
74
141 Cf. LUKÁCS, Georg. O que é o marxismo ortodoxo? [1919]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 103.
75
dialético marxista. De igual modo, a questão de Lukács não se esgota no fato de ele
destacar certos conceitos, pois a reflexão “vulgar” se valeria, igualmente, de outros
conceitos.
Nesse sentido, pode-se sustentar que tanto para Lukács quanto para
Marx, as categorias exprimem “formas de modos de ser, determinações de
existência”.144 Isso explica a razão do estudo da sociedade capitalista, onde se
gestaram certos fenômenos sociais e culturais, realizados em História e Consciência
de Classe. Ademais é recorrente, nessa obra, Lukács definir o materialismo histórico
em sua forma clássica, e não vulgarizada, concebendo-o como o autoconhecimento
da sociedade capitalista.145 Daí, na abordagem de Lukács dos problemas
concernentes à sociedade capitalista e dos impasses relativos ao desenvolvimento
do proletariado revolucionário, a categoria de reificação146 se apresentar como
central nessa obra.147
Nesse sentido, pode-se dizer que, para Lukács (2003, p. 194), “[…] não
há problema nessa etapa de desenvolvimento da humanidade que, em última
144 Cf. MARX, Karl. Para a crítica da economia política, p. 44. Ver, ainda: LUKÁCS, Georg. O que é
o marxismo ortodoxo? [1919]. In: LUKÁCS, Georg (Org.) História e Consciência de Classe, p.
69.
145 Cf. LUKÁCS, Georg. A mudança de função do materialismo histórico [1919]. In: LUKÁCS, Georg
(Org.). História e Consciência de Classe, p. 422.
146 Segundo Arato e Breines, os conceitos de “reificação” e “consciência de classe” são centrais em
História e Consciência de Classe, pois remetem aos problemas concernentes à relação entre
liberdade e necessidade: relação esta, de acordo com esses comentadores, que é a força diretriz
nesse escrito de Lukács. Ademais, eles defendem, ainda: “Lukács introduce, […], el concepto de
cosificación para dar cuenta de la ausencia de conciencia de clase em el proletariado em todo el
largo período del desarrollo y de la inminente crisis del capitalismo [Lukács introduz o conceito de
reificação para dar conta da ausência de consciência de classe no proletariado em todo o longo
período de desenvolvimento e da crise iminente do capitalismo]”. Daí no ensaio central de História
e consciência de classe, intitulado “A reificação e a consciência do proletariado”, Lukács inicia a
exposição da forma histórica e concreta da “reificação”, nas sociedades capitalistas modernas,
para explicar certos impasses na libertação do proletariado, que, como visto em seções anteriores,
é um problema, igualmente, metodológico que lhe angustiava já antes de sua adesão ao Partido
Comunista, pois remetia àquilo que Marx descrevera como uma distinção e inversão entre “modo
de exposição” e “modo de investigação”. Ainda que Lukács inicie a sua investigação pelos
impasses objetivos e subjetivos à libertação do proletariado, em sua exposição ele se reporta, em
primeiro lugar, ao fenômeno histórico da “reificação”, para, em seguida, avaliar as suas
consequências. Este detalhe metodológico e de exposição pode ocasionar certa confusão nos
leitores de História e Consciência de Classe. Cf. ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven
Lukács y los orígenes del marxismo occidental, p. 169-170. Ver, ainda: MARX, Karl. O capital:
O processo de produção do capital (Livro I), p. 90.
147 Lowy destaca a especificidade e a novidade do conceito de “reificação”, exposto em História e
Consciência de Classe, em oposição ao modo que o próprio Lukács, e certa tradição sociológica
alemã, abordou tal conceito anteriormente. Lowy assinala que: “A diferença é que, para Lukács,
em 1923, a reificação é analisada em termos rigorosamente marxistas, como um aspecto do modo
de produção capitalista, e não como um ‘destino trágico’ da cultura”. Somente no último capítulo
será investigado se, de fato, o tratamento realizado por Lukács, relativo a esse conceito, é
rigorosamente marxista. Todavia, desde já, destaca-se a novidade expressa por Lukács, em seu
tratamento. Cf. LÖWY, Michael. Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários: A
evolução política de Lukács (1909 – 1929), p. 200.
77
análise, não se reporte a essa questão e cuja solução não tenha de ser buscada na
solução do enigma da estrutura da mercadoria”. É, com respeito a essa estrutura da
mercadoria, que o problema da reificação inicia a se delinear, na medida em que a
essência da estrutura da mercadoria consiste no fato de uma relação entre pessoas
se apresentar como uma coisa ou uma relação entre coisas acabadas e imediatas,
com legalidade própria e fechada. Desse modo, oculta-se a essência verdadeira e
não reificada dessa relação mercantil, a saber, de se tratar de relação entre os
homens. Lukács, aqui, vale-se do conceito marxiano de “fetichismo da
mercadoria”,148 exposto por Marx da seguinte maneira:
148 Segundo Sochor, a retomada que Lukács opera com o conceito marxiano de “fetichismo da
mercadoria” é fundamental, uma vez que a maioria dos economistas soviéticos, da Segunda
Internacional, consideravam o momento da obra O Capital, relativo ao “fetichismo”, como uma
“digressão literária não essencial, um típico exemplo do modo de flertar de Marx com o estilo de
Hegel”. Lukács, por meio da retomada desse conceito marxiano, esclarece a centralidade da
análise marxiana do “fetichismo” no interior da estrutura conceitual de O Capital. Ver, a esse
respeito: SOCHOR, Lubomir. Lukács e Korsch: a discussão filosófica dos anos 20, p. 46-47.
78
subjetivo, a própria atividade humana se lhe apresenta como uma mercadoria, torna-
se objetiva em relação ao trabalhador. Daí nada mais restar ao trabalhador senão
vender a sua força de trabalho, que lhe é “estranha”. 149
Quanto à determinação objetiva que se verifica, mediante a
universalidade da forma mercantil, pode-se afirmar com Lukács (2003, p. 200) que
os objetos se tornam “formalmente iguais”, estabelecendo a condição da
permutabilidade geral e a igualdade formal, ainda que de objetos qualitativamente
distintos.150 Subjetivamente, verifica-se, também, que a igualdade formal conduz o
processo efetivo de produção de mercadorias, na qual o trabalhador se submete, no
processo laborativo, a uma “divisão do trabalho”. Disso resulta, conforme Lukács
(2003, p. 201): “[…] o processo de trabalho é fragmentado, numa proporção
continuamente crescente, em operações parciais abstratamente racionais, o que
interrompe a relação do trabalhador com o produto acabado e reduz seu trabalho a
uma função especial que se repete mecanicamente”.
Para o autor, o princípio que conduz todo esse processo da reificação,
sobretudo em suas consequências imediatas para o trabalhador, é “o princípio da
racionalização baseada no cálculo, na possibilidade do cálculo”.151 Nesse sentido,
observa Lukács (2003, p. 202), rompe-se a “unidade orgânica irracional”,
149 Deve-se destacar que a primeira obra de Marx, que trata de modo sistemático a temática do
“estranhamento”, a saber, os Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1844, ainda não havia sido
publicada, logo Lukács não teve acesso a ela, ao abordar o fenômeno da “reificação”. Ademais,
pode-se afirmar que ele destaca o seu tratamento, a essa problemática, como um dos méritos de
sua obra de 1923, pois “[…] pela primeira vez desde Marx, foi tratado como questão central da
crítica revolucionária do capitalismo, e cujas raízes histórico-teóricas e metodológicas remontam à
dialética de Hegel”. Cf. LUKÁCS, Georg. Prefácio [1967]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 23. Já em relação à diferença entre os conceitos de “estranhamento” e
“alienação”, na obra de Marx, ver: LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social II.
Tradução de Nélio Schneider, Ivo Tonet e Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Boitempo, 2013, cap.
4 (“O estranhamento”).
150 Valendo-se da análise dos diferentes modos de produção, como momentos históricos distintos,
Marx argumenta que, somente no capitalismo, o valor venal, ou seja, o “valor de troca”, se elevou
à última potência, de modo que se observa uma “corrupção geral” e uma “venalidade universal”
dos bens. Assim, argumenta Marx, o que, em épocas passadas, era inalienável – “virtude, amor,
opinião, ciência, consciência etc.” –, no capitalismo, tornou-se objeto de troca, portanto,
permutáveis. Cf. MARX, Karl. Miséria da filosofia: Resposta à Filosofia da Miséria, do Sr.
Proudhon, p. 47.
151 Ibidem, p. 202. Segundo Arato e Breines, certa originalidade do conceito de “reificação”, em
Lukács, está no fato de ele se reportar à teoria da racionalidade ocidental, em Weber, buscando
assim estabelecer um diálogo entre essa reflexão weberiana com algumas categorias centrais da
crítica da economia política em Marx. Para Arato e Breines: “[…] Lukács funde la categoría de
Marx del trabajo abstracto com la categoría de Weber de la racionalidad formal que se apoya em
la cuantificación y la posibilidad de ser calculada [Lukács funde a categoria de Marx do trabalho
abstrato com a categoria de Weber da racionalidade formal que se apoia na quantificação e na
possibilidade de ser calculada]”. Cf. ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven Lukács y los
orígenes del marxismo occidental, p. 183; p. 186.
80
qualitativamente fundada, tanto pelo produto, como “valor de uso”, quanto pelas
experiências concretas do trabalho, nas quais se unem os diferentes autores do
processo de produção entre si, bem como à certa tradição laborativa de produção de
determinados produtos, como tributários dessa tradição. 152 De acordo com Lukács:
política, com uma constituição racionalmente redigida, um direito racionalmente ordenado e uma
administração orientada por regras racionais ou as leis, tudo administrado por funcionários
treinados, é conhecido, nessa combinação de características, somente no Ocidente, apesar de
todas as outras formas que dele se aproximaram”. Cf. WEBER, Max. A ética protestante e o
espírito do capitalismo, p. 9.
159 Ainda que Marx não utilize o termo “ética” ou desenvolva a sua argumentação no sentido de uma
crítica do processo de burocratização social, certos momentos de sua análise vão ao encontro da
interpretação lukacsiana. Pode-se indicar como exemplo, quando Marx afirma que a redução dos
trabalhadores a uma expressão quantitativa, cujo marcador é o tempo, não é absoluta, posto que
certas diferenças qualitativas podem ser, ainda, estabelecidas entre os trabalhadores. Tais
diferenças, todavia, reduzem-se a diferenças materiais (“como a constituição física, a idade, o
sexo”) ou diferenças morais (“como a paciência, a impassibilidade, a assiduidade”). Entretanto,
Marx, em seguida, completa: “[…] se há uma diferença de qualidade no trabalho dos operários, é
no máximo uma qualidade da pior qualidade”. Cf. MARX, Karl. Miséria da filosofia: Resposta à
Filosofia da Miséria, do Sr. Proudhon, p. 61; Ver, ainda: LUKÁCS, Georg. A reificação e a
consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p.
221.
83
inferir: “Foi o capitalismo a produzir pela primeira vez, com uma estrutura econômica
unificada para toda a sociedade, uma estrutura de consciência – formalmente –
unitária para o conjunto dessa sociedade”. 160
164 Ao longo desta exposição serão apresentados exemplos que ilustram melhor o conceito de “falsa
consciência”, proposto por Lukács.
165 Cerutti assinala a origem weberiana do conceito de “possibilidade objetiva” e, igualmente, do
conceito de “consciência atribuída”, apresentado logo em seguida na exposição. Cf. CERUTTI,
Furio. Totalità, bisogni, organizzazione: Ridiscutendo Storia e Coscienza di Classe. Firenze: La
Nuova Italia, 1980, p. XIII.
166 Como esse étimo pode gerar certa confusão nos leitores, destaca-se que, na edição italiana de
História e Consciência de Classe, o tradutor se valeu do termo “atribuída” [attribuita], ou seja,
como “consciência atribuída”: “Ora, la coscienza di classe è la reazione razionalmente adeguata
che viene in questo modo attribuita di diritto ad una determinata situazione tipica nel processo di
produzione”. LUKÁCS, György. Coscienza di Classe. In: Storia e Coscienza di Classe. Tradução
de Giovanni Piana. Milano: Arnoldo Mondadori Editore, 1973, p. 66.
167 LUKÁCS, Georg. Consciência de Classe [1920]. In: LUKÁCS, Georg (Org.) História e
Consciência de Classe, p. 142. Sobre o sentido do conceito de “consciência atribuída”, Sochor
comenta: “É uma consciência idealmente típica, imputada, objetivamente possível, ou seja, um
conceito limite. […] O maximum de que a classe pode conhecer sobre sua posição e sobre a
totalidade da realidade social, sem se pôr em conflito com a própria posição de classe e com seus
próprios interesses econômicos e sociais. A classe não pode ultrapassar esses limites da
86
arte, religião e filosofia –, está nas relações que o homem estabelecia com a
natureza.170 Somente com o advento do capitalismo, nas sociedades modernas, que
se verificou uma modificação relativas às épocas anteriores. Para Lukács (2003, p.
436), o capitalismo realizou um processo de “socialização de todas as relações” e,
com isso, verificou-se um “recuo das barreiras naturais”, iniciando, assim, a reduzir
tudo a um nível puramente social. Com isso, deu-se, conforme o seu argumento, a
possibilidade do “autoconhecimento verdadeiro e concreto do homem como ser
social”, não mais limitado às relações, predominantemente, naturais (LUKÁCS,
2003, p. 436-437).
A dificuldade da gênese da consciência de classe, em toda sua unidade e
clareza, não se restringe, todavia, às sociedades pré-capitalistas. Mesmo nas
sociedades capitalistas modernas, certas “camadas sociais” 171 não apresentam uma
consciência de classe propriamente dita. Ao afirmar isso, Lukács se reporta à
pequena burguesia e ao campesinato, na medida em que tais camadas não se
constituíram em conformidade com a gênese do capitalismo, mas a existência delas
está ligada, ao contrário, aos “vestígios da sociedade dividida em estamentos”. 172
Isso explica não se verificar, em tais camadas, uma consciência de classe atribuída,
que ultrapassaria o âmbito imediato dos indivíduos e se relacionaria com a totalidade
da classe e da sociedade.
Em contrapartida, o que se observa, nessas camadas sociais, são
interesses particularistas que sequer compõem unidade. Tais interesses estão,
portanto, em oposição contraditória em relação à consciência de classe (LUKÁCS,
170 Na continuidade, Lukács assinala que não se deve considerar a distinção entre “natureza” e
“sociedade” de forma mecânica. Daí ele argumentar: “A natureza é uma categoria social”. No
próximo capítulo, aprofundar-se-á as consequências teórico-práticas de tal afirmação, bem como a
recepção de tal tese por certa camada intelectual marxista. Cf. LUKÁCS, Georg. A mudança de
função do materialismo histórico [1919]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e Consciência de
Classe, p. 431.
171 Lukács se vale da noção de “camadas sociais” para diferenciá-la do conceito de “classes sociais
puras”, cuja gênese se encontra, propriamente, no momento histórico do capitalismo. No próximo
capítulo, ver-se-á como a noção de “camadas sociais” assume uma função determinante nos
problemas relativos à organização e à tática dos partidos comunistas. Cf. LUKÁCS, Georg.
Consciência de Classe [1920]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p.
156.
172 LUKÁCS, Georg. Consciência de Classe [1920]. In: LUKÁCS, Georg. (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 156. Ainda nesse sentido, Lukács assinala que, nessas “camadas
sociais”, o que se verifica é, na realidade, uma “consciência do próprio status”. Aduz Lukács: “Pois
a relação com o todo, criada pela ‘consciência do próprio status’, não se dirige à totalidade da
unidade econômica real e viva, mas à fixação passada da sociedade que constituiu em sua época
os privilégios dos estamentos. A consciência do próprio status, como fato histórico real, mascara a
consciência de classe, impede que esta última possa mesmo se manifestar”. Cf. LUKÁCS, Georg.
Consciência de Classe [1920]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p.
154.
88
173 Cf. LUKÁCS, Georg. Consciência de Classe [1920]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 160.
174 Cf. LUKÁCS, Georg. O que é o marxismo ortodoxo? [1919]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 95.
175 Como já visto, na seção anterior, o processo de igualdade formal é fruto da reificação capitalista e
de sua necessidade de “cálculo exato” e racionalizado.
89
176 Cf. LUKÁCS, Georg. O que é o marxismo ortodoxo? [1919]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 96.
177 Ver, aqui, nota 147.
178 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 313.
179 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 315. Em um sentido semelhante, Marx critica a concepção pequena
burguesa de Proudhon a respeito da maquinaria. Marx sustenta: “As máquinas, assim como o boi
que puxa o arado, não são uma categoria econômica. São apenas uma força produtiva. A fábrica
moderna, fundada na utilização de máquinas, é uma relação social de produção, uma categoria
econômica”. Cf. MARX, Karl. Miséria da filosofia: Resposta à Filosofia da Miséria, do Sr.
90
Proudhon, p. 118.
180 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 322. A necessidade da retomada de certos argumentos do capítulo
anterior, sustenta-se em razão de novas mediações e determinações estabelecidas com a
finalidade de concretizar o problema apresentado, anteriormente. Segue-se, aqui, a compreensão,
marxiana, segundo a qual o concreto é síntese de múltiplas determinações. Assim, a problemática
anterior, relativa ao método do pensamento burguês, aquele “contemplativo”, articula-se, agora,
com a questão da “consciência de classe” e com o ser da classe burguesa, ou seja, com a sua
posição no processo produtivo.
181 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 351.
91
produção capitalista.186 Daí o fato de toda mudança histórica real e toda produção de
novos187 elementos históricos aparecerem para a burguesia, imersa em seu
imediatismo factual, como uma “catástrofe”, 188 sobretudo, no que diz respeito às
crises do capitalismo.
De acordo com Lukács, no desenvolvimento histórico capitalista, a
medida que as crises estruturais se aprofundam, e já não são tão inapreensíveis
para a consciência, posto que se tornam, praticamente, imediatas, a postura
burguesa torna-se ainda mais problemática. A contradição em sua falsa consciência
se aprofunda, tornando-se, no entender de Lukács (2003, p. 166), uma “falsidade
consciente”. Com isso, Lukács se reporta ao fato de que a consciência burguesa já
não mais é falsa apenas objetivamente, mas, igualmente, subjetivamente. 189 Isso
porque: “o problema teórico transforma-se também em comportamento moral que
influencia decisivamente todas as decisões práticas da classe em todas as situações
e questões da vida”.190
186 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 333.
187 Ver nota 138.
188 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 336.
189 Ver notas 157 e 158.
190 LUKÁCS, Georg. Consciência de Classe [1920]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 166-167. Nesse sentido, Marx, em diferentes momentos de suas
obras, destacou os limites de compreensão presentes para a burguesia e seus representantes
teóricos. Por exemplo, quando em sua polêmica com Proudhon, Marx esclarece que o fundamento
das sociedades modernas é o antagonismo social e assinala que tal princípio não é compreendido
pela burguesia. Conforme Marx argumenta: “O burguês não pode impedir-se de ver nessa relação
de antagonismo uma relação de harmonia e justiça eterna, que não permite que ninguém se faça
valer à custa dos outros. Para o burguês, a troca individual pode subsistir sem o antagonismo das
classes: para ele, trata-se de coisas totalmente diferentes. A troca individual, tal como a imagina o
burguês, não se parece em nada com a troca individual tal como ele a prática”. Cf. MARX, Karl.
Miséria da filosofia: Resposta à Filosofia da Miséria, do Sr. Proudhon, p. 78.
93
205 LUKÁCS, Georg. Consciência de Classe [1920]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 173.
206 Sobre esse conceito, Arato e Breines comentam o seguinte: “Para él, el desarrollo económico y
social del mundo capitalista ofrecía la posibilidad objetiva de la revolución socialista; pero la
jerarquización, la falta de unidad (o la frecuente fragmentación) y la falta de conciencia de clase
del proletariado había impedido la aparición de la subjetividad revolucionaria. Lukács insuye estos
factores em su concepto de la crisis ideológica [Para ele, o desenvolvimento econômico e social
do mundo capitalista oferecia a possibilidade objetiva da revolução socialista; mas a
hierarquização, a falta de unidade (ou a frequente fragmentariedade) e falta de consciência de
classe do proletariado havia impedido a aparição da subjetividade revolucionária. Lukács inclui
esses fatores em seu conceito de crise ideológica]”. Arato e Breines destacam, ainda, que com tal
conceito, Lukács pôde retornar, teoricamente, e avaliar a situação do proletariado, tanto da Rússia
como da Hungria, que, como destacou-se no primeiro capítulo desta monografia, era uma temática
recorrente no Lukács da juventude. Cf. ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven Lukács y los
orígenes del marxismo occidental, p. 225; 229.
207 Retoma-se, aqui, certos argumentos apresentados anteriormente, mas relacionando-os, agora, à
“crise ideológica do proletariado”. Ver a seção, do segundo capítulo, intitulada Lukács e a defesa
do “marxismo ortodoxo” em História e consciência de classe.
97
concluir Lukács (2003, p. 347): “[…] o homem reificado na burocracia etc., reifica-se,
mercantiliza-se, torna-se mercadoria, também naqueles órgãos que poderiam ser os
únicos portadores de sua rebelião contra essa reificação”. Por conseguinte,
pensamentos e sentimentos são igualmente reificados na burguesia.
consciência, é possível sustentar que há, em tais revoltas, uma intenção orientada
para o verdadeiro.228
Assim, apreendido o verdadeiro, como núcleo da sociedade considerada
uma totalidade dinâmica e dialética, o proletariado pode então começar a
compreender que o homem socializado é o núcleo das formações sociais. 229 Daí ter
início, a superação da estrutura reificada de consciência, uma vez que as relações
sociais não mais são consideradas, apenas, como relações entre coisas. 230 Todavia,
como já destacado, o conhecimento apenas dessa matéria não basta. Isso ocorre,
na medida em que as formas de manifestações reificadas não são meras formas de
pensamento, mas formas de objetividade da sociedade burguesa, estruturando-a,
efetivamente, as todas as suas relações. Daí a razão de a supressão dessas formas
não se tratar, meramente, de uma supressão no pensamento, mas, antes, de uma
supressão prática das formas de vida dessa sociedade (LUKÁCS, 2003, p. 355).
Não obstante Lukács destacar a importância da práxis revolucionária, ele
insiste, igualmente, que tal práxis não deve ser separada do conhecimento. Sustenta
Lukács (2003, p. 355): “Uma práxis no sentido da verdadeira transformação dessas
formas pode suceder apenas se ela quiser pensar o movimento que constitui a
tendência imanente dessas formas até sua conclusão lógica, tornando-se consciente
dele e conscientizando-o”. Desde o seu ensaio O que é o marxismo ortodoxo?,
Lukács insiste na necessidade da conscientização, como uma mediação entre teoria
marxiana e práxis.231 Mediante o processo de conscientização, a teoria de Marx
pode enfim tornar-se “o veículo da revolução”.232 Para tanto, a conscientização não
se limita a um processo contingente e arbitrário, mas se apresenta antes como um
“passo decisivo a ser dado pelo processo histórico em direção ao seu próprio
objetivo”,233 o qual, como já apresentado, consiste em uma articulação dialética
228 Cf. LUKÁCS, Georg. Consciência de Classe [1920]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 178.
229 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 354.
230 Ver, aqui, nota 248.
231 LUKÁCS, Georg. O que é o marxismo ortodoxo? [1919]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 65. Ainda, nesse sentido, Cerutti comenta o seguinte: “[…]
l'autocoscienza dereificata degli individui operai costituisce la critica pratica e il germe della critica
scentifica dell'economia politica borghese. È cio che chiamo approccio concreto alla teoria della
coscienza di classe [a autoconsciência desreificada dos indivíduos operários constitui a crítica
prática e o germe da crítica científica da economia política burguesa. É a isso que denomino de
aproximação concreta à teoria da consciência de classe]”. Cf. CERUTTI, Furio. Un modello di
marxismo critico, p. 72;
232 Ibidem.
233 Ibidem, p. 65-66. Nota-se que Lukács, aqui, reporta-se, de novo, a certos argumentos de Marx. Já
na obra A sagrada Família, Marx apresenta a necessidade histórica subjacente à consciência
104
entre lutas cotidianas proletárias e meta final da superação das relações capitalistas
e reificadas.
Como consequência de uma necessidade histórica, verifica-se a gênese
da consciência do proletariado com a sua dimensão dialética e, portanto, submetido
a graduações.234 Já em seus estágios mais limitados, como autoconsciência de
mercadoria, tratava-se antes de uma consciência prática que terminava modificando
a forma de objetividade dos objetos.235 Daí a possibilidade objetiva de elevação da
consciência até seu grau mais elevado, apreender as tendências imanentes do
processo histórico e operar uma transformação total. Nesse sentido, quer os objetos
da realidade, quer a própria realidade, são compreendidos em uma maneira distinta
em relação ao conhecimento burguês.
Na medida em que a consciência proletária se aproxima de uma
consciência social adequada, ou seja, de uma consciência verdadeira, a existência
rígida e reificada dos objetos se apresentam como mera aparência. Disso resulta a
afirmação de Lukács (2003, p. 359360) que “as coisas possam mostrar-se como
aspectos dissolvidos em processos”, a saber, a factualidade imediata é reconduzida
à sua essência social, qual seja, de relações entre os homens. Dessa forma, a
própria noção de “realidade efetiva” se reconfigura em um sentido mais elevado.
Com isso, é possível afirmar, no âmbito da argumentação lukacsiana, que às
tendências de desenvolvimento da história cabe uma realidade superior às dos
“fatos” da mera empiria.236
Importa, para o proletariado, tomar consciência das tendências e do
sentido imanente à história do desenvolvimento social, para, somente então,
proletária e sua meta prática. Marx escreve: “Não se trata do que este ou aquele proletário ou até
mesmo do que o proletariado inteiro pode imaginar de quando em vez como sua meta. Trata-se
do que o proletariado é e do que ele será obrigado a fazer historicamente de acordo com o seu
ser. Sua meta e sua ação histórica se acham clara e irrevogavelmente predeterminadas por sua
própria situação de vida e por toda a organização da sociedade burguesa atual”. Cf. ENGELS,
Friedrich; MARX, Karl. A sagrada família: ou A crítica da Crítica crítica contra Bruno Bauer e
consortes, p. 49.
234 Ver, aqui, nota 352.
235 Nesse sentido, ver, nota 396.
236 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 363. Lukács, reporta-se, aqui, à retomada, efetuada por Marx e
Engels, da dialética hegeliana e, por conseguinte, da dissolução da aparência estática e abstrata
da realidade. Nesse sentido, Engels afirma: “Com isto, o lado revolucionário da filosofia hegeliana
era retomado e desembaraçava-se, ao mesmo tempo, da crosta idealista que em Hegel impedia
sua aplicação consequente. A grande ideia fundamental de que não se pode conceber o mundo
como um conjunto de coisas acabas, mas como um conjunto de processos”. Cf. ENGELS,
Friedrich. Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, p. 195. No próximo capítulo,
desenvolver-se-á certas questões acerca da relação entre Lukács e Engels, bem como certos
comentários críticos sobre o modo como Lukács leu e compreendeu Engels.
105
los hombres por sus circunstancias materiales autocreadas, y la revolución proletaria es el acto
mediante el cual este proceso ‘se manifesta a sí mismo' y es llevado de manera efectiva a su
consumación: ser sucedido por la sociedad sin clases del comunismo, que representa la
'realización de la filosofía' [A ‘identidade sujeito-objeto’ (para empregar a terminologia hegeliana)
se realiza no processo histórico superando a ‘alienação’ (Lukács denominou ‘reificação’) imposta
aos homens por suas circunstâncias materiais autocriadas, e a revolução proletária é o ato
medianto o qual este processo ‘se manifesta a si mesmo’ e é conduzido de maneiro efetiva a sua
consumação: ser sucedido pela sociedade sem classes do comunismo, que representa a
‘realização da filosofia’]”. Cf. LICHTHEIM, George. LUKÁCS, p. 116-117.
240 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 377. Sobre a relação entre história e o proletariado, como “sujeito-
objeto idêntico”, Sochor busca esclarecer alguns possíveis equívocos. No seu entender, tal
identidade não se trata de um uma unidade metafísica, mas dialética, posto que: “contém
diversidades e contradições, é uma identidade na diversidade e uma diversidade na identidade”.
Assim, a identidade é um resultado, e não o início da evolução histórica. Para tanto, essa unidade
pressupõe o início da superação da reificação capitalista das relações sociais. Cf. SOCHOR,
Lubomir. Lukács e Korsch: a discussão filosófica dos anos 20, p. 30.
241 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 394. Com a sua concepção de “Sujeito-objeto idêntico”, encarnado
no proletariado, Lukács responderia uma exigência teórica da filosofia clássica alemã. No seu
entender, a filosofia moderna formula o problema da não aceitação do mundo como algo que
surge, de forma independente, do sujeito cognoscitivo. Tal filosofia busca pensar o mundo como
um produto do próprio sujeito do conhecimento. Trata-se, para a filosofia moderna e, sobretudo,
para a filosofia kantiana conceber um objeto do conhecimento passível de ser conhecido, na
medida mesma em que é produzido por este sujeito. Lukács reporta-se à noção de “revolução
copernicana” presente na Crítica da Razão Pura de Kant. Essa exigência de compreensão da
realidade, como um produto do sujeito do conhecimento. se aprofunda com o desenvolvimento da
filosofia clássica alemã, em especial, com Fichte. Com respeito à filosofia fichtiana, argumenta
Lukács: “Em oposição à aceitação dogmática de uma realidade simplesmente dada e estranha ao
sujeito, nasce a exigência de compreender, a partir do sujeito-objeto idêntico, todo dado como
produto desse sujeito-objeto idêntico, toda dualidade como caso particular derivado dessa unidade
primitiva”. Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg
(Org.). História e Consciência de Classe, p. 241-242. Sobre a noção de “revolução copernicana”,
ver: KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 8. ed. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e
Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 20. No próximo
capítulo serão apresentados alguns argumentos de Lukács que melhor ilustram a relação,
pensada por ele, da teoria marxiana e da filosofia clássica alemã.
107
242 Cf. LUKÁCS, Georg. Consciência de Classe [1920]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 144. Entretanto, Lukács não sustenta uma linearidade, homogênea e
orgânica, entre a classe proletária, pensada como um “sujeito-objeto idêntico”, e sua real
intervenção história. Com isso, deve-se compreender, no universo expositivo lukacsiano, que a
própria classe proletária não deve ser pensada como uma unidade indiferenciada, mas que, antes,
ainda persistem certas gradações de consciência. Daí o motivo pelo qual certos setores do
proletariado não apresentarem o grau máximo de consciência possível, típico da “vanguarda”
dessa classe. Em virtude da necessidade de responder, ainda, a tais questões, Lukács introduzirá
argumentos de ordem organizacionais, ou seja, relativos à função do Partido Comunista. Com
isso, novas “mediações” serão apresentadas, visando à realização da “missão histórica” do
proletariado. Somente no próximo capítulo, os argumentos concernentes à organização e tática
comunista serão apresentados e, concomitantemente, problematizados, na eficácia argumentativa
deles, por Lukács.
243 Ao pensar os problemas relativos à organização do todo da sociedade e a sua relação com os
interesses de um “sujeito-objeto idêntico”, Lukács se reporta à distinção, estabelecida por Marx,
entre “classe em si” e “classe para si”. Segundo Marx escreve: “As condições econômicas primeiro
transformaram a massa do país em trabalhadores. A dominação do capital criou para essa massa
uma situação comum, interesses comuns. Assim, essa massa já é uma classe em relação ao
capital, mas não o é ainda para si mesma. Na luta, da qual assinalamos apenas algumas fases,
essa massa reúne, e constitui em classe para si mesmo. Os interesses que defende se tornam
interesses de classe”. Cf. MARX, Karl. Miséria da filosofia: Resposta à Filosofia da Miséria, do
Sr. Proudhon, p. 146.
244 LUKÁCS, Georg. Consciência de Classe [1920]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 144. Nesse sentido, Lukács atribui, ainda, uma “missão histórica” ao
proletariado. Cf. LUKÁCS, Georg. Consciência de Classe [1920]. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 173.
108
247 É imperativo que, neste capítulo, alguns dos temas já abordados retornem. Todavia, o retorno de
certos elementos, já apresentados, justifica-se em virtude da questão central deste capítulo, a
saber, a avaliação da elaboração dialética proposta por Lukács, em História e Consciência de
Classe. Nesse sentido, tais temas, ao retornarem, apresentarão uma nova concretude, posto que
serão articulados com o universo categorial, já exposto. Além desta nova concretude, serão
discutidos os limites de certos conceitos de Lukács, à luz de novas elaborações e exposições da
obra lukacsiana mesma, bem como de alguns comentadores de sua obra. Daí não se tratar de
uma repetição temática dos capítulos precedentes.
248 Ver, aqui: notas 188, 189 e 190.
249 Na próxima seção, deste capítulo, abordar-se-á os diferentes conceitos de “totalidade” que Lukács
apresenta na obra aqui investigada.
250 Ver, nesse sentido, as três primeiras seções do segundo capítulo – O marxismo na virada do
século XX: embates teórico-práticos em torno do significado da obra marxiana – deste estudo
monográfico.
251 Ver, aqui, nota 196.
111
mais adiante, Lukács, ainda, em 1923, terminou criticando várias teses centrais de Engels. Cf.
LICHTHEIM, George. LUKÁCS, p. 96-97.
115
262 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 400.
263 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 401-402.
116
278 LUKÁCS, Georg. Legalidade e ilegalidade [1920]. In: História e Consciência de Classe, p. 469.
279 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: História e Consciência de
Classe, p. 346.
280 Ibidem, p. 347.
281 Cf. RÉVAI, József. Recensione di “Storia e coscienza di classe”. In: BOELLA, Laura (org.).
Intellettuali e coscienza di classe: il dibattito su Lukács 1923-1924, p. 177. Ainda nesse sentido,
sustentam Arato e Breines: “En outras palabras, no se sabe bien cómo la autoconciencia de
indivíduos atomizados puede conducir a su conciencia de la subjetividad del outro a un movimento
hacia la compreensión (en común) de la totalidad capitalista. La teoría de la coisificación se niega
a considerar (ni siquiera como problema) la primera cuestión; la segunda, en cambio, forma
claramente parte de su objeto de análisis, aunque termine demostrándose que no tiene solución
[Em outras palavras, não se sabe como a autoconsciência de indivíduos atomizados pode
conduzir a consciência da subjetividade do outro a um movimento em direção à compreensão (em
comum) da totalidade capitalista. A teoria da reificação se nega a considerar (nem sequer como
problema) a primeira questão; a segunda, ao contrário, forma claramente parte do seu objeto de
análise, embora termine demonstrando-se que não tem solução]”. Mais à diante, Arato e Breines
esclarecem, ainda mais, a problemática em questão: “El abismo entre la 'conciencia mínima de
enajenación' y la 'conciencia de clase' seguía siendo enorme. Por lo tanto, para poder postular la
superación de la coisificación, seguía recurriendo a un proletariado que era el sujeto absoluto de la
historia [O abismo entre a “consciência mínima de alienação” e a “consciência de classe” seguia
sendo enorme. Por essa razão, para poder postular a superação da reificação, seguia recorrendo
a um proletariado que era o sujeito absoluto da história]”. Cf. ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El
joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental, p. 216; p. 241.
120
282 Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione: Ridiscutendo Storia e Coscienza di
Classe, p. 117-118.
283 Ver, aqui: ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven Lukács y los orígenes del marxismo
occidental, p. 219-220.
284 Ver, nesse sentido: ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven Lukács y los orígenes del
marxismo occidental, p. 182.
285 Os problemas relativos à formulação lukacsiana, do proletariado como sujeito-objeto idêntico,
serão abordados em outro momento da exposição, pois se entende que, com tal categoria, já se
deslocou da questão das mediações para o problema da totalidade.
121
como mediador entre teoria e práxis, quer como mediador entre o homem e a
história.290 A primeira vez em que o tema do partido é introduzido na obra é no
ensaio Rosa Luxemburgo como marxista [1921], portanto, ainda nos ensaios iniciais.
O caráter prematuro da abordagem lukacsiana, relativa ao partido comunista, revela-
se quando o autor comenta: “Uma vez reconhecido o partido como forma histórica e
portador ativo da consciência de classe, ele se torna, ao mesmo tempo, o portador
da ética do proletariado” (LUKÁCS, 2003, p. 129). Mais adiante, acrescenta Lukács
(2003, p. 130), defendendo que o partido é uma “força moral”, na medida em que
deve alimentar a confiança das massas espontaneamente revolucionárias.
Assim, na perspectiva da argumentação anterior, sustenta-se que Lukács
não conseguiu superar o caráter “transcendental” 291 das mediações apresentadas.
Isso ocorre, sem dúvida, nem mesmo quando busca uma instituição histórica
concreta, tal como o Partido Comunista, uma vez que este último vem exposto, nos
ensaios iniciais de História e Consciência de Classe, em seu elemento meramente
moral, abstraído de suas determinações históricas.292
Em virtude do caráter precário das mediações, apresentadas nessa obra
de Lukács, de 1923, não apenas as articulações, pretendidas nela, entre homem e
história, mas, igualmente, entre teoria e práxis, encontram-se prejudicadas.
Ademais, verifica-se ainda o risco de certos elementos da imediaticidade293 social,
295 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 196.
296 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 193-196.
297 Ver, aqui, nota 262.
298 Ver, aqui, nota 156.
299 LUKÁCS, Georg. O que é o marxismo ortodoxo? [1919]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 85-86.
300 Ver nota 9.
125
301 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 240. A esse respeito, ainda, Cerutti comenta que o fato de Lukács
expor, primeiro, o processo real e reificado, para, posteriormente, expor as expressões teóricas
desse processo social, é significativo. Isto na medida em que indicaria, para Lukács, a
preeminência do formalismo real, na produção capitalista, em relação às suas expressões
ideológicas. Todavia, tal preeminência não é observável ao longo de toda sua obra, como ver-se-á,
ainda. Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione: Ridiscutendo Storia e Coscienza di
Classe, p. 26-27.
302 Ver, aqui, nota 420.
303 Acerca do conceito de “coisa-em-si”, na filosofia kantiana, ver: KANT, Immanuel. Crítica da Razão
Pura, p. 22.
126
304 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 246.
305 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 254. Posto que Lukács constata que a filosofia clássica alemã
busca, como uma tarefa, superar a irracionalidade, foi possível esclarecer o papel fundamental
que o método da matemática exerceu em certos pensadores modernos. Cf. LUKÁCS, Georg. A
reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e Consciência de
Classe, p. 254-255. Daí comentar Fichte: “Eu desejaria que ninguém se dispusesse ao estudo da
doutrina-da-ciência sem algum conhecimento da matemática – o único procedimento materialiter
cabalmente científico que existe entre nós – e sem uma clara penetração do fundamento da
evidência imediata e da validade universal dos postulados e teoremas matemáticos”. Ademais,
acrescenta Fichte: “Porque a doutrina-da-ciência é matemática, ela tem as vantagens da
matemática”. Cf. FICHTE, Johann Gottlieb. O Programa da Doutrina-da-Ciência. In: CIVITA, Victor
(Org.). Os pensadores. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural,
1973, p. 54-55.
127
306 Para Fichte, a egoidade é a auto-intuição intelectual, a saber, a inteligência que intui a si mesma,
que retorna a sua atividade para o interior de si mesma. Fichte deduz tal resultado, na medida em
que busca um princípio que fundamente o seu sistema do saber. Cf. FICHTE, Johann Gottlieb. O
Princípio da Doutrina-da-Ciência. In: CIVITA, Victor (Org.). Os pensadores. Tradução de Rubens
Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 45.
307 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 262.
308 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 262. Ver aqui, ainda, a seguinte passagem em que Fichte sustenta:
“Toda consciência possível, como objeto de um sujeito, pressupõe uma consciência imediata em
que subjetivo e objetivo sejam pura e simplesmente um; sem isso, a consciência é pura e
simplesmente inconcebível”. Mais à diante, conclui: “Essa consciência imediata é a intuição do eu
que acaba de ser descrita; nele o eu põe a si mesmo necessariamente e é, portanto, o subjetivo e
o objetivo em um só. […] O eu não deve ser considerado como mero sujeito, como foi considerado
até agora, quase sem exceção, mas como sujeito-objeto no sentido indicado”, a saber, como
egoidade. Cf. FICHTE, Johann Gottlieb. O Princípio da Doutrina-da-Ciência, p. 44-45.
309 Ver, nesse sentido, nota 108.
128
310 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 267.
129
311 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 295. Conforme Hegel comenta: “A incompletude desse modo de
considerar o pensar, que deixa de lado a verdade, deve ser complementada unicamente através
do integrar na consideração pensante, não meramente aquilo que costuma ser atribuído à forma
exterior, mas o conteúdo. Mostra-se rapidamente por si mesmo que aquilo que na primeira
reflexão mais habitual está separado da forma enquanto conteúdo, de fato, não deve ser, em si,
sem forma, destituído de determinação – assim ele seria apenas o vazio, por exemplo, a
abstração da coisa-em-si –, que ele, pelo contrário, tem forma nele mesmo, pois somente tem por
ela animação e conteúdo substancial, e que ele é ela mesma aquilo que se converte apenas na
aparência de um conteúdo tal como também se converte, com isso, na aparência de um exterior
nesta aparência. Com essa introdução do conteúdo na consideração lógica não são as coisas,
mas a Coisa, o conceito das coisas, que se torna objeto”. Cf. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich.
Ciência da Lógica: a doutrina do ser [1812], p. 39.
312 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 296.
130
313 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 301. Na próxima seção, abordar-se-á a especificidade do conceito
de totalidade concreta. Por ora, basta aqui indicar as alusões expostas, acima, relativas à unidade
dos fatores teórico-práticos sob o fundamento concreto do processo histórico.
314 Ver, aqui, nota 92.
131
sentido, reportando-se ao fato de que a realidade histórica é um produto da ação humana, mais
especificamente, da práxis do sujeito da história, Cerutti defende a presença de uma
ontoprasseologia na obra lukácsiana. Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione:
Ridiscutendo Storia e Coscienza di Classe, p. 36; p. 48.
322 Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione: Ridiscutendo Storia e Coscienza di
Classe, p. 37: “Le cose cui si riferisce la totalità concreta sono dunque gli oggetti dell'agire mirante
alla produzione e riproduzione della vita, quindi dell'agire mosso dai bisogni reali e non ancora
stravolto dal dilagare del carattere di merce, né dal conseguente rapporto tutto quantitativo e
strumentale che gli uomini instaurano allora con gli oggetti esterni e con le stesse qualità proprie.
La totalità concreta non va riferita solo ai valori d'uso in senso economico, ma alle cose non
reificate in genere [As coisas a que se referem a totalidade concreta são, portanto, os objetos do
agir voltados para a produção e a reprodução da vida, portanto, do agir movido por necessidades
reais e não, ainda, distorcido pela difusão do caráter mercantil, nem pela consequente relação
instrumental e quantitativa que os homens instauram, então, com os objetos externos e com as
mesmas qualidades próprias. A totalidade concreta não é referida, apenas, aos valores de uso, em
sentido econômico, mas as coisas não reificadas em geral]”.
323 Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione: Ridiscutendo Storia e Coscienza di
Classe, p. 38.
134
faz Bedeschi, é importante para o atual momento desta exposição. Cf. BEDESCHI, Guiseppe.
Introduzione a Lukács, p. 22.
332 Segundo Cerutti, a crítica imanente de Lukács à totalidade formal encontra o seu ponto de apoio
na teoria de Weber. Para este autor do historicismo alemão, as condições materiais capitalistas, da
racionalidade formal, conduziriam, por si só, a desvelar e superar o fundamento irracional. Cf.
CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione: Ridiscutendo Storia e Coscienza di Classe, p.
30-31.
333 A defesa do comunismo, realizada por Lukács, é um importante diferencial, em relação à teoria
weberiana. Isso se justifica, em virtude de que, para Weber, o socialismo não representa, em si,
uma superação dos limites da racionalidade formal – ou da reificação, nos termos lukacsianos –
visto que tal modelo social pode reproduzir a burocratização. Ultrapassa, todavia, ao escopo deste
trabalho, a investigação histórica do “socialismo real”, para determinar em que medida ele
superou, ou restou aquém, da reificação e da burocracia. No entanto, deve-se, aqui, reportar-se
para o comentário de Cerutti, que sustentaria a tese de uma ausência de crítica das categorias
weberianas, bem como ilustraria o problema na especificidade das mediações, no pensamento
lukacsiano. Segundo Cerutti, Lukács não se proporia o problema de como e mediante quem, ou de
qual instituição, garantir-se-á o funcionamento, interno e normal, da totalidade concreta em uma
sociedade comunista, orientada para as necessidades reais e para os valores de uso das coisas.
Em última análise, Lukács abstrairia das reflexões dos problemas relativos a uma economia de
natureza planificada. Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione: Ridiscutendo Storia
e Coscienza di Classe, p. 31-32.
334 Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione: Ridiscutendo Storia e Coscienza di
Classe, p. 32.
335 Cf. VEDDA, Miguel. Apresentação. In: LUKÁCS, György (Org.). Lênin: Um estudo sobre a
unidade de seu pensamento, p. 8.
336 Acerca do conceito marxiano, de “superestrutura”, ver: MARX, Karl. Prefácio [1859]. In: MARX,
Karl (Org.). Para a crítica da economia política, p. 52. Destaca-se, ainda, que tal formulação,
marxiana, não deve ser compreendida como uma oposição, mecânica, ao conceito de
“infraestrutura”. Trata-se, com efeito, de um todo, dialético, em que ambos os elementos
determinam um ao outro. Todavia, cabe à “infraestrutura” a condição de “momento predominante”.
137
sistema de Hegel, mas do seu método dialético, na medida em que tal procedimento
revelaria um aspecto revolucionário fundamental. A esse respeito, complementa
Lukács:
pode decorrer uma conclusão política extremamente dócil”. Cf. ENGELS, Friedrich. Ludwig
Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, p. 174.
340 Segundo Frederico Pastore: “La contrapposizione tra sistema e metodo cela al fondo un equivoco
di cui era perfettamente consapevole Marx, che nei Maniskripte aveva scritto che non si può
parlare di compromessi in Hegel perchè la menzogna delle filosofia hegeliana è la menzogna del
suo principio stesso: l'equivoco di credere che un metodo possa essere astratto dal suo contenuto,
possa essere considerado valido tout-court, indifferentemente dal contenuto a cui questo metodo
viene concretamente applicato, contenuto che di volta in volta può assumere un aspetto
rivoluzionario o reazionario nella misura in cui la realtà (economica, socio-politica o filosofica), che
il metodo analizza, sia in sé reazionaria o rivoluzionaria. È, insomma, una cattiva comprensione del
rapporto tra teoria e prassi: la dialettica marxiana non è rivoluzionaria perché rimette sui piede ciò
che in Hegel poggiava sulla testa, secondo le banali ed infelici formulazioni di Engels, ma perché è
lo strumento della prassi del proletariado che, come classe, mediante esso, conosce le
contraddizioni dei rapporti di produzione capitalistici e li muta rivoluzionariamente nella società
139
senza classi [A contraposição entre sistema e método oculta, no fundo, um equívoco, do qual era,
perfeitamente, consciente Marx, que nos Manuscritos, escreveu que não se pode falar de
compromissos, em Hegel, porque a mentira da filosofia hegeliana é a mentira de seu princípio
mesmo: o equívoco de acreditar que um método possa ser abstraído do seu conteúdo, que possa
ser considerado tout-court, indiferentemente do seu conteúdo, ao qual esse método vem,
concretamente, aplicado, conteúdo que, de vez em quando, pode assumir um aspecto
revolucionário ou reacionário na medida em que a realidade (econômica, sócio-política ou
filosófica), que o método analisa, seja em si reacionária ou revolucionária. É, em suma, uma má
compreensão da relação entre teoria e práxis: a dialética marxiana não é revolucionária porque
recoloca sobre os pés aquilo que em Hegel apoiava-se sobre a cabeça, segundo as banais e
infelizes formulações de Engels, mas porque é o instrumento da práxis do proletariado, que, como
classe, mediante esse, conhece as contradições das relações de produção capitalistas e as
transforma, revolucionariamente, na sociedade sem classes]”. Cf. PASTORE, Frederico. La
conoscenza come azione: saggi su Lukács. Milano: Marzorati Editore, 1980, p. 105-106; Ver,
ainda: MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. 4. ed. Tradução de Jesus Ranieri. São
Paulo: Boitempo, 2010, p. 130.
341 O escrito em que Marx se dedica, predominantemente, a reconduzir a dialética lógico-ontológica
hegeliana para as relações e atividades reais, sustentando, assim, o primado da atividade prático-
real, é o terceiro Manuscrito econômico-filosófico. Todavia, tal manuscrito só foi publicado na
década de trinta, poucos anos após a publicação de História e Consciência de Classe. Portanto,
para que a crítica, acima exposta, não assuma um caráter historicamente equivocado, posto que
Lukács, em 1923, não conhecia certos escritos marxianos, deve-se sustentar que em outros
momentos da obra de Marx, nota-se tal confronto com a dialética hegeliana. Cf. ENGELS,
Friedrich; MARX, Karl. A sagrada família: ou A crítica da Crítica crítica contra Bruno Bauer e
consortes, p. 72-76: O mistério da construção especulativa; Cf. MARX, Karl. Miséria da filosofia:
Resposta à Filosofia da Miséria, do Sr. Proudhon, p. 97-103; MARX, Karl. Para a crítica da
economia política, p. 39-46: O método da Economia Política.
140
proceder, de forma dialética, significa dissolver a rigidez dos conceitos e dos objetos
que lhes são correspondentes, acentuando a passagem fluida de uma determinação
para outra, superando, assim, os contrários. Em resumo, não basta enfatizar a “ação
recíproca” das determinações, mas deve-se, igualmente, destacar a relação dialética
do sujeito e do objeto no processo da história (LUKÁCS, 2003, p. 67). No seu
entender, só assim torna-se possível ressaltar o núcleo fundamental da dialética
marxiana, a saber, a transformação da realidade.
De acordo com Lukács, quando Engels não considera a relação dialética
entre sujeito e objeto na história, cujo objetivo é a transformação da realidade,
Engels retornaria ao procedimento contemplativo e metafísico, segundo o qual o
objeto de estudo permaneceria “intocado e imodificado”. 347 Lukács sustenta, ainda,
que quando Engels formula uma dialética da natureza, ela retornaria assim a uma
consideração hegeliana do problema. 348 O que, para Lukács, seria um retrocesso
problemático, posto que Hegel, como explicitado, não ultrapassou certos limites da
filosofia anterior, a saber, aquela que, ainda, daria continuidade a procedimentos
contemplativos e formais.
Lukács (2003, p. 431), em oposição a Engels, não somente julga
inconsistente defender uma filosofia da natureza, mas argumenta ainda que, em
última instância, a natureza deve ser compreendida como uma “categoria social”. De
347 LUKÁCS, Georg. O que é o marxismo ortodoxo? [1919]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e
Consciência de Classe, p. 68. Com respeito à compreensão, lukacsiana, da dialética e suas
críticas em relação aos escritos de Engels, é interessante retomar a perspectiva de Sartre. Em seu
escrito intitulado Questões de método[1957], Sartre teceu uma crítica semelhante, concernente a
relação entre sujeito e objeto, na investigação marxiana. Todavia, suas críticas não se dirigiam a
Engels, mas a certas leituras marxistas, inclusive, à leitura de Lukács. Comenta Sartre: “Ora, o
voluntarismo marxista que se compraz em falar de análise reduziu essa operação a uma simples
cerimônia. Já não se trata de estudar os fatos na perspectiva geral do marxismo para enriquecer o
conhecimento e para iluminar a ação: a análise consiste unicamente em se desembaraçar do
detalhe, em forçar a significação de alguns acontecimentos, em desnaturar fatos ou, até mesmo,
em inventá-los para reencontrar, por baixo deles, como sua substância, ‘noções sintéticas’
imutáveis e fetichizadas. Os conceitos abertos do marxismo fecharam-se; já não são chaves,
esquemas interpretativos: apresentam-se para si mesmos como saber já totalizado. […] A
pesquisa totalizadora deu lugar a uma escolástica da totalidade. O princípio heurístico ‘procurar o
todo através das partes’ tornou-se esta prática terrorista: ‘liquidar a particularidade’. Não é por
acaso que Lukács — que violou com tanta frequência a História — encontrou, em 1956, a melhor
definição desse marxismo cristalizado. Vinte anos de prática dão-lhe toda a autoridade necessária
para chamar essa pseudofilosofia de um idealismo voluntarista”. Em parte, já se constatou em que
medida Lukács termina, em História e Consciência de Classe, “violando a História”, em razão de
que não compreendeu, adequadamente, a viragem materialista operada por Marx. Nas seções
seguintes, os limites da dialética em Lukács serão aprofundados, confirmando, em parte, a
intuição sartreana. Cf. SARTRE, Jean-Paul. Questões de método [1957]. In: Crítica da razão
dialética. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Rio de Janeiro: DP&Aeditora, 2002, p.
34.
348 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 337.
142
355 Cf. LUKÁCS, Georg. Prefácio [1967]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e Consciência de
Classe, p. 17.
146
357 Cf. LUKÁCS, Georg. Observações metodológicas sobre a questão da organização. In: LUKÁCS,
Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p. 574.
358 Ver, aqui, nota 165. Ainda, nesse sentido, Arato e Breines comentam que Lukács “odiando
indiscriminadamente o espírito objetivo – todas as instituições e toda forma de lei – e pelo fato de
ter concebido toda ‘objetivação’ como uma reificação, exceto nas alturas do espírito absoluto,
[Lukács] não descobriu a presença da subjetividade criativa nos distintos estratos da sociedade
nem incorporou o sentido de emancipação nas diferentes instituições políticas”. Cf. ARATO,
Andrew; BREINES, Paul. El joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental, p. 240.
359 Cf. ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental, p.
195.
360 Ver notas 300 e 302.
361 Sobre este termo, ver nota 305.
362 No capítulo anterior, relativo às categorias centrais de História e Consciência de Classe, foi já
abordado esse sujeito-objeto idêntico, bem como reportou-se a certos comentadores que afirmam
a origem hegeliana de tal concepção. Agora, em virtude da exposição de certas expressões
weberianas, no escrito lukacsiano, compreende-se que tal resultado, ao qual chegou Lukács,
também é fruto de certas assimilações parciais e acrítica de conceitos weberianos e hegelianos.
148
Lukács comprometeu, uma vez mais, a dimensão materialista de sua obra, conforme
ele expôs em 1967:
Insiste-se, neste ponto, uma vez que Lukács, em 1967, ao criticar tal elaboração conceitual,
reporta-se, apenas, ao seu caráter hegeliano, abstraindo da presença problemática da orientação
weberiana em seu escrito. Cf. LUKÁCS, Georg. Prefácio [1967]. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 25.
363 LUKÁCS, Georg. Prefácio [1967]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e Consciência de Classe,
p. 25. Poucos anos após ter publicado esse posfácio, Lukács sustenta, em Para uma Ontologia do
ser social, a seguinte crítica em relação ao sujeito-objeto idêntico, presente na filosofia de Hegel:
“[…] a teoria do sujeito-objeto idêntico constitui um mito filosófico, o qual – com essa suposta
unificação de sujeito e objeto – deve necessariamente violentar os fatos ontológicos
fundamentais”. Mais adiante, Lukács explicita, na mesma obra, o porquê da filosofia hegeliana se
reportar a tal categoria. Acredita-se, aqui, que o comentário do Lukács, da maturidade, com
relação à categoria hegeliana, de sujeito-objeto idêntico, seja pertinente a mesma categoria, tal
como ela aparece em História e Consciência de Classe. Trata-se, de fato, de um “mito filosófico”.
Cf. LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social I, p. 204.
364 Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione: Ridiscutendo Storia e Coscienza di
Classe, p. 65.
365 Para Cerutti, esta identidade corresponde a uma “transformação sub-reptícia, de uma posição
gnosiológica em uma posição ontológica”. Fugiria ao escopo deste trabalho explicitar a diferença
entre a compreensão de Cerutti e a de Lukács, em sua maturidade, dos sentidos de ontologia.
Todavia, interessa, aqui, a argumentação de Cerutti, quando ele afirma que com a categoria
lukacsiana, de sujeito-objeto idêntico, o que se constata é uma “modalidade transcendental”, em
que a objetividade, independente da natureza, vem reabsorvida, de forma completa, na
socialização total, constituindo, assim, um núcleo socialmente idêntico. Ademais, essa identidade
também é verificável quando Lukács, em virtude de sua formulação transcendental, abstrai das
diferenças qualitativas, entre os diferentes indivíduos reais, com as suas necessidades e desejos
concretos. Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione: Ridiscutendo Storia e
Coscienza di Classe, p. 65-66.
149
constituída de forma materialista. Cf. LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social I, p.
212.
372 Ver, aqui, nota 468.
373 Cf. LUKÁCS, Georg. Rosa Luxemburgo como marxista [1921]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 122-123. Ver, ainda: LUKÁCS, Georg. O que é o marxismo
ortodoxo? [1919]. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p. 68.
374 Ver, aqui: Nota 507.
151
375 Cf. LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.).
História e Consciência de Classe, p. 383.
152
376 LUKÁCS, Georg. A reificação e a consciência do proletariado. In: LUKÁCS, Georg (Org.). História
e Consciência de Classe, p. 475. Lukács, uma vez mais, afasta-se das considerações acertadas
e formuladas, de forma materialista, relevando certa confusão entre a dimensão objetiva da
sociedade e as suas expressões subjetivas, na consciência dos indivíduos. Somente em sua
maturidade, ao formular o conceito de “espelhamento dialético”, Lukács pôde combater a confusão
entre a “realidade objetiva e seu espelhamento imediato, que – considerado no plano ontológico –
é sempre subjetivo”. Cf. LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social I, p. 27.
153
quanto mais audaciosa for”, ou, ainda, quando ele defende, nesse mesmo sentido:
“O proletariado não deve temer nenhuma autocrítica, pois somente a verdade pode
trazer sua vitória, e a autocrítica deve ser, por isso, seu elemento vital” (LUKÁCS,
2003, p. 191). Em razão de tais argumentos, que ilustram o subjetivismo e idealismo
de certas perspectivas presentes em História e Consciência de Classe, Lukács
pôde, igualmente, reduzir a complexidade histórico-prática da revolução e das
mediações que a conduzem ao seu sucesso, a elementos subjetivistas. O que se
confirma, quando Lukács (2003, p. 470) sustenta: “Essa reforma na consciência é o
próprio processo revolucionário”. Na continuidade, ele acrescenta, ainda, que o
obstáculo para uma ação revolucionária é de natureza “puramente ideológica”
(LUKÁCS, 2003 p. 475).
Por causa do agravamento relativo aos problemas de natureza ideológica,
bem como da percepção lukacsiana dos limites de suas considerações anteriores,
ou seja, da consciência atribuída do proletariado em superar tal crise ideológica,
vem formulado o conceito de Partido Comunista: partido que, em tese, possibilitaria
realizar e consolidar essa consciência atribuída dos sujeitos históricos, como poderá
ser observado na continuidade desta exposição. Dessa forma, o último ensaio da
obra aqui investigada, escrito em 1922, é destinado a pensar os problemas de
organização e tática proletária no período revolucionário. O que se constata, em tal
ensaio, é a tentativa de formular uma compreensão mais concreta e prática do
Partido Comunista, não mais tão orientada por uma perspectiva ética, tal como
descrita no ensaio sobre a consciência de classe, de 1920. 380
Para Lukács, trata-se de um erro, oriundo da perda vulgar e revisionista,
do sentido de totalidade, em que se reduzir o problema da organização a uma
simples questão técnica: secundária do ponto de vista intelectual. 381 Isso explicaria,
então, o porquê de essa ser “uma das questões menos elaboradas teoricamente”
(LUKÁCS, 2003, p. 523). Se até então, nos problemas organizativos, verificou-se
certo sucesso, sobretudo, na Rússia, isso deveu-se a um “instinto revolucionário
correto” do proletariado, em vez de uma clara postura teórica. Entretanto, acrescenta
Lukács (2003, p. 525): “[…] muitas atitudes taticamente equivocadas, como nos
debates sobre a frente única, decorrem de uma compreensão incorreta das
questões de organização”. Para iniciar uma compreensão adequada, relativa ao
380 Ver notas 341 e 342.
381 Cf. LUKÁCS, Georg. Observações metodológicas sobre a questão da organização. In: LUKÁCS,
Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p. 523.
155
econômico produtivo.
Não obstante a unidade que se verifica entre a organização partidária e
as massas, ressalta-se, com base em Lukács, que existe ainda uma separação
organizacional entre partido e classe.385 Com isso, Lukács identifica a inexistência
de uma identidade entre ambos, mas uma separação, em virtude das estratificações
na consciência proletária, ou seja, em virtude dos diferentes níveis e graus,
constatáveis, entre os diferentes membros da classe trabalhadora. Isso porque, uns
possuem, como já visto, níveis mais elevados de consciência, ao passo que outros
estão ainda atrasados, do ponto de vista da consciência social adequada, ou seja,
encontram-se, bastante, submetidos às formas de vida capitalistas.
Se o Partido Comunista pressupõe uma “unidade de consciência”, ou
seja, uma “unidade do ser social que lhe subjaz” (LUKÁCS, 2003, p. 569-570), a
coligação tática, por sua vez, não necessita de tal unidade. De acordo com Lukács,
a coligação tática é possível nas diferentes classes entre si, cujo ser social é distinto,
mas que, sob a perspectiva da revolução, caminhem para o mesmo caminho, qual
seja, a superação da sociedade capitalista. No entanto, diante da existência social
de classes distintas, a colaboração tática é benéfica, para a revolução, apenas se as
“diversas organizações se mantiverem rigorosamente separadas” (LUKÁCS, 2003,
p. 571). Isso ocorre porque, distintas camadas sociais – como a pequena burguesia
e o campesinato –, por não apresentarem uma consciência social clara, estão
sujeitas a mais oscilações do que a classe proletária. Daí a necessidade de “uma
colaboração mais do que tática poderia prejudicar o destino da revolução” (LUKÁCS,
2003, p. 571).
Não obstante esta constatação, relativa à separação de organização e
tática, Lukács (2003, p. 579) esclarece a seguinte questão: “Essa separação precisa
– embora em constante alteração e adaptação às circunstâncias – entre acordo
tático e organizacional na relação do partido com classe assume, como problema
interno do partido, a forma de uma unidade entre questões tática e de organização”.
Daí se pressupor a necessidade de uma unidade interna dos membros do partido,
mediante uma centralização organizacional. Para Lukács (2003, p. 580-581),
centralização organizacional e capacidade de tomar iniciativas táticas se
condicionam: “o fato de uma tática almejada pelo partido poder influir nas massas
385 Cf. LUKÁCS, Georg. Observações metodológicas sobre a questão da organização. In: LUKÁCS,
Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p. 567-568.
157
pressupõe que elas consigam se impor dentro do partido”. Com isso, não se
compreende uma imposição mecânica, nem mesmo uma obediência cega dos
membros do partido. Trata-se, na verdade, de pensar uma formação organizativa
que seja homogênea, a saber, “que qualquer alteração de atitude reflete em cada
membro do partido. Em suma, nessa formação, a sensibilidade da organização para
mudar o rumo, elevar a combatividade, recuar etc. atinge seu ápice” (LUKÁCS,
2003, p. 581).
Para compreender o que garante que este aspecto homogêneo da
organização não recaía nas seitas, a saber, nos modelos segundo os quais
retornariam a uma divisão entre ser e consciência, possibilitando derivações
autoritárias – em que o caráter singular dos indivíduos seriam extintos –, deve-se
reportar à relação lukacsiana entre Partido Comunista e liberdade. Segundo Lukács,
o Partido Comunista é “o primeiro passo consciente para o reino da liberdade”.386
Com isso, não se compreende, todavia, que se cesse, de forma repentina, as
necessidades objetivas do processo econômico, descritas no início desta seção.
Entretanto, deve-se especificar o sentido de liberdade, aqui exposto. Segundo
Lukács:
386 LUKÁCS, Georg. Observações metodológicas sobre a questão da organização. In: LUKÁCS,
Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p. 554. Ver, ainda: ARATO, Andrew; BREINES,
Paul. El joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental, p. 243.
387 LUKÁCS, Georg. Observações metodológicas sobre a questão da organização. In: LUKÁCS,
Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p. 555. Aqui, Lukács segue a compreensão de
Marx, em sua juventude, a respeito da liberdade burguesa. Argumenta Marx: “A liberdade é,
portanto, o direito de fazer e empreender tudo o que não prejudique nenhum outro. Os limites
dentro dos quais cada um pode se mover sem prejuízo de outrem são determinados pela lei, tal
como os limites de dois campos são determinados pela estaca [das cercas]. Trata-se da liberdade
do homem como mônada isolada, virada sobre si própria. […] Mas o direito humano à liberdade
não se baseia na vinculação do homem com o homem, mas, antes no isolamento do homem
relativamente ao homem. É o direito desse isolamento, o direito do indivíduo limitado, limitado a
si”. Cf. MARX, Karl. Para a questão judaica. Tradução de José Barata Moura. São Paulo:
Expressão Popular, 2009, p. 63-64.
158
388 Cf. LUKÁCS, Georg. Observações metodológicas sobre a questão da organização. In: LUKÁCS,
Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p. 572.
159
389 LUKÁCS, Georg. Observações metodológicas sobre a questão da organização. In: LUKÁCS,
Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p. 588. Lukács, aqui, reporta-se à
argumentação de Lênin, o qual sustenta: “Podemos (e devemos) empreender a construção do
socialismo não com um material humano fantástico, nem especialmente criado por nós, mas com
o que nos foi deixado de herança pelo capitalismo. Não é necessário dizer que isso é muito ‘difícil’;
mas, qual outro modo de abordar o problema é tão pouco sério que nem vale a pena falar dele”.
Cf. LÊNIN, Vladimir Ilitch. Esquerdismo, doença infantil do comunismo (1920), p. 50.
390 Cf. LUKÁCS, Georg. Observações metodológicas sobre a questão da organização. In: LUKÁCS,
Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p. 573.
391 Cf. LUKÁCS, Georg. Observações metodológicas sobre a questão da organização. In: LUKÁCS,
Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p. 578; p. 594.
160
concrezione lukácsiana della totalità [Os indivíduos considerados como membros do partido
comunista, próprio porque destinados à missão transcendental de encarnarem a consciência de
classe imputada, são sujeitos, kantianamente inteligíveis, de cujo agir vem anulado todo liame com
a dimensão sensível […], portanto, cada aspecto de diversidade na multiplicidade, cada raiz na
esfera concreta da qualidade e das necessidades: eles são, também, figuras da consciência de
classe objetivamente possível. Acontece, aqui, a mesma anulação do não idêntico, que vimos em
uma das vertentes da concreção lukácsiana da totalidade]”. Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni,
organizzazione: Ridiscutendo Storia e Coscienza di Classe, p. 121.
397 Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione: Ridiscutendo Storia e Coscienza di
Classe, p. 122. Em outro escrito, Cerutti, também, atribui um aspecto kantiano ao Partido
Comunista, formulado por Lukács, de modo que se abstrai do caráter sensível dos sujeitos reais,
que se rebelam contra o capitalismo. Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione:
Ridiscutendo Storia e Coscienza di Classe, p. 67. Ver, ainda: CERUTTI, Furio. Un modello di
marxismo critico. In: VALENTE, Mario (Org.). Lukács e il suo tempo: la costanza della ragione
sistematica, p. 78; Nesse sentido, ainda, com relação ao caráter transcendental e kantiano do
Partido Comunista lukácsiano, Lubomir argumenta: “[…] mas, com suas pretensões a uma total
submissão de toda a personalidade do homem, ele [Lukács] se aproxima perigosamente da
organização que tinha pretensões análogas: a Igreja”. Cf. SOCHOR, Lubomir. Lukács e Korsch: a
discussão filosófica dos anos 20, p. 45.
398 Cf. CERUTTI, Furio. Totalità, bisogni, organizzazione: Ridiscutendo Storia e Coscienza di
Classe, p. 123.
162
399 Cf. ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental,
p. 241; Segundo Lubomir, o caráter utópico e ilusório do Partido Comunista, presente em História
e Consciência de Classe, expressa-se, justamente, na incredulidade, subentendida por Lukács, de
que o Partido possa reproduzir a reificação capitalista. Cf. SOCHOR, Lubomir. Lukács e Korsch: a
discussão filosófica dos anos 20, p. 45. Admite-se, aqui, que a crítica de Lubomir deva ser
relativizada, uma vez que Lukács reconhece, certamente, a possibilidade de que a reificação não
seja completamente superada, de uma só vez: “Se a reificação for superada num certo ponto,
surge instantaneamente o risco de que o estado de consciência dessa superação se solidifique
numa nova forma igualmente reificada”. Entretanto, há elementos justos na crítica de Lubomir,
bem como na crítica de Arato e Breines, em virtude da abstração de certas determinações
histórico-práticas, bem como na infelicidade, de Lukács, do tratamento da contradição entre a
necessidade e a liberdade nas sociedades capitalista, como ver-se-á adiante, na exposição. Cf.
LUKÁCS, Georg. Observações metodológicas sobre a questão da organização. In: LUKÁCS,
Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p. 585.
400 Sobre o tratamento, lukácsiano, conferido aos “conselhos operários”: “Sua existência, seu
desenvolvimento permanente mostra que o proletariado já está no limiar de sua própria
consciência e, assim, no limiar da vitória. Com efeito, o conselho operário é a superação
econômica e política da reificação capitalista”. Cf. LUKÁCS, Georg. Consciência de Classe [1920].
In: LUKÁCS, Georg (Org.). História e Consciência de Classe, p. 190-191.
401 Cf. ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental,
p. 246.
163
402 ARATO, Andrew; BREINES, Paul. El joven Lukács y los orígenes del marxismo occidental, p.
246. Ver, ainda, notas 39, 40, 41, 56 e 57.
403 Em virtude da incapacidade, verificada em Lukács, de superar os limites teóricos das formulações
juvenis, Konder defende que as formulações “esquerdistas” lukacsianas, ainda estão presentes
em História e Consciência de Classe. Comenta Konder, acerca da estrutura do Partido, lukacsino:
“A formulação de Lukács, ao contrário, permanece demasiado geral e não reconhece limites
concretos para a valorização da disciplina. É, portanto, uma formulação tipicamente esquerdista”.
Cf. KONDER, Leandro. Lukács, p. 54. Ilustra-se, assim, a insustentabilidade de posturas, como a
de Löwy, segundo a qual História e Consciência de Classe demonstra uma superação plena, do
“esquerdismo” juvenil de Lukács. Igualmente, considera-se, aqui, em virtude de todas as
considerações prévias, insustentável concordar com Lowy: “Em nossa opinião, em HCC, a
evolução do pensamento lukacsiano atinge seu ápice e esta oposição rígida, inspirada pelo rigor
ético, é abolida, aufgehoben, por uma nova concepção: o realismo revolucionário. HCC é, nesse
sentido, a etapa final do itninerário ideológico que conduz Lukács de sua visão trágica do mundo
para o leninismo”. Cf. LÖWY, Michael. Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários: A
evolução política de Lukács (1909 – 1929), p. 182; p. 191.
164
6 CONCLUSÃO
Ao se considerar o que foi exposto até aqui, torna-se necessário uma vez
mais retornar à problemática, deste trabalho, a fim de se explicitar os pontos
relevantes que constituem o resultado desta investigação. A problemática que
orientou a elaboração desta monografia é a seguinte: qual o resultado da elaboração
dialética de Lukács, presente em História e Consciência de Classe? Trata-se de uma
pergunta pertinente no interior dessa obra posto que, desde o seu Prefácio, Lukács
insiste na importância de se retomar a discussão dialética no âmbito do marxismo.
Ele compreende que a dialética, em sua elaboração marxiana, é o procedimento
teórico-metodológico correto e eficaz na solução de problemas, teórico-práticos, uma
vez que a dialética, em Marx, visa ao conhecimento adequado do presente, a saber,
da sociedade capitalista. Assim, em virtude de diferentes autores, conceitos, ou seja,
orientações e formulações não marxianas, ou dialéticas, aos quais Lukács se
reporta, em sua obra, é necessário indagar se os resultados do seu pensamento,
nessa obra, terminam aquém de seu intento inicial, proposto no Prefácio.
Observou-se, ao longo da investigação, a insuficiência teórica, de certos
comentadores, de História e Consciência de Classe, ao identificar essa obra com
certas perspectivas filosóficas. Daí esses comentadores, atentos aos problemas
presentes nela, a denominam como idealista, subjetivista, hegeliana, ou até eclética.
Ademais, observa-se ainda certa insuficiência hermenêutica entre outros
comentadores, os quais consideram, História e Consciência de Classe, como uma
obra plenamente marxista, a qual expressa uma compreensão acabada da dialética,
em sua elaboração histórico-materialista.
Não obstante a dimensão de História e Consciência de Classe, ou seja, o
volume da obra, facilitando que certos problemas não sejam percebidos pelos
leitores, sua investigação, atenta e imanente, revela a justeza da compreensão que
Lukács manifestou em 1967. De acordo com a sua argumentação, presente no
posfácio de História e Consciência de Classe, essa sua obra juvenil estrutura-se
com base em tendências intelectuais contraditórias e por vezes justapostas sem a
mediação devida, a saber, de maneira desarmoniosa. Tais tendências intelectuais
contraditórias, como já mencionado, diz respeito, por vezes, a pensadores do
universo teórico não marxiano ou dialético.
Lukács, na medida em que investiga os fundamentos da sociedade
166
capitalista e a forma como essa sociedade se estrutura, quer nos seus aspectos
objetivos, ou seja, Estado, Burocracia, Direito, Ciências empírico-analíticas, dentre
outros, quer nos seus aspectos subjetivos, isto é, as expressões capitalistas nos
sujeitos e classes, inseridos nesse meio social, se utiliza de certas categorias do
universo teórico weberiano. Com efeito, Lukács se reporta a conceitos como
racionalização, consciência atribuída e possibilidade objetiva, para compreender o
funcionamento dessa sociedade. Ademais, ele avalia certa incapacidade do
proletariado, para ultrapassar as formas de vida capitalistas e apresentar uma
postura revolucionária. Daí Lukács reconhecer a existência de uma “crise
ideológica”, desse proletariado, como um empecilho subjetivo para a concretização
da revolução.
Ademais, Lukács revela certos traços hegelianos quando concebe o
proletariado, que superou a sua crise ideológica e adquiriu uma consciência social
adequada da totalidade social, como um Sujeito-Objeto idêntico, a saber, um sujeito
da história. Trata-se de um sujeito que por meio de sua consciência e de sua práxis
supera os limites presentes no cotidiano da sociedade capitalista, posto que tal
cotidiano é compreendido, por Lukács, como o “reino da alienação”. Isso implica,
uma vez mais, certa interpretação hegeliana da realidade uma vez que termina
confundido objetividade e alienação. Ao não compreender as determinações
histórico-práticas, que compõem o real, ele termina, por vezes, atribuindo
importância excessiva ao proletariado como um “sujeito cognoscente”. Observa-se,
assim, como o papel atribuído por Lukács à gnosiológica, distancia-se da elaboração
marxiana da dialética.
Com efeito, a transição para a década de vinte expressa o segundo
contato de Lukács com a obra de Marx. A especificidade desse segundo contato diz
respeito à frágil e limitada compreensão lukacsiana da importância relativa à viragem
materialista, efetuada por Marx, concernente à filosofia hegeliana. Em razão de tal
incompreensão, Lukács termina em História e Consciência de Classe abstraindo
certas determinações histórico-práticas da realidade, bem como abstraindo, dos
conceitos, a elaboração histórico-genética marxiana. Por causa de tal carência, o
reportar de Lukács a pensadores, que não Marx, se revela como uma justaposição
não-mediada. Lukács, diferentemente de Marx, não operou por vezes uma análise
crítica de certos conceitos, oriundos de outras filosofias, nem mesmo os reconduziu
ao fundamento histórico-prático da realidade social. Tudo isso terminou prejudicando
167
por um lado, ter sido bastante atacada por certos marxistas soviéticos, a ponto de a
Internacional Comunista, em 1923, mediante Zinoviev, ter condenado a obra. Por
outro, História e Consciência de Classe desempenhou uma função essencial na
gênese da corrente que, posteriormente, ficou conhecida como o “marxismo
ocidental”, influenciando, sobretudo, os filósofos da Escola de Frankfurt.
A devida compreensão da dimensão contraditória, dessa obra, só foi
possível, em virtude da hipótese interpretativa, defendida neste trabalho, em cuja
hipótese sustentou-se que a defesa de uma teoria dialética, em sua articulação
imanente com a práxis revolucionária, se justifica, nessa obra, em razão de um
confronto teórico-prático. Se, por um lado, Lukács buscou se contrapor às
deformações filopositivistas e revisionistas, no seio do marxismo, por outro, ele
procurou se opor às limitações histórico-práticas presentes na realidade húngara e,
em parte, na Europa.
Por conseguinte, buscou-se, no presente estudo, pensar História e
Consciência de Classe em um universo histórico específico. Daí a inquietação
prática de Lukács, com respeito às suas esperanças revolucionárias, contrapor-se à
estagnação revolucionária, observada na Europa, bem como à adesão, cada vez
maior, do proletariado às posturas reformistas. Com exceção da Revolução de
Outubro, na Rússia, as demais formas de mediações concretas, em direção à
revolução proletária, deterioravam-se, pois a Comuna Húngara, como visto,
apresentou um fim trágico e breve. Nesse sentido, como Lukács pode sustentar, de
forma rigorosa, uma postura revolucionária em face do agravamento da
estabilização da revolução e o fim das possibilidades de uma experiência políti ca
concreta?
Dessa forma, História e Consciência de Classe, apesar do significativo
avanço expresso na literatura filosófica e marxista da época, não conseguiu superar
as limitações práticas do período, no qual o seu autor se encontrava inserido. Isso
justifica, Lukács defender, em 1967, o valor documental e histórico de História e
Consciência de Classe. No período de sua maturidade, Lukács defende que para
pensar a “renovação do marxismo” torna-se fundamental compreender os limites de
sua obra juvenil, como uma expressão de certo momento histórico, não buscando,
portanto, sobrevalorizar as suas perspectivas teóricas, mas, antes, compreender as
suas contradições imanentes e tendências acertadas.
169
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