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MULTIDISCIPLINAR IESC
INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR SANTA CECÍLIA
DE ENS I N O S UP E
I T UT O N R I OR
I N ST S A TA C EC Í L I A
VOLUME 1- NÚMERO 1
JANEIRO A JUNHO DE 2010
IESC
REVISTA MULTIDISCIPLINAR IESC
Revista semestral de caráter multidisciplinar do Instituto de Ensino Superior Santa Cecília
Volume 1 – janeiro/junho de 2010
ISSN 2178-3055
A Revista Multidisciplinar IESC é uma publicação destinada ao público acadêmico das áreas
de Direito, Serviço Social e Pedagogia e a toda comunidade que aprecie a arte de ler. Os
conteúdos dos artigos são de inteira responsabilidade dos seus autores. Qualquer parte desta
obra pode ser reproduzida, desde que devidamente citada à fonte.
Editora
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INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR SANTA CECÍLIA
Correspondências:
Revista Multidisciplinar IESC
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Homepage: http://www.isesc.edu.br/revista
Semestral
ISSN 2178-3055
Na capa desta edição reproduz-se em destaque a obra da Artista Plástica Alagoana Maria José de Lima
Soares. Desde o inicio da sua atividade artística, Zita Soares como e conhecida, tende ao estilo acadêmico, o
que a impulsionou a estudar também nos livros dos grandes mestres da pintura. Suas produções são em óleo ou
acrílico sobre tela, mas usa também outras técnicas. Retrata em suas obras a natureza nordestina, o folclore
alagoano e as manifestações festivas e artesanais de Alagoas.
Suas obras podem ser encontradas, em Maceió, na Fundação Municipal de Ação Social, no Centro
Cultural e de Exposições de Alagoas, na Sala da Presidência da Gazeta de Alagoas, na Fundação Bradesco e na
cidade de Arapiraca, no Colégio Santa Cecília. (SILVA, 2007, p.270)
______________
Fonte: Adaptado de: SILVA, Enaura Quixabeira Rosa e. Dicionário mulheres de Alagoas: Ontem e hoje. Maceió,AL: EdUFAL, 2007
SUMÁRIO
Editorial........................................................................................................................................................... 7
Contribuições de Max Weber para as Ciências Sociais: método, conceitos e Sociologia da Religião
Contributions of Max Weber for social sciences: method, concepts and Sociology of the Religion
Daniel Arthur Lisboa.........................................................................................................................................11
Deusdeth Barbosa da Silva, ou simplesmente Dona Deusdeth, como é chamada pela maioria dos que
convivem diariamente com ela, nasceu no dia 19 de agosto de 1937, no interior do estado de Alagoas, na cidade de
Murici. Cidade pequena, mas muito aconchegante, encerra boas recordações do tempo de infância de Dona
Deusdeth, quando morava na Fazenda Amoras ao lado de seu Pai, Manoel Barbosa de Lima, sua mãe, Cecília
Acioly de Lima e mais quatro irmãos. Aos sete anos sua família mudou-se para a cidade de Palmeira dos Índios,
cidade onde nasceram seus outros três irmãos. Seu pai era um autodidata, sua mãe cuidava dos filhos, uma notável
dona de casa. Permaneceu em Palmeira dos Índios até os 20 anos, quando se casou com Guido Gonzaga da Silva.
Neste período, ele terminava seus estudos no ensino médio, mais tarde cursando odontologia na Universidade
Federal de Alagoas. Após o término do curso de odontologia, mudaram-se para Arapiraca, onde seu esposo
começou a atuar como dentista. Neste contexto, é que Dona Deusdeth começa a projetar seu olhar para a educação.
Quando chega a Arapiraca a primeira escola que se apresenta e se dispõe para trabalhar como professora é
o colégio Bom Conselho, lecionando a disciplina Geografia. Mais tarde, presta concurso para a Secretaria
Municipal de Educação, aprovada para lecionar nas séries iniciais do ensino fundamental, é convidada a assumir a
direção da escola Hugo Lima . Presta também concurso para Secretaria Estadual de Educação e, pelo fato de ter
sido aprovada em primeiro lugar em todo o Estado, assume a direção da Escola Antônio Cezário, no povoado São
José. Posteriormente, prestou mais um concurso para a Secretaria de Educação do Estado, agora para as
disciplinas de Geografia e História, sendo lotada no Colégio Estadual Humberto Mendes, na cidade de Palmeira
dos Índios. Por conta da especialização em Orientação Educacional pede remoção da cidade de Palmeira dos
Índios concentrando sua carga horária no Colégio Quintella Cavalcante, em Arapiraca, onde passou a trabalhar
com as turmas do Curso Normal lecionando e orientando o estágio. Diante de sua dedicação e busca constante pelo
conhecimento foi convidada a fazer parte do quadro de professores da Faculdade de Formação de Professores de
Arapiraca (FFPA). Já na FFPA passou a lecionar no curso de Estudos Sociais e Ciências a disciplina Prática de
Ensino. Esta faculdade, pioneira no interior do estado a oferecer ensino superior noturno, contribuiu para a
formação continuada de professores que necessitavam de graduação, bem como para os estudantes da região que,
agora, poderiam ingressar no ensino superior sem a necessidade de se deslocar do município de Arapiraca para
Maceió ou outros centros de formação.
Muito embora contasse com alguns professores do Estado no seu quadro docente, a FFPA era uma
instituição de ensino privada. Nestes termos, a comunidade do Agreste enfrentava sérias dificuldades para custear
seus estudos. No entanto, muitos esforços e grandes mobilizações foram empreendidos por docentes e discentes
da FFPA, no intuito de sensibilizar não só a população, mas aos órgãos públicos, para que dirigissem seu olhar para
a Instituição e, como resultado de muita luta, a Faculdade foi absorvida pelo Estado, passando por um processo de
estadualização. Neste contexto, a professora Deusdeth Barbosa da Silva, se identificando com os anseios da
comunidade estudantil, é eleita democraticamente e empossada pelo Governador em 29 de junho de 1990, como
primeira Presidente da Fundação Universidade Estadual de Alagoas (FUNESA).
Vários anos se passaram e conjunturas bastante específicas levaram Dona Deusdeth a se desligar da
FUNESA. Deste contexto, surge a Escola Santa Cecília e o Instituto de Ensino Superior Santa Cecília. Esta longa
historia culmina, hoje, com o lançamento do primeiro número da Revista Multidisciplinar IESC, uma conquista
decisiva da Instituição, que certamente levará a cabo seu objetivo de se firmar cada vez mais enquanto Instituição
de Ensino Superior atuante no agreste alagoano.
Revista Multidisciplinar IESC, v.1, p.11-18, jan/jun. 2010 11
RESUMO ABSTRACT
Este trabalho trata da contribuição de Max The objective of this article is to recoup
Weber para as Ciências Sociais. Nosso some aspects of the methodology in the
principal objetivo é destacar alguns aspectos work of Max Weber, being observed them as
metodológicos da obra de Max Weber, one of the main references in the knowledge
observando-os como uma das principais construction in Social Sciences. It deals with
referências na construção do conhecimento some aspects of the Weber methodology
em Ciências Sociais. No decorrer do texto, emphasizing the Sociology in the analysis of
tentaremos trazer à tona o método tipológico religious phenomena.
e algumas categorias da Sociologia
weberiana, como a da Ação Social, Key-Words: Max Weber. Social Science.
demonstrando sua importância para a Method. Sociology. Religion.
análise dos fenômenos sociais, e também
exemplificando o modo como o autor
procedeu em seus estudos acerca da
Sociologia da Religião.
1
Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Alagoas.- UFAL. Professor do Instituto de Ensino
Superior Santa Cecília – IESC. Contatos: daniel_tur@hotmail.com
12 Daniel Arthur Lisboa de Vasconcelos
1. Introdução racionalidade.
A obra weberiana não constitui um sistema
O teórico alemão Maximillian Carl Emil fechado de interpretação da realidade. Desse modo, na
Weber (1864 -1920) é considerado um dos tentativa de compreender uma sociedade moderna
fundadores da Ciência Sociológica. Conforme sua constituída por um processo histórico de
perspectiva teórica, o objeto de estudo da Sociologia racionalização, Weber constrói as suas análises
é a ação de um indivíduo, desde que motivada pelo fundando uma ciência da cultura, a qual busca
comportamento de outro(s), o que o autor interpretar a ação social dos indivíduos para explicar
denominou “Ação Social”. suas causas, seu desenvolvimento e seus efeitos. Uma
peculiaridade desse método é a negação de leis que
Evidente se faz sua importância para as
determinam o devir histórico, ou seja, nessa acepção
Ciências Sociais modernas, visto que seu arcabouço
cada sociedade evolui de maneira singular, com uma
metodológico-conceitual baliza diversos estudos,
história peculiar, e sob relações particulares, para que
desde a concepção de sua obra, que ocorreu entre o
determinadas circunstâncias culturais se configurem.
final do século XIX e o início do século XX, até a
Nesse contexto, podem intervir uma diversidade de
contemporaneidade. Rompendo com os
fatores, sendo o papel do pesquisador “interpretar” o
pressupostos positivistas dominantes em sua época,
que pode, ou poderia, ocorrer caso essas variáveis
Weber procurou aplicar a noção de compreensão – ou
sejam, ou fossem, diferentes.
Vesterhen – às suas análises sobre o fenômeno social
fundando, assim, uma concepção culturalista nos A solução proposta por Weber aos complexos
estudos sociológicos, na qual buscava-se problemas metodológicos que ocuparam a ciência
compreender os sentidos e conexões presentes nas social no início do século XX permitiu que novas
ações sociais. acepções fossem dadas a diversas questões sócio-
histórico-culturais. Nesse sentido, foram
Conforme o entendimento de Ringer (2004),
especialmente relevantes seus estudos acerca da
o projeto metodológico de Max Weber contribui de
Sociologia da Religião. Nesse texto tentaremos
maneira muito específica para uma unificação das
explicar o método weberiano de análise sócio-
ciências culturais e das ciências sociais, enfatizando
cultural, buscando elucidar alguns conceitos-chave
a noção de compreensão. Trata-se de uma
para sua compreensão, assim demonstrando como o
hermenêutica de cunho interpretativo e explicativo,
autor aplicou seu arcabouço teórico em alguns
na qual o pesquisador deve compreender textos,
problemas referentes à esfera religiosa da vida social,
culturas e períodos históricos como símbolos que
tendo em vista as complexas relações dessa com
devem ser elucidados dentro de seus próprios
outras, a exemplo da econômica.
sistemas de significação. Assim, conforme os
preceitos weberianos, para se compreender as ações Nesse sentido, tentaremos trazer à tona
sócio-históricas dos indivíduos, deve-se analisar algumas categorias da sociologia compreensiva para a
todo um complexo pano de fundo cultural que as análise da religião como fenômeno social. O primeiro
orienta, ou seja, as diversas representações, as destes conceitos é o de “tipo ideal”, um instrumento
simbologias através das quais interpretam sua teórico utilizado pelo autor para tentar conferir
temporalidade, seu habitat espacial, suas relações objetividade aos seus estudos, tanto no que tange a
com a natureza, com os outros indivíduos, com o religião, quanto a outras esferas da realidade social;
sobrenatural, etc. Entretanto, para se dotar de alguma tentaremos demonstrar como Weber procede na
objetividade, a compreensão e a interpretação devem construção dos “tipos”, exemplificando como o autor
passar por um constante processo de verificação aplicou esses instrumentos na análise do “espírito do
racional, balizado na atribuição hipotética de capitalismo”, assim como na explicação do que chama
demonstrar que uma “ética protestante” determina o relação a valores quando suas convicções o levam a
que o autor convencionou chamar “o espírito do defender valores como o dever, a dignidade, a piedade,
capitalismo”. Ao encerrar a obra ele mesmo faz entre outros, sem considerar as conseqüências
questão de explicitar, evocando a interpretação do previsíveis; nesse sentido podemos evocar a figura do
materialismo histórico: profeta emissário, que age segundo “mandatos” e
“exigências” que o mesmo acredita serem dirigidas à
[...] não se pode pensar em substituir uma sua pessoa. Corrobora com essa perspectiva, o seu
interpretação materialística unilateral por comentário sobre a sociologia da religião no capítulo
uma igualmente bitolada interpretação V de “Economia e Sociedade”, quando Weber afirma
causal da cultura e da história. Ambas são
que a existência primordial da “ação religiosa”
igualmente viáveis, mas, qualquer uma
delas, se não servir de introdução, mas sim orienta-se para “este mundo”: “A ação religiosa ou
de conclusão, de muito pouco serve no magicamente motivada é, [...] uma ação racional, pelo
interesse da verdade histórica (WEBER, menos relativamente: ainda que não seja
1994, p. 132). necessariamente uma ação orientada por meios e fins,
orienta-se, pelo menos, pelas regras da experiência”
Nesse mesmo trecho também fica claro que a (1991:279). Também não podemos deixar de
intenção do autor não é a de substituir ou refutar a considerar que muitos indivíduos que dizem “agir de
tese marxista, e sim propor mais uma maneira de se maneira religiosa”, no fundo agem de maneira
compreender as relações entre os fenômenos sociais. tradicional, ou seja, sua fé depende muito mais da
Segundo Mariz (2003), o interesse de Weber tradição cultural e dos costumes arraigados, do que de
pela religião surge quando esse autor observa que o uma ação racionalmente ou afetivamente orientada.
protestantismo gerou um ethos social que possuía Enfim, como afirma Weber (1992), sua
uma afinidade eletiva com o moderno capitalismo, Sociologia não deve ficar restrita a estudar a ação
ou seja: “Ao levar seus fiéis a se dedicar de forma social dos indivíduos, porém, ele mesmo reafirma que
ascética ao trabalho secular, o protestantismo teria para o tipo de Sociologia que desenvolveu, a “ação
criado uma mão-de-obra que se motivava para social” deve ser tomada como um “dado central”.
produção de riquezas e para a poupança antes mesmo Desse modo, o autor não prescinde desse conceito em
do sistema capitalista ter uma força e autonomia para suas considerações sociológicas sobre o fenômeno
gerar sua própria motivação” (MARIZ, 2003, p.75). religioso.
Nesse sentido, percebemos que em «A ética
protestante e o espírito do capitalismo» o interesse de
6. A construção dos Tipos Ideais e o “Espírito do
Weber pelo fenômeno religioso é decorrente de uma
Capitalismo” na Ética Protestante
motivação para o entendimento de como a religião é
capaz de influenciar na «ação social» dos indivíduos.
Na obra em que estuda «a ética protestante e o
espírito do capitalismo», Weber faz uma construção
5. A Ação Social e a Motivação Religiosa:
típico-ideal do que seria o que ele denomina o
tipologias
“espírito do capitalismo”. Para o autor, não devemos
buscar encontrar essa “pretensiosa” expressão em
Relacionando a tipologia da ação social com uma realidade empírica, ou seja, isso significa que o
alguns aspectos religiosos Weber (1992) considera a caráter dessa expressão é unicamente histórico e
“beatitude contemplativa” como uma ação afetiva; individual. Ele mesmo, no decorrer de seu estudo,
também afirma que o indivíduo que alcança uma afirma que essa expressão é apenas a tentativa de
“sabedoria religiosa” age de modo racional com definição de um objeto, cuja análise pode ser feita sob
várias óticas; não podendo, portanto, ser quando, por ele, a Bíblia Sagrada foi traduzida para o
representada por conceitos unilaterais. Na tentativa Alemão; a partir disso, o termo “beruf” passou a
de ilustrar melhor essas idéias, Weber (1994, p. 30- designar tanto “vocação” (no sentido de um chamado
31) cita-nos algumas frases de Benjamim Franklin, divino), quanto “trabalho” (ou profissão). Nesse
as quais podem expressar um pouco do que se tenta sentido de inovação dogmática, a ética protestante
expressar sobre o espírito do capitalismo: distanciou-se bastante dos padrões católico-medievais
com o redirecionamento ascético, e a negação de ritos
Lembra-te de que «tempo» é dinheiro. [...]. como a adoração de santos, da prática de vários
Lembra-te de que «crédito» é dinheiro. [...].
Lembra-te de que o dinheiro é de natureza
sacramentos, dos milagres, entre outros. Assim, o
prolífica, procriativa. [...] protestantismo passa a representar um tipo de religião
Lembra-te deste refrão: O «bom pagador é que se afasta do misticismo medieval, acompanhando
dono da bôlsa alheia». [...] a racionalização moderna.
As mais significantes coisas que afetem o
crédito de um homem
devem ser consideradas. 7. Ascetismo e Misticismo como Tipos Ideais
RESUMO ABSTRACT
Este artigo tece algumas considerações This article presents some considerations
acerca do Método Científico, com o objetivo about the Scientific Method, in order to
de discutir sua aplicação nos estudos discuss its application in academic
acadêmicos e projetos de pesquisa, paperworks and research projects, analyzing
tomando-o como caminho para a it as a way for the scientific research of
investigação científica de hipóteses established hypotheses. A literature and state
estabelecidas. Foi realizada uma revisão da of art review on the subject was conducted
literatura na área e do estado da arte quanto and a theoretical discussion based on
ao tema e uma discussão teórica baseada em literature research is presented. It was
pesquisa bibliográfica. Concluiu-se que, não concluded that, despite the extensive
obstante a vasta discussão presente na discussion in the literature about the
literatura acerca da concepção do método conception of scientific method, the
científico, cabe ao pesquisador fazer a sua researchers are responsible for making their
escolha em relação ao método considerando choice regarding the method considering the
as questões inerentes à sua pesquisa e, issues involved in their research and,
sobretudo, as suas necessidades enquanto especially, their needs as investigators.
investigador.
Key words: Scientific Method.
Palavras-chave: Método Científico. Methodology. Science. Hypothesis.
Metodologia. Ciência. Hipótese.
1
Doutorando em Geografia pela UFS – Universidade Federal de Sergipe; professor de graduação e pós-
graduação na FANESE – Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe; professor da pós-
graduação nas Faculdades UNIT – Universidade Tiradentes e FAMA – Faculdade Amadeus, em
Aracaju/SE.
20 Moacir Araújo de Sousa
Se chegaremos ou não, por métodos partir das quais os resultados obtidos podem ser
científicos, à verdade absoluta, é um deduzidos e com base nos quais se podem fazer
questionamento que a ciência não está
previsões que, por sua vez, podem ser confirmadas ou
aparelhada para responder. E talvez nunca
esteja, o que não nos impede de que refutadas. Esse método tem suas raízes no pensamento
continuemos procurando pela verdade. de René Descartes (1596-1650), que procurou
estabelecer um método universal baseado no rigor
Retomando a discussão, Sposito (2004, p. matemático e na razão.
27) nos leva a pensar no método como algo que Segundo tal método, o real é descrito por meio
transcende a procedimentos, técnicas ou regras e nos de hipóteses e deduções. O objeto prevalece sobre o
convida a um passeio pela história do pensamento sujeito, ou seja, o objeto estudado é posicionado a
com os Sofistas, que provocavam debates indicando montante, influenciando o pesquisador e os seus
que “não havia normas propriamente ditas para o conhecimentos, mesmo que a neutralidade científica
verdadeiro e o falso”; Sócrates que, ao contrário, seja pressuposto básico. Sujeito < Objeto.
tentou mostrar “que certas normas são, entretanto, O método fenomenológico-hermenêutico,
absolutas e válidas para todos”; René Descartes, que embasado na filosofia do subjetivo, teve suas
cria “um subjetivismo idealista e racional”, primeiras definições elaboradas por Husserl
rejeitando todas “as certezas dogmáticas e prontas e (1859–1938) e se sobressaiu na França, a partir das
parte da dúvida”, como forma de conhecer o mundo; idéias de Maurice Merleau-Ponty (1908–1961).
chegando ao empirismo inglês, o idealismo alemão,
O termo hermenêutico designava, até o fim do
a dialética hegeliana, o positivismo comteano e o
século XIX, “todo esforço de interpretação científica
materialismo histórico marxista, bases teóricas e
de um texto difícil que exige uma explicação”.
doutrinárias do conhecimento científico e filosófico
e dos diferentes métodos de interpretação da Para Nunes (1989, p. 88 apud SPOSITO), a
realidade. fenomenologia, como filosofia, “pretende ser uma
crítica de toda a tradição especulativa ou idealista”.
Sposito também nos diz que: “Se os pontos
Pode ser ainda entendida como “uma corrente
de partida são racionalistas ou empiristas,
filosófica fundada por E. Husserl, visando estabelecer
materialistas ou idealistas, os métodos são utilizados
um método de fundamentação da ciência e de
dependendo da própria intencionalidade do
constituição da filosofia como ciência rigorosa”.
investigador”. (p. 27)
Husserl (apud Vergez & Huisman, 1984, p.377), apud
Ao afirmar que “indução e dedução são Sposito (2004, p. 37), afirma que
procedimentos da razão e não métodos diferenciados
e com identidade própria”, Sposito assume uma a fenomenologia ultrapassa simultaneamente
posição de escolha de três diferentes métodos, o realismo e o idealismo. Ela ultrapassa o
idealismo na medida em que toda consciência
apenas, que segundo sua análise, apresentam as
visa a um objeto transcendente, isto é,
características de um método científico, com leis e exterior a ela; ultrapassa o realismo na
categorias, e se relacionam historicamente com os medida em que toda significação remete a
procedimentos específicos e teorias disseminadas uma consciência transcendental, doadora de
pela comunidade científica. São eles: «hipotético- sentido.
dedutivo, fenomenológico e dialético».
Tomando como referência Japiassu & Por fim, ele retrata o “problema do outro”: “o
Marcondes (1990, p. 93), entende-se como outro não é só aquele que vejo, mas aquele que me vê e
hipotético-dedutivo o método que permite a é também fonte transcendental de um mundo que lhe é
construção de uma teoria que formula hipóteses a dado”.
No método fenomenológico, é o sujeito como estágio superior que, por sua vez, se
quem disseca o objeto e suas relações a partir do seu coloca também como uma nova tese.
próprio ponto de vista, fazendo com que este corra o Essa idéia nos remete a Rohmann (2000),
risco de se tornar apenas o elemento a ser analisado. quando nos esclarece:
Sujeito > Objeto.
O método dialético, segundo Japiassu & A civilização progride em estágios, ou
«momentos históricos», cada um dos quais é
Marcondes (1990, p. 167) apud Sposito (2004), é uma etapa necessária, mas incompleta, do
aquele que “procede pela refutação das opiniões do desenvolvimento da «consciência», da
senso comum levando-as à contradição, para chegar «razão» e da «liberdade» humanas. Como
então à verdade, fruto da razão”. cada estágio é imperfeito, suas falhas dão
origem a idéias ou forças contrárias e, do
Platão concebe a dialética como “o processo resultado do conflito, surge um estágio novo,
pelo qual a alma se eleva, por degraus, das aparências superior e temporariamente mais estável.
sensíveis às realidades inteligíveis ou idéias”. Hegel chamava essa síntese de «superação»
(Aufhebung), termo que implica tanto a
Aristóteles diz que ela é “a dedução feita a
negação quanto a preservação – o surgimento
partir de premissas apenas prováveis, oposta ao de uma condição que contém e supera a
silogismo, fundado em premissas consideradas original. (p. 187)
verdadeiras e concluindo necessariamente pela força
da forma”. Complementando, Sandra Lencioni (1999, p.
Para Aristóteles, segundo Gaarder (1995, p. 159), apud Sposito (2004 p. 44), afirma que
126 apud SPOSITO, 2004, p. 40),
Karl Marx e Friedrich Engels conceberam o
a idéia de cavalo era somente um conceito método materialista dialético, que contém os
que nós, os homens, criamos depois de ter princípios da interação universal, do
visto um certo número de cavalos. A idéia movimento universal, da unidade dos
ou a «forma» do cavalo não existe em si. A contraditórios, do desenvolvimento em
«forma» do cavalo é construída, segundo espiral e da transformação da quantidade em
ele, pelas qualidades próprias do cavalo, o qualidade.
que, em outros termos, nós chamamos a
espécie cavalo. No método dialético, então, o sujeito e o
objeto se constroem e se transformam, um em face do
Platão, com o seu “mito da caverna”, queria outro. Sujeito Objeto.
se aperceber do mundo das idéias, saindo assim da Na contemporaneidade, Karl R. Popper,
caverna. Ele dizia que “as idéias eram mais reais que filósofo austro-inglês, escreveu “a lógica da pesquisa
os fenômenos naturais”. científica” (1975, p. 105) e analisou o princípio da
O que Hegel denominou processo dialético indução, atacando o “psicologismo” ao afirmar que a
denota o pensamento que é elaborado e, uma vez tarefa que toca a lógica do conhecimento, em oposição
estabelecido, vai ser confrontado com um novo à psicologia do conhecimento, parte da “suposição de
pensamento, criando assim uma tensão entre dois que ela consiste apenas em investigar os métodos
modos de pensamento. empregados nas provas sistemáticas a que toda idéia
Para Marx, a dialética compreende nova deve ser submetida para que possa ser levada em
necessariamente a noção de movimento na História. consideração”.
Segundo Sposito, esse movimento ocorre quando, na O excelso doutrinador concebe a indução
confrontação de tese e antítese, a síntese contém como fundamental para a racionalização das idéias
aspectos positivos da tensão anterior, e apresenta-se novas, que devem ser apreciadas através do princípio
da “falseabilidade”, para se confirmar se são Segundo Chris Rohmann (2000, p. 272), que
científicas ou não. escreveu “O Livro das Idéias”, entende-se por
Concluindo essa discussão vale salientar metodologia científica o método de investigação
que, apesar de tantos estudos já efetuados acerca do baseado na indução, que parte de provas empíricas e
método científico de investigação, desde os da investigação experimental de hipóteses teóricas;
primórdios até os dias atuais, ainda se percebe nesse sentido, qualquer conhecimento válido precisa
grandes dificuldades por parte dos pesquisadores, apoiar-se nos testes e na confirmação, e sua meta é
sobretudo aqueles que estão em sua fase alcançar resultados objetivos, relativamente livres de
embrionária, iniciando seus experimentos, na palpites e da influência de preconceitos pessoais ou
escolha do método mais adequado ao seu objeto de culturais. Esses princípios metodológicos, elaborados
pesquisa. Também, não poderia ser diferente, à época da revolução científica dos séculos XVI e
considerando inclusive que há até quem afirme que XVII, constituem ainda hoje a base de grande parte das
método científico não existe, como é o caso do pesquisas nas ciências naturais e sociais.
filósofo Karl R. Popper, citado anteriormente neste Resultado do racionalismo e do empirismo
texto. filosóficos, e da obra de cientistas como o astrônomo
Não obstante isso, é importante registrar que Galileu e o médico William Harvey, o sistema
cada indivíduo tem uma forma singular de produzir e empregava a observação direta e documentação
apreender conhecimento, de ver o mundo, de minuciosa, em vez das modalidades de pesquisas mais
processar as informações disponíveis, de ser. Desse especulativas.
modo, através do caminho que escolhermos para René Descartes, com o preceito “duvidar de
buscar a nossa verdade, tenha ele o nome de método tudo” e a aplicação dos princípios matemáticos aos
ou outro qualquer, devemos prosseguir rumo à problemas filosóficos, proporcionou grande parte do
evolução, ao progresso, dando a nossa melhor alicerce para seu desenvolvimento posterior e
contribuição para o crescimento da ciência. contribuiu para a idéia de que os métodos empíricos
Que possamos, de fato, como propõe o podem chegar à «verdade» fundamental. Nesse
professor Sposito, abraçar o ato de conhecer e os mesmo período, Francis Bacon esboçou o que se
diferentes níveis do conhecimento com o desejo de tornaria a base estrutural da metodologia científica em
atender o «porquê» (elucidar razões históricas do seu Novum Organum (1620). De acordo com o método
tema pesquisado), o «quando» (examinar o contexto baconiano, síntese do empirismo e da indução, os
em que as idéias se deram), o «onde» (compreender a dados oriundos de observações minuciosas e de
relação entre os fatos e os lugares), e o «para quê» experiências criteriosas, são registrados, comparados
(exprimir a angústia da civilização que busca, em e analisados para produzir hipóteses funcionais, que
meio a tanto avanço tecnológico, um sentido mais são, então, exaustivamente testadas.
livre e igualitário para a vida). Rohmann nos diz ainda que, embora o método
dos cientistas da época de Descartes e Bacon fosse
coletar e analisar todo e qualquer dado discernível que
3. Metodologia Científica
contivesse informações importantes a respeito de um
tema qualquer, os pesquisadores modernos mostram-
A palavra metodologia tem suas raízes se inclinados a optar por um aspecto específico de
etimológicas na Grécia, originando-se do termo determinado fenômeno, e a elaborar uma experiência
grego méthodos + log + ia, que traduzido surge como para investigá-lo.
“a arte de dirigir o espírito na investigação da Segundo ele, a ciência do século XX alterou
verdade”. os pressupostos tradicionais da metodologia científica
RESUMO ABSTRACT
1
Professor Adjunto da Universidade Federal de Alagoas. Contato: carley.ufal@gmail.com
28 Carley Rodrigues Alves
sociedade em rede, por autores como resistência que assume os atores sociais em
Castells (2002, p.22) que concebem a identidade situação desvalorizada ou de opressão. Por fim, a
como sendo a “fonte de significado e experiência de identidade de projeto é o movimento a partir do qual os
um povo”. atores sociais lançam mão do material cultural que
Bauman (2005, p.26) entende que “a idéia de dispõem para produzir novas identidades, em busca de
'identidade' nasceu da crise do pertencimento e do transformação da realidade social em que vivem.
esforço que esta desencadeou no sentido de transpor Não obstante as modalidades de identidade
a brecha entre o 'deve' e o 'e'”, ou seja, ela se realiza, observadas em Castells, de acordo com Canclini
erguendo a realidade ao nível dos padrões (1997, p.35), num levantamento superficial não se
estabelecidos pela idéia. Para este autor o projeto de observa relevante distinção entre identidade e cultura,
criação dos estados-nação exigia mecanismos de o que torna sem sentido a tarefa de enquadrar um
construção e consolidação de uma identidade determinado fenômeno a um tipo ou modalidade de
nacional. A força desta identidade nacional imposta identidade cultural. Para o autor “a cultura, à maneira
produziu abalos sobre a segurança sugerida pelo da identidade, abarca o conjunto de processos sociais
pertencimento em nível local. No entanto, para de produção, circulação e consumo da significação na
Castells (2002, p.86), o surgimento de resistências vida social.”
em nível local poderá produzir uma crise do estado- As idéias destes autores situam-se no seio de
nação. um debate controverso sobre a importância da
comunidade na contemporaneidade. Bauman (2005,
É possível que, dessas comunas, novos p.17) identifica em sua análise dois tipos de
sujeitos – isto é, agentes coletivos de comunidade: “Existem comunidades de vida e de
transformação social – possam surgir,
construindo novos significados em torno da
destino, cujos membros 'vivem juntos numa ligação
identidade de projeto. Na verdade diria que, absoluta', e outras que são 'fundidas unicamente por
dada a crise estrutural da sociedade civil e idéias ou por uma variedade de princípios'.” Para o
do Estado-Nação, pode ser esta a principal autor, o primeiro tipo se transformou num sonho, na
fonte de mudança social no contexto da medida em que o projeto de construção de novas
sociedade em rede.
identidades interrompeu o fluxo do pertencimento,
permitindo uma proliferação em massa das
Em escala local, as manifestações culturais, comunidades fundidas por idéias.
por exemplo, entendidas enquanto territorialidade Para Bauman (2005, p.18), “[...] a idéia de 'ter
humana, nos permitem enxergar a construção do uma identidade' não vai ocorrer às pessoas enquanto o
sentimento de pertencimento no momento em que a 'pertencimento' continuar sendo o seu destino, uma
identidade e a cultura se imbricam e se internalizam condição sem alternativa.” Na medida em que a
nos atores sociais. Neste momento, o sentimento de identidade poderá se realizar como uma tarefa,
pertencimento passa a agregar valores progressiva e constantemente, o pertencimento
imprescindíveis à coesão social da comunidade. Para continuará se realizando natural e, em geral,
Castells (2002, p.24) pode-se conceber, neste inconscientemente, no cotidiano das comunidades.
sentido, três modalidades de identidade cultural:
A impossibilidade de continuar a pertencer
“Identidade Legitimadora; Identidade de
associa-se ao mal-estar generalizado porque passam
Resistência; e, Identidade de Projeto.”
aqueles cujo destino ainda deveria ser o de pertencer a
A identidade legitimadora é fruto da algum lugar. A globalização, ao favorecer um
racionalização e da expansão das instituições desraizamento, uma ruptura nos vínculos de
dominantes da sociedade sobre os atores sociais. A relacionamento entre os seres humanos e com relação
relações pessoais e afetivas que se processam na continentes dariam origem a uma intensa e
comunidade. progressiva ocidentalização do mundo. Nos dias de
Do ponto de vista filosófico e prático, “[...] hoje, o que chamamos de globalização é o resultado de
perguntar 'quem você é' só faz sentido se você “um processo que se iniciou com a conquista das
acredita que possa ser outra coisa além de você Américas e a expansão dominadora do ocidente
mesmo [...]” (BAUMAN, 2003. p.25). Ou seja, a europeu sobre o planeta” (MORIN, 2001, p.39). Na
identidade é algo que passa a ser inventado como atualidade, o momento da globalização é fortemente
tentativa de preenchimento do vazio existencial, ou marcado por forças transnacionais que desintegram os
do vácuo ético, que desintegra os seres humanos na estados-nacionais em escala planetária. Segundo
modernidade. Bauman (1999, p.64)
As análises críticas de Bauman, permitem Uma vez que as nações-estados continuam
conceber a história da construção das identidades sendo as únicas estruturas para um balanço e
como diretamente associada ao projeto de estado as únicas fontes de iniciativa política efetiva,
nacional, que passaria a destruir a diversidade das a 'transnacionalidade' das forças erosivas
coloca-as fora do reino da ação deliberada,
singularidades em escala comunitária, supostamente proposital e potencialmente racional.
em nome da construção de um projeto de
homogeneidade nacional. De acordo com Bauman
(2005, p.26) “a idéia de 'identidade', e Sendo assim, os significados que a
particularmente de 'identidade nacional', não foi globalização assumem nos dias de hoje confirmam a
'naturalmente' gestada e incubada na experiência artificialidade e a fragilidade da identidade nacional, e
humana, não emergiu dessa experiência como um nos remetem a um debate comprometido com a busca
'fato de vida' auto-evidente.” A artificialidade do de soluções para crise de pertencimento, em escala
espírito nacional, ou da nacionalidade, sobre a vida local. Neste sentido, de acordo com Bauman (1999,
das pessoas, substituiria, enquanto projeto político, a p.34), “a globalização significa que o Estado não tem
história de comunidades cujo destino natural era o de mais o poder ou o desejo de manter uma união sólida e
pertencimento. inabalável com a nação.” A emergência do estado
nacional, para Bauman (1997), se deu paralelamente
A invenção da nação, acompanhada de perto
ao declínio da comunidade, combinando uma
da invenção de um sem número de tradições
narrativa política a um problema filosófico.
nacionais, não poderia preencher os requisitos de
proteção e segurança perdidos com a crise de
pertencimento e o fim das comunidades. A nação 5. Considerações Finais
precisaria do Estado enquanto simulacro em escala
ampliada das condições de vida em escala local.
Sendo assim, compreende-se que “[...] uma nação Em escala local, com relação às comunidades
sem Estado estaria destinada a ser insegura sobre o tradicionais, torna-se impossível discorrer sobre o seu
seu passado, incerta sobre o seu presente e duvidosa modo de vida desconsiderando o papel do sagrado, ou
de seu futuro, e a assim fadada a uma existência da religiosidade, enquanto dimensões que
precária.” (BAUMAN, 2005, p.27) fundamentam e põem em movimento um conjunto de
atitudes, comportamentos e práticas, nestas
Os cinco séculos de estabelecimento da
comunidades. De acordo com Bauman (1998, p.205) a
modernidade científica foram acompanhados de
religiosidade é um conceito de difícil definição. Para o
perto pela criação, expansão e consolidação dos
autor, o espírito pós-moderno poderá ser capaz de
estados-nacionais. No entanto, enquanto gestavam e
lançar um novo olhar sobre esta dimensão ontológica
se multiplicavam, a descoberta dos novos
vital, restaurando permanentemente sua licença de
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RESUMO ABSTRACT
Neste artigo aborda-se a questão de se This article approaches the question of the
trabalhar a educação ambiental nas environmental education in educative
instituições de ensino com o intuito de institutions with a intention to help our
ajudar nossos alunos na preservação do pupils in the preservation of the place where
meio em que vivem, interagindo-se com a they live and interact with the society, thus
sociedade e favorecendo assim a favoring the learning, contributing for the
aprendizagem, contribuindo para a formation of the pupils as critical citizen and
formação do aluno como cidadão crítico e to be capable to formulate its proper
capaz de formular suas próprias opiniões e opinions and conceptions, regarding its
concepções a respeito do seu meio social e social and environment context, in the
na construção de uma sociedade que resgate construction of a society that rescues the
a cidadania e ajude na melhoria da qualidade citizenship and aid to improvement of the
de vida dos alunos. quality of life of the pupils.
1
Graduada em Pedagogia e Pós-Graduada em Docência do Ensino Superior pelo Instituto de Ensino
Superior Santa Cecília - IESC – manoelapatricia@hotmail.com
2
Graduanda em Biologia e Pós-Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade Estadual de Alagoas
- UNEAL – daya-paulla@hotmail.com
40 Manoela Patricia de Farias & Paulla Dayanna Farias Santos
conhecimentos baseada nos métodos da atitudes mais urgentes, pois o futuro depende do tipo
interdisciplinaridade e nos princípios da de uso que a mesma vem fazendo com os recursos
complexidade. Uma outra iniciativa marcante e que naturais disponíveis. À medida que a humanidade
teve ampla repercussão foi a Carta da Terra, aumenta sua capacidade de intervir na natureza, fica
resultado da mobilização e articulação da sociedade cada vez mais difícil uma solução para a questão
civil que se inicia a partir da publicação de “Nosso ambiental, trazendo conseqüências indesejáveis.
Futuro Comum”, em 1987, cuja primeira versão foi Os problemas ambientais não se restringem
discutida na ECO- 92, durante o Fórum Global de apenas à proteção da vida, mas também à qualidade de
ONGs. (JACOBI, 2005). vida. Para Souza (2003), esta ordem social emergente,
No âmbito da legislação, o antigo Conselho que pretende responder à crise da ordem social global
Federal de Educação (CFE) emitiu o Parecer 226/87, a partir da construção de novos paradigmas nas
enfatizando que a Educação Ambiental deve ser ciências, na sociedade, na educação, na ética, entre
iniciada, na escola, numa abordagem outros âmbitos, coloca o desafio de encontrar novos
interdisciplinar, levando a população a um caminhos para a produção e apropriação dos
posicionamento em relação a fenômenos ou conhecimentos. A educação se consolida além dos
circunstâncias do ambiente. A lei 9.795 de 27 de abril espaços educativos tradicionais e as necessidades de
de 1999, que institui a Política Nacional de Educação aprendizagem avançam além dos espaços educativos
Ambiental, viria ter como um de seus princípios “o formais, para manifestarem-se como uma necessidade
pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na de educação permanente ao longo de toda a nossa vida.
perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade”. Para se falar em Educação Ambiental,
Por fim, meio ambiente passa a ser um dos Temas necessariamente devemos falar de atitudes, de cultura,
Transversais dos Parâmetros Curriculares de qualidade de vida, de respeito, de ética, de
Nacionais, que, em seu texto introdutório, cidadania, de sociedade, de natureza, de recursos
recomenda que sejam trabalhados de forma naturais, de água, de energia, de ar, de terra, enfim,
interdisciplinar nos currículos escolares, (ADAMS, poderíamos continuar por um bom tempo listando a
2006). abrangência do assunto Educação Ambiental. Nosso
As expectativas geradas com os avanços na olhar sobre todos estes aspectos deve ser um olhar
Rio-92 se reduziriam significativamente antes e após abrangente e integrador, ao invés de fragmentado e
a mais recente Cúpula do Mundial sobre Meio reducionista. Além disto, precisamos olhar para nós,
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Rio + 10 para o outro e para o meio com uma nova maneira de
–, realizada em 2002 em Johanesburgo, onde não se ver, porque desde sempre fomos educados para
concretizaram os objetivos de aprofundar o debate enxergar o meio ambiente como um grande “armazém
em torno do desenvolvimento sustentável e de utilidades” (ADAMS, 2006).
praticamente não foram acordados novos passos, Os acontecimentos que envolvem o meio
nem no plano teórico, nem nas medidas práticas ambiente estão relacionados ao desenvolvimento
(JACOBI, 2005). social. Desta forma, torna-se urgente a necessidade de
Mesmo diante de tantos fatos ocorridos, com mudanças de comportamento e de atitudes, para
a evolução dos meios tecnológicos, a questão conscientizar a população da construção de um mundo
ambiental está se tornando cada vez mais mais justo, digno e ecologicamente equilibrado.
preocupante, pois esse avanço tem conduzido Contudo, cabe a escola proporcionar essas possíveis
processos de contaminação e poluição, onde os mudanças, cultivando comportamentos e oferecendo
recursos naturais estão se tornando cada vez mais condições para que o educando compreenda os fatos
escassos. Visando isto, a humanidade precisa buscar sociais e humanos, de forma crítica e solidária,
cultivando atitudes que possibilitem uma processo instituinte de novas relações dos seres
socialização construtiva, justa e ambientalmente humanos entre si e deles para com a natureza.
sustentável. A instituição escolar, vista como um
instrumento para a formação do ser humano vem se
3. Relação construtiva – escola x sociedade dedicando a formação e a educação da sociedade em
geral. Ela, por sua vez, tem a prioridade no papel da
formação do indivíduo, seja do ponto de vista moral
A escola é um dos espaços que contribuem ou ético, sua importância repercute em todos os níveis,
na formação do cidadão, mas, a educação de cada no âmbito social. A relação entre a escola e a sociedade
cidadão não compete apenas à escola, e sim, também, é alvo de transformação contínua. O indivíduo deve
da participação e interação da família e a interação ter consciência da sua responsabilidade
destes com toda a sociedade. Estes níveis de socioambiental e dos fatores que vem produzindo
interação favorecem a aprendizagem e contribuem alterações ao meio ambiente, no entanto, a escola
para a formação do aluno como cidadão crítico e ainda precisa melhorar muito no que se refere ao
capaz de formular suas próprias opiniões e processo de formação cidadã dos alunos.
concepções a respeito do seu meio social e na
Nos currículos escolares, a principal utilidade
construção de uma sociedade que resgate a cidadania
da Educação Ambiental, de acordo com os Parâmetros
e contribua na melhoria da qualidade de vida dos
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), é contribuir
alunos. Esta interação deve ser discutida, pois ela
para formação de cidadãos conscientes, capazes de
contribui bastante para a formação do indivíduo na
decidirem e atuarem sobre a realidade socioambiental
sociedade.
de um modo mais abrangente, com a vida, com o bem
Cabe à escola, formar novas gerações em estar de cada um e da sociedade, em nível local e
termos de acesso à cultura socialmente valorizada, de global. Para isso é necessário que mais do que
formação do cidadão e de constituição do sujeito informações e conceitos, a escola se proponha a
social, pois é na escola, que o indivíduo recebe as trabalhar com atitudes, com formação de valores com
informações necessárias para educá-los, o ensino e aprendizagem de habilidades e
contribuindo na sua formação e no seu convívio com competências. E esse é um grande desafio para a
o meio social, focando a realidade para que saiba educação formal.
lidar com as situações da sociedade em que estão
No entanto, enquanto espaço de convivência
inseridos.
capaz de favorecer potencialmente o exercício da
Para Souza (2003), o processo educativo cidadania, a instituição escolar possui formas de
deverá ser estruturado no sentido de superar a visão organização, normas e procedimentos que não são
fragmentada da realidade pela construção e meramente aspectos formais de sua estrutura, mas se
reconstrução do conhecimento sobre ela, num constituem em mecanismos pelos quais podemos
processo de ação e reflexão, de modo dialógico com permitir e incentivar, ou ao contrário, inibir e restringir
os sujeitos envolvidos. Deve, por conseguinte, a forma de participação de todos os membros da
respeitar a pluralidade e diversidade cultural, comunidade escolar. Nesse sentido, uma escola que
fortalecer a ação coletiva e organizada, articular pretenda atingir, de forma gradativa e consistente,
aportes de diferentes saberes e fazeres e proporcionar crescentes índices de democratização de suas relações
a compreensão da problemática ambiental em toda a institucionais não pode deixar de considerar o
sua complexidade. A educação assim concebida visa compromisso de participação e atuação de forma
possibilitar a ação em conjunto com a sociedade civil construtiva, colocando em prática todos esses
organizada e, sobretudo, com os movimentos aspectos. Com relação ao alunado, a escola como
sociais, numa visão da educação ambiental como
espaço de convivência social, se torna um centro de décadas convivendo com o reducionismo cientifico, a
referência pessoal que marca os sujeitos que por ali idéia da interdisciplinaridade foi elaborada visando
passam, identificando-a e tornando-a única. restabelecer um dialogo entre as diversas áreas do
Partindo da idéia citada por Jacobi (2003), conhecimento cientifico (ROÇO, 2003). Sendo assim,
que toma como referência o fato de a maior parte da o educador deve buscar destacar a Educação
população brasileira viver em cidades, observa-se Ambiental, explicando-a de forma detalhada, para
uma crescente degradação das condições de vida, possibilitar uma compreensão mais ampla do fazer
refletindo uma crise ambiental. Isto nos remete a uma educacional aliando-o aos aspectos ambientais, da
necessária reflexão sobre os desafios para mudar as vida, do cotidiano e da realidade. Ele deve apresentar
formas de pensar e agir em torno da questão aos alunos, a partir de um roteiro pedagógico
ambiental numa perspectiva contemporânea. A relacionado à Educação Ambiental, conteúdos
postura de dependência e de desresponsabilização da alinhados com as diretrizes nacionais do ensino da
população decorre principalmente da educação ambiental, destacando os quatro pilares
desinformação, da falta de consciência ambiental e conceituais que servem de referencial, ou temas
de um déficit de práticas comunitárias baseadas na geradores, de forma que sejam capazes de avaliar sua
participação e no envolvimento dos cidadãos. Desta capacidade de modificar efetivamente a realidade a
constatação, é possível propor uma nova cultura de sua volta, sensibilizando-os e motivando-os a cumprir
direitos baseada na motivação e na co-participação com o seu compromisso ético e ambiental, ou seja,
da gestão ambiental. com a sua responsabilidade diante das consequências
de suas próprias escolhas individuais e coletivas.
Contudo, pode-se dizer que grande parte dos
problemas ambientais estão relacionados às Com relação à Educação Ambiental, os PCN's
irresponsabilidades da sociedade. Porém, muitos (BRASIL, 1997) afirma que o trabalho deve ser
acusam a escola como responsável pela falta de desenvolvido a fim de ajudar os alunos a construírem
formação do indivíduo, no que diz respeito às uma consciência global das questões relativas ao meio
questões ambientais e a ética, tornado-se para que possam assumir posições afinadas com
incompetente na formação de indivíduos que valores referentes à sua proteção e melhoria. Para isso
poderiam contribuir para construção de uma é importante que possam atribuir significado àquilo
sociedade capaz de resgatar a cidadania, em face da que aprendem sobre a questão ambiental. E esse
melhoria da qualidade de vida. No entanto, é preciso significado é resultado da ligação que o aluno
compreender que esta formação não é de estabelece entre o que aprende e sua realidade
responsabilidade única da escola e também da cotidiana. Também é o resultado da possibilidade de
participação e interação desta com a sociedade. estabelecer ligações entre o que aprende e o que já
conhece, ou seja, da possibilidade de utilizar o
conhecimento em outras situações. Nesse sentido, as
4. A preparação do educador diante da Educação situações de ensino devem se organizar de forma a
Ambiental proporcionar oportunidades para que o aluno possa
utilizar o conhecimento sobre Meio Ambiente para
A principal característica da Educação compreender a sua realidade e atuar sobre ela. Ao
Ambiental é a interdisciplinaridade. No final do proporcionar essa oportunidade ao aluno, o mesmo
século XIX, a preocupação com uma educação desenvolverá habilidades e competências
ambiental surge pela necessidade de dar uma relacionadas ao ensino-aprendizagem das questões
resposta a fragmentação causada pela concepção socioambientais.
positivista que prevalecia nas ciências, repercutindo
Roço (2003), ainda afirma que na escola, se o
nas subdivisões de seus vários ramos. Após longas
professor conhece essa dinâmica de construção do
conhecimento, ele poderá intervir de modo a facilitar novas gerações em termos de acesso à cultura
e ou ampliar o caminho de seus alunos. A sua ação socialmente valorizada, de formação do cidadão e de
como docente poderá priorizar a descoberta, a constituição do sujeito social. Muitas instituições de
dúvida, as perguntas, as formulações e a elaboração ensino desenvolvem apenas uma metodologia teórica,
intelectual, evitando, com isso, a memorização, a no que se refere ao ensino da Educação Ambiental.
repetição de conteúdos e de significados. Porém, Para modificar essa metodologia, buscam-se meios
vale ressaltar que o educador deve propor uma alternativos, dinâmicos e diversificados, de forma que
metodologia diferenciada e diversificada de forma venha levar o alunado a participar na construção do
que venha facilitar e favorecer o desenvolvimento do seu conhecimento e a partir deste, intervir,
educando com as questões relacionadas à sociedade promovendo modificações no meio socioambiental.
e ao meio ambiente. Para que assim, sejam Ao se perceber como agente transformador, em face
amenizados os problemas e as dificuldades dos problemas ligados ao meio ambiente, o aluno será
relacionadas aos problemas ambientais. capaz de desenvolver uma visão global necessária a
Dessa forma, cabe aos professores, através sua participação responsável nas decisões de melhoria
de uma prática interdisciplinar, traçarem juntos da qualidade de vida, do meio natural, social e cultural
novas metodologias que favoreçam a de sua localidade.
implementação da Educação Ambiental, sempre Segundo Souza (2003), ao se trabalhar com a
considerando o ambiente imediato e usando exemplo Educação Ambiental, seria possível sintetizar as
de problemas ambientais atualizados. É necessário, dimensões do processo de capacitação como a
portanto, introduzir mais criatividade nas novas interrelação dinâmica das dimensões pessoal e ética,
metodologias, abandonando os modelos tradicionais com a dimensão socioambiental e profissional.
e usando novas alternativas. Nesse contexto, o Quando planejamos trabalhar com a Educação
professor é a chave para mediar o processo de Ambiental, visualizamos sua importância para a
aprendizagem. Mas, o método, selecionado pelo melhoria da qualidade da educação e para a construção
professor, depende do que ele aceita como objetivo da “cidadania ambiental” capaz de definir e construir
da Educação Ambiental, seu interesse e sua formação novos cenários futuros, que incluam a possibilidade da
construída (ZUCCHI & RADOS, 2002). justiça social e a felicidade das futuras gerações.
Dentre as questões relacionadas à Por isso, é preciso entender a Educação
preparação do educador diante da Educação Ambiental como uma atividade motivadora de um
Ambiental, convém dizer que muitos se limitam processo maior, a saber: o de fazer com que os alunos
apenas as questões teóricas, deixando de lado a que participam de projetos de Educação Ambiental
pesquisa, a socialização, a interação e outros meios desenvolvam a ética de um cidadão crítico e
que os levem a compreensão mais ampla do fazer participativo. Que os mesmos se tornem capazes de
educacional aliando-os aos aspectos ambientais de assumir suas responsabilidades sociais e ambientais
forma que venha despertar no aluno sua capacidade para o exercício futuro da cidadania (SOUZA, 2003).
de modificar a realidade a sua volta, incentivando-o e Deste contexto, reafirma-se a ideia de Jacobi (2003),
motivando-o a cumprir com seu compromisso ético e que defende que os professores(as), para atenderem as
ambiental. necessidades dos alunos, devem estar cada vez mais
preparados para reelaborar as informações que
recebem, e dentre elas, as ambientais, a fim de
5. Ferramentas para modificar o ensino da
poderem transmitir e decodificar para os alunos a
Educação Ambiental nas instituições de ensino
expressão dos significados sobre o meio ambiente e a
ecologia nas suas múltiplas determinações e
À escola foi delegada a função de preparar as intersecções.
Segundo Zabala (1998), numa abordagem possível modificar e tentar solucionar os problemas
construtivista, as sequências didáticas são ambientais encontrados na sociedade.
organizadas no sentido de contemplar atividades que Convém ressaltar que a escola e a sociedade
permitam: determinar os conhecimentos prévios de devem buscar meios de interação, para que juntos, os
cada aluno; abordar os novos conteúdos de forma indivíduos possam fazer uma auto-avaliação sobre
significativa, funcional e adequada ao nível de seus atos e, assim, tentar solucionar os problemas
desenvolvimento dos alunos; criar zonas de socioambientais. Sabemos que a escola tem
desenvolvimento proximal e nelas intervir; provocar fundamental importância na formação do ser humano
processos cognitivos e atividade mental do aluno e, e, assim como a família e toda a sociedade, ela deve
ainda, mobilizar o interesse dos alunos e estimular a formar cidadãos críticos, conscientes de seus atos,
auto-estima e o auto-conceito. O professor, a partir solidários e aptos a viver em sociedade como cidadãos
de uma situação problematizadora, irá mobilizar os dignos de combater de frente os problemas
alunos para que a aprendizagem se processe e se socioambientais existentes.
desenvolva, contribuindo para que eles se sintam
cada vez mais autônomos em suas aprendizagens.
6. Considerações Finais
Torna-se cada vez mais necessário
consolidar novos paradigmas educativos centrados
na preocupação por iluminar a realidade a partir de Na perspectiva de que com a interação entre a
outros ângulos, e isto supõe a formulação de novos escola e a sociedade os problemas ambientais possam
objetos de referência conceituais e principalmente a ser amenizados, busca-se despertar nos indivíduos o
transformação de atitudes (JACOBI, 2004). conhecimento e a prática da Educação Ambiental com
um método dinâmico e objetivo. Para tanto, os
Então, partindo do pressuposto de Roosevelt
trabalhos relacionados a assuntos que dizem respeito
(2003), ao se propor qualquer processo educacional,
aos problemas socioambientais são de grande valia.
apenas a compreensão do conteúdo não é suficiente.
Neste contexto, são capazes de interligar a
Isto significa que o educador deve preocupar-se com
comunidade escolar à sociedade, tanto com uma visão
a forma de transmissão desse conhecimento, que
local quanto global. Mesmo assim, são notórios os
compreenda a disponibilidade de textos pertinentes
obstáculos colocados e que impedem sua realização,
ao assunto; a informação oral passada aos educandos
principalmente quando se alega a impossibilidade de
(submetida à interpretação do professor); a
atingir tal público, pois são leigos em relação à
percepção e apreensão do assunto pelos educandos e
Educação Ambiental e sendo assim deveria haver um
a capacidade de produção de textos sobre o assunto
embasamento maior antes de desenvolver qualquer
pelos próprios educandos. Logo, vale dizer que, para
atividade.
construir uma “cidadania ambiental” que considere
também a construção de novos valores, habilidades e Contudo, temos que salientar que essas
atitudes, é necessário enfrentar uma situação de mudanças devem ser de valores e muito mais
dupla natureza: ética e cognitiva. profundas e subjetivas do que simplesmente a
transformação local. As causas da degradação
Diante da realidade encontrada nas escolas,
ambiental e dos problemas sociais locais vão assim, se
quanto ao ensino-aprendizagem, e na sociedade,
apresentando aos olhos das pessoas
quanto às atitudes e o desenvolvimento, no que se
socioambientalmente envolvidas como derivadas da
refere às questões ambientais, nota-se que grande
ausência de atitudes diferenciadas, necessárias
parte atua de forma errada e consciente do erro.
enquanto ferramentas de proteção e conservação do
Entretanto, se requer a necessidade de se trabalhar
meio ambiente. Pretendemos com isso, suscitar muito
essas questões com os cidadãos para que seja
mais do que a transformação de comportamentos
mecânicos, mas uma transformação baseada nas Ambiental em Ação. nº 19, 2006.
atitudes. SOUZA, Roosevelt Fideles de. Uma experiência em
Desta forma, uma das condições que educação ambiental: formação de valores
consideramos importante para o sucesso e alcance socioambientais/Roosevelt Fideles de Souza.
dos objetivos, é o professor realizar atividades que Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade
mobilizem todo o corpo discente e demais membros Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Serviço
social. orientador: Denise Pini Rosalem da Fonseca. -
da escola, pois o sucesso de um trabalho deste tipo
Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Serviço
depende da participação e da interação de todos na Social, 2003.
escola.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental.
A forma de atingir o sucesso deve ser uma Parâmetros curriculares nacionais: meio ambiente,
aposta em metodologias diversificadas. As suas saúde/Secretaria de Educação Fundamental. –
características, tais como a interdisciplinaridade, a Brasília : MEC/SEF, 1997.
utilização de situações-problemas como tema ROÇO, M. C. Interdisciplinaridade e transversalidade
gerador das discussões, o planejamento das etapas, o como dimensões de ação pedagógica. Revista
esforço compartilhado por todos na busca e no Urutágua. Maringá, nº 07, 2003.
alcance do produto final, entre outras, se mostram
ZUCCHI, O.J & RADOS, G. J. V., Educação
capazes de diminuir as dificuldades e as distâncias Ambiental e os Parâmetros Curriculares: Um estudo
que existem entre toda a comunidade escolar. das concepções e práticas dos professores do ensino
Por fim, temos que lembrar que a educação fundamental e médio em Toledo no Paraná. Odair José
ambiental é um processo e, como tal, não deve ser Zucchi e Gregório Jean Varvakis Rados. Educere:
interrompido no primeiro obstáculo. Os resultados Revista da Educação. vol. 2, n. 1: Jan./Jun. 2002.
vêm a médio ou longo prazo, através de atividades SOUZA, Roosevelt Fideles de. Uma experiência em
cujo fluxo processual e ininterrupto, com o tempo, educação ambiental: formação de valores
culminem com o desenvolvimento de uma socioambientais/Roosevelt Fideles de Souza.
consciência crítica de respeito ao próximo e ao meio Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Serviço
ambiente.
social. orientador: Denise Pini Rosalem da Fonseca. -
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interdisciplinaridade no Contexto Educacional:
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RESUMO ABSTRACT
Este artigo consiste no estudo sobre a This paper deals about Rio Vermelho suburb
ocupação e evolução do Bairro do Rio involving its occupation and evolution at the
Vermelho, na cidade do Salvador, à partir de city of Salvador, capital of Bahia state, from
uma abordagem histórica, procurando fazer a historic point of view, looking to make a
um diagnóstico dos efeitos causados pela diagnosys caused by its urbanization itself,
urbanização. Objetiva-se compreender o starting from the suburb space analyses,
processo evolutivo do espaço urbano, looking in to understand the commerce
através da análise espacial do bairro, influence and its kind of services used in the
entender a influência do comércio e serviços urbanization process and to pinpoint the
no processo de urbanização, e destacar a evolution acquired by the suburb itself,
evolução das funções adquiridas, pelo identifying its actors responsible by the
Bairro, identificando os atores da produção production of the space and shown up the
do espaço, ressaltando o processo e as process itself and its characteristics as well.
formas espaciais.
Keywords: Urban Occupation. Urban
Palavras-chave: Ocupação Urbana. Development. Historical Approach. Rio
Evolução Urbana. Abordagem Histórica. Vermelho. Salvador-BA.
Rio Vermelho. Salvador-BA.
1
Prof. Assistente do IFCH/UCSAL - Doutorando em Geografia NPGEO/UFS.
48 Dante Severo Giudicci
Filho (1991) na Pedra da Concha, entre 1509-1511. deslocaria para um ponto mais próximo de Salvador,
Ao naufragar o navio mercante francês, do qual era no Rio Vermelho, para liderar a reação contra os
tripulante, ele conseguiu chegar à costa, e se fixou invasores, organizando grupos de combatentes. Nesse
entre os nativos, vindo a se casar uma índia, e serviu arraial, o incansável bispo conseguiu reunir os
durante muitos anos como intermediário entre o principais chefes que comandariam a luta de
colonizador e os aborígines. emboscadas. O local do histórico encontro foi um
Durante todo o século XVI, o povoamento monte com uma excelente visão panorâmica para o
foi lento. Caramuru possibilitou o surgimento, na oceano, verdadeiro posto de observação avançada
Mariquita, da chamada “Aldeia dos Franceses”, um para a entrada e saída da Baía de Todos os Santos.
entreposto de escambo do pau-brasil com Situado a cavaleiro da barra do rio Camorojipe, o
aventureiros franceses. Mas, sem haver nenhuma outeiro ficou conhecido como Morro do Conselho.
fixação de forasteiros na região. Com a expulsão dos holandeses, o Rio
Conforme Porto Filho (1991) existe registro Vermelho foi escolhido para ter uma fortaleza (Figura
de uma sesmaria, doada por Tomé de Souza, com 2). Afirma Porto Filho (1991):
assentamento de currais de gado e armações de
As obras demoraram de começar e quando
pesca. Por volta de 1580, no lugar da atual igrejinha iniciadas transcorreram de forma muito
do Largo de Santana, foi construída uma ermida de lenta, em duas etapas, 1711-1722 e 1736-
taipa coberta por palha, com a frente voltada ao mar, 1756. O Forte, também chamado de Reduto
para a enseada que se transformaria num porto dos do Rio Vermelho, único fora dos limites da
Baía de Todos os Santos, não chegou a ser
pescadores. A capela foi erguida pelos padres da
totalmente concluído (Figura 2), mas
Companhia de Jesus, os jesuítas como ficaram recebeu peças de artilharia e um contingente
conhecidos. Chegaram ao Rio Vermelho em missão militar. Em junho de 1822, quando eclodiu a
de catequese, para converter os tupinambás à Guerra da Independência, o brigadeiro Inácio
doutrina católica. Madeira de Melo, comandante dos
portugueses, mandou reforçar o aparato
O povoamento do Rio Vermelho teve início bélico do Forte do Rio Vermelho. Não queria
efetivamente no século XVII quando da invasão que o baluarte fosse tomado e o arraial
holandesa. Tudo teve início em julho de 1604, sob o transformado num reduto militar das forças
comando de Paul Wan Caardem, uma esquadra patrióticas. Havia o temor de uma investida
das milícias que ainda restavam no poderoso
holandesa veio atacar Salvador, pela segunda vez, e
feudo da Casa da Torre, sediado no litoral
tentou estabelecer uma cabeça-de-ponte no Rio
Vermelho. Em decorrência das condições do mar
revolto e pela reação da guarnição militar que ai se
encontrava instalada, os holandeses desistiram do
arraial e se dirigiram à Baía de Todos os Santos, onde
foram repelidos e impedidos de desembarcarem.
Segundo o site “Portal do Rio Vermelho”
(2009), vinte anos depois, em 9 de maio de 1624, os
holandeses finalmente conseguiram entrar em
Salvador. A população em pânico abandonou a
cidade. Uma parte fugiu para as bandas do Rio
Vermelho. O bispo, dom Marcos Teixeira, uma das
poucas autoridades a escapar, instalou-se com um
Figura 2 - Rua Guedes Cabral e a muralha do Forte (1951)
grupo de refugiados em Abrantes, donde se Fonte: Porto Filho (1991)
norte, num castelo em estilo medieval, preferencial do veraneio das famílias ricas
construído numa elevação próxima à Praia foi um pulo. Durante meio século (1880-
do Forte. Mas não houve nenhum combate. 1930), o balneário constituiu-se num
(PORTO FILHO, 1991). sofisticado local de veraneio. Foram
construídos inúmeros palacetes e casarões,
surgiram dois hotéis com restaurantes,
A não conclusão do forte é confirmada por
armazéns de secos e molhados, lojas de
ROHAN (1896): tecidos e miudezas e até uma fábrica de
, cerveja, que os veranistas atestavam ser de
No lugar da costa assim denominado, muito boa qualidade. Uma linha de bondes
distante duas mil braças da Fortaleza de elétricos, inaugurada em 1906, proporcionou
Santo Antônio da Barra, existem sete lances a ligação mais rápida com o centro da cidade
de muralhas com o desenvolvimento de e vice-versa. O centro de veraneio também
seiscentos e doze palmos, ligados e fez surgir um cinematógrafo, um clube de
formando entre si cinco [ângulos] salientes tênis, um clube social, um hipódromo e um
e um reentrante, de alvenaria forte e bem campo de futebol, onde o campeonato baiano
conservada, que pareciam destinadas a foi disputado durante treze anos (1907-
formar um Reduto naquele ponto, cuja 1920), até a construção do Estádio Arthur
construção julgo ter sido sustada de modo Morais, no bairro da Graça. (PORTO
que apresenta o perímetro incompleto para FILHO, 1991).
o lado do mar. À exceção das referidas
muralhas que podem ser aproveitadas, tudo Na edição de fevereiro de 1914, a revista
o mais há por fazer. (ROHAN, 1896).
Ilustração, editada em Salvador, exibiu na página doze
uma fotografia do Rio Vermelho acompanhada do
A efetiva ocupação do Rio Vermelho pelo seguinte texto: “Um dos mais lindos e aprazíveis
colonizador português foi de forma muito lenta. A arrabaldes d'esta capital, onde a nova elite passa o
povoação não passava de uma aldeia de índios verão e descansa das fadigas da velha cidade do
tupinambás e também por pescadores, com núcleos Salvador” (Martins, 2001). Ainda neste número, a
nos portos da Mariquita e Santana. O primeiro revista estampou uma foto das obras da estrada Barra-
oferecia um abrigo seguro durante os períodos do Rio Vermelho, apelidada de “a menina dos olhos do
mar agitado. As embarcações adentravam o governador Seabra”. Construção complexa, pois
Camorojipe (evolução de Camoroipe, atualmente cortava morros e rochedos, levou nove anos para ser
Camurugipe) e ficavam fundeadas no leito do rio. concluída, sendo inaugurada em 1922, quando J.J.
Mais tarde, quando a Capitania dos Portos ordenou Seabra governava a Bahia pela segunda vez. Em 1926
as colônias de pesca no litoral baiano, a do Rio surgiu a primeira linha de ônibus, com marinetes
Vermelho, por ser a mais antiga, foi batizada como Z- Renault cobrindo o percurso de ida e volta entre o
1 (designação que perdura até os dias atuais), com Largo da Vitória e o Largo de Santana, pela pioneira
sede no porto de Santana. ligação rodoviária, atual Avenida Oceânica.
No século XIX, o antigo aldeamento dos Com tanto desenvolvimento, ao tempo em
índios tupinambás,e dos pescadores ganhou fama de que via crescer a população fixa - formada por famílias
possuir “águas milagrosas”. Pessoas de diversas oriundas do centro da cidade e por imigrantes
procedências chegavam atraídas pelos banhos de sal espanhóis e alemães - o balneário foi perdendo o
nas “águas medicinais” do mar do Rio Vermelho, atrativo como reduto de veraneio. Na década de 1950 o
que, segundo crença da época, curavam até beribéri. rincão descoberto por Caramuru ficou conhecido
De acordo com Porto Filho (1991): como “o bairro dos artistas”, denominação que
perdura até os dias atuais, haja vista a constelação de
De 'estação de cura' para recanto artistas plásticos, músicos, cantores, compositores,
casarões e sobrados. Existiam mercearias, armazéns, Maternidade Nita Costa (abandonados nos fins da
bares, açougues, fábricas, e lavanderia”. (PORTO década de 60, e ocupado pela especulação imobiliária
FILHO, 1991). em fins da década de 80, o orfanato Hercília Moreira, o
Ginásio Estadual Manoel Devoto (atrás do qual, o
morro também veio a ser ocupado pela especulação,
Santana
com imóveis para a classe média alta), e a escola
Osvaldo Cruz.
Núcleo central do bairro, Santana fica Dentre os muitos equipamentos deste setor
encravada entre a Paciência, a Mariquita e o Parque estava o Mercado Municipal do bairro, inaugurado em
Cruz Aguiar. Concentra as principais funções e 1949, e transferido para o aterro do emissário
serviços do bairro, além do comércio diversificado. submarino, no fim da década de 80.
Sediava a torrefação do Café Flor de Mataripe, a
No largo da Mariquita ficavam os terminais
Colônia de Pesca Z-1, o Clube Ypiranga, a
dos transportes coletivos, mais tarde transferidos para
Associação Atlética do Rio Vermelho, e o Cine Rio
a Praça Brigadeiro Faria Rocha, sendo depois
Vermelho, além de estabelecimentos tradicionais
desativado, quando o bairro deixou de ter linhas
como a Casa Central e o Bar de Anita (Porto Filho,
próprias, tornando-se passagem para os bairros mais
1991).
distantes, atendendo as necessidades da expansão
Santana possui os seguintes logradouros: urbana da cidade ao longo da orla oceânica. Na
Praças Marechal Aguiar (Largo de Santana) e enseada da Mariquita deságua o rio Camorojipe
Colombo; ruas Visconde de Cachoeira (Ladeira do (outrora ponto de mariscagem, hoje transformado em
Papagaio), João Gomes, Conselheiro Pedro Luis, esgoto a céu aberto), que separa o largo da Mariquita e
Guedes Cabral, Borges dos Reis, Almerinda Dultra e a praça Colombo.
a parte final da Eurícles de Matos; travessas João
Segundo Porto Filho (1991):
Gomes, Moraes e Marechal Aguiar (Santana); o
Beco de Santana e a Ladeira do Inferno. Neste setor Erroneamente, no início dos anos 80, foram
ficavam ainda as praias de Santana e do Forte. colocadas placas denominado de Largo da
Mariquita a praça onde está o ex-teatro Maria
Bethânia, atual churrascaria “Fogo de Chão”.
Mariquita Não está correto, pois na verdade, largo da
Mariquita é apenas a área que fica na margem
esquerda do Camorogipe. A da Margem
O setor da Mariquita era formado pela Praça direita chama-se praça Colombo. Como
Augusto Severo (largo da Mariquita, ruas Osvaldo comprovação, existe na parte externa do
Cruz, Frei Apolônio de Todi (do Meio), Odilon prédio onde funcionou o teatro, placa de
mármore, oriunda do palacete que havia no
Santos, Olavo Bilac, Brigadeiro Faria da Rocha local, onde se lê o seguinte registro: 'Praça
(Fonte do Boi), Marquês de Monte Santo, Professora Colombo, mandada construir pela
Conceição Menezes, Antonio Queiroz Muniz, do Intendência Municipal, sendo intendente o
Céu e do Barro Vermelho; e a Travessa Basílio de Dr. Augusto Álvares Guimarães e vice-
Magalhães. intendente o Cel. João Lourenço de Souza
Seixas – 1892. (PORTO FILHO, 1991)
Este setor é uma das partes mais antigas,
onde começou a ocupação do bairro.
Parque Cruz Aguiar
Conseqüentemente é a área residencial mais antiga.
Ali ficavam as instalações da Fábrica de Papel da
Bahia (atualmente o Mac Donald), o Hospital das O loteamento Parque Cruz Aguiar foi
Crianças Alfredo Magalhães, com a anexa implantada no local onde existia o Derby Club
baixo, que para lá confluíam com seus foi complicada para a engenharia da época, pois
bondes sacolejantes. Era o fim de linha, de atravessava morros e cortava rochedos, e desta forma
onde se caminhava longamente pela praia,
foi aberta vagarosamente, somente sendo concluída e
para Amaralina e até para a Pituba. Era a
época em que o rio Vermelho tinha um inaugurada em 1922, quando J.J.Seabra governava o
hipódromo e no Largo de Santana Estado pela segunda vez. Finalizava-se assim, após
funcionavam o Hotel Centro Recreativo e a quase 10 anos de trabalhos, entregue ao tráfego a
Pensão Avenida, em cujos fundos existia primeira via de ligação rodoviária entre o elegante
um improvisado cine-teatro, o chamado arrabalde e o centro da cidade.
Cine Avenida. (PORTO FILHO, 1991).
Conforme Porto Filho (1991):
O loteamento da Fazenda a Lagoa
Naquele tempo, o Rio Vermelho ainda era
formado por apenas seus três aglomerados à
Esta propriedade, que pertencia a beira-mar (Paciência, Santana e Mariquita),
todos eles cercados por chácaras, hortas e
Companhia Melhoramentos da Bahia, ficava num
currais. O calçamento das ruas teve início em
setor litorâneo privilegiadíssimo, abrangendo todo o 1923, sendo o progresso saudado com
histórico Morro do Conselho, o Morro do Menino entusiasmo pelos moradores e veranistas. O
Jesus e uma parte da área hoje ocupada pelo Exército primeiro logradouro a ser beneficiado foi a
Nacional. Adolfo Moreira, rico e empreendedor, Rua do Raphael, atual João Gomes. (PORTO
FILHO, 1991).
comprou-a, pensando fazer um grande
empreendimento imobiliário, inédito na Bahia, que
transformaria a fazenda numa autêntica cidade. Em depoimento do bacharel Tarquínio de
Porém, a idéia, muita avançada para a época, Oliveira Gonzaga (apud Porto Filho, 1991), sobre a
não saiu do projeto arquitetônico. O que surgiu modernização do transporte, ele diz:
mesmo foi a exploração comercial de uma pedreira,
A primeira linha de ônibus foi inaugurada em
localizada na Fonte do Boi, que se transformou numa 1926, com luxuosas marinetes, que faziam a
grande fornecedora de pedras para importantes linha Rio Vermelho-Largo da Vitória, com
construções na cidade. itinerário pela Avenida Oceânica e Ladeira
da Barra. Somente em 1946, apareceu outra
Adolfo Moreira foi um grande
alternativa, um lotação que fazia
empreendedor e promotor do bairro, e além da exclusivamente o percurso entre as praças
tentativa do loteamento, construiu um luxuoso Augusto Severo e da Sé, via Barra ou Barra
palacete para residência, na ladeira do Morro do Avenida, passando pela Avenida Oceânica. A
Conselho, e doou vasto terreno no Morro do Menino partir de então, o Rio Vermelho adquiriu um
Jesus, onde o professor Alfredo Magalhães construiu serviço regular de transporte coletivo através
de ônibus. (PORTO FILHO, 1991).
o Hospital das Crianças, inaugurado em 25 de
dezembro de 1936.
Os loteamentos pioneiros
Avenida Oceânica
Referem-se aos já citados, Parque Cruz Aguiar
e do IPASE.
No primeiro governo de José Joaquim
O Parque Cruz Aguiar foi construído na área
Seabra (1912-1916), foi iniciada a abertura da
da chácara de Manoel Lopes, genro do comerciante
Avenida Barra – rio Vermelho, depois chamada de
português João Gomes, antigo proprietário das terras
Avenida Oceânica e, posteriormente renomeada
onde foi implantado o loteamento, o primeiro que
como Avenida Presidente Vargas. A sua construção
surgiu em Salvador com infra-estrutura completa. O Conforme Porto Filho (1991), o jornal “A
sucesso do loteamento seria o espelho para uma série Tarde”, na edição de 18.03.1949, publicou a seguinte
de alterações que iriam modificar padrões e hábitos notícia:
do bairro, pelas seguintes razões: as casas, todas em
estilo dos chalés europeus, atraíram um novo A Bahia vai possuir a estrada asfaltada mais
segmento de moradores, integrado por bem moderna do país, quiçá da América Latina, a
sucedidos funcionários públicos, bancários, cobrir uma longa extensão a faixa litorânea
da nossa capital”. O rítimo da obra, afastados
profissionais liberais, empresários e fazendeiros, o
os óbices imprevistos, vai se acentuando, de
que veio despertar o interesse de muitas outras maneira a estar mesmo concluída no prazo
famílias em residir no Rio Vermelho. Enfim, além de acordado, isto é, no começo do ano vindouro.
marcar a chegada de uma nova e organizada leva de (PORTO FILHO, 1991).
habitantes, o Parque pode ser também caracterizado
como elemento que pôs um definitivo ponto final no
No aniversário da cidade deste mesmo ano,
ciclo dos veranistas, cujo período áureo foi meio
como parte das solenidades do 4º Centenário de
século, entre 1880 e 1930.
Salvador, foi inaugurada a pavimentação da nova
O Parque Cruz Aguiar, que passou a ser Avenida Amaralina, que começava no final da Rua
chamado pelo povo de “o local dos novos ricos e das Oswaldo Cruz, no Rio Vermelho, e terminava no
pessoas importantes do Rio Vermelho”, de certa Largo de Amaralina, início da estrada Amaralina –
forma despertou uma disputa entre os moradores Santo Amaro de Ipitanga, depois denominada de
dos setores tradicionais. Todavia, a bem da verdade, Avenida Otávio Mangabeira. Esta tornou-se um
inúmeras famílias da Paciência, Santana e grande marco na evolução da cidade, que projetava-se
Mariquita, eram tão ricas, ou até mais ricas do que para norte, incorporando toda a orla oceânica à cidade,
alguns dos considerados ricos do novo setor e tornando-se vetor de expansão.
residencial.
Ainda conforme Porto Filho (1991):
Em 1950, em moldes parecidos, pois na
realidade era uma espécie de continuação do Parque (...) graças as realizações do governador
Cruz Aguiar, mas destinado a uma faixa Mangabeira e do prefeito Wanderley de
diferenciada, para funcionários atrelados ao Instituto Araújo Pinho, que asfaltaram duas avenidas
de Previdência e Assistência dos Servidores do importantes, Salvador cresceria
estado, foram edificadas as casas que deram origem acompanhando o sentido destas vias de
integração do centro da cidade com o
ao Conjunto Residencial do Ipase, também Aeroporto de Ipitanga, passando pelo Rio
localizado na faixa interna do bairro. Vermelho, Amaralina, Pituba e Itapuã, que
ficaram também interligados entre si. Como
conseqüência natural, ocorreu a desativação
Avenidas Otávio Mangabeirae e Amaralina quase completa da distante, sinuosa e
perigosa Estrada Velha de Ipitanga
(Campinas – Aeroporto), construída pelos
Na gestão do governo Otávio Mangabeira, americanos durante a Segunda Guerra
foram realizadas obras que praticamente definiram o Mundial. Assim, todo o tráfego de veículos,
direcionamento do crescimento urbano de Salvador. entre a cidade e o aeroporto e vice-versa, foi
A principal foi uma via costeira, a chamada Estrada automaticamente transferido para a orla,
pelas novas avenidas, margeando o mar. Com
de Amaralina – Santo Amaro de Ipitanga, de traçado
isso, obrigatoriamente, o fluxo passou
longitudinal à orla e com 18,5 km asfaltados que também a tramitar pelo Rio Vermelho, até
rasgaram uma área totalmente virgem do litoral a então um bairro praticamente isolado do
sudeste da península de Salvador. restante da cidade. (PORTO FILHO, 1991).
A década de 60 A década de 70
Nesta década o bairro ainda guardava sua A década se inicia com o loteamento Parque
tranqüilidade, apesar da construção da Avenida Lucaia, localizado entre o final da Waldemar Falcão e
Otávio Mangabeira, que gerou a tramitação de a margem esquerda do Rio Lucaia, que o separava do
veículos pelo bairro, e dos florescentes núcleos Parque Cruz Aguiar, área que abrangia quase toda a
residenciais, preservando grande parte de suas extensão da chácara de Ubaldino Gonzaga. A
tradições e características próprias até os anos 60, Foi incorporadora foi a Imobiliária Corrêa Ribeiro e era
nesta década que chegaram os primeiros agentes um setor residencial reservado à classe alta. Os lotes
realmente transformadores da sua fisionomia começaram a ser comercializados em 1972, após o
urbanística. Primeiro ocorreu a implantação do soterramento da histórica Fonte do Cabuçu e a
Loteamento Jardim Caramuru, entre a Mariquita e o abertura das seguintes ruas: Estácio Gonzaga,
Ipase. Idealizado por Orlando Pessoa Garcia, em Fernando Wilson Magalhães, Barachísio Lisboa,
área desmembrada da chácara do Solar Filinto, este Desembargador Plínio Guerreiro, Praça Jorge
empreendimento imobiliário, lançado em 1960, teve Calmon, além da segunda pista da Rua Lucaia, na
a sua denominação inspirada no português Diogo margem esquerda do rio do mesmo nome.
Álvares Corrêa, o lendário Caramuru, que tinha sido Ainda nesta década se construiu o Hotel 'Le
descoberto pelos tupinambás num rochedo situado a Meridien', no fim da rua Fonte do Boi, cadeia de hotéis
pouca distância do Solar Filinto, de propriedade do de bandeira francesa que se constituiu no maior hotel
empresário Orlando Garcia. As ruas do da cidade, e um dos três cinco estrelas.
empreendimento, com 136 lotes, foram todas
Segundo Porto Filho (1991):
batizadas com denominações de tribos indígenas:
Aimorés, Carijós, Caetés, Tamois, Tupinambás e Ocorreram ainda a construção de duas
Potiguaras. grandes avenidas de vale, a Juracy
Na Avenida Vasco da Gama foram Magalhães Júnior e a Anita Garibaldi; a
implantação do Parque Primavera e vários
construídas duas fábricas que, para os padrões da outros núcleos residenciais; a construção do
época, foram consideradas de grande porte. A emissário submarino, que liquidou
primeira foi a dos biscoitos “Águia Central” literalmente com a bela enseada da
(transferida da Liberdade), e logo depois chegou a da Mariquita; se deu início a ocupação de dois
“Coca-Cola”, localizada na esquina das atuais morros importantes e até históricos: o do
Conselho e o do Menino Jesus. (PORTO
avenidas Garibaldi e Vasco da Gama (numa área
FILHO, 1991).
onde havia hortas, muito comuns na cidade na época)
pertencente a Refrigerantes da Bahia S/A, então a
Nesta década começam as marcantes
única empresa do Estado autorizada a engarrafar e
modificações na ocupação, pois a pressão imobiliária
comercializar a consagrada bebida. O inicio das
sobre as áreas verdes começa por reduzi-las e leva a
operações foi em 1967, ano em que os equipamentos
verticalização, como aconteceu no Morro do
das antigas instalações, localizadas na Avenida
Conselho com a construção do Hotel Transamérica.
Frederico Pontes, na Cidade Baixa, foram
transferidos para a fábrica do Rio Vermelho. A
década encerrou-se com um grande empreendimento Dos anos 80 aos dias atuais
imobiliário popular no trecho da Vasco da Gama: o
conjunto Santa Madalena, constituído de
Os anos oitenta foram, enfim, avassaladores,
apartamentos e casa, inaugurado em 13 de junho de
pois a vertiginosa ocupação horizontal exterminou
1970.
todas as áreas verdes significativas e o crescimento Santos (1993) define o conceito de sítio social
vertical, além de alterar profundamente a fisionomia como “especulação imobiliária deriva, em última
urbana, determinou a destruição indiscriminada do análise, da conjunção de dois movimentos
patrimônio arquitetônico, composto de dezenas de convergentes: A superposição de um sítio social ao
casa e majestosos casarões. Como conseqüência de sítio natural e a disputa entre atividades e pessoas por
tudo isso, inúmeras famílias tradicionais, que de dada localização” (SANTOS, 1993).
geração a geração, possuíam raízes profundamente Para Villaça (1998), o conceito de sítio social é
fincadas na história do bairro, emigraram. Em “útil tanto para análise dos bairros residenciais
contrapartida, o Rio Vermelho recebeu legiões de produzidos pelas e para as burguesias, como também
novos habitantes, proprietários ou simples inquilinos das áreas comerciais que elas igualmente produzem,
das centenas de apartamentos das dezenas de também para si” (VILLAÇA, 1998).
edifícios que foram febrilmente construídos no bojo
Com base na Figura 5, podemos visualizar que
do “boom” imobiliário irrompido praticamente em
o bairro originalmente se desenvolveu na linha plana
toda a capital baiana.
de costa, Mariquita, Santana e Paciência (áreas 1 e 2 na
Nas décadas seguintes, se consolida a figura). Posteriormente começou a expandir-se para o
verticalização nas áreas onde ela ainda era incipiente, interior, com aberturas de novas ruas imediatamente
como no Morro do Menino Jesus (também depois da orla (ruas do Meio, Odilon Santos, Oswaldo
conhecido como da maternidade), bem como em Cruz, João Gomes – área 3). Nestas áreas as
outras áreas, como nas encostas ao longo da Rua modificações ficaram limitadas pela restrição do
Bartolomeu Gusmão e arredores. gabarito, mas mesmo assim, algumas transformações
Também, o bairro se consolida como área de ocorreram como a construção do Mar Hotel Rio
lazer, com a proliferação de bares, restaurantes, e os Vermelho e da Sociedade Caballeros de Santiago, na
'points' de acarajé. Alguns bares e restaurantes já praia da Paciência, do teatro Maria Bethânia (atual
invadindo áreas antes exclusivamente residenciais, churrascaria Fogo de Chão) e do hotel Bahia Park
como o Parque Cruz Aguiar, como já citamos Hotel, na Mariquita, que substituíram antigos
anteriormente. casarões, além de modificações nas construções
Na atual década a construção dos hotéis das antigas, visando adaptá-las as novas funções.
redes Íbis e Mercure, na Rua Fonte do Boi, vêm Compreende o período do inicio da ocupação até a
juntamente com o hotel da rede portuguesa Pestana década de 1930.
(ex-Meridien), consolidar o bairro como “sitio Posteriormente tem lugar a ocupação do
social” atrativo para instalação deste tipo de Morro da Sereia, e da Vila Matos (área 4), as primeiras
atividade. áreas onde aconteceram ocupações espontâneas. Vale
6 5
4 6 8
O bairro do Rio Vermelho caracterizava-se 5
2 3
por áreas de concentração e áreas de expansão Períodos de Ocupação
1 - Até o século XIX
3
do comércio se constitui de atividades de lazer, direito de debater sobre suas ações publicas ou
ficando a atividade comercial tradicional, tais como: privadas. Um exemplo disto é confundir o direito de
butiques, lojas de tecidos, de decoração, agências de morar com o direito de posse.
banco, etc como atividades secundárias. Neste estudo foi realizada uma análise da
Na faixa da orla e suas proximidades, em dinâmica sócio-espacial contemporânea, a partir da
geral, encontra-se uma população de alto e médio inter-relação de atores e principais objetos que
poder aquisitivo atraindo os diversos ramos de compõem o bairro do Rio Vermelho.
comercio e serviços. A população de baixa renda A primeira relação que podemos fazer é entre a
encontra-se nas áreas de encosta do bairro, numa Orla e Praças e os diversos atores. Entre os
evidente segregação. empresários (tanto de comércio quanto de serviços), o
A expressão segregação é empregada, num que se pode verificar é que estes acabam muitas vezes
sentido mais geral, pela separação forçada e ocupando os espaços públicos, mas, ao contrário de
institucionalizada de uma discriminação, ou seja, de outros lugares (como em Recife), não tomam para si a
um tratamento desigual de grupos, sejam por responsabilidade de cuidar deles (em contrapartida da
motivos religiosos, raciais, econômicos, sexuais, redução/eliminação de algum imposto), deixando ao
culturais, espaciais, etc. Através da segregação, a Poder Público essa responsabilidade, muitas vezes
elite domina o espaço urbano não só produzindo suas degradando as obras existentes, a exemplo da Praça de
residências, seus locais de trabalho e de lazer nas Santana, Largo da Mariquita. Claro que o poder
áreas que consideram mais agradáveis, mas também, estabelecido não cumpre seu papel de mantenedor de
atuando sobre toda a estrutura urbana segundo seus patrimônio, e não investe no processo de educação e
interesses. cidadania.
Atualmente são marcantes a presença de Em relação aos moradores de baixa renda,
pedintes, flanelinhas e guardadores de carros que são esses utilizam pouco as áreas públicas para lazer, e na
do bairro ou de outras localidades que para lá se maioria das vezes esses locais servem para a prática de
dirigem, e meninos de rua que se concentram em mercado informal. Os moradores de média e alta renda
sinais e cruzamentos das principais vias, estes por sua vez são os que utilizam principalmente a orla
marginalizados e ociosos. A prostituição, apesar de como espaço de lazer e muitos ficam inibidos devido a
mais discreta que outras partes da cidade, pode ser violência que ocorre geralmente nesses locais.
notada, inclusive a juvenil. Os Empreendimentos de Comércio e Serviços
Os espaços verdes do bairro foram com o (tanto os verticais como os não-verticais) também
tempo sendo reduzidos, isto é percebido nitidamente foram considerados nessa analise. Os empresários
pela escassez de praças e avenidas e ruas pouco (comércio e serviços) são os principais agentes que
arborizadas. realizam a manutenção e a administração destes,
Com relação ao lazer, o bairro se destaca por transformando alguns locais em verdadeiros centros
possuir em grande número de bares, restaurantes e comercias (a exemplo dos existentes nas ruas Odilon
boates, sendo considerado desde a década de 1950, Santos e Oswaldo Cruz) e de serviços, enquanto que o
como Montparnasse baiano, numa alusão ao famoso Poder Público cria uma estrutura necessária para atrair
bairro parisiense. Esse fato atrai freqüentadores, esses empreendimentos, visto que isso gera um
ávidos por consumir o que de melhor o bairro aumento para a arrecadação de impostos.
oferece: diversão. Estes Empreendimentos são pouco utilizados
O consumidor segundo Santos (1988) pela população de baixa renda que muitas vezes
alimenta-se de parcialidades, contenta-se com desloca-se para outros bairros para fazer compras. Os
respostas setoriais e não participa ou não tem o que conseguem trabalhar nesses empreendimentos se
submetem ao subemprego. Já os moradores do tem o acesso a essa rede de drenagem, pois suas
bairro e de outros bairros que possuem um maior residências encontra-se em áreas privilegiadas.
poder aquisitivo movimentam esses Com relação ao transporte viário do bairro os
empreendimentos que geram para o bairro uma empresários são responsáveis pela criação e
circulação do capital. administração das empresas de transportes públicos. A
No que concerne aos empreendimentos defasagem desses transportes causa diversos
residenciais (verticais e não-verticais), os transtornos ao transito. O Poder Público é responsável
empresários (comércio e serviço) são os pela elaboração de planos, criação e manutenção da
responsáveis pela especulação imobiliária, mais estrutura viária, bem como pela regulamentação e
interessados na fixação de moradias no bairro, para fiscalização do Sistema de Transporte Publico de
que seu público consumidor esteja próximo de seus Passageiros, porém a estrutura viária com logradouros
empreendimentos e que também gere cada vez mais muito estreitos causa grande problema de
uma maior valorização do espaço local. O Poder congestionamentos por quase todo o bairro.
Público tem como função regular e fiscalizar a Assim conclui-se que a relação e interação
construção dos empreendimentos em questão, desses atores com os diversos objetos do bairro
criando também projetos de construção de mostram uma grande dinâmica no sentido sócio-
habitações populares. Como exemplo pode-se citar a espacial contemporâneo. Suas diversas características
verticalização das duas últimas décadas. são os resultados do desempenho marcante por parte
Observa-se a predominância dos das diversas classes de moradores, do poder público e
empreendimentos verticais, em detrimento dos não- dos empresários, pois todos compõem esse espaço que
veriticais, por conta da escassez de terrenos e da se localiza na área costeira da cidade do Salvador,
especulação imobiliária. A população de classe exercendo um grande poder de transformação nesse
média e alta é a que tem acesso a grande maioria bairro.
desses empreendimentos, enquanto que a população
de baixa renda limita-se a aquisição de moradias
5. Conclusão
populares, na conhecida 'compra da laje', onde se
constrói sobre outra casa, muitas vezes sem
estrutura para tal, que chamamos aqui de Este trabalho que trata do processo de
'verticalização pobre', muito comum nas áreas de ocupação e evolução urbana do bairro do Rio
ocupação espontânea. Vermelho possibilita entender de que forma e como
Sobre a rede de drenagem, os ele se deu.
empreendimentos do bairro são bem servidos (a O bairro enfrenta muitas dificuldades com a
construção do emissário submarino data da década administração dos processos de ocupação e
de 1970), pois interessa ao Poder Público ofertar uma crescimento urbano, desde problemas ambientais
estrutura adequada com vistas a atrair mais decorrentes de ocupação indevida, crises em torno do
investimentos e conseqüentemente ampliar a receita solo urbano envolvendo diferentes classes sociais,
pública. São de competência do Poder Público a conflitos relativos à convivência de usos, até a
implementação e manutenção da rede de proliferação de ocupações irregulares. A regulação
saneamento. urbana e seus instrumentos, que é regulamentada pela
A população de baixa renda (que ocupa uma Lei de Uso e Ocupação do Solo, muitas vezes é
área menor) tem um acesso mais restrito, ao omissa, apresentando problemas de interpretação, e
saneamento básico, visto que não é priorizada pelo algumas vezes inviáveis em relação aos novos usos
Poder Público. A população de média e alta renda que vão surgindo com o passar do tempo. Outro fato
RESUMO ABSTRACT
Nos dias atuais é crescente a necessidade de Nowadays there is growing need for
compreensão acerca de questões referentes understanding of issues relating to man and
ao homem e à mulher, sejam elas em seu woman, whether in their relations aspect
aspecto de relações ao que tange aos papéis, pertains to the roles, or their relationships as
ou as suas relações enquanto pares, ou sejam couples, or whether they are related to
elas relacionadas à sexualidade. Por isso, sexuality. Therefore, this reflection is
esta reflexão propõe-se a tratar dois proposed to deal with two concepts of vital
conceitos de relevância vital para o importance for the understanding of issues
entendimento de questões vivenciadas pelo lived by men and women in this multifaceted
homem e pela mulher nessa sociedade society, namely, the concepts of gender and
multifacetada, quais sejam, os conceitos de intelligible gender. To this end, we
gênero e gênero inteligível. Para tal, developed a purely theoretical discussion,
desenvolvemos uma discussão estritamente illustrated with a speak of player
teórica, ilustrada com uma fala do jogador Ronaldinho, when we explain the concept of
Ronaldinho, quando explicamos o conceito intelligible gender. This study is based in the
de gênero inteligível. Este estudo está ideas of Rubin (1975), Butler (2003),
pautado nas ideias de Rubin (1975), Butler Saffioti (2005) and Scott (1996), among
(2003), Saffioti (2005) e Scott (1996), dentre others.
outros.
Keywords: Gender. Intelligible Gender.
Palavras-chave: Gênero. Gênero Male. Female. Heteronormativity.
Inteligível. Masculino. Feminino.
Heteronormatividade.
1
Licenciado em Letras (Uneal), Pedagogo (Uneal), Mestre em Estudos de Linguagem (UFMT) e
Doutorando em Linguística (UFPE).
Artigo apresentado às professoras Drª Marion Quadros e Drª Lady Selma, no Programa de Pós-
Graduação em Antropologia – PPGA/UFPE – como conclusão da disciplina “Teorias Feministas,
Políticas e Diálogos com a Antropologia”, em 2008.01.
66 Ismar Inácio dos Santos Filho
uma feminilidade (assim bem como instituíam discurso pluralista, aquele no qual a mulher não se
paralelamente uma masculinidade, em essência). reduz a sua feminilidade, sendo considerada um ser
Diferentemente, e em oposição, surge no heterogêneo, negando a perspectiva essencialista de
debate feminista a concepção de que os seres que homens e mulheres são diferentes naturalmente.
humanos são iguais, sem predeterminação Sobre isso, Scott (1999, p. 219) comenta que “a
natural/biológica, e que suas “diferenças” se dão, ao oposição generalizada masculino/feminino serve para
contrario, pela socialização, em decorrência da escurecer as diferenças entre as mulheres em
sociedade patriarcal, aquela em que o homem exerce comportamento, caráter, desejo, subjetividade,
poder sobre a mulher. Se nas primeiras sexualidade, identificação de gênero e experiência
manifestações feministas, primava-se o sujeito- histórica”. No que se refere à ideia de igualdade, o
mulher, nesta, prima-se pelo sujeito-humano. discurso pluralista nega que mulheres e homens sejam
iguais, pois essa igualdade “significa ignorar as
Dentro dessa perspectiva, dita racionalista
diferenças entre os indivíduos para um propósito
(em oposição a anterior entendida como
particular ou em um contexto particular”. (Scott,
essencialista) podemos também entender e situar a
1999, p. 217). Preza-se a ambivalência.
inserção do Marxismo nesse debate. No
“casamento” do Marxismo com o feminismo Desse modo, tomando como meta a
(Hartmann, 1981), entendia-se que se “extintas as ambivalência entre os sexos, a discussão se dá pela
diferenças de classe, a dominação capitalista e a compreensão de que é necessário “estabelecer-se a
discriminação econômico-social, reinaria igualdade de direitos e o direito às diferenças”.
espontaneamente a calma homogênea e (Yannoulas, 1994, p. 08). Dentro dessa percepção,
indiferenciada da ordem socialista ou comunista” surgem os estudos de gênero, nos quais, podemos
(Yannoulas, 1994, P. 10), isto é, não mais haveria a dizer de forma generalizada, que a subordinação ou
divisão entre homens e mulheres. Por essa ótica, nos exploração da mulher estão atreladas às relações de
anos 70, objetivava-se fortemente, no debate poder, deslocadas de apenas serem pensadas como
feminista, acabar com a discriminação entre homens ligadas à estrutura, ao sistema ou à natureza. Ainda no
e mulheres, tomando como base das lutas e reflexões tocante a essas percepções da divisão entre homens e
o Marxismo. mulheres, é salutar chamar a atenção para o fato de
que, nas duas primeiras compreensões o debate
Arendt (1958 apud Yannoulas,1994),
feminista era estritamente sobre a mulher, ou sobre as
postula quatro categorias que nos ajudam a entender
mulheres. Nesta ultima abordagem (os estudos de
as discussões antes mencionadas dentro do debate
gênero), o foco é a relação homem e mulher em seus
feminista. Para ela, esse debate se dava em torno das
gêneros e as conseqüentes exclusões/subordinações
polaridades público-privado e natureza-cultura.
ou igualdades, advindas dos processos de construção e
Segundo ela, na instância do público, está o homem e
legitimação de um modelo. Guiados por essa última
sua liberdade, diferente do privado, no qual se
abordagem, comentaremos o conceito de gênero
encontram as mulheres e os escravos, em decorrência
inteligível.
de necessidades: a reprodução da vida (por elas) e da
sobrevivência (por eles). No tocante à polaridade
natureza-cultura, temos a legitimação da divisão O conceito de gênero em algumas abordagens
entre homens e mulheres, pela essência, na primeira,
e pela socialização, na segunda.
O conceito de gênero é proposto inicialmente
Assim, podemos até dizer que “quase” por Rubin, em 1975, em seu livro “The Traffic in
distante destas polaridades, em um terceiro Women”, o qual, segundo ela, tem origem na “segunda
momento, surge dentro do debate feminista o onda” do feminismo, momento em que se buscava
entender a opressão das mulheres. Comenta que definições alternativas. Todavia, ressalta que, quando
nesse período o debate feminista se dava com base no associado ou acoplado ao sistema de parentesco, como
Marxismo, como apontamos anteriormente. Mas, em o fez Rubin, gênero é por ela percebido como
sua fala, “o marxismo (...) parecia incapaz de reduzido, pois, deve ser pensado como socialmente
entender os temas da diferença de gênero e da construído – na economia, na política, etc.,
opressão da mulher” (Rubin, 2003, p. 158). Assim, a instaurando relações de poder. Pela crítica e pela
partir da compreensão do sistema de parentesco, de consideração de gênero como uma categoria analítica
Lévi-Strauss, para quem o parentesco instituía a e histórica nos estudos sobre as relações de poder entre
heterossexualidade, associou a instituição da homens e mulheres consideramos que essa
identidade de gênero. Dessa configuração contextual pesquisadora amplia este conceito. Para a
e conceitual, a antropóloga passa a encarar as configuração de gênero como categoria analítica,
diferenças sexuais a partir do que ela denominou de Scott (1996) explica que ele é um elemento
“sistema de sexo/gênero”. constituído de quatro aspectos substantivos, quais
Para Rubin (1975, apud Saffiotti, 2005), por sejam, a simbologia cultural, a qual evoca
“sistema de sexo/gênero” compreende-se que as determinadas representações; a normatividade,
sociedades possuem determinadas maneiras de lidar porque pretende estabelecer interpretações para os
com o sexo, biologicamente falando, e que esse símbolos na ânsia de conter as possibilidades de outros
tratamento pode ser sexualmente igualitário ou significados; é político, isto é, atende a determinadas
estratificado – como parece ser a maioria dos casos instituições e organizações sociais; forjando, desta
conhecidos, observa Rubin. Assim, a opressão é o forma, uma identidade subjetiva. Nesta direção,
produto das relações sociais específicas (os gênero é ao mesmo tempo objeto e método de análise.
tratamentos) que organizam o sistema sexo/gênero, No tocante ao gênero como categoria
que serve a fins econômicos e políticos, podendo este histórica, ela diz que de posse dele como categoria
ser reorganizado através de ações políticas. Dada analítica é preciso ultrapassar as descrições de gênero
essa postura nas questões de dominação e e entender a ligação do passado com as práticas atuais,
subordinação da mulher, a ênfase agora é sobre o verificando a textualidade e os argumentos
aspecto relacional, compreendendo que masculino e construídos/apresentados nas narrativas históricas
feminino não são características inerentes ao homem sobre o masculino e o feminino e, assim, “descobrir a
e à mulher, mas construções subjetivas sociais, amplitude dos papéis sexuais e do simbolismo sexual
oriundas dos tratamentos que recebem em cada nas várias sociedades e épocas, achar qual o sentido e
sociedade. Neste direcionamento, Rubin avança em como funcionavam para manter a ordem social e para
relação ao feminismo casado com o marxismo, ao mudá-la” (Scott, 1996, p. 01), objetivando
tempo em que rejeita a ideia de essência e de compreender a construção das significações
universal de um ser-mulher. subjetivas. Logo, nos estudos de gênero é necessário o
Sobre o conceito gênero, Scott (1996) conhecimento histórico, pois este atua como parte da
concorda com a ideia de que masculino e feminino política do sistema de gênero. Desta forma, também
são elementos que têm sua constituição baseada nas associa ao conceito de gênero a noção de poder.
diferenças empíricas percebidas entre os sexos, Nesta emaranhada reflexão sobre o conceito
nas/para as relações sociais e enfatiza o aspecto gênero, e partindo das considerações de Rubin (1975),
relacional para os estudos, explicando que homens e Saffioti (2005) diz que o conceito de gênero abriu
mulheres devem ser entendidos como categorias caminhos para se pensar alternativas à dominação
vazias e transbordantes; vazias porque não têm masculina, isto é, ao patriarcado, em sua
significados definitivos e transbordantes porque compreensão. Entretanto, faz algumas ressalvas. A
mesmo que percebidos como fixos, contém primeira delas é sobre a dicotomia sexo/gênero.
Segundo ela, não é possível conceber gênero como Na arena das reflexões sobre o conceito de
social e culturalmente construído e sexo como algo gênero, temos Butler (2003), para quem, em
inerente ao corpo. Ela diz, reflexão/consideração às ideias de Rubin sobre o
“sistema de sexo/gênero”, assegura que sexo não pode
O gênero independe do sexo apenas no ser concebido como natural, em oposição a gênero,
sentido de que não se apóia
necessariamente no sexo para proceder à
social e cultural, mas, como discurso cultural, tal
formatação do agente social. Há, no como gênero, pois, se assim não for, associa-se gênero
entanto, um vínculo orgânico entre sexo e a uma essência. Nesta direção, Butler (2003) explica
gênero, o vinculo orgânico que torna as três que gênero não é uma substância, ao contrário, um
esferas ontológicas [inorgânica, orgânica e fenômeno inconstante e contextual. Para ela, gênero é
cultural] uma só unidade, ainda que cada
apenas um ponto de convergência entre aspectos de
uma delas não possa ser reduzida à outra.
Obviamente, o gênero não se reduz ao sexo, relações culturais, sociais e históricas. Logo, não
da mesma forma como é impensável o sexo sendo substância, não se é masculino ou feminino,
como fenômeno puramente biológico. Não mas se está masculino ou feminino – elemento
seria o gênero exatamente aquela dimensão inconstante e contextual. Deste modo, não existiria,
da cultura por meio da qual o sexo se
para essa pesquisadora, a identidade de gênero,
expressa? Não é precisamente por meio do
gênero que o sexo aparece sempre enquanto um sujeito-uno, diferentemente, existem
vinculado ao poder? [inserção nossa] expressões de gênero. Sendo assim, “ser” masculino e
(Saffioti, 2005, p. 70). “ser” feminino é apenas um efeito; uma performance.
Com este alerta e por outra observação, as
A segunda ressalva na verdade é um alerta. discussões de Butler nos fazem entender que nas
Saffioti (2005) comenta que ao perceber o masculino perspectivas de Rubin (1975), Scott (1996) e Saffioti
e o feminino como instaurados por e instaurando (2005), gênero é entendido como separado (apenas
relações de poder, é necessário entender que o poder moldado) do poder de sua regulação, esta como
pode ser partilhado, isto é, pode gerar liberdade anterior à sua instituição. Porém, para Butler, as
como também desigualdades e que assim é de subjetividades não são moldadas pelas relações, mas
fundamental importância que o conceito de gênero são construídas pelos diversos dispositivos sociais nas
esteja imbricado com outros conceitos, tais como, o relações. Para Rodrigues (2005), das reflexões de
de classe e o de etnia, pois só assim é possível o Butler, é possível que o que de fato ela questione seja
tratamento relacional entre o masculino e o “Quando acontece a construção de gênero”? Para
feminino, numa abordagem qualitativa, pois melhor compreensão, e servindo como resposta, Arán
complexa. Dessa maneira, essa pesquisadora e Peixoto (2007, p. 133) esclarecem que Butler explica
expressa sua recusa ao uso exclusivo do conceito de que,
gênero. Para ela, este deve ser pensado ao lado do
conceito de patriarcado, entendido como um caso o gênero não é nem a expressão de uma
específico de relações de gênero, visto que em nossa essência interna, nem mesmo um simples
artefato de construção social. O sujeito
sociedade há a opressão masculina sobre as
gendrado [como masculino e/ou feminino]
mulheres, na qual estas são percebidas como objetos seria, antes, o resultado de repetições
de satisfação sexual e como reprodutoras de constitutivas que impõem efeitos
herdeiros, força de trabalho e de novas reprodutoras. substancializantes [inserção nossa].
Defende ainda que os estudos sobre a mulher não
devem ceder espaço total aos estudos de gênero, pois Nessas considerações, o que existe é uma
ainda podem contribuir muito para a compreensão da espécie de naturalização de uma suposta identidade
atuação das mulheres. em decorrência das repetições da performance ou das
interpelações para esta performance, que sempre desenvolvidas pelas antropólogas Rubin, Scott,
reiteradas, reforçam o efeito de natural. Deste modo, Saffioti e Butler, expostas no item anterior, acerca do
o masculino e feminino são efeitos construídos conceito de gênero, ao mesmo tempo em que avançam
socialmente. Gênero, neste sentido, conceitualmente sobre os estudos sobre a mulher,
agora abordando os estudos relacionais entre
é uma identidade tenuemente constituída masculino e feminino, apresentam todos os
no tempo, instituído num espaço externo
por meio de uma repetição estilizada de
parâmetros para entendermos como se processa a
atos. O efeito do gênero se produz pela instituição dos gêneros. A partir delas,
estilização do corpo e dever ser entendido, compreendemos que “ser” masculino ou “ser”
conseqüentemente, como a forma feminino não é algo que está inerente aos
corriqueira pela qual os gestos, aspectos/estruturas biológicos(as), ao contrário, é um
movimentos e estilos corporais de vários
constructo social, cultura, político e ideológico. Ou
tipos constituem a ilusão de um eu
permanente marcado pelo gênero. Essa seja, é um artefato que constrói relações de poder,
formulação tira a concepção do gênero do sendo nessas relações construído.
solo de um modelo substancial de
Se compreendemos que o masculino e o
identidade, deslocando-a para um outro
que requer concebê-lo como uma feminino são construções decorrentes das maneiras
temporalidade social constituída. como as sociedades tratam/lidam com o sexo,
Significativamente, se o gênero é instituído podemos também entender que esses tratamentos
mediante atos internamente descontínuos , podem diferir nas diversas sociedades, gerando,
então aparência de substância é assim, poder de igualdade ou de desigualdade, como
precisamente isso, uma identidade
construída, uma realização performativa
ainda é o caso da nossa sociedade ocidental. Todavia,
em que a platéia social mundana, incluindo essa construção social não se dá sobre uma
os próprios atores, passa a acreditar, subjetividade estabelecida a priori, ao oposto, na
exercendo-a sob a forma de crença medida em que o masculino e o feminino são forjados,
(BUTLER, 2003, p. 200). constroem-se os sujeitos.
Butler (2003) vai além e aponta para um
Com base nestas definições, concordamos aspecto de fundamental importância na construção
com Butler (2003) e Arán e Peixoto (2007) que o dos gêneros, o qual nos ajuda a entender, por exemplo,
gênero é ele próprio uma norma, bem como uma a declaração pública do jogador Ronaldinho sobre sua
forma de resistência, pois, se é constantemente heterossexualidade. Essa pesquisadora esclarece que
construído, a construção pode se dá em outras o gênero não é algo fixo, logo, não se é masculino; não
direções. se é feminino. Diferentemente, se está masculino; se
está feminino. Ou seja, em suas reflexões nos propõe o
vislumbramento de que o masculino e o feminino são
3. Algumas considerações – gêneros
construções contextuais, por isso, inconstantes, e que
“inteligíveis”: a heterossexualidade como norma
deste modo, as sociedades, frente aos seus projetos
políticos de sistema sexo-gênero, estabelecem forças
Nesse momento do texto, preferimos reguladoras para garantir a masculinidade e a
concluir retomando algumas informações acerca da feminilidade. Sendo assim, podemos nos questionar
construção do conceito de gênero e apresentando se seria a atitude do jogador um reflexo dessas forças
que, dentro dessa construção, chegamos a outro da política de sistema de sexo-gênero. Mas, como, de
conceito de grande valor para os estudos de gênero e fato, ocorrem as construções de gênero?
sexualidade: gênero inteligível. As reflexões A partir de Butler (2003), podemos afirmar
RESUMO ABSTRACT
1
Bacharel em Ciências Sociais (UFAL); Mestre em Antropologia (UFPE); E-mail:
davysales@gmail.com
74 Davy Batista de Sales
uma antropologia feita fora dos gabinetes. Com a (Mauss, 2003) que configuram direitos e obrigações
chegada dos dados etnográficos trazidos por assentadas na solidariedade e mutualidade que
antropólogos no campo, como Boas (Inuit) e mantém o laço social.
Malinowski (Trobiandeses), as análises da sociedade Clastres (2003) em seu magnífico «A
e do direito dos povos indígenas mudarão de tom, Sociedade contra o Estado» desconstrói o mito do
colocando em xeque os etnocentrismos e marcando Estado enquanto o único garantidor da ordem social.
uma ruptura ao coletar in loco as informações.Mais Clastres mostra justamente como um povo luta
do que isso, tratava-se agora de levar em cotidianamente para impedir o surgimento do Estado.
consideração o direito em sua artesania, misturada a Não são uma sociedade «sem», mas uma sociedade
vida. «contra» o surgimento do Estado. Schritzmeyer
Na experiência etnográfica, método e alma (2005) enfatiza que hoje se questiona o Estado “talvez
da antropologia, cada antropólogo vive em si mesmo o maior mito jurídico moderno” tanto quanto a
a cultura que ele experimenta e procura dialogar. Fica oposição indivíduos e grupos, leis e pluralismo,
grávido desta. Ao ampliar o leque de descrições direito positivo e direito costumeiro, e mostra que o
etnográficas cunhado em experiências vividas por costume (e não leis positivas) alimenta relações
antropólogos nas mais variadas comunidades sociais. Assim, todo direito que pretenda compreender
humanas, a antropologia produz material empírico o humano deve aceitar o diálogo com o campo das
através de descrições densas escritas por etnógrafos ciências sociais, notadamente a antropologia.
treinados e menos em especulações e induções a Krotz (2002) ensina que há três campos
partir dos relatos de administradores coloniais. discerníveis na antropologia jurídica que seriam, (1) o
Neste momento, o contato com povos que direito comparado, (2) o direito visto sob a ótica do
não pertencem à ordem ocidental propiciou o controle social e (3) o direito e a ideologia. Krotz
surgimento da ciência antropológica, com franca pretende definir a antropologia, seus conceitos e
denúncia dos ocidentalismos e seus etnocentrismos. métodos de investigação. Ainda que o livro
O “selvagem” começava a ganhar um estatuto organizado por Krotz revele o estado da arte desta
propriamente humano, e ficava claro que estes povos antropologia no México, o conjunto de textos do livro
não estavam no início de nossa humanização e é capaz de desenhar o horizonte antropológico em
civilização, na verdade se tratava de mais um modo confronto ao plano jurídico, para isso constrói análises
de ser homem no mundo, modos específicos de lidar da situação jurídica entre os povos indígenas tanto
com a vida social, modos particulares de tecer sua quanto procura elaborar um convite à pesquisa nesta
própria cultura e seu destino. Nem início nem fim de área.
nossa humanidade, apenas humanos forjando suas Geertz (1997) propõe entender o direito como
existências em tempos e espaços distintos. uma maneira de imaginar o mundo em meio a outras (a
Assim, Malinowski (2002) percebeu que o arte, o senso comum), mas o direito é uma
direito trobiandês não se apresentava como algo representação normativa (dever/ser, lei/fato) para
separado do mundo cotidiano. O plano jurídico configurar o plano da justiça. Ao questionar o uso das
estaria no mesmo invólucro dos modos de regulação categorias jurídicas do ocidente para o estudo do
social como economia, política, moral, magia ou direito no contexto comparativo, procuramos
religião. Todo o direito trobriandês só seria apreender sistemas locais de regulação social e
inteligível através da «lente» do direito da mãe e da resolução de conflitos em seus próprios termos. É
reciprocidade. Não haveria assim um direito no nesse sentido que Geertz (op. cit.) mostra como cada
sentido ocidental, senão modos de manter pessoas cultura elabora seu modo próprio de senso de justiça –
em circuitos de prestações e contraprestações como o adat (etiqueta) malaio, o haqq (verdade)
islâmico ou o dharma (dever) indiano. Interpretar direito que vê a si mesmo como estando fora do
antropologicamente o fenômeno jurídico em escala movimento social e histórico.
planetária exige uma relativização dos pressupostos No caso brasileiro, há diferentes sistemas
do direito ocidental, ou perderemos a chance de jurídicos validados e alimentados por distintos grupos
tentar compreender o problema em sua étnicos que lutam por um diálogo com o sistema
profundidade, complexidade e diversidade. jurídico estatal. Neste horizonte, há espaços para
diálogos tanto quanto para conflitos, o que exige uma
3. O ensino jurídico monista numa sociedade capacidade de abertura de ambos os sistemas. Os
plural grupos indígenas, por exemplo, possuem seus
próprios sistemas jurídicos onde procuram expressar
seu modo particular de busca por justiça. O jurista
O campo do direito tem crescentemente precisa dialogar com o saber antropológico para
dado atenção à reflexão antropológica. Mas como a interpretar e compreender o jurídico «nativo», para ser
abertura para esse diálgo é relativamente recente, capaz de propor alguma mediação. Trata-se, portanto,
aguarda um tratamento e reflexão por parte dos de articular valores universais com a especificidade
legisladores e juristas, para que o direito incorpore local
seus resultados de forma mais qualitativa. Basta
São as questões de etnicidade, alteridade,
observar que na formação dos novos advogados, os
tolerância e autodeterminação que permeiam grande
discursos evolucionistas, já abandonado pelos
parte das preocupações de etnógrafos pesquisando o
antropólogos, continuam a alimentar a sala de aula, o
jurídico. E as contribuições que estes podem oferecer
currículum, a lei e os tribunais. De fato, o direito no
ao diálogo com o direito são ricas e produtivas, se
Brasil tem mostrado certa dificuldade em lidar com a
pudermos estabelecer canais de trocas. Neste diálogo,
diversidade cultural presente no Estado brasileiro,
há o reconhecimento dos direitos dos povos
lar do multiculturalismo e da plurietnicidade.
tradicionais frente a expansão da sociedade nacional.
É porque constatamos uma ausência de Na condução da administração de conflitos, a
saber plural e antropológico no ensino jurídico antropologia pode esclarecer uma relação processual
brasileiro, onde leituras conservadoras, mais humana. Para além dos temas que envolvem os
etnocêntricas, colonialistas e elitistas, povos tradicionais, há um amplo domínio etnográfico
constantemente negam a pluralidade étnica também junto aos grupos minoritários, excluídos e
constituinte desta realidade social e cultural, vulneráveis na esfera da vida sob a legalidade estatal.
servindo apenas como mantenedor acrítico do status
O que a antropologia jurídica vai nos ensinar é
quo, o que tende a traduzir-se em uma formação que
a ver que noções como direito, justiça ou liberdade,
pensa o direito sob uma ótica marcadamente
não possuem validade universal automática. Cada
ocidental, burguesa, liberal e capitalista. Ao formar
cultura humana possui um modo particular para
advogados que desconhecem as relações de
definir e operar seu direito. O fenômeno jurídico é
alteridade, estes acabam por aprender (através da
universal, mas a forma como este interfere e organiza a
retórica, do consenso e do positivismo) a anulação
vida social não se reduz à nossa racionalidade jurídica.
das diferenças, porque mantém uma interpretação
Desse modo, é uma disciplina acadêmica que pode
unívoca da vida social. É um entendimento jurídico
oferecer um espaço crítico para que o direito possa
que coloca realidades, por exemplo, ameríndias, sob
pensar a si mesmo para além das categorias que o
um escrutínio eurocêntrico, pilar do direito estatal do
define desde uma perspectiva positiva, normativa e
ocidente. Desse modo, a formação jurídica não
estatal. O diálogo entre a ciência antropológica e
transforma o neófito para operar o direito em direção
jurídica deve, segundo Geertz (1997) se dá em um «ir e
a uma emancipação humana mas para reproduzir um
vir hermeneutico» que produza o espaço onde direito mudam no tempo e no espaço, possuem uma cor local,
e antropologia possam dialogar, no sentido de buscar estão ligadas intimamente ao contexto onde surgem e
soluções para problemas comuns aos dois campos, por onde se sustentam, não sendo possível conduzir o
como a ordem e o controle social na perspectiva da direito ao contexto comparativo, sem levar em conta a
agência e autonomia humana. manufatura artesanal da lógica local de resolução de
Holanda (2008) enfatiza a necessidade de conflitos, legalidades e justiça. E estes nem sempre se
ampliar a interpretação do fenômeno jurídico e de reduzem a uma lente e critérios puramente estatal e
suas categorias para contemplar a diversidade normativo.
humana e sua complexidade social e cultural, o que
demanda um olhar crítico, plural e contextual: 4. Breves notas sobre a antropologia jurídica no
Brasil
o direito ao reconhecimento à diversidade
cultural só poderá ser efetivamente
garantido se for superado o pensamento A produção antropológica que tem como foco
monista do Estado, ou seja, de que ele não é
o único produtor de juridicidade. Tendo em o direito tem crescido no Brasil. Os principais
vista as diferenças culturais, é de notar-se programas de Pós-Graduação em Antropologia estão
que não existe apenas uma única concepção desenvolvendo dissertações e teses nessa área e as
do que é a vida, morte, ética e ser humano. reuniões de antropologia no Brasil revelam um
(Ibid., p.143) enorme interesse pelos resultados dessas pesquisas.
Deixaremos para outro momento o exame minuncioso
O modo de ensino e prática jurídica desta produção. Por enquanto pretendemos apenas
hegemônica – a normatividade estatal – acentua uma fazer um pequeno recorte que demonstre alguns
única fonte e forma de fazer e interpretar o direito. problemas que os antropólogos estudam quando
Imaginamos que esta postura é abertamente observam o direito.
monocromática e empobrecedora para realizar uma
A universalidade dos direitos humanos e seus
ciência jurídica. O direito se traduz, aqui, em mero
possíveis limites foi tema de discussão no GT Direitos
recorte de uma legalidade ocidental, liberal e
Humanos, Práticas de Justiça e Diversidade Cultural
burguesa. É, nesse sentido, que alguns pesquisadores
ocorrido na 26ª RBA. Nesse GT, Schritzmeyer (2008)
falam de uma crise no ensino e na pesquisa jurídica
questiona: é a defesa dos direitos humanos uma forma
(cf. Guerra, 2004; Mangialardo, 2004; Rodrigues,
de “ocidentalcentrismo”? O problema para a autora é
2000). Bastaria o «dever-ser» estatal. Parece-nos que
que não podemos falar de «natureza humana» ou
este viés alimentado no ensino tradicional é
«humanidade» sem adotar pressupostos ocidentais, o
proposital: fabricar bacharéis em série para atender
que indica uma resposta afirmativa. Entretanto, a
ao “mercado”, porque pensar o direito os levaria
autora avisa que “restam, ao antropólogo pesquisador
necessariamente a uma crítica incômoda mas
e militante nessa área, alternativas éticas para que não
extremamente enriquecedora – compreender a
se sinta politicamente paralisado”.
artificialidade e a não naturalidade de suas
premissas, de sua legalidade e de sua legitimidade Peirano (2006), ao procurar entender o papel
(Santos, 2003) do Estado na vida das pessoas, leva a cabo uma análise
do significado dos documentos como Carteira de
O ensino de antropologia nos cursos de
Trabalho e Título de Eleitor no contexto da cidadania
direito conduz a um diálogo (in)tenso sobre como
brasileira. Observa que esses documentos são
diferentes povos, e mesmo diferentes grupos,
emitidos nos órgãos públicos “apenas para aqueles
fabricam aquilo que Geertz (1997) chamou de
que preenchem determinados requisitos estipulados
«sensibilidades jurídicas». Essas sensibilidades
por lei. Eles cumprem, portanto, a função de distinguir
o cidadão do marginal.” (Ibid., p.123, grifos da posições. Um grande problema é lutar por «direitos
autora). coletivos» numa justiça que opera basicamente sob a
A orientação etnográfica, propriamente ótica dos «direitos de indivíduos».
antropológica, de privilegiar a visão nativa daqueles O Estado-Nação brasileiro é pluriétnico e
que “sustentam e promovem o Estado, e que multicultural desde a sua fundação (ainda que este
sobrevivem sob seu domínio” (Ibid., p.137) adquire nem sempre se apresente assim oficialmente – apenas
um estatuto de originalidade quando se propõem a partir da Constituição de 1988), o que exige um
contribuições para o avanço do entendimento das direito com capacidade de apreensão plural do
características do «nosso» direito. Assim, conclui a fenômeno jurídico, para fundamentar o direito dos
autora, “os documentos são necessários porque os povos tradicionais, das minorias, dos excluídos(2).
indivíduos não podem provar, por eles próprios, sua Com larga tradição de estudos em diferentes mundos
unicidade. Precisamos que os documentos digam culturais, em tese, não há cultura humana onde
quem somos” (Ibid., p.145). antropólogos não tenham estado lá. Seu arsenal
Fleischer, Schuch e Fonseca (2007) teórico é capaz de “armar” o direito com sofisticadas
organizaram um livro com cerca de cinquenta análises de mundo tão díspares como «feiticeiros
monografias produzidas para as disciplinas de azande» quanto «patricinhas nova-iorquinas».
antropologia (do direito e jurídica) por seus alunos na O saber que as etnografias oferecem podem
UFRGS. As questões que se colocavam eram «quais ser utilizados para que os operadores do direito
as contribuições e questões colocadas para a possam pôr em prática aquilo que a constituição
antropologia no diálogo com o direito?» O mérito do garante e ampliar as possibilidades de justiça social
livro foi justamente sistematizar algumas pesquisas e para além da normatividade estatal, mas que continua
análises produzidas por antropólogos no campo a ser negado: um convívio legal que atente para a
jurídico, notadamente as questões relacionadas aos riqueza da vida brasileira, lar de uma imensa
direitos humanos, laudos e perícia diversidade cultural que pede, em agonia, amparo de
antropológica.Nesse sentido, o conjunto de textos novas perspectivas jurídicas para conter sua negação e
revelam um olhar sobre a antropologia enquanto aniquilação.
prática no contexto nacional, pois se trata de um As etnografias que tomam o fenômeno
ambiente complexo, onde se procura conciliar jurídico como preocupação central (as leis, os
interesses estatais com os direitos sócio-culturais de tribunais, os conflitos, as práticas jurídicas, os atores,
grupos étnicos e setores desprivilegiados. as representações), produzidas por antropólogos de
diferentes linhagens teóricas, tem oferecido saídas
5. Fundamentação antropológica do plano para problemas que o direito enfrenta, principalmente
jurídico em um ambiente pluriétnico como o Brasil.
As descrições etnográficas compõem o cerne
dos laudos antropológicos solicitados para constituir
Muitos antropólogos têm produzido laudos
parte das peças jurídicas quando estão em jogo o
e pareceres antropológicos para juntarem-se aos
reconhecimento de povos indígenas e seus territórios,
processos de homologação de territórios indígenas e
quando se procura defender territórios quilombolas,
quilombolas no Brasil. Estes são, por sua vez,
quando se faz necessáriaa defesa dos grupos étnicos
sistematicamente contestados por interesses que
e/ou excluídos e vulneráveis, problemas de direitos
visam instituir o “progresso” onde só há “selvageria”
socioculturais, civis e humanos.
e “atraso”. O saber dos antropólogos, uma longa
tradição de estudos junto a povos originais, atesta a As etnografias são esclarecedoras das
credibilidade e respeitabilidade de seus relatos e situações particulares ao tempo que se reveste da
totalidade da vida social, desse modo é capaz de em conseqüência disso, uma consecução
captar os sentidos dos conflitos engendrados e dos mais qualificada de seus direitos.
(...)atualmente, a interpretação jurídica sobre
direitos negados sem que o contexto amplo da
fatos sociais marcados pelo pluralismo
sociedade perca sua coerência e vulto. O uso da cultural é um dos principais, se não o
antropologia no campo jurídico permite desvendar fundamental ponto de afinidade, mas
aquilo que Cardoso de Oliveira (2007, p.16) chamou também de tensão, na interação entre
de evidências simbólicas: antropólogos e operadores jurídicos no
Brasil. (grifos do autor)
O trabalho do antropólogo está muito
marcado por esta característica da Rego (2008) explicita a dimensão de
interpretação antropológica, ou por este
constribuições da antropologia, e sua aplicação, na
esforço em dar sentido a práticas e
situações sociais concretas, seja no plano seara das ciências jurídicas, historicamente distante do
da organização social ou da própria diálogo interdisciplinar. Os exemplos da intervenção
estrutura da sociedade, a partir da revelação dos procuradores, com base em argumentos e laudos
disso que eu estou chamando de evidências antropólogicos, vem colaborar para o surgimento de
simbólicas. Sem evidências simbólicas, o um espaço onde seria possível um saber plural em
antropólogo não seria capaz de produzir
uma etnografia adequada, ou uma confronto aos entendimentos e procedimentos
interpretação convincente da realidade estatais monistas e, por último, aquilo que o autor
estudada. chama de antropologização do jurídico:
ou do desejo de mais bem, de melhor vida, Lançar mão da antropologia, não só dos seus
de maior verdade, e se encontra, portanto, métodos de pesquisa, mas também de seu
em constante movimento: se a moral e a lei arsenal teórico, para analisar o discurso do
são substantivas, a ética é pulsional, um direito e de seu campo de atuação é, na
impulso vital; se a moral e a lei são estáveis, verdade, promover o encontro entre duas
a ética é inquieta. (,,,) Esta seria, por disciplinas que se colocam em lados opostos
excelência, a contribuição ética de uma no que se refere à dimensão simbólica do
antropologia empenhada em mobilizar poder. Podemos dizer que o direito opera na
constantemente o campo da moral e do chave da “razão prática”. Numa lógica de
direito. (Ibidem, p.223-224) causa e efeito, a aplicação da lei baseia-se
numa correspondência direta entre dado,
fato, prova e a imagem de justiça. Para a
Ao legitimar o caráter pluriétnico do Estado antropologia, contudo, a idéia de “realidade
brasileiro na Constituição de 1988, o papel de tutor dos fatos”, pura e simplesmente não cabe, ou
dessa questão foi endereçado ao Ministério Público pelo menos não vem a ser uma preocupação
exclusiva. (Miraglia, op. cit. p.81-83)
Federal, que passou a contratar antropólogos
(analistas periciais) para participação em equipes de
A autora não recusa a importância da lei, mas
advogados em prol da efetivação dos direitos dela
aponta outros mecanismos de regras e autoridades,
decorrentes, como os direitos sócio-culturais. A
pois se o controle efetivo é por via legal, isso não
antropologia jurídica oferece um espaço muito rico
anularia uma série de reguladores sociais presentes em
de diálogo quando percebemos que há outras
noções como valor, tradição, hierarquia, legitimidade
possibilidades de direito para além do que nos é
e obediência que, por sua vez, não podem ser
imputado pelo Estado: o direito dos povos
reduzidos a mero produto da regulação estatal. Ainda
tradicionais leva ao questionamento das categorias
conforme Miraglia, se os juristas naturalizam o
que ordenam nosso próprio direito. Não apenas para
direito, o trabalho do antropólogo é mostrar o direito
desconstruí-lo, mas também para enriquecê-lo.
como uma construção cultural, pautada e orientada
por um conjunto de valores.
6. Primeiras conclusões: entre o jurídico dos Os antropólogos colocam em xeque tais
advogados e dos antropólogos
valores que se apresentam em forma de lei, ao
trazerem à tona as relações de poder que ditam
Miraglia (2005) ensina que, para os juristas, o soluções jurídicas nas relações entre partes
direito tem a função de promover a ordem social sob a conflitantes. Os advogados assumem que na dinâmica
garantia estatal pois não haveria sociedade sem Estado do processo, há espaço para a interpretação da lei. Ao
nem sociedade sem direito. O problema reside no fato antropólogo interessa mais a interpretação das ações
de que o direito, assim posto, não poderia compreender jurídicas, ou a lei em ação, os discursos, a aplicação da
sociedades cuja organização não parta da figura do lei.
Estado, portanto, enquanto o direito pensaria a A antropologia produz sua teoria no contato
organização social no horizonte de sua universalidade, direto dos etnógrafos junto aos grupos humanos com
a antropologia buscaria nas particularidades sociais o os quais convive enquanto estuda a condição humana.
questionamento de sua generalidade. Miraglia afirma A vivência e participação direta faz com que o
que a lei interessa aos advogados na medida em que antropólogo desenvolva preocupações éticas e
separa certo/lícito do errado/ilícito, enquanto os políticas para com os grupos que os acolhe. O métier
antropólogos assumem a lei como o aspecto formal do antropológico exige algum nível de participação e
controle social interpretado como um conjunto de engajamento que se traduz na advocacia
valores que poderia chamar de cultura. antropológica, comprometida sempre com grupos
direito que não o direito ocidental, com sua área e com reação violenta, o que acabou suspensa por
pressuposição de universalidade, ancorado em decisão liminar do STF em 2008. Manifestações favoráveis
e contrárias à demarcação se sucederam, com farta
valores tidos como nobres e corretos. O problema é cobertura da imprensa. Após estudos sucessivos, a área foi
perceber que categorias do nosso pensamento, como formalmente identificada pela Funai em 1993. Nos doze
o Estado, o índivíduo ou a propriedade, alhures não anos seguintes até a sua homologação, fortes pressões
políticas retardaram o processo administrativo e
faz sentido, ou pelo menos, carece de fundamentação promoveram a invasão de arrozeiros, a criação de mais um
local ou nativa. É justamente nesse ponto que o município dentro da área e a divisão entre lideranças e
encontro entre os dois campos, o direito e a comunidades indígenas locais.O tratamento do caso,
frequentemente, tem ignorado os próprios índios. Embora
antropologia, pode fazer a diferença ao possibilitar a
sejam quase vinte mil naquela área, de distintos povos,
criação de um espaço de diálogo muito frutífero, falando suas próprias línguas, agrupados em quase duzentas
capaz de empreender mudanças na forma como o aldeias e organizados em entidades próprias, os índios são
direito é produzido, viabilizado e operado por suas reduzidos a peças de tabuleiro, ou simplesmente
desaparecem da história, substituindo-se os seus direitos e
diversas agências. anseios por supostos interesses de terceiros.No momento,
índios Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang e
Notas Patamona respiram aliviados. O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva assinou o decreto que homologa de forma
(1) A literatura é bastante ampla, sugerimos a leitura de contínua a área Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Paul Bohannan em A antropologia e a lei e Etnografia e (5) A esse respeito, Pinto (2008) nos oferece um panorama
comparação em antropologia do direito. Também Shelton amplo do estado da arte das discussões quanto ao
Davis oferece um bom panorama em Antropologia do estabelecimento de diálogo entre o Estado Nacional e os
Direito. Ainda sem tradução para o português há um povos indígenas sob sua jurisdição. A autora expõe um
magnífico trabalho escrito por Louis Assier-Andrieu breve panorama da legislação constitucional na América
denominado Le droit dans le sociétés humaines, além de Latina no que concerne aos direitos indígenas, partindo de
Norbert RoulandemAnthropologie juridique e uma reflexão histórica do conceito de autodeterminação dos
L'anthropologie juridique.Consultartambém Max povos e de reconhecimento da pluralidade étnica e cultural
Gluckmancom o ensaio Obrigação e Dívida.Um texto em dos Estados. O texto nos convida a pensar a pluralidade
inglês de Laura Nader, ainda sem tradução, chamado jurídica como algo factível e presente, pois que elabora,
Moving On – Comprehending Anthropologies of Law faz também, um quadro sobre cada Estado nacional e como este
uma análise cuidadosa do campo da antropologia em trata o campo jurídico indígena, no sentido de estabelecer
contato com o direito. juridicidade e autodeterminação dos povos indígenas
(2) Recentemente o MPF de São Paulo abandonou o júri frente/ou em conjunto ao Estado nacional.
do assassinato do cacique Marcos Veron após Justiça
negar abertura de oitivas na língua Guarani-Kaiowá. O
MPF declarou-se contra a decisão da juíza Paula Bibliografia
Mantovani Avelino, da 1ª Vara Federal Criminal de São
Paulo, que impugnou, a pedido da defesa dos réus, o
tradutor já designado para atuar na sessão. O cacique foi CARDOSO DE OLIVEIRA, Luis Roberto. O ofício
espancado e morto em 2003. Sendo as vítimas e
testemunhas de acusação da etnia Guarani-Kaiowá, o do Antropólogo, ou como desvendar evidências
MPF mostra a flagrande incapacidade de o judiciário simbólicas. Série Antropologia. No. 413, Brasília:
brasileiro conviver nesse ambiente plural (jurídica e UnB, 2007.
linguísticamente). O MPF recorreu ao TRF da 3ª Região
para que os índios envolvidos no processo possam se CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado.
expressar em sua própria língua. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
(3) A esse respeito sugerimos a leitura cuidadosa da CLIFFORD, James. A experiência etnográfica:
dissertação de mestrado Mariana A. F. Holanda intitulada
Quem são os humanos dos direitos? Sobre a Antropologia e Literatura no século XX. Rio de
criminalização do infanticídio indígena, defendida no Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
programa de pós-graduação em antropologia da FLEISCHER, Soraya et ali (org). Antropólogos em
Universidade de Brasília, em 2008.
(4) A demarcação foi concluída em 2005, com a edição do ação: experimentos de pesquisa em Direitos
decreto presidencial. Foi necessário uma operação Humanos. Porto Alegre: EdUFRGS, 2007.
policial para a retirada de arrozeiros ocupantes de parte da GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas.
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REGO, André Gondim do. Configurando um estado
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efetivação de direitos sócio-culturais no Brasil.
RESUMO ABSTRACT
1
Graduado pela Faculdade de Alagoas; Especialista em direito tributários pelo Instituto Brasileiro de
Estudos Tributários (IBET).
86 Thiago Barbosa Wanderley
desenvolva sua capacidade empreendedora. Nesse torna-se obrigatório tecer comentários acerca do
sentido, Eros Roberto Grau nos ensina que: princípio da livre concorrência, posto que ambos se
complementam.
Afirmar a livre iniciativa como base é
reconhecer na liberdade um dos fatores Concorrência é a situação na qual se
estruturais da ordem, é afirmar a autonomia encontram, atual ou potencialmente, dois ou
empreendedora do homem na conformação mais empresários que, operando no mesmo
da atividade econômica, aceitando a sua âmbito de mercado, oferecem bens e serviços
intrínseca contingência e fragilidade; é suscetíveis de satisfazer, ainda que com
preferir, assim, uma ordem aberta ao meios distintos, a mesma necessidade, e, por
fracasso a uma 'estabilidade' supostamente conseguinte, encontram-se em uma situação
certa e eficiente [...] Isto não significa, de conflito de interesses em relação à
porém, uma ordem do 'laisse faire', posto clientela. (FRANCESCHELLI apud
que a livre iniciativa se conjuga com a CUÉLLAR, 2004, p.33)
valorização do trabalho. (GRAU, 2000,
p.232)
Quanto à conceituação da livre concorrência,
o festejado constitucionalista Alexandre de Moraes
Ao conceituar livre iniciativa, José Afonso (2001, p.646) preconiza que:
da Silva (2004, p.774) dita que:
constitui livre manifestação da liberdade de
não pode significar mais do que liberdade iniciativa, devendo, inclusive, a lei reprimir o
de desenvolvimento da empresa no quadro abuso de poder econômico que visar à
estabelecido pelo poder público, e, dominação dos mercados, à eliminação da
portanto, possibilidade de gozar das concorrência e ao aumento arbitrário dos
facilidades e necessidade de submeter-se às lucros (CF, art. 173, § 4º)”.
limitações postas pelo mesmo.
Vê-se então que o princípio da livre
Analisando o conceito supramencionado, concorrência não é um fim em si mesmo, tendo sido
notamos que há uma dialética razão entre liberdade e esculpido no inciso IV do art. 170 da Carta Magna
abuso, sendo missão do Direito e dos seus operadores como um lastro a ser perseguido pela ordem
preservar a primeira e tratar de acautelar-se contra a econômica, objetivando assegurar a existência digna
segunda. (PETTER apud ROCHA; JÚNIOR; de todos, senão vejamos:
DOBROWOLSKI; SOUZA ORGS., 2005, p.55)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na
É importante salientar que o princípio da valorização do trabalho humano e na livre
livre iniciativa deve ser analisado em consonância iniciativa, tem por fim assegurar a todos
com os demais princípios, uma vez que não constitui existência digna, conforme os ditames da
um fim em si mesmo, sendo apenas um instrumento justiça social, observados os seguintes
utilizado para promover uma existência digna. princípios:
IV - livre concorrência;
Resta evidente o caráter instrumentalista do
princípio da livre iniciativa, objetivando conceder Os princípios da livre concorrência e livre
condições favoráveis para que os agentes iniciativa são essenciais ao funcionamento saudável
econômicos explorem seus mercados (obedecidos os do mercado, constando no diploma infralegal que
ditames infralegais constitucionalmente permitidos disciplina a ordem econômica (lei 8.884/94), tendo
pelo legislador), alavancando assim o como intuito a proteção da coletividade, como se
desenvolvimento do país. depreende do art. 1º, in verbis:
Ao analisar o princípio da livre iniciativa,
Art. 1º Esta lei dispõe sobre a prevenção e a aquisição de direitos e ativos, que provoque a
repressão às infrações contra a ordem s u b s t i t u i ç ã o d e ó rg ã o s d e c i s ó r i o s
econômica, orientada pelos ditames independentes por um sistema unificado de
constitucionais de liberdade de iniciativa, controle empresarial. (FORGIONI apud
livre concorrência, função social da CARVALHO, 2005, p.466)
propriedade, defesa dos consumidores e
repressão ao abuso do poder econômico.
Note-se que a concentração do poderio
Parágrafo único. A coletividade é a titular
dos bens jurídicos protegidos por esta lei. empresarial poderá se dar através: a) da constituição
de um novo agente econômico criado a partir da
junção de duas ou mais empresas (como nos casos de
Portanto, quando o Estado houver de intervir fusão); b) no aumento estrutural de um agente,
numa operação de concentração empresarial, terá ocorrido em função da aquisição de uma ou mais
que observar os princípios da livre iniciativa e da empresas (quando se trata de incorporação) ou; c)
livre concorrência, preservando as garantias através de parcerias empresariais onde as diferentes
individuais e atuando sempre em prol da empresas se comungam esforços sem perder sua
coletividade. autonomia e distinção funcional (como ocorre nas join
ventures (1) e holdings (2)).
3. Concentração empresarial Cabe salientar, que das formas mencionadas
acima, abordaremos apenas as duas primeiras, ou seja,
as concentrações através de fusão e incorporação.
A necessidade de unir forças empresariais
teve origem na revolução industrial, onde foi O fenômeno concentracionista vem se
necessário o investimento de vultosas quantias para tornando uma condição de sobrevivência para
arcar com o aumento exorbitante dos gastos de diversas empresas, posto que a evolução do mercado
produção. Sendo assim, a idade industrial, marcada capitalista requer um sistema produtivo cada vez mais
por grandes investimentos (construções ferroviárias, integrado e preparado para aumentar a qualidade e
consolidação das instituições bancárias e diminuir o preço dos serviços e bens ofertados.
desenvolvimento das navegações), juntou agentes De outro lado, a crescente concentração do
econômicos que não teriam condições, poder econômico mostra-se elemento de possível
isoladamente, de proporcionar tal desenvolvimento. limitação da iniciativa privada, de forma a dificultar
Atualmente, a concentração empresarial ou até mesmo impedir que pequenas empresas
pode ser compreendida como um ato através do qual ingressem de forma competitiva no mercado, já que
duas ou mais empresas se integram, tornando uno o não possuem capital suficiente para exercer uma
poder decisório sobre o novo ente juridicamente concorrência efetiva.
formado, geralmente objetivando seu fortalecimento Diversas são as razões que levam os agentes
em face dos concorrentes, atingindo uma economia econômicos a concentrarem seus poderes decisórios,
de mercado. tais como: neutralizar os agentes concorrentes;
Nuno T.P. Carvalho, citado por Paula melhorar o aproveitamento dos recursos disponíveis;
Andréia Forgioni, brilhantemente aponta o conceito adquirir mão de obra especializada; preservar sua
de concentração empresarial: subsistência no mercado; aquisição de benefícios
tributários etc.
Concentração de empresas é todo o ato de Com efeito, a depender do caso concreto, a
associação empresarial, seja por meio da
concentração das empresas proporciona arranjo mais
compra parcial ou total dos títulos
representativos de capital social (com eficiente da cadeia produtiva, reorganizando o
direito a voto ou não), seja através da processo logístico de modo a reduzir os gastos,
ao longo da cadeia produtiva a abarcar uma maior fatia do mercado, quanto ao plano
(mercado"alvo"). da horizontalidade, duas podem ser as atitudes
tomadas para tal fim: o crescimento da própria
Analisando a construção conceitual posta empresa, ou a junção desta a uma ou mais
acima, nota-se que tal nomenclatura se deve ao fato concorrentes. Quanto à primeira opção, trata-se de
de que a concentração se dá entre empresas promover o crescimento interno da estrutura
ocupantes de diferentes níveis do plano produtivo. empresarial, ao passo que na segunda, o aumento
Tal junção de entes poderá atentar indiretamente estrutural se dará pela junção de duas ou mais
contra seus concorrentes, através da concentração de composições societárias.
empresas ligadas ao processo produtivo de seu Entender a decisão de se concentrar
serviço ou produto final. Tal pode ocorrer, por horizontalmente, per se, como limitadora da livre
exemplo, pela incorporação de indústrias concorrência incumbe grande equívoco, posto que,
fornecedoras de matéria prima ao produto final. em certos casos, a concentração mostra-se necessária
No entanto, diz-se que tal concentração à continuação de um dos agentes no mercado.
ataca a concorrência de forma indireta, pelo fato de Nesse diapasão, é imprescindível transcrever
obstar o concorrente na compra de produtos três hipóteses mencionadas por FILHO (2002, p.281),
necessários à concretização de seu produto ou onde a concentração aparenta ser o caminho mais
serviço, e não na prestação ou oferta do produto em acertado a seguir:
si.
O crescimento interno não é, no entanto,
Já no que toca as concentrações sempre preferível à concentração. Três são as
conglomeradas, Filho (2002, p.294) situações básicas em que a concentração é
nos ensina que: A formação de preferível ao crescimento interno. Em
conglomerados é uma forma residual de primeiro lugar, quando as firmas que se
concentração, ou seja, considera-se pretendem concentrar possuem bens de
formação de conglomerado toda integração capital complementares que conjugados
entre empresas que não pode ser podem passar a produzir bens de diferente
classificada como concentração horizontal qualidade, o que não poderia ocorrer pelo
ou vertical. crescimento individual de cada empresa.
Uma segunda situação é aquela em que
Desta feita, entende-se por conglomerada a “preço” do crescimento interno é
excessivamente elevado. Finalmente, a
concentração onde os agentes econômicos não
concentração é socialmente preferível
guardam entre si qualquer relação de concorrência, quando não há espaço para o crescimento
atuando em mercados relevantes distintos, sem interno de todas as empresas, isto é, quando o
nenhuma relação direta ou indireta. preço do crescimento interno de uma é a
saída do mercado de outras.
Delineada a classificação doutrinária das
formas de concentração, analisaremos as possíveis
vantagens e mazelas que cada uma delas poderá Por outro lado, o aumento do poder de
causar à concorrência. mercado nas mãos do novo agente oriundo da fusão ou
incorporação horizontal irá conferir vantagens aos
mesmos, como a ampliação de acesso ao consumidor,
Aspectos positivos e negativos da concentração seja através do aumento de pontos comerciais, seja
horizontal, vertical e conglomerada. pelo maior número de produtos postos a disposição
etc. Tal benefício conferido pelo novo agente
Quando um agente econômico está decidido econômico causará o acirramento da concorrência,
onde os de menor estrutura e capital poderão ser
Desta forma, a SDE atualmente é técnico concernente aos efeitos econômicos advindos
competente tanto para fiscalizar as infrações à ordem da aglomeração de agentes, documento este que
econômica (prevenindo ou punindo tais praticas contribuirá para a formação do convencimento do
através da aplicação de multas), como para emitir CADE quanto a aprovação ou não da operação
parecer que auxiliará o CADE nas avaliações de analisada.
concentração empresarial. Ao estudo em apreço Sendo assim, temos que o CADE é
interessa averiguar está segunda função. responsável, pelo julgamento administrativo que
Nesse passo, a aplicação da lei 8.884/94 está culminará na aprovação ou reprovação da fusão ou
assim determinada: incorporação, nos moldes do art. 54 §3º da Lei
antitruste. A SEAE estará incumbida de emitir parecer
Enquanto o CADE é o órgão que na esfera
administrativa tem a função de 'julgar' as
técnico especializado que servirá de subsídio à
infrações à ordem econômica, a Secretaria decisão do CADE. E a SDE possui função
de Direito Econômico – SDE, órgão do fiscalizatória e informativa do Conselho, também
Ministério da Justiça, dirigido por um fornecendo parecer acerca do ato concentracionista a
Secretário de ilibada reputação e notório ser discutido.
saber jurídico ou econômico, nomeado pelo
Presidente da República, por indicação do Importante ressaltar que os pareceres
Ministro daquela Pasta, é o legalmente fornecidos pela SDE e pela SEAE não vinculam a
encarregado de zelar pelo cumprimento decisão do CADE, servindo apenas como meras peças
dessa lei. (MELLO, 2006, p.766) informativas, através das quais poderá pautar seu
julgamento.
Portanto, a Secretaria Nacional de Direito Restando exposta à organização
Econômico tem por objetivos principais administrativa governamental que apreciará a
supervisionar e coordenar a política de proteção da viabilidade ou não da aglomeração de agentes
ordem econômica, bem como assegurar a livre econômicos. Trataremos agora sobre as hipóteses de
concorrência, a livre iniciativa e a livre distribuição intervenção estatal nas operações de fusão e
de bens e serviços, atuando como órgão informativo incorporação.
que trará subsídio as decisões do CADE.
ordem econômica, tratando-se então de um controle Não significa dizer que as concentrações que
preventivo. açambarcarem 20% de um mercado relevante, ou cujo
Conforme já apreciado supra, as fusões e faturamento de um dos entes envolvidos na operação
incorporações podem surtir efeito positivo ou tenha faturamento bruto anual de quatrocentos
negativo perante o mercado. Na possibilidade de que milhões de reais, sejam per si, uma afronta a livre
a operação resulte em limitação da livre concorrência concorrência. Faz surgir apenas a necessidade de
ou dominação de mercados, a mesma deverá ser aprovação de tais atos pelo CADE posto que há uma
submetida à apreciação do CADE, pois o art. 54 da presunção relativa de que os efeitos de tal operação
lei 8.884/94 assim dispõe: seria maléfico à ordem econômica.
Acerca da presunção contida no art. 54, §3º,
Art. 54. Os atos, sob qualquer forma Fábio Ulhoa Coelho (2004, p.492) assevera:
manifestados, que possam limitar ou de
qualquer forma prejudicar a livre O efeito restritivo das operações societárias
concorrência, ou resultar na dominação de relativamente ao funcionamento do livre
mercados relevantes de bens ou serviços, mercado é tão significativo que a lei se
deverão ser submetidos à apreciação do preocupa em estabelecer uma presunção de
Cade. lesividade potencial, em determinados casos.
Assim, a fusão ou incorporação, constituição
Note-se que o dispositivo em apreço é claro de sociedade controladora ou qualquer forma
ao mencionar que não é necessária a comprovação de grupamento de empresas de que resulte
prévia dos efeitos danosos oriundos do ato, mas que participação de mercado na ordem de 20%,
os indícios apontem que tais atos “possam” limitar ou que envolva sociedade com faturamento
ou prejudicar a livre concorrência. bruto anual de R$400.000.000,00, estão
condicionados à aprovação do CADE (Lei n.
Visando trazer uma idéia de quais seriam os 8.884/94, art. 54, §3º).
“atos” previstos no artigo supra transcrito, o §3º do
mesmo artigo assim dispõe: No entanto, mesmo configurados os efeitos
descritos no art. 54 da lei antitruste, ainda há a
§ 3o Incluem-se nos atos de que trata o caput possibilidade de que a aglutinação entre os agentes
aqueles que visem a qualquer forma de econômicos seja aprovada pelo CADE. Para tanto, os
concentração econômica, seja através de
atos terão que obedecer ao disposto nos §1º e 2º do
fusão ou incorporação de empresas,
constituição de sociedade para exercer o artigo suso mencionado, cujo teor abaixo
controle de empresas ou qualquer forma de transcrevemos:
agrupamento societário, que implique
participação de empresa ou grupo de § 1º O Cade poderá autorizar os atos a que se
empresas resultante em vinte por cento de refere o caput, desde que atendam as
um mercado relevante, ou em que qualquer seguintes condições:
dos participantes tenha registrado I - tenham por objetivo, cumulada ou
faturamento bruto anual no último balanço alternativamente:
equivalente a R$ 400.000.000,00 a) aumentar a produtividade;
(quatrocentos milhões de reais). (Grifos b) melhorar a qualidade de bens ou
nossos) serviço; ou
c) propiciar a eficiência e o
Percebemos que o legislador pátrio criou desenvolvimento tecnológico ou econômico;
assim dois critérios objetivos que, caso configurado, II - os benefícios decorrentes sejam
distribuídos eqüitativamente entre os seus
devem fazer com que a fusão ou incorporação apenas
participantes, de um lado, e os consumidores
possa perseverar com a anuência do Conselho ou usuários finais, de outro;
Administrativo de Defesa Econômica. III - não impliquem eliminação da
concorrência de parte substancial de incisos que compõe o §1º do art. 54, não importa em
mercado relevante de bens e serviços; sobrepor os interesses privados aos interesses da
IV - sejam observados os limites
coletividade. Pelo contrario, mostra que é necessário
estritamente necessários para atingir os
objetivos visados. arcar com alguns ônus advindos das operações,
§ 2º Também poderão ser considerados visando preservar a existência das empresas e,
legítimos os atos previstos neste artigo, consequentemente, a manutenção dos empregos por
desde que atendidas pelo menos três das elas gerados.
condições previstas nos incisos do
parágrafo anterior, quando necessários por Analisados os permissivos legais a
motivo preponderantes da economia intervenção estatal numa operação de concentração
nacional e do bem comum, e desde que não empresarial nas modalidades incorporação e fusão,
impliquem prejuízo ao consumidor ou abordaremos em seguida o procedimento
usuário final.
administrativo de tal forma de controle.
concorrência de parte substancial de incisos que compõe o §1º do art. 54, não importa em
mercado relevante de bens e serviços; sobrepor os interesses privados aos interesses da
IV - sejam observados os limites
coletividade. Pelo contrario, mostra que é necessário
estritamente necessários para atingir os
objetivos visados. arcar com alguns ônus advindos das operações,
§ 2º Também poderão ser considerados visando preservar a existência das empresas e,
legítimos os atos previstos neste artigo, consequentemente, a manutenção dos empregos por
desde que atendidas pelo menos três das elas gerados.
condições previstas nos incisos do
parágrafo anterior, quando necessários por Analisados os permissivos legais a
motivo preponderantes da economia intervenção estatal numa operação de concentração
nacional e do bem comum, e desde que não empresarial nas modalidades incorporação e fusão,
impliquem prejuízo ao consumidor ou abordaremos em seguida o procedimento
usuário final.
administrativo de tal forma de controle.
Efetivado o depósito da documentação aprovado sem restrições; b) o ato será aprovado, mas
pertinente na SDE e, distribuídas as vias ao CADE e mediante o cumprimento de metas fixadas num
à SEAE, esta enviará um parecer técnico à SDE no compromisso de desempenho c) o pedido de
prazo de trinta dias. Recebido o parecer, a SDE se concentração será indeferido.
manifestará sobre o ato concentracionista também no A primeira hipótese mencionada acontecerá
prazo de 30 dias, instruindo o processo e se, depois de apreciada pelo CADE, este concluir que
encaminhando-o ao Plenário do CADE, que a fusão ou incorporação não trará prejuízos à ordem
deliberará no prazo de 60 dias. econômica, sendo permitidas, de plano, tais
Assim, o CADE apenas terá contato com o operações.
processo quando este se encontrar devidamente Já na aprovação mediante o cumprimento de
instruído, sistemática esta que é severamente metas, será determinado pelo CADE um compromisso
criticada pela doutrina, visto que o CADE deveria de desempenho, visando assegurar que os objetivos e
atuar na fase de instrução do processo efeitos descritos no §1º, art. 54 da lei antitruste sejam
administrativo. Nesse sentido FONSECA (2007, respeitados. A fiscalização do compromisso de
p.363) afirma que: desempenho será efetuada pela Secretaria Nacional de
Direito Econômico – SDE.
O órgão judicante, normalmente, não tem
qualquer contato com o andamento Tratando-se de uma aprovação com condição
processual, com a instrução probatória, resolutiva, FILHO (2002, p. 304) acertadamente
enquanto o processo tramita pela SDE e afirma que:
pela SEAE. Quando chega às mãos do
Conselheiro relator, normalmente há O compromisso de desempenho só pode ser
necessidade de realizarem-se novas admitido quando o órgão de controle puder
provas, ou porque as que eram necessárias razoavelmente admitir que as hipóteses
não foram feitas, ou porque o decurso do previstas no art. 54, §1º, verificar-se-ão, e
prazo entre as provas colhidas e a data do que se trata apenas de estabelecer prazos para
julgamento é tal que há necessidade de assegurar seu cumprimento. É necessário,
atualização, ou ainda porque as provas já portanto, não apenas que as partes tenham
realizadas não são suficientes para o mencionado tais metas em seu pedido de
convencimento do Conselheiro relator. aprovação, mas também que o CADE esteja
convencido que elas serão obtidas.
Caso o CADE não aprecie o ato de
concentração dentro do prazo previsto no art. 54, §6º Todavia, mesmo que a operação de fusão ou
(60 dias), os atos de concentração serão considerados incorporação seja permitida, a aprovação poderá ser
automaticamente aprovados. revista pelo CADE, conforme preconiza o art.55 do
Importa frisar que os prazos concedidos ao diploma antitruste brasileiro:
CADE, à SDE e a SEAE ficarão suspensos caso
se a decisão for baseada em informações
sejam requeridos esclarecimentos ou determinada a
falsas ou enganosas prestadas pelo
complementação da documentação apresentada. interessado, se ocorrer o descumprimento de
A eficácia dos atos enquadrados nos efeitos quaisquer das obrigações assumidas ou não
dispostos no art. 54 da lei antitruste será forem alcançados os benefícios visados.
condicionada à aprovação do ato, seja através do De outro lado, caso seja verificado de pronto
julgamento pelo CADE, seja pelo decurso do prazo que a concretização da fusão ou incorporação trará
sem que haja decisão deste órgão. ofensas à concorrência, sendo impossível minimizá-las
Quando do julgamento da concentração pelo através de um compromisso de desempenho, o pedido
CADE, três poderão ser os resultados: a) o ato será de concentração será motivadamente indeferido.
Nesse diapasão, como o diploma legal em aos demais, ou seja, o exercício da liberdade de uma
apreço permite que a concentração seja submetida ao empresa se torna censurável quando impede a
controle em até quinze dias úteis de sua concretização da livre iniciativa e da livre
concretização, caso a concentração obstada já tenha concorrência.
negociado com terceiros, utilizando-se da nova Portanto, a liberdade de atuação da empresa
estrutura social formada, o CADE determinará as não é absoluta, posto que a Carta Magna confere ao
providencias a serem tomadas, nos moldes do art. 54, Estado a função de garantir o saudável funcionamento
§9º, in verbis: do mercado, beneficiando desta forma toda a
coletividade. Para ordenar o dito funcionamento, o
§ 9º Se os atos especificados neste artigo
não forem realizados sob condição Estado, através do art. 54, da lei 8.884/94, está
suspensiva ou deles já tiverem decorrido legalmente autorizado a intervir numa concentração
efeitos perante terceiros, inclusive de entre empresas privadas todas as vezes que uma
natureza fiscal, o Plenário do Cade, se aglomeração empresarial tolher a liberdade de
concluir pela sua não aprovação,
iniciativa dos demais concorrentes, tornando inviável
determinará as providências cabíveis no
sentido de que sejam desconstituídos, total a subsistência de seus rivais.
ou parcialmente, seja através de distrato, Desta forma, acreditamos que as liberdades
cisão desociedade, venda de ativos, asseguradas pela Carta Magna de 1988 representam
cessação parcial de atividades ou qualquer
uma vitória de toda a sociedade ante ao Estado, que
outro ato ou providência que elimine os
efeitos nocivos à ordem econômica, outrora atuava arbitrariamente na regulação do
independentemente da responsabilidade mercado. No cenário mercadológico atual, o Estado
civil por perdas e danos eventualmente deverá respeitar os direitos conquistados pelos
causados a terceiros. particulares, intervindo apenas dentro dos limites
estritamente necessários para assegurar um ambiente
Portanto, o trâmite de um processo de livre concorrência.
administrativo no qual o Conselho Administrativo de
Quando da análise das concentrações
Defesa Econômica analisará a viabilidade de um ato
empresariais, restou firmado que estas não podem ser
de concentração deve durar em torno de cento e vinte
consideradas, per si, como elemento limitador da
dias, sendo o processo instruído pela SEAE e pela
concorrência, cabendo ao Estado, analisar os
SDE, onde estas emitirão seus pareceres,
possíveis efeitos mercadológicos decorrentes de tal
respectivamente, em 30 dias, tendo o CADE um
reformulação da estrutura empresarial em apreço.
prazo de 60 dias, a contar do recebimento dos
pareceres, para apreciar o ato concentracionista. Restou comprovado, ainda, que o amálgama
empresarial oriundo das concentrações nos põe diante
de um paradoxo, posto que ao mesmo tempo em que se
9. Conclusão mostra necessário ao desenvolvimento do mercado,
este progresso nos custa a instabilidade do sistema
Analisando-se o atual panorama mercadológico.
concorrencial brasileiro, vimos que a Constituição No entanto, concluímos que o fenômeno
Federal concede aos particulares o direito de atuarem concentracionista possui mais efeitos positivos que
com liberdade no mercado, num ambiente de livre negativos, mostrando-se geralmente benéfico e
concorrência que deve ser assegurado pelo Estado. necessário ao desenvolvimento do mercado,
Assim como toda liberdade assegurada aos principalmente no atual sistema capitalista
particulares, seu gozo não poderá ser exercido de tal globalizado, onde a concentração de agentes
forma que suprima o mesmo direito disponibilizado certamente fortalecerá as empresas brasileiras para
que possam melhor competir com os concorrentes guardava com o povo Malaio.
internacionais. (6) BRASIL – Ministério da Fazenda. IN:
http://www.seae.fazenda.gov.br - Em junho de 2007.
Dado que esta pesquisa se limitou a analisar
as hipóteses em que o Estado Brasileiro intervêm na
esfera privada, obstando operações que ponham em Referências
xeque o funcionamento do mercado nacional, cabe-
nos aprofundar tal estudo averiguando quais os BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e
parâmetros de atuação conferidos à outros países,
Aplicação da Constituição. 6ª edição. São Paulo:
pois as empresas brasileiras também encontram-se
estabelecidas fora do território nacional. Saraiva, 2004.
Destarte, concluímos que a efetivação das BRITO, Beatriz Gontijo de. Concentração de
a
liberdades concedidas às empresas privadas deve ser Empresas no Direito Brasileiro. 1 edição. Rio de
garantida pelo Estado, e que este atuará visando à Janeiro, 2002.
manutenção de um ambiente de livre concorrência, COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito
beneficiando assim não somente as empresas Comercial. Volume 2. 7ª edição. São Paulo: Saraiva,
nacionais, mas toda a sociedade brasileira. 2004.
CUÉLLAR, Leila; MOREIRA, Egon Bockmann.
Estudos de Direito Econômico. Belo Horizonte:
Notas Fórum, 2004.
Dicionário de economia. Disponível em: http://www.
(1) Versando sobre as join ventures, Calixto Salomão
Filho (2002) assevera que “analisada do ponto de esfgabinete.com/dicionario/?procurar=1. Acessado
vista concorrencial, ela nada mais é do que uma em novembro de 2007.
forma de cooperação entre empresas para fins FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial: as
empresariais, que pode se consubstanciar em
diversas formas jurídicas”. estruturas. 2ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2002.
(2) Holding é a “Concentração de empresas na forma FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Lei de
de uma sociedade financeira que controla, coordena Proteção da Concorrência: Comentários à
e orienta as suas atividades porque possui parte do
capital social das filiais.”. IN: Dicionário de legislação antitruste. 3a Edição. Rio de Janeiro:
economia -http://www.esfgabinete.com/dicionario/ Forense, 2007.
?procurar=1. Acessado em novembro de 2007. FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. 2ª
(3) Ressalte-se que a nomenclatura concedida ao
diploma fora um tanto equivocada, posto que o edição. São Paulo: RT, 2005.
diploma legal não versa apenas sobre o combate aos GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na
truste (união de empresas visando monopolizar o Constituição de 1988. 5ª edição. São Paulo:
mercado), mas de toda a proteção ao mercado
concorrencial. Malheiros, 2000.
(4) Quanto à conceituação de mercado relevante, JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito
FORGIONI (2005), em os Fundamentos do a
Constitucional. 1 Edição. São Paulo: Juspodium,
Antitruste, menciona que é aquele em que se travam
as relações de concorrência ou atua o agente 2007
econômico cujo comportamento está sendo MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de
analisado. A mesma autora assevera ainda que não há Direito Administrativo. 7ª tiragem. São Paulo: RT,
uma formula matemática para a determinação do
mercado relevante, mas apenas métodos que acabam 1988.
por nos fornecer indicativos que, utilizados de forma __________. Curso de Direito Administrativo. 21ª
conjugada, auxiliam nessa ingrata tarefa. edição. São Paulo: Malheiros, 2006.
(5) O Decreto 7.666/45 ficou conhecido como lei
Malaia devido à semelhança física que o autor do MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10ª
Projeto Legislativo, Agamêmnon Magalhães, edição. São Paulo: Atlas, 2001.
RESUMO ABSTRACT
O presente trabalho tem a intenção de This paper intends to reveal, through the
d e s v e l a r, a t r a v é s d o s e n u n c i a d o s prescriptive statements of the Brazilian legal
prescritivos do sistema jurídico brasileiro, a system, the issue and validity of normative
edição e validade das instruções normativas instructions notorious - whose foundation is
- cujo fundamento de validade se baseia na based on the validity of law - normative acts
lei - atos-normativos dos quais tem se valido of which has been using the organs of the
os órgãos das Secretarias da Fazenda, Departments of Finance especially the
principalmente a Secretaria da Receita Internal Revenue Service (the authorities
Federal (órgão da Administração Pública with Direct Federal), in order to have not
Direta Federal), para disporem não apenas only on the ancillary obligations provided
sobre as obrigações acessórias previstas em by law, but also to create new obligations
lei, como também para criarem novas and duties to the taxpayers, beyond its
obrigações e deveres aos sujeitos passivos, powers and its limits.
extrapolando suas competências e seus
limites. Key-words: Federal Constitution.
Fundamentals. Validities. Ancillary
Palavras-chave: Constituição Federal. Obligations. Normative Instructions.
Fundamentos. Validades. Obrigações
Acessórias. Instruções normativas.
1
Especialista em Direito Tributário (IBET); Graduado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos;
Advogado em Porto Alegre/RS e Maceió/AL
102 Rodrigo Sarmento Tigre
constante progressão seqüencial dos enunciados tarefa hábil apenas ao intérprete que se utiliza do
normativos (linear) sem perder de vista o cotejo da direito positivo para suas construções jurídico-
totalidade do sistema referencial (sistemático). positivas. Isto porque boa parte da doutrina alicerça
Seguimos. seus estudos baseada em afirmações que não
Apesar dos exaustivos estudos em apartado encontram guarida no direito posto (7). Exemplo disso
do Direito Tributário, alguns doutrinadores, como é o é a estéril discussão sobre a necessidade ou não de
caso de Celso Antônio Bandeira de Mello, colocam- haver um objeto pecuniário para caracterizar uma
no como ramo do direito administrativo, pois a esfera relação jurídica tributária.
de atuação de ambos se dá no mesmo nível Parece-nos evidente que a solução está
comportamental: a relação entre administração e plasmada no enunciado do artigo 113, §2º, do Código
administrado (4). Será neste sentido nossa busca Tributário Nacional ao estatuir que a obrigação
pelos confins das instruções normativas. acessória «tem por objeto as prestações, positivas ou
Em virtude das pechas ocasionadas pela negativas, nela previstas no interesse da arrecadação
utilização da hermenêutica sem o devido cuidado ou da fiscalização dos tributos». Em momento algum é
quanto aos significados jurídicos, no qual resultam agregada à obrigação acessória características
errôneas assimilações teleológicas de terríveis pecuniárias. A lei tão somente define-a como uma
conseqüências no plano fático (5), tentaremos, a ação de fazer ou não fazer (8). Assim o é porque há
partir deste momento, esclarecer sucintamente as autorização expressa da Constituição Federal de 1988
balizas diferenciadoras entre obrigações tributárias à lei complementar em estabelecer normas gerais em
principais e acessórias. matéria tributária, especialmente sobre “obrigação”,
consoante o artigo 146, III, alínea “b” (9).
Nossa busca se inicia pela análise
perfunctória do artigo 113 previsto no Código Forçoso concluir que apenas as obrigações
Tributário Nacional, onde se constata a existência de ditas principais possuiriam traços adjacentes
duas espécies de obrigações no regime tributário, determináveis pecuniariamente, o mesmo não
quais sejam principais e acessórias. Todavia, antes de podendo se falar das obrigações acessórias isentas
analisarmos cada uma destas espécies, o preciosismo deste atributo.
jurídico nos compele a estabelecer o significado
conotativo da palavra obrigação anunciada na lei Obrigação Principal
5.172/66.
O direito positivo ao se utilizar da linguagem
A criação pelo Código Tributário Nacional da
o faz mesmo a despeito das imperfeições que esta (a
dita obrigação principal se deve em razão desta ser o
linguagem) traz em seu cerne, notadamente o caráter
cerne de todo o Direito Tributário, inclusive da própria
plurissignificativo de algumas expressões. Nesse
existência do Estado, já que é através da entrega de
sentido, Maurício Zockun (6)elege cinco possíveis
dinheiro pelo súdito que se torna possível erigir as
afirmativas que compreenderiam a significação do
estruturas estatais hábeis a garantir os direitos
termo obrigação: (i) dever jurídico; (ii) estado de
individuais e fundamentais de cada cidadão.
sujeição; (iii) documento que comprova o vínculo
entre pessoas e (iv) ônus tributário (6). Logo adiante, A obrigação principal nada mais é senão um
encontra uma quinta significação a qual é tomada vínculo abstrato que impõe normativamente – já que a
como diretriz do seu pensamento. Esta última normatividade emana da lei - ao sujeito passivo a
acepção seria obrigação como (v) “relação jurídica”. entrega de dinheiro ao sujeito ativo. Como a tônica
desta obrigação está na entrega de algo com valor
O que se pretende aqui é achar brevemente
pecuniário, uma vez que a obrigação « principal tem
as notas conotativas do significado de obrigação,
seu substrato está mais para norma jurídica determina que certa matéria ingresse no direito
stricto sensu do que para diretriz principiológica. A positivo por veículo introdutor de normas por ela
noção de norma se faz presente na questão da especificado - lei complementar, lei ordinária, até
legalidade, uma vez que se torna inconcebível no mesmo os decretos e medidas provisórias – e através
modelo constitucional atual sua inobservância da atividade de enunciação pelo Poder Legislativo,
quando do sopesamento com os demais princípios estamos diante da figura da reserva de lei, cujo
estatuídos (12). conteúdo significante é de fácil constatação, posto
Atendo-se a natureza jurídica a ser que ali está elencada a norma de competência (13),
observada para o deslinde deste texto, saltemos para que servirá de fundamento de validade para a
o capítulo que trata do Sistema Tributário Nacional. enunciação-enunciada e para o próprio enunciado-
Ali é possível verificar que em diversos artigos a enunciado. Aliás, a aplicação da norma de produção
Constituinte, primando pela segurança jurídica, de normas nestes casos vai além, pois exige a
deixou a cargo de veículos introdutores específicos presença de todos os contornos normativos
determinados conteúdos, como deixou às claras as (necessários e suficientes) da matéria ali disposta.
possíveis exceções. A título exemplificativo coube Por outro lado, a ausência objetiva e expressa
exclusivamente à lei complementar (artigo 146) (II) do veículo introdutor de normas a ser utilizado não
regular as limitações ao poder de tributar, (III) deixa aquele conteúdo no limbo da
estabelecer normas gerais em matéria de legislação discricionariedade do utente, já que sendo matéria
tributária, ou instituir empréstimos compulsórios ínsita do Estado, como é o da fenomenologia da
pela União (artigo 148).Outrossim, a Constituição tributação, sempre existirá a observância da
foi mais além e deixou clara a vedação à União, legalidade da administração pública e/ou legalidade
Estados, Distrito Federal e Município de exigirem ou tributária, por ordem constitucional.
aumentarem tributo sem lei que o estabeleça. Disto se infere que a administração fazendária
O cuidado da Assembléia Constituinte foi sempre estará adstrita à lei nos termos do artigo 37 da
tamanho a ponto de garantir constitucionalmente, em Constituição (14), restando elencados, ainda,
diversos artigos, o respeito à legalidade quanto ao princípios outros a fomentarem e garantirem que os
agir da administração pública. Giza-se que há uma atos emanados daquele órgão sejam pautados no
sutil diferença a ser estabelecida entre o que se interesse público, sem prejuízo ao particular.
entende por legalidade e reserva de lei. Com a acuidade devida, Hugo de Brito
Até agora, fez-se uso alargado da expressão corrobora esta noção afirmando que “sendo a lei a
legalidade. Ocorre que as limitações ao poder de manifestação legítima da vontade do povo, por seus
tributar ou os princípios gerais do sistema tributário representantes nos parlamentos, entende-se que o ser
nacional, elencados a partir do artigo 145, estão a se instituído em lei significa ser o tributo consentido. O
referir à reserva de lei. Neste sentido, a Constituição povo consente que o Estado invada seu patrimônio
Federal ao repartir as parcelas de competências para dele retirar os meios indispensáveis à satisfação
dentre os três órgãos fundamentais (Poder das necessidades coletivas. Mesmo não sendo a lei, em
Legislativo, Executivo e Judiciário) deixou a certos casos, uma expressão desse consentimento
encargo do Poder Legislativo a tarefa de enunciação popular, presta-se o princípio da legalidade para
como fonte de direito (MOUSSALLEM, 2006). garantir a segurança nas relações do particular
Assim, coube a este órgão o dever-poder de criar (contribuinte) com o Estado (fisco), as quais devem
normas jurídicas, ressalvadas as exceções feitas pela ser inteiramente disciplinadas, em lei, que obriga tanto
Constituição. o sujeito passivo como o sujeito ativo da relação
Desta forma, quando a Constituição obrigacional tributária.” (MACHADO, 2001, p.36)
principais, estas sim são mais rigorosas e Sem sombra de dúvidas, a legalidade
serão premidas pela reserva legal (19). Entretanto, tributária é deveras estrita em relação à tipicidade
para as normas jurídicas tributárias instrumentais, penal, por exemplo, uma vez que nesta poderá o juiz
basta que a lei em cada caso institua a norma aplicar outras fontes e outras circunstâncias para
instrumental em seus contornos básicos para que julgar o caso; enquanto que naquela será sempre tida
esteja o órgão competente autorizado a regulamentar de acordo com a lei e, apenas por esta, a ser o caso
e detalhar a execução, no interesse da arrecadação ou julgado. Isto ocorre para evitar-se o que Franz Kafka
da fiscalização. Prescindível será o veículo projetou de forma brilhante em “O PROCESSO”, ao
normativo trazer em seu bojo detalhamento dramatizar a insegurança do cidadão em ser
minucioso a respeito do fazer ou não fazer imputado penalizado por uma conduta (omissiva/comissiva)
ao sujeito da relação, sob pena de tornar que a ele era desconhecida, ou melhor, desconhecível;
desnecessária ou inútil ulterior instrução normativa. entretanto lhe era exigível.
Relembremos que ao encetarmos este O limite da legalidade para as normas
trabalho definimos o direito tributário como parte jurídicas tributárias instrumentais segue na mesma
integrante do direito administrativo, e como tal seara, visando dar maior segurança às relações
deveria obedecer a ambos os regimes jurídicos, jurídicas entre Estado e súdito, rechaçando na medida
notadamente quando houver expressa menção à do possível situações de surpresa e abusos, como
parte tributária e, na sua ausência, quanto a regra pugnado pelo inestimável Kafka. Situação que jamais
geral aplicada à administração pública. E muito bem poderá ser modificada por documentos normativos
ponderado, Celso Antonio Bandeira de Mello (2000, hierarquicamente inferiores à Constituição Federal
p.308-309) comunga da mesma opinião: (20).
Erigidos como princípios gerais a todo
É dizer: se à lei fosse dado dispor que o ordenamento jurídico, a legalidade e segurança
Executivo disciplinaria, por regulamento, jurídica vinculam-se indissociavelmente a noção do
tal ou qual liberdade, o ditame
assecuratório de que “ninguém será
Estado de Direito e do princípio Democrático (21),
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma devendo o Estado tê-los como escopo por força do
coisa senão em virtude de lei” perderia o artigo 3º da CF-88.
caráter de garantia constitucional , pois o
Por derradeiro, a adequação dos fundamentos
administrado seria obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa, ora em virtude de validade dos atos normativos à lei conferem-lhe as
de regulamento, ora de lei, ao líbito do vestes formal e material indispensáveis a validade e
Legislativo., isto é, conforme o Legislador eficácia da norma instrumental, de caráter impositivo,
ordinário entendesse decidir. concretizando-se, assim, o princípio basilar da
[...]
legalidade tributária a conferir-lhes maior segurança
Por isto, a lei que limitar-se a (pretender)
transferir ao Executivo o poder de ditar, por jurídica possível, em detrimento as vicissitudes e ao
si, as condições e meios que permitem nuto discricionário do Estado (fisco), em face à
restringir um direito configura delegação efetivação do próprio (novo) Estado Democrático de
disfarçada, inconstitucional. Direito” (BUFFON, 2003, p.62).
[...]
É que, sendo certo e indiscutido que os Três A ressalva feita pelo legislador constituinte no
Poderes existem precisamente para apartar artigo 37 e no artigo 34, §5º do ADCT é imprescindível
as funções que lhe são correspondentes, se e, por oportuno, não foram em vão. Afirmar
pudessem delegar uns aos outros as que lhe incondicionalmente a recepção feita pela ordem
são próprias, a tripartição proclamada pela
constitucional ao Código Tributário Nacional sem os
Lei Maior não estaria nela ou por ela
assegurada.(36 devidos apontamentos e ressalvas, resulta nas mais
e pelo sentimento a ser recrudescido quanto 113, §2, conjugado com o artigo 96, ambos do
a segurança jurídica das relações. Código Tributário Nacional, conforme se analisou e
Tal concepção, encontrada no modelo de sustentou durante todo o trabalho, tendo em vista o
Estado atual, tem a sua disposição mecanismos Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ter
capazes de implementar as garantias constitucionais restringido a recepção da legislação pretérita com o
dos contribuintes frente as avassaladoras barbáries que não seja compatível em face da Constituição da
cometidas com base na putativa República Federativa do Brasil de 1988.
«discricionariedade» da administração pública
fazendária. 11. Notas
De fato, é através da legalidade que o
contribuinte terá, não a certeza, mas a expectativa de (1) Isto se deve ao fato de haver níveis de linguagem, assim
não ser surpreendido com atos normativos editados, como existem os planos da linguagem (sintática, semântica
e pragmática). Logo, cada sistema de linguagem possui uma
de um dia para o outro, ao bel prazer do “interesse da lógica distinta, conforme leciona Paulo de Barros Carvalho:
arrecadação”, cujos efeitos são dimanados a partir de “ao direito positivo, a lógica deôntica (lógica do dever-ser,
sua publicação (artigo 103, I, do CTN). lógica das normas); à Ciência do Direito, alógica apofântica
(lógica das ciências, lógica alética ou lógica clássica)”
A figura do Estado Democrático de Direito (Curso de Direito Tributário, 16. ed. São Paulo: Saraiva,
já nos conduz inevitavelmente a restrição imposta ao 2004, p. 03)
Estado de ver seus atos sem fundamento de validade (2) Aqui adotamos o ponto de referência do sistema
dinâmico, em contraponto ao sistema estático, elaborado
pela lei ou na lei. Ainda, a faculdade de imposição por Hans Kelsen., muito bem esclarecido por Tárek: "(...)
das normas jurídicas tributárias instrumentais é do sistema dinâmico é aquele cujas normas componentes
Poder Legislativo, estando apenas ao Poder provêm de um ato de vontade de pessoas credenciadas pelo
próprio sistema (norma fundamental) para produzi-las.
Executivo conferida à competência de regular o que Aqui aparece o ato do ser humano como fator relevante na
já estiver previsto no veículo introdutor de normas produção de normas jurídicas. É o ato de vontade e o seu
primário. E a legalidade se torna um importante exercício que se tornam hábeis a alterar o ordenamento
jurídico. Uma norma pertencerá ao sistema do direito
mecanismo de proteção ao contribuinte, sob pena de positivo se, e somente se, for criada de acordo com o que
a cada momento ser ainda mais onerado pela via nele estiver prescrito para sua reprodução." (Fontes do
reflexa das “obrigações acessórias” tornando Direito Tributário, op. Cit., p. 53).
inexeqüível sua atividade econômica e alvejando os (3) Parte-se das premissas tão bem elaborados pelos adeptos
da teoria dos atos de fala deônticos, por exemplo, Paulo de
pilares fundamentais da República Federativa do Barros Carvalho e Tárek Moysés Moussallem. Para este
Brasil: de uma sociedade livre, justa, solidária e a último catedrático, a enunciação seria o agir humano que se
garantia do desenvolvimento nacional. dissipa no tempo, enquanto que o enunciado corresponderia
“ao suporte físico, ou seja, é a expressão material de um
Tamanha é a importância da legalidade que a signo. É a palavra escrita ou falada” que não se confundiria
Constituição Federal o tem expressamente, sob a com proposição resultante da “significação do suporte
físico criado em nossas mentes, isto é, a proposição é a
égide de diversos enunciados explícitos, e com isto construção mental do sentido do enunciado." (op. Cit., p.
solidificou uma importante garantia constitucional. 59)
Não há que se confundir também enunciado com norma
Denota-se, claramente, a necessidade da lei
jurídica, posto que norma é juízo hipotético-condicional
criar, dispor ou instituir a norma jurídica tributária composto por uma estrutura deôntica (dever-ser).
instrumental para, a partir daí, estar o Poder (4) Para Maurício Zockun “nada aparta o regime jurídico-
Executivo autorizado a lhe dar os moldes, minúcias e tributário do regime jurídico-administrativo (até mesmo
porque é inútil, para fins científicos, separar a parte do todo
pormenorizações necessárias a sua concretude. eis que ambos são informados pelos mesmos princípios
Hodiernamente, não é mais crível admitir a gerais), não se constituindo o direito tributário em
disciplina autônoma.” (ZOCKUN, M. Regime Jurídico da
análise isolada e estéril do conteúdo denotativo da Obrigação Tributária Acessória. São Paulo: Malheiros,
expressão “legislação tributária” prevista nos artigos 2005, p. 53)
(5) Nesta linha de pensamento, pertinente se torna a adaptações necessárias em virtude do contexto histórico,
advertência de Grau: “Os Juristas, normalmente, usam social e político, tem-se que a lei é fruto de um processo
determinadas palavras e expressões jurídicas, para elaborativo do Poder Legislativo, constituído por membros
trabalhar em suas respectivas disciplinas, supondo serem eleitos pelo povo, representando-os de maneira a satisfazer
conhecidos e assentes os sentidos que nelas discernem. os interesses da sociedade através da edição de normas.
Isso, contudo, não ocorre. Por isso é imprescindível, para Logo, sendo a lei legitimada pelo povo através de seus
que possamos seguir adiante, de modo produtivo, no representantes, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
conhecimento do Direito, ocupar-nos com as palavras e fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, assim reza o
expressões jurídicas antes de as usarmos” (GRAU, Eros artigo 5º, inciso II, da Carta Magna, esculpindo mais do que
Roberto. Direito, Conceitos e Normas Jurídicas. Revista um direito individual, notadamente, uma garantia
dos Tribunais, p. 56, 1988). constitucional.
(6) ZOCKUN, Maurício. Op. Cit., p. 69. (12) As regras jurídicas, para Dworkin, são aplicáveis na
(7) Pertinente a lição trazida por José Souto Maior Borges: razão do tudo ou nada (all or nothing), com aplicação por
“(...) é ao direito positivo que incumbe definir os completo – em qualquer caso que seja preenchida a hipótese
requisitos necessários à identificação de um dever jurídico de incidência - ou absolutamente inaplicáveis, eis que as
qualquer como sendo um dever obrigacional. Significa regras não comportariam exceções, demonstrando uma
dizer: a obrigação é definida, em todos os seus contornos, verdadeira antinomia, a qual deverá ser solucionada por
pelo direito positivo.” (Obrigação Tributária, 2. ed., São critérios previstos no ordenamento jurídico, ipsis literis:
Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 38). Las normas son aplicables a la manera de disyuntivas. Si los
(8) A palavra ação pode compreender o significado hechos que estipula una norma están dados, entonces o bien
comportamental de agir, modificando o mundo la norma es válida, en cuyo caso la respuesta que da debe ser
fenomênico, como poderá servir para designar a inércia aceptada, o bien no lo es, y entonces no aporta nada a la
em algo também realizado pelo actante. Deixar de realizar decisión.( DWOKIN, Ronald. Los derechos em serio.
algo é fazer algo. Traduzido por Marta Guastavino. Barcelona: Planeta
(9) Se a norma fundamental (CF) relegou à Lei Agostini, 1993. p. 75)
Complementar a tarefa de dispor sobre normas gerais e Por outro lado, num conflito de princípios haverá o
considerando que a Lei 5.172/66 foi recepcionada pela sopesamento da importância (valor ou peso) de cada um dos
nova ordem jurídica como tal, vertida está em linguagem princípios conflitantes , na razão do mais ou menos, visto os
competente a possibilidade de existir uma obrigação princípios possuírem “una dimensión que falta e las
(tributária) sem qualquer carga pecuniária. normas: la dimensión del peso o importancia' , explicada
(10) A razão para utilizarmos a expressão “norma jurídica pelo autor americano in verbis: (...) quien debe resolver el
tributária instrumental” em detrimento às miscelâneas conflicto tiene que tener em cuenta el peso relativo de cada
criadas pelo resto da doutrina é concedida por Fábio Brun uno. En esto no puede Haber, por cierto, una mediación
Goldschmidt: “entendemos que os conceitos postos exacta, y el juicio respecto de si um principio o directriz em
devem, na medida do possível, receber a acolhida da particular es más importante que otro será con frecuencia
doutrina, que deve interpretar a lei, sem pretender motivo de controversia. Sin embargo, es parte esencial del
substituir-se a ela (linguagem sobre, e partir da, concepto de principio el que tenga esta dimensión, que
linguagem), sob pena de criarem tantas denominações tenga sentido preguntar qué importancia o qué peso tiene
diferentes, cada qual com sua justificativa, cada qual com (IDEM, p 77-8)
sua pretensão igualmente louvável de esclarecer, que (13) Mais uma vez, Tárek nos clarifica com seu saber
terminemos por, coletivamente, induzir à confusão e jurídico: "A 'competência', como integrante da hipótese da
instabilidade” (O Princípio do Não-Confisco no Direito norma de produção normativa (4), pode ter dois efeitos
Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. distintos: (a) estabelecer uma relação jurídica entre o sujeito
144-5). Com isso, evitamos perder o controle do termo passivo (no caso, o contribuinte) e todos os entes de direito
significante e mantemos o direito positivo intacto. público interno menos aquele qualificado por competente
(11) Antanho, Montesquieu nos glorificou com sua visão que denominaremos normas de competência-garantia; e (b)
política liberal, cujo legado de maior importância, a prescrição de observação de um procedimento para a
sobremaneira, foi a divisão clássica dos poderes, produção normativa. Essa chamaremos norma que
tripartindo-os em Executivo, Legislativo e Judiciário, disciplina o exercício de uma competência normativa ou
cujos quais possuiriam autonomia e independência; norma de procedimento.
contudo, havendo entre eles mecanismos de controle Em (a), a pessoa (competente) de direito público interno
recíprocos, a fim de rechaçar eventuais abusos da tem o direito de tributar (ou até mesmo autuar) os
soberania a que lhes fora conferida, disto resultando o contribuintes, e os demais entes legislativos devem não
sistema denominado freios e contrapesos (checks and legislar (autuar) sobre a matéria. Podemos denominar esta
balances). relação de relação jurídica de competência-garantia, em
Em face desta tripartição, reinante hodiernamente na razão de encerrar uma garantia constitucional de o
Constituição Federal de 1988 em seu art. 2º, com pequenas contribuinte só ser tributado (autuado) pela pessoa jurídica
RESUMO ABSTRACT
1
Advogado e Consultor em Maceió; Professor do Instituto de Ensino Santa Cecília (IESC); Pós-graduado
em Direito Tributário pelo Instituto de Ensino Luiz Flávio (IELF); Pós-graduando em Direito Tributário
pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET); Vice-Presidente da Comissão de Estudos
Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Alagoas.
118 Nelson Henrique Rodrigues de França Moura
5. Do não cabimento de multa por norma qualquer espécie de obrigação tributária acessória,
infralegal. assim como qualquer fixação de eventual penalidade
por descumprimento daquela deverá necessariamente
advir da lei em sentido estrito, sob pena de padecer de
Por outro lado, a fixação de multa em
ilegalidade.
decorrência de eventual descumprimento de
obrigação acessória, só e somente só, poderia ser Como visto, tais matérias estão adstritas à
estabelecida através de lei, em respeito ao princípio competência do legislador ordinário, pelo que se
da estrita legalidade. Não pode haver penalidade mostra absolutamente incabível a aplicação da citada
tributária sem lei que a estabeleça. É o que se instrução normativa para exigibilidade de DIMOF das
depreende do artigo 97, inciso V, do CTN, senão instituições financeiras, em face da inexistência de
vejamos: comando legal neste sentido.
Tanto a jurisprudência como a doutrina pátria
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
são enfáticas ao preconizarem a necessidade de lei
...
V - a cominação de penalidades para as para tratar de hipótese de obrigação tributária
ações ou omissões contrárias a seus acessória. Tem-se como imprescindível a veiculação
dispositivos, ou para outras infrações nela mediante lei para instituir obrigação tributária
definidas; (grifamos) acessória, bem como para cominar penalidades em
caso de inobservância, a teor do artigo 113, §2º,
Neste sentido, é a decisão do Superior combinado com o artigo 97, inciso V, ambos do
Tribunal de Justiça: Código Tributário Nacional.
Destarte, a malsinada Instrução Normativa nº
Penalidade. Princípio da Legalidade. 811/2008, além de ferir o princípio da estrita
1. Inviável, por via de Instrução Normativa,
legalidade, viola os princípios da segurança jurídica,
ampliar o conteúdo de objetivo punitivo
tributário. pelo que desestabiliza as relações jurídicas tributárias
2. Qualquer multa por descumprimento de entre Estado e contribuinte, assim como viola o
obrigação acessória depende de ter primado da separação dos poderes, possibilitando a
previsão legal. usurpação do poder legiferante pelo Poder Executivo.
[...]
6. Recurso especial não-provido. (STJ -
Primeira Turma - Resp 1035244 / PR - Referências
Ministro José Delgado - Data do
Julgamento 20/05/2008 - Data da
Publicação/Fonte DJ 23.06.2008 p. 1). AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro.
(destacamos) 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência
Ora, a natureza jurídica das Instruções
tributária. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
Normativas não comporta eficácia normativa
suficiente para instituir obrigações tributárias CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito
constitucional tributário. 22. ed. Malheiros: São
acessórias, nem tampouco fixar multa em
Paulo, 2006.
decorrência de sua inobservância.
MACHADO, Hugo de Brito. Direitos fundamentais
do contribuinte e a efetividade da jurisdição. Atlas :
6. Conclusão. São Paulo, 2009.
NERY JÚNIOR, Nelson & NERY, Rosa Maria de
Portanto, resta patente que a instituição de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e
RESUMO ABSTRACT
O presente trabalho trata da criação do This work deals with the creation of the
Regime Disciplinar Diferenciado e das Differentiated Disciplinary Regime and the
questões relacionados à política criminal e a issues related to criminal justice policy and
constitucionalidade de tais medidas. Analisa constitutionality of such measures.
a falta de eficácia no que tange a Examines the lack of efficacy with respect to
ressocialização do apenado e o desrespeito à social rehabilitation of the convict and
dignidade e aos princípios humanitários disrespect the dignity and humanitarian
propostos pela Magna Carta de 1988. Busca- principles proposed by the Federal
se avaliar a questão da lei penal puramente Constitution of 1988. Seeks to assess the
simbólica que não inibe o sentimento de issue of criminal law purely symbolic that
medo e insegurança através da construção inhibit the feeling of fear and insecurity by
no imaginário sobre o crime e a violência no building on the imaginary crime and
contexto social. Trata ainda dos valores violence in the social context. It also values
concretamente despendidos pelo poder actually spent by the government to reduce
público para diminuir os reflexos negativos the negative effects to society that occurs
passados para coletividade que ocorre sem past without success.
sucesso.
Keywords: Disciplinary Differential.
Palavras-chave: Regime Disciplinar Dignity. Constitutionality. Resocialization.
Diferenciado. Dignidade. Constitucionalidade.
Ressocialização.
1
Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Escola Superior de Magistratura de
Pernambuco – ESMAPE; Professora do Instituto Superior de Ensino Santa Cecília – IESC.
Contatos: auroraaugusta@yahoo.com.br
124 Aurora Augusta Gomes Leite
social para Welzel (apud QUEIROZ, 2005), A pena como função simbólica
a missão do direito penal é resguardar valores
éticos e sociais na consciência dos indivíduos,
Inspirada na teoria geral positiva surge a
cabendo a norma o papel de conscientização e
função simbólica da pena, cuja finalidade não é a
fidelização jurídica, que proporcione a efetivação
resolução de eventuais conflitos penais, mas a
de tais valores, uma vez que a intervenção só se dá
tranquilização do consciente social, através da edição
em sua plenitude quando o bem jurídico já foi
de normas que causem a impressão de segurança
atingido, e exatamente por isso o mais importante
jurídica, conforme pontua Queiroz (2005).
seria o fortalecimento da consciência jurídica,
tendo esta uma lição penal de natureza ético- O Estado recorre a este meio em várias
social positiva. situações como é o caso da criação do RDD,
aumentando o grau de punição daqueles que já se
Esta doutrina confunde o que há de moral e
encontram no cumprimento de pena com regime
jurídico, pois o fundamento é baseado na mudança
fechado.
íntima de sentimentos jurídicos dos delinqüentes, o
que na prática é insustentável. É bem verdade que a promulgação de normas
mais rígidas acalma os anseios sociais, porém não é
adequado que o Estado, a propósito de oferecer
Uma tal pretensão, enfim, de ditar uma
ética, eticizando/moralizando seus segurança jurídica, intervenha de maneira lesiva à
jurisdicionados, contravém o pluralismo humanização do direito, uma vez que o direito não
ideológico “inerente a idéia de democracia, deve iludir seus destinatários.
sobretudo se ocorre um castigo extremo,
Além disso, um direito penal simbólico não
ultima ratio da política social, destinado à
só regulamentação de conflitos de tem a mínima legitimidade porque age através do
interesses especialmente agudos medo da criminalidade e insegurança coletiva, criando
(QUEIROZ, 2005). uma rigorização desproporcional e desnecessária
àqueles que praticam ilícitos, introduzindo uma
infinidade de exceções quanto aos destinatários,
Para este mesmo autor, a regulamentação
desacreditando o próprio ordenamento, diminuindo o
das normas tem que atingir o comportamento social
poder intimidatório da legislação.
relevante, não os sentimentos, visto que a
penalização não gera a moralização da
coletividade, assim o contrário também não ocorre, Pena como prevenção individual
se assim fosse o comportamento social iria estar
atrelado, de maneira direta, a regulamentações
Para a teoria da prevenção especial ou
normativas feitas pelo Estado, e a pena seria
individual a finalidade da pena é evitar a reincidência
imprescindível para restauração e estabilização
dos criminosos, logo esta tem como alvo somente
social.
aqueles que já praticaram delitos. Pedro Dorado
Fortalecer os sentimentos jurídicos através Montero (apud QUEIROZ, 2005), afirma que a justiça
das normas é, na verdade, misturar o que há de moral penal deve ter como fundamento o saneamento social,
e de jurídico oferecendo à norma uma importância visando o meio adequado para solução dos
que na prática ela não tem. É mais adequado delinqüentes, neste sentido a pena teria duração
objetivar, no Direito Penal, um efeito, não uma indeterminada já que iria existir enquanto houvesse
causa, não se deve destinar a criação de uma lei a uma necessidade do tratamento.
força meta-normativa que alcance o sentimento
Liszt (apud QUEIROZ, 2005), alega que a
próprio de quem delinqüiu.
pretensão da pena deve ser a prevenção, forma eficaz
delinqüência reiterada ou criminalidade podendo este período ser renovável por igual
organizada, têm estreita relação com direito penal do prazo, o isolamento celular poderá ser decretado pela
inimigo, sendo o infrator um sujeito que perfaz o autoridade administrativa, uma vez que esta
caminho do cidadão ao inimigo do Estado, diante da competência é uma de suas atribuições cautelares,
delinqüência profissional ou duradoura. posteriormente remetida à apreciação do juiz
Para que o direito penal tenha validade é competente, que poderá referendá-la ou não.
necessário que o aspecto formal e material coexista, A lei que mudou a LEP fez algumas
de forma que esta junção possibilite a garantia observações no que tange a progressão de regime,
efetiva a todos os sujeitos de direito, tornando observe-se que duas premissas têm que ser levadas em
aplicáveis os direitos humanos e fundamentais consideração: A permanência do requisito objetivo do
existentes. cumprimento de 1/6 da pena, se o crime for simples, de
2/5 se o crime é hediondo e 3/5 se o delito foi hediondo
e o réu é reincidente, e análise do preceito subjetivo de
4. A LEP e o RDD
bom comportamento carcerário, comprovado pelo
diretor do estabelecimento prisional (SANCHEZ,
De acordo com Nunes (2003), no Brasil 2002).
todas as pessoas, em liberdade ou não, são sujeitos Expressamente estabeleceu-se que as normas
de direitos e obrigações, mas nem sempre foi dessa que impedem a progressão de regime têm que ser
maneira, já que antes do advento da Lei Federal respeitadas, o que demonstra, de maneira explícita,
7.210/84, o preso era sujeito exclusivamente de vontade do legislador de vetar a progressão do regime
obrigações, onde era prevista a participação dos em crimes hediondos e equiparados, porém para que
ascendentes e descendentes do preso como sujeitos se evite esta possibilidade à nova lei, o STF (Supremo
ativos nas relações processuais de interesse do Tribunal Federal) expressamente ratificou a
detento, ou mesmo impunha aos delinqüentes a constitucionalidade da progressão de regimes, mesmo
prestação de trabalhos forçados sem remuneração, se tratando de crimes hediondos, primando pelo
sabe-se que tal situação foi abolida com a chegada de princípio da individualização da pena.
novos adventos trazidos pela Constituição Federal de
Se restar caracterizado que o preso pertence a
1988, que garante a aplicação de um direito penal
uma facção criminosa ou apresenta alto risco para
mais humanitário.
ordem e segurança da prisão, o regime disciplinar
O preso brasileiro perde a liberdade, mas não diferenciado poderá ser aplicado em qualquer caso,
os demais direitos assegurados na magna carta, desde que haja ordem escrita e fundamentada de
"desta forma, os direitos e garantias individuais autoridade judicial e o Ministério Público seja ouvido
regrados na Magna Carta em vigor, exceto o de ir e respeitando-se o princípio da ampla defesa.
vir livremente, são perfeitamente aplicáveis ao
Acontece que o isolamento celular vai de
preso" (NUNES, 2003). Assim o Estado, sofre
encontro ao princípio da ressocialização e das
limitações no seu poder de punir. É neste contesto
garantias calcadas na humanização do direito positivo.
que se encontra amparado o direito ao devido
processo legal onde serão garantidos o contraditório
e a ampla defesa e observação as regras contidas na A contradição entre o RDD e os direitos humanos
LEP( Lei de Execução Penal).
Neste sentido, o preso que vier a cometer Com a chegada do RDD através da Lei
falta grave dentro do estabelecimento prisional Federal 10.792/2003, publicada no diário oficial,
poderá ser isolado por até trezentos e sessenta dias, vários seguimentos jurídicos demonstraram sua
indignação pela implantação de tal sistema, o prisional disciplinar restringe ainda mais o
boletim IBCCRIM 134, janeiro/2004, em editorial comportamento do apenado, agredindo o primado da
manifestou-se: ressocialização do detento.
Protegido pelo caos que existe no sistema
A comunidade jurídica está de luto. Venceu
mais uma vez a legislação penal do pânico, penitenciário o RDD omite sua natureza de pena cruel
com a criação do regime disciplinar que traz em seu corpo os suplícios medievais, a
diferenciado, instituído pela lei imposição de sofrimento desmedido, através de
10792/2003. A idéia retomada após os isolamento celular de 360 dias, passível de reedição,
tristes e notáveis episódios envolvendo a que pode alcançar até 1/6 da pena aplicada,
morte dos juízes no início de 2001 atendeu provocando desestrutura física e psíquica,
aos interesses da chamada "política de ressuscitando a noção de pena como vingança social
segurança" que prega o estabelecimento do (FREIRE, 2005).
rigor penal como forma de pôr cobro ao
aumento da criminalidade, em especial do Tal situação viola explicitamente o
crime organizado, e da impunidade, ainda dispositivo do artigo 5º, XLVII, alínea e, CF/88, que
que haja sacrifício aos direitos e garantias proíbe a aplicação de pena cruel, assim como o
assegurados pela Constituição da disposto no inciso XLIX, que assegura aos presos o
República. O legislador age de novo, como respeito à integridade física e moral. Também se faz
se o direito penal fosse o único instrumento necessário salientar que a extinção do isolamento
hábil a resolver o problema da violência. E celular foi proposta na 68º Assembléia Geral da ONU,
o que é imagina que punir o preso, que enumerou princípios básicos para o tratamento de
recolhendo-o em cela individual pelo prazo reclusos, os quais foram adotados pelo Brasil
de 360 dias, ele se tornará uma pessoa mais
(FREIRE, 2005).
disciplinada e com senso de
responsabilidade (IBCCRIM, 2004). Dessa forma, não é exagerado afirmar que a
legitimação e legalização do RDD nas prisões
Segundo Costa (2004), ao estudar o sistema brasileiras, nada mais é que a aniquilação dos sujeitos
punitivo, percebe-se que é praticamente impossível como seres humanos e violação de preceitos
separar o conceito de direito penal e sanção, uma vez constitucionais através de opção política que prima
que é imprescindível a relação entre este direito e a pela eliminação, de forma deliberada, das garantias
sanção, porém tal penalidade deve ser aplicada na individuais conquistadas ao longo da história.
forma ressocializadora proporcionando ao
condenado normas de conduta que se baseiem no 5. Considerações Finais
princípio da legalidade e da proteção às garantias
fundamentais.
O corpo do Condenado não pode servir de O RDD, adotado pela legislação vigente,
palco para abusos e torturas, numa sociedade conta com condições de desumanidade, constituindo
balizada no poder soberano do Estado, este se uma agressão aos dispositivos constitucionais,
apodera do poder de dirimir conflitos de forma tratados e convenções acerca dos direitos subscritos
harmônica, atendendo a função de manter a paz na Constituição da República Federativa do Brasil,
através de normas humanísticas, ressocializando o num primeiro momento a implantação deste regime
detento. drástico, no interior das prisões, surge como fonte de
resposta política em caráter emergencial mediante o
Neste sentido, cabe salientar que o processo crescimento de violência no interior das prisões e
de disciplinarização da sociedade brasileira retorna movimentos de rebeliões, funcionando como
ao início do século XIX, sendo marcado por iniciativa balizadora do sistema punitivo instrumental
tendências descontínuas e incompletas, que oscila para amenizar o caos do sistema prisional.
entre avanços e retrocessos, conforme preceitua
Freire (2005), pois a reorganização do processo O direito é marcado por um período de
transição, dinamismo que ocasiona uma série de
RESUMO ABSTRACT
1
Pedagoga e Mestre em Educação Brasileira, pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Integrante
do grupo de pesquisa Saberes e Práticas do Ensino de Língua Portuguesa e Língua Estrangeira,
coordenado pela Profa. Dra. Maria Auxiliadora da Silva Cavalcante, do Programa de Pós-Graduação da
UFAL. Professora e Coordenadora do Curso de Pedagogia do Instituto de Ensino Superior Santa Cecília
(IESC). Professora do Programa de Pós-Graduação pela Central de Ensino e Aprendizado de Alagoas
(CEAP) e Professora-Tutora da Universidade Aberta do Brasil (UAB/UFAL). Contatos:
coord.pedagogia@isesc.edu.br, rosekarlalopes@gmail.com.
Este artigo foi construído como trabalho de finalização da disciplina Tópicos Especiais em Didática da
Língua Portuguesa, do curso de Mestrado/Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
134 Rose Karla Cordeiro Lessa
textuais, ou discursivos, que nos cercam, pois informações apenas. Ler é buscar sentido, como bem
vivemos em uma sociedade grafocêntrica, “mediam disse o recém universitário E.D.A.C “a leitura tem
e organizam inúmeras atividades produtivas, um sentido, e não vale decorar, precisa aprender
comunicacionais, lúdicas, científicas, artísticas e mesmo, a gente tem que raciocinar e expor o que
humanísticas. Dentre essas atividades, destaca-se o compreendeu”. Silveira (2009, p. 5) afirma que “a esse
poder das mídias impressas e também digitais”. Por respeito, muito se tem escrito, a exemplo de Kato
meios eletrônicos os textos disseminados são, (1995), Kleiman (1989a, 1989b) e Silveira (2005).
predominantemente, de tendência híbrida, ou seja, Entretanto, os estudos das relações entre leitura e
multimodais. Apresentam diferentes códigos, de cognição humana ainda não são bem disseminados
diferentes linguagens, além do código (ou signo) entre os professores”. Quais seriam, então, os
linguístico. Esses são aspectos da dimensão pressupostos essenciais da «dimensão cognitiva» para
«semiótica» e constituem elementos produtores de que o professor possa desenvolver atividades mais
sentido e formadores de valores. Dessa forma, ela significativas com os alunos? Em Kato (1995),
afirma que a leitura se processa em sentido lato e se Silveira (2009), Colomer e Camps (2002), Goodman
“efetiva a partir do momento em que o leitor apud Silveira (Idem) e Terzi (1997), buscamos essas
decodifica informações sensoriais, na maioria das respostas.
vezes, informações visuais”.
Outros aspectos relacionados à
4. Processos subjacentes à leitura e à formação do
complexidade do ato de ler são os da «dimensão bom leitor
cognitiva e sociocognitiva». São processamentos
conscientes e inconscientes que ocorrem na
mente e que envolvem “a percepção visual; os Apesar de ser o objeto de interesse do campo
vários tipos de memória (de curto, médio e longo da linguística textual, os processos de leitura têm
prazo), o conhecimento do código linguístico e a aspectos que extrapolam à sua abordagem e são
ativação do conhecimento prévio”. Por isso, estudados por outros campos de conhecimento, dentre
quando se diz que durante o ato de ler o indivíduo eles o da psicolinguística.
aciona seus conhecimentos prévios Segundo Kato (1995, p. 33), um bom leitor,
(conhecimento de mundo, da cultura, da língua, um leitor proficiente, não lê as palavras “letra por letra
dos textos, das práticas discursivas e seus ou sílaba por sílaba, mas como um todo não analisado,
diversos gêneros), convém frisar que esses isto é, por reconhecimento instantâneo”, ou seja, “a
conhecimentos são construídos socialmente. leitura de uma palavra pelo leitor é feita, pois, de
Desse modo, os aspectos cognitivos podem ser maneira ideográfica”. Na verdade, existem três tipos
caracterizados como aspectos sociocognitivos. de leitores: “o leitor que faz mais uso de seu
(SILVEIRA, 2009, p. 6) conhecimento prévio do que da informação
Nesse sentido, Kato (1995) aprofunda sua efetivamente dada pelo texto”; o leitor que “constrói o
abordagem a partir de uma perspectiva significado com base nos dados do texto, fazendo
psicolinguística e discute sobre os vários elementos pouca leitura nas entrelinhas”; e, por fim, o leitor
de constituição do processo de leitura. Esses maduro que usa de forma adequada e no momento
aspectos são relevantes, e o conhecimento desses apropriado os conhecimentos prévios, a leitura das
processamentos que ocorrem na mente do aluno entrelinhas e o significado baseado nos dados do
(bem como na de qualquer pessoa) pode resultar em próprio texto.
um trabalho didático-metodologicamente mais A utilização de conhecimentos prévios e das
adequado. Nessa perspectiva não se concebe a leitura entrelinhas dá-se pelo processamento descendente,
como um ato mecânico de memorização de denominado de top-down. A utilização de
Entretanto, isso não ocorre de forma aleatória, pois conhecimento dos códigos padrão. Nesse
os traços dos numerais têm formas parecidas aos estágio, ele percebe que mesmo não atendendo a
traços dos grafemas que são utilizados nas palavras norma padrão de registro é possível ler devido ao
escritas convencionalmente. Por exemplo: no termo reconhecimento dos traços distintivos dos números
“35T3”, que representa o pronome demonstrativo serem parecidos com os traços convencionais dos
“ESTE”, o numeral “3” substitui o grafema “E” o grafemas. Entre o estranhamento e a possibilidade de
qual pode ser representado por diferentes formas leitura ocorre a alternância dos processos top-down e
gráficas. Da mesma forma o numeral “5” substitui o bottom-up.
grafema “S”. Quanto ao conteúdo, o texto 2, assim como o
Ao realizar o input visual, no qual o leitor texto 1, tem como objetivo fazer com que o leitor
perceba a possibilidade cognitiva de lê-lo, e que a
partir de um dado momento a leitura, inclusive, torna-
se quase 4UTOM4T1C4 (automática). Nesse sentido,
as memórias têm um papel fundamental, isto porque,
Referências
1. resumo em língua portuguesa, entre 150 e 300 palavras, referências do autor (instituição,
cargo, titulação) e e-mail para correspondência;
2. título e resumo em inglês, francês ou espanhol;
3. redação em língua portuguesa, digitação em folha branca A4, em aplicativo compatível com os
formatos “.doc” ou “.odt”, fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço 1,5, margens esquerda
e superior com 3 cm, direita e inferior com 2 cm, em 2 (duas) cópias impressas, acompanhadas de
gravação em cd-rom ou por e-mail, com os dados profissionais do autor;
4. Os artigos científicos, deverão ter entre 10 e 25 (vinte e cinco laudas), incluindo-se nessas
delimitações os gráficos, figuras e fotografias que fizerem parte dos textos, os quais deverão
conter ótima resolução;
5. as citações devem ser feitas no corpo do texto e, quando necessárias, as notas deverão situar-se
no final do texto, antes da bibliografia, devendo ser apresentadas em ordem crescente e em
algarismos arábicos;
6. as referências bibliográficas devem apresentar o padrão estabelecido pela ABNT para
referenciamento de livros, revistas, suportes eletrônicos e outros multimeios, disponíveis no sítio
www.abnt.org.br;
7. os textos encaminhados à Comissão Editorial da Revista Multidisciplinar IESC serão
apreciados por no mínimo 2 (dois) pareceristas ad hoc, que poderão aceitá-los integralmente,
propor reajuste ou recusá-los, com base em critérios técnicos;
8. os textos que não observarem os padrões aqui estabelecidos não serão publicados, e a Revista
não se compromete com a devolução das colaborações recebidas;
9. o conteúdo dos textos deve ser analisado criteriosamente por um profissional de gramática e é
de responsabilidade exclusiva de seus autores realizar tal tarefa antes de enviar ao Conselho
Editorial da Revista;
10. os casos omissos serão discutidos e deliberados pelo Conselho Editorial;
11. Informações sobre o periódico podem ser solicitadas aos editores, por telefone ou e-mail, ou
ainda, pessoalmente na sala de estudos II, da Biblioteca do IESC.
12. os escritos deverão ser enviados para: revistamultidisciplinariesc@gmail.com
Comissão Editorial
DECLARAÇÃO DE DIREITO AUTORAL
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