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ISBN - 978-85-61091-07-1

FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA


Volume II
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Diretor Presidente da Mantenedora Claudio Ferdinandi


Reitor Wilson de Matos Silva
Vice-reitor e Pró-reitor Administrativo Wilson de Matos Silva Filho
Pró-reitor de Ensino Wilson de Matos Silva
Pró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão Flávio Bortolozzi
Diretora de Planejamento de Ensino Regina Movio de Lara
Diretor de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas Adriano Rogério Goedert
Diretor de Ciências Exatas e Tecnológicas Flávio Bortolozzi
Diretora de Ciências Biológicas e da Saúde Solange Munhoz Arroyo Lopes
Diretora de Pesquisa Ludhiana Ethel Silva Bertoncello
Diretor de Pós-graduação Valdecir Bertoncello
Diretor de Extensão e Apoio Comunitário Cláudio Alexandre Ferdinandi
Diretor de Desenvolvimento Institucional Amir Limana
Diretor de Educação a Distância Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Diretor de Serviços Acadêmicos Ricardo Carvalho Rodrigues

Organizadores

Fábio Inacio Pereira


Débora Azevedo Malentachi
Gislene Miotto Catolino Raymundo

Av. Guedner, 1610 – Jd. Aclimação – (44) 3027-6360 – CEP 87050-390 – Maringá – Paraná – www.cesumar.br

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central - CESUMAR

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Diretoria de


Planejamento de Ensino e Núcleo de Apoio Pedagógico:

C397 Formação sociocultural e ética: volume II / organizadores:


Fábio Inacio Pereira, Débora Azevedo Malentachi, Gislene Miotto
Catolino Raymundo – Maringá, PR, 2010.
150 p.

ISBN: 978-85-61091-07-1
1. Ensino superior. 2. Ética. 3. Avaliação. I. Título.

CDD - 22. ed. 378


CIP - NBR 12899 - AACR/2
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APRESENTAÇÃO

E
sta coletânea de Formação Sociocultural e Ética reúne textos dos mais diversos
gêneros e temas, criteriosamente selecionados para estimular sua reflexão e análise
sobre fatos relacionados à economia, política, cultura, arte e meio ambiente,
acontecimentos que ocorrem na sociedade atual e que devem fazer parte do universo de
todos os que buscam compreender criticamente seu entorno social, e também para
aprimorar suas competências e habilidades de leitura e interpretação de textos, a partir do
raciocínio dedutivo e lógico.

Diariamente, avalanches de informações são transmitidas por diversos suportes midiáticos,


porém o ato de ouvir ou ler irrefletidamente tais informações forma sujeitos passivos,
alienados e habituados a não analisar os porquês e as razões por trás dos fatos noticiados.
É preciso ler, mas ler profundamente, a fim de que possamos desempenhar a nossa
cidadania de modo consciente e, assim, agir em benefício da sociedade.

Sabemos que é árduo o caminho para a formação do indivíduo em sua totalidade, crítico e
consciente dos acontecimentos do seu contexto social. Por isso, em consonância com sua
missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, o
Centro Universitário de Maringá disponibiliza este livro, que certamente enriquecerá sua
formação pessoal e acadêmica, levando-o a contribuir de modo cada vez mais significativo
no desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária.

Wilson de Matos Silva


Reitor do Centro Universitário de Maringá
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SUMÁRIO

Prefácio........................................................................................................................... 09

Introdução...................................................................................................................... 11

Parte I
Economia......................................................................................................................... 22
Sociedade........................................................................................................................ 47

Parte II
Política............................................................................................................................ 70
Cultura e Arte.................................................................................................................. 93
Meio Ambiente................................................................................................................ 120

Anexo I.......................................................................................................................... 143

Fontes consultadas..................................................................................................... 150


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PREFÁCIO

A
presente coletânea Formação Sociocultural e Ética, volume II, compreende uma
das ações do Núcleo de Apoio Pedagógico do Centro Universitário de Maringá que
busca promover a formação integral do indivíduo. Seu principal objetivo é o de
facilitar o acesso a um conjunto de textos dos mais diversos gêneros e assuntos dentro de
cinco eixos – economia, sociedade, política, cultura e arte, meio ambiente – fundamentais
para a compreensão da sociedade.

Assim, este material traz a oportunidade não apenas de ampliar conhecimentos, mas,
também, aperfeiçoar técnicas e habilidades fundamentais para o seu desempenho enquanto
leitor e, consequentemente, enquanto profissional e cidadão. Para acompanhar a evolução
do mundo, manter-se em dia, atualizado e bem informado, bem como para exercer sua
cidadania com criticidade e construir seu espaço merecido no mercado de trabalho, é
preciso cuidar da QUALIDADE de suas leituras.

Certamente, se compararmos os graduados que saem das universidades com o diploma


nas mãos, porém desinteressados pela leitura, com os alunos que, no percurso de sua vida
acadêmica, tornaram-se leitores proficientes e habilidosos, estes estão a quilômetros de
vantagem no atual mercado de trabalho cada vez mais exigente.

Francis Bacon já dizia que ―A leitura faz do homem um ser completo‖ e Victor Hugo que ―Ler
é beber e comer. O espírito que não lê emagrece como um corpo que não come‖. Ao
contrário do que muitos pensam, a leitura não se limita apenas a decodificar palavras,
frases, parágrafos ou textos. Ler de forma adequada também não é uma questão de dom ou
talento reservado para poucos. Leitura é um processo a ser aprendido, uma atividade capaz
de, ao mesmo tempo, formar, informar e transformar!

Nesse sentido, este livro foi especialmente preparado para somar conhecimentos e
aperfeiçoar habilidades leitoras. Aqui você poderá verificar, primeiramente, conteúdo
específico a respeito do ato de ler e textos que sugerem reflexões sobre a importância da
leitura. Você também encontrará explicações sobre estratégias de leitura que servirão de
subsídio para fazê-lo compreender melhor quais os caminhos para aperfeiçoar habilidades
leitoras e, por fim, uma seleção de textos apresentados para estimular a reflexão,
acompanhados por sugestões de leitura, links para visitar e outros conteúdos
complementares.

Sucesso nas leituras!


Organizadores
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INTRODUÇÃO

NÍVEIS DE LEITURA

A
leitura é a porta de entrada para a interAÇÃO com o outro, com o mundo e consigo
mesmo em sua totalidade. Ler não é unicamente interpretar os símbolos gráficos,
mas interpretar o mundo em que vivemos. Na verdade, passamos todo o nosso
tempo lendo: lemos as imagens, as pessoas, suas palavras, seus gestos, seus olhares e até
mesmo seu silêncio; lemos outdoors, placas e sinais de trânsito; lemos textos informativos e
tantos outros gêneros que circulam na sociedade; lemos textos impressos, textos virtuais,
textos verbais e não-verbais. Lemos tudo, mesmo que inconscientemente.

Entretanto, nem tudo o que é lido é compreendido por leitores habituados à leitura
superficial, porque a leitura é processo que requer do leitor ―um trabalho ativo de
compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento
sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem‖ (Parâmetros
Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos de ensino fundamental: língua
portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998, pp. 69-70).
Em outras palavras, o leitor não pode se colocar na posição de sujeito passivo nas leituras
que realiza. Seu nível de leitura e o modo como lê, isto é, as estratégias que aplica nas suas
leituras, principalmente as que são exigidas na vida acadêmica, é o segredo para a
capacidade de compreensão leitora, para a formação do leitor proficiente, maduro,
experiente e habilidoso. O segredo para o sucesso!

São, pelo menos, três os níveis de leitura:

1. leitura superficial: neste nível, o leitor lê apenas o que está escrito nas linhas do texto,
percebe somente o que está explícito na superficialidade das linhas; decodifica as
informações, mas não as compreende em sua totalidade.

2. leitura adequada: neste nível, o leitor não fica preso na superficialidade das linhas ou no
conteúdo literal do texto; o leitor realiza a leitura nas entrelinhas, consegue identificar, no
texto, pistas que permitem a construção de novos sentidos.

3. leitura complexa: neste nível, o leitor vai além das linhas e das entrelinhas do texto; ele
faz uma leitura por trás das linhas, relaciona textos e contextos, constrói mais sentidos
ainda.

E lembre-se: a leitura é um processo a ser aprendido. Todo leitor pode, com estudo, muita
leitura e dedicação, aperfeiçoar suas habilidades leitoras e, assim, ultrapassar níveis.
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ESTRATÉGIAS DE LEITURA

leitura é ―uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e

A verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos


que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de
dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto
suposições feitas.‖ (Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos de ensino
fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF,
1998, pp. 69-70). Talvez, mesmo que inconscientemente, você já faça uso dessas
estratégias. Porém, para se tornar um leitor crítico e proficiente, é de fundamental
importância conhecê-las, compreendê-las, aplicá-las e aperfeiçoá-las conscientemente.
Vamos, portanto, atentar para o significado de cada uma delas.

a) Estratégia de Seleção: são ações que possibilitam ao leitor focar somente o que lhe
é útil para a compreensão do texto, desprezando-se itens considerados irrelevantes.
Na leitura de um texto qualquer, a mente do leitor seleciona o que lhe interessa ou o
que é pertinente para determinada situação. Nas provas discursivas ou objetivas, por
exemplo, é imprescindível que o leitor atente para as informações mais relevantes, a
partir das quais fará a interpretação adequada para responder satisfatoriamente as
questões. Outro exemplo são os trabalhos científicos, em que o acadêmico-leitor
precisa selecionar, entre dezenas de livros, periódicos e outros materiais de leitura
que compõem a lista bibliográfica sugerida pelo professor, o que, de fato, interessa
aos objetivos de sua pesquisa. Neste universo de informações, não dá para ler tudo.
É preciso ser seletivo e aplicar essa estratégia conscientemente, a partir de critérios
bem definidos.

b) Estratégia de predição ou antecipação: são antecipações que o leitor constrói sobre


o texto que está lendo, possibilitando-lhe a antecipação do conteúdo, mantendo a
atenção no objetivo determinado inicialmente. A partir dessa estratégia, o leitor
levanta hipóteses, antecipando informações com base nas pistas que percebe
durante a leitura. Ela ocorre, por exemplo, quando, na leitura de uma obra literária, o
leitor consegue deduzir o que acontecerá no final dela com base nas pistas que o
enredo da história traz. A partir das manchetes dos jornais, o leitor pode antecipar
algumas informações apresentadas na reportagem. O leitor pode antecipar, também,
mediante o conhecimento sobre determinado autor, qual será o ponto de vista e os
argumentos apresentados por esse autor sobre determinado assunto, antes mesmo
de ler o texto completo.

c) Estratégia de inferência: são ações que unem o conhecimento que não está explícito
no texto, porém possível de ser captado, com o conhecimento que o leitor tem sobre
o assunto; é uma ponte de sentido que o leitor cria com o texto lido, construindo uma
nova informação, que não existia antes no texto, nem no leitor. O ato de inferir
informações não explícitas no texto é a capacidade do leitor em identificar,
compreender e interpretar, a partir do seu raciocínio lógico, o que o autor não disse,
mas deixou implícito nas entrelinhas. O leitor pode inferir, também, o significado de
palavras desconhecidas a partir das pistas que o próprio texto apresenta.
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d) Estratégia de autocontrole: é a ponte que o leitor faz entre o que supõe (seleção,
antecipação, inferência) e as respostas que vai obtendo no percurso da leitura.
Trata-se de verificar as antecipações e as inferências, confirmando-as ou refutando-
as, com a finalidade de garantir a compreensão e interpretação adequada do texto. A
confirmação ou não das antecipações e das inferências realizadas se constrói no
processamento da leitura do texto. Pode-se fazer verificações de todos os tipos:
verificar se o que foi lido já foi compreendido; verificar a relação do conteúdo do texto
com o contexto da época em que foi escrito, com o contexto atual; verificar a
fragilidade ou a consistência dos argumentos; verificar o estilo do autor, a clareza ou
falta de clareza nas suas palavras; verificar fatores políticos ou ideológicos nas
entrelinhas do texto, e assim por diante.

e) Estratégia de autocorreção: ocorre quando as expectativas levantadas pelas


estratégias de antecipação não são confirmadas, havendo um momento de dúvida.
O leitor, então, repensa a hipótese anteriormente levantada, constrói outras e retoma
as partes anteriores do texto para fazer as devidas correções. É o caso do leitor, por
exemplo, que volta para corrigir a palavra que leu erradamente, ou que volta para
reconsiderar determinada assertiva de certa questão, com base na releitura do texto
e do enunciado, identificando-a como correta.

É importante que você, prezado(a) aluno(a), coloque em prática essas estratégias nas suas
leituras, não apenas as que são exigidas no universo acadêmico, mas as que fazem parte
da sua vida fora dos muros da faculdade e que também são fundamentais para sua
formação.

Textos

―L
eia mais, leia muito, leia bastante, leia o máximo que puder, leia jornais, leia
revistas, leia livros...‖. É bem provável que, nos vários anos de sua vida escolar,
ensinos fundamental e médio, você deve ter ouvido de seus saudosos professores,
várias vezes, algo semelhante a isso, não é mesmo? Não se trata apenas de um simples
conselho de educadores para educandos. Está mais para um apelo que grita aos ouvidos e,
ainda assim, só escuta quem realmente quer, quem realmente compreende a importância
da leitura. Os três textos que seguem são fantásticos, porque reúnem uma série de
informações sobre esse assunto, ampliam a nossa visão e aguçam a nossa criticidade sobre
a infinita dimensão de possibilidades que nós, leitores, podemos encontrar no universo da
leitura. Leia, grife o que mais chamar sua atenção e reflita!

LER DEVIA SER PROIBIDO


Por Guiomar de Grammon

A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.

Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades
impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem.
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A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo
social. Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madame Bovary. O primeiro,
coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo
afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao
pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e
bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.

Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso,
inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra
forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem
excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram.
Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com
afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.

Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo
Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que
necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e
nada mais?

Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos
que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a
imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.

Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a


paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem
acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a
descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens.
Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos
impede de aceitar nossas realidades cruas.

Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a
desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal
diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e
civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não
contem histórias, pode estimular um curiosidade indesejável em seres que a vida destinou
para a repetição e para o trabalho duro.

Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos
políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma
verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres
humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas
demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de
conquista de sua liberdade.

O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias:
para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc.
Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um
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livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos
incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o
homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo
do que a leitura?

É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser
um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos
práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova... Ler deve ser coisa
rara, não para qualquer um.

Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.

Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para


executar ordens, a palavra é inútil.

Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros


sentimentos... A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o
secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a
outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a
leitura devia ser proibida.

Ler pode tornar o homem perigosamente humano.

Fonte:
PRADO, J.; CONDINI, P. (Orgs.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro:
Argus, 1999. p. 71-73.

LER: UMA LEITURA MULTIDIMENSIONAL


Francisco Gomes de Matos

Ler é processo
Ler é procura
Ler é projeto
Ler é pintura

Ler é processar
Ler é procurar
Ler é projetar
Ler é pintar

Ler é produzir
Ler é parafrasear
Ler é provocar
Ler é problematizar

Ler é propor
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Ler é prever
Ler é provar
Ler é prover

Ler é percorrer
Ler é perguntar
Ler é perscrutar
Ler é perspectivar

Ler é formar
Ler é INformar
Ler é reformar
Ler é TRANSformar

Ler é SABER
Ler é PODER
SABER LER?
PODER DA INCLUSÃO!

Não ler?
Não saber LER?
Desumana verdade:
PODER DA EXCLUSÃO!

O direito de saber ler


para melhor REpensar
a todo humano ser
devemos assegurar

LER é pensamento,valor,emoção
LER é sentimento, poder, antecipação
LER é prosa, poesia, cognitivAÇÃO
LER é a alma da CRIAÇÃO

Fonte:
MATOS, F. G. Ler: uma leitura multidimensional. Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 9, n. 1,
p. 247-249, jan./jun. 2006.

LER É CHATO. SERÁ?


Por Jaime Pinsky

A idéia de que livro é chato só pode partir de quem não sabe o prazer que a leitura
proporciona

O tempo histórico não tem um compromisso muito grande com o tempo cronológico, ou
mesmo o tempo psicológico: décadas no Egito dos faraós podem corresponder a anos no
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período da expansão ibérica ou meses do século XXI. A percepção da velocidade do tempo


histórico decorre do ritmo dos acontecimentos, assim como da rapidez dos meios de
transportes e comunicações. Talvez por isso, sempre que estamos em algum local tranqüilo,
geralmente no interior, somos tentados a dizer que ali as coisas não acontecem e que é
como se estivéssemos em pleno século XIX. É possível que, para evitar a idéia de que
possamos ser vistos como retrógrados, ou fora do nosso tempo, busquemos acelerar tudo:
músicas não podem ser lentas, filmes buscam ritmos alucinantes e, se não tiverem dois
mortos por minuto de projeção, em média, são considerados acadêmicos. Propaga-se a
idéia idiota que tudo que não é muito veloz é chato. O pensamento analítico é substituído
por ‗‗achados‘‘, alunos trocaram a investigação bibliográfica por informações superficiais dos
sites ‗‗de pesquisa‘‘ pasteurizados, textos bem cuidados cedem espaço aos recados sem
maiúsculas e acentos dos bilhetes nos correios eletrônicos. O importante não é degustar,
mas devorar; não é usufruir, mas possuir apressadamente. O tempo, o tempo correndo
atrás.

Não que eu queira fazer a apologia da lentidão e da ineficiência, mas um bom concerto é
feito tanto de bons allegros quanto de dolentes adágios. Além disso (e Charles Chaplin já
percebia isso no início do século XX, em Tempos Modernos), ser humano é dominar a
máquina e não ser por ela dominado. E aí, a meu ver, se estabelece uma das principais
distinções entre ler e ver televisão. Você pega o livro, olha a capa, a contracapa, folheia
sensualmente suas páginas e escolhe, livremente, aquela que quer ler. Pode pular pedaços,
começar pelo fim, reler várias vezes trechos que amou, para decorar, ou que odiou, para
criticar. Desde que seja seu, você pode escrever no livro (para isso ele tem espaço em
branco): livro rabiscado é sinal de leitura atenta. Nada como retomar um livro lido anos atrás
e ler nossas próprias notas: se forem ingênuas, rimos com a condescendência de quem
cresceu; se forem brilhantes, nos preocupamos com nossa estagnação. Você estabelece o
próprio ritmo de apreensão do escrito, seja ele ciência, seja ficção. Tantas vezes me furtei
lendo lentamente o final de um livro pelo qual me apaixonara e do qual não queria me
separar…

Já a telinha é autoritária. Ela começa o assunto quando bem entende, faz as pausas que
quer, inserindo as propagandas que deseja, determina o ritmo, diz quando e para onde devo
olhar. Se não estou no poder, então, é pior ainda. Tenho que ver jogo de time de que não
gosto, pedaço de novela babaca, entrevistas sem sentido, assassinatos sem conta, tudo
num volume superior ao que eu suporto, mas que não tenho como regular, pois estou sem o
controle remoto nas mãos. Mesmo quando vejo um vídeo ou um DVD, em que posso
controlar algumas dessas variáveis, lido com o personagem e a paisagem imaginados por
outro, emboto a minha imaginação e me curvo diante de heróis e mocinhas prontos e iguais
para todos, enquanto, no livro, cada um sonha como quiser e puder. Não é por outra razão
que dificilmente gostamos dum filme baseado em livro que já lemos, mesmo quando a
película é de boa qualidade como O Nome da Rosa ou Vidas Secas.

Antes que alguém pense que sou contra o cinema, ou até a televisão, devo dizer que isso
não acontece, mas é que ando mesmo um pouco preocupado. Já não há mais quase
nenhum consultório, laboratório e até sala de espera em prontos-socorros de hospitais que
não tenham a sua televisão. E, o que é pior, ligada. O infeliz chega quebrado, estropiado, ou
apenas dolorido, e se lhe impinge humor chulo, falsas ‗‗pegadinhas‘‘, loiras igualmente
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falsas, com síndrome de eternas adolescentes, de botinha e coxas de fora, animando


crianças de olhares perdidos, conversas de pessoas confinadas que não têm o que dizer,
entrevistas com pessoas que estiveram confinadas e que continuam sem ter o que dizer, e
por aí afora. A sala tem pouca iluminação, já nem sequer tem aquelas revistas semanais
atrasadas. A luz que falta e o ruído que sobra impedem que aqueles que trouxeram seus
livros possam ler. As pessoas olham para a telinha, olham-se umas às outras e à sua
própria condição. Com um livro na mão poderiam estar viajando, sonhando, aprendendo,
conhecendo gente e lugares interessantes, idéias fascinantes, desbravando, questionando,
maravilhando-se. Contudo, continuam sentadas olhando umas para as outras e para a
telinha que cobra o tributo da dependência, da elaboração de frases feitas e idéias gastas.

A idéia de que livro é chato só pode partir de quem não sabe o prazer que a leitura
proporciona. Assim, quero lançar aqui um pedido ou vários: aos médicos, para que iluminem
melhor suas salas de espera, o que, além de deixá-las menos lúgubres, permitiria que as
pessoas pudessem ler enquanto esperam. Aos hotéis, para que não se esqueçam de
colocar luz de leitura nos quartos. Uns e outros poderiam manter uma pequena biblioteca ao
alcance dos clientes. A concepção bastante corrente em nosso país de que diversão está
sempre e necessariamente ligada ao ruído e ao álcool só pode partir de alguém que não
gosta de fato do Brasil. E ele ainda merece uma oportunidade. Ou não?

* Historiador, escritor e editor, é doutor e livre docente da USP e professor titular da


Unicamp, universidades em que lecionou. Autor de vários livros, entre os quais Cidadania e
Educação e As primeiras civilizações, é, atualmente, diretor editorial da Editora Contexto.
Publicado no Correio Braziliense de 28-07-02 e na Revista Espaço Acadêmico com
autorização do autor (REA, nº 15, agosto de 2002, disponível em
http://www.espacoacademico.com.br/015/15cpinsky.htm

Fonte:
PINSKY, Jaime. Ler é chato. Será? Revista Espaço Acadêmico. Maringá, ago. 2002.
Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/015/15cpinsky.htm>. Acesso em 8 fev.
2010.

A
partir dos textos acima, quais ideias estimularam a sua reflexão? Vamos pontuar
alguns aspectos. Por que, por exemplo, a leitura ―faz muito mal à pessoa‖, ―pode ser
um problema‖ e, também, ―pode tornar o homem perigosamente humano‖? Em que
consiste o poder da leitura? Qual a diferença entre leitores e meros telespectadores?
Influenciados pela ideia ou sensação de que ―tudo que não é muito veloz é chato‖, qual o
perfil dos leitores na sociedade contemporânea?

Depois de pensar sobre essas e outras questões que você mesmo pode elaborar
silenciosamente nas suas reflexões e antes de passarmos para a Parte I, em que serão
apresentados textos sobre assuntos relacionados à Economia e à Sociedade, vamos parar
um momento para pensar sobre o tema-mestre desta coletânea.

O QUE É ÉTICA?
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A origem da palavra ética vem do grego ―ethos‖, que quer dizer o modo de ser, o caráter. Os
romanos traduziram o ―ethos‖ grego, para o latim ―mos‖ (ou no plural ―mores‖), que quer
dizer costume, de onde vem a palavra moral. Tanto ―ethos‖ (caráter) como ―mos‖ (costume)
indicam um tipo de comportamento propriamente humano que não é natural, o homem não
nasce com ele como se fosse um instinto, mas que é ―adquirido ou conquistado por hábito‖
(VÁZQUEZ). Portanto, ética e moral, pela própria etimologia, diz respeito a uma realidade
humana que é construída histórica e socialmente a partir das relações coletivas dos seres
humanos nas sociedades onde nascem e vivem.

No nosso dia-a-dia não fazemos distinção entre ética e moral, usamos as duas palavras
como sinônimos. Mas os estudiosos da questão fazem uma distinção entre as duas
palavras. Assim, a moral é definida como o conjunto de normas, princípios, preceitos,
costumes, valores que norteiam o comportamento do indivíduo no seu grupo social. A moral
é normativa. Enquanto a ética é definida como a teoria, o conhecimento ou a ciência do
comportamento moral, que busca explicar, compreender, justificar e criticar a moral ou as
morais de uma sociedade. A ética é filosófica e científica.

―Nenhum homem é uma ilha‖. Essa famosa frase do filósofo inglês Thomas Morus ajuda-nos
a compreender que a vida humana é convívio. Para o ser humano, viver é conviver. É
justamente na convivência, na vida social e comunitária, que o ser humano se descobre e se
realiza enquanto um ser moral e ético. É na relação com o outro que surgem os problemas e
as indagações morais: o que devo fazer? Como agir em determinada situação? Como
comportar-me perante o outro? Diante da corrupção e das injustiças, o que fazer?

Portanto, constantemente, no nosso cotidiano, encontramos situações que nos colocam


problemas morais. São problemas práticos e concretos da nossa vida em sociedade, ou
seja, problemas que dizem respeito às nossas decisões, escolhas, ações e comportamentos
- os quais exigem uma avaliação, um julgamento, um juízo de valor entre o que socialmente
é considerado bom ou mau, justo ou injusto, certo ou errado, pela moral vigente.

O problema é que não costumamos refletir e buscar os ―porquês‖ de nossas escolhas, dos
comportamentos, dos valores. Agimos por força do hábito, dos costumes e da tradição,
tendendo a naturalizar a realidade social, política, econômica e cultural. Com isto, perdemos
nossa capacidade critica diante da realidade. Em outras palavras, não costumamos fazer
ética, pois não fazemos a crítica, nem buscamos compreender e explicitar a nossa realidade
moral.

No Brasil, encontramos vários exemplos para o que afirmamos acima. Historicamente


marcada pelas injustiças sócio-econômicas, pelo preconceito racial e sexual, pela
exploração da mão-de-obra infantil, pelo ―jeitinho‖ e a ―lei de Gerson‖ etc, etc. A realidade
brasileira nos coloca diante de problemas éticos bastante sérios. Contudo, já estamos por
demais acostumados com nossas misérias de toda ordem.

Naturalizamos a injustiça e consideramos normal conviver lado a lado as mansões e os


barracos, as crianças e os mendigos nas ruas; achamos inteligente e esperto levar
vantagem em tudo e tendemos a considerar como sendo otário quem procura ser honesto.
Na vida pública, exemplos é o que não faltam na nossa história recente: «anões do
20

orçamento‖, impeachment de presidente por corrupção, compras de parlamentares para a


reeleição, os medicamentos "b o", máfia do crime organizado, desvio do Fundef etc., etc.

Não sem motivos fala-se numa crise ética, já que tal realidade não pode ser reduzida tão
somente ao campo político-econômico. Envolve questões de valor, de convivência, de
consciência, de justiça. Envolve vidas humanas. Onde há vida humana em jogo, impõem-se
necessariamente um problema ético. O homem, enquanto ser ético, enxerga o seu
semelhante, não lhe é indiferente. O apelo que o outro me lança é de ser tratado como
gente e não como coisa ou bicho. Neste sentido, a Ética vem denunciar toda realidade onde
o ser humano é coisificado e animalizado, ou seja, onde o ser humano concreto é
desrespeitado na sua condição humana.

Fonte:
O QUE É ÉTICA? Dhnet. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/codetica/textos/oque_e_etica.html>. Acesso em 10 fev.
2010.
21

PARTE I

ECONOMIA

SOCIEDADE
22

ECONOMIA

Introdução

O
presente capítulo aborda um conjunto de temas relacionados ao campo dos
problemas econômicos contemporâneos, tais como: mercado de trabalho, mercado
financeiro, subsídios agrícolas, blocos econômicos, avanços tecnológicos,
empreendedorismo, entre outros. Vale lembrar que o campo da economia está voltado para
o processo geral de desenvolvimento e manutenção da vida em sociedade. A palavra
economia é um termo grego formado por duas palavras, oikos (casa) e nomos (costume ou
lei), e permite-nos inferir sua preocupação enquanto ciência: o cuidado das regras da casa.
A partir dessa etimologia, pode-se defini-la como ciência social responsável pelas formas de
relacionamento humano, ligadas à produção da vida, aos estudos da produção, distribuição
e consumo de bens e serviços.

A partir da análise dos textos aqui apresentados, de diversas origens e estilos, propõe-se
oferecer aos leitores a possibilidade de refletir sobre temas importantes do cenário
econômico nacional e internacional. Os textos são introduzidos por comentários que ajudam
na compreensão e problematização da sociedade, tendo em vista o aprimoramento da
reflexão crítica e autônoma. Nesse sentido, permitem uma visão geral do processo de
desenvolvimento social capaz de nos dar pistas na direção de uma compreensão da
dinâmica econômica atual. Sugere-se uma leitura atenta, tendo em vista a apreensão de
aspectos relevantes da realidade socioeconômica atual.

Textos

O
texto abaixo foi publicado originalmente pela Revista Exame e tem o objetivo de
apontar e refletir sobre as principais tendências econômicas para 2010. No Brasil, o
ano é marcado pelo otimismo em economia e por expectativas em relação às
eleições presidenciais. Às vésperas das eleições a pergunta que se faz no âmbito
econômico diz respeito à continuidade ou ruptura do modelo de desenvolvimento adotado
pelo país. As forças políticas em disputa sinalizam grandes mudanças, ou a perspectiva é
de continuidade da política econômica atual? No mundo, a China seguirá crescendo como
potência econômica e política?

TENDÊNCIAS 2010: IDEIAS

ECONOMIA SOCIAL
Os economistas podem melhorar a condição humana?
23

Por Paul Ormerod

A matemática está se tornando cada vez mais difundida na economia. Para que fique
registrado: na hora certa, entre adultos e de comum acordo, eu também uso matemática. Há
boas e más razões para empregá-la a serviço da economia. Só que até agora as más
prevaleceram. Isso não teria muita importância se os formuladores de políticas não
levassem a economia tão a sério. Quase nenhum deles liga para loucuras da teoria literária,
por exemplo. Mas a economia tem importância e, nas fronteiras da disciplina, uma mudança
sutil mas profunda está ocorrendo. A economia está começando a se tornar mais realista,
enraizada em instituições, em história, no mundo real, e, por conseguinte, mais útil. Foi
assim, aliás, que a economia começou. Na época ela não era chamada de "economia", mas
de "economia política", simbolizando o fato de que economias não existem
independentemente de sistemas e instituições políticos.

Adam Smith fundou, sozinho, a disciplina de economia há cerca de 200 anos, e sua
influência é grande até os dias de hoje. Mas seu livro seminal, A Riqueza das Nações, não
contém nenhuma equação. Em vez disso, Smith emprega argumentos cuidadosamente
construídos, apoiados numa profusão de evidências históricas. O corretor de ações inglês
David Ricardo, autor de Princípios da Economia Política e Tributação (1817), é menos
conhecido, mas a teoria econômica- padrão de comércio ainda se baseia em sua obra. Mais
de um século depois, duas figuras de extremos opostos do espectro político fizeram
contribuições de largo alcance à economia. John Maynard Keynes estudou matemática em
Cambridge e depois passou para a economia. Friedrick Hayek, a inspiração intelectual para
o thatcherismo, tinha insights profundos em psicologia e também em economia. Ricardo,
Keynes, Hayek e uma série de outras figuras-chave evitaram deliberadamente a
matemática. Eles preferiram usar argumentos ponderados respaldados em evidências.

Como foi, então, que a matemática se tornou tão presente na economia, quando tanta coisa
foi alcançada sem ela? A pior razão é que o emprego da matemática faz com que os
economistas se sintam como verdadeiros cientistas. Eles têm "inveja da física". Os físicos
usam a matemática (tente fazer física quântica só com palavras), e são cientistas de
verdade, que realmente explicaram como uma porção de coisas funciona. Portanto, se
usarmos a matemática, isso nos fará verdadeiros cientistas, não é? Bem, o erro lógico desta
última frase é bastante óbvio. Mas ele não impede a satisfação íntima que a maioria dos
economistas sente quando cobre a página de símbolos matemáticos.

Há uma razão mais séria e mais danosa para a matemática, ao menos um tipo particular de
matemática, ser usada em economia. Ela está inextricavelmente ligada ao conceito de
"homem econômico". A economia é basicamente uma teoria sobre o comportamento dos
indivíduos. E a história- padrão não só supõe que os indivíduos são movidos pelo interesse
próprio, mas que eles se comportam como algum tipo de supercomputador -- sempre
recolhendo cada pedaço de informação relevante para uma decisão. Esses indivíduos
tomam então a melhor decisão possível com base nas opções disponíveis. Não apenas uma
boa decisão, mas a melhor. Ou, como economistas gostam de dizer, ótima.

Essa ainda é a base para o ensino de economia na universidade. Mas, paradoxalmente, foi
precisamente o emprego da matemática na economia que solapou essa visão do mundo. É
24

também uma razão por que a disciplina está avançando dramaticamente. A matemática
pode ser muito útil em economia desde que a pensemos como uma simples ferramenta
entre muitas. Ela é uma ferramenta que pode nos ajudar no pensamento lógico. É como
outra linguagem -- ela pode nos ajudar a encontrar nosso rumo.

Mas pioneiros como os vencedores do Nobel de 2001 George Akerlof e Joseph Stiglitz
avançaram o tema nos anos 70. Eles perceberam que algo mais era necessário, por isso
abandonaram a ideia de que as pessoas têm uma informação perfeita quando tomam
decisões. Eles desenvolveram o conceito de "racionalidade limitada": embora possamos
tentar tomar a melhor decisão, podemos não conseguir em razão da falta de informações
vitais. Assim, num mundo de racionalidade limitada, as pessoas que se comprazem em
comida vagabunda ou fumam pesadamente não são vistas necessariamente como tomando
a melhor decisão possível para elas. O trabalho de Akerlof e Stiglitz representou um passo
adiante enorme para tornar a economia mais realista.

Daniel Kahneman e Vernon Smith, vencedores do Nobel de 2002, deram passos ainda mais
largos. Eles entraram efetivamente no mundo e conduziram experimentos para ver como as
pessoas de fato se comportam. Observando e deduzindo, como cientistas de verdade!
Descobriram que, na maior parte do tempo, as pessoas não se comportam como o homem
econômico. Em sua palestra na cerimônia do Nobel, Kahneman afirmou: "A característica
central de agentes (pessoas) não é que eles raciocinam mal, mas agem intuitivamente com
frequência. E o comportamento desses agentes não é guiado pelo que eles são capazes de
computar, mas pelo que enxergam em dado momento".

Em outras palavras, o conceito de um homem econômico racional, calculador, está sendo


abandonado. A teoria do homem econômico postula que as pessoas têm todas as
informações relevantes para tomar a melhor decisão. Nessa nova abordagem, as pessoas
têm -- na melhor hipótese -- uma informação imperfeita. Elas seguem aos trambolhões,
tentando tomar decisões racionais, às vezes conseguindo -- mas, com frequência, falhando.
As novas abordagens que se desenvolveram para substituir o homem econômico, talvez
surpreendentemente, tornaram a economia muito mais dura. Em vez de apenas manipular
algumas equações, nós precisamos pensar nas regras de comportamento relevantes. E
precisamos recuperar a importância de instituições e da história. Em suma, temos de
recuperar a ideia de economia política numa roupagem completamente moderna. Friederick
Hayek sofre a desconfiança de muitos, mas há uma verdade profunda em sua observação:
"Um economista que é apenas um economista não pode ser um bom economista".

Tudo isso deixa a economia mais humilde. Em vez de pretender passar por uma teoria de
comportamento completamente geral -- aplicável a todas as pessoas em todos os tempos e
lugares --, a economia é agora muito menos pomposa. Mas, em última instância, essas
mudanças servirão para tornar a disciplina mais realista. E potencialmente mais poderosa
como uma força para ajudar a compreender e melhorar a condição humana.

MUNDO
A China sob os holofotes
Por Ana Luiza Herzog, de Copenhague
25

0s estudiosos das relações internacionais já soltaram um veredito: 2009 foi mesmo o ano do
G20 -- grupo que reúne os países ricos do mundo e os emergentes, como Brasil, China e
Índia. Isso não significa, porém, que é essa a configuração de poder global que deverá se
manter em 2010 e nos anos vindouros. Tudo indica que, no futuro próximo, as aspirações do
planeta estarão sob o jugo não de um grupo de nações, mas do G2: Estados Unidos e
China. A prova mais recente disso foi dada no apagar das luzes de 2009, durante as duas
semanas da conferência da ONU sobre o clima, realizada em Copenhague. O evento na
capital dinamarquesa reuniu cerca de 40 000 pessoas e mais de 120 chefes de Estado e
governo. A despeito dessa diversidade de lideranças, durante todo o tempo, as atenções
estiveram voltadas sobretudo para os movimentos desses dois países. Afinal, qualquer
plano de combate ao aquecimento global torna-se vazio se as duas maiores economias do
planeta -- e também as maiores emissoras de gases causadores do efeito estufa -- não
quiserem participar.

Durante as duas semanas de duração da COP15, Estados Unidos e China estiveram no


centro das discussões o tempo todo, como era esperado. Mas foi a firmeza dos
negociadores chineses o que deixou surpresos muitos dos participantes e observadores da
reunião. A China, que em 2010 deve tornar-se a segunda maior economia do mundo (e que
já é a maior emissora de CO2 do planeta, em termos absolutos), decidiu assumir de vez seu
papel de protagonista no cenário da política internacional. Isso começou a ficar claro logo no
início da conferência. Desde os primeiros dias, a delegação chinesa se apresentou como a
voz do G77, como é conhecido o grupo de cerca de 150 países pobres e emergentes. Os
negociadores do país adotaram com convicção o discurso de defesa dos fracos e oprimidos.
Os chineses deixaram claro que o preço do combate ao aquecimento global não pode
significar a criação de entraves ao desenvolvimento econômico desses países.

Também não foi possível demover o país da oposição a um sistema mundial de verificação
do cumprimento das metas, uma das exigências-chave feitas pelo presidente americano,
Barack Obama, em sua passagem no dia final da conferência. O discurso americano se
apoiava na ideia da prestação de contas. Mas a leitura dos especialistas era diferente. Os
Estados Unidos não estão preocupados com o que farão brasileiros, indonésios ou indianos.
"A grande questão é a China", diz Nathan E. Hultman, professor da escola de políticas
públicas da Universidade de Maryland e membro da Brookings Institution, um renomado
instituto de pesquisa americano. "Obama precisa poder dizer aos cidadãos do país, com
convicção, que a economia chinesa também está fazendo sacrifícios. Caso contrário, nada
feito." Essa queda de braço observada pelo mundo todo, e que muitos acreditam ser um dos
principais motivos para a falta do acordo que se esperava de Copenhague, não deixa
dúvidas sobre o novo equilíbrio de forças neste começo de milênio.

Não é de hoje que há boas justificativas para o medo americano. Nenhum outro país nutre
uma gana de crescer tão grande quanto a China. O país já tem 650 milhões de aparelhos
celulares, mais que o dobro que toda a população americana. Passou à frente dos Estados
Unidos no mercado que, durante um século, foi sinônimo do seu dinamismo: o
automobilístico. A máquina exportadora chinesa permitiu o acúmulo de mais de 2 trilhões de
dólares em reservas internacionais. A ditadura asiática é hoje o principal credor dos Estados
Unidos. Agora, diante do imperativo de que o mundo se converta à economia de baixo
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carbono, há prenúncios de que pode ter chegado a hora de a China assumir de vez a
dianteira. O país decidiu que não só vai esverdear sua matriz energética -- ainda movida a
carvão mineral e, por isso, predominantemente suja --, como vai se tornar o maior
exportador de tecnologias limpas do mundo. Na maioria dos países costuma haver um
espaço de tempo razoável entre a tomada de uma decisão e sua execução. Na China
comunista, esse intervalo é bem mais curto. Há cinco anos, 80% das turbinas eólicas
instaladas no país eram produzidas no exterior. Hoje, os fabricantes nacionais já respondem
por 75% dessa demanda.

Ao menos publicamente, os Estados Unidos e, sobretudo, a China, rejeitam a ideia de um


mundo regido pelo G2. Os chineses afirmam não ter a pretensão de reformar o mundo ou se
meter nos problemas alheios. O que os chineses, porém, não negam, é que todas as suas
ações são guiadas por um princípio: o de fazer crescer o PIB. E a natureza desse
pragmatismo basta para que, cada vez mais daqui para a frente, a exemplo do que ocorreu
em Copenhague, a solução para qualquer dilema global passe pelo delicado balé entre
esses dois países.

BRASIL
Um ano decisivo para o país
Por André Lahóz

É um ciclo que se encerra. O oitavo e derradeiro ano sob a batuta do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva dá início à frenética corrida pela sucessão -- e, para usar a cruel imagem sobre
os costumes de Brasília em fins de mandato, nem mesmo a incrível popularidade de Lula
deverá impedir que o café que lhe será servido em 2010 vá gradualmente esfriando com o
passar do tempo. Enquanto isso, a cada mês deve aumentar a bajulação aos postulantes
mais competitivos na disputa pelo primeiro cargo da nação. Nada a estranhar. É da própria
natureza da política antecipar o deslocamento do poder. O que há de notável no ano que se
inicia é a percepção generalizada de que, sejam quais forem as escolhas do eleitorado, a
vida no futuro será muito parecida com a de hoje. Contratos serão respeitados. A moeda
será preservada. As empresas seguirão produzindo -- eis o cenário com que trabalham dez
entre dez especialistas em finanças internacionais. Mais do que uma aposta puramente
econômica, eles confiam num salto qualitativo da sociedade brasileira. Ao conseguir
descolar os ambientes da política e da economia, o Brasil tornou-se bem mais parecido com
países em estágio de desenvolvimento muito superior. Num mundo que ainda lambe as
feridas da crise financeira, oferecemos uma combinação irresistível de estabilidade com
crescimento num ambiente de democracia plena.

Como deve evoluir a economia brasileira daqui para a frente? Todos os prognósticos
indicam um ano próspero -- as estimativas são de crescimento forte, um dos mais robustos
dos últimos tempos. Ao longo de 2009, empresas dos mais diferentes setores ajustaram
para baixo a produção na tentativa de desovar estoques acumulados após a eclosão da
crise financeira. O corte de produção cobrou seu preço -- o PIB chegou a cair em dois
trimestres e deve fechar o ano com crescimento nulo. O lado bom dessa história é que o
consumo interno se recuperou antes do que muitos imaginavam -- ao fim e ao cabo, 2009
acabou melhor do que se acreditava. O ano de 2010, portanto, começa com uma
27

combinação promissora: poucos estoques e muita demanda. É sinônimo de produção em


alta. As empresas devem operar em ritmo bem acima do normal para essa época do ano. E
isso estimula o emprego e o investimento.

Também deve aumentar a efervescência no meio empresarial. Nesse sentido, a criação de


um gigante no varejo englobando as lojas de Pão de Açúcar e Casas Bahia pode ser vista
como um indício do momento atual do mercado. As operações de fusões e aquisições, que
saltaram de 10 bilhões de dólares em 2002 para 95 bilhões em 2008, despencaram em
2009 -- de janeiro a novembro o volume foi de 54 bilhões. Agora, a expectativa é de um
novo crescimento, ainda que não se volte ao patamar recorde de 2008. Também devem ser
retomados os negócios no mercado de capitais. Os IPOs e as ofertas de ações em bolsa,
que somaram pouco mais de 3 bilhões de dólares em 2004, chegaram a 35 bilhões em
2007. O volume caiu para cerca de 20 bilhões de dólares em 2009 -- e executivos de
mercado esperam um crescimento de até 40% em 2010. Alguns setores devem ser
particularmente beneficiados com o reaquecimento da economia -- com destaque para o de
petróleo e gás. O Brasil já começa a ser incluído nas listas dos países petroleiros mais
promissores, a ponto de frequentar, ao lado de Rússia, Iraque, Nigéria e Cazaquistão, o
recém-criado acrônimo Brink, que reúne as nações onde se espera produção crescente nos
próximos anos.

Todas essas projeções indicam que, ressalvado o aspecto inerentemente imprevisível das
atividades humanas, 2010 é um ano considerado ganho de antemão pelos principais
analistas da cena econômica. O risco, aliás, são os problemas advindos do próprio sucesso.
Por todos os ângulos, o que se vê são forças estimulando a economia. O governo aumentou
os gastos logo após a crise -- e essa despesa continua crescendo. O consumo das famílias
e das empresas está em forte expansão. O investimento, que despencou em 2009, deve
pelo menos voltar ao patamar pré-crise. O mundo continua querendo os produtos
brasileiros. Se nada for feito, o país corre o risco de transitar diretamente para um cenário
de superaquecimento econômico -- o que leva muitos analistas a prever altas de juro, ainda
que moderadas, nos meses à frente. De certa forma, o bom momento do Brasil deve
explicitar problemas históricos que não foram sanados -- a baixa poupança, o estado
deplorável da infraestrutura, a falta de mão de obra qualificada para sustentar o
crescimento. Um novo ciclo político está prestes a ser inaugurado, com a saída de cena --
talvez momentânea -- do presidente Lula. Será preciso muito trabalho de seu sucessor para
manter o país no patamar recém-conquistado e, esperamos, alçá-lo ainda mais.

ECONOMIA
Um problema pode virar solução?
Por José Roberto Caetano

Empate por zero a zero não é resultado que a torcida brasileira goste de comemorar. Mas,
no campo da economia, o fato de o Brasil ter atravessado um ano de turbulência financeira
global sem crescimento virou motivo de celebração. Afinal, o desempenho é notavelmente
melhor que o conseguido em confusões passadas e também superior ao de muitos outros
países, em particular os desenvolvidos. Melhor ainda, os indicadores mostram que estamos
a caminho de marcar uma goleada em 2010. Na busca das razões de nosso relativo
28

sucesso em 2009, é curioso notar que itens normalmente associados à lista de problemas
nacionais -- gigantismo do governo, voluntarismo dos bancos oficiais, taxas de juro nas
alturas, baixo volume de crédito, baixa participação do setor externo na economia -- de
repente mudaram de coluna e passaram a ser incluídos nas soluções. Nada explicita melhor
a reviravolta no terreno das ideias econômicas do que o debate sobre o Estado. Hoje é
consenso que o bom resultado do Brasil em 2009 deve-se em parte às ações do Estado,
seja diretamente, seja por meio de seus bancos. Também foi decisiva a constatação de que
os brasileiros estavam com suas contas pessoais relativamente em ordem -- a anos-luz de
distância do imbróglio do subprime americano. O equilíbrio não se deve à frugalidade dos
hábitos, e sim ao fato de que o crédito no Brasil há muito tempo tem um custo exorbitante e
é escasso. Isso mantém consumidores e empresas relativamente mais cautelosos quanto
ao uso de dinheiro alheio. Aqui, ao contrário dos países mais avançados, a preferência é por
investir menos, mas com dinheiro próprio. É uma estratégia que restringe o crescimento --
mas que, na hora do aperto, tornou-se um trunfo. Também é reduzida a exposição do país
aos riscos do comércio exterior. Como o mercado brasileiro ainda é relativamente protegido,
a soma das exportações e importações representa menos de um quinto do PIB -- em países
como a Coreia é da ordem de 90%.

Será que os problemas de antes realmente viraram solução? Em meio à euforia das boas
notícias econômicas, é bom tomar cuidado com algumas conclusões tortuosas -- ou no
mínimo apressadas. Uma coisa é enfrentar uma crise. Outra, bem diferente, é construir as
bases de uma economia moderna. Violar essa linha de raciocínio leva à conclusão de que
traços que foram qualidades na crise merecem ser reforçados agora. Aí é que mora o
perigo. "É óbvio que o setor público ajudou, mas essa visão glorifica problemas nossos", diz
Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander. "Se colocarmos um gordo
e um magro em situação de inanição, não há dúvida de que o sujeito mais robusto terá mais
chance de sobreviver. Nem por isso algum médico recomendaria ficar gordo para se
prevenir de uma morte por falta de comida." Se a ação do governo funcionou nas
circunstâncias atuais, também é fato que, antes, atrapalhou muito -- e continuará a fazê-lo
no futuro. O país não estaria melhor se tivesse crescido com mais vigor no passado, o que
seria possível se empresas e trabalhadores não fossem tão sobrecarregados pelo peso
estatal?

Mais uma conclusão errada a ser evitada é a de que a abertura da economia ao exterior é
um mal. "Um mercado fechado é uma faca de dois gumes", afirma o economista inglês John
Williamson, criador do termo Consenso de Washington para batizar o conjunto de medidas
de estabilização recomendadas a países da América Latina. "O país fica menos propenso a
sofrer impactos de uma crise externa, mas tem dificuldade de se aproveitar dos momentos
bons." Isso já ficou patente com a capacidade de crescer que as economias mais abertas da
Ásia demonstraram. O fato de agora, por um ou dois anos, sofrerem mais que o Brasil, não
justificaria jogar suas políticas vencedoras por décadas na lata de lixo. Ter um mercado
interno forte -- este sim um atributo do Brasil que fez diferença e vale ser estimulado -- é
uma coisa. Dar as costas para o mundo é outra, bem diferente. Nesse aspecto, como em
outros, é bom ter cuidado para não tirar conclusões erradas.
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TECNOLOGIA
A internet das coisas
Por Sérgio Teixeira Jr.

A web comemorou seu 20º aniversário em 2009, e nesses primeiros anos de vida o que se
viu na rede foi produto do ser humano. Páginas pessoais, lojas de comércio eletrônico, sites
de empresas e de governos, redes sociais. Nos próximos 20, o homem vai ser deixado para
trás na internet. Mas não se está falando de um futuro sombrio, de submissão do homem à
máquina. Pelo contrário. É uma constatação: os sensores estão se acumulando à nossa
volta. Eles estão nas novas infraestruturas de energia elétrica (as redes inteligentes), nos
sensores instalados em equipamentos industriais, nas redes de telecomunicações. E não
são apenas chips: câmeras filmam ruas e estradas 24 horas por dia, sistemas de segurança
monitoram residências e empresas. Alguns deles já estão conectados e muitos outros vão
plugar-se à rede criando uma nova e valiosíssima coleção de informações que vai se fundir
com a internet que conhecemos -- e transformá-la para sempre. "A oportunidade da web não
está mais crescendo de forma aritmética. Está crescendo exponencialmente", escreveram
recentemente num artigo John Batelle e Tim O‘Reilly, gurus do Vale do Silício que cunharam
o termo web 2.0. "O fósforo foi riscado entre 1999 e 2004. Entre 2005 e 2009 pôs-se fogo no
pavio. Em 2010, acontecerá a explosão."

Essa "internet das coisas" não está no futuro distante, e a prova disso provavelmente está
dentro de seu bolso agora. Os smartphones, celulares que têm a sofisticação tecnológica de
computadores de mesa de cinco anos atrás, são a face mais visível dessa nova revolução
que se aproxima. Muitos dos novos aparelhos têm chips de GPS embutidos. Podem
transmitir para amigos e familiares a localização do dono em tempo real, o tempo todo.
Podem também agregar às fotos tiradas com o celular informações precisas de localização.
As coordenadas de georreferenciamento também funcionam na mão inversa. Quem usa o
aplicativo do Google no iPhone, por exemplo, pode optar por receber os resultados de busca
mais adequados à sua localização. Quer saber onde está o restaurante italiano mais
próximo? A resposta será dada pela base de dados do gigante da internet -- com a ajuda do
GPS de seu smartphone. Quer saber mais sobre uma garrafa de vinho na prateleira do
supermercado? Basta tirar uma foto do rótulo e submetê-la a um serviço na web. A resposta
terá opiniões de outros enófilos, além de uma comparação de preços: uma loja a duas
quadras tem a mesma garrafa por um preço 20% mais baixo.

As máquinas também vão conversar entre si -- e, com a ajuda de grandes sistemas


computacionais, as informações desse diálogo serão processadas e traduzidas em
benefícios para o ser humano. O primeiro grande passo será dado com as redes elétricas
inteligentes, uma das principais áreas de investimento em 2010. Os antigos medidores
analógicos serão gradualmente substituídos por sistemas digitais, conectados pela internet
com a fornecedora de eletricidade. Isso vai permitir, por um lado, mais controle às empresas
elétricas. Hoje, elas dependem das reclamações dos clientes para saber quando o
fornecimento foi interrompido em uma rua. Com as redes inteligentes, o aviso será
disparado automaticamente. Do lado do consumidor, o benefício inicial virá nas contas. Com
informações mais precisas sobre os horários de pico de consumo, as empresas elétricas
poderão oferecer preços diferenciados de acordo com a hora do dia. Os eletrodomésticos
com chips embutidos representam uma segunda fase. Processadores e rádios de
30

comunicação sem fio caem de preço vertiginosamente. Uma estimativa dá conta de que
antes do fim da próxima década haverá, para cada pessoa do planeta, mil objetos
equipados com chip e sistemas de comunicação sem fio. A conta de luz provavelmente
deixará de existir. Em seu lugar haverá um painel de controle, disponível em tempo real na
web, mostrando quais são os aparelhos que mais consomem eletricidade e qual é o horário
mais conveniente -- ou seja, mais barato -- para ligar a lava-louça, por exemplo.

A internet das coisas também poderá melhorar o trânsito. Já há sistemas de navegação de


carros que transmitem em tempo real informações sobre o andamento dos veículos.
Mostrados num mapa, eles são uma indicação fiel das condições de trânsito. A saúde se
prepara para uma revolução. Sistemas de monitoramento remoto de pacientes vão transmitir
dados em tempo real. Estamos apenas começando a vislumbrar os benefícios de ter o
mundo dos homens -- e das coisas -- conectado pela web.
[...]

Fonte:
TENDÊNCIAS 2010: IDÉIAS. Portal Exame, São Paulo, dez. 2010. Disponível em:
<http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0959/especiais/tendencias-2010-
ideias-521745.html?page=fulld>. Acesso em 17 fev. 2010.

Leituras complementares

Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL)


<http://www.eclac.org/default.asp?idioma=PR>

UOL Economia
<http://economia.uol.com.br/>

N
o artigo a seguir, os autores descrevem a atual crise na zona do euro e, no mercado
de câmbio, a perda de valor da moeda. Destaca-se a situação de déficit da balança
comercial de países como Espanha, Portugal e Grécia que deixa evidente o quanto
a crise econômico-financeira atingiu os países da União Européia. Por que a crise do dólar
não significa a ascensão do euro? O artigo nos estimula a pensar sobre a integração
econômica global e o quanto a crise do dólar comprometeu as economias do mundo todo.

A UNIÃO MONETÁRIA EM RISCO, O EURO ATACADO


Por Claire Gatinois e Marie de Vergès

Dez anos após sua criação, estaria a zona do euro ameaçada de dissolução? Os mercados
financeiros temem isso, preocupando-se com o déficit público que eles consideram
injustificável de determinados países europeus. Após a Grécia ter sido foco de seus
temores, a Espanha, Portugal e a Itália também se tornaram motivo de preocupações.

Na quinta-feira (4), as praças financeiras tiveram uma forte queda: -5,94% para a Bolsa de
Madri, -5% para a de Portugal, enquanto as praças grega e italiana cediam 3,3% e 3,5%. Na
31

sexta-feira, a queda continuava. Madri recuou 1,65%, e Lisboa mais 2%. As turbulências
financeiras também se manifestaram sobre o mercado de câmbio. O euro afunda cada dia
mais. Na sexta-feira, a moeda única valia US$ 1,36, um nível inédito em oito meses.

Desemprego chega a 10% na zona do euro


Os especialistas da empresa de investimentos Pimco agora aconselham a ―se manter longe
do euro‖. E o dólar, que parecia ameaçado de queda, reencontra seu status de porto seguro.
Alguns analistas de fato acreditam que o nível de endividamento atual na zona do euro não
pode ser eliminado pelo crescimento esperado, frágil demais. A retomada poderá ser
comprometida.

O nervosismo dos investidores também aparece no mercado de bônus soberanos desses


países. Agora, a Grécia deve fazer empréstimos por 10 anos à taxa de 6,7%. Em outras
palavras, o país causa tamanha desconfiança que ele deve pagar um prêmio de risco de
3,6% em relação à Alemanha, a referência do mercado. Na quarta-feira, Portugal, por sua
vez, sofreu para atrair investidores o suficiente para sua última emissão de títulos.

Tom alarmista
Os dois países estão sob pressão das agências de classificação de risco. Segundo os
rumores que agitam os mercados, a Fitch e a Moody‘s poderão imitar a Standard&Poor‘s
que, desde dezembro de 2009, abaixou a perspectiva da dívida da Espanha de ―estável‖
para ―negativa‖.

O presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, tentou tranquilizar, afirmando, na quinta-


feira, que as situações desses dois países ―não são um risco‖. Já Jean-Claude Trichet,
presidente do Banco Central Europeu (BCE), garantiu que não haveria ―nenhuma exceção‖
às regras orçamentárias européias. Ele mostrou assim sua confiança na capacidade da
Grécia e de outros países europeus em voltar rapidamente para dentro dos limites
requeridos pelo pacto de estabilidade europeu. Os critérios de Maastricht estabelecem em
3% o nível máximo de déficit público e em 60% o do endividamento do Estado.

Mas essas declarações tranquilizadoras se opõem às do Prêmio Nobel de Economia Paul


Krugman, para quem ―a maior dificuldade para a zona do euro é mais a Espanha do que a
Grécia‖. O mesmo tom alarmista se encontra na análise do economista americano Nouriel
Roubini: ―Se a Grécia é um problema, a Espanha poderá ser um desastre, porque ela é a
quarta economia da zona‖, indicou.

―Certamente há um pouco de especulação‖, acredita o economista Philippe Brossard,


presidente da agência Macrorama, ―mas esses temores são, no fundo, bastante legítimos‖.
Desde o início da crise, ―não desinflaram a bolha do crédito, mas voltaram a inflá-la ao levar
o fardo da dívida não mais aos agentes privados, e sim aos Estados‖, diz.

Para sair da crise e evitar a catástrofe, os Estados de fato financiaram o salvamento de suas
economias usando centenas de bilhões de dólares, euros ou ienes.

Para Brossard, o problema não está circunscrito à Europa, mas se estende assim a todos os
países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Ele
32

observa que não é mais raro ver níveis de endividamento público atingirem 80% a 90% do
Produto Interno Bruto (PIB), com déficits públicos da ordem de 6% a 7%.

Além disso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) explica que o déficit global da zona do
euro continua sendo inferior ao de outros países como os Estados Unidos ou o Japão.

―A realidade é que apesar de a catástrofe ter sido evitada, a economia ainda vai muito mal‖,
acredita o economista Jacques Attali. Segundo ele, passada a euforia, os mercados
financeiros estão percebendo que ―o crescimento não é estável‖. ―A crise não acabou‖,
conclui.

Fonte:
GATINOIS, Claire; VERGÈS, Marie de. A União Monetária em risco, o euro atacado. Le
Monde. 6 fev. 2010. Disponível em:
<http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2010/02/06/a-uniao-monetaria-em-risco-o-
euro-atacado.jhtm>. Acesso em 19 fev. 2010.

Leituras complementares

Crise do dólar e crise do euro


<http://resistir.info/europa/crises_dolar_euro.html>

Confiança econômica cai na zona do euro em fevereiro


<http://economia.estadao.com.br/noticias/not_6444.htm>

EUROPA – O portal da União Europeia


<http://europa.eu/index_pt.htm>

O
artigo abaixo trata da questão da política norte-americana para o aumento dos
subsídios agrícolas. Os subsídios são uma ajuda financeira ou mesmo a isenção de
impostos de produtos que o governo oferece a determinados setores da economia.
Os subsídios contrariam o princípio de igualdade comercial, pois acabam desequilibrando o
comércio internacional impedindo o desenvolvimento de países médios e pequenos. Quais
são as consequências diretas dos subsídios para os países no mercado internacional?
Podem promover a fome?

EUA VÃO AMPLIAR SUBSÍDIOS PARA DOBRAR EXPORTAÇÕES EM 5 ANOS


Ofensiva serve para recuperar a economia norte-americana, mas Brasil pode ter mais
dificuldade no acesso a mercados importantes, como o chinês e o russo
Por Giovani Ferreira e Luana Gomes

Os Estados Unidos anunciaram ontem o que promete ser a maior ofensiva do país no
comércio internacional do agronegócio. Em cinco anos, o governo norte-americano quer
dobrar as exportações do setor, que devem alcançar US$ 100 bilhões neste ano. A meta foi
apresentada na abertura do Agricultural Outlook Forum 2010, em Arlington, cidade nos
33

arredores de Washington que tradicionalmente é sede do evento organizado pela Secretaria


de Agricultura dos EUA (USDA, na sigla em inglês). Caso se concretize, ela ameaça o
desempenho das exportações agrícolas do Brasil, que no ano passado atingiram US$ 64
bilhões. O Paraná, maior produtor nacional de grãos, também sentirá com força os efeitos
do avanço da agricultura dos EUA.

―Essa é a hora de fortalecer o comércio global de commodities agrícolas‖, afirmou o analista


do USDA Jim Miller, durante a cerimônia de abertura da conferência. ―As estatísticas da
agricultura norte-americana preocupam. A ‗América Rural‘ representa apenas um sexto da
população do país, mas é o setor que mantém a nação unida. Precisamos fortalecer o
agronegócio através da abertura de novos mercados dentro e fora do país‖, disse Tom
Vilsack, secretário de Agricultura dos EUA. Sem maiores detalhes, o secretário deixou claro
que para atingir a meta o país não deve medir esforços, inclusive com o aumento dos
subsídios ao segmento.

Outra estratégia norte-americana para ampliar a participação no mercado mundial será


intensificar os acordos bilaterais com os países onde cresce o consumo, como a China.
Responsável por 54% do comércio global do complexo soja, o país asiático é a principal
aposta norte-americana para alavancar as exportações do setor. Os chineses, vale lembrar,
compram atualmente metade das exportações brasileiras do grão. Os EUA também querem
participar do mercado de valor agregado. Um exemplo é a exportação de carne suína para
Rússia, onde fatalmente fica estabelecida outra disputa com o Brasil.

Discurso diferente
A mudança no discurso em relação aos subsídios se justifica no esforço do governo pela
recuperação econômica, abalada com a crise financeira deflagrada no segundo semestre de
2008. No ano passado o presidente Barack Obama tentou, sem sucesso, cortar
progressivamente parte da ajuda do governo à agricultura. A proposta gerou polêmica e foi
barrada no Congresso, onde o agronegócio sustenta um dos maiores lobbies. Agora, o novo
posicionamento vai mexer com o mercado e com as relações internacionais, avaliam os
analistas brasileiros que participam do Outlook 2010.

A ousadia preocupa o Brasil, que busca mais espaço para sua crescente produção. ―Não vai
ser fácil para os Estados Unidos dobrarem suas exportações. Não podemos subestimar a
capacidade dos norte-americanos, mas é preciso considerar algumas variáveis para que
isso possa ocorrer, como estrutura portuária, negociações internacionais e reciprocidade do
mercado, além da reação dos outros países exportadores‖, diz Thomé Guth, técnico da
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) que acompanha as discussões do fórum.

Marco Olívio Morato de Oliveira, analista de mercados da Organização das Cooperativas


Brasileiras (OCB) que está no fórum, reforça que a estratégia dos Estados Unidos na busca
de novos mercados vai explorar o tripé da sustentabilidade. ―Eles estão se preparando e
organizando a base desse processo, que passa pela recuperação do mercado, do produtor
à exportação. O projeto é econômico, mas o apelo será o da produção sustentável‖, alerta
Morato de Oliveira.
34

O Agriculture Outlook Forum prossegue hoje com as discussões sobre a modernização da


economia agrícola da China, o maior comprador mundial de soja.

Fonte:
FERREIRA, Giovani; GOMES, Luana. EUA vão ampliar subsídios para dobrar exportações
em 5 anos. Jornal de Maringá Online. Maringá, 19 fev. 2010. Disponível em:
<http://portal.rpc.com.br/jm/online/conteudo.phtml?tl=1&id=975170&tit=EUA-vao-ampliar-
subsidios-para-dobrar-exportacoes-em-5-anos>. Acesso em 19 fev. 2010.

Leituras complementares

Portal do Agronegócio
<http://www.portaldoagronegocio.com.br/>

Livre Comércio
<http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/internacional/news_item.2006-01-
23.8390170213/?searchterm=subsídios agrícolas>

O
texto a seguir divulga a criação de um novo bloco regional que reúne quase todos
os países da América Latina. Os blocos regionais nasceram em diversas partes do
planeta desde o final do século passado como forma de proteção dos países
membros. No continente americano, existem diversos organismos criados para integrar os
países da região, como OEA, Nafta, Mercosul, entre outros. Quais os princípios
efetivamente norteadores dessa nova organização? Seriam basicamente econômicos como
é tradicional nesses blocos?

AMÉRICA LATINA APROVA CRIAÇÃO DE NOVO BLOCO REGIONAL SEM OS EUA


BBC Brasil

Os presidentes dos países da América Latina e do Caribe aprovaram, nesta terça-feira em


Cancún, no México, a criação de um novo bloco que represente todas as nações da região
sem a participação do Canadá e dos Estados Unidos.

O organismo se chamaria, temporariamente, Comunidade dos Estados Latino-Americanos e


Caribenhos e iniciaria suas atividades a partir de julho de 2011 – data da próxima Cúpula da
América Latina e do Caribe em Caracas, na Venezuela.

―Finalmente há um consenso sobre isso, também houve discussões intensas‖, disse o


presidente do México, Felipe Calderón. Segundo ele, o novo bloco deve ―impulsionar a
integração regional e promover a agenda regional em encontros globais‖.

Até agora, os líderes ainda não incluíram Honduras no novo grupo regional.

O bloco seria uma alternativa à Organização dos Estados Americanos (OEA) – o principal
fórum das relações regionais nos últimos 50 anos. A OEA tem sofrido críticas de seus
35

próprios membros após uma série de embates políticos e comerciais entre países da região
e os Estados Unidos.

Princípios
O novo organismo foi aprovado pelos 25 chefes de Estado e de governo que participaram
da Cúpula no México.

Segundo o comunicado divulgado pelos líderes, o bloco terá entre seus princípios promover
o respeito ao direito internacional, a igualdade dos Estados, evitar o uso de ameaça de força
e trabalhar a favor do meio ambiente na região.

Além disso, o organismo deve promover a integração política da região assim como o
diálogo com outros blocos. As regras de operação definitivas deverão ser adotadas no
evento de Caracas, no próximo ano, ou na Cúpula que ocorrerá no Chile, em 2012.

'Substituição'
O presidente de Cuba, Raúl Castro, elogiou o anúncio sobre a aprovação do novo bloco,
que incluiria o país, diferentemente da OEA.

Cuba foi suspensa da Organização dos Estados Americanos em 1962 por causa do sistema
político socialista da ilha. Em 2009, a OEA decidiu aceitar novamente os cubanos no bloco,
mas Cuba rejeitou.

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, já havia expressado seu apoio à proposta,


afirmando que seria uma ação para distanciar a região da ―colonização‖ americana.

Um representante do Departamento de Estado dos Estados Unidos afirmou que não


acredita que o novo bloco substituirá a OEA. Os termos do novo organismo e a eventual
substituição do Grupo do Rio e da Cúpula da América Latina e do Caribe pelo novo bloco
ainda não foram esclarecidos.

Segundo o presidente eleito do Chile, Sebastián Piñera, ―é muito importante que não
tentemos substituir a OEA‖. ―A OEA é uma organização permanente e tem suas próprias
funções‖, disse.

Fonte:
AMÉRICA LATINA aprova criação de novo bloco regional sem os EUA. BBC Brasil. 23 fev.
2010. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2010/02/23/america-
latina-aprova-criacao-de-novo-bloco-regional-sem-os-eua.jhtm>. Acesso em 24 fev. 2010.

Leitura complementar

Blocos Econômicos e Organizações Internacionais


<http://www.brasilescola.com/geografia/acordos-economicos.htm>
36

O
artigo a seguir convida à reflexão sobre a tendência mundial de aquisição de
empresas e a formação de grandes corporações. No mercado nacional, a
Hypermarcas, objeto de análise do artigo abaixo, desponta com um dos mais
significativos exemplos dessa tendência. O que esse processo representa para a economia
brasileira? Quais as consequências para as pequenas e médias empresas? Quais os riscos
para os trabalhadores?

O IMPÉRIO DAS MARCAS


Com investimentos de 5 bilhões de reais e uma gestão tipicamente brasileira, o empresário
João Alves de Queiroz Filho, ex-dono da Arisco, comprou 20 concorrentes e transformou
sua Hypermarcas numa das maiores empresas de consumo do país
Por Marcelo Onaga

Nos últimos anos, a economia brasileira passou por profundas transformações - quase todas
para melhor. A estabilidade é hoje algo que nem mesmo os esquerdistas mais raivosos
colocam em questão, o país atingiu o grau de investimento, o mercado de capitais tornou-se
um dos mais pujantes do mundo, o acesso ao crédito ficou mais fácil e barato. A
combinação desses fatores fez surgir o que alguns economistas já chamam de "novo
capitalismo brasileiro", um período de formação de grandes companhias nacionais aptas ou
dispostas a competir com algumas das maiores corporações globais. "É um momento
inédito, que permitiu a ascensão de empresas brasileiras com potencial de ganhar o
mundo", afirma Oscar Malvessi, professor de finanças corporativas da Fundação Getulio
Vargas de São Paulo. Poucas empresas representam tão bem essa fase como a
Hypermarcas -seja pela rapidez com que foi criada, seja pela forma peculiar como é
administrada. Criada há nove anos, a partir de um produto sem quase nenhuma tecnologia
ou inovação - a lã de aço Assolan -, a Hypermarcas passou de média empresa com
faturamento de 30 milhões de reais no primeiro ano de operação a uma respeitável
companhia de 3,5 bilhões de reais de receita em 2009. Trata-se de um espetacular
crescimento de 11 500% em menos de uma década. Nesse período, investiu cerca de 5
bilhões de reais em 20 aquisições de empresas nacionais, todas de bens de consumo,
algumas com marcas bastante conhecidas, sobretudo no crescente - e hoje sexy - mercado
da classe C. Em 2009, segundo um levantamento da consultoria Bain&Company, a
Hypermarcas foi a empresa brasileira que mais foi às compras (excluindo firmas de private
equity e bancos), com cinco aquisições que somaram quase 2 bilhões de reais.

Embora seja uma empresa aberta, com valor de cerca de 11 bilhões de reais em bolsa e
milhares de acionistas, a Hypermarcas é um reflexo da forma de pensar do goiano João
Alves de Queiroz Filho, mais conhecido como Júnior, um dos raros empresários brasileiros
que reinventaram o sucesso em tempos, circunstâncias e negócios diferentes. Aos 57 anos
de idade, fundador e dono de 31% do capital da Hypermarcas, Júnior está construindo um
gigante do mercado de consumo pela segunda vez. Durante quase duas décadas, ele
comandou a Arisco, empresa fundada por seu pai em 1969. Depois da venda da companhia
por 760 milhões de dólares para a americana Bestfoods (que viria a ser incorporada logo em
seguida pela anglo-holandesa Unilever) no ano 2000, Júnior decidiu recomeçar. Seu plano
era construir uma espécie de "Procter& Gamble brasileira", uma companhia que oferecesse
produtos de consumo em áreas tão diferentes quanto alimentos e medicamentos, sobretudo
para os consumidores emergentes. Assim como fizera na Arisco, ele não criaria nada novo.
37

Seus produtos - de lãs de aço a medicamentos genéricos - não demandam patentes ou


grandes departamentos de pesquisa e desenvolvimento.

São uma alternativa, muitas vezes mais barata, ao que o consumidor já se acostumou a
comprar. Seu grande capital, ao fazer isso, seria a combinação de experiência na produção,
domínio do marketing de massa e conhecimento profundo dos canais de distribuição - três
pilares construídos durante sua trajetória na Arisco. Os resultados recentes da Hypermarcas
mostram que, pelo menos nesse sentido, Júnior já chegou perto de seu objetivo. Hoje, sua
empresa conta com um portfólio com mais de 170 marcas e 4 000 produtos - de molho de
tomate a analgésicos - e tem praticamente o dobro do tamanho da operação brasileira da
P&G, que faturou cerca de 1,8 bilhão de reais no país em 2009. ―Vi que havia muitas
empresas como a Arisco, de origem familiar, que uma hora seriam alvo de um movimento
de consolidação‖, disse Júnior a EXAME, em uma de suas raríssimas entrevistas (suas fotos
nesta reportagem são as primeiras publicadas por um veículo de imprensa). ―E acreditei que
eu poderia ser o consolidador.‖

A face de comprador serial começou a se manifestar em 2001, quando Júnior recomprou a


Assolan, marca que fazia parte do portfólio da Arisco, da Unilever. No ano seguinte, lançou
o sabão em pó Assim. A partir de 2003, com um apetite cada vez mais voraz, arrematou de
empresas praticamente anônimas marcas consagradas como Doril e Bozzano. Seu radar é
acionado sempre que ele se depara com uma companhia dona de produtos conhecidos do
grande público mas que por alguma razão foram ―esquecidos‖ ou com empresas familiares
que enfrentam dificuldades de su-cessão. Identificado o alvo, é hora de Júnior mostrar sua
habilidade de negociação. ―É preciso fazer o dono da companhia perceber que, se ele
vender, receberá um valor justo e que a obra de sua vida não será enterrada. Do contrário, a
empresa pode desaparecer‖, diz.

Esse poder de persuasão, aliás, é apontado por quem o conhece bem como um de seus
maiores trunfos. Apesar da infância modesta, Júnior é um empresário sofisticado. Cerca-se
de alguns dos mais respeitados banqueiros e advogados do país. Elabora estratégias
complexas ao mesmo tempo que cultiva, no ambiente de negócios, a imagem do caipira
bem-sucedido. Em boa medida, Júnior é a personificação de um estilo de gestão
tipicamente brasileiro - um jeito de conduzir os negócios que combina técnicas sofisticadas
com uma dose considerável de intuição, agressividade com o conservadorismo nos custos
típico dos negócios criados do zero, decisões rápidas com personalismo. Com seu jeitão
simples, ele sabe dizer o que o interlocutor quer ouvir e não tem problema em fazer
concessões - algo normalmente complicado para as multinacionais. Foi assim, por exemplo,
que a Hypermarcas atravessou a negociação da americana Pfizer com o laboratório de
genéricos Neoquímica. Apesar de colocar na mesa uma ótima proposta financeira, a Pfizer
não garantia uma posição executiva de destaque para o então presidente e principal
acionista da Neoquímica, Marcelo Limírio Gonçalves Filho. A negociação entre as duas
empresas já estava em estágio avançado quando Júnior entrou na disputa. Segundo um
executivo que acompanhou de perto o processo, ele ofereceu praticamente o mesmo valor
da multinacional americana - 1,3 bilhão de reais -, mas garantiu que Gonçalves Filho
assumiria o comando da área de medicamentos da Hypermarcas. ―Sempre aproveitamos as
pessoas e as culturas das empresas que compramos. Elas já sabem como funciona o
negócio e, principalmente, os erros que têm de ser evitados‖, diz Júnior. Em outro negócio
38

fechado pela Hypermarcas no ano passado, ele adotou uma tática diferente. Percebeu que
o dono da empresa com quem negociava se sentia frustrado por não ter herdeiros
interessados no negócio e temia que as marcas que havia criado desaparecessem. ―Sou o
filho que você não teve e vou fazer nossa empresa crescer‖, disse Júnior na ocasião. A
frase foi decisiva para que o negócio fosse fechado - e está longe de ser mero bla-bla-blá de
negociante. Depois de vender a Arisco, Júnior viu a marca praticamente desaparecer do
mercado nos anos seguintes. Antes líder de mercado em alguns segmentos - como
temperos, por exemplo -, ela hoje tem participação tímida dentro da linha de produtos da
Unilever e há tempos não recebe nenhum investimento de marketing. No ano passado, a
Unilever, vendeu para a empresa de café Santa Clara uma das marcas que vieram com a
aquisição da Arisco - a Frisco, de sucos em pó, que chegou a ser vice-líder desse segmento
no passado. A unidade da Arisco, em Goiás, foi modernizada e ampliada e hoje é a maior
fábrica de alimentos da Unilever no mundo. (No mercado, comenta-se que a marca Arisco
seria o novo alvo de aquisições da Hypermarcas. Os envolvidos não confirmam.)

Para construir seu conglomerado de produtos de consumo, Júnior contou com mais do que
uma boa estratégia e uma lábia convincente. Ele precisou provar ao mercado que, de fato,
tinha ambição e caixa suficientes para erguer uma companhia maior do que fora a Arisco.
Nesse sentido, sua grande tacada veio em 2007, com a aquisição da empresa de
medicamentos e produtos de cuidado pessoal Dorsay Monange, a paulista DM, dona de
marcas como Doril, Gelol e Risqué. Com a compra da empresa por 1,2 bilhão de reais - a
Hypermarcas triplicou seu faturamento. ―Júnior é um ótimo negociador e soube aproveitar o
bom momento do mercado brasileiro para criar uma grande companhia‖, afirmou a EXAME
Nelson Morizono, ex-dono da DM. Morizono e Júnior têm muitas características em comum.
Além da aversão à exposição pública (a entrevista a EXAME foi a primeira já concedida por
Morizono), ambos adotaram a estratégia de comprar marcas fortes e sustentá-las com
pesados investimentos em marketing. A compra da DM marcou também a estreia da
Hypermarcas nos dois mercados que mais crescem no setor de consumo, sobretudo depois
que o fenômeno da ascensão da classe C se fortaleceu: o de medicamentos que dispensam
receita médica, também conhecidos como OTC, e o de cuidados pessoais.
[...]
39

Pode-se dizer que o maior desafio de Júnior e seus executivos começa a partir de agora.
Para manter sua velocidade de crescimento e o interesse dos investidores por seus papéis,
sua empresa precisará fazer aquisições num ritmo ainda mais intenso do que o atual. A
meta de Júnior é comprar uma média de um novo negócio a cada dois meses em 2010 - e
pelo menos uma dessas operações deve envolver uma grande empresa. ―Vamos comprar
até triplicar de tamanho‖, diz Júnior. Pelas contas de Bergamo, para alcançar um
faturamento anual de aproximadamente 10 bilhões de reais, a Hypermarcas deverá levar
cinco anos. Depois disso, o volume das aquisições deve diminuir gradativamente. ―Já não
haverá tantas empresas à venda no mercado‖, diz Bergamo. A partir daí, preveem os
executivos da Hypermarcas, o crescimento no Brasil passará a ser basicamente orgânico,
concentrado nas áreas de atuação já exploradas pela companhia - alimentos, higiene e
limpeza, cuidados pessoais e medicamentos.

Segundo pessoas próximas a Júnior, porém, ele já estaria analisando a possibilidade de dar
os primeiros passos rumo à internacionalização de seu negócio. ―Com a crise, de fato, há
empresas baratas nos Estados Unidos e na Europa‖, diz Júnior. ―O problema é que não há
muita sinergia com os negócios no Brasil, e isso acaba encarecendo a operação.‖ Entre as
―companhias baratas‖, Júnior estaria olhando de perto um pequeno laboratório farmacêutico
americano e uma fabricante de cosméticos na Europa.
[...]
40

Fonte:
ONAGA, Marcelo. O império das marcas. Portal Exame, Seção Notícias. São Paulo, jan.
2010. Disponível em:
<http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0960/empresas/imperio-marcas-
527541.html?page=1>. Acesso em 3 fev. 2010.

Leitura complementar

Custos e riscos envolvidos em operações de aquisição de empresas


<http://www.parana-online.com.br/colunistas/277/53363/>

O
artigo a seguir trata da questão do crescimento do desemprego global em
consequência da crise econômico-financeira de 2009. Um dos problemas
socioeconômicos de maior relevância para os países do mundo, o desemprego
atinge de forma contundente tanto os países desenvolvidos quanto os subdesenvolvidos.
Vale considerar que os dados medem a incidência da crise sobre os empregos formais, mas
quais seriam os impactos sobre o mundo do trabalho informal? Ou mesmo sobre os diversos
seguimentos sociais em que não é possível mensurar o impacto?

DESEMPREGO GLOBAL ATINGE RECORDE DE 212 MI DE PESSOAS, DIZ OIT


da Folha Online

O desemprego mundial disparou em 2009 devido à crise e atingiu 6,6% da população


economicamente ativa. Com isso, 212 milhões de pessoas não estavam empregadas no
ano passado, o que é uma cifra recorde, afirmou nesta quarta-feira a OIT (Organização
Internacional do Trabalho), que ainda previu um agravamento da situação para este ano.

"O número de desempregados no mundo alcançou 212 milhões em 2009 devido a uma alta
sem precedentes de 34 milhões em relação a 2007, quando teve início a crise", informou a
OIT através da Agência Internacional do Trabalho, que divulgou hoje seu informe anual
"Tendências Mundiais do Emprego". Apenas em 2009 foram 27 milhões de pessoas a mais
sem emprego.

Entre 2007 e 2009, o índice de desemprego progrediu 0,9 ponto percentual.

Cerca de 12 milhões dos novos desempregados em 2009 --40% do total-- estão na América
do Norte, Japão e Europa Ocidental, e outros 8 milhões são encontrados no Leste Europeu
e na América Latina, informou a OIT. Já as taxas de desemprego na Ásia, na África e no
Oriente Médio ficaram estáveis.

Para 2010, a OIT prevê que mais 16 milhões de pessoas ficarão desempregadas, fazendo
com que a taxa de desemprego global chegue aos 7%.

Frente a uma situação econômica ainda frágil, a OIT pediu aos países que tomem medidas
que favoreçam a criação de empregos.
41

"Está claro que a prioridade política atual é evitar uma reativação econômica sem
empregos", advertiu o diretor-geral da Agência Internacional do Trabalho, Juan Somavia,
citado em um comunicado.

"A mesma vontade política que salvou os bancos deve ser aplicada para salvar e criar
empregos. Podemos obter isso graças a uma forte convergência das políticas públicas e do
investimento privado."

Fonte:
DESEMPREGO global atinge recorde de 212 mi de pessoas, diz OIT. Folha Online. 26 jan.
2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u684773.shtml>.
Acesso em 3 fev. 2010.

Leitura complementar

Organização Internacional do Trabalho


<http://www.oitbrasil.org.br/>

O
artigo a seguir aborda o que parece ser uma tendência no mundo do trabalho no
século XXI: as mulheres trabalham menos tempo em casa. O texto evidência o
crescimento da inserção das mulheres no mercado de trabalho, mas também revela
outras razões para esse fenômeno econômico e social. Que implicações esse processo de
mudança socioeconômica tem acarretado? Essas implicações interferem no modelo
tradicional de unidade familiar? Como os homens têm se adaptado a esta realidade?

MULHERES TRABALHAM MENOS TEMPO EM CASA


Com mercado de trabalho feminino aquecido e renda em alta, tempo semanal gasto em
tarefas domésticas cai 5 horas desde 2001
Vagas em setores como comércio e serviços ganham participação no mercado, e acesso a
bens de consumo agiliza trabalho no domicílio
Por Verena Fornetti

O número de horas que as mulheres dedicam aos afazeres domésticos está diminuindo. A
carga horária média empregada em tarefas como a limpeza da casa e o cuidado das
crianças e dos idosos passou de 28,9 horas por semana em 2001 para 23,9 horas em 2008,
segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A mudança se relaciona com o crescimento da participação das mulheres no mercado de


trabalho, com o avanço da renda, que permite a compra de bens que agilizam o cuidado
com a casa -como o micro-ondas, o liquidificador e a máquina de lavar- e com a melhora,
ainda que modesta, da divisão de tarefas domésticas entre os homens e as mulheres.

Ana Lúcia Sabóia, gerente do IBGE, destaca que, com a melhora na renda nos últimos
anos, mais famílias têm acesso a eletrodomésticos. "A cada ano, cresce o acesso a bens de
42

consumo. A máquina de lavar, por exemplo, é um dos itens mais libertadores da mulher e
ainda não é um bem universal no país, como a geladeira já é."

O acesso a serviços públicos também contribui para a queda no tempo gasto nas tarefas
relacionadas à casa, uma vez que a matrícula dos filhos em creches e escolas permite que
a mulher exerça outras atividades. E o aumento da renda possibilita a contratação de
empregadas ou diaristas para exercer essas atividades dentro da casa.

"As mulheres foram para a rua", afirma Hildete de Araújo, especialista da Universidade
Federal Fluminense, que destaca o aumento da participação das mulheres na População
Economicamente Ativa. Segundo o IBGE, em 2008, 47,2% das mulheres com dez anos ou
mais no país estavam ocupadas. Em 1992, eram 43,4%.

Ela diz que o IBGE fez antes da piora da crise as entrevistas para a Pnad 2008, que
apontou a diminuição do tempo gasto na realização das tarefas domésticas. Na ocasião,
cresciam os setores que empregam boa parte da mão de obra feminina, como comércio e
serviços.

Em 2009, apesar do impacto da recessão econômica, esses segmentos também estiveram


aquecidos, o que indica que continua crescendo a participação das mulheres no mercado de
trabalho. A Pnad 2009 será divulgada no fim deste ano.

Número subestimado
A pesquisadora afirma que o número de horas dedicadas à casa apontado pela pesquisa
está subestimado. Segundo Araújo, os dados referentes ao trabalho realizado pelo homem
dentro do domicílio também podem estar distorcidos. "Existe o preconceito de que trabalho
doméstico é coisa de mulher e, portanto, não é valorizado."

O professor da Unicamp Claudio Dedecca reforça essa percepção: "Os homens podem
responder ao pesquisador do IBGE que o tempo para lavar o carro conta como afazer
doméstico. E, por outro lado, a mulher pode não considerar atividades como a de levar os
filhos à escola porque acha que são coisas normais do dia a dia".

O IBGE incluiu a pergunta sobre dedicação a essas tarefas em 2001. Mas, mesmo com a
ressalva de que o número do IBGE pode estar aquém do real e de que a pesquisa é recente
-e, portanto, a base de dados para a análise ainda é limitada-, Dedecca diz que a diminuição
das horas dedicadas ao lar revela avanço na sociedade.

"Uma parte do trabalho doméstico não se pode exteriorizar -por exemplo, a atenção
dedicada à formação dos filhos. Mas outra parte espero que o poder público assuma, com
escola integral, creches etc."

Classes sociais
Os números do IBGE também revelam que, quanto menor é a escolaridade -e, por
conseguinte, a renda-, maior é o tempo dedicado à casa. Mulheres que estudaram 15 ou
mais anos empregam quase a metade do tempo nessas tarefas do que o gasto pelas que
frequentaram a escola por até um ano.
43

Fonte:
FORNETTI, Verena. Mulheres trabalham menos tempo em casa. Folha de S. Paulo. Seção
Dinheiro. São Paulo, 18 fev. 2010. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1802201020.htm>. Acesso em 18 fev. 2010.

Leitura complementar

Mulheres no Mercado de Trabalho: grandes números


<http://www.fcc.org.br/mulher/series_historicas/mmt.html>
44

O
artigo abaixo divulga um dado que impressiona: a abertura diária de 200 empresas,
em média, no Paraná. O texto trata do impacto dessas novas empresas para a
criação de novos empregos, mas também nos faz pensar sobre a questão do
empreendedorismo como condição necessária para o desenvolvimento econômico e social
da sociedade.

PARANÁ REGISTRA ABERTURA DE 200 EMPRESAS POR DIA


Da Redação

Com a criação de 56.023 novas empresas no ano passado, o Paraná mantém o ritmo de
abertura de 200 estabelecimentos produtivos por dia útil, dos quais 89,3% foram
enquadrados como micro e pequenas empresas e 3,65% como empresas de pequeno porte.

Esses números foram decisivos para a criação de 69.084 novos empregos, segundo Júlio
Maito Filho, presidente da Junta Comercial do Paraná. Das novas empresas abertas, 32%
estão em Curitiba e região metropolitana.

Os principais polos na criação de novas empresas foram: Londrina (4.080), Maringá (3.753),
Ponta Grossa (3.133), Cascavel (2.280), Umuarama (1.510), Santo Antônio da Platina
(1.311) e Foz do Iguaçu (1.103). Todas as cidades do interior tiveram aumento em relação à
abertura de empresas registradas em 2008.

Fonte:
PARANÁ registra abertura de 200 empresas por dia. O Diário do Norte do Paraná.
Maringá, 18 fev. 2010. Disponível em: <http://www.odiariomaringa.com.br/noticia/235870>.
Acesso em: 18 fev. 2010.

Leitura complementar

Portal Sebrae-PR
<http://www.sebraepr.com.br/>

Charge

A
partir de um recurso bastante simples, a charge a seguir demarca diferenças na
mensagem que se quer comunicar: a desproporção do lucro dos bancos com o
rendimento obtido na caderneta de poupança. O elefante e a formiga são utilizados
pelo autor para explicitar a realidade econômico-financeira brasileira.
45

Fonte: <cronistaurbano3.wordpress.com/2007/>.

Sugestões de filmes

A AGENDA, de Laurent Cantet (2001)

Vincent, interpretado por Aurélien Recoing, está desempregado, mas sem coragem de
contar à esposa e aos três filhos. Todas as manhãs ele sai para "trabalhar", mas na verdade
fica perambulando pela cidade. No seu desespero por se reintegrar à sociedade, Vincent
simula viagens de negócios e chega ao cúmulo de entrar em escritórios e cumprimentar as
pessoas como se fosse parte da equipe. Quanto mais o tempo passa, mais Vincent se
enrola para convencer a família de que tem uma agenda cheia de compromissos e suas
mentiras começam a surtir efeito, aumentando os problemas familiares e sua angústia
pessoal. O filme L'Emploi Du Temps, de Laurent Cantet (tal como o filme ―O Adversário‖, de
Nicole Garcia, de 2002) trata de dramas humanos diante do desemprego e da vida sem
46

sentido na sociedade burguesa. O argumento-chave do filme é baseado em fato real


ocorrido na França em janeiro de 1993 quando Jean-Claude Romand assassinou a mulher,
os filhos e os pais, antes de tentar (e falhar) matar-se. As investigações mostraram que não
era o médico que durante 18 anos dissera ser; que a sua vida não era a que ele dizia ser, já
que não tinha profissão, nem colaborava para as organizações internacionais em Genebra
como afirmava, e que ficcionava de forma laboriosa todas as viagens e demais práticas do
seu cotidiano. O filme de Cantet expõe a vida fictícia (e, portanto, simulada) de uma
personalidade em agudo processo de desefetivação. Diante de sua incapacidade de se
integrar aos tempos pós-modernos, só restava a Vincent empregar seu tempo simulando ser
produtivo. É a forma-limite da recusa de ser desefetivado por completo. Resta-lhe apenas o
recurso da fantasia e do engodo irremediável - engana aos outros e engana a si próprio. É o
surto psicótico de Vincent. Mas Vincent incorpora em si a verdade do capitalismo global sob
a dominância do capital financeiro. O mundo da globalização financeira é o mundo do
simulacro e da simulação sistêmica, onde o que parece ser, não é. Por exemplo, o que
parece ser a sociedade do trabalho é, de fato, a sociedade do desemprego, expressão
maior da lógica do capital exacerbado em tempo de globalização. Enfim, a simulação de
Vincent é sintoma do sistema social baseado no agudo fetichismo do dinheiro,
representação virtual do produto-mercadoria. Por outro lado, L'Emploi Du Temps expõe a
aguda incomunicabilidade que permeia a sociabilidade burguesa. Vincent não consegue
contar a esposa e aos filhos, ou mesmo aos amigos e aos pais, que perdeu o emprego e
que está à deriva. Ele está fechado em seu próprio particularismo.

Fonte:
A AGENDA. Tela Crítica. Sinopses de filmes.
Disponível em: <http://www.telacritica.org/letraA.htm#agenda>. Acesso em 25 fev. 2010.
47

SOCIEDADE

Introdução

N
este capítulo, serão abordados temas pertinentes sobre as relações sociais, como
educação, violência, juventude, saúde, homofobia, desigualdades sociais,
desenvolvimento humano, entre outros. Temas presentes no cotidiano da sociedade
contemporânea, mas que, em grande medida, passam despercebidos pela população em
geral. A indiferença parece ser um dos meios mais comuns de nos livrarmos deles, ao
menos até que nos atinjam diretamente. Nesse sentido, é importante entender que a
compreensão das questões que interferem nas relações sociais só acontece mediante a
sensibilidade perceptiva. Desse modo, num primeiro momento, quando o problema da
coletividade é percebido como problema para o indivíduo, em um segundo momento, ele
passa a existir como problema que requer análise.

Os textos selecionados nos permitem construir uma visão mais ou menos ordenada da
realidade social. O estudo das leis sociais que regulam a vida em sociedade dependerá do
empenho pessoal em aprofundar, por meio de novas leituras, os textos destacados. Sendo
assim, considera-se que a reflexão em torno dos textos propostos seja um primeiro passo
na direção de um processo efetivo e contínuo de investigação e análise dos problemas
sociais do tempo presente. Essa postura distingue o homem cidadão daqueles que adotam
a postura da lamentação e da indiferença.

Textos

texto a seguir, intitulado Sociedade e Tédio, da filósofa Olgária Mattos, faz uma

O análise das relações sociais no capitalismo contemporâneo. A autora procura


evidenciar as contradições existentes e inerentes à lógica da sociedade em que
todos os espaços parecem mercantilizados. Como lidar com as insatisfações cada vez mais
frequentes entre os indivíduos em sociedade? Quais caminhos nos levam a dar sentido para
a nossa existência?

SOCIEDADE E TÉDIO
Por Olgária Mattos*

―Sociedade do conhecimento‖ e ―técnicas da informação‖ constituem a aceleração do tempo,


baseada na circulação ininterrupta das revoluções tecnológicas e do capital no mercado
financeiro. Diferentemente da noção de crise econômica, o atual impasse é cultural, é crise
da cultura que perdeu autonomia, adaptada agora às contingências da financeirização e dos
sofismas políticos de que é portadora, como as indústrias do conhecimento.
48

Estas promovem os saberes a serviço exclusivo da economia, abrangendo todos os


aspectos da vida, do mundo do trabalho aos laços afetivos, da intimidade até a educação.
Seu poder de controle se expressa em uma cultura da incuriosidade, uma sociedade
desmotivada e sem projeto, dominada pela ―queda tendencial do valor espírito‖ e de sua
capacidade de criar e reconhecer valores, mundo empobrecido pelo extraordinário
achatamento da experiência do tempo, plasmado na imediatez e na pressa.

O homem contemporâneo só tem tempo para suas urgências; sua curiosidade é insaciável,
mas se contenta com pouco.

Eric Fromm refere-se ao traço do presente que consiste em ―fazer de tudo para economizar
tempo e, quando o conseguimos, nós o matamos porque não sabemos o que fazer com
ele.‖ Nos anos 1840, Marx analisava o trabalho alienado escrevendo que o trabalhador,
quando no trabalho, está fora de si, porque não realiza uma livre atividade física e espiritual,
mas martiriza seu corpo e arruína seu espírito. Só se sente junto a si mesmo quando fora do
trabalho. Na modernidade, fora do trabalho tampouco o trabalhador se encontra junto a si, o
indivíduo tendo perdido o controle dos usos do tempo e de sua própria vida. A organização
institucional do tempo é um dos atributos mais eminentes da dominação.

O sentimento de não se ter tempo abrange a sociedade inteira, não apenas quem se
encontra sobrecarregado de trabalho, mas também os desempregados, todos respirando
―uma atmosfera carregada de comunicação‖, preenchida pelas indústrias de entretenimento
e de cultura de massa, adaptadas ao homem desumanizado e supérfluo. O ―turbo-
capitalismo‖ produz exclusão e concorrência, estresse e depressões, inviabilizando laços
duradouros. Perda do tempo é perda de autonomia e de experiência. Por isso Walter
Benjamin escreveu que ―as rugas em nosso rosto são as assinaturas das grandes paixões
que nos estavam destinadas, mas nós, os senhores, não estávamos em casa.‖

A circulação e o acúmulo do capital determinam tempos mortos e movimento perpétuo,


indigência e vulnerabilidade, circunstância que se manifesta no ―tédio dos jovens das
periferias‖, na fragilização do sentido de pertencimento a um mundo comum, sentimento de
desvalorização de si, com o déficit simbólico que isso implica.

O capitalismo contemporâneo manifesta seu ethos anti-comunicativo, pois dissolve as


condições da comunicação de valores e experiências, reduzida a simples instrumento de
troca e de informação. Substituindo o ―desejo de ser livre‖ pela mudança incessante, o
capitalismo não preenche necessidades mas as multiplica, gerando frustração e tédio.
Razão pela qual em 1968 o maio francês grafitou nos muros de Paris: ―não mude de
emprego, mude o emprego de sua vida‖.

*Olgária Mattos é filósofa, professora titular da Universidade de São Paulo.

Fonte:
MATTOS, Olgária. Sociedade e tédio. Disponível em:
<http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4207>. Acesso em 4
fev. 2010.
49

Leitura complementar

<http://www.apropucsp.org.br/revista/revista_30.htm>

O
artigo a seguir trata do tema da homofobia. O texto aborda o problema no
continente africano, mas essa questão social manifesta-se de forma crescente em
toda sociedade contemporânea. A palavra homofobia é nova, nem mesmo encontra-
se nos dicionários, e define a discriminação, ódio e preconceito que se exerce sobre
homossexuais. A partir das reflexões suscitadas pelo artigo, podemos discutir sobre os
diversos problemas éticos envolvidos nesse assunto. Quais os desdobramentos sociais que
decorrem do fenômeno da homofobia?

HOMOFOBIA, UM FENÔMENO MUITO DIFUNDIDO NA ÁFRICA


Le Monde

Mesmo vista do Ocidente, a homofobia que reina com frequência no Senegal pode
surpreender. É preciso compreender que ela não é própria do "país da Téranga" [a
cordialidade da população senegalesa]. É um fenômeno que afeta todo o continente negro.
E os dirigentes políticos africanos "frequentemente sopram as brasas".

Em termos de homofobia, vários dirigentes políticos não estão imunes. O presidente de


Gâmbia, Yaya Jammeh, deu no ano passado "24 horas para os homossexuais e outros
criminosos deixarem o país". "Se não os contraventores terão a cabeça cortada", ele
acrescentou. Não sabemos se muitos obedeceram, mas eles sabem que não são realmente
apreciados nesse pequeno país que separa a Casamance do norte do Senegal.

Robert Mugabe, o velho presidente de Zimbábue, no poder desde 1980, também se


especializou nas diatribes homófobas. Ele apresenta a homossexualidade como uma
"doença ocidental", retomando assim uma tese muito popular na África: a ideia segundo a
qual a homossexualidade teria sido "importada" pelos ocidentais para o continente negro. E
que essas práticas seriam estranhas à cultura africana.

Na África, os defensores dos direitos dos homossexuais são extremamente raros. Cheikh
Ibrahima Niang, professor de antropologia social na Universidade de Dacar, recentemente
causou sensação no Senegal ao defender os direitos dos homossexuais. Mas ele estava
bem isolado em seu país.

Ele constata até um aumento da homofobia: "Sempre houve correntes homofóbicas na


sociedade senegalesa, mas elas se tornam cada vez mais fortes", ele salienta em uma
entrevista dada à Agência France Presse. Esse aumento da homofobia é instrumentalizado
pelos religiosos radicais, muito contentes em denunciar os "danos morais provocados pela
ocidentalização da sociedade".

Desde então os homossexuais se escondem. Suas famílias e seus amigos ignoram tudo
50

sobre sua preferência sexual. No continente, a homossexualidade é um assunto que faz


muita gente se esconder.

Mesmo a "muito séria" BBC fez recentemente esta pergunta surpreendente a seus ouvintes
em um programa destinado à África: "Deve-se matar os homossexuais?" Uma formulação
tão chocante que sem dúvida serve para atrair audiência. E para "cativar as imaginações".
Mas certamente não para fazer progredir a tolerância.

Fonte:
HOMOFOBIA, um fenômeno muito difundido na África. Le Monde. 23 jan. 2010. Disponível
em: <http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2010/01/23/ult580u4152.jhtm>. Acesso
em: 8 fev. 2010.

Filme sugerido

Curta Metragem – Homofobia (2005)


<http://www.portacurtas.com.br/Filme.asp?Cod=3599>

A
expectativa de vida da população brasileira está muito abaixo das posições dos
países desenvolvidos, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Os dados apontam para um aspecto da
realidade brasileira que está relacionado com alguns setores, como o da saúde e o da
segurança pública. Pergunta-se quais políticas públicas têm sido implementadas para
melhorar esse índice social? As políticas de assistência social, como, por exemplo, o de
bolsas, são um mecanismo eficiente no sentido de aumentar a expectativa de vida do
brasileiro?

EXPECTATIVA DE VIDA PUXA PARA BAIXO INDICADOR DE DESENVOLVIMENTO NO


BRASIL, DIZ ONU
Por Claudia Andrade

A expectativa de vida é um indicador que puxa para baixo a posição do Brasil no ranking do
IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Se esse fator fosse considerado isoladamente, a
posição brasileira na lista seria a 81ª. No ranking de nações divulgado nesta segunda-feira
(5) pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o Brasil aparece na
75ª posição, com uma expectativa de vida de 72,2 anos, em média.

A partir dessa constatação, o relatório da ONU defende um aumento na expectativa de vida


para melhorar o IDH do país. Essa melhora poderia vir com o aumento de recursos para a
área da saúde.

Mulheres vivem mais, mas ganham menos


Mulheres Homens
75,9 anos 68,6 anos
90,2% alfabetizadas 89,8% alfabetizados
51

89,4% estudando 85,1% estudando


US$ 7.190 US$ 12;006
Fonte: Pnud

Segundo o levantamento, o Brasil destinou 14,5% do PIB (Produto Interno Bruto) para a
educação, no período compreendido entre os anos 2000 e 2007, e apenas metade disso -
7,2% - com saúde (dado de 2006).

O economista sênior do Pnud, Flávio Comim, afirma que a desigualdade de renda no país
se reflete na expectativa de vida. "Ao mesmo tempo em que encontramos bairros com
expectativa acima de 80 anos em outros lugares a média é de 60 anos."

Segundo ele, uma das principais causas da expectativa de vida no país ainda não ser a
ideal é a mortalidade infantil. Em regiões mais pobres do Brasil, onde as mães têm nível
educacional inferior, o índice chega a 119 crianças mortas a cada mil. "Uma taxa superior a
alguns países africanos", explica.

"Investir na educação também ajuda a melhorar a expectativa de vida. A educação está na


direção certa. Mas tem que investir mais em saúde, dando atenção aos mais pobres",
defende Comim.

"O importante é saber como uma expectativa de vida de 72,2 anos possa passar para 82
anos, como no Japão, ou para 80 anos, como na maioria dos países desenvolvidos. Para
isso é necessário um conjunto de políticas que vão desde a saúde até o combate à
violência".

Ministério da Saúde contesta dados


O Ministério da Saúde afirma que o quadro atual da mortalidade infantil no Brasil é diferente
do apresentado pela ONU.

"Não estão pegando a realidade recente do Brasil. Com certeza, a partir de 2010 vai haver
uma melhora", diz o diretor do departamento de análise de situação de saúde do ministério,
Otaliba Libânio.

Ranking do IDH 2009


1) Noruega 0,971
2) Austrália 0,970
3) Islândia 0,969
4) Canadá 0,966
5) Irlanda 0,965
13) EUA 0,956
44) Chile 0,878
75) Brasil 0,813
180) Serra Leoa 0,352
181) Afeganistão 0,352
182) Níger 0,340
Fonte: Pnud
52

Ele citou dados bem melhores em relação à mortalidade infantil. Os números mostram que,
em 1990, a taxa era de 53,7 mortes a cada mil crianças entre 0 e 5 anos. Em 2007, o índice
caiu par 23,1 mortes a cada mil nascidos vivos.

"Esse é o indicador que mais tem apresentado melhora. A meta do milênio, para 2015, deve
ser atingida antes disso. Nossa expectativa é que, se continuar caindo assim, a meta será
atingida em 2012", diz Libânio. A meta a ser atingida é de 17,9 mortes a cada mil crianças
entre 0 e 5 anos.

O diretor do ministério diz que as mortes por violência, inclusive no trânsito, têm peso
igualmente grande na expectativa de vida no Brasil. Concorda, no entanto, que o país
precisa de mais investimento em saúde.

Para que os investimentos possam aumentar, ele cita aquela que tem sido a bandeira do
Ministério da Saúde, a regulamentação da Emenda 29, que fixa percentuais mínimos a
serem destinados pela União, Estados e municípios para a área de saúde.

A lei que regulamenta os percentuais está parada no Congresso Nacional por conta de uma
divergência em relação à criação da nova CPMF, que está incluída na Emenda 29. A
oposição é contra o novo imposto e tem obstruído a votação na Câmara dos Deputados.

Fonte:
ANDRADE, Claudia. Expectativa de vida puxa para baixo indicador de desenvolvimento no
Brasil, diz ONU. UOL notíciais. 5 out. 2009. Disponível em:
<http://noticias.uol.com.br/ultnot/internacional/2009/10/05/ult1859u1609.jhtm>
Acesso em 11 fev. 2010.

Evolução da expectativa de vida do brasileiro ao longo das últimas décadas

Fonte: <http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=4531&bd=2&pg=1&lg>
53

N
o artigo a seguir, a escritora Lya Luft faz uma análise da posição brasileira no
ranking de desenvolvimento educacional ―Educação para todos‖, divulgada pela
Unesco. A autora compara a posição brasileira em relação aos países mais pobres
da América Latina e entre suas reflexões destaca-se a pergunta: ―Quanto interesse temos
num povo educado [...]?‖

EDUCAÇÃO DE QUARTO MUNDO


Por Lya Luft

No meio da tragédia do Haiti, que comove até mesmo os calejados repórteres de guerra,
levo um choque nacional. Não são horrores como os de lá, mas não deixa de ser um drama
moral. O relatório "Educação para todos", da Unesco, pôs o Brasil na 88ª posição no ranking
de desenvolvimento educacional. Estamos atrás dos países mais pobres da América Latina,
como o Paraguai, o Equador e a Bolívia. Parece que em alfabetizar somos até bons, mas
depois a coisa degringola: a repetência média na América Latina e no Caribe é de pouco
mais de 4%. No Brasil, é de quase 19%.

No clima de ufanismo que anda reinando por aqui,


talvez seja bom acalmar-se e parar para refletir.
Pois, se nossa economia não ficou arruinada, a
verdade é que nossas crianças brincam na lama do
esgoto, nossas famílias são soterradas em casas
cuja segurança ninguém controla, nossos jovens são
assassinados nas esquinas, em favelas ou
condomínios de luxo somos reféns da bandidagem
geral, e os velhos morrem no chão dos corredores
dos hospitais públicos. Nossos políticos continuam
numa queda de braço para ver quem é o mais impune dos corruptos, a linguagem e a
postura das campanhas eleitorais se delineiam nada elegantes, e agora está provado o que
a gente já imaginava: somos péssimos em educação.

Pergunta básica: quanto de nosso orçamento nacional vai para educação e cultura? Quanto
interesse temos num povo educado, isto é, consciente e informado - não só de seus deveres
e direitos, mas dos deveres dos homens públicos e do que poderia facilmente ser muito
melhor neste país, que não é só de sabiás e palmeiras, mas de esforço, luta, sofrimento e
desilusão?

Precisamos muito de crianças que saibam ler e escrever no fim da 1ª série elementar;
jovens que consigam raciocinar e tenham o hábito de ler pelo menos jornal no 2º grau;
universitários que possam se expressar falando e escrevendo, em lugar de, às vezes com
beneplácito dos professores, copiar trabalhos da internet. Qualidade e liberdade de
expressão também são pilares da democracia. Só com empenho dos governos, com
exigência e rigor razoáveis das escolas - o que significa respeito ao estudante, à família e ao
professor - teremos profissionais de primeira em todas as áreas, de técnicos,
pesquisadores, jornalistas e médicos a operários. Por que nos contentarmos com o pior, o
medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso? Quando
54

empregarmos em educação uma boa parte dos nossos recursos, com professores
valorizados, os alunos vendo que suas ações têm consequências, como a reprovação -
palavra que assusta alguns moderníssimos pedagogos, palavra que em algumas escolas
nem deve ser usada, quando o que prejudica não é o termo, mas a negligência. Tantos são
os jeitos e os recursos favorecendo o aluno preguiçoso que alguns casos chegam a ser
bizarros: reprovação, só com muito esforço. Trabalho ou relaxamento têm o mesmo valor e
recompensa.

Sou de uma família de professores universitários. Exerci o duro ofício durante dez anos, nos
quais me apaixonei por lidar com alunos, mas já questionava o nível de exigência que podia
lhes fazer. Isso faz algumas décadas: quando éramos ingênuos, e não antecipávamos ter
nosso país entre os piores em educação. Quando os alunos ainda não usavam celular e
iPhone na sala de aula, não conversavam como se estivessem no bar nem copiavam seus
trabalhos da internet - o que hoje começa a ser considerado normal. Em suma, quando
escola e universidade eram lugares de compostura, trabalho e aprendizado. O relaxamento
não é geral, mas preocupa quem deseja o melhor para esta terra.

Há gente que acha tudo ótimo como está: os que reclamam é que estão fora da moda ou da
realidade. Preparar para as lidas da vida real seria incutir nos jovens uma resignação de
usuários do SUS, ou deixar a meninada "aproveitar a vida": alguém pode me explicar o que
seria isso?

Fonte:
LUFT, Lya. Educação de quarto mundo. Revista Veja, São Paulo, fev. 2010. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/030210/educacao-quarto-mundo-p-022.shtml>. Acesso em 17 fev.
2010.

Leitura complementar

Observatório da Educação
<http://www.observatoriodaeducacao.org.br/>

O
texto Juventude, violência e desigualdade social revela um quadro dramático da
violência na sociedade brasileira: a morte de jovens até 2012 será superior às
guerras que temos notícia nos últimos anos. Essa grave estatística revela uma das
faces mais cruéis do baixo desenvolvimento social alcançado pelo país. Nesse grupo,
encontram-se em risco direto e indireto jovens com formação familiar e sem formação
familiar sólida, estudantes e não estudantes, empregados e desempregados, enfim, o
problema atinge a todos indistintamente.

JUVENTUDE, VIOLÊNCIA E DESIGUALDADE SOCIAL


Por Alisson Almeida

Até 2012, 33 mil adolescentes brasileiros serão assassinados antes te completarem 19 anos
de idade. O dado alarmante – média de 13 mortes diárias por homicídios de adolescentes –
55

consta do Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), divulgado ontem (21) pelo


governo federal, Unicef, Observátório de Favelas e pelo Laboratório de Análise da Violência
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). O estudo aponta que as capitais devem
concentrar 15.715 do total de mortes estimadas para o período nas cidades brasileiras com
mais de 100 mil habitantes.

A pesquisa foi realizada em 267 municípios brasileiros com mais 100 mil habitantes. O
IHA serve para estimar o risco de mortalidade por homicídio de adolescentes entre 12 e 18
anos.

Considerando apenas as 10 capitais com maior IHA, o levantamento estima que, em sete
anos, 9.492 adolescentes entre 12 e 18 anos perderão serão assassinados.

Maceió (AL) é a capital brasileira com a maior média de adolescentes assassinados. O IHA
da capital alagoana é de 6,03 jovens assassinados em cada grupo de mil adolescentes. Em
seguida, vêm Recife (IHA 6) e o Rio de Janeiro (IHA 4,9). Natal (IHA 2,0) está em 14º no
ranking das capitais com maior índice de jovens assassinados – entre os 227 municípios
pesquisados, a capital potiguar ocupa a 112ª colocação.

Mas é a cidade paranaense de Foz do Iguaçu o município que registra o maior índice (9,7)
de jovens assassinados em cada grupo de mil adolescentes. O IHA de Foz do Iguaçu é mais
de três vezes superior à média nacional.

Levando-se em consideração o fator regional, a maioria dos municípios com altos Índices de
Homicídios na Adolescência está concentra no Sudeste. A situação é mais crítica na região
metropolitana de Belo Horizonte (MG), no entorno de Vitória (ES) e na região metropolitana
do Rio de Janeiro (RJ), com índices de 4, 4,3 e 4,9 mortes em cada grupo de mil,
respectivamente.

No Nordeste, as cidades de Petrolina (PE), Ilhéus (BA) e João Pessoa (PB) registraram
índices acima de três mortes para cada mil.

O estudo indica que o risco de ser assassinado no Brasil é 2,6 vezes maior entre
adolescentes negros do que entre brancos. Em relação ao gênero, o risco de ser vítima
de homicídio é 11,9 vezes maior para homens.

Alerta
Os números mostram que o Brasil está perdendo uma geração inteira para a violência
urbana. As vítimas dessa catástrofe têm perfil conhecido: em sua maioria, são jovens,
homens, pobres e pretos. A carência sócio-econômica e a ineficiência das políticas públicas
de inclusão social favorecem (importante fazer a distinção entre favorecer e determinar) o
envolvimento dos adolescentes e jovens com a criminalidade, principalmente nas periferias
das grandes cidades.

Não há como vencer a guerra contra a violência sem resolver o problema do imenso abismo
social que faz do Brasil uma das nações mais desiguais do mundo. A vida desses
56

adolescentes e jovens brasileiros continuará sendo abreviada enquanto continuarmos


fechando os olhos para a tragédia da distribuição de renda em nosso país.

Fonte:
ALMEIDA, Alisson. Juventude, violência e desigualdade social. Blog Embolando as
palavras. 22 jul. 2009. Disponível em:
<http://embolandopalavras.wordpress.com/2009/07/22/juventude-violencia-e-desigualdade-
social/>. Acesso em 22 fev. 2010.

Leitura complementar

Juventude, Violências e Políticas Públicas


<http://www.espacoacademico.com.br/075/75pimenta.htm>

O
artigo a seguir trata do poder da meditação, um dos recursos terapêuticos que vem
ganhando mais espaço e respeito no tratamento de inúmeras doenças, entre elas a
depressão, males cardíacos e até a Aids. Uma prática consagrada no Oriente, com
importantes resultados na qualidade de vida da população, começa a fazer parte do dia-a-
dia de uma parcela já considerável da população brasileira. Apesar do desprezo dos setores
públicos e a contragosto de setores da saúde, em especial da indústria farmacêutica, as
técnicas de meditação ganham espaço em clínicas respeitadas em todo país. A leitura a
seguir oferece mostras da sua importância e traz informações esclarecedoras sobre seus
benefícios.

O PODER DA MEDITAÇÃO
Por Cilene Pereira e Maíra Magro

Ela chegou ao Ocidente como mais um item da lista de atrações exóticas do Oriente. Hoje,
está se transformando em um dos mais respeitados recursos terapêuticos usados pela
medicina que conhecemos. Está se falando aqui da meditação, uma prática milenar cujo
principal objetivo é limpar a mente dos milhares de pensamentos desnecessários que por
ela passam a cada minuto, ajudando o indivíduo a se concentrar no momento presente. É
por essa razão que um de seus benefícios é o de ajudar as pessoas a lidar com sentimentos
como a ansiedade. Mas o que se tem visto, de acordo com as numerosas pesquisas
científicas a respeito da técnica, é que a meditação se firma cada vez mais como um
espécie de remédio – acessível e sem efeitos colaterais – indicado para um leque já amplo
de enfermidades: da depressão ao controle da dor, da artrite reumatoide aos efeitos
colaterais do câncer.

A inclusão da prática no rol de tratamentos da medicina ocidental é um fenômeno mundial.


Nos Estados Unidos, por exemplo, ela figura entre as opções de centros renomados como o
Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, um dos centros de referência do planeta no
tratamento da doença. Também está disponível na Clini Mayo, outro respeitado serviço de
saúde. No Brasil o método começa a ganhar espaço, boa parte dele assegurado pela
Política de Práticas Integrativas e Complementares dos SUS, implementada em 2006 pelo
57

Ministério da Saúde. Ela incentiva o uso, pela rede pública, de uma série de práticas não
convencionais – como a medicina tradicional chinesa, a acupuntura e a fitoterapia – para
auxiliar no processo de cura. ―Nessas diretrizes, a meditação está prevista com parte
integrante da medicina chinesa‖, explica a médica sanitarista Carmem De Simoni,
coordenadora do programa.
[...]
No Instituto do Cérebro do Hospital Albert Einstein, aqui no Brasil, pela técnica de
ressonância magnética foram fotografados os cérebros de 100 voluntários, antes e depois
de um retiro de uma semana para práticas diárias. ―Na análise de uma primeira amostra,
observamos que as áreas ligadas à atenção, como o córtex pré-frontal e o cíngulo anterior,
ficaram mais ativadas após o treinamento‖, afirma a bióloga Elisa Kozasa, responsável pela
pesquisa. As regiões cerebrais eram observadas enquanto os voluntários realizavam testes
para medir o quanto estavam atentos. ―Houve uma tendência de maior número de acertos e
mais velocidade nas respostas após a meditação‖, explica a pesquisadora Elisa.
58

Na área da oncologia, há várias evidências científicas de eficácia. Tome-se como exemplo o


estudo feito na Universidade de Brasília pelo psiquiatra Juarez Iório Castellar. Ele investiga
os efeitos do método em 80 pacientes com histórico de câncer de mama. Castellar pediu às
participantes que preenchessem questionários para medir a qualidade de vida. Por meio da
coleta de amostras de sangue e saliva antes e depois dos exercícios meditativos, ele
também está acompanhando variações hormonais que indicam a situação da doença. ―Um
dos dados que já verificamos é que a meditação reduziu os efeitos colaterais da
quimioterapia, como náuseas, vômitos, insônia e inapetência‖, afirma.

Outra frente de pesquisas tenta decifrar seu impacto nas doenças mentais. Novamente, as
conclusões são bem animadoras. Na Universidade de Exeter, na Inglaterra, o pesquisador
Willem Kuyken verificou que o método é uma opção concreta para auxiliar no controle da
depressão a longo prazo. Depois de 15 meses comparando a evolução de pacientes que
meditavam e tomavam remédios com a apresentada por aqueles que apenas usavam os
antidepressivos, o cientista constatou que crises mais sérias ocorreram em 47% dos
meditadores, enquanto entre os outros o índice foi de 60%. Na Universidade George
Washington, nos Estados Unidos, a técnica provou-se uma aliada no tratamento de crianças
com transtorno de hiperatividade e déficit de atenção. ―Houve redução de 50% dos sintomas
após três meses de prática‖, disse à ISTOÉ Sarina Grosswald, coordenadora da pesquisa.
Há ainda evidências de benefícios na luta contra transtornos alimentares como bulimia e
dependência de drogas. ―A meditação relaxa os dependentes e os torna mais fortes para
resistir à vontade de consumir drogas‖, explicou à ISTOÉ Elias Dakwar, do Instituto de
Psiquiatria do Columbia-Presbyterian Medical Center, em Nova York, instituição que passou
a usar o método recentemente.

O segredo que possibilita efeitos dessa magnitude nestes tipos de patologias é o fato de a
meditação ensinar o indivíduo a viver o presente, sem antecipar medos e sofrimentos. ―E
como o ato de pensar é ‗desligado‘, a mente transcende seu estado ocupado e experimenta
um profundo silêncio‖, explica Sarina Grosswald. ―O corpo, por sua vez, fica totalmente
relaxado.‖ É este o mecanismo que também explica parte do seu poder contra a dor. ―O
método ajuda os pacientes a perceberem a dor e a deixá-la ir embora, sem se prender a
ela‖, disse à ISTOÉ Paula Goolkasian, da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados
Unidos. Ela faz parte de uma equipe que estuda intensamente a relação entre dor e
meditação e é autora de alguns artigos científicos a respeito do tema.

Permeando todos esses processos, porém, está a redução do stress proporcionada pelo
método – e os benefícios advindos disso. O controle da tensão implica mudanças
importantes na química cerebral, entre elas a diminuição da produção do cortisol. Liberado
em situações de stress, o hormônio tem consequências danosas. Uma delas é a elevação
da pressão arterial. Portanto, quanto menor sua concentração, mais baixas são as chances
de hipertensão. E como a meditação diminui o stress, acaba reduzindo, indiretamente, a
pressão. Este mecanismo explica por que a técnica contribui para a prevenção de doenças
cardiovasculares, como o infarto e o acidente vascular cerebral, causadas, entre outras
coisas, por uma pressão arterial acima dos níveis recomendados. Um estudo recente
realizado na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, deu uma ideia desse
potencial. Durante nove anos, os cientistas acompanharam 201 homens e mulheres com
média de 59 anos de idade. Parte foi orientada a meditar todos os dias e o restante recebeu
59

recomendação para mudar hábitos. Os meditadores tiveram 47% menos chance de morrer
de um problema cardiovascular em comparação com os outros. Com base nesse resultado,
o coordenador da pesquisa, Robert Schneider, considera que a descoberta equivale ao
encontro de uma nova classe de ―remédios‖ para evitar essas enfermidades. ―Nesse caso, a
medicação é derivada dos próprios mecanismos de cura do corpo e de sua farmácia
interna‖, disse à ISTOÉ.

A ciência registrou ainda mais um impacto positivo da redução do stress promovida pelo
método: o auxílio contra a Aids.A doença caracteriza-se pelo ataque do vírus HIV aos
linfócitos CD-4 (células que integram o sistema de defesa do corpo). Por causa disso, o
corpo fica mais vulnerável a infecções, podendo sucumbir a elas. Mas é sabido que outro
inimigo dos exércitos de defesa é o stress: o hormônio cortisol enfraquece seu
funcionamento. Por isso, diminuir a tensão é uma maneira de evitar que isso aconteça. Na
Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, os cientistas testaram a força da meditação
para controlar o stress em pacientes com Aids e constataram que, também aqui, ela
funciona. Eles selecionaram 48 pessoas soropositivas, divididas em dois grupos: um
meditou e o outro, não. Após oito semanas, os que a praticaram não apresentavam perda
de CD-4, ao contrário dos outros participantes. Isso revela que a meditação reduziu o stress.
Dessa maneira, contribuiu para preservar o sistema imunológico dos pacientes, ajudando a
retardar o avanço do HIV.

Uma das mais intrigantes abordagens de pesquisa é a que estuda a relação entre o método
e o envelhecimento precoce. Os pesquisadores começaram a fazer essa associação a partir
da certeza do vínculo entre o stress – ele de novo – e a ocorrência de uma deterioração
celular acentuada. Partindo desse raciocínio, eles querem saber se a meditação também
teria efeito indireto nesse mecanismo, já que atua sobre o stress. Cientistas da Universidade
da Califórnia estão investigando se a redução do stress causada pela meditação poderia
provocar um efeito benéfico sobre os telômeros – espécie de capa protetora das
extremidades dos cromossomos cujo comprimento está associado ao grau de
envelhecimento celular. Quanto mais comprido, menor o índice de desgaste. E um dos
fatores de desgaste dos telômeros é o stress. Portanto, quanto menos stress, mais
preservadas essas estruturas.

No Brasil, o interesse por esse tema, especificamente, também cresce. O médico José
Antônio Esper Curiati, do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, por
exemplo, coordena grupos de meditação para idosos ―Estou medindo os efeitos da prática
em aspectos como memória, humor e qualidade do sono‖, diz. No Centro de Estudos do
Envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo, o médico Fernando Bignardi é outro
que acompanha os reflexos em indivíduos na terceira idade. ―O que notamos de mais
imediato é uma mudança na condição emocional‖, relata. ―Depois há uma melhora no sono,
nas condições metabólicas e, finalmente, alterações clínicas que levam à melhora de
doenças como hipertensão e diabetes.‖

A experiência bem-sucedida incentivou Bignardi a desenvolver uma pesquisa mais ampla. A


instituição acompanha a saúde de 1,5 mil idosos para verificar a relação entre estilo de vida,
personalidade, cognição e doenças. A intenção agora é analisar como a prática meditativa
interfere nessa equação – inclusive na incidência de doenças neurodegenerativas como o
60

mal de Alzheimer. A médica Edith Horibe, presidente da Academia Brasileira de Medicina


Antienvelhecimento, já indica a meditação para seus pacientes. ―Sem dúvida, ela permite
uma vida mais longa e com saúde‖, afirma. ―E a técnica não exige mudanças no estilo de
vida‖, completa Kleber Tani, diretor da seção carioca da Sociedade Internacional de
Meditação.

Fonte:
PEREIRA, Cilene; MAGRO, Maíra. O poder da meditação. ISTOÉ. Seção Medicina & Bem-
estar. São Paulo, ano 34, no. 2102, 24 fev. 2010.

Leituras complementares

Yoga Brasil
<http://www.yogabrasil.org/comece-aqui.html>

Técnicas de meditação
<http://www.golfinho.com.br/artigospnl/medita.asp>

O
artigo a seguir aborda o problema do déficit de atenção e a hiperatividade,
transtorno que atinge, segundo os dados apresentados, entre 5% e 6% das
crianças. Essas porcentagens revelam que o problema atinge significativamente a
população. Apesar da gravidade, é grande o desconhecimento sobre o problema. A falta de
informações e tratamento faz com que o transtorno acompanhe os indivíduos na fase adulta.
A partir da leitura do texto abaixo, é possível refletir sobre as consequências sociais do
déficit de atenção e da hiperatividade.

DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE COMEÇAM NA INFÂNCIA E PODEM


CONTINUAR NA VIDA ADULTA.

Embora seja um problema bem estudado e tenha tratamento, nem sempre esse transtorno é
identificado ou diagnosticado corretamente. Pior, ainda há quem acredite que se trata
apenas de um mito.

Distraídos, agitados, bagunceiros, desorganizados... É


extensa a lista de adjetivos de conotação negativa usada
para definir crianças e adultos que apresentam, de maneira
intensa e frequente, comportamentos e atitudes diferentes
daqueles tidos como padrão. Os pais acham que os filhos
são ―elétricos‖ ou que vivem no mundo da lua. A escola
reclama do aluno que tumultua a classe e não presta
atenção à aula. A criança se ressente porque não vai bem
nas provas, leva bronca de todos ou é isolada pelos
colegas, pois abandona as brincadeiras ou as atrapalha
com sua impulsividade. Esses podem ser alguns indícios de
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
61

O problema atinge de 5% a 6% das crianças, independentemente de país ou fatores


culturais, e acompanhará o indivíduo na vida adulta em mais da metade dos casos. Na
infância, geralmente está associado a dificuldades na escola e nos relacionamentos com
pais, professores e outras crianças. Na fase adulta, prejudica as atividades nos âmbitos
profissional, familiar, afetivo e social. A falta de atenção e a impulsividade também fazem
com que essas pessoas sofram mais acidentes, seja a criança no ambiente doméstico ou o
adulto que busca adrenalina no excesso de velocidade, por exemplo. Aulas monótonas e
tarefas burocráticas costumam provocar o desinteresse dos portadores de TDAH. Qualquer
coisa os distrai, desviando o foco dos objetivos e elevando as possibilidades de insucesso.
Em compensação, são brilhantes e dedicados quando alguma atividade os apaixona.

Difundido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), consenso médico internacional e


tema de inúmeros estudos, o TDAH ainda é um problema pouco conhecido e alvo de
polêmicas. Mesmo entre profissionais, há quem o considere um mito, ignorando evidências
como as alterações no cérebro dos portadores do transtorno – justamente nas regiões
responsáveis pela inibição de comportamentos, pela capacidade de prestar atenção, pelo
autocontrole, pela organização e pelo planejamento. Estudos também apontam alterações
no sistema de neurotransmissores (principalmente dopamina e noradrenalina), que são
substâncias que transmitem informação entre os neurônios. Uma pesquisa realizada por
especialistas do National Institute of Mental Health (EUA) revelou um atraso médio de
aproximadamente três anos no amadurecimento dessas áreas do cérebro em crianças com
esse transtorno.

A origem do problema tem forte carga genética. Mas não se acredita na existência de um
―gene TDAH‖ e sim em uma herança poligênica, ou seja, vários genes determinando o
desenvolvimento do transtorno. Os sintomas são hiperatividade, impulsividade e/ou falta de
atenção. Para a classificação do paciente, os médicos adotam as referências do DSM IV, o
manual de diagnóstico e estatística de perturbações mentais da Associação Americana de
Psiquiatria, que lista nove sinais/sintomas de déficit de atenção e outros nove de
hiperatividade-impulsividade. Entre eles estão itens como não prestar atenção a detalhes,
dificuldade de concentrar-se, perder coisas importantes, ficar remexendo as mãos ou os pés
quando sentado, falar em demasia e não esperar a conclusão da pergunta para dar a
resposta.

Todos nós fazemos coisas desse tipo em alguns momentos. O que define a presença do
transtorno do déficit de atenção e hipertatividade é a ocorrência de vários desses sinais
(pelo menos seis dos nove itens em algum dos grupos) em pelo menos dois ambientes (em
casa e na escola, por exemplo), por período superior a seis meses e em intensidade que
resulte em prejuízos ao indivíduo do ponto de vista social, familiar ou escolar. É isso que
deve disparar o alarme e levar os pais a buscar ajuda de um profissional experiente e
atualizado em relação ao TDAH. Como não há exames específicos para identificar o
problema, o diagnóstico não é simples e é feito com base no histórico do paciente. Além
disso, de 60% a 70% dessas pessoas apresentam um ou mais problemas associados, como
dislexia, transtorno bipolar, ansiedade e depressão.
62

O tratamento inclui terapias com fonoaudiólogo, psicopedagogo, psicólogo, terapeuta


ocupacional ou psicomotricista, dependendo das necessidades. Também é preciso o apoio
em casa e na escola. Não dá para exigir do filho com TDAH a mesma organização do irmão
ou instalar o aluno com esse transtorno ao lado das ―atrações‖ da janela da sala de aula, por
exemplo. Mas o uso de medicamentos é fundamental. Os mais adotados integram um grupo
específico de estimulantes que ajudam no bom funcionamento das áreas do cérebro que
apresentam alterações nesses pacientes. Vários estudos atestam seus efeitos positivos.
Quando usados corretamente, esses remédios não causam dependência e seus efeitos
colaterais são leves ou inexistentes. No entanto, como todo tratamento, requer
acompanhamento médico.

Em alguns casos, o transtorno é minimizado ou estabilizado com o passar dos anos. Mas
mais de 50% das crianças com TDAH permanecerão com o transtorno na idade adulta.
Portanto, o melhor caminho é o da informação e do conhecimento. Fique atento aos sinais.
Quanto mais precoce o diagnóstico e o tratamento, maiores as chances de um eficiente
controle do transtorno, com benefícios para o paciente e para todos que convivem com ele.

Fonte:
DÉFICIT de atenção e hiperatividade começam na infância e podem continuar na vida
adulta. Revista Veja, ed. 2150, 30 jan. 2010.

Leitura complementar

Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA)


<http://www.tdah.org.br/>

O
texto a seguir divulga a premiação recebida pelo Observatório Social de Maringá no
5º Concurso Experiências em Inovação Social, evento internacional promovido pela
Comissão Econômica para a América Latina, órgão da ONU. O Observatório Social
vem se destacando em Maringá pelo intenso trabalho de cumprimento de sua missão que,
segundo postulam, é ―promover ações que proporcionem à sociedade a coesão social por
meio da vivência da ética e da cidadania‖. Um exemplo da importância e do poder que a
sociedade civil tem na construção de uma sociedade cada vez mais democrática, convida-
nos à participação da cidade que queremos. Quais desafios estão postos para a
participação cidadã nos dias atuais? Qual a importância social do envolvimento de toda a
sociedade nos destinos da cidade?

OBSERVATÓRIO SOCIAL VENCE CONCURSO DA ONU

O Observatório Social de Maringá (PR), parte integrante da associação civil Sociedade


Eticamente Responsável (SER), recebeu, no último dia 13, reconhecimento internacional,
com o primeiro lugar no 5º Concurso Experiências em Inovação Social, promovido pela
Comissão Econômica da ONU para América Latina e Caribe (Cepal) na capital da
Guatemala.
63

O projeto sagrou-se campeão entre outras 12 iniciativas inovadoras de todo o continente.


"Essa é uma iniciativa que se mantém com baixo investimento, porque conta com trabalho
voluntário, é eficiente, tem alto impacto social e pode ser replicável facilmente em qualquer
outro lugar‖, disse a presidente do Comitê de Jurados, Nohra Rey de Marulanda, durante a
cerimônia de premiação.

―Agora, com o prêmio, acredito que teremos mais visibilidade para dar continuidade a um
trabalho que busca incentivar a cidadania fiscal e despertar a consciência coletiva para a
importância social do tributo‖, destacou o presidente do Observatório Ariovaldo Costa Paulo.
Segundo ele, os impostos não são devidamente valorizados no Brasil. ―Mas deveriam,
porque são fundamentais para o desenvolvimento e consistem em dinheiro público. Por isso,
é preciso que cada cidadão saiba em que ele está sendo aplicado‖, opina.

Com cinco anos de existência, criado em 2006 como uma vice-presidência da SER, o OSM
já conseguiu difundir sua metodologia para outras 41 cidades brasileiras, em nove Estados ,
formando assim uma rede nacional de cidadania fiscal.

A metodologia do projeto é relativamente simples. Na primeira fase, ocorre a análise do


edital de licitação, para detectar falhas e deixá-lo o mais transparente possível, de modo que
qualquer empresa possa participar. Num segundo momento, é analisado o valor cobrado
pelo produto ou serviço e se é compatível com os preços de mercado. O momento final é
de acompanhamento da execução do serviço. Nessa fase, é verificado, por exemplo, se a
nota de empenho está correta, o controle de estoque e a qualidade do que é entregue ao
município.

Os resultados são animadores. Para se ter uma ideia, antes da atuação do Observatório,
uma escova de dente chegou a ser comprada pela Prefeitura de Maringá por US$ 2,53,
valor que baixou para US$ 0,18 (93%), depois da fiscalização da entidade. Da mesma
forma, o gasto com uniforme escolar foi reduzido de US$ 1,1 milhão para US$ 534 mil, uma
economia de US$ 566 mil. Isso equivale a 36 casas populares, 734 computadores e 14.400
cestas básicas.

Fonte:
OBSERVATÓRIO social vence concurso da ONU. SER Maringá. Disponível em:
<http://www.sermaringa.org.br/videos/lista_videos.php>. Acesso em 18 fev. 2010.

Texto de análise

DIRETRIZES E OBJETIVOS DO OBSERVATÓRIO SOCIAL DE MARINGÁ


64

Missão: Proporcionar à sociedade oportunidades que promovam a coesão social, por meio
da transparência na gestão dos recursos públicos.

O Observatório Social de Maringá – OSM vinculado a SER - Sociedade Eticamente


Responsável, resultante do movimento pela cidadania fiscal, atua como instrumento na
busca da transparência na administração dos recursos públicos (ingressos e gastos),
prerrogativa prevista nos artigos 5º, incisos XXXIII e XXXIV, e 31, § 3º da Constituição
Federal.

Com o objetivo de viabilizar a coesão social (diminuição das desigualdades sociais), o


Observatório Social trabalha no sentido de levar à comunidade a importância social e
econômica dos tributos e, principalmente, viabilizar a correta aplicação dos recursos
públicos através de um controle social, pois para qualquer resultado positivo em políticas
públicas que visem à melhoria de condições de vida dos brasileiros (educação, saúde,
segurança etc) dois fatores são essenciais: recursos (que vêm dos tributos) e a correta
aplicação destes recursos.

A sensibilização para sociedade sobre a importância dos tributos e incentivo ao


acompanhamento dos gastos públicos é feita apoiando a área de Educação Fiscal da SER
(teatro, música, poesia, palestras, eventos diversos, concursos de redações, monografias,
curtas etc) e o controle efetivo dos recursos públicos se dá com a participação (em tempo
real) nas licitações (desde o início da formatação, passando pela entrega dos produtos e
serviços e acompanhando, por amostragem, a utilização destes produtos e serviços no
interesse público) bem como em diversas análises e sugestões, relativas aos recursos
públicos, levadas aos poderes executivo e legislativo locais.

Além do aspecto pedagógico (na medida em que o Observatório atua na melhoria do


processo de licitação e na valorização do servidor público), a presença em tempo real nas
licitações aumenta a sensação de risco de possíveis fraudadores, constituindo na melhor
forma de prevenção à corrupção.

Os trabalhos do Observatório são executados por funcionários efetivos, estagiários de


diversas áreas, aposentados (que já receberam treinamento da Controladoria Geral da
União (CGU-Pr) e do Tribunal de Contas do Paraná) e voluntários em geral.

A atuação conjunta de instituições públicas e privadas é um dos motivos de sucesso do


Observatório que conta com o apoio (tácito ou expresso) de pessoas de instituições públicas
(como a Justiça Federal, Ministério Público Federal, Receitas Federal e Estadual, OAB,
Universidade Estadual de Maringá) e privadas (como Associação Comercial, Cesumar,
Cocamar etc - veja relação complete em ―parceiros‖).

O Observatório segue a filosofia da SER (da qual é uma vice-presidência) primando pela
atuação com absoluta isenção político-partidária, trabalho em conjunto (sem projetar uma
instituição ou pessoa) e busca de resultados concretos na mudança de cultura em relação
aos recursos públicos, melhorando os resultados de sua aplicação através de ampla
transparência do processo e avaliação e monitoramento dos resultados.
65

Os vários resultados obtidos pelo Observatório foram fundamentais para que a SER
recebesse o prêmio do Ministério da Ciência e Tecnologia (através de sua empresa pública
FINEP), como instituição de melhor atuação em ―Tecnologia Social‖ do sul do Brasil, mas o
maior ―prêmio‖ é o respeito e a aceitação dos nossos trabalhos pela imprensa e pela
sociedade maringaense.

Ouvidoria
Informações, sugestões, denúncias, reclamações, críticas, recomendações.
observatorio@cidadaniafiscal.org.br

Fonte:
DIRETRIZES e objetivos do observatório social de Maringá. Sociedade Eticamente
Responsável. Disponível em:
<http://www.sermaringa.org.br/atuacao/lista_atuacao.php?id=8>. Acesso em 12 mar. 2010.

Resenha

NÃO É NO GRITO QUE SE CHEGA LÁ


Por Eduardo Belo

Título:
Pobreza, Exclusão Social e Modernidade: Uma Introdução ao Mundo
Contemporâneo

Autor:
Simon Schwartzman

A globalização, estrada sem retorno, pode conter saídas para nossos


males históricos, diz sociólogo.

Recado para os idealistas: esqueçam a idéia de frear a globalização, parem de gritar


protestos. E compreendam: o combate à pobreza e à desigualdade não pode ser dissociado
de limites e possibilidades estabelecidos pela própria globalização. A mensagem é do
sociólogo Simon Schwartzman e - de modo bem menos simplificado, claro - está no livro
Pobreza, Exclusão Social e Modernidade: Uma Introdução ao Mundo Contemporâneo,
lançado pela editora Augurium, do cientista político Bolívar Lamounier.

O autor define seu trabalho como uma discussão histórica, que tem como tema central o
avanço da ciência e da tecnologia e os problemas que acompanham o crescimento da
riqueza pelo mundo. Schwartzman procura mostrar que o processo de globalização é
irreversível e que quem quiser solucionar a questão da pobreza no mundo terá de começar
a pensar em como fazê-lo dentro das regras do jogo. Não dá para fugir desse contexto.

Doutorado em ciência política pela Universidade de Berkeley (EUA) e dono de extensa


produção bibliográfica, Schwartzman concebeu o livro como a linha geral de um curso que
ministrou, no primeiro semestre, para alunos de várias partes do mundo na Universidade de
66

Harvard. O autor diz ter se aproveitado da rica discussão sobre pobreza que se desenvolve
nos EUA para trazer à reflexão alguns elementos novos.

Um dos principais aspectos é o papel histórico das instituições na condição econômica dos
povos. Para isso, ele levou ao debate questões pertinentes ao tema para as economias de
países como Índia e México. Não há capítulo ou tópico específico sobre o Brasil, mas a
situação brasileira transpassa toda a obra.

Uma questão permeia o livro: por que alguns países conseguem resolver os seus problemas
e outros não? A resposta, segundo Schwartzman, está no processo histórico. Países que
foram ricos no passado, como Portugal e Espanha nos séculos XVI e XVII, passaram a ter
dificuldade para preservar essa condição, a partir de determinado momento, por que criaram
uma estrutura de poder e de desigualdade social que acabou afetando sua própria
capacidade de manter o equilíbrio social e a riqueza.

Países como o Brasil, e toda a América Latina, acabaram herdando essa estrutura,
praticamente a legitimaram e pagam por isso até hoje. A culpa é nossa, não dos outros,
sentencia o sociólogo. É claro que o mundo lá fora cria problemas, mas não são esses
problemas a causa dos nossos males, diz.

O livro também transita por temas como identidade cultural, educação, capital social,
cidadania e direitos humanos, e pela tendência atual de se ver a questão social do ponto de
vista do direito, afirma Schwartzman. No prefácio, o autor afirma que seu livro pretende ser
uma introdução aos grandes temas da modernidade pelo ângulo da questão social.

Dividido em três partes, Pobreza, Exclusão Social e Modernidade... procura, de início,


desenhar o surgimento do mundo moderno a partir da evolução do pensamento social e
econômico. Desse ponto em diante, o autor analisa a pobreza e a riqueza como efeitos do
processo histórico e suas implicações para os povos ou grupos sociais que não foram os
atores diretos da consolidação da ordem global e acabaram, por isso, tornando-se agentes
passivos. Schwartzman dá atenção especial ao paradoxo que fez os dias de hoje serem o
que são: a geração simultânea de riqueza e pobreza pela revolução industrial.

A segunda parte envereda diretamente pela globalização, seus impactos sobre os


chamados países emergentes, as mudanças nas relações de trabalho e as demandas cada
vez maiores por ciência e tecnologia oriundas da sociedade da informação (ou do
conhecimento, como prefere o autor).

O debate sobre a solução dos problemas causados pelo desenvolvimento econômico fica
para o final. Ali está um dos assuntos mais caros à social-democracia: a reforma social do
mundo. Nesse ponto, o autor discorre - sem a pretensão de exaurir o tema - sobre as razões
da persistência da pobreza e da desigualdade em paralelo com a tecnologia, a integração
econômica mundial e a prosperidade da parcela rica do globo.

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico, no caderno EU&, de 05, 06 e


07/11/2004.
67

Fonte:
BELO, Eduardo. Não é no grito que se chega lá.
Disponível em: <http://www.schwartzman.org.br/simon/valor.htm>. Acesso em: 04 fev. 2010.

Charges

A
charge abaixo é de fácil compreensão temática. Mostra, de forma humorada, a
situação da saúde pública no Brasil. Pode-se considerar humor negro, pois a charge
explora uma problemática social de primeira grandeza para o ser humano, sua
saúde. É típico deste gênero textual, a charge, banalizar uma questão concreta e importante
e, ao mesmo tempo, cumprir uma função social relevante, que é chamar a nossa atenção e
despertar a nossa visão crítica para a necessidade de ações políticas geradores de
mudanças efetivas na sociedade.

Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/_8Us7czZwmqg/SYpkGziq2qI/AAAAAAAAB20/j_B_BSqlnN0/s400/charge2009-
faltadear.jpg>
68

Sugestão de filme

O TERMINAL, de Steven Spielberg (2004)

Viktor Navorski (interpretado por Tom Hanks) é um cidadão da Europa Oriental que viaja
rumo a Nova York, quando seu país sofre um golpe de Estado, o que invalida seu
passaporte. Ao chegar ao Aeroporto JFK, em Nova York, Viktor não consegue autorização
para entrar nos Estados Unidos. Sem poder retornar à sua terra natal, já que as fronteiras
foram fechadas após o golpe, ele passa a improvisar seus dias e noites no próprio
Aeroporto, à espera que a situação se resolva, descobrindo o complexo mundo do terminal
onde está preso. The Terminal é uma crítica sutil ao Sistema que oprime o homem comum,
imerso em sonhos e ideais, como é o caso de Viktor, isolado entre a crise política em seu
País e a burocracia da Alfândega dos EUA (um detalhe: Viktor viaja para os EUA apenas
para cumprir uma promessa, feita ao pai falecido, de conseguir a assinatura de um jazzista
famoso). Nos interstícios da ―máquina do mundo‖, Spielberg busca, com humor, apresentar
pessoas simples, imigrantes clandestinos, migrantes do Leste Europeu, proletários,
resignados, mas solidários; homens e mulheres criativos, de anseios nobres, embora
iludidos, e sempre dispostos a cultivar esperança. No bom estilo de Hollywood, Spielberg
nos diz que, homens maus existem, mas são meras exceções; o Sistema tem seu lado bom
e a integridade pessoal é possível.

Fonte:
O TERMINAL. Tela Crítica. Sinopses de filmes.
Disponível em: <http://www.telacritica.org/letraT.htm#ino>. Acesso em 25 fev. 2010.
69

PARTE II

POLÍTICA

CULTURA E ARTE

MEIO AMBIENTE
70

POLÍTICA

Introdução

O
presente capítulo trata de temas políticos que perpassam variados setores da vida
cotidiana dos homens do nosso tempo, como questões sobre democracia,
responsabilidade social, cidadania, questões sociais, direitos humanos, questões
geopolíticas, violência do Estado, entre outros. Estes temas relacionam-se com as mais
diversas e complexas questões socioeconômicas. Vale considerar que o termo política, de
origem grega, refere-se a todos os procedimentos relativos à cidade (pólis) e que estava
intimamente ligado à ideia de liberdade que, para o grego, era a própria razão de viver.
Sendo assim, ao tratarmos da atividade política do homem, estamos nos referindo ao
conjunto de suas ações relacionadas aos outros indivíduos, a comunidade e ao Estado.

A noção de política a que estamos acostumados, vinculada à atividade dos políticos


profissionais, principalmente os maus políticos, diminui a consciência social e o
envolvimento político. Os textos seguintes contribuem para a compreensão de aspectos
políticos importantes do mundo atual, levando-nos a perceber que a política está presente
cotidianamente em nossas vidas. O que nos fará perceber que atitudes e omissões fazem
parte de nossa ação política perante a vida e que somos responsáveis politicamente pela
construção de uma sociedade radicalmente democrática.

Textos

artigo Os pecados do Haiti, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, faz uma análise

O política da história de colonização e descolonização do Haiti, que, segundo o


pensador, é também uma história do racismo na civilização ocidental. Com uma
população de mais de 9 milhões de habitantes, o país é o mais pobre da América Latina e
ocupa uma das últimas posições em termos de índice de desenvolvimento humano. O texto
oportuniza informações relevantes para a compreensão de sua atual condição econômica e
social iluminando as reflexões em torno ao desastre socioambiental dos últimos meses. O
texto vem ilustrado com obras de artistas locais, os quais têm a função de chamar a atenção
para a rica história da cultural do país.

OS PECADOS DO HAITI
Por Eduardo Galeano

A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura
faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa
de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raul Cedras. Três anos mais
71

tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados
Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro
governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de
querer um país menos injusto.

O voto e o veto
Para apagar as pegadas da participação estado-unidense na ditadura sangrenta do general
Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide
regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o
poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder
do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco
Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito nem sequer com um voto.

Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus
ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou
terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe:
– Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso
desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos
povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.
72

O álibi demográfico
Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a
miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Port-
au-Prince, qual é o problema:

– Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem
haitiano sempre pode.

E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os


números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das
Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade
de habitantes por quilômetro quadrado.

Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como
também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à
conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.

Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até há alguns anos, as


potências ocidentais falavam mais claro.

A tradição racista
Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se
quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e abolir o artigo
constitucional que proibia vender plantações aos estrangeiros. Então Robert Lansing,
73

secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra
é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e
uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis da invasão, William Philips,
havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar
a civilização que haviam deixado os franceses".

O Haiti fora a pérola da coroa, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de
açúcar, com mão-de-obra escrava. No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem
papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua
produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão
achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um
ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente
negro".

Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se


distinguiam pela sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e vagos
também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo
devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo
na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu,
havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente,
indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David
Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal
como o papagaio que fala algumas palavras".
74

A humilhação imperdoável
Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e
a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país
livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes a sua independência, mas
tinha meio milhão de escravos a trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco.
Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também
dizia que os negros foram, são e serão inferiores.

A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada
pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um
terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém
nascida foi condenada à solidão. Ninguém lhe comprava, ninguém lhe vendia, ninguém a
reconhecia.

O delito da dignidade
Nem sequer Simón Bolívar, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o
reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar havia podido reiniciar a sua luta pela
independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti.
O governo haitiano havia-lhe entregue sete naves e muitas armas e soldados, com a única
condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma ideia que não havia ocorrido ao
Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já
governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando
convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou
a Inglaterra.

Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de
independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em
Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pênis.
75

Por essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que
destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia
imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de
perdão por haver cometido o delito da dignidade.

A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é
também uma história do racismo na civilização ocidental.

Fonte:
GALEANO, Eduardo. Os pecados do Haiti. Resistir.info
Disponível em: <http://www.resistir.info/galeano/haiti_18jan10.html>. Acesso em 5 fev. 2010.

Leitura complementar

Análises do Haiti
<http://haiti.org.br/>

O
artigo abaixo contribui para ampliar a reflexão sobre o Haiti. Em especial, o texto
aborda a relação que a mídia tem feito entre o grave terremoto com a pobreza
extrema do país sem, no entanto, aprofundar para o porquê do seu
subdesenvolvimento. Algumas perguntas nos parecem fundamentais: qual o papel histórico
dos países desenvolvidos, tais como Estados Unidos e França, para a trágica situação de
pobreza naquele país? Com o apoio de quem as ditaduras recorrentes subsistiram
historicamente no Haiti? Que papel tiveram os organismos multilaterais, como o FMI, nas
últimas décadas no Haiti?

TERREMOTO É DESASTRE NATURAL, MAS A POBREZA EXTREMA, NÃO


Por Eduardo Sales de Lima e Igor Ojeda
76

As imagens das TVs de todo o mundo mostram um verdadeiro inferno. Destruição total,
corpos estirados, homens e mulheres aos prantos. Os relatos dos repórteres nos jornais que
foram a campo não são diferentes. Saques a supermercados, violência, desespero.

Quase em uníssono, os meios decretaram: os efeitos do terremoto de 7 graus na escala


Richter ocorrido no dia 12 no Haiti são ainda mais graves devido à extrema pobreza em que
vive a população do país, o de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do
hemisfério ocidental. A análise um tanto óbvia não é incorreta, mas a imprensa em geral
―esqueceu-se‖ de explicar o porquê de tanta miséria, praticamente naturalizando o
subdesenvolvimento acentuado do Haiti.

―É preciso que se diga que se, de fato, as causas da tragédia são naturais, nem todos os
efeitos o são‖, opina Aderson Bussinger Carvalho, advogado e ex-conselheiro da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) que visitou o país em julho de 2007. ―É preciso saber que
indústrias exploram a mão-de-obra barata haitiana, cujos produtos são exportados para o
mercado dos EUA, assegurando imensos lucros que não se revertem em favor do povo. As
casas construídas somente com areia, a ausência de hospitais, a falta de luz e água... tudo
isso vem de antes do terremoto‖, afirma.

Pobreza extrema
Atualmente, 80% dos haitianos vivem abaixo da linha de pobreza, sendo que 54% se
encontram na extrema pobreza. A mortalidade infantil é de cerca de 60 mortes para cada mil
nascimentos (no Brasil, a proporção está em torno de 22 para mil), a expectativa de vida é
de 60 anos e o analfabetismo atinge 47,1% da população.

Além disso, o país sofre com a falta de infra-estrutura e indústria nacional. As estradas são
bastante precárias, assim como as áreas de energia, telecomunicações e transporte. Dois
terços dos haitianos dependem da agropecuária para sobreviver, enquanto apenas 9%
trabalham em fábricas, em sua maioria nas chamadas maquiladoras, unidades
especializadas em produção de manufaturados para exportação que se utilizam de mão-de-
obra barata. ―Durante o ano de 2009, percorremos todo o Haiti. Nossa brigada percorreu dez
departamentos e conhecemos a situação de pobreza em que vive a imensa maioria da
sociedade haitiana‖, relata José Luis Patrola, militante do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e integrante da Brigada Internacionalista Dessalines da Via
Campesina, que atua com as organizações camponesas do país.

Triste e estranha realidade para uma nação que foi a segunda das Américas a se tornar
independente (da França) e a primeira a abolir a escravidão, em 1804. Ou seja, que tinha
tudo para oferecer uma vida digna para seus habitantes.

Construção histórica
―A pobreza extrema do Haiti é uma construção histórica bi-centenária, produto da incessante
intervenção colonialista e imperialista, em boa parte devido precisamente a ter sido o Haiti a
primeira e única nação negreira onde os trabalhadores escravizados insurrecionados
obtiveram a liberdade. Isso após derrotar expedições militares francesa, inglesa e
77

espanhola‖, explica Mário Maestri, historiador e professor do Programa de Pós Graduação


em História da Universidade de Passo Fundo (UPF), no Rio Grande do Sul.

Segundo ele, a partir de então, o Haiti passou a ser temido pelos EUA, pois poderia servir
como exemplo aos escravos estadunidenses. Assim, o país passou a ―ser objeto de
bloqueio quase total, desde seus primeiros anos, pelas nações metropolitanas e americanas
independentes. Já em 1825, foi obrigado a pagar, sob pena de agressão militar,
pesadíssima indenização à França. Conheceu nas décadas seguintes intervenções militares
dos EUA, que, mesmo após a desocupação, em 1934, transformaram o país em semi-
colônia, sobretudo através das sinistras ditaduras dos Duvaliers, Papa-Doc e seu filho [entre
1957 e 1986]‖.

De acordo com Osvaldo Coggiola, professor de História Contemporânea da Universidade de


São Paulo (USP), o Haiti não é uma exceção na região em que se encontra, mas um caso
extremo da dominação imposta pelos países centrais do capitalismo. Assim, para ele,
―atribuir seus males à incapacidade da sua população, descendente de escravos forçados a
trabalhar na ilha pelos colonialistas franceses, é um conceito abertamente racista. A classe
dominante, ela sim, é corrupta até a medula. Se chegar ajuda para o governo local, vão
roubar, para vender e chantagear a população‖.

Casas amontoadas
Além da pobreza, outro fator vem sendo apontado como potencializador dos efeitos do
terremoto, embora ambos estejam fortemente vinculados: a grande quantidade de pessoas
vivendo nas cidades (especialmente na capital, Porto Príncipe) em casas amontoadas e
construídas precariamente, o que fez com que desabassem mais facilmente. Segundo
Patrola, o desastre deixou evidente a precaridade do sistema urbano no Haiti. ―Porto
Príncipe e as favelas de Cité Soleil e Bel-air foram construídas de forma espontânea com a
ausência de recursos mínimos de construção civil. Isso potencializou a destruição‖.

Aqui, outra triste e estranha realidade: como se explica que um país cuja agricultura
representa 28% do PIB (no Brasil, esse índice é de 7%) possua um índice de êxodo rural tão
acentuado e tenha 47% de sua população vivendo na zona urbana?

―Pela eliminação das culturas agrárias locais pelos produtos importados, inclusive os das
famosas 'ajudas internacionais'. O subdesenvolvimento eliminou as florestas locais, pois o
carvão é quase a única fonte de energia no interior. Em 1970, o Haiti era quase auto-
suficiente em alimentação, hoje importa 60% do que come‖, responde Osvaldo Coggiola.
Segundo dados da ONU, entre 2005 e 2010, a população das cidades haitianas cresceu
4,5% por ano.

Migração
O historiador Mário Maestri explica que a revolução de 1804 teve como consequência a
divisão dos latifúndios existentes em lotes familiares, que retomaram as tradições
camponesas africanas, proporcionando uma independência alimentar. No entanto, ―as
intervenções imperialistas, com a colaboração das frágeis e corruptas elites negras e
mulatas, desdobraram-se para metamorfosear a agricultura familiar-camponesa em
78

mercantil. Levantes camponeses foram duramente reprimidos, para reconstituir a grande


propriedade‖, diz.

Patrola, da brigada da Via Campesina no Haiti, responsabiliza ainda as políticas neoliberais


mais recentes pelo ―desmonte‖ do campo. ―A abertura comercial está destruindo a
agricultura haitiana. O Haiti é o quarto importador de arroz dos Estados Unidos‖, diz.

O resultado de todo esse processo vem sendo uma grande migração para a cidade. E hoje,
de acordo com Maestri, as enormes massas de miseráveis urbanos são vistas como mão-
de-obra extremamente barata para as indústrias maquiladoras que se estabeleceram no
Haiti.

Fonte:
SALES, Eduardo; OJEDA, Igor. Terremoto é desastre natural, mas a pobreza extrema, não.
Brasil de Fato, São Paulo, 21 jan. 2010. Disponível em:
<http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/internacional/miseria-nao-e-desastre-natural>.
Acesso em 8 fev. 2010.

Texto de análise

ZILDA ARNS
Por Maria Aparecida Pavan*

Somente um terremoto devastador para pôr fim, sob os escombros, à vida dessa mulher
que, paradoxalmente, tirou muitos dos escombros da miséria, da pouca esperança de vida.
Mais paradoxal, entretanto, é pensar que um homem poderoso, chamado Barack Obama,
tenha merecido, ao invés de Zilda Arns, um Nobel da paz. Ele que, politicamente, envia
soldados americanos à morte com a bandeira de promover a paz. Essa brasileira no entanto
só ultrapassou fronteiras para plantar esperança. E, no país onde nasceu, quase tão
miserável como aquele em que morreu, ela foi responsável por dar, principalmente à
infância, a possibilidade de um futuro. Ações simples de uma mulher destituída de
exibicionismo ou pretensões políticas. Uma mulher que deixou de lado o discurso para pôr
em prática a ajuda humanitária. Uma mulher que recebeu diversas honrarias sem usá-las
para fins autopromocionais. Ela promovia o direito à vida e fazia a diferença. Não possuía
um programa de televisão, campeão de audiência aos domingos, para oportunizar a uma
família ou pessoa o direito, que já lhe era garantido por lei, a uma vida mais digna e justa.
Pode-se mesmo dizer que ela mostrava, em seu trabalho despretensioso, que a ação
solidária poderia se estender não a uma, mas a muitas famílias. E seu empenho foi além-
fronteiras. Zilda Arns, uma mulher de currículo invejável que mostrou ao mundo que um
diploma, ou vários, pode significar a capacidade de modificar a realidade social do ser
humano. Uma pediatra que alcançou, ainda que indiretamente, mais crianças do que
qualquer outro profissional da área. Alguém, enfim, para nos provar que, neste mundo
materialista e egocêntrico em que vivemos, uma alma generosa pode fazer toda a diferença.
Sua morte – ocorrida quando, mais uma vez, contribuía para mudar a realidade dos
desvalidos, numa palestra a médicos e autoridades de um país miserável – deve apenas
servir para nos lembrar que qualquer homenagem a ela seria mais pertinente se
79

transformada em conscientização de que não somos únicos nesse universo global e que
nossa ação pode, sim, transformar o mundo. Que o exemplo de Zilda Arns não se confine a
homenagens nem a promoções políticas oportunistas mas que o nome dela – ao invés de se
transformar em nome de avenidas, praças ou espaço públicos – sirva para inspirar tantas
outras zildas anônimas e, principalmente, os que detêm o poder.

*Professora de Língua Portuguesa no Ensino Médio em Maringá, escrito em 14 jan. 2010.

texto a seguir pertence ao cientista político norte-americano Noam Chomsky. O

O pensador estadunidense aborda o delicado tema da presença e influência


corporativa no cenário político daquele país. A questão está ligada diretamente com
a integridade dos princípios democráticos e a preservação de valores políticos liberais tão
caros aos Estados Unidos. Que perigos está sujeita a sociedade mediante o aumento do
poder de ―pequenos grupos‖ com grande domínio econômico, como diz o autor: ―cada vez
mais os mestres do governo‖? Quais as consequências para as liberdades individuais?

A TOMADA DA DEMOCRACIA NORTE-AMERICANA PELO SETOR CORPORATIVO


Por Noam Chomsky

O dia 21 de janeiro de 2010 será lembrado como uma data sombria na história da
democracia norte-americana e seu declínio.

Naquele dia, a Suprema Corte dos EUA determinou que o governo não pode proibir as
corporações de fazerem gastos políticos durante as eleições – uma decisão que afeta
profundamente a política do governo, tanto interna quanto externa.

A decisão anuncia uma tomada ainda maior do sistema político dos EUA por parte do setor
corporativo.

Para os editores do The New York Times, a decisão ―atinge o coração da democracia‖ ao
―abrir caminho para que as corporações usem seus vastos tesouros para dominar as
eleições e intimidar as autoridades eleitas a cumprirem suas ordens‖.

Fachada do prédio da Suprema Corte norte-americana, em Washington (EUA), de onde saiu a decisão sobre o
financiamento de campanhas eleitorais por corporações dos mais variados tipos
80

O tribunal ficou dividido, 5 a 4, com os quatro juízes reacionários (equivocadamente


chamados de ―conservadores‖) recebendo o apoio do juiz Anthony M. Kennedy. O juiz chefe
John G. Roberts Jr. selecionou um caso que poderia facilmente ter sido resolvido em
esferas mais baixas e manobrou o tribunal, usando-o para empurrar uma decisão de amplo
alcance que derruba um século de precedentes que restringiam as contribuições
corporativas às campanhas federais.

Agora os gerentes corporativos podem de fato comprar as eleições diretamente, evitando


meios indiretos mais complexos. É bem sabido o fato de que as contribuições corporativas,
às vezes reempacotadas de formas complexas, podem influenciar em peso as eleições,
direcionando assim a política. O tribunal simplesmente deu muito mais poder ao pequeno
setor da população que domina a economia.

A ―teoria do investimento na política‖ do economista político Thomas Ferguson faz um


prognóstico muito eficaz da política do governo durante longos períodos. A teoria interpreta
as eleições como ocasiões nas quais segmentos de poder do setor privado se unem para
investir com o objetivo de controlar o Estado.

A decisão de 21 de janeiro apenas reforça os meios para minar a democracia em


funcionamento.

O pano de fundo é esclarecedor. Em seu argumento contrário, o juiz John Paul Stevens
reconheceu que ―há muito sustentamos que as corporações estão cobertas pela Primeira
Emenda‖ - a garantia constitucional para a liberdade de discurso, que incluiria o apoio aos
candidatos políticos.

No começo do século 20, teóricos de direito e tribunais implementaram a decisão do tribunal


de 1886 de que as corporações – essas ―entidades legais coletivistas‖ - têm os mesmos
direitos que as pessoas de carne e osso.

Este ataque contra o liberalismo clássico foi duramente condenado por um tipo de
conservadores que está desaparecendo. Christopher G. Tiedeman descreveu o princípio
como uma ―ameaça à liberdade do indivíduo, e à estabilidade dos Estados norte-americanos
enquanto governos populares‖.

Morton Horwitz escreve em sua história legal que o conceito de ―pessoa‖ corporativa evoluiu
lado a lado com a mudança de poder dos acionistas para os gerentes, e finalmente para a
doutrina de que ―os poderes do quadro de diretores (…) são idênticos aos poderes da
corporação‖. Anos depois os direitos corporativos foram expandidos bem além dessas
pessoas, principalmente pelos equivocadamente denominados ―acordos de comércio livre‖.
Por esses acordos, por exemplo, se a General Motors estabelece uma fábrica no México,
ela pode pedir para se tratada da mesma forma que as empresas mexicanas (―tratamento
nacional‖) - bem diferente de um mexicano de carne e osso que busca ―tratamento nacional‖
em Nova York, ou mesmo os direitos humanos mínimos.
81

Há um século, Woodrow Wilson, na época um acadêmico, descreveu uns Estados Unidos


em que ―grupos comparativamente pequenos de homens‖, gerentes corporativos, ―exercem
o poder e controlam a riqueza e os negócios do país‖, tornando-se ―rivais do próprio
governo‖.

Na realidade, esses ―pequenos grupos‖ se tornaram cada vez mais os mestres do governo.
O tribunal de Roberts deu a eles um alcance ainda maior.

A decisão de 21 de janeiro veio três dias depois de outra vitória da riqueza e do poder: a
eleição do candidato republicano Scott Brown para substituir o finado senador Edward M.
Kennedy, o ―leão liberal‖ de Massachusetts. A eleição de Brown foi retratada como uma
―virada populista‖ contra as elites liberais que comandam o governo.

Os dados da votação revelam uma história diferente.

Altos índices de participação nos subúrbios ricos, e baixos em áreas urbanas em grande
parte democratas, ajudaram a eleger Brown. ―50% dos eleitores republicanos disseram que
estavam 'muito interessados' na eleição‖. Informou a pesquisa do The Wall Street
Journal/NBC, ―comparado a 38% dos democratas‖.

Então os resultados foram de fato uma virada contra as políticas do presidente Obama: para
os ricos, ele não estava fazendo o suficiente para deixá-los mais ricos, enquanto que para
os setores pobres, ele estava fazendo demais para atingir esse fim.
A irritação popular é bastante compreensível, dado que os bancos estão prosperando,
graças à ajuda do governo, enquanto o desemprego aumentou para 10%.

Nas fábricas, uma em cada seis pessoas está sem trabalho – desemprego nos níveis da
Grande Depressão. Com a financialização crescente da economia e o esvaziamento da
indústria produtiva, as perspectivas não trazem esperanças de recuperação dos empregos
que foram perdidos.

Brown apresentou a si mesmo como o 41º voto contra o sistema de saúde – ou seja, o voto
que poderia acabar com a maioria no Senado dos EUA.

É verdade que o programa de saúde de Obama foi um fator importante na eleição de


Massachusetts. As manchetes estão corretas ao dizer que o público está se voltando contra
o programa.

Os números da pesquisa explicam porquê: o projeto de lei não vai longe o suficiente. A
pesquisa do The Wall Street Journal/NBC descobriu que a maioria dos eleitores desaprova a
forma como tanto Obama quanto os Republicanos estão lidando com o sistema de saúde.
Esses números se alinham com as recentes pesquisas nacionais. A opção do sistema
público foi apoiada por 56% dos entrevistados, e a adesão ao Medicare aos 55 anos por
64%; ambos os programas foram abandonados.
82

Oitenta e cinco por cento acreditam que o governo deveria ter o direito de negociar os
preços dos medicamentos, como acontece em outros países; Obama garantiu à indústria
farmacêutica que não perseguirá esta opção.

Grandes maiorias apoiam o corte de custos, o que faz bastante sentido: os custos per capita
dos EUA com a saúde são cerca de duas vezes maiores que os dos países industrializados,
e os resultados da saúde são de má qualidade.

Mas o corte de custos não pode ser seriamente empreendido enquanto as companhias
farmacêuticas são agraciadas, e o sistema de saúde está nas mãos de seguradoras
praticamente desreguladas – um sistema caro peculiar aos EUA.

A decisão de 21 de janeiro levanta novas barreiras significativas para superar a séria crise
do sistema de saúde, ou para lidar com assuntos críticos como as ameaçadoras crises do
meio ambiente e da energia. O hiato entre a opinião pública e a política pública cresce cada
vez mais. E o prejuízo para a democracia norte-americana dificilmente pode ser
superestimado.

Fonte:
CHOMSKY, Noam. A tomada da democracia norte-americana pelo setor corporativo. The
New York Times, 7 fev. 2010. Disponível em:
<http://noticias.uol.com.br/blogs-colunas/colunas-do-new-york-times/noam-
chomsky/2010/02/07/a-tomada-da-democracia-norte-americana-pelo-setor-
corporativo.jhtm>. Acesso em 8 fev. 2010.

Leitura complementar

Artigos relacionados
<http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2001/12/14010.shtml>

O
artigo a seguir aborda questões sobre a relação geopolítica entre os Estados
Unidos e a América Latina, em especial com a Venezuela. A criação de bases
militares, em última instância, revela que, o que está em jogo é a manutenção
estratégica da área de influência norte-americana sobre a América Latina. O artigo nos
convida a refletir sobre a questão da soberania nacional, sobre a interdependência dos
problemas da região latino-americana, sobre as prioridades político-econômicas da região e
os interesses, por que não, imperialistas norte-americanos.

EUA JÁ TÊM 13 BASES MILITARES EM TORNO DA VENEZUELA


Por Ignacio Ramonet

A chegada de Hugo Chávez ao poder, na Venezuela, em 2 de fevereiro de 1999, coincidiu


com um acontecimento militar traumático para os Estados Unidos: o fechamento de sua
principal instalação militar na região, a base Howard, situada no Panamá (fechada em
virtude dos Tratados Torrijos-Carter, de 1977).
83

Em troca, o Pentágono escolheu quatro localidades para controlar a região: Manta, no


Equador; Comalapa, em El Salvador, e as ilhas de Aruba e Curazao (de soberania
holandesa). As suas – por assim dizer –―tradicionais‖ missões de espionagem, acrescentou
novas atribuições oficiais a estas bases (vigiar o narcotráfico e combater a imigração
clandestina para os EUA) e outras tarefas encobertas: lutar contra os insurgentes
colombianos; controlar os fluxos de petróleo e minerais, os recursos de água doce e a
biodiversidade. Mas, desde o início, seus principais objetivos foram vigiar a Venezuela e
desestabilizar a Revolução Bolivariana.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001, o Secretário de Defesa dos EUA, Donald


Rumsfeld, definiu uma nova doutrina militar para enfrentar o ―terrorismo internacional‖.
Modificou a estratégia de deslocamento no exterior, fundada na existência de enormes
bases dotados de numeroso pessoal. E decidiu substituir essas mega-bases por um número
mais elevado de Foreing Operating Location (FOL) e de Cooperative Security Locations
(CSL), com pouco pessoal militar, mas equipado com tecnologias ultramodernas de
detecção.

Resultado: em pouco tempo, a quantidade de instalações militares estadunidenses no


estrangeiro de multiplicou, alcançando a insólita soma de 865 bases de tipo FOL ou CSL
distribuídas em 46 países. Jamais na história uma potência multiplicou de tal modo seus
postos militares de controle para espalhar-se pelo planeta.

Na América Latina, a reorganização de bases permitiu que a de Manta (Equador)


colaborasse com o fracassado golpe de Estado de 11 de abril de 2002 contra o presidente
Chávez. A partir daí, uma campanha midiática dirigida por Washington começou a difundir
falsas informações sobre a suposta presença neste país de céculas de organizações como
Hamás, Hezbolá e até Al Qaeda.

Com o pretexto de vigiar tais movimentos e em represália contra o governo de Caracas que,
em maio de 2004, pôs fim a meio século de presença militar estadunidense na Venezuela, o
Pentágono ampliou o uso de suas bases militares nas ilhas de Aruba e Curazao, situadas
muito perto das costas venezuelanas, onde ultimamente tem se incrementado a visita de
navios de guerra dos EUA. Esse fato foi recentemente denunciado pelo presidente Chávez:

―É bom que a Europa saiba que o império norte-americano está armando-se até os dentes,
enchendo de aviões e navios de guerra as ilhas de Aruba e Curazao. (...) Estou acusando a
Holanda de estar preparando, junto com o império yanqui, uma agressão contra a
Venezuela‖ (1).

Em 2006, começa-se a falar em Caracas do ―socialismo do século XXI, nasce a Aliança


Bolivariana para as Américas (ALBA) e Hugo Chávez é reeleito presidente. Washington
reage impondo um embargo sobre a venda de armas para a Venezuela, sob o pretexto de
que Caracas ―não colabora suficientemente na guerra contra o terrorismo‖. Os aviões F-16
da Força Aérea Venezuela ficaram sem peças de reposição. Diante desta situação, as
autoridades venezuelanas estabeleceram um acordo com a Rússia para dotar a sua força
aérea de aviões Sukhoi. Washington denunciou um suposto ―rearmamento massivo‖ da
84

Venezuela, omitindo que os principais orçamentos militares na América Latina, hoje, são os
do Brasil, da Colômbia e do Chile. E que, a cada ano, a Colômbia recebe uma ajuda militar
estadunidense de 630 milhões de dólares.

A partir daí, os acontecimentos se aceleram. No dia 1° de março de 2008, apoiadas pela


base de Manta, as forças colombianas atacam um acampamento das Forças Armadas
Revolucionarias da Colômbia (FARC), situado no interior do território do Equador. Quito, em
represália, decide não renovar o acordo sobre a base de Manta, que vencia em novembro
de 2009. Washington respondeu, no mês seguinte, com a reativação da IV Frota (desativada
em 1948, há 60 anos...) cuja missão é vigiar a costa atlântica da América do Sul. Um mês
mais tarde, os Estados sulamericanos, reunidos em Brasília, replicam criando a União de
Nações Sulamericanas (UNASUL) e, em março de 2009, o Conselho de Defesa
Sulamericano.

Algumas semanas depois, o embaixador do EUA em Bogotá anuncia que a base de Manta
seria transferida para Palanquero, na Colômbia.

Em junho, com o apoio da base estadunidense de Soto Cano, se produz o golpe de Estado
em Honduras contra o presidente Manuel Zelaya que havia conseguido integrar seu país na
ALBA. Em agosto, o pentágono anuncia que terá sete novas bases militares na Colômbia. E,
em outubro, o presidente conservador do Panamá, Ricardo Martinelli, admite que cedeu aos
EUA o uso de quatro novas bases militares.

Deste modo, a Venezuela e a Revolução Bolivariana se vêem hoje rodeadas por nada
menos do que 13 bases estadunidenses na Colômbia, Panamá, Aruba e Curazao, assim
como pelos porta-aviões e navios de guerra da IV Frota. O presidente Obama parece ter
deixado o Pentágono de mãos livres neste tema. Tudo anuncia uma agressão iminente. Os
povos da América Latina consentirão que um novo crime contra a democracia seja cometido
na região?

(1) Discurso no Encontro da ALBA com movimentos sociais da Dinamarca, em Copenhague,


dia 17 de dezembro de 2009

* Jornalista, foi diretor do Le Monde Diplomatique entre 1990 e 2008.

Fonte:
RAMONET, Ignacio. EUA já tem 13 bases militares em torno da Venezuela. Brasil de Fato,
São Paulo, 19 jan. 2010. Disponível em:
<http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/eua-ja-tem-13-bases-militares-em-
torno-da-venezuela/view>. Acesso em 5 fev. 2010.

Leituras complementares

Análises relacionadas ao tema


<http://www.apropucsp.org.br/revista/r17_r03.htm>
85

<http://www.apropucsp.org.br/revista/r15_r01.htm>

A
utilização de armas de lesa-humanidade em ações de guerra são comumente
negadas, apesar da frequente quantidade de denúncias das organizações
internacionais de direitos humanos. O artigo a seguir trata da questão e representa
um avanço em termos de punição às ações de militares envolvidos no que é considerado
crime de guerra. O fato abre a possibilidade do debate na comunidade internacional, a fim
de que medidas de retaliação sejam tomadas contra os países envolvidos nessas ações.

ISRAEL PUNE OFICIAIS POR USO DE FÓSFORO BRANCO DURANTE OFENSIVA EM


GAZA

O Exército israelense submeteu dois oficiais a punição disciplinar por terem autorizado a
utilização de fósforo branco no bombardeio de um bairro residencial na cidade de Gaza, há
um ano.

Segundo o documento enviado à ONU pelo Exército israelense, um general de brigada e um


comandante de divisão sofreram punição disciplinar por terem "arriscado vidas humanas"
quando autorizaram a utilização de armamentos com fósforo branco para bombardear o
bairro de Tel El Hawa, no dia 15 de janeiro de 2009, durante a ofensiva israelense à Faixa
de Gaza.

Esta é a primeira vez que Israel admite a utilização de fósforo branco, armamento proibido
pelas leis internacionais, contra civis na Faixa de Gaza.

Também é a primeira vez que o Exército israelense anuncia a punição de comandantes


militares por atos cometidos durante a ofensiva, que deixou cerca de 1,3 mil mortos do lado
palestino e 13 do lado israelense.

A comissão de investigação da ONU, dirigida pelo jurista sul-africano Richard Goldstone,


acusou Israel de cometer crimes de guerra e crimes contra a humanidade na Faixa de Gaza
e exigiu que o governo israelense investigue a atuação de suas tropas durante a ofensiva
realizada no ano passado.

Em resposta, Israel enviou um relatório descrevendo as investigações que foram realizadas


pelo Exército.

ONGs de defesa dos direitos humanos exigem que Israel nomeie uma comissão
independente para investigar os atos do Exército e não consideram suficientes as
investigações internas feitas pelo próprio Exército.

Antes do envio do documento à ONU, a versão do Exército israelense era de que o fósforo
branco teria sido utilizado apenas para fins de "dificultar a visibilidade das tropas pelo
inimigo" e não diretamente contra civis.
86

O armamento, que cria uma espécie de "cortina de fumaça", é altamente perigoso quando
atinge pessoas pois gera queimaduras profundas.

No caso mencionado no relatório do Exército israelense, projéteis com fósforo branco


atingiram a sede da Agencia de Refugiados da ONU (UNRWA) na cidade de Gaza,
deixando vários civis feridos e provocando um incêndio no local.

Segundo porta-vozes militares "o documento enviado à ONU demonstra que o Exército
israelense não tem o que esconder".

Os porta-vozes também afirmaram que o Exército "não esperou pelo relatório Goldstone
para investigar irregularidades durante a operação".

Fonte:
ISRAEL pune oficiais por uso de fósforo branco durante ofensiva em Gaza. BBC Brasil. 01
fev. 2010. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/bbc/2010/02/01/israel-pune-oficiais-por-
uso-de-fosforo-branco-durante-ofensiva-em-gaza.jhtm>. Acesso em: 3 fev. 2010.

Leituras complementares

Textos relacionados
<http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/internacional/israel-admite-ter-usado-fosforo-
branco-contra-palestinos>

<http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,israel-nega-que-uso-de-fosforo-branco-
seja-crime-de-guerra,345283,0.htm>

O
artigo abaixo revela à população brasileira um dado ao qual, provavelmente,
poucas pessoas tinham acesso: o horário eleitoral gratuito das próximas eleições
significará uma perda de arrecadação de impostos de 851 milhões de reais. Um
valor estarrecedor. Se empregados em saneamento básico, por exemplo, quantos
benefícios não trariam à população? Quantas pessoas passariam a ter acesso, por exemplo,
ao sistema de esgoto?

HORÁRIO “GRATUITO” DOS POLÍTICOS CUSTA R$ 851 MILHÕES


Esse é o valor que a Receita Federal deixará de arrecadar em impostos por conta dos
descontos que serão concedidos a TVs e rádios
Por Fernando Rodrigues

A propaganda partidária e eleitoral de 2010 deve representar uma despesa de R$ 851


milhões para o governo, segundo estimativa da Receita Federal. As TVs e rádios podem, de
acordo com a lei, pagar menos impostos por conta do tempo cedido aos políticos e aos
partidos.
87

O horário eleitoral só é "gratuito" no nome. Quem paga são todos os brasileiros.

Essa estimativa de perda de receita foi divulgada hoje (21. jan. 2010) em reportagem do
jornal ―Correio Braziliense‖. Uma ressalva importante a respeito desse valor: o cálculo foi
realizado antes de a lei eleitoral atual ter sido aprovada pelo Congresso, em setembro
passado.

A partir da nova lei, todas as emissoras de TV e de rádio poderão requerer isenção fiscal por
causa do horário eleitoral. Antes, só as grandes TVs e rádios tinham acesso a esse
benefício. Agora, milhares de pequenas rádios do interior também pagarão menos impostos.
Ou seja, os R$ 851 milhões podem ser apenas o valor mínimo que o governo deixará de
arrecadar.

Esse valor vem subindo ano a ano. Houve uma tentativa no passado de limitar o acesso
amplo à TV e ao rádio aos partidos grandes e médios. Mas a iniciativa não prosperou. O
país tem 27 partidos e há pouca distinção entre eles.

Nesta semana, por exemplo, o PSDC dará o seu recado em rede nacional – na quinta-feira
à noite. O pré-candidato a presidente José Maria Eymael terá 5 minutos à sua disposição.
Tudo pago com o dinheiro dos impostos.

O tempo de 5 minutos do PSDC é desproporcional aos votos que recebe nas urnas.
Partidos como PT e PSDB têm 10 minutos cada.

Uma outra comparação: os R$ 851,1 milhões que deixarão de ser arrecadados por conta da
propaganda política neste ano superam a isenção prevista para o Programa Universidade
Para Todos (ProUni), que é de R$ 625,3 milhões.

Fonte:
RODRIGUES, Fernando. Horário ―gratuito‖ dos políticos custa R$ 851 milhões. Blog do
Fernando Rodrigues. Disponível em: <http://uolpolitica.blog.uol.com.br/arch2010-01-
17_2010-01-23.html>. Acesso em 3 fev. 2010.

Textos de Análise

O ESPELHO DOS CIDADÃOS


Por Pâmela Patrícia Mariano*

Reclamar, reclamar, reclamar! É isso que fazemos todos os dias diante os noticiários, estes
que revelam, a quem quiser ver, a verdadeira situação de nossa sociedade. Ao ligar a
televisão ou abrir um jornal, o que se vê é um cotidiano de maus atos, pirataria, ações que
apresentam conseqüências para a vida de todos os cidadãos. Mas não fazemos nada para
mudar essa realidade, além de reclamar.

Mas afinal de quem é a culpa? Por que essas ações permanecem em nosso cotidiano?
88

Devemos refletir que a sociedade é constituída pelos seus cidadãos, assim refletindo os
atos destes cidadãos. Se hoje vemos noticiários que revelam uma sociedade corrupta,
estamos vendo a conseqüência de nossos próprios atos, pois diariamente permitimos essas
ações. Quando vamos em algum comércio, nos importamos com os preços, com a
qualidade dos produtos, enfim, com aspectos comuns do dia-a-dia. Porém, muitas vezes
nos esquecemos de mais um ponto importante, a nota fiscal ao comprarmos qualquer
produto. É mais que direito, é dever termos em mão a nota fiscal, pois a partir dela se
registra a venda feita pelo comércio, fazendo com que o mesmo pague corretamente os
seus impostos, evitando assim a sonegação de impostos.

O outro ato que podemos ter cotidianamente está relacionado com a pirataria. Quando
compramos um produto ―pirateado‖, isto é, falsificado, estamos não só deixando de pagar os
devidos impostos, como também estamos incentivando este crime permanecer em nossa
sociedade. Como aceitamos a pirataria, esta se tornou algo comum. Assim, ao observarmos
nossos próprios atos, entendemos porque estas ações permanecem em nosso cotidiano e
descobrimos que cada cidadão tem culpa pela situação atual da sociedade.

Compreendemos que cada pessoa faz diferença e que esta é responsável pela sua
sociedade, por isso sendo necessária uma atitude, possibilitando a solução, ou pelo menos
a redução desses problemas que vemos todos os dias. Não devemos reclamar, mas sim,
exercer a cidadania fiscal.

*Aluna da Universidade Estadual de Maringá, uma das ganhadoras da 4ª. Edição do


Concurso de redação da Sociedade Eticamente Responsável, na categoria universitários.

ONERANDO A NAÇÃO
Por Marlon Brambilla*

Por trás do ato ilícito, sempre existe um discurso de incompreensão, um toque de revolta,
um sonho capitalista. Estima-se que, nos últimos cinco anos, o país deixou de ganhar R$
6,38 bilhões devido à sonegação de impostos, e já são aparentes as conseqüências da
proliferação do comércio ilegal de artigos falsificados, intensificado no Brasil ainda antes do
início do século. O que não se pode deixar de questionar é sobre quem recai o produto da
ilegalidade fiscal?

O senso comum brasileiro carrega o conceito de tributação como meio de exploração


ostensiva ou, ainda, fonte de corrupção. É preciso que se saiba que isso não é totalmente
verdade. Escândalos à parte, tais taxas são o que alimenta os serviços destinados ao povo
como saúde e educação gratuitas, manutenção das estruturas físicas que suportam a
população e programas sociais. Ainda que nem sempre eficazes, tais contribuições são
vitais à sobrevivência do país e, principalmente, dos desprovidos de recursos para recorrer
ao auxílio privado sobre necessidades básicas. O comércio informal e a venda de produtos
sem emissão de nota fiscal são os vilões da história.

Motivados pela impunidade, pela má distribuição de carga tributária e pela elevação dos
lucros, comerciantes carregam o peso de hospitais sem médicos, alunos sem livros, cidades
89

sem saneamento. Como complemento, consiste com a produção industrial a falsificação e


comercialização ilícitas de gêneros tão amplos que vão do entretenimento ao vestuário,
levando grifes, gravadoras e distribuidoras a algo próximo à bancarrota. Além do
fechamento de lojas e encarecimento de roupas e acessórios (principais vítimas deste
submercado), a pirataria também tem causado danos aos cofres nacionais. A vinda desse
contingente para a legalidade poderia reduzir os tributos em 20%. Fato é que, unidas,
sonegação, pirataria e corrupção oneram a sociedade como um todo.

Seja pela concorrência injusta que causa alta dos preços, seja pela precarização de serviços
sociais, seja pelo buraco nos cofres públicos e no prato do cidadão brasileiro. Pirataria e
sonegação, o melhor caminho, a educação.

* Estudante do Colégio Santo Inácio, um dos ganhadores da 4ª. Edição do Concurso de


redação da Sociedade Eticamente Responsável, na categoria Ensino Médio.

Reportagens em áudio

CBN – Responsabilidade Social


<http://cbn.globoradio.globo.com/colunas/responsabilidade-social/RESPONSABILIDADE-
SOCIAL.htm#>

SONETO DE FIDELIDADE
Por Vinícius de Moraes

De tudo ao meu amor serei atento


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
90

Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure


Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):


Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Fonte:
MORAES, Vinícius. Soneto de fidelidade. Disponível em:
<http://www.pensador.info/p/poesia_de_amor_de_vinicius_de_morais/1/>. Acesso em: 3 fev.
2010.

Texto de análise

O soneto (composição poética de forma fixa, de origem italiana, que significa – pequeno
som - composta de quatorze versos, divididos em dois quartetos – estrofes de quatro versos
– e dois tercetos – estrofes de três versos e com o seguinte esquema rítmico: abba – abba –
cde – dec) de fidelidade de autoria de Vinicius de Moraes (Marcus Vinicius da Cruz e Melo
Moraes – natural do Rio de Janeira, nascido em 19/10/1913 e falecido em 09/07/1980 –
Modernismo Brasileiro) poeta que, nos anos sessenta, emigrou para a Música Popular
Brasileira, pode ser classificado como um dos mais belos da poesia brasileira.

No primeiro conjunto de versos, percebemos uma declaração explícita ao Amor, isto é,


atenção total ao sentimento amoroso e o cuidado que devemos prestar a esse sentimento,
haja vista o nome do soneto (de fidelidade), no sentido de valorização, adoração, e que
mesmo em vista de outros ―encantos‖, o Amor não deve esmorecer e sim, fortificar-se em
seu pensamento.

Na segunda estrofe (conjunto de versos, entendendo-se que, graficamente, cada linha do


poema significa um verso) temos um grande louvor ao Amor, ou seja, ―vivê-lo em cada vão
momento‖, e em sua homenagem espalhar um riso solto, agradável, leve, revigorador, e
também nas horas tristes, derramar o pranto, a tristeza, e até mesmo a felicidade.

No primeiro terceto do poema (estrofe de três versos) percebemos que o ‖pequeno poeta‖
(apelido de Vinicius de Moraes) almeja uma morte tardia (que, infelizmente, ocorreu aos
sessenta e seis anos de idade), que é a angústia de quem vive (a dúvida de não saber a
data), ou seja, a contradição eterna entre vida e morte, e finaliza com outra questão crucial:
a solidão (a triste solidão) fim de quem ama.

No segundo e último terceto, o autor procura concluir o seu raciocínio poético, contando de
91

suas relações com o Amor, pedindo que não sejam imortais, uma vez que, são chamas, ou
seja, quentes, ardentes, mas que podem apagar-se com o sopro do destino, mas que sejam
infinitas, isto é, eternas, enquanto durarem.

Fonte:
Disponível em: <http://www.artigonal.com/poesia-artigos/textos-comentados-da-literatura-
brasileira-poesias-soneto-de-fidelidade-vinicius-de-moraes-1248850.html>. Acesso em 05
mar. 2010.

Link para o vídeo

Soneto de fidelidade
<http://www.youtube.com/watch?v=PMZ10B82ZZg>

Imagem

A
imagem a seguir trata, de forma direta e objetiva, dos atuais problemas do Haiti. O
país é marcado pela trágica condição econômica e social e vive em meio a uma
situação caótica em função do terremoto de 7 graus na escala Richter, ocorrido no
dia 12 de janeiro de 2010.

Fonte: <www.rebelion.org>

Sugestão de filme

FAHRENHEIT 9/11, de Michael Moore (2004)

Documentário político sobre como o Governo Bush se aproveitou dos atentados terroristas
de 11/09 nos EUA para consolidar sua estratégia de negócio (a da familia Bush) e de poder
92

imperialista (o dos EUA). Moore nos apresenta os vínculos de longa data dos Bush com a
clã Bin Laden e a Arábia Saudita, que investiu, só nas últimas décadas, cerca de US$ 860
bilhões nos EUA; o Decreto Patriota, que atingiu as liberdades civis nos EUA a título de
deter a ameaça terrorista; a cultura do medo, a invasão do Iraque, as oportunidades de
negócios (com destaque para a empresa Halliburton), o recrutamento de jovens
desempregados, a barbárie da guerra e a dor das perdas com soldados mortos. O
documentário de Moore disseca, de forma quase didática, os vínculos entre poder político
imperialista e interesses de negócios das corporações industrial-militar (mediado, é claro,
pelos interesses da família Bush). Na verdade, torna-se claro neste documentário de Moore
que a família Bush se apropriou do Estado para defender seus interesses particularistas. Os
limites de Fahrenheit 9/11 é seu viés planfetário – panfleto do Partido Democrata. Sua crítica
do sistema de poder imperialista nos EUA é bastante limitada, tendo em vista que não
salienta que não são apenas os Republicanos que se apropriam do Estado político para a
defesa de seus interesses familiares e de classe, mas inclusive os Democratas (que
apoiaram, por exemplo, a invasão do Iraque). Enfim, talvez Bush seja apenas o lado mais
décrepito de um sistema apodrecido do poder mundial do capital, que dilacera não apenas
os EUA mas todo o mundo com sua sanha imperialista. Na foto acima, a perene expressão
de G.W. Bush às 9: 05 A.M. do dia 11 de setembro de 2001, exato momento do ataque
terrorista ao World Trade Center em Nova York. O que estaria passando por aquela
cabeça?

Fonte:
FAHRENHEIT 9/11.Tela Crítica. Sinopses de filmes.
Disponível em: <http://www.telacritica.org/letraF.htm#alex2>. Acesso em 25 fev. 2010.
93

CULTURA E ARTE

Introdução

N
este capítulo, os textos e obras de arte selecionados têm o objetivo de colocar o
leitor em contato com temas relativos às diversas manifestações culturais, tais como:
a produção do conhecimento científico, a internet, o carnaval, produções artísticas
em geral, entre outros. Nos textos introdutórios, procura-se provocar os leitores para a
reflexão sobre problemas socioeconômicos que estão ligados e que interferem no processo
de produção do conhecimento. A diversidade de formas de expressão artístico-culturais
relacionadas oportuniza o contato com variadas manifestações da atividade humana,
condição fundamental para o processo de humanização dos indivíduos.

É importante considerar que o problema da cultura remete ao modo como os homens


constroem a sua relação com a natureza, com os outros indivíduos, bem como com as
consequências dessas interações. Assim, propõe-se conduzir a uma reflexão sobre as
diversas formas de expressão das capacidades humanas no contexto das intensas
transformações sociais atuais. Essas relações se integram no processo histórico de
construção da sociedade da qual todos nós somos herdeiros e, ao mesmo tempo,
construtores.

Textos

N
o texto a seguir, a autora aborda a sociologia da arte do pensador francês Pierre
Bourdieu (1930-2002), um dos mais importantes intelectuais de sua época. A
educação, a cultura, a literatura e a arte foram os seus primeiros objetos de estudo
e, ao final de sua vida, aplicou-se a análise dos meios de comunicação e a política. A
análise a seguir procura evidenciar a estreita ligação entre política e preferências estéticas,
segundo a visão de Bourdieu. Uma das ideias-chave do seu pensamento, destacados pela
autora, é a de que ―as preferências estéticas estão relacionadas, antes, à origem familiar, ao
grau de instrução e à posição socioeconômica dos indivíduos‖.

HIERARQUIAS DA CULTURA
Por Ilana Goldstein

Bourdieu construiu pilares fundamentais para o estudo sociológico da cultura e da arte, a


partir da aplicação dos conceitos de "campo" e de "habitus" a diversas esferas de criação
simbólica, como a alta-costura, a fotografia, as artes plásticas e a literatura. No pólo da
criação artística, Bourdieu questionou a crença no "gênio", ou seja, a idéia de que um artista
possa produzir de maneira isolada, guiado apenas por sua inspiração individual. Propôs
94

que, para se compreender a gênese de uma obra, sejam levadas em conta as relações do
artista no campo de produção simbólica a que pertence, bem como os constrangimentos
sociais e materiais a que está submetido. Já no pólo da recepção, pôs em xeque a idéia de
que as diferenças nas atitudes e escolhas do público se devam a faculdades sensoriais e
predisposições naturais - o "bom ouvido", o feeling e assim por diante. Por meio de
pesquisas empíricas, o autor demonstrou que as preferências estéticas estão relacionadas,
antes, à origem familiar, ao grau de instrução e à posição socioeconômica dos indivíduos.

Um sociólogo de inspiração bourdieusiana interessado em compreender o papel e a poética


de determinado criador irá reconstituir o percurso biográfico, intelectual e profissional de seu
objeto de estudo, mapeando suas relações com outros agentes do "campo" e seus
investimentos ao longo da vida. Bourdieu chamou esse procedimento metodológico de
"estudo de trajetória" e, em Razões práticas, definiu-o da seguinte maneira: "diferentemente
das biografias comuns, descreve a série de posições sucessivamente ocupadas pelo
mesmo escritor em estados sucessivos do campo". Um exemplo concreto de "estudo de
trajetória" encontra-se em As regras da arte, livro em que o sociólogo francês se debruça
sobre o escritor Gustave Flaubert e no qual afirma que "as obras guardam traços de
determinismos sociais que se exercem por meio do habitus do produtor (família, escola,
contatos profissionais) e das demandas e constrangimentos sociais inscritos na posição
ocupada por esse artista no campo de criação (...). Flaubert, enquanto defensor da arte pela
arte, ocupava uma posição neutra no campo, opondo-se ao mesmo tempo à arte social e à
arte burguesa".

De acordo com Bourdieu, a maior parte das estratégias artísticas são simultaneamente
estéticas e políticas. O processo pelo qual determinadas obras se impõem sobre outras é
produto das lutas entre aqueles que ocupam momentaneamente a posição dominante
dentro do "campo", em virtude de seu "capital" específico - e que tendem à conservação e
à rotinização da ordem simbólica estabelecida - e aqueles que são inclinados à "ruptura
herética", à crítica das formas estabelecidas e à subversão dos modelos em vigor. Nessa
perspectiva, um dos grandes desafios do cientista social é desvendar as disputas envolvidas
na definição das categorias e classificações internas aos campos - como "belo", "legítimo"
ou "moderno" -, explicitando a posição de onde fala cada agente. Faz-se necessário,
portanto, reconstituir o processo de construção do cânone, a hierarquização que preside os
sistemas de classificação em gêneros, escolas, estilos e prestígio - frutos de disputas que
acabam sendo naturalizadas. A micro-história própria do "campo" é o pré-requisito para a
sua interpretação. É por isso que uma das principais críticas que Bourdieu faz às análises
marxistas das obras culturais, como as de Lukács e Goldmann, é o fato de elas colocarem
entre parênteses a lógica e a história específicas de cada "campo", relacionando a obra
diretamente à "classe" para a qual ela é destinada e fazendo do artista o porta-voz dos
interesses gerais de uma classe.

O conceito de "capital cultural"


Trata-se, portanto, de uma sociologia da cultura que analisa o encontro entre a pulsão
expressiva dos criadores e o espaço dos "possíveis" em que se movem. Como resume o
próprio autor, em O poder simbólico: "Se existe uma história propriamente artística, é porque
os artistas e seus produtos se acham objetivamente situados, pela sua pertença ao campo
artístico, em relação a outros artistas e aos seus produtos e porque as rupturas mais
95

propriamente estéticas com uma tradição artística têm sempre que ver com a posição
relativa, naquele campo, dos que defendem esta tradição e dos que se esforçam por
quebrá-la".

Um segundo conjunto de questões e desafios lançados pela sociologia da cultura de Pierre


Bourdieu diz respeito à elucidação da lógica que rege o consumo e as práticas culturais.

Uma noção-chave, aqui, é a de "capital cultural" - esboçada em O amor pela arte e


explicitada em A distinção. Trata-se de uma riqueza simbólica desigualmente distribuída
dentro de cada campo, que é acumulada e transmitida de geração em geração, traz poder a
seus detentores e suscita o desejo - consciente ou não - de se distinguir dos demais por
meio de atitudes "típicas" de um conhecedor. Segundo Bourdieu, o "capital cultural" pode
aparecer sob três formas diferentes: como habitus cultural, quando é fruto da socialização
prolongada, que garante a alguém saber falar bem em público ou se sentir à vontade em
uma ópera, por exemplo; como forma objetivada, presente em bens culturais como livros,
quadros, discos etc.; sob forma institucionalizada, contida nos títulos escolares e vinculada
ao mercado de trabalho. Vale destacar que não necessariamente o "capital cultural" está
associado ao capital econômico; muitas vezes, grupos menos privilegiados do ponto de vista
financeiro são os maiores detentores do "capital cultural". De qualquer maneira, o montante
e a natureza do "capital cultural" possuído pelos diferentes agentes têm relação direta com
suas preferências estéticas e aquisições culturais.

Essa hipótese surgiu primeiramente em Un art moyen. Essai sur les usages sociaux de la
photographie (1965), escrito em conjunto com Luc Boltanski e Robert Castell. Com base em
metodologias quantitativas, o objetivo do estudo era desvendar os diversos usos da
fotografia de acordo com a posição socioeconômica dos entrevistados, da apropriação mais
instrumental à mais estetizante, do mero reconhecimento dos objetos retratados a alusões
complexas à qualidade formal das imagens. Entre as camadas populares, os pesquisadores
encontraram um uso predominantemente funcional da fotografia (álbuns de família), ao
passo que as camadas médias valorizaram enfaticamente o aspecto "artístico" das imagens,
ao contrário das camadas superiores, menos entusiasmadas com essa "arte mediana".

Uso estratégico do gosto


A publicação de L'amour de l'art, em co-autoria com Alain Darbel, em 1969, viria confirmar
que o "amor pela arte" é fruto de aprendizagem e socialização. A pesquisa revelou, por
exemplo, que a diferença na taxa de visitação anual de museus entre um agricultor e um
professor europeu era da ordem de 300 vezes. A partir daí, o que hoje parece evidente, foi
um passo decisivo na época: denunciar a ideologia do gosto natural. Quinze anos mais
tarde, em La distinction (1979), Bourdieu se lançou à explicação das diferenças de
posicionamento político, de comportamento e de apreciação dos produtos culturais
presentes nos diferentes estratos da sociedade, por meio de um novo conceito: "habitus". O
autor argumentava que os atores sociais fazem um uso estratégico do gosto, manejando
sua destreza lingüística e estética como maneira de se demarcar socialmente de grupos
com menor "capital cultural" e de obter reconhecimento simbólico e prestígio. Nessa lógica,
o consumo cultural e o deleite estético são acionados como forma de distinção, ou seja, a
familiaridade com bens simbólicos traz, consigo, associações como "competência",
"educação", "nobreza de espírito" e "desinteresse material". E o cruel é que a divisão da
96

sociedade entre "bárbaros" - incapazes de se deleitar com uma bela sinfonia ou uma pintura
expressionista - e "civilizados" - eruditos e dotados de "bom gosto" - acaba tendo
conseqüências políticas: justifica o monopólio dos instrumentos de apropriação dos bens
culturais por parte desses últimos.

Políticas culturais na França e no Brasil


As análises de Pierre Bourdieu sobre arte e cultura repercutiram muito além da Academia.
As instituições culturais e os arte-educadores passaram a não mais falar de um público no
singular, abstrato, mas de públicos no plural, com competências e repertórios diferenciados.
O livro O amor pela arte levou os museus franceses, inclusive, a repensarem suas
estratégias de comunicação, dando origem a um dos principais instrumentos da política
cultural francesa. Desde 1974, o governo encomenda levantamentos estatísticos periódicos
sobre a vida cultural das regiões, para um relatório intitulado Les pratiques culturelles des
français. São estimados, para cada faixa etária e categoria socioprofissional, o número
médio de idas a museus, de freqüência ao cinema e ao teatro, de visitas a monumentos
históricos, a prática amadora de modalidades artísticas, entre outros indicadores. A partir
daí, delineiam-se as estratégias e prioridades do Ministério da Cultura para os anos
seguintes.

É interessante notar que, também no Brasil, uma das preocupações da atual gestão do
Ministério da Cultura é criar indicadores culturais que possam nortear seu planejamento.

Para suprir a lacuna de informações nesse setor, o IBGE, o MinC, o Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas - IPEA e a Casa de Rui Barbosa assinaram uma parceria, há quatro
anos, criando uma base de dados culturais. Inicialmente, estão apenas sendo aproveitadas
informações já coletadas pelo IBGE em pesquisas gerais, que permitem aferir conclusões
sobre a oferta e a demanda de bens e serviços culturais, os gastos das famílias e os gastos
públicos com cultura, além do perfil da mão-de-obra ocupada em atividades culturais. Mas a
idéia é realizar sondagens, mais adiante, especificamente sobre práticas e demandas
culturais dos diversos segmentos da população. Curiosa coincidência: as traduções de O
amor pela arte e A distinção só foram publicadas, no Brasil, a partir de 2004, mesmo ano em
que se selou a parceria entre o MinC, o IBGE e o IPEA para a construção do Sistema de
Indicadores Culturais. Talvez se trate apenas de uma coincidência de datas; ou talvez
estejamos diante de uma saudável retroalimentação entre as políticas públicas, a divulgação
científica e a reflexão acadêmica, como agradaria a Pierre Bourdieu.

Fonte:
GOLDSTEIN, LLana. Hierarquias da cultura. Revista Cult, São Paulo, mar. 2010.
Disponível em:
<http://revistacult.uol.com.br/novo/dossie.asp?edtCode=62086FC5-CC50-4461-A8FC-
09B94427C868&nwsCode=A0E1AED7-E77A-4577-80CA-E3CC92BBE01F>. Acesso em 8
fev. 2010.

Leituras complementares

A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea


97

<http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE20/RBDE20_06_MARIA_DA_GRACA_JACINT
HO_SETTON.pdf>

Política e Televisão: debate entre Sartori, Bourdieu, Adorno e Marcuse


<http://www.urutagua.uem.br/013/13mantovani.htm>

O
texto a seguir, de Mario Sergio Cortella, traz a preocupação com a relação entre
ética e pesquisa. Inicialmente, o autor faz uma reflexão sobre as questões
concernentes ao conceito de ética, passando, em seguida, a estabelecer as
implicações entre a produção do conhecimento e as suas consequências éticas. A questão
ética fundamental que se coloca é a de pensar a produção do conhecimento tendo em vista
o sujeito integral. Ética e conhecimento estão intimamente ligados ao cuidado com o ser
humano. É preciso a clareza de que nossas atividades no espaço universitário possuem
relevância e impacto social, ou seja, são importantes para o desenvolvimento da sociedade.

A ÉTICA E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO HOJE


Por Mario Sergio Cortella*

Ressaltemos desde o início: a ética é uma questão absolutamente humana! Só se pode falar
em ética quando se fala em humano, porque a ética tem um pressuposto: a possibilidade de
escolha. A ética pressupõe a possibilidade de decisão, ética pressupõe a possibilidade de
opção.

É impossível falar em ética sem falar em liberdade. Quem não é livre não pode,
evidentemente, ser julgado do ponto de vista da ética. Outros animais, ao menos nos
parâmetros que utilizamos, agem de forma instintiva, não deliberada, sem uma consciência
intencional. Cuidado. Há quem diga: ―Eu queria ser livre como um pássaro‖; lamento
profundamente, pois pássaros não são livres, pássaros não podem não voar, pássaros não
podem escolher para onde voam, pássaros são pássaros. Se você quiser ser livre, você tem
de ser livre como um humano. Pensemos em algo que pode parecer extremamente
horroroso: como disse Jean-Paul Sartre, nós somos condenados a ser livres.

Da liberdade, vêm as três grandes questões éticas que orientam (mas também atormentam,
instigam, provocam e desafiam) as nossa escolhas: Quero? Devo? Posso? Retomemos o
cerne: o exercício da ética pressupõe a noção de liberdade. Existe alguém sobre quem eu
possa dizer que não tem ética? É possível falar que tal pessoa ―não tem ética‖? Não, é
impossível. Você pode dizer que ele não tem uma ética como a tua, você pode dizer que ele
tem uma ética com a qual você não concorda, mas é impossível dizer que alguém não tem
ética, porque ética é exatamente o modo como ele compreende aquelas três grandes
questões da vida: devo, posso, quero?

Tem coisa que eu devo mas não quero, tem coisa que eu quero mas não posso, tem coisa
que eu posso mas não devo. Nessas questões, vivem os chamados dilemas éticos; todas e
todos, sem exceção, temos dilemas éticos, sempre, o tempo todo: devo, posso, quero? Tem
a ver com fidelidade na sua relação de casamento, tem a ver com a sua postura como
motorista no trânsito; quando você pensa duas vezes se atravessa um sinal vermelho ou
98

não, se você ocupa uma vaga quando vê à distância que alguém está dando sinal de que
ele vai querer entrar; quando você vai fazer a sua declaração de Imposto de Renda; quando
você vai corrigir provas de um aluno ou de um orientando seu; quando você vai cochilar
depois do almoço, imaginando que tem uma pia de louça que talvez seja lavada por outra
pessoa, e como você sabe que ela lava mesmo, e que se você não fizer o outro faz, você
tem a grande questão ética que é: devo, posso, quero? Por exemplo, quando se fala em
bioética: podemos lidar com clonagem? Podemos, sim. Devemos? Não sei. Queremos?
Sim. Clonagem terapêutica, reprodutiva? É uma escolha. Posso eu fazer um transplante
intervivos? Posso. Devo, quero? Tem coisa que eu devo, mas não quero; aliás, a área de
Saúde, de Ciência e Medicina, é recheada desses dilemas éticos. Tem muita coisa que você
quer, mas não pode, muita coisa que você deve, mas não quer.

Na pesquisa, já imaginou? Por que montamos comitês de pesquisa, por que a gente faz um
curso sobre ética na pesquisa? Porque isso é complicado, e se fosse uma coisa simples, a
gente não precisava fazer curso, não precisava estudar, não precisava se juntar. É
complicadíssimo, porque estamos mexendo com coisas que têm a ver com a nossa
capacidade de existir. Quando se pensa especialmente no campo da ética, a relação com a
liberdade traz sempre o tema da decisão, da escolha. Por que estou dizendo isso? Porque
não dá para admitir uma mera repetição do que disseram muitos dos generais responsáveis
pelo holocausto e demais atrocidades emanadas do nazismo dos anos de 1940. Exceto um
que assumiu a responsabilidade, todos usaram o mesmo argumento em relação à razão de
terem feito o que fi zeram. Qual foi? ―Eu estava apenas cumprindo ordens‖. ―Estava apenas
cumprindo ordens‖, isso me exime da responsabilidade? Estava apenas obedecendo... Essa
é uma questão séria, sabe por quê? Porque ―estava apenas cumprindo ordens‖ implica a
necessidade de pensarmos se a liberdade tem lugar ou não.

Ética tem a ver com liberdade, conhecimento tem a ver com liberdade, porque conhecimento
tem a ver com ética. Por isso, se há algo que também é fundamental quando se fala em
ciência, ética na pesquisa e produção do conhecimento, é a noção de integridade. A
integridade é o cuidado para se manter inteiro, completo, transparente, verdadeiro, sem
máscaras cínicas ou fissuras. Nessa hora, um perigo se avizinha: assumir- se individual ou
coletivamente uma certa ―esquizofrenia ética‖. Ela desponta quando as pessoas se colocam
não como inteiras, mas repartidas em funções que pareceriam externas a elas. Exemplos?
―Eu por mim não faria isso, mas, como eu sou o responsável, tenho de fazê-lo‖. Ora, eu não
sou eu e uma função, eu sou uma inteireza, eu não sou eu e um professor, eu e um
pesquisador, eu e um diretor, eu e um Secretário, eu sou um inteiro. ―Eu por mim não faria‖,
então eu não faço!

Cautela! Coloca-se um estilhaçamento da integridade: ―Eu, por mim, não lhe reprovaria, mas
como eu sou seu professor, eu tenho que reprovar‖; ―Eu, por mim, não lhe mandaria
embora, mas como eu sou seu chefe...‖; ―Eu, por mim, não lhe suspenderia, mas como eu
sou seu superior...‖; ―Eu, por mim, não faria isso, mas como eu sou o contador...‖; ―Eu, por
mim, não faria isso, mas como eu sou o responsável pelo laboratório...‖.: ―Eu por mim não
faria‖, então eu não faço; ―Eu por mim não lhe reprovaria‖, então não reprovo. De novo: eu
não sou eu e uma função, eu não sou eu e um pesquisador, eu e um chefe do laboratório,
eu e um diretor de instituto, eu e um Secretário... O esboroamento da integridade pessoal e
coletiva é a incapacidade de garantir que a ―casa‖ fique inteira, e para compreender melhor
99

a idéia de ―casa íntegra‖, vale fazer um breve passeio pelas palavras. Talvez as pessoas
que estudaram um pouco de etimologia se lembrem que a palavra ética vem pra nós do
grego ethos, mas ethos, em grego, até o século VI a. C., significava morada do humano, no
sentido de caráter ou modo de vida habitual, ou seja, o nosso lugar. Ethos é aquilo que nos
abriga, aquilo que nos dá identidade, aquilo que nos torna o que somos, porque a sua casa
é o modo como você é, onde está a sua marca. Mais tarde, esse termo para designar
também o espaço físico foi substituído por oikos. Aliás, o conhecimento mais valorizado na
sociedade grega era o que cuidava das regras da casa, para a gente poder viver bem e para
deixar a casa em ordem. Como o vocábulo nomos significa ―regra‖ ou ―norma‖, passou-se a
ter a oikos nomos (a economia) como a principal ciência. No entanto, a noção original de
ethos não se perdeu, pois os latinos a traduziram pela expressão more, ou mor, que acabou
gerando pra nós também uma dupla concepção; uma delas é ―morada‖, e a outra, que vai
ser usada em latim, é o lugar onde você morava, o seu habitus. Olha só, a expressão ―o
hábito faz o monge‖ não tem a ver com a roupa dele, habitus; habitus é exatamente onde
nós vivemos, o nosso lugar, a nossa habitação.

Quando se pensa em ética e produção do conhecimento hoje, a grande questão é: como


está a nossa possibilidade de sustentar a nossa integridade; essa integridade, como se
coloca? A integridade da vida individual e coletiva, a integridade daquilo que é mais
importante, porque uma casa, ethos, tal como colocamos, é aquela que precisa fi car inteira,
é aquela que precisa ser preservada. Como está a morada do humano? Essa morada do
humano desabriga alguém? Alguém está fora da casa, alguém está sem comer dentro
dessa casa? Alguém está sem proteção à sua saúde, alguém está sem lazer dentro dessa
casa? Essa morada do humano é inclusiva ou é exclusiva? Essa morada do humano lida
com a noção de qualidade em ciência, ou lida com a noção de privilégio? Cuidado. Duas
coisas que se confundem muito em ciência são qualidade e privilégio; qualidade tem a ver
com quantidade total, qualidade é uma noção social, qualidade social só é representada por
quantidade total. Qualidade sem quantidade não é qualidade, é privilégio. São Paulo é uma
cidade em que se come muito bem, é verdade; quem come, quem come o quê? Qualidade
sem quantidade total não é qualidade, é privilégio. Todas as vezes em que se discute essa
temática, aparece a noção de uma qualidade restrita, e qualidade restrita, reforcemos, é
privilégio. Nesse sentido, a grande questão volta: será que, na morada do humano, alguém
está desabrigado? Será que essa casa está inteira, ela está em ordem nessa condição?
Nessa nossa casa, quando a gente fala em cuidado, é o mesmo que falar em saúde; aliás,
quando digo: ―eu te saúdo‖, ou, ―queria fazer aqui uma saudação‖, etimologicamente é a
mesma coisa. Saudar é procurar espalhar a possibilidade de cuidado, de atenção, de
proteção. Nossa casa, que casa é essa? Há nela saúde? A ética é a morada do humano;
como essa casa é protegida? Qual é o lugar da ciência dentro dela? Qual é o papel que ela
desempenha? Qual é a nossa tarefa nisso, para pensar exatamente aquelas três questões:
posso, devo, quero?

É claro que essas questões e suas respostas não são absolutas, elas não são fechadas,
elas são históricas, sociais e culturais. A mesma pergunta não seria feita do mesmo modo
há vinte anos; a grande questão no nosso país há cento e cinqüenta anos, a grande questão
ética há cento e cinqüenta anos era se eu podia açoitar um escravo e depois cuidar dele, ou
só açoitá-lo e deixá-lo pra ser cuidado pelos outros; se eu poderia extrair o dente de alguém,
se é mais recomendável para o dentista que ele faça a extração ou que ele tente o
100

tratamento. Há alguns anos, algumas décadas, uma discussão de natureza ética era algo
que nem passaria pela cabeça de um dentista. A pessoa chegava ao seu consultório e dizia:
―Eu quero que o senhor arranque todos os meus dentes‖. Ele respondia: ―Tá bom‖; hoje,
você tem outra questão. O mesmo vale em relação ao uso de contraceptivos ou à
legalização do aborto consentido, ou ainda sobre a separação entre princípios religiosos e
conduta científica. Quando se pensa na manutenção da integridade, do devo, posso e
quero, a grande questão, junto com essa tríade, é se estamos dirigindo, como critério último,
a proteção da morada do humano, da morada coletiva do humano. Afinal de contas, não
somos humanos e humanas individualmente, pois só o somos coletivamente. Fala-se muito
em vivência, quando referimos a vida humana; no entanto, o mais correto seria sempre dizer
convivência, pois ser humano é ser junto. Desse modo, a noção de ethos, a noção de
morada do humano, oferece um critério para responder ao posso, devo e quero, que é:
protejo eu a morada ou desprotejo? Incluo ou excluo? Vitimo ou cuido?
[...]
Um olhar sobre a ética em ciência e na pesquisa tem uma finalidade: manter a nossa
vitalidade, manter a nossa vitalidade ética, mostrar que nós estamos preocupadas e
preocupados, que a gente não se conforma com a objetividade tacanha das coisas, que a
gente não acha que as coisas são como são e não podem ser de outro modo, que a gente
não se rende ao que parece ser imbatível.

Ser humano é ser capaz de dizer não, ser humano é ser capaz de recusar o que parece não
ter alternativa, ser humano é ser capaz de afastar o que parece sem saída. Ser humano é
ser capaz de dizer não, e só quem é capaz de dizer não pode dizer sim; aí está a nossa
liberdade. Tem gente que diz assim: ―Ah, a minha liberdade acaba quando começa a do
outro‖; cuidado, a minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Liberdade, como saúde,
tem de ser um conceito coletivo, a minha liberdade não acaba quando começa a do outro, a
minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Se algum humano não for livre, ninguém é
livre, se algum homem ou mulher não for livre da falta de trabalho, ninguém é livre; se algum
homem ou mulher não for livre da falta de socorro, de saúde, ninguém é livre; se alguma
criança não for livre da falta de escola, ninguém é livre; a minha liberdade não acaba
quando começa a do outro, minha liberdade acaba quando acaba a do outro. Ser humano é
ser junto, e é em relação a isso que vale pensarmos nossa capacidade de dizer não a tudo
que vitima e sermos capazes de proteger o que eleva a Vida. O vínculo da Ética com a
Produção do Conhecimento está relacionado à capacidade deste de cuidar daquela, isto é,
manter a integridade digna da vida coletiva. Ética é a possibilidade de recusar a falência da
liberdade, a ética é a nossa capacidade de recusar a idéia de que alguns cabem na nossa
casa, outros não cabem; alguns comem, outros não comem; alguns têm graça, outros têm
desgraça.

A ética é o exercício do nosso modo de perceber como é que nós existimos coletivamente, e
então pensar com seriedade naquilo que François Rabelais vaticinou: ―Conheço muitos que
não puderam, quando deviam, porque não quiseram, quando podiam‖.

Quero? Devo? Posso?

*Professor-titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC-SP


101

Fonte:
CORTELLA, Mario Sergio. A ética e a produção do conhecimento hoje. Revista PUCVIVA,
São Paulo, jul. a set. 2006. n. 27. Disponível em:
<http://www.apropucsp.org.br/revista/r27_r15.htm>. Acesso em: 8 fev. 2010.

Leitura complementar

O caráter ético do conhecimento científico


<http://www.adppucrs.com.br/informativo/caratereticodoconhecimento.pdf>

O
texto a seguir é do escritor italiano Umberto Eco, autor de O Nome da Rosa, um
dos mais importantes intelectuais do nosso tempo. Nele, o autor faz a análise de
uma das mais acessadas enciclopédias online do mundo, a Wikipedia. Atenta para
os perigos de uma enciclopédia que cada vez mais se populariza, mas que, pela falta de
rigor ou até pela má fé das pessoas que as escreve, pode trazer prejuízos para
pesquisadores com pouca experiência.

OS ARQUIVOS SOBRE ECO NO MUNDO VIRTUAL


Por Umberto Eco

Hoje em dia, as pessoas que precisam checar um nome ou uma data tendem a recorrer à
Wikipedia. Para a minoria que ainda não sabe do que se trata, a Wikipedia
(http://wikipedia.org/) é uma enciclopédia online constantemente escrita e reescrita por seus
usuários. Em outras palavras, se você buscar um verbete como "Napoleão" e perceber que
há alguma informação incompleta ou incorreta, você pode se registrar no site, editar o texto
e salvar a versão correta na base de dados.

Wikipedia permite que pessoas irresponsáveis e mal intencionadas disseminem informações falsas

Naturalmente, isso permite que algumas pessoas irresponsáveis e mal intencionadas


disseminem informações falsas, mas os milhões de usuários também podem atuar
checando uns aos outros. Se alguém alterou o texto sobre Napoleão Bonaparte, mudando o
lugar de sua morte para Santo Domingo em vez de Santa Helena, outros iriam
102

imediatamente corrigi-lo (e eu acredito que depois que várias pessoas entraram com
processos de calúnia contra a Wikipedia, um tipo de conselho editorial foi estabelecido para
exercer controle sobre as mudanças que são difamatórias). Nesse sentido, a Wikipedia
confirma as teorias do filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce, de uma
comunidade (científica) que através de um tipo de homeostase elimina os erros e legitima
novas descobertas, continuando assim a carregar o que ele chamou de tocha da verdade.

Mas, embora esse controle coletivo mantenha a acuidade do texto sobre Napoleão, será
que fará o mesmo para um João da Silva? Para dar um exemplo, vamos observar o texto
sobre uma pessoa que é um pouco mais conhecida do que João da Silva, porém menos
famosa do que Napoleão - em outras palavras, eu mesmo. Há algum tempo eu corrigi o
texto sobre "Umberto Eco" porque ele continha informações falsas. Entre outras invenções,
estava escrito que eu sou o mais velho de treze filhos. Isso é verdade no caso do meu pai,
não no meu. Todas as vezes que a curiosidade me levou a checar o texto sobre mim,
encontrei mais nonsense, então desisti.

Recentemente, alguns amigos informaram-me que o texto da Wikipedia dizia que eu havia
me casado com a filha de meu ex-chefe, o editor italiano Valentino Bompiani. Isso não é
nem um pouco difamatório, mas no caso de suas filhas - minhas queridas amigas Ginevra e
Emanuela - pensarem assim, eu eliminei a informação. Nesse caso não é possível
argumentar que isso foi um erro compreensível - como a história dos treze filhos - ou que
simplesmente perpetuou um rumor corrente: ninguém nunca nem mesmo pensou que eu
poderia me casar com qualquer uma delas. O editor anônimo da Wikipedia havia modificado
o texto para disseminar sua fantasia particular, sem checar a informação com nenhuma
fonte.

Então, o quão confiável é a informação encontrada na Wikipedia? Quando eu a uso,


emprego as técnicas utilizadas pelos acadêmicos profissionais: leio sobre um determinado
tópico na Wikipedia e depois comparo a informação com material encontrado em três ou
quatro outros sites. Se o fato for confirmado por três fontes diferentes, então há uma boa
possibilidade de que seja verdade - mas fique atento para os sites que são parasitas da
Wikipedia, porque eles simplesmente repetem os erros.

Outro método é ler sobre o mesmo tópico na Wikipedia, mas em outra língua - se o seu
Urdu estiver meio enferrujado, você pode experimentar as versões italiana ou francesa. Se
elas forem diferentes, você poderá encontrar a contradição. Isso, por sua vez, fará com que
você se levante da escrivaninha e consulte uma enciclopédia impressa, apesar de sua fé
convicta no virtual.

Esses são métodos de um acadêmico que aprendeu como descobrir os fatos ao comparar
as fontes. E os outros? Os crentes? As crianças que usam a Wikipedia para suas tarefas
escolares? Tenham em mente que o que eu escrevi aqui sobre a Wikipedia é verdadeiro
para qualquer outro site. Tanto assim que já faz um certo tempo que venho defendendo o
estabelecimento de um centro de monitoramento da internet no qual um comitê de
especialistas conceituados revisaria e avaliaria os sites por sua confiabilidade e precisão.

Mas vamos considerar outro exemplo, um que não envolva um nome histórico como
103

Napoleão (com dois milhões de entradas no Google), mas o de um jovem escritor que
trabalhou na obscuridade até um ano atrás, quando ganhou o Prêmio Strega, de grande
prestígio literário na Itália. Estou falando de Paolo Giordano, autor de "The Solitude of Prime
Numbers" ["A Solidão dos Números Primos"]. Uma busca por seu nome no Google resulta
em 242 mil entradas. Como podemos monitorar todos esses sites?

Pensei em monitorar apenas sites dedicados a um único autor sobre quem estudantes
possam buscar informações com frequência. Mas se alguém fizer uma busca pelo nome de
Peirce (o filósofo que mencionei no início) a busca resulta em quase um milhão de entradas.

Então temos um sério problema que, por enquanto, não tem solução.

Fonte:
ECO, Umberto. Os arquivos sobre Eco no mundo virtual. The New York Times. out. de
2009. Disponível em:
<http://noticias.uol.com.br/blogs-colunas/colunas-do-new-york-times/umberto-
eco/2009/10/05/os-arquivos-sobre-eco-no-mundo-virtual.jhtm>. Acesso em: 03 fev. 2010.

Leitura complementar

Estudante cria mentira na Wikipedia e engana grandes jornais


<http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL1112275-6174,00-
ESTUDANTE+CRIA+MENTIRA+NA+WIKIPEDIA+E+ENGANA+GRANDES+JORNAIS.html>

O
artigo abaixo aborda o aumento mundial das conexões de internet banda larga.
Vale considerar, contudo, que esse aumento ainda é concentrado em poucos países
industrializados. Em nosso dia-a-dia, o uso da internet tem significado um diferencial
em temos de acesso à informação e como ferramenta de comunicação. A perspectiva é a de
que, o mais rápido possível, os espaços coletivos passem a oferecer condições de acesso
público à internet. Qual a importância da democratização do uso da internet? Que diferença
o uso da internet tem exercido na vida das pessoas?

BANDA LARGA VAI ESTAR EM 20% DAS CASAS DO MUNDO ATÉ O FIM DO ANO
France Presse

No fim deste ano, 20% de todas as casas do mundo estarão conectadas à internet de alta
velocidade --dado que esconde, no entanto, fortes disparidades entre países, apontou a
consultoria especializada em tecnologia Gartner, em estudo publicado nesta segunda-feira
(28).

"Apesar da crise econômica mundial, o número de casas conectadas à internet de alta


velocidade continua aumentando de forma significativa", destaca a Gartner.
104

"Os consumidores estão atentos a seus gastos, mas abandonar suas conexões de alta
velocidade não está entre suas prioridades", afirma a analista Amanda Sabia no
comunicado.

Em 2008, 382 milhões de casas já tinham conexão, mas este número aumentará para 422
milhões em 2009, ou seja, 10,5% a mais.

Para 2013, a Gartner aposta em 580 milhões, o que representaria uma alta de 37,4% em
relação a 2009.

Os países emergentes, em particular China, Brasil e Índia, terão forte desenvolvimento


nestas conexões, mas a diferença em relação às nações industrializadas continuará sendo
grande.

No fim de 2008, quase 20 países tinham percentuais de conexões superiores a 50%. A


Coréia do Sul, com 86% de suas casas equipadas com esta tecnologia, está à frente da
lista, que termina com a Indonésia (1%).

No trio de ponta, estão ainda Holanda (80%) e Dinamarca (80%).

Fonte:
BANDA LARGA VAI ESTAR EM 20% DAS CASAS DO MUNDO ATÉ O FIM DO ANO.
France Presse. 28 set. 2009. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u630182.shtml>. Acesso em: 11 fev.
2010.

Leitura complementar

Informações sobre o tema


<http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u689173.shtml>

artigo a seguir faz uma análise da socialização e democratização da internet

O aprofundando a discussão descrita no artigo anterior. Nela, porém, o autor trata da


divisão digital que deixa pobres, idosos e população rural sem acesso a serviços
que serão transferidos para o ciberespaço.

INTERNET TAMBÉM CRIA MARGINALIZADOS SOCIAIS


Por David Alandete

Na revolução da Internet, que hoje chega aos telefones celulares, às telas de televisão e até
aos aviões, uma boa parte da população ficou desprezada. Há idosos que não entendem o
que é um navegador. Existem regiões pobres, rurais e urbanas, que não dispõem dos cabos
necessários para oferecer banda larga. E há jovens que dominam perfeitamente os
programas de bate-papo e as redes sociais, mas não sabem como enviar um currículo em
boas condições através do correio eletrônico. São os marginalizados da rede, e diante de
uma tecnologia em rápida mutação correm o risco de ficar para trás.
105

Richard Brock é um deles. Esse morador de Washington, de 65 anos, dedicou toda a sua
vida ao salão de cabeleireiro e se considera um analfabeto digital -a comprovação empírica
de que a célebre divisão digital existe. "Eu pensava que para ligar um computador era
preciso tirar o plástico com que vinha enrolado", brinca. "Percebi que a Internet se torna
necessária para as pessoas da minha idade, para organizar o trabalho da igreja, consultar
serviços da prefeitura, manter contato com parentes e amigos."

E não só para isso. Diante da grave crise econômica que vivem os EUA, Brock, já
aposentado, procura trabalho. "E para isso é preciso entender de computadores e de
Internet." Para um idoso que nunca aprendeu informática, que nunca abriu um notebook na
vida, pode ser muito difícil voltar ao mercado de trabalho em uma dura crise econômica na
qual as aposentadorias de muitos não estão garantidas e em que os despejos e as
penhoras são moeda corrente. Essa é a verdadeira face do que se passou a chamar de
divisão digital.

Pessoas como Brock são os alunos da academia Byte Back, situada no bairro de Brookland
em Washington, uma área de maioria afro-americana. Esse centro é um refúgio de pessoas
sem um teto na rede, cidadãos que carecem da formação e dos meios para navegar na
Internet. Aqui se dão aulas de informática gratuitas para pessoas que quando chegam não
sabem o que é um computador, e quando saem podem formatar um currículo, abrir uma
conta de e-mail e mandá-lo para um departamento de recursos humanos. Trata-se de uma
pequena ponte, por mais precária que seja, que oferece um grande avanço para contornar a
brecha digital.

No ano passado a Byte Back deu 527 aulas para 442 alunos. Deles, 307 se matricularam no
nível mais básico, no qual precisam aprender do zero, desde o botão de Iniciar do Windows.
Em geral, 80% dos alunos -entre os quais há algumas pessoas sem teto- finalizam os
cursos. Os professores, quase uma centena, são em sua imensa maioria voluntários.

"Pelo tipo de gente que vem aqui, temos a impressão de que as pessoas entre 60 e 80 anos
estão ficando para trás. Isso é algo que vai piorar conforme houver coisas que só possam
ser feitas online", explica a diretora da escola, Kelley Ellsworth. "A partir deste ano aqui em
Washington só é possível registrar crianças em creches públicas através da rede. Até
alguns meses atrás podia-se fazer pessoalmente. Agora os idosos sem experiência de
informática não podem se encarregar de uma coisa tão simples para seus netos."

É verdade. Há cada vez mais burocracias que são feitas exclusiva ou principalmente através
da rede. O governo dos EUA, por exemplo, exige que os viajantes europeus que queiram
visitar o país se registrem previamente em uma lista através de um site. Muitos centros
escolares dos EUA impõem deveres a seus alunos que devem ser feitos online. As
empresas de telefonia, eletricidade e água cobram uma tarifa de até 3 euros mensais para
enviar faturas em papel.

A Espanha, por exemplo, já tem a identidade digital para fazer todo tipo de tarefas com o
simples acesso a uma conexão à Internet, e as prefeituras dos países industrializados
utilizam cada vez mais a rede para trâmites tão simples -e que antes envolviam filas e
106

papeladas- como renovar carteiras de motorista, requerer seguro-desemprego, pagar multas


de trânsito ou saber aonde o guincho levou seu carro.

Segundo uma pesquisa do Centro de Pesquisas Pew do final de dezembro, 74% dos
americanos usam regularmente a Internet. Essa cifra é bastante superior à registrada na
Europa, onde somente 49% da população têm conexão à Internet em casa, segundo um
relatório de 2009 do Ministério da Indústria, elaborado com dados de 2008. Na Espanha,
51% dos domicílios contam com conexão à rede, abaixo de países como Eslováquia, Reino
Unido ou Suécia.

Esses dados confirmam a existência de desigualdades demográficas no acesso à Internet.


Nos EUA, por exemplo, 76% das pessoas de raça branca se conectam à Internet com
regularidade. Essa cifra cai para 64% entre a população hispano-americana. A diferença é
mais pronunciada entre faixas etárias: 93% dos jovens entre 18 e 29 anos se conectam à
rede, enquanto só 38% dos maiores de 65 anos o fazem.

"É normal que as pessoas mais velhas que vêm para estas aulas sintam medo no início",
explica Ellsworth. "Muita gente não sabe nem o que a espera em uma tela de computador. O
melhor em nossas aulas é ver as caras de vitória no final, ver que o medo desaparece e
como essas pessoas comemoram sua vitória pelo simples fato de ir ao site da prefeitura e
procurar algum dado."

Afinal, os idosos deveriam ser os mais beneficiados por uma tecnologia que evita papeladas
intermináveis e filas longuíssimas. "Essas pessoas deveriam mergulhar na rede. Ninguém
como elas pode obter um benefício de pedir uma visita médica ou um serviço municipal
através de uma tela em sua casa", explica Ellsworth. Mas não são só os idosos que sofrem
os prejuízos colaterais da divisão digital.

"Os casos mais preocupantes que encontro são os de jovens que acreditam ser muito
versados em informática e Internet, mas ignoram que na realidade são analfabetos digitais",
acrescenta Ellsworth. "São pessoas que se comportam como ninguém nos chats, que
controlam todas as redes sociais e têm perfis em dezenas de sites. Mas que não são
capazes de abrir um documento de texto e formatá-lo, ou que não conhecem as regras
básicas de enviar uma mensagem de correio eletrônico para pedir um trabalho, gente com
endereços de correio confusos, ou que não sabe sequer passar um corretor ortográfico em
um documento."

Embora se destaquem menos, os jovens de poucos recursos e com educação moderada


também são deixados de lado nessa divisão digital. Em Washington há muitos deles.
Sofrem um desemprego que entende de raças e bairros. Aqui, no 3º distrito, zona rica de
embaixadas e universidades, de maioria branca, o desemprego é de 3%. No 5º distrito, do
outro lado do rio Anacostia, uma zona pobre de submoradias e insegurança nas ruas, de
maioria afro-americana, é de 28%.

Mas alguns especialistas entendem que esses são os efeitos normais de qualquer ciclo
econômico e que na realidade essa divisão digital é uma quimera. "Mais que uma brecha, é
uma membrana permeável", explica Benjamin Compaine, especialista em empresas digitais,
107

professor de administração de empresas na Universidade Northeastern e autor do livro "A


Brecha Digital: Crise a enfrentar ou mito inventado?", publicado em 2001. "Algumas pessoas
têm conexão no trabalho e não em casa. Há jovens que têm Internet na escola e não
precisam dela em casa. É muito difícil descrever uma brecha como a que esse termo
sugere."

No mundo desenvolvido há lacunas regionais não conectadas à rede, por ser zonas
remotas, de difícil acesso, ou bairros pobres em zonas urbanas onde às vezes nem sequer
existem os cabos necessários para oferecer a Internet. O governo americano anunciou em
dezembro passado que oferecerá US$ 2 bilhões (1,4 bilhão de euros) para facilitar o acesso
à banda larga nesse tipo de área. Ao fazer o anúncio, em 29 de dezembro na Geórgia, o
vice-presidente Joe Biden disse que o acesso à banda larga "é necessário para criar a
economia do século 21".

Para o professor Compaine, como para muitos economistas dos EUA que defendem o livre
mercado, o Estado deveria se dedicar a outros assuntos. "Quando há tantas pontes para
construir e tantas infraestruturas para melhorar, coisas que na verdade a iniciativa privada
não vai solucionar, por que investir o dinheiro dos contribuintes em algo como facilitar o
acesso à rede? Nos últimos dez anos a oferta e a procura solucionaram o problema. Sim, há
cerca de 20% de domicílios nos EUA sem conexão à rede. Mas em muitos desses
domicílios vivem pessoas que têm Internet no trabalho, ou no telefone ou através de satélite.
São números imprecisos."

Em relação aos lugares remotos sem acesso à rede, Compaine é claro: "Por que eu deveria
pagar pelo acesso à Internet em uma zona rural do Wyoming, por exemplo? Viver em cada
lugar tem seus benefícios e seus custos. É certo que para um fazendeiro de Wyoming o
seguro do carro custa menos que a metade do seguro do meu carro em Nova York, por
exemplo. É normal que para ele o acesso à rede custe mais caro".

Nem todo mundo tem a mesma opinião. "A divisão digital existe. Se não quiser chamá-la
assim, também se pode falar em desigualdade econômica. É a mesma história de sempre",
explica Ken Eisner, diretor-executivo de operações da companhia sem fins lucrativos One
Economy, encarregada entre outras coisas de oferecer conexão à rede para minorias
pobres. "A Internet é o novo espaço público. Não ter acesso à rede em muitos casos não é
uma questão de se viver em um lugar ou outro. É uma questão de pobreza, de
subdesenvolvimento urbano ou rural", acrescenta.

Um de seus últimos projetos é oferecer acesso à banda larga para mais de mil famílias em
Washington, através da operadora de telefonia e Internet Criket e com a ajuda de Google e
Qualcomm. Até agora realizaram projetos semelhantes em outros estados, nas áreas rurais
da Califórnia, Carolina do Norte, Virgínia Ocidental ou Missouri. Recentemente a One
Economy iniciou programas semelhantes em grandes cidades como Washington.

"Por cada acesso à rede que oferecemos estamos dando a uma criança os meios
necessários para ter um trabalho digno", explica Clyde Edwards, diretor da One Economy e
coordenador de seus projetos locais na área metropolitana de Washington. "Trabalhamos
para que todas as crianças pobres de hoje possam sonhar com ser os criadores do
108

Facebook ou do Google de amanhã. Queremos levar a Internet a todos os lugares


possíveis."

É um sonho que muitos outros compartilham. Há conexões com a rede mundial em lugares
nunca antes imaginados, como o pólo sul, na Estação Amundsen-Scott, ou a bordo do
ônibus espacial da Nasa. Diversas iniciativas tentaram levar a Internet a lugares
extremamente remotos. Muitas vezes com êxito, como demonstra o caso de Entasopia, no
Quênia, uma aldeia de 4 mil habitantes à qual o Google, através de um convênio com a
Universidade de Michigan, levou a banda larga no ano passado através de uma conexão
satélite alimentada por painéis solares.

O sonho de um mundo totalmente conectado parece se tornar realidade aos poucos, a cada
dia. As novas gerações quase já nascem conectadas à rede. Só o tempo e a sucessão de
gerações demonstrarão se a Internet é capaz de reduzir as desigualdades ou se realmente
ajuda a combatê-las.

Fonte:
ALANDETE, David. Internet também cria marginalizados sociais. El País. 27 jan. 2010.
Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2010/01/27/internet-tambem-
cria-marginalizados-sociais.jhtm>. Acesso em: 8 fev. 2010.

Leitura complementar

O efeito banda larga


<http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=6&i=5783>

O
artigo a seguir analisa o Carnaval, a manifestação artístico-cultural brasileira de
maior impacto econômico e social. O autor busca o seu significado histórico
polemizando o rigor presente nos desfiles das escolas de samba, em especial, do
Rio de Janeiro. Convida os foliões a resgatarem o espírito original do carnaval. Qual o papel
das grandes indústrias na mudança que vem sofrendo a festa do carnaval? Em que sentido
o carnaval representa uma crítica às condições sociais dos homens em sociedade?

CARNAVALESCOS, POR FAVOR, ERREM!


Por Leandro Narloch

CARO CARNAVALESCO, caro turista que vai desfilar neste Carnaval, eu gostaria de lhe
fazer um pedido. Durante o desfile de sua escola de samba nos próximos dias, por favor,
erre. Erre de propósito. Cometa bobagens imprevistas, saia do ritmo, embole a coreografia
de seu grupo. Faça de tudo para que sua escola de samba ganhe notas péssimas dos
jurados.

É um pedido estranho, mas que não tem o objetivo de sabotar a festa. Pelo contrário. Para
que a diversão volte a acontecer, para que ela seja de fato um Carnaval, é preciso
urgentemente errar mais na avenida.
109

O pedido se baseia na história. Por séculos e séculos, o Carnaval significou inversão de


papéis, de julgamentos e de atitudes. Em outras palavras, significou fazer tudo ao contrário.

Nas festas pagãs da Roma Antiga, que deram origem ao Carnaval cristão, escravos e seus
senhores trocavam de posição: por um dia, eram os servos que mandavam. Já os europeus
medievais faziam missas e procissões cômicas, desafiando a Igreja Católica, autoridade
temerosa e indiscutível daquela época.

Uma festa parecida acontecia no Brasil. Durante as festas conhecidas como entrudos, as
pessoas atiravam bolas de cera nos outros e faziam guerrinhas d'água pela rua,
impressionando quem não estava habituado.

Em 1832, o jovem Charles Darwin, ao visitar o Carnaval de Salvador com dois tenentes da
Marinha britânica, escreveu assustado: "Achamos muito difícil manter a nossa dignidade
enquanto caminhávamos pelas ruas".

Essa algazarra deliciosamente sem noção foi silenciada na década de 30. Por influência de
costumes e governos fascistas, a festa se aproximou de um desfile patriótico, com regras,
jurados e horários marcados.

Os foliões passaram a desfilar diante de autoridades do governo e de jurados, que


avaliavam a disciplina, o figurino e a média de acertos dos grupos, dando notas até dez.
Instituiu-se a obrigatoriedade de sambas com letras em prol da nação. Os instrumentos de
sopro, que não remetiam à "cultura nacional", foram proibidos.

As primeiras apresentações do Rio de Janeiro aconteceram na avenida Rio Branco, o


mesmo local dos desfiles militares do dia 7 de setembro.

A Deixa Falar, escola de samba mais antiga, desfilou em 1929 usando na comissão de
frente cavalos da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Três anos depois, o samba-enredo da
escola era A Primavera e a Revolução de Outubro, em homenagem à tomada de poder de
Getúlio Vargas em outubro de 1930. A apresentação contou com participantes vestidos de
militares.

Os sambas das escolas também foram atração nas primeiras edições da "Hora do Brasil",
programa criado pelo governo Vargas. Em 29 de janeiro de 1936, uma edição especial com
a Estação Primeira de Mangueira foi transmitida para a rádio nacional da Alemanha nazista.

Criou-se nessa época o evento metódico que existe até hoje, com notas, vencedores, regras
de conduta e, o que é mais incrível, uma trajetória retilínea. É injusto que o Carnaval
brasileiro seja simbolizado por um desfile tão contrário ao espírito carnavalesco. Por isso,
precisamos afastar o Carnaval brasileiro de seus tempos fascistas. Você pode fazer isso
tomando atitudes simples durante o desfile. Basta praticar qualquer ação que irrite os
dirigentes das escolas preocupados não com a sua diversão, mas com pontuações e
patrocínios. Há diversas opções interessantes.
110

Uma delas: pare diante dos jurados, dê de ombros a eles, chame-os para invadir a avenida
(se eles não estiverem dormindo). Ou então, em vez de cantar sambas politicamente
corretos patrocinados por Hugo Chávez ou por mineradoras, deite no meio do desfile e finja-
se de morto. Empurre o carro alegórico para o lado contrário.

E, por favor, livre-se daquelas penugens horríveis: já foi o tempo em que os brasileiros
tinham que oferecer macumba para turistas, fingir-se de exóticos bem comportados para
ganhar pontos ou atrair atenção. Já podemos deixar a Sapucaí de lado e dar mais atenção
aos blocos de rua, onde algum Carnaval sobrevive.

Repleta desse comportamento irresponsável, sua escola de samba se tornaria muito mais
fiel ao Carnaval.

Durante todo o ano corremos para seguir ordens, ritmos e horários, lutamos para ser
aprovados, atingir o grupo especial ou tirar dez. O Carnaval é um pequeno momento do ano
destinado ao oposto. Nesses quatro dias, você está liberado para errar, para não ser aceito
e se esforçar em tirar zero. Por favor, aproveite. Bons carnavalescos, em vez de torcer por
graves notas dez na quarta-feira de cinzas, festejam o rebaixamento.

E, se os dirigentes das escolas reclamarem de seus erros, não se importe. Eles não sabem
o que é Carnaval.

*Jornalista. Foi repórter do "Jornal da Tarde" e da revista "Veja" e editor das revistas
"Aventuras na História" e "Superinteressante". É autor do livro "Guia Politicamente Incorreto
da História do Brasil" (LeYa).

Fonte:
NARLOCH, Leandro. Carnavalescos, por favor, errem! Folha de S. Paulo, São Paulo, 12
fev. 2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1202201009.htm>.
Acesso em 12 fev. 2010.

Leituras complementares

Sobre a história do carnaval


<http://www.brasilescola.com/carnaval/historia-do-carnaval.htm>

<http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publica
tionCode=16&pageCode=300&textCode=896&date=currentDate>

O
texto a seguir fala da exposição Maringá ingênua, da artista Lilia Lobo, retratando o
cotidiano da cidade de Maringá (PR). A artista aborda situações peculiares da
cidade ao longo da história, a partir de uma perspectiva ingênua. A tela abaixo
111

coloca em destaque a estação rodoviária e os personagens comuns que transitam pela


região central da cidade. Destaca-se a terra vermelha característica da região noroeste do
Paraná.

MARINGÁ INGÊNUA
Lilia Lobo apresenta sua arte naïf para contar momentos da história, do cotidiano, das festas
e da vida de Maringá, em exposição que fica até março no Calil Haddad
Por Fábio Massalli

Tela da Maringá antiga: história da cidade contada através da arte naïf de Lila Lobo em exposição no Calil

Muitas das imagens são clássicas. O tradicional Hotel Maringá, construído em madeira para
abrigar viajantes que desciam nas ruas de barro da cidade recém-nascida. A Catedral sendo
construída, com a antiga igreja de madeira em sua frente, testemunhando sua sucessora
moderna que viria simbolizar a demolição da antiga catedral de madeira de Maringá. Isso
sem esquecer as fazendas, com suas imagens bucólicas, seus momentos lúdicos e festas
tradicionais.

Essas imagens, contudo, não fazem parte do acervo de fotografias históricas do Patrimônio
Histórico de Maringá, mas do acervo da artista maringaense Lilia Lobo.

Numa exposição que fica no Teatro Calil Haddad até o dia 17 de março, Lilia Lobo
apresenta telas em um estilo naïf (ingênuo). São quadros que, em sua grande maioria, falam
diretamente da história de Maringá e situações do cotidiano da cidade, como feiras de
animais, festas que fazem parte do calendário oficial da cidade e parques de diversões. A
Catedral, é claro, está presente em muitas delas.

Lilia também realizou uma outra exposição com obras no mesmo gênero e com a mesma
112

temática na Sala do Artista Popular em Curitiba. Foram 17 telas da artista plástica, tendo
como tema Maringá e que ficaram expostas na capital paranaense em janeiro deste ano.

A arte naïf, também chamada de arte primitiva moderna, é realizada por artistas autodidatas,
sem formação acadêmica. Algumas das principais características da arte naïf na pintura são
a ausência das técnicas usuais de representação (como o uso da perspectiva, formas
convencionais de composição e utilização de cores, dando preferência para tonalidades
primárias), uma visão ingênua do mundo (a própria palavra ―naïf‖ significa ―ingênua‖),
simplificação dos elementos decorativos e visão idealizada da natureza.

Fonte:
MASSALLI, Fábio. Maringá ingênua. O Diário do Norte do Paraná, Maringá, 24 fev. 2010.
Disponível em: <http://www.odiariomaringa.com.br/noticia/236212>. Acesso em 24 fev. 2010.

A
música a seguir é de Gabriel o Pensador e propõe ressaltar a situação educacional
do país. O seu texto nos leva a pensar sobre o método tradicional de ensino no qual
os alunos aceitam passivamente as informações recebidas, as quais, inclusive, têm
que memorizar, sem oportunidades de questioná-las. De outro lado, pode-se perceber uma
nova visão de escola em que o aprendizado é significativo, os professores preparam os
alunos para os desafios da vida, por meio de temas atuais e contextualizados com a
realidade na qual os alunos estão inseridos. Com qual dos perfis de estudante você se
parece?

Música

Estudo Errado
De Gabriel O Pensador

Eu tô aqui Pra quê?


Será que é pra aprender?
Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer?
Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater
Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever
A professora já tá de marcação porque sempre me pega
Disfarçando, espiando, colando toda prova dos colegas
E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo
E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo
Eu quero jogar botão, vídeo-game, bola de gude
Mas meus pais só querem que eu "vá pra aula!" e "estude!"
Então dessa vez eu vou estudar até decorar cumpádi
Pra me dar bem e minha mãe deixar ficar acordado até mais tarde
Ou quem sabe aumentar minha mesada
Pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?)
Não. De mulher pelada
A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada
E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa pirralhada!)
113

A rua é perigosa então eu vejo televisão


(Tá lá mais um corpo estendido no chão)
Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é inflação
- Ué não te ensinaram?
- Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil
Em vão, pouco interessantes, eu fico pu..
Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio
(Vai pro colégio!!)
Então eu fui relendo tudo até a prova começar
Voltei louco pra contar:

Manhê! Tirei um dez na prova


Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova
Decorei toda lição
Não errei nenhuma questão
Não aprendi nada de bom
Mas tirei dez (boa filhão!)

Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci


Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Decoreba: esse é o método de ensino
Eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino
Não aprendo as causas e consequências só decoro os fatos
Desse jeito até história fica chato
Mas os velhos me disseram que o "porque" é o segredo
Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo
Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente
Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente
E sei que o estudo é uma coisa boa
O problema é que sem motivação a gente enjoa
O sistema bota um monte de abobrinha no programa
Mas pra aprender a ser um ignorante (...)
Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah, deixa eu dormir)
Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre
Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste
- O que é corrupção? Pra que serve um deputado?
Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso!
Ou que a minhoca é hermafrodita
Ou sobre a tênia solitária.
Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! (...)
Vamos fugir dessa jaula!
"Hoje eu tô feliz" (matou o presidente?)
Não. A aula
Matei a aula porque num dava
Eu não agüentava mais
114

E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais


Mas se eles fossem da minha idade eles entenderiam
(Esse num é o valor que um aluno merecia!)
Íííh... Sujô (Hein?)
O inspetor!
(Acabou a farra, já pra sala do coordenador!)
Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar
E me disseram que a escola era meu segundo lar
E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente
Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre!
Então eu vou passar de ano
Não tenho outra saída
Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida
Discutindo e ensinando os problemas atuais
E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais
Com matérias das quais eles não lembram mais nada
E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada

Refrão
Encarem as crianças com mais seriedade
Pois na escola é onde formamos nossa personalidade
Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância, a exploração, e a indiferença
são sócios
Quem devia lucrar só é prejudicado
Assim vocês vão criar uma geração de revoltados
Tá tudo errado e eu já tou de saco cheio
Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio...
Juquinha você tá falando demais assim eu vou ter que lhe deixar sem recreio!
Mas é só a verdade professora!
Eu sei, mas colabora se não eu perco o meu emprego.

Link para o clipe da música

<http://www.youtube.com/watch?v=zXNBHW5-4-4>

O
texto a seguir é de Charles Chaplin (1889-1977), no filme O Grande Ditador. Neste
filme, Chaplin faz uma sátira do chefe nazista Adolph Hitler. Esse texto é
considerado um libelo ao triunfo da razão sobre o militarismo. De consciência social
intensa, o filme busca questionar um período efervescente de movimentos fascistas na
Europa, criticando a apologia do cidadão que, por patriotismo, tolera o assassinato de
milhões de judeus.
115

O CAMINHO DA VIDA
De Charles Chaplin

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos.

A cobiça envenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódios... e tem-
nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e morticínios.

Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina,
que produz abundância, tem-nos deixado em penúria.

Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis.


Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.

Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência,


precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será
perdido.

Fonte:
CHAPLIN, Charles. O grande ditador.
Disponível em: <http://www.pensador.info/autor/Charles_Chaplin/>. Acesso em 03 fev. 2010.

Link para o vídeo

O Caminho da Vida
<http://www.youtube.com/watch?v=bl5oWfF1ad0>

Pinturas de Candido Portinari

C
andido Portinari nasce no dia 30 de dezembro de 1903, numa fazenda de café, em
Brodósqui, no interior do Estado de São Paulo. Filho de imigrantes italianos, de
origem humilde, recebe apenas a instrução primária e desde criança manifesta sua
116

vocação artística
(biografia em <http://www.portinari.org.br/candinho/candinho/abertura.htm>).

As pinturas abaixo fazem parte da coleção Portinari para crianças. A página Viagem ao
Mundo de Candinho é um excelente site para as crianças conhecerem este artista brasileiro.
As pinturas a seguir são de uma fase em que Portinari retrata a sua infância.

Futebol, de 1935, foi feito com tinta a óleo sobre tela de tecido.
Fonte: <http://www.portinari.org.br/candinho/candinho/abertura.htm>

Meninos Brincando de 1955


Fonte: <http://www.portinari.org.br/candinho/candinho/jogo.htm >
117

Menino com Estilingue de 1947.


Fonte: <http://www.portinari.org.br/candinho/candinho/abertura.htm>

Menino Retirante Segurando Bauzinho


Fonte: <http://www.portinari.org.br/candinho/candinho/abertura.htm>

Link para outras obras do pintor

<http://www.portinari.org.br/candinho/candinho/abertura.htm>
118

Charge

A
charge abaixo permite uma compreensão direta do seu tema, aborda a questão da
violência na televisão. Convida-nos a refletir sobre a influência dos meios de
comunicação na vida do homem do nosso tempo, particularmente as crianças.

Fonte: <http://www.ipv.pt/forumedia/3/3_fe5.htm>

Análise do cartoon

A charge retoma uma piada muito conhecida. Este cartoon exige do leitor um prévio
conhecimento a respeito do contexto em que se dão os fatos. Em primeiro lugar, há a
―crítica‖ à presença dos flanelinhas nas ruas. Uma rápida pesquisa mostrará que as
reclamações em torno das ameaças feitas por eles aos motoristas que se recusam a
―contribuir‖ são inúmeras.

O ruído na comunicação provocado pela interpretação errada da frase no primeiro balão


(―Avisa a hora que bater‖). Satirizando a falta de instrução, talvez, o flanelinha, em vez de
avisar que os veículos estavam próximos, ―dá‖ as horas no momento em que os carros se
chocam. O problema na decodificação da mensagem é o foco nesse cartoon.
119

Fonte:
BLOG DO BAURU. Disponível em:
<http://www.blogdobauru.com.br/2010_01_01_archive.html>. Acesso em 12 mar. 2010.

Sugestão de filme

PATCH ADAMS - O AMOR É CONTAGIOSO, de Tom Shadyac (1998)

Um estudante de medicina, Hunter ―Patch‖ Adams, interpretado por Robin Williams, começa
a usar amor, carinho e alegria como armas para ajudar pessoas hospitalizadas. Entretanto
logo irá se confrontar com as práticas médicas institucionalizadas, despertando
desconfiança e ciúme dentro da classe médica. Baseado em história real, Shadyac, no estilo
de Hollywood, apresenta as vicissitudes do herói empreendedor americano, que enfrenta o
establishment corporativo – no caso a corporação médica, eivada de poder e prestigio.
Hunter ―Patch‖ Adams praticou a contracultura na profissão médica, criando o Instituto
Gesundheit. Embora Shadyac não expresse com clareza, Adams traduziu, em sua
metodologia médica o espírito de uma época (os anos 60, a década da contracultura). O
estilo populista, autonomista e criativo traduz um traço da cultura americana primordial, dos
Pioneiros que colonizaram a América e que hoje ainda no imaginário de Hollywood.

Fonte:
PATCH ADAMS - O AMOR É CONTAGIOSO. Tela Crítica. Sinopses de filmes.
Disponível em: <http://www.telacritica.org/letraP.htm#patch>. Acesso em 25 fev. 2010.

Link para a entrevista

Patch Adams – Roda Viva (parte 01)


<http://www.youtube.com/watch?v=8Q7aqa-G0l8>
120

MEIO AMBIENTE

Introdução

O
presente capítulo trata de um conjunto de temas relativos aos atuais problemas
socioambientais. Esses problemas dizem respeito à atuação dos homens sobre a
natureza ao longo da história em nome do progresso. Nesse sentido, dizem respeito
a uma esfera maior das relações humanas, o universo político-econômico. Desse modo,
todos os temas estão voltados para a reflexão sobre os rumos da sociedade e a urgência do
envolvimento social e o compromisso político dos cidadãos. Os textos a seguir abordam
questões ligadas às energias alternativas, ao problema climático, a questão dos resíduos, a
questão dos transgênicos, a sustentabilidade, entre outros.

Esses temas giram em torno dos principais problemas ambientais e têm ocupado um
considerável espaço nos meios de comunicação, contudo, percebe-se que ainda é lento o
desenvolvimento da consciência ecológica pela população. O despertar ecológico recente
ainda não é suficiente para provocar as transformações sócio-político-econômico-culturais
necessárias para estabelecer um equilíbrio capaz de garantir a manutenção da existência
sobre a Terra. Contudo, como parte desse processo, acredita-se que uma radical formação
sociocultural e ética despertará os homens do nosso tempo para compromissos radicais
pela defesa do meio ambiente.

Textos

artigo abaixo apresenta algumas perspectivas para a pauta ambiental no Brasil em

O 2010. Apesar de considerar difícil quaisquer prognósticos, algumas determinações,


se consideradas, permitem abordar os rumos da questão ambiental no país. Um
fator relevante que se deve considerar é o processo eleitoral e, como a história tem
mostrado, no jogo político, a abordagem sobre o meio ambiente fica sujeita às alianças
políticas e os compromissos com setores privados que nem sempre têm em vista os
interesses comuns da sociedade. O autor passa em análise os principais postulantes a
assumir o governo em 2011 e, apesar de tantas incertezas, mantém um otimismo com o
desenvolvimento da consciência ambiental.

2010: UM ANO DE INCERTEZAS


Por Rogério Grassetto Teixeira da Cunha

É um exercício difícil e arriscado tentar imaginar a pauta ambiental e tentar prever eventos
importantes para o ano que se iniciará sem cair na tentação de antecipar o que
121

inevitavelmente acontece, e cada vez mais: mais desmatamentos, secas e chuvas


catastróficas, lixo e poluição.

Porém, 2010 apresenta uma dificuldade adicional: trata-se de um ano eleitoral, situação em
que o tabuleiro do jogo político e as regras mudam constantemente. Gostaria que a temática
ambiental entrasse nas agendas dos candidatos como "nunca antes na história deste país".
Isso pode até ser possível dado o constante (mas ainda muito aquém do necessário)
crescimento da conscientização ambiental da sociedade, e a entrada de Marina Silva no
jogo. Com o impulso adicional da conferência do clima em Copenhague, esta tendência
poderá reforçar-se, mesmo que a maioria das pessoas ainda desacople suas preocupações
de suas atitudes no dia-a-dia.

Nos debates que antecederão a disputa eleitoral, imagino que a candidata governista irá
sempre situar-se em uma delicada corda bamba. Mãe do PAC, adepta fervorosa do
desenvolvimentismo a qualquer preço e considerando o meio ambiente como um entrave,
Dilma Rousseff é vista com desconfiança pelos ambientalistas. Não sem razão, dadas as
suas declarações ao longo dos tempos e suas posições políticas. Aliás, estes foram um dos
principais elementos que resultaram no processo de saída da outra candidata, Marina Silva,
do cargo de ministra do Meio Ambiente.

E, bem recentemente, seu ato falho em Copenhague, quando deixou escapar que considera
o meio ambiente um entrave: "o meio ambiente é, sem dúvida nenhuma, uma ameaça ao
desenvolvimento sustentável. Isso significa que é uma ameaça para o futuro do nosso
planeta e dos nossos países", disse.

Aliás, a postura do governo nesta reunião, tentando vender um cenário panglossiano ao


mundo, de otimismo desmesurado, mostra bem qual é (e qual será, caso Dilma vença) a
abordagem oficial dos nossos gravíssimos problemas ambientais. Além disso, dado o já
consolidado namoro de Lula com o agribusiness, a candidata terá que continuar mantendo
posturas e declarações favoráveis ao setor. No Brasil, visto que os grandes proprietários de
terra ainda encontram-se no século XIX em suas práticas e posturas ideológicas, isto
significa sempre um crescimento de impactos ambientais negativos. Por outro lado,
justamente devido a este presumido aumento de conscientização, além de ser um tema
mundialmente em pauta, a candidata oficial terá que, ao menos na aparência, dedicar parte
de seu discurso ao tema ambiental.

Então, imagino que ela adotará algumas estratégias. Uma será falar de temas amplos, com
pouca oposição, apresentando medidas geralmente genéricas e largamente inócuas.
Estamos referindo-nos especificamente ao tema do aquecimento global. A segunda
estratégia será distribuir alguns "docinhos" aqui e ali, em temas de menor relevância. O
terceiro será usar, a torto e a direito, a expressão "desenvolvimento sustentável", oca de
sentido, mas que dá a impressão de poder agradar a todos. Ela vai também usar a política
de exaltar os "feitos ambientais do governo Lula", como, por exemplo, a criação de muitos
parques sob Marina Silva, a "queda" no desmatamento, as hidrelétricas do bem com o tal do
fio d‘água etc., prometendo "fazer muito mais, assumindo o protagonismo mundial na
questão". Obviamente vai citar muito aquela meta mandrake de reduzir entre 35% e 38% o
desmatamento e a meta de redução de emissão de gases de efeito-estufa
122

Já o principal candidato oposicionista deverá adotar uma tática apenas ligeiramente distinta.
Serra também empregará as mesmas três primeiras estratégias, mas, escondendo a face do
lobo, procurará usar uma pele de cordeiro e adotar um discurso pretensamente mais
"verde". Usará para isto alguns de seus feitos reais, como a adoção de medidas contra o
aquecimento antes de Lula, por exemplo, além da confortável posição de franco-atirador. Se
lembrarmos que a senadora Kátia Abreu, do ex-PFL, é um dos nomes cogitados para a vice-
candidatura, vemos o quão de fachada é e será seu discurso. A senadora está na linha de
frente da bancada ruralista no Congresso Nacional e tem repetido algumas das piores
posições que este setor vem defendendo no Brasil nos últimos meses.

Resta-nos então quem parecia ser a terceira via, Marina Silva. A senadora, assim que
assumir que é candidata, irá usar uma estratégia diferente. Primeiro, procurará enfatizar ao
máximo o que conseguiu fazer à frente do ministério (verdade seja dita, lutando contra
forças titânicas).

Ressaltará os números de redução do desmatamento, sempre atribuindo os crescimentos a


impulsos econômicos e as reduções às suas ações... Ela usará, muito mais ainda do que os
outros candidatos, a expressão "desenvolvimento sustentável", algo que tem sido a tônica
de suas declarações, justamente por ser oca de sentido e poder ser interpretada de
múltiplas formas.

Triste será vê-la usar todo o seu real conhecimento da causa ambiental, mas esquivar-se de
posições claras e inequívocas a respeito de temas seríssimos, como as hidrelétricas nos
rios amazônicos, em especial Belo Monte. Crendo que terá chances reais, terá que adaptar
seu discurso e fazê-lo mais light.

Um ponto poderá ser positivo: quem sabe sua simples presença na disputa, uma
personagem ligada umbilicalmente à questão ambiental, irá forçar os outros candidatos a
levar mais a sério a questão. Além das críticas que ela fará às posturas dos outros dois
candidatos principais, sua candidatura por si só vai forçá-los a posturas talvez um pouco
mais ousadas do que gostariam.

Mas, com menores chances reais, ela prestaria um serviço muito maior ao país se
realmente rompesse com estas tentativas de discurso dúbio, expusesse a cru nossas
mazelas ambientais e tomasse posturas realmente firmes. Perderia as chances, mas talvez
colocasse mais ainda os candidatos contra as cordas.

Enquanto isto se desenrola no plano político, no mundo real imagino que poderá haver um
aumento de desmatamentos. Como ninguém quer desagradar ninguém em ano eleitoral, a
fiscalização poderá ser relaxada, incentivada pelas medidas de anistia de Lula aos
desmatadores de ontem, e já renovadas para além do pleito. Agora voltando ao mais óbvio
que acontece todos os anos, imagino ainda que, a confirmar-se esta tendência de um verão
extremamente chuvoso, veremos novas catástrofes ambientais, a la Santa Catarina no ano
passado. Basta termos uma seqüência de chuvas e uma frente fria estacionada em algum
local da Serra do Mar e pronto, nossas ocupações irregulares de encostas irão encarregar-
se do resto.
123

Previsões pessimistas? Nem tanto. Disse acima que a consciência ambiental vem
crescendo, e é aí que deposito minhas esperanças. Quando cada vez mais pessoas
estiverem realmente conscientes dos problemas e começarem, elas próprias, a mudarem
seus comportamentos e atitudes, sem esperar apenas o resultado de ações governamentais
e reuniões internacionais espetaculosas, aí sim as coisas tenderão a melhorar. É por isto e
para isto que nós nesta coluna escrevemos nossos artigos.

Fonte:
CUNHA, Rogério G. T. 2010: um ano de incertezas. Correio da cidadania. 6 jan. 2010.
Disponível em: <http://www.correiocidadania.com.br/content/view/4204/57/>. Acesso em 17
fev. 2010.

Leituras complementares

Greenpeace Brasil
<http://www.greenpeace.org/brasil/>

WWF - Brasil
<http://www.wwf.org.br/>

O
artigo a seguir apresenta dados do crescimento do uso de sementes transgênicas
no Brasil. O país passa a ocupar, desde 2009, a segunda posição mundial no uso
de produtos agrícolas geneticamente modificados. Quais as vantagens da utilização
de produtos transgênicos? Com a presença cada vez maior desses produtos no mercado a
população estaria sujeita a algum risco? Que informações sobre os transgênicos estão à
disposição da população hoje?

BRASIL JÁ É 2O EM TRANSGÊNICOS E DEVE CRESCER MAIS


Por Roberto Samora

O Brasil ultrapassou em 2009 a Argentina e se tornou o segundo país que mais usa
produtos agrícolas geneticamente modificados no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos,
informou nesta terça-feira a ISAAA, órgão internacional que acompanha a adoção de
produtos transgênicos.

O Brasil plantou no ano passado 21,4 milhões de hectares com produtos transgênicos,
apenas 100 mil hectares a mais do que a Argentina, disse o presidente da ISAAA, Clive
James, em teleconferência.

Os EUA lideram com folga a adoção de produtos alterados geneticamente, com 64 milhões
de hectares.

E na avaliação de James há espaço para um crescimento ainda maior na adoção de


transgênicos no Brasil.
124

"A soja Roundup Ready (tolerante ao herbicida glifosato) vai crescer em 2010 ante 2009.
Hoje vocês plantam quase 23 milhões de hectares (ao todo, incluindo o produto
convencional), e houve 71 por cento de adoção do Roundup Ready em 2009. Há espaço
para aumento significativo", declarou ele durante a teleconferência.

A soja domina o cultivo de transgênicos no Brasil e Argentina, mas o crescimento do uso de


lavouras geneticamente modificadas no país no ano passado foi liderado pelo milho.

A área do milho Bt cresceu 3,7 milhões de hectares, o equivalente a aproximadamente 400


por cento sobre 2008, e foi de longe o maior aumento absoluto para qualquer cultura GM em
qualquer país em 2009, segundo relatório da ISAAA (sigla em inglês para Serviço
Internacional para Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia).

Dos 21,4 milhões de hectares semeados no Brasil (com todos os produtos, soja, milho e
algodão), 16,2 milhões de hectares foram plantados com soja transgênica, com patente da
Monsanto.

O Brasil cultivou na safra passada cerca de 14 milhões de hectares com milho, sendo que 5
milhões de hectares com o produto transgênico Bt, resistente a insetos, de acordo como
órgão.

A adoção do milho transgênico só foi aprovada mais recentemente no Brasil. A soja e o


algodão alterados já são plantados há mais tempo.

"Milho, vocês são os terceiros produtores no mundo... e como você sabe o milho é cultivado
em duas safras no Brasil, há uma oportunidade de crescimento na safrinha, mas também na
safra de verão", declarou ele.

Segundo dados do ISAAA, foram cultivados 145 mil hectares com algodão transgênico no
Brasil, dos quais 116 mil do produto Bt e 29 mil tolerante a herbicida.

A área total com algodão no Brasil superou 800 mil hectares na temporada passada.

"No algodão também há mais oportunidades para crescimento, mas o mais importante é
olhar além, e ver produtos que estão vindo", disse James, citando uma soja transgênica
desenvolvida pela Embrapa em parceria com a Basf, recentemente aprovada para uso
comercial.

Ele prevê que o novo produto da Embrapa/Basf esteja disponível em 2010/11. "É um bom
exemplo de como o setor privado e setor público podem atuar juntos", afirmou, lembrando
que na China entidades públicas também estão desenvolvendo tecnologia transgênica.

Segundo a ISAAA, as avaliações de impacto mundial das culturas transgênicas indicam que,
no período de 1996 a 2008, os ganhos econômicos com a adoção de transgênicos foram de
51,9 bilhões de dólares, com a redução nos custos de produção e os ganhos de
produtividade.
125

Além disso, disse a organização, "teriam sido exigidos 62,6 milhões de hectares adicionais
para produzir a mesma quantidade, não tivessem sido empregadas as culturas GM".

Durante o mesmo período, de 1996 a 2008, a redução de defensivos foi avaliada em 268
milhões de kg de ingredientes ativos, uma economia de 6,9 por cento.

A entidade defende o uso de transgênicos também em relação a emissões. Segundo ela,


em 2008, a redução da emissão de CO2 na atmosfera com as culturas transgênicas é
estimada em 14,4 bilhões de kg de CO2, equivalente à remoção de 7 milhões de carros das
ruas.

Fonte:
SAMORA, Roberto. Brasil já é 2o em transgênicos e deve crescer mais. Reuters. 23 fev.
2010. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2010/02/23/brasil-ja-
e-2o-em-transgenicos-e-deve-crescer-mais.jhtm>. Acesso em 23 fev. 2010.

Dados para análise

Fonte: Folha de S. Paulo, B8 dinheiro, 24 fev. 2010.

Leituras complementares

Textos de análise do tema


<http://www.ctnbio.gov.br/>
126

<http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16213>

<http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15880>

O
texto a seguir aponta para a urgência em se adotar medidas alternativas para a
obtenção de energia. As energias alternativas são aquelas consideradas
sustentáveis e ―renováveis‖ na medida em que são mantidas pela natureza e
permitem uso continuado sem prejuízos ambientais. Quais fontes de energia renováveis
estão a nossa disposição? Que medidas podemos adotar para substituir o uso de fontes
energéticas não renováveis ou danosas ao ambiente?

ENERGIAS ALTERNATIVAS

Em 16 de fevereiro de 2005, a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, somada a novos


indícios de que o aquecimento global poderia ser pior do que se imaginava, voltaram a
chamar a atenção para a urgência de substituir combustíveis fósseis por formas alternativas
de energia que não emitam gás carbônico e diminuam o ritmo em que o problema se
agrava. Mesmo que fosse possível, por um passe de mágica, deter o consumo de
combustível fóssil e a emissão de gás carbônico em todo o mundo, mil anos se passariam
antes que a atmosfera da Terra voltasse a ser o que era antes da era industrial. A cada ano
que continuam sendo usados, piora o problema que será deixado para as futuras gerações.

O primeiro risco é o de que o petróleo seja substituído por alternativas ainda mais poluentes.
Nos anos 60 e 70 do século XX, quando as preocupações ainda não estavam centradas no
efeito estufa e sim nos preços e no risco de esgotamento do petróleo, outros combustíveis
fósseis foram cogitados para substituí-lo: carvão, xisto betuminoso e gás natural, por
exemplo. A alta continuada do preço do petróleo – que agora parece ter poucas chances de
voltar a custar muito menos do que US$ 45 por barril – e a lembrança de que as reservas
continuam a ser finitas e devem se esgotar dentro de algumas décadas podem reanimar tais
ideias o que seria ambientalmente desastroso. Isso porque o carvão (que representa 70%
da energia da China) e o xisto betuminoso são energeticamente menos eficientes e poluem
mais do que o petróleo, além de inutilizar vastas áreas com sua exploração.

O gás natural é, à primeira vista, mais amigável, pois sua combustão emite menos
subprodutos corrosivos e tóxicos. Veículos e termelétricas a gás são menos ruins para a
saúde das metrópoles do que seus equivalentes a diesel, gasolina ou petróleo. Do ponto de
vista do efeito estufa, porém, pouco ajudam. Ao ser queimado, o gás natural gera metade da
quantidade de gás carbônico que o petróleo, mas o próprio combustível (basicamente
metano) é 25 vezes mais potente como agente do efeito estufa que o produto de sua
combustão. Mesmo um vazamento de 2% anula sua vantagem.

O hidrogênio tem sido experimentado em células de combustível e cogitado para substituir


os combustíveis com base no petróleo. Sua combustão não emite gás carbônico, apenas
vapor de água. Mas, frequentemente, esquece-se de dizer que o hidrogênio não é uma
verdadeira fonte de energia. Não há hidrogênio livre no planeta Terra. Ou o gás é produto da
eletrólise da água por energia elétrica – ou seja, é apenas uma forma de empacotar
127

eletricidade produzida por outras fontes – ou, como geralmente acontece, é obtido da
decomposição do metano do gás natural, processo que gera grandes quantidades de gás
carbônico como coproduto. Em outras palavras, usar hidrogênio, em vez de gasolina, pode
aumentar até certo ponto a eficiência do uso da energia e melhorar a qualidade do ar das
metrópoles, mas não resolve o problema do efeito estufa - a menos que a fonte de energia
usada para produzi-lo seja totalmente renovável ou nuclear. Caso se use combustível fóssil,
a geração de gás carbônico é simplesmente deslocada para outro lugar. Talvez o hidrogênio
venha a ser um dos principais combustíveis do futuro, mas certamente não é a energia do
futuro.
[...]
Racionalização do uso
Uma fonte óbvia e barata de energia é, naturalmente, toda aquela que é desperdiçada ou
consumida sem necessidade. Viu-se no Brasil como uma crise temporária de abastecimento
pode levar milhões de consumidores e industriais a descobrir rapidamente formas de poupar
energia.

Soluções arquitetônicas racionais poupariam muito da energia usada para iluminar e


refrigerar prédios de escritórios mal planejados. Em países frios, um isolamento térmico
melhor poderia diminuir o consumo médio de energia para calefação em 60% a 75%.
Substituir jipões, peruas e picapes esportivas pesadas e volumosas por carros compactos
ou, melhor ainda, pelo transporte coletivo, reduziria consideravelmente as emissões de gás
carbônico. (ALC)

Fonte:
SADER, Emir. et al (Coord.). Latinoamericana: enciclopédia contemporânea da América
Latina e da Caribe. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 475-477.

Reportagens em áudio

Ecopolítica da CBN – Sérgio Abranches


<http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/sergio-abranches/SERGIO-
ABRANCHES.htm>

O
aumento da temperatura média é uma realidade climática difícil de negar na
atualidade. Os dias realmente estão mais quentes e os efeitos para a saúde
humana certamente são diversos. Uma das principais preocupações de cientistas
por todo o mundo, o aquecimento global se faz sentir de forma mais rápida do que se podia
imaginar. O artigo a seguir apresenta dados do aumento das temperaturas por todo o
território brasileiro. Em seguida, disponibilizamos um link para a primeira parte do filme
Vozes do Clima que possibilita profunda reflexão sobre os destinos dos sistemas
sustentadores da vida no planeta.

TEMPERATURAS ESTÃO EM MÉDIA 2ºC ACIMA DO NORMAL

Em Brasília, janeiro foi o mês mais quente dos últimos onze anos - com máxima de 30ºC.
128

Onde tem uma sombra, tem disputa por espaço. É nesta hora que o carrinho de Evandro
vende como nunca: "Quando é mais tarde é muito quente. Sai muita água de coco".

"Esse calor não é normal. Está quente demais mesmo, passando do limite", reclama um
cearense.

Passou mesmo. Quase 1,5ºC acima da média histórica para o mês de janeiro no Ceará. Isso
não acontecia há cinco anos. No Recife (PE) e em Sergipe, as temperaturas se mantêm até
2ºC acima da média.

Em Natal (RN), a máxima, que não passava dos 31ºC, tem chegado aos 32ºC. Em Brasília,
janeiro foi o mês mais quente dos últimos onze anos - com máxima de 30ºC.

No Rio de Janeiro, os cariocas correram para comprar ventiladores e aparelhos de ar


condicionado e enfrentar uma temperatura de 2,5ºC acima da média.

Com tantos aparelhos a mais, o consumo de energia elétrica, em todo país, aumentou 8,4%.
De acordo com a meteorologia, a explicação para tanto calor vem do oceano.

"Não só em Fortaleza, mas em praticamente todo Brasil, tende a ter um ligeiro aumento na
temperatura média em função do evento El Niño", explica o meteorologista David Ferran.

Mas, o pesquisador Alexandre Costa diz que só o El Niño não seria suficiente para esta
onda de calor. "Há muito concreto, prédios geralmente bloqueando parte significativa da
ventilação. Todos estes processos contribuem para tornar o ambiente urbano mais quente
do que as suas circunvizinhanças", diz o pesquisador Alexandre Costa.

Com este calor é preciso se refrescar o tempo todo. Oferecer este tipo de serviço se tornou
uma estratégia para os comerciantes que querem dar um pouco mais de conforto aos
clientes. Afinal, de quente, no restaurante, basta a comida.

Quem está na praia precisa se proteger, mesmo debaixo do guarda-sol. A areia reflete por
volta de 15% da radiação solar. Até na água é preciso se proteger. Os raios ultravioleta
queimam da mesma forma.

"É passar protetor solar, se hidratar bastante, tomar bastante líquido. Tem que aproveitar
este verão bonito", aponta a enfermeira Dione Cunha.

Fonte:
TEMPERATURAS estão em média 2ºc acima do normal. Globo.com. Edição 4 fev. 2010. Disponível em:
http://g1.globo.com/bomdiabrasil/0,,MUL1476111-16020,00-
TEMPERATURAS+ESTAO+EM+MEDIA+C+ACIMA+DO+NORMAL.html. Acesso em
04/02/2010).
129

Filme sugerido

Vozes do Clima (parte 01)


<http://www.youtube.com/watch?v=sbxAp4aqr6I>

O
artigo abaixo trata do lixo eletrônico que vem crescendo e trazendo preocupações
cada vez maiores para a preservação do meio ambiente. Os equipamentos
eletrônicos fazem parte da população mundial e já representam um perigo para a
saúde humana e o equilíbrio ambiental. A falta de atenção das autoridades em relação a
esse tipo de lixo faz com que, por falta de políticas específicas de reciclagem, o problema se
agrave. Basta observar o destino que a população dá, por exemplo, para pilhas e baterias
que, como é sabido, são danosos à saúde humana. Qual destino se dá hoje para peças e
equipamentos eletrônicos em geral? Que informações sobre reciclagem desses
equipamentos estão disponíveis para os consumidores?

COM AVANÇOS TECNOLÓGICOS, LIXO ELETRÔNICO VAI SE ACUMULANDO


Por Naiara Bertão

"Lixão" eletrônico. Imagem via Trade2Save

Há mais de dez anos tem crescido enormemente o uso de dispositivos eletrônicos portáteis,
como computadores, telefones celulares e tocadores de música (primeiramente CD e,
depois, arquivos digitais). Um dos resultados, que a princípio não parecia preocupante, é o
acúmulo de lixo.

Eletrônicos hoje representam o tipo de resíduo sólido que mais cresce na maioria dos
países, mesmo nos em desenvolvimento. Um dos grandes problemas de tal lixo está nas
baterias, que contêm substâncias tóxicas e com grande potencial de agredir o ambiente.
130

Em artigo publicado na edição de 30/10 da revista Science, pesquisadores da Universidade


da Califórnia, nos Estados Unidos, comentam o problema e a ausência de políticas
adequadas de reciclagem.

―O pequeno tamanho, a curta vida útil e os altos custos de reciclagem de tais produtos
implicam que eles sejam comumente descartados sem muita preocupação com os impactos
adversos disso para o ambiente e para a saúde pública‖, apontam os autores.

Eles destacam que tais impactos ocorrem não apenas na hora de descartar os
equipamentos eletrônicos, mas durante todo o ciclo de vida dos produtos, desde a
fabricação ou mesmo antes, com a mineração dos metais pesados usados nas baterias.

―Isso cria riscos de toxicidade consideráveis em todo o mundo. Por exemplo, a concentração
média de chumbo no sangue de crianças que vivem em Guiyu, na China, destino conhecido
de lixo eletrônico, é de 15,2 microgramas por decilitro‖, contam.

Segundo eles, não há nível seguro estabelecido para exposição ao chumbo, mas
recomenda-se ação imediata para níveis acima de 15,2 microgramas por decilitro de
sangue.

Os pesquisadores estimam que cada residência nos Estados Unidos guarde, em média,
pelo menos quatro itens de lixo eletrônico pequenos (com 4,5 quilos ou menos) e entre dois
e três itens grandes (com mais de 4,5 quilos). Isso representaria 747 milhões de itens, com
peso superior a 1,36 milhão de toneladas.

O artigo aponta que, apesar do tamanho do problema, 67% da população no país não
conhece as restrições e políticas voltadas para o descarte de lixo eletrônico. Além disso,
segundo os autores, os Estados Unidos não contam com políticas públicas e fiscalização
adequadas para a reciclagem e eliminação de substâncias danosas dos produtos
eletrônicos.

Os pesquisadores pedem que os governos dos Estados Unidos e de outros países


coloquem em prática medidas urgentes para lidar com os equipamentos eletrônicos
descartados. Também destacam a necessidade de se buscar alternativas para os
componentes que causem menos impactos à saúde humana e ao ambiente.

O artigo The electronics revolution: from e-wonderland to e-wasteland, de Oladele


Ogunseitan e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org.

Fonte:
BERTÃO, Naiara. Com avanços tecnológicos, lixo eletrônico vai se acumulando. Blog
Eco4planet.com. Disponível em: <http://blog.eco4planet.com/2009/11/com-avancos-
tecnologicos-lixo-eletronico-vai-se-acumulando/>. Acesso em 5 fev. 2010.

Leitura complementar
131

Portal da reciclagem e do meio ambiente


<http://www.compam.com.br/>

texto a seguir é uma entrevista com Fernando Soneghet Pacheco, autor do livro ―O

O Homem-ecológico: a falência do modelo social e o despertar de uma nova


consciência‖. Nele, apresenta sua visão sobre os destinos da sociedade e o meio
ambiente, anunciando novos tempos em que o homem deverá ter um perfil ecológico. A
partir do texto, pode-se discutir o ideal de homem que entendemos ser necessário formar
tendo em vista a sobrevivência das futuras gerações.

“O HOMEM-ECOLÓGICO”

Entrevista com Fernando Soneghet Pacheco*, autor do livro ―O Homem-ecológico: a falência


do modelo social e o despertar de uma nova consciência‖

A turbulência por que passa o mundo pós-moderno não é o fim dos tempos como temem
alguns, é apenas o fim de uma era, de um modelo, de um jeito de fazer as coisas: é o fim da
era hegemônica do homem-social.

O homem-social é este que somos, que caminha em direção ao futuro e tudo faz pela ótica
do aperfeiçoamento social. Seu objetivo máximo é conquistar a cidadania; e muito embora
seja uma boa e nobre meta, não é o suficiente. Em nome da conquista de uma igualdade
social e de um maior bem-estar o homem desse tempo agride o meio ambiente de maneira
que torna sua grande morada cada dia menos sustentável.

- Estamos à beira de uma ruptura, afirma o autor, da falência de um modelo de vida coletiva
que atingiu seu limite máximo de elasticidade e não consegue mais responder às enormes
demandas de um homem que se acha cada vez mais merecedor de mais bens, energia e
conforto.

Quem é o homem-ecológico?
É necessário se voltar uns 150 mil anos atrás e verificar que já fomos homens-físicos
quando nos movíamos pelos nossos instintos, já fomos homens-emocionais quando
incorporamos o subjetivo à nossa rotina e já fomos homens-racionais quando descobrimos a
razão e a lógica. Hoje somos homens-sociais; vivemos para aperfeiçoar as relações
humanas. Isto, entretanto, não é o suficiente se quisermos que nossos netos possam beber
um copo de água pura daqui a 50 anos. O homem-ecológico será aquele que conseguir,
sem sacrifício, agir no cotidiano sentindo-se parte e não gestor de seu habitat. Ele
reconhecerá em todas as manifestações vitais - ar, água, animais, e plantas - os mesmos
direitos que hoje atribui apenas aos seres humanos.

E o que isso significará na prática?


Significará uma mudança muito radical em nossa rotina; e isso não será fácil. Nossa espécie
lutou muito para conquistar o grau de conforto que hoje tem e não abrirá mão facilmente
disso. Dominar a natureza e tirar dela tudo que nos desse bem-estar foi a única
132

preocupação das 4.000 gerações que nos antecederam. Não se muda uma tradição sem um
―bom argumento‖.

E o que pode ser esse “bom argumento”?


Uma ruptura, uma boa sacudida, um susto, algo que nos mostre de maneira dramática, clara
e definitiva que o caminho que estamos seguindo chegou a seu fim e não tem volta nem
correção de rumo. O que precisa mudar é o jeito de fazer as coisas, o contexto não o
conteúdo. Não se pode prever o que será, mas terá ecológico como adjetivo, e ficará claro
para todos que, ou mudamos de conduta ou feneceremos todos. Muitos estudos sérios já
anunciam uma reação enérgica da natureza contra as agressões que vem sofrendo. A
natureza não reage, se vinga!

Mas, e se “todos” fizermos um esforço coletivo ...?


Isto não é possível. Quase todas as nossas atitudes são governadas, na verdade, por um
acordo tácito e não declarado entre estes importantes representantes do homem-social que
chamo de comerciadores: um ser que surgiu com o advento da moeda e que se
especializou em obtê-la e armazená-la. Não há nada no mundo social que lhes fuja ao
controle. Se algum esforço coletivo for tentado terá que ser em direção aos preceitos por
eles ditados ou permitidos. Não há a menor possibilidade de se fazer um esforço coletivo em
direção a uma vida de verdadeiro respeito à natureza pois qualquer ação neste sentido
sempre fere um ou mais interesse desses comerciadores.

Por exemplo ...!


O homem-social é manipulado por estes comerciadores pela hipersensibilização de seus
sentidos. A cada instante de nossas vidas, especialmente nos últimos 100 anos, somos
bombardeados com informações que nos tentam convencer de que algo é muito bom de se
ver, de se cheirar, de se tocar, de se ouvir ou de se comer. Isto movimenta as indústrias
químicas, do turismo, do lazer, dos vestuários, dos cosméticos, da eletrônica, das bebidas e
dos alimentos que respondem talvez por 90% do comércio em todo o mundo. A agressão ao
meio ambiente é subproduto de todas elas.

Mas isto é desenvolvimento. Não é possível se desenvolver sem agredir o ambiente?


Uma série de atividades chamadas modernamente de sustentáveis já acenam para esta
possibilidade, mas esta não é a questão. A questão é que 90% disso que chamamos de
desenvolvimento trazem como conseqüência um consumo de energia – aqui com sentido
amplo -, que se perde na tentativa de trazer um bem-estar efêmero. Os prazeres físicos, ―da
carne‖ são passageiros. Um espetáculo musical assistido, uma refeição saborosa, uma
maquiagem embelezadora ou um novo brinquedo têm durabilidade muito pequena e um
agravante: precisam ser repetidos porque viciam. A natureza não está agüentando e a
reciclagem (que gasta muita energia também) é a única solução criativa que o homem-social
conseguiu imaginar. Reeducação, nem pensar. Os comerciadores não deixariam.

Mas como será o mundo sem esses valores sociais?


O homem-ecológico terá que descobri-lo a medida que o for construindo. Povos do passado
foram dizimados porque não souberam preservar seus recursos naturais ao não abrirem
mão de práticas sociais ou religiosas que os agrediam. Algum estranho mecanismo de
preservação ao contrário parece que nos impõe uma certa cegueira coletiva. Os nativos da
133

conhecida ilha de Páscoa, no Pacífico, construíram enormes estátuas de pedra - os moais -


consumindo toda a floresta de seu pequeno país e tenho certeza de que em dado momento,
antes do fim de sua civilização, pressentiram que isto ia acontecer e que iriam morrer todos.
Nem por isso mudaram de rumo. Que estranhas estátuas construímos nós, hoje, que serão
motivo de espanto ou deboche de paleontólogos no futuro.

Então, estamos fadados a sucumbir?


Claro que não. Acho que uma ruptura será inevitável. Mas não será o fim; só um susto.
Penso que já dispomos de todo o conhecimento e de todos os instrumentos para construir
uma nova civilização. Só não sabemos o que fazer com as instituições sociais que
construímos, diga-se de passagem, há pouquíssimo tempo: com a escola que não educa,
com a penitenciária que não corrige, com os tribunais que se alimentam dos litígios, com os
hospitais e os hospícios que não curam, com os políticos que legislam em causa própria,
com a previdência social que é uma afronta à matemática. Estas instituições não precisam
existir - ou podem ser muito diferentes -, nós sabemos disso. Mas quem ou o quê tem força
para mudá-las? Só mudando o contexto em que estarão inseridas: o grande teatro social.

E depois do susto?
Nossa espécie em pouco mais de 100 mil anos saiu da barbárie para as viagens espaciais.
Isto não foi por acaso. A nossa capacidade de adaptação é nossa mais importante
característica. Quando não houver mais as amarras sociais que nos impedem de fazer o
óbvio saberemos o que fazer. Vejo com muito otimismo esta reconstrução. Serão momentos
de tensão mais muito estimulantes.

Na sua opinião, como será, na prática, esta reconstrução?


Inúmeras iniciativas ao longo do mundo já acenam com soluções possíveis para se
reconstruir um mundo sustentável. A permacultura, criada pelo australiano Bill Mollison, é
um destes interessantes instrumentos. Alguns institutos no Brasil já a difundem. O nosso,
aqui na região serrana do ES, onde moro com minha mulher, é um protótipo do que
achamos ser um dos caminhos possíveis. Plantamos grande parte de nosso alimento,
captamos da chuva nossa água, tratamos nosso esgoto com plantas, reciclamos nosso lixo,
usamos a energia solar para aquecer água e gerar energia elétrica, usamos materiais de
construção de baixo impacto para as nossas construções e valorizamos a cultura local.
Cremos que através de ações educativas: cursos, trabalhos com empresas, escolas e
comunidades carentes, contribuiremos para a formação dos arquitetos desse novo tempo.
Será deles a responsabilidade de construir um jeito ecológico de se viver ... e eu acredito
que isto seja possível!

E depois de homens-ecológicos, o quê seremos? A evolução continua?


É claro. Quando as viagens espaciais forem rotina teremos certamente que lidar com
valores, grandezas e verdades que hoje nem consideramos. Como será a vida no cosmos?
Um homem-cósmico talvez tenha que assumir o papel de acomodar os anseios e as
demanda desse tempo que há de vir. Olharemos então para este nosso planetinha e
acharemos graça da ingenuidade de termos sido apenas ecológicos um dia. Um homem-
transcendental, espiritualizado talvez encerre este ciclo, mas isto está muito distante.
Cuidemos por ora do nosso planeta, que agoniza, que já será tarefa por demais suficiente ...
pelo menos por enquanto.
134

Um pouco mais sobre o livro: "O Homem-ecológico"


Um texto leve e acessível onde história, sociologia e ecologia
se intercalam em uma leitura repleta de observações e
afirmações tanto polêmicas quanto intrigantes. Partindo de
uma abordagem antropológica da evolução da espécie
humana, o autor evidencia a falência do modelo social atual,
apresentando questões que estimulam o leitor a compreender
o tempo em que vivemos e o encoraja a se tornar arquiteto de
um novo jeito fazer as coisas- um jeito ecológico e não
apenas social. O autor identifica personagens como ecólatras,
comerciadores e ambientistas, e mostra como o despertar de
uma consciência ecológica, já latente, transformará a rotina
das pessoas muito mais do que ousamos imaginar.

Um tema atual, apresentado num contexto realista, mas de


otimismo.

* Fernando Soneghet Pacheco - Engenheiro, permacultor, educador ambiental e presidente


do Instituto Capixaba de Permacultura e Tecnologias Intuitivas – EcoOca, -
www.ecooca.com.br - localizado na região serrana do Espírito Santo.

Fonte:
―O HOMEM-ECOLÓGICO‖. Ecoterra Brasil: meio ambiente e responsabilidade social
Disponível em:
<http://www.ecoterrabrasil.com.br/home/index.php?pg=ecoentrevistas&tipo=temas&cd=1387>.
Acesso em 23 fev. 2010.

Leitura complementar

<http://www.ecoterrabrasil.com.br/home/index.php?pg=glossario>

Texto de análise

O QUE É DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL?

A definição mais aceita para desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento capaz de


suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as
necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para
o futuro.

Essa definição surgiu na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada
pelas Nações Unidas para discutir e propor meios de harmonizar dois objetivos: o
desenvolvimento econômico e a conservação ambiental.
135

O que é preciso fazer para alcançar o desenvolvimento sustentável?


Para ser alcançado, o desenvolvimento sustentável depende de planejamento e do
reconhecimento de que os recursos naturais são finitos.

Esse conceito representou uma nova forma de desenvolvimento econômico, que leva em
conta o meio ambiente.

Muitas vezes, desenvolvimento é confundido com crescimento econômico, que depende do


consumo crescente de energia e recursos naturais. Esse tipo de desenvolvimento tende a
ser insustentável, pois leva ao esgotamento dos recursos naturais dos quais a humanidade
depende.

Atividades econômicas podem ser encorajadas em detrimento da base de recursos naturais


dos países. Desses recursos depende não só a existência humana e a diversidade
biológica, como o próprio crescimento econômico.

O desenvolvimento sustentável sugere, de fato, qualidade em vez de quantidade, com a


redução do uso de matérias-primas e produtos e o aumento da reutilização e da reciclagem.

Os modelos de desenvolvimento dos países industrializados devem ser seguidos?


O desenvolvimento econômico é vital para os países mais pobres, mas o caminho a seguir
não pode ser o mesmo adotado pelos países industrializados. Mesmo porque não seria
possível.

Caso as sociedades do Hemisfério Sul copiassem os padrões das sociedades do Norte, a


quantidade de combustíveis fósseis consumida atualmente aumentaria 10 vezes e a de
recursos minerais, 200 vezes.

Ao invés de aumentar os níveis de consumo dos países em desenvolvimento, é preciso


reduzir os níveis observados nos países industrializados.

Os crescimentos econômico e populacional das últimas décadas têm sido marcados por
disparidades.

Embora os países do Hemisfério Norte possuam apenas um quinto da população do


planeta, eles detêm quatro quintos dos rendimentos mundiais e consomem 70% da energia,
75% dos metais e 85% da produção de madeira mundial.

Fonte:
O QUE É DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. WWF-Brasil. Disponível em:
<http://www.wwf.org.br/informacoes/questoes_ambientais/desenvolvimento_sustentavel/>.
Acesso em 23 fev. 2010.

O
texto a seguir é uma entrevista com Yvo de Boers, secretário-executivo das Nações
Unidas, sobre Mudança Climática. Em dezembro de 2009, o secretário esteve à
frente da Cúpula de Copenhague, que sucederá o Protocolo de Kyoto, de 1997,
136

considerada um fracasso em termos de negociações para um acordo efetivo contra o


avanço dos problemas ambientais. Na entrevista, o secretário aborda a expectativa
existente para a assinatura do tratado climático em 2010. Segundo a ONU, o tempo para
fechar o pacto climático está acabando, ou seja, as perdas podem ser catastróficas e
irreversíveis.

SERÁ DIFÍCIL FECHAR PACTO CLIMÁTICO DA ONU EM 2010


Por Robert Nowatzki

Fechar um tratado climático da ONU em 2010 será "muito difícil", apesar de um novo
esforço para incentivar as negociações após a cúpula de Copenhague, disse na terça-feira o
chefe do Secretariado das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas.

Yvo de Boers, que é holandês e na semana passada anunciou seu plano de renunciar ao
cargo em julho, depois de quatro anos, também sugeriu à Reuters Television que seu
sucessor deveria vir de um país em desenvolvimento.

"Acho que será muito difícil", ele falou, referindo-se às perspectivas de ser acordado um
novo tratado em uma reunião ministerial anual que acontecerá em Cancún, no México, entre
29 de novembro e 10 de dezembro. Os países ricos e pobres divergem sobre como dividir o
ônus das reduções das emissões de gases.

Uma cúpula da ONU realizada em dezembro na Dinamarca deixou muitos países


decepcionados, pelo fato de não ter sido concluída com um novo pacto legalmente
compulsório para suceder ao atual Protocolo de Kyoto.

A cúpula foi encerrada com o Acordo de Copenhague, não compulsório, para limitar o
aquecimento do planeta a menos de 2 graus Celsius acima da época pré-industrial.

De Boer disse que os países em desenvolvimento vão querer saber o que o tratado
significará "em termos de obrigações e o que lhes proporcionará em termos de finanças e
tecnologia, antes de se disporem a dar aquele passo e dizer 'sim, estamos dispostos a
trabalhar por um tratado legalmente compulsório'".

"Por isso acho que o primeiro passo deve ser acertar a arquitetura do tratado, e acho que
isso poderá ser feito no México. O passo seguinte seria acordar um tratado."

Na segunda-feira, países chaves concordaram em acrescentar uma sessão adicional de


negociações entre representantes seniores de 194 países, em Bonn, entre 9 e 11 de abril,
além da reunião já prevista para Bonn entre 31 de maio e 11 de junho. Os delegados
disseram que isso é sinal de disposição de trabalhar para chegar a um tratado.

MÉXICO
De Boer também afirmou que espera que o México seja anfitrião de conversações entre
alguns negociadores importantes em março.
137

Ele disse que a escolha de seu sucessor cabe ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
Mas falou: "acho que seria bastante útil que fosse alguém de um país em desenvolvimento".
Até agora 100 países firmaram o Acordo de Copenhague, que promete quase 10 bilhões de
dólares em ajuda por ano entre 2010 e 2012, chegando a 100 bilhões de dólares por ano a
partir de 2020, além de fixar o teto de 2 graus Celsius de aquecimento máximo.

De Boer disse que o debate climático está chegando a um período em que será possível
implementar decisões já tomadas para frear secas, enchentes, ondas de calor, tempestades
mais violentas e a elevação dos níveis oceânicos.

"Estamos ingressando em uma fase que diz respeito à implementação, em conseguir a


adesão de países em desenvolvimento e em reconhecer a cooperação e adaptação", disse
ele.

Na Indonésia, na terça-feira, um estudo da ONU disse que as reduções de emissões feitas


até agora por 60 países no Acordo de Copenhague e que se referem principalmente à
queima de combustíveis fósseis são insuficientes para limitar a alta da temperatura em no
máximo 2 graus.

Achim Steiner, chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, exortou os
países a anunciar cortes maiores em suas emissões: "A mensagem não é ficar inativos,
resignados e dizer que jamais vamos conseguir".

Yvo de Boer vai trabalhar para a consultoria empresarial KPMG.

"Eu sempre falei que, na minha opinião, em última análise a solução para as mudanças
climáticas precisa vir do setor privado, dentro de limites traçados por governos, mas do setor
privado", disse ele.

Fonte:
NOWATZKI, Robert. Será difícil fechar pacto climático da ONU em 2010. Reuters. 23 fev.
2010. Disponível em:
<http://noticias.uol.com.br/ultnot/reuters/2010/02/23/ult729u84480.jhtm>.
Acesso em 23 fev. 2010.

Leitura complementar

<http://noticias.ambientebrasil.com.br/noticia/?id=32199>

E
m meio aos debates em torno da economia dos recursos naturais e preservação da
natureza, o artigo abaixo provoca perplexidade. O desperdício de água na cidade de
Maringá alcança cifras impressionantes. Segundo os dados, a água desperdiçada
seria suficiente para abastecer a população da cidade por mais de um mês. Apesar das
justificativas, o fato é que precisamos refletir sobre a gravidade do problema. A água é um
recurso limitado e o seu desperdício trará consequências às futuras gerações.
138

SANEPAR PERDE 24 MILHÕES DE LITROS DE ÁGUA POR DIA


A quantidade perdida seria suficiente para abastecer a população da cidade por 34 dias. Em
2009, mais de 8 bilhões de litros de água tratada foram perdidos
Por Fábio Linjardi

Funcionário da Sanepar usa aparelho para ouvir se a água está passando pelo cano: medida antifraude

O índice de perdas no sistema de distribuição da Sanepar foi de 30,82% em Maringá no ano


passado. O resultado é que 8,4 bilhões de litros foram perdidos no ano, o suficiente para
abastecer a cidade por três meses e meio. A cada 24 horas, as perdas chegam a 23 milhões
de litros, água suficiente para dar de beber a toda população por 34 dias.

Segundo dados da empresa, o volume produzido de água em 2009 foi de 27,3 bilhões de
litros para o abastecimento de Maringá. No mesmo período, a quantidade registrada nos
100.718 hidrômetros da cidade foi de 18,9 bilhões de litros — prejuízo de 8,4 bilhões de
litros, ou cerca de R$ 40 milhões, com base no custo médio de produção (cerca de R$ 2
para cada mil litros).

A principal fonte de perdas são os vazamentos. Segundo a empresa, no total de 1,7 mil
quilômetros de rede que cobre Maringá, são registrados, em média, 120 vazamentos por
mês. O volume total perdido com vazamentos não está contabilizado. Em segundo lugar
estão as ligações clandestinas — 45 são identificadas, em média, por mês.

Segundo a empresa, há dois tipos de perdas: a real e a aparente. A real, estimada em


12,33% do total produzido, é a água perdida em vazamentos, ou limpeza da rede. Outros
18,49% são chamados de perda aparente, gerada por má leitura nos hidrômetros ou
ligações clandestinas. ―Não é toda a água do índice de perdas que não chegou ao cliente .
Há os problemas de leitura‖,diz o administrador de redes da Sanepar, Wildeson Froemming.

Chegando ou não ao cliente, o contabilizado como perda encarece o produto. ―É claro que
as perdas entram no cálculo da produção, mas é só um item entre os diversos que
compõem a tarifa‖, diz o gerente regional da Sanepar, José Fernando de Oliveira.

A empresa diz que, para reduzir perdas, tem investido na troca de 130 km de tubulação e
melhorias no sistema de monitoramento da rede. Em 2007, as perdas eram de 31,62%. O
índice de perdas em Maringá não é o maior do Estado – segundo reportagem do Jornal de
Londrina, publicada ontem, o índice de perdas naquela cidade chegou a 34% em 2009.
139

Fonte:
LINJARDI, Fábio. Sanepar perde 24 milhões de litro de água por dia. O Diário do Norte do
Paraná, Maringá, 17 fev. 2010.
Disponível em: <http://www.odiariomaringa.com.br/noticia/235855>. Acesso em 18. fev.
2010.

Reportagens em áudio

CBN – Ciência & Meio Ambiente


<http://cbn.globoradio.globo.com/colunas/ciencia-meio-ambiente/CIENCIA-MEIO-
AMBIENTE.htm>

O
poema a seguir de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) nos convida a
refletir sobre o cotidiano das nossas vidas, os sonhos realizados e aqueles
impossíveis de acontecerem. ―Por que sofremos?‖, pergunta o autor. Sofremos
pelas coisas que fazemos, mas, sobretudo, por aquelas que deixamos de fazer. O poema
aponta para a importância de vivermos a vida intensamente, entregando-nos em definitivo a
cada momento.

DEFINITIVO
Por Carlos Drummond de Andrade

Definitivo, como tudo o que é simples.


Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.
140

Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos


o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções
irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado
do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter
tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que
gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas
as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um
amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os
momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas
angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo


confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor?


O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma
pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez
companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um
verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!


A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do
sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional...

Fonte:
ANDRADE, Carlos Drummond. Definitivo. Disponível em:
<http://www.pensador.info/autor/Carlos_Drummond_de_Andrade/2/>. Acesso em 03 fev.
2010.
141

Imagens

A
s duas imagens abaixo têm finalidade que se explicita à primeira vista: abordar o
problema ambiental no país. O artifício utilizado pelos autores é o exagero para
tornar o problema impactante. Como é próprio da charge, os traços simples do
desenho trazem uma crítica política-social.

Fonte: <http://simposioeducom.blogspot.com/2008/11/concluses-sobre-o-vi-simpsio-nacional.html>

Link para o vídeo

<http://www.youtube.com/watch?v=61ZHciGwtyk>

Sugestão de filme

ROBÔS, de Carlos Saldanha e Chris Wedge (2005)


142

Rodney, filho do casal Lataria, é um jovem robô empreendedor que vive no subúrbio de
Robópolis e que desde cedo demonstra aptidão para as invenções. Ele sonha em trabalhar
com um poderoso inventor conhecido como Big Weld (Grande Soldador). Por isso, decide
visitá-lo para mostrar a ele suas idéias. No entanto, ele descobre que quem manda agora é
Dom Aço, que pretende fazer um upgrade das máquinas. Quem não tiver dinheiro para se
modernizar, sai de circulação e vai para o ferro velho. Em Robopólis, Rodney irá encontrar
novos amigos e conhecer uma gangue de máquinas excluídas da sociedade. Manivela, seu
récem-amigo, assim como o pai de Rodney, está ficando velho, e já não encontram mais
peças para reposição. Finalmente, Rodney e amigos decidem fazer justiça com as próprias
mãos e libertar o Grande Soldador, que descobrem ser refém de Dom Aço. Ao assumir
novamente o controle de sua corporação industrial, o Grande Soldador poderá voltar a
fabricar peças sobressalentes para as máquinas ultrapassadas pela inovação tecnológica e
ameaçadas de irem parar no ferro velho. Em Robôs, Dom Aço é a expressão do
"capitalismo selvagem" - ou melhor, do capital financeiro (que predomina hoje, sob o
capitalismo global) e que só visa o lucro e a descartabilidade. Por outro lado, o Grande
Soldador aparece como a representação do "capitalismo social" que busca repor as
energias perdidas e não fazer meramente o upgrade. Robôs é dirigido por Chris Wedge e
pelo brasileiro Carlos Saldanha (o mesmo time de A Era do Gelo). É uma fantasia dos riscos
da alucinada inovação tecnológica que ameaça, com a desvalorização persistente, o mundo
dos homens (que aparecem invertidos como robôs). Mas a culpa da obsolescência
planejada, prática comum das corporações industriais, é atribuída a um executivo malvado e
corrupto e não a um modo de produção social, o capitalismo, que possui, em si, a lógica da
produção destrutiva. Deste modo, uma animação tão sofisticada e bem trabalhada, muitas
vezes é desperdiçada num roteiro tão pouco ousado e criativo. É claro que no subtexto do
filme, existe uma crítica sutil à "sociedade de consumo", à modernização desenfreada, ou
até uma discreta crítica ao sistema ditatorial de Hollywood, onde o que conta é a juventude e
a beleza (por isso, tantas ‗estrelas‘ se submetem ao bisturi, ou seja, o upgrade). Entretanto,
faltou-lhe ousadia em sugerir algo para além da luta do Bem contra o Mal ou de um suposto
"capitalismo social" (Grande Soldador), aquele que solda o compromisso social, contra um
capitalismo Selvagem... É visível o excesso de referências à cultura pop, como O Espanta
Tubarões, Cantando na Chuva e 2001: Uma Odisséia no Espaço. Além disso, nota-se que o
visual do filme parece ter sido inspirado na cultura tecnológica dos anos 1950, época em
que os eletrodomésticos começaram a se tornar popular; por isso os personagens até têm a
cara dessas parafernálias.

Fonte:
ROBÔS. Tela Crítica. Sinopses de filmes.
Disponível em: <http://www.telacritica.org/letraR.htm#robos>. Acesso em 25 fev. 2010.
143

ANEXO I

Questões comentadas

1) Questões que envolvem reconhecimento literal: para respondê-las, o leitor precisa


LER NAS LINHAS do texto, identificar e recuperar a informação solicitada.

Exemplo:

A taxa Selic define os juros que o governo pagará aos bancos que adquirem títulos do
governo ou, em outras palavras, emprestam-lhe dinheiro. A taxa Selic é também chamada
de taxa de juro básico da economia, pois toda a economia do país tem como referência essa
taxa. Com a queda da taxa de juros, pode-se verificar importantes consequências para o
desenvolvimento econômico do país.

A partir das informações acima, analise as assertivas:

I. Na evolução de taxas, a taxa de juros mais baixa é 8,75.


II. Entre 2006 e 2007, houve forte aumento da taxa de juros.
III. O menor índice da taxa de juros de 2009 é 3 pontos percentuais menor que o
apresentado entre 2006 e 2007.
IV. Em 2009, a taxa de juros mostrou tendência de queda.
144

Estão corretas:

A) Apenas II e III.
B) Apenas I e IV.
C) Apenas II, III e IV.
D) Apenas I, II e IV.
E) Todas as assertivas.

O encaminhamento da questão explica o que significa taxa Selic e traz uma afirmação sobre
a influência da queda de juros no desenvolvimento econômico do país. Porém, na análise
das assertivas, pode-se perceber que todas referem-se a informações que podem ou não
ser recuperadas do gráfico, isto é, basta o leitor ler atentamente os dados apresentados nas
linhas do texto. É muito importante considerar que a compreensão de gráficos requer
leituras das linhas verticais e horizontais, mesmo que sejam linhas imaginárias.

Mediante o que é solicitado na questão, é preciso assinalar a opção em que constem as


assertivas corretas. Na leitura atenta dos dados, pode-se constatar que:

I. Na evolução das taxas, de fato, 8,75 é mesmo a taxa de juros mais baixa. Portanto, essa
assertiva está correta.

II. Entre 2006 e 2007, houve queda e não aumento na taxa de juros, ou seja, a assertiva
está incorreta.

III. Entre 2006 e 2007, o menor índice da taxa de juros foi de 13,00, enquanto que o menor
de 2009 foi 8,75; pode-se verificar esses números e confirmar claramente as datas
correspondentes nas linhas do gráfico; portanto, a diferença é mais do que 3 pontos e, por
isso, a assertiva está incorreta.

IV. O gráfico mostra que, em 2009, a taxa de juros caiu, o que torna correta a assertiva.

A partir da leitura atenta do gráfico e das assertivas, não tem como errar. As informações
estão explícitas nas linhas do gráfico e a assertiva correta é a letra B.

2) Questões que envolvem inferência e integração de segmentos do texto: para


respondê-las, o leitor precisa LER ENTRE AS LINHAS do texto para realizar a
interpretação solicitada.

Exemplo:

Verificamos que em torno do Pré-Sal, assunto tratado na Coletânea de Formação


Sociocultural e Ética, p. 132-133, uma série de notícias têm sido divulgadas. A seguir, leia a
matéria escrita pela jornalista Raquel Derevecki, publicada no ABJ notícias, em 6/10/2009.
Atente não apenas para as informações sobre o tema, mas também para as opiniões
apresentadas.
145

Na imprensa brasileira, a maior parte das afirmações referentes ao destino dos lucros
das reservas foi atribuída ao governo, em especial à figura do presidente. O Estado de S.
Paulo, por exemplo, apresentou no dia 2 de setembro a seguinte reportagem: ―Papel do
governo no pré-sal é como o de uma mãe‖. O título era uma das declarações otimistas
do presidente colocadas na matéria. Segundo as afirmações, o lucro gerado pelas
reservas deve auxiliar no crescimento de todo o Brasil, e esse dinheiro ―é uma dádiva de
Deus que foi dada ao nosso País‖.

Outra declaração do presidente foi publicada alguns dias antes, 27, na Folha Online. Na
reportagem, o governante dizia que nós ―temos que ter conhecimento e utilizar parte
desse dinheiro para tirar o povo da pobreza‖. O impresso da Folha do dia 28 trouxe uma
afirmação semelhante: ―Os recursos serão carimbados para a educação, ciência e
tecnologia e combate à pobreza, ‗três coisas sagradas para tirarmos o país da situação
em que se encontra‘‖. [...]

Checar as informações na área petrolífera exige esforço. De acordo com o economista


Waldir Kiel, é muito difícil ter certeza da produção futura nas camadas pré-sal. Segundo
ele, fazer afirmações a respeito do lucro esperado das reservas é arriscado, pois as
declarações não passam de hipóteses. ―Todos os cálculos são suposições. O valor
produzido pode não ser confirmado ou até ser o dobro do esperado‖, explica Kiel.

Levando em consideração a análise do economista, as frases empolgadas do presidente


Lula deixam dúvidas. O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, reforça os
questionamentos. Em entrevista à Globo News, ele fez questão de ressaltar que as
―reservas não são ‗vaca leiteira‘ em termos de dinheiro‖. [...]

Mesmo ajudando na ceia natalina, a quantia não parece suficiente para trazer a
―redenção aos pobres‖. A realidade, porém, é ainda mais distante do nosso cálculo
otimista e despretensioso. Do lucro total, será retirada apenas uma parcela – ainda sem
valor definido – para compor o Fundo Social, cujos recursos serão aplicados em
educação, ciência e tecnologia, meio ambiente, cultura e erradicação da pobreza. [...]

Fonte: (http://abjnoticias.com/2009/10/06/pre-sal-esperanca-para-o-pobre/- Acesso


26/out/2009)

Atendo-se nas informações e opiniões apresentadas acima, pode-se concluir:

I. A afirmação do presidente da Petrobras, ―reservas não são ‗vaca leiteira‘ em termos de


dinheiro‖, em outras palavras pode significar que o pré-sal não trará tanto lucro a ponto de,
por exemplo, ―tirar o povo da pobreza‖.
II. O economista Waldir Kiel é bastante otimista com relação ao pré-sal como recurso
promissor ao combate da pobreza, partilhando da mesma opinião que o presidente Lula.
III. A partir dos fragmentos lidos, é possível que o título ou manchete desse artigo seja: ―Pré-
sal: esperança para o pobre?‖.
IV. Nesse artigo, a jornalista Raquel Derevecki cumpre apenas a função de informar, isto é,
não podemos depreender desses fragmentos sua análise ou opinião sobre o tema.
146

Estão corretas:

A) Apenas I, III e IV.


B) Apenas II e IV.
C) Apenas III e IV.
D) Apenas I e III.
E) Apenas I e IV.

Essa questão traz como tema específico o destino dos lucros das reservas do pré-sal, e
sobre esse tema opinam, nos fragmentos do texto-base, o presidente Lula, o economista
Waldir Kiel e o presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli. É importante compreender
que as opiniões apresentadas divergem entre si e existem algumas críticas nas linhas e nas
entrelinhas do texto.

Vamos considerar cada uma das assertivas:

I. É preciso analisar se a fala do presidente da Petrobras corresponde ou não ao significado


ali sugerido. A partir da leitura atenta e do raciocínio lógico, pode-se compreender que a
declaração reservas não são ‘vaca leiteira’ em termos de dinheiro (4° parágrafo) é uma
crítica ao que foi dito pelo presidente Lula, temos que ter conhecimento e utilizar parte desse
dinheiro para tirar o povo da pobreza (2° parágrafo). Portanto, dessa relação, pode-se
considerar que essa assertiva está correta.

II. O texto deixa claro que Waldir Kiel discorda do presidente Lula. Para o economista, fazer
afirmações a respeito do lucro esperado das reservas é arriscado, pois as declarações [do
presidente Lula] não passam de hipóteses (3° parágrafo). Ao discordar do presidente,
percebe-se que sua posição com relação ao destino do lucro das reservas não é otimista.
Portanto, essa assertiva está incorreta.

III. Essa assertiva está correta, uma vez que a sugestão de título, Pré-sal: esperança para o
pobre?, é possível, porque trata-se de uma interrogação que se encaixa perfeitamente no
texto. Se fosse uma afirmação, a alternativa não estaria correta, pois a intenção da matéria
é questionar as declarações do presidente Lula, levando o leitor a tirar suas próprias
conclusões.

IV. É preciso voltar ao texto e investigar se, na escrita da matéria, a jornalista Raquel
Derevecki apenas informa, ou se em algum momento ela também assume uma posição
diante do tema. O leitor atento pode perceber que o último parágrafo, inteiro, não traz meras
informações ou declarações de terceiros; nesse parágrafo, a jornalista expressa sua opinião,
sua análise e seu posicionamento frente ao assunto em discussão. Portanto, essa assertiva
está correta e a opção que deve ser assinalada é a letra D.

Note que nenhuma das assertivas pode ser recuperada explicitamente nas linhas do texto. É
necessário inferir informações, analisar e relacionar partes diferentes do texto para saber
quais assertivas estão corretas.
147

3) Questões que envolvem avaliação e julgamento: para respondê-las, o leitor precisa


LER POR TRÁS DAS LINHAS do texto e fazer uma reflexão sobre o assunto para dar
uma resposta satisfatória à pergunta.

Exemplo:

Segundo a professora Maria Lucia S. Barroco, a ética pode ser entendida nos seguintes
termos: ―[...] uma ação prática consciente, que deriva de uma escolha racional entre
alternativas e orienta-se por valores que buscam objetivar algo que se considera ―valoroso‖,
―bom‖, ―justo‖, contêm algumas mediações essenciais: a razão, as alternativas, a
consciência, o projeto que queremos realizar, os valores éticos, a responsabilidade em face
das implicações objetivas da ação para os outros homens, para a sociedade.‖ (BARROCO,
M.L.S. Ética, Direitos Humanos e Diversidade. In: Cadernos Especiais, n.37. Disponível em
www.assistentesocial.com.br). Como se pode apreender, a ética exerce uma função
primordial para a vida dos homens em sociedade. A partir dessas informações, considere o
conteúdo da charge abaixo.

Fonte: http://ivancabral.blogspot.com/

A partir das informações apresentadas acima, analise as assertivas:

I. No dia de finados, é celebrado o dia da ética no Brasil.


II. Na sociedade contemporânea, os valores éticos ocupam lugar de destaque.
III. A ética parece ter sido literalmente enterrada no mundo contemporâneo.
IV. Na sociedade atual, os valores derivam de uma sociedade de mercado voltada para a
lógica de consumo.

Est(á)ão correta(s):

A) Apenas II, III e IV.


B) Apenas I, II e IV.
C) Apenas II.
D) Apenas I e IV.
E) Apenas III e IV.
148

O primeiro texto traz informações explícitas sobre o significado de ética. No segundo, temos
uma charge constituída por elementos verbais e não-verbais que expressam, implicitamente,
ideias sobre o mesmo assunto que o texto informativo. Entre os elementos verbais
visualizados na charge, encontramos a expressão finados, seguido do sinal de reticências, e
a palavra ética. De imediato, o que chama a atenção é o formato de cruz da letra ―T‖ na
palavra ética e outras cruzes que compõem o plano de fundo da charge.

Nesta questão, o leitor precisa considerar seu conhecimento prévio sobre ética (o próprio
texto informativo contribui para que o leitor amplie, confirme ou aclare ainda mais esse
conhecimento) e, a partir da análise conjunta dos elementos da charge, inferir racionalmente
para confirmar ou não as assertivas. Vejamos:

I. Mediante o conhecimento prévio do leitor, pode-se concluir que não existe, no calendário
nacional, dia específico em que se comemore a ética no Brasil.

II. O leitor também pode inferir, com base em sua reflexão acerca de tantos acontecimentos
e episódios que norteiam não apenas o círculo político, mas também o cotidiano das
pessoas comuns, que os valores éticos não ocupam lugar de destaque; pelo contrário, a
falta de valores éticos é que ocupa esse lugar.

III. A partir do conhecimento prévio e ao considerar os elementos verbais e não-verbais da


charge, o leitor é levado a concordar que a ética parece ter sido literalmente enterrada no
mundo contemporâneo. Trata-se de uma inferência possível e coerente que advém da
leitura de mundo e do raciocínio lógico do leitor.

IV. É verdade que, Na sociedade atual, os valores derivam de uma sociedade de mercado
voltada para a lógica de consumo. Essa assertiva, como as demais, não está explícita nos
textos. Ela requer do leitor reflexão e raciocínio a respeito dos valores que regem a
sociedade e acerca da influência que o sistema capitalista e a lógica de consumo exerce
sobre esses valores.

Mais uma vez, nenhuma das assertivas pode ser recuperada literalmente dos textos, porém,
a partir do conhecimento prévio e de inferências feitas mediante o raciocínio lógico do leitor,
conclui-se que a opção correta desta questão é a letra E.

Como você pode verificar, não existem receitas ou fórmulas mágicas para se tornar um bom
leitor e ser bem sucedido nas avaliações acadêmicas. Existem caminhos, técnicas,
estratégias e orientações específicas que precisam fazer parte da sua prática diária
enquanto leitor.

Na leitura dos textos que compõem este material, procure aplicar as estratégias
apresentadas neste capítulo, e considere mais algumas orientações importantes para que
você alcance um bom desempenho nas leituras, nos seus estudos e nas avaliações de um
modo geral:

 leia todo o texto, procure ter uma visão geral do assunto;


149

 leia, leia bem, leia profundamente, ou seja, leia o texto, pelo menos, umas três vezes
ou mais;
 leia com perspicácia, sutileza, malícia nas entrelinhas e volte ao texto tantas quantas
vezes precisar;
 tente inferir o significado de palavras desconhecidas; se necessário, pesquise-as em
dicionários;
 divida o texto em pedaços (parágrafos, partes) para melhor compreensão;
 questione as ideias, reflita sobre o que é lido;
 grife, circule, faça marcas nas margens do texto que auxiliem na compreensão e
retenção das principais informações;
 não sublinhe nada na primeira leitura, pois somente a partir da segunda e terceira
leituras que você terá condições de distinguir as ideias principais das secundárias.

Especificamente sobre questões de provas acadêmicas:

 verifique, com atenção e cuidado, o enunciado de cada questão;


 procure estabelecer quais foram as opiniões expostas pelo autor, definindo o tema e
a mensagem;
 centralize cada questão ao pedaço (parágrafo, parte) do texto correspondente;
 cuidado com os vocábulos apresentados nas questões: destoa (= diferente de), não,
correta, incorreta, certa, errada, falsa, verdadeira, exceto, e outras;
 quando duas alternativas lhe parecem corretas, procure a mais exata ou a mais
completa;
 não se deve procurar a verdade exata dentro daquela resposta, mas a opção que
melhor se enquadre no sentido da questão e do texto.
Você já sabe que ler exige raciocínio, técnicas, disposição e disciplina. Antes de iniciar a
leitura dos textos que compõem os capítulos deste material, leia, abaixo, um poema
bastante adequado para o momento. Reflita sobre o significado e a importância da leitura.
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FONTES CONSULTADAS
BBC Brasil
http://noticias.uol.com.br/bbc/
Brasil de Fato
www.brasildefato.com.br
Carta Capital
http://www.cartacapital.com.br/app/index.jsp
Carta Maior
http://www.cartamaior.com/templates/index.cfm?alterarHomeAtual=1
Correio da cidadania
www.correiocidadania.com.br
Dhnet
http://www.dhnet.org.br/
El País
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/elpais/
Folha de S. Paulo
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
Folha Online
http://www.folha.uol.com.br/
Le Monde
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/
Sociedade Eticamente Responsável:
http://www.sermaringa.org.br/
O Diário de Maringá
http://www.odiario-maringa.com.br/
Portal Ciência e Vida
http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESCV/index.asp
Portal Exame
http://portalexame.abril.uol.com.br/
Reuters
http://noticias.uol.com.br/ultnot/reuters/
Revista Cult
http://revistacult.uol.com.br/novo/
Revista Espaço Acadêmico
http://www.espacoacademico.com.br/
Revista ISTOÉ
http://www.terra.com.br/istoe/index.htm
Revista PUC VIVA
http://www.apropucsp.org.br/apropuc/index.php/revista-puc-viva
Revista Resistir
www.resistir.info
Revista Veja
http://veja.abril.com.br/index.shtml
Tela Crítica
http://www.telacritica.org/
The New York Times
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/tnyt/
WWF - Brasil
http://www.wwf.org.br/

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