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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU

GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA – LICENCIATURA PLENA

DANIELLE PAIS BALBINO


LAÍS RIBEIRO SOARES

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DA ESCUTA ATIVA NA EDUCAÇÃO


INFANTIL.

SÃO PAULO
2018
DANIELLE PAIS BALBINO
LAÍS RIBEIRO SOARES

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DA ESCUTA ATIVA NA


EDUCAÇÃO INFANTIL.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na


Universidade São Judas Tadeu, como pré-
requisito para a obtenção do certificado em
Pedagogia – Licenciatura Plena.
Orientador: Profº.Dr. Edson Martins

SÃO PAULO
2018
UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU

DANIELLE PAIS BALBINO


LAÍS RIBEIRO SOARES

PRÁTICAS PEDAGOGICAS DA ESCUTA ATIVA NA


EDUCAÇÃO INFANTIL.

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado na


Universidade São Judas Tadeu como parte obrigatória para a
obtenção do título Licenciado em Pedagogia.

São Paulo, _____ de novembro de 2018.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________
_____________________________
_____________________________
DEDICATÓRIA

Dedicamos aos nossos pais por


serem os nossos maiores
investidores, pelo incentivo
constante e por sempre
acreditarem em nossos sonhos. E
a Deus por nos capacitar e ser
essencial em nossas vidas.
AGRADECIMENTOS

Ao professor orientador Edson


Martins. Pelo profissionalismo e
orientação. À Direção e
coordenação da escola em que
trabalhamos, pelo apoio, ajuda e
auxilio na elaboração deste
trabalho. E a todas as pessoas que
direta ou indiretamente colaboraram
para a realização deste trabalho
“Escutar significa estar plenamente atento
às crianças e, ao mesmo tempo, assumir a
responsabilidade por registar e documentar
o que é observado e usar isso como base
para a tomada de decisões compartilhada
com crianças e pais. “Escutar” significa
buscar e seguir e entrar na aprendizagem
enquanto ela ocorre”.
Loris Malaguzzi
Resumo

Este trabalho busca pesquisar como desenvolver práticas pedagógicas


para exercitar nossa escuta e dar voz às crianças na educação Infantil.
Pesquisando a criança com seu jeito próprio de encarar as novas etapas que vão
surgindo em sua vida, em processo de constante construção de conhecimento,
não está sendo vista como sujeito frágil, mas construtor da sociedade a qual
pertence. E assim cabe ao professor propiciar momentos para que a escuta
aconteça.

Por fim, buscamos retratar a importância da escuta do professor, no


contexto de sala de aula na educação infantil, tendo a escuta ferramenta
necessária para a construção de cidadãos que possam agir de forma pensante e
questionadora, requerendo assim uma docência de qualidade, atenciosa e que
proporciona meios para os protagonismos de seus alunos.

Palavras chave: escuta ativa, educação infantil, protagonismo, conhecimento,


escuta sensível, construção.
Abstract

This work seeks to investigate how to develop pedagogical practices to


exercise our listening and give voice to children in Early Childhood Education.
Researching the child with his own way of looking at the new stages that are
emerging in his life, in the process of constant construction of knowledge, is not
seen as a fragile subject, but a constructor of the society to which he belongs. And
so it is up to the teacher to provide moments for the listening to happen.
Finally, we seek to portray the importance of listening to the teacher in the
context of the classroom in early childhood education, listening to the necessary
tools for the construction of citizens who can act in a thinking and questioning way,
thus requiring a quality, attentive and which provides means for the protagonism of
its students.

Keywords: active listening, early childhood education, protagonism, knowledge,


sensitive listening, construction.
SUMÁRIO
Apresentação..........................................................................................................10
CAPÍTULO I: CONTEXTO HISTÓRICO..................................................................11
1.1 O que é a escuta?.............................................................................................14
1.2 A escuta ativa na Educação Infantil...................................................................16

CAPÍTULO II: ESTUDO DE CASO.........................................................................18


2.1Contextos da escola............................................................................................18
2.2 Estudos de Casos..............................................................................................21

CAPÍTULO III: RELAÇÃO TEORIA E ESTUDOS DE CASO.................................25

3.1 A Pedagogia da Escuta desenvolve a construção do conhecimento e impulsiona


a criança para a interação social e com o espaço em que o cerca..........................25
3.2 O escutar é se conectar ao outro, com uma interação daquilo que é dito e
express................................................................................................................26
3.3. Observando e escutando as linguagens percebe-se que as crianças vivem na
busca de sentido.......................................................................................................28
3.4 A documentação pedagógica como um instrumento para a escuta...................29
3.5 A criança torna-se protagonista de sua aprendizagem e participa da construção
do currículo escolar.............................................................................................30
Considerações Parciais.........................................................................................34
Referências.............................................................................................................36
10

APRESENTAÇÃO

Este trabalho busca pesquisar como desenvolver práticas pedagógicas


para exercitar nossa escuta ativa enquanto educadores e dar voz às crianças na
educação Infantil. Pesquisando a criança com seu jeito próprio de encarar as
novas etapas que vão surgindo em sua vida, em processo de constante
construção de conhecimento, não está sendo vista como sujeito frágil, mas
construtor da sociedade a qual pertence. E assim cabe ao professor propiciar
momentos para que a escuta aconteça.
No capítulo um, trabalhamos o contexto histórico da Pedagogia da Escuta,
em Reggio Emilia baseada no educador italiano Loris Malaguzzi e assim
trouxemos uma fundamentação sobre o escutar e a sua importância no ambiente
escolar e na prática pedagógica para a educação infantil.
No segundo capítulo, abordamos três estudos de casos com alunos de
quatro anos de uma escola da rede privada de São Paulo, que aborda a
Pedagogia da escuta. Nestes estudos colocamos algumas informações que
obtivemos com os professores a respeito das práticas escolares que envolvem a
escuta, valorização e percepção dos seus alunos em seu cotidiano escolar.
O terceiro e último capítulo, trazemos a relação das teorias abordadas no
primeiro capitulo com as vivências dos estudos de casos. E dessa maneira,
buscamos relacionar e pensar sobre os pontos mais relevantes observados nas
práticas desta pedagogia que envolve a escuta em sua rotina.
Por fim, buscamos retratar a importância da escuta do professor, no
contexto de sala de aula na educação infantil, tendo a escuta como uma
ferramenta necessária para a construção de cidadãos que possam agir de forma
pensante e questionadora, requerendo assim uma docência de qualidade,
atenciosa e que proporciona meios para os protagonismos de seus alunos.
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CAPÍTULO I: CONTEXTO HISTÓRICO

De acordo com o livro As Cem Linguagens da Criança, a pedagogia da


escuta surgiu por meio de Loris Malaguzzi que nasceu em Correggio em 23 de
fevereiro de 1920, formado em pedagogia pela Universidade de Urbino. Em 1940
ele começou a ensinar nas escolas primárias, de 1941 a 1943 em Sologno, uma
vila no Appennino Regiano, uma aldeia do município de Villa Minozzo.

A linha pedagógica hoje conhecida como Reggiana ou Malaguzziana


nasceu no norte da Itália, em uma cidade chamada Reggio Emilia. Após o fim da
Segunda Guerra Mundial e devido à devastação que tomou conta da Itália, a
comunidade de Reggio Emilia se mobilizou para reconstruir a cidade. Foi assim,
que Loris tomou a frente de uma nova experiência educativa, pautado no
protagonismo, na criação coletiva e na valorização do cotidiano. Seu pensamento
foi fundamentado empiricamente nos anos de pesquisa que realizou em Reggio
Emilia, em teorias de Piaget e Vygotsky, que tinham os mesmos pensamentos a
respeito da educação, tais como: a criança é o protagonista de sua educação, a
aprendizagem acontece de forma significativa, através do desejo do aluno, da
rotina, e bagagem que o aluno traz.

Em abril de 1945, ele se juntou ao projeto ambicioso de um grupo de


pessoas comuns de origem camponesa e trabalhadora que, em uma pequena
aldeia no campo perto de Reggio Emilia, decidiram construir e dirigir uma escola
para crianças. A partir desta faísca nascerá mais tarde outras escolas nos
subúrbios e nos distritos mais pobres da cidade, todos auto gerenciados.

Baseado nisto, é perceptível que Malaguzzi teve uma sensibilização em


analisar que antigamente as escolas não tinham um olhar de cuidado, atenção para
as crianças e com isso, começou a preservar a criança como o foco principal na
educação, dando importância para as necessidades e as bagagens de vida de cada
um.
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“As experiências passadas que tentávamos preservar eram o calor


humano, auxílio recíproco, a sensibilidade em escutar, observar e
refletir o outro, o senso de realizar um trabalho que revelava -através
das crianças e suas famílias- motivação e recursos desconhecidos e
uma consciência quanto aos valores de cada projeto e cada escolha
para o uso no planejamento de atividades completamente
diferentes. Desejávamos reconhecer o direito de cada criança de ser
um protagonista e a necessidade de manter a curiosidade
espontânea de cada uma delas em um nível máximo. Tínhamos de
preservar nossa decisão de aprender com as crianças, com os
eventos e com as famílias, até o máximo de nossos limites
profissionais, e manter uma prontidão para mudar pontos de vista,
de modo a jamais termos certezas demasiada.” (MALAGUZZI apud
GANDINI, 1999, p.60-61.)

De acordo com isso, vemos que a relação recíproca e interativa entre o


professor e os alunos deve ocorrer através da parceria, na qual interesses e
envolvimentos sejam respeitados para que um objetivo comum seja alcançado: o
saber. Obtendo assim, uma aprendizagem muito mais significativa.
Segundo Malaguzzi (1999), a pedagogia da escuta é baseada na crença de
que as crianças têm habilidades em potencial, curiosidade e interesse na
construção de sua aprendizagem. Desta forma, cultiva o desenvolvimento
intelectual, emocional, social e moral das crianças.
Com isso, o foco da aprendizagem está na criança, não isoladamente, mas
em conjunto com outras crianças, a família, os professores, o ambiente da escola
e da sociedade.

Lóris diz que quando refletia sobre o aprender e ensinar acreditava que as
crianças podiam construir sua aprendizagem, e assim, Malaguzzi retoma
características das pesquisas de Jean Piaget:

[...] O objetivo da educação é aumentar as possibilidades


para que a criança invente e descubra. As palavras não devem ser
usadas como um atalho para o conhecimento. Como Piaget,
concordamos que o objetivo do ensino é oferecer condições para
a aprendizagem. (EDWARDS, FORMAN E GANDINI, 1999, p. 93).
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Sendo assim, a Pedagogia da Escuta segue a linha construtivista de Jean


Piaget, pois é uma linha pedagógica que procura instigar a curiosidade, já que o
aluno é levado a encontrar as respostas a partir de seus próprios conhecimentos e
de sua interação com a realidade e com os colegas.
Desta maneira, a atenção é dada à forma de aprendizado, permitindo a
compreensão à formação e transformação de ideias em diferentes contextos.
Sendo assim, o construtivismo propõe que o aluno participe ativamente do próprio
aprendizado, mediante a experimentação, a pesquisa em grupo, o estimulo a
dúvida e o desenvolvimento do raciocínio, entre outros procedimentos. A partir de
sua ação, vai estabelecendo as propriedades dos objetos e construindo as
características do mundo.
A abordagem de Vygotsky também está em concordância de como é visto o
ensino e aprendizagem nas escolas de Reggio Emilia, para Malaguzzi:

“Vygotsky lembra-nos de como o pensamento e a


linguagem operam juntos para a formação das ideias e para o
planejamento da ação e, depois, para a execução, controle,
descrição e discussão desta ação.” (EDWARDS, FORMAN E
GANDINI 1999, p. 95).

Desta maneira, também se apoia na linha interacionista de Vygotsky, porque


acredita que o sujeito é capaz de construir o seu conhecimento por meio da
interação com objeto que está em seu meio, apoiando-se na ideia de interação
entre organismo e o meio e vê a aquisição de conhecimento como um processo
construído pelo indivíduo durante toda a sua vida.
Por fim, a escuta ativa baseia-se na criança que constrói o próprio saber,
propondo que o aluno participe ativamente do próprio aprendizado, mediante a
experimentação, a pesquisa em grupo, o estimulo, a dúvida, o desenvolvimento do
raciocínio, da comunicação e outros procedimentos. Considerando que a criança
tem uma necessidade natural de ser amada, aceita, acolhida e ouvida, e, neste
sentido, o professor é quem desempenha tal papel, acolhendo todas essas
individualidades, tendo a tarefa de articular, problematizar, desafiar, facilitar e
mediar o conhecimento que está sendo apresentado. Com isso, ter uma escuta
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sensível, torna-se essencial, pois, estabelece os vínculos cognitivos, afetivos e


sociais de uma relação, que é construída através das experiências, vivencias
aprendizados que são compartilhadas e respeitadas entre eles.

1.1 O QUE É A ESCUTA?

“O escutar pode ser definido como a sensibilidade de estar


atento ao que é dito, ao que é expresso através de gestos e
palavras, ações e emoções. O conceito encontra-se relacionado ao
ouvir com atenção”. SERQUEIRA, T.C S. SOUSA, 2011, p.
15-30.

Mediante isso, o escutar é se conectar ao outro, com uma interação


daquilo que é dito e expresso, afinal, a escuta é um movimento sensorial, pois se
escuta com todo o corpo, nos provocando a reciprocidade daquilo que é dito,
interpretando e produzindo um sentido.
A criança tem o direito fundamental de ser ouvida e de ter suas opiniões
consideradas. Elas nos dão informações de diferentes formas, sendo importante
garantir modos de apoiá-las a demonstrarem seus pontos de vista e aprendermos
os modos diferentes de “escutá-las”, isto é, ouvir atentamente e observar reações
e respostas, considerando a ação apropriada visível, que pode ser registrada,
compartilhada, discutida e examinada.
Assim, inicia-se uma escuta sensível, que parte do senso comum, de um
simples ato de amor de mãe para com o filho, que rompe barreiras e passa a
existir em outros espaços como hospitais, escolas, empresas, em que há relações
estabelecidas entre pessoas que em algum momento de sua vida necessitam de
um acolhimento de ser escutado, ou para lidar com o sofrimento, ou para lidar
com alegrias.
Uma sensibilidade para escutar requer, antes de tudo, uma presença
meditativa. Ou seja, a plena consciência de se estar com aquilo que é aqui e
agora, no mínimo gesto, na mínima atividade da vida quotidiana. E assim, a
pessoa que está neste processo meditativo está em um estado de hipervigilância,
ou seja, de suprema atenção, o contrário de um estado de consciência dispersa.
Por esta razão, a escuta, neste caso, é de uma sutileza inigualável.
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René Barbier, autor que fez estudos sobre a escuta sensível, afirma
que tal escuta é importante na educação, pois se torna uma relação dialética
entre ensinar e aprender, pois nesse contexto, acreditamos que todos são
capazes de ensinar e aprender. E obter esse sentimento de identificação entre os
pares é o ponto de apoio para a escuta sensível, afinal, aquele que escuta está se
abrindo para aprender e compreender a quem ouve, havendo uma troca de
experiências em ambas as partes.

“O pesquisador deve saber sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro,


para compreender as atitudes, os comportamentos, os sistemas de ideias, de
valores, de símbolos, de mitos”. RENÉ, B. 2002, p. 93.

Baseado no trecho acima, vimos que o educador ao estar com seus


alunos, precisa sentir o universo deles, para compreendê-los de uma maneira
mais completa e singular, considerando todo o repertório e cultura que as
crianças trazem à escola, e assim, os professores têm a oportunidade de acessar
um contexto de diversidade de experiências, saberes e potenciais que seus
alunos oferecem, contudo, diante da rotina são silenciadas, pouco escutadas,
pouco afirmadas. E é justamente dessa ausência de ter uma experiência mais
vagarosa e íntima que emerge a necessidade de colocar a escuta sensível em
ação.
Por fim, esse tipo de escuta supõe confiança absoluta nas possibilidades
de evolução do indivíduo. Saber escutar o outro é ter a vontade de escutar o
desejo do outro, na sua complexidade, colocando em prática a empatia, a qual é
um ponto a ser considerado para que a escuta sensível seja o equilíbrio entre o
eu e a experiência do sujeito. A empatia aqui referida é uma forma de ser, de
quem escuta. Portanto é algo que pode ser complexo, exigente e intenso, ainda
que sutil e suave (ROGERS, 1977). Ou seja, a empatia ao escutar pode
proporcionar para quem escuta o sentimento de nos colocarmos no lugar do outro
para assim, melhor compreende-lo. E isso, para a criança, traz a confirmação de
sua existência e tal reconhecimento pode ajudá-la a se auto perceber como uma
pessoa única, valorizada e possuidora de uma identidade.
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1.2 A ESCUTA ATIVA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A Educação infantil é um tempo de cuidado, brincadeiras e respeito à


individualidade. Por isso, é importante pensar de que modo é significativo
valorizar a criança na Educação Infantil, porque, muitas vezes, a criança passa
muito tempo na escola e precisa manifestar seus desejos para compreender
melhor seu espaço.
A escuta sensível, quando exercitada, se oferece em atenção do sujeito
ao mundo, ao seu entorno e a si mesmo. Vivemos numa sociedade muito
barulhenta, com excesso de conceitos, imagens e sons. Vivemos o tempo da
aceleração que impede uma conexão mais singular, profunda e imediata com as
coisas e, na maioria das vezes, ficamos destituídos de sentidos.
Quando a escuta ativa é negligenciada, as crianças podem ser mal
compreendidas sobre o que pensam. Uma forma de compreendê-las sobre o
que sentem é observa-las enquanto brincam, pois o brincar é uma ótima forma
de escuta, a criança sem ver ou perceber relata o que está havendo, o que
pensa e o que sente.
Mediante isso, percebe-se que ela é um sujeito ativo que tem vez, tem
voz e precisa contribuir na formação do currículo, com a sua fala autônoma,
relatando suas preferências que devem ser reconhecidas. Nisto, a relação do
professor–aluno é crucial para exercer as atividades em aula, mas, é preciso
que o professor se mobilize e perceba a presença da criança em sua prática e
qual é o lugar que ela está ocupando, formando uma relação de respeito que
prevalece em um processo educativo com qualidade.
Deste modo, a escuta ativa torna-se uma porta de entrada para
entendermos como concentrar nossa atenção nos modos como as crianças
extraem sentido no mundo, estabelecem conexões, desenvolvem teorias,
constroem hipóteses, mudando o modo como pensamos a respeito delas,
enxergando mais claramente seu incrível potencial, riqueza, talentos, visões de
mundo e as relações com o mundo a sua volta.
Sendo assim, observando suas linguagens e praticando a escuta ativa,
entendemos que elas se envolvem naturalmente e ativamente na busca de
sentido e, assim fazendo, estão em processo de construção de significado. Ao
invés de abandonar a criança em suas próprias emoções e descobertas, é papel
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do adulto ajudá-la em sua auto regulação, que passa por ajudá-las a nomear o
que sentem e descobrem.
Por fim, o educador que pratica uma escuta ativa permite a criança
enxergar-se como sujeito participativo e protagonista de sua própria história. Não
significa que o professor deve fazer suas vontades, mas criar condições para que
a criança se desenvolva diante das descobertas, experiências e aprendizagens. É
direito de a criança frequentar uma escola de Educação Infantil de qualidade que
respeite o seu modo, isto é, ser, ver, interpretar e compreender o mundo.
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CAPÍTULO II: ESTUDO DE CASO

Este capítulo destina-se em apresentar dois estudos de caso que ocorram


em uma escola privada em São Paulo com crianças de quatros anos, com a
finalidade de fazer uma relação com a teoria abordada no capítulo anterior.
O estudo foi feito baseado em observação-estruturada com não
participação, ou seja, o pesquisador não interage com o objeto de estudo no
momento em que realiza a observação. Com isso, essa técnica, diminui
interferências do observador naquilo que está observando, permitindo o uso de
instrumentos de registros, como fotos e anotações.

2.1 CONTEXTOS DA ESCOLA

A escola possui cerca de 300 alunos na Educação Infantil, entre os


períodos da manhã e tarde, formando no total de 15 turmas. As turmas são
compostas de 10 a 16 alunos, com duas professoras por sala.
Estas classes são dividas em nomenclaturas de acordo com as idades das
crianças, como:

 Mini maternal (um ano e seis meses a dois anos);


 Maternal (dois anos a três anos);
 Jardim I (três anos a quatro anos);
 Jardim II(quatro anos a cinco anos).

A instituição tem como norteadora a proposta de Loris Malaguzzi, a


pedagogia da escuta, pois, a escuta ativa permite a criança enxergar-se como
sujeito participativo e protagonista de sua própria história. Em que os educadores
podem criar condições para que a criança se desenvolva diante das descobertas,
experiências e aprendizagens.
Por isso, possui diversos espaços que despertem e desafiem as crianças,
mostrando que ela é capaz de fazer, montar, que é um ser pensante, que sua
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opinião e pensamento, têm voz dentro da sala de aula sendo protagonista da sua
aprendizagem.
Sendo assim, tais espaços são utilizados por todas as turmas mediante
uma programação organizada pela coordenação no início do ano. Estes espaços
são:
 Vila: está no centro da escola, possuindo alguns cantos com propostas
diferentes, como: o ateliê de artes com materiais de tinta, folhas, pincéis,
painel, o canto das fantasias que possuem diversas fantasias para serem
utilizadas pelas crianças, e o canto da cozinha experimental, destinado a
culinárias e experiências, há uma mesa grande com 20 lugares, pia na altura
das crianças e materiais de cozinha como: liquidificador, batedeira, bacia,
tábuas, colheres, rolos, toucas e aventais.
 Quadra coberta: espaço para atividades corporais, coletivas e individuais.
 Sala de Multimeios: sala que contém instrumentos musicais, como baterias,
teclados e pequenas violas para serem utilizadas em atividades musicais;
 Bosque: um espaço com área verde ao ar livre, com árvore, tanque de areia,
flores, e objetos para brincar no local;
 Sollarrium: Espaço ao ar livre em que as crianças tenham contanto a luz do
sol;
 Área do Integral: espaço destinado às crianças que ficam na escola antes ou
após do seu horário de aula, com salas e espaços lúdicos;
 Dois Refeitórios para os momentos de alimentação;
 Quatro banheiros.

As salas de aula são bem diferentes do comum, pois, uma sala de aula
comum possui carteiras enfileiradas, quadro-negro na frente, professor de pé
discursando e alunos sentados escutando, contudo, estas salas possuem outra
organização, sendo estabelecida por “cantos”: ateliê de artes, aconchego, canto
da leitura, cozinha, quarto, e a pedana.
O espaço do ateliê é composto por materiais para artes, como: pincéis, giz
de cera, canetas hidrográficas, lixa e papéis coloridos.
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O aconchego e canto da leitura ficam em um canto da sala com um


colchonete quadrado grande, almofadas e uma caixa com diversos livros infantis.
Nele as crianças sentam para fazerem suas leituras, rodas de conversa, ou
utilizam para descansar quando indispostos.
A cozinha é organizada com uma geladeira, pia, e fogão feitos de madeira,
todos da altura das crianças. Nela contêm utensílios de cozinha de plástico, e
algumas embalagens reais de produtos domésticos, como pote de manteiga, lata
de achocolatado, potes de requeijão e entre outros.
O quarto é organizado com um mini guarda-roupas e uma penteadeira de
madeira, com bonecos, roupas e tecidos, pentes, tubos de creme vazios, óculos,
celulares e telefones.
A Pedana é uma base plena feito de madeira com 20 cm elevados ao chão
com objetos não estruturados: cones de linha vazios, tocos de madeiras em
formatos de quadrado, círculos e retângulos e em diversos tamanhos, possuem
esse nome, pois tais objetos não foram criados para serem brinquedos, mas as
crianças os utilizam como tal.
Outro canto possui uma mesa quadrada grande, em que nela são
realizadas as atividades em subgrupos de três crianças, sendo conduzidas pela
educadora. Enquanto a professora está com um subgrupo, as demais crianças
utilizam os outros espaços da sala.

A educadora com quem foi realizado o estudo de caso contou que antes de
organizar os espaços faz pesquisas por meio de observações das brincadeiras e
conversas entre as crianças, estando atenta àquilo que é interessante e desafiador
aos seus alunos.
Com isso, pudemos perceber que após as observações da educadora, ela
pode fazer uma melhor seleção de materiais, planejar atividades significativas,
sempre conduzindo os alunos a pensarem e questionarem, sem dar respostas
prontas. Tudo para que as crianças possam aprender a entender o mundo em que
estão inseridas. Logo, o olhar atento sobre os interesses, as relações, a
personalidade e as interpretações das experiências das crianças são essenciais
para que o educador avalie a reação à sua proposta e reveja suas práticas para
realizar propostas mais significativas aos alunos, contribuindo na construção do
conhecimento.
21

2.2 ESTUDOS DE CASOS

Estudo realizado na data de 24, de abril de 2018.

A turma é composta por 15 alunos, dentre eles, seis meninos e oito


meninas, com idades de 3 a 4 anos, Jardim I do período da manhã.
Ao iniciar o dia, a professora recebe seus alunos na mesa, cumprimenta-os
com um beijo no rosto, pergunta se está tudo bem, e ouve as respostas, “sim,
prô”. Após a turma chegar, fez uma roda de conversa no canto do aconchego,
cantou músicas e explicou qual seria a rotina do dia. Depois disso iniciou as
atividades em subgrupo em sua mesa. Enquanto isso, as demais crianças
estavam a brincar nos cantos da sala.
Em certo momento a professora foi sensível em observar e escutar o que
as crianças estavam fazendo, porém, um grupo de três crianças que estavam na
pedana lhes chamou atenção, pois, estavam completamente focados e engajados
em construir uma torre. Nisto um aluno disse: “Nossa parece a Torre Eiffel” em
seguida a aluna que estava participando da construção respondeu “Eu já fui lá!”.
Com isso, a professora aproximou-se do grupo e lhes perguntou: “o que
vocês estão construindo?”. E novamente a aluno tornou a responder “a Torre
Eiffel”. Em imediato a professora começou a fotografar a ação das crianças e a
registrar o momento em um caderno.

Alu
no
de
qu
atr
o
an
os,
co
nst
rui
nd
o a
Tor
re Eiffel.

Ao final do dia, foi perguntado a educadora o porquê ela tinha e registrado


com fotos aquele momento em seu caderno. E ela respondeu:
22

“Eu planejo, coloco em prática, avalio e continuo planejando. Eu


planejo e avalio todo o dia. Quando registramos, clarificamos nosso olhar,
enxergamos aquilo que outrora não notávamos, passamos a nos enxergar
no processo, a perceber peculiaridades.” (Professora da turma).

E assim, vimos que isto é uma rotina da escola, em que cada professor
possui um caderno para registros de momentos desafiadores e descobertas dos
alunos, sendo um documento no qual ela pode planejar as suas aulas baseadas
nas vivências das crianças.
Dessa forma, observamos que no momento de registrar suas observações,
a professora foi cautelosa em separar seu tempo, tornando essa tarefa essencial
para reunir elementos, a partir dos quais é possível promover reflexões sobre o
que os seus alunos estão pesquisando e aprendendo.
Tendo a observação como uma ferramenta necessária para quem trabalha
com a educação. Por ser um olhar intencional, pensa e questiona a respeito do
que vê e quer entender o que está acontecendo. Não é um olhar vago, mas é
atento à espera de descobertas, olhar cuidadoso, observador e olhar reflexivo.
23

Estudo realizado na data de 25 de abril de 2018.

Antes dos alunos chegarem à sala, a educadora havia feito um


planejamento a respeito da descoberta das crianças em relação aos monumentos
culturais comentados no diante anterior. E baseado neste tema, ela pesquisou
alguns monumentos culturais do mundo, imprimiu imagens e as pendurou em um
barbante próximo a pedana.
Foi perguntado a ela, o objetivo de tal atividade, e respondeu que ao
perceber o interesse da turma por tal tema decidiu planejar uma atividade que
envolvesse o assunto para maiores explorações.
Ao iniciar o dia a professora acolheu os alunos da mesma maneira que o
dia anterior, com uma roda de conversa explicando a rotina.
Logo um aluno começou a observar as imagens e percebeu que uma
delas era a Torre Eiffel. E logo toda a sala ficou ao redor observando as imagens.
A educadora perguntou se eles sabiam quais eram as demais fotos, e uma aluna
disse “esse é Jesus”, apontando para a imagem do Cristo Redentor- RJ
completou a mesma aluna: “Eu já fui com os meus pais neste lugar”.
Outra apontou para a Torre Eiffel e disse “Construí essa Torre ontem” e a
professora perguntou “Como você soube construir?” E respondeu “Porque fui de
avião até lá”. A professora registrou as respostas no caderno. E assim, ela foi
explicando sobre cada foto e o lugar em que pertenciam.
Em um momento em que as crianças estavam brincando nos cantos da
sala, um grupo de crianças estavam tentando reproduzir os monumentos com os
materiais não estruturados disponíveis na pedana, com o Cristo Redentor e a
Pirâmide Maia localizada no México.
A professora ao perceber a movimentação dos alunos em suas
construções começou a gravar esse momento com fotos e registros em seu
caderno para posteriores planejamentos e assim deu o horário de saída dos
alunos e foram embora.
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Estudo realizado na data de 26 de abril de 2018.

A rotina iniciou da mesma maneira como nos dias anteriores, com uma
roda de conversa sobre as atividades do dia e as propostas que a professora faria
com os alunos.
Após isso, a educadora deixou os alunos irem à pedana para fazerem
construções. Nisto, surgiu um aluno que estava muito engajado em uma
construção, ficando envolvido nesta proposta por cerca de 10 minutos. Ao
finalizar, exclamou para todos: “Gente, esse aqui é o Egito, ele é grande assim
desse jeito, e aqui embaixo ficam as esculturas, olha como elas estão, tudo aqui
juntinho no Egito”. Naquele momento todos ficaram ao redor observando aquela
construção. E assim, a professora pediu para que todos formassem uma roda, e
perguntou: “Vocês sabem algo sobre o Egito?”. E uma aluna respondeu: “é aquele
lugar das múmias”. E com isso, a educadora pegou um Ipad, e perguntou: “O que
vocês querem saber sobre o Egito?”. E as repostas foram: “Onde fica?”, “quem
mora lá?”, “por que lá tem muita areia?”, “É muito longe daqui?”. E desta maneira,
juntos foram pesquisando com a professora as reposta das curiosidades
levantadas pelos alunos.
Ao finalizar o dia, foi perguntada a professora o porquê daquela roda de
conversa após a construção do aluno. E ela nos disse que por mais que haja um
planejamento feito, ela não poderia perder a oportunidade de trabalhar com os
alunos aquele assunto que deixou a todos curiosos. E com isso, eles teriam uma
aprendizagem muito mais significativa aos alunos, pois foi um assunto que partiu
deles, uma curiosidade que surgiu por meio de uma construção e isso deve ser
valorizado e considerado durante os planejamentos e as propostas, afinal os
alunos participam da construção do currículo e são os protagonistas das suas
descobertas, segundo a professora.
25

CAPÍTULO III: RELAÇÃO TEORIA E ESTUDOS DE CASOS.

Este capítulo destina-se a relação das teorias abordadas sobre a


Pedagogia da Escuta com os Estudos de caso apresentados no capítulo
anterior, para que a teoria seja relacionada em sua prática escolar com crianças
de quatro anos.

3.1 A Pedagogia da Escuta desenvolve a construção do conhecimento e


impulsiona a criança para a interação social e com o espaço em que o
cerca.

A ex-diretora dos centros municipais para a primeira infância de Reggio


Emilia e sucessora de Loris Malaguzzi, Carla Rinaldi diz:

“É aqui que a escola entra: em primeiro lugar, ela deve ser


um “contexto de múltipla escuta”, envolvendo professores e
crianças, individualmente e em grupo, que devem escutar a si
mesmos e aos outros. Esse conceito de contexto de múltipla
escuta sobrepõe-se a relação tradicional de ensino-aprendizagem.
O foco muda para a aprendizagem - a autoaprendizagem da
criança e a aprendizagem alcançada pela turma de crianças junto
com os adultos.” RINALDI (2016, p. 238)

Assim, a escola assume um novo papel, que lhe confere uma identidade e
uma responsabilidade com essa criança que dela faz parte. Ela deixa de ser um
espaço de transmissão de saberes e cuidados, para assumir um papel de
reveladora de potencialidades das crianças, sendo construída de maneira
coletiva, baseada na escuta não só das crianças, mas também dos professores,
das famílias e da comunidade como um todo.
No estudo de caso, a educadora contou que faz observações e
pesquisas das brincadeiras e conversas entre as crianças, estando atenta àquilo
que é interessante e desafiador aos alunos para assim organizar a sala de uma
forma significativa para eles, ou seja, cada canto da sala possui uma proposta
intencional previamente estabelecida pela professora baseado nas pesquisas.
26

A maneira como os materiais são oferecidos, e a seleção desses


materiais, a escolha do espaço e entre outros aspectos, são ações tomadas pelo
professor que o colocam em um lugar de responsabilidade para com essas
crianças, oferecendo-lhes experiências carregadas de significado. Com isso, os
alunos produziam repertórios de suas realidades, ou seja, expressavam ações de
seu cotidiano brincando de cozinhar, lavar a louça, colocar o filho para dormir,
pentear os cabelos, transitando do real para o imaginário.

3.2 O escutar é se conectar ao outro, com uma interação daquilo que é


dito e expresso.

“O escutar pode ser definido como a sensibilidade de estar atento ao que é dito, ao que
é expresso através de gestos e palavras, ações e emoções. O conceito encontra-se
relacionado ao ouvir com atenção”. (CERQUEIRA, 2011, p. 17).

A escuta é um movimento sensorial, pois se escuta com todo o


corpo, nos provocando a reciprocidade daquilo que é dito, interpretando e
produzindo um sentido.
Barbier (1998), afirma que a escuta sensível é importante na educação.
Ele diz que o “outro que escuta” não tem de dizer "a verdade" nem de proclamar
"é preciso". Deve simplesmente escutar e responder adequadamente à
demanda, frequentemente implícita, do aluno, do professor, etc.
Em todas as ações a professora tinha a intenção de escutar os
alunos, desde como foi o seu dia, até o final da rotina.
Enquanto as crianças brincavam a educadora observava as falas,
expressões e as reações, ela reparava na transição em que as crianças
facilmente articulavam entre o real e o imaginário durante a brincadeira, levando
em consideração o que aquilo significava naquele contexto e na singularidade de
cada criança.
27

“Ao iniciar o dia, a professora recebeos seus alunos na mesa,


cumprimenta-os com um beijo no rosto, pergunta se está tudo bem, e ouve
as respostas, “sim, prô”. Após a turma chegar, fez uma roda de conversa
no canto do aconchego, cantou músicas e explicou qual seria a rotina do
dia [...] a professora foi sensível em observar e escutar o que as crianças
estavam fazendo, porém, um grupo de três crianças que estavam na
pedana lhes chamou atenção, pois, estavam completamente focados e
engajados em construir uma torre. Nisto um aluno disse: “Nossa parece a
Torre Eiffel” em seguida a aluna que estava participando da construção
respondeu “Eu já fui lá”. Com isso, a professora aproximou-se do grupo e
lhes perguntou: O que vocês estão construindo? E novamente a aluno
tornou a responder “a Torre Eiffel”. Em imediato a professora começou a
fotografar a ação das crianças e a registrar o momento em um caderno.
(Trecho do estudo de caso)

A educadora tinha uma interação participativa também, ou seja, além


de observar ela acompanhava e interagia com os alunos tendo uma escuta
sensível naquilo que as crianças estavam fazendo, brincando, conversando e
entre outros. Além disso, ela ofereceu materiais que estimulavam o pensar e que
permitiam que as crianças criassem e explorassem em caminhos que eram
interessantes para eles, por exemplo, a situação já citada no estudo de caso, da
aluna que se interessou pela torre durante uma construção com materiais não
estruturados na pedana.
Por fim, a criança tem o direito de ser ouvida e de ter suas opiniões
consideradas. Elas nos dão informações de diferentes formas, sendo importante
garantir modos de apoiá-las a demonstrarem seus pontos de vista e aprendermos
os modos diferentes de “escutá-las”, isto é, ouvir atentamente e observar reações
e respostas, considerando a ação apropriada visível, que pode ser registrada,
compartilhada, discutida e examinada.
28

3.3. Observando e escutando as linguagens percebe-se que as crianças vivem


na busca de sentido.

Observar as crianças nos proporciona entendimentos de como concentrar


nossa atenção nos modos como elas extraem sentido no mundo, estabelecem
conexões, desenvolvem teorias e constroem hipóteses, mudando o modo como
pensamos a respeito delas. Desta forma podemos enxergar claramente seu
incrível potencial, riqueza, talentos, visões de mundo e as relações com o mundo
a sua volta.

[...] A professora estava a observar e escutar o que as


crianças estavam fazendo, elas estavam completamente focadas e
engajadas em construir uma torre. Nisto um aluno disse: “Nossa
parece a Torre Eiffel” em seguida a aluna que estava participando
da construção respondeu “Eu já fui lá” [...]. (Trecho do Estudo de
caso)

Nesta situação em que a educadora observou os alunos que estavam na


construção da Torre Eiffel, ela perguntou sobre o que era aquilo e acompanhou
todo esse processo de construção analisando as expressões, como eles
resolveram quando a peça era menor do que precisava, quando a peça caia e
eles reconstruíam, e como eles pensaram na engenharia da torre.
Essas mãos que exploram que testam, experimentam e constroem são
mais um exemplo dessa pesquisa constante que as crianças fazem do mundo a
sua volta.
Isso mostra que o momento das brincadeiras entre os alunos a educadora
deve estar acompanhando esse processo, e não deixar as crianças brincando
para resolver outras coisas. Afinal, é nestes momentos que se pode perceber
aquilo que é significativo para os alunos.
Isto mostra o que Barbier diz que uma sensibilidade para escutar requer,
antes de tudo, uma presença meditativa. Ou seja, a pessoa que está neste
processo meditativo está em um estado de suprema atenção, o contrário de um
estado de consciência dispersa.
Assim, o exercício de olhar para a própria prática deve ser constante, pois
essa reflexão se torna um meio eficaz para o desenvolvimento de uma pedagogia
29

da escuta. Questionar as práticas nos tira do lugar comum nos coloca em


movimento, e o mais importante, nos responsabiliza enquanto profissionais
comprometidos com a infância.

3.4 A documentação pedagógica como um instrumento para a escuta.

Ao conceber as práticas de uma escola que esteja alinhada com a


perspectiva Malaguzziana, requer consciência de obter a chamada documentação
pedagógica. Ela é um dos principais eixos das escolas reggianas e demanda do
educador um olhar atento para aquilo que o próprio cotidiano traz de mais rico
possibilitando a visualização da originalidade dos processos construtivos das
crianças, de suas experiências individuais e em grupo, por meio de textos
escritos, imagens e objetos.
A análise desses documentos ao reunir flagrantes da rotina das crianças da
Educação Infantil, permite aos educadores revisar as práticas docentes para
compreender melhor a cultura da infância, e como disse Malaguzzi, 1999:

“Em toda a escola, as paredes são usadas como espaços para exibições
temporárias e permanentes do que as crianças e os professores criaram: nossas
paredes falam e documentam.”

A visita aos espaços, a conversa com as coordenadoras pedagógicas e


professoras, os contatos com os registros produzidos possibilitaram-nos ampliar o
conhecimento acerca da documentação pedagógica na experiência reggiana, e
percebê-la em suas particularidades.
No estudo de caso, houve um momento em que foi perguntado a
Educadora o porquê ela tinha fotografado e registrado a construção da torre Eiffel
em um caderno. E ela respondeu que isto é uma rotina da escola, em que cada
professor possui um caderno para registros para relatar os momentos
desafiadores e descobertas dos alunos, sendo um documento no qual ela pode
planejar as suas aulas baseadas nas vivências das crianças.
30

Por fim, a documentação pedagógica tem como foco a criança em seu


processo de pensamento, investigação e formulação de projetos; procura-se
registrar o que a criança diz e faz, de forma escrita e visual, utilizando-se, por
exemplo, protocolos ou fichas de observação, fotos, vídeos e o acompanhamento
de pequenos grupos. Busca-se, pois, fixar no tempo, a ação individual de cada
criança, seu percurso que revela a sua forma de pensar e sua lógica.

3.5 A criança torna-se protagonista de sua aprendizagem e participa da


construção do currículo escolar.

Ao mencionar sobre a criança ser a protagonista em sua


aprendizagem, a Psicopedagoga Márcia Lonara Piovezani diz:

“Quando refletimos sobre o conceito de protagonista


pensamos em um sujeito que tem o primeiro lugar em um
acontecimento. É nesse sentido que entendemos que a criança
tem que ser a protagonista de seu processo ensino/aprendizagem.
Nessa perspectiva ela é um ser atuante enquanto cidadã, que
produz e reproduz cultura, constrói seu conhecimento, ou seja, é o
centro do processo.” (PIOVEZANI, 2016).

Baseado nisto, quando o aluno passa ser protagonista ele relaciona a sua
visão do mundo com seu contexto atual. Entretanto, isso mostra que o professor
deve ampliar, diversificar e sistematizar seu repertório cultural de conhecimentos
de si e do mundo que a rodeia, estando atento para observar, ouvir as crianças e
buscar os seus interesses para depois propiciar estímulos que tenham significado.
Desta maneira, o educador pode relacionar as descobertas de seus alunos
ao currículo escolar. Nas Diretrizes Curriculares Nacionais, o currículo é definido
como:
“Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes
das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural,
artístico, científico e tecnológico.”
Ou seja, currículo não é aquele que está pronto antes mesmo de
conhecermos as crianças, que se traduz em uma série de “atividades” prontas que
31

vamos aplicando progressivamente para elas, que já está posto e cabe ao


educador apenas aplicá-lo.
O Currículo vai sendo construído no dia-a-dia, junto com os pequenos,
considerando quem são, o que sabem e como pensam o mundo. Por isso, cada
currículo vai sendo construído a partir de cada grupo.

“E hoje a ideia de ouvir as crianças no plano


pedagógico significa que os saberes escoados não advêm
apenas dos saberes instituídos pelo currículo oficial, mas
podem ser construídos nos saberes instituídos nas relações
dos adultos com as crianças, na construção do
conhecimento. ” (SARMENTO, 2016, p.9)

Isso exige do educador outra postura em relação à educação infantil e aos


pequenos, exige uma escuta profunda das crianças. Afinal, as crianças passam
cerca 04 a 12 horas na escola e o professor deve escutá-la, acolher e criar as
condições para as descobertas.
No estudo de caso, após a educadora perceber que as crianças estavam
interessadas pela construção da Torre Eiffel, ela foi pesquisar sobre aquilo que foi
significativo para os alunos (Monumentos Culturais do Mundo) e criou condições
para que as crianças se desenvolvessem diante das suas próprias descobertas e
experiências. Elaborou um plano de aula sobre monumentos culturais, pois
percebeu que o assunto era interessante aos alunos. E a após a aula, as crianças
estavam ainda mais inspiradas em construir outros monumentos.

“Os professores entendem que as crianças falam


para dizer algo, para se comunicar, como necessidade
básica de qualquer ser humano, e desenvolvem o que
chamam de Pedagogia da Escuta, ou seja, as falas são
registradas e se tornam parte da documentação dos
projetos, relatórios e diários.” (MIRANDA, 2005, p.39).

Baseados nisto, as crianças podem participar ativamente desde a seleção


do tema à análise dos conteúdos que servem ou servirão de estímulo para a
elaboração de novos conteúdos e novos projetos.
32

Assim, o currículo vai tomando corpo conforme os projetos vão se


desenvolvendo e as crianças vão produzindo seus desenhos e/ou
representações. Isso quer dizer que o currículo em uma escola reggiana não é
unificado, nem segue um único padrão estabelecido por diretrizes legais, mas é
flexível, que vai se adaptando conforme as necessidades, interesses das crianças
vão se modificando e curiosidades.
Isto mostra que o educador deve estar sensível para perceber e valorizar o
processo de pesquisa protagonizado pela criança, estimular o pensar permitindo
que os alunos explorem na medida em que estão disponíveis, e oferecer os meios
e objetos que se mostram um caminho para a construção de seu conhecimento.
Segundo Malaguzzi, 1992, p.19:

“Devemos parar de pensar em educar através de


ensino e de currículos prontos. Devemos privilegiar a
autoaprendizagem das crianças e encontrar com elas os
currículos e os campos de experiência. Outra coisa que
surpreende aqueles que procuram conhecer nossa
experiência é que conseguimos acumular grande
patrimônio de observações e pesquisas, todas
documentadas, que confirmam como fomos capazes de
unir fortemente as teorias às práticas. Ver, tocar e
demonstrar é algo extraordinário para uma pedagogia que,
frequentemente, ao contrário, simula, oculta e se limita
somente às palavras.”

Nisto, vimos que é possível tornar a crianças o centro da pedagogia, que a


reconhece como ativa, incentivando e proporcionando meios para que elas sejam
as autoras de seus conhecimentos, por intermédio da sua curiosidade,
envolvimento, desafios e exploração.
Após as pesquisas teóricas sobre a pedagogia da escuta e as informações
levantadas no estudo de caso, podemos ver que as práticas baseadas nesta
teoria tiveram resultados significativos. Por meio das observações em momentos
lúdicos e espontâneos das crianças, percebe-se, que elas vivem em busca de
sentido. Ou seja, em suas brincadeiras, falas e observações, as crianças buscam
um significado daquilo para a sua vida.
33

Outro aspecto que analisamos também, é que diante das propostas feitas
pelas educadoras os alunos mostram-se questionadores, pensantes, levantando
inesgotáveis hipóteses do por que as coisas acontecem; como exemplo, no
estudo de caso sobre o Egito, em que os alunos se questionavam do por que lá
existe muita areia, e do por que existem muitas esculturas.
Isso nos leva a pensar que proporcionar um conteúdo já previamente
estabelecido pela professora não é o suficiente para os seus alunos, e assim
mostra que os alunos podem contribuir para um currículo cheio de significados e
experiências, das quais partiram das próprias crianças.
Por fim, a educação precisa aumentar as possibilidades para que a criança
invente e descubra ao invés de trazer respostas e conceitos prontos. O professor
ao ter uma escuta sensível, e ao utilizar a documentação pedagógica, que é uma
ferramenta importante para registrar os momentos de desafios e descobertas,
pode pesquisar e reavaliar a sua prática docente para realizar propostas mais
significativas aos alunos, proporcionando para as crianças serem as protagonistas
de sua aprendizagem.
34

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

O desenvolvimento deste trabalho de conclusão de curso traz em


discussão o tema as Práticas Pedagógicas da Escuta ativa na Educação Infantil.
Diante deste assunto, nosso objetivo foi analisar tal teoria e seus resultados na
prática escolar para crianças de educação infantil. Considerando que toda
pesquisa realizada foi feita mediante a proposta da escuta ativa, baseada no
educador Loris Malaguzzi.
Com tais pesquisas vimos como as vivências no âmbito escolar
apresentam as possibilidades de articulações, do quanto estamos presentes nas
descobertas de nossos alunos, levando a acreditar no potencial da criança que é
ilimitado.
Loris Malaguzzi acredita que a criança nasce com as suas “cem
linguagens”, que podem ser desenhos, brincadeiras, falas, expressões,
construções e entre outros. E, como educadores, precisamos observar e
pesquisar tais linguagens, para auxiliar os alunos neste caminho de descobertas
para que assim, eles descubram o sentido do que fazem, para dar significados as
suas ações, oportunizando a criança ter o direito de compartilhar os seus saberes.
Diante disto, percebemos que o educador precisa ser sensível para ouvir a
criança atentamente, percebendo as linguagens, os códigos e os símbolos que as
crianças utilizam para se expressar. Dessa maneira, o diálogo tornará significativo
em seu conjunto, através de uma relação recíproca durante o processo de ensino-
aprendizagem, afinal o trabalho na educação infantil deve acolher a criança em
sua singularidade.
Com isso, esta pesquisa possibilitou três estudos de casos, em que
acompanhamos uma Instituição de ensino da rede privada na zona leste de São
Paulo, que tem como norteadora a escuta ativa em suas práticas escolares, na
zona leste de São Paulo.
Tais vivências neste estudo puderam nos mostrar algumas práticas da
escuta ativa que eram feitas diariamente pelo grupo de educadores, por exemplo:
as rodas de conversa, os registros escritos, fotos e vídeos que as professoras
faziam descrevendo momentos de descobertas e pesquisas dos alunos; estes
itens a escola denomina como documentação pedagógica. Tal documentação, as
35

educadoras utilizavam para a construção dos planejamentos, diários e relatórios.


Desta forma dando valor a cada vivência de seus alunos, mostrando que eles são
os construtores de seu conhecimento, contribuindo para a elaboração de um
currículo significativo.
Para concluir, vimos que ter uma escuta sensível é essencial para o
desenvolvimento das crianças em seu processo de ensino, pois, o aluno se torna
o principal protagonista de sua aprendizagem, acontecendo conforme os seus
desejos, curiosidades e interesses, tornando-as pessoas mais reflexivas, criticas,
valorizando a infância, tendo a criança como autora de suas aprendizagens.
Sempre afirmando que a criança é um sujeito ativo que tem vez, tem voz e
precisa contribuir na formação do currículo, com a sua fala autônoma, relatando
suas preferências que devem ser reconhecidas, facilitando a criança enxergar-se
como sujeito participativo e protagonista de sua própria história.
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Referências

Barbier, R. A escuta sensível na abordagem transversal. São Carlos:


UFSCar, 1998;
Escuta de crianças, Programa Paralapracá. 3’17. Disponível em: <https:
//www.youtube.com/watch?v=kMX7zcLpgdk>. Acesso em 18 de abril de 2018;
HAMZE, A. A arte de registrar ideias. Disponível em: <http:
//educador.brasilescola.uol.com.br/trabalho-docente/arte-ideias.htm>. Acesso em:
17 de abril de 2018;
MALAGUZZI, L. História, ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, et al.
As Cem Linguagens da Criança – Volume 1: A abordagem de Reggio Emília
na Educação da Primeira Infância, 2 ed. Penso Editora, 2016;
Na educação infantil é preciso escutar. 3’06’’. Disponível em: <https:
//www.youtube.com/watch?v=ps3h1S1TPuw>. Acesso em: 23 de maio de 2017;

RINALDI, C. Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar e


aprender. São Paulo: Paz e Terra, 2012;

SARMENTO, M et al. Quem está na escuta? Diálogos, reflexões e


trocas de especialistas que dão vez e voz ás crianças. Disponível em:
<http://docplayer.com.br/28009601-Quem-esta-na-escuta-dialogos-reflexoes-e-
trocas-de-especialistas-que-dao-vez-e-voz-as-criancas.html>. Acesso em
25/09/2018

SERQUEIRA, T.C S. SOUSA, E.M. Escuta Sensível: O que é? (Escuta


sensível em diferentes contextos laborais). In: ______. (Con) textos em escuta
sensível. Brasília: Thesaurus, 2011. p. 15-30.

PIOVEZANI, M., A Criança como protagonista do processo ensino


aprendizagem. Disponível em: <https://www.bemparana.com.br/noticia/o-ludico-
e-a-crianca-como-protagonista-do-processo-de-ensino-aprendizagem-->. Acesso
em 26/07/2018.

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